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Maria Therezinha Nunes GESTOS, IMAGENS E AÇÃO DAS PROFESSORAS PRIMÁRIAS MINEIRAS: UMA LEITURA DO JORNAL O DIÁRIO NA GREVE DE 1959 Belo Horizonte Mestrado em Educação da PUC-Minas 2000

GESTOS, IMAGENS E AÇÃO DAS PROFESSORAS ...final da greve no dia 21/11/1959 .....107 Foto 6 – Platéia mostrando o entusiasmo das professoras na Assembléia que deflagrou a greve

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Maria Therezinha Nunes

GESTOS, IMAGENS E AÇÃO DAS PROFESSORAS PRIMÁRIAS

MINEIRAS: UMA LEITURA DO JORNAL

O DIÁRIO NA GREVE DE 1959

Belo Horizonte

Mestrado em Educação da PUC-Minas

2000

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Maria Therezinha Nunes

GESTOS, IMAGENS E AÇÃO DAS PROFESSORAS PRIMÁRIAS

MINEIRAS: UMA LEITURA DO JORNAL

O DIÁRIO NA GREVE DE 1959

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado de Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para à obtenção de título de Mestre em Educação. Orientadora: Profa. Dra. Ana Maria Casasanta Peixoto

Belo Horizonte

Mestrado em Educação da PUC-Minas

2000

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Dissertação defendida e aprovada, em 29 de novembro de 2000,

pela banca examinadora constituída pelos professores.

_______________________________________

Profª Dra. Ana Maria Casasanta Peixoto

_______________________________________

Prof ª . Dra. Maria Aparecida Paiva

_______________________________________

Prof. Dr. Carlos Roberto Jamil Cury

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao meu companheiro

Josadac e aos meus filhos Federico e Cristina.

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AGRADECIMENTOS

Minha gratidão às pessoas que me acompanharam neste

empreendimento:

As minhas amigas Maria Alice Castelo Branco, Laura Nogueira

Oliveira e Nair A. de Castro, das quais recebi não apenas apoio

e incentivo, mas que me acompanharam em momentos felizes de

descoberta, e também de desânimo.

Aos meus colegas e professores do mestrado, em especial a

Patrícia Parreiras e às professoras Maria Auxiliadora Monteiro

de Oliveira e Sandra de Fátima P. Tosta pela amizade e

incentivo.

Um agradecimento especial à minha orientadora, Professora

Ana Maria Casasanta Peixoto, que soube incentivar, apoiar e

acompanhar com carinho e dedicação este trabalho.

Agradeço às ex-presidentes da APPMG D. Alaíde Lisboa, D. Ana

Coroacy Torquato e a Magda Campbel pelas informações

valiosas. Sou devedora, em especial, a Professora Marta Nair

Monteiro que me acolheu carinhosamente em sua casa

relatando a sua luta na greve de 1959 e nos movimentos

posteriores e que me cedeu o seu arquivo pessoal facilitando a

pesquisa nos jornais. Ao jornalista Edival Coelho Araújo, que

também forneceu valiosas informações para a leitura do “O

DIÁRIO”.

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Não poderia deixar de registrar outras pessoas que muito

contribuíram neste trabalho:

Terezinha Taborda, que corrigiu o projeto; Rosilene Horta que

eu conhecia das greves da rede municipal e que generosamente

emprestou para mim todo o seu material de pesquisa; à minha

irmã Maria Célia Nunes Coelho que, apesar da distância em que

reside e de seus inúmeros afazeres, dispôs-se a ler o trabalho

ainda inconcluso, sugerindo e me incentivando; a Rogério da

Silva Marques, do setor de periódicos e microfilmes da

Biblioteca da PUC-Minas, sempre prestativo. A Tida Carvalho

que corrigiu o texto e por quem tive grande empatia. A Alba

Valéria Bibiano que não apenas formatou o texto mas cotejou

as referências com a perícia de detetive.

E, finalmente, agradeço ao meu querido companheiro Josadac

Figueira de Matos pelo apoio, carinho, compreensão, assim

como pela ajuda em muitas reflexões neste trabalho. Ao meu

filho Federico Nunes de Matos por ter me auxiliado e ensinado

a lidar com o computador e pelo scaneamento das fotos. À

minha filha Maria Cristina Nunes de Matos pelo apoio e

sensibilidade e pela sua constante preocupação em me retirar

de casa para ir a teatros e cinemas, na tentativa de aliviar

minha tensão. E aos três pela solidariedade que permitiu que

dividissem comigo os afazeres domésticos. À minha mãe,

presente nas minhas memórias, que foi a minha primeira

incentivadora no gosto da leitura.

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“Ao vermos como os professores e professoras ajudaram a construir sua própria história (ainda que contraditória) e ao restaurarmos a sua (e nossa) memória coletiva da amplitude e sucesso de suas lutas culturais e políticas particulares, estaremos dando um grande passo a fim de tornarmos outra vez estas lutas legítimas em uma época de restauração conservadora. Através da compreensão de nossas vitórias anteriores, mesmo que essas tenham sido apenas parciais, estaremos reforçando a possibilidade de um futuro democrático.”

Michael Apple (1995, p. 178)

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SUMÁRIO

LISTA DE FOTOS........................................................................................................ 8 RESUMO..................................................................................................................... 9 ABSTRACT................................................................................................................ 10 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 11 CAPÍTULO I – A LEITURA DO DIÁRIO CATÓLICO NO MOVIMENTO DAS PROFESSORAS PRIMÁRIAS - CONTEÚDO E FORMA NA PRODUÇÃO DE SIGNIFICAÇÃO ......................................................................................................... 35 1.1 A leitura do jornal, em sua forma e conteúdo, de 1935 a1959 – “O maior

jornal católico da América Latina”...................................................................... 39

1.2 A família, a educação, o trabalho da mulher fora do lar – movimento

operário cristão.................................................................................................. 47

1.3 A seção Educação e Ensino no movimento de Desagrado em 1954 ................. 59

1.4 A missão do jornal católico – orientar, dirigir e transigir .................................... 67

CAPÍTULO 2 - A AVENTURA DO JORNAL CATÓLICO NA COBERTURA DO MOVIMENTO DAS PROFESSORAS PRIMÁRIAS .................................................... 75 2.1 O discurso do jornal no dia a dia da luta: entre a realidade e a idealização .... 76

2.2 O papel do jornal num movimento de mulheres............................................... 115

CAPÍTULO 3 – AS IMAGENS DAS PROFESSORAS NO JORNAL - PRESENÇAS MACIÇAS.......................................................................................... 129 3.1 De professorado a professoras primárias - da passividade à participação...... 132

3.2 Nos gestos e imagens do jornal, a leitura da ação das professoras como

protagonistas da greve de 1959 ...................................................................... 151

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 178 FONTES .................................................................................................................. 185 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................... 186

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LISTA DE FOTOS

Foto 1 – Mesa da presidência da Assembléia Legislativa na aprovação do

projeto de Aumento do funcionalismo .....................................................79

Foto 2 – Professora anônima em sua sala de aula ...............................................80

Foto 3 – Assembléia no Instituto de Educação no dia 12/11/1959 ........................92

Foto 4 – Assembléia de pais no Cine Floresta no dia 15/11/1959.........................99

Foto 5 – Chegada de D. Serafim na Assembléia da Secretária de Saúde no

final da greve no dia 21/11/1959 ...........................................................107

Foto 6 – Platéia mostrando o entusiasmo das professoras na Assembléia

que deflagrou a greve no dia 16/11/1959. A foto foi publicada no

jornal do dia 19/11/1959........................................................................138

Foto 7 – Flashes de um grupo de professores no quartel general da greve no

dia 20/11/1959 ......................................................................................155

Foto 8 – No QG da greve um grupo de professores no dia 20/11/1959 ..............156

Foto 9 – No QG da greve um grupo de professores no dia 20/11/1959 ..............157

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RESUMO

Este estudo analisa, de uma perspectiva histórica e cultural, uma greve de professoras primárias ocorrida no Estado de Minas Gerais, em 1959. A fonte escolhida para a pesquisa foi O DIÁRIO, um jornal pertencente à Igreja Católica. O objetivo era compreender o comportamento das professoras numa situação em que poderia ser percebida alguma resistência, embora aparecesse de forma ambígua e contraditória, como de fato aconteceu. Considerando a análise do discurso do jornal e a ausência de falas das próprias professoras, presumiu-se que a imprensa com freqüência apresenta sua própria versão dos acontecimentos, escolhendo e classificando os fatos. Como o jornal escolhido para a pesquisa tinha uma forma de missão pedagógica e formativa de acordo com a ideologia e a doutrina da Igreja Católica, a interpretação do papel e comportamento das professoras só foi possível com a “leitura” das entrelinhas e omissões na narrativa jornalística. Mesmo assim, as professoras mostraram com presenças, imagens, gestos e ações a convicção e tenacidade com que estavam dispostas a defender seus interesses e objetivos. Apesar de tudo, elas agiram, como protagonistas.

Palavras-chaves: história cultural, Roger Chartier, profissão docente, gênero, representação, greve, políticas da Igreja Católica.

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ABSTRACT

This study analyses, from a historical perspective and cultural, a school-teachers strike occurred in the Brazilian state of Minas Gerais in the year 1959. The source chosen for the research was O DIÁRIO, a Catholic Church’s newspaper. The purpose was to understand the teachers behavior in a situation when some resistance could be perceived, although it would come to sight in ambiguity and contradiction. Indeed it happened so. Considering the analysis of the newspaper discourse and the absence of the teachers own speeches, it was assumed that the press usually presents its own version of the events by choosing and classifying them. As the newspaper chosen as source had a kind of pedagogical and formative mission, according to the Catholic Church ideology and doctrine, the interpretation of the teachers role and behavior was possible only by “reading” the implicit non-written purpose and interpreting the omissions in the newspaper narrative. Even so, the teachers showed the conviction and tenacity with which they want to mind their won interest and objective with their presence, images, gestures and actions. Notwithstanding, the teachers acted, as protagonists.

Key-words: cultural history, Roger Chartier, teacher profession, gender,

strike, Catholic Church policies.

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INTRODUÇÃO

Final de novembro de 1959. Naquele ano as crianças dirigiram-se aos

grupos escolares, eu no meio de muitas delas, recebendo a notícia de que não

aconteceriam as provas finais. Todos passariam pela média anual para as séries

seguintes. O governo havia decretado o final do ano letivo em função da greve

das professoras primárias. Nossa alegria pelas férias antecipadas, sem passar

pelos sofridos testes finais, contrastava com a apreensão das professoras quanto

aos resultados da greve em curso.

Minhas lembranças desta época são fragmentadas. Era criança e as

brincadeiras absorviam grande parte do meu tempo, além da distância temporal,

tendo passado 40 anos daquele acontecimento. Das poucas recordações

permaneceram as atitudes de ansiedade da minha mãe e de suas colegas

professoras, aguardando as notícias da capital, vindas através do jornal O

DIÁRIO, com grande penetração na cidade em que eu vivia no interior. Da greve

em si não acompanhei o desenrolar dos fatos, porém pude pressentir que ao final

algo de bom havia acontecido. Isso ficou bem claro quando no natal ganháramos

presentes e muitas roupas novas. Essas despesas sempre ficavam por conta da

generosidade da minha mãe com as quatro filhas, todas mulheres.

Quando entrei no mestrado em Educação na PUC-Minas, em 1998,

levava comigo algumas questões originadas na vivência profissional e sabia que

era delas que iria buscar o objeto da minha dissertação. O que não sabia é que

iria buscar este tempo mencionado e pesquisar justamente a greve das

professoras primárias, em 1959, no jornal O Diário, fato que de certa forma

marcara a minha infância, como filha de professora.

A formação da professora do ensino básico, antigo primário, foi uma das

preocupações e motivos de reflexões nos últimos anos da minha trajetória

profissional. As questões que surgiam e me desafiavam tinham origem na

escolha da profissão de professora. Graduei em História na Faculdade de Filosofia

e Ciências Humanas da UFMG. Trabalhei em várias escolas públicas e

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particulares e entrei para a rede municipal de Belo Horizonte em 1981, dois anos

após a inauguração da Escola Municipal Geraldo Teixeira da Costa, em Venda

Nova, e nela permaneci até me aposentar no final de 1995. A escola mantinha um

clima organizacional favorável à formação continuada e à reflexão pedagógica e

nela participei da montagem e estruturação do Curso de Magistério. Os

professores da escola, em sua maioria, lutavam pela valorização profissional,

engajando-se nas campanhas salariais e nas greves e também na construção de

um espaço de formação e autonomia pedagógicas.

A criação do curso de magistério, em 1986, foi precedida da discussão de

uma proposta curricular e a postura da equipe era a de organização de um curso,

diferente dos demais, na preparação das professoras. A questão fundamental,

norteadora das discussões do grupo, era a formação para o compromisso político

e crítico. Procurávamos fugir, não apenas do tecnicismo, característica dos cursos

de formação de professores, como também da ideologia da vocação e do

sacerdócio, predominantes na socialização feminina nas escolas de magistério,

públicas e religiosas. Estruturar um currículo, acompanhando as mudanças de

valores na sociedade urbano-industrial era o desafio, dado que até mesmo as

escolas mais respeitadas de Belo Horizonte permaneciam formando professoras

do ensino básico nos padrões tradicionais.

Ser professora desse curso no Geteco, esta é a denominação carinhosa

que alunos e professores usam para referirem-se à escola, contribuiu para apurar

a minha sensibilidade frente à desvalorização do professor e, em especial, das

professoras que formávamos para as séries iniciais do ensino fundamental.

Percebi então o quanto a profissão deixava de ser atrativa e vinha sendo

abandonada pelas jovens que vislumbravam, na escolarização, possibilidade de

ascensão social e de reconhecimento profissional.

A desvalorização profissional manifestava-se claramente nos preconceitos

sociais acerca do professor e, de forma acentuada, contra a professora do antigo

curso primário. Era possível ver como os conflitos e discriminações em relação ao

Curso de Magistério e suas alunas estavam presentes, mesmo no cotidiano de

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uma escola que se propunha inovadora em relação à prática social prevista para

esta professora.

Esses conflitos acabavam sendo transpostos para a própria categoria e

ficavam mais visíveis nos momentos de campanhas salariais e de greves, quando

as discussões envolviam todos os professores da rede municipal de Belo

Horizonte. No movimento salarial da categoria percebia-se claramente, a

separação entre os professores das séries iniciais, classificados como P1, e os

professores P2, como eram classificados os professores de 5a a 8a séries e de

Ensino Médio. Pode-se destacar que sempre houve, na rede municipal de Belo

Horizonte, tentativas de se formar um movimento paralelo de professores P2, mas

os promotores da proposta eram, no entanto, derrotados em todas as instâncias

de discussão da categoria1. Na verdade, o grupo separatista não percebia a

contradição do que defendia: o ensino fundamental era único, embora naquela

época ainda funcionasse seriado e muitas vezes em prédios separados. As

divergências entre os grupos tinham origens históricas diversas e se explicavam,

em parte, pela diferença na formação inicial, com exigência de curso superior para

os primeiros e de nível médio para as professoras do ensino básico.

Da complexidade dessa vivência nasceu meu interesse em pesquisar a

história da professora primária, procurando os contextos em que pudesse

contribuir para problematizar a visão das professoras do ensino fundamental como

passivas, acomodadas e apáticas às questões profissionais. Por isso, muitas

vezes, elas eram consideradas responsáveis pelo fracasso nas greves da

categoria.

Foi a partir desta vivência, buscando novas explicações e na tentativa de

encontrar lacunas na história das professoras, em situações em que elas

poderiam se revelar assumindo posições de resistência e de organização

profissional é que me deparei com a greve das professoras de 1959. A sugestão

do tema emergiu nas discussões para a elaboração do projeto. A história da greve

1 As professoras de ensino básico constituíam a maioria do professorado da rede e

qualquer movimento grevista dependia da suas adesões.

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das professoras primárias pareceu importante por tratar de uma história de

mulheres e professoras, ainda não pesquisada. Foi necessário, no entanto, definir

o objeto a partir das questões presentes das professoras do ensino fundamental e

uma delas me desafiava há tempos: a busca da resistência das professoras

primárias.

Considerava necessário compreender, em um contexto silenciado, a

emergência das resistências femininas, uma vez que elas quase sempre são

responsabilizadas até os dias atuais pelo fracasso dos movimentos grevistas nas

redes públicas de ensino. O estudo da mobilização de 1959 poderia contribuir

para desmistificar a visão que se tinha e, ainda permanece, das professoras

como acomodadas e avessas à participação, e a mudança na prática pedagógica.

A pesquisa da greve das professoras primárias mineiras de 1959 me

seduzia por ser um acontecimento que se revelou significativo, ou no mínimo

insólito, para o final da década de 1950. Para se ter idéia do inusitado do

movimento basta lembrar a crônica de Drummond, feita por ocasião da greve de

1979, ou seja, 20 anos após esta primeira:

“Uma greve não é um acontecimento comum no Brasil. Se a greve é de professores, trata-se de caso ainda mais raro. E se os professores são mineiros, o caso assume proporções de fenômeno único.O que teria levado as pacatas, dóceis modestíssimas professoras da capital e do interior de Minas Gerais a assumir esta atitude, senão uma razão também única, fora de qualquer motivação secundária e circunstancial? Uma razão de sobrevivência? É o que toda gente sente e pensa diante de centenas de municípios onde as mestras cruzaram os braços e aguardam a palavra do governador do Estado.”2

A greve de 1959 deve ter chegado ao Rio de Janeiro, mas pode ter se

limitado ao espaço da Câmara dos Deputados, na expectativa de intervenção dos

deputados federais mineiros, ainda vivendo os últimos meses na antiga capital. Se

no final da década de 1950 a imprensa mineira, ainda provinciana3, tivesse

2 Drummond, Jornal do Brasil, 16/06/79 apud Novaes, 1987, p.60. 3 Castro, 1997.

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atingido o público leitor do Rio de Janeiro o poeta poderia ter minimizado sua

visão no final de 1970, das professoras primárias, pacatas e dóceis, e talvez se

referisse a elas sem o uso de estereótipos. Pode-se pensar que o

desconhecimento da greve de 1959 deve-se em parte à passagem do tempo, mas

também ao fato de, ao contrário da greve de 1979, ela ter provocado

repercussões mais locais, enquanto a segunda refletia insatisfações dos

movimentos sociais envolvidos com a redemocratização do país.

Alguns fatos me intrigavam com relação à inexistência de pesquisa sobre

os movimentos de professoras na década de 1950, uma vez que alguns

pesquisadores já faziam referência aos movimentos, apontando a necessidade de

estudá-los para tentar compreender e explicar alguns problemas na organização

atual dos professores4. O que pareceu estranho, mas explicável em termos de

divergências ideológicas, desconhecimento, ou mesmo por fugir aos objetivos

propostos pelas pesquisas, foi a pouca importância dada à conquista salarial na

greve de 1959. Em estudo contemplando aspectos referentes às perdas e

conquistas da professora primária mineira, Novaes (1987) acentuou o papel da

greve de 1979, desconhecendo lutas e conquistas salariais anteriores5.

Dado a minha vivência questionando os estereótipos de passividade da

professora primária e a constatação da existência de poucas pesquisas

abordando os contextos de resistência das professoras primárias, em período

anterior ao final da década de 1970, o meu objeto de pesquisa foi se delimitando

na escolha da greve das professoras primárias em 1959. O objetivo da pesquisa

4 Os estudos sobre a organização dos professores que apontam os movimentos anteriores

em Minas Gerais são os de: Cavalheiro (1989), Bonacini (1992) Tavares (1995). O estudo que mais enfatiza a necessidade de estudar as organizações associativas é o de Vianna (1999), sobre a organização dos professores no Estado de São Paulo.

5 Novaes (1987) analisa um gráfico comparativo da evolução dos salários reais dos professores mineiros entre 1940 e 1980, identificando o menor salário no ano de 1954 e o maior no ano de 1960. Em momento algum ela questionou a razão para estes fatos. No ano de 1954 o governo federal concedeu um aumento de 100% no salário mínimo, que não foi acompanhado por muitos estados que diziam impedidos de conceder tal aumento por motivos orçamentários. Esta defasagem salarial provocou o primeiro movimento das professoras primárias mineiras, denominado de Desagrado. O maior salário real em 1960 foi resultante da conquista de 107% de aumento conseguido na greve no final de 1959 e que refletiram nos salários do ano seguinte.

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era fazer a leitura da greve no jornal O DIÁRIO, mas refletindo sobre os gestos,

imagens e ações das professoras mineiras, em situações em que estas

demonstrassem a transgressão de normas e o enfrentando do governo do Estado

pela conquista salarial e reconhecimento profissional.

A fonte escolhida para a pesquisa foi O DIÁRIO, órgão da imprensa

católica em Minas Gerais, e implicou uma avaliação de possibilidades e limites.

Era possível e até mesmo desejável aliar na investigação a análise da imprensa

escrita com a de depoimentos orais das participantes, porém foi avaliada a

restrição de tempo para o uso de duas metodologias diferentes e a possibilidade

de análise no rico material constituído pela fonte jornalística escolhida com

gêneros diversos: reportagens, artigos, editoriais e fotografias. A leitura preliminar

d’ O Diário, conhecido como O Diário Católico e do Estado de Minas, sendo esse

último de maior circulação em Minas desde aquela época, justificou a opção pelo

jornal de orientação católica, o segundo mais lido do Estado. Embora a greve

estivesse presente no Estado de Minas, assim como no seu vespertino, O Diário

da Tarde, neles a cobertura dos acontecimentos estava restrita ao período de

duração da greve. Os dois jornais pertencentes aos Diários Associados, não

haviam acompanhado a emergência e o final do movimento, talvez porque lhes

faltasse interesse bem definido, ao contrário do periódico católico, que além de

incentivar, chegou até mesmo a interferir na condução da greve das professoras

mineiras.

A escolha de O DIÁRIO para o estudo da greve das professoras

primárias em 1959, dentre os principais órgãos da imprensa local, foi feita também

pelos seus vínculos com a Igreja Católica e sua influência cultural, dado o

predomínio do catolicismo no modo de vida da população6. A leitura cuidadosa do

jornal permitiu, por isso mesmo, uma análise rica do cotidiano vivido pelos vários

protagonistas dos acontecimentos, revelando um discurso religioso e masculino

sobre a mulher. Por último, a escolha do jornal escrito, diário e de cobertura ampla

6 Segundo censo de 1960, a população católica apostólica romana constituía 95,86% da

população mineira. Número da população de Minas 9.698.118. Número de católicos 9.297.158. A segunda religião era a protestante com o número de 208.580 adeptos. Fonte: Anuário Estatístico do IBGE – 1960.

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às notícias relativas à vida social da população da capital e do interior de Minas,

como principal fonte de pesquisa, também foi feita levando-se em conta o

reconhecimento do poder da mídia de informar e de formar a opinião pública mas,

ao mesmo tempo, de captar a expressão cultural da época.

O estudo da greve das professoras no jornal implicava numa visão da

greve em seus aspectos culturais. A leitura cultural da greve na imprensa escrita

possuía o mérito de reconhecer as expressões coletivas nas práticas discursivas

do jornal para ou sobre as professoras, as falas da liderança, mas também as

suas imagens projetadas pelo jornal. A história cultural com ênfase nas

representações vinha cumprir o objetivo de compreender a emergência das

resistências das professoras. A delimitação do objeto e a opção teórica

objetivavam a leitura, análise e interpretação das representações culturais das

professoras primárias com a possibilidade de tomá-las como sujeito, assumindo o

movimento coletivo. Da mesma forma era possível interrogar se suas ações,

descritas pelo jornal, configuravam resistências ou atitudes de passividade,

submissão e acomodação. E qual teria sido a abrangência do movimento e a sua

importância para a história, não apenas das professoras, mas dos movimentos

coletivos posteriores de professores e professoras mineiros?

A presença, envolvimento e participação do jornal na greve foram motivos

de vários questionamentos: qual teria sido a razão e os propósitos do

envolvimento do jornal, reconhecidamente católico, com a greve? Qual a

interferência da doutrina da Igreja e do seu papel missionário no jornal? Como o

jornal representava a greve e que mensagens transmitia? Como o jornal era

produzido e qual o seu público? Que estratégias eram usadas na formação e

orientação dos leitores? Qual era a recepção do jornal pelos leitores? Estas

primeiras questões diziam respeito à leitura do jornal para a análise e

interpretação da greve das professoras, mas também reafirmavam a pertinência

da escolha metodológica, em consonância com a compreensão da História

Cultural na visão do historiador francês, Roger Chartier7. Foi, assim, priorizada a

interpretação dos discursos usados como fonte e testemunho de uma realidade,

7 Chartier 1990, 1991, 1994, 1997, 1998.

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estabelecendo relações entre o contexto de enunciação e formas de apropriação.

O discurso, e neste caso, o dos vários gêneros jornalísticos, compreendidos como

o lugar onde as práticas culturais se transformam em linguagem. Uma história

cultural assim concebida, não está ligada à lógica de determinações de uma

instância da realidade sobre as outras, mas percebida de forma relacional, como a

compreende Chartier (1990, p.66):

“Na verdade é preciso pensar e (sic) como todas as relações, incluindo as que designamos por económicas ou sociais, se organizam de acordo com lógicas que põem em jogo, em acto, os esquemas de percepção e de apreciação de diferentes sujeitos sociais, logo, as representações constitutivas daquilo que poderá ser denominado uma ‘cultura’ seja esta comum ao conjunto de uma sociedade ou própria de um determinado grupo. O mais grave na acepção habitual da palavra cultura não é, por isso, o facto de ela geralmente respeitar apenas as produções intelectuais ou artísticas de uma elite, mas de levar a supor que o ‘cultural’ só é investido num campo particular de práticas de produções. Pensar de outro modo a cultura, e por conseqüência o próprio campo da história intelectual, exige concebê-la como um conjunto de significações que se enunciam nos discursos ou nos comportamento menos culturais.”

Foi esse o motivo da escolha da metodologia da história, na forma como

a concebe Chartier (1994) como leitura das práticas culturais, levando-se em

consideração que a análise puramente lingüística dos textos não dá conta de

interpretar os movimentos na história. É que coexistem nos discursos duas lógicas

diferentes: a letrada e a prática. A primeira é logocêntrica e hermenêutica

reguladora da produção do pensamento e do discurso e a segunda persegue a

lógica da ação. A escolha do registro do jornal sobre e para as professoras,

também implicou em compreender as suas ações coletivas, mesmo que elas não

se expressassem no jornal de forma direta, mas através de gestos e imagens que

expressavam suas ações. A pesquisa procurou interpretar as expressões das

professoras nas imagens verbais e não-verbais do jornal, ou mesmo em falas de

liderança, enunciadas em omissões e contradições do próprio discurso jornalístico.

A dissertação foi assim produzida tendo como fonte básica o discurso do

jornal O DIÁRIO, procurando a análise e interpretação em contexto de produção,

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coerente com a metodologia proposta, que sugere a análise preliminar do discurso

no seu suporte material, aliando forma e conteúdo na tentativa de compreender

os propósitos editoriais do jornal. Na interpretação do mesmo, tornou-se

necessário, às vezes, usar o recurso de contrapor algumas informações com as

mesmas notícias de o Estado de Minas e do Diário da Tarde8, usando-as na

maioria das vezes em notas de rodapé. Por esse motivo o uso de informações dos

dois jornais de propriedade dos Diários Associados, empresa concorrente do

jornal católico, foi restrita obrigando-me a desconsiderar a maioria delas por

coerência com a metodologia definida. Pequenos trechos de o Diário da Tarde

foram usados no final do terceiro capítulo com o objetivo de mostrar como os

jornais possuem posições diferentes e como uma mesma notícia, narrada de

forma semelhante, adquiriu conotações diferentes pelas omissões ou acréscimos

de informações. Elas também foram inseridas pela avaliação de que não

comprometiam a essência da proposta de análise do jornal escolhido como fonte,

contribuindo com outra versão e informações que ajudariam a explicar a coerência

do jornal O DIÁRIO com os seus princípios pedagógicos.

As imagens fotográficas foram colocadas no corpo da dissertação para

dar ao leitor uma compreensão da linguagem jornalística da época. Considerando

a complexidade de se trabalhar a técnica fotográfica para a decodificação da

linguagem em suas especificidades, elas estão propostas como fonte9 com a qual

é possível interpretar o conteúdo e a produção de sentidos e não apenas para

ilustração do texto. As fotografias foram selecionadas como portadoras de

mensagens de um tempo e de um espaço e assim como o texto, não são

linguagens neutras, mas produzidas pela visão de mundo do fotógrafo. Junto ao

texto elas são registros de presenças e gestos das professoras, naquilo que o

“instantâneo”, a captação de um momento contribui para situar o tempo e o

espaço de vivência dos sujeitos fotografados, no caso as professoras primárias

8 Alguns desses recortes de jornais foram cedidos pela professora Marta Nair Monteiro,

porém foi necessário recorrer à pesquisa no arquivo do Estado de Minas porque muitos deles não possuíam referências a data ou ao jornal no qual estavam inseridos.

9 Fotografia como fonte ver: Vidal (1994, 1998) Le Goff (1982).

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em sua época10. Também é para mostrar como o jornal usa a imagem, reforçando

o texto escrito na tentativa de comprovar a verdade da narrativa, ou para induzir a

imaginação do leitor. Vistas desta forma as fotografias cumprem o objetivo de

afirmar os sentidos e as mensagens do jornal, permitindo a discussão da

parcialidade da informação. A leitura da fotografia que é portadora de significados

propostos pelo fotógrafo e o editor e que pressupõe o mesmo procedimento crítico

necessário à análise de qualquer fonte.

Ao tomar contato com o jornal e tendo-lhe analisado em sua

materialidade, forma e conteúdo, ficou clara a necessidade de ampliar sua leitura,

mesmo que se tenha demarcado para análise e interpretação a greve de 1959. A

abordagem do movimento das professoras foi feita a partir do ano de 1954 pela

necessidade de compreender o seu desenvolvimento e crescimento na década de

1950. Antes de iniciar a pesquisa, acreditava que bastava a leitura do jornal dentro

do marco delimitado, o período da eclosão da greve de 1959, para apreender as

representações da sociedade a respeito das professoras e como o jornal captava,

reproduzia ou reformulava estas imagens sociais. O movimento de 1954 revelou-

se, no entanto, importante para a compreensão de que a organização de uma

greve não pode ser compreendida pelos fatos imediatos, mas sim como parte de

um processo de construção coletiva mais ampla que ultrapassa os limites da sua

deflagração. Foi fácil constatar que em 1954 surgiram lideranças capazes de

propor um enfrentamento radical com o governo, mas acredito e não posso

afirmar, porque não aprofundei no movimento, que ele não teria avançado, até

mesmo pelo fato de necessitar de tempo para se organizar no Estado11.

10 “Apesar de toda perícia do fotógrafo e de tudo que existe de planejado em seu

comportamento, o observador sente a necessidade irresistível de procurar nesta imagem a pequena centelha de acaso, do aqui e agora, com a qual a realidade chamuscou a imagem, de procurar o lugar imperceptível em que o futuro se aninha ainda hoje em minutos únicos, há muito extintos e com tanta eloqüência que podemos descobri-lo olhando para trás. A natureza que fala à câmara não é a mesma que fala ao olhar; é outra, especialmente porque substitui a um espaço trabalhado conscientemente pelo homem, um espaço que ele percorre inconscientemente.(...) Só a fotografia revela o inconsciente ótico, como a psicanálise revela o inconsciente pulsional.(...)” (Benjamin, 1994, p. 94).

11 “As professoras de Minas estão contrariadas com a atitude das autoridades, que fogem a atender suas pretensões. Uma ala do magistério primário vem elaborando um ultimato ao Palácio da Liberdade que seria do abandono das escolas. (...) Até agora, porém a Associação nada decidiu”. (O DIÁRIO, sexta-feira, 3 de setembro de 1954).

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Para interpretar os acontecimentos considerei a necessidade de fazer

uma revisão bibliográfica, buscando pesquisas que contemplassem o objeto a ser

estudado com um repertório de informações e análises que facilitassem a

interpretação do discurso do jornal O DIÁRIO no contexto escolhido, a greve das

professoras primárias de Minas Gerais em 1959. A revisão bibliográfica foi feita a

partir de dois recortes dentro de um universo de pesquisas sobre a formação e

profissionalização docente e em ambos priorizou-se as pesquisas que consideram

o conceito de gênero para a compreensão das relações sociais dos sujeitos

envolvidos, as professoras primárias. São elas:

1. As no campo da História da Educação, mas também em outras áreas,

que buscam interpretar permanências e mudanças na socialização da

mulher e da professora, desvendando as estratégias usadas nas

instituições informais e formais de educação e as apropriações das

professoras aceitando ou resistindo a estes mecanismos.

2. As sobre a organização coletiva do magistério, enfatizando a organização

sindical, que tomam como objeto as professoras das séries iniciais, algumas

das quais produzidas em Minas e que questionam a permanência da

imagem das professoras como passivas ou atrasadas, a partir da concepção

da possibilidade de mudança pelo caráter pedagógico da participação

política e sindical. Algumas pesquisas sobre professores em escolas de

ensino médio foram selecionadas, porque ampliavam a discussão da

contradição entre passividade e resistência e enfatizavam a participação

coletiva e, em especial, as que compreendem as greves do magistério como

experiência cultural e de aprendizado político.

Num primeiro momento foram selecionadas obras pioneiras que

abordavam a relação profissional, política e a prática pedagógica. Entre elas

estão as pesquisas de Luiz Pereira (1969), Ribeiro (1984), Saffioti (1976), Mello

(1998) e Novaes (1987). Esses estudos embora possuindo diferentes marcos

teóricos, possuem em comum a compreensão em relação aos professores a partir

de origem de classe, ideologias, relações de trabalho no sistema capitalista,

movimentos sindicais e questões de gênero.

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No primeiro grupo foram selecionadas pesquisas que estabelecem

relações entre formação das professoras, mecanismos usados pelas instituições

formadoras das mesmas para impor as representações sobre a profissão e as

apropriações das professoras, acomodando ou resistindo às representações

socialmente construídas sobre a profissão. Considerei representativa, sem

desprezar muitas outras que estarão sendo usadas no corpo do trabalho, as

pesquisas de Teixeira Lopes (1991), Louro (1997), Ferreira (1998), Assumpção

(1996), Pereira (1996) e Almeida (1998). Esse grupo de pesquisadores tem em

comum o trabalho com as representações sociais historicamente produzidas e,

embora reconheçam as contradições na realidade social, alguns deles

reconhecem mais a permanência, resultando desse entendimento a descrença da

mudança, em curto prazo, nas atitudes políticas e pedagógicas das professoras

primárias.

Na pesquisa de Teixeira Lopes (1991a), percebe-se a filiação à história

social do uso conceito de mentalidade e de “longa duração”, preocupando-se mais

a pesquisadora com a persistência das estruturas, em contraposição às

transformações, rupturas e descontinuidades. A opção pela ótica da

“permanência” fica clara na seleção dos textos coletados: discursos religiosos,

políticos, regras disciplinares, panfletos, iconografias, objetos em geral que

guardam relação com os sinais das “pregnâncias” que podem ser encontrados na

educação feminina até os dias atuais. A autora parte do questionamento: “(...) que

falamos e como falamos? Como agimos hoje em nossa prática docente?”12

mostrando a permanência na mentalidade da mulher professora de um discurso

religioso, que ela apropriou e continuou reproduzindo.

Pereira (1996), usando a categoria “gênero” procurou explicar a

permanência no cotidiano pedagógico da professora primária, do discurso

religioso. Seu problema se constituiu na preocupação com a prática pedagógica e

a relação profissional. A pesquisadora investigou as origens da formação das

professoras em duas Escolas Normais religiosas, uma protestante e outra católica.

As duas mantinham, ao lado do ensino convencional, o regime de internato até a

12 Teixeira Lopes, 1991a, p.72.

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década de 1960, explicado pela concentração da população na área rural e à

ausência de Escolas Normais nas pequenas cidades.

O uso da análise do discurso permitiu à autora recorrer aos mesmos

enunciados discursivos em temporalidades diversas, conseguindo apreender

descontinuidades, rupturas e resistências. No entanto, em sua pesquisa há a

descrença na mudança política e pedagógica das professoras em curto prazo,

pela forma de apropriação lenta, e nem sempre libertadora, das imagens

conservadoras sobre profissão:

“Assim as alunas vão vivenciando o longo aprendizado de se tornarem mulheres-professoras. Aprendizado que as fará repetir, enquanto professoras, essa mesma dimensão simbólica na composição de cenas do cotidiano escolar. Atitudes que persistem e insistem, fazendo do dia-a-dia da vida escolar uma repetição de gestos e sentidos nem sempre libertadores.” (Pereira, 1996, p. 73)

O trabalho de Assumpção (1996), uma pesquisa com uso do método

etnográfico, é representativo das interpretações do magistério como uma

idealização feminina. Ela reafirma que a mulher não tem se assumido como

profissional e esta negação pode ser compreendida a partir da escolha da

profissão, marcada pela “inevitabilidade de classe e as relações de gênero”, assim

como pelas origens e formação nos Cursos de Magistério. Para a autora, a

formação nestes cursos permanece impregnada das concepções de “natureza

feminina”, assim como o de “gostar de crianças”. Seu estudo numa escola da rede

municipal revelou sua descrença em mudanças significativas, mesmo em tempos

atuais, na relação da mulher com a profissão. Ao falar das greves, iniciadas em

1979, a autora expressa a compreensão das permanências:

“Atualmente, estes movimentos não causam os mesmos ‘abalos’ como àquela época, nem a ‘consciência política e sindical’ adquirida através de tais movimentos deu conta de resolver os problemas, ou arrefecer idéias e concepções historicamente construídas a respeito do magistério como profissão de mulher. O imaginário social acerca de determinados objetos, grupos, profissões etc, não se modifica tão rapidamente, e dez anos não são suficientes para transformar o que foi construído em centenas de anos.” (Assumpção, 1996, p. 83)

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Um dos últimos trabalhos de Louro (1997) teve como objetivo revisar

algumas questões tratadas pela pesquisadora, sintetizando os seus estudos sobre

o magistério como profissão feminina. O mérito deste, como de outros estudos no

campo, está na busca da construção histórica da professora como profissional,

procurando explicar a produção social da mulher nos múltiplos lugares de

imposição do poder masculino, como na família, na imprensa, mas,

principalmente, na sua formação nas Escolas Normais. Ela analisa diversos

momentos onde a normalista incorpora ou resiste aos controles e ensinamentos

da escola. Da mesma forma demonstra as contradições da instituição escolar na

tentativa de, por um lado, controlar a mulher e, por outro, libertá-la. Acredito que

uma das questões mais importante em seu trabalho é a constatação de que as

representações são historicamente construídas, podendo ser modificadas.

As mudanças sociais e transformações no discurso didático e pedagógico

ao longo do tempo contribuíram, segundo a autora, para transformar as

“professorinhas e normalistas” das primeiras décadas, em profissionais e líderes

sindicais. Ela percebe a mudança cultural acompanhando as discussões do

campo pedagógico e profissional:

“Acompanha essa nova orientação do campo educativo uma ênfase no caráter profissional da atividade docente, o que é feito relegando o afeto, a espontaneidade e a informalidade nas relações intra-escola e a informalidade nas relações intra-escolares a uma posição secundária. Há uma tendência em se substituir a representação da professora como mãe espiritual por uma nova figura: a profissional do ensino. De fato, essa expressão é muitas vezes empregada nas mensagens governamentais, nas orientações dos múltiplos órgãos administrativos criados para regular o sistema educacional, na mídia e até pelas próprias professoras e professores.” (Louro, 1998, p. 472-473)

A pesquisa de Ferreira (1998) tem em comum com as demais já citadas,

o uso da análise do discurso e o reconhecimento do poder da linguagem de criar

representações em diferentes tempos e espaços sociais. Estudando a profissão

através das representações sociais, ele enfatiza a dimensão simbólica, buscando

identificar mudanças nas representações dos professores sobre a profissão. Em

sua abordagem, o autor analisa as representações no imaginário social do e sobre

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o(a) professor(a) e as diferentes formas de apropriação e modificação dessas

representações através dos tempos.

Seu trabalho usou como fonte o Jornal do Brasil para compreender as

mudanças nas imagens sociais da profissão, escolhendo analisá-las nas datas

comemorativas do dia do professor entre 1940 e 1992.

Tomando como base a formação das representações coletivas em

Durkheim e conjugando-a à alegoria religiosa proposta por Mircea Eliade, do

tempo sagrado e profano, o autor procurou explicar as transformações no

imaginário social sobre o professor entre um tempo e outro. Sua pesquisa permitiu

demonstrar que a partir do momento em que o(a) professor(a) recusou o sacrifício,

reivindicou o material, representado pelo salário, profanou a profissão e contribuiu

para a perda de seu prestígio e desvalorização. É esta a sua compreensão:

“Nos discursos selecionados no JB na década de 60, pôde-se identificar o início das mudanças nas representações simbólicas que a sociedade faz do professor. A intensidade das referências que tomam o magistério enquanto atividade sagrada se dialetiza e começa a aparecer, também, nas que a admitem enquanto atividade profana. Neste particular, apenas constatamos mais uma vez o ‘paradoxo’ ressaltado por Eliade (s./d.). Ocorre que novos vestígios, novas marcas, nos dão indícios de que a representação do professor começa a sofrer profundas alterações. Antes, apesar da existência do profano, é o sagrado que prepondera. A partir desse momento, é o profano que começa gradativamente a assumir um espaço maior no nosso imaginário social.” (Ferreira, 1998, p. 78)

A pesquisa de Almeida (1998) diferencia-se das demais pela crítica às

análises históricas sobre professora primária, principalmente as realizadas nas

décadas de 1970/80. Segundo a autora, esses estudos tiveram o mérito de

contribuir para explicar a socialização da professora, porém as colocaram como

vítimas de uma sociedade fálica e patriarcal, receptoras passivas de imposições

sociais, mas para manter coerência com a filiação marxista, foi reconhecido um

certo potencial de resistência contra a opressão. Ela usou como fontes de

pesquisa a imprensa periódica educacional e feminina e a memória oral de três

professoras primárias das primeiras décadas do século, em cidades de porte

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médio do interior paulista.

A autora questiona as interpretações que relacionam a desvalorização do

magistério com a inserção das mulheres nesse campo de trabalho: o mito da

existência de uma fase áurea em que o magistério era uma profissão bem

remunerada; o da passividade da professora primária; o da vitimização da

professora decorrente da condição feminina; o de que a feminização se deu

porque os homens se retiraram e concederam os espaços para as mulheres; de

que os salários recebidos pelas professoras destinavam-se a pequenos gastos13.

Além de acrescentar que “o imbricamento dos atributos de missão, vocação ou

sacerdócio com o desempenho da docência não se referia apenas às professoras,

e sim a todo o professorado de uma forma geral”14, uma vez que o “dever

sagrado” de professores e professoras relacionava-se ao ideário positivista de

progresso da nação15. Ela questiona a desqualificação dos discursos da

professora primária de escolha profissional em sua dimensão afetiva, pois mais do

que de destino, trata-se de escolha, “a paixão pelo possível”16. Segundo a autora,

a atribuição feita às professoras de receptoras passivas dos discursos, ignora-as

como sujeito que efetua escolhas de acordo com a “concretude da sua

existência”17.

Algumas pesquisas desse primeiro grupo enfocam mais as permanências

de mentalidades e visões de mundo das professoras primárias numa visão mais

estrutural e antropológica, enquanto outras buscam compreender as contradições

em tempos e espaços diversos. Essa primeira vertente possui o mérito de

contribuir para mostrar o papel da linguagem e das práticas discursivas na

construção social de imagens que, ao se cristalizarem, acabam sendo percebidas

como naturais. Por outro lado, em algumas delas as professoras são vistas como

objeto de uma doutrinação ao longo do tempo, sem mostrar subjetividades e

13 Almeida, 1998, p. 77. 14 Ibidem. p. 145. 15 Ibidem. p.145. 16 Ibidem. p. 208. 17 Ibidem. p. 207.

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diferenças na apropriação dos discursos, ou mesmo, resistência em alguns

momentos. A apreensão quase exclusiva da permanência é resultante de uma

escolha metodológica, usando séries discursivas homogêneas, sem a relação

com contextos históricos reveladores da ação dos sujeitos, dificultando as

percepções das contradições e as diferenças nas apropriações.

Um segundo grupo de pesquisas sobre a organização coletiva docente18

obrigou o estabelecimento de um critério de escolha. Busquei as que mais se

aproximassem do meu interesse em analisar o movimento coletivo como o de

uma organização profissional e a greve em sua expressão cultural, e não apenas

política e econômica. Esses estudos quase sempre estão pautados no “novo

sindicalismo”, em contraposição ao sindicalismo anterior, e os que trabalham com

a organização dos professores em Minas Gerais adotam como marco a greve de

1979 e a criação em Minas Gerais da UTE19.

Neste grupo foram selecionados os estudos de Lopes (1987), Cavalheiro

(1989), Teixeira (1992), Bonacini (1992), Furtado (1996), Souza (1996) e Vianna

(1999). Essa última foi escolhida pela relevância de uma análise bibliográfica

sobre a organização dos profissionais da educação nas décadas de 80 e 90,

apontando a necessidade de se pesquisar os movimentos de professores

anteriores ao final da década de 70 com o objetivo de compreender certas

permanências nas organizações representativas dos professores.

A pesquisa de Lopes (1987), analisa as relações dos professores

enquanto trabalhadores de ensino em pequenas cidades e zonas rurais. Com

esses personagens a autora tece um cenário analisando a escola primária nesses

lugares. Na ótica marxista dos conflitos de classes, procura explicar como o

18 Vianna (1999) faz um estudo que pode ser considerado como um “estado da arte” sobre o

chamado “novo sindicalismo”, conseguindo levantar 54 trabalhos nesta área entre teses e dissertações de mestrado, tendo sido enfatizados na organização do magistério apenas a sua forma sindical.

19 No mesmo estudo, Vianna (1999) estabelece diferenças entre as pesquisas da década de 80 que se inserem em um contexto de otimismo e crença na mudança via conscientização e os últimos estudos da década de 90 que ela denomina “novo sindicalismo” que já refletem a crise nas relações sindicais contemporâneas. Aqui estou considerando ambos como “novo sindicalismo” em contraposição ao movimento associativo e sindical, anteriores a 1979.

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Estado capitalista se apropria e transpõe para a escola as formas de

gerenciamento “científico” de divisão do trabalho. Na sua perspectiva, o Estado

transfere para a escola a forma de organização fabril, impondo a divisão do

processo de trabalho, criando hierarquias para manter a disciplina, contribuindo,

assim, para acentuar os conflitos. Nele, a autora busca captar o(a) professor(a)

trabalhador(a) da educação, aprendendo a resistir, individual e coletivamente, aos

mecanismos de domesticação e disciplina que lhe são impostos.

O estudo de Cavalheiro (1989)20, distingue-se dos demais por recuperar

alguns fatos relativos à história das professoras anterior à greve de 1979. Seu

trabalho menciona as lutas das professoras primárias desde a década de 194021.

A tese de Bonacini (1992) procura traçar um perfil da professora primária

em Minas Gerais como sujeito político. Seu estudo consiste na tentativa de

examinar a história da organização da professora primária e as mudanças

políticas na prática pedagógica. Embora não aprofunde nos antecedentes

históricos da greve de 1979 destaca a importância dos movimentos anteriores na

constituição do chamado “novo sindicalismo”. Com este objetivo realiza um

levantamento das lutas das professoras primárias promovida pela APPMG na

década de 1950-1953, 1954, 1956 e a greve de 1959. A autora menciona também

duas outras paralisações ocorridas na década de 1960, em plena vigência dos

governos militares. No final, já pontuando as greves a partir do “novo

sindicalismo”, busca explicar o declínio do movimento dos professores no final da

década de 1980.

Ela não concorda com as representações das professoras primárias como

atrasadas e sem uma posição crítica, demonstrando como elas, ao contrário,

sempre foram capazes de se organizar e resistir ao autoritarismo:

20 Este trabalho não se encontra entre os 54 trabalhos identificados por Vianna (1999) e só

foi identificado porque fez parte da revisão bibliográfica da dissertação de Horta (1996). 21 Sua dissertação se constitui em um relato cronológico dos movimentos organizados pelas

entidades de professores primários desde a década de 1940. Contém dados relevantes sobre a criação da CPPB – Confederação dos Professores Primários do Brasil –, transformada em 1970 em CPB – Confederação dos Professores do Brasil (atualmente é denominada CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores de Ensino). Ela também

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“As professoras primárias têm uma cultura própria que resiste à padronização e integração, com força para desequilibrar o instituído. A sua resistência e luta no cotidiano de trabalho, contra relações autoritárias impostas pela direção e especialistas, vão se travar também com representantes da entidade, quando o autoritarismo surge na instituição, através da divisão dirigente/dirigidos. Ao contrário do que pensam muitos representantes da categoria, a mestra não é, portanto, ‘atrasada’ e ‘despolitizada’, possuindo um saber que funciona como balizador do poder que ameaça sua autonomia e liberdade (...)”. (Bonacini, 1992, p. 230)

Furtado (1996), procurou elucidar questões fundamentais relativas ao

processo de montagem de “uma nova estrutura sindical”, a partir do contexto de

mobilização social do final dos anos de 1970. Seu trabalho está inserido no

conjunto de estudos fundamentado nas interpretações de Thompson e que

compreendem a participação política como experiência e aprendizado. Neste

sentido, a participação contribui para a formação do trabalhador como sujeito

coletivo. Sua análise apesar de contemplar a greve em expressões culturais não

contempla a categoria gênero e continua trabalhando o professorado como um

sujeito universal. Um dos fatores na explicação da criação de um novo sindicato –

União dos Trabalhadores de Ensino – UTE é o de que a Associação anterior era

apenas de professoras primárias, não abrangendo todos os professores. As

professoras primárias são apresentadas como portadoras de um imaginário

religioso e despolitizador, criando nas greves uma “estética feminina”, utilizando-

se dos rituais religiosos, que são diferentes da visão “clássica” de greve. No

entanto, ele mostra como no início do movimento os dirigentes sindicais também

usaram o imaginário cristão, como postura pragmática para em seguida superá-

lo22:

faz um pequeno relato histórico das entidades: APPMG e UTE. 22 O autor observa como foram usados os salões das paróquias, como locais de regionais

de greve, nos movimentos iniciais, assim como o engajamento de padres e bispos progressistas no movimento e até mesmo o recurso do presidente do sindicato Luiz Dulce de enviar uma carta ao papa por ocasião de sua visita a Belo Horizonte. Porém, o que ele toma como superação ao imaginário cristão é o afastamento paulatino do uso de rituais como procissões, vigílias, paródias de músicas religiosas o que ele denomina de “uma estética da professora primária, muito diferente do movimento sindical clássico brasileiro”.

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“A questão crucial enfrentada ao longo da década de 80 tornou-se a reelaboração da matriz discursiva, no sentido de uma maior ‘politização’, com um recorte mais preciso em torno de algumas questões mais específicas quanto à educação. Nesse processo, o recurso original ao imaginário cristão foi perdendo espaço na proporção do crescimento da institucionalização, que impunha a criação de outras formas de expressão e legitimidade.” (Furtado, 1996, p.130)

A investigação de Souza (1996) foi feita numa escola paulista de 1º e 2º

graus, escolhida entre várias pesquisas realizadas em outros estados, pela análise

das contradições nas representações dos professores, percebidas no cotidiano

escolar em função do envolvimento dos professores com as lutas pela

democratização da escola e as greves dos professores públicos conduzidas pela

Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo –

APEOESP. Sobressaí nesta análise as mudanças nas representações do grupo

pesquisado e o aprendizado político nas greves que é transposto para a prática

pedagógica. A autora reflete sobre a permanência da idéia de vocação no

imaginário dos professores, mas com mudanças significativas de sentido. Esta

noção adquire o sentido de dever e obrigação social a ele atribuído por Weber.

Nesse sentido, a crítica à ausência de condições materiais para a realização do

trabalho, como os baixos salários, feita pelos professores, seria manifestação de

resistência. Por isso alguns depoimentos podem ser considerados contraditórios,

revelando, ao mesmo tempo, conformismo e resistência como no depoimento a

seguir:

“Eu estou no magistério, hoje, por paixão, porque gosto do que faço. Estas coisas é que estão presentes. Não é só salário. Eu recebo mal? Recebo. Concordo que o trabalho escravo acabou em 1888. Mas outras coisas são importantes. Senão teremos uma sociedade sem pessoas com formação, onde uma minoria detém o poder político e o poder intelectual, também. (...) você não amplia este leque para as pessoas, que é tão vasto. Estaremos sempre sustentando direta ou indiretamente esta realidade que se apresenta.” (Professor ACT, sete anos de magistério, apud Souza, 1996, p. 120)

O trabalho de Teixeira (1992), busca interpretar a greve dos professores

(Furtado,1996, p. 91).

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da rede particular em 1989. Seu estudo se inscreve entre aqueles que tomam

como base teórica a perspectiva da experiência e o aprendizado no “fazer-se”

classe trabalhadora de acordo com Thompson (1987). Ela interpreta o processo

de transformação do trabalho em vários “ritos de passagem”: de artesão a

assalariado, de ofício a emprego até o momento em que a profissão é

proletarizada e o professor(a) perde a autonomia do seu processo de trabalho.

Segundo, a autora, o processo de proletarização, no entanto, não é contraditório

com a busca de uma identidade profissional.

Um dos recortes da pesquisa é a discussão do gênero na observação da

participação das professoras primárias no movimento. Da mesma forma como ela

acredita na mudança pela participação, interpreta que houve rompimento das

professoras com representações sociais construídas para o magistério como

profissão feminina. Ela observa, na greve, as professoras conquistando o espaço

público e político, rompendo as amarras da obediência e da passividade. Porém

ressalva: “Um aprendizado que não é igual para todas as professoras e depende

do maior ou menor envolvimento na construção do movimento e das rupturas que

elas tenham experimentado.”23

A pesquisa de Vianna (1999), diferente das demais, propõe ampla revisão

da produção acadêmica acerca da organização da profissão docente no Brasil. O

levantamento do estado da arte sobre a questão da organização coletiva é feito a

partir de uma interrogação: quando e como a produção acadêmica começou a

enfrentar o problema da dificuldade na organização docente? A resposta a esta

questão é uma análise criteriosa da complexidade da constituição da identidade

coletiva que ela resume no título: Os nós dos “nós”. A sua tese foi um estímulo à

pesquisa no contexto da greve de 1959. Ao chamar atenção para os equívocos

cometidos pelos enfoques centrados no sindicalismo, ela indicou a necessidade

da retomada histórica do movimento associativo, ou sindical, anterior ao final da

década de 1970. Segundo a autora, recentemente, em São Paulo, alguns

trabalhos têm-se voltado para o estudo do associativismo, tomando-o como

referência importante para a análise da organização sindical docente.

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A segunda vertente, tal como a primeira, trouxe contribuições importantes

como a compreensão do processo de mudança através da construção do

movimento coletivo. As pesquisas deste grupo, por se situarem em um contexto

político bem demarcado de reconquista dos direitos políticos e dentro do período

denominado “novo sindicalismo”, cometeram equívocos de interpretação como a

crença na imediata aprendizagem propiciada pela participação política. A crença

imediata das mudanças não considerou que o movimento da história não ocorre

por rupturas, mas em processos descontínuos de mudanças e permanências.

Esta analise é assumida por Vianna (1999) que propõe a busca da organização

coletiva dos professores em Associações do tipo corporativista, típica dos

movimentos operários no período populista, contribuindo para explicar as

permanências de antigas posturas tanto dos liderados quanto das lideranças nas

organizações sindicais contemporâneas.

As duas abordagens acima descritas, os estudos mais centrados na

História da Educação e das professoras, buscando explicar as mudanças e

permanências e as estratégias usadas, principalmente, na socialização das

mulheres professoras e as relações com a organização profissional e a prática

pedagógica, e as do segundo grupo enfatizando a possibilidade da mudança pela

educação política contribuíram para desvelar as construções simbólicas e as

representações produzidas e assumidas pelos professores em tempos e lugares

diversos.

A partir das explicações das duas vertentes teóricas apontadas, propus

pesquisar a greve das professoras, conforme já explicitei, procurando analisar até

que ponto as professoras poderiam ser compreendidas como protagonistas da

ação na greve de 1959. Importava descobrir nos discursos dos jornais as

representações da sociedade sobre a profissão do magistério; nas falas da

liderança o discurso do grupo profissional e, por trás das narrativas do jornal, a

ação das professoras.

Na análise foi necessário partir do conhecimento da forma como os meios

23 Teixeira, 1992, p. 302.

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de comunicação criam versões dos fatos de acordo com os seus interesses para

não apenas informar, mas também formar o leitor24. O jornal de orientação

católica, mais do que qualquer outro, atendia objetivos pedagógicos coerentes

com a percepção dos conflitos na perspectiva da Igreja. Naquele momento, a

Igreja demonstrava interesse em exercer influência e controle sobre os

movimentos sociais, criando formas de organização, seguindo as divisões em

segmentos por sexo, idade e inserção no mercado de trabalho. A visão da Igreja

de uma sociedade harmônica era antagônica à dos grupos de esquerda do

movimento operário, representado principalmente pelo partido comunista com

visão de conflito e luta de classes, o que significava ameaça ao projeto

conservador da Igreja que propunha a manutenção da ordem e a paz social.

A dissertação foi dividida em três capítulos, procurando captar desde o

contexto de produção na materialidade e conteúdo do jornal, até a greve em suas

expressões culturais, com as professoras vistas em gestos e imagens,

demonstrativos de subjetividade, mas também de posicionamentos profissionais.

No primeiro capítulo busquei a leitura do jornal impresso, procurando

conjugar forma e conteúdo, dizendo respeito à contextualização de uma época,

possibilitando a sua leitura crítica como fonte usada na construção da história. A

forma do jornal relativa ao uso de recursos técnicos de impressão, das

disposições das matérias, correspondendo a um estilo de época, o conteúdo e ou

a mensagem do veículo que estão ligados a um projeto, missão pedagógica de

um jornal de orientação católica, em seu envolvimento com os movimentos sociais

e, em especial, com o movimento das professoras primárias na década de 1950.

No segundo capítulo analisei o discurso do jornal na greve das

professoras primárias em 1959, buscando recuperar na sua narrativa os principais

acontecimentos, as mensagens, os sentidos, os momentos significativos e a sua

organização como um movimento coletivo.

De um lado tento captar como o jornal instiga, forma opinião, busca

24 Le Goff, 1992, p. 22-23.

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adesão e assume um projeto específico da Igreja Católica, expressando uma

prática de dominação masculina. Por outro, analiso nas posturas assumidas pelas

professoras as contradições na tática do consentimento, dando a aparência de

submissão visando os objetivos propostos. Assim, as professoras estariam

conscientes da necessidade do apoio do jornal como meio de conseguir adesões

institucionais da igreja, dos sindicatos operários, dos partidos políticos, do

movimento estudantil, dos pais de alunos e da população em geral.

No terceiro capítulo procuro analisar a tentativa do jornal, coerente com o

projeto católico, de impor a concepção de movimento dirigido verticalmente da

cúpula para a base. Foi esta constatação que me levou a analisar o jornal como

portador da unidade, ordem e submissão à autoridade e representação de

“classe”, apresentando apenas o discurso da liderança, destacando a presença

das professoras como grupo homogêneo e submisso, ocultando conflitos,

discordâncias e vozes dissonantes.

Competia ao jornal e à liderança falar por elas, apresentando a

homogeneidade e a unanimidade, o que não impediu de encontrá-las nas

omissões e nas posições contraditórias do jornal em imagens e gestos,

participando ativamente, conscientes de serem protagonistas da ação. E mais,

negando com a greve, o discurso de dominação que as tomavam como meros

objetos, ou receptoras passivas dos discursos.

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CAPÍTULO I – A LEITURA DO DIÁRIO CATÓLICO NO MOVIMENTO DAS

PROFESSORAS PRIMÁRIAS - CONTEÚDO E FORMA NA PRODUÇÃO DE

SIGNIFICAÇÃO

A pesquisa sobre a imprensa escrita como fonte foi pensada a partir do

projeto de História Cultural de Roger Chartier (1990), que trabalha com as

representações sociais entendidas não como percepções da realidade, mas com

o propósito de “identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma

realidade social é construída, pensada e dada a ler”25. Neste sentido, a realidade

produzida pelo discurso jornalístico não é apenas aquela visada pelo texto, “mas a

própria maneira como ele a cria, na historicidade de sua produção e na

intencionalidade da sua escrita”26. Desse entendimento resulta que a leitura do

jornal impresso requer atenção à formas, conteúdos e apropriação, sendo esta a

maneira como o historiador busca compreender como o jornal representou uma

determinada época.

Foi na tentativa de analisar o papel da imprensa na trágica campanha de

Canudos, através da leitura dos jornais da virada do século XIX para o XX, que

Galvão (1994, p.18) observa: “O jornal desse tempo suscita no leitor de hoje a

opinião de que tudo, mas tudo, se passa na página dele”. Descrevendo os

aspectos técnicos do jornal, a autora afirma que, à primeira vista, eles eram

extremamente monótonos e cansativos. Entretanto, esta monotonia era apenas

aparente, pois o jornal era um “mosaico” onde vários temas do cotidiano eram

tratados. Passava-se das questões de enfermidade, tratamento de doenças para

assuntos amorosos e ou políticos. Os jornais mostravam, assim, não apenas um

estilo, ou uma técnica, mas uma forma de ver e organizar o mundo através de

palavras. A forma gráfica, além do estilo e uma concepção estética, revelavam

uma época.

A pesquisa e a análise do jornal O DIÁRIO foram feitas procurando ler as

25 Chartier, 1990, p.16-17. 26 Ibidem, p. 63.

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formas gráficas e os conteúdos do discurso na expectativa de encontrar as

representações sociais de uma época, os recursos ofertados pela técnica, o seu

projeto editorial, bem como a recepção de seu público leitor, priorizando o enfoque

dado à mulher e ao seu papel social. O DIÁRIO foi escolhido como fonte

documental para interpretar as representações das e sobre as professoras

primárias na greve de 1959, e também por se tratar de um veículo com a proposta

pedagógica de divulgar a doutrina e orientar o modo de vida cristão.

A utilização da imprensa como fonte, no âmbito da história cultural, deve

partir da consideração da singularidade da prática jornalística em sua produção,

representação, circulação e apropriação. Daí a necessidade de avaliar a

tradicional concomitância entre mudanças e permanências, buscando o sentido da

descontinuidade. Faz-se necessário questionar o papel dos veículos de

comunicação nas mudanças históricas, compreendendo os seus papéis e sem

“deixar-se hipnotizar pelo acontecimento como criador de mudanças”27. Com este

entendimento é possível buscar as representações feitas pela imprensa e

perguntar até que ponto os fatos ou suas versões provocaram mudanças,

passageiras ou mais duradouras, contrapondo-se à idéia da permanência tão cara

à visão da história da mentalidade com sua ênfase na longa duração.

Nos últimos anos tem se intensificado o recurso do uso dos objetos

culturais, entre eles a imprensa pelas possibilidades de encontrar as marcas da

vivência cotidiana, da forma como estes meios captam e representam a realidade,

mas sabendo de antemão que a imprensa não é neutra. Usar o jornal impresso

como fonte documental implica em estar sempre alerta à prática jornalística e às

suas relações com o mundo social ou em manter uma atitude crítica necessária à

leitura de qualquer tipo de fonte, percebendo-a como representação e não como o

real. O jornal, como qualquer documento impresso, tem suas formas de

representar a realidade, sendo por isso mesmo necessário um método de análise

que dê conta de percebê-lo em seu código próprio de comunicação que atende à

recepção dos seus leitores. Diferente de uma obra literária, o jornal é difuso,

dirige-se a um público mais heterogêneo e não tem a permanência da obra

27 Galvão, 1994, p. 25.

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editada em livros, pode ser lido por muitos leitores em lugares diversos e é

facilmente descartado28. Nele é possível mudar com mais freqüência de opinião, o

que o torna diferente de outras fontes impressas. Esta característica fugaz da

informação, que lhe é própria, levanta muitas vezes o questionamento sobre a

veracidade dos fatos jornalísticos e o seu uso na pesquisa histórica. Para Dines

(1986, p.18-19), em sua reflexão sobre a imprensa diária e a verdade jornalística,

o jornalismo seria “a busca de circunstâncias” o que, no entanto, não é tomado

como “sinônimo de superficialidade”, uma vez que sua prática implica em

investigar, arrumar, referenciar e distinguir “circunstâncias”. Da mesma forma que

para o autor o “jornalismo e história são primos – quando se pratica um deles com

proficiência, chega-se, inevitavelmente, ao outro.”

Com relação às formas de captação e circulação da notícia é preciso

perceber o jornal como o veículo de massa mais antigo, mas que na década de

1950 convivia com outros meios de comunicação como o rádio, o cinema e a

televisão, essa ainda em processo de afirmação. A convivência com os novos

veículos, principalmente o rádio e a televisão, gerou, em certo momento,

indagações sobre a sobrevivência, decadência e até mesmo o fim da imprensa

escrita. Na verdade, constata Dines (1986), nem o rádio, nem a televisão

eliminaram a leitura do jornal, apenas provocaram a redefinição da imprensa

escrita. E esta polêmica permitiu ao jornalista brasileiro ironizar o aforismo de

Pierre Lazareff, diretor do France-Soir de que “Antigamente, quando algo

acontecia, todos iam para a rua comprar jornais e saber o que houve. Hoje,

quando algo ocorre, todos vão para a casa ligar a TV”29. Para o jornalista

experiente, como Alberto Dines, acostumado às novidades dos meios de

comunicação de massa, a tentativa de interpretá-los isoladamente é redutora e

acaba sendo “um jogo de palavras”, simplista e incompleto. O que realmente

passou a ocorrer, segundo Dines (1986), foram mudanças de comportamento dos

28 Segundo Chartier (1998), quando o jornal adquiriu um grande formato foi vendido na rua,

carregado, dobrado, rasgado e lido por muitos. O mesmo teria acontecido com a fotografia e o cinema, conforme foram interpretados pelo ensaio clássico de Walter Benjamin (1994). Ambos ligam-se ao homem comum e assim como o jornal, eles permitem uma leitura mais ampla e democratizada do acesso à representação.

29 Dines, 1986, p. 65.

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leitores e o uso que eles passaram a fazer de cada um dos meios de

comunicação. O que se quer aqui é demonstrar que a análise de jornais deve ser

feita levando em conta as transformações nos jornais ocorridas na década de

1970. Neste período os jornais tornaram-se mais noticiosos, investigativos,

revelando fontes de informação, adquirindo novos formatos, assumindo mudanças

visuais em resposta às inovações técnicas e culturais.

A leitura de O DIÁRIO no final da década de 1950, provocou a mesma

impressão de Galvão (1994) na leitura dos jornais do final do século XIX, a de que

ali estava representada toda a cultura de uma época. Assim, o envolvimento com

a leitura de matérias que não constituíam a principal fonte para a pesquisa, como

é o caso dos anúncios publicitários, provocavam a sensação de perda de tempo e

de falta de objetividade. No entanto, a dispersão da leitura me fez compreender

que a greve das professoras primárias era parte de um contexto cultural. Mesmo

necessitando delimitar o tema, não era possível o seu entendimento separando-o

dos demais assuntos em pauta, assim como dos outros conteúdos do jornal,

expressos em matérias diversas: editoriais, reportagens, notícias, opiniões,

comunicados, propagandas. É por isso que foi importante organizar a leitura a

partir de indagações para não me perder no emaranhado de detalhes. Como o

jornal contribuiu, organizando as notícias, ou divulgando a greve das professoras

em 1959? O que fez com que a prática grevista das professoras fosse

transformada em notícia e, às vezes, manchetes do jornal? Com quais imagens o

jornal projetava as professoras? Que idéias ou interesses se escondiam por trás

da cobertura do movimento grevista? A busca de resposta para essas perguntas

criou a necessidade de ampliar não apenas o período a ser pesquisado, como

também a de estabelecer relações entre temas correlatos. Tornou-se

indispensável buscar a compreensão do posicionamento do jornal, representando

as posições da igreja acerca de questões essenciais: o papel da mulher na

sociedade, as representações das mulheres em um exercício profissional e o

movimento operário e sindical. E, nesta leitura ampliada, foi possível perceber a

relação entre forma e conteúdo, produzindo significados que expressam práticas

como experiências do dito e do vivido.

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1.1 A leitura do jornal, em sua forma e conteúdo, de 1935 a1959 – “O maior

jornal católico da América Latina”

A leitura linear do jornal desde a sua origem, foi importante para

compreendê-lo no final da década de 1950. As mudanças na forma gráfica e os

seus temas recorrentes não obscureciam a percepção de uma certa continuidade

em seu conteúdo. É visível a fidelidade do jornal aos princípios pedagógicos

cristãos que nortearam a sua criação, primeiro como O Horizonte 1923/34 e,

depois, como O DIÁRIO 1935/71. Uma leitura mais cuidadosa, no entanto, revela

suas diferenças, tanto na forma como nas idéias defendidas, acompanhando a

evolução da técnica e as mudanças culturais impondo revisões em sua

orientação, fazendo-o assumir novas posturas. Assim fica mais clara a existência

de diferença entre O Horizonte e O DIÁRIO. O primeiro é um órgão exclusivo de

propagação da fé cristã e da Igreja Católica e, desta forma, era intransigente com

os seus adversários religiosos e políticos: espíritas, protestantes, maçons e

comunistas30. O DIÁRIO, por sua vez, quando recriado em 1935, mantém o

mesmo objetivo, a mesma orientação geral, mas apresenta uma estratégia mais

tolerante com as demais religiões, preservando, no entanto, a postura política de

ataque ao comunismo e, em menor grau, à política liberal. É necessário, no

30 No O Horizonte aparecem vários artigos atacando os maçons, espíritas, protestantes e

comunistas como nos exemplos: “O Polvo Protestante” (alerta a respeito dos colégios protestantes), (O Horizonte, 19 de março de 1924). “A Maçonaria” A maçonaria foi desmascarada quanto aos seus objetivos no ponto de vista religioso, e desilludidos ficaram aquelles que julgavam poder conciliar a crença católica com a qualidade de filhos de viuva...Desde a questão religiosa perdeu a maçonaria brasileira a sua aureola de sociedade patriótica e beneficiente, sem ligação com a maçonaria européia, sem a incompatibilidade com a crença cathólica. (Lúcio José dos Santos. O Horizonte, 8 de março de 1934). “O lamentável surto de paganismo, nos dias de hoje...” (alusão ao comunismo) Um surto incontido de paganismo invade a sociedade moderna, impregnando-a do vírus infrutífero da immoralidade, da irreligião e do próprio suicídio... Doutrinas antigas, detestáveis, theorias abjetas, costumes execrados, leis criminosas ressurgem à luz desta hora agitada e nervosa que vae arrastando vertiginosamente os povos e os estados para o baratro (sic) da mais pavorosa destruição social. Com o maior sangue frio pregam-se idéias assassinas e propagam-se remédios venenosos...” (Affonso dos Santos O Horizonte, 15 de março de 1934). No O DIÁRIO era freqüente a alusão à ameaça comunista como: AMEAÇA COMUNISTA. Falando no programa “a voz do Pastor, D. Jaime de Barro Câmara alertou os jovens contra a ameaça comunista na América Latina aludiu o Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro à reação católica contra os bolchevistas, através, inclusive, de obras de assistência e de educação religiosa, cada vez mais amplas. (...)” (O DIÁRIO, quarta-feira, 21 de outubro de 1959. Coluna Educação e Ensino).

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entendimento de seu projeto editorial, relacioná-lo à História da Igreja Católica e

às orientações conjunturais da Cúria Romana.

O estudo da história da Igreja impõe, segundo Manoel (s.d., p. 12) um

“alerta metodológico” com o uso do conceito de “auto compreensão da Igreja”

como ferramenta, o que implica em perceber de qual igreja, período, ou postura

está se fazendo referência. Segundo o autor a instituição, em vários momentos,

assume e se confere tarefas e papéis sociais específicos. Deste entendimento o

projeto de imprensa tanto de O Horizonte como de O DIÁRIO deve ser inserido

em um período histórico mais longo. Um tempo que tem início com o pontificado

de Leão XIII e sua doutrina social, e cuja principal expressão é a Encíclica Rerum

Novarum, de 1891. Naquele contexto histórico permanecia a orientação

doutrinária contrária ao mundo moderno, porém acentuava-se a política de

intervenção católica na sociedade. A intervenção inicialmente centrada no

discurso, no poder de persuasão da palavra, na catequese, foi sendo modificada

nos pontificados de Pio X até Pio XII. Estes papas não abandonaram a crença na

persuasão pelo uso do discurso, mas acrescentaram a intervenção política do

apostolado leigo, através da ação católica31. Se acompanharmos O DIÁRIO, de

sua recriação em 1935 até a greve das professoras em 1959, fica visível a

mudança na crença do jornal no convencimento verbal para a busca de formação

de uma militância cristã, seguindo nova orientação da Cúria Romana. O projeto de

recriação do jornal usava o recurso à persuasão pela palavra, mas também

procurava subsidiar o leitor com informações sobre a doutrina cristã preparando-o

para o exercício do laicato cristão contra as ameaças do mundo moderno. De

acordo com a Igreja, uma das ameaças era o comunismo, mas também os

perigos representados pelas novas teorias científicas e os conflitos sociais

31 “Este catolicismo militante, que não acontece só em Minas Gerais, começa a emergir no

Brasil na década de 1920. É o caso do grupo de intelectuais católicos e padres que funda ‘O Horizonte’ em abril de 1923, sob o comando de Dom Cabral. (...) A consciência desse catolicismo militante se fundamenta nos traços principais: o cristão é chamado a atuar dentro do ‘Reino de Deus’ ou para preparar-lhe o advento. Daí o papel relativo da militância leiga em torno de ‘O Horizonte’, ou através de outros canais institucionais como a ‘Ação Universitária Católica’ (A.U.C.), ‘União de Moços Católicos’ (U.M.C.) ‘Liga Eleitoral Católica’ (L.E.C.), ‘Confederação Católica do Trabalho’ (C.C.T.), Legião de Outubro, órgãos esses que estão a serviço da arregimentação e atuação dos leigos, instituídos e apoiados pela alta hierarquia, num sinal de clara abertura da igreja para o laicato”. (Costa,1989, p. 20-21).

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oriundos da modernização capitalista32. Na interpretação de Corrêa (1998, p. 9), o

jornal O DIÁRIO correspondia à necessidade de fornecer “uma resposta concreta

aos anseios do papa Pio XI de formar uma imprensa comprometida com os

valores evangélicos”.

A primeira página da primeira edição de O DIÁRIO, em 6 de fevereiro de

1935, trouxe estampado o fac-símile do telegrama do papa Pio XI abençoando

todos os realizadores de O DIÁRIO, assim como a transcrição do telegrama do

Núncio Apostólico do Brasil. Esta primeira edição veio também com a reportagem

da bênção das oficinas e da redação pelo Arcebispo de Belo Horizonte, D. Antônio

dos Santos Cabral, quando foram distribuídos às principais autoridades locais

presentes ao acontecimento exemplar do seu primeiro suplemento literário. Nesse

número inicial a editoria manifesta expectativa com relação à aceitação do jornal

pelos leitores católicos do Estado com notícias sobre o aparecimento de O

DIÁRIO e o esgotamento rápido das vendas avulsas. Na cobertura da solenidade

de inauguração, juntamente com outras informações, foi reproduzida a notícia do

seu aparecimento dada pela Folha de Minas:

“O aparecimento d’O Diário representa uma grande victória da consciência cathólica de Minas Geraes. O arcebispado de Bello Horizonte, julgando necessária, entre nós, a fundação de um jornal sob a responsabilidade das autoridades eclesiásticas, iniciou, nesse sentido, uma campanha em todo o Estado, que alcançou êxito completo. Em menos de seis mezes, foi mobilizado o capital necessário para a instalação desse jornal. Impresso em oficina própria, O DIÁRIO surgirá, hoje, nesta capital.” (O DIÁRIO, quarta-feira, 6 de fevereiro de 1935)

Na mesma edição encontra-se artigo assinado por Gonzaga Júnior, um

articulista do jornal, enaltecendo a boa imprensa, além de notícias políticas,

culturais, econômicas, locais e internacionais. A publicidade é variada com

propagandas do comércio local, com destaques para os estabelecimentos de

32 “Ao mesmo tempo, os intelectuais urbanos mais conservadores colocavam sua energia na

revitalização do catolicismo como poderosa força de reação para deter a maré crescente das teorias científicas modernas, dos movimentos democráticos e da moda moderna ‘imoral’. E conseguiram êxito na mobilização de milhares de católicos nos movimentos leigos.” (Besse ,1999, p.3).

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ensino católicos com regimes de internato, semi-internato e externato e, no campo

cultural, destaca-se o anúncio de duas revistas católicas marcantes na época: a

Lourdes e A Ordem33. O jornal neste período inicial continha colunas que

permaneceram até o seu final e um suplemento dominical. Destacava-se na

primeira página o cordial “O Bom-dia”, cumprindo o objetivo de apresentar a

edição. Nos seus primeiros números o jornal já contempla o movimento operário,

com a reportagem sobre a greve da Navegação Mineira no Rio São Francisco34,

da mesma forma como já manifestava preocupação com o ensino e a cultura

erudita. São representativos, nesse aspecto, os artigos: “Revolução do Ensino” e o

comentário crítico da obra Casa Grande e Senzala. As notícias internacionais

eram tímidas. Algumas colunas da época como Governo Archidiocesano,

Sociedade, O Diário Forense e uma página sobre a mulher e o lar, todas

alinhadas verticalmente e separadas com linhas, permaneceram durante o seu

período de circulação. As fotografias, ilustrações e charges eram raras. A página

feminina era uma das poucas seções ilustradas com moda, cosméticos e objetos

de uso pessoal e para o lar.

O jornal era produzido pela Boa Imprensa com endereços da redação na

Rua Tupis, 26 e Oficinas na Rua Tamoios 486, com sucursais no Rio de Janeiro e

em São Paulo. A assinatura podia ser feita por ano, trimestre ou bimestre.

Segundo informação de Dias (1993), O DIÁRIO não dependia de um número

elevado de vendas avulsas, mas contava com uma poderosa rede de

convencimento e de venda de assinaturas, os vigários das inúmeras paróquias na

capital e no interior. Esta forma de divulgação, não disponível para os seus

concorrentes, certamente garantia um público fiel, facilitando o cumprimento do

seu papel na divulgação da doutrina e na formação de leigos militantes. A

preparação do jornal de circulação diária revela a persistência e a dedicação dos

seus profissionais e colaboradores. As dificuldades em seu início variavam da sua

preparação à luz de velas, aos precários recursos técnicos de impressão e

captação de notícias. A gráfica era equipada com uma velha rotativa Marinoni e as

33 A Ordem era dirigida por Tristão de Ataíde. 34 O DIÁRIO, terça-feira, 12 de março de 1935.

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notícias internacionais eram ouvidas, durante a Segunda Guerra, pelas rádios

oficiais da Inglaterra e da Alemanha. Nos meados do século aconteceram

pequenas inovações na recepção das notícias pela introdução do uso da telegrafia

e do telefone para captar as informações das agências internacionais: France

Press, FP e UPI. O aparelho de telefone era apenas um para o uso da redação,

atendendo tanto às necessidades das coberturas dos eventos locais, como as

comunicações com os correspondentes no Rio de Janeiro. Notícias e reportagens

eram produzidas nas poucas máquinas Remington o que obrigava, muitas vezes,

a redação manual das matérias35.

As leituras dos exemplares dos jornais nestas primeiras décadas eram

atraentes e importantes para compreendê-lo em sua evolução, mas a objetividade

da pesquisa implicava em uma limitação temporal. Por isso o jornal foi lido e

observado de forma mais cuidadosa a partir dos meados do século, mais próximo

dos movimentos das professoras primárias, o de Desagrado em 1954 e a greve

de 1959. Os motivos para esta delimitação são vários, incluindo desde o de ordem

prática como o do tempo para a realização da pesquisa, mas principalmente pelo

fato de ser um período importante para a compreensão do mundo

contemporâneo, o pós-guerra onde ocorrem substantivas mudanças sócio-

culturais. É interessante observar no período que, apesar da polarização

ideológica da guerra fria, o jornal de linha católica enfrentou o desafio de discutir e

absorver novos temas impostos pela expansão do capitalismo no país, como a

sociedade de consumo, o trabalho feminino fora do lar, entre outros temas

importantes para a definição do modo de vida cristão.

A leitura histórica do jornal foi realizada no reconhecimento do poder do

veículo de divulgar suas mensagens, expressas em textos verbais e iconográficos,

o que exige uma informação mínima da especificidade da linguagem gráfica. A

análise do texto jornalístico foi efetuada, também, a partir da compreensão da

relação da imprensa com interesses específicos de organizações mantenedoras,

públicas ou privadas. No caso da leitura de O DIÁRIO não se pode perder de vista

35 O DIÁRIO REDIVIVO, AMI, 6 de fevereiro de 1998. Edição Comemorativa.

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a coerência de seu projeto atrelado aos da Igreja, em suas propostas para uma

determinada época histórica. Dessa forma, na leitura do jornal na década de 1950,

tentei captá-lo em aspectos gráficos e em mensagens, que em conjunto compõem

o ideário do jornal, mas que na prática de comunicação atendem expectativas e

desejos dos leitores. Defrontei com uma prática de comunicação portadora de um

projeto singular, com escolhas definidas e orientadas para um público específico.

Este projeto definiu a identidade, coerência de princípios e o padrão do jornal,

possibilitando o reconhecimento dos leitores36. Em seus editoriais, matérias,

seções e colunas ele foi transmitindo suas idéias com mensagens claras, sem

procurar ocultar o fato de ser um jornal missionário e propagador da fé cristã e do

modo de viver conforme a ética da igreja católica do seu tempo. Foi esse o motivo

que o levou a manter até meados da década de 1950 o subtítulo: “O maior jornal

católico da América Latina”. O subtítulo, símbolo do jornal, foi suprimido em 10 de

novembro de 195637, mas persistiu na lembrança dos leitores, sempre referindo a

O DIÁRIO CATÓLICO. A caracterização como jornal católico era reconhecida não

apenas pelos produtores do jornal, equipe editorial, redatores, revisores, gráficos,

mas delimitava o público leitor que se apropriava de suas mensagens, assim

como era reconhecido pelos concorrentes, mesmo que para criticá-lo.

Nos meados do século, segundo Guy de Almeida (1998) existiam em Belo

Horizonte seis grandes jornais e O Diário ocupava o segundo lugar entre os

matutinos. O primeiro, conforme já foi referido era O Estado de Minas e o

vespertino Jornal da Tarde.

O jornal podia ser visto como expressão do pensamento dominante e da

vivência cultural de uma época pela centralidade da prática religiosa no cotidiano

da maioria da população de Minas e de Belo Horizonte. Esta predominância

36 Conforme acentua Dines (1986), o jornal em especial o de periodicidade diária, deve ser

homogêneo, coerente e independente em sua linha de pensamento e, neste caso, não basta analisá-lo por um único exemplar.

37 Seguindo a série de jornais encontrei o último slogan impresso no jornal do dia 10 de novembro de 1956 e constatei a sua supressão a partir dos dias seguintes.

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católica38 podia ser percebida pela vivência de seu povo, tanto na capital como no

interior, com o tempo marcado pelas festas do calendário religioso. Tempo que

era a uma só vez, sagrado e profano, marcando os principais eventos da vida

familiar e da escola, mesmo que a instituição escolar fosse legalmente laica. É

nessa identificação com a igreja que o jornal procura manter e reforçar a

religiosidade popular. Sagrado e profano, tempo laico e religioso, é assim que o

jornal captava a atenção dos leitores. Assim, outubro, mês que antecedeu a greve

das professoras primárias em 1959, é representado no religioso como o mês do

Rosário e das Missões, nos festejos dos dias da criança e dos professores, ambos

comemorados com missas festivas.

Na leitura da greve e talvez mesmo pela necessidade de entender e

captar o contexto temporal e cultural, usei o recurso de ler o jornal como um todo,

atenta a questionamentos que a sua leitura ia suscitando. Deparei com um jornal

que conforme descrição anterior, não possuía uma ordenação, com notícias

misturadas a reportagens, publicidades e fotos. Na sua forma, na década de 1950,

parecia estar entre o beletrismo e o jornal noticioso. Após a Segunda Guerra

iniciava-se a tendência à fragmentação do conhecimento que será consolidada na

década de 6039. Isto talvez explique o grande número de colunas, seções e

crônicas com títulos feitos em clichês com letras ornamentadas e desenhos

alusivos à linguagem informal e um repertório popular e regional. É o caso de

títulos como: “Ditos & Feitos”, “Fatos e Boatos”, “Fatos em Picles”, “Coisas que

acontecem”, “Cama de Gato”, “Pimenta Malagueta”, “O Diário em Diálogo com o

Leitor”, “Moeda Corrente”, “Senhoras e Senhoritas”, “Pequeno Polegar”, “Vendo.

Ouvindo. Falando.”, “Não lhe Contaram Tudo”, “Esquina dos Aflitos”, “Almanaque

D’Diário”, entre outros. Os títulos são alusivos à cultura popular, usando aforismos

38 “A Igreja no ‘estado brasileiro mais católico’ estava muito forte graças à questão da

educação e aos talentos de organizador de Dom Silvério Gomes Pimenta (1840-1922), o arcebispo de Mariana. Preto, nascido em condições humildes, a ascensão de D. Silvério levou-o quatro vezes a Roma. Foi incumbido de tornar Minas novamente católica. Com ele a Igreja transformou-se de uma dependência fraca no Império em uma organização autoconfiante, de multicamadas já na época da Primeira Guerra Mundial. (...) A partir de 1910, Minas tornou-se o centro do movimento católico leigo. Não é de surpreender que já em 1913 conseguiam mobilizar 210.000 assinaturas contra o divórcio se transformando numa força política”. (Wirth, 1982, p.143).

39 Dines, 1986, p. 26-27.

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populares, como “Cama de Gatos” para explicar algo sem preocupação com o

ordenamento; “Notícias em Picles”, que vêm picadas e recortadas; “Moeda

Corrente”, para tratar da economia em seu conjunto, mercado, finanças, comércio

e indústria e assim por diante. Outras colunas possuíam títulos em linguagem

direta sem recorrer a metáforas ou significados analógicos como: “Educação e

Ensino”, “Diário Forense”, “Documentação Católica – Doutrina – Informação”. Esta

última seção, devido aos propósitos editoriais do jornal, era uma das mais

importantes e existia desde a sua criação. Nela o tema religioso – a fé cristã –

encontrava-se de forma geral relacionado à família, à educação e ao movimento

operário e sindical.

A leitura do jornal a partir da sua recriação foi muito importante para o

entendimento das mudanças e permanências do jornal, tanto no que diz respeito

à forma, acompanhando a evolução da técnica, como também para observação

das suas posturas em resposta às transformações culturais impostas pela

modernização capitalista. Lendo-o no ano de 1959 foi possível compreender a

preocupação com a formação de novos jornalistas na oferta de um curso prático

de jornalismo para o qual acorriam centenas de pessoas, obrigando o jornal a

formar várias turmas. Esta iniciativa, assim como a prática de um jornalismo de

cunho literário, fez com que o jornal fosse identificado como uma escola de

jornalismo, fornecendo profissionais para trabalhar na imprensa do Rio e São

Paulo. Segundo relato de Etienne Filho (1998, p. 12), a ida de importantes

jornalistas mineiros, como Fernando Sabino e Otto Lara Resende para a imprensa

carioca, provocou comentários no Rio de Janeiro em 1946: “Os mineiros

começam aonde os cariocas acabam”. Na verdade, inexistia a preocupação nos

meados da década com a redação jornalística e os grandes colaboradores do

jornal eram intelectuais provenientes de áreas diferentes do conhecimento

específico, predominando, advogados, clérigos, filósofos, teólogos, literatos,

desportistas e muitos outros40.

40 O DIÁRIO REDIVIVO, AMI, 6 de fevereiro de 1998. Edição Comemorativa.

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1.2 A família, a educação, o trabalho da mulher fora do lar – movimento

operário cristão

“CHEGA O FIM DO ANO LETIVO – grupos fecham as portas.

Ontem as aulas foram encerradas, oficialmente, nas escolas de Minas. (...) As professoras deram os últimos conselhos aos diplomandos, desejando-lhes muitas vitórias e exortando-os a manter a chama de fidelidade à escola. Muitas diretoras aconselharam ainda aos meninos que continuem dedicados aos estudos, respeitem os mais velhos e jamais se separem da Igreja, mãe de todos. (...) Finalmente, encerrando a solenidade a diretora Alaíde Melo apresentou suas despedidas aos alunos e ao professorado. Ressaltou a presença da reportagem de O DIÁRIO, jornal que vem dando integral apoio ao ensino de Minas e colaborando intensamente para que haja mais compreensão e maior afinidade entre escola e família”. (O DIÁRIO, quinta-feira, 27 de novembro de 1959).

O jornal O DIÁRIO, o segundo em leitores de Minas Gerais, conforme já

foi ressaltado, era dirigido a um público católico, o que significava que poderia

atingir um número muito grande de leitores. Na realidade, durante todo o tempo

de sua circulação, o jornal teria passado por crescentes crises financeiras41, que

podem ser explicadas, em parte, por problemas de gerenciamento. Um dos

jornalistas que participara da equipe do jornal, João Batista de Assis Corrêa (1998,

p. 9) com o título: “E os seus não o receberam”, reclamou na edição comemorativa

dos 63 anos do jornal, da incompreensão do público católico. Para ele o perfil do

jornal talvez não correspondesse aos interesses do público, dado o seu estilo

literário, e poderia ser acrescentado que isso poderia ter correspondência no

baixo nível de escolarização da população mineira em geral42.

41 “O DIÁRIO era o segundo em tiragem em Minas Gerais, o primeiro era o Estado de

Minas. O jornal não resistiu à mudanças no perfil da economia brasileira e à modernização dos concorrentes. Além disso as tiragens dos jornais belo-horizontinos eram muito baixas se relacionados à população da cidade”. (Casto, 1997, p. 78, 81).

42 O censo demográfico de 1940 mostrava que apenas 33,6% dos 5.656.726 habitantes sabiam ler e escrever. A situação não parece ter modificado substancialmente se observarmos que em 1957 os pais reclamavam por não conseguirem matricular os filhos na capital por falta de vagas nos grupos da capital. Os investimentos foram cortados segundo o governador Bias Fortes, “por absoluta falta de verbas”. (BH100 anos – nossa História. Estado de Minas, p. 50, 71).

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E isso faz sentido se observávamos o depoimento de João Etienne Filho,

falando dos seus 34 anos de exercício no jornal e das mudanças em relação ao

jornalismo atual:

“A mudança, em alguns aspectos é para melhor. Está mais vivo o jornal, mais preocupado com a notícia. Mas talvez tivéssemos feito o que na época era vantagem e hoje não seria. O jornal era um pouco literário, preocupado com a forma. Nossos redatores escreviam bem, a gente discretamente os ensinava a escrever bem”43.

A este possível distanciamento do público leitor pode-se acrescentar

também as restrições feitas pelo jornal em função de sua linha editorial. O jornal

procurava pautar-se por um comportamento que poderia afastá-lo de uma parcela

do público leitor. Na verdade era um jornal de idéias, contrário à polêmica, não

dando vazão às paixões políticas dos mineiros. Da mesma forma, sua conduta

pautada por um excessivo moralismo, poderia tê-lo afastado do grande público,

mesmo o católico44.

A relação entre as mudanças culturais e a recepção do público é

compreensível através do raciocínio desenvolvido por Siqueira (1997). Segundo a

autora, os habitantes de Belo Horizonte, na virada do século, encontravam-se tão

seduzidos pelas inovações técnicas que lhes mudavam hábitos e sua relação com

o mundo, que deixavam de perceber as seqüelas do progresso. Por isso o pároco

local ficava isolado em seu jornal O Bello Horizonte denunciando o crescimento da

violência, dos suicídios e do ateísmo. Pode-se pensar que o mesmo acontecia

com O DIÁRIO nos meados do século, quando o surto do desenvolvimento

obscurecia a face do crescimento da pobreza e a secularização da sociedade.

Este é talvez um dos motivos, da já referida queixa de Corrêa (1998, p.9), a de

43 Etienne Filho, 1982 apud O DIÁRIO REDIVIVO, Memórias do jornalismo mineiro, 1998,

p.12. 44 “Além disso, por ser um jornal ligado à Igreja Católica, um sisudo moralismo, inteiramente

fora de lugar na liberação dos costumes da década de 60, recusava inserções publicitárias do comércio varejista que veiculassem peças íntimas, da mesma forma que nos anos anteriores, a cobertura de esportes obrigava a redação a tingir de tinta nanquim, nas fotografias publicadas, as pernas das jogadoras de vôlei do Minas Tênis Clube, numa manifestação pudica da imprensa católica da cidade”. (Werneck, apud Castro, 1997, p. 90).

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que o jornal não sobreviveu porque “a comunidade católica não o assumiu como

um veículo da sua comunidade.” Por outro lado, o jornal inovava, dispondo de

uma equipe de esportes, realizando cobertura inclusive de jogos internacionais e

de várias modalidades esportivas. O Brasil naquele final de década se distinguira

em várias modalidades esportivas, do tênis ao boxe, mas o futebol, assim como

hoje, era o centro da cobertura da imprensa.

Se, por um lado, o jornal passou por sucessivas crises econômicas que o

obrigaram a fechar em 1970, por outro lado, é verdade que ele era calorosamente

recebido por alguns segmentos do público. “O Diário do Pequeno Polegar”,

dirigido ao público infantil era aberto à colaboração dos pequenos leitores. O

“Caderno Feminino” fazia sucesso nos meados da década de 1950 com os

concursos promovidos, contando com a participação de leitoras. Os adultos de

várias idades e sexos tornavam-se correspondentes em sua seção “Através dos

Municípios”. Da mesma forma o jornal, ainda que lentamente, ficou mais noticioso

e investigativo na década de 1950, tentando acompanhar os problemas sociais do

Estado. Participou de certames nacionais, conquistando prêmios de jornalismo em

reconhecimento às suas reportagens sociais e investigativas. Um exemplo das

reportagens premiadas foi a série intitulada: “Onde o Viscont não vai”45, feita pelo

jornalista Djalma Alves de Azevedo. Nesta série eram apresentados os graves

problemas sociais do Estado que não apareciam nos relatórios oficiais, como a

fome e as endemias, entre elas, a doença de Chagas.

A presença de O DIÁRIO em campanhas sociais e a posição a favor dos

operários tinha relação com o seu projeto editorial de “defender e difundir

verdades supremas da fé e da razão”46, proclamado desde o seu primeiro editorial

em 1935, como “um paladino da Doutrina Social da Igreja, dando sempre

destaque às idéias do papa Leão XIII, consagradas na Rerum Novarum”47. Nesta

linha o jornal pregava um jornalismo submetido à verdade, coerente com o título

45 O Viscont era a marca do avião usado pelo presidente Juscelino Kubitschek.

(Silveira,1998). 46 Mendonça, 1998, p 3. 47 Isis de Almeida, 1998, p. 9.

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de uma das edições na seção Documentação Católica: “Homem de caráter, o

jornalista católico deverá fazer obra da verdade e de educação dos espíritos”48. O

seu conservadorismo em defesa da educação religiosa não o impedia de aliar-se

à classe operária em razão das propostas da Doutrina Social da Igreja, frente ao

avanço do comunismo, mas também na luta contra as injustiças sociais do

capitalismo.

Noutros momentos o tema central era a família e os perigos da sua

desagregação frente à rápida modernização econômica que podem ser visto em

títulos como: “Restituir ao lar seu caráter sagrado”49; “Só através da família se

conseguirá melhorar a comunidade humana”50; “Família: a mais enferma das

instituições de após guerra”51. Este ideário da família como base da sociedade

servia aos interesses religiosos, mas também aos políticos conservadores e até

mesmo aos progressistas52. Segundo Besse (1999, p. 63) “De meados da década

de 1910 até os princípios de 1940 surgiu, entre os mais eminentes intelectuais e

profissionais do Brasil, um consenso esmagador segundo o qual o triunfo da

‘civilização e do progresso’ na esfera pública dependia da ‘salvação’ da família”.

Também, segundo a autora, “A Igreja, com o apoio do Estado, desenvolvia ampla

rede de organizações leigas que penetravam em todos os aspectos e classes da

sociedade urbana, com o propósito de difundir sua doutrina social

conservadora.”53

No O DIÁRIO todos os temas relacionados à família, ao amor conjugal, à

juventude, à mulher, à educação familiar e escolar, ao movimento operário e à

48 O DIÁRIO, sexta-feira, 6 de agosto de 1959. 49 O DIÁRIO, domingo, 19 de setembro de 1959. 50 O DIÁRIO, quarta-feira, 29 de setembro de 1959. 51 O DIÁRIO, quarta-feira, 8 de dezembro de 1959. 52 “Enquanto os progressistas lutavam por substituir as tradições oligárquicas ‘arcaicas’,

retrógradas e ‘disfuncionais’ por padrões higiênicos modernos, os conservadores particularmente os ligados à Igreja insistiam na necessidade de preservar a ‘família tradicional brasileira’ em face da rápida modernização econômica. Não obstante, a uns e outros convinha em que a ‘crise’ da família estava entre os perigos sociais mais graves e intoleráveis e submetiam a instituição a uma vigilância cada vez maior.” (Besse, 1999, p. 63).

53 Besse, 1999, p. 64.

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própria imprensa são abordados em seminários, encontros de movimentos de

famílias, da juventude cristã, numa estratégia de persuasão dirigida a um público

leigo com objetivos de formar uma militância54 para uma ação efetiva na

sociedade, e de se criar um mundo melhor dentro da visão católica. Segundo

Manoel (1985, p.7), na doutrina católica e antilaica o papel da família é

fundamental e superior ao do Estado. “A família, enquanto instituição aglutinadora

dos homens e co-autora na obra da criação, tem ascendência natural sobre o

Estado”. Desta forma ela ocupa, na hierarquia das instituições, um lugar

intermediário, sob a primazia da Igreja, portadora do divino e sobre o Estado,

instância do poder político. A partir da visão da família como instituição central55

tem-se a correlação do seu papel na educação dos filhos e a importância atribuída

à educação dos jovens, futuros pais de família e, principalmente, às jovens que

como mães e educadoras deveriam “ser fiadoras da vida familiar e principais

socializadoras das gerações futuras”56, orientando os filhos nos princípios da fé

cristã e do amor à pátria. É por isso que mesmo quando as famílias no século XX

começam a ver a necessidade da educação feminina, o controle da Igreja e do

Estado se faz através dos currículos57, por serem as mulheres, de acordo com a

visão da época, as primeiras educadoras dos seres humanos e responsáveis pela

continuidade da formação de famílias cristãs.

54 O movimento leigo sofrera uma reestruturação após a morte do Cardeal Leme e a

ascensão de Pio XII em 1942. O cardeal o orientara nas décadas republicanas de 20 e 30, num modelo de militância de elite verticalista, baseado na ação de intelectuais católicos, criando O Centro D. Vital, a Revista “A Ordem” e a Liga Eleitoral Católica (LEC). O movimento leigo era também elitista no sentido de aliança com o poder político para manter a ordem social, mas também porque contava com a influência de intelectuais do porte de Jackson Figueiredo, Alceu de Amoroso Lima, Sobral Pinto, Oliveira Viana, entre outros. De 1945 a 1964 ele se organizou em novas bases, criando grupos de Ação Católica Especializada: JOC, JUC, JEC. Além da criação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) por D. Hélder Câmara em 1952 com objetivos de reestruturar a hierarquia da Igreja e coordenar o movimento leigo a CNBB dirigia seus esforços para programas de cunho social. (Tosta, 1989).

55 “O juiz Nelson Hungria expressou esse consenso numa linguagem típica: [A família] é a mais relevante das instituições sociais, porque é o germe do agregado político, a célula-mater do Estado [e] o fator basilar da reprodução humana, da formação da individualidade interior, [e] da firmeza da saúde do corpo social (...)” (apud Besse, 1999, p. 63).

56 Besse, 1999, p.7. 57 “Porém se as novas condições sociais e econômicas favoreceram a expansão da

educação feminina os valores culturais tradicionais tiveram grande peso na formulação e conteúdo dos currículos educacionais”. (Besse, 1999, p. 123).

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A ação da igreja em seu projeto de educação informal, através da

imprensa, dirigia-se também de maneira especial à mulher com o objetivo de

nelas internalizar a aceitação natural do seu papel como mãe e esposa, e no

cumprimento de uma missão especial de criar os filhos e de cuidar do lar cristão.

Não deixa de ser curioso, como um indício de mudança tanto da postura do jornal

como da recepção das mulheres, a participação de numerosas leitoras em

concurso promovido pela página feminina em abril de 1954. As ganhadoras do

concurso que se classificaram do 3o ao 6o lugar escolheram escrever sobre “o

trabalho fora do lar”, e as duas primeiras premiadas escreveram sobre moda.

Seus artigos não diferiam do pensamento corrente, porém pelo simples fato de

terem escolhido discorrer sobre o tema pode-se inferir a inquietação que o

trabalho feminino provocava, naquele momento, no universo das mulheres das

camadas médias. A posição dessas mulheres era unânime. O trabalho feminino

dependia da necessidade econômica familiar. A mulher operária, com certeza,

teria outra visão, uma vez que trabalhava fora de casa há muito tempo58. A mulher

deveria ser instruída com a finalidade de educar bem os filhos e só trabalharia

fora em casos especiais, em que o marido não pudesse prover satisfatoriamente a

casa. As opiniões das ganhadoras expressam a apropriação feminina de um

ideário social de dominação masculina. Eis o pensamento de uma delas:

58 As citações abaixo referem-se a momentos diferentes. A primeira mostra a divisão sexual

do trabalho no séc. XIX, válido para as mulheres burguesas e das camadas médias, uma vez que a mulher operária e as crianças foram exploradas desde o início da industrialização. A segunda visa às mudanças operadas na sociedade urbana e industrial do século XX.

“O século XIX levou a divisão de tarefas e a segregação sexual dos espaços ao seu ponto mais alto. Seu racionalismo procurou definir estritamente o lugar de cada um. Lugar das mulheres: a maternidade e a casa cercam-na por inteiro. A participação feminina no trabalho assalariado é temporária, cadenciadas pelas necessidades da família, a qual comanda, remunerada com um salário de trocados, confinadas às tarefas ditas não qualificadas, subordinadas e tecnologicamente específicas.” (Perrot, 1988, p. 186-187).

“Nas classes médias urbanas, as famílias, começavam a encarar a educação feminina (pelo menos até a escola secundária) como essencial para o preparo das filhas para enfrentar as novas contingências econômicas da vida.(...) A pressão crescente para consumir restringia os orçamentos familiares, e as altas taxas de inflação corroíam os recursos monetários das famílias.” (Besse, 1999, p.123).

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“A meu ver, a mulher deve possuir o máximo de educação, de instrução e de conhecimentos gerais, estando mais apta para enfrentar todos os obstáculos da vida moderna. Agora a sua atuação, ou não atuação, na vida pública dependerá de sua necessidade como esposa e como mãe. Se, entretanto, encontrar um esposo que possa dar-lhe e aos filhos o conforto e o bem estar indispensável, será pois, o ideal, ela assim desempenhará o seu verdadeiro papel: amando e sendo amada e educando seus filhos no recesso do lar.” (O DIÁRIO, domingo, 18 de abril de 1954).

Se, por um lado, esse pensamento expressava a educação feminina da

época, incutindo nas mulheres a aceitação natural do trabalho doméstico,

conformando e aceitando um papel social imposto historicamente na relação entre

gêneros, havia, por outro, um reconhecimento da necessidade da mulher não só

de se preparar para as lides domésticas, mas também para enfrentar os

obstáculos da vida moderna. O que, na verdade, também significava a

possibilidade de as mulheres assumirem, se necessário, o trabalho fora de casa.

Não era muito diferente a postura da editoria do jornal sobre o trabalho feminino,

mostrando como o trabalho da mulher e, em especial, a da casada, não é muito

compensador para as empresas. Os argumentos dos articulistas eram as

freqüentes ausências da mulher ao trabalho, garantido por direito de maternidade,

assim como pelos prejuízos que o seu trabalho fora do lar poderia causar à

própria família. No entanto, era necessário adaptar-se à realidade, conforme

opinião expressa em um dos seus editoriais:

“Vivemos numa época de insegurança no futuro. É difícil, senão impossível, sacrificar um emprego, por menos remunerador que seja. Daí continuarem as donas de casa no exercício de seus empregos, menos pelas vantagens atuais do que pelo que valem como garantia para uma emergência desagradável do futuro. Trata-se, afinal de garantia para a viuvez que pode ocorrer, ou para a situação de abandono, tão comum nestes tempos trágicos de dissolução da família.” (O DIÁRIO, quinta-feira, 18 de setembro de 1954).

O autor prossegue, no entanto, fazendo ressalva em relação ao exercício

do magistério primário:

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“Haveria uma exceção natural para as professoras, já que possuem um ‘status’ diferente das demais funcionárias e somente pessoas do sexo feminino exercem o magistério primário”. (O DIÁRIO, quinta-feira, 18 de setembro de 1954).

Nas atitudes das donas de casa, como na opinião do jornal, permanecia a

visão tradicional, construída no século XIX, segundo a interpretação de Perrot

(1988), da divisão e separação sexual dos espaços de trabalho, mas

contemporizadas pelo reconhecimento das mudanças na vida moderna, que

modificavam as relações sociais59. Na aceitação da inevitabilidade do trabalho da

mulher fora do lar, a acomodação se fazia pela aceitação da mulher em funções

de “essência” feminina, como no caso do exercício do magistério60. Esta

formulação permite compreender, em parte, o apoio de O DIÁRIO ao movimento

de Desagrado, campanha desenvolvida pelas professoras primárias em 1954 pelo

salário digno e justo em reconhecimento ao seu papel social.

A pesquisa de O DIÁRIO na movimentação das professoras suscita a

princípio uma indagação: existe contradição entre as suas propostas

conservadoras e a sua prática, muitas vezes absorvendo e captando as

mudanças sociais e culturais? É assim que, mesmo parecendo estranho ao leitor

não familiarizado com a cultura política, o fato de o jornal enfatizar a família como

esteio e base da sociedade, e o papel natural da mulher como mãe e esposa, ao

mesmo tempo que a mulher era representada de forma aguerrida e batalhadora

pelos seus direitos profissionais, participando de greve. E, mais estranho ainda,

muitas vezes algumas parcelas delas foram representadas como autoras radicais

de propostas de um movimento grevista ilegal na época. É preciso, no entanto,

compreender que a igreja não podia permanecer sem acompanhar os conflitos

59 Segundo Besse (1999), nas primeiras décadas do século a família se viu sitiada por

mudanças que transformavam o comportamento das mulheres das classes médias e altas. Daí, na década de 30 e 40 a luta para modernizar a família e com isto fortalecer e legitimar a instituição. Neste período surgiram feministas com posições muitas vezes divergentes: Elizabeth Bastos, Cecília Bandeira de Mello Rebelo de Vasconcelos (pseudônimo de Crysantème), Ercília Nogueira Cobra, Maria de Lacerda Moura, Patrícia Galvão.

60 “As jovens normalistas, muitas delas atraídas para o magistério por necessidade, outras por ambicionarem ir além dos espaços sociais e intelectuais, seriam também cercadas por restrições e cuidados para que a sua profissionalização não se chocasse com a sua finalidade. Foi também dentro deste quadro que se construiu uma concepção de trabalho fora de casa como ocupação transitória, a qual deveria ser abandonada sempre que se impusesse a verdadeira missão feminina de esposa e mãe”. (Louro, 1997, p. 453).

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vividos pelos operários em suas lutas pelas condições materiais de existência. Da

mesma forma, o catolicismo militante, tanto o clerical, quanto o leigo, não podia

deixar de absorver alguns componentes das propostas mais avançadas para o

movimento operário61. Mas se analisarmos os discursos no movimento de

Desagrado, assim como na greve de 1959, vamos encontrar a justificativa de

“greve ordeira e justa”, significados que irão mostrar diferenças entre os

movimentos daquela época em relação ao movimento sindical que surgiu a partir

de 1978, denominado “novo sindicalismo”.

De acordo com Manoel (1992), na doutrina cristã a justiça social é aquela

que garante a existência de um padrão digno de vida e a participação do cristão

em sindicatos e associações operárias para conseguir os objetivos econômicos e

promover a ordem cristã no mundo operário, portanto, os sindicatos não devem ter

objetivos políticos e ou partidários. Segundo o autor, a Igreja Católica vinha

delineando desde o pontificado de Leão XIII uma linha de comunicação com a

modernidade capitalista. A Encíclica Rerum Novarum, de 1891, constitui o

exemplo máximo da pretensão da Igreja de “traçar as diretrizes fundamentais

para a sociedade capitalista e reconduzi-la à ordem e à normalidade”62,

regulamentando a doutrina social no que diz respeito às relações entre capital e

trabalho, riqueza e proletariado, justiça, direitos e deveres do cristão. A Encíclica

Quadragésimo Anno de 1931, veio trazer a nova orientação da Igreja procurando

preparar o laicato cristão para mobilizar e formar opiniões, mais do que controlar e

organizar o movimento operário63.

No O DIÁRIO eram inúmeras as chamadas sobre o papel do sindicalismo

61 “A Igreja, enquanto instituição, e seus católicos militantes agem dentro do conflito social,

no âmbito das contradições de classe. Eles não estão imunes ao serem perpassados por projetos que se cumpliciam com as forças da opressão, como também, de outro lado, por propostas mais avançadas, produzidas nas relações que esses católicos leigos e clericais experimentam na materialidade das condições de existência dos setores operários com os quais convivem”. (Costa, 1989, p. 35).

62 Manoel, 1992, p. 25. 63 “No início da década de 1930, a Igreja Católica em Belo Horizonte procurava adequar-se

às novas orientações de Roma, que publicou em 1931 a Encíclica Quadragésimo Anno. Para a hierarquia católica, não se tratava mais de criar e controlar as organizações operárias, mas de estruturar os leigos numa organização política, com um projeto para a sociedade, mobilizando e formando opiniões.(...)”. (Le Ven e Neves, 1981, p.85-86).

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cristão e a necessidade de se instituir uma ordem social cristã em contrapartida à

idéia de luta de classe e de revolução proposta pelo marxismo e posta em prática

na Revolução russa de 1917. É bem este o espírito do título: “Não se vence o

comunismo com balas, mas com reformas sociais”64. Desde 1939, o padre Álvaro

Negromonte em artigo de revista dirigida ao clero católico, mostrava-se alarmado

com a adesão dos católicos, principalmente dos operários, às organizações

políticas e sindicais comunistas, e alertava para a necessidade de reconquista das

massas operárias. Constatara que a igreja descuidara-se da questão social para a

qual já havia ações já recomendadas na Rerum Novarum, ficando ao lado dos

ricos. Era necessário, segundo ele, reconquistar o movimento operário que, por

omissão da Igreja, foi atraído pelos comunistas:

“Em nosso apostolado comum esquecemos os pobres. Pregamos para os burgueses, para os intelectuais, sem nos fazermos entender pelos pequenos e humildes, sem falar para a sua inteligência e principalmente para o seu coração e os seus interesses. Alguns foram mais longe: evitavam os temas que poderiam desagradar às classes mais favorecidas. (...) Na verdade em nossas atividades paroquiais, onde aparecia tanta iniciativa boa para as classes médias e altas, nada fazíamos para os operários. (...) Neste momento apareceram os comunistas, estendendo-lhe a mão fazendo uma porção de promessas tentadoras defendendo-o das garras dos patrões esfaimados e insaciáveis, interessando-se por ele enfim. (...) Quando os operários, insuflados pelos comunistas, é verdade, mas numa legítima defesa, pleiteavam os seus direitos mais sagrados, nós pusemos contra eles abertamente, acusando-os de comunistas, e pedindo medidas públicas e enérgicas contra o perigo que nos ameaçava. (...) Não pregamos a doutrina social católica, onde está todas as reivindicações razoáveis. E assim deixamos que elas aparecessem nas arengas dos agitadores como coisa deles, quando realmente são nossas. De fato, foi por causa de nossa incúria, foi por erro de nossos métodos, foi pelo silêncio imprudente e pela nossa palavra , às vezes imprudentíssima, que o operário brasileiro, tão bom e tão dócil, se deixou arrastar pela sedução vermelha.” (grifos do autor) (Negromonte, 1939, p. 753-759)

No período democrático iniciado em 1945 a Igreja Católica não esteve

ausente dos movimentos sociais, tendo acrescentado às suas Associações

64 O DIÁRIO, terça-feira, 25 de maio de 1954.

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tradicionais de cunho religioso e assistencial, novos grupos de Ação Católica

formados no meio universitário e operário, que passaram a disputar espaços com

os partidos políticos da esquerda tradicional como o PCB65. A Igreja estava alerta

para a questão social e o movimento dos trabalhadores e, neste caso, não poderia

deixar de lado as mulheres que já se manifestavam não somente através do

voto66, mas fundando associações de classe, como a Associação dos Professores

Primários de Minas Gerais (APPMG). A Associação fundada em 1931, por

iniciativa de um grupo de inspetoras e diretoras, em um primeiro momento possuía

um caráter mais assistencialista, embora já viesse lutando por questões políticas

e profissionais desde a década de 193067. No entanto, nas próximas décadas ela

foi se inserindo paulatinamente na luta pela melhoria das condições salariais das

professoras. Os fatos pareciam demonstrar as mudanças de uma associação

apartidária de acordo com seu estatuto original, conforme as disposições gerais,

artigo 52: “é expressamente proibido qualquer discurso de caráter político no seio

da Associação”68. A Associação transformou-se a partir de 1950, em um

instrumento de luta das professoras, passando de uma prática legalista, apelando

primeiro aos poderes executivos e legislativos para o envolvimento na

organização coletiva. Neste momento ela se tornou alvo de políticos que usavam

a campanha pela melhoria salarial das professoras para conseguirem adesões às

suas campanhas pessoais. Foi possível identificar no movimento de Desagrado a

participação do jornalista Luiz M. Barbosa, candidato pelo Partido Social

Trabalhista69 e na greve das professoras em 1959, a do deputado Ernane Maia do

Partido Trabalhista Brasileiro, assim como políticos de outros partidos de oposição

ao governo de Minas.

65 Le Ven e Neves, 1981, p. 87. 66 A conquista do voto feminino que teve apoio da Igreja no reconhecimento de que “a

parcela feminina da população é um segmento prioritário no trabalho e para o trabalho da Igreja.” (Tosta, 1989, p. 99).

67 “Na década de 30, três grandes lutas do professorado mineiro se salientam: movimento contra a redução de salários do magistério tentada pelo governo estadual em 1931. A luta dos professores foi vitoriosa. (....) Engajamento na luta pelo voto feminino.. (...) A luta pela aposentadoria do educador aos 25 anos de serviço, também iniciada em 1931, e vitoriosa em 1946...” (Cavalheiro, 1989, p. 287).

68 Cavalheiro, 1989, p. 265-278. 69 O DIÁRIO, terça-feira, 27 de julho de 1954.

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Chamava atenção na cobertura jornalística de O DIÁRIO a abundância

de reportagens e notícias tanto do movimento das professoras de 1954 como da

greve vitoriosa de 1959, em que as mulheres eram protagonistas. Da mesma

forma, elas também foram apresentadas pelo jornal como coadjuvantes ativas e

radicais na greve de 1959 do funcionalismo municipal com a manchete: “Mulheres

farão ‘parede humana’ em frente à municipalidade”70. Nesta última, tanto em texto

como em fotos, as mulheres apareceram como ativistas, propondo um certo

confronto com o poder público municipal. O que a princípio podia parecer ambíguo

num jornal conservador era, na verdade, coerente com o princípio de absorção da

mudança como uma forma de conservar e exercer influência e controle. Era

impossível ao jornal, mesmo um porta voz do ideário de uma instituição

conservadora, como a igreja, não reconhecer o papel da mulher nos novos

tempos e sua luta histórica no mundo e no Brasil pelos seus direitos.

Se o movimento feminino já era acentuado na década de 1960, abrindo

várias frentes de lutas, desde antes as mulheres vinham lutando individual, ou

coletivamente, pela participação política. A incorporação das mudanças era

absorvida pelo jornal de forma gradativa e só podia ser percebida no contexto

social da época. Duas situações apresentadas pelo jornal demonstravam o

quanto as transformações da modernização capitalista mudavam hábitos culturais

de parcelas do público feminino. A primeira delas vem da leitura de um artigo

provocativo publicado na seção feminina: “Senhoras e senhoritas”, “Os homens

detestam as mulheres sabidas?”71. A resposta à pergunta é ambígua, usando-se o

recurso da ironia e de devolução da questão com a apresentação de novas

perguntas com intuito aparente de um chamado à reflexão. “Em primeiro lugar

quais são os tipos de homens que detestam a mulher inteligente?” E continuou

mostrando como as mulheres participam deste tipo de construção na medida em

que se fingem de “boas e ingênuas” unicamente para atrair os homens. Em outra

matéria chamou-se atenção para as mudanças que estão ocorrendo no mercado

de trabalho. O título: “A mulher deixou de ser uma simples dona de casa para ser

70 O DIÁRIO, sexta-feira, 17 de dezembro de 1959. 71 O DIÁRIO EM REVISTA, domingo, 21 de novembro de 1959

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um dos baluartes do progresso do Brasil”72. Na reportagem são usados dados do

censo para demonstrar o crescimento do trabalho feminino no setor produtivo, na

indústria e no comércio, em posições de chefia e não apenas como subalternas,

assim como as mulheres cada vez mais se integravam ao serviço público.

Os artigos destacados revelaram as inquietações do jornal com as

mudanças na sociedade. É claro que no O DIÁRIO, até pela sua missão

conservadora, era difícil a aceitação imediata dessas transformações. A família

ainda era vista em sua função educativa primordial e não poderia, segundo a

visão da Igreja, ser desestruturada de uma hora para outra com a saída da mulher

para o mercado de trabalho com a única finalidade de realização pessoal e

profissional. É este o motivo da Igreja ter intensificado sua ação procurando

atingir vários segmentos da sociedade: jovens, estudantes, operários, criando

vários movimentos e, entre eles, o Movimento Familiar Cristão (MFC). Naquele

ano da greve das professoras o movimento recebeu a visita do seu fundador, o

padre Richard, tendo o jornal conclamado os seus fiéis a acorrerem à sua

conferência. O título para o chamado foi significativo, apresentando a

preocupação reinante: “Só através da família se conseguirá melhorar a

comunidade humana”73. Vários encontros são também articulados e divulgados

naquele momento como o “Encontro da juventude: debates sobre o amor, a

profissão e a família”74, com a presença do pensador católico Alceu de Amoroso

Lima.

1.3 A seção Educação e Ensino no movimento de Desagrado em 1954

A leitura do jornal O DIÁRIO desde a sua recriação em 1935 possibilitou

a identificação na década de 1950 e, em especial, a partir de 1954, de uma maior

mobilização das professoras, iniciando uma organização coletiva, que ao que

parece, tornou possível a eclosão da greve de 1959. A descoberta do movimento

iniciado em 1953, mas que adquiriu maiores proporções a partir de 1954, foi

72 O DIÁRIO, quinta-feira, 17 de outubro de 1959. 73 O DIÁRIO, quarta-feira, 29 de setembro de 1959. 74 O DIÁRIO, quarta-feira, 13 de outubro de 1959.

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importante para compreender a rapidez com que efetivamente foi organizada a

greve de 1959. Para garantir a objetividade da leitura do jornal a partir de 1954, foi

necessária a escolha no jornal da sua seção dedicada à Educação e Ensino.

Nessa seção eram feitas as coberturas sobre a vida educacional e cultural da

capital e do interior do Estado. Foi nessa seção que foram encontradas as notícias

das reivindicações das professoras primárias e de suas lutas. No final da década,

a seção viria sofrer modificações, apresentando-se bem diferente, não apenas na

forma gráfica e visual, mas principalmente no seu conteúdo.

A seção “Educação e Ensino” constituía-se da mesma forma que uma

outra cujo título era “Documentação Católica – Informação – Doutrina”, numa das

mais importantes do jornal. Em 1954, esta seção ocupava grande espaço no jornal

e parecia dispor de grande autonomia. Ela realizava reportagens, noticiava

eventos culturais diversos, informava sobre reformas pedagógicas e não era

direcionada para um segmento específico de educadores, mas para professores

desde os do curso primário até aos do ensino superior, assim como para a

comunidade em geral. Além de também noticiar os acontecimentos relativos à

mobilização e aos eventos promovidos pelas entidades estudantis. A diversidade

de seus enfoques fez pensar que nela a educação assumia um sentido amplo,

sendo compreendida como formação geral do indivíduo nos princípios éticos do

cristianismo.

Entre os anos de 1954 até o período que a acompanhamos no início dos

anos 60, ela era de responsabilidade do jornalista Adival Coelho de Araújo. Em

1954, o jornalista aparecia como o seu editor assinando matérias e reportagens,

manifestando sua opinião e até mesmo incentivando claramente movimentos

sociais, como o das professoras pela melhoria de salários, ou denunciando

questões sociais de saúde pública dos escolares. Já a greve de 1959 não aparece

na seção que se transformou numa coluna que comentava as notícias, ganhando

espaço no corpo do jornal. Ela saia em chamada de primeira página, aparecendo

muitas vezes em mais de uma reportagem diária. O espaço da seção foi se

reduzindo e a partir daí ela se transforma em uma coluna de variedades com

notícias curtas e objetivas, perdendo as reportagens que lhe deram personalidade

no meado da década e que contribuíram para que tivesse uma grande importância

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na luta das professoras em 1954.

A seção “Educação e Ensino” não só teria acompanhado o movimento

das professoras primárias em 1954 como incentivou, divulgou e deu apoio ao

movimento de Desagrado. O fato gerador do movimento, além das reivindicações

de aumento reclamadas desde o ano anterior, foi a divulgação do decreto de

aumento de 100% do salário mínimo concedido pelo governo federal75. Em maio

foi publicado no jornal um estudo de uma tabela de aumento elaborado

respectivamente, pelas presidentes da Casa das Professoras Primárias (CPP) e

da APPMG. Tal estudo contava inclusive com o apoio do governo que incentivara

a elaboração da tabela pelas referidas entidades. A publicação da tabela foi

precedida de uma nova solicitação e justificativas sobre a necessidade urgente de

aumento para as professoras, assinada pela presidente da CPP. A linguagem

usada nessa justificativa era respeitosa, referindo-se “a grandiosa missão das

mestras”. A matéria, no entanto, deixou transparecer a existência de um

distanciamento entre a entidade, a CPP e as suas representadas, as professoras.

A autora, em determinado momento, expressa seu objetivo, lutar pelas mestras

mineiras, mas não se coloca como tal:

“(...) E, procurando cumprir o seu dever com heroísmo, sacrifício e perseverança, a figura impar da mestra empolga a todos quando mal trajada, levando no coração as amarguras da sua própria vida, ela, entretanto, cumpre e ensina as crianças a cumprir o dever principal de serem bons cidadãos, úteis à pátria, ao Estado e à Família. Mestra pois, é aquela que tudo faz sem nada receber (...) Assim pois o trabalho que executamos em benefício do professorado mineiro não está no objetivo somente de dar às mestras vencimentos que lhes permitam viver de acordo com a grandiosa missão de ensinar; o trabalho em favor das professoras é mais de cumprimento de um dever para a geração futura de nossa terra. Não são as mestras que irão plasmar as almas infantis? (...)” (grifo meu) (O DIÁRIO, domingo, 23 de maio de 1954)76

75 O aumento de 100% no salário mínimo já referido na nota 5 na introdução. 76 O documento é assinado em 23 de maio de 1954 pela presidente da CPP, Zilka Mendes

Faleiro. Logo abaixo veio a proposta de tabela de vencimentos elaborada pela mesma presidente da CPP e por D. Ana Coroacy dos Santos Torquato – presidente da Associação dos Professores Primários de Minas Gerais. Documento dirigido aos Srs. Membros da Comissão de Estudos do Aumento do Funcionalismo Público Estadual.

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O acompanhamento do jornal e, principalmente, da seção no decorrer da

campanha entre maio a novembro de 1954, permitiu avaliar dimensões e rumos

tomados pelo movimento. As assembléias lotavam, demonstrando a significativa

participação das professoras, inclusive as do interior, manifestando suas próprias

opiniões e obrigando as duas entidades a assumirem novas posições, a ponto de

em determinado momento provocar a retirada da CPP, assim justificada pela

presidente:

“(...) Nossa campanha iniciou-se com efeito, visando obter, dentro da ordem, o aumento do vencimento do professorado. (...) Mas coerentes com as tradições de nobreza de nossa classe, não podemos admitir que esta campanha iniciada em ambiente de ordem e respeito, se desvirtue em suas finalidades, descambando para a agitação que não se coaduna com o papel de educadoras. (...) É evidente que não podem ter apreço à classe os que procuram arrastar as professoras mineiras, cuja missão de educar lhes impõe conservar num plano de reivindicação alta, para um movimento que não encontra apoio na lei e, além disso, poderia ser interpretado como um ato perturbador da normalidade do serviço público, em um dos seus setores mais delicado que é a educação das crianças.(...)” (grifo meu) (O DIÁRIO, quinta-feira, 23 de setembro de 1954) 77

Mesmo retirando-se do movimento foi possível observar como a

crescente mobilização fez mudar o sentido do discurso da presidente da CPP,

referindo-se não mais ao trabalho feito pelo professorado, mas pelo coletivo,

marcadamente político ao referir-se à nossa classe. Este parece ser um primeiro

indício de que a participação efetiva das professoras fez mudar o rumo do

movimento, provocando a reação das lideranças e pressionando-as a assumirem

novas posturas. Isso fica ainda mais claro quando, em junho de 1954, o jornal

publicou um memorial das professoras primárias presentes à reunião realizada no

teatro Francisco Nunes, no qual foi feita referência ao início da campanha em

agosto de 1953, levantada pelo jornalista Luiz M. Barbosa. Um trecho do

documento deixa transparecer a existência de divergências. Um grupo, ao que

parece, apoiado pelo jornalista, discordava da tabela de vencimentos proposta

77 Manifesto às Professoras – Pela Casa da Professora Primária de Minas Gerais.

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pela Comissão de Funcionários, assim como das atitudes cordiais representadas

pelas presidentes das respectivas entidades. O mais importante, no entanto, são

as indicações da origem da organização coletiva da luta por um salário justo,

correspondendo à visão que se tinha da valorização profissional do magistério.

“(...) Como é público e notório, os atuais e insignificantes vencimentos do professorado primário de Minas, são incompatíveis com o trabalho árduo e estafante a que se entregam as mestras mineiras. É preciso que por isso mesmo as atividades das professoras primárias sejam remuneradas dentro de um critério justo de valorização do trabalho, e, ao lado desse conceito, só pode figurar a elaboração de uma tabela de vencimentos capaz de colocar o trabalho de uma educadora em seu justo valor. E esse valor sempre está, reconhecidamente, identificado com o aspecto intelectual considerado, por certo, um dos atributos primatizados na órbita do magistério primário (...)” (O DIÁRIO, domingo, 6 de junho de 1954).

Mais à frente o mesmo documento referia-se aos vencimentos de

serventes de Secretarias: copeiros, lavadeiras, cocheiros e cozinheiros da

Penitenciária de Neves, enquadrados com quase o mesmo salário das

professoras primárias:

“(...) Todavia, necessário se torna esclarecer que o trabalho desempenhado por esses abnegados servidores têm, também, o seu valor, mas a despeito disso, não pode ser nivelado com a atividade de uma professora primária que se dedicou a estudos durante anos para a conquista de um diploma, sabe Deus com que sacrifício.(...)” (O DIÁRIO, domingo, 6 de junho de 1954)

A partir desse documento e em assembléias posteriores, em vários locais,

as professoras, tanto da capital quanto do interior, não se deixaram convencer

pelos argumentos orçamentários do governo e continuaram firmes em sua

proposta de manter a reivindicação do piso salarial de 2.500 cruzeiros.

Se, inicialmente, O DIÁRIO, e não apenas a seção “Educação e Ensino”,

mas também editoriais e cronistas mostraram simpatia pelo movimento e o

defenderam com base na ordem e na justiça da reivindicação, após um certo

tempo podem se observar mudanças no posicionamento do jornal. Os

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argumentos orçamentários apresentados pelo governo do Estado para não elevar

o salário aos patamares pretendidos convenceram a sua editoria, obrigando-a a

emitir sua opinião e justificar sua posição ao lado do governo:

“Já nos externamos a respeito do próximo reajuste do funcionalismo, assunto a que, entretanto, somos forçados a retornar. As professoras primárias orientadas por sua respeitável entidade representativa, não ficaram convencidas pelos argumentos com que o Governador do Estado explica não permitirem os recursos do Tesouro uma equiparação imediata aos padrões do salário mínimo. De fato há um despropósito neste desnível entre o ganho de uma educadora e o de um carregador que nem ao menos precisa saber ler... E essa disparidade cala no espírito de quem quer que seja. O homem possui um vivíssimo senso do que lhe é devido por justiça e se dói de qualquer menosprezo. Mas, por outro lado, em assunto de tal natureza jamais se deve agir com parcialidade. Os motivos da parte que vai pagar também são ponderáveis.” (O DIÁRIO, quinta-feira, 2 de setembro de 1954).

Esta parecia ser uma atitude pragmática e de conciliação da igreja para

não ferir os seus interesses em manter boas relações com o Estado78. No entanto,

o editor reconhece o papel da entidade e a reação das professoras em não se

deixarem convencer pelos argumentos orçamentários e em acentuar o caráter

intelectual da profissão. Foi interessante, porém, observar que mesmo se

colocando ao lado do governo o jornal continuou noticiando os rumos do

movimento. A seção “Educação e Ensino”, persistiu apoiando as ações das

professoras. Elas, por sua vez, não se deixaram intimidar pelos argumentos

financeiros do governo. Os títulos em letras grandes mostravam a continuidade da

mobilização: “O governador do Estado não atendeu as professoras”79, “Grande

concentração das professoras do Estado”80, “Sitiadas centenas de professoras no

78 Costa, 1989, p. 42, aponta como esta política já vinha sendo desenvolvida: “(...) D.

Cabral, com o primeiro Congresso de Catecismo, conseguiu promover, conforme podemos perceber pelas páginas do jornal e pelos resultados obtidos pós- congresso, um grande acontecimento da Ação Social Católica, em nível nacional, e por isso alcança a vitória ao obter, pelas mãos de Antônio Carlos, a autorização para o ensino do catecismo dentro dos horários escolares.”

79 O DIÁRIO, sexta-feira, 3 de setembro de 1954. 80 O DIÁRIO, domingo, 5 de setembro de 1954.

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Palácio da Liberdade”81, “Rejeitada nova proposta do Governo do Estado”82. Da

mesma forma o jornal e a seção continuaram publicando manifesto da entidade,

adesão das famílias de alunos, discursos de professoras anunciando novas

assembléias, como a que aconteceu no Cine Brasil83.

A seção só retroagiu, possivelmente cedendo à pressão do governo e do

próprio jornal, no final de setembro quando apresenta um título bem menor do que

os apresentados anteriormente: “A remuneração das professoras”, seguido de um

texto curto justificando sua nova posição:

“A uma boa professora não há dinheiro que pague. Quanto por justiça deveriam receber as mestras? Dois, três, cinco mil cruzeiros? A vida está caríssima é sabido, mas a questão dos vencimentos está subordinada a dois interesses: os dos que recebem e os de quem paga. (...) que devem fazer as professoras? Fincar pé em sua pretensão de 2500 cruzeiros iniciais de carreira? Agitar-se em movimentos que podem tornar-se contraproducentes? Arriscar a linha de conduta da qual como educadoras não podem fugir? Por isso este nosso apelo ao bom senso das heróicas, das admiráveis, das abnegadas professoras mineiras. Há de chegar um tempo em que o poder público possa lhes pagar, não apenas o mínimo, mas de acordo com a sua função e a nobreza da sua tarefa.” (O DIÁRIO, sábado, 25 de setembro de 1954).

É preciso ressaltar que, embora sob aparente coação, a seção persistiu

apoiando o movimento até o final do ano. Publicava comunicados da APPMG,

chamava para reuniões e assembléias, dava espaço às opiniões divergentes das

professoras, procurando aparentar uma postura neutra84. Observando o título de

suas matérias, daí para frente, pode-se perceber a preocupação com o sentido

dado a sua redação procurando restringir-se objetivamente à notícia de forma

direta e sempre iniciando pelos sujeitos da ação: “As professoras voltarão a se

81 O DIÁRIO, terça-feira, 21 de setembro de 1954. 82 O DIÁRIO, terça-feira, 21 de setembro de 1954. 83 O DIÁRIO, sexta-feira, 24 de setembro de 1954. 84 João Camilo de Oliveira Torres refere-se ao jornal: ”Um jornal como os outros, mas de

orientação católica, visível apenas na parte doutrinária e, por assim dizer, invisível nas omissões de certos anúncios, de certas noticias”. (Torres, 1972, p.156 apud Tosta, 1989, p. 137).

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reunir hoje”85; “As professoras lutarão até a vitória”86; “As professoras apelam para

os deputados”87; “As professoras protestam contra proposta”88.

As notícias sobre a greve de 1959 foram deslocadas para a parte de

reportagens, ganhando mais espaço no corpo do jornal. Porém, se antes bastava

a leitura do movimento das professoras na seção “Educação e Ensino”, agora era

necessário ampliar a leitura do jornal procurando as reportagens, editoriais,

comunicados em várias páginas e em diferentes colunas. Algumas modificações,

no entanto, favoreciam a identificação da greve no jornal, as chamadas na

primeira página e a utilização de fotografias. As reportagens importantes como as

de greve passaram a ser ilustradas com fotografias e a ocupar grande parte da

página, recebendo um tratamento de destaque. Elas vinham com títulos grandes,

abertura resumindo os principais fatos e as legendas das fotografias

acompanhadas de textos detalhados, dirigindo a sua leitura. Nos dias que

antecederam a greve e nos momentos cruciais do movimento o jornal também

estampava na primeira página uma chamada que nem sempre era acompanhada

de indicação da página onde a notícia deveria ser encontrada, como a que

aparece em destaque em letra grande e com fundo preto, no canto esquerdo da

primeira página: “Reunião das professoras, hoje, 19 horas”89. Ou outra como

“Professoras em Assembléia permanente: aumento, (pág2)”90. As reportagens

nem sempre apareciam na primeira página, mas chamavam atenção pelos

grandes títulos: “Condenação unânime ao tratamento dispensado às

professoras”91; “Em assembléia permanente: Professoras recebem solidariedade

geral”92; “Professoras dão 48 horas ao governo: aumento ou greve”93.

85 O DIÁRIO, terça-feira, 28 de setembro de 1954. 86 O DIÁRIO, quarta-feira, 29 de setembro de 1954. 87 O DIÁRIO, quarta-feira, 22 de outubro de 1954. 88 O DIÁRIO, quarta-feira, 22 de outubro de 1954. 89 O DIÁRIO, quinta-feira, 11 de novembro de 1959. 90 O DIÁRIO, domingo, 7 de novembro de 1959. 91 O DIÁRIO, sábado, 6 de novembro de 1959. 92 O DIÁRIO, domingo, 7 de novembro de 1959. 93 O DIÁRIO, quarta-feira, 10 de novembro de 1959.

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1.4 A missão do jornal católico – orientar, dirigir e transigir

“Classe mais pobre do mundo é a de professores no Brasil. Professores primários, secundários e superiores formam uma hierarquia de miseráveis, estando em primeiro lugar os primários. (...) Legal ou ilegal, aplaudo-lhes a greve. A fome não respeita lei. É uma humilhação, uma afronta.” (Alberto Deodato. A greve das professoras. O DIÁRIO, quinta-feira, 19 de novembro de 1959)

Na leitura do jornal durante o período da greve ficou clara a sua ampla

cobertura, e como esta constituiu em um dos acontecimentos locais mais

empolgantes à sua época. É importante perceber como o jornal, com uma ampla

recepção, vinculado à Igreja Católica, utilizou-se dos fatos para influenciar

segmentos sociais, numa tentativa de colocá-los em sua órbita de influência,

assim como procurava controlar o movimento das professoras.

Ao analisar o texto jornalístico é preciso levar em consideração a sua

relação com a Igreja e o discurso performático de origem religiosa. Uma das

formações discursivas mais explicitamente persuasivas é a do discurso religioso94

e a igreja e os que comungam o seu pensamento, sejam eles pertencentes ao

clero ou não, sempre aspiram, segundo Chartier (1994, p.107) “a fixar o sentido e

a enunciar a interpretação correta que deve constranger a leitura (ou o olhar)”.

Considera-se, no entanto, que no jornal impresso, mesmo o de orientação

religiosa, o jornalista, sujeito e homem de opinião, não teria a mesma função do

pregador religioso no púlpito da Igreja, dispondo de autonomia para emitir seu

pensamento com relativa independência. Tal não era, no entanto a orientação de

um jornal católico, ou mesmo da imprensa ligada a partidos políticos em um

período de guerra fria de intensa radicalização com as polarizações políticas que

se seguiram às duas guerras mundiais. É desta forma que se pode entender no

editorial a opinião do jornal, o comentário e a aceitação do discurso de Pio XII,

representante temporal de Deus, em rádio-mensagem, publicada na íntegra pelo

jornal, dirigida à Associação da Imprensa Católica dos Estados Unidos:

94 Citelli, 2000, p. 48.

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“’Em primeiro lugar’ – diz Sua Santidade – ‘deverão os jornalistas católicos mostrar sua competência, adquirida por estudos sérios e profundo conhecimento da Filosofia e Teologia cristã, e tornar evidentes julgamentos ortodoxos relativos aos importantes problemas da atualidade, enunciando-os clara e cuidadosamente. Em segundo lugar, deverão refletir em seus escritos a unidade, a unicidade da Igreja em sua fé e ensino moral’. Postas estas condições, assinala o papa, ‘a imprensa católica pode colaborar na expansão entre os homens do reino de verdade e salvação do Cristo’.” (O DIÁRIO, domingo, 2 de junho de 1957)

Comentando as palavras do papa, o editorial95 enfatizava a função do

jornalista católico “servo do espírito e faxina da verdade” de assumir uma missão

que deveria ser uma “verdadeira servidão” à Verdade. Ora, o que se pretendia

explicar é que o jornal católico e os que praticam o jornalismo cristão deviam

seguir os princípios e preceitos da verdade religiosa, inquestionável e superior às

verdades sociais. A Filosofia e Teologia cristãs são fonte única da verdade e, ao

jornalista católico, não restava alternativa senão tornar-se seu servo. O jornalista

cristão deve ser instruído na doutrina e, como servo missionário, deve ser

preparado para se opor e argumentar contra outras ortodoxias. Mais à frente,

comentando o apelo do Papa à intelectualidade católica em prestigiar a sua

imprensa, ajudando a sua expansão e, diante da constatação, de que no Brasil a

imprensa confessional não correspondia à realidade do nosso catolicismo, o editor

desabafa: “o que ainda encoraja os poucos órgãos de opinião católica de que

dispomos é a certeza de que um jornal de idéias tem uma missão profética”. Uma

missão antecipatória do futuro mas que na visão religiosa e cristã é o futuro onde

o reino de Deus domine sobre os poderes temporais.

Em outro artigo acerca da missão da imprensa e a propósito da reabertura

de um jornal católico em João Pessoa, Paraíba, o articulista demonstra como o

jornal católico tem compromisso com seu tempo, defendendo não apenas o

recurso à persuasão retórica, mas clamando à ação na recuperação das

instituições sociais como a família, os partidos políticos e o governo. O poder

político que ele responsabiliza pela crise social com reflexos na educação e ao

95 O DIÁRIO, domingo, 2 de junho de 1957.

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qual apela para uma política social menos injusta. É este o sentido da mensagem

dirigida à equipe que naquela conjuntura tomava a empreitada de fazer um jornal

católico:

“Vivemos sob o amparo de instituições que se dizem cristãs, que na verdade foram edificadas dentro de normas jurídicas ou sociais, que pediram um confronto com os princípios evangélicos. Mas sem uma renovação de suas traves, sem uma vigilância heróica em seu uso, foram se esfarelando, foram se abrindo ou se empenando e aí estão na iminência de um desabamento. (...) Por isto, considero o reaparecimento de ‘A Imprensa’ em termos quase angustiosos. Estão os seus redatores na arena, sob o olhar curioso da multidão que só se converterá pelo sangue dos mártires. Em época tão dura, um jornal católico não pode perder tempo com volteios literários e arquiteturas apologéticas; ou desce à arena para reconquistar posições, para viver com o povo e reconduzi-lo até à Igreja, ou fará papel de foguetão estourando no espaço vazio”96.

É da perspectiva da ação na luta contra a injustiça social e contra a

ausência de compromisso, inclusive de setores da igreja, que o redator fez a

defesa da transformação do discurso literário e apologético para o da ação

católica. O discurso apologético, alheio às questões sociais, transformado em

ação, cumprindo “um itinerário de revitalização cristã”97. A ação com o fim de

revitalizar o cristianismo contra as transformações culturais dos meios de

comunicação de massa, o rádio, o cinema e a televisão. Neste segundo texto

percebe-se a defesa de uma nova postura da igreja frente ao agravamento da

crise econômica e social e a sua relação com as mudanças culturais. Os

discursos, apesar das diferenças na ênfase mais na persuasão da palavra ou na

ação política, revelam um compromisso da imprensa com a crença na salvação

da sociedade humana na vivência conforme os princípios da doutrina cristã.

Do ponto de vista da relação entre o discurso e a prática da imprensa,

Frederico Alessandrini, em Congresso da Imprensa Católica em 1954, da redação

do “L’Osservatore”, recomendava:

96 Missão de um Jornal Católico. José Rafael de Menezes.O DIÁRIO, 26 de novembro de

1959. 97 Ibidem, O DIÁRIO, 26 de novembro de 1959.

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“A imprensa católica deve distinguir, acrescentou, entre as matérias que se prestam a amplo campo de debate, e às outras que são artigo de fé, de modo que uma publicação católica não pode e não deve assumir uma posição determinada com relação a assuntos sobre os quais os fiéis podem ter opiniões próprias. De outro modo, haverá o perigo de dividir os leitores, confundindo-os, por acreditarem que estas atitudes significam questão de fé, quando não o são na realidade.”98

O que o jornalista do maior jornal do Vaticano defendia era a coerência

com uma política da Igreja para um determinado momento histórico, preservando

os princípios cristãos de ordenamento social, justiça e vivência cultural. O papel

do jornal era de orientar e também de deixar livre o debate sobre o que não

constituía matéria de fé, mas que era suscetível de debates ou mesmo de críticas.

Tal, porém, não parecia ser a postura da Igreja e em geral a da imprensa católica,

como a do O DIÁRIO, que em sua escrita procurava dirigir a ação e o pensamento

dos fiéis em vários assuntos culturais adotando preceitos morais extremamente

conservadores. A Igreja Católica em Minas Gerais, nos meados do século XX não

parecia absorver as mudanças culturais provocadas pela modernização e

procurava ampliar sua ação no sentido de minimizar os seus efeitos considerados

perversos, estabelecendo normas para a vida cristã99. Os editoriais do jornal

orientavam a educação familiar como o que foi publicado no dia 17 de julho de

1957 com o título “Considerações sobre o cinema”:

“Estão funcionando diariamente nesta cidade uns quarenta cinemas que, em conjunto, oferecerão cerca de 100 sessões, (...) Ora, pelo menos a metade de tais películas, ainda que não oficialmente proscritas, não contribuirão, por certo, para a elevação moral dos expectadores. Pode-se afirmar que mais de uma quarta parte apresentará temas prejudiciais. Desta maneira vai-se deixando envenenar a juventude, com a complacência dos pais, autoridades e educadores.” (O DIÁRIO, quarta-feira, 17 de julho de 1957)

98 Congresso de Imprensa Católica, apud Marcial Mariani, O DIÁRIO, 29 de maio de 1954. 99 O jornal estabelecia censura moral para filmes com os seguintes critérios: todos,

adolescentes, adultos, adultos com reservas, prejudicial e condenado. (O DIÁRIO, quinta-feira, 9 de outubro de 1958).

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O jornal dirigia os católicos, enfatizando a educação religiosa e o papel

político do cristianismo na manutenção da ordem social. Concomitante ao início da

campanha salarial das professoras em 1959, desenvolvia-se na capital a semana

catequética, envolvendo vários segmentos sociais e entre eles, os professores.

Em foto do jornal na reportagem sobre a campanha é apresentado o público no

Auditório do Colégio Imaculada Conceição. A legenda da foto identifica presenças

do clero, do laicato católico e de pais e mestres. Na mesa do evento estavam

presentes o Arcebispo Coadjutor de Belo Horizonte, Dom João de Resende

Costa, o Bispo Auxiliar D. Serafim de Araújo e o conferencista Professor J. C.

Ataliba Nogueira, da Universidade de São Paulo. Um dos resultados da semana

foi a emissão de circular dirigida ao clero e aos fiéis, onde observava-se a

ingerência da igreja no ensino religioso, nos Grupos Escolares e Escolas Públicas

de nível secundário. Era este o texto circular:

“Para maior regularidade do ensino religioso nos Grupos Escolares e demais escolas primárias, serão nomeados Sacerdotes encarregados de determinadas regiões da cidade, os quais visitarão as escolas e verificarão a atuação dos programas e a eficiência das aulas, indicando ao Departamento de Ensino Religioso as necessidades a que deve atender. Para que a instrução religiosa atinja de modo completo todas as classes de fiéis, será preparado um esquema de pregações para ser seguido nos sermões das missas dominicais em todas as igrejas, de tal sorte que em três anos seja apresentada por inteiro a doutrina cristã: dogma, moral e sacramento.” (O DIÁRIO, 26 de setembro de 1959)

No final da década a Igreja Católica ampliaria ainda mais seu poder,

convencendo o Estado a financiar os Seminários, concedendo bolsas de estudos

para os seminaristas pobres.

“Os cristãos sempre foram, ainda nos tempos das grandes perseguições, os melhores cidadãos, os mais leais, os mais dedicados no cumprimento das leis. Ora, o poder público é diretamente beneficiado com a formação de bons cristãos”. (O DIÁRIO, quinta-feira, 12 de dezembro de 1959. Nossa Opinião: A função social dos seminários)

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A partir dessa visão de cumprimento de um papel político e missionário

pode-se compreender o motivo, dentre outros, que teriam levado a imprensa

católica a engajar-se na greve das professoras primárias. A postura de O DIÁRIO

estava vinculada a um projeto político da Igreja Católica, o que explicaria sua

inserção nos movimentos sociais e, em especial, nos movimento sindicais e

operários. O envolvimento na greve das professoras estaria articulado à visão da

Igreja do papel da escola na formação do cidadão e propagação do cristianismo.

Estar ao lado das professoras, dirigindo e orientando suas ações, fazia também

parte da política da igreja de controlar os movimentos sociais, retirando-os do

âmbito de influência dos partidos com práticas e valores antagônicos aos da

igreja. A esse respeito é esclarecedor o editorial no dia posterior ao término da

greve onde é ressaltada a ação de D. Serafim e do clero:

“A atuação do ilustre Pastor coroou, aliás, a que vinha desempenhando outros sacerdotes que solidários com o movimento do professorado, tudo fizeram para orientá-lo no melhor sentido e evitar que, por qualquer forma, pudesse ser desvirtuado, com prejuízo da justa causa que defendia.” (O DIÁRIO, domingo, 22 de novembro de 1959. Nossa Opinião.)

Além do controle do movimento a presença da igreja, através do jornal,

apoiando e mobilizando a opinião pública podia ser interpretada como um ato de

solidariedade e gratidão às mestras, algumas delas voluntárias no movimento de

catequese. Na visita de uma comissão ao Palácio no segundo dia da greve o

jornal deixa escapar:

“Ontem a comissão de Relações Públicas do movimento do professorado Primário voltou ao Palácio do Arcebispo de Belo Horizonte, para comunicar o desenvolvimento da Greve Geral. Na oportunidade, o Bispo Auxiliar D. Serafim Fernandes de Araújo, ajuntando à manifestação anterior de D. João de Resende Costa teve palavras de conforto para com as mestras, quase todas catequistas.” (O DIÁRIO, quinta-feira, 19 de novembro de 1959).

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Por outro lado, é necessário compreender o interesse da Igreja na

adoção de uma política de conciliação entre o Estado e as professoras. Quando o

governo adotou a atitude intransigente e autoritária, declarando não negociar sob

coação, o jornal, em seu editorial, demonstrou de imediato o interesse em mediar

o conflito, expresso no título: “Conflito de dignidades”:

“No fundo estamos em face de um conflito de dignidades. Defendem as professoras a sua, ante a inferiorização a que as relegou a lei, já agora sancionada, mas nem por isso insusceptível de correção por outra lei. Defende o governo a sua, recusando-se a nova iniciativa reequilibradora, desde que sob circunstâncias que lhe dariam o caráter inequívoco de forçada capitulação. (E é mesmo alentador vê-lo afinal firme assim, o que nos dá a esperança de que não voltará a capitular, como anteriormente,ante coações , como os ‘lock-outs’ da carne e do leite …) Ora, a dignidade de uma e de outra das partes pode ser perfeitamente preservada, se predominar o espírito de compreensão na busca da fórmula do acordo comum. Cumpre agora, para isso, que longe de atiçar antagonismos que só aproveitam a demagogias interessadas e claramente identificáveis, se multipliquem todos os esforços de mediação, sincera e objetivamente, para que o impasse seja superado de modo alto e digno. Não pode o professorado querer a sua continuação. Também não o pode querer o governo. Nem os parlamentares conscientes da missão que lhes cabe. Nem os pais, nem os alunos. Aí está, na simples verificação desse fato, o campo de entendimento inicial capaz de fornecer o ponto de partida para a solução que todos desejam ver concretizada o mais rapidamente possível.” (O DIÁRIO, quinta-feira, 19 de novembro de 1959. Nossa Opinião)

Do apoio inicial explícito, conforme a transcrição inicial neste tópico, o

editorial do jornal, certamente escrito por elemento ligado à Cúria metropolitana,

assumiu uma atitude conciliatória, apoiando o autoritarismo do governo. A

mudança de atitude teria resultado da necessidade concreta de manter laços

cordiais com o Estado, mantendo a imagem da religião como mantenedora da

ordem social, assim como assumia posição clara contra os comunistas, inimigos

da Igreja, expresso “nas demagogias interessadas e claramente identificáveis”100.

100 O DIÁRIO, quinta-feira, 19 de novembro de 1959. Nossa Opinião.

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Por outro lado, justificar o poder autoritário não era incoerente com a

política da Igreja pelo menos naquele momento histórico101. É possível assim,

concluir que a missão de O DIÁRIO na greve estava de acordo com os objetivos

da igreja de orientar os movimentos sociais, evitando que estes se desvirtuassem

e, ao mesmo tempo, mantendo relações amistosas com o Estado.

Além dos editoriais, articulistas do jornal como o escritor Alberto Deodato,

colocaram-se ao lado das professoras, “Legal ou ilegal aplaudo-lhes a greve, a

fome não respeita lei. É uma humilhação, uma afronta”102. Esta era a postura dos

católicos coerentes com a proposta de justiça social, defendida pela Encíclica

Rerum Novarum e reafirmada pela Quadragésimo Anno. Ambas reconheciam a

questão social, não como um conflito social, mas um desvio que deveria ser

corrigido pela conciliação entre as partes, patrões e empregados. Por outro lado,

o apoio à greve, como qualquer forma de confronto, era contraditória com a

defesa dos princípios da ordem e da obediência às autoridades constituídas.

101 “A política católica, efetivamente notabilizou-se por justificar governos autoritários desde

que, conditio sine qua non, a liberdade da igreja fosse garantida. Não é sem motivos, portanto, que ela foi representada como inimiga de todo movimento social que pusesse em perigo a stasis das instituições, especialmente o Estado. (...) As Concordatas do início do século XX consagraram este novo tipo de interação entre os dois poderes.(...) Um poder de Estado estabelecido garante à Igreja a ordem e a segurança que, segundo as representações eclesiais guiadas pelo princípio do Estado autoritário, são necessárias à manutenção da religião, satisfazendo assim da melhor maneira possível a necessidade de legitimação de um poder de Estado (...) Esta orientação caracterizou a prática religiosa até o Concílio Vaticano II”. (Romano, 1979, p.145-146)

102 O DIÁRIO, quinta-feira, 19 de novembro de 1959.

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CAPÍTULO 2 - A AVENTURA DO JORNAL CATÓLICO NA COBERTURA DO

MOVIMENTO DAS PROFESSORAS PRIMÁRIAS

No primeiro capítulo abordei o jornal em sua forma e conteúdo103, assim

como a relação entre a forma jornalística e a representação histórica. Neste

segundo, o objetivo é tomar como ponto de partida o discurso do O DIÁRIO, num

exercício de interpretação do passado, partindo dos enunciados para se chegar

aos fatos. A análise do discurso do jornal se fará em torno de um movimento de

reivindicação salarial com o objetivo de perceber como o jornal captava e

transmitia as representações sociais acerca das professoras primárias no

momento de uma greve.

O discurso é aqui compreendido como prática social, portadora de

representações em conflitos com o papel na produção, reprodução, manutenção

ou transformação da realidade. É aquele discurso que possui o poder de construir

imagens para convencer, persuadir e dominar, mas que é também uma

construção lógica, permitindo ser decodificado, explicando a realidade da época

pelas suas contradições. O discurso da imprensa é aqui utilizado como fonte na

investigação do passado e compreendido pelo seu contexto histórico de produção.

A análise da imprensa escrita usa algumas marcas lingüísticas e semióticas, mas

que por expressar uma forma de organização coletiva, necessita ser interpretada,

também, pela lógica da ação104. A construção social dos discursos produzindo

representações que é reconhecida como ideológica, entendida como um conjunto

articulado de idéias contidas em todo e qualquer discurso e não apenas nos da

dominação. Ou o ideológico, como representação verbal, no pressuposto de que o

poder está em jogo em qualquer situação de comunicação tal como o concebe

Pinto (1999, p. 42):

103 “A ênfase da materialidade das práticas e dos objetos culturais se traduz, para alguns

historiadores, no primado atribuído aos ‘veículos’, às grandes ‘instituições mediadoras’ como por exemplo a imprensa, a edição, os museus, a escola, as exposições universais etc. O que importará, segundo eles, será conduzir análise num percurso que vai do significante para o significado, do veículo para a mensagem e, desta para os grupos sociais que a produzem ou se apropriam dela (...)”. (Chartier, apud Nunes e Carvalho, 1993, p. 44).

104 Lógica letrada e lógica prática em Chartier (1994).

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“(...) é uma dimensão social necessária de todo discurso, responsável pela produção de qualquer sentido social, os da ciência, inclusive -, e o que define ideologia como um repertório de conteúdos, opiniões, atitudes ou representações – pois o ideológico é principalmente um mecanismo formal de investimento de sentidos em matéria significante”.

A leitura do jornal que é também uma fonte de interpretação do passado

e uma forma possível de produzir um conhecimento histórico, como esclarece

Costa (1994, p.190):

“O que fica do passado são os discursos que nele se produziram. Juntando-se esses discursos àqueles que ainda serão produzidos sobre ele, esclarecem-se as condições em que se deu essa existência que já não se encontra entre nós.”

2.1 O discurso do jornal no dia a dia da luta: entre a realidade e a

idealização

“ILUSTRES PROFESSORAS.

No momento em que vos empenhais junto ao governo no sentido de obter salários dignos e compatíveis com a importância social do magistério, cumprimos o indeclinável dever de trazer-vos o apoio e a solidariedade e os votos de êxito da diretoria e associados do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, bem como de todos os homens de Imprensa, Rádio e Televisão. Podeis estar certas de que a opinião pública está ao vosso lado, como ao vosso lado estão as parcelas mais representativas da comunidade mineira”. (Mensagem do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais. O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959).

A pesquisa parte da leitura, análise e interpretação das reportagens do

jornal O DIÁRIO, usado como fonte histórica, relacionando o discurso em seu

contexto social de produção. Era necessário, neste sentido, buscar o

entendimento do jornal no estilo jornalístico da época, a década de 50, na qual a

escrita era marcada por traços subjetivos e literários, fortemente românticos. O

jornalista envolvia-se pessoalmente com a narração de tal maneira, que não era

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possível distinguir opinião e fato, realidade e ficção, realidade e desejo105. O

repórter que acompanhava a greve, sujeito da narração, transmitia a idéia de

entusiasmo e imaginação, dando a impressão de que para além das descrições

dos fatos reais existia um envolvimento emocional e idealizado106.

Na organização do material para a interpretação não houve preocupação

de organizar os fatos em ordem linear e cronológica, nem o de enumerar fatos e

acontecimentos políticos ou de avaliar dados quantitativos. Isso não significa que

fatos ou dados não possuam significados no discurso. Os dados, principalmente

os repetidos, possuem força de argumentação e reiterações de mensagens com

objetivo de convencer os leitores. No caso específico das reportagens da greve

feitas pelo O DIÁRIO tem-se com clareza a função das repetições e enumerações

diárias de um número sempre crescente de adesão e manifestações de

solidariedade, cumprindo o papel de produzir um efeito de sentido, qual seja, o de

acentuar o crescimento constante do movimento.

Na leitura das reportagens diárias foi interessante observar a manutenção

de um mesmo padrão com os títulos sugerindo ação, seguidos de uma abertura

com subtítulos, funcionando como resumos e uma introdução do texto. No corpo

das reportagens as narrativas são mediadas por novos subtítulos, que cumprem a

função de facilitar a leitura107. Optei por analisar na íntegra a primeira reportagem

do dia 4 de novembro, na qual estão argumentos que serão retomados nas

demais. Este pode ter sido um mecanismo de persuasão pela repetição mas

também tem o sentido de reter os fatos na memória dos leitores, facilitando o

acompanhamento diário da campanha. O que vai diferenciar as reportagens

seguintes são os acréscimos de fatos novos, as ações dos principais atores e

105 Castro 1997, p. 98. 106 “O sr. Adival Coelho é um dos maiores entusiastas do movimento. O privilégio de

participar da greve das mestres, entretanto, não é exclusivamente do sr. Coelho de ‘O DIÁRIO’. Também o sr. José Sérgio do mesmo jornal, está empenhado com o movimento. Em Pedro Leopoldo o piquete de greve das professoras que lá esteve custou a controlar a sua exaltação”. (DIÁRIO DA TARDE, sexta-feira, dia 20 de novembro de 1959. Flashes da greve).

107 Utilizo uma linguagem leiga, buscando aproximação com os sentidos usados na linguagem técnica do jornalismo provenientes da escola americana, adotada na década de 1960: o título, o bigode (abertura), o lead (introdução) e os intertítulos (subtítulos). Para a leitura de jornal utilizei uma versão para iniciantes feita por (FARIA, 1996).

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protagonistas da ação, a enumeração de adesões e as manifestações de

solidariedade.

O título da primeira reportagem: “Aumento para o funcionalismo não vale

para as professoras” é um incitamento à revolta do magistério primário e a

abertura contém o posicionamento do jornal de condenação à injustiça:

“Esquecidas no projeto a numerosa classe – as mestras vão ganhar tanto quanto um soldado e menos que um investigador – Só o Governador poderá reparar a injustiça – Melhoria apenas para as substitutas e contratadas – Em segundo plano o diploma – Política de dois pesos e duas medidas” (O DIÁRIO, quarta-feira, 4 de novembro de 1959).

As informações cuidadosamente selecionadas estimularam e provocaram

a reação das professoras. Elas foram esquecidas, apesar de constituírem

numerosa classe, e iriam receber tanto quanto um soldado. O diploma, essencial

para o reconhecimento da carreira foi duplamente desvalorizado. O pessoal leigo

e contratado do magistério e os soldados receberam aumentos superiores.

Questionavam-se os critérios que permitiam com que as contratadas e leigas, não

possuidoras de diplomas da Escola Normal, recebessem o mesmo que as

contratadas tituladas. Para incitar a revolta usou-se a máxima popular com o

sentido de injustiça: política de dois pesos e duas medidas. O que na verdade

ressente-se de lógica pois o certo seria política de um peso e duas medidas, ou

seja, usou-se o mesmo critério para situações distintas. A reparação necessária

da injustiça estava nas mãos do poder, o governador. O conflito ficou latente e o

jogo foi lançado. Restava aguardar a reação das professoras.

As duas fotos a seguir, nos extremos opostos da página do jornal, e as

respectivas legendas cumprem o objetivo de acentuar, de um lado o poder

legislativo e, do outro, uma professora em sua sala de aula. Ou seja, tentava-se

evidenciar em pólos opostos o poder em ação, alheio aos interesses das

professoras, representadas na foto por uma delas atuando em sua sala de aula.

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Foto 1 – Mesa da presidência da Assembléia Legislativa na aprovação do projeto de Aumento do funcionalismo

O projeto de vencimento do magistério foi exaustivamente estudado na comissão de serviço público (foto), mas das 40 emendas aprovadas, não houve uma sequer inspirada no propósito de melhorar, ao menos um pouco, a situação das professoras.

Fonte: O DIÁRIO, quarta-feira, 4 de novembro de 1959.

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Foto 2 – Professora anônima em sua sala de aula

A professora Maria Edna da Silva, fotografada durante uma aula para os alunos da 1ª série do Grupo Escolar Afonso Pena, não faz questão do salário, como milhares de heroínas anônimas. Mas é lamentável que o Estado não lhe reconheça o esforço, dando-lhe remuneração mais condizente com a magnitude de seu trabalho.

Fonte: O DIÁRIO, quarta-feira, 4 de novembro de 1959.

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Na visão do repórter, a professora representava milhares de heroínas

anônimas que não faziam questão do salário. Tal afirmativa parece estar aí

colocada com sentido de provocação, uma vez que o jornalista, tendo

acompanhado a luta do magistério desde 1954 por melhores salários, não pode

acreditar no desinteresse salarial da professora108. Às fotos segue-se o texto

introduzindo a reportagem:

“O professorado primário não conseguiu ver atendidas as suas reivindicações de melhoria de salário, nas bases apresentadas ao governo. Mesmo a Assembléia Legislativa, que anexou ao projeto original, de autoria do executivo, emendas diversas, deixou ainda mal situado o magistério, com salários que não atendem às necessidades do mestre. Mormente atentando-se para os gastos que o professor realiza, imperiosamente, para o preparo de aula e transporte. Com muita dificuldade, conseguiu-se para o início de carreira o salário de 6200 cruzeiro, bem inferior aos níveis em vigor em outros Estados da Federação. Vê-se, portanto, que o professor mineiro continuará a ocupar lugar de inferioridade, quanto à remuneração.” (O DIÁRIO, quarta-feira, 4 de novembro de 1959)

A introdução reafirma a situação injusta do magistério. O Legislativo,

embora tenha alterado com emendas o projeto do executivo, deixou a categoria

em situação de inferioridade, em relação aos salários pagos em outros estados da

federação. O salário de 6.200 cruzeiros não cobria os gastos das professoras

contabilizando-se as despesas com transporte e o trabalho invisível, feito em casa,

ou seja, o preparo das aulas.

O texto da reportagem é entremeado por dez subtítulos109, onde são

explicitadas algumas questões que relacionam salário e desvalorização

profissional do magistério.

108 Ver, no primeiro capítulo, o jornalista, responsável pela coluna “Educação e Ensino”,

presente e atuante defensor do magistério desde a campanha de Desagrado, em 1954. 109 Os subtítulos da reportagem: META / NÍVEIS SALARIAS / REVISÃO / MAIS TRANQÜILA /

INSPETORES DE ENSINO / DIRETORES / ENSINO SUPERIOR E SECUNDÁRIO / SUBSTITUTAS LEIGAS E CONTRATADAS / CONTRATADAS / SUBVERSÃO DE VALORES. Todos os trechos em itálico são transcrições literais dos respectivos subtítulos. (O DIÁRIO, quarta-feira, 4 de novembro de 1959).

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− META é o primeiro e refere-se à necessidade de obtenção de um salário

para os professores que reponha o seu poder aquisitivo110, dada a

desvalorização da moeda, remunerando-os de acordo com a sua função

social, deixando explicito: “este aspecto mais se agrava, quando se atenta

para a função do mestre na formação da mocidade.” E chama atenção o

conseqüente prejuízo para o ensino: “seu problema salarial não será

resolvido e desta maneira continuam as escolas a possuir professores

que lecionam em mais de uma instituição ou trabalham em outras

atividades.”

− OS NÍVEIS SALARIAIS – estabelece comparação com os salários dos

militares, mostrando como os militares, os soldados, obtiveram melhores

salários além de disporem de vantagens adicionais: fardamento, rancho,

alojamento e transporte. E conclui: “Lamentavelmente o professor

primário, do qual mais se espera na atual crise brasileira, tem a sua

situação piorada.”

− REVISÃO – apresenta a necessidade de uma nova tabela salarial para o

professor e justifica: “por essas e outras é que Minas vem perdendo a

hegemonia e o comando da educação no Brasil.” A vinculação do salário

das professoras com a perda do prestígio político de Minas foi usado

como um recurso, apelando ao imaginário político regional, usando o

simbólico espírito de “mineiridade” como forma de atingir os brios dos

políticos, mas igualmente os do eleitorado.

− MAIS TRANQÜILA – reapresenta a mesma mensagem de comparação

de salários com a polícia, também a civil. Como esta polícia passara a

receber dez mil cruzeiros, encontrava-se numa situação mais tranqüila. E

esclarecia: “não achamos que a função desta classe seja menos digna.

Que fossem igualadas pelo menos seria o ideal.” A isonomia salarial foi o

mote que deu origem e sustentou a reivindicação das professoras. Foi

110 Na tabela do aumento geral do funcionalismo as professoras obtiveram 6.200 cruzeiros de

salário mensal. A pretensão durante a mobilização era de 10.500 cruzeiros. Na verdade elas conseguiram 8.500 cruzeiros.

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esta comparação salarial que serviu de referência para a exigência das

professoras de um piso de dez mil cruzeiros.

− INSPETORES DE ENSINO – DIRETORES – ENSINO SUPERIOR E

SECUNDÁRIO – usa-se a mesma lógica da comparação com outras

carreiras para justificar também o aumento das categorias profissionais

ligadas ao magistério. Ou seja, da mesma forma como as professoras

foram prejudicadas, também o foram os profissionais hierarquicamente

superiores.

− SUBSTITUTAS LEIGAS E CONTRATADAS - o subtítulo é seguido pelo de

CONTRATADA. A contratada do segundo subtítulo refere-se a substitutas

contratadas, mas portadoras de diploma de Escola Normal, diferenciando-

se das leigas também contratadas, que não possuíam habilitação. O

aumento aproximando o salário das substitutas e contratadas leigas, das

diplomadas e efetivas é entendido como uma desvalorização dos diplomas

e concursos. O repórter percebe e denuncia uma manobra de

desvalorização profissional: “o próprio Estado colabora para a

precariedade do magistério, não atentando para as que não possuem

carreira. Aí se encontra o motivo por que os salários estão afugentando as

diplomadas. Ainda há poucos dias, o órgão oficial divulgou numerosos

nomes de moças não diplomadas e que não se submeteram a concursos

públicos (provas e títulos), nomeadas para escolas do interior.”

− SUBVERSÃO DE VALORES – retoma a questão do aumento das

professoras leigas e o uso do senso comum - dois pesos e duas medidas -

é utilizado novamente para reafirmar a desvalorização da profissão, e

conclui: “são evidentes a subversão de valores e o péssimo conceito que

faz a autoridade do magistério, o que é lamentável.”

Esta primeira reportagem, conforme já se acentuou, mereceu uma

análise mais detalhada por marcar o início de uma série de outras com a mesma

matriz discursiva, contendo os argumentos justificativos da mobilização das

professoras. Para facilitar o entendimento dos fatos, optei por analisar todos os

títulos das reportagens principais e as ocorrências diárias do dia 6 de novembro

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até o final da greve no dia 20. O objetivo da análise dos títulos das reportagens

neste período é o de facilitar a compreensão da dinâmica do movimento. A partir

do final da greve e devido ao tempo prolongado que vai da aceitação da

negociação e do envio do projeto ao legislativo, selecionei títulos das notícias mais

significativas, que dessem conta de apreender a ação das professoras no

período. Elas irão se conservar unidas e vigilantes, comparecendo regularmente

à Assembléia, fazendo pressão, a principio, para que os deputados

pressionassem o executivo no envio do projeto e acompanhando sua tramitação

naquela casa legislativa, mesmo após o término do ano letivo.

É importante ressaltar que o repórter de O DIÁRIO não apenas noticia os

fatos mas emite opinião, toma posição a favor da campanha, incita, estimula a

reação das professoras, além de conquistar o apoio do público da capital e do

interior. E a reação foi imediata. Dois dias após a reportagem inicial que noticia a

tabela de aumento do funcionalismo, o jornal traz a manchete: “Condenação

unânime ao tratamento dispensado às professoras primárias”111. E a líder do

magistério reage, manifestando indignação:

“Fomos muito prejudicadas no atual aumento do funcionalismo público. Tudo começou quando esqueceram de convidar um educador para integrar a comissão que elaborou as tabelas encaminhadas pela assembléia. A classe não foi ouvida e, pior, relegada agora ao completo esquecimento. De agora em diante, estaremos em sala de aula, lecionando para alunos adultos que percebem salários maiores que os nossos.Inclusive os militares e os policiais. Por outro lado, esqueceram que a tendência natural dos alunos é refletirem o professor. A educadora já não pode se apresentar com o mínimo de dignidade nas escolas pois falta-lhe o pão em casa, o vestuário e não tem condições, ao menos, de apresentar modestamente vestida (...) ‘Não podemos conter a justa revolta do magistério’(...)”. (O DIÁRIO, sexta-feira, 6 de novembro de 1959)

A primeira fala da líder foi afirmativa, categórica e diríamos que viril, na

concepção da época112. No discurso, o significado de educador se sobrepõe à

111 O DIÁRIO, sexta-feira, 6 de novembro de 1959. 112 “A greve, enquanto conflito trabalhista, é vista como um ato viril, pouco feminino.” (Blass

1992, p. 148).

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tradicional e estereotipada imagem idealizada “da professorinha recém formada

supostamente lecionando à espera de marido”113, ou a de mãe e dona de casa,

exercendo uma atividade complementar, recebendo um salário acessório ao do

homem, considerado o provedor do lar. O uso genérico de educador e não

educadora faz pensar que a afirmação profissional da mulher implica, em certas

circunstâncias, em assumir uma atitude andrógena114, uma vez que a sociedade

não reconhecia o exercício político das mulheres assumindo posições de

liderança.

No discurso, há uma passagem do masculino para o feminino, quando

menciona a necessidade da educadora de prover a casa, “pois falta-lhe o pão em

casa” e “não tem condições de apresentar-se modestamente vestida”, numa

referência ao baixo salário, insuficiente na composição da renda familiar115. Esse

discurso contém marcas de identidade profissional na luta contra a desvalorização

social do magistério. Nele o salário foi percebido como condição de dignidade

humana e profissional. É, ao mesmo tempo, discurso de denúncia, reivindicação,

ameaça e transgressão, apontando a possibilidade de se chegar à greve116. A

profissão, neste caso, não está sendo vista apenas como sacerdócio ou missão,

ou profissão “naturalizada” como feminina, exigindo amor, doação e abnegação,

mas na argumentação estava em jogo o salário e a apresentação pessoal, num

113 Mello, 1998, p. 72. 114 “Ao se militar, a revolução se torna masculina, e relega as mulheres às gazes ou aos

fornos. Na comuna, por exemplo, só são toleradas como enfermeiras ou cantineiras. Se querem carregar armas, têm de se vestir de homens. À frente das manifestações ou desfiles, elas se congelam como símbolos. E se a República se encarna numa Marianne, sem dúvida é uma última maneira de transformar a mulher em objeto.” (Perrot,1988, p. 199).

115 “De fato, na nova economia urbano-industrial, o trabalho assalariado das mulheres proporcionava proteção muito maior contra a inflação e a depressão econômica do que a produção doméstica. Até mesmo os pequenos salários ganhos por filhas solteiras, viúvas ou – mesmo caso de necessidade premente – esposas, poderiam fazer diferença entre a sobrevivência precária e um mínimo conforto”. (Besse, 1999, p 144).

116 Os trabalhos sobre profissionalização definem de uma maneira geral modelos ou traços ideais de profissionalização, adstritos às profissões liberais como: amparar-se em associações, possuir autonomia no trabalho, domínio de um saber específico, identidade profissional, regulamentação de condições de trabalho, entre outras. Aqui estamos tratando de contrapor a gênese de um discurso profissional à percepção estereotipada do magistério primário com fortes conotações de significação afetivas e obrigação, exigindo baixa qualificação e pequena remuneração. Esse raciocínio baseia-se no estudo de Ramalho e Carvalho (1994).

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vestuário de acordo com o papel e a posição que a professora deve ocupar na

sociedade. No caso, as professoras parecem se representar como pertencentes

às camadas médias da população, procurando manter distinção dos funcionários

assalariados do Estado, em funções subalternas que não exigem habilitação

específica117.

Apenas no início do movimento, ainda no dia 6 de novembro, quando

iniciava a reação da Associação com a fala da presidente em exercício, o jornal

apresentou a opinião da ex-presidente da APPMG, a professora Ana Coroaci. Foi

a única vez que o jornal deu voz a outra liderança. Daí para frente o jornal só

apresenta as falas da presidente Marta Nair Monteiro e se refere às professoras

sem mencionar nomes, reunindo e interpretando suas falas. Da mesma forma foi

a única vez, em toda a mobilização, que foi feita uma referência ao início da

organização do magistério no movimento de Desagrado de 1954118:

“(...) Entre as classes menos favorecidas está justamente as professoras primárias. Bateram-se insistentemente por uma tabela cujo nível inicial seria de sete mil cruzeiros (...) Mesmo isso lhes foi negado. A luta por um lugar condigno na escala social constituiu o ponto principal da memorável campanha de 1954. Agora, de novo, a professora primária inicia uma luta para que lhe seja dado aquele lugar. (...) O que não é justo é colocar a professora primária num plano de inferioridade de remuneração quando a sua missão na sociedade não a pode colocar em inferioridade profissional.(...) Os diplomas, os difíceis diplomas e títulos caríssimos perderam o seu valor como condição fundamental ao aproveitamento do professor, pois até a diferença entre a remuneração da contratada leiga e contratada diplomada vai caminhando para o desaparecimento, desaparecendo também o estímulo para que as moças ingressem na Escola Normal.” (O DIÁRIO, sexta-feira, 6 de novembro de 1959. Condenação unânime ao tratamento dado às professoras primárias. Trechos de entrevista com a Profª . D. Ana Coroaci Torquato).

117 “De fato, seus movimentos reivindicatórios salariais apresentam traços típicos de

comportamento de classe média assalariada ao buscarem, num aspecto de relações interclasses, a distância sócio-econômica com os assalariados manuais”. (Luiz Pereira, 1969, p. 154-155).

118 O movimento de 1954 está descrito no primeiro capítulo e foi o primeiro movimento de âmbito estadual e que congregou em várias assembléias uma multidão de professoras, incluindo as do interior. A maior concentração foi feita no cine Brasil, o único espaço que comportava o número de participantes na época.

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A fala da ex-presidente da Associação não foi diferente da do jornal,

apresentando os mesmos argumentos resultados na primeira reportagem.

O movimento se impôs com o apoio do jornal e da liderança ameaçando

com a rebelião. No dia 7 de novembro, na manchete “Cresce a revolta do

professorado primário”, a palavra chave foi “revolta”. A utilização dessa palavra

no título da reportagem cumpre o objetivo de demonstrar o crescimento da

campanha, afirmando-se o sentimento de insatisfação e indignação que tomava

conta do professorado. Esta é mais uma das manifestações aparentes do

incitamento do jornal com o intento de provocar a reação e manifestação da

liderança e das professoras, aumentando sua repercussão:

“A reportagem de O DIÁRIO sobre o assunto, mostrando que a tabela votada pela Assembléia e os critérios que subvertiam a hierarquia natural dos profissionais assalariados do Estado, repercutiu intensamente. Em Belo Horizonte, as escolas, praticamente, estão com suas atividades paralisadas, já que o descontentamento é geral e as mestras outra coisa não fazem senão lamentar o erro cometido contra a classe. Alegam, principalmente, que, no momento em que os esforços do Governo se concentram na reabilitação dos prédios escolares, na melhoria do ensino e no aperfeiçoamento do professorado, na tabela de aumento de vencimentos situa-se o professor em posição que não condiz com sua dignidade e nem de longe atenderá às suas mínimas necessidades.” (O DIÁRIO, sábado, 7 de novembro de 1959)

Mais uma vez o jornal assumiu a responsabilidade pela iniciativa que

teria dado origem ao movimento. Segundo o texto do jornal, a repercussão da sua

denúncia havia gerado nas escolas o clima de insatisfação e descontentamento,

dando vazão à indignação reprimida das professoras. A estratégia do jornal estava

explicitada. Ele havia fornecido os elementos indispensáveis para provocar a

insatisfação, impulsionando a mobilização das professoras. O redator, em seu

entusiasmo, parece ter intuído que o momento era ideal para disseminar a revolta

e a reação veio em termos de discussões, lamentos e na conseqüente

responsabilização do governo pelas injustiças cometidas contra as professoras.

Em suma, o jornal lançara o desafio inicial, impelira o pronunciamento da

liderança, provocara a revolta. Era preciso ir mais além e sensibilizar a opinião

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pública.

O título da reportagem seguinte no jornal de domingo, 8 de novembro foi,

“Professoras recebem solidariedade geral”119, sugerindo uma nova etapa a ser

conquistada, o apoio da população. Coincidentemente ou não, o título da

reportagem foi usado num dia de domingo, explorando a cultura da época, o

espaço e o tempo vividos pela população no final da década de 1950 que neste

dia, freqüentava maciçamente as missas dominicais e tinha mais tempo para o

lazer e a leitura120. Na missa, dado o envolvimento da igreja, através do jornal,

provavelmente o pároco chamara atenção para o movimento. No jornal não

apenas a reportagem o fizera como também o editorial “A causa do magistério”121

levava à reflexão e defendia a justiça da luta.

Neste momento, as professoras já haviam realizado a primeira reunião na

sua sede, onde deliberaram pela Reunião Permanente122. Da mesma forma agiam

firmemente organizando comissões e mobilizando para obter apoios. No domingo,

o jornal anunciava as atividades programadas, como o comparecimento no dia

seguinte de algumas representantes à Confederação Nacional dos Trabalhadores

nas Indústrias – CNTI. Outra comissão deveria se dirigir ao Palácio solicitando ao

governo a sanção da lei de aumento do funcionalismo e o seu envio imediato à

119 O DIÁRIO, domingo, 8 de novembro de 1959. 120 A descrição da vida de Belo Horizonte na década de 50 pode ser encontrada em cronistas

como Carlos Drumond de Andrade, Fernando Sabino, Ciro do Anjos, entre outros, referindo aos footings na Avenida, a ida às Confeitarias, o bar do Ponto, os matinês do cinema Metrópole etc. “Nenhum desejo neste domingo. Tomo o café que a velha traz silenciosamente. Leio o Minas que deixou sobre a mesa. Lá fora a cidade, a manhã deve estar alegre e o parque cheio de gente. Veio-me a idéia de sair um pouco para espairecer. Depois, à tarde, talvez o futebol. Os jornais anunciam um encontro sensacional. Mas talvez seja melhor armar a rede no quintal e folhear revistas velhas. Finalmente resolvo, entre bocejos, dar um giro. Tomo o bonde, desço na avenida. Homens e mulheres sobem a escadaria da igreja de São José. Por que não fazer o mesmo? Devo, ou não, tirar o chapéu, em frente à igreja? O melhor é dar uma volta e não criar este problema. Uma banda militar desce marcialmente a Rua da Bahia, rumo a estação Central. (...)” Augusto dos Anjos (1979, p. 104-105). No interior, relatos das pessoas, mostram a ida à missa dominical, as festas religiosas nos dias dos santos padroeiros.

121 O DIÁRIO, domingo, 8 de novembro de 1959. Seção Nossa Opinião. 122 O DIÁRIO anuncia a ida ao Palácio e a reunião no dia 6 na sede da APPMG e no dia

seguinte, dia 7, noticia a deliberação de Reunião Permanente.

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Assembléia Legislativa123. A comissão para a ida ao Palácio havia sido eleita em

Assembléia, levando a tabela de reivindicação salarial, a saber, o salário base de

dez mil cruzeiros, para o padrão inicial, M-A. Paralelamente começavam a chegar

à redação do jornal e à sede da Associação manifestações de apoio dos

trabalhadores, pais e estudantes:

“Tão logo a Associação dos Professores Primários de Minas deu início ao movimento, de vários setores da sociedade começaram a chegar mensagens de apoio e de solidariedade. Destacavam-se, sobretudo, as que O DIÁRIO já divulgou domingo em programa de Televisão, o Diretório Central dos Estudantes da Universidade Católica, o DCE da UMG e o Centro Acadêmico Afonso Pena, da Faculdade de Direito, manifestaram publicamente sua adesão e apoio. Os universitários, entendendo que o problema da remuneração condigna dos mestres escolares não está apenas afeto aos professores primários, mas muito mais aos próprios pais, aos alunos (adultos) e às entidades de classe, articulam a realização de um comício monstro no centro da cidade. Na oportunidade, várias associações representativas das classes conservadoras, de trabalhadores, estudantes, donas de casa e da cultura manifestarão publicamente seu apoio irrestrito às mestras, dirigindo eloqüente apelo ao Governador Bias Fortes e à Assembléia Legislativa Estadual para que atendam às justas reivindicações das professoras que, em última análise, são da própria sociedade”. (O DIÁRIO, terça-feira, 10 de novembro de 1959)

A mobilização parecia ter decolado e esta foi a primeira de uma série de

manifestações de solidariedade dos estudantes universitários que aderiram à

campanha e, como é característico dos jovens, foram de imediato prometendo a

realização de “um comício monstro”. Este compromisso pode ser compreendido

mais como retórica do que como possibilidade concreta de manifestação pública.

O jornalista sabia que talvez não se chegaria ao evento, mas tinha interesse em

transmitir a mensagem de um movimento grande e articulado. Daí o uso constante

e, em várias ocasiões, da expressão comício ou manifestação “monstro,” como

artifício de linguagem. Em alguns momentos o uso da expressão corresponde às

123 Esta era a manobra empregada, de um lado, pedir a sanção do projeto para o

funcionalismo, para que este não fosse prejudicado e não se voltasse contra o movimento do magistério, mas ao mesmo tempo exigir o envio de uma nova tabela para as professoras.

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manifestações efetivas das professoras, lotando as Assembléias em locais amplos

e com capacidade para abrigar um número considerável de pessoas como os

auditórios da Secretaria de Saúde e o do Instituto de Educação. A verdade é que

se algumas das manifestações populares não chegaram realmente a se

concretizar tal como alardeava o jornal, outras são realmente surpreendentes

como as de operários e pais:

“A partir de anteontem, às 22 horas, o movimento do professorado cresceu, em decorrência do apoio integral que lhe foi dado pela Confederação dos Trabalhadores nas Indústrias (CNTI), Todos os sindicatos filiados ao órgão trabalhista manifestaram seu apoio às mestras. A convite dos trabalhadores uma comissão de educadoras, tendo à frente o deputado Hernani Maia, compareceu à reunião semanal do órgão. As mestras receberam as homenagens de todos os sindicatos, tendo uma delas feito um relato fiel do que vem acontecendo com o magistério (...) Já informados da realidade os sindicatos de trabalhadores, não apenas expressaram seu integral apoio às mestras como também decidiram liderar o movimento dos pais de alunos em favor da reivindicação das mestras. Uma comissão de líderes sindicais foi destacada para visitar a Assembléia Permanente das educadoras, devendo os sindicatos participar do movimento das professoras.Também o sindicalista João Luzia usou a palavra para garantir em nome de todos os seus companheiros que se ‘necessário, iremos ao Palácio, aos parlamentos, à rua, para protestar juntamente com a mestra’.” (O DIÁRIO, quarta-feira, 11 de novembro de 1959)

“Ontem, em ofício remetido ao Governador do Estado, ao Secretário de Educação e ao presidente da Assembléia Legislativa, todos os sindicatos de trabalhadores pediram justiça para o professorado e comunicaram ‘que, se necessário, estão dispostos a ir à greve para defender mais escolas e melhores salários para as mestras de seus filhos’.” (O DIÁRIO, quinta feira , 12 de novembro de 195)

O apoio dos sindicatos integrados à CNTI revelou a importância que os

operários davam ao ensino. Agindo também como pais e cidadãos eles

demonstravam a necessidade de compactuar com as professoras, relacionando o

aumento do salário com a qualidade de ensino para os filhos.

Segunda-feira o jornal não circulava. Na terça-feira, dia 10, a reportagem

estampa o título: “Professoras dão 48 horas ao governo: aumento ou greve”. A

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campanha chegara ao ápice em menos de uma semana. A decisão de se

estabelecer um prazo para a resposta do governador fora tomada em assembléia

pelas professoras e, em parte, pode ser atribuída às reações ao relato das

gestões junto ao governo para enviar imediatamente o projeto de aumento.

Algumas horas antes da Assembléia, em audiência com o governador e seus

auxiliares, não houve nenhum compromisso explícito do governo com o aumento.

A comissão de professoras saiu indignada do Palácio. Um incidente, que em

circunstâncias diferentes poderia ser irrelevante, acabou ferindo a sensibilidade do

grupo, agravando o clima de insatisfação reinante. O episódio foi relatado no jornal

do dia seguinte.

“Ao momento em que o governador terminou a audiência com o professorado e decidiu atender aos fotógrafos as professoras solicitaram das colegas que não sorrissem como desejava o Governador, pois estavam tristes por não poder levar à Assembléia da classe a palavra de estímulo e esperança do Governo. O Sr. Bias Fortes insistiu e contou uma anedota sobre Getúlio Vargas. Vamos reproduzi-la rapidamente. Em uma festa o Presidente Vargas solicitou a seus auxiliares que fizessem pose de ‘gente inteligente’. Ao final afirmou (segundo o Sr. Bias Fortes) ‘Podem voltar a sorrir’. Nesta hora as professoras sorriram para depois se mostrarem tristes com o insulto da anedota.” (O DIÁRIO, terça-feira, dia 10 de novembro de 1959)

No dia 11, o título da reportagem explorou o crescimento do movimento:

“Mobiliza-se o professorado do interior para a campanha do aumento dos

vencimentos.” A campanha estava saindo do âmbito da capital e aos poucos

atingia as cidades mais próximas. Neste dia o repórter noticia a vinda de uma

delegação de 40 mestras de Nova Lima, para Assembléia no Auditório do

Instituto de Educação e convoca, a pedido da associação, as professoras para

uma manifestação na praça Afonso Arinos que deveria preceder a assembléia

programada.

O resultado da assembléia foi o título da reportagem do dia seguinte, 12

de novembro: “Professoras dão ultimato ao Governador do Estado”. A foto do

jornal e a legenda reafirmavam o crescimento do movimento.

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Foto 3 – Assembléia no Instituto de Educação no dia 12/11/1959

O novo auditório do Instituto de Educação de Minas Gerais foi pequeno, ontem, para comportar três mil professoras primárias que ali compareceram para cuidar do aumento do vencimento da classe. Decidiram conceder um prazo até o próximo dia 15, para que o governador Bias Fortes remeta novo projeto de aumento (dez mil cruzeiros) à assembléia Legislativa Estadual. Hoje, haverá concentração na Câmara dos Deputados e visita coletiva ao Palácio da Liberdade, para comunicação oficial da decisão. A partir do dia 16, haverá paralisação das atividades escolares.

Fonte: O DIÁRIO, quinta-feira, 12 de novembro de 1959.

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O auditório do Instituto de Educação apresenta-se lotado. A montagem,

feita em clichê, típica do jornal da época, parece sugerir os apoios conquistados: a

um lado, o político trabalhista Ernane Maia, e do outro, um aluno, representando o

apoio da comunidade escolar e o público em geral. Na Assembléia do Instituto de

Educação a liderança e as professoras, auxiliadas pelas informações do jornal e

de sindicatos presentes, já tinham condições de avaliar a possibilidade de dar um

prazo ao governo para envio do projeto e ameaçar com a greve. Nos dias

seguintes os títulos do jornal sugerem a crescente ampliação do movimento,

retratando as professoras em ação determinadas a obter o apoio da comunidade.

De fato, o jornal parece ter conseguido a unanimidade da opinião pública que se

colocava, no momento, a favor da mobilização. Chegava a hora das professoras

mostrarem disposição de chegar até às últimas conseqüências, ameaçando com a

paralisação das aulas, a suspensão dos testes do final do ano, alertando para o

conseqüente prejuízo às crianças. Chegara a hora oportuna de sensibilizar os

pais.

“Para isto o professorado está apelando para que os pais compreendam a situação e auxiliem na campanha que visa ao reparo das injustiças...” (O DIÁRIO, quinta-feira, 12 de novembro de 1959)

Usando vários recursos para ressaltar as proporções adquiridas pelo

movimento, a reportagem foi apresentando a cada dia uma lista de cidades que

compareceram à assembléia e a adesão de outras através de telegramas para a

Associação das professoras.

“À Assembléia Geral de ontem no Instituto de Educação compareceram professoras vindas de Conceição do Rio Verde, Sabará, Itabira, Carmópolis, Nova Lima, Oliveira, Sete Lagoas, Campo Belo, Pompeu, Montes Claros, Juiz de Fora, Itaguara. A assembléia recebeu telegrama de educadoras, comunicando inteira solidariedade, vindos de Patrocínio, Muriaé, Esmeralda, Diamantina, Uberlândia, Juiz de Fora, Conselheiro Lafaiete, Três Pontas, Santa Rita do Sapucaí, Pouso Alegre, Lagoa Santa, Dom Silvério, Rio Claro, São Gonçalo, Joanésia, Mesquita, Montes Claros, São Lourenço, Lambari e numerosas outras cidades.” (O DIÁRIO, quinta-feira, 12 de novembro de 1959)

O número de cidades que compareceram e enviaram mensagens era

pequeno naquela primeira Assembléia, mas bastante significativo para uma

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campanha de apenas uma semana. E este aumento paulatino das repercussões

parece cumprir o propósito de dar credibilidade às notícias do jornal. O jornal

noticiava e reafirmava o número de adesões, mas parecia cauteloso, levando-se

em consideração as condições de comunicação na época. As estradas existentes

eram quase intransitáveis naquela estação do ano em que iniciavam as chuvas.

Outros meios de transportes eram os trens e aviões. Um exemplo da importância

do transporte aéreo naquela época pode ser visto no próprio jornal, mencionando

muitas vezes os préstimos dos aeroviários para levarem correspondências

noticiando o movimento e pedindo o apoio das cidades do interior. As cidades de

porte médio de Minas eram servidas pela Companhia Real – Aerovias do Brasil,

com aviões DC-3 da Segunda Guerra124, que podiam ser vistos nas propagandas

do jornal. A companhia era tão importante para o transporte de passageiros que a

desativação de algumas linhas provocou a reação da população com notícia no

jornal125. Os meios mais rápidos de comunicação da época o telefone e o

telégrafo, pareciam terem sofrido censura, conforme denúncias feitas pelo jornal

durante o período da greve:

“Vem causando estranheza junto ao professorado e às autoridades que apóiam a greve do magistério a censura que se estabeleceu nas comunicações telefônicas da Associação dos Professores Primários. Com muita dificuldade se consegue conversar com outras pessoas sem que a ligação seja interrompida pelas próprias telefonistas da Companhia Telefônica. Ontem os advogados das mestras tomaram conhecimento do fato e se dirigiram a Telefônica. (...) Os telegramas da Associação dos professores Primários depois de recebidos pelos Correios e Telégrafos são devolvidos com a comunicação de que estão censurados e que não podem ser transmitidos. Informam ainda os correios que do Rio vieram instruções especiais para que os comunicados das mestras sejam censurados” (O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959).

124 Esta informação é em parte lembrança da minha infância em Governador Valadares, onde

residia ao lado do aeroporto local e via os aviões pousando e alçando vôo. O DC-3 era um avião de hélice, como todos da época, como o que vi, tempos depois, no filme Casablanca.

125 “Também no pequeno expediente, o Sr. Pedreira Cavalcante, do PR, leu ofício a ele encaminhado por estudantes integrantes da Organização Norte Mineira de Estudantes (ONME) que lhe apresentam inteiro apoio ao discurso pronunciado anteontem, contra a retirada das linhas Aéreas do Norte e Nordeste de Minas. Dizem ainda em seu manifesto os estudantes que estão encetando campanha para que a Real-Aerovias Brasil reconsidere sua atitude”. (O DIÁRIO, quinta-feira, 5 de novembro de 1959).

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O jornal noticia no dia 13 de novembro, “Centenas de professoras

superlotam ontem as galerias da Assembléia: firmes nos dez mil.” A agenda das

comissões de greve era intensa, com programação de diversas atividades.

Naquele dia parecia ser necessário lotar as galerias da Assembléia Legislativa

para sensibilizar os deputados. Uma comissão de professoras, acompanhadas de

lideranças sindicais e estudantis, dirigiu-se ao Palácio para comunicar o prazo de

três dias para resposta do governo, retirado em assembléia no auditório do

Instituto de Educação. O jornal destacou a adesão dos motoristas de ônibus

intermunicipais que se dispuseram a levar as correspondências para o interior.

Uma segunda reportagem, no mesmo dia, ocupava quase uma página

com o título: “Sindicatos reivindicam do Governo melhores salários para as

professoras”. Na mesma edição do dia 13 foi publicado o artigo: “A campanha do

professorado do Estado”, assinado por Frei Martinho Penido Burnier, apoiando a

reivindicação. No plenário da Assembléia os deputados de oposição ocuparam a

tribuna, discursando a favor das mestras, provocando o comentário do repórter: “A

oposição viveu uma das suas melhores tardes sendo constantemente aplaudida

pelas galerias, apesar da campainha da Mesa.” Algumas falas dos deputados no

plenário da Assembléia Legislativa, captadas pelo jornal dão a dimensão do clima

favorável à oposição. Segue alguns fragmentos pinçados da discussão.

“(...) Hernani Maia (PTB): ‘não admitiremos nenhuma violência do governo contra às professoras. As classes trabalhistas estão ao lado delas’. (...) Euro Arantes (UDN): ‘Se as professoras tivessem lotado as galerias como fizeram os policiais, sua emenda (de autoria do Sr. Euro Arantes) seria aprovada’. (...) Patrus de Souza (PTB): ‘O povo está do lado delas. Os gastos com o aumento das professoras refletirão é no bolso do povo e o povo está com elas’. (...) Osvaldo Pierucetti (UDN): ‘O governo é responsável pela desordem nas finanças do País, e não é a custa das professoras que ele deve resolver o problema’. (...) Jorge Carone (PR): ‘Enquanto todos driblam na área eu chuto o gol. Cá está a indicação, pedindo o governador a mensagem das professoras’.” (O DIÁRIO, sexta-feira, 13 de novembro de 1959)

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Os discursos feitos no plenário da Assembléia, reproduzidos pelo jornal,

desvelaram o jogo político do Legislativo. Os deputados deixaram escapar os

motivos que levaram ao favorecimento dos policiais. Eles haviam pressionado o

Legislativo. A fala do deputado Euro Arantes mostrou às professoras o quanto era

indispensável manterem-se unidas e em vigilância permanente, marcando

presença na Assembléia Legislativa até a aprovação final do projeto. No plenário,

à tarde, como captou o repórter, o clima tinha sido favorável à oposição. Esta fez

recair a culpa do aumento das professoras sobre o poder executivo e sobre os

deputados da maioria governista. Os partidos de oposição como a UDN e o PTB,

principalmente o trabalhista, revelavam-se ardorosos defensores das demandas

das professoras. O mais importante era o reconhecimento da injustiça e as

manifestações públicas favoráveis às professoras. A crise causava danos ao

governo e aos que o apoiavam. O jornal no dia 13 começou a transmitir as

repercussões da mobilização no interior do Estado:

“Das cidades do interior, mais de duzentos telegramas de educadoras, diretoras de escolas, regentes de classes, inspetoras regionais, orientadoras técnicas e professoras de escolas oficiais se manifestaram favoravelmente ao movimento. Algumas escolas anunciam que chegarão a Belo Horizonte delegações para participar da Assembléia monstro do dia 16 (segunda-feira), na Secretaria de Saúde e Assistência, quando serão tomados novos rumos. Possivelmente se concretizará a idéia de paralisação das atividades escolares em todo o Estado, de modo a que não sejam aplicados os testes de fim de ano. Para fazer frente a vinda das colegas, as professoras oferecem suas residências para o alojamento das educadoras do interior.” (O DIÁRIO, sexta-feira, 13 de novembro de 1959)

No dia 14 de novembro, dez dias após o alerta do jornal, a reportagem

tem o seguinte título: “Aulas na rua em sinal de protesto: professoras primárias

fazem planos”. O efeito de sentido produzido pelo título demonstra a sensibilidade

e a capacidade criativa do redator da matéria. O elemento extraordinário gerador

de entusiasmo da matéria jornalística parecia estar no insólito fato de ser uma

greve de mulheres. Mulheres professoras. A aula na rua traz o significado da

liberdade, da saída de um espaço controlado com horários rígidos, regras

disciplinares, fuga da rotina e a transposição do muro da escola, conquistando o

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espaço público e livre da rua126. Há a menção de fazer planos, no plural, o que

dá uma dimensão do coletivo. A rua tem o sentido da conquista da autonomia e da

direção do movimento. Ou seja, as professoras organizam a ação para atingirem

os objetivos. Fazer planos pode ter vários significados, mas naquele momento

não era um plano de aula comum. O momento era de organização coletiva e de

conquista do espaço público para a discussão, troca de idéias, lamento e revolta,

mas também de manifestação de desejos e expectativas. O plano remete a várias

idéias: a de um futuro sonhado, uma vida melhor e mais digna, mas também

demonstra atitude de coragem e de desafio. O plano era, enfim, o sonho

transfigurado em ação, a busca da transformação da realidade.

Na mesma reportagem, no dia 14, ressaltavam-se as diferenças de

salários pagos em vários estados da federação e criticava-se a incoerência da

política educacional do Estado de Minas. Na avaliação do jornalista, esta política

era avançada em termos pedagógicos, mas não valorizava a professora. Daí o

uso do subtítulo “aperfeiçoamento” e o conteúdo transmitido:

“APERFEIÇOAMENTO

As melhorias concedidas nos demais Estados da República decorreram do movimento iniciado em Minas, em favor do aperfeiçoamento do magistério e da reforma do Ensino Primário. Professores de todos os Estados da Federação, em rodízio há três anos, freqüentam cursos da Secretaria de Educação do Governo de Minas, visando o próprio aperfeiçoamento. Nosso Estado está liderando esta revolução da cultura e da educação fundamental. Naqueles estados, os governos foram sensíveis à situação e reconheceram, sem necessidade de manifestação pública, que realmente ao mestre se devia dar o salário justo. Aqui infelizmente, o partidarismo político e os interesse imediatos não permitiram que o Palácio da Liberdade e o Palácio da Inconfidência (Assembléia) atentassem para a realidade, o que acarretou a tremenda injustiça.” (O DIÁRIO, sábado, 14 de novembro de 1954)

126 “De fato, a categoria rua indica basicamente o mundo, com seus imprevistos, acidentes e

paixões, ao passo que a casa remete ao universo controlado, no mundo as coisas estão em seus devidos lugares. Por outro lado, a rua implica movimento, novidade, ação, ao passo que a casa subentende harmonia e calma (...}”. (Da Matta, 1979, p. 73).

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Com este subtítulo o autor está se referindo ao Programa Brasileiro-

Americano de Assistência ao Ensino Elementar (PABAEE)127, convênio assinado

entre o Governo Federal e o Governo dos Estados Unidos com objetivo de

assegurar melhor preparação pedagógica ao professor primário e do curso normal

no estado de Minas Gerais. Este programa foi implantado em Belo Horizonte nas

dependências do Instituto de Educação e deverá ser um centro piloto de

educação elementar.

Véspera da greve, domingo, dia 15 de novembro: “Pais manifestam-se ao

lado das professoras primárias”. O título da reportagem refere-se à Assembléia de

Pais realizada no dia anterior no cine Floresta. A manifestação dos pais veio

reforçar o apoio popular à campanha. O jornal não se restringiu a cobrir

verbalmente o evento, mas ilustra com uma fotomontagem128, como forma de

comprovar o acontecimento.

127 O PABAEE foi criticado na época pelas esquerdas e alguns setores educacionais pelo

programa tecnicista, mas também pela APPMG, quando da exibição de um filme de propaganda do programa com o nome: “Agora a escola é outra”. Com este programa parece que Minas Gerais queria reviver o clima inovador dos tempos de Francisco Campos, retomando o lugar de vanguarda da educação.

128 A imagem foi montada em clichê de fotografia tirada da mesa e da platéia.

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Foto 4 – Assembléia de pais no Cine Floresta no dia 15/11/1959

Dois mil pais se reuniram ontem no Cine Floresta, por convocação da associação dos Amigos da Paróquia de N..S. das Dores para prestar solidariedade às reivindicações das professoras primárias. As famílias decidiram fazer sua a reivindicação do salário mínimo de dez mil cruzeiros, pleiteados pelo magistério primário mineiro. Esteve à frente do movimento o próprio vigário, Pe Lage. Na foto, apresentamos aspectos da assembléia de pais, aparecendo a mesa diretora da reunião de ontem.

Fonte: O DIÁRIO, domingo, 15 de novembro de 1959.

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Esta foi a primeira Assembléia de pais e a segunda aconteceria no dia 18

de novembro, período da greve, no Sindicato dos Bancários, com a seguinte

convocação:

“O movimento de pais em Apoio às Professoras Primárias convoca todos os pais para uma assembléia monstro, hoje, às 20 horas, na sede do Sindicato dos Bancários, à Rua dos Tamoios, 611. Assina pela comissão organizadora o advogado Zair Carvalho Rocha, secretário da Universidade Católica.” (O DIÁRIO, terça-feira, 17 de novembro de 1959)

As duas manifestações de pais foram coordenadas pela igreja ou por

seus representantes. A primeira no cine Floresta foi organizada pelo Padre Lage,

da Paróquia Nossa Senhora das Dores e a do Sindicato dos Bancários, pelo

advogado Zair Carvalho Rocha, representante da Paróquia de São Pedro

Apóstolo. Nesta segunda reunião foi pedido aos pais que enviassem telegramas

ao Governador, solicitando melhor pagamento para as mestras. Os pais também

se manifestavam dispostos a elevar uma certa taxa de educação, provavelmente

existente na época, caso isto resultasse em aumento para as mestras.

Terça-feira, dia 17 de novembro129: “Greve Geral do Magistério Primário”.

No dia anterior, na segunda feira, dia 16, expirara o prazo dado ao governo e

realizara-se a assembléia na Secretária de Saúde e Assistência, descrita pelo

jornal como “dramática reunião”. A assembléia encerrou às 0:45 horas. É possível

supor que na redação do jornal trabalhara-se até a madrugada para fechar a

edição do jornal que trazia o resultado da assembléia, anunciando a greve. Na

narrativa, o repórter deixou transparecer o entusiasmo pelo acontecimento:

129 A foto da Assembléia na Secretaria de Saúde foi montada em clichê, na horizontal,

ocupando a parte superior da primeira página do jornal o que dificultou a sua reprodução.

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“A partir desta manhã, todas as professoras primárias de Minas iniciarão greve de advertência, por três dias, e com possibilidade de prolongar mais até que o governo atenda à reivindicação das mestras de salário mínimo de dez mil cruzeiros. A Assembléia Geral da Associação dos Professores Primários de Minas Gerais contou com a presença de cerca de cinco mil educadoras, sendo mais de mil vindas do interior, representando cerca de setenta municípios. Trezentas outras cidades, pelos seus grupos escolares telegrafaram aderindo ao movimento. Várias cidades depois de realizarem reuniões permanentes de seu professorado decidiram enviar a Belo Horizonte todas as diretoras de grupos escolares, que aqui chegaram de ônibus, trens e aviões. Ainda compareceram deputados de todos os partidos com representação na Assembléia estadual, sindicatos, os vigários representados pelo Padre Lage, entidades culturais, a UEE, União Nacional (sic) de Estudantes130, Centro Acadêmico Afonso Pena, professores da Universidade Católica, advogados representantes das entidades dos funcionários públicos, radialistas e jornalistas”. (O DIÁRIO, terça-feira, 17 de novembro de 1959)

O jornal noticiava a greve como a culminância de uma organização que

durara apenas 10 dias. Foram, no entanto, dias de intenso trabalho do jornal, da

organização da mobilização liderada pela APPMG e da ação efetiva das

professoras, participando de comissões, piquetes, lotando auditórios das

assembléias, buscando apoios diversos. Durante a greve o jornal intensificou o

trabalho de captação de suportes ao movimento.

No dia 18, segundo dia da greve, sob o título: “22 mil professoras em

greve no Estado”131. O texto continua a transmitir a idéia de um acontecimento

extraordinário:

130 Deve ser UEE – União Estadual dos Estudantes. 131 Número de docentes – Rede estadual de Minas Gerais em 1959: Professores Primários

17.557. Ginasial 14.582. Colegial 6.385. TOTAL 38.524 Fonte: SEE-MG/SMI/CPRO – DADOS: ANUÁRIO DO IBGE, 1961.

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“Estão fechados todos os grupos escolares da capital em decorrência da greve geral deflagrada pelo professorado primário com objetivo de conseguir o salário mínimo de dez mil cruzeiros. Ontem pela manhã as crianças foram informadas de que as aulas estavam suspensas até segunda ordem. As professoras só voltarão ao trabalho depois de atendida a sua reivindicação. A Associação dos Professores Primários está divulgando avisos solicitando aos pais que não enviem seus filhos às escolas e que apóiem a campanha.

NO INTERIOR

No interior, só depois das comunicações telefônicas e telegráficas e posteriormente as notícias de jornais as escolas se fecharam. À Associação de professores chegaram mais de trezentos telegramas dando conta da solidariedade do professorado do interior. Algumas cidades como Diamantina, Itaguara, Sete Lagoas, Nova Lima, Caeté, Carmópolis, Sabará, Montes Claros Teófilo Otoni, São João Del Rei ,Juiz de Fora, Lambari, São Lourenço, Miracema, Curvelo, Corinto, Governador Valadares, Uberaba, Uberlândia, Araguari, Ituiutaba, e Viçosa enviaram a Belo Horizonte suas representantes.

ELEVADO NÚMERO

22 mil professoras acham-se em greve no estado às vésperas dos Exames finais. Os testes deveriam ter início no dia 23. Com a greve ficaram transferidos ’sine die’. (O DIÁRIO, quarta-feira, 18 de novembro de 1959)

No mesmo dia o jornal fez um balanço da greve, listando as cidades que

aderiram à paralisação ou enviaram delegações à capital. O entusiasmo do jornal

levou-o a exagerar o número dessas cidades. O importante era fazer crer que o

movimento atingira proporções grandiosas. Neste mesmo dia o governo reagiu e

fez um longo discurso publicado pelo jornal. O discurso do governador foi, ao

mesmo tempo, de louvor e ameaças às professoras. Após um arrazoado de

palavras com sentido laudatório, balanço das realizações do seu governo a favor

do magistério e a referência freqüente a “nobre classe”, ele ameaçava com a

intransigência:

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“Em face de todos estes fatos concretos e iniludíveis não se poderá alegar qualquer intuito de menosprezar a nobre classe (...) Criado, porém, o problema, em conseqüência das alterações parciais do projeto original – afirmou o governador Bias Forte –, não se furtaria o meu governo de estudá-lo com a simpatia que sempre dedicou às reivindicações das abnegadas mestras. Tal estudo, entretanto, carecerá ser feito com cautela e objetividade, levando em conta a complexidade da matéria e, sobretudo, seus reflexos de ordem financeira. Com a deflagração da greve, o aspecto da questão sofreu modificações, uma vez que o Poder Público não deve nunca agir sob coação.” (O DIÁRIO, quarta-feira 18 de novembro de 1959)

O discurso não fugiu aos padrões normais de cooptação do poder,

usando o recurso simbólico de homenagem e de reconhecimento à mestra. A

extensão do mesmo, o recurso de sensibilização das professoras demonstra por

seu turno, o reconhecimento do poder de pressão do movimento. Nele, o governo

reconheceu ter recebido ofício das professoras no dia 12 de novembro. Na

verdade, o governo omitiu as diversas idas das comissões ao Palácio desde o

inicio da campanha. No dia 9 ocorrera o incidente da anedota para a pose

fotográfica, causando desconforto pela vaga promessa de estudar o assunto,

protelando a solução. Isto levou à indignação as professoras, provocando, como já

foi visto, a ameaça do prazo de 48 horas. Posteriormente, em assembléia no dia

11, no Instituto de Educação, deliberou-se pela prorrogação do prazo e foi dado o

ultimato para o dia 15. O jornal no dia 17 relata que durante a Assembléia do dia

16, o governador foi procurado por uma comissão de deputados “para ainda uma

vez tentar pronunciamento favorável do Governador sem resultado.” Foi

importante no discurso o reconhecimento oficial da greve. Nele o governo admitira

a existência de um movimento forte e de pressão e por isso a atitude imediata do

governador é autoritária, declarando: “O Poder Público não deve nunca agir sob

coação.”

No terceiro dia de greve o título da reportagem “Alastra-se a greve do

professorado” visava mostrar a repercussão do movimento no interior:

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“Continua a desenvolver-se a greve geral do professorado de Minas. Ontem a Associação de Professores Primários recebeu comunicação de trezentos e setenta municípios mineiros onde a greve é geral e se encontram fechadas as escolas primárias. Cerca de mil e quinhentos telegramas chegaram ontem à associação da classe, dando inteiro apoio ao movimento reivindicatório. Em sua maioria são mensagens de vigários, professoras, entidades de classe, sindicatos de trabalhadores, de estudantes , de prefeitos do interior que começam agora a manifestar solidariedade ao movimento”. (O DIÁRIO, quinta-feira, 19 de novembro de 1959)

O número de trezentos municípios em greve parece ter sido usado para

demonstrar a generalização do movimento132. Na verdade, no mesmo dia, o jornal

publicou a lista de adesão em massa de professores de 72 cidades133, o que já

era um número bastante significativo para um movimento que, mesmo contando

com dificuldades de comunicação se alastrara em curto espaço de tempo. Mas a

demonstração da eficiência da greve foi dada pelo próprio governo reagindo de

imediato, publicando nota na imprensa no dia 19: “O governador não transigirá”.

Na ação imprevista e impaciente havia a tentativa de coagir as professoras a

terminar a greve. O governo, vendo-se confrontado, apressa-se em assinar o

decreto, colocando fim ao ano letivo.

132 Minas Gerais contava com 484 municípios segundo Censo demográfico do IBGE feito em

1960. 133 Cidades que segundo o jornal do dia 19/11/59 teriam aderido em massa à greve: Bias

Fortes, Lassance, Bom Sucesso, Diamantina, Barbacena, São João Del Rei, Cambuquira, Pequeri, Barão de Cocais, Tupaciguara, Serranos, Urucânia, Muzambinho, Itapecerica, Governador Valadares, Araguari, João Pinheiro, Vespasiano, Bom Sucesso, Campos Gerais, Montes Claros, Piranga, Boa Esperança, Poços de Caldas, Acesita, Andrelândia, Luz, Igarapé, Corinto, São Pedro de Ferros, Itaúna, Rio Novo, Ferros, Conceição do Mato Dentro, Uberlândia, Teófilo Otoni, Botelhos, Varginha, Ribeirão das Neves, São Lourenço, Pains, Ouro Fino, Machado, Sacramento, Mar de Espanha, Machado, Bambuí, Francisco de Sá, Campo Florido, Juiz de Fora, Paraguaçu, Santa Luzia, Matozinhos, Curvelo, Betim, Poços de Caldas, São Lourenço, Maravilhas, Pains, Cataguazes, Sacramento, Conquista, Machado, Mesquita, Acesita, Lavras, Itajubá, Ouro Fino, São João Del Rei, Oliveira, Três Corações, Brasília. Referia-se a Brasília de Minas. Nesta lista encontrei alguns nomes de cidade repetidos como Montes Claros, Machado, Poços de Caldas, São Lourenço.

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“BIAS PROMOVE POR DECRETO DECRETO 5.695, DE 19 DE NOVEMBRO DE 1959. Dispõe sobre promoções e exames no curso primário. O Governador do Estado de Minas Gerais, usando da atribuição que lhe confere o artigo 51, item XV, da Constituição do Estado e tendo em vista a situação de emergência criada com o movimento grevista das professoras primárias, considerando que a esse movimento, de graves e nocivos efeitos para o ensino são alheios os alunos, que não poderiam, assim, responder por conseqüências em prejuízo de suas promoções decreta: Art. 1o - Ficam promovidos, de acordo com o disposto do artigo 351 do Código do Ensino Primário,os alunos que no presente ano letivo tiveram freqüência legal e obtiveram média de aproveitamento e procedimento não inferior a cinco. Art. 2o – É considerado aprovado o aluno da última série que satisfaça os requisitos do artigo anterior. Art. 3o - Os alunos que não alcançaram média suficiente para promoção ou aprovação serão submetidos a exames de acordo com o disposto no parágrafo único do artigo 351 do Código do Ensino Primário. Parágrafo único Os exames serão processados na forma dos artigos 356 ou 358 do referido Código, em época que a Secretaria fixará, podendo verificar- se no período de matrícula ou nos primeiros dias letivos do próximo ano escolar. (...) Art. 6o- Este decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Mando, portanto, a todas as autoridades a quem o conhecimento deste Decreto pertencer, que o cumpram e façam cumprir, tão inteiramente como nele se contém. Dado no Palácio da Liberdade em Belo Horizonte, aos 19 de novembro de 1959. José Francisco Bias Fortes. Ciro de Aguiar Maciel”. (O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959)

O título do jornal no dia 20: “O quartel general da Greve funciona no

consultório de Juscelino Kubitschek de Oliveira”, refletiu a reação do magistério e

do jornal de não demonstrar intimidação. Pela primeira vez uma página inteira do

jornal foi usada para a reportagem, entremeada por apenas duas pequenas

propagandas.

A reportagem reforçou o fortalecimento da organização, da articulação e

da eficiência do movimento. As fotos das professoras, trabalhando em diferentes

comissões inspiravam confiança e tranqüilidade. A abertura em letras grandes

chamava atenção: “Avoluma-se o movimento paredista das mestras”134.

134 O DIARIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959.

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O jornal explorou a repressão do governo na censura feita às

comunicações telefônicas e dos correios, noticiou a ordem dada aos inspetores de

verificação das escolas fechadas e divulgou o boato de que os cabos da polícia

militar poderiam ser usados na aplicação dos testes finais. Da mesma forma,

enfatizou a resistência das regentes recém nomeadas em assumirem os cargos,

respeitando a paralisação das escolas e enumerou adesões de sindicatos e pais.

A maioria das adesões já tinha sido mencionada em reportagens anteriores e

foram repetidas como demonstração de resistência e disposição de continuidade

da greve. Para completar são transcritas mensagens integrais, do sindicato dos

jornalistas e dos pais: “Pais esperam que o governo atenda o magistério”135.

Finalmente foi divulgada uma entrevista com o Pe. Lage, destacando em sua fala:

“Com gente assim a vitória é certa”136.

No dia 20 à noite realizou-se a Assembléia na Secretária de Saúde e

Assistência. No jornal do dia 21 vem a chamada na primeira página, acentuada

por um fundo negro: “Professorado: Greve encerrada”. Logo abaixo foi publicado o

comunicado do final da greve. Uma notícia vem com o título: “Imediato envio da

mensagem à Assembléia”. Nela foi divulgado o resultado do encontro de

negociação da comissão neutra137 com o governador. A neutralidade sugerida

pelo nome da comissão parece incoerente ou, no mínimo inocente, pela sua

composição. Ela era formada por elementos das facções que lutavam pelo

controle do movimento operário: católicos, comunistas e trabalhistas. Mais abaixo

foi exposta a foto da chegada de D. Serafim à Assembléia, acentuando o papel

atribuído a D. Serafim de mediador do conflito.

135 O DIARIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959. 136 O DIARIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959. 137 Foi a seguinte a Comissão neutra que avistou com o governador do Estado: Pe. Francisco

Lage Pessoa, Pálmios Paixão Carneiro (representante dos pais de família), Fausto Drumont (Sindicato dos Bancários) Zair Carvalho Rocha, (representante dos pais de família), Cândido da Siqueira, (Delegado da CNTI), José Nilo Tavares (representante do DCE), Armando Ziller (Federação dos Bancários) e Aloísio de Carvalho (aeronautas). O DIÁRIO, sábado, 21 de novembro de 1959. Pode-se identificar a presença dos católicos na figura do Padre Lage e de Zair Carvalho Rocha, o último já foi mencionado como organizador da reunião de pais e dos comunistas como Armando ZiIler e José Nilo Tavares.

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Foto 5 – Chegada de D. Serafim na Assembléia da Secretária de Saúde no final da greve no dia 21/11/1959

D. Serafim Fernandes de Araújo foi o grande mediador entre as professoras e o governador de quem obteve a promessa formal de que serão atendidas as reivindicações do magistério. Ao chegar à sessão de ontem foi recebido de pé pelas milhares de professoras.

Fonte: O DIÁRIO, sábado, 21 de novembro de 1959.

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Na página 2 veio a reportagem intitulada: “Terminou a Greve Geral das

Professoras Primárias”. A matéria trouxe um relato completo do desenrolar da

Assembléia. Os membros da comissão neutra relataram a gestão junto ao

governo e a promessa do governador de que após o termino da greve seria

discutido o quantum do aumento, assim como o projeto que seria enviado

imediatamente à Assembléia Legislativa. A votação, segundo o repórter, foi

unânime, com as professoras assinalando a aprovação com as mãos levantadas,

fazendo o tradicional V de vitória138. Neste gesto há um simbolismo que explicita

a consciência de participação e o sentimento de conquista coletiva. Procedida a

votação, a presidente da associação, conclamou as professoras a permanecerem

unidas e vigilantes até a votação final do projeto e sua sanção.

O término da greve não significou o fim do movimento e o jornal continuou

sua luta ao lado das professoras. A permanência das professoras vigilantes no

cumprimento do acordo e ansiosas pela definição do salário já era por si mesmo

razão para a continuidade das notícias. Qualquer jornal sobrevive de

acontecimentos extraordinários que são ou podem ser explorados como notícias.

Nas repercussões do movimento não faltaram atitudes inusitadas, tornando

interessante sua leitura. Um acontecimento inesperado foi a forma encontrada

para o término do ano letivo, provocando desinformações e surpreendendo

professoras, alunos, pais e toda a comunidade com a aprovação automática e por

decreto. Outra atitude que propiciou muitas discussões foi a manobra dos

deputados tentando vincular ou condicionar o aumento das professoras ao

aumento dos seus subsídios. No período compreendido entre o dia 22 de

novembro até a vitória final no dia 22 de dezembro, os acontecimentos vão se

tornando mais corriqueiros, mas alguns títulos e reportagens são significativos e

permitem perceber as situações descritas. Ao mesmo tempo, revelam como o

jornal conseguiu manter em pauta o acontecimento, acompanhando as atividades

e reações realmente singulares das professoras.

138 Segundo o jornal, este fora o símbolo escolhido pelas professoras desde o início da greve.

O V de vitória, lembrando o famoso gesto de Sir Winston Churchill, primeiro ministro britânico, um dos arquitetos da política do final da Segunda Guerra Mundial.

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“Geral expectativa em torno do aumento a ser concedido.

Galerias novamente superlotadas: professoras foram à Assembléia ver se a mensagem foi enviada: ainda não.

Governo estuda novas bases para o aumento das professoras.

Professoras (sob protesto) aceitam novas bases.

Professoras terão que esperar até que os deputados aumentem os seus subsídios.

Subsídios: 2a discussão terça-feira - professoras, fim do ‘affaire’.

Projeto de aumento das professoras foi a sanção.” 139

Uma análise geral do papel do jornal na greve demonstra a forma

explícita de como ele estimulou, apoiou, incitou e se envolveu, sem esconder o

entusiasmo pelo crescimento e as proporções que o movimento foi adquirindo.

O redator das reportagens não se expressa como sujeito, mas esconde-se

falando pelo jornal: “A reportagem de O DIÁRIO sobre o assunto mostrando...

repercutiu intensamente”140. Apesar de omitir a autoria da sua fala ele se faz

presente através das fotografias e também cobrindo acontecimentos, como na

entrevista feita ao governador ou no final da greve, quando recebeu as visitas e

o agradecimento das professoras141.

Na apuração dos acontecimentos, o repórter usou fontes diversas

colhidas na Assembléia Legislativa, no Palácio da Liberdade, na Secretária de

Educação e na Associação de Professores Primários, cobrindo reuniões,

assembléias e manifestações públicas. Como em todo jornal as fontes eram

citadas apenas quando havia interesse em explicitá-las e o repórter limitava-se

a mencionar, de forma vaga, que teria ouvido boatos, ou fazia generalizações

do tipo ouvimos de um ala da professoras..., ou usava a forma genérica as

professoras demonstraram insatisfação... não concordam..., sem as referências

da informação: “quem”, “onde”, e “quando”. No mais foram explorados o apoio

e a solidariedade de autoridades ou entidades que, presumidamente, poderiam

139 O DIÁRIO nos dias: sábado 22/11, quarta-feira 25/11, terça-feira 1/12 , quarta-feira 2/12,

domingo 13/12, dia 20/12 e terça-feira 22/12 de 1959. 140 O DIÁRIO, sábado, 7 de novembro de 1959. 141 O DIÁRIO, 29 de setembro de 1959.

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contribuir para dar credibilidade e fortalecer o movimento.

A adesão e ou empatia à greve foram surpreendentes e partiram de

vários segmentos sociais. A igreja era apresentada como a principal base de

sua sustentação, seguida pelos operários pertencentes à CNTI, sindicatos

isolados como o dos mineiros de Nova Lima142, estudantes universitários e pais

de alunos. Os trechos selecionados são exemplares, entre muitos outros, da

adesão de operários, motoristas aeroviários, comércio varejista e estudantes:

“A partir do dia 16, as mestras paralisarão todas as atividades escolares - Assembléia monstro no Instituto de Educação – concentração hoje na Praça Afonso Arinos e comunicação oficial ao Palácio da Liberdade – O interior adere à causa, o mesmo acontecendo com o Sindicato dos mineiros de Nova Lima , de deputados do PR, PSD, PTB e UDN. Entendem os trabalhadores, as maiores vítimas do que está acontecendo, juntamente com a classe média, que seus filhos não poderão receber assistência escolar condigna e objetiva, tendo as honradas professoras contrariadas, mal remuneradas e desatendidas. V. Excia., cidadão de elevada cultura, integrante do respeitável partido Republicano, sabe, perfeitamente, que é inexplicável o que aconteceu.” (O DIÁRIO, quinta-feira, 12 de novembro de 1959)

“Os motoristas de carros de praça aderiram também ao movimento. Por todos os meios estão colaborando com o magistério, quer transportando as mestras, quer colocando a disposição de suas ex-professoras para que usem alto-falante nas ruas e praças, ou transportando-as até o interior do Estado, onde começam a dar assistência às colegas.” (O DIÁRIO, quinta-feira, 19 de novembro de 1959)

“Os aeroviários e aeronautas, nos últimos sete dias, distribuíram panfletos em solidariedade ao professorado. No interior as cidades também apresentam faixas e cartazes alusivos ao movimento.” (O DIÁRIO, domingo, 22 de novembro de 1959)

142 “Os anos 50 expressaram o debilitamento da ação de vanguarda do Partido Comunista em

Nova Lima, simultâneo à penetração da Ação Católica Brasileira entre os mineiros e o surgimento de uma liderança sindical desvinculada das duas facções (PCB/ACB), mas enraizada na massa operária. Esta liderança, de certo modo, foi mediadora da aliança entre comunistas e cristãos, que garantiu a unidade do movimento”. (Grossi, 1981, p. 189-190).

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“Ontem a reportagem pôde presenciar até mesmo o auxílio de um restaurante da cidade que enviou à sede da Associação dos Professores Primários diversas refeições e lanches como colaboração. A Casa Marcelo, Casa Rola, Casa Bemoreira, e tantas outra firmas comerciais de Belo Horizonte, estão prestando todo o auxílio ao magistério. Ontem chegaram ao quartel general da greve mais de vinte mil cruzeiros oferecidos pelo comércio varejista, por pais de escolares e por representantes de paróquias.” (O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959)

A intensa participação da comunidade na mobilização demonstrou o

prestígio social das professoras primárias e a importância da escola pública

junto à comunidade. Pelas descrições do jornal pode-se atribuir grande parte

da vitória da greve à calorosa acolhida, compreensão e colaboração da

população:

“O compromisso assumido pelos universitários, pelos sindicatos e por outras entidades dos trabalhadores com o professorado estão estabelecidos em bases que vão além da simples solidariedade. Assumiram compromisso de deflagrarem greve parcial, ou total, caso o governo faça ouvidos moucos às reivindicações das mestras. Assim é que podemos noticiar, agora em primeira mão, que alguns sindicatos de trabalhadores de Belo Horizonte já programaram sua ação pública em defesa da mestra mineira, caso o governo se mantenha na disposição de aplicar penalidades às grevistas, ou a abrir as escolas, sem atender suas reivindicações. O comércio, por exemplo, prepara-se para funcionar em dia incerto com suas portas semi-cerradas em sinal de protesto.” (O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959)

Ao término da greve as representantes do magistério dirigiram-se à

redação do O DIÁRIO para agradecer, reconhecendo o apoio dado pelo jornal,

mas principalmente ao empenho demonstrado pelo jornalista Adival Coelho,

autor das reportagens e também editor da coluna “Educação e Ensino”:

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“A presidente da Associação de Professores Primários de Minas Gerais, compareceu, juntamente com a técnica de educação Marieta Houri, interpretando o pensamento da classe, ao Diário para comunicar, oficialmente, o término do movimento grevista. Na oportunidade, as líderes do magistério mineiro expressaram seu agradecimento a O DIÁRIO, órgão que denunciou publicamente as injustiças cometidas contra o magistério primário mineiro. Em particular, as educadoras destacaram seu reconhecimento e apreço ao nosso colega Adival Coelho, redator da página de ‘Educação e Ensino’, jornalista a quem coube a advertência a respeito do tratamento recebido pelo Professorado”. (O DIÁRIO, sábado, 21 de novembro de 1959)

O reconhecimento das professoras ao O DIÁRIO, vem salientar o que

foi constatado na leitura das reportagens, e que o próprio jornal não escondeu

- o seu envolvimento desde o princípio do movimento. Na verdade, ele se

revelou responsável pelo início do movimento e contribuiu para sua ampliação,

mobilizando a opinião pública para com isto pressionar politicamente o

governo. Do término da greve até o final do acordo, o jornal continuou a

cobertura, manifestando-se muitas vezes até mesmo em editorial143, contra a

atitude de alguns deputados de obstrução ao projeto de aumento, pretendendo

com essa manobra vincular o aumento das professoras ao dos seus subsídios.

Fazendo um balanço da greve no final de novembro, quando esta já

deixara de ser notícia principal, o repórter comenta:

143 O DIÁRIO condenou em editoriais o aumento dos subsídios dos deputados, além de

divulgar as reações das entidades contra o aumento. “Ação popular se passar aumento dos deputados”, notícia em 23 de dezembro de 1959; “Deputados ricos representando um povo em farrapos” reportagem em 24/25 de dezembro de 1959.

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“A greve do professorado primário de Minas objetivando melhores salários é o fato mais importante do ano no setor educacional, habilitando-se a suplantar os demais. Durante quatro dias, vinte e duas mil professoras cruzaram os braços, conseguiram a solidariedade de cento e vinte sindicatos de trabalhadores, de entidades patronais, do comércio, da indústria, dos estudantes, da imprensa e do meio político. No princípio do ano, reivindicaram aumento na base de sete mil cruzeiros, ganhavam quatro mil e cem. A Assembléia Legislativa votou um aumento na base de seis mil e duzentos cruzeiros. Coube ao DIÁRIO alertar o professorado e a opinião pública. Houve arregimentação e o resultado é o movimento que as mestras empreenderam com o integral apoio dos vigários, culminando com o término feliz do movimento, com a atuação conciliatória de D. Serafim Fernandes de Araújo, bispo auxiliar de Belo Horizonte.” (O DIÁRIO, domingo, 29 de novembro de 1959)

O envolvimento do jornal na greve foi grande e o repórter fez questão

de deixar isto explícito para os leitores. Lendo cada uma dessas reportagens foi

possível perceber o entusiasmo do jornalista responsável pela cobertura da

greve. Ele se manifestou consciente do papel da notícia de interesse do jornal

extraordinária, da mesma forma como os fatos deveriam ser organizados com

o objetivo de captar a atenção do público leitor. A posição do jornal recebe

resposta imediata da população da capital e do interior. Ficou clara, no final da

greve, a participação da Igreja Católica e a atuação conciliatória do bispo

auxiliar de Belo Horizonte, D. Serafim Fernandes de Araújo.

A linguagem usada pelo jornal foi emocional, e o apelo, às vezes

dramático, não escondia o objetivo de levar os leitores a apoiarem o

movimento, assim como de incutir ânimo às protagonistas principais as

professoras. Os recursos utilizados foram vários, como forma de demonstrar o

crescimento significativo do movimento. Dentre estes recursos o mais utilizado

foi a enumerações de dados, às vezes, exagerando os fatos.

Dos resultados da luta das professoras, o mais importante parece ter

sido a mobilização e envolvimento da sociedade mineira da capital e do interior,

e não apenas a vitória final. O que interpreto como a “nobre aventura”,

empreendida por O DIÁRIO, teria resultado em uma vitória não apenas das

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professoras, mas também do jornal que incentivou desde o primeiro momento

a mobilização. O jornal apostou e jogou o seu poder de convencimento e

aceitação pública no apoio à luta das professoras, resultando desse

empreendimento o “desfecho feliz” do affaire, para fazer uso do vocabulário

bem peculiar da época. Se em alguns momentos é possível questionar o

exagero e a fantasia do jornal, deve-se levar em consideração o estilo

jornalístico da década de 1950, em que as reportagens, conforme análise

anterior, eram feitas de forma subjetiva e até mesmo romântica. Na leitura da

reportagem como fonte deve-se observar que a imprensa, em qualquer tempo

e lugar não está isenta da subjetividade e da ligação com interesses diversos

na veiculação da notícia. É por isto que a leitura das suas diversas matérias foi

precedida da análise do meio de comunicação em sua forma, conteúdo e

mensagens. Da mesma forma como se procurou compreender o discurso da

imprensa como portador de representações de uma época e de um estilo de

vida. No caso do jornal O DIÁRIO, na década de 1950, ele expressava a

cultura dominante da população mineira em sua religiosidade e valores.

Era fundamental também compreender o contexto político. O jornal de

orientação católica vivenciava no período o confronto com outras correntes

políticas e ideológicas. A Igreja Católica lutava para manter os fiéis em seu

âmbito de influência e, através de sua ação, penetrava nos movimentos,

tentando impedir que eles fossem dominados por correntes ou partidos,

sobretudo o partido comunista. Embora o jornal enfatizasse a ação mediadora

da Igreja foi fácil compreender que havia uma omissão da participação de

outros partidos na greve.

Na composição da comissão neutra, mesmo o jornal não tendo feito

nenhuma outra referência aos seus participantes, foi possível perceber a

existência de duas correntes antagônicas, representada a um lado, pelo Padre

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Lage, um dos mentores da militância cristã144, e de outro, por pessoas ligadas

ao Partido Comunista, como Armando Ziller, presidente da Federação dos

Bancários e o presidente do DCE da Universidade Federal, José Nilo Tavares.

A partir das informações do estilo do jornal, sua proposta editorial e do

quadro político da época foi possível inferir, o que acabei concluindo: o jornal

organizava a informação de acordo com seu interesse ideológico, ficando no limite

entre a idealização e a realidade.

2.2 O papel do jornal num movimento de mulheres

O resgate da história da luta das professoras mineiras de 1959, ainda que

restrito à leitura do jornal, só foi possível enfrentando-se o desafio de refletir sobre

o caráter das fontes, quase sempre representações masculinas sobre práticas

sociais femininas. O discurso da imprensa na década de 1950 era dominado pela

voz masculina. A razão deste controle pode ser explicada pelo predomínio do

homem145 nas redações dos jornais da denominada “grande imprensa”, mas

também pela cultura dominante ainda na década de 1950, que rejeitava a

participação da mulher em atividades públicas. Segundo a análise de Almeida

(1998), até mesmo a imprensa feminina e educacional na década de 1940 era

dominada por homens e manifestava-se resistente à saída da mulher do espaço

doméstico. Como pode ser percebido pela constatação: “transparece, nessa

imprensa, uma masculinidade imposta à sociedade como modelo padrão por

144 Segundo Gadotti (1983, p. 114) “A Igreja no Brasil nunca esteve desligada das classes

dominantes: apoiava o Estado Novo sob a alegação de que Vargas estaria fazendo reformas sociais inspirado na doutrina social da Igreja Sob o Estado Novo a JEC e JUC não tiveram um papel de destaque. Maldosamente dizia-se que o papel da JUC era apenas preparar a ‘Páscoa do universitário’. Entretanto, após 1951 alguns novos sacerdotes, como Frei Josapha, Frei Mateus, Frei Carbonnel, voltaram da Europa com idéias novas, inspiradas em Mounier e Lebret e deram outro impulso ao movimento católico. Assim em 1960 a JUC tinha participação ativa na organização do movimento estudantil e na UNE. Uma parcela da JUC mais comprometida funda em 1961 a AP (Ação Popular) optando mais tarde, por uma política de preparação revolucionária.” (grifo do autor)

145 Não existiam escolas de jornalismo e os que o praticavam eram escritores, advogados, intelectuais de forma geral.

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excelência e homens dirigindo a nação e a vida das mulheres”146.

Para Perrot (1998), ainda é necessária na escrita da história das mulheres

o uso de fontes produzidas pelos homens, uma vez que as fontes escritas usadas

pelos historiadores foram, de forma geral, produzidas por eles, que por muito

tempo detiveram o controle da “coisa pública”. O jornal O DIÁRIO, porta-voz do

ideário da Igreja Católica, não fugia à cultura da instituição, marcada pelo domínio

masculino. Este reconhecimento fez com que na pesquisa das professoras em

suas lutas no final da década de 1950, fosse necessário o uso do conceito de

gênero, como reconhecimento do peso simbólico da construção das

representações que constituem a história cultural de homens e mulheres. A

história das mulheres, reconhecendo a categoria gênero, não pode hoje prescindir

das sistematizações, em especial a feita por Scoot (1995, p. 88):

“(1) o gênero é um elemento constitutivo das relações sociais, baseado nas diferenças percebidas entre sexos e (2) o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder.”

O uso do gênero permitiu a decodificação dos discursos formadores de

identidade feminina e masculina reproduzidos nas diversas instituições de

formação de ambos os sexos. A primeira parte do conceito dá conta do efeito da

construção de gênero nas relações sociais, evocando os símbolos implícitos nas

noções normativas expressas nas doutrinas religiosas, educativas, científicas147,

políticas e jurídicas que tomam a forma de oposição binária148, adquirindo a

aparência de fixidez que leva à percepção de permanência intemporal. O conceito

permite, também, captar a noção de identidade sempre construída de forma

relacional. A segunda parte possibilita pensar o processo histórico, no qual a

relação de poder é central e é possível perceber a construção de gênero através

146 Almeida, 1998, p. 159. 147 “Quando uma característica masculina ou feminina é vista como derivada ou produto

biológico, apesar de ser culturalmente construída, isso terá uma importância muito maior do que se fosse algo cultural. (...) A biologização dos comportamentos humanos é muito antiga, e isso se reflete na filosofia - de Platão a Spinosa - ao manter que a diferenciação sexual é tão natural como necessária”. (Strey et al., 1997, p. 85).

148 Homem forte/mulher frágil, homem cérebro/mulher coração, homem racional /mulher sentimento etc.

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do complexo jogo de apropriação, reprodução e recriação das relações de

dominação entre os sexos149.

A constatação de que a história de homens e mulheres é construída

socialmente nas relações de poder entre sexos contribuiu não apenas para

eliminar as naturalizações como, segundo Perrot (1995), tornou possível a sua

desconstrução em termos de teorias, práticas, fatos e representações imagéticas

e verbais. Para esta pesquisa tornou-se importante o uso do conceito de gênero

não só por tratar-se da história das professoras primárias mas também para tentar

mostrar como a imobilidade nas representações culturais e a passividade das

mulheres em aceitar valores que lhe são impostos são “verdades” discutíveis e

relativas ao movimento no espaço e no tempo de permanência, mudança e

descontinuidade.

Na compreensão da construção histórica da mulher-professora, torna-se

essencial encontrar as contradições, permitindo entender, não apenas a aceitação

dos padrões culturais vigentes, mas também procurando perceber como as

apropriações eram diversificadas, dando lugar à resistência. A historiadora,

Guacira Louro, pesquisando sobre a mulher gaúcha, formada no Instituto de

Educação de Porto Alegre nos meados do século XX, procurou apreender os

momentos de transformações na maneira como a escola lidava com as mudanças

culturais que modificavam a imagem feminina no pós-guerra. A lembrança de uma

ex-aluna a respeito da vivência na escola no início dos anos 60 revela as

contradições na própria instituição escolar:

“(a escola desenvolvia uma educação feminina) ... com relação a um certo requinte, da mulher de um determinado status... se valorizava muito este aspecto de postura, de atitudes, porque quando a gente queria manifestar suas opiniões, a gente não podia ser uma pessoa impositiva, tinha que ser sutilmente... Isto não era muito alimentado na escola – que o comportamento da mulher era este – não ficar em destaque, em primeiro plano, mas influir por trás, meio na surdina, isso passava veladamente...” (D). (Louro, 1986, p.34)

149 Martinez, 1997, p. 251- 268.

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Nesta fala ficou clara a contradição da escola na formação da professora,

exigindo que as alunas assumissem atitudes ambíguas, tal como a firmeza de

postura sob uma aparente docilidade. As alunas submetidas a este processo

acabavam por criar mecanismos de resistência. A escola lidava na época com

transformações culturais que contribuíam para mudar as representações

femininas, onde o desenvolvimento da sociedade de consumo e os meios de

comunicação de massa faziam circular novas imagens da mulher, como as que

aparecem em revistas, cinema e rádio, sobretudo sob influência de modelos norte-

americanos150. Ela procurou mostrar que, além da escola, os meios de

comunicação emergentes exerciam influência na formação da opinião pública,

construindo representações sobre a mulher e que a circulação cultural influenciava

a própria instituição escolar.

O jornal O DIÁRIO, com as suas características já ressaltadas e seguindo

orientação da Igreja Católica, possuía interesse especial na formação da mulher

em todos os espaços sociais, até mesmo com objetivo de impedir ou, retardar as

transformações. A cobertura do jornal de uma greve de professoras em Minas

Gerais é significativa da tentativa de controle da Igreja numa sociedade em rápida

expansão industrial e de transformação do espaço urbano. Segundo Besse (1999,

p. 4):

“À medida que as mulheres eram expostas às influências perniciosas da época - individualismo, egoísmo, materialismo -os que se proclamavam guardiães da moralidade pública temiam o colapso do amor, da autoridade e da responsabilidade. As liberdades urbanas em rápida expansão para as mulheres de classe média – subprodutos do surto da economia de consumo, nas crescentes oportunidades educacionais e profissionais, das novas funções ‘femininas’ no setor de serviços e do advento das imagens cinematográficas estrangeiras da melindrosa sensual e da jovem trabalhadora independente - tudo isto ameaçava o poder da cabeça masculina do casal ...”

A Igreja Católica conservava-se como uma instituição de prestígio tanto

150 Segundo a autora apesar do modelo de mulher no cinema norte-americano na década de

1940 ainda conter o padrão doméstico não deixava de imprimir um certo cosmopolitismo na versão brasileira de mulher. (Louro, 1986).

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no meio social151 quanto político e não digerira, ainda, a emancipação feminina,

aceitando o trabalho da mulher fora do lar apenas como o cumprimento de um

apostolado152. Com relação à mulher, o discurso do jornal reproduz o da Igreja na

época, resistindo às mudanças inevitáveis, muito mais do que aceitando a ainda

lenta mas constante luta social de emancipação feminina153. Desta forma, as

diversas matérias nas seções do jornal acabavam por expressar as

representações masculinas construídas nas relações sociais de gênero, muitas

delas originadas ou obtendo respaldo nas concepções da Igreja com relação ao

papel da mulher na sociedade. E é esta a visão que se tem nas reportagens sobre

a greve das professoras primárias, a de um discurso masculino sobre um

movimento feminino, procurando orientar-lhes na luta, controlando-as e

dificultando-lhes o caminho da sua autonomia.

O jornal demonstrou, em todos os momentos, uma preocupação em

auxiliar as professoras, mobilizando a opinião pública a seu favor mas, por outro

lado, preservando o papel masculino de domínio da situação154. As professoras

são representadas como laboriosas e merecedoras do apoio da sociedade,

ocupando um papel relevante na educação, mas são também representadas

151 Ver censo de 1960 na nota 6. 152 “É por isso que Nos pedis dar-vos diretrizes que esclareçam vossa conduta e vos

estimulem ao trabalho. (...) Mas esta promoção da mulher vós a quereis concebida em termos cristãos, na luz da fé, na perspectiva da redenção e da vossa vocação sobrenatural (...) Em cada um dos setores em que trabalha, na família como esposa e mãe, na educação, na vida social, nos organismos legislativos, administrativos, judiciários, e nas relações internacionais, deve ela seguir normas religiosas e morais particulares, sobre as quais a Igreja, e os Papas muito especialmente, têm fornecido esclarecimentos úteis.” (PIO XII, 1957 – Fragmentos da Encíclica sobre o apostolado da mulher católica apud Pereira, 1996, p. 263-234). Também Pio XII, em 1941, “À mulher Deus reservou as dores do parto, as dores do aleitamento e da primeira educação das crianças.” (apud Teixeira Lopes, 1991b, p. 36).

153 “O que mais ameaçou o feminismo no Brasil foi a revitalização do catolicismo por força intelectual e reacionária no correr da década de 1920 e 1930. Sob a liderança do Cardeal Sebastião Leme (que buscou superar a apatia no interior da comunidade católica e transformar a Igreja numa força social poderosa), centenas de milhares de católicos foram mobilizados em movimentos leigos. Dentre eles, a Liga Brasileira de Mulheres Católicas, a Aliança Feminina, os Círculos Operários, a Juventude Universitária Católica, a Juventude Operária Católica e a Ação Católica Brasileira”. (Besse, 1999, p.182-218).

154 Na França, do início do século XX, o movimento operário tentou organizar e controlar o movimento das donas de casa. “o sindicalismo recusa as formas de expressão das mulheres como selvagens, irresponsáveis, pouco adequadas à dignidade dos trabalhadores.” (Perrot, 1988, p. 210).

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como frágeis e indefesas, necessitando de apoios, conselhos e conforto espiritual.

Ou pode-se entender também que à igreja era importante acompanhar o

movimento para não deixar as mulheres desviarem-se dos seus papéis

fundamentais na família, a célula-mater da sociedade. Neste trecho é possível

compreender a posição do jornal:

“Permanentemente o Padre Lage está presente nas manifestações, primeiro auxiliando nas tarefas, instruindo, aconselhando e reconfortando aquelas mestras que contra sua formação se viram forçadas a deflagrar uma greve como último recurso para obter das autoridades a reparação de injustiça. Ontem, os demais vigários da capital e mesmo do interior se fizeram presentes também pela presença do vigário do Calafate, Padre Dásio Moura, que por várias horas, juntamente com o padre Lage, representantes da imprensa, dos trabalhadores e do representante dos pais, permaneceu no quartel general da greve”. (O DIÁRIO, sexta-feira, 29 de novembro de 1959)

O jornal deixava clara a necessidade da intervenção paternalista,

principalmente de elementos da igreja, uma vez que elas encontravam-se

assumindo atitudes contrárias a sua formação. Os homens, representantes da

igreja, políticos, membros de organizações sindicais e estudantis estariam sempre

presentes objetivando ensinar às mulheres os méritos da organização

permanente, dirigindo o movimento na tentativa de educar e canalizar a luta das

mulheres155.

Ao lado de todo este manifesto interesse masculino na orientação e

organização da greve é possível também indagar até que ponto as mulheres

aceitavam e, até mesmo, buscavam a ingerência masculina no movimento,

delegando a uma comissão masculina de homens o poder de negociar o final da

greve. Elas estariam, neste caso, acionando mecanismos de resistência? A

incorporação da dominação pelas professoras primárias é explicada, à primeira

vista, pelas relações de dependência familiar, sempre reforçada nas várias

instâncias de socialização da mulher professora, incluindo a Escola Normal. Por

outro lado, a atitude das professoras aceitando, em princípio passivamente, a

155 Perrot, 1988, p. 211.

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orientação masculina através do jornal, pode revelar não apenas dependência,

mas capacidade de percepção de que o movimento só seria possível e só teria

êxito se fossem usados os instrumentos institucionais de pressão: a Igreja, os

sindicatos operários, o movimento estudantil. Nesse aspecto é possível estar se

deparando com a formulação de estratégias femininas e masculinas, usadas em

diferentes épocas e lugares, para o exercício do poder ou para subverter uma

relação de dominação156.

O jornalista, autor das reportagens, ao reiterar o papel do jornal em

alertar as professoras, dando início ao movimento, pareceu estar tentando

sempre construir a imagem de que as professoras só se movimentaram a partir da

iniciativa do jornal. Essa iniciativa do jornal é um fato inquestionável, mas é

necessário acrescentar que a receptividade imediata das professoras revelou que

elas encontravam-se preparadas para dar início à campanha. O jornal, neste caso,

cumprira o papel de alertar e angariar apoios, porém se não fosse a rapidez da

mobilização das professoras, o movimento não teria decolado da mesma forma.

O que torna possível pensar que elas também teriam se utilizado do jornal para

mobilizar a população157.

Normalmente é atribuído à imprensa um papel importante no êxito da

maioria dos movimentos sociais e, no caso da greve das professoras, é impossível

desconhecer o mérito do jornal O DIÁRIO, na vitória final. A cooperação com as

professoras não foi de forma alguma casual. Além do interesse apontado em

orientar as mulheres é preciso também buscar a relação da imprensa com a

notícia. Conforme Bourdieu (1997, p. 26) “toda imprensa sobrevive do

156 Alguns estudos sobre conflitos e poder nas organizações contemporâneas têm se

preocupado com a questão de gênero e, especificamente, com as estratégias usadas por homens e mulheres na administração das organizações. Um exemplo deste tipo de estudo mostra a criação de novos estereótipos representando estratégias masculinas e femininas: a mulher Rainha Elizabeth I, Margaret Thatcher, a primeira dama, a invisível, a mãe, a liberada, a amazona, a Dalila, a Joana Darc, a filha. Para os homens: o guerreiro, o pai, o rei Henrique VIII, o sedutor, o machão, o menininho, o amigo sincero, o porco chauvinista. (Morgan, 1996).

157 Referindo-se as feministas Besse (1999, p. 2): “Enquanto a imprensa utilizava suas imagens para vender produtos, elas se utilizavam da imprensa para dar vazão a frustrações, para expressar opiniões e reivindicações e para comunicar-se umas com as outras”.

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acontecimento excepcional, ou que rompe com o ordinário”. Uma greve de

professoras não deixava de ser um acontecimento inusitado e, como tal, merecia

ser explorado, além de, noutros momentos o jornal já ter se mostrado sensível a

essa causa. A imprensa contribui para criar as representações de acordo com a

cultura de uma época, mas também segundo seus interesses, que são na verdade

os dos proprietários da empresa. Por isto as imagens dos jornais impressos

apropriam-se da multiplicidade cultural de uma época.

Na linguagem usada pelo O DIÁRIO observam-se as representações

correntes da mulher e as características atribuídas à feminilidade originadas no

discurso biológico do século XIX. Nestes discursos os homens são o cérebro,

ou a racionalidade, e as mulheres o coração, ou sentimentos158. No jornal

observa-se o uso freqüente de adjetivos, colocados estrategicamente nos

subtítulos ou intertítulos das reportagens como: “maltratadas”, “injustiçadas”,

“prejudicadas” ou outros como “revoltadas”, “contrariadas”, “desagradadas”.

Estes vocábulos referem-se a sentimento, sensibilidade e fragilidade. O jornal,

ao fazer uso freqüente dessas palavras no seu discurso, teria assumido o papel

de detentor do poder masculino: forte, racional, capaz de tomar decisões e

iniciativas. Isso justificaria a luta dirigida pelo jornal reunindo homens de notório

poder e prestígio para apoiar e defender as professoras. É com este espírito

que se busca sensibilizar a população em torno das professoras. Noutros

momentos elas são representadas agindo como vítimas, necessitando do apoio

e da força do poder masculino, este sim, capaz de exigir a reparação das

injustiças cometidas pelo poder público. No decorrer da campanha, as

narrativas dos fatos vão acentuando os sentidos que se quer atribuir a cada

acontecimento. No início da mobilização, após a visita das professoras feita ao

governador representante da figura do pai, autoritário e intransigente o jornal as

apresenta, em seguida, procurando o apoio do pai espiritual na figura do

arcebispo de Belo Horizonte, sob o título “conforto” foi feito o relato:

158 “É um discurso naturalista que insiste na existência de duas ‘espécies’ com qualidades e

aptidões particulares. Aos homens o cérebro (muito mais importante do que o falo), a inteligência, a razão lúcida, a capacidade de decisão. Às mulheres, o coração, a sensibilidade, os sentimentos”. (Perrot, 1988, p.177).

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“CONFORTO

Após audiência com o governador no Palácio da Liberdade, as professoras primárias foram ao Palácio Cristo Rei, em visita a D. João de Resende Costa. Solicitaram uma palavra do pastor e conforto nesta hora de angústia que vive o magistério mineiro, em decorrência da injustiça que sofreu no Parlamento do Estado. D. João de Resende Costa suspendeu suas atividades normais para receber os representantes do magistério primário. Teve palavras de conforto para as mestras e afirmou que para o cumprimento da sua missão - educar - necessita realmente o mestre do mínimo de conforto material também. As educadoras retiraram-se do Palácio Cristo Rei mais animadas”. (O DIÁRIO, sábado, 14 de novembro de 1959).

Noutros momentos o jornal persiste em apresentar na sua construção

narrativa a imagem da mulher como um ser frágil e sem autonomia. O apoio

masculino deveria ter origem em seu círculo familiar e nas figuras dos maridos e

pais. São curiosas, neste sentido, as notas que saíram na coluna “Educação e

Ensino” nos primeiros dias da campanha:

“MARIDOS REAGEM

Já na semana passada, ao ser divulgada a íntegra do projeto de aumento do funcionalismo público, vários maridos de professoras reagiram contra a má situação do magistério. As professoras do Grupo Escolar Augusto de Lima foram proibidas pelos maridos de preparar planos de aula, de corrigir tarefas e de preparar material de motivação em suas casa por julgarem eles que o Governo não reconhece e não sabe realmente quais as tarefas desenvolvidas pelas educadoras. O movimento ganha corpo e já na manhã de ontem outros maridos de professoras foram procurados por cidadãos ilustres, que solicitaram adesão ao movimento. Dessa maneira, dentro de poucos dias as aulas serão dadas sem nenhum planejamento. É a primeira reação coletiva que se esboça favorável aos mestres”. (O DIÁRIO, terça-feira, 10 de novembro de 1959).

“AGORA OS PAIS

Depois dos maridos de professoras primárias, agora são os pais que aderiram ao movimento reivindicatório de melhores salários. Estão impedindo suas filhas de prepararem aulas e material didático em casa. ‘O salário não compensa e o trabalho não é reconhecido pelo Governo’ , informaram.” (O DIÁRIO, terça-feira, 10 de novembro de 1959).

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Por detrás desses relatos das ações de maridos e pais, logo no início da

campanha, foi possível compreender, sob o pretexto de apoio, a interferência dos

homens no trabalho das professoras, impedindo-as de executarem suas tarefas.

Imagens de mulheres dependentes dos homens ilustram passagens em que a

autoridade masculina pública ou privada aparece assumindo iniciativas. No caso

específico do relato da ação dos maridos e dos pais parece ter havido uma

distorção para fazer valer a imagem da dominação masculina e da submissão

feminina. O fato pode ter sido real, mas foi abordado como se tivesse gerado um

movimento organizado. Acontecimentos como estes são ilustrativos de como os

estereótipos de natureza feminina permaneceram na concepção dos homens,

levando-os a acreditar que se o papel da mulher é no lar, a eles caberia falar e

protestar em nome delas, obrigando-as a resistir sob sua tutela159. Na primeira

nota trata-se de um número pequeno de maridos de professoras, de um único

grupo escolar, mas o autor aproveita para ampliar o fato e lhe dar relevância. A

nota é confusa quando dá conta de cidadãos ilustres procurando os maridos em

busca de adesão ao movimento, quando a lógica apontaria para uma inversão de

atitudes: os maridos é que deveriam estar procurando os cidadãos ilustres em

busca de apoio.

A segunda nota mostrando a interferência dos pais é vaga e não faz

referência à fonte. As duas parecem ser resultado da implantação de um boato a

que se deu o crédito de verdade. Não parece mera coincidência o aparecimento

das duas notas que dão a impressão de que as professoras não são autônomas

em seu trabalho, sofrendo interferência direta de pais e maridos. Em outras

narrativas são reforçados o estereótipo de dependência feminina e o predomínio

da relação de afeto mais do que o de solidariedade a um grupo profissional. É

159 “Finalmente, o movimento operário dominado por homens também colaborava para impor

os estereótipos predominantes de natureza feminina sobre as mulheres de classe operária. Concordando que o lugar das mulheres era em casa, os sindicatos lutavam em prol das leis protetoras, as quais, de fato, ajudavam a proteger o espaço privilegiado dos homens no mercado de trabalho (...) E os homens da classe operária, que consideravam correto dever falar em nome de ‘suas’ mulheres, reiteravam os protestos dos homens de classe alta contra a exploração das frágeis mulheres da classe operária que eram arrancadas de sua verdadeira vocação de donas de casa e mães para trabalhar nas fábricas. Ou relatavam (mas distorciam) as ações políticas muitas vezes bem sucedidas de mulheres operárias ‘desorganizadas, fracas e indefesas’.” (Besse ,1999, p. 96).

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desta forma que o jornal anuncia a adesão dos motoristas de ônibus:

“O trabalho é espontâneo. Quase todos os motoristas são irmãos de professoras, sobrinhos, netos ou maridos. Aqueles que não têm nenhum parentesco procuram suas antigas professoras para oferecer préstimos. Estas manifestações têm calado muito no espírito do professorado.” (O DIÁRIO, terça-feira, 17 de novembro de 1959)

A relação de afeto sobrepondo-se ao reconhecimento profissional pode

ser observada em outra nota que acentua o carinhoso apoio prestado pelos pais e

trabalhadores:

“PAIS E TRABALHADORES

Também os pais dos alunos, agora já alertados do perigo que corre a educação fundamental, em vista do péssimo salário que a autoridade estadual decidiu dar aos professorado, movimentam-se no sentido de prestar carinhoso apoio ao professorado. Amanhã, na reunião semanal do Congresso Nacional dos Trabalhadores na Indústria, será o assunto tratado, pois os trabalhadores temem que a não remuneração condigna do professorado elementar venha impossibilitá-las da educação fundamental e do mínimo de instrução que podem proporcionar aos seus filhos.” (O DIÁRIO, terça-feira, 10 de novembro de 1959)

A relação de dependência e submissão está expressa no teor da nota

que relatava a visita das representantes da Associação de Professoras e da Casa

da Professora ao gabinete do Secretário de Educação em busca do diálogo com o

governo:

“Na ausência do Secretário foram recebidas pelo chefe de gabinete. Ao saber da disposição da classe, o Sr. Nicolau Faria aconselhou que não reivindicassem o veto parcial do Governador, mas um novo projeto de aumento. As entidades de classe têm obedecido cegamente às sugestões da Secretaria de Educação para realizar o movimento que começa a emocionar a população de Minas.” (O DIÁRIO, terça-feira, 10 de novembro de 1959)

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É importante salientar que a Associação procurou o entendimento direto

com o Secretário de Educação e o Governador e também para comunicar o

estado de ânimo do magistério. Esta é uma das críticas feitas à prática política das

Associações de Professores, que de um modo geral procuravam apaziguamentos

e não usavam o recurso mais aguerrido como ameaças e greves160. O conselho

dado pode ter sido acatado, mas a obediência cega às sugestões da Secretaria

denota a incapacidade de pensar, decidir, além de ser incoerente com outros

fatos ocorridos. No dia seguinte, com o auditório lotado, as duas entidades

parecem ter convencido as professoras presentes a votarem um prazo de 15 dias

para o envio do novo projeto à Assembléia. Este prazo constituía na verdade uma

ameaça de greve e desmente a cega obediência das entidades ao governo ou

seus representantes.

Em várias passagens fica flagrante o condicionamento a uma matriz

discursiva de greve operária, fazendo com que o redator deixe de lado a

singularidade de uma greve de mulheres e de um movimento tutelado por

homens. Nestes momentos ele se utiliza de representações advindas da

experiência social das greves operárias para caracterizar as professoras161,

usando termos com significados de guerra como “o QG das professoras” para

designar o local de reunião durante a greve ou expressões como “tomaram de

assalto”, quando as professoras entraram no recinto da Assembléia Legislativa e

não encontraram os deputados.

Como o jornal não registrava as opiniões das professoras, fica sempre a

questão: o que pensariam essas mulheres educadas para o silêncio e a

submissão sobre a tentativa de organização masculina do movimento? Que

160 Referindo a Centro de Professorado Paulista Mello (1998, p.135): “O CPP surge em 1930,

num período histórico marcado pelas mesmas características de outras organizações de classe no Brasil. Criadas por iniciativa governamental, essas entidades já nasceram comprometidas com o aparelho de Estado e nem sempre conseguem representar e defender acertadamente os interesses dos professores a elas associados”.

161 Segundo Blass (1992) existe uma abstração da situação real nas histórias de greve e isto é muito comum uma vez que a matriz discursiva surge de uma experiência de greve operária e dentro de um referencial marxista-leninista. Os seus protagonistas (ou os que relatam a greve) elaboram representações sobre os acontecimentos vividos, usando matrizes discursivas já constituídas. Se elas não se enquadram neste modelo são consideradas espontâneas, desorganizadas ou simplesmente econômicas.

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conflitos afloraram com a luta pelo salário e a valorização profissional? Na voz da

liderança representando as professoras em algumas passagens, agradecendo ao

jornal e ao governo, é possível inferir a persistência de atitudes de submissão e

até a sugestão de que o aumento conseguido não fora uma conquista, mas uma

doação, conforme sugerido por autores que mencionaram o movimento162. Se

observadas as posturas das professoras na greve esta submissão é desmentida.

Parecia haver, pelo menos na parcela mais atuante, a percepção de que a

cooperação masculina confirmaria a difícil (mas necessária e inevitável) inserção

da mulher no espaço público. Nesse sentido era necessário o uso da tática do

consentimento, incorporando a linguagem da dominação na tentativa de, ao

mesmo tempo, subverter e também resistir à dominação masculina. A

compreensão dessa tática fica clara na explicação de Chartier (1994, p.109):

“(...) as fissuras que racham a dominação masculina não assumem todas a forma de dilacerações espetaculares nem se exprimem sempre pela irrupção de um discurso de recusa ou de rebelião. Muitas vezes elas nascem dentro do próprio consentimento, reutilizando a linguagem da dominação para fortalecer a insubmissão.”

Essa explicação articula-se à construção social de gênero e às práticas

sociais do fazer-se homem ou mulher na sociedade. Essas práticas, segundo

Louro (1995), são aprendidas e implicam em admitir que a questão do gênero é

mais do que uma identidade aprendida, mas fazem parte das concepções de

instituições sociais como a justiça, a igreja, a escola e o jornal, como meios

formadores da opinião.

A aventura do jornal ao idealizar o movimento das professoras pode ser

interpretada pelo seu comprometimento com verdades, princípios e construção da

realidade de acordo com a orientação da Igreja. Entretanto, é possível entender a

ambigüidade do jornal ao assumir determinadas posições. Se de um lado seguia a

162 Vários estudos referem-se aos movimentos associativos tentando menospreza-los, sem

consideração ao contexto de época como o de Cavalheiro (1989, p.304) sobre o movimento de Desagrado de 1959. “Os agradecimentos, ao nosso ver, demonstram o tipo de educação vigente e um certo grau de servilismo da categoria. Os agradecimentos relacionados foram copiados do ‘Minas Gerais’ e publicados em outubro de 1954, logo após o termino do movimento. Ao final se agradece à autoridade que oprime e despreza a categoria. A concessão é uma esmola e não algo de direito. O direito torna-se privilégio”.

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orientação conservadora da Igreja, por outro contribuía para disseminar um

posicionamento profissional, ainda que este estivesse restrito à reivindicação

salarial e à defesa da valorização do magistério. Na opinião do jornal, no início do

movimento, fica bem visível a postura de valorização do magistério: “O resultado é

que nem todas as educadoras sofrem persistir em carreira de tal modo penosa,

ainda que se trate de verdadeira vocação. Pode-se muito bem ser abnegado, mas

por virtude excepcional”163. Desta forma, apesar de uma prática acentuadamente

masculina, o incentivo dado pelo jornal à luta pela conquista de um salário digno,

pode ter contribuído para que as professoras compreendessem as mudanças

culturais e pudessem experimentar164, na luta, a possibilidade de se

transformarem em sujeito de suas ações.

163 O DIÁRIO, domingo, 6 de novembro de 1959. Seção Nossa opinião: A causa do

magistério. 164 Conforme observações de Thompson (1987) de que os operários se produzem como

sujeitos históricos, participando da sua própria constituição como classe.

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CAPÍTULO 3 – AS IMAGENS DAS PROFESSORAS NO JORNAL - PRESENÇAS

MACIÇAS

Neste capítulo continuo a análise do discurso jornalístico na tentativa de

captar as representações das professoras primárias na greve de 1959 em leitura

de imagem, compreendidas como narrativas e fotografias que expressam em

gestos e a ação das professoras. Da mesma forma persisto na interpretação de

suas ações na possibilidade de encontrá-las e compreendê-las como sujeito165 e

protagonistas da sua história coletiva. A expectativa era a de encontrar traços que

permitissem compreender o posicionamento das professoras primárias vivendo

situações de conflitos, fugindo a uma história das mulheres onde elas aparecem

vivenciando seu cotidiano sem resistência, cumprindo passivamente a fatalidade

de seus papéis demarcados socialmente. Parte-se aqui da sugestão de Perrot,

(1988, p.187): “o que importa reencontrar são as mulheres em ação, inovando em

suas práticas, mulheres dotadas de vida, e não absolutamente como autômatas,

mas criando elas mesmas o movimento da história”.

A leitura do movimento que proponho é a que procura compreendê-la em

suas expressões culturais, tentando recuperar os significados dos discursos de

suas protagonistas em falas, gestos, símbolos, rituais, mensagens, slogans e em

movimentos de mudanças, permanências, rupturas e descontinuidades. A greve

tomada como situação de liberdade, em que os sujeitos envolvidos ficam livres da

opressão e da rotina e em que do encontro do grupo, encenam-se as

divergências. Nela, os participantes se igualam, esquecem as hierarquias do

trabalho, por estarem todos perseguindo os mesmos objetivos166.

Na verdade, este trabalho se constituiu na tentativa de compreender a

165 O sujeito a que me refiro não é somente o sujeito coletivo mas, também como é entendido

por Alain Touraine, como ator e que não necessita ser agente de uma obra coletiva para reconhecer a si próprio como sujeito. Ele é antes um individuo que se reconhece com desejos e vontade própria. Como explica Touraine (1994, p. 220): “O sujeito é a vontade de um individuo de agir e ser reconhecido como ator (...) O homem pré-moderno procurava a sabedoria e se sentia obstaculizado por forças impessoais, por seu destino, pelo sagrado e também pelo amor. A modernidade triunfante quis substituir essa sujeição ao mundo pela integração social.”

166 Blass, 1992, p. 19-20.

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greve das professoras primárias de Minas Gerais de 1959 como expressão

cultural de um grupo em busca de sua organização e identidade profissional. É

este o motivo pelo qual abandonei a discussão sobre movimento grevista restrito à

organização sindical ou que procura estabelecer diferenças entre a organização

associativa e a sindical167.

Numa primeira leitura já foi possível perceber a inexistência de suas falas

diretas no jornal. Elas foram ouvidas, mas o jornal transcrevia suas falas e não

lhes concedia espaço para expressarem verbalmente, ou mostrar-se em

propostas divergentes, manifestando medos, ansiedades, dúvidas. Falam por elas

a liderança, falas do coletivo, na medida em que as representa e como quase todo

discurso de liderança, procuram a unidade. Também o jornal tentou expressar por

elas sentimentos desejos e expectativas. E é surpreendente ver sua presença em

diferentes lugares, mostrando a consciência de serem protagonistas e

responsáveis pelo êxito do movimento. Essa observação ajudou a percebê-las

em suas diferenças, assim como foi possível compreender como a liderança

tentou corresponder ao papel de representante de suas reivindicações.

Esta análise, embora informada pelo entendimento de movimento grevista

foge aos estudos de greve operária em suas representações tradicionais tomando

como sujeito o sindicato ou o partido. Também não prioriza a análise subordinada

as teorias pré-estabelecidas de classes sociais168. A greve é analisada como

prática coletiva que implica em interrupção temporária e coletiva do trabalho e

como instrumento de pressão da classe trabalhadora para que sejam atendidas

suas reivindicações, não apenas quanto ao salário, mas também pela melhoria

das condições de trabalho169. Esta é uma noção com a qual concordam

pesquisadores do movimento operário, assim como sindicalistas. As divergências

167 Estou adotando parcialmente a perspectiva analítica apontada por Blass (1992), embora

sua análise seja mais abrangente, usando fontes documentais diversas. Para este trabalho usei como fonte exclusiva a leitura do discurso do jornal para descobrir as professoras, resistindo e afirmando sua identidade profissional. Neste sentido adotei a metodologia da história cultural na abordagem de Roger Chartier (1990).

168 Para a discussão da historiografia do movimento operário ver DUTRA, Eliane F. e GROSSI, Yonne S. “Historiografia e movimento operário: o novo em questão.” BH: Revista do Departamento de História – FAFICH- UFMG, 1986.

169 Castro, 1986, p 13.

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são grandes quanto ao significado da greve170. Ela pode ser interpretada sob

vários ângulos econômicos, políticos e culturais.

Embora os referenciais teóricos aqui utilizados tenham servido de base

para análise das greves a partir do movimento de redemocratização do país,

numa visão do trabalhador como subordinado aos sindicatos atrelados ao Estado,

acredito que eles já emergiam como sujeito nos movimentos de caráter populista,

organizados a partir da liderança e dirigidos da cúpula para a base, como no

movimento das professoras primárias na década de 1950171.

É importante situar o contexto social da eclosão da greve no final do ano

de 1959, para a compreensão de reivindicações e discursos das professoras. A

greve está inserida num momento de crise financeira, no final do governo

Juscelino Kubitschek. Uma crise que vinha se acentuando em decorrência da

política desenvolvimentista baseada em empréstimos estrangeiros e crescimento

da dívida do país, paralela à concentração urbana, provocando a inflação e a

queda do poder aquisitivo dos salários. Nesse contexto, eclodiram movimentos

populares de protesto contra a carestia e greves de várias categorias

profissionais172. Este foi também o momento de transformação do espaço urbano

de Belo Horizonte com o início efetivo de sua industrialização no momento da

implantação da Mannesmann e outras indústrias na cidade industrial. Junto à

separação entre centro e periferia abria-se um espaço para a conquista e o

exercício da cidadania no centro de Belo Horizonte, segundo a interpretação de

Le Ven e Neves (1981, p. 87-88):

170 Blass, 1992, p. 10. 171 “Particularmente, com as greves de massa em 1978, os trabalhadores apareceram de

novo em nossa História. Vistos tradicionalmente como personagens subordinados ao Estado e incapazes de impulsão própria e, após 1964, silenciados e atomizados pelo regime militar, eles irromperam em 1978, falando por boca própria e revelando a existência de formas de organização social que havia tecido à margem dos mecanismos tradicionais montados para representa-los e que serviam para sua cooptação, enquadramento e controle”. (Paoli et al., 1984, p. 130)

172 “Por meio da aplicação do capital estrangeiro, empréstimos internacionais e inflação, os anos Kubitschek produziram continuado crescimento econômico e industrialização. Deixaram, porém, como legado, a espiral inflacionária e outras dificuldades econômicas para dificultar a vida dos trabalhadores e desafiar seu sucessor...” (Erickson ,1979, p. 17).

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“A partir de 1955, Belo Horizonte viveu um clima de grande mobilização social e política. Nesta época, o movimento operário e camponês promoveu eventos e congressos que faziam de Belo Horizonte um espaço mobilizado e organizado. Num círculo restrito em torno da Praça 7 de Setembro, concentravam-se as sedes dos sindicatos. Os dirigentes sindicais dos bancários exerciam sua jornada de trabalho normal e organizavam sindicato depois do expediente. Sindicalistas eleitos deputados estaduais, como Dazinho, dividiam suas tarefas entre a Assembléia Legislativa, a mina e o Sindicato do Morro Velho.(...) Além disso a presença física dos trabalhadores e suas famílias invadiam o espaço urbano, ressuscitando a passeata dos primeiros trabalhadores da década de 10 e antecipando a explosão social de 1979.”

O movimento das professoras primárias em 1959 estava inserido naquele

clima de efervescência política e conquista de espaço urbano pelas diversas

categorias profissionais. Elas vinham lutando e protestando desde os meados da

década as perdas em seus salários173. No momento elas pareciam estar atentas

não apenas às suas próprias reivindicações, mas manifestaram solidariedade com

os funcionários da prefeitura, em greve, no mês de dezembro, quando as

professoras municipais já se encontravam em férias 174.

3.1 De professorado a professoras primárias - da passividade a participação.

Na análise e interpretação dos discursos de O DIÁRIO, no decorrer de um

movimento de reivindicação salarial das professoras primárias, em 1959, usei

como já foi explicitada, a metodologia indicada pela história cultural, procurando

perceber as representações do jornal sobre as professoras, as suas práticas na

greve e as diversas formas de apropriação desse discurso. Na apropriação era

173 Segundo depoimentos da ex-presidente da APPMG, D. Ana Coroaci Torquato,

aconteceram 5 movimentos grevistas na década de 50: 1953, 1954, 1955, 1956, 1959. (Bonacini ,1992, p. 5).

174 Nas reportagens do jornal com o título “A greve da zero às 14 horas” retirei alguns trechos para mostrar a participação das professoras: “(...) 7 horas - Grupos de grevistas e suas famílias, tendo à frente professoras primárias, universitários, trabalhadores de outras categorias, saíram da Garagem, rumando para o Palácio da Municipalidade.(...)12.30 horas - Os líderes dos grevistas, juntamente com as professoras, universitários e líderes sindicais e o Padre Lage, entram no Gabinete do Prefeito para mais uma conferência de portas fechadas. Foi reforçada a guarda da polícia no Gabinete. (...) 13.55 – Uma professora na entrada com numerosos sacos de biscoito e mais latões de leite para os grevistas. Sai em seguida”. (O DIÁRIO, sexta-feira, 18 de dezembro de 1959).

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importante compreender tanto a recepção das mensagens pelas professoras,

como a do jornal que também absorvia as mudanças no decorrer do movimento.

Era necessário retomar a análise anterior do veículo e suas mensagens,

considerando a inexistência de neutralidade do jornal, que como qualquer outro

órgão da imprensa possui uma linha que define sua identidade. É este o motivo

porque o repórter nunca falou em seu nome, mas sempre no do jornal:

“Coube a O DIÁRIO alertar o professorado e a opinião pública e o resultado foi o movimento que as mestras empreenderam com integral apoio dos vigários culminando com a atuação conciliatória de D. Serafim Fernandes de Araújo, bispo auxiliar de Belo Horizonte.” (O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959).

Nas reportagens, as professoras são descritas no coletivo, por isto, o

reiterado uso da expressão professorado. Os termos usados no coletivo

“professorado”, “magistério”, “educadoras” e “mestras” deixam transparecer a

imagem homogênea com que, a imprensa quase sempre, retrata os movimentos

sociais, dificultando a apreensão da diferença e da subjetividade. O emprego de

expressões coletivas cumpre a função de generalizar, encobrir conflitos,

divergências e a heterogeneidade da categoria profissional. Por outro lado, a

freqüência do termo “professorado” usado no sentido de classe dos professores175

fazia referência a uma categoria de homens e mulheres quando em nenhum

momento o jornal apresentou um único representante do sexo masculino,

exercendo a profissão de professor primário. Pode-se pensar que passava

despercebido ao redator o emprego inadequado do termo para um movimento

exclusivamente de mulheres:

175 Professorado (de professor + ado) S. m. 1. A classe dos professores. 2. Ver magistério.

(Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 1999. p. 1644).

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“O professorado primário de Juiz de Fora reuniu-se ontem para estudar o problema do aumento de vencimentos da classe, decidindo apoiar inteiramente, o movimento da entidade máxima que lidera a reivindicação do salário mínimo na base de dez mil cruzeiros. A comunicação foi feita por telefone à presidente da Associação de Professores Primários, professora Marta Nair Monteiro.” (O DIÁRIO, quarta-feira,11 de novembro de 1954)

“O professorado primário não conseguiu ver atendidas as suas reivindicações de melhoria de salário, nas bases apresentadas ao governo. Mesmo a Assembléia Legislativa, que anexou ao projeto original, de autoria do executivo, emendas diversas, deixou ainda mal situado o magistério, com salários que não atendem às necessidades do mestre. Mormente atentando-se para os gastos que o professor realiza, imperiosamente, para o preparo de aula e transporte. Com muita dificuldade, conseguiu-se para o início de carreira o salário de 6200 cruzeiros bem inferior aos níveis em vigor em outros Estados da Federação. Vê-se, portanto, que o professor mineiro continuará a ocupar lugar de inferioridade, quanto à remuneração.” (O DIÁRIO, quarta-feira, 4 de novembro de 1959)

“(...) Professores primários querem o mínimo de dez mil cruzeiros176 (...) Apuramos junto aos edis que a Câmara municipal de Belo Horizonte encaminhará indicação ao Governador no sentido do atendimento das justas reivindicações dos mestres das escolas públicas.” (O DIÁRIO, terça-feira, 10 de novembro de 1959)

O uso do coletivo “professorado” no primeiro texto era comum na época.

O que chamou atenção foi a indecisão do jornal em definir o movimento como

exclusivo de mulheres no uso de “professor mineiro”, “professores primários” e

“mestres” nos dois textos seguintes. O repórter, tendo acompanhado a

mobilização das professoras, desde 1954177, possuía informação da existência de

um pequeno número de homens178 no magistério, mas também sabia que eles

não participavam das mobilizações. A incerteza quanto à definição de gênero nas

176 Ver nota 110. 177 Ver cap. 1. 178 Existia um número pequeno de professores primários, principalmente leigos e trabalhando

em zonas rurais. Alguns eram filiados à APPMG, mas não participavam diretamente dos movimentos na década de 1950. Infelizmente os arquivos da APPMG estão ainda em fase inicial de organização, não sendo possível apontar dados precisos. (DEPOIMENTO dado pela diretora da APPMG, Magda Campbel, em 28 de junho de 2000).

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reportagens levou-me a algumas interrogações. Seria por que a imagem de greve

normalmente evoca a participação de homens e de movimento de operários? Ou

talvez, pelo fato da greve de mulheres ampliar o caráter de transgressão?179

Levanto estas questões no intuito de mostrar a dificuldade de se trabalhar a

organização feminina na perspectiva de gênero e obter respostas a tantas dúvidas

suscitadas, pela insuficiência de fontes escritas, dadas as precárias condições de

preservação de arquivos institucionais, assim como pela opção metodológica

centrada na leitura do discurso do jornal.

O que transparece no primeiro texto são as imagens de reunião, decisão

e apoios irrestritos à entidade máxima do professorado primário. Esta seleção e

classificação de termos explicitam uma forma de pensar e projetar um modelo de

movimento, sem divergência, e de aceitação das decisões tomadas pela cúpula.

Esta era uma característica dos movimentos da época, também absorvida pela

imprensa. A visão de passividade, manipulação e caráter paternalista, mais do

que de conquista da organização coletiva era típica da política populista no

período que vai da ditadura de Vargas ao golpe de 1964. O período foi dominado

pelas elites partidárias conservadoras, podendo incluir as ligadas à Igreja, como

também pelos nacionalistas, entre eles o partido comunista180. Porém, aos

poucos, o jornal, mesmo usando o termo professorado, entre idas e vindas, vai

definindo o movimento pela participação feminina, passando a mencionar - “as

educadoras” - como no trecho:

“O professorado de Nova Lima enviou a Belo Horizonte uma delegação de quarenta educadoras (...) Na oportunidade comunicaram elas que estão dispostas a acatar as decisões da entidade máxima da classe. - Só assim conseguiremos um salário mais digno e à altura do nosso trabalho, disse a porta voz.” (O DIÁRIO, quarta-feira 11 de novembro de 1959)

179 Blass (1992, p. 148) referindo-se a greve bancária: “A presença das mulheres na greve,

como na de 1985, pode ser, por si só considerada um ato de transgressão social”. 180 Weffort, 1978.

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O texto persiste em apresentar a coesão e a homogeneidade do

movimento na disposição “em acatar as decisões da entidade máxima do

magistério”, numa presumível crença de que a decisão é de competência

exclusiva da entidade, da mesma forma que, também, se houvesse conquista, ela

não seria resultado de luta coletiva. Entretanto, aos poucos o espaço de

participação das mulheres é afirmado nas reportagens com a referência a

“diversas oradoras” e o indefinido “tom feminino”.

“Diversas oradoras se fizeram ouvir na reunião de ontem. Foram unânimes em recriminar as autoridades por terem dado um péssimo aumento à classe que tem sobre os ombros tão nobre e difícil tarefa de educar. Depois de discussões bastante democráticas marcadas pelo tom bem feminino, decidiu-se solicitar que o Sr. Bias Fortes sancione, imediatamente a elevação aprovada em consideração às demais categorias de funcionários, que também passam dificuldades com o salário vigente. Condicionam as professoras sua atitude, abrindo crédito ao governador, e reivindicando o envio imediato à Assembléia Legislativa de um projeto especial, elevando a bases mais dignas os vencimentos das educadoras.” (O DIÁRIO, sábado, 7 de novembro de 1959)

Esse texto demonstra uma mudança da postura das professoras, um

novo rumo da participação. Ficou perceptível aí um sinal de decisão coletiva,

onde os membros se colocam em igualdade, emitindo opiniões, recriminando,

discutindo e, finalmente, assumindo a posição de pedir a sanção do governo ao

projeto já aprovado. A menção a diversas oradoras deixa dúvida quanto ao

consenso da proposta, assim como a consideração aos demais funcionários, uma

vez que ela é polêmica e existe sempre no movimento coletivo grupos

divergentes, que se apóiam em argumentos corporativos.

Noutros momentos, em fotografia, o jornal captura a imagem das

professoras e na legenda reforça a idéia de entusiasmo. Na observação da foto

pode-se encontrar o entusiasmo, mas também atitudes indiferentes. Não se pode

generalizar e apresentar uma reação homogênea, como a que foi transmitida. O

fotógrafo conseguiu captar na foto181 um momento em que as professoras

181 O DIÁRIO, quinta-feira, 19 de novembro de 1959.

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demonstram força e é este o sentido proposto pela legenda. Pode-se, no entanto,

observar pelas suas fisionomias, reações diversas, não apenas de entusiasmo,

mas também de apatia e alheamento. Observando a foto verifica-se a alegria de

algumas que se manifestam através de palmas, outras atentas mas sem deixar

transparecer suas emoções, outras de olhos fechados e algumas de óculos

escuros. (Reflexo de um certo modismo?), outras parecem gritar. Na visão de

conjunto pode-se concordar com o entusiasmo, representando o interesse e a

participação das professoras, quando se observa que mesmo no fundo da platéia

o grupo parece atento e algumas levantam a cabeça como para obter uma melhor

visão da mesa.

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Foto 6 – Platéia mostrando o entusiasmo das professoras na Assembléia que deflagrou a greve no dia 16/11/1959. A foto foi publicada no jornal do dia 19/11/1959.

ENTUSIASMO – A solidariedade que as mestras têm recebido na sua campanha em justa defesa de suas pretensões tem sido constante e cada vez maior.

Fonte: O DIÁRIO, quinta-feira, 19 de novembro de 1959.

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Quando a narrativa é mais geral sem mencionar a participação das

professoras, observa-se que o redator não foge à tentativa de delimitar a

mobilização dentro de parâmetros ideais e das imagens do movimento católico,

ordeiro e calmo, sem confronto aparente, como nas interpretações do capitalismo

como um sistema social de luta de classes182.

“Prossegue em ambiente de ordem e muita calma, o movimento do professorado primário visando conseguir a elevação do salário para o mínimo de dez mil cruzeiros. Agora com o pronunciamento da maioria dos deputados. (...) Muitos deputados que votaram contra agora em reuniões públicas da Associação dos Professores Primários, penitenciam-se e adiantam que estarão com a classe em qualquer situação. Se inicialmente, apenas o Partido Trabalhista e a UDN apoiavam as educadoras, agora os deputados do Partido Republicano e do PSD declaram publicamente que desejam que se faça justiça ao mestre e apóiam a pretensão de conseguir dez mil cruzeiros de salário mínimo. Reconhecem a justeza da reivindicação já que o projeto do funcionalismo criou clamorosa subversão nos valores do quadro dos servidores estaduais.” (O DIÁRIO, sábado, 14 de novembro de 1959)

Este é o discurso feito pelo jornal desde o início do movimento, o da

injustiça cometida contra o magistério, tornando procedente suas reivindicações.

O que há de novo no trecho é o reconhecimento do erro cometido e a intenção da

maioria do legislativo em repará-lo. O que o jornal apresenta é a disposição das

partes pela conciliação, demonstrando receio da interpretação originada nos

governos oligárquicos da República Velha, em que os movimentos sociais e da

reivindicação operária eram vistos como baderna ou caso de polícia183.

Se a narrativa do jornal iniciou classificando as professoras no coletivo

“professorado”, apresentando-as propensas a acatar as decisões da entidade, aos

poucos, deixou entrever a emergência de atitudes bem próximas ao

reconhecimento delas como sujeitos participantes na definição dos rumos da

182 “As imagens da crise eram trabalhadas transmitindo uma série de valores formadores de

opinião através de conceitos como: ‘classe operária’, ‘trabalho’, ‘autoridade’, ‘anarquia’, ‘ordem’, ‘índole pacífica’, etc.”. (Costa, 1989, p. 29)

183 “A idéia de que a “questão social é caso de polícia” é comumente atribuída a Washington Luiz Pereira de Souza, o último presidente sobre a República Velha, (...)”. (Erickson, 1979, p.33)

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mobilização. Com relação à liderança do magistério, desde o início, o jornal

apresenta a líder forte, corajosa, assumindo papel de representante:

“– A insatisfação é geral. As professoras primárias estão revoltadas com o tratamento que lhes é dado. Na qualidade de presidente da entidade que congrega a numerosa classe, comuniquei às autoridades que não podemos conter a justa revolta e insatisfação do professorado (...) As professoras, quer nos jardins de infância, nas bibliotecas, nos auditórios, manifestam há vários dias o desejo de se reunirem para discutir o assunto e tomar uma posição que vise a defesa dos interesses da classe. A Associação de Professores, refletindo este desejo, convocou uma assembléia geral da classe para hoje às 19 horas na sua sede. Como líderes realizaremos o que a classe decidir. A classe deseja um aumento que corresponda à realidade. Pelo que nos querem dar, o professor ficará com salário bem inferior ao nível do ano passado (o atual), já que a desvalorização da moeda, a inflação e a elevação do custo de vida assim comprovam. Informou ainda a Presidente Marta Nair Monteiro ‘eu mesma venho percorrendo várias cidades mantendo contato com nossas colegas. O descontentamento é geral, daí a posição que tomamos no sentido de dar ao mestre a justa reivindicação que merece e de que precisa, no cumprimento de seu dever’.” (grifos meus) (O DIÁRIO, sexta-feira, 6 de novembro de 1959).

O discurso da líder apresenta contradições, obrigando a uma análise por

partes. Primeiro ela afirma, falando pela entidade que representa: “não podemos

conter a justa revolta e insatisfação do professorado.” Também, como

representante, ela reafirma que as professoras, em todos os espaços de trabalho

e em público, manifestam o desejo de discutir o assunto. A seguir demonstra a

consciência do papel da liderança de escutar a categoria, noticiando a

convocação de uma Assembléia, naquele dia, declarando que a Associação

acataria a decisão da classe184. Ela demonstrou consciência da insatisfação com

o salário proposto devido à conjuntura inflacionária, à desvalorização monetária e

ao aumento do custo de vida. Como vinha percorrendo várias cidades do interior,

observara de perto essa insatisfação. Por isso, reafirmou: “o descontentamento é

geral”. E continua: “Daí a posição que tomamos no sentido de dar ao mestre a

justa reivindicação que merece e de que precisa, no cumprimento do seu dever”.

184 O uso de classe no discurso da época parece mal empregado e referia-se à categoria

profissional, não possuindo o sentido sociológico do conceito.

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A proposta da conclusão de “dar ao mestre” contradiz o discurso da

representação, acatamento da deliberação da classe, assim como o

reconhecimento das professoras como sujeito, participando e conquistando

através do movimento coletivo.

A contradição no discurso da presidente da associação é típica do

discurso populista, que segundo Weffort (1978, p. 15) “Por força da clássica

antecipação das ‘elites’, as massas populares permaneceram neste período (e

permanecem ainda nos dias atuais), o parceiro fantasma no jogo político”. O

discurso é ambíguo, apontando para a participação, mas mantém o mesmo

padrão “paternalista” observado nas primeiras falas do jornal. Uma proposta

demagógica apontando para a participação, mas que pressupunha o acatamento

das professoras às decisões da entidade sem dar margem à discussão e ao

pensamento divergente. É estranho, também o não reconhecimento do

movimento como exclusivamente feminino, adotando o uso genérico de “mestres”.

O que teria feito a diferença do movimento de 1959 em relação aos

anteriores foi a ameaça cumprida de rompimento com as relações tradicionais de

cordialidade e disciplina, mantidas até então. A categoria esteve, desde o

princípio, organizada e disposta a lutar até à greve. A líder da entidade ameaçou

romper com a tradição de submissão e passividade, traduzindo o espírito de

revolta das professoras, caso o governo, não atendesse ao aumento pretendido.

“Ao apresentarmos nossa tabela à Assembléia Legislativa, agimos como educadoras e mulheres. Mantivemo-nos dentro da linha de compreensão e de dignidade que nos compete, confiando plenamente nos representantes do povo. Finalmente, vimos que fomos mal compreendidas e que recebemos tratamento injusto. Agora, confiamos no governador e nos deputados, para que os erros sejam corrigidos. Ainda está em tempo, principalmente tendo-se em vista o espírito democrático do Governador Bias Fortes e dos dignos representantes do povo” (O DIÁRIO, terça-feira, 10 de novembro de 1959)

Nesse trecho pode-se observar a mudança no discurso da presidente. Ao

usar a primeira pessoa do plural, ela assumiu o coletivo. A transformação no

discurso da liderança foi concomitante à do jornal que aos poucos, foi

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modificando sua concepção acerca do movimento, percebendo-o, também, como

coletivo. Parece que tanto o repórter como a líder, entre avanços e recuos,

reconheceram a repercussão do movimento e, mais ainda, a disposição das

professoras de levarem a mobilização até às últimas conseqüências. Este

reconhecimento pode ser observado no primeiro dia de greve, quando o discurso

da presidente da associação foi expresso no coletivo:

“Não cederemos um passo sequer. A classe está unida e mostrou consciência de sua força. Pleiteamos melhor tratamento por parte do governo, tendo em vista o bom cumprimento do nosso apostolado. O professor só pode educar tendo bastante tranqüilidade. Com um salário de fome nada é possível. Não transigiremos. A classe só aceita dez mil cruzeiros iniciais. Nem um tostão a menos. Esta foi a decisão da assembléia e só voltaremos às escolas depois de reparadas as injustiças. (...) Este movimento visa, principalmente, a recolocar a escola primária no lugar que sempre teve na comunidade. Para isso o salário do professor é ponto importante, pois mais uma vez nos têm dito os pais que não desejam que seus filhos sejam a soma das frustrações e necessidade de seus mestres.” (O DIÁRIO, quarta-feira, 18 de novembro de 1959)

A idéia de “bom apostolado” neste contexto refere-se tanto a exigência de

tranqüilidade material para levar uma vida digna, quanto ao prestígio social que

valorizava o desprendimento aos bens terrenos e a nobreza da missão. No

discurso a representante das professoras está se referindo a uma retribuição

material sem negar à recompensa espiritual como uma permanência da idéia

simbólica de maternidade ligada ao exercício do magistério feminino185. Esta é

uma relação ambígua em que convive o velho e o novo, configurando uma coisa e

outra ao mesmo tempo186. Ela fala que a classe quer e precisa do salário para

manter o seu prestígio social na comunidade. E deixa isso bem aparente quando

185 “Ainda hoje, mesmo se constata que o discurso de caracterização do corpo docente

mudou, o exercício desse magistério não mudou. Não só o magistério é cada vez mais exercido por mulheres, como se viu, quanto ao exercerem o cargo têm na maternagem (sem nenhuma visão paradisíaca disso: prá bem e prá mal) sua principal ação. Além disso, a missão/apostolado de que se reveste a docência, sobretudo quando exercida pelas mulheres, cumpriria também esse papel: uma filiação e uma maternidade simbólicas, que encontram no magistério o lugar ideal de realização ou lugar de realização do ideal.” (Teixeira Lopes, 1991b, p. 37)

186 Segundo Chauí (1989), nas práticas sociais, diferente das dicotomias como muitas vezes foi vista a cultura popular, ela se manifesta em forma de ambigüidades, “isto e aquilo”, simultaneamente.

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diz, que os pais não querem professores insatisfeitos, frustrados, projetando nos

alunos seus problemas pessoais. As professoras não estavam pedindo, mas

exigindo e ameaçando com a intransigência. A contradição está em querer colocar

a escola no lugar que ela sempre teve na comunidade, uma vez que a

recompensa anterior era apenas um ato simbólico de enobrecimento, usado com

poder de manipulação nos contextos da homenagem, ou nos discursos, em que o

poder público tentava convencer as professoras a aceitarem a nobreza da missão

e o sacerdócio, em lugar do reconhecimento profissional que significava o

pagamento de um salário adequado187.

Chamou atenção a habilidade com que a liderança o conduziu,

avançando e recuando em momentos precisos, avaliando o poder de pressão da

categoria e dos apoios recebidos, assim como, manobrando a favor da categoria

os ataques recebidos. O jornal publicara uma única manifestação contra as

professoras, durante todo o movimento. Em memorial dirigido ao governador, o

presidente da Casa dos Funcionários Públicos, Sr. Ulisses Silva declarava o maior

apreço às mestras, porém manifestava discordância com a revisão nos seus

vencimentos, fazendo uma série de justificativas, das quais foi destacado:

“Assim é que o professorado primário goza das seguintes vantagens. (...)- se aposenta ao fim de 25 anos de permanência no serviço e o burocrata após 30 anos; – goza de 4 meses de férias anuais e o burocrata apenas 40 dias; - não tem obrigação de trabalhar aos sábados, o que ocorre com o burocrata; -tem garantia de promoção automática, de 3 em 3 anos, ao passo que o burocrata fica 5, 8, 10 e até 15 anos num mesmo estágio; - percebe qüinqüênios de 10% sobre seus vencimentos, ao passo que o burocrata e os demais apenas percebem 5%. Estas razões apenas bastam. (...) Não podemos, em nenhuma hipótese, apoiar, agora, a pretensão defendida pela Associação dos Professores Primários, pois isto seria contribuir para maior desnivelamento das tabelas de vencimento. (...) Atenciosamente. CASA DOS FUNCIONÁRIOS DE MINAS assin: Ulisses Silva – Presidente.” (O DIÁRIO, quinta-feira, 12 de novembro de 1959)

A argumentação do presidente da casa dos funcionários explicitava

187 “A ideologia da vocação, do amor e da dedicação tem por função encobrir as condições

concretas em que se dão as relações de trabalho. Esvaziando a carreira de seu conteúdo profissional, leva à quase inexistência de reivindicação de melhores salários e maior poder por parte da categoria.” (Bruschini e Amado, 1988, p. 8).

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estereótipos188 construídos socialmente sobre a profissão: trabalho próprio de

mulheres, vantagens injustificadas e que, por isso, não mereciam aumento. Esses

argumentos são usados até os dias atuais pelos governos e foram muitas vezes

absorvidos pelos professores em geral. A resposta da presidente foi incisiva não

apenas em defesa da categoria, mas afirmativa da disposição de luta. Foi

importante observar a idéia de profissão contida no discurso, demonstrando que o

exercício do magistério exigia competência intelectual e técnica:

“Uma aula não se improvisa. Prepara-se, planifica-se de tal modo, que duas ou três horas de trabalho em casa são poucas para o mestre defini-las e arquitetá-las. Alem disso, há o material de motivação de difícil confecção, para o qual o governo fornece, ou pouco fornece. (...) Devemos lamentar que o sr. Ulisses Silva sofisme de tal maneira que demonstre completa ignorância das coisas do magistério (...). Não pararemos nesta caminhada. Temos o apoio dos pais esclarecidos, dos professores secundários, de todos os sindicatos de trabalhadores, da imprensa, dos alunos e dos ex-alunos, não prestaremos ouvidos a quem faz o jogo dos poderosos para dividir o movimento das educadoras. Vamos para frente, resolutas, até conseguir os dez mil cruzeiros mínimos para o salário e a correção da clamorosa injustiça de que fomos vítimas. Os homens sensatos estão conosco.” (O DIÁRIO, sexta-feira, 13 de novembro de 1959)

Esta foi uma importante discussão sobre a profissão e vinha sendo feita

pela Associação e pelas professoras há bastante tempo. A remuneração era

defendida com esta argumentação, mas também pela diferenciação da profissão,

exigindo especialização e diplomas e era representada como uma profissão

intelectual distinta do trabalho burocrático189. Essa atitude de defesa da liderança

pode ser compreendida como o cumprimento de um papel de representação, mas

não deixa de revelar uma atitude centralizadora. Em nenhum momento apareceu

no jornal o discurso de professores ou de outros membros da diretoria, o que não

188 “Dizia-se, ainda, que o magistério era próprio para as mulheres porque era um trabalho de

‘um só turno’, o que permitia que elas atendessem suas ‘obrigações domésticas’ no outro período. Tal característica se constituiria em mais um argumento para justificar o salário reduzido – supostamente, um ‘salário complementar’.” (Louro, 1997, p. 453).

189 Foi este o motivo para a deflagração da greve, o aumento diferenciado concedido aos policiais e discutido no capítulo 2.

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favorecia a emergência de novas lideranças, como teria acontecido em 1954190. A

observação dessa postura da liderança tanto pode ser interpretada pelo

temperamento e forma de direção assumidas pela presidente da Associação,

como também permite ser interpretada como estratégia, impedindo a emergência

de pensamentos divergentes.

Outras manifestações da liderança também apresentam esta marca

centralizadora, impedindo a transparência de conflitos internos. Da mesma forma,

o jornal construiu a imagem da líder, sempre ativa, incansável, batalhadora,

respeitada, não apenas pela categoria, mas também pelas autoridades. Até

mesmo o restante da diretoria da associação, ou alguma das professoras de mais

iniciativa só apareceram em fotos. No passado, durante a campanha de 1954, o

comportamento do jornal foi bem diferente, apresentando vozes divergentes das

professoras, nomeadas e inscritas para se posicionarem na Assembléia. É curioso

que no meio delas, fazendo parte de uma ala a favor da greve, encontrava-se a

líder da greve de 1959, Marta Nair Monteiro, entre outras191.

A atitude centralizadora dependia também das circunstâncias. No

momento em que a Associação mandou publicar uma mensagem de aviso às

professoras no jornal sobre o início da greve, a assembléia foi tomada como

instância deliberativa pela necessidade de garantir a presença das professoras,

mostrando-as no coletivo, reivindicando e pressionando:

190 No movimento de Desagrado em 1954, que está relatado no capítulo 1, as professoras

apresentavam as mesmas argumentações e se defendiam de ataques como este. O jornal publicou várias cartas de professoras e uma réplica a uma argumentação dos deputados proferida pela professora Argemira Costa “(...) Enquanto todos os ocupantes dos diversos setores do trabalho físico ou intelectual encerram seus encargos ao toque de saída, só ela, a mestra leva para a sua casa o maior quinhão que lhe cabe: o preparo silencioso do dia de amanhã. E este é um trabalho que pode ser comparado Srs Deputados, às vossas comissões de estudo. Há também no vosso labor o estudo silencioso de casos a resolver, nos recessos das salas quietas e reservadas (...)”. (O DIÁRIO, 24 de outubro de 1954). No jornal Diário da Tarde, vespertino dos Diários Associados, saiu uma entrevista com a srta Marieta Houri onde ela faz um paralelo dos salários das professoras com os dos guarda civis e de trânsito. (DIÁRIO DA TARDE, sábado, 7 de novembro de 1959).

191 O DIÁRIO, quarta-feira, 18 de setembro de 1954. Além da Presidente Ana Coroaci Torquato estavam inscritas para falar na Assembléia: Aúrea Nardelli, de Juiz de Fora; Ivani Apalércio, Maria Lombardi, Honorina Nassife (Presidente da Associação das Professoras Muncipais de Belo Horizonte), Maria Lícia, Idelgarde Álvares, Sílvia Tibau (Casa das professoras), Marta Nair Monteiro e Alcelinda Correia.

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“AVISO ÀS PROFESSORAS

Colegas professoras do interior de Minas: Não tendo sido atendidas as justas reivindicações da classe por parte do governador, nem sido recebida nenhuma proposta do Palácio da Liberdade, a assembléia permanente do professorado, reunida nesta Capital há já dez dias, resolveu, por unanimidade, deflagrar greve geral, a partir da Zero Hora de hoje, 17 de novembro de 1959.

Neste estado de greve permaneceremos até serem satisfeitas as reivindicações da classe, que são as contidas em memorial já divulgado por O DIÁRIO.

Recomendamos a todas as professoras, diretoras e técnicas, etc que não compareçam aos grupos escolares. Fechem as escolas, solicitem o apoio dos pais e dos vigários, só voltando às aulas, quando receberem comunicação oficial desta entidade de classe.

Belo Horizonte, 17 de novembro de 1959.

Prof. Marta Nair Monteiro, presidente da associação de professores Primários de Minas Gerais”. (O DIÁRIO, terça-feira, 17 de novembro de 1959).

Os indicadores da tomada de decisão coletiva neste texto foram claros,

pontuando a resolução da assembléia o local, a data e a unanimidade, fazendo

referências ao exercício democrático do voto e da unanimidade da decisão.

Também foi colocada no coletivo a decisão da classe de permanecer em greve. A

contradição aparece na parte final da nota e diz respeito ao não comparecimento

nos grupos escolares das professoras, diretoras e técnicas. O mais adequado

seria dizer que, dada a decisão tomada em assembléia, a “classe” deveria apoiar

e aderir ao movimento, não comparecendo aos locais de trabalho. Se a

mensagem de início da greve foi uma tomada de decisão coletiva, o mesmo não

aconteceu com a comunicação oficial do seu final, quando a nota adquiriu tom

autoritário.

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FIM DE GREVE A Associação dos Professores Primários de Minas Gerais Considerando que a nossa greve, desde o início e intencionalmente, foi um movimento de protesto e de advertência; Considerando que logrou sucesso positivo em todo território do estado; Considerando que alcançou todas as camadas da sociedade e constituiu-se em reconhecimento da eminente dignidade da mestra; Considerando que obteve o apoio uníssono do povo, principalmente manifestado pelos sacerdotes, pais de família, organizações sindicais e entidades estudantis, bem como pelos órgãos de informação; Considerando que existe um clima de entendimento entre as duas partes do dissídio, capaz de assegurar a consecução dos demais objetivos; Considerando que há compromisso do Governo do estado assumido com mediadores de atender ao pedido dos professores em prazo restrito; Resolve terminar hoje a greve e exortar calorosamente a classe a conservar e alimentar a esplendida união que mantivemos nestes dias memoráveis. Belo Horizonte, 20 de novembro de 1959 Marta Nair Monteiro Presidente da APPMG em exercício.”192

Os termos finais do documento, após os diversos “considerandos”

conclui com: “Resolve terminar hoje a greve e exorta a classe a continuar unida e

conservar a esplêndida união que mantivemos nestes dias memoráveis.” Quem

resolve e exorta? A resolução é de responsabilidade do signatário do documento.

E a assinatura do mesmo é um ato da presidente em exercício da entidade. O

documento final da greve não reconheceu, assim, a assembléia como instância

deliberativa. Esse discurso, assim como outros, demonstram a contradição da

entidade, muitas vezes orientada por homens, em alguns momentos

reconhecendo a participação das professoras nas decisões coletivas do

movimento e, em outros, assumindo uma atitude diretiva, coerente com o

pensamento autoritário do movimento operário em geral. Como tratava de uma

192 A presidente Professora Maria Jofrina Mourão de Miranda encontrava-se em licença. O

documento saiu publicado na primeira página do jornal (O DIÁRIO, sábado, 21 de novembro de 1959.

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causa de mulheres, também pode ter o significado de mantê-las distantes das

decisões públicas193.

As contradições e ambigüidades do jornal e da direção do movimento

podem ser interpretadas pela relação de ambos com as instituições a que estão

ligados: a Igreja e a escola. O jornal representa o ideário da Igreja, cuja

organização é hierárquica e os discursos, em geral, são doutrinários, e nesse

sentido, exercem um poder pedagógico de cunho autoritário194. A escola também

foi sendo construída dentro de dispositivos, práticas, normas e rígidos

regulamentos que deveriam ser incorporados, estabelecendo a divisão entre,

inspeção direção, técnicos e regentes. O poder autoritário na escola sempre foi

forte, com os regulamentos exigindo desde a definição de qualidades

indispensáveis a um bom professor195 como condutas adequadas, incluindo a

forma de se apresentar socialmente, fora da escola, como os valores morais de

desprendimento pessoal196 e o permanente estabelecimento de uma divisão

técnica197. É por isso que se pode reconhecer como um avanço a forma como o

jornal vai representando as professoras nos títulos das reportagens do início ao

término do movimento.

193 “O feminismo entre nós continuaria a ser um fato ‘social’, não político. A idéia de que a

política não é assunto das mulheres, que aí elas não estão em seu lugar, permanece enraizada, até muito recentemente, nas opiniões dos dois sexos. (...) Na história e no presente, a questão do poder está no centro das relações entre homens e mulheres”. (Perrot , 1988, p.184).

194 “(...) o jornal não é uma palavra que foge e morre. Ele diz, afirma, repisa, martela o que quer espalhar até encravá-lo na cabeça do leitor. Desagrada hoje, é bem recebido amanhã, e acabará impondo e dominando”. (Lúcio dos Santos, apud Costa , 1989, p. 11).

195 “Qualidades Indispensáveis a um bom educador” REVISTA do Ensino, ano XII, abr/ jun, p. 38 p. 254. “Como se é um bom mestre” REVISTA de Ensino, ano XIV, n. 183 set/dez de 1946. Títulos da Revista do Ensino, publicada pela Secretaria de Educação e compilados pela Professora Dra. Ana Maria Casasanta Peixoto para a disciplina Formação e Profissão Docente no Brasil - perspectivas históricas.

196 Teixeira Lopes mostra como documentos reguladores de condutas pessoais e valores desejáveis para as mulheres são comuns na orientação das escolas religiosas no século XIX. Citando uma educadora francesa Marie Carpentier em 1847: “Alguns defeitos devem ser evitados: o orgulho e o desejo de promoção; o amor próprio, o cuidado consigo mesmo, de suas próprias satisfações; mais da própria glória que da glória de Deus (...)” (Teixeira Lopes, 1998, p. 41).

197 “Estes conflitos e tensões começam a agitar o interior da escola, mais acentuadamente após a vigência da Lei 5.692/71, quando se pretende modernizar a estrutura administrativa através da decisão do trabalho educacional”. (Bonacini, 1992, p. 37).

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Retomei os títulos do jornal para neles analisar as mudanças na

representação sobre as professoras. Antes da greve, de 6 a 16 de novembro, os

títulos passam de uma condenação social ao tratamento dado à professora,

“condenação unânime ao tratamento dado às professoras” - para em seguida

colocá-las como sujeito coletivo assumindo atitudes, em assembléias e ameaças

de paralisação. Acredito, como Blass (1992) que uma greve de mulheres já é em

si uma transgressão, mas diferentemente da autora, considero que ela não é um

rompimento, mas uma primeira fratura, com um processo de socialização das

mulheres educadas para a submissão e a passividade. Observa-se a partir do

quarto título, as professoras apresentadas como protagonistas da ação,

desafiando o governo e ameaçando com prazos e ultimatos para a resposta. Caso

contrário entrariam em greve, como foi demonstrado nos títulos seguintes:

“Condenação unânime ao tratamento dado às professoras.

Cresce a revolta do professorado.

Professoras recebem solidariedade geral.

Professoras dão 48 horas ao governo: aumento ou greve.

Mobiliza-se o professorado do interior para a campanha do aumento dos vencimentos.

Professoras dão ultimato ao governador.

Centenas de professoras superlotam as galerias da Assembléia: firmes no dez mil.

Aulas na rua em sinal de protesto: professoras primárias fazem planos.

Pais manifestam ao lado das professoras primárias.”198

A greve de 17 a 21 de novembro ficou reduzida a quatro dias, mas os

seus efeitos, mais do que o curto tempo de duração, foram importantes. Para isso

deve-se considerar sua eficiente preparação, a mobilização da população, o

período posterior com a continuidade da luta e o seu significado de movimento

coletivo adquirido na demonstração de vontade, persistência, coragem e

198 Com exceção de segunda-feira, quando o jornal não circulava estes títulos aparecem

respectivamente em O DIÁRIO, na sexta-feira dia 6, sábado dia 7, domingo dia 8, terça- feira dia 10, quarta-feira dia 11, quinta-feira dia 12, sexta-feira dia 13, sábado dia 14 domingo dia 15 de novembro de 1959.

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transgressão das professoras subvertendo a ordem vigente 199.

“Greve geral do magistério primário 22 mil professoras em greve. Alastra-se a greve do professorado primário. O Quartel General da greve funcionou no consultório de Juscelino Kubitschek. Professoras: greve encerrada”200.

Depois da greve, de 22 de novembro a 22 de dezembro, as professoras

persistiram na luta, comparecendo em massa, lotando as galerias da Assembléia

Legislativa, pressionando e protestando contra o salário menor do que o que foi

reivindicado, mas bem maior do que o governo dera antes. Na verdade, os 107%

de aumento foram conquistados no trabalho coletivo e persistente das professoras

ao lado da entidade da categoria. Nos títulos selecionados neste período observa-

se a garra e a persistência das professoras:

“Professoras e alunos retornam às aulas Galerias novamente superlotadas: professoras foram à Assembléia ver se a mensagem foi enviada: ainda não. Chega o fim o do ano: grupos fecham as portas. Governo estuda novas bases para o aumento das professoras Professoras (sob protesto) aceitam novas bases Professoras terão que esperar até que os deputados aumentem os seus subsídios Projeto de aumento das professoras foi a sanção”201

199 O direito de greve estabelecido na Constituição de 1946, não foi regulamentado, gerando

dúvidas de interpretação a respeito da legalidade da greve no serviço público. O discurso de um dos advogados da Associação na assembléia que deflagrou a greve alertou para a sua ilegalidade, ao mesmo tempo que demonstrou não acreditar na possibilidade de uma repressão do governo por motivos políticos. “O Sr. Osvaldo Gusmão, na qualidade de advogado da Associação, depois de exaltar a consciência de classe e profissional das professoras, disse da necessidade da luta até às últimas conseqüências para conseguir aquilo que elas reivindicam. Quanto ao perigo da greve, afirmou, seus riscos existem, mas que o governo não arriscaria a tomar uma atitude contra a classe das professoras, a qual estava em condições de demonstrar a caducidade da proibição de greve para os funcionários.” (DIÁRIO DA TARDE, terça-feira, 17 novembro de 1959).

200 O DIÁRIO nos dias: terça-feira dia 17, quarta-feira dia 18, quinta-feira dia 19, sexta-feira dia 20 e sábado dia 21 de novembro de 1959.

201 O Diário nos dias: terça-feira dia 24, quarta-feira dia 25, sexta-feira dia 27 de novembro e terça-feira dia 1o, quarta-feira dia 2, domingo dia 13 e terça-feira dia 22 de dezembro de 1959.

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Observando os títulos do início da mobilização à conquista final, foi

possível verificar os efeitos dos múltiplos significados: dinamicidade, crescimento,

conflito, mudança, afirmação, garra, organização, união, solidariedade, firmeza,

resistência, perseverança, coragem, transgressão, revolta, protesto, emancipação,

liberdade, reivindicação, identidade, entre inúmeros outros. O que se quer mostrar

com esta enumeração de sentidos é que, ao contrário do jargão popular de que

“uma imagem vale por mil palavras”, o lingüista sabe que as palavras permitem

inúmeros sentidos dependendo do contexto em que são enunciadas. Não se

pretendeu, no entanto, afirmar pela polissemia das palavras usadas nos títulos do

jornal que houve uma ruptura com o passado, na compreensão de que as

mudanças nas imagens e símbolos que elas evocam são produzidas pelo poder

dominante, mas permitem diversificadas formas de apropriação, assim como

mudam lentamente, porque são sempre reforçadas.

O que o jornal conseguiu captar naqueles idos de 1959 foram momentos

significativos na história das professoras, mostrando-as vivenciando um processo

de participação, assumindo o coletivo do movimento. Elas o assumem como

sujeito, e nesta compreensão o coletivo “professorado” é insuficiente para definir

suas participações. O termo “professorado” não mais define o movimento,

somente pela sua identidade feminina, mas também pela transformação das

professoras primárias que saíram da passividade para a participação. Professoras

primárias, não como um universal genérico, mas que lutaram e conquistaram no

espaço - Minas Gerais - e no tempo - 1959, a reivindicação pretendida. E o que

elas buscavam ultrapassava a conquista salarial, e foi, principalmente o

reconhecimento e a valorização profissional. As professoras primárias mineiras

conquistaram na luta o lugar na história da organização profissional, não apenas

como coadjuvantes, mas como protagonistas.

3.2 Nos gestos e imagens do jornal, a leitura da ação das professoras como

protagonistas da greve de 1959

A pesquisa da greve das professoras primárias em O DIÁRIO teve como

objetivo fundamental verificar no contexto de um movimento, a possibilidade de

perceber as professoras primárias como protagonistas da ação. A leitura do jornal

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permitiu a análise das modificações nos discursos do jornal e da liderança do

movimento, na medida em que se percebia o crescimento da participação das

professoras primárias e elas se tornavam ativas e não receptoras passivas dos

discursos. O coletivo “professorado”, presente nos textos do jornal, foi cedendo

lugar à afirmação da identidade feminina no movimento, representando-as como

as professoras. Os títulos passaram a expressar a imagem das professoras como

ativistas, rejeitando, protestando, pressionando com sua presença maciça.

Faltava, no entanto captá-las, além das suas participações coletivas, mostrando-

as em subjetividades, divergindo e apresentando os seus sentimentos e desejos.

Já vimos, mas é preciso reforçar, como o jornal generalizava suas falas,

postura que pode ser interpretada pelo propósito de criar a imagem do consenso

e da homogeneidade do movimento e a inexistência do conflito. Porém, mais do

que isto, é necessário compreender que o jornal como qualquer meio de

comunicação em todos os tempos, recorta, classifica, seleciona notícias e

informações, dando transparência e vozes a grupos ou pessoas com afinidade

com a sua linha editorial. É necessário que os leitores e pesquisadores de jornais

tenham a consciência da sua parcialidade, como na metáfora feita por Bourdieu

(1997, p.25) sobre a televisão, mas que pode ser aplicada a qualquer mídia em

todos os tempos:

“Os jornalistas têm ‘óculos’ especiais a partir dos quais vêem certas coisas e não outras: e vêem de certa maneira as coisas que vêem. Eles operam uma seleção e uma construção do que é selecionado.”

A seleção da imprensa tem o objetivo de convencer os leitores, ocultando

ou fazendo aparecer os interesses das elites que dominam o conhecimento.

Numa mesma discussão sobre os meios de comunicação e a manipulação dos

leitores, Chauí (1989, p. 33), usando Foucault, explica como as elites criam os

instrumentos de poder para produzir os objetos do saber. Esse raciocínio permite

compreender que nos meios de comunicação de massa “o silêncio, o implícito, o

invisível são, freqüentemente mais importantes do que o manifesto”. No O

DIÁRIO, como em qualquer jornal foi colocado em evidência o que ele tinha

interesse de fazer ver e crer. As personalidades enfatizadas pelo jornal eram

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quase sempre ligadas à Igreja, omitindo-se a participação de outras com papel

relevante na greve, mas que faziam parte de grupos divergentes do ideário

católico. Um exemplo desta posição do jornal, foi o reiterado apoio do presidente

do Diretório Acadêmico Afonso Pena da Escola de Direito da UFMG,

transcrevendo as suas falas, mas silenciando as do presidente do Diretório

Acadêmico da Universidade Federal, escondendo a sua participação, mencionada

apenas uma vez, como participante da comissão neutra202.

Da mesma forma é compreensível o reforço dado ao discurso da unidade,

da ordem e do movimento pacífico. É necessário, por isso, buscar divergências,

conflitos, resistências e iniciativas das professoras. Para isso foi necessário ler

nas entrelinhas e nas contradições do jornal, considerando, que as manifestações

não são apenas verbais, mas também de gestos e ações e que o corpo expressa

sentimentos, daí a opção em ver suas ações descritas não apenas nas imagens

verbais projetadas pelo jornal, mas também nas fotografias.

A descrição da organização da greve pelo jornal como grupo homogêneo,

conforme já foi analisado, obedecendo a uma organização superior, com

participantes laboriosas e cumpridoras das tarefas a que foram encarregadas pela

direção do movimento podem ser observadas em cenas narrativas:

“O professorado mineiro entra hoje em seu quarto dia de greve. Ontem, voltamos à Associação de Professores Primários. A cada canto, aos grupos, as várias comissões de greve trabalhavam, ora enviando correspondência para o interior ou manifestos para o professorado da capital: ou cuidando das informações e da distribuição de tarefas para os piquetes de greve. O trabalho é intenso, não cessando um só minuto. A cada momento chegam delegações do interior, que aqui vieram para trazer pessoalmente a solidariedade das escolas, ou buscar instruções diretas.” (O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959)

202 Várias vezes e em várias circunstâncias é mencionado o apoio do D. A. Afonso Pena e as

falas do seu presidente, Segismundo Gontijo. Em nenhum momento, no entanto, o jornal deu voz ao presidente do DCE José Nilo Tavares, que deve ter tido uma atuação muito mais importante, até mesmo pelo fato de ter sido escolhido para participar da Comissão Neutra. Na verdade, não posso afirmar que o presidente do DCE era naquele momento militante do Partido Comunista, mas que era pelo menos simpatizante do P. C.

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Essa descrição de grupos de professoras, trabalhando no quarto dia de

greve, cuidando de tudo, parecia bastante harmoniosa para uma situação tensa e

agitada de greve. No entanto, a reportagem foi além da descrição verbal,

fotografando os grupos tal como no relato. Esse artifício é conhecido e utilizado

nas reportagens jornalísticas para darem veracidade aos fatos. Cenas como estas

são organizadas para transmitir idéias, dando-se a impressão de casualidade. A

noção de participação transmitida ao observador é de restrição e controle. A

mesma mensagem pode ser encontrada nas cenas fotografadas do ambiente: a

calma, a ordem e a tranqüilidade.

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Foto 7 – Flashes de um grupo de professores no quartel general da greve no dia 20/11/1959

As diretoras de Diamantina estão em Belo Horizonte há quase uma semana. Estão solidárias com a greve. Todas as escolas estão fechadas. Na foto à direita a professora Terezinha Monteiro, diretora do G. E. Júlia Kubitschek, trabalhando na comissão da greve.

Fonte: O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959.

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Foto 8 – No QG da greve um grupo de professores no dia 20/11/1959

A foto é do plantão do Quartel General do Professorado. Nesta sala funcionava o consultório do Presidente da República.

Fonte: O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959.

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Foto 9 – No QG da greve um grupo de professores no dia 20/11/1959

É preciso mandar informações para o interior. Com o telefone censurado, com a censura nos telegramas, o jeito é expedir cartas, o que faz a comissão central de greve. Ônibus, caminhões, trens, carros e aviões são usados com sucesso.

Fonte: O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959.

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As cenas parecem ter o propósito de relacionar o ambiente de

organização grevista com a sala de aula, onde, no geral, prevalece a ordem sob a

autoridade da professora. A idéia de ordem imposta pelas fotografias é

desmentida pela agitação reinante em situações de greve em que, em quase

todos os momentos e lugares, as pessoas encontram-se ansiosas e agitadas. A

impressão que se tem na observação das imagens é de uma representação de

greve de mulheres e de professoras, tal como elas são vistas nos estereótipos,

como organizadas e laboriosas donas de casas, disciplinadas, disciplinadoras e

alheias às discussões políticas203. Na terceira foto a legenda acentua um clima de

trabalho e discussão, necessário à redação de cartas, mas na foto o chapéu

colocado sobre a mesa, parece insinuar a feminilidade, a elegância, e talvez a

classe social204 a que deveriam pertencer as professoras.

Numa outra situação, as professoras são vistas nos jardins do Palácio da

Liberdade, apresentando a mesma postura e as mesmas mensagens transmitidas

pelas fotos:

“O Palácio da Liberdade, ontem, às 16 horas estava policiado por elementos do departamento da ordem pública (...) Algumas mestras postaram-se nos jardins do Palácio, enquanto suas representantes entendiam-se com o Sr Bias Fortes. Demorando-se a reunião, algumas se retiraram, pois tinham de lecionar a noite. Houve, é certo, medo de subversão da ordem. Contudo, as educadoras repudiaram à interpretação calmas e senhoras da situação.” (O DIÁRIO, terça-feira, 10 de novembro de 1959)

Nesse relato, as professoras dirigiram-se ao Palácio, aguardando do lado

de fora a reunião da comissão com o Governador. Cientes do reforço da

203 A escola adquiria, também, o caráter da casa idealizada, ou seja, era apresentada como

um espaço afastado dos conflitos e desarmonias do mundo exterior, um local limpo e cuidado. A proposta era a de que este espaço se voltasse para dentro de si mesmo, mantendo-se alheio às discussões de ordem política, religiosa etc. Apontava-se que a polêmica e a discussão eram “contra a natureza feminina”. (Louro, 1997, p. 458).

204 Luiz Pereira em pesquisa sobre as professoras de São Paulo neste mesmo período atribui suas origens na classe média: “podemos concluir, portanto, que as professoras primárias tendem a participar da classe média assalariada, tanto pela profissão que exercem, como pelas suas famílias de origem e pelas ocupações de seus maridos (...) as professoras solteiras buscariam ao menos defender e consolidar a sua situação de classe média, como com grande probabilidade conseguirão, a julgar pela ocupação da maioria dos esposos de suas colegas casadas.” (Pereira, 1969, p. 142).

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segurança, as “educadoras” repudiaram a interpretação de ameaça à ordem,

demonstrando tranqüilidade. Nesta descrição é importante perceber o uso da

designação de educadoras, termo apropriado para reforçar as posturas sugeridas.

O relato continuou chamando a atenção para a saída de algumas, antes do

término da reunião, pois tinham de lecionar à noite, cumprindo os seus deveres. A

descrição foi feita na terça-feira,10 de novembro, e o título da reportagem

contradiz o clima reinante: “Professoras dão 48 horas ao governo: aumento ou

greve”.205

Em segunda nota, na mesma data, apenas o local é o mesmo. As

personagens agem de forma bem diferente do primeiro grupo:

“Ontem às 10 horas várias professoras primárias foram ao Palácio. Tiveram notícia de que aquela hora a presidente da Associação deveria comunicar-se com o governador para marcar uma audiência para a classe. Abandonaram as classes e os grupos escolares e foram para a Praça da Liberdade. A audiência foi marcada para as 16 horas.” (O DIÁRIO, terça-feira 10 de novembro de 1959)

Enquanto as professoras do primeiro relato sabiam a hora certa da

reunião e agiram como educadoras, cumprindo deveres e horários, as do segundo

eram mal informadas, além de terem transgredido normas, abandonando as

escolas. Foi importante observar na leitura atenta do jornal, em suas diversas

seções e colunas, as transformações na imagem das professoras projetada pelo

jornal, como um grupo homogêneo, disciplinado, sem expressar medos,

ansiedades, vozes dissonantes, obedientes e seguindo a orientação definida pela

liderança do movimento. Aqui e ali alguns indícios apontam para a divergência:

“Na capital uma ala do professorado pensa em dirigir-se com seus alunos para o Parque Municipal onde em suas alamedas, lecionarão ao ar livre.” (O DIÁRIO, sábado, 14 de novembro de 1959)

Esta ala referida era a de professoras de um determinado grupo escolar

da capital, que parecia temeroso com um movimento grevista e propunha uma

205 O DIÁRIO, terça-feira, 10 de novembro de 1959.

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posição intermediária, a de dar aulas na rua em sinal de protesto, ao invés de

deflagrar a greve. Também era impossível conter as reações impulsivas e

individuais como a que foi relatada na coluna “Fatos e Boatos” de uma discussão

relatada entre uma professora e um policial:

“PROFESSORA X POLICIAL

Na Câmara Municipal o vereador Leonardo da Cruz Valadares resolveu defender sua classe - guarda civis - com relação à campanha das professoras. Mencionou a certa altura que não se justificava a comparação das mestras com os policiais para justificar melhores vencimentos para o magistério e passou a enumerar os riscos que rondam o policial em sua missão. Uma professora componente da comissão de classe e àquela altura em busca da solidariedade dos vereadores não gostou do pronunciamento e com ele discutiu, visivelmente agastada sobre o impasse da comparação”.(O DIÁRIO, quarta-feira, 11 de novembro de 1959. Coluna Fatos e Boatos).

O que tentei mostrar com os relatos do jornal foi que a realidade é

complexa e é impossível a existência da homogeneidade dentro de um movimento

coletivo com número elevado de participantes, as professoras mineiras da capital

e do interior. Ademais, é impossível compreender a ação coletiva sem

manifestação de subjetividade, por isso, mesmo em grupo, as professoras

demonstravam diferenças de comportamentos, algumas eram mais espontâneas

e agressivas, transgredindo normas disciplinares, outras eram mais tímidas e

recatadas. Da mesma forma, fica impossível compreendê-las acatando ordens

sem discussão. A subjetividade é inerente à pessoa humana, porém pode também

ser explicada pelas múltiplas e variadas vivências culturais 206.

Apesar de o jornal não entrevistá-las, elas apresentam-se nas ações,

demonstrando o quanto tinham consciência da necessidade de manter a unidade

do movimento, assim como o apoio da população para conseguirem seus

206 Embora de uma forma superficial e ingênua e politicamente incorreta para os dias atuais,

O Diário da Tarde tentou captar a heterogeneidade do grupo: “Professoras reunidas – Jovens, velhas, belas, gordas, esbeltas estiveram ontem reunidas as professoras primárias, revoltadas com a injustiça de que foram vítimas no projeto de aumento dos vencimentos dos funcionários públicos. E mandaram ultimato ao Governo, ou são aumentadas, ou não haverá provas no final do ano”. (DIÁRIO DA TARDE, terça-feira, 10 de novembro de 1959).

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objetivos. O jornal mostrava-as em constante busca de apoios de sindicatos, de

pais, comércio e comunidade em geral. Um dos locais onde elas procuram apoio

inicial foi na CNTI - pelo fato da organização reunir categorias diferenciadas de

trabalhadores:

“A convite dos trabalhadores, uma comissão de educadoras, tendo à frente o deputado Hernani Maia, compareceu à reunião semanal do órgão. As mestras receberam as homenagens de todos os sindicatos, tendo uma delas feito um relato fiel do que vem acontecendo com o magistério. Afirmou-se na oportunidade que o projeto de aumento do funcionalismo estabelece uma subversão de valores, que compromete, sobretudo, o livre curso do ensino fundamental em Minas. Enquanto outros funcionários foram bem aquinhoados com elevado aumento, as mestras não apenas foram inferiorizadas, como injustiçadas (...) Informaram ainda as mestras aos representantes dos sindicatos, que pela tabela aprovada pela Assembléia Estadual, uma professora com vinte e cinco anos de efetivo exercício na cátedra perceberá apenas sete mil e novecentos cruzeiros, salário bem inferior ao inicial correspondente à carreira de guarda civil, a muitos postos de subalternos da polícia militar, inferior ao mínimo dos investigadores, dos fiscais de trânsito, etc.” (O DIÁRIO, quarta-feira, 11 de novembro de 1959)

Neste trecho, como em outros do jornal, foi feita uma referência explícita

ao tratamento respeitoso com que as professoras eram acolhidas. A expressão

“cátedra” era muito usada nos documentos do século XIX, designando a ocupação

oficial de uma vaga na regência207, mas adquiriu novo sentido na organização

acadêmica. A utilização de “cátedra” para o exercício do magistério no ensino

fundamental pode ter um sentido figurado, mostrando a distinção, reconhecimento

e prestígio social da profissão na época. Da mesma forma, as professoras

parecem assumir uma postura coerente com o exercício da profissão, reconhecida

como intelectual, na demonstração de confiança ao expor em público as razões do

movimento, buscando apoios necessários para sensibilizar o governo.

Os discursos proferidos e relatados neste meio de comunicação revelam

como elas teriam se apropriado das argumentações do mesmo, assim como o

207 Os documentos do século XIX mencionam a criação de cadeiras com significado de

cargos de professores regentes, conforme pode ser encontrado em Muniz (1998).

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jornal também teria incorporado suas reivindicações, ao longo do tempo, desde

movimentos anteriores, como o já mencionado, de Desagrado, em 1954. O jornal,

apesar das tentativas de uniformizar falas e comportamentos das professoras, não

teve outra alternativa senão apresentá-las manifestando diferenças e

subjetividades na ação. Estas foram imagens projetadas das professoras, sempre

ativas e participantes, comparecendo regularmente à Assembléia Legislativa,

lotando o seu plenário, acompanhando a tramitação do projeto até o final. As idas

constantes e a vigilância na Assembléia foram, também, decorrentes da estratégia

usada por um grupo de deputados, condicionando o aumento das professoras

aos de seus subsídios. A manobra ameaçava-lhes a conquista da revisão salarial

e era, também, considerada inoportuna pela opinião pública208. Acompanhando os

relatos das reportagens, foi possível imaginar o estranhamento que deve ter

causado a persistência dessas mulheres, marcando presença no plenário da

Assembléia, acompanhando e exigindo o cumprimento do compromisso político

assumido com a categoria como transparece nas matérias feitas naquele local:

“NA ASSEMBLÉIA

Centenas de professoras primárias compareceram à reunião na Assembléia Legislativa, superlotando as galerias a fim de dizer aos deputados que não desistirão da sua campanha por melhores vencimentos. A reunião foi das mais agitadas no Palácio da Inconfidência (...) A oposição viveu uma das suas melhores tardes, sendo constantemente aplaudida pelas galerias apesar da campainha da mesa. Em defesa do governo e recebendo de vez em quando vaias das professoras falaram os srs...” (grifo meu) (O DIÁRIO, sexta-feira, 13 de novembro de 1959)

“Grande número de professoras primárias retornou ontem à Assembléia Legislativa, afim de assistir à reunião. (...) Para sua decepção, porém, não houve ‘quorum’, não podendo, em conseqüência, ser aberta a reunião. (...) Descendo as escadas, muitas professoras comentavam furiosas: ‘esta manobra da maioria, para impedir a votação da indicação já era esperada...’.” (O DIÁRIO, sábado, 14 de novembro de 1959)

208 “Aos próprios parlamentares defensores da antipática iniciativa é notório que não podia ser

pior a repercussão que está provocando a sua obstinação, tanto mais que a obstrução aos outros projetos se está fazendo por motivos de natureza quase inteiramente pessoal. É sempre lamentável legislar em causa própria.” Não houve acordo: Deputados aumentistas continuam irredutíveis. (O DIÁRIO, terça-feira, 17 de dezembro de 1959).

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“As grevistas estiveram ontem na Assembléia Legislativa onde permaneceram durante várias horas. Dali, em grupos, rumaram para as estações de rádio e televisão onde fizeram apelos aos pais de família para que apóiem a greve” (O DIÁRIO, quarta-feira, 18 de novembro de 1959)

“(...) o deputado Simão da Cunha disse que o Governador Bias Fortes determinara que os cabos da Polícia Militar darão os testes de fim de ano aos alunos dos grupos escolares. O aparte foi acolhido com risos pelo plenário e pelas galerias, que novamente estavam superlotadas de professoras.” (grifos meu) (O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959)

“O movimento das professoras primárias continua sendo assunto na Assembléia Legislativa. Durante todo o tempo da reunião de ontem as galerias estiveram superlotadas de mestras que foram ver se a mensagem do governador já tinha sido enviada.” (O DIÁRIO, quarta-feira, 25 de novembro de 1959)

“As galerias ainda estavam lotadas de mestras e o Sr. Hernani Maia abordava mais uma vez o rumoroso affaire professoras primárias” (O DIÁRIO, sexta-feira, 27 de novembro de 1959)

“Foi aprovado em primeira discussão o projeto 664, do governo que aumenta os vencimentos das professoras primárias do Estado. Numerosas mestras estiveram nas galerias, presentes à votação” (O DIÁRIO, sábado, 5 de dezembro de 1959)

“Professoras viram ontem aprovado seu projeto em segunda discussão” (O DIÁRIO, quinta-feira, 17 de dezembro de 1959)

“A Assembléia Legislativa aprovou ontem em terceira discussão o aumento dos vencimentos das professoras primárias. As professoras vão se reunir hoje às 15 horas na sede da Associação dos Professores Primários... O secretário de Educação despachou ontem favoravelmente a indicação do Sr. Jorge Ferraz. Serão abonadas as faltas das professoras durante os dias de greve.” (O DIÁRIO, terça-feira, 22 de dezembro de 1959)

A presença destas mulheres, persistentes e batalhadoras na Assembléia

Legislativa, narrada pelo jornal, acentuava a unidade e a perseverança na defesa

do projeto. Algumas vezes o jornal apresentava-as expressando-se em formas de

aplausos, vaias e risos. Na leitura observei que o jornal captava muito pouco as

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particularidades de um movimento de mulheres209, não usando o humor de

charges ou descrevendo os rituais típicos de uma greve de mulheres. Isto pode

ser compreendido, em parte, pela presença no imaginário da época das imagens

paradigmáticas do movimento operário210 ou pelo sisudo moralismo211 do jornal.

Esta quase ausência de expressões femininas deixou-me frustrada, uma vez que

esperava captar mais particularidades de uma greve feminina a partir das

observações de Perrot (1988, p. 211); “as mulheres possuem formas de

expressão peculiares que muitas vezes se diferenciam dos homens nas greves.

São mais espontâneas, intempestivas, irônicas e irreverentes”.

A descrição da assembléia de professoras que retirou a greve é típica

das omissões do jornal. Apesar de descrevê-la pela expressão - “dramática

reunião”- ele não explica o motivo dessa dramaticidade. Fica compreensível o

clima de tensão pelo tempo de sua duração, pelos vários discursos dos

deputados, líderes sindicais e as tentativas feitas na última hora de entendimento

com o governador. O repórter, no entanto, apresenta as professoras aceitando

com unanimidade a tese da greve:

209 No Diário da Tarde foi possível perceber a tentativa de captar as peculiaridades de uma

manifestação de mulheres, ou a reação do público em relação ao movimento: “Todas as comissões de greve estão funcionando normalmente, demonstrando que o movimento foi muito bem organizado. A comissão mais ativa é sem dúvida a de finanças (...) Criou uma bossa nova que nada mais é do que a venda de doces e biscoitos aos que comparecem às reuniões. Principalmente para os muitos ‘gostosões’ que aparecem na esperança de conquistar uma das lindas professorinhas grevistas.” (DIÁRIO DA TARDE, quarta- feira, 18 de novembro de 1959. Título: “Bossa Nova na caixinha”).

210 “Eu diria de acordo com Nicholson (1994), que esta estrutura de organização não só é predisposta pelos homens, mas fortemente marcada por valores e significados masculinos, mesmo quando conta com a presença majoritária de mulheres.” (Vianna, 1999, p. 32)

211 Castro, 1997.

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“Durante a assembléia da Secretaria de Saúde fizeram-se ouvir deputados, líderes de classe, os assistentes jurídicos da Associação dos Professores, as professoras do interior que aqui vieram e as líderes de classe. A certa altura, quando se discutia a tese de greve, por sugestão da mesa, decidiu-se que uma comissão constituída pelos deputados Valdomiro Lobo, Divino Ramos, Paulo Campos e Sadi da Cunha Pereira fosse ao palácio para ainda uma vez tentar pronunciamento favorável do Governador, sem resultado. Com lances dramáticos optou-se pela greve geral de advertência, em todo o Estado, por três dias, com possibilidades de se ampliar por mais tempo, caso o governo não remeta a Assembléia a mensagem de aumento dos vencimentos, na base de dez mil cruzeiros. A Assembléia das mestras ouviu o relato, discutiu os prós e os contras e decidiu, por unanimidade, deflagrar a greve a partir de hoje. Sendo assim, não funcionarão as escolas públicas de Minas.” (O DIÁRIO, terça-feira, 17 de novembro de 1959)

A unanimidade da decisão na assembléia não convence pela insistência

com que a idéia foi imposta o tempo inteiro, referendando a imagem de unidade,

greve ordeira e pacífica, assim como de um movimento homogêneo e sem vozes

dissonantes. Foi esta a razão que me levou a buscar a versão de outro jornal na

mesma data. A leitura do Diário da Tarde, também foi feita de forma consciente

de que ele tinha outro posicionamento e poderia não ser a expressão correta da

realidade. Mas, a julgar pelas reações de uma multidão, onde as opiniões nem

sempre são convergentes, mas também pelos comportamentos demonstrados

pelas professoras em outras situações descritas pelo jornal, prefiro acreditar na

versão do Diário da Tarde:

“Somente às 22:30 começou a ser discutido o problema da greve e a data do seu início, momento em que a reunião tomou aspecto dramático pois as diretoras da Associação das professoras desejavam a deflagração do movimento a partir do dia 19, com o que não concordou o plenário que aos gritos, exigia a greve a partir de hoje. Diante do estado de espírito demonstrado pelas professoras na reunião, o deputado Divino Ramos tentou conseguir uma solução do governo ainda na noite de ontem. (...) Com a volta da Comissão o deputado Paulo Campos relatou o que aconteceu no Palácio, agravando a exaltação do ânimo das professoras que, com apenas um voto contra decidiram declarar-se em greve.” (grifos meus) (DIÁRIO DA TARDE, terça-feira, 17 de novembro de 1959)

Os dois relatos coincidem, inclusive com relação à prolongada duração da

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assembléia. Ambos relatam a tentativa de conciliação dos deputados e a ida de

uma comissão ao Palácio na busca de impedir a não deflagração da greve. Até a

unanimidade foi confirmada, porém com outro sentido, as professoras não

concordaram com a manobra tentada, mas omitida pelo O DIÁRIO, de adiar a

greve e o seu estado de ânimo era exaltado, exigindo, aos gritos a sua

deflagração. Essa discordância do plenário, mais uma vez reafirmou a imagem

das professoras como participantes, sujeitos da ação e não submissas, aceitando

imposições das autoridades.

Outras situações demonstraram as atitudes participativas das

professoras. Um movimento grevista é um momento de confronto e, como tal,

gera tensão e expectativas, sendo marcado pela revolta e indignação, gerando

atos concretos e simbólicos de resistência. A revolta alcança o seu auge no

deflagrar da greve, continua durante o movimento, mas existem momentos em

que o clima fica mais tenso, como na descrição abaixo, no Instituto de Educação:

“Anteontem, no Instituto de Educação não apenas nas salas de aula como nos laboratórios as futuras professoras, como as professoras-alunas que se especializam em Pedagogia, Técnica Educacional, Administração Escolar etc, não esconderam sua revolta quanto ao tratamento que lhes foi dado. Num cartaz o professorado manifestou sua revolta (...). Idêntica revolta se nota em todas as escolas, indistintamente, sendo que em algumas as diretoras tiveram de agir com muita ponderação para que as atividades não fossem paralisadas ou não se concretizassem manifestações públicas.” (O DIÁRIO, domingo, 8 de novembro de 1959)

“As educadoras receberam com protestos o não atendimento do aumento de três letras e o fato da diferença de padrão ser apenas de trezentos cruzeiros. Houve protesto ainda contra o Secretário de Educação, havendo manifestação geral pela sua saída da pasta. O deputado Jorge Ferraz defendeu o Sr. Ciro Maciel e comunicou que a Assembléia Legislativa cuidará do abono das faltas.” (O DIÁRIO, quarta-feira, 2 de dezembro de 1959)

O clima parecia ser de revolta, protesto e indignação em quase todos os

espaços educacionais que mantinham cursos de formação e aperfeiçoamento de

professoras, demonstrando que a greve extrapolou a questão meramente salarial,

atingindo as candidatas ao magistério. Da mesma forma como apontava para uma

reivindicação, senão de um plano de carreira, mas para uma ascensão mais

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rápida. A menção a um cartaz, sem a transcrição dos seus dizeres, dado o

minucioso das reportagens, confirma a impressão de que o jornal selecionava o

que devia, ou não, ser divulgado. No outro relato a reação foi também de

indignação com o deputado tentando amenizar o clima de revolta com a notícia de

que cuidaria do abono das faltas, na tentativa de conter a manifestação pela

saída do Secretário da Educação.

Reações como as descritas no jornal são comuns em situações de greve

e, às vezes, para aliviar a tensão, são comuns as manifestações simbólicas de

enterros ou os pedidos de corte de cabeças, como a saída do secretário, Ciro

Maciel. Em outros momentos, as resistências costumam assumir o caráter de

deboche e o clima de descontração torna-se muitas vezes necessário para aliviar

as tensões212:

“Ontem correu no meio educacional o boato de que as autoridades estariam dispostas a solicitar a colaboração dos cabos da Polícia Militar para aplicarem os testes de fim de ano, aos escolares. O professorado recebeu a notícia com muita graça, desde que esta tarefa é impossível de ser realizada, a não ser pelo regente de classe. Aliás, as leis de ensino assim preceituam.” (O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959)

A ameaça de repressão do governo deve ter servido para instalar o clima

de deboche, relaxando e descontraindo as professoras da tensão provocada pela

greve, pois era claro que a alternativa era inviável e se fôra feita com o intuito de

coação provocou risos e até piadas. Da mesma forma, o relato, mostrando a

fiscalização dos inspetores, parece ter produzido o efeito esperado pelo jornal que

era o de aumentar a revolta e tornar a greve ainda mais forte:

“A Secretaria de Educação vem determinando aos inspetores que verifiquem quais os grupos escolares que estão fechados. Alguns desses inspetores sem muita afinidade com a vida escolar, foram mais longe e coagiram as professoras. Elas não aceitaram a intimação de voltarem às aulas.” (O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959)

212 “A tensão e o medo, no entanto, acompanham estas práticas festivas que surgem neste

momento como um mecanismo de se burlar esses sentimentos criados pela greve”. (Blass, 1992, p. 162). “A greve é um movimento de ruptura mesmo; se faz coisas inesperadas - depoimento de uma bancária.” (Blass, 1992, p. 164).

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O incentivo à revolta é uma postura incoerente do jornal, mas ele não

podia omitir a participação das professoras, mesmo que tentasse anular sua

subjetividade e essa contradição, aliada à compreensão da especificidade de um

movimento coletivo revelou o que ele tentava esconder o tempo inteiro - as

diferenças e os conflitos no movimento sob aparência de harmonia. A assembléia

que colocou fim à greve não foi tranqüila. Foi preciso o uso da persuasão, dos

discursos retóricos das autoridades, principalmente do bispo auxiliar de Belo

Horizonte, D. Serafim Fernandes de Araújo, para que a assembléia aceitasse

voltar às escolas e fechar o ano letivo.

Na circunstância, as professoras estariam assumindo um recuo tático,

manifestando docilidade e obediência para conseguirem o aumento pretendido. É

a utilização do consentimento, que conforme Chartier (1995, p. 42), está

presente na ação de transigir, como um mecanismo eficaz e consciente de reagir

à dominação. Esta explicação possibilita pensar a ação das professoras,

elaborando respostas individuais e ou coletivas que envolvem tanto a recepção

passiva quanto ativa às contradições sociais. Elas estariam usando o recurso de

aceitar normas, dando aparência de obediência e submissão, como um recuo

tático para se ganhar tempo e conseguir alcançar os objetivos desejados. Usando

essa interpretação e aplicando-a ao caso específico das professoras primárias,

mineiras é possível entender o que, a princípio, pode ser tomado apenas como

obediência e submissão.

“As educadoras diante da nova situação criada com o decreto governamental ajustaram-se a ela dando imediato cumprimento à deliberação do governador Bias Fortes. Sob orientação das diretoras e das orientadoras técnicas ultimarão, ainda hoje, esses trabalhos, a fim de que o Código do Ensino Primário de Minas possa ser cumprido terminando o ano letivo, amanhã, dia 25, também em conformidade com a decisão governamental. Este capítulo dos trabalhos escolares inclui decisão da Associação de Professores, visando colaborar no máximo com o Governo, para que os meninos não fossem prejudicados” (O DIÁRIO, terça-feira, 24 de novembro de 1959)

O tornar-se professora foi e continua sendo uma construção social, uma

ação educativa, da mesma forma como não se nasce mulher, mas se torna

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mulher213, assim como é também socialmente que se faz homem. O exercício do

magistério, tal como o de outras profissões é uma construção histórica com vistas

à diferenciação de papéis masculinos e femininos de acordo com aptidões aceitas

como naturais. Esta construção social de gêneros, entendida sempre de forma

relacional, criou expectativas de diferenciação no exercício profissional de homens

e mulheres. Das mulheres espera-se, até os dias atuais, um exercício profissional

marcado pelos atributos estereotipados de natureza feminina, manifestando

fragilidade, docilidade, sensibilidade e obediência. O conhecimento dos

mecanismos de dominação, expressos em formas simbólicas, contribui para que

os dominados, no caso as mulheres, aparentem submissão, mas na apropriação

dos discursos usam o consentimento, revertendo-o e transformando-o em

instrumento de resistência. Nesse sentido, apropriação não implica em aceitação,

mas é recurso de subversão da relação de dominação, manifestando aparente

docilidade para atingir os objetivos pretendidos214. Um indício de que as

professoras não aceitaram passivamente os resultados da negociação é a

manifesta insatisfação em relação ao aumento, que apesar de dobrar o salário,

não veio de acordo com a reivindicação encaminhada ao governo.

213 “Gênero e classe não são também elementos impostos unilateralmente pela sociedade,

mas com referência a ambos supõe-se que os sujeitos são ativos e, ao mesmo tempo, determinados, recebendo e respondendo às determinações e contradições sociais. Daí advém a importância de entender o fazer-se homem ou mulher como um processo e não como um dado resolvido no nascimento”. (Louro, 1992, p.57).

Diversos estudos de gênero na História da educação trabalham a naturalização nas construções das diferenças de masculino e feminino. Louro, 1992, 1989, 1997; Teixeira Lopes, 1991b; Muniz, 1992, 1998, entre muitos outros.

214 Chartier,1994, p. 109.

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“Protestando contra a tabela de aumento a ser concedida pelo governo do Estado (8500), o professorado, depois de quatro horas e 10 minutos de assembléia geral, concordou em aceitar a decisão do Governador Bias Fortes. Vários oradores se fizeram ouvir, todos concitando o professorado a aceitar o atual aumento desde que não há na história sindical ou de greves, movimentos reivindicatórios que culminassem com o aumento de 107% como o atual. Coube ao deputado Renato Azeredo, em nome do governo, comunicar a decisão. As professoras receberam com protestos. Posteriormente, um a um, os oradores realçaram a necessidade de manter coeso o professorado, sugerindo que acatassem a decisão do Governador Bias Fortes, tomada graças à mediação do Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, D. Serafim Fernandes de Araújo. Ao final a presidente da Associação de Professores Primários revelou seu pensamento e recebeu o apoio e as aclamações gerais, sendo aprovada a nova tabela” “PROTESTO - As educadoras receberam com protestos o não atendimento do aumento de três letras e o fato da diferença de padrão ser de apenas trezentos cruzeiros. Houve protestos ainda contra o Secretário de Educação, havendo manifestação geral pela sua saída da pasta. O deputado Jorge Ferraz defendeu o Sr. Ciro Maciel e comunicou que a Assembléia Legislativa cuidará do abono das faltas.” (grifos meus) (O DIÁRIO, quarta-feira, 2 de dezembro, de 1959)

Depois de conseguirem o aumento as professoras ainda encontravam-se

insatisfeitas, num claro sinal de que se mantinham coerentes com as

reivindicações anteriores de isonomia salarial com os militares. Esse parece ser

um indício, no meio de tantos outros, de que as professoras não apenas

delegaram à associação o poder de lutar por elas, mas assumiram coletivamente

a luta. O texto jornalístico revelou o protesto na aceitação da proposta de

aumento, quase duas semanas após o término da greve.

Os fatos registrados no jornal trouxeram à tona a consciência política e

não somente uma reivindicação salarial das professoras. Elas, com a greve, não

só demonstraram reconhecer no salário um direito e o reconhecimento

profissional, como negaram o discurso do poder com objetivos claros de

cooptação feito pelo governador de Minas após a deflagração da greve:

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“(...) o meu governo teve particular cuidado com a nobre classe (...) Tudo isto relembro para salientar que as professoras primárias sempre me mereceram apreço e simpatia, tanto por constituírem a maior parcela dos servidores do estado, como pela elevada missão de que se acham investidas na formação intelectual e cívica da juventude mineira. (...) Assim, por espírito de justiça, a nobre classe não haverá de negar o distinto tratamento que o meu governo sempre lhe dispensou, o sentimento de moderação que é o traço marcante das professoras mineiras está a indicar que qualquer ato destoante dessa conduta não pode encontrar ressonância no seio do magistério primário, hoje, como sempre, exemplo das mais elevadas virtudes que concretizariam aquelas que têm a sagrada missão de educar (...) Com a deflagração da greve, o aspecto da questão sofreu modificações, uma vez que o poder público não deve nunca agir sob coação.” (grifos meus) (O DIÁRIO, quarta-feira, 18 de novembro de 1959)

O discurso contém artifícios simbólicos usados para reproduzir interesses

da dominação, apresentando as normas e comportamentos adequados às

professoras como mulheres, tendo seus papéis delimitados pela construção social

de gênero. É o discurso de persuasão utilizado pelo poder político e/ou

religioso215, instituindo e reafirmando as imagens da dominação. Estes discursos

repetem e reiteram símbolos: “nobre classe”, “elevada missão”, “elevadas

virtudes”, “sagrada missão” na tentativa de manter a conformação, a moderação e

a submissão, apontando para a honra e distinção simbólica dos papéis sociais

reservados aos professores. Ser honrado, distinto, homenageado deve trazer

como resultado a aceitação dos salários pagos pelo Estado.

O governo expressava pelo discurso seu apreço às mestras, esperando

delas obediência, respeito às normas, compreensão e reconhecimento às atitudes

paternalistas. A resposta dada pelas professoras não foi a esperada, mas a

transgressão e subversão da ordem, obrigando o governador a declarar, ofendido:

“O poder público nunca pode agir sob coação”216. Agindo de forma autoritária, o

governo reconheceu a greve e, conforme já foi visto, decretou o final do ano letivo.

215 “Ao educador caberia dirigir as crianças, instruí-las e educá-las, e fazê-las cuidar da

saúde, ao mesmo tempo desenvolver o espírito infantil com a moral cristão... (...) neste processo educativo o professor é considerado apóstolo cheio de abnegação”. (Costa, 1989, p. 51).

216 O DIÁRIO, quarta-feira, 18 de novembro de 1959.

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Ele não esperava a insubmissão das professoras mineiras, sempre cordatas em

situações anteriores.

As representações coletivas, presentes no discurso do poder, cumpriam,

ontem como hoje, o papel de socialização permanente e a reafirmação de valores

dominantes. Elas se propagam utilizando a escola como instância de educação

formal, mas também as diversas instituições de poder na sociedade, incluindo o

jornal217. A sociedade, ao incorporar essas representações simbólicas, torna-as

legítimas e duradouras e isso explica a permanência das imagens, impondo a

dominação. Contraditoriamente, do mesmo modo que elas adquirem uma certa

permanência pela construção simbólica e lingüística, as mesmas representações

tornam-se passíveis de reconstruções. Daí a importância do conceito de

apropriação de Chartier (1990, p.136-137) no qual “a aceitação das mensagens e

dos modelos opera-se sempre através de ordenamentos, de desvios e de

reempregos singulares que são o objeto de fundamental de uma história cultural.”

Este conceito foi enunciado remetendo às recepções da leitura mas, segundo o

autor, pode ser aplicado a qualquer situação que implique na apropriação de

textos:

“Ao pressupor correspondências demasiado simples entre níveis sociais e horizontes culturais, ao captar os pensamentos e as condutas nas suas expressões mais repetitivas e mais redutoras, tal perspectiva falha no essencial, que é a maneira contrastante como os grupos ou os indivíduos fazem usos dos motivos ou das formas que partilham com os outros.(...) Pensar deste modo as apropriações culturais permite também que não se considere totalmente eficazes e radicalmente aculturantes os textos ou as palavras que pretende moldar os pensamentos ou condutas”. (Chartier,1990, p. 136)

O que leva à compreensão de que os discursos e as práticas que eles

instauram não são iguais e não correspondem às percepções em termo das

217 A pesquisadora Eliane Marta apresenta em seus trabalhos uma série de discurso com o

mesmo sentido religioso com a finalidade de produzir a conformação feitos por autoridades, educadores, revistas pedagógicas e até mesmo pela presidente da Associação das Professoras, Marta Nair Monteiro, como o que retirou do jornal Estado de Minas e que serve como exemplo: “Ser professor é estar acima de uma simples profissão: é um eterno dar-se, um constante servir com amor, paciência e abnegação. Alicerce da sociedade, insubstituível plasmador de caracteres, é no professor primário que repousa todo o futuro da nação ” (Teixeira Lopes, 1998, p. 50).

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divisões homogêneas e artificiais como a de classes sociais, desconsiderando os

múltiplos mecanismos de diferenciação implícitas nas subjetividades de recepção.

Para isto é preciso pensar nas duas pontas do processo de produção de práticas

de representação, os contextos onde os discursos são produzidos e recebidos. É

neste sentido que os movimentos sociais como contextos de ação individual e

coletiva, são ideais para a percepção das contradições. Neles os conflitos ficam

mais visíveis e os indivíduos ou grupos se descobrem protagonistas da ação, ao

desvendarem os mecanismos simbólicos de dominação. Isto não significa que

esta compreensão é igual e duradoura para todo o grupo, uma vez que novos

mecanismos de poder são engendrados, provocando na história um movimento

pendular de permanências, mudanças e descontinuidades.

As professoras no movimento de 1959, ou uma parcela delas, parecem

ter percebido as contradições e os conflitos de representação que vivenciavam. A

luta era portadora de dois sentidos: o de conservar o prestígio do magistério,

valorizando os aspectos simbólicos e o de conquistar um salário compatível com a

importância social da profissão218. Neste contexto, existia duas representações em

conflito, a primeira remetendo ao prestígio profissional, relacionado à missão e ao

sacrifício e a segunda, na exigência de uma remuneração adequada, garantindo

uma atitude profissional219. As palavras, missão e apostolado, marcando a

recompensa espiritual e a alteridade, sem retribuição temporal e terrestre, foram

contrapostas ao salário que deveria garantir o reconhecimento e a valorização

profissional.

A greve de 1959 já era uma negação do discurso da homenagem e do

poder e ela já estava aparente desde o movimento de Desagrado em 1954. Lá

um grupo de professoras alertou a Associação para a negação, naquele ano, da

comemoração do dia da mestra, uma vez que elas se encontravam lutando por

218 “Não se pode esquecer que ‘a própria noção de profissionalização tem sido muito

importante não somente para o professorado em geral mas para as mulheres em particular’.” (Louro, 1997. p. 473).

219 “As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupos que as forjam. Daí para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza”. (Chartier, 1990, p. 17).

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melhores salários. A negação do dia implica em negar o seu significado simbólico:

“Parte do professorado belo-horizontino vem de prevenir à associação o desejo de que, este ano, o Dia da Professora Primária não seja comemorado, já que a classe se encontra em situação de expectativa à espera de melhores vencimentos. Algumas professoras desejam mesmo que a data de 30 de outubro, em que se comemora o ‘Dia da Professora’ seja considerado ‘dia de luto’ para a classe em Minas.” (O DIÁRIO, quinta-feira, 24 de outubro de 1954)220

Em 1959 a mesma negação foi mantida, como pode ser visto nos

comentários aos discursos feitos na Câmara dos deputados na comemoração do

dia das professoras:

“PALAVRAS APENAS

- A srta Marieta Houri assinalou que há poucos dias, quando se comemorou o Dia das professoras os deputados fizeram pomposos discursos exaltando o trabalho dedicado das mestras e a sua importância para o progresso da nação. Porém – afirmou – ‘na tramitação do projeto as palavras bonitas proferidas dias antes foram esquecidas e as professoras relegadas a uma situação infra-humana’. Em seguida fez um paralelo sobre várias categorias de funcionários para demonstrar a injustiça de que foram vítimas.” (grifos meus) (DIÁRIO DA TARDE, 7 de novembro de 1959)

“Palavras apenas”, usadas no subtítulo do Diário da Tarde, vêm

demonstrar como as professoras rejeitavam a comemoração e também os

discursos nos quais predominavam as expressões estereotipadas e lugares

comuns. Esses quando muito repetidos acabam esvaziados de sentido

principalmente se os receptores dos discursos rejeitam ser objetos e se tornam

sujeitos de suas ações. A proposta de trocar o dia da professora pelo dia do

luto foi uma primeira tentativa feita em 1954, de denúncia da relação de

dominação implícita nos discursos laudatórios. Em 1959 foi dado um passo

maior, quando as professoras não apenas denunciaram, mas foram à luta. As

professoras mineiras saíram em 1959, da passividade para a denúncia. Foram

220 Neste ano como em vários anos até final da década de 1950 encontrei no jornal a

comemoração do dia do professor secundário no dia 15 de outubro e o da professora primária no dia 30.

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à luta dispostas a demonstrar o cansaço de serem elegantes, cordatas e

serenas221.

221 “Dizendo-se cansadas de serem cordatas e serenas as professoras primárias do estado

decidiram após movimentada assembléia realizada ontem na sede da entidade que congrega a classe arregaçar as mangas e entrar rijo na luta em prol de um melhor salário. E ameaçaram entrar inclusive em greve para obrigar o governo a lhes dar um tratamento mais justo. Já que no projeto recentemente aprovado pela assembléia Legislativa foram relegadas a um plano secundário”. (DIÁRIO DA TARDE, sábado, 7 de novembro de 1959. Rebelião do Ensino).

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É certo que as grevistas em 1959, assim como as professoras no

movimento anterior de 1954 não romperam com o passado de dominação, mas

elas se mostraram capazes de decodificar o mecanismo de dominação contido

nos discursos do poder e de assumir a atitude de negá-los e denunciá-los. Uma

das formas de negação de um discurso é a não aceitação do que “dizem sobre

elas”222 o que significa também a negação do que “dizem para elas”. É o que

faz a diferença entre ser sujeito ou objeto da representação. E é este o

entendimento de apropriação de Chartier (1990), na visão de que os discursos

não são somente aculturantes e nem provocam as mesmas reações, porque

os sujeitos recebem de diferentes formas as mesmas mensagens.

A representação223 aqui não está tomada como mero reflexo no espelho,

mas implica em perceber o poder que está contido no ato de representar e a

sua apropriação implica no domínio, decodificação, aceitação ou negação do

conteúdo do discurso. E é possível pensar que uma parcela das professoras,

em 1959, pelo menos aquelas que lutaram quase diariamente, e não o conjunto

das professoras do Estado de Minas Gerais, tenha compreendido e negado o

discurso simbólico da dominação, descobrindo-se protagonistas das suas

ações.

O reconhecimento social e o papel das professoras mineiras na greve

ficaram acentuados no discurso feito pelo Padre Lage:

“Foi-me pedido pelo O DIÁRIO uma declaração da greve das professoras. Posso declarar com simplicidade que o movimento superou minha expectativa. Confiava na união e compreensão das mestras; mas as horas que vivemos juntos neste trabalho me revelaram o grande potencial de virtudes

222 O que se que dizer é que é necessário compreender que a representação se dá numa

relação de poder e é constituída sempre em relação ao outro. (Silva, 1995). 223 O conceito de “representação”, tal como usado neste contexto, opõe-se ao de

representação contido na concepção de linguagem como mero reflexo no espelho de uma realidade anterior e independente do discurso que a nomeia, uma concepção que Stuart Hall chama de “teoria mimética de representação”. (SILVA, 1995, p. 198). É também a forma como Chartier (1990, p.136) propõe o entendimento da apropriação. Todo discurso não deve ser visto como radicalmente aculturante, nem capaz de moldar os mesmos pensamentos ou condutas, porque existem diferenças entre as formas como os sujeitos recebem e reagem às mensagens.

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cristãs que possuem; um perfeito sentimento de sua dignidade, um desinteresse absoluto pelas suas próprias pessoas, uma plena entrega ao trabalho, uma enorme esperança na vitória. O Estado de Minas está de parabéns: possui realmente as professoras que merece. Compete ao governo sentir este potencial de energia e valorizar o grande patrimônio feminino das ensinantes (sic). Com gente assim a vitória é certa.” (O DIÁRIO, sexta-feira, 20 de novembro de 1959)

As palavras do Padre Lage, reveladoras de um ideário religioso, não

deixam, no entanto de valorizar a ação efetiva das professoras, dando à luta o

sentido de conquista, colocando as professoras como sujeito. O Diário da Tarde,

transcrevendo parte do discurso do Padre Lage, feito na assembléia, onde foi

retirada a greve, captou de forma mais veemente o sentido das professoras

assumindo atitudes de protagonistas da história:

“Vocês estão escrevendo uma página brilhante na história da Pátria, defendendo o direito natural de todas. Vocês serão vitoriosas porque o governo jamais derrotaria uma massa humana como esta que presenciamos cheia de entusiasmo e vontade de lutar.” (O DIÁRIO DA TARDE, terça-feira, 17 de novembro de 1959)

Energia, entusiasmo, vontade de lutar e esperança, palavras retiradas da

fala do Padre Lage, revelam e acentuam o reconhecimento das professoras como

sujeito. A subjetividade que leva à participação coletiva, manifestando desejos e

vontades e a emergência da sua autonomia.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A leitura do jornal O DIÁRIO durante a greve das professoras primárias

mineiras, apresentou desde o início a necessidade de se reportar a uma época e a

um determinado contexto histórico. Era um período de profundas mudanças no

país. Vivia-se um processo de modernização, de transformação industrial e de

urbanização com a ajuda do capital estrangeiro. Os conflitos sociais se

acentuavam e eram freqüentes as greves em vários setores. Neste quadro, os

meios de comunicação se renovavam e ganhavam novo impulso. Surgia a

televisão, embora seu uso fosse ainda restrito às famílias de maior poder

aquisitivo, o cinema, por outro lado, estava presente até nas menores cidades do

interior, tendo sido este espaço ocupado, posteriormente, pela televisão.

Hollywood exportava modelos culturais e apresentava novas perspectivas de vida

para as mulheres das camadas médias. O charme e o glamour das atrizes

influenciavam o comportamento das mulheres. As pessoas pertencentes às

camadas médias da população passaram a consumir novos produtos importados

ou mesmo fabricados pela indústria nacional emergente, como eletrodomésticos

que facilitavam a vida da mulher no lar, ao passo que os novos cosméticos

prometiam charme e glamour. Esta não era uma revolução que apresentava às

mulheres o caminho da emancipação, o feminismo de fato só iria ganhar as ruas

nos Estados Unidos na década seguinte. O que já se percebiam, entretanto, eram

transformações que afetavam o modo de ser provinciano, provocando o

encantamento e a imitação do modo de vida americano, puritano, mas sedutor.

Mas, afinal, onde se quer chegar com a descrição desse quadro de

época? As professoras, como mulheres, eram afetadas por este novo modelo,

basta observar atentamente as fotografias da sua greve em 1959 e verificar como

muitas delas usavam óculos escuros, mesmo em ambiente fechado como o das

assembléias. O DIÁRIO não as mostrava isoladamente, mas quase sempre no

coletivo. Já no jornal O Diário da Tarde elas eram apresentadas vestindo modelos

da moda e acessórios elegantes, como sapatos de salto e bolsas. É fácil inferir

desta descrição que o ideal feminino restrito ao lar começava a sofrer abalos e as

mulheres, pelo menos às dos centros urbanos, adquiriam desejos de consumo,

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não apenas de novos objetos que lhes facilitassem a vida no lar, mas também de

cosméticos e produtos que prometiam acentuar a beleza feminina. Mesmo que O

DIÁRIO não apresentasse com detalhes esse perfil feminino, isto pode ser

deduzido pelas propagandas, apresentando os produtos dos grandes magazines

e perfumarias.

Essas transformações provocadas pelo consumo modificavam a forma de

viver das famílias de classe média. Embora não se possa afirmar, devido à

ausência da memória oral das professoras, foi fácil perceber pelos indícios

apontados nas fotografias que uma das razões da insatisfação com baixo poder

aquisitivo dos salários não era devido apenas à inflação monetária, mas a

alteração na cultura. Conforme Luiz Pereira (1969) já demonstrava em sua

pesquisa, o salário da professora nos meados do século era importante para a

manutenção do padrão de vida das famílias e tinha relação com a crescente

queda do poder aquisitivo da classe média. Por esse quadro pode-se inferir que a

greve de 1959 possivelmente era, também, movida pelas mudanças culturais que

começavam a afetar a vida das mulheres. Elas já se apresentavam em público

desinibidas e mais semelhantes às imagens femininas criadas pela publicidade

nascente e com diferenças marcantes da representação tradicional da professora

como solteirona, compenetrada, usando vestes sóbrias das primeiras décadas do

século XX. As mais novas não mais escondiam o corpo esguio e a cinturinha

fina bem marcada pelas amplas saias rodadas e que já deixavam as pernas

descobertas.

As mudanças culturais não afetavam apenas a imagem da mulher, mas

interferiam paulatinamente na sua própria forma de ser e de se perceber feminina,

distanciando do modelo da professora das primeiras décadas do século XX,

cerceadas pelos rígidos regulamentos de conduta. Também é preciso

compreender que as mudanças não atingiam as professoras de forma

homogênea, continuava existindo diferença, às vezes acentuada, entre grupos

relativos à idade, à origem social, ao meio urbano ou rural. O que procuro

acentuar é que essa mulher que se renovava no bojo da nova sociedade de

consumo era influenciada por uma nova estética que lhe modificava os valores

tradicionais. Ela provavelmente deixava de ser totalmente abnegada e pronta a

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servir e a sacrificar-se, e passava a preocupar-se com sua imagem, da mesma

forma como sonhava e desejava para si e sua família uma nova vida de conforto.

Emergia uma outra forma de vida que não condizia com os salários pagos

naquela época e que continua até os dias atuais dificultando o acesso do conjunto

dos professores, não somente aos bens de consumo essenciais, como também

aos culturais, indispensáveis à formação e ao aprimoramento intelectual.

Nas reportagens e imagens do jornal e até mesmo na publicidade, foi

possível observar as transformações culturais que afetavam as professoras. Na

sua ação compreende-se como elas assumiam-se como sujeito de vontade e

desejos pessoais na forma como lutavam e desafiavam o poder para atingir os

objetivos coletivos. Neste sentido, o estudo da greve me pareceu importante não

apenas pelas conquistas econômicas alcançadas, mas pela possibilidade de

compreender essas mudanças, mesmo que elas não atingissem de imediato o

conjunto das mulheres do Estado e dos centros urbanos.

A história demonstra que as transformações não ocorrem por rupturas, o

passado persiste no presente. Por isso é necessário observar, de um lado, as

limitações dessas mulheres, a maioria educada na resignação, conformação e

sacrifício. Por outra perspectiva, e este parece ser o grande mérito da luta do

magistério em 1959, elas conseguiram superar, pelo menos em parte, a

acomodação, demonstrando coragem para desafiar a legislação da época que

considerava ilegal a greve do funcionalismo público. Poderia, ser argumentado, no

entanto, que elas só teriam agido de forma aguerrida por causa do apoio dado

pela Igreja Católica e, na verdade, pela adesão masculina, representada na

sociedade pelos sindicatos, partidos e estudantes universitários. Mas se fixarmos

no momento crucial da deflagração da greve, foi visto como estes atores agiram

de forma a tentar moderar, conter e conciliar os interesses das professoras,

tentando até o último instante obter um sinal de transigência do governo. Houve,

é certo, tentativas de protelar a greve. Os interesses de conciliação partiam tanto

dos representantes da igreja como dos deputados governistas que não queriam

se indispor com a opinião pública que se manifestava a favor das professoras.

Elas demonstraram perceber a situação e permaneceram firmes na proposta de

greve imediata, apesar da atitude acuada e vacilante das suas lideranças, como O

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DIÁRIO deixou entrever e ficou confirmado na narrativa do Diário da Tarde.

A busca da subjetividade e da heterogeneidade do grupo não impede que

se concorde com a historiografia sobre a socialização da mulher professora que

busca demonstrar a permanência no que resta, ou no que insiste em ficar, porque

é pregnância. Na verdade, é impossível um rompimento abrupto com uma

estrutura de dominação e um ethos de formação pela compreensão da lentidão

das mudanças que envolvem a construção/desconstrução do ser mulher ou ser

homem na sociedade. As transformações pressupõem não apenas apropriações

particulares, mas necessitam ser compreendidas pelas estruturas complexas e

solidificadas de poder que, por se revelarem difusos, não permitem uma única

forma de resistência, mas pressupõem pequenas mudanças, individuais e

coletivas, ocorrendo em lugares, tempos e grupos distintos. Existe também a

dificuldade da sua captação, uma vez que elas atingem, de forma desigual, o

coletivo das professoras, pela diversidade dos grupos com vivências e capital

cultural variados.

Uma demonstração da importância adquirida pelo movimento das

professoras e da suas associações representativas, mas principalmente da

APPMG, era a disputa que parecia estar sendo travada nos bastidores entre

grupos de tendências antagônicas como a Igreja, o Partido Comunista e o

trabalhismo, o que resultou numa composição, ironicamente denominada

comissão neutra. Tanto a Igreja quanto o partido comunista, ou os trabalhistas, ou

melhor dizendo, todos os homens, de uma forma geral, ainda faziam restrições à

ocupação do espaço público pela mulher. Mas parece também que o crescimento

e as proporções adquiridas pelo movimento das mulheres forçava-os a

reconhecer-lhes a força, gerando o conflito pelo controle da Associação.

Ao tomar as professoras como sujeito da ação e objeto da pesquisa não

tinha o propósito de desmerecer as entidades representativas ou a ação das

lideranças eliminando seu importante papel na organização coletiva. O que se

constatou, muitas vezes, foram as presidentes da Associação superando os

limites impostos pela própria característica da organização, indo além da

subserviência e conivência com o poder para a resistência em resposta às

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pressões dos representados.

A fonte escolhida, o jornal de orientação católica, traduziu a permanência

dos poderes dominantes, tentando orientar e dirigir os movimentos sociais,

propugnando suas concepções e valores, permitindo compreender como as

instituições públicas permaneciam naquele tempo e nos dias atuais, tentando

controlar, impor discursos normativos sobre condutas privadas e públicas das

pessoas, em especial das mulheres. A perspectiva de encontrar as mulheres

atuantes e como sujeito, e não apenas coadjuvantes, foi central no estudo e

parece ter mostrado um lado pouco conhecido na história das professoras, o que

permitiu a interpretação, pelo menos naquele contexto, de seu papel não apenas

como receptoras passivas e acomodadas aceitando o discurso da dominação,

mas a consideração da diferença nas apropriações dos discursos, mesmo que

eles não tenham provocado transformações imediatas nas posturas políticas do

conjunto das professoras do Estado.

A fonte pesquisada demonstrou potencialidades e limites. A escolha de O

DIÁRIO permitiu captar as representações sociais e coletivas de uma época,

mostrando nas reportagens a importância social das professoras primárias como

elas absorveram e administraram a representação social que lhes era favorável.

Isto ficou claro nas falas da liderança. O limite está, em parte, na escolha da fonte,

que apesar de conter um farto material para a análise possui, como todo

documento, uma classificação dos acontecimentos do ponto de vista do(s)

observador(es). O jornal, neste caso, deixava aparente apenas o que era de seu

interesse, o que não impediu a captação das imagens que projetavam sobre as

professoras nos explícitos da narrativa, mas também nos encobertos pelas

omissões e contradições dos discursos.

O estudo foi proposto como uma interpretação na perspectiva cultural

para revelar representações das e sobre as professoras, possibilitando o

reconhecimento da diferença ou da construção de poder na relação social de

homens e mulheres. Foi a partir desta compreensão que surgiu a necessidade de

adotar a noção de gênero, como categoria de análise e a de abandonar os

aportes teóricos clássicos que negam a apreensão das diferenças, do subjetivo,

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na história. Os resultados do estudo permitiram a interpretação do papel das

mulheres como ativa e protagonista da sua história, contribuindo para desvelar

contradições sociais, permitindo repensar o presente.

Esta pesquisa, como qualquer outra, não poderia ser neutra, mesmo que

ao(a) pesquisador(a) seja necessária a manutenção de distanciamento crítico.

Nela foi preciso manter uma vigilância constante em busca da objetividade pela

consciência de que me encontrava presente nela como sujeito da investigação e

também como objeto da pesquisa, como mulher e professora. Em vários

momentos vivenciei o conflito e me questionei quanto à idealização da

mobilização de 1959 pelo desejo de encontrar aquelas mulheres como sujeito e

não objeto, vitoriosas e não vítimas, protagonistas e não coadjuvantes, resistindo

e não apenas aceitando a opressão como normalmente é veiculado pela história.

A pesquisa é apenas uma entre muitas possibilidades de se ler,

interpretar e escrever a história das professoras primárias. Na produção atual da

história da educação, tanto os estudos que procuram reconhecer os aspectos da

socialização de homens e mulheres como os que buscam as resistências

possíveis ao poder, podem contribuir para que as professoras e mulheres,

constituindo a maioria no sistema educacional, se reconheçam como

protagonistas e possam sair da passividade provocada pelo desconhecimento de

que as mudanças na realidade social e na valorização da educação são

conquistas a serem alcançadas pela organização coletiva.

Na investigação ficou clara a necessidade de se pesquisar as lacunas e

os silêncios na história da profissão docente e, de forma especial das professoras

do Ensino Fundamental. O estudo das Associações de Professores Primários

deve merecer mais atenção, levando-se em consideração a sua importância no

lançamento das bases para a organização dos atuais sindicatos de professores e

inclusive a atual Confederação Nacional dos Trabalhadores de Ensino - CNTE.

Numa proposta de análise da história da organização da profissão docente, Nóvoa

(1995), a partir da realidade de Portugal, aponta a constituição em Associações

como uma importante etapa na profissionalização do magistério. Essas

associações necessitam ser observadas em seus limites históricos, como por

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exemplo o impedimento legal de sindicalização de funcionários públicos. Seu

estudo pode contribuir para explicar a persistência de comportamentos

conservadores na categoria como a idéia de união, solidariedade,

assistencialismo, doação e do movimento assumido apenas por um pequeno

grupo de militantes ou pelos dirigentes eleitos. O tema da organização da

profissão docente com origem nas associações torna-se relevante também, na

medida em que se pode constatar hoje a dificuldade na catalisação de interesses

coletivos, pela descrença na eficácia das greves como conseqüência da perda de

poder de negociação dos sindicatos e o enfraquecimento que decorre da nova

reestruturação do capitalismo. A recuperação dessa história poderá contribuir para

mudanças na formação inicial e contínua dos professores em geral,

principalmente se conjugadas às atuais preocupações nas políticas de

profissionalização docente.

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FONTES

O HORIZONTE, Belo Horizonte 1923-1934.

O DIÁRIO, conhecido como O Diário Católico. Belo Horizonte 1935-1970.

Consulta no período de maio a 30 de dezembro de 1954.

Consulta no período de outubro a 30 de dezembro de 1959.

ESTADO DE MINAS E DIÁRIO DA TARDE. Belo Horizonte.

Consulta no período de 1º de novembro a 30 de dezembro de 1959.

O DIÁRIO REDIVIVO. Edição histórica promovida pela Associação Mineira de Imprensa (AMI). Editores Adival Coelho de Araújo e Pedro Mesquita, Belo Horizonte, 6 de fevereiro de 1998. (Edição Comemorativa)

Artigos:

1. ALMEIDA, Guy. Tempos passados: tempos presentes, p. 10.

2. ALMEIDA Isis. O Diário e eu, p. 9.

3. ANTUNES, Oswald. O Diário: humanismo integral ainda vivo, p. 11.

4. CORRÊA, João Batista de Assis. “E os seus não o receberam”, p. 9.

5. ETIENNE FILHO, João. João Etiene Filho por ele mesmo. Depoimento extraído do livro “Memórias do jornalismo mineiro”, p. 12.

6. MENDONÇA, José. Breve História de uma longa paixão, p. 3

BH100 anos: nossa história. Encarte das edições de segunda-feira do Estado

de Minas de setembro a dezembro de 1996. Com apoio da Prefeitura de Belo

Horizonte e Petrobrás.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Jane Soares. Mulher e Educação: a paixão pelo possível. São Paulo: UNESP, 1998.

ANJOS, Cyro Versiani dos. O amanuense Belmiro. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979.

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