Upload
hakhuong
View
215
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
O MEDO NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL
Dissertação apresentada à Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas para obtenção do grau de Mestre em Administração Pública.
MARCELO ACAR PEREIRA
Rio de Janeiro, 2006
1
Aos meus pais, Roberval e Regina,
meus referenciais de vida.
À Roberta, minha eterna irmã
caçula, e paixão da minha vida.
2
AGRADECIMENTOS:
A Deus, a quem entrego diariamente o rumo de minha vida, e por ser a origem da minha
força em momentos de dificuldade e fraqueza;
À Sylvia, por ser muito mais do que uma orientadora, mas uma referência e uma amiga
responsável pela construção de parte do que sou hoje;
À amiga e professora Deborah, pelas conversas, apoios, incentivos e pelos valiosos
conselhos;
Ao meu grande amigo, e irmão, Fernando Arduini, por estar sempre ao meu lado em
todos os momentos de minha vida e pelos preciosos apoios em ocasiões difíceis;
À amiga Ana Paula, pela imensa paciência e, principalmente, pelas discussões e
conselhos que me ajudaram muito na elaboração desta dissertação;
Aos amigos de curso, pelos momentos felizes, divertidos e animados;
Ao Joarez, Joaquim, José Paulo e todos do CFAP, por todo apoio que me deram durante
todo o curso.
3
Se pudéssemos compreender e então prever os modos como os indivíduos são motivados, poderíamos influenciá-los, alterando os componentes desse processo. Tal compreensão certamente levaria à obtenção de grande poder, uma vez que permitiria o controle do comportamento sem as armadilhas visíveis e impopulares do controle (...). Talvez devêssemos sentir alívio quanto ao fato de que não foi encontrada qualquer fórmula garantida de motivação (HANDY, 1978).
4
RESUMO:
Este estudo buscou identificar as causas e os efeitos do medo nos indivíduos
dentro do contexto organizacional. O método utilizado para a coleta dos dados foi um
questionário dividido em duas etapas, e aplicado em 76 indivíduos. A primeira etapa
consistiu em um teste de evocação de palavras e a segunda, de forma complementar, foi
composta por quatro perguntas dissertativas. O tratamento dado ao teste de evocação de
palavras foi baseado na teoria das representações sociais e na teoria do núcleo central.
Já as perguntas dissertativas sofreram uma análise interpretativa, com base no
referencial teórico apresentado, auxiliada pela representação social do medo, conforme
os respondentes. As causas e efeitos do medo encontrados nos indivíduos, no contexto
empresarial, foram dos mais variados. Entretanto, em sua maioria, identificou-se que os
maiores medos dos indivíduos são o desemprego, as ameaças, punições, os ambientes
de trabalho instáveis e inseguros, a concorrência desleal, os conluios, sabotagens,
trapaças, a incapacidade de cumprir suas tarefas de trabalho e o aumento abusivo de sua
carga de trabalho. Por outro lado, em relação aos efeitos gerados pelo medo, há um
freqüente desequilíbrio fisiológico e psicológico quando submetidos, ditatoriamente, a
altas cargas de trabalho; e que o medo é um excelente sufocador da criatividade,
inovação e aptidão dos indivíduos, capaz de gerar desgostos, frustrações, posturas
defensivas, paralisações e aumento da navegabilidade nos empregos.
5
ABSTRACT:
This study looked for identify the causes and the effects of fear in the individuals
within the organizational context. The procedure for data collection consisted in a
questionnaire divided in two stages, and applied in 76 individuals. The first stage
consisted in a words evocation test and the second, as a complementary mode, was
composed by four open questions. The theory of social representations and the central
nucleus theory were the foundations of the data analysis of the words evocation test.
The processing of the open questions was consisted in an interpretative analysis, based
in the presented theoretical referencial and supported by the respondents social
representation of fear. In the enterprises context, different causes and effects of fear had
been found in the inserted individuals. However, in its majority, it was identified that
the biggest individuals fears are the unemployment, the threats, punishments, the
unstable and unsafe environments of work, the unfair competition, the collusions,
sabotages, tricks, the incapacity to do its work�s tasks and the abusive increase of the
work load. On the other hand, about the fear�s effects, there is a frequent physiological
and psychological instability when they had been submitted in high work loads. The
fear is an excellent creativity, innovation and aptitude repressor, and it is capable to
generate disgusts, frustrations, defensive postures, standstills and to increase the jobs
navigability.
6
SUMÁRIO
Página
AGRADECIMENTOS 2
RESUMO 4
ABSTRACT 5
APRESENTAÇÃO 8
1. O PROBLEMA 10
1.1 Introdução ........................................................................................................ 10
1.2 Objetivos Intermediários .................................................................................. 13
1.3 Delimitação do Estudo ..................................................................................... 14
1.4 Relevância do Estudo ....................................................................................... 14
1.5 Metodologia ..................................................................................................... 16
1.5.1 Tipo de Pesquisa ....................................................................................... 17
1.5.2 Universo e Amostra .................................................................................. 18
1.5.3 Coleta e Tratamento de Dados .................................................................. 18
1.5.4 Limitações do Método .............................................................................. 22
2. A PSICOLOGIA DO MEDO 25
2.1 As Manifestações do Medo ............................................................................... 25
2.2 As Estratégias Defensivas ................................................................................. 31
3. OS ESTIMULADORES ORGANIZACIONAIS 39
3.1 Cultura Organizacional ..................................................................................... 39
3.2 Mudança Organizacional .................................................................................. 44
3.3 O Poder nas Organizações ................................................................................ 51
4. APRENDENDO COM O MEDO 55
4.1 A Aprendizagem ............................................................................................... 55
7
4.2 O Medo e O Condicionamento ......................................................................... 58
4.3 O Medo vs. A Liderança ................................................................................... 63
5. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E A TEORIA DO NÚCLEO CENTRAL 67
5.1 As Representações Sociais ................................................................................ 67
5.2 Núcleo Central e Sistema Periférico ................................................................. 69
6. ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS 73
6.1 O Núcleo Central da Representação Social do Medo ....................................... 73
6.2 Análise das Perguntas Dissertativas .................................................................. 81
6.2.1 Análise da Pergunta 1 ............................................................................... 82
6.2.2 Análise da Pergunta 2 ............................................................................... 86
6.2.3 Análise da Pergunta 3 ............................................................................... 89
6.2.4 Análise da Pergunta 4 ............................................................................... 93
7. CONCLUSÕES 96
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 101
8
APRESENTAÇÃO:
Este estudo foi estruturado em sete capítulos. O primeiro capítulo é dedicado a
apresentar uma introdução ao tema abordado, evidenciando o problema de pesquisa.
Feito isso, esclarecem-se os objetivos deste estudo, assim como as suas delimitações e
sua relevância. Além disso, para suprir as necessidades do contexto científico, dando ao
estudo consistência e coerência, é explicitada a metodologia adotada, classificando-se o
tipo desta pesquisa, delimitando-se seu universo e sua amostra, definindo-se o
procedimento de coleta e o tratamento dos dados e, por fim, apontando-se as limitações
do método utilizado.
O segundo capítulo mostra, por uma perspectiva psicológica, a capacidade do
medo em assumir inúmeras formas combinadas a diversas intensidades, os estímulos
psicológicos geradores do amedrontamento, as reações e os mecanismos de defesa
desenvolvidos pelos indivíduos.
O ambiente organizacional, complexo e mutável, tem a habilidade de estimular o
sentimento fóbico nos indivíduos. Pensando assim, reservou-se o terceiro capítulo para
apresentar três estimuladores do medo nomeados como estimuladores organizacionais: a
cultura organizacional, a mudança organizacional e o poder nas organizações.
O Capítulo 4 teve a função de conceitualizar e apresentar as possíveis formas
pelas quais o medo é capaz de desenvolver mudanças comportamentais nos indivíduos,
em seus ambientes de trabalho, caracterizando algum tipo de aprendizagem.
9
No capítulo 5 são apresentadas a Teoria das Representações Sociais e a Teoria
do Núcleo Central. Estas teorias foram de grande importância para a fundamentação e
sustentação da coleta e do tratamento dos dados captados na pesquisa de campo.
O sexto capítulo trata da apresentação e da análise dos dados obtidos na pesquisa
de campo, realizada em 76 indivíduos, inseridos no meio organizacional privado.
No sétimo e último capítulo, baseado na pesquisa bibliográfica e nas análises
feitas no Capítulo 6, são explicitadas as conclusões referentes a esta pesquisa,
apresentando-se as causas e os efeitos que o medo produz nos indivíduos, no contexto
organizacional.
10
1. O PROBLEMA
Este capítulo apresenta o cerne principal desta pesquisa representado pelo
problema a ser estudado, juntamente com uma introdução ao tema abordado. Serão
vistos o objetivo final, diretamente relacionado ao problema de pesquisa, e os objetivos
intermediários, pontos do estudo que foram esclarecidos de forma a auxiliar o alcance
do objetivo final. Será exposta a delimitação do estudo, momento de demarcação dos
limites de abordagem, e os argumentos que visam evidenciar a relevância do estudo
realizado. Será apresentada, também, a metodologia a ser utilizada e, para isso, serão
vistos: a classificação do tipo desta pesquisa, seu universo e sua amostra, o
procedimento de coleta e o tratamento dos dados e, por fim, as limitações do método
utilizado.
1.1 Introdução
Ao longo dos anos, pode-se observar uma nítida mudança no ambiente
organizacional, tornando-o cada vez mais complexo, competitivo e, principalmente,
impiedoso. Mas essas transformações não se restringiram apenas ao ambiente
organizacional. Para se adaptarem a cada novo contexto, as empresas provêm constantes
mudanças internas. E, por conseqüência, seus funcionários também têm que reavaliar
seus valores e suas posturas profissionais, para ajustarem-se a esta dinâmica
empresarial.
Com a globalização, somada ao desenvolvimento rápido da tecnologia e às
novas políticas econômicas, as empresas se viram diante de um quadro em que
deveriam agora concorrer com empresas de todo o mundo. Necessitavam, então,
melhorar a sua eficiência, aumentar a produtividade e a qualidade e reduzir seus custos,
11
para obterem cada vez mais resultados desejáveis e posicionamento estratégico nesse
novo ambiente de negócios.
Nesta nova conjuntura econômica observa-se uma grande rotatividade nos
cargos das empresas e uma navegabilidade de carreiras (SAMPSON, 1996). Isto teve
início, para Turnley e Feldman (1999), no momento em que as organizações resolveram
quebrar, ou violar o contrato psicológico que existia entre ela e seus funcionários.
A competição internacional, o desequilíbrio de poder, os acionistas preocupados
com a geração de valor, a substituição de processos manuais por informatizados, a
localização de fábricas em países com menos encargos tributários, trouxeram o
rompimento deste pacto não escrito e a perda da lealdade mútua entre a empresa e o
empregado (SAMPSON, 1996).
Um bom exemplo para essa quebra do contrato psicológico são as demissões em
massa que, para disfarçarem seu conteúdo, escondem-se por trás de nomes
mercadológicos como: downsizing, reengenharia, reestruturação ou gestão estratégica de
custos. Muitas empresas adotaram alguns desses nomes de impacto para o mercado,
apenas para legitimar-se no meio organizacional, sem ao menos saber qual é exatamente
a sua função, como utilizá-los de maneira correta, ou se a empresa tem necessidade
dessa adoção. Abalou-se a relação de confiança e lealdade entre os funcionários e a
empresa.
Neste sentido, por necessidade de sobrevivência e adaptação, os indivíduos se
viram obrigados a aprender, quase que diariamente, novas formas de atuar nas
organizações. O medo de um futuro incerto, ocasionado pelas constantes mudanças no
ambiente organizacional, mostrou a necessidade de uma mutabilidade comportamental.
12
Com o aumento da fragilidade na relação entre as organizações e seus
funcionários, o meio literário empresarial, e logo depois a Internet, foram inundados,
mais do que nunca, de livros e artigos que abordavam os temas liderança e motivação.
Bestsellers propunham soluções rápidas, e mágicas para que gerentes se tornassem
líderes provocadores da motivação de seus subordinados. Era uma tentativa um tanto o
quanto ingênua de objetivar o comportamento humano nas organizações, esquecendo
sua natureza subjetiva, com o intuito de resgatar o relacionamento entre as organizações
e seus empregados, e com isso tentar aumentar a produtividade e o lucro da empresa.
Há alguns anos, estudos desenvolvidos por psicólogos organizacionais como,
por exemplo, Frederick Herzberg, em 1987, já registravam teorias sobre motivação e
condicionamento. Além da motivação e do condicionamento positivo (bonificações,
prêmios), esses autores já abordavam teorias sobre o condicionamento negativo
(ameaças, punições, castigos) como forma de se aumentar a produtividade dos
funcionários.
Frequentemente, empresas investem em palestras e treinamentos de liderança
para seus gestores. Mas, mesmo com esta iniciativa e com a vasta literatura disponível,
indivíduos do corpo gerencial optam às vezes por utilizar estimuladores do medo, tais
como ameaças, punições e supressão de recompensas esperadas, em seus funcionários,
com a finalidade de controlar, vigiar e, principalmente, aumentar a produtividade. Este
tipo de controle tem objetivo pedagógico, ou seja, ensinar ao funcionário o que se
espera que ela faça.
O medo é uma palavra que ninguém quer pronunciar, ou admitir, dentro das
organizações, mas é fácil identificá-lo na realidade empresarial (GILLEY, 1999). Ele
13
pode ser estimulado de várias maneiras, naturalmente ou intencionalmente (GILLEY,
1999; PFEFFER, 1999; RIEZLER, 1944; RYAN, 1993), e muito do que acontece nas
organizações é movido pelo medo (GILLEY, 1999). Dejours (1992) afirma que o medo
serve à produtividade e que é utilizado em larga escala pela administração das empresas.
A estimulação do medo nos indivíduos efetua-se de diversas formas � seja por
situações casuais do dia-a-dia ou pela instrumentalização deste sentimento fóbico � e
acarreta algumas conseqüências. O objetivo final desta investigação é responder a
seguinte pergunta: Quais as causas e os efeitos do medo nos indivíduos inseridos no
contexto organizacional?
1.2 Objetivos Intermediários
! Explanar a face psicológica do medo no ser humano;
! Definir os estimuladores do medo;
! Conceitualizar a aprendizagem por meio de situações que envolvem o medo
nos indivíduos;
! Levantar indicadores do sufocamento da criatividade e espontaneidade
associado aos estímulos fóbicos;
! Levantar as reações psicológicas e fisiológicas nos funcionários;
! Analisar a representação social do medo no contexto organizacional;
14
1.3 Delimitação do Estudo
Dentre vários fatores comportamentais presentes no ser humano relacionados às
organizações, o espaço investigativo deste trabalho estará limitado a estudar os efeitos
causados pelo medo nos indivíduos em seus ambientes de trabalho.
Este estudo se concentrará apenas em estudar os estimuladores do medo naturais
do ambiente organizacional, sendo excluídos aqueles ocasionados por: dores, ruído
intensos, crenças populares e religiosas, animais, ou qualquer outro estimulador que não
esteja diretamente ligado à relação entre o indivíduo e a organização em que trabalha.
As abordagens feitas sobre cultura organizacional, mudança organizacional,
relações de poder nas organizações, liderança, teorias clássicas de motivação e
aprendizagem e a teoria das representações sociais serão ativadas apenas para embasar o
estudo em questão. Não há pretensão em desenvolver um ensaio específico sobre cada
um desses tópicos citados.
1.4 Relevância do Estudo
O modismo e a banalização de conceitos é algo muito comum nos dias de hoje:
�As 21 leis irrefutáveis para uma liderança�, �Como ser um líder em 10 minutos� são
bordões freqüentemente utilizados como títulos de livros, ou aberturas de palestras.
Verifica-se, muito, a exploração do conceito da liderança, motivação, auto-estima,
empowerment, coaching e mentoring, tudo isso com o intuito de �melhorar� a vida do
funcionário no ambiente de trabalho. Busca-se mostrar um lado humano e preocupado
com o bem estar e desenvolvimento dos funcionários. Mas será que, realmente, há toda
essa preocupação?
15
Existem estudos que descrevem o medo nas organizações e algumas de suas
conseqüências. Funcionalmente, tais estudos desenvolvem observações, conselhos e
métodos para que o funcionário conviva com este medo no seu ambiente de trabalho.
Esses estudos, além de protegerem a classe gerencial, também ela muitas vezes refém
do medo, direcionam a culpa do sufocamento da criatividade, estresse, e da redução de
produtividade, ao indivíduo chefiado que não soube lidar com seus medos ou, pelo
menos, admiti-los.
Neste estudo, não se negligenciará a responsabilidade que um gerente possui em
gerir uma equipe de pessoas, e a sua participação, em caso de conseqüências nocivas,
em estar utilizando o medo como instrumento pedagógico. Contudo, não há o intuito de
crucificar os gestores, ignorando o fato de que seus subordinados têm o dever de
adaptarem-se às novas conjunturas empresariais. Ryan (1993) expõe que mesmo os
menores medos podem gerar grandes conseqüências, e podem tomar grandes
proporções.
Hoje, o que se ouve muito no meio organizacional é a expressão capital humano.
O capital humano é o maior ativo que uma empresa possui, é o que a diferencia de seus
concorrentes diretos e indiretos, dizem. Para Samir Gibara, ex-presidente mundial da
Goodyear, a única diferença entre sua empresa e seus concorrentes mundias são as
pessoas (GOMES, 1999). Relacionamentos baseados no medo geram um estilo de
comunicação do tipo mão-única, de cima para baixo, descrita pelo folclore
organizacional como "manda quem tem poder, obedece quem tem juízo".
Este estudo tem como objetivo contribuir na busca do entendimento do ser
humano nas organizações, e cooperar com os estudos feitos sobre a subjetividade do
16
indivíduo. Dejours (1992, p.22) assevera que: �Apesar da existência de uma literatura
de psicopatologia do trabalho, é preciso reconhecer que o conflito que opõe o trabalho à
vida mental é um território quase desconhecido�.
Boa parte da literatura em administração possui um viés objetivista. Há uma
exploração excessiva da gestão das pessoas de uma organização com instrumentos
objetivos e racionais, técnicas e modelos (DAVEL e VERGARA, 2001). A tentativa de
se compreender melhor o ser humano pela lente do objetivismo, negligenciando sua
subjetividade, é um erro grave que um gestor pode cometer.
Davel e Vergara (2001, p.24) alertam que: �Se você é um gestor de negócios
públicos ou privados, estamos certos de que a compreensão da subjetividade pode
auxiliá-lo a aperfeiçoar sua atuação profissional, a alcançar níveis crescentes de
produtividade e qualidade (...)�.
Entender os efeitos causados pelo medo, como instrumento pedagógico, no
ambiente de trabalho é contribuir para o entendimento da subjetividade do indivíduo nas
organizações, e incentivar pesquisadores e profissionais de mercado a buscarem maior
compreensão do ser humano, fora da visão objetivista. Como diria Demo (1985, p.38):
�O fato de que nenhuma teoria esgota a realidade estudada não pode, de maneira
alguma gerar o conformismo, mas precisamente o contrário: o compromisso de
aproximações sucessivas e crescentes�.
1.5 Metodologia
Um trabalho deve ter consistência e coerência. A discussão de ambigüidades,
contradições e incoerências são válidas em um objeto de estudo. Mas, para que um
17
trabalho seja considerado científico, pela comunidade científica, ele deve ser coerente e
obedecer a certa lógica. A metodologia da pesquisa aparece para suprir essas
características, lidando com a subjetividade do pesquisador e busca legitimar o trabalho
(VERGARA, 2005a).
1.5.1 Tipo de pesquisa
De acordo com a taxionomia proposta por Vergara (2005a), pode-se classificar o
estudo em questão como:
a) Quanto aos fins:
! Descritiva: uma vez que são expostos e analisados as causas e os efeitos
ocasionados pelo medo nos indivíduos inseridos no meio organizacional;
! Exploratória: porque até onde foi possível saber, há poucos estudos
empíricos sobre o tema.
b) Quanto aos meios:
! Pesquisa de campo: visto que, foi utilizado um questionário, respondido
pelos sujeitos da amostra deste estudo;
! Pesquisa Bibliográfica: a composição do referencial teórico foi realizada
por meio de consulta a materiais � livros, revistas, periódicos e jornais �
relacionados ao assunto, bem como outras informações publicadas. Isso
favoreceu, também, na interpretação dos dados obtidos em campo.
18
1.5.2 Universo e Amostra
O universo desta pesquisa foi constituído por indivíduos que estão, ou já
estiveram, trabalhando no contexto organizacional privado. Não houve qualquer
restrição quanto aos cargos ou funções a eles atribuídas.
Dentre os indivíduos pertencentes ao universo da pesquisa, foram
arbitrariamente escolhidos, por critério de acessibilidade, 76 sujeitos que, então,
constituíram a amostra deste estudo.
Associado ao critério de acessibilidade, o pesquisador utilizou-se do método
chamado snowball, isto é, estabeleceu contato com pessoas de sua confiança que
entraram em contato com terceiros que pudessem responder o questionário da pesquisa.
Alguns dos questionários foram enviados por e-mail e outros por correio. Como isso, a
amostra não se restringiu ao Estado do Rio de Janeiro (55), mas também teve indivíduos
entrevistados nos Estados da Bahia (5), Minas Gerais (6) e São Paulo (10).
1.5.3 Coleta e Tratamento de Dados
A obtenção das informações necessárias para a viabilização de todo o estudo foi
realizada em dois estágios: bibliográfico e empírico.
Na pesquisa bibliográfica, procurou-se coletar dados pertinentes ao estudo,
como a psicologia do medo nos indivíduos, estilos de gestão, teorias de motivação e
condicionamento e os possíveis estimuladores do medo, em livros, revistas, e
publicações específicas. Com isso, foi possível adquirir maior compreensão do assunto,
criando-se os referenciais necessários para a elucidação dos dados obtidos em campo.
19
No campo, foi utilizado um questionário dividido em duas etapas. A primeira
etapa consistia em um teste de evocação de palavras e a segunda etapa, de forma
complementar, era composta por quatro perguntas dissertativas.
O teste de evocação de palavras é um método de coleta de dados rico para a
obtenção de elementos relacionados ao objeto de estudo �que poderiam ser perdidos nas
análises dos conteúdos discursivos formais� (VERGARA, 2005b, p. 244).
O método do teste de evocação de palavras consiste na solicitação aos sujeitos
da pesquisa que mencionem, oralmente ou por escrito, um determinado número de
palavras, que lhes vêm à mente, a partir da apresentação de uma expressão indutora
(VERGARA, 2005b).
Antes de qualquer solicitação, foi desenvolvida uma página de instruções onde
foi explicado todo o funcionamento do teste de evocação de palavras, minimizando-se
ao máximo qualquer tipo de dúvida no seu preenchimento. Frisou-se, também, a
importância dos respondentes se imaginarem em seus ambientes de trabalho antes de
responderem o questionário, evitando o aparecimento de respostas que se apresentassem
fora dos limites deste estudo. Por último, grifou-se que o questionário preenchido não
teria qualquer identificação da pessoa entrevistada, aumentando-se o nível de segurança
e espontaneidade nas respostas dadas, já que o tema abordado pode ser considerado
delicado.
No estudo em questão, foi solicitado aos sujeitos da pesquisa que se
imaginassem em seus ambientes de trabalho e escrevessem quatro palavras que lhes
viessem à mente, quando mencionada a expressão indutora �medo�.
20
As palavras escritas pelos respondentes foram numeradas pelo pesquisador, de
um a quatro, na ordem exata em que foram escritas, atribuindo-se a elas uma ordem de
importância e, assim, criando uma hierarquização nas palavras escritas no teste de
evocação de palavras. Isto é, o pesquisador considerou que a ordem de importância
deveria ser dada pelo inconsciente do entrevistado. Logo, a primeira palavra escrita pelo
entrevistado foi considerada de primeira ordem, a segunda palavra de segunda ordem, e
assim por diante.
Com isso, tornou-se possível a utilização do método de tratamento de dados
proposto por Pierre Vergès que combina a freqüência de evocação das palavras e a
ordem em que estas são evocadas, no intuito de efetuar o levantamento dos elementos
do núcleo central (SÁ, 2002), termo que será desenvolvido adiante, no Capítulo 5.
Tanto a teoria de Pierre Vergès da combinação das freqüências e ordens de
evocação, quanto a teoria do núcleo central de Jean-Claude Abric são teorias
complementares a Teoria das Representações Sociais, que será elucidada no Capítulo 5.
De posse das palavras mencionadas pelos sujeitos da pesquisa, foram criadas
categorias semânticas para agrupar as palavras de sentido próximo, evitando-se que
palavras de mesmo conteúdo semântico fossem consideradas distintas. Entretanto,
foram desprezadas as categorias pouco significativas, ou seja, aquelas que tiveram uma
freqüência unitária de evocação, ou que estivessem localizadas nos quadrantes superior
direito e inferior esquerdo � onde os elementos possuem uma relação superficial com o
conjunto do núcleo central (VERGARA, 2005b), pois uma representação social só é
válida se a percepção sobre determinado objeto de pesquisa seja consensual por um
21
conjunto de sujeitos (JODELET, 2001). Por isso a necessidade da procura de seu núcleo
central.
Foi criada, então, uma tabela para quantificar-se o número de vezes que cada
categoria foi evocada em primeiro, segundo, terceiro e quarto lugar, e para auxiliar no
cálculo da ordem média de evocação (OME) de cada categoria, apresentada no Capítulo
6. O cálculo da OME de cada categoria foi feito da seguinte forma:
( ) ( ) ( ) ( )f
ffffOME∑
∗+∗+∗+∗=
4321 4321
Onde f1 representa o número de vezes que a categoria foi evocada em primeiro
lugar, f2 o número de vezes que a categoria foi evocada em segundo lugar, e assim por
diante. O somatório de f, representado pelo denominador, descreve a soma total de
vezes que a categoria foi evocada, ou seja, f1+ f2+ f3+ f4.
Para se construir os quadrantes de Vergès foi preciso calcular dois valores que
são os referenciais para o posicionamento das categorias dentro desses quadrantes. São
eles: a freqüência média de evocação e a média das ordens médias de evocação.
A freqüência média de evocação foi calculada pela divisão entre o somatório
total de evocações de todas as categorias pelo número de categorias, e o cálculo da
média das ordens médias foi feito pela divisão entre o somatório de todas as OME pelo
número de categorias.
Comparando-se os valores individuais de cada uma das categorias com as
médias calculadas para se construir os quadrantes, foi possível localizar cada categoria
horizontalmente e verticalmente em um quadrante, como exemplifica a Figura 1.1.
22
Figura 1.1 Os quadrantes de Vergès
Ordem Média de Evocação (OME)
Menor que Maior ou igualque
Men
or q
ueM
aior
ou ig
ual
que
Freq
uênc
ia de
Evo
caçã
o
Fonte: Adaptada de Vergara (2005b).
Em complementaridade ao teste de evocação de palavras, e com o objetivo de
identificar as causas e os efeitos do medo nos indivíduos no contexto organizacional,
foram elaboradas quatro perguntas dissertativas, tratadas por meio de uma análise
interpretativa. Apesar de as perguntas terem sido formuladas para serem respondidas de
forma simples, �sim� ou �não�, possuíam subquestões que forçavam os entrevistados a
justificarem suas respostas, caso fosse pertinente.
1.5.4 Limitações do Método
A primeira limitação do método escolhido é a possibilidade de não ter validade
externa ampla. Ou seja, a validade externa ampla diz respeito à generalização dos
23
resultados para todo e qualquer grupo de indivíduos. Esta limitação se dá pela escolha
de um tipo de amostra não estatística. Assim, os resultados apresentados valem apenas
para esta amostra específica.
O teste de evocação de palavras �requer, em geral, a utilização de técnicas
complementares de coleta de dados, como a entrevista ou o questionário� (VERGARA,
2005b, p. 244). Baseado na advertência da autora é que foram utilizadas quatro
perguntas dissertativas de forma complementar ao teste.
Um fator limitador está na formação das categorias semânticas para o tratamento
dos dados obtidos pelo teste de evocação de palavras. Este procedimento é flexível e
não padronizado e, assim, as informações podem não ser bem aproveitadas. Em todo
arranjo de categorias sempre haverá uma perda, mesmo que pequena, no
aproveitamento dos dados. No entanto, tentou-se aperfeiçoar o melhor possível as
categorias semânticas, para que se pudesse aproveitar ao máximo as informações
obtidas.
Outra limitação pode estar presente na estruturação do questionário. Isto é, as
respostas dadas às quatro perguntas do questionário podem ter sido influenciadas pelo
teste de evocação de palavras, caracterizando um efeito de contaminação.
Por fim, pode-se considerar como fator limitador a estruturação das perguntas
feitas aos sujeitos da pesquisa. O medo é um tema subjetivo, crítico, e um tanto o
quanto polêmico. Assim, tomou-se muito cuidado na escolha das perguntas a serem
feitas, para que se pudesse obter as informações desejadas, e não as subutilizassem. Isso
pode ocorrer, pois determinadas perguntas podem também ser estimuladores de medo
nos entrevistados.
24
Foi visto neste capítulo uma breve introdução do estudo em questão, e definiu-se
o problema de pesquisa que foi investigado e os objetivos intermediários propostos.
Para sanar possíveis dúvidas com relação ao que foi abordado, ou não, nesta pesquisa, e
sua importância para a academia e para o mercado, identificaram-se suas delimitações e
relevância. Foi descrita, também, a metodologia utilizada na pesquisa em questão, já
que, além de se apresentar o fenômeno que foi estudado, é de suma importância, para o
meio científico, saber como esse estudo foi realizado. Para isso, definiu-se a pesquisa
quanto ao seu tipo (descritiva, bibliográfica e de campo) e declarou-se sua população
amostral por critério de acessibilidade. Apresentou-se de que maneira foram feitos a
coleta e o tratamento dos dados e, por último, listaram-se as limitações encontradas no
método empregado.
25
2. A PSICOLOGIA DO MEDO
Há décadas que pesquisadores, como Ciceri (2004), Dejours (1992; 2005), Gray
(1976), Mira y López (2002), Riezler (1944), dentre outros, direcionam seus estudos, ou
parte deles, para compreender e mapear psicologica, biologica e sociologicamente as
maneiras pelas quais o medo pode ser estimulado no ser humano, as diferentes
caracteríticas apresentadas por este sentimento e as diversas reações manifestadas pelo
homem ao sentir-se amedrontado.
Este capítulo descreve, sob uma visão psicológica e psicopatológica, as formas e
intensidades que o medo pode assumir em um indivíduo, de que maneiras este
sentimento pode vir a afetá-lo e quais são seus mecanismos de defesa contra este
estímulo fóbico.
2.1 As Manifestações do Medo
O medo mostrou-se capaz de apresentar-se de várias formas e intensidades. Este
tipo de sentimento pode ser incitado por estimuladores variados, e dependendo do
estimulador, ou como diria Mira y Lopez (2002), do agente fobígeno, o indivíduo
amedrontado pode reagir de maneiras distintas. Neste sentido é que Ciceri (2004) afirma
que a distinção entre as muitas faces do medo pode ser feita em função dos seus
diferentes graus de intensidade e de ativação.
Mira y López (2002, p.38) assevera que:
Qualquer que seja a forma que adote, a apresentação e a ação do medo pode alcançar diversos graus de intensidade, correspondendo cada um deles a um avanço na difusão e
26
profundidade de seus efeitos inativantes sobre os centros propulsores da vida pessoal e vegetativa.
Ao introduzir seu estudo sobre a psicologia do medo, focado apenas no âmbito
social, Riezler (1944) expõe duas amplas classes, na finalidade de categorizar o medo.
Para o autor, o homem pode manifestar o medo de alguma coisa ou por alguma coisa:
medo de uma doença, de perder dinheiro, da desonra, de perder o emprego; ou medo
pela sua família ou pelo seu status social. Cada tipo de medo possui sua particularidade,
natureza distinta e intensidade (RIEZLER, 1944).
Gray (1976) criou três categorias para classificar as origens do amedrontamento
no indivíduo. O autor explica que o medo pode ser estimulado de maneira intensa (uma
dor ou um forte ruído), por uma novidade (objetos, ambientes novos ou pessoas
estranhas) ou pela interação social com membros da mesma espécie (universo desta
pesquisa).
Um estímulo intenso pode ter sua amplitude reduzida, gradativamente, a cada
repetição do evento, caracterizando um fenômeno conhecido por adaptação. Portanto, a
sensação de medo, derivada de um estímulo intenso, poderá tender à extinção depois de
certo número de repetições. O mesmo pode ocorrer com estímulos originados pelo novo
e pela interação social, tornando-se comuns pela ocorrência repetitiva do estimulador,
minimizando, a cada repetição, o medo associado ao estímulo (GRAY, 1976).
Contudo, nem todo tipo de aprendizagem reduz a intensidade do medo e,
sustentando este conceito, Gray (1976) faz uma nova correspondência entre a
intensidade do medo e outra forma de aprendizagem, para mostrar que a magnitude do
amedrontamento também pode ser aumentada. O autor utiliza-se do seguinte exemplo
27
na intenção de ilustrar sua teoria: um indivíduo pode ter medo do escuro, pelo simples
fato de ser algo desconhecido. No entanto, este medo pode ser intensificado caso este
indivíduo venha a ler, ou ouvir falar que o escuro é aterrorizador. Esta situação pode ser
agravada caso este mesmo indivíduo já tenha passado por uma experiência desagradável
no escuro.
O exemplo dado por Gray (1976) pode ser trazido para o campo das
organizações. Entretanto, ao invés de tratar-se do escuro, pode-se observar o medo em
relação às punições e castigos deliberados. Indivíduos têm medo de ser punido, mesmo
que nunca tenham passado por este desgosto. Este sentimento de amedrontamento pode
ser potencializado, caso o mesmo indivíduo tenha lido algo sobre punições nas
organizações, ou até mesmo por uma conversa informal com um colega de trabalho
sobre este assunto. Para aumentar ainda mais o medo de ser vítima de uma punição, o
indivíduo já pode ter sofrido algum tipo de punição em seu passado profissional.
Esta flutuação na intensidade do sentimento fobígeno no homem, apresentada
por Gray, (1976) é definida por Ciceri (2004) pela capacidade de pressentir o perigo de
modo competente. Para isso, a autora explora dois fenômenos chamados de:
sensibilização e hábito.
A sensibilização abaixa o limiar do medo, mostrando a periculosidade de ações e
objetos que antes não geravam preocupação. O fenômeno da sensibilização apresenta-se
no dia-a-dia do ser humano quando, por meio de leituras, informações vindas pelos
meios de comunicação ou interações sociais, o homem gradualmente perde sua
ingenuidade, tornando-se mais atento ao seu comportamento e ao ambiente (CICERI,
2004).
28
Em complementaridade ao fenômeno da sensibilização, aparece o mecanismo do
hábito. Nesta situação, o limiar do medo sobe ao haver a experimentação repetitiva do
mesmo estímulo perigoso sem que haja a verificação do prejuízo (CICERI, 2004),
ratificando o conceito de adaptação definido por Gray (1976).
É importante ressaltar, também, o poder de imaginação do homem. O processo
imaginativo de um indivíduo pode discorrer por vários caminhos, sendo que, caso um
desses caminhos venha a sofrer interferência de dúvidas, desconfianças,
pressentimentos e receios, a imaginação pode tornar-se um estimulador do medo.
Riezler (1944) comenta que o medo dos indivíduos pela morte se mistura com o
medo de sofrer ao morrer e com o medo do que acontecerá após a morte. A falta de
controle e informação sobre o que pode acontecer incita mais ainda este processo
imaginativo, podendo potencializar a estimulação fobígena. No objetivo de impedir o
medo de controlá-lo, acarretando no aparecimento de uma possível paranóia, o homem,
sabendo que a morte é inevitável, evita o pensamento excessivo sobre ela. O ser humano
acaba por dirigir seus sentimentos no intuito de viver o melhor possível sua vida,
reprimindo, assim, seu medo de morrer (RIEZLER, 1944).
No ambiente organizacional não é muito diferente. Há uma combinação de
sentimentos no que diz respeito à palavra demissão. O indivíduo tem medo de ser
demitido, e este sentimento é composto por uma mistura entre o medo de sofrer ao ser
demitido e o medo do que irá acontecer com sua vida após sua demissão. Mas, mesmo
sabendo que um dia poderá perder seu emprego, este indivíduo concentra-se em seu
trabalho, esquivando-se de pensar diariamente neste medo pela demissão.
29
O ser humano convive todos os dias com seus medos. Medos ligados a algo que
está acontecendo no presente e medos ligados ao futuro (CICERI, 2004). Deve-se dar
crédito a esses medos, não subestimá-los e levá-los a sério, já que são sinais de alarme
de algo que o ameaça (CICERI, 2004). Mas, não se deve deixá-los dominar. O poder
imaginativo do indivíduo é gigantesco e é capaz de gerar grandes danos físicos e
psicológicos. Como descreve Mira y López (2002, p.17): �A Imaginação, poderosa
aliada do Medo.� e �o que não existe oprime mais do que aquilo que existe�.
Diante destes fatos é que Mira y López (2002, p.20) sintetiza:
O homem sofre então, não somente o Medo ante a situação absoluta, concreta, presente e maléfica, como ante quantos sinais restaram associados a ela e agora evocam; sofre também a incapacidade de assegurar sua fuga; sofre ante o conflito (ético) que se lhe depara (...). Finalmente, surge o medo imaginário � quarta e pior das modalidades fatoriais � (...) leva o homem ao temor do desconhecido, do inexistente e do inesperado (...) culminando tudo isso no Medo e na angústia ante a face côncava da realidade: o NADA.
O medo é uma fonte geradora de angústia, pressão, ansiedade, estresse e
sofrimento. Possui a habilidade de criar um permanente estado de insegurança,
pessimismo e insuficiência do Eu (MIRA y LÓPEZ, 2002), e caso essa fonte de
sofrimento não seja controlada, é capaz de paralisar o ser humano. Ciceri (2004, p.67)
atesta que: �O medo é capaz de influenciar e modificar nosso equilíbrio psicofísico�.
Para Dejours (2005), se o sofrimento causado pelo medo não vem acompanhado
de uma descompensação psicopatológica, ou seja, de uma ruptura do equilíbrio
psíquico, ou físico, que se manifesta pela eclosão de uma doença, é porque o indivíduo
emprega contra ele defesas que lhe permitem controlá-lo.
30
O estado de ansiedade consome, porque perdura até a verificação do que se
teme, e pode ser que o que se teme não se verifique jamais (CICERI, 2004). Ciceri
(2004, p.79-80) afirma que: �A ansiedade foi definida também como a resultante da
composição do medo e a antecipação. (...) é o preço que o homem paga por sua
extraordinária capacidade de imaginar e construir mentalmente a realidade�. Assim, o
indivíduo com medo por algum motivo, torna-se ansioso, mantendo ativo seu sistema
defensivo, consumindo muita energia, o que pode levá-lo a um estado de estresse.
A ansiedade tem a habilidade de afetar os indivíduos do mesmo modo que a
carga física de trabalho, levando-os ao esgotamento progressivo e ao desgaste
(DEJOURS, 1992).
Em contrapartida aos sofrimentos, ansiedades e estresses, o medo também pode
ser um limitador natural, importante para o homem, já que, como assevera Riezler
(1944, p.492): �Nós desenhamos uma linha entre o que é possível e o que é impossível.
A esperança transgride essa linha, o medo nunca.�. Sentir medo em relação a um objeto
ou a um evento significa ter a capacidade de avaliar sua periculosidade e, assim, acionar
uma série de ações que limitem sua força negativa e destrutiva (CICERI, 2004). Ciceri
(2004) ainda diz que o medo pode ser visto como um regulador, interno e sofisticado,
dos perigos externos, que envolve todo o organismo do homem e o prepara para agir.
Em um ambiente fechado de trabalho, o medo, mesmo que tenha sido
estimulado em apenas um indivíduo, pode desencadear o que Riezler (1944) chama de
�insegurança coletiva�. O autor diz que a insegurança coletiva pode ser interpretada
como uma aglomeração de sentimentos gerados por um medo definido, que ameaça a
coletividade dos indivíduos.
31
O medo, depois de instaurado, se espalha rapidamente, contaminando a todos,
podendo tornar um ambiente de trabalho um tanto o quanto desconfortável. Foucault
(1989, p.354), dissertando sobre sentimentos perniciosos ao ser humano e sobre o
comportamento desses indivíduos perante este mal, afirma que:
Antes de mais nada, o mal entra em fermentação nos espaços fechados (...) Essa mistura logo entra em ebulição, soltando vapores nocivos e líquidos corrosivos. (...) Esses vapores ferventes elevam-se a seguir, espalham-se pelo ar e acabam por cair nas vizinhanças, impregnando os corpos e contaminando as almas.
No entanto, o homem desenvolveu estratégias e mecanismos de defesa,
conscientes e inconscientes, para evitar ou livrar-se do medo e das sensações
desconfortáveis associadas a este sentimento. Mira y López (2002) atesta que,
intencionalmente, o ser humano busca uma conduta fugitiva, ou reação de fuga, cujo
propósito é o afastamento material do indivíduo de uma situação perigosa.
2.2 As Estratégias Defensivas
O indivíduo não foge porque tem medo, mas sim foge para livrar-se do medo. A
individualidade põe em jogo os recursos para superar a situação, libertando-se dela sem
sofrer maiores danos (MIRA y LÓPEZ, 2002). A fuga exige uma concomitante
avaliação entre a competência para enfrentar o perigo e a identificação de uma rota de
fuga. A retirada não é apenas uma instintiva e imediata modalidade de se subtrair ao
perigo; ela exige também uma cuidadosa observação da relação entre os próprios
recursos e as oportunidades oferecidas pela situação (CICERI, 2004).
32
Diante dos estímulos causadores do medo, o ser humano, ao se sentir
amedrontado, poderá responder, fundamentalmente, com duas formas de
comportamento: pela fuga passiva ou pela fuga ativa (GRAY, 1976). Ciceri (2004),
anos depois, definiu estes mesmos dois tipos de estratégias de fuga como: coping ativo e
coping passivo.
A fuga passiva, ou coping passivo, caracteriza-se no momento em que um
indivíduo tem o desejo de realizar algo em seu trabalho, mas este desejo o leva ao
contato com estímulos do medo. Assim, para esquivar-se deste sentimento fobígeno,
associado ao que possa vir a acontecer caso opte por realizar seu desejo, o ser humano
se utiliza da fuga, reprimindo sua vontade de realização. Gray (1976) afirma que a fuga
passiva acontece quando o indivíduo abandona uma, ou outra atividade por temer que a
conseqüência de seus atos seja seguida de um castigo. É uma preparação do homem
para a defesa, como esperar e resistir (CICERI, 2004).
Esta fuga passiva é denominada por Mira y Lopez (2002) como uma fuga
profilática. A sua fórmula é a de não se arriscar, e sua roupagem é a atitude da
prudência (MIRA y LÓPEZ, 2002).
Neste estado de prudência, o indivíduo adota uma atitude modesta, de
autolimitação voluntária de suas ambições e possibilidades de criação. Desta forma,
afirma seu presente desejo em passar despercebido e não entrar em conflito com o
ambiente, mesmo que isto lhe custe renunciar aos prazeres, sempre que julgar que sua
realização implique riscos e, portanto, vislumbre a possibilidade de sentir medo (MIRA
y LOPEZ, 2002).
33
Em contrapartida, a fuga ativa, ou coping ativo, é definida em situações nas
quais o indivíduo encontra-se em um momento em que deseja que sua rotina não seja
alterada, pois é controlador de todas as variáveis, e sente-se em um estado de pseudo-
segurança, ou acomodação. A partir do momento em que outro indivíduo, ansioso, quer
que este adquira uma nova forma de comportamento, gerando uma mudança brusca e
impositiva, será formado um estímulo de medo. A fuga ativa acontece porque o
indivíduo é obrigado, por meio de ameaças, a mudar seu comportamento, e assim, o faz
como fuga do sentimento de amedrontamento (GRAY, 1976).
A fuga ativa caracteriza-se no momento em que o ser humano é obrigado a
aprender uma nova forma de agir que o habilitará a evitar qualquer tipo de castigo. Em
organizações onde se utiliza o medo para obter uma ação desejada, é comum ouvir de
um indivíduo ansioso, e detentor de poder, o seguinte: �É melhor que faça dessa
maneira, senão...� ou �Isto deve ser feito para ontem�.
Morgan (1996), corroborando com o conceito de fuga ativa, explica que um
indivíduo, no momento em que surgem problemas que podem comprometê-lo, tende,
então, a desviar a sua energia utilizada para desempenhar suas funções diárias e usá-la
para defender-se das ansiedades associadas à nova função.
Sob a influência do medo, com a ameaça de demissão constantemente
incomodando os indivíduos, a maioria dos que trabalham se mostra capaz de acionar um
lado criativo e inventivo para melhorar sua produção, em quantidade e em qualidade,
bem como para constranger seus colegas, de modo a ficar em posição mais vantajosa do
que eles em caso de um processo de seleção de dispensa (DEJOURS, 2005).
34
A fuga ativa pode despertar na maioria dos indivíduos um lado criativo e
imaginativo, que os auxiliarão em suas estratégias de defesa. Mas, por outro lado, esta
face criativa pode ser reprimida nos momentos de escolha por uma fuga passiva.
A estratégia defensiva da fuga passiva de Gray (1976) pode ser exemplifica pela
teoria do Knowing-Doing-Gap de Pfeffer (1999), e que pode ser traduzida como:
Espaço entre o conhecimento e a ação.
Segundo Pfeffer (1999), as empresas costumam promover uma cultura do medo
e da desconfiança. Por temer algum tipo de punição pelo fracasso, os indivíduos se
privam de atuar de acordo com o que sabem, e de fazer o que é necessário fazer. O
medo apenas aumenta a lacuna entre o conhecimento e a ação, porque é necessário que
o indivíduo tenha a convicção de que não será punido para trabalhar de acordo com o
que sabe (PFEFFER, 1999).
Um dos efeitos do medo da penalização é a resistência dos indivíduos em contar
as más notícias, mesmo que eles não sejam os responsáveis por elas. Por isso, eles se
vêem privados, e com medo, de fazer qualquer tipo de sugestão no objetivo de uma
melhora na empresa, principalmente quando isso implica reconhecer que algo está mal.
Mira y Lopez (2002, p. 23) assevera que: �maior é o medo do fracasso em conseguir o
êxito, que o medo da ação em si mesmo�.
Nesta mesma linha de pensamento, Gilley (1999, p.20-22) diz que:
Nossos temores nos mantêm presos em autocensura, na censura das pessoas que nos cercam, e intimidados, com medo de dizer o que precisa ser dito (...). Para manter os medos encobertos, concordamos velada e inconscientemente em �sufocar� todas as
35
nossas reações emocionais, tanto as boas quanto as ruins. Como conseqüência, num momento em que as empresas necessitarem de criatividade, aptidão, coragem e alegria, não disporão mais dessas emoções.
Ryan (1993), em sua pesquisa, afirma que mais da metade de seus entrevistados
disseram que haviam hesitado quanto a expressar suas verdadeiras opiniões, porque
temiam algum tipo de repercussão.
Outra possível reação defensiva produzida pelos indivíduos nas organizações, e
que é descrita por Jaques (1955), em um dos clássicos da Psicodinâmica
Organizacional, é a reação definida como scapegoating, ou �bode expiatório�. Isto
acontece quando um indivíduo, com medo de perder o emprego, atribui a culpa de
determinados problemas a um scapegoating � em seu departamento, em uma situação
ruim, a outro indivíduo ou a um grupo de indivíduos.
Freud (1974) afirma que as defesas de um indivíduo desenvolvem-se no
momento em que este se sente ameaçado, visando minimizar qualquer impacto
destrutivo da realidade e, ao mesmo tempo, proteger sua integridade. A autora também
comenta que, associado às reações defensivas, encontra-se o sentimento de ansiedade,
que aparece no instante que o indivíduo nota uma ameaça ou um perigo iminente.
Os mecanismos de defesa do ser humano surgem para preencher o vazio deixado
por uma frustração. Este sentimento de frustração pode ser ocasionado por meio de um
castigo recebido inesperadamente, ou pela supressão de uma recompensa esperada.
Dejours (1992) assegura que a ideologia defensiva funcional tem como objetivo
mascarar, conter e ocultar uma ansiedade particularmente grave. Para o autor, a
ideologia defensiva tem um caráter vital, funcional e necessário.
36
Ciceri (2002, p.17, 47), complementando, afirma que:
As respostas de defesa apresentam-se numerosas e de interessantes diferenças. Elas mudam e envolvem continuamente, pois representam soluções para o problema da sobrevivência, que se apresenta sempre de modo diferente, exigindo contínuas modificações no sistema defensivo. (...) A identificação da ameaça pode variar de cultura para cultura, de pessoa para pessoa e de contexto para contexto.
Tanto nas complexas estruturas sociais, quanto nas organizações, os indivíduos
que nelas residem estruturam seu cotidiano, por meio de regras e um conjunto de
valores oferecidos por esses ambientes. No momento em que houver uma mudança
nessas regras e valores, o indivíduo perde seu sistema de referência, aumentando a
ansiedade, a insegurança e o medo nas organizações, ativando seus mecanismos de
defesa (JAQUES, 1955).
Pode-se observar que nos estudos sobre o medo de Reizler (1944), o autor
atribui um enfoque diferente quando relaciona o medo às regras e valores oferecidos
pelo ambiente. Para Reizler (1944), o tipo e a intensidade do medo de um indivíduo
estão estritamente associados ao seu nível de conhecimento, ou de ignorância. Existe
uma estrutura complexa, composta por leis, princípios, normas sociais, suposições,
hábitos, hipóteses e convenções. Fundamentado nesta estrutura complexa, Reizler
(1944, p.494) diz que: �Caso não se saiba a natureza do perigo, faz-se uma suposição.
Sem uma suposição não se age. Mas, sem uma estrutura, nem uma suposição se
consegue fazer.�.
Ou seja, dependendo da situação em que o indivíduo se encontra e o nível de
complexidade de sua estrutura de conhecimento, este poderá sentir-se amedrontado, ou
37
não, dependendo apenas de sua capacidade de compreender o acontecido, tomando,
deste modo, uma atitude para cessar o estímulo do medo.
Dejours (1992), em consonância com a teoria de Reizler (1944), assevera que o
medo relativo ao risco pode ficar sensivelmente amplificado pelo desconhecimento dos
limites deste risco, ou pela ignorância dos métodos eficazes de prevenção. Além de ser
um coeficiente de multiplicação do medo, a ignorância aumenta também o custo mental
ou psíquico do trabalho. �O medo aumenta com a ignorância. Quanto mais a relação
homem/trabalho está calcada na ignorância, mais o trabalhador tem medo.� (DEJOURS,
1992, p.107).
O ser humano, angustiado, estressado e pressionado pelo medo que lhe foi
estimulado, tomará atitudes diversas, mas que se assemelham em um ponto central:
conter este amedrontamento.
Após terem sido analisados teorias diversas, de diferentes pesquisadores, é
possível concluir-se que, independentemente do teórico que esteja analisando o medo no
ser humano, há uma grande variação de agentes fobígenos capazes de estimular o medo,
de várias formas e intensidades, no indivíduo.
Neste conjunto de múltiplos estimuladores existem agentes fobígenos
específicos do ambiente organizacional, e que podem estar presentes na estrutura da
organização como: a cultural organizacional praticada ou as relações de poder e
hierarquização dos cargos e funções entre os indivíduos. Ou, até mesmo um momento
de mudança em que a organização esteja passando pode ser considerado como um
estimulador do medo.
38
Abordou-se neste capítulo as múltiplas formas em que o medo pode apresentar-
se no ser humano, suas variações de intensidade, os estímulos causadores destas
variações, os estímulos psicológicos responsáveis pela aparição deste sentimento nos
indivíduos e os mecanismos de defesa reativos ao amedrontamento.
39
3. OS ESTIMULADORES ORGANIZACIONAIS
Existem diversas formas e intensidades do medo apresentar-se no ser humano,
como já foi descrito. Mas, também, existem inúmeras maneiras deste sentimento ser
estimulado no indivíduo. Neste capítulo, é apresentado de que forma a cultura
organizacional, a mudança organizacional e o poder nas organizações podem ser
definidos como estimuladores do medo nos indivíduos de uma organização.
3.1 Cultura Organizacional
Seria de extrema facilidade para um indivíduo diferenciar duas organizações,
tendo em posse a informação de que uma delas produz calçados e a outra faz transportes
aéreos.
A diferenciação baseada no produto final da organização pode ser considerada
primária, e um tanto quanto óbvia. Mas, se este mesmo indivíduo tivesse que descrever
algumas diferenças entre duas empresas de calçados? Este indivíduo poderia se
perguntar: Como estas empresas reagem às mudanças de mercado? Como elas tratam
seus funcionários? Estas empresas fabricam seus calçados apenas para atender ao
mercado interno? A análise feita agora não seria mais tão óbvia e superficial. A
diferenciação dependeria de um exame interno, e mais detalhado, de cada organização.
As organizações encontram-se inseridas no que é chamado de ambiente
organizacional, e um dos fatores que as diferenciam uma das outras é a chamada cultura
organizacional.
40
Os membros de uma mesma organização possuem acesso a alguns padrões
culturais comuns, que só os membros daquela organização têm, e que estabelecem as
fronteiras do sistema organizacional (MOTTA e VASCONCELOS, 2004).
Este conjunto de padrões que constituem a cultura organizacional é definido por
Srour (1998, p.168) como:
(...) princípios, valores e códigos; conhecimentos, técnicas e expressões estéticas; tabus, crenças e pré-noções; estilos, juízos e normas morais; tradições, usos e costumes; convenções sociais, protocolos e regras de etiqueta; estereótipos, clichês e motes; preconceitos, dogmas e axiomas; imagens, mitos e lendas; dogmas, superstições e fetiches.
A visão de um grupo organizacional está direcionada para o
autodesenvolvimento e para a sobrevivência. Mas para sobreviver é necessário adaptar-
se, e para adaptar-se é necessário mudanças. O meio organizacional exige o constate
desenvolvimento de novas estratégias empresariais e, como estar em constante mudança
mantendo o equilíbrio interno, ou coerência interna? Há, então, uma necessidade de se
integrar os indivíduos cada vez mais e, para isso, cria-se uma cultura, valores e padrões
em comum, a fim de que os membros da organização possam trabalhar em conjunto,
integrando as estratégias e os objetivos gerais da organização (SCHEIN, 1984). Com
isso, o problema do equilíbrio interno estaria resolvido. Para Schein (1984), nesse
processo de solução de problemas criados pelo meio ambiente é que os padrões
culturais são criados. Esses padrões são as premissas básicas que compõem a cultura
organizacional, e passam a ser institucionalizados como a maneira certa de se agir
(SCHEIN, 1984).
41
De acordo com Morgan (1996), uma das características da cultura
organizacional é que ela cria uma forma de etnocentrismo. Ao oferecer códigos de ação
tidos como certos, qualquer atividade, ou ação, que esteja ajustada a esses códigos é
reconhecida como �normal�. Em contrapartida, isto leva a ver que as atividades que não
estão de acordo com esses códigos são rotuladas, na organização, como �anormais�.
Uma das necessidades do ser humano, definida por Maslow (1954), é a da
socialização. Isto é, a socialização é o processo pelo qual os indivíduos são introduzidos
ao mundo, à sociedade, ou a uma organização, interpretando e incorporando parte de
seus padrões culturais, constituindo, assim, os elementos básicos de sua personalidade
(MOTTA e VASCONCELOS, 2004), permitindo sua interação com os colegas de
trabalho.
Para que haja alguma socialização na organização, é preciso que o indivíduo se
enquadre aos moldes da cultura organizacional. Assim, o indivíduo é pressionado no
ambiente organizacional, moldando-se de acordo com a cultura da empresa pois, caso
contrário, suas atitudes podem ser classificadas, segundo Morgan (1996), como
anormais.
O não enquadramento estará estimulando o medo no indivíduo, já que a não
socialização aumenta a probabilidade de uma demissão. Mas, paradoxalmente, já que há
a necessidade de uma socialização e um enquadramento à cultura, Morgan (1996) faz a
seguinte pergunta: como alguém pode sentir-se pertencendo a um �time� sem ter certeza
de estar empregado na próxima semana?
O temor nasce da avaliação da inadequação, ou não adesão, da própria imagem
com relação à imagem aceita pelo grupo (CICERI, 2004). Dejours (1992) explica que
42
um indivíduo isolado de seu grupo social se encontra brutalmente desprovido de
defesas, face à realidade a que ele é confrontado. Hoje, todos partilham de um
sentimento de medo, por si, pelos próximos, ou pelos filhos, diante da ameaça de
exclusão (DEJOURS, 2005).
Contudo, até o momento abordou-se a cultura como estimulador passivo, ou
indireto, do sentimento fobígeno no indivíduo. Isto é, o processo de adequação, ou não,
do individuo à cultura de uma organização (socialização) é o que pode ser considerado o
estimulador indireto do medo. Mas, de que maneira a cultura organizacional pode ser
considerada um estimulador direto do medo?
De maneira mais simplificada pode-se ver a cultura organizacional como um
elemento capaz de ser manipulado da maneira que for mais conveniente à alta gerência.
Dessa forma, a cultura organizacional pode ser considerada como uma ferramenta
administrativa utilizada para controlar os comportamentos individuais dos empregados,
integrando os objetivos individuais com os objetivos da organização.
A cultura oficial, como ideologia, mascara as relações de poder ao fornecer uma
visão da realidade, viesada, levando os membros da organização a aceitarem uma
estrutura e colaborarem para preservá-la. Normalmente, essa estrutura a ser preservada
beneficia uma minoria dentro da organização (MOTTA e VASCONCELOS, 2004).
No capítulo 2, foi possível observar que uma das reações defensivas do ser
humano contra o medo é o sufocamento do seu lado criativo e espontâneo. Isto, como
foi dito por Pfeffer (1999), ocorre em ambientes inseguros por conta da cultura da
organização que é repressiva e punitiva. Goleman, Kaufman e Ray (2003, p. 90),
43
relatam as impressões de um executivo de 21 anos de experiência em uma
multinacional, onde a cultura organizacional é marcante:
A empresa hoje precisa mudar profundamente. Boa parte da energia de nossos empregados se perde na repressão, na escamoteação da verdade, na ocultação de problemas, na recusa a encarar a realidade. A sensação de estar acuado é exacerbada pela ameaça dos diretores: �Se você não consegue, posso encontrar outro que consiga�. Na maioria das empresas há pouca tolerância para com a insubordinação e a crítica franca. As pessoas percebem as mentiras e os abusos, a ruína daqueles que insistem em ser ousados, iconoclastas, criativos. Nos corredores e salas, pressentem o medo e a ausência da verdade. Manifestam a patologia da �idéia coletiva� nas reuniões em que o silêncio acolhe o convite do diretor para que se discutam problemas e se apresentem idéias divergentes. Hoje, nas companhias americanas, os funcionários vivem no terror de serem vistos como equivocados, sujeitos a erros, de serem rebaixados ou neutralizados. Os que comentem a temeridade de falar a verdade aos poderosos, em geral pagam por isso; e o resultado é a companhia de ficar mergulhada no marasmo do convencionalismo.
Desta forma, a cultura pode ser uma forma de controlar os comportamentos
individuais. Neste sentido é que algumas organizações criaram a teoria do reforço
positivo, ou �chantagem dos prêmios� (DEJOURS, 1992, p.39), onde recompensa-se o
indivíduo por um comportamento desejado, ou melhor, por um comportamento
adequado aos padrões culturais. Os estímulos positivos são dados para incentivar os
comportamentos desejados e punem-se os indivíduos que se comportam de uma
maneira que é vista negativa, fora dos padrões da cultura de uma organização, com o
intuito de reprimir esse tipo de comportamento.
44
Todavia, as conseqüências da criação de um sistema de recompensa e punição
preocupam Pfeffer (1999), pois podem estimular o estresse, a insegurança e o medo no
ambiente organizacional. Para o autor, pode-se propagar uma cultura de concorrência
por prêmios e recompensas. O irônico é que a concorrência prejudica a capacidade das
empresas de compartilhar as melhores práticas (PFEFFER, 1999). É fundamental uma
orientação mais coletiva para as recompensas, que não se trate somente do desempenho
individual, mas também dos resultados da empresa.
O indivíduo, amedrontado, adapta-se à cultura da empresa em que trabalha, com
o objetivo de cessar este sentimento de medo gerado pela pressão da adaptação e da
necessidade de socialização. Mas isto pode ser temporário, ou seja, no momento em que
o ambiente organizacional mudar, exigindo mudanças na organização, a cultura desta
organização poderá também sofrer mudanças, desestabilizando o indivíduo novamente.
3.2 Mudança Organizacional
Após a atuação de forças, externas e internas, estimuladoras à mudança e o
reconhecimento e o desenvolvimento de soluções para o problema instaurado, a
primeira pergunta que deve ser feita é: quando se deve realizar uma mudança dentro de
uma organização? Contudo, esta pergunta possui maior fundamento no passado, quando
as transformações nas organizações, mercados e ambientes organizacionais eram de
uma velocidade tal, que davam tempo para as organizações se perguntarem qual o
melhor momento de mudar. Nos dias atuais, a dinâmica das transformações tornou-se
praticamente diária, e quem perde tempo se perguntando quando deve realizar alguma
mudança em sua organização pode estar tornando-a ultrapassada.
45
Com a racionalidade da globalização, os mercados de diversos países
transformaram-se em mercados complexos, competitivos e altamente mutantes. Por
conta disso, as empresas tedem a investir e a reinvestir em inovações tecnológicas e
organizacionais, como: terceirizações, criação de novos processos produtivos e de
trabalho, novos estilos de gestão, diferentes mecanismos de controle e novos processos
de automação.
A necessidade de mudança de alguns aspectos do status quo de uma organização
pode ser provocada por uma iniciativa do gerente que deseja obter maior eficiência em
suas operações. Mas esta decisão de mudar pode ter origem em esferas mais altas da
organização, e que foram provocadas por pressões externas � pelo ambiente de
mercado, ou por forças econômicas e políticas (JUDSON, 1969).
A mudança organizacional, seja ela tecnológica, logística, cultural ou pessoal, é
definida por Judson (1969, p.24) como: �qualquer alteração, iniciada pela
administração, na situação ou no ambiente de trabalho do indivíduo.�.
Ao referir-se à mudança organizacional, Morgan (1996) afirma que as
organizações necessitam de cuidados para satisfazer e equilibrar as necessidades
internas, assim como adaptar-se às circunstâncias ambientais.
Em 2005, foi possível acompanhar um exemplo de mudança organizacional, na
intenção de adaptação às novas dinâmicas do mercado automobilístico. Três grandes
montadoras mundiais de automóveis, começando pelas norte-americanas General
Motors e Ford e, atualmente, a alemã Volkswagen, anunciaram cortes em seus quadros
de funcionários, fechamento de algumas plantas de montagem, com o intuito, dizem
elas, de tornar suas organizações mais enxutas e mais competitivas ao mercado atual.
46
Fonseca (2002, p.6) resume de forma direta que:
A mudança organizacional é um processo que envolve modificações de atitude e de valores, alterações nos processos cognitivos e na formação tecnológica, transformações na estrutura de poder, na distribuição de recompensas e de recursos. Pode ser implantada de forma adaptativa ou de forma catastrófica, e através de ciclos de mudança participante ou de mudança imposta.
O gerenciamento do processo de mudança refere-se às ações, reações e
interações responsáveis por conduzir a organização de um estado presente para um
estado futuro desejável, tendo sido considerado todos os interesses envolvidos (OLIVA,
2003).
Entretanto, como assevera Oliva (2003, p. 22): �O processo de mudança
evidencia aspectos delicados, pois muitas organizações sabem por que devem mudar,
sabem precisamente o que mudar, mas não escolhem a melhor maneira de mudar.�.
Historicamente, existiram determinadas mudanças organizacionais, concebidas e
implantadas de maneira desastrosa, que se tornaram base para a explicação das
inseguranças e medos gerados nos indivíduos em um momento de mudança. Um bom
exemplo disso é o downsizing, prática da qual várias empresas resolveram utilizar-se,
acarretando em demissões em massa e abalando a relação de confiança e lealdade entre
os indivíduos e as empresas.
Neste panorama de mudança freqüente, os indivíduos dessas organizações
encontram-se diante de sentimentos como: o medo, a angústia e a ansiedade com
relação a se manterem empregados. A mudança, para Oliva (2003), às vezes encontra
47
dificuldades na sua implantação e sustentação, pois os indivíduos costumam vê-la como
uma ameaça à continuidade de suas carreiras.
Segundo Judson (1969), toda mudança tem algum impacto sobre os indivíduos.
A mudança nas estruturas e regras já conhecidas, nas quais os indivíduos se baseiam e
organizam seu cotidiano, produz insegurança, ansiedade e medo (JAQUES, 1955;
MOTTA e VASCONCELOS, 2004), dado que os indivíduos deverão aprender novas
formas de convivência e trabalho, reorganizando suas representações mentais e afetivas
(MOTTA e VASCONCELOS, 2004).
Um mercado em transformação impulsiona as organizações a fazerem
mudanças. E, segundo Gilley (1999, p.20):
As mudanças se transformam na mola propulsora do medo. À medida que as mudanças se aceleram, elas produzem cada vez mais medo. A única maneira de evitar que as mudanças levem a empresa a perder o controle é começar a falar o que essa mola significa.
Dejours (1992), cujo trabalho explora a dimensão psicopatológica do sofrimento
nas organizações, afirma que quanto mais brusca e radical for a mudança, maior será o
nível de ruptura e sofrimento por ela provocado.
O fenômeno de paralisação, detenção e medo são observados até nos mais
singelos seres vivos, quando se vêem submetidos a bruscas ou desproporcionadas
modificações em suas condições de existência (MIRA y LOPEZ, 2002).
Hernandez e Caldas (2001), em seu estudo sobre a resistência à mudança,
comentam que por mais que o assunto mudança organizacional venha sendo explorado,
48
Mudanças Econômicas e Políticas
Pressões Mercadológicas
Novidades Tecnológicas
ImplantaçãoAvaliação eDecisão
Análise dos incitadores
Processo de determinação do problema
Processo de solução do problema
Processo de execução dassoluções desenvolvidas
Incitação
tanto pelo meio acadêmico quanto pela mídia gerencial, na verdade, não se sabe muita
coisa sobre o que é a resistência à mudança, suas causas, quando é mais provável que
aconteça, o efeito que pode (ou não) produzir em esforços de transformação ou os
métodos que podem existir para lidar com ela.
Mas, o que se pode realmente afirmar é que a resistência à mudança é um �fato
da vida�, e deve acontecer durante qualquer intervenção organizacional (HERNADEZ e
CALDAS, 2001).
Com base em Fonseca (2002), Gilley (1999), Hernandez e Caldas (2001), Motta
e Vasconcelos (2004), Morgan (1996) e Wood Jr. (1992), a Figura 3.1 representa um
modelo simplificado de um processo de mudança organizacional. Neste processo de
mudança distinguem-se, basicamente, três etapas: a primeira está relacionada aos
possíveis estimuladores capazes de incitar a necessidade de mudança; a segunda etapa
refere-se à identificação do problema e ao desenvolvimento de soluções para ele; e a
terceira etapa dedica-se a implantação das soluções criadas na etapa anterior.
Figura 3.1 Processo de Mudança Organizacional
49
O objetivo de se apresentar este modelo reside na intenção de consolidar os
momentos de grande insegurança, ansiedade, resistência e medo por parte dos
indivíduos, durante um processo de mudança organizacional e, assim, facilitar a
visualização e o entendimento do processo.
O foco principal está na segunda fase, de avaliação e decisão, e na fase de
implantação, pois como assevera Wood Jr. (1992, p. 80): �a dificuldade é tanto ou mais
de implementar as estratégias de mudança que desenvolvê-las.�.
Na etapa de avaliação e decisão das estratégias, os indivíduos de uma
organização começam seu processo de insegurança, ansiedade, apreensão e medo a
partir do momento que haja falta de comunicação entre as camadas hierárquicas nas
tomadas de decisão estratégicas para realizar uma mudança. A resistência à mudança
surge e intensifica-se quando o indivíduo envolvido no processo sente-se ameaçado em
sua situação atual, por não receber informações suficientes sobre sua situação futura,
tampouco ter sido consultado, ou ter tido a oportunidade de participar da concepção das
transformações pretendidas pela organização (FONSECA, 2002). Tente imaginar o que
se passa na cabeça dos indivíduos que não participaram do processo decisório, no
momento em que lhe avisam que uma das possíveis estratégias a serem adotadas por sua
empresa é a de terceirizar seu departamento?
A falta de participação e envolvimento no processo decisório estimula o medo
nos indivíduos. Mas, isto pode ser agravado, potencializando este sentimento fóbico.
Isto acontece na etapa de implantação das estratégias de mudança, pois podem ser
implementadas de maneira impositiva e, para Fonseca (2002), é a maneira mais
50
catastrófica a ser feita, aumentando, consideravelmente, a resistência dos indivíduos à
mudança.
São desenvolvidas, discutidas e publicadas receitas, estratégias ou técnicas de
implantação de mudanças nas organizações. Dentro dessas receitas há sempre a
discussão sobre a dimensão subjetiva do ser humano na mudança organizacional, mas
por mais que se fale sobre o indivíduo, há um número pequeno de indivíduos que
prestam a devida atenção no que foi falado, caracterizando mais um dos casos que
apresentam a grande distância entre o discurso e a prática.
Há, na maioria das vezes, a tentativa de se resolver os problemas por uma
perspectiva funcionalista e pela racionalidade instrumental, mas não há como fugir é da
natureza do ser humano ter medo e receio de mudar o seu status quo. Por isso é que
Wood Jr. (1992, p. 81) afirma que:
(...) o paradigma mecanicista das mudanças puramente estruturais deve ser abandonado e os administradores devem incorporar novos valores éticos-humanistas e dominar conceitos filosóficos, sociais e políticos para a condução das mudanças organizacionais.
Em situações de mudanças, além da natural resistência dos indivíduos, podem
existir determinados conflitos de interesses dentro das organizações, ocasionados por
diversos motivos, e que poderão ser solucionados com a utilização do poder. Contudo,
independentemente do momento em que a organização se apresenta, o poder utilizado
pelos gestores de maneira autoritária poderá ser mais um estimular do medo em seus
subordinados.
51
3.3 O Poder nas Organizações
O uso do poder dentro das organizações pode ser observado por vários
espectros. Morgan (1996) descreve o poder como um meio pelo qual conflitos de
interesses são, afinal, resolvidos. O poder influencia quem consegue o quê, quando e
como. Para o autor, existem várias fontes de poder, e estas são utilizadas para modelar a
dinâmica da vida organizacional.
Como o tema poder nas organizações é amplo e muito ramificado, a abordagem
aqui escolhida para ser apresentada será apenas a utilização do poder como instrumento
de imposição autoritária, punitivo e, principalmente, como estimulador do sentimento
de medo nos indivíduos de uma organização.
Mas, de que forma o poder pode incitar o sentimento fóbico nos indivíduos? A
utilização do poder nas organizações tem a capacidade de estimular o medo de duas
formas distintas. Quando uma ação é iniciada pela utilização do poder, o medo pode ser
sentido pelo indivíduo que sofre a ação ou, também, pelo indivíduo responsável pela
ação. Isto é, o medo pode apresentar-se tanto nos gestores quanto em seus subordinados.
Seria de grande ingenuidade, ou às vezes por puro reflexo condicionado, achar
que o medo aparece apenas nos indivíduos que sofrem a ação do poder. Não se pode
esquecer, que em determinadas situações, os gestores que se utilizam do poder podem o
estar fazendo por estarem com medo de algo ou de alguém pois, como assevera Ciceri
(2004, p. 116), � O medo sugere colaborar com quem tem o poder, e lhe ser útil.�. Mas,
ao mesmo tempo, a autora afirma que: �(...) quem está investido numa posição de poder
vive no medo de perdê-la.� (CICERI, 2004, p. 119-120).
52
Para Weber (2000), o poder representa a probabilidade de que um indivíduo em
uma relação social possa realizar sua própria vontade, apesar das resistências,
independentemente da base na qual essa probabilidade repousa. Em outras palavras,
quanto maior o poder, maior é a probabilidade de se realizar sua vontade própria.
Existem situações dentro das organizações, nas quais indivíduos aproveitam-se
de sua posição hierárquica e do poder que possuem, para impor seus interesses aos seus
subordinados, gerando amedrontamento e insegurança. Para Morgan (1996, p. 145),
nesse tipo de situação: �Espera-se que mantenha a boca fechada, faça aquilo que lhe foi
dito fazer e se submeta às regras absolutas do seu superior. (...) O seu único direito
democrático reside na liberdade de encontrar outro trabalho e deixar a empresa.�.
Dejours (1992, p.102) afirma que: �Ter medo de ser vigiado é vigiar-se a si
mesmo. O medo e a ansiedade são os meios pelos quais se consegue fazer respeitar os
preceitos hierárquicos.�.
Administrar os indivíduos por meio do sentimento do medo, utilizando-se do
poder que lhe é conferido, é definido por Gilley (1999, p.35) como �a administração por
intimidação�. Esta forma de administração estimula, além do estresse, insegurança,
frustração e o medo, e para Gilley (1999, p.35):
Este tipo de medo (...) é perpetuado por maquiavélicos inseguros que precisam sempre massagear seus egos carentes desrespeitando aqueles com os quais trabalha, fazendo exigências absurdas. Pode se manifestar com ameaças sistemáticas, rejeições e controle de comportamentos. Esses administradores muitas vezes provocam uma grande rotatividade de funcionários em seus departamentos, divisões ou na empresa como
53
um todo. Eles criam um relacionamento clássico de dependência/co-dependência.
�O medo gera um estado de dependência a um patrão que se torna juiz de sua
conduta� (CICERI, 2004, p. 118).
Entretanto, alguns diretores, gerentes, ou coordenadores de equipe, apresentam
uma intolerância por qualquer traço de rivalidade. Com isso, esses indivíduos se tornam
incapazes de desenvolver um relacionamento próximo com seus colegas e seus
subordinados (MORGAN, 1996). Este tipo de atitude pode ser caracterizado, também,
por um medo do superior em perder o seu cargo para outro indivíduo e, com isso, este
indivíduo utiliza-se do poder que lhe foi conferido pela sua posição hierárquica, para
manter o controle e certificar-se de que cada um será mantido em seu devido lugar. Com
isso, �muitas vezes, os medos inconscientes impedem que o líder seja capaz de aceitar
ajuda e conselhos genuínos.� (MORGAN, 1996, p.225).
Em uma organização onde existe a prática do jogo de poder nas relações
chefe/subordinado, seja pelo medo de perder seu emprego (RIEZLER, 1944) ou pelo
simples prazer em capitalizar o poder (MILIONI, 1990), �uma ação só é considerada
eficiente caso haja obediência� (RIEZLER, 1944, p. 497-498). Deste modo, pode-se
dizer que o superior terá o monopólio da manipulação.
O poder pode ser muito útil em momentos que há a necessidade de desatar-se
um nó dentro da organização, como no caso de medos e resistências infundadas às
mudanças. Mas, pode ser extremamente nocivo se utilizado de maneira abusiva. O
gestor deve ter muito cuidado com o poder que possui, já que em muitos casos é difícil
para um alcoólatra admitir seu vício.
54
O gestor tem em suas mãos uma enorme quantidade de estimuladores que
poderá estar utilizando para estimular o medo nos indivíduos. Este poderá fazer uso da
cultura da organização, dos momentos de mudança em que esta se encontra, ou
simplesmente utilizar-se do poder que possui.
Neste sentido, os indivíduos, amedrontados, admitem determinadas posturas e
comportamentos, que foram aprendendo durante sua vida profissional, como
mecanismos de defesa, no objetivo de cessarem este sentimento fóbico.
Foram descritos neste capítulo as características que habilitam como
estimuladores do medo três fatores presentes nas organizações: a cultura organizacional,
as situações de mudança nas organizações e suas relações internas de poder.
55
4. APRENDENDO COM O MEDO
Sob a ótica psicológica do medo, pode-se observar as várias formas pelas quais o
ser humano desenvolve esse sentimento, seus múltiplos mecanismos de defesa e, com
isso, ter o embasamento suficiente para se identificar, e entender situações e
características organizacionais capazes de estimular o medo no indivíduo.
A questão principal deste capítulo visa apresentar de que forma, ou de que
formas, o medo pode ser um impulsionador capaz de proporcionar algum tipo de
aprendizado no indivíduo, modificando suas ações, ou reações, dentro do seu ambiente
de trabalho.
4.1 A Aprendizagem
Aprender com o medo, isto é, modificar seu comportamento baseado na
experiência de situações de amedrontamento, pode ocorrer, basicamente, de duas
maneiras:
! Involuntariamente ou Naturalmente � a aprendizagem ocorre por meio da vivência
de situações fóbicas do dia-a-dia de trabalho do indivíduo;
! Intencionalmente � quando há o uso voluntário da geração do sentimento do medo
nos indivíduos, com o intuito de ensinar-lhes como, e o que devem fazer dentro da
organização em que trabalham;
56
Em primeiro lugar, é interessante se entender, mesmo que brevemente, o
significado do conceito aprendizagem, em um indivíduo adulto. Motta e Vasconcelos
(2004, p.341) explicam que:
(...) o aprendizado do adulto ocorre de modo heurístico por um processo de ensaio e erro. O indivíduo adulto baseia seus julgamentos de valor em uma experiência pela sobrevivência nas condições imediatas de cada situação. Essas experiências de sobrevivência e adaptação às condições concretas do �aqui e agora� levam os indivíduos a selecionarem os elementos da realidade que considerarão válidos e incorporarão dos outros elementos que serão rejeitados e não serão incorporados. Assim, (...) os indivíduos constroem seus critérios de escolha que influenciarão suas ações futuras e definirão seus padrões identitários.
Já, por uma perspectiva cognitiva, a maneira pela qual os indivíduos tomam e
implementam suas decisões não segue uma lógica determinística. Para a corrente
cognitivista, os valores recebidos na infância e na juventude, sob a influência da família,
pré-estruturam e influenciam a percepção e a escolha feita pelos indivíduos, mas não as
determinam (MOTTA e VASCONCELOS, 2004).
Segundo Festinger (1975), o indivíduo passa por vários momentos de
dissonância ou oposição entre várias cognições, encontrando-se em uma situação de
impasse. Com o propósito de solucionar suas contradições, o indivíduo pode mudar
parte de seus valores, ou não. Aprender, no enfoque cognitivo, significa mudar seu
comportamento e, de certa forma, parte de seus valores (FESTINGER, 1975). O ser
humano pode incorporar uma nova informação, questionando seus valores e adotando
novas práticas, ou pode decidir preservar suas atitudes, valores e hábitos, não
57
incorporando a nova informação e resistindo à mudança, não havendo o aprendizado
(MOTTA e VASCONCELOS, 2004).
Analisando especificamente a aprendizagem dos indivíduos dentro de uma
organização, Gilley (2003) explica que estes indivíduos trafegam por dois tipos de
situações no dia-a-dia: o caos e a ordem. Um indivíduo pode encontrar-se em momentos
de ambiente ordenado, onde há uma calmaria momentânea e um pseudo-controle das
variáveis que influenciam seu trabalho, ou encontrar-se em um ambiente de caos, onde
há estresse, medo e uma ansiedade para se caminhar em direção da ordem (GILLEY,
2003). Para a autora a aprendizagem ocorre durante a transição do estado de caos para o
estado de ordem, ou vice-versa, como mostra a Figura 4.1. O caos puro, ou a ordem
pura são situações em que o indivíduo não tem tempo suficiente, ou está tão
acomodado, para assimilar e aprender com o que está vivendo (GILLEY, 2003).
Figura 4.1 Relacionamento entre o Caos e a Ordem
CaosCaos Ordem
Lugar onde toda aaprendizagem ocorre
Fonte: GILLEY, 1999.
58
A mudança de comportamento e de atitude diante de novas situações, ou até
mesmo diante de situações recorrentes, caracterizando um estado de aprendizado, pode
ser explicada pelas teorias clássicas de motivação e condicionamento.
4.2 O Medo e o Condicionamento
Herzberg (1987, p.109) levanta a seguinte questão: �Qual é o modo mais simples
e direto de conseguir que as pessoas façam algo?�. E o mesmo responde que o
comportamento de um indivíduo pode ser influenciado por condicionamento ou
motivação. Mas afirma, categoricamente, que o método mais rápido seria �chutando-o�,
isto é, condicionando-o.
O condicionamento pode ser classificado de duas formas: condicionamento
negativo ou positivo. Seja o condicionamento negativo ou positivo, não é considerado
motivação e, sim, uma simples e imediata movimentação em reação a um estímulo
positivo ou negativo (HERZBERG, 1987).
Para Herzberg (1987), o condicionamento negativo é muito utilizado pelas
organizações e ocorre, principalmente, por meio de supressões de recompensas
esperadas, ameaças, injunção de re-trabalhos sem remuneração, imposição de horas
extras ou repreensões públicas. O condicionamento negativo engloba todas as punições
que um indivíduo pode sofrer (físicas e psicológicas) e, por medo de sofrê-las, age de
acordo com as regras que lhe são impostas (HERZBERG, 1987).
Já o condicionamento positivo consiste em fornecer estímulos externos positivos
� benefícios, premiações ou aumentos salariais � para que os indivíduos sintam-se
�motivados� e se comportem da maneira esperada. Existem diversas formas de se
59
estimular, positivamente, um indivíduo, condicionando-o da maneira que for desejada e,
baseado nisso é que Herzberg (1987, p.110) comenta que: �Quando a indústria deseja
utilizar-se do condicionamento positivo, existe um numero incrível de variedades
disponíveis de biscoitos para cachorro para se balançar na frente de um empregado
fazendo-o pular.�.
O condicionamento positivo, apesar das inúmeras confusões, não é o mesmo que
motivação e sim uma movimentação, e Herzberg (1987, p.110) assevera que:
O condicionamento não leva à motivação, mas ao movimento (...) Por que os administradores entendem que o condicionamento negativo não é motivação, porém são unânimes no julgamento de que o condicionamento positivo é motivação? Isto se deve ao fato de que o condicionamento negativo é um estupro e o condicionamento positivo é uma sedução. Mas é infinitamente pior ser seduzido do que estuprado; o último é uma infeliz ocorrência enquanto o primeiro significa que você mesmo se enganou.
Para determinar o que realmente seria o ato de motivar um indivíduo,
desfazendo qualquer dúvida conceitual, Herzberg (1987, p.110) define que:
A motivação, ao contrário do condicionamento, é tão somente desencadeada por estímulos internos (...). Por que o condicionamento não é motivação? Eu posso colocar uma bateria num homem e recarregá-la sempre que necessário. Mas é somente quando ele utiliza seu próprio gerador que podemos dizer que ele está motivado. Ele não necessita de nenhum estímulo externo, ele quer fazer aquilo.
O conceito de aprendizagem pelo uso voluntário do medo, como recurso
pedagógico, que está sendo aqui construído, mostra-se diretamente correlacionado ao
60
conceito do condicionamento negativo de Herzberg (1987), já que o ato pedagógico do
medo leva o indivíduo ao condicionamento de seu comportamento.
Segundo Gray (1976), quando os estimuladores possuem conseqüências nocivas
para o indivíduo, no caso de alguns estímulos encontrados na interação social entre
indivíduos, levam-no ao campo da aprendizagem, condicionando-o.
. O medo configura-se como uma especializada modalidade do organismo do ser
humano capaz de fazer com que o indivíduo reelabore as informações e, assim, enfrente
a realidade (CICERI, 2004). Esse processo de adaptação a novas situações e realidades
é considerado um processo pedagógico, uma vez que Piaget (1976) deixa bem claro em
seus estudos que: a adaptação é a essência do funcionamento intelectual.
Como foi visto no capítulo 2, o indivíduo que se sente amedrontado reage a esse
sentimento por meio de uma fuga passiva, retraindo-se, ou por meio de uma fuga ativa,
movimentando-se e, baseado nisto, é que Mira y López (2002) afirma que o processo de
condicionamento é determinado por uma conduta de fuga, na tentativa de se evitar
alguns males associados ao medo. Porém, o autor complementa este pensamento
comentando que o medo atua como agente condicionante e antecipador do sofrimento,
não apenas diante de uma ação direta e real, mas também diante de estímulos
ocasionados por situações, ou características situacionais, previamente vividas pelos
indivíduos, originando o medo diante do indício do dano, ou seja, o perigo.
No entanto, Ciceri (2004) alerta que a avaliação de periculosidade de um
antecedente situacional depende, em grande parte, da experiência individual de cada
indivíduo. E para elucidar isto é que Ciceri (2004) apresenta o seguinte exemplo: se
alguém se aproxima por trás e arranca a bolsa de uma pessoa, fazendo-a cair, por um
61
certo tempo, ao caminhar pela rua, esta pessoa ficará desconfiada de qualquer presença
de movimento atrás dele. Qualquer movimento imprevisto trará sobressalto e fará com
que esta pessoa mude a bolsa de posição.
Voltando ao meio organizacional, uma grande empresa de telecomunicações
adotava o seguinte ritual em dias de corte de pessoal: estacionar uma ambulância na
entrada do edifício da empresa, como conduta preventiva caso algum indivíduo passasse
mal. Para os indivíduos sobreviventes a esses processos de demissão, avistar uma
ambulância estacionada na entrada de seu trabalho é o suficiente para o medo tomar
conta de seu sistema nervoso, mas para os indivíduos que nunca passaram por este
desgosto, isto não caracterizaria uma situação de perigo.
O medo ensina o ser humano a cada momento, e os estímulos antes irrelevantes
são transformados em sinais de alarme. Ciceri (2004, p.149) utiliza-se de uma expressão
que resume todo este processo de aprendizagem: �perdemos a inocência original�.
Mas, em contra partida, o medo pode ser manipulado no intuito de gerar o
�aprendizado�. E é neste sentido que Dejours (1992) assegura que o medo é usado como
instrumento de produtividade e controle social, representando uma forma total,
completa e original de exploração. O medo é conscientemente instrumentalizado pelos
gestores com o objetivo de pressionar os indivíduos, e fazê-los trabalhar.
Crescer, prosperar, aumentar a produtividade e a lucratividade, são alguns dos
objetivos de toda organização. Mas, para se alcançar tudo isso é importante lembrar que
toda organização é formada por indivíduos, e que estes indivíduos devem estar
alinhadas com os objetivos da organização. Assim, baseado neste pensamento de
62
aumento da produtividade, os gestores mostraram-se capazes de criar múltiplas formas
de condicionar seus chefiados.
Uma dessas formas na tentativa de condicionar o indivíduo é a erosão mental
produzida pela instrumentalização do medo. Dejours (1992) afirma que a erosão mental
individual dos indivíduos é útil para a implantação de um comportamento condicionado
favorável à produção. Entretanto, o autor assevera que este desgaste mental, e físico, é
uma infeliz conseqüência, já que o que é explorado pela organização não é o sofrimento,
mas principalmente os mecanismos de defesa utilizados contra esse sofrimento.
Para Gilley (1999), existe um estilo de gerência capaz de estimular o medo nos
indivíduos subordinados, e que pode ser classificado como: administração por meio da
intimidação. Este tipo de gestão baseia-se em exigências absurdas, seguidas de ameaças
sistemáticas, rejeições e controles de comportamento.
Os gestores sabem muito bem que usando da ameaça da demissão, por exemplo,
eles podem intensificar o trabalho de seus subordinados, já que a concorrência entre os
indivíduos à procura de emprego está cada vez mais acirrada.
Segundo Dejours (2005), os indivíduos submetidos a essa nova forma de
dominação, pela manipulação gerencial da ameaça de precarização, vivem
constantemente com medo. Esse medo é permanente e gera condutas de obediência e
submissão (DEJOURS, 2005).
Porém, é sempre importante se fazer valer da célebre pergunta: Será que os fins
justificam os meios? Dejours (1992, p.103) adverte: �Para aumentar a produção, basta
puxar as rédeas do sofrimento psíquico, mas respeitando-se, também, os limites e as
63
capacidades de cada um, senão arrisca-se descompensar uma ou outra pessoa por meio,
por exemplo, de uma crise de nervos.�.
Ainda preocupado com o desgaste progressivo dos indivíduos, devido à
utilização do medo como instrumento pedagógico, Dejours (2005, p.58) complementa:
A escala do gerenciamento pela ameaça tem limites. Além de certo nível e de certo prazo, o medo paralisa, pois quebra a �moral� do coletivo � mesmo em situações extremas como a guerra. Mas, o prazo para os limites se revelarem é imprevisível. Ao contrário, e voltando às teorias clássicas de motivação, a mobilização da inteligência pela gratificação e pelo reconhecimento do trabalho bem feito não tem limite.
A utilização da pedagogia do medo pelos gestores vai de encontro a todos os
conceitos de liderança, que têm sido explorados massivamente pela mídia empresarial,
movimentando enormes quantias de capital em livros, treinamentos e palestras.
4.3 O Medo vs. A Liderança
O emprego do medo instrumentalizado nada no sentido contrário, por exemplo,
da definição de liderança carismática de Wood Jr. (2001). O líder carismático induz
seus liderados a uma aceitação inquestionável de sua autoridade. Com a manipulação da
emoção e da afeição, o líder consegue sua identificação, envolvimento e o
comprometimento de seus liderados (WOOD Jr., 2001).
Reichheld (2002, p.21-22) enfatiza que: �as pessoas anseiam por líderes e
instituições merecedores de sua confiança e envolvimento, para ajudar a conduzir e
enriquecer tanto sua vida quanto seu trabalho.�.
64
O condicionamento pelo medo é antagônico aos princípios de liderança, uma vez
que o verdadeiro líder obtém os resultados esperados por meio do alto grau de
conhecimento e de motivação de sua equipe, e não por meio de ameaças, pressões e
humilhações.
Então, por que alguns gestores mantêm a conduta hipócrita de participar de
palestras e treinamentos de liderança, rotulando-se líderes e, ao mesmo tempo, utilizam-
se do medo para condicionar seus funcionários? A resposta está em uma palavra: medo.
Mira e López (2002) define a hipocrisia não como um traço de perversão, nem
tão pouco de astúcia, mas, fundamentalmente, de covardia. �A hipocrisia não só
demonstra pobreza de espírito, mas �medo preso no espírito�.� (MIRA y LÓPEZ, 2002,
p.51).
Sob a influência do medo, com a ameaça de uma possível demissão pairando
sobre os indivíduos de uma organização, a maioria dos indivíduos mostra-se capaz de
acionar um cabedal de inventividade no intuito de melhorarem sua produção � fuga
ativa � e afastarem todas as conseqüências (físicas e psíquicas) associadas a este
sentimento fóbico.
O medo, quando inserido no ambiente de trabalho, se dissipa por toda a equipe
de trabalho. Dejours (1992) assevera que este medo partilhado cria uma verdadeira
�solidariedade� em prol da eficiência. A ameaça não poupa ninguém, e nesse caso é
impensável deixar o barco afundar (DEJOURS, 1992).
Em compensação, um relacionamento chefe-empregado baseado na pedagogia
do medo tem seus alicerceis fracos e instáveis. Assim, quando Dejours (1992, p.112)
65
afirma que em momentos de dificuldades �é impensável deixar o barco afundar�, ele
esquece de algo que é muito enfatizado por Reichheld (2002, p. 22) em seu estudo sobre
os princípios da lealdade:
Um dia, a empresa cai na emboscada de algum concorrente, ou não consegue prever uma mudança nas preferências do mercado, ou se dá conta de que uma nova tecnologia tornou obsoleto seu modelo de negócios. É aí que se manifesta o verdadeiro valor da lealdade. (...) No entanto, os líderes têm de conseguir meios de arregimentar seus parceiros para luta, impedindo que fujam; clientes, funcionários, revendedores e fornecedores têm de unir-se para encontrar uma solução. A menos que os líderes tenham construído relacionamentos com base na lealdade, (...) nada impedirá os parceiros de abandonarem o navio no instante em que avistarem uma oportunidade melhor.
O fato é que a participação consciente do sujeito em atos injustos é resultado de
uma atitude calculista e, para manter seu lugar, conservar seu cargo, sua posição, seu
salário, suas vantagens e não comprometer seu futuro, e até sua carreira, o indivíduo
decide por �colaborar� (DEJOURS, 2005). Mira y López (2002, p.36) define esta
atitude calculista, de sobrevivência, como um medo �racional-sensato�, visto que é um
medo condicionado pela experiência e baseado na razão.
Motta e Vasconcelos (2004, p. 373), dissertando sobre o instinto de
sobrevivência dos indivíduos nas organizações, explicam que:
A necessidade de sobrevivência no presente e no futuro exerceria pressões sobre o indivíduo para que ele redefinisse pelo menos parcialmente suas perspectivas de ação, expectativas, valores e prioridades. Novas possibilidades de ação e a pressão social podem, de certa forma, mudar valores e
66
atitudes passados, permitindo a aprendizagem de novas práticas.
O emprego da pedagogia do medo independe do estado em que se encontra a
organização, mas sim do estilo de gerência que um gestor resolve adotar. Mesmo em
organizações que prosperam, de vez em quando criam-se deliberadamente medos e
estresses, como meio de promover a eficácia organizacional (MORGAN, 1996).
Foi evidenciado, no presente capítulo, possíveis formas de aprendizado nos
indivíduos estimuladas pelo medo. Essas mudanças comportamentais foram
confrontadas com as teorias clássicas de motivação e condicionamento. Apresentou-se o
conceito da pedagogia do medo, maneira pela qual o medo pode ser instrumentalizado
para que seja utilizado como uma ferramenta pedagógica nos indivíduos de uma
organização, acareando-o as teorias de liderança.
67
5. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E A TEORIA DO NÚCLEO CENTRAL
O presente capítulo trata da apresentação de duas teorias importantes tanto para
fundamentar o método utilizado para a coleta e tratamento dos dados desta pesquisa,
quanto para auxiliar na explicação dos efeitos provocados pelo medo nas organizações.
São elas: a teoria das representações sociais e a teoria do núcleo central.
5.1 As Representações Sociais
O conceito das representações sociais, já há alguns anos, vem sendo utilizado e
discutido em muitos trabalhos, em diversas áreas. Este conceito, como afirma Arruda
(2002, p. 128): �atravessa as ciências humanas e não é patrimônio de uma área em
particular�.
A representação social é teorizada pela primeira vez por Serge Moscovici, em
1961, em sua obra La Psychanalyse, son image, son public, produzindo um impacto nos
meios intelectuais pela proposta inovadora apresentada, e tornando-se o marco inicial
para uma extensa discussão que apresentou-se com força total a partir dos anos 80
(ARRUDA, 2002).
Ao longo dos anos, a teoria das representações sociais foi sendo construída pela
contribuição de vários pesquisadores, como Denise Jodelet e Jean-Claude Abric, que a
tornaram cada vez mais complexa e polifacetada. Moscovici mostrava-se resistente em
apresentar uma definição única e precisa das representações sociais, por julgar que este
tipo de tentativa resultaria numa redução do alcance conceitual (MOSCOVICI, apud
SÁ, 2002).
68
Uma das várias definições elaboradas por Moscovici (2004) para as
representações sociais as definem como uma série de fenômenos complexos referentes à
construção e percepção de um sentido para um dado objeto por um indivíduo inserido
em seu contexto relacional, em um processo de compreensão e aprendizagem.Ou seja, a
teoria das representações sociais referencia-se no indivíduo localizado em um contexto,
no qual há a elaboração de um conceito social sobre um objeto, a partir de
aprendizagens, práticas e experiências diárias (JODELET, 2001).
Neste conjunto de fenômenos complexos referido por Moscovici (2004) estão
contidos os efeitos ocasionados pelo medo nos indivíduos inseridos no contexto racional
das organizações. Tais efeitos são vividos e assimilados, dando um sentido específico ao
medo neste contexto organizacional.
Neste ambiente conceitual complexo onde se apresentam as representações
sociais, Denise Jodelet assume o papel de aprofundadora e sintetizadora da teoria. Ela
(2001, p. 22) apresenta um significado para as representações sociais de maior
consensualidade entre os pesquisadores: �As representações sociais são uma forma de
conhecimento socialmente elaborado e compartilhado, com um objetivo prático, e que
contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social�.
Jodelet (2001) também aconselha que o estudo da representação social deve
articular elementos afetivos, mentais e sociais, e integrando, ao lado da cognição, da
linguagem e da comunicação, as relações sociais que afetam as representações e a
realidade.
69
As representações sociais podem ser caracterizadas como um conjunto de
acontecimentos de aprendizagem, percepção e pensamentos sobre objetos, imagens,
atitudes, opiniões e crenças (MOSCOVICI, 2004).
Ao analisar-se a representação social do medo dentro das organizações, buscam-
se percepções, conceitos e conhecimentos comuns sobre este objeto fobígeno,
auxiliando e aprimorando a identificação dos seus efeitos nos indivíduos. Já que, a
representação social do medo também é formada pelo aprendizado que este sentimento
proporciona aos indivíduos.
De acordo com Arruda (2002), para se conseguir reunir as informações e
significados isolados sobre a representação social de um determinado objeto de estudo
utilizam-se diferentes métodos de associação de palavras. �Trata-se de identificar as
estruturas elementares que constituem o cerne do sistema da representação em torno das
quais ele se organiza � um sistema constituído pelos seus elementos centrais e
periféricos� (ARRUDA, 2002, p. 140).
5.2 Núcleo Central e Sistema Periférico
Com o objetivo de complementar a teoria das representações sociais, Jean-
Claude Abric, em 1976, propôs a teoria do núcleo central.
Afirma Abric que: �Nesse processo de percepção social aparecem portanto
elementos centrais, aparentemente constitutivos do pensamento social, que lhe
permitem colocar em ordem e compreender a realidade vivida pelos indivíduos ou
grupos� (SÁ, 2002, p. 64).
70
Segundo Abric, toda representação está organizada em torno de um núcleo
central que determina seus aspectos fundamentais, sua significação e sua organização
interna (SÁ, 2002). Tal núcleo central é composto por elementos de extrema
importância na estrutura de uma representação. Sua ausência a desestruturaria, ou lhe
daria um novo significado (SÁ, 2002). É diretamente ligado a representação e marcado
fortemente pela memória coletiva do grupo social, é coletivamente partilhado, é estável,
coerente e resistente à mudança (ABRIC, apud SÁ, 2002).
Vergara (2005b, p. 249) afirma que:
O que deve ser ressaltado é que a estrutura de uma representação social é alterada quando são adicionados ou suprimidos elementos do seu núcleo central. Logo, identificar os elementos imprescindíveis à representação significa conferir significado ao objeto de estudo.
Em complementaridade ao núcleo central está o sistema periférico, composto
por elementos ligados de maneira fraca e flexível à representação. Para Sá (2002), o
sistema periférico é a interface entre o sistema central e a realidade concreta. O sistema
periférico tem a função de concretizar e reafirmar o núcleo central, é aberto a
modificações, é flexível e sofre influências significativas do contexto imediato em que a
representação está inserida (SÁ, 2002).
Arruda (2002, p. 140-141) assevera em relação às representações sociais e seus
sistemas central e periférico, que:
(...) seu núcleo central, é aquele que apresenta maior resistência e durabilidade. Sua franja, os elementos periféricos, são aqueles que fazem a interface com as circunstâncias em que a representação se elabora e os estilos
71
individuais de conhecer, podendo apresentar maior grau de variação e menor resistência.
Compreender o conceito de um sistema central, e de um sistema periférico é
importante, já que, os quadrantes utilizados no tratamento dos dados desta pesquisa,
apresentados por Vergès, citado por Sá (2002), combinam a freqüência com a ordem de
evocação das palavras, identificando e localizando o núcleo central no quadrante
superior esquerdo e o sistema periférico no quadrante inferior direito (Figura 5.1). Os
quadrantes superior direito e inferior esquerdo são descartados por manterem uma
relação extremamente fraca e superficial com o núcleo central (VERGARA, 2005b).
Figura 5.1 Núcleo central e sistema periférico nos quadrantes de Vergès
NúcleoCentral
SistemaPeriférico
Fonte: VERGARA, 2005b.
Este capítulo abordou a teoria das representações sociais, que auxilia na
compreensão do medo dentro do contexto organizacional, e a teoria do núcleo central e
72
sistema periférico, dando maior sustentabilidade conceitual ao tratamento de dados
utilizado nesta pesquisa, previamente explicado no capítulo 1.
73
6. ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS
Reservou-se este capítulo para apresentar a análise dos resultados obtidos em
campo, pelo teste de evocação de palavras e pelas perguntas dissertativas que, juntos,
compuseram o questionário aplicado aos sujeitos desta pesquisa.
6.1 O Núcleo Central da Representação Social do Medo
Como foi apresentado no Capítulo 1, utilizou-se o teste de evocação livre de
palavras nos indivíduos respondentes deste estudo, com o objetivo de identificar os
possíveis elementos constituintes do núcleo central da representação social do medo
dentro do contexto organizacional, auxiliando, assim, na obtenção de informações que
elucidassem o cerne deste estudo.
Para isso, solicitou-se aos 76 respondentes que escrevessem as quatro primeiras
palavras, ou expressões, que viessem em suas mentes a partir da expressão indutora
�MEDO�. Para se viabilizar a utilização dos quadrantes de Vèrges, era necessária a
criação de uma ordem de importância às palavras evocadas, deixando que isto fosse
feito pelo subconsciente do entrevistado. Ou seja, foi mantida a ordem original escrita
pelos entrevistados como hierarquização das palavras evocadas.
Contabilizaram-se 109 expressões diferentes evocadas, sendo que 27 foram
excluídas por terem sido citadas apenas uma vez, não apresentando semelhança
semântica às outras palavras, inabilitando-as de serem incluídas em alguma categoria,
ou por serem palavras consideradas praticamente sinônimos da palavra �medo�, por
exemplo: horror, terror, temor.
74
A eliminação de categorias de freqüência unitária se dá pelo fato de terem uma
inexpressiva ligação com o núcleo central da representação estudada. Essas categorias
são caracterizadas por informações isoladas que não estão de acordo com o conceito de
representação social, apresentado no Capítulo 5, em que a percepção que se procura
sobre o objeto estudado deve ser de um conjunto social.
Pode-se observar, de forma resumida, na Tabela 6.1 os números gerais do teste
de evocação de palavras:
Tabela 6.1 Dados Gerais
Dados Gerais Número de indivíduos entrevistados 76
Total de palavras ou expressões evocadas 109
Total de palavras ou expressões excluídas 27
Total de palavras ou expressões categorizadas 82
Total de categorias analisadas 18
O procedimento seguinte realizado, após a categorização das palavras evocadas,
foi o cálculo da freqüência de evocação e da ordem média de evocação (OME) de cada
uma das categorias semânticas aptas à análise.
O cálculo da freqüência de evocação de uma categoria foi feito pela soma de
vezes que as palavras desta categoria foram citadas em primeiro (f1), segundo (f2),
terceiro (f3) e quarto lugar (f4), de acordo com a ordem dada pelos entrevistados. De
posse desses valores, calculou-se a soma total de vezes que uma categoria foi citada (Σf)
e o valor da OME de cada uma das categorias. A Tabela 6.2 exemplifica os cálculos
feitos para a freqüência de evocação e OME das categorias:
75
Tabela 6.2 Cálculo da freqüência e OME
Categoria: DESESTÍMULO
No de evocações em 1o Lugar (f1) 2
No de evocações em 2o Lugar (f2) 2
No de evocações em 3o Lugar (f3) 5
No de evocações em 4o Lugar (f4) 3
Total de evocações (Σf) 12
( ) ( ) ( ) ( )f
ffffOME∑
∗+∗+∗+∗=
4321 4321 2,750
A Tabela 6.3, citada previamente na seção Metodologia do Capítulo 1, condensa
os nomes, e todos os valores e cálculos de freqüência e OME de todas as 18 categorias
analisadas no teste de evocação de palavras:
Tabela 6.3 Valores das categorias analisadas
No Categoria f1 f2 f3 f4 Σf OME 1 Estímulo Negativo 9 6 5 4 24 2,167
2 Desequilíbrio Psíquico 4 6 3 5 18 2,500
3 Gestão Autoritária 0 1 1 3 5 3,400
4 Desestímulo 2 2 5 3 12 2,750
5 Choque Interpessoal 0 3 1 3 7 3,000
6 Má-Fé 3 9 6 3 21 2,429
7 Sobrevivência 1 0 2 3 6 3,167
8 Resguardo 0 1 0 2 3 3,333
9 Demissão 9 7 2 0 18 1,611
10 Desequilíbrio Físico 1 3 4 4 12 2,917
11 Mau Êxito 5 3 4 1 13 2,077
12 Aumento da Carga de Trabalho 5 6 1 4 16 2,250
13 Insegurança 7 5 4 6 22 2,409
14 Não-socialização 3 2 1 0 6 1,667
76
15 Falência da Organização 2 0 2 0 4 2,000
16 Desgosto 1 0 2 1 4 2,750
17 Insipidez 1 0 3 1 5 2,800
18 Inércia 2 2 3 3 10 2,700
TOTAL (Σ) 55 56 49 46 206 45,926
Prosseguindo o processo de identificação do núcleo central da representação
social do medo, foram construídos os quadrantes de Vèrges. Mas, para isto foi preciso o
cálculo dos valores da média das freqüências de evocação e da média das ordens médias
de evocação, como mostra a Tabela 6.4.
Tabela 6.4 Referenciais para os quadrantes de Vèrges
Valores de Referência
Média das Freqüências de Evocação:
Σ(Σf) / 18 = 206 / 18 11,444
Média das Ordens Médias de Evocação:
ΣOME / 18 = 45,926 / 18 2,551
A partir dos valores de referência calculados na Tabela 6.4, foi possível localizar
todas as categorias semânticas em um dos quatro quadrantes de Vèrges, evidenciando os
elementos do núcleo central e do sistema periférico (Figura 6.1). Contudo, subdividiu-se
o núcleo central e seu sistema periférico, para melhor visualização, em subconjuntos
que caracterizassem os elementos de causa e os elementos de efeito do medo. Os
elementos de causa são os chamados estimuladores fóbicos, ou seja, são elementos
causadores do sentimento do medo nos indivíduos. Já os elementos de efeito são as
conseqüências geradas pelo medo nos indivíduos.
77
Figura 6.1 Núcleo central e sistema periférico do medo
NúcleoCentral
SistemaPeriférico
Menor que2,551
Maior ou igualque 2,551
Ordem Média de Evocação (OME)M
aior
ou ig
ual
que 1
1,444
Men
or q
ue11
,444
Estímulo NegativoMá-féDemissãoMau ÊxitoAumento da carga de TrabalhoInsegurança
Desequilíbrio Psíquico
DesestímuloDesequilíbrio Físico
Não-socializaçãoFalência da Organização
Gestão AutoritáriaChoque Interpessoal
SobrevivênciaResguardoDesgostoInsipidezInércia
Freq
uênc
ia d
e Evo
caçã
o
Causas
Efeitos
Causas
Efeitos
78
Os elementos presentes no núcleo central da representação social do medo para
os indivíduos pesquisados, constitutivos do pensamento social deste grupo em relação
ao objeto de estudo, são: estímulo negativo, insegurança, má-fé, demissão, desequilíbrio
psíquico, aumento da carga de trabalho e mau êxito.
Relembrando o que foi dito no Capítulo 5, uma representação social de um
determinado objeto de estudo nada mais é que a percepção, o entender, o pensamento de
um conjunto social de indivíduos sobre esse objeto, e que é construída por um conjunto
de aprendizagens, imagens, atitudes, opiniões e crenças.
A categoria denominada �Estímulo Negativo�, classificada como um elemento
de causa, foi formada por palavras como: ameaça, coação, intimidação, opressão,
punição e repressão. Isso mostra que o medo está presente nesse tipo de estímulo
quando acionado nos indivíduos em seus ambientes de trabalho, o qual representa a base
do conceito do condicionamento negativo de Herzberg (1987). Como foi visto no
Capítulo 2, o condicionamento negativo é utilizado para se modificar, intencionalmente,
o comportamento dos indivíduos por meio de ameaças e punições.
As categorias �Insegurança� e �Demissão� são mais outros dois elementos
causadores do medo, e presentes no núcleo central. Estas categorias representam o medo
de perder o emprego e de ambientes organizacionais instáveis e inseguros. As palavras
evocadas �insegurança� e �demissão� deram nome às suas respectivas categorias, pois
foram, particularmente, as palavras mais evocadas pelos indivíduos. Essas palavras
também foram muito utilizadas pelos entrevistados para responder as perguntas
dissertativas e, por estarem presentes no núcleo central desta representação social,
foram de grande auxílio para a análise destas perguntas, como será visto na Seção 6.2.
79
Vale o destaque à categoria �Má-fé�, pois, surpreendentemente, foi a terceira
categoria mais evocada, elemento de causa, e representa um medo relacionado ao lado
perverso do indivíduo. As palavras evocadas desta categoria concebem o inconcebível
em um grupo social, tudo o que pode ser chamado de �anti-jogo� profissional dentro das
organizações. São elas: concorrência desleal, conluio, sabotagem, trapaça, inveja,
falsidade e picaretagem.
Outro elemento causador que personifica o amedrontamento nos indivíduos é a
categoria �Aumento da carga de trabalho�. Os entrevistados mostraram o medo de
terem sua carga de trabalho aumentada. Entretanto, apenas pelo teste de evocação de
palavras não se pode definir o porquê deste medo, mas ele será justificado nas análises
da Pergunta 2 e Pergunta 4, na Seção 6.2, por outro componente do núcleo central
chamado �Desequilíbrio psíquico�, classificado como elemento de efeito e formado
pelas palavras: angústia, ansiedade, desconforto, desespero, nervoso, tensão, inquietação
e depressão. Foi dito por Dejours (1992, p.103) que: �Para aumentar a produção, basta
puxar as rédeas do sofrimento psíquico�.
O medo que os indivíduos têm do fracasso, de não conseguir cumprir um tarefa
requisitada, de não ter capacidade de resolver algum problema de trabalho, está
representado pela categoria �Mau êxito�, que também foi classificada como um
elemento causador do medo, e que é constituída por expressões como: erro, fracasso,
fraqueza profissional e incapacidade.
Dos elementos do núcleo central, apenas um foi classificado como efeito gerado
pelo medo, �Desequilíbrio Psíquico�, enquanto as categorias �Estímulo negativo�, �má-
fé�, �Demissão�, �Mau êxito�, �Aumento da carga de trabalho� e �Insegurança� são
80
todos estimuladores do medo. Entretanto, no sistema periférico ao núcleo central, há
uma inversão, pois a maioria das categorias são efeitos causados pelo medo, e apenas as
categorias �Gestão Autoritária� e �Choque Interpessoal� são classificadas como causas
do amedrontamento.
A tabela 6.5 mostra algumas das palavras e expressões evocadas e que compõem
essas categorias, auxiliando na compreensão de cada uma delas e, principalmente, na
evidenciação das causas e efeitos ao amedrontamento, presentes no sistema periférico.
Tabela 6.5 Palavras e categorias da sistema periférico
Sobrevivência (E) Crescimento Desafio Oportunidade Perspectiva Reação
Resguardo (E) Defesa Luta Proteção
Desgosto (E) Tristeza Frustração
Insipidez (E) Perda de criatividade Sem Criatividade Perda de naturalidade
Inércia (E) Paralisado Impotência
Gestão Autoritária (C) Arrogância Intolerância
Choque Interpessoal (C) Conflito Confusão Discussão Briga
(C) Causa, (E) Efeito
81
6.2 Análise das Perguntas Dissertativas
Esta seção apresenta informações pertinentes às respostas referentes às perguntas
que fizeram parte da segunda etapa do questionário aplicado aos sujeitos da pesquisa, e
que tinham a finalidade de complementar o teste de evocação de palavras.
Os 76 sujeitos desta pesquisa foram convidados a responder quatro perguntas
que buscavam um detalhamento maior sobre suas vidas profissionais sob o foco de um
tema delicado como o medo. Algumas das respostas foram descartadas por:
a) serem superficiais demais;
b) estarem sem justificativas (respostas incompletas);
c) encontrarem-se fora dos limites deste estudo;
Assim, das 304 possíveis respostas a serem dadas pelos 76 entrevistados nas
quatro perguntas dissertativas, foram analisadas e incluídas neste estudo um total de 259
respostas (Tabela 6.5).
Tabela 6.5 Informações Gerais
Informações Gerais Número de indivíduos entrevistados 76 Total de possíveis respostas 304 Total de respostas excluídas 45 Total de respostas analisadas 259 Percentual de respostas analisadas 85,2%
82
É importante destacar a capacidade de auxílio do núcleo central e seu sistema
periérico na interpretação das respostas às perguntas. O tratamento dado a essas
perguntas foi, então, de uma análise interpretativa associada ao teste de evocação de
palavras. Ou seja, utilizou-se o núcleo central e o sistema periférico da representação
social do medo no auxílio da interpretação e, principalmente, da identificação das
respostas que eram diretamente ligadas ao sentimento de amedrontamento. Em muitos
casos, a palavra �medo� não foi escrita pelo respondente e, com isso, para se identificar
uma resposta diretamente correlacionada a uma situação fóbica no ambiente de trabalho,
procuraram-se palavras ou expressões presentes no escopo da resposta que fizessem
parte do conjunto de elementos do núcleo central.
6.2.1 Análise da Pergunta 1
A primeira pergunta feita aos respondentes foi: �Você já passou por alguma
situação, na sua vida profissional, na qual você sentiu seu emprego ameaçado? Qual foi
a sua reação a esta situação? Como você se sentiu?�.
Dentre os vários estimuladores do medo nos indivíduos no ambiente
organizacional, a ameaça de demissão é um dos elementos que compõem esse vasto
conjunto (DEJOURS, 1992; MORGAN, 1996; RIEZLER, 1944). Baseado nesta
convicção dada pelos autores de que a ameaça de uma possível demissão é um
estimulador do medo é que se formulou esta pergunta no objetivo de captar as reações
dos indivíduos amedrontados, no momento em que vêem seus empregos ameaçados.
Foi possível constatar, também, que as palavras �demissão� e �desemprego�
estão presentes na categoria �Demissão� do núcleo central da representação social do
medo, identificado pelo teste de evocação de palavras, reafirmando que demissão é uma
83
percepção consensual, de um conjunto social de indivíduos, associada diretamente ao
sentimento de amedrontamento.
Do total dos 76 entrevistados, sete respostas foram excluídas por terem sido
consideradas vagas e inconclusivas, restando 69 perguntas a serem analisadas. Portanto,
61 responderam que já passaram por alguma situação que ameaçasse seus empregos e
apenas oito responderam que nunca passaram por este tipo de situação em sua vida
profissional. Esses entrevistados que responderam �não� para esta pergunta, tiveram
suas respostas descartadas pelo fato de não terem passado pelo medo de perder o
emprego. Os percentuais das respostas podem ser vistos na Figura 6.2:
Figura 6.2 Percentuais Pergunta 1
Pergunta 1
88%
12%
SIMNÃO
Além da própria ameaça de demissão ser um estimulador fóbico, palavras como
�insegurança� e �impotência�, elementos do núcleo central, atrelaram respostas
afirmativas diretamente ao estímulo do medo. O medo também pode se apresentar pela
ansiedade e angústia, igualmente presentes no núcleo central do medo, e como pode ser
visto nesta resposta dada pela respondente, que não utilizou a palavra �medo�, mas se
84
fez valer por expressões como �ansiosa� e �angustiada�: Sim. Havia um boato de
terceirização do meu setor, e que várias pessoas seriam demitidas. Fiquei angustiada,
nervosa, não sabia o que fazer. Passei o dia tão ansiosa que peguei minhas coisa e fui
para casa pensar no que fazer.
Cerca de 81% desses indivíduos apresentaram reações, que foram definidas no
Capítulo 2, de fuga ativa. Isto é, a fuga ativa ocorre quando um indivíduo é obrigado,
por meio de ameaças que podem comprometê-lo, a alterar seu comportamento,
desviando sua energia utilizada para desempenhar suas funções diárias e usá-la para
defender-se, e assim, o faz como fuga do sentimento de amedrontamento (GRAY, 1976;
MORGAN, 1996). Deste modo, seja por qualquer motivo que esta ameaça de demissão
tenha ocorrido, os indivíduos apresentaram reações que aumentavam sua produtividade,
como pode ser visto nessa resposta dada por um dos entrevistados: Sim. Eu me senti
inseguro quanto ao meu futuro e trabalhei mais para mostrar serviço e garantir o meu
emprego. Mas, houve respostas onde a fuga ativa foi caracterizada pela busca de uma
outra oportunidade de emprego: Sim. Este tipo de situação é muito comum, mas quando
me aconteceu eu continuei trabalhado e, ao mesmo tempo, procurando um novo
emprego. Mudei de emprego antes que acontecesse algo!. Este tipo de fuga ativa é
devidamente representada pela categoria �Sobrevivência�, evidenciada pelo teste de
evocação de palavras e presente no sistema periférico ao núcleo central do medo.
Relembrando o que foi dito por Reichheld (2002, p. 22), no capítulo 4: �A
menos que os líderes tenham construído relacionamentos com base na lealdade, (...)
nada impedirá os parceiros de abandonarem o navio no instante em que avistarem uma
oportunidade melhor�.
85
Já os 19% restantes tiveram reações de paralisação, estagnação, pois se sentiram
impotentes diante do ocorrido, optando pela não evidenciação de sua pessoa. Pode-se
reparar isto na seguinte resposta dada: Sim. Fiquei sem criatividade, meio trabalhando e
meio esperando o dia de ser demitida. Essas formas de reação também constam no
sistema periférico e são representadas pelas categorias �Insipidez� e �Inércia�.
Entretanto, além das reações defensivas adotadas que aumentariam a
produtividade dos indivíduos ou que os esconderiam das luzes dos holofotes, 83% das
respostas afirmativas mencionavam algum distúrbio psicofísico como: dores de cabeça,
depressão e febre.
Para se ter maior compreensão e exemplificação do que vem sendo dito, foram
transcritas algumas respostas dos questionários:
! Sim, inicialmente de buscar soluções e, ao longo dessas buscas, ingressei numa
depressão devido à sensação de impotência e insegurança que senti;
! Sim. Senti medo e agitação em busca de uma solução. Impotente;
! Sim. No dia fiquei muito triste e chocada pela falta de reconhecimento pelo meu
trabalho. Tive medo, e isso me fez procurar um outro emprego;
! Sim. Tive muito medo de perder meu emprego, me senti excluída. Não sabia o que
fazer;
! Sim. Sofro este tipo de ameaça quase todos os dias pelo meu chefe. Já tive internado
por uma semana por causa de estresse da alta carga de trabalho.
86
6.2.2 Análise da Pergunta 2
A segunda pergunta respondida foi: �Você já teve alguma reação psicológica ou
fisiológica como um resfriado, febre, crises de estresse ou tensões musculares,
ocasionada por alguma situação de trabalho? Qual foi a reação? E qual foi a situação
ocasionadora desta reação?�
Esta pergunta foi elaborada com o objetivo de identificar a presença de reações
psicológicas e fisiológicas nos indivíduos, em momentos de amedrontamento, pois
como foi dito por Ciceri (2004), Dejours (2005) e Mira y López (2002), o medo, quando
não controlado, é capaz de gerar uma ruptura no equilíbrio psicofísico, criando uma
descompensação psicopatológica no indivíduo.
Foi feita uma análise minuciosa das respostas dadas a esta pergunta, já que
reações psicofísicas podem ser ocasionadas por outros motivos além do medo não
controlado. Tanto os indivíduos que responderam que nunca tiveram esses tipos de
reação em seus ambientes de trabalho, quanto os que já tinham passado por algum
desequilíbrio psicofísico, mas por motivos que fogem dos limites deste estudo, tiveram
suas respostas excluídas. Foram descartadas, também, cinco respostas afirmativas de
justificativas irresolutas.
A determinação prévia do núcleo central da representação social do medo dos
respondentes foi de extrema importância para a análise das respostas desta pergunta,
pois também auxiliou na identificação de palavras ou expressões ditas pelos
respondentes, que associavam suas respostas a situações de medo. Vale lembrar que a
categoria �Desequilíbrio psíquico� foi encontrada como elemento integrante do
conjunto do núcleo central e classificada como efeito gerado pelo medo.
87
Contabilizou-se que 48 dos 76 respondentes responderam afirmativamente a
pergunta, asseverando que já tiveram alguma reação psicológica ou fisiológica
estimulada pelo medo, em seus ambientes de trabalho. Da amostra, 14 afirmaram que já
tiveram algum tipo de desequilíbrio psicofísico, mas associado a outros motivos que
estão fora dos limites deste estudo. Nove responderam que nunca tiveram essas reações
por motivos de trabalho. A Figura 6.3 resume percentualmente todos esses valores:
Figura 6.3 Percentuais Pergunta 2
Pergunta 2
20%
13%
67%
SIM (medo)SIM (outros)NÃO
Com a nova conjuntura econômica, e com as constantes mudanças no ambiente
organizacional, o meio empresarial tem mantido uma postura de aumento contínuo da
produtividade e redução de custos. Dejours (1992) já havia afirmado que o medo
favorece a produtividade. A participação consciente do indivíduo em atos injustos é
decorrente de uma atitude calculista, com o objetivo de manter seu lugar, conservar seu
cargo, sua posição, seu salário, suas vantagens e não comprometer seu futuro
(DEJOURS, 2005). Contudo, como foi explicitado no Capítulo 4, Dejours (1992)
assevera que é muito importante saber respeitar os limites de cada indivíduo, senão
88
arrisca-se descompensar o indivíduo por meio de um desequilíbrio psicológico ou
fisiológico.
Pode-se observar pelas respostas dadas que os gestores não têm prestado muito a
atenção na advertência dada por Dejours (1992), pois 95% das respostas relacionadas ao
medo, vinculavam a descompensação psicofísica ao excesso de trabalho. Desse
conjunto de indivíduos, poucos foram os que escreveram explicitamente que tinham
medo de perder o emprego e por isso se submetiam a esses aumentos de carga de
trabalho (fuga ativa).
Contudo, a grande maioria apenas respondeu que seu desequilíbrio psicofísico
estava exclusivamente atrelado ao aumento de carga de trabalho, não admitindo
claramente que se submetiam a este tipo de situação por estarem com medo. Como foi
visto na seção anterior, a categoria �Aumento da carga de trabalho� foi identificado
como um elemento do núcleo central, classificado como estimulador do medo e, desta
forma, pode-se concluir que o medo de terem a carga de trabalho aumentada está
relacionado às reações de desequilíbrio psicofísico.
Os outros 5% justificaram suas descompensações com momentos de insegurança
e instabilidade no trabalho, momentos de mudanças na organização, como afirma uma
respondente: Sim. Dores de cabeça. Quando uma nova diretora assumiu o cargo,
ficamos sem definição do que aconteceria com a equipe por um bom tempo.
A transcrição, a seguir, de algumas respostas escritas pelos sujeitos desta
pesquisa auxiliará na compreensão do que está sendo apresentado:
89
! Sim. Alteração no tom de voz. Transferência de responsabilidades que não eram de
minha competência, com arrogância;
! Sim. Dores de cabeça, náuseas, insônia por períodos prolongados. Foram várias as
situações: cobrança exagerada, frustração e excesso de trabalho;
! Sim. Crises de estresse e tensões musculares. Situação: ameaça de desemprego;
! Já tive alergias na pele e tensões musculares devido a grande carga de trabalho e
pressão constante do meu chefe;
! A cada dia que passa eu sinto, com mais freqüência, dores de cabeça, pois só o que
ganho no meu emprego são mais coisas para fazer. Não acho que sou reconhecido
no trabalho, mas se todo mundo está trabalho cada vez mais, não sou eu que vou
falar alguma coisa. Posso perder o emprego por isso.
6.2.3 Análise da Pergunta 3
Em seguida, os indivíduos foram convidados a responder uma terceira pergunta:
�Você já sentiu desejo de inovar, criar em seu trabalho e, mesmo assim, reprimiu esse
desejo? Por quê?�.
A elaboração e escolha de inclusão desta pergunta no questionário aplicado,
baseou-se na afirmação categórica de Gilley (1999), Mira y López (2002) e Pfeffer
(1999) que o indivíduo necessita da convicção de que não será punido para poder
trabalhar com o que sabe, senão prende-se em uma auto-censura que sufoca sua
criatividade, aptidão e coragem, ou seja, o medo do fracasso acaba sendo maior que o
medo da ação em si.
90
No conjunto de elementos que compõem o núcleo central da representação
social do medo foram identificadas palavras como �insegurança�, �punição� e
�repressão� que corroboram com o que foi dito por Gilley (1999), Mira y López (2002)
e Pfeffer (1999). Por isso, é possível afirmar que um ambiente de insegurança e
repressão estimula o medo, ocasionando um efeito de sufocamento da criatividade.
Entretanto, não se pode esquecer que este efeito de sufocamento produzido pelo medo
está presente no sistema periférico ao núcleo central, representado pela categoria
�Insipidez�, formada por expressões como: perda de criatividade, sem criatividade e
perda de naturalidade.
Para esta pergunta, 65 respondentes disseram que já haviam passado por este
tipo de situação, sendo que sete destas respostas forma eliminadas por terem sido
consideradas superficiais. Houve também a exclusão das 11 respostas negativas, já que
responderam que não tinham vivido este tipo de circunstância profissional. O resumo
percentual dessas respostas pode der visto na figura 6.4:
Figura 6.4 Percentuais Pergunta 3
Pergunta 3
84%
16%
SIMNÃO
91
Com base no referencial teórico presente neste estudo e nas informações obtidas
em campo pelo teste de evocação de palavras, pode-se observar que 88% das respostas
afirmativas continham algum elemento que as relacionavam com estímulos fóbicos, isto
é, a repressão do desejo criativo foi estimulada pelo medo. Os 12% restantes
justificaram que reprimiram seus desejos criativos por acharem que o custo de
determinadas soluções criativas seria alto e o retorno baixo.
A seguir seguem algumas respostas, transcritas dos questionários, que
exemplificarão e evidenciarão a capacidade que o medo possui de reprimir o lado
criativo do indivíduo:
! Sim. Não me sinto seguro o bastante para ser criativo. Não sei se meu gerente me
apoiaria;
! Sim, tenho vontade de fazer dinâmicas inovadoras nos cursos de MBA, mas tenho
medo da avaliação dos alunos;
! Sim. Por causa da falta de estrutura no ambiente de trabalho e falta de incentivo da
parte das pessoas de quem eu estou subordinada;
! Sim, porque já vi colegas meus sendo ridicularizados quando propuseram algumas
mudanças inovadoras;
! Sim, por entender que a instância superior não veria com bons olhos;
! Sim. Para que me arriscar, se eu não sei o que poderá acontecer?;
! Sim. Em situações que poderiam ser usadas contra mim;
92
! Sim, tenho medo de me por em evidência e isto acabar virando contra mim.
Houve, também, uma das respostas negativas, que foi justificada pelo
entrevistado, se assemelhando a uma resposta afirmativa, e que é válido o destaque. O
entrevistado não assumiu explicitamente, com um �sim�, sua auto-censura à
criatividade. Foi dito por ele o seguinte: Não. Eu procuro fazer apenas o que me
mandam fazer. Este tipo de resposta se assemelha a seguinte resposta dado por outro
respondente: Sim. Em algumas situações tive abertura para criar. Mas na maioria das
vezes, acho melhor não me meter no assunto.
Goleman, Kaufman e Ray (2003, p. 90) fazem o seguinte questionamento, que é
extremamente oportuno ao contexto de análise desta pergunta: �Como uma companhia
onde as pessoas têm medo de correr riscos e não confiam umas nas outras poderá
transformar-se num lugar em que seja seguro propor novas idéias?�.
Em suma, de 76 respondentes, 51 indivíduos aprenderam a reprimir seus
sentimentos de criatividade, inovação e aptidão, condicionando-se a uma postura neutra
e insossa, em função do amedrontamento associado. Este tipo de postura defensiva
caracteriza o que foi falado por Gray (1976), conforme mencionado no Capítulo 2,
sobre fuga passiva � momento que um indivíduo deseja realizar algo em seu trabalho,
fora de sua rotina diária, mas isto o leva ao contato com estímulos do medo. Assim, para
esquivar-se deste sentimento fóbico, o indivíduo adota uma conduta fugitiva,
reprimindo sua vontade de realização.
93
6.2.4 Análise da Pergunta 4
A quarta e última pergunta que foi respondida pelos entrevistados consistia em:
�Você já sentiu medo por algum motivo em seu trabalho? Qual foi o motivo?�.
Das quatro perguntas feitas aos respondentes, esta pode ser considerada a mais
direta e invasiva. Por ter essas características, dos 76 entrevistados, 12 optaram por não
responder esta pergunta, não escrevendo nada ou mencionando apenas não gostaria de
responder esta pergunta. Houve 13 entrevistados que responderam �não�, asseverando
que nunca sentiram medo em seus ambientes de trabalho, e 51 indivíduos assumiram
explicitamente que já sentiram medo em sua vida profissional, como mostra
percentualmente a Figura 6.5:
Figura 6.5 Percentuais Pergunta 4
Pergunta 4
67%
17%
16%
SIMNÃOSem Resposta
Não se pode afirmar até que ponto os indivíduos que responderam que não
sentiram medo em suas vidas profissionais estão realmente falando a verdade, nem
muito menos saber o porquê de 12 entrevistados optarem por não responder esta
94
pergunta. Entretanto, é oportuno relembrar o que foi dito por Gilley (1999) e Mira y
López (2002): o medo é algo que os indivíduos não querem pronunciar, nem admitir,
dentro das organizações.
Contudo, para os 51 indivíduos que responderam que já sentiram medo no
trabalho, identificaram-se, basicamente, dois tipos de respostas: o medo da demissão e o
medo da incapacidade de realizar uma tarefa. Todavia, houve respostas que
apresentavam a combinação destes dois tipos de medo, isto é: medo de não conseguir
realizar uma tarefa e, por conseqüência disto, ser demitido.
Este afunilamento das respostas corrobora com o que foi analisado pela Pergunta
1 e pela Pergunta 2, nas quais foi visto que a demissão é um estimulador do medo, e que
os indivíduos se submetem a altas cargas de trabalho, com o objetivo de realizarem as
tarefas requisitadas, evitando uma possível ameaça de demissão. Não obstante, o medo
da incapacidade de cumprirem com êxito seus trabalhos é representado pelo elemento
do núcleo central denominado �Mau êxito�, como foi apresentado.
Foram destacadas algumas respostas dadas pelos respondentes, que ilustram a
análise construída para esta pergunta:
! Muitas vezes. Medo de errar em algo crítico, medo de perder o emprego, de ser mal
avaliada, de não ser promovida. Acho que hoje, em qualquer empresa, todos os
funcionários vivem com medo. O estresse é só mais uma conseqüência do medo que
sentimos;
! Sim. Medo de não corresponder às expectativas de outras pessoas, medo de pessoas
“perigosas”, que preparam o terreno para o outro errar, medo de me decepcionar;
95
! Sim, com a possibilidade de insucesso do negócio e por conseqüência a perda do
meu emprego;
! Sim. De receber tarefas de execução complicada que não seja capaz para fazê-la ou
que dependa da ajuda e boa vontade de terceiros para isto;
! Sim, quando meu gerente me pede algo com um tom de impaciência e arrogância.
Sou obrigado a fazer hora-extra sem ser remunerado por isso;
Este capítulo tratou da apresentação e análise dos dados obtidos no campo por
meio do teste de evocação de palavras � possibilitando a construção da representação
social do medo no contexto organizacional � e pelas perguntas, para que se pudesse
identificar as causas e os efeitos do medo nos indivíduos em seus ambientes de trabalho.
96
7. CONCLUSÕES
Esta dissertação objetivou responder a seguinte pergunta: Quais as causas e os
efeitos do medo nos indivíduos inseridos no contexto organizacional?
Um dos grandes desafios deste estudo residia em como conseguir as
informações necessárias dos respondentes, para que se pudesse viabilizá-lo. O medo no
contexto organizacional pode ser considerado um tema muito delicado, quanto mais
quando se tem o objetivo em �invadir� a intimidade, as fraquezas e as emoções de cada
indivíduo. Em ambientes de trabalho, normalmente, as palavras �medo� e �fraqueza�
são, a todo custo, omitidas, maquiadas, escondidas.
Pensando nisso, optou-se por estruturar um questionário associando-se o teste de
evocação livre de palavras e quatro perguntas, para que se pudesse identificar, com
maior clareza, as causas e os efeitos do medo nos indivíduos no contexto das
organizações.
Esta combinação utilizada na coleta e tratamento dos dados foi de extrema ajuda
para se alcançar o objetivo desta pesquisa pois, ao se identificar os elementos
pertencentes ao núcleo central da representação social do medo para os entrevistados,
além de evidenciar alguns dos seus medos e reações, foi possível identificar palavras e
expressões que auxiliaram na análise das respostas dissertativas. Em muitas das
respostas dadas pelos entrevistados a palavra �medo� não foi escrita e, qualquer palavra
ou expressão escrita na resposta à pergunta que fizesse parte do conjunto de elementos
do núcleo central, correlacionavam-na diretamente a uma situação de amedrontamento
no ambiente de trabalho.
97
A identificação das causas e dos efeitos do medo nos indivíduos inseridos no
contexto organizacional começou com a construção da representação social do medo
por meio do teste de evocação de palavras. Das sete categorias encontradas no núcleo
central, apenas uma pode ser caracterizada como um efeito causado no indivíduo, pelo
medo. É a categoria �Desequilíbrio Psíquico� e, como foi apresentado anteriormente, é
formada por sentimentos de: angústia, ansiedade, desconforto, desespero, nervoso,
tensão, inquietação e depressão. As outras seis categorias, �Estímulo negativo�, �Má-
fé�, �Demissão�, �Mau êxito�, �Aumento da carga de trabalho� e �Insegurança�,
referem-se aos estímulos causadores de medo nos indivíduos.
Em contrapartida, a maioria dos efeitos estimulados pelo medo concentrou-se no
sistema periférico ao núcleo central, representados pelas categorias �Sobrevivência�,
�Resguardo�, �Desgosto�, �Insipidez� e �Inércia�. Somente as categorias �Gestão
Autoritária� e �Choque Interpessoal� foram identificadas no sistema periférico como
causas de amedrontamento.
As perguntas do questionário vieram para complementaram o teste de evocação
de palavras. Foram mais um meio de se tentar captar as causas e os efeitos do medo nos
indivíduos. As perguntas focaram, especificamente: dois efeitos que foram indicados
pela revisão da literatura (o desequilíbrio fisiológico e psicológico e o sufocamento da
criatividade); a obtenção das reações dos indivíduos quando estimulados pelo medo de
uma demissão; e a identificação de estimuladores fóbicos nos ambiente de trabalho.
No que se refere aos efeitos produzidos pelo medo relacionados aos
desequilíbrios psicofísicos, 67% dos entrevistados afirmaram já terem tido algum tipo
de descompensação psíquica, ou física, e que foram conseqüência de algum sentimento
98
de amedrontamento, atrelados ao aumento da carga de trabalho. Vale recordar que tanto
o �Desequilíbrio psíquico� quanto o �Aumento da carga de trabalho� são elementos do
núcleo central. Ou seja, com medo de não realizar as tarefas requisitadas, e aumentando
assim suas horas de trabalho, o indivíduo chega ao seu limite de esgotamento.
Em relação ao efeito de sufocamento do lado criativo e inventivo dos indivíduos,
dos 76 respondentes, 51 aprenderam a reprimir seus sentimentos de criatividade,
inovação e aptidão, condicionando-se a uma postura insípida. O indivíduo adota uma
atitude modesta, de autolimitação voluntária de suas aspirações e possibilidades de
criação, afirmando seu presente desejo em passar despercebido e não entrar em conflito
com o ambiente, mesmo que isto lhe custe renunciar aos prazeres, sempre que julgar
que sua realização implique riscos.
No que diz respeito ao medo de uma possível demissão, 81% dos indivíduos
apresentaram reações de fuga ativa, isto é, independentemente do motivo que a ameaça
de demissão tenha ocorrido, seja por uma fatalidade ou intencionalmente, os indivíduos
apresentaram reações que aumentariam sua produtividade ou de busca por uma outra
oportunidade de emprego. Entretanto, os 19% restantes tiveram reações de paralisação,
estagnação, por sentirem-se impotentes diante desta ameaça.
Quando se perguntou se o respondente já sentiu medo em seu ambiente de
trabalho, obtiveram-se, fundamentalmente, dois tipos de respostas: o medo de perder o
emprego e o medo de não conseguir realizar uma tarefa requisitada.
Pode-se concluir, então, que as principais causas de medo nos indivíduos que
compuseram a amostra desta pesquisa são: as ameaças, coações, intimidações,
opressões, punições, ambientes de trabalho instáveis e inseguros, a perda do emprego, a
99
concorrência desleal, os conluios, sabotagens, trapaças, o mau êxito em cumprir suas
tarefas de trabalho e o aumento abusivo de sua carga de trabalho. Associado a esses
medos estão as reações destes indivíduos, e concluiu-se que os principais efeitos
gerados pelo medo são: angústia, ansiedade, nervosismo, tensão, inquietação, depressão,
dores de cabeça, paralisação, perda da criatividade, perda da naturalidade, frustração,
adoção de posturas defensivas e navegabilidade de emprego.
Os gestores de organizações devem estar muito atentos na construção de seus
ambientes de trabalho. Como este estudo revelou, um ambiente de inseguranças,
instável, com abusivos aumentos da carga de trabalho, com a utilização de
condicionamentos negativos, proporcionam a estimulação do medo nos indivíduos
presentes neste ambiente e, assim, ocorre o que nenhum gestor gostaria que ocorresse: a
subutilização da capacidade intelectual e profissional de seus gerenciados. O desrespeito
com as necessidades, os limites e reconhecimentos de cada indivíduo proporcionará a
não utilização plena do recurso mais importante da organização: o capital humano. Com
isso, os funcionários que poderiam estar se destacando e trazendo retorno à organização,
por conta dos estímulos fóbicos tornam-se indivíduos insípidos, �sem criatividade�,
desgostosos, frustrados e com descompensações físicas e psicológicas.
Além dos medos de demissão, punições, ameaças, inseguranças, dentre outros, é
importante refrisar que uma das categorias mais evocadas pelos entrevistados, no núcleo
central da representação social do medo, foi a categoria �Má-fé�. Como foi dito no
Capítulo 6, esta categoria representa as trapaças, os golpes, as sabotagens, os conluios e
as competições desleais que podem ocorrer num ambiente de trabalho. O destaque que
aqui está sendo feito tem como finalidade chamar a atenção de pesquisadores e
100
profissionais do meio organizacional, para o fato de que a tão discutida ética no
ambiente de trabalho não tem sido muito bem praticada.
Por outro lado, mesmo que a maioria dos conceitos apresentados no referencial
teórico deste estudo vincule o medo a efeitos nocivos ao indivíduo, e que os dados
obtidos em campo corroborem com este fato, é importante lembrar uma outra face do
medo. Ele é um poderoso mecanismo de defesa para os indivíduos, pois sem ele seria
quase impossível prever-se o perigo. O amedrontamento torna o indivíduo mais atento
ao que ocorre em seu redor. Lembrando o que foi destacado por Riezler (1944), se o
indivíduo desenhar uma linha entre o que é possível e o que é impossível, a esperança
pode fazê-lo transgredir essa linha, mas o medo nunca. Estar amedrontado em relação a
um evento significa ter a competência para avaliar sua periculosidade e, assim, acionar
uma série de ações que restringem sua força negativa e destrutiva (CICERI, 2004).
Ciceri (2004) reforça seu pensamento, dizendo que o medo é um sofisticado regulador
interno dos perigos externos, preparando o indivíduo para agir.
Para uma nova agenda de pesquisa, propõe-se a identificação das semelhanças e
diferenças entre a representação social do medo para os indivíduos do corpo gestor e a
representação social do medo para os indivíduos subordinados a este corpo,
evidenciando-se até que ponto os medos de um gestor se assemelham aos medos de seu
subordinado.
101
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARRUDA, Ângela. Teoria das representações sociais e teorias de gênero. Cadernos de
Pesquisa. no. 117. p. 127-147. Novembro, 2002.
CICERI, Maria Rita. O medo: lutar ou fugir? as muitas estratégias de um mecanismo de
defesa instintivo. São Paulo: Paulinas: Edições Loyola, 2004.
DAVEL, Eduardo; VERGARA, Sylvia C. Gestão com pessoas e subjetividade. São
Paulo: Atlas, 2001.
DEJOURS, C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5. ed.
ampliada. São Paulo: Cortez - Oboré, 1992.
_________. A banalização da injustiça social. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2005.
DEMO, Pedro. Introdução à metodologia da ciência. São Paulo: Atlas, 1985.
FESTINGER, Leon. Teoria da dissonância cognitiva. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1975.
FONSECA, Ana Maria Eiroa da. O discurso das mudanças e a comunicação
organizacional. Setembro, 2002. Disponível em: http://www.portal-
rp.com.br/bibliotecavirtual/culturaorganizacional/0168.pdf. Acesso: 12 dez 2005.
FOUCAULT, Michael. História da loucura. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1989.
FREUD, Anna. Ego e os mecanismos de defesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1974.
GILLEY, Kay. A alquimia do medo. São Paulo: Editora Cultrix, 1999.
102
GOLEMAN, Daniel; KAUFMAN, Paul; RAY, Michael. O espírito criativo. 5. ed. São
Paulo: Cultrix, 2003.
GOMES, Maria Tereza. A lealdade não morreu. Maio, 1999. Disponível em:
http://vocesa.abril.com.br/edi11/entrevista.html. Acesso: 05 ago. 2004.
GRAY, Jeffrey A. A Psicologia do medo e do stress. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1976.
HANDY, C. B. Como compreender as organizações?. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
HERNADEZ, José Mauro da Costa; CALDAS, Miguel P. Resistência à Mudança: uma
revisão crítica. RAE. Vol.21. no.2. p.31 � 45. Abr � Jun, 2001.
HERZBERG, Frederick. One more time: How do you motivate employess? Harvard
Business Review, p.109-120, Sep. / Oct. 1987.
JAQUES, ELLIOT. Social Systems as a Defense Against Persecutory and Depressive
Anxiety. In: M. Klein. New Directions in Psycho-Analysis, p. 478 - 498. London:
Tavistock, 1955.
JODELET, Denise. Representações Sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001.
JUDSON, Arnold S. Relações humanas e mudanças organizacionais. São Paulo:
Atlas, 1969.
MASLOW, Abraham Harold. Motivation and personality. New York: Harper, 1954.
MILIONI, B. Comportamento gerencial: o poder em questão. São Paulo: Nobel, 1990.
MIRA y LÓPEZ, Emilio. Quatro gigantes da alma. 22. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 2002.
103
MORGAN, Gareth. Imagens da organização. São Paulo: Atlas, 1996.
MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social. 2
ed. Petrópolis: Vozes, 2004.
MOTTA, Fernado C. P.; VASCONCELOS, Isabela F. G. Teoria geral da
administração. 5. ed. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004.
OLIVA, Eduardo de Camargo. Novo Controlador?: práticas adotadas na gestão de
pessoas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.
PFEFFER, Jeffrey; SUTTON, Robert I. The knowing-doing gap: how smart
companies turn knowledge into action. Boston: Harvard Business School Publishing:
1999.
PIAGET, Jean. Psicologia e pedagogia. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitaria,
1976.
REICHHELD, Frederick F. Princípios da lealdade: como líderes atuais constroem
relacionamentos duradouros e lucrativos. Rio de Janeiro: Campus, 2002.
RIEZLER, Kurt. The Social Psychology of Fear. The American Journal of Sociology.
Vol. 49. No. 6. p. 489 � 498. Mai, 1944.
RYAN, Kathleen S.; OESTREICH, Daniel K. Eliminando o medo no ambiente de
trabalho. São Paulo: Makron Books, 1993.
SÁ, Celso Pereira. Núcleo central das representações sociais. 2 ed. Petrópolis: Vozes,
2002.
104
SAMPSON, Anthony. O homem da companhia: uma história dos executivos. São
Paulo: Companhia das Letras, 1996.
SCHEIN, Edgar H. Organizational culture and leadership. San Francisco: Jossey-
Bass Publishers, 1985.
SROUR, Robert Henry. Poder, cultura e ética nas organizações. Rio de
Janeiro: Campus, 1998.
TURNLEY, William H.; FELDMAN, Daniel C. A discrepancy model of psychological
contract violations. Human Resource Management Review. Vol 9. No. 3. 1999. p.
367 � 386.
VERGARA, Sylvia C. Projetos e relatórios de pesquisa em administração. 6. ed. São
Paulo: Atlas, 2005a.
_________. Métodos de pesquisa em administração. São Paulo: Atlas, 2005b.
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. 4.
ed. Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília, 2000.
WOOD Jr., Thomaz. Mudança Organizacional: uma abordagem preliminar. RAE.
Vol.32. no.3. p. 74 � 87. Jul � Set, 1992.
_________. Organizações espetaculares. Rio de Janeiro: FGV, 2001.