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1 Gestão da Sustentabilidade em Contexto Organizacional: Questão de Comunicação, Diferenciação e de Novos Agires. Autoria: Jaqueline Claudino da Silva RESUMO A gestão da sustentabilidade em contexto organizacional apresenta muitos desafios e poucos avanços. Um grande desafio é encontrar bases teóricas a ela pertinentes. O presente trabalho propõe-se a elaborar um framework que possa orientar uma gestão que almeja ser sustentável. Este deverá ser capaz de alinhar decisões, considerando trade-offs, nas esferas econômica, social e ambiental simultaneamente. Para isso, o estudo inter-relacionou as contribuições de dois eminentes estudiosos da sociedade e das organizações, Niklas Luhmann e Bruno Maggi. Estes sobrepujaram os atuais conceitos de organização e apresentaram perspectivas que enriquecem as bases teóricas sobre a complexa relação: sociedade, organização e indivíduos.

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Gestão da Sustentabilidade em Contexto Organizacional: Questão de Comunicação, Diferenciação e de Novos Agires.

Autoria: Jaqueline Claudino da Silva

RESUMO A gestão da sustentabilidade em contexto organizacional apresenta muitos desafios e poucos avanços. Um grande desafio é encontrar bases teóricas a ela pertinentes. O presente trabalho propõe-se a elaborar um framework que possa orientar uma gestão que almeja ser sustentável. Este deverá ser capaz de alinhar decisões, considerando trade-offs, nas esferas econômica, social e ambiental simultaneamente. Para isso, o estudo inter-relacionou as contribuições de dois eminentes estudiosos da sociedade e das organizações, Niklas Luhmann e Bruno Maggi. Estes sobrepujaram os atuais conceitos de organização e apresentaram perspectivas que enriquecem as bases teóricas sobre a complexa relação: sociedade, organização e indivíduos.

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INTRODUÇÃO É cada vez mais evidente a incorporação das discussões que circundam o

desenvolvimento sustentável e a sustentabilidade nos principais debates acadêmicos e empresariais. Talvez não na amplitude devida, mas principalmente no que se refere a análise, entendimento, explicação e sugestão de novas práticas e conceitos que permitam medir e alcançar a sustentabilidade. O destaque das organizações privadas nessas discussões, diante do atual cenário mundial, tem-se revelado cada vez mais pertinente, pois, centralmente nas três últimas décadas, tem sido a partir de suas orientações que novas ideias, atitudes e normas sociais tem sido incorporadas pela população e transformadas em práticas. Como exemplo cita-se os novos padrões educacionais (Mba's, idiomas, etc) exigidos pelas grandes corporações, bem como o poder das mídias em definir padrões de consumo. Em muitos casos é o mercado que determina o que as Universidades deverão pesquisar e ensinar. No caso de uma organização grandiosa como a Rede Globo, em estudo realizado por Mercuri et al (2011) ficou evidenciado seu grande poder de penetração em todos níveis sociais, utilizando-se principalmente de suas novelas para transmitir mensagens, promover campanhas, criticar ou reforçar ideologias, costumes e até mesmo na busca de conscientização sobre temas polêmicos como casamento homossexual, aborto, e corrupção.

Voltando para o contexto do desenvolvimento sustentável, devido ao papel das organizações na sociedade, emerge a relevância de se refletir sobre uma gestão organizacional capaz de atender às suas premissas. Pois, a partir dessas reflexões seria possível propor diretrizes decisórias que permitissem o repensar do conceito do negócio e o estruturar de uma nova forma de conceber o desenvolvimento. Neste contexto, o presente estudo busca fornecer subsídios para que as empresas – a partir das contribuições de dois eminentes autores até então pouco utilizados em âmbito organizacional, mas que enriquecem o conceito de organização e clarificam novos insights – ganhem alternativas coerentes e consistentes para se aproximarem de uma gestão atinente às premissas da sustentabilidade e se livrarem da crença de que, conforme salientado por Hart e Milstein (2003), a sustentabilidade seja um incômodo unidimensional e não uma oportunidade multidimensional.

Maggi (2006) define organização como um processo de ações e decisões, findo mas não finito, em que a racionalidade decisória é intencional, mas limitada. Dessa forma, concebe a organização como um agir processual coletivo intencional que contribui para sua perpetuação ao longo do tempo. Já para Luhmann (1997), a concepção de organização volta-se para um processo de comunicação que se auto perpetua no tempo, definido pelas “decisões”. As decisões são um tipo particular de comunicação organizacional determinada por seu paradoxo. Ou seja, as organizações são definidas pelo seu paradoxo decisorial, que amplia e delimita ao mesmo tempo seu poder de atuação. Ademais, este autor, por meio da sua visão e análise da sociedade enquanto um sistema social, já identificou, nos anos 80, algumas limitações e propôs caminhos para uma sociedade tonar-se competente em se manter em equilíbrio sistêmico. Um dos objetivos centrais do desenvolvimento sustentável.

Frente às concepções de organização previamente dadas, pode-se relacionar o Desenvolvimento Sustentável e a Sustentabilidade, pois ambos podem ser entendidos a partir de uma visão de sistemas em conflito e negociação. Será proposto neste artigo que a aproximação dos preceitos luhmannianos e Magginianos aos preceitos da sustentabilidade, em contexto organizacional, permitirá aos pesquisadores e praticantes do tema aprofundarem seus entendimentos sobre o complexo relacionamento entre indivíduos, ambiente externo e organizações.

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A partir do objetivo desse artigo os procedimentos metodológicos foram determinados, culminando no desenvolvimento de uma pesquisa qualitativa, teórica, exploratória e bibliográfica. Qualitativa, pois busca analisar e desconstruir estruturas que geram significado. Teórica, pois centra-se na reconstrução de teorias, conceitos e ideias, tendo a função de aprimorar fundamentos teóricos ou propor novos conceitos (DEMO, 2000), justamente como proposto neste estudo. Destaca-se ainda que, segundo o mesmo autor, a pesquisa teórica não é menos importante do que uma intervenção na realidade, pois é a partir dela que será possível criar condições para futuras investigações empíricas.

A pesquisa pode ser tida ainda como exploratória, pois busca, alinhar os preceitos da gestão organizacional aos preceitos da sustentabilidade, explorando a partir daí condicionantes e implicações dessa aproximação.

A fim de atender seus objetivos e para um melhor aprofundamento do tema em discussão, o artigo apresenta seis seções: introdução; seguida por Princípios e Valores de uma Gestão Sustentável; Luhmann e a teoria dos sistemas sociais, onde apresenta-se seus principais conceitos e sua relevância para os propósitos da sustentabilidade organizacional; Maggi e a teoria do Agir Organizacional, onde são apresentados seus principais conceitos e sua relevância para os propósitos da sustentabilidade organizacional; uma quinta seção composta pelas aproximações e diferenças entre as propostas dos dois autores; e por fim, a última seção trata das considerações finais e respostas diretas aos objetivos do artigo.

2. PRINCÍPIOS E VALORES DE UMA GESTÃO SUSTENTÁVEL Longe de esgotar a definição de tais conceitos, o tópico almeja discutir como os

valores de uma organização podem ser aplicados à uma gestão sustentável. Para isto, toma-se como pressuposto que os valores organizacionais podem ser descritos como princípios relativos à tipos de estrutura e modelos de comportamento desejáveis que orientam a conduta da empresa. Sua principal função volta-se para a orientar a vida da organização, bem como guiar o comportamento de seus membros, sendo considerado uma espécie de ideologia que define a organização, no seu modo de agir e decidir. (TAMAYO; GONDIM, 1996).

Desta forma, os princípios organizacionais, baseados em valores, delimitam e norteiam a atuação da organização, garantindo uma estabilidade a longo prazo quanto às suas características (DOSE, 1997), podendo a organização, portanto, agir e decidir pautada por uma linha de atuação que não é modificada a todo instante.

Considerando que estes princípios e valores são a “alma organizacional”, pode-se inferir que é através deste que uma organização delimitará sua conduta em sociedade. Ademais, é através desta concepção que as organizações podem atuar em consonância com os valores de um desenvolvimento sustentável.

A necessidade de uma sustentação conceitual sobre desenvolvimento sustentável no campo organizacional, no entanto, só passou a fazer parte da realidade empresarial nos anos 70 do século XX, na medida em que reuniões organizadas pela ONU e mobilizações sociais faziam emergir uma consciência sobre os limites do crescimento que indicava uma crise no modelo de desenvolvimento até então praticado pela sociedade (BOFF, 2012).

Nesse sentido, o conceito de uma gestão sustentável floresce, a qual implica em práticas empresariais que visam a aplicação e execução de suas atividades de forma sustentável. Segundo Lüdeke-Freund (2009) o modelo de negócio sustentável é "um modelo onde os conceitos de sustentabilidade moldam a força motriz da empresa e da sua tomada de decisão”. Ainda, para Azapagic (2003) as organizações que estão envolvidas no debate sobre

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sua sustentabilidade buscam identificar novos modos de gestão e práticas que se voltem para o refinamento de técnicas que contribuam para o desenvolvimento sustentável sistêmico.

Aderindo à esta visão, Elkington (1999) propõe o triple bottom line, que reforça a ideia de um desempenho excelente às organizações abrangendo concomitantemente três pilares – o econômico, o social e o ambiental – simultaneamente. Da mesma forma, a abordagem sistêmica de Passet (1996) destaca a interdependência dos três pilares principais que permite o acontecimento da sustentabilidade em caráter sistêmico. Outra iniciativa para aproximar as organizações dos princípios da sustentabilidade foi o “Pacto Global”, uma iniciativa das Organizações das Nações Unidas em 1999 que culminou em dez princípios que deveriam subsidiar o processo decisório empresarial. (ALIGLERI, 2011).

O desenvolvimento sustentável em contexto organizacional implica na propagação de práticas coletivas globais, inibindo os efeitos individualistas e imediatistas, tornando a gestão do negócio mais humana, ética e transparente. Isso significa a realização da prática empresarial considerando sim uma lucratividade apropriada, mas efetivamente dependente e não determinante dos níveis de resultados das esferas ambientais e sociais. Destaca-se que esta não é um visão utópica da gestão, mas sim uma visão que considera trade-offs, ou seja, a preocupação com “o que deve ser priorizado e penalizado para uma organização ser sustentável”. Algo que tornam imprescindíveis análises em diferentes contextos e tempos, voltando o processo decisório para os valores e princípios de um desenvolvimento norteado por interesses que beneficiem a coletividade. (HART & MILSTEIN, 2003; MUNCK, 2013)

Em suma, o processo decisório favorável à sustentabilidade deve perpassar todas as rotinas estratégicas, gerenciais e operacionais da organização (ALIGLERI, 2011), interligando-a de maneira sistêmica, contribuindo para uma comunicação que transcorra tanto em direção à alternativa escolhida da decisão, como também em direção às alternativas rejeitadas; colaborando para uma visão mais ampliada do cenário organizacional, não somente no que tange à própria organização, como também à sociedade, cooperando assim, com escolhas mais criteriosas e sustentáveis, que são visualizadas e entendidas por todos os níveis organizacionais (LUHMANN, 1997).

Para isso, é necessário um novo agir organizacional capaz de inserir, concomitantemente, nas ações e decisões de gestão, as dimensões econômica, ambiental e social, prezando não só pelo lucro, não só pelo ambiente, não só pelo social, mas por análises de trade-offs que contemplem o melhor direcionamento organizacional considerando as três dimensões. Partindo de preceitos luhminnianos, essas escolhas estariam constantemente sendo feitas, e a cada nova decisão, novas possibilidades nasceriam, sendo este um processo dinâmico. A figura 1 demonstra os principais valores e princípios estimados em uma gestão sustentável, discutidas neste trabalho.

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Figura 1 – Princípios e valores de uma gestão sustentável Princípios e Valores da Gestão Sustentável

Plataforma de aprendizagem

Difunde a integração das 3 dimensões (social, ambiental e econômica)

Trade-offs

Ciência de que em situações de escolha, geralmente perde-se um aspecto de um lado, mas ganha-se em troca outro aspecto; implicando que a decisão feita envolve tanto o lado bom quanto o lado ruim de uma escolha. Sugere um retorno não imediato, mas resultados mais qualificados a longo prazo.

Visão sistêmica Visão ampliada, abrangendo não só a organização como também toda a sociedade Coletividade Preocupação com o outro. Mesmos interesses compartilhados por todos.

Visão a longo prazo Preocupação com o futuro Humano/social Preocupação e valorização do ser humano

Ética Juízos morais concernentes a conduta humana Transparência Acesso ilimitado à informação sobre todos os aspectos da gestão.

Confiança Crença entre os atores sociais e nas decisões tomadas pela organização

Respeito Sentimento que demonstra estima por uma pessoa, organização, etc. Decisões em constante

construção Processo dinâmico em que o bem da organização e sociedade está constantemente sendo revisto

Reciprocidade Estar aberto à troca de informações e abrir canais de diálogo com todos os envolvidos, direta ou indiretamente

Fonte: elaborado pelos autores, 2014.

3. LUHMANN E AS ORGANIZAÇÕES Niklas Luhmann (1927-1998) pode ser considerado um dos teóricos sociais de maior

expressão do século XX, reconhecido principalmente nos domínios europeus. Seu principal enfoque trata da teoria da sociedade moderna, voltando-se para o funcionamento da sociedade através da visão sistêmica. (BECHMANN; STEHR, 2001). Sua teoria, segundo Seidl e Becker (2006), pode ser situada entre as abordagens mais inovadoras, tendo muitos paralelos com as últimas modalidades sociológicas e com os enfoques pós-modernos.

Sua teoria central trata dos sistemas sociais como sistemas autopoiéticosi de comunicação. Destaca-se que estes sistemas são desmembrados em sistemas vivos, físicos e sociais. Direcionando o foco para os sistemas sociais, estes podem ser divididos em diferentes tipos: sociedade, interação (face-a-face) e organizações. (SEIDL; BECKER, 2006).

A organização é um tipo de sistema social que se auto distingue dentro da sociedade. Ela se auto reproduz baseada nas comunicações de decisões, ou seja, ela é essencialmente o processamento da distinção “decisões/outras comunicações”. Isso significa que a diferença entre o sistema/ambiente é desenhado entre o sistema de decisões e todas as outras comunicações (SEIDL; BECKER, 2006).

A concepção de decisão, para Luhmann (1997), não tem sua identidade em um fato determinado, mas sim, na eleição entre várias possibilidades, sendo paradoxal. Isto se dá pois a decisão baseia-se na seleção de uma alternativa diante todas as demais alternativas dadas, determinando duas distinções interligadas (SEIDL; BECKER, 2006). O processo é ilustrado na figura 2.

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Figura 2 – O paradoxo da decisão

Fonte: Seidl e Becker (2006, p.25).

O paradoxo da decisão remete à uma dupla distinção: ao mesmo tempo que apresenta

a alternativa escolhida, apresenta a relação das alternativas rejeitadas (LUHMANN, 1997). Nesse sentido, o lado marcado pela primeira distinção é tanto marcado quanto desmarcado, pois mesmo as alternativas excluídas estão contidas no lado marcado, indicando que ambas são igualmente válidas, uma vez que são visíveis dentro do lado marcado, e ao mesmo tempo, não são alternativas reais, pois uma alternativa escolhida já foi delimitada. Dessa forma, a decisão não se limita à alternativa escolhida, mas à combinação dessas duas distinções (SEIDL; BECKER, 2006).

Transpondo essa lógica à uma realidade organizacional sustentável, guiada pela análise de trade-offs, percebe-se que as dimensões econômica, social e ambiental podem ser consideradas como pertencentes ao lado marcado, pois são alternativas reais, e ao mesmo tempo, não são alternativas, ao se priorizar uma dimensão em função das demais em algumas situações, e em outros momentos, escolher outra dimensão e excluir as demais, trabalhando, assim, em um paradoxo no qual ao mesmo tempo que há uma integração das três dimensões, há um funcionamento particular de cada uma delas.

Luhmann (1997) destaca que é devido a essa forma particular de comunicação paradoxal que as organizações conseguem alcançar seus resultados, entretanto, ela se distingue também pela incerteza em absorver decisões subsequentes, e por isso, para que a comunicação da decisão obtenha êxito, ela deve ser “desparadoxada”, isto é, a forma paradoxal da decisão deve ser escondida através de alguns mecanismos, como as premissas de decisão e a ficção do tomador de decisão (SEIDL; BECKER, 2006).

O processo decisório organizacional é caracterizado pela “incerteza da absorção”, ou seja, é descrito como um processo de uma decisão conectando com outra. Neste processo, para a segunda decisão ser tomada, é irrelevante como a situação inicial ocorreu, pois a incerteza da primeira situação de decisão desaparece para a segunda decisão se tornar um novo ponto de referência inicial. Essa redução de complexidade para decisões posteriores funciona como uma estável referência, permitindo o processamento de decisões extremamente complexas dentro da organização. (SEIDL; BECKER, 2006).

Já as “premissas de decisão” referem-se às condições estruturais que definem uma situação específica de decisão, sendo cada decisão entendida como uma premissa à tomada de decisões posteriores. Nesse sentido, estas premissas podem ser consideradas como limitadoras e criadoras de decisões. Esta concepção, segundo Seidl e Becker (2006, p.28) se assemelha à “dualidade de estrutura” de Giddens, no entanto, em contraste à Giddens “a relação entre a estrutura e a ação/operação não é “mediada” por um agente, mas pela autopoiésis do sistema - é a rede de decisão que produz as decisões: “apenas as decisões podem decidir””.

Quando as premissas de decisão são explicitamente decididas, elas são chamadas de premissas de decisão decidíveis. Luhmann distingue três tipos: programas, atribuição de pessoal e canais de comunicação (BRANDHOFF, 2009). No entanto, um quarto tipo de premissa refere-se às premissas de decisão indecidível, caracterizadas como a cultura

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organizacional e rotina cognitiva. Sua particularidade reside no fato da organização não às considerarem importantes ou necessárias, sendo um “subproduto” do processo de decisão (SEIDL; BECKER, 2006).

Em síntese, as “premissas de decisão são um importante meio de deparadoxar o paradoxo de decisões” (SEIDL; BECKER, 2006, p.29). Todavia, como um meio adicional de deparadoxização, as organizações produzem a ficção do tomador de decisão. Explica-se: a “ficção” do tomador de decisão é tida como uma ilusão de que sistemas psíquicos produzem decisões, ou seja, as decisões são apresentadas como se fossem feitas por um decisor, geralmente atribuindo um motivo à decisão, como considerações racionais ou motivos pessoais de carreira (SEIDL; BECKER, 2006).

Entretanto, a distinção existente entre sistemas sociais e psíquicos remete ao fato de que as decisões são produzidas, na verdade, pela rede de decisões; e a atribuição feita ao tomador de decisão tem como finalidade redirecionar a atenção para longe da arbitrariedade da decisão, deslocando o paradoxo original da decisão para longe da própria decisão. No entanto, assim como nas premissas de decisão, o paradoxo da decisão não pode ser resolvido ou eliminado, deixando apenas “camuflada” a indecisão final de decisões (SEIDL; BECKER, 2006). A figura 3 ilustra todo o pensamento luhminniano sobre as organizações aqui exposto.

Figura 3 – O processo organizacional luhminniano

Fonte: elaborado pelos autores, 2014.

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4. MAGGI E A TEORIA DO AGIR ORGANIZACIONAL A teoria do agir organizacional aprofunda-se no relacionamento entre organizações,

indivíduo e o ambiente externo, e por isso mesmo mostra-se relevante para o estudo das organizações que almejam vincular-se às premissas sustentáveis.

Assim como a interdependência é salientada e pontuada na sustentabilidade organizacional, a teoria do agir organizacional também concebe os fenômenos organizacionais de forma interdisciplinar e interdependente, uma vez que tal teoria estrutura-se de acordo com os fundamentos de autores clássicos, como Max Weber, Chester Barnard, Hebert Simon, James Thompson, Jean-Daniel Reynaud e Anthony Giddens. (MAGGI, 2006).

A Teoria do Agir Organizacional (TAO) manifesta uma forma de conceber os fenômenos organizacionais. Sua epistemologia foca-se na terceira via indicada por Max Weber, ou seja, rejeita o positivismo e o antipositivismo, isto é, Maggi (2006) não vê as organizações como sistemas pré-determinados, muito menos como sistemas sociais pós construídos, mas sim, como um processo de ações e decisões, em permanente construção, que possui uma racionalidade limitada, contemplando o entendimento do agir ao longo do tempo.

Dessa forma, pode-se afirmar que a teoria do agir organizacional é tanto uma teoria do agir social quanto uma teoria do agir racional. O agir social implica tanto em um agir intencionado, sendo um processo de ação de um sujeito singular, quanto em uma ação dependente da coletividade. Já o agir racional volta-se para ações em direção a um objetivo perseguido, sendo ele intencional e limitado como a razão humana. (MAGGI, 2006).

A TAO é caracterizada, ainda, por não separar a organização dos sujeitos agentes que nela atuam e desenvolvem seus processos. A interdisciplinaridade desta teoria abrange uma cadeia de ações dependentes, das quais sua compreensão é vista como a ação principal de qualquer procedimento organizacional. Assim, esse “agir organizacional é um acontecimento macro e consequente de inúmeros processos micros, sendo eles internos e externos à organização” (SOUZA, 2010, p.98).

O agir social remete à ideia de processo, do qual para Maggi (2006) refere-se a um processo contínuo, jamais acabado, que ocorre desde a ação do sujeito singular até as ações de numerosos sujeitos, resultando em agires coletivos, ou ainda, organizacionais. Nota-se que todo processo organizacional realiza-se em relação com outros processos, tendo relação com outras ações e decisões anteriores, por isso a noção de tempo é vista como uma variável fundamental. Já o agir racional volta-se para uma ordenação de ações do processo em direção a um objetivo perseguido, constituindo um processo de ações e decisões que se auto-organiza, a fim de produzir uma ordem e regras, no sentido de regulação e de estruturação.

Destaca-se que o conceito de estruturação, advinda de Giddens, situa-se na concepção de que a estrutura e a ação são complementares e possuem relações recíprocas. (MAGGI, 2006).

Ainda, a TAO volta-se para concepções além da estruturação, como trabalho, bem-estar (físico, mental e social) e formação (aprendizagem). O trabalho é visto como um conjunto de tarefas que permitem e requerem iniciativa, comunicação e trocas entre os operadores. O bem-estar individual e coletivo vincula-se à organização uma vez que observa-se a relação constante e não-separável do indivíduo e organização. A formação da aprendizagem prevê o reconhecimento da estabilidade das relações e das hierarquias (MAGGI, 2006). A formação, para Maggi não é separada do processo e é sempre permanente, ou seja, “a formação é reflexão da organização sobre si mesma, constituída de ações e decisões orientadas” (BANSI, 2013, p.35).

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Nessa concepção, a formação está associada com a mudança, ou seja, esta teoria volta-se para uma mudança contínua na forma e no tempo. A permanência da formação ou mudança, liga-se a ação organizadora e mutável, sendo capaz de gerar observações, interpretações e leituras do processo.

Em uma escala mais complexa que a organização, a sociedade também pode ser vista dentro de um sistema maior, onde a mesma lógica de ação é expressa. Essa ação, dada como intencional, pode ser tida como um agir social. Assim, o agir social e o agir organizacional passam a ser simultâneos e interdependentes. Nota-se que ao mesmo tempo que um alimenta o outro, pode também destruí-lo, dependendo da intencionalidade do sistema e da força da comunicação informal das dimensões sociais (SOUZA, 2010).

Dessa forma, o sistema alia o agir organizacional ao agir social e vice-versa. A cooperação, ao influenciar o poder das ações, influencia a efetividade das decisões, resultando na influência das estratégias organizacionais e dos relacionamentos sociais, admitindo que o agir organizacional é um agir social circunscrito. (RAMOS, 1983; SOUZA, 2010).

Diante deste cenário, pode-se associar a sustentabilidade organizacional como consequência do agir organizacional (circunscrito), onde as organizações passam a ter interesse em alcançar este fenômeno social por meio da regulação ou pro-atividade. A partir de uma cobrança da sociedade, em prol de mecanismos de gestão orientados para o desenvolvimento sustentável, as próprias organizações ao optarem por tecnologias gerenciais sustentáveis, voltam-se para uma operacionalização deste raciocínio exposto.

Figura 4 – A teoria do agir Organizacional de Maggi

Fonte: elaborado pelos autores, 2014.

5. APROXIMAÇÕES, DIFERENÇAS E CONTRIBUIÇÕES DAS PROPOSTAS DE LUHMANN E MAGGI

As propostas dos dois autores aqui apresentados, Luhmann e Maggi, podem ser vistas

como consistentes referências para estabelecer uma gestão compatível com os princípios da sustentabilidade em contexto organizacional. Reservadas suas diferenças, ambas as

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abordagens convergem em ricas contribuições para a criação de uma base conceitual que oriente o processo decisório em prol da sustentabilidade nas organizações.

Antes de destacar as contribuições dos dois autores para tal fim, faz-se necessário destacar suas principais diferenças e semelhanças, a fim de tornar transparente suas contribuições para à gestão sustentável em contexto organizacional.

Uma diferença notável diz respeito ao foco de análise: enquanto Luhmann dedica-se ao sistema e, mais precisamente na comunicação desse sistema para analisar a sociedade; Maggi concentra-se no indivíduo coletivo, que pode realizar ações continuamente e mudar o sistema, ou seja, é um “agir” em permanente construção.

Entretanto, deve-se pontuar que esta diferença, se analisada de forma mais densa, não configura uma distinção, mas sim, duas visões necessárias a uma teoria que viabilize uma gestão organizacional voltada para a sustentabilidade.

Ressalta-se que a epistemologia de Maggi, voltada para a terceira via indicada por Weber, centra-se na concepção de um processo de ações e decisões, que busca entender o agir coletivo ao longo do tempo. Ao passo que Luhmann foca seu estudo, em particular a organização, no entendimento de sua autopoésis a partir de uma comunicação de decisões, onde o sistema “organização” se autorregula a partir de decisões também inerentes a coletividade.

Embora para Luhmann a comunicação não seja produzida por indivíduos (sistemas físicos), mas sim por sistemas de comunicação, o indivíduo não é irrelevante para o sistema social. Esse mal entendido, segundo Seidl e Becker (2006) ocorre pela equivocada compreensão que se tem da relação do sistema social com o sistema físico. Dessa forma, o indivíduo não é excluído da teoria, podendo então, se aproximar dos estudos de Maggi, que centra-se no sujeito. Assim, as duas teorias se complementam para a formação de uma orientação decisória prática e coletiva em sua essência, voltada para o entendimento de como o sistema organizacional pode decidir se tornar sustentável a partir das ações e decisões organizacionais que advém, em última instância, das próprias pessoas em sentido amplo e não de tomadores de decisões específicos, que segundo Luhmann sua existência é uma falácia.

Ademais, a distinção defendida por Luhmann sobre o sistema social e psíquico contribui com a vantagem de poder analisar ambos os sistemas em seu próprio direito, isto é, cada qual possui uma lógica distinta que pode ser melhor compreendida quando estudada isoladamente. Desta forma, as críticas usualmente feitas ao autor quanto à marginalização do sistema psíquico em relação ao social se tornam obsoletas, uma vez que esta diferença ocasiona uma dependência entre ambos, já que os seres humanos são considerados como ambientes ou entornoii do sistema social, e não como parte dele (SEIDL; BECKER, 2006).

A partir daí, a diferença significativa entre a concepção de sujeito de Luhmann e de Maggi – este considera inseparável a organização dos sujeitos agentes que nela atuam e desenvolvem seu processo – são na verdade, relacionadas, uma vez que dão ênfase na dependência entre organizações e indivíduos, que estão condicionados a partir de suas existências.

Conforme o próprio Luhmann se refere: quem pensa que o ser humano é estimado como menos importante do que ele é, não entendeu a mudança de paradigma na teoria dos sistemas. A teoria dos sistemas se origina a partir da unidade da diferença entre sistema e ambiente. Sendo assim, o ambiente é uma característica constitutiva desta dinâmica, e portanto, é igualmente necessária para a existência do sistema (SEIDL; BECKER, 2006).

Dessa forma, pode-se observar que a fala de Maggi (2006, p. 36), muito se aproxima do pensamento luhminniano, na qual discursa sobre o ator social:

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“O “ator social”, assim como o sistema social, são constituídos pela produção de um processo de regulação que traça as “regras do jogo” da ação. A ação social é finalizada no sentido em que “produz suas próprias regras e define seus fins”. Em direção a essa finalização autoproduzida, a regulação, também autoproduzida, guia a ação”.

Aqui pode-se perceber que ambos, o ator social e o sistema social, são regidos por

uma lógica autopoiética, da qual suas estruturas compõem um processo de atuação própria, definida a partir de uma função específica e primária que pertence exclusivamente a eles. E ainda, este agir descrito por Maggi pode ser aproximado ao pensamento sistêmico de Luhmann, uma vez que a ressonância - reconhecimento da ação do sistema - através do processamento de informações, permite aos sistemas diferenciarem o ambiente do resto. Isto faz com que os sistemas se irritem com tais informações e modifiquem suas estruturas, através do acoplamento estruturaliii; ou seja, aqui visualiza-se a ação na prática, na mudança de um estado para o outro. Isto é um agir processual na medida em que os subsistemas organizacionais modificam suas estruturas e ao fazer isso interferem em todo o sistema organização. Suas estruturas ressonarão podendo irritar os demais subsistemas, gerando assim novos agires organizacionais em constante transformação.

Nota-se ainda que o paradoxo decisorial resulta em uma dualidade da estrutura que, ao mesmo tempo, cria e limita as decisões a serem tomadas. Isso implica que mesmo que o “desparadoxo” das decisões camuflem este conflito existente, ainda assim as consequências das decisões anteriormente tomadas podem ser sentidas e expressadas em acontecimentos futuros. Da mesma forma, esta variável temporal também é expressa na TAO, que considera o tempo uma variável fundamental, relacionando todo o processo decisorial com ações e decisões anteriores. Este “agir” torna-se então um processo contínuo, justamente como o paradoxo das decisões, que embora disfarçado, remete a uma decisão em contínuo processo de aprimoramento, pois as decisões subsequentes só são tomadas uma vez que a anterior foi definida (não há como tomar uma segunda decisão sem sofrer influências, mesmo que indiretamente, da primeira decisão).

A mudança, passível de ocorrência no agir organizacional, também encontra-se nas decisões explicadas por Luhmann, uma vez que o “desparadoxo” permite que novas decisões elejam escolhas distintas das anteriores, possibilitando, desta forma, que uma gestão sustentável propicie à organização uma estrutura mutável, capaz de interpretar o contexto vivido e a partir de suas leituras, modificar suas operações, sempre visando os princípios e valores da gestão sustentável, que está sempre sendo revista para garantir o melhor desempenho no futuro para a própria organização e também sociedade .

Desta forma, a gestão sustentável, a partir da definição de seus princípios, influenciará a efetividade das decisões da organização, implicando no poder de ação da mesma, resultando em relacionamentos sociais e estratégias organizacionais essenciais para a garantia de um desenvolvimento sustentável.

Em conclusão, percebe-se que as duas teorias, quando estudadas à fundo, de forma a inter-relacioná-las e buscando suprir lacunas de gestão que almeja ser sustentável, podem contribuir para o acontecimento de uma gestão organizacional voltada para a sustentabilidade. A qual se caracteriza por ser interdisciplinar, por atuar de maneira sistêmica e simultânea considerando seu entorno, ao mesmo tempo que preserva a identidade das estruturas e “interesses” de cada sistema em particular; que possuem em suas operações uma dinamicidade que permite a permanente revisão e eleição das melhores escolhas a serem tomadas, e por fim, que considere os indivíduos e seus agires como os sistemas psíquicos não pertencentes ao sistema social, mas sim ao seu entorno.

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Figura 5 – Framework da Gestão Sustentável a partir de Luhmann e Maggi

Fonte: elaborado pelos autores, 2014.

O Framework acima representado resume o conceito central extraído das teorias

correlacionadas de Luhmann e Maggi, quando voltado para um contexto organizacional sustentável. Três níveis são delimitados: organizacional, princípios e valores da organização sustentável e a sociedade. As setas duplas indicam a conexão entre eles, caracterizada por permitir mudanças sempre sistêmicas e endógenas. No entanto, apesar da dependência existente, o nível organizacional se destaca como influente neste contexto. A partir do processo de decisões em âmbito organizacional, o paradoxo decisorial é camuflado pelo “desparadoxo”, possibilitando a auto regulação de cada sistema, ou seja, o processo de decisões e ações se auto organizam, através da relação com ações e decisões anteriores, impondo uma lógica própria para cada esfera dentro da organização - econômica, social e ambiental. Estas possuem um funcionamento particular, mas ao mesmo tempo, uma atuação conjunta, e por isso mesmo cada esfera se autorregula internamente e de maneira autônoma, a fim de manter a ordem de suas estruturas. A partir daí a ressonância entre os processos possibilita a compreensão do que ocorre nos outros sistemas, permitindo que escolhas sejam feitas. Os trade-offs permitem assim que a melhor alternativa seja elegida considerando as três dimensões, levando ao acoplamento estrutural, isto é, a partir da ressonância os demais sistemas podem compreender novas informações e modificar suas estruturas para atender ao equilíbrio sistêmico. Destaca-se que esta forma de atuação está associada à mudança, notória por ser contínua na forma e no tempo, buscando sempre o benefício da coletividade.

Este processo cíclico, nomeado como a gestão atinente ao preceitos sustentáveis, por sua vez, recebe influência direta do nível da sociedade e dos princípios e valores organizacionais. Os doze princípios listados orientam a conduta esperada da empresa e dos colaboradores, a fim de nortear toda ação e decisão tomada. Já a sociedade, sendo o ambiente em que a organização se insere, se caracteriza por distinguir e afirmar o que é o sistema organizacional. Os inúmeros subsistemas existentes dentro deste nível colaboram para uma visão mais ampliada do cenário organizacional, cooperando com escolhas mais criteriosas e sustentáveis, que são visualizadas e propagadas por todos os níveis.

Sendo assim, a gestão da sustentabilidade em contexto organizacional pode ser entendida como uma questão de comunicação, diferenciação e de novos agires. A comunicação, que para Luhmann (2009) é uma operação social que determina a estrutura básica da sociedade, se apresenta como o meio pelo qual todas as operações são possíveis, isto

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é, o sistema organizacional somente consegue perpassar pelo processo de transferência, atualização e estabelecimento de significado das informações através da comunicação que o próprio sistema organizacional efetua. Assim, mediante a ressonância e acoplamento estrutural, o sistema consegue comunicar internamente novas observações que o definem continuamente, sempre em constante mudança e atualização.

A diferenciação, caracterizada por Luhmann (2009) como uma distinção, uma separação feita em todo ato comunicacional, é expressa, neste contexto, pelo o que “pode ser decidido e o que não pode”. A distinção, dessa forma, tem um importante papel em demarcar as observações realizadas, diferenciando as informações obtidas pelo sistema e contribuindo para a tomada de decisão, que pode se pautar por escolhas mais sustentáveis uma vez que sigam os princípios e valores norteadores da gestão.

A partir desta lógica, e de uma nova direção a ser seguida mediante o desparadoxo decisorial, criam-se as oportunidades para novos agires, que para Maggi (2006), implica em uma ação contínua, representada pela circularidade do framework, que embasa às decisões que se estruturam no tempo. Portanto, estes novos agires se distinguem do “agir” habitual uma vez que não é uma ação finda, mas sim em permanente atuação, se conectando, dessa forma, com as decisões que se propagam no tempo e contribuindo para um desenvolvimento pautado em uma visão sustentável a longo prazo.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Tendo este artigo se inclinado para o debate sobre a relação da sustentabilidade e

organizações, o principal ponto do estudo converge para a proposição de um framework que oriente a gestão de forma a impor à prática empresarial um desenvolvimento ancorado em decisões capazes de alinharem e julgarem trade-offs nas esferas econômica, social e ambiental simultaneamente, contribuindo não só com a própria prosperidade da organização, como também do planeta.

Mantendo-se fiel ao objeto desse artigo, que foi o de “fornecer subsídios para que as organizações, a partir das contribuições de dois eminentes autores, ganhem alternativas consistentes para se aproximarem de uma gestão atinente às premissas da sustentabilidade”; o resultado volta-se para as inter-relações feitas entre Luhmann e Maggi a partir de suas semelhanças e distinções que permitem chegar a novos insights capazes de integrar ambos voltados para a viabilização da sustentabilidade em contexto organizacional.

Destacou-se que a maior diferença entre os autores, sobre seu foco de análise da organização, na verdade culminam em uma relação recíproca uma vez que foi possível visualizar a ênfase existente sobre a dependência entre organizações e indivíduos, que são autocondicionados a partir de suas existências. Assim, os sistemas social e psíquico para Luhmann se complementam diante a organização; da mesma forma que Maggi considera o estudo organizacional passível de ser analisado em conjunto confrontando a ação pessoal coletiva e a organização destas ações.

Ademais, notou-se que as duas teorias partem de uma lógica autopoiética, da qual suas estruturas compõem um processo de atuação própria. Enquanto para Maggi ela é composta pelo agir organizacional, para Luhmann é o sistema autopoiético que garante sua auto reprodução. No entanto, ambos se voltam para um pensamento de que é a partir de uma função específica e primária que pertence exclusivamente à organização que ela se perpetua no tempo e na sociedade.

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Desta forma, constatou-se que a concepção de tempo e a possiblidade de uma permanente construção estão presentes em ambas teorias, ou seja, os processos e estruturas organizacionais não estagnam e se fecham operacionalmente, mas sim, se mantém sempre vigilantes ao contexto vivenciado e às consequências advindas das decisões e ações tomadas, podendo sempre modificar e melhorar seu desempenho para a preservação de um futuro melhor. Evento este que contribui para a sustentabilidade.

Outra ocorrência marcante para o alcance da gestão sustentável foi evidenciada através de uma visão sistêmica, na qual os campos econômico, social e ambiental geraram uma atuação conjunta – da organização, do ambiente e do indivíduo (sistema psíquico) –, e ao mesmo tempo, possibilitaram que cada sistema em particular resguardasse suas estruturas e codificações próprias.

A partir dos resultados e considerações advindas desse estudo, foi possível apresentar uma rede descritora e interlocutora de conceitos, provendo a compreensão e o entendimento da gestão da sustentabilidade em contexto organizacional. O framework sugerido pode então ser resumido mediante uma questão de comunicação, diferenciação e de novos agires, uma vez que a comunicação torna possível a compreensão e atualização das decisões organizacionais a partir da diferenciação realizada entre o que pode ou não contribuir com a sustentabilidade. Dessa maneira, criam-se oportunidades para novos agires, regulados por mudanças contínuas na forma e no tempo.

Finalmente, reconhece-se que novos estudos são necessários para retomar, a partir dessas contribuições entre Lumann e Maggi, considerações sobre o desenvolvimento de uma nova gestão, uma que a partir desses preceitos consiga fomentar a prática decisória sistêmica de ação e decisão voltada à sustentabilidade, que pode ser mediada, por exemplo, pela lógica das competências, porém, esse já é um outro assunto a ser analisado.

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