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UNIDADE I – GRAVITAÇÃO NEWTONIANA AULA 1 – FUNDAMENTOS DA GRAVITAÇÃO NEWTONIANA OBJETIVOS: Ao final desta aula, o aluno deverá: ter uma visão qualitativa de como a força gravitacional atua entre os corpos; ser capaz de descrever matematicamente a interação gravitacional entre duas distribuições de massa. 1 INTRODUÇÃO Percebemos o tempo todo que as propriedades do universo à nossa volta se alteram constantemente: o vento sopra, a chuva cai, os dias sucedem as noites etc. As mudanças que percebemos à nossa volta resultam da interação dos diferentes componentes do meio que nos circunda. A radiação proveniente do Sol colabora na produção de movimentos de massas de ar; vapor d'água em suspensão na atmosfera se condensa ao encontrar uma frente de ar mais fria; a Terra, enquanto gira em torno do seu eixo, expõe faces diferentes ao Sol. As interações entre quaisquer corpos ou partículas no universo podem ser de diversas naturezas. O que mantém a Terra fixa em sua órbita em torno do Sol é um tipo de interação; aquilo que permite que as moléculas de água presentes numa nuvem se condensem é outro tipo de interação. Essas diferentes interações possuem mecanismos distintos e atuam de forma diferente em cada tipo de corpo ou partícula. Por mais que possamos imaginar formas distintas em que dois corpos possam interagir, e em que pese que tais interações pareçam de fato completamente distintas, somente quatro diferentes interações fundamentais existem na natureza. Ou seja, todas as interações que observamos no universo são expressão de uma dessas quatro interações, ou de uma combinação delas. O movimento das massas de ar, o ciclo das chuvas, o movimento aparente dos astros no céu, todos esses fenômenos podem ser descritos mediante esse conjunto de quatro interações fundamentais. Uma dessas quatro interações fundamentais é a gravitação, assunto da presente aula.

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UNIDADE I – GRAVITAÇÃO NEWTONIANA

AULA 1 – FUNDAMENTOS DA GRAVITAÇÃO NEWTONIANA

OBJETIVOS:

Ao final desta aula, o aluno deverá:

� ter uma visão qualitativa de como a força gravitacional atua entre os

corpos;

� ser capaz de descrever matematicamente a interação gravitacional entre

duas distribuições de massa.

1 INTRODUÇÃO

Percebemos o tempo todo que as propriedades do universo à nossa volta se

alteram constantemente: o vento sopra, a chuva cai, os dias sucedem as noites etc.

As mudanças que percebemos à nossa volta resultam da interação dos diferentes

componentes do meio que nos circunda. A radiação proveniente do Sol colabora na

produção de movimentos de massas de ar; vapor d'água em suspensão na

atmosfera se condensa ao encontrar uma frente de ar mais fria; a Terra, enquanto

gira em torno do seu eixo, expõe faces diferentes ao Sol.

As interações entre quaisquer corpos ou partículas no universo podem ser de

diversas naturezas. O que mantém a Terra fixa em sua órbita em torno do Sol é um

tipo de interação; aquilo que permite que as moléculas de água presentes numa

nuvem se condensem é outro tipo de interação. Essas diferentes interações

possuem mecanismos distintos e atuam de forma diferente em cada tipo de corpo

ou partícula.

Por mais que possamos imaginar formas distintas em que dois corpos

possam interagir, e em que pese que tais interações pareçam de fato

completamente distintas, somente quatro diferentes interações fundamentais

existem na natureza. Ou seja, todas as interações que observamos no universo são

expressão de uma dessas quatro interações, ou de uma combinação delas. O

movimento das massas de ar, o ciclo das chuvas, o movimento aparente dos astros

no céu, todos esses fenômenos podem ser descritos mediante esse conjunto de

quatro interações fundamentais.

Uma dessas quatro interações fundamentais é a gravitação, assunto da

presente aula.

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2 A LEI DA GRAVITAÇÃO UNIVERSAL

Estamos todos acostumados à ideia de que os corpos “caem para baixo”:

quando um objeto qualquer é liberado do repouso a certa altura do solo, ele

naturalmente irá se deslocar em direção ao solo, em linha reta. A essa tendência

natural de os corpos “caírem” em direção ao solo, como que atraídos pela Terra,

chamamos gravitação.

Diferentes explicações para o fenômeno da gravitação surgiram em

diferentes culturas ao longo da história. No entanto, até meados do século XVII, o

poder das teorias correntes de realizar previsões (por exemplo, o tempo de queda

de um corpo a partir de determinada altura) era bastante limitado, pela ausência

de uma fundamentação matemática.

Em 5 de julho de 1687, o filósofo natural Sir Isaac Newton publicou o livro

Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, no qual expôs um conjunto de teorias

que se tornaram a base da mecânica clássica. Nesse livro, Newton propôs uma

teoria para a gravitação, a qual não apenas era matematicamente elaborada

(permitindo, portanto, que se realizassem previsões numa escala até então

impossível), mas também capaz de descrever o movimento inclusive dos corpos

celestes.

A teoria de Newton

para a gravitação propõe

que, entre quaisquer

partículas dotadas de

massa, existe uma força

gravitacional atrativa –

uma força que tende a

aproximar esses corpos.

Para Newton, portanto, um

corpo na superfície da Terra

é atraído pela Terra assim

como a Terra é atraída por

esse corpo. Porém, a teoria de Newton não se limita a corpos na superfície da

Terra: um pássaro que voa a grande altitude também sente o efeito da força

gravitacional produzida pela Terra sobre ele. Como nas proximidades da Terra não

existe um limite para a atuação da força gravitacional (ou seja, não importa o quão

acima do solo ainda sentimos o efeito da força gravitacional), então esse efeito

também deve ser sentido por um corpo tão longe da Terra quanto, por exemplo, a

Lua ou o Sol. Com esse raciocínio, Newton propôs que a força que nos atrai para o

Isaac Newton: um dos

maiores cientistas de todos os

tempos, o inglês Isaac Newton

não somente produziu as

bases da mecânica clássica,

como também foi um grande

matemático, tendo sido um

dos pais do cálculo diferencial

e integral.

Figura 1.1: Sir Isaac Newton Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro: Sir_Isaac_Newton_by_Sir_Godfrey_Kneller,_Bt.jpg

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solo é da mesma natureza que a força que mantém a Lua girando em torno da

Terra, e mantém todos os planetas girando em torno do Sol. Por isso, a lei da

gravitação de Newton é chamada de lei da gravitação universal, pois vale para

quaisquer dois corpos no universo.

A lei da gravitação universal de Newton diz que:

Quaisquer duas partículas se atraem mutuamente com uma força que é

diretamente proporcional ao produto das suas massas e inversamente proporcional

ao quadrado da distância que as separa.

No enunciado da lei da gravitação de Newton, aparece a palavra partícula.

Uma partícula é um elemento físico sem dimensão, ou seja, infinitamente pequeno.

Não existem na natureza corpos infinitamente pequenos: uma partícula é uma

aproximação que permite simplificarmos diversos problemas físicos. Se quisermos

calcular a força gravitacional entre dois grãos de areia, separados por uma grande

distância, podemos considerar que esses grãos de areia, por serem muito menores

que a distância que os separa, são partículas, ou seja, infinitamente pequenos.

Matematicamente, a lei da gravitação de Newton pode ser expressa como:

� = � ������ 1.1

Nessa equação, � é o módulo da força gravitacional, �� e �� são as massas

das partículas, � é a distância entre elas e � é uma constante, chamada constante

gravitacional. A constante gravitacional tem o seguinte valor:

� = 6,67 × 10��� N⋅m2/kg2 1.2

A equação 1.1 nos dá o módulo da força gravitacional que atua entre dois

corpos. Forças, sendo grandezas vetoriais, precisam de um módulo, uma direção e

um sentido para serem totalmente especificadas. A direção da força gravitacional

que atua entre dois corpos é a direção da reta que passa pelas duas partículas, ou

seja, a força se dá na linha reta que une as duas partículas. O sentido dessa força é

sempre atrativo: a força gravitacional que a Terra aplica sobre você tem sentido de

cima para baixo, pois ela o atrai; a força gravitacional que você aplica sobre a Terra

tem sentido de baixo para cima, pois você a atrai.

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A figura 1.2 mostra dois corpos, 1 e 2, separados entre si por uma distância

�. O corpo 1 possui uma massa igual a �� e sofre uma força gravitacional devido ao

corpo 2. O corpo 2 possui uma massa igual a �� e sofre uma força gravitacional

devido ao corpo 1. Se conhecemos os valores de ��, �� e �, podemos calcular os

módulos dessas forças usando a equação 1.1. Usando a equação 1.1, encontramos

que a força ��� que atua no corpo 1 devido ao corpo 2 possui um módulo igual a:

��� = � ������

Da mesma forma, o módulo da força ��� que atua no corpo 2 devido ao corpo 1 fica:

��� = � ������

Com isso, percebemos que as forças gravitacionais que um corpo aplica

sobre o outro são exatamente iguais em módulo. A diferença entre essas forças

está no sentido. A figura 1.3 mostra os vetores que representam as forças ��� e ���. Veja que, embora o comprimento dos vetores seja o mesmo, seus sentidos são

opostos.

Embora a lei da

gravitação universal tenha

sido enunciada como

atuando entre duas

partículas, podemos

estender a aplicação dessa

lei para corpos extensos. No

entanto, para corpos

Figura 1.3: Forças gravitacionais que atuam sobre os corpos 1 e 2.

Figura 1.2: Dois corpos, 1 e 2, separados por uma distância �.

Centro de massa: um ponto no espaço, associado a um

corpo, que se comporta para um observador externo como se

toda a massa do corpo estivesse concentrada naquele ponto.

Uma maneira simples de “enxergar” o centro de massa de um

corpo é imaginá-lo girando ao ser jogado para o alto: o corpo

irá girar em torno de um ponto, que corresponde ao seu

centro de massa. O conceito de centro de massa é

aprofundado na disciplina Física I.

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extensos, a distância � que aparece na equação 1.1 é a distância que separa seus centros de massa. O exemplo 1 ilustra o cálculo do módulo da força gravitacional

envolvendo um corpo extenso.

Exemplo 1:

A massa da Terra é de 5,98 × 10�� kg e seu raio médio é de 6.357.000 m. Qual o

módulo da força gravitacional que a Terra aplica sobre um corpo de 5 kg situado em

sua superfície?

Resolução:

O centro de massa da Terra está situado aproximadamente no seu centro

geométrico. Portanto, um corpo na superfície da Terra está a uma distância � de aproximadamente 6.357.000 m do seu centro. Sendo assim, o módulo da força

gravitacional que atua nesse corpo, devido à Terra, será

� = � ������

� = 6,67 × 10���N ⋅ m�/kg� �5,98 × 10�� kg� × �5 kg��6.357.000 m��

� = 49,4 N

Perceba que o módulo da força que o corpo de 5 kg aplica sobre a Terra é o mesmo: 49,4 N.

3 A GRAVIDADE PERTO DA SUPERFÍCIE DA TERRA

Considere um certo planeta X, esférico e homogêneo, com massa ! e raio ". Considere que um certo corpo com massa � se encontre ligeiramente acima da

superfície desse planeta (digamos, alguns metros acima do solo). Pela lei da

gravitação universal, a força gravitacional � que o planeta X produz sobre esse corpo tem um módulo igual a:

� = � � !��

onde ! é a massa do planeta e � é a distância do corpo de massa � ao centro do

planeta. Como o corpo está próximo à superfície do planeta, então sua distância ao

centro do planeta é aproximadamente igual ao raio " do planeta, e assim:

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� = � � !"� 1.3

Pela segunda lei de Newton, a força � produz uma aceleração #, cujo módulo

é dado por:

$ = �� 1.4

Substituindo a equação 1.4 na equação 1.3, obtemos:

$ = � �!"��

$ = � !"� 1.5

Esse resultado nos mostra que a aceleração que um corpo sofre devido à

força gravitacional (chamada aceleração gravitacional) produzida por um planeta,

próximo à sua superfície, só depende da massa e do raio do planeta. Isso significa

que todos os corpos na superfície de um planeta sofrem a mesma aceleração

gravitacional.

A equação 1.5 pode ser resolvida para qualquer planeta. Para calcularmos a

aceleração gravitacional na superfície da Terra, usamos os valores da massa e do

raio médio da Terra e obtemos:

$ = � !"�

$ = 6,67 × 10���N ⋅ m�/kg� 5,98 × 10�� kg�6.357.000 m��

$ = 9,87 m/s�

O resultado acima é muito próximo ao valor da aceleração gravitacional & medido a nível da superfície terrestre, que é de 9,83 m/s2. As diferenças se devem

ao fato de que a Terra não é uma esfera perfeita e sua massa não é

homogeneamente distribuída no seu interior.

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4 O PRINCÍPIO DA SUPERPOSIÇÃO

Assim como a Terra exerce uma força gravitacional sobre nós, também a

Lua, o Sol e todos os corpos celestes o fazem. A intensidade dessa força irá

depender, conforme diz a lei da gravitação universal, das massas dos corpos e das

distâncias que os separam. Sendo assim, a qualquer instante de tempo nosso corpo

sente a atuação de todas essas forças, simultaneamente. Podemos determinar a

força líquida que atua sobre nós através da resultante de todas essas forças, ou

seja, da soma vetorial de todas as forças. Esse princípio geral, que diz que

podemos determinar o efeito líquido de um conjunto de forças pela soma de todas

as forças individuais, chama-se princípio de superposição.

Se um corpo está sujeito a um conjunto de ' forças gravitacionais (��, ��, , �(,... �)), a força gravitacional líquida � sentida pelo corpo será dada por:

� = �* + �, + �- + ⋯ + �/

� = 0 �1/

12*

1.6

Imagine, por um momento, que fosse possível cortar a Terra ao meio,

separando-a em dois hemisférios iguais, e afastá-los um do outro por uma distância

de 1 milímetro. Não perceberíamos, na prática, diferença nenhuma na Terra se a

observássemos do espaço, pois essa separação seria tão pequena a ponto de ser

imperceptível. Agora que a Terra seria composta de duas partes distintas,

perceberíamos alguma diferença na força gravitacional que atua sobre nós? É claro

que não. Isso significa que, se somássemos a força gravitacional aplicada por cada

um dos dois hemisférios da Terra sobre nós, encontraríamos uma força resultante

que corresponde à força líquida que sentimos devido à Terra inteira. Sendo assim,

podemos pensar que a força gravitacional que a Terra aplica sobre nós é a

resultante das forças gravitacionais que cada porção da massa da Terra aplica

individualmente sobre nós. Se dividirmos a Terra em ' porções de massa, cada

uma dessas ' porções de massa aplica sobre nós uma força �), e a resultante dessas forças será

� = 0 �1/

12*

1.7

Mas a Terra é um corpo contínuo: não existe um número definido de porções

de massa que a compõem. Se a dividimos em um conjunto muito grande de

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porções de massa, ainda assim cada um desses pedaços pode novamente ser

subdividido. Se a dividirmos em um número arbitrariamente grande de porções de

massa, cada elemento de massa terá uma massa cada vez menor. Conforme nos

aproximamos da situação em que dividimos a Terra em um número infinito de

porções de massa, cada elemento de massa terá uma massa cada vez mais

próxima de zero, ou seja, estaremos dividindo a Terra em elementos infinitesimais

de massa 3�, cada um aplicando sobre nós uma força infinitesimal 3�. A resultante desse número muito grande de forças individuais será a integral sobre todos esses

elementos infinitesimais de força:

� = 4 3� 1.8

A equação acima nos permite calcular a força gravitacional entre quaisquer

corpos extensos. Geralmente esse cálculo só é simples para distribuições simétricas

de massa, no qual podemos expressar 3� em termos da geometria do corpo.

Exemplo 2:

Um astronauta de 70 kg está situado a meio caminho da distância que

separa os centros da Terra da Lua. Se essa distância é de 380.000.000 m e se as

massas da Terra e da Lua são de 5,98×1024 kg e de 7,35×1022 kg respectivamente,

qual a força gravitacional líquida sentida pelo astronauta?

Resolução:

O astronauta está sofrendo uma força gravitacional 56 devida à Terra, cujo módulo é dado por:

�6 = � ������

�6 = 6,67 × 10���N ⋅ m�/kg� �5,98 × 10��kg� × �70 kg��190000000 m��

�6 = 0,77 N

e outra, �L, devida à Lua, cujo módulo é dado por:

�8 = � ������

�8 = 6,67 × 10���N ⋅ m�/kg� �7,35 × 10��kg� × �70 kg��190000000 m��

�8 = 0,095 N

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Essas duas forças apontam em sentidos diferentes. Portanto, a força

gravitacional líquida que atua sobre o astronauta terá um módulo � que será igual à diferença entre os módulos das forças gravitacionais devidas à Terra e à Lua:

� = �6 − �8

� = 0,675 N

Ou seja, na metade da distância Terra-Lua, a força gravitacional da Terra

atuando sobre um corpo é muito mais intensa do que a da Lua.

5 ENERGIA POTENCIAL GRAVITACIONAL

A força gravitacional é uma força conservativa. Isso significa que o trabalho

realizado pela força gravitacional para mover um corpo entre dois pontos quaisquer

não depende do caminho percorrido por esse corpo, mas somente dos pontos inicial

e final do percurso. Como a

força gravitacional é uma

força conservativa, é

possível definir uma energia

potencial associada a essa

força. É o que faremos a

seguir.

Considere duas partículas, de massas � e !, separadas entre si por uma

distância � e em repouso. Se elas estiverem sujeitas somente à força gravitacional

que uma produz sobre a outra, não poderão permanecer em repouso: vão cair uma

em direção à outra. Conforme caem, se tornam cada vez mais velozes. O aumento

da rapidez das partículas está associado a um aumento da energia associada ao seu

movimento: quanto mais velozes, maior energia cinética possuem. Se as

partículas em questão estão aumentando sua energia cinética, de onde vem essa

energia? De alguma forma, essa energia estava “armazenada” no sistema mesmo

quando as partículas estavam em repouso. Essa energia “armazenada” no sistema

é a energia potencial do sistema. Matematicamente, a energia potencial U

armazenada em um sistema de duas partículas vale

: = −� ����� , 1.9

onde �� e �� são as massas das partículas e � é a distância que as separa. Segundo essa definição, a energia potencial gravitacional é sempre negativa. Além

disso, quanto mais distantes estiverem as partículas entre si, maior a energia

Trabalho: de maneira simples, pode-se dizer que o trabalho

realizado por uma força é a energia transferida para (ou pelo)

objeto devido à atuação dessa força. O conceito de trabalho

realizado por uma força é explorado na disciplina de Física I.

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potencial gravitacional do

sistema formado pelas

duas partículas. O maior

valor possível para a

energia potencial

gravitacional : é zero, e esse máximo valor ocorre quando � tende a infinito.

6 VELOCIDADE DE ESCAPE

Suponha que você está de pé na superfície da Terra, com um pequeno

objeto nas mãos. Se você jogar esse objeto para cima, ele vai subir até uma certa

altura máxima e retornar, puxado pela força gravitacional terrestre. A altura

máxima que o objeto vai subir depende da velocidade inicial que você fornecer ao

objeto: quanto maior essa velocidade inicial, mais alto irá subir o objeto antes de

retornar.

Durante a subida, o objeto que você lançou se torna cada vez mais lento.

Sendo assim, sua energia cinética é cada vez menor. Por outro lado, quanto mais

distante o objeto estiver da Terra, maior será a energia potencial associada ao

sistema objeto-Terra. Isso significa que, durante a subida, a energia cinética do

objeto se converte em energia potencial gravitacional. A máxima altura atingida

pelo objeto é aquele ponto no qual toda a energia cinética que o objeto possuía no

lançamento se transformou em energia potencial gravitacional armazenada no

sistema objeto-Terra.

Agora, imagine que você lançou o objeto para cima com uma velocidade tão

alta que o objeto, para converter toda sua energia cinética em energia potencial

gravitacional, vai precisar subir uma altura infinita. Nessa situação, o objeto vai

subir indefinidamente, cada vez mais lentamente, mas jamais atingindo de fato o

repouso. Vamos analisar cuidadosamente o que acontece com a energia do corpo

nesse processo:

No instante em que o objeto é lançado, sua energia cinética ; vale:

; = 12 �<�, 1.10

onde < é sua velocidade inicial e � é sua massa. Sua energia potencial : vale:

Energia cinética: a energia cinética ; é uma forma de

energia associada ao movimento dos corpos. Se um corpo de

massa � está se movendo com uma velocidade <, sua energia cinética vale ; = �� �<�. O conceito de energia cinética é explorado na disciplina Física I.

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= = −> ?@A ,

em que � é a massa do objeto, ! é a massa da Terra e " é seu raio. Perceba que a energia potencial gravitacional do objeto durante o lançamento não é zero, pois

ele está a uma distância " do centro da Terra. No infinito, o objeto terá convertido toda sua energia cinética em energia

potencial gravitacional. Portanto, sua energia cinética ; será zero. Da mesma

forma, a energia potencial gravitacional : do sistema será zero, já que � é infinito. Portanto, no infinito,

; = 0

: = 0

Se houve total conversão de energia cinética em energia potencial, então, se

somarmos a variação Δ; da energia cinética do objeto com a variação Δ: da energia potencial gravitacional do sistema, vamos obter zero:

Δ; + Δ: = 0 1.11

0 − 12 �<� + C0 − D−� !�" EF = 0

12 <� − � !" = 0 1.12

A equação 1.12 nos permite descobrir qual a velocidade mínima com que

precisamos lançar o objeto para que ele suba indefinidamente, convertendo toda

sua energia cinética em energia potencial somente a uma altura infinita. Para isso,

vamos isolar < na equação 1.12:

12 <� = � !"

< = G2�!"

1.13

Essa velocidade obtida na equação 1.13 é a chamada velocidade de escape,

e corresponde à mínima velocidade necessária para que o objeto lançado escape da

atração gravitacional terrestre. Podemos falar em velocidade de escape para

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qualquer planeta ou corpo celeste; por exemplo, existe uma velocidade de escape

para a Lua, para Marte, para Plutão etc.

Perceba que a velocidade de escape só depende da massa e do raio do

planeta. Calculando a velocidade de escape na Terra usando a equação 1.13,

usando os valores da massa e do raio terrestre, obtemos:

< = G2 × �6,67 × 10���N ⋅ m�/kg�� × �5,98 × 10��kg�6.357.000 m

< = 11202 m/s = 11,2 km/s

A velocidade de escape na Terra, portanto, é de 11,2 km/s. Qualquer objeto

lançado com uma

velocidade mais baixa

do que essa irá

eventualmente cair de

volta em sua superfície.

ATIVIDADES

No ano de 2008, a emissora estadunidense ABC lançou uma minissérie de

TV, em dois episódios, intitulada Impact (Impacto, em português). A trama dessa

série gira em torno de uma catástrofe iminente: um fragmento de uma anã marrom

(ver aulas 17 e 18) atinge a Lua, arrancando parte de sua massa, alojando-se no

seu interior e alterando sua órbita. Tal fragmento é duas vezes mais massivo do

que a Terra. Você pode obter mais informações sobre esta minissérie em

http://www.imdb.com/title/tt1227637/. Com base no que você aprendeu nesta

aula, analise os seguintes acontecimentos que ocorreram na minissérie:

1) Os astrônomos demonstraram que a órbita da Lua se tornou instável. No

intervalo de um mês, a Lua se aproxima muito da Terra e se afasta

muito dela, produzindo efeitos gravitacionais gigantescos na superfície

desta. Algumas pessoas chegam a flutuar na superfície terrestre durante

algumas horas em que a Lua está mais próxima de nós. Mais grave do

que isso, verificou-se que a Lua irá colidir com a Terra em 39 dias. Se as

massas da Terra e da Lua são, respectivamente, 7 × 10�� e 6 × 10�� kg (antes da colisão), calcule a distância a que a Lua deveria se aproximar

Atenção: em todos os cálculos que realizamos para obtermos

a velocidade de escape, desconsideramos um aspecto muito

importante da Terra: sua atmosfera. Na prática, um objeto

lançado para cima está sujeito a uma força de arraste devido

ao ar.

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da Terra para produzir a levitação das pessoas na superfície desta.

Discuta se existe essa possibilidade.

2) A Lua, exceto pelo pedaço perdido da superfície durante a colisão,

mantém seu formato inalterado. Calcule a intensidade da aceleração

gravitacional na superfície da Lua após a colisão com o fragmento de anã

marrom, sabendo que seu raio é de aproximadamente 1700 km. Discuta

se a manutenção de seu formato é fisicamente admissível.

3) Se a Lua, após colidir com o fragmento, se tornou mais massiva do que a

Terra, calcule a nova posição do centro de massa do sistema Terra-Lua,

sabendo que a distância média entre elas é de 3,7 × 10H km. Avalie, com

base nisso, a afirmação contida na minissérie que a Lua passou a orbitar

em torno da Terra, após a colisão, numa órbita mais curta.

4) A solução encontrada pelos cientistas e pelos governos mundiais para

salvar a Terra foi ejetar o fragmento do interior da Lua, usando um

dispositivo eletromagnético construído na Lua. Se esse dispositivo fosse

acionado, qual corpo seria ejetado, a Lua ou o fragmento?

RESUMO

Nesta aula, você aprendeu:

� Os fundamentos da gravitação newtoniana.

� Os conceitos de energia potencial gravitacional e de velocidade de

escape.

REFERÊNCIAS

MORAIS, Antônio Manuel Alves. Gravitação e cosmologia. São Paulo: Livraria da

Física, 2009.

NUSSENZVEIG, Hersch Moysés. Curso de Física Básica; v.1 – Mecânica. 4.ed.

São Paulo: Blucher, 2002.

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AULA 2 – O EXPERIMENTO DE SCHIEHALLION

OBJETIVOS:

Ao final desta aula, o aluno deverá:

� ter se familiarizado com o ferramental matemático envolvido na lei da

gravitação universal;

� ter entendido os princípios e limitações do experimento de Schehallion.

1 INTRODUÇÃO

Em 1774, o astrônomo inglês Nevil Maskelyne conduziu um dos primeiros

experimentos visando medir a densidade da Terra. Seu experimento consistia em

medir a deflexão de um pêndulo nas proximidades de uma montanha, devido à

força gravitacional que a montanha produz sobre o pêndulo. Conhecendo-se a

massa da montanha, acreditava Maskelyne, podia-se determinar a densidade da

Terra. Maskeline realizou o experimento nas proximidades da montanha

Schiehallion, na Escócia – daí o nome do experimento.

Figura 2.1: A montanha Schiehallion, em Perthshire, Escócia. Fonte: en.wikipedia.org/wiki/File:Schiehallion_01.jpg

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2 DESCRIÇÃO MATEMÁTICA DO EXPERIMENTO

A figura 2.2 mostra

um pêndulo simples, de

massa �, próximo à

superfície da Terra. Se o

pêndulo está sujeito

somente à força

gravitacional �6 da Terra, e se a Terra for uma esfera de

massa !6 e raio ", o

módulo da força

gravitacional que atua sobre

o pêndulo, de acordo com a

lei da gravitação universal,

vale:

5I = >@?IA,

A figura 2.3 mostra o mesmo pêndulo, porém agora próximo a uma

montanha de massa !J. Se o centro de massa da montanha se encontra a uma

distância 3 do pêndulo, então o módulo da força gravitacional que atua sobre o

pêndulo devido à montanha vale:

Figura 2.2: Um pêndulo em repouso próximo à superfície terrestre.

Nevil Maskelyne: astrônomo

britânico, viveu entre o final

do século XVIII e o início do

século XIX. Seu trabalho mais

importante foi desenvolver

uma metodologia para medir a

densidade da Terra.

Figura 1.2: Nevil Maskelyne. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Maskelyne_Nevil.jpg

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�J = ��!J3�

As massas da montanha e da Terra podem ser expressas em termos do seu

volume e de sua densidade:

!6 = K6L6

!J = KJLJ

Com isso, obtemos:

�6 = ��"� K6L6 2.1

�J = ��3� KJLJ 2.2

Ainda na figura 2.3, vemos que a presença da montanha deflete o pêndulo,

devido à força gravitacional que a montanha aplica sobre o pêndulo. A figura 2.4

mostra uma visão mais detalhada do pêndulo nessa situação. �6 e �J são as forças gravitacionais que atuam sobre o pêndulo devido à Terra e à montanha,

respectivamente, M é a tensão na corda (a força necessária para manter o pêndulo

no lugar) e N é o ângulo de deflexão do pêndulo. Se o pêndulo está parado, então a

Figura 2.3: Um pêndulo em repouso próximo à superfície terrestre, sofrendo os efeitos gravitacionais de uma montanha próxima.

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força resultante que atua sobre o pêndulo é zero e, de acordo com a segunda lei de

Newton,

�6 = O cos N 2.3

�J = O sen N 2.4

Usando as equações 2.3 e 2.4, podemos calcular a razão �J/�6:

�J�6 = O sen NO cos N

�J�6 = tan N 2.5

Substituindo na equação 2.5 as equações 2.1 e 2.2, obtemos:

tan N = ��3� KJLJ��"� K6L6

tan N = "�KJLJ3�K6L6 2.6

Reorganizando a equação 2.6, obtemos:

Figura 2.4: Um pêndulo em repouso, sob ação das forças gravitacionais da Terra e da montanha.

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K6 = "�LJ3�L6 KJ 1tan N 2.7

Se conhecermos os volumes da Terra e da montanha, e formos capazes de

estimar a densidade da montanha pelo tipo de rocha que a forma, então basta

medirmos o ângulo de deflexão N do pêndulo para determinarmos a densidade da

Terra, usando a equação 2.7.

3 REALIZAÇÃO DO EXPERIMENTO

Você vai agora realizar um cálculo da estimativa da Terra, usando uma

“simulação” do experimento de Schiehallion e os dados da seção 2. Siga os

seguintes passos:

1) Suponha que dados cartográficos mostrem que a montanha Schiehallion

é aproximadamente um cone com 700 m de altura e 2500 m de

diâmetro da base (essa aproximação é bastante grosseira: no

experimento original, foi feita uma análise topográfica bem mais

detalhada). Determine o volume estimado da montanha, usando

geometria espacial.

2) Supondo que a Terra é uma esfera perfeita e que seu raio seja de 6371

km, determine o volume da Terra.

3) Supondo que o pêndulo foi colocado a 1800 m do centro de massa da

montanha e que a deflexão observada foi de 0,0032 graus, e supondo

que geólogos demonstraram que as rochas que compõem a montanha

possuem densidade média de 2500 kg/m3, determine a densidade da

Terra pela equação 2.7.

4) Estimativas modernas indicam que a densidade da Terra é de 5500

kg/m3. Compare com esse valor o que você encontrou, a partir desse

experimento simulado. Se houve discordância entre os valores, analise

quais são as possíveis fontes dessa diferença.

RESUMO

Nesta aula, você viu:

� O experimento de Schiehallion, um dos primeiros experimentos

visando determinar a densidade da Terra.

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� Uma aplicação direta da lei da gravitação universal.

REFERÊNCIAS

STILLITTO, RICHARD M. Maskelyne on Schiehallion or one man' s geophysical

year. Disponível em http://www.sillittopages.co.uk/schie/schie57.html. Acesso em:

23 maio 2011.

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AULA 3 – AS LEIS DE KEPLER

OBJETIVOS:

Ao final desta aula, o aluno deverá:

� ser capaz de entender as relações entre aspectos orbitais dos planetas em

torno do Sol e dos satélites em torno dos planetas;

� ser capaz de fazer previsões matemáticas simples sobre o movimento dos

corpos celestes.

1 INTRODUÇÃO

Em 1609,

Johannes Kepler

publicou um livro

intitulado Astronomia

Nova, no qual apresenta

um conjunto de leis que

descrevem o movimento

aparente da Lua e dos

planetas no céu.

Analisando dados de

posição de astros

coletados durante décadas

pelo astrônomo dinamarquês Tycho Brahe, Kepler percebeu que o comportamento

dos planetas e da Lua podiam ser descritos por um conjunto de leis matemáticas

bastante simples e universais. As três leis do movimento planetário elaboradas por

Kepler, conhecidas como leis de Kepler, são leis empíricas, ou seja, nasceram da

observação e não embasadas em uma teoria mais fundamental que a sustentava.

Posteriormente, verificou-se que as leis de Kepler são compatíveis com a lei da

gravitação universal e com a mecânica newtoniana. Porém, sua publicação ocorreu

cerca de 80 anos antes da publicação das leis da mecânica e da gravitação

universal por Isaac Newton.

As três leis de Kepler são a lei das órbitas elípticas, a lei das áreas e a lei

dos tempos. Veremos cada uma delas em separado a seguir.

Johannes Kepler: matemático,

astrônomo e astrólogo alemão,

foi um dos maiores cientistas de

todos os tempos. Sua obra

forneceu as bases para a lei da

gravitação universal de Isaac

Newton.

Figura 3.1: Johannes Kepler Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Johannes_Kepler

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2 A LEI DAS ÓRBITAS ELÍPTICAS

Até o início do século XVII, a visão amplamente defendida sobre o

movimento planetário consistia em atribuir a cada planeta (e, ainda, ao Sol e à

Lua) uma esfera de cristal, oca, sobre a qual o corpo celeste estaria, de alguma

forma, conectado. Essas esferas seriam todas concêntricas, e a Terra estaria no

centro delas. O movimento aparente dos astros no céu seria devido, segundo essa

teoria, pela rotação dessas esferas de cristal, que “carregariam” os planetas

consigo em seu giro. De acordo com essa teoria, todos os astros se moviam em

torno da Terra, inclusive o Sol. Além disso, a órbita de todos os corpos celestes em

torno da Terra seriam círculos, com diferentes raios. Esse modelo permitia prever o

movimento dos astros no céu com alguma precisão, mas havia muitas

discrepâncias. Como a localização precisa dos astros no céu era de extrema

importância na época, entre outros motivos pelo auxílio à navegação, era

importante melhorar a qualidade dessas previsões.

Ao longo dos anos, conforme seu trabalho progredia, Kepler percebeu que a

melhoria no poder de previsão da posição dos astros exigia uma nova teoria do

movimento dos astros, na qual as suposições antigas fossem substituídas.

Enquanto analisava a órbita de Marte, planeta para o qual dispunha dos melhores

dados, Kepler percebeu que seu movimento descrevia, em vez de um círculo em

torno da Terra, uma elipse, com o Sol em um dos seus focos. Com isso, Kepler

formulou a primeira das suas leis do movimento planetário:

Primeira lei de Kepler – lei das órbitas: os planetas se movem em

órbitas elípticas, com o Sol em um dos focos.

A figura 3.2 ilustra a órbita de um planeta em torno do Sol, segundo a

primeira lei de Kepler. Note o formato elíptico da órbita e a posição do Sol. Nessa

figura, estão mostrados dois parâmetros importantes da órbita dos planetas: o

semi-eixo maior $ (que corresponde à maior distância que separa o centro da elipse

da periferia da elipse) e o semi-eixo menor V (que corresponde à menor distância

que separa o centro da elipse de sua periferia). Podemos caracterizar o quanto a

órbita de um planeta é “achatada” através da excentricidade W da órbita:

W = G1 − V$

3.1

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Pela definição de excentricidade, uma órbita quase circular possui V X $, correspondendo a W = 0; uma órbita muito “achatada” tem V Y $, e então W X 1. Possuindo órbitas elípticas, os planetas apresentam distâncias variáveis em relação

ao Sol. A mínima distância que um planeta assume em relação ao Sol é chamada

periélio; a máxima distância é chamada afélio.

3 A LEI DAS ÁREAS

Além de propor que as órbitas dos planetas em torno do Sol fossem

elípticas, e não circulares, Kepler percebeu que as velocidades dos planetas em sua

órbita não eram constantes: quanto mais próximos do Sol, mais rapidamente os

planetas se movem. Porém, existe um parâmetro orbital que se mantém inalterado

durante o movimento de um planeta: uma reta imaginária que liga o Sol ao planeta

varre sempre a mesma fração da área de sua órbita por unidade de tempo. Essa é

a segunda das leis de Kepler do movimento planetário:

Segunda lei de Kepler – lei das áreas: uma linha que conecta o Sol a um

planeta varre áreas iguais no plano da órbita do planeta em intervalos de tempo

iguais.

A figura 3.3 ilustra a lei das áreas. Os trechos A e B da órbita do planeta são

percorridos durante um mesmo intervalo de tempo. Nessa figura podemos ver que,

Figura 3.2: A primeira lei de Kepler (lei das órbitas) ilustrada para um planeta hipotético em torno do Sol.

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embora o planeta tenha percorrido uma distância maior no trecho A, quando se

encontrava mais próximo do Sol, a área varrida pelo seu movimento no trecho A

(em cinza) é igual à área varrida no trecho B.

4 A LEI DOS TEMPOS

Kepler percebeu, finalmente, uma correlação entre o período orbital O de um

planeta – ou seja, o tempo necessário para que o planeta dê uma volta completa

em torno do Sol – com o semi-eixo maior da sua órbita, $: quanto maior o valor de

$, mais tempo o planeta leva para percorrer totalmente sua órbita. Esse resultado

não chega a ser surpreendente pois, quanto maior o semi-eixo maior da órbita de

um planeta, para V fixo, mais extensa deve ser a distância a ser percorrida pelo

planeta e, consequentemente, mais tempo o planeta leva para percorrê-la. No

entanto, Kepler não apenas mostrou a relação matemática exata entre ambos como

mostrou, também, que essa relação vale para qualquer planeta. O enunciado da

terceira lei de Kepler é:

Terceira lei de Kepler – lei dos tempos: o quadrado do período orbital de

um planeta é proporcional ao cubo do semi-eixo maior de sua órbita, sendo a

constante de proporcionalidade igual para todos.

Figura 3.3: A segunda lei de Kepler (lei das áreas) ilustrada para um planeta hipotético em torno do Sol.

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A constante de proporcionalidade que aparece na terceira lei de Kepler está

relacionada com a massa do Sol. Matematicamente, a lei dos tempos assume a

forma:

O� = C4Z��!F $( , 3.2

onde ! é a massa do Sol e � é a constante gravitacional. A terceira lei de Kepler, tal como expressa na relação 3.2 e como proposta

por Kepler, contém uma pequena incorreção: de fato, a constante de

proporcionalidade entre o quadrado do período e o cubo do semi-eixo maior não é a

mesma para todos os planetas, pois depende não somente da massa do Sol, mas

da massa combinada do Sol e do planeta em questão. Porém, como a massa do Sol

é muito maior do que a massa de qualquer planeta individual, a expressão 3.2 é

uma excelente aproximação.

As três leis de Kepler permitem descrever o movimento de planetas em

torno do Sol e também dos satélites em torno dos seus respectivos planetas. O

poder de previsão da posição aparente dos astros no céu, após a elaboração dessas

leis por Kepler, sofreu uma melhora significativa. Na aula 4, para ilustrar o poder

das leis de Kepler, vamos verificar a validade das segunda e da terceira leis para

um dos planetas do sistema solar.

ATIVIDADES

Revise o conteúdo da aula de hoje, com atenção. Você precisará dominar

esse conteúdo para a aula 4.

RESUMO

Nesta aula, você viu:

� As três leis de Kepler do movimento planetário.

REFERÊNCIAS

FERRIS, Timothy. Coming of age in the Milky Way perennial ed. New York:

HarperCollins, 2003.

BASSALO, José Maria Filardo. Nascimentos da Física (3500 a.C. – 1900 a.D.)

Belém: EDUFPA, 1996.

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MORAIS, Antônio Manuel Alves. Gravitação e cosmologia. São Paulo: Livraria da

Física, 2009.

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AULA 4 – LEIS DE KEPLER APLICADAS

OBJETIVOS:

Ao final desta aula prática, o aluno deverá:

� ser capaz de aplicar as leis de Kepler ao movimento de um planeta;

� ter verificado a validade das leis de Kepler para o planeta Marte.

1 INTRODUÇÃO

Johannes Kepler, para desenvolver suas leis do movimento planetário,

utilizou-se de medidas extensivas da posição aparente dos planetas no céu. Quando

iniciarmos o estudo da astronomia esférica, na aula 9, vamos ver alguns métodos

que nos permitem localizar os astros no céu e uns em relação aos outros. Assim,

para verificarmos a validade das leis de Kepler, na aula de hoje, não vamos utilizar

dados de posição aparente dos planetas como as utilizadas por Kepler. Em lugar

disso, vamos utilizar um mapa mostrando a posição do planeta Marte em relação

ao Sol, ao longo de sua órbita, em diferentes datas.

2 DADOS DO PLANETA MARTE

A figura 4.1 mostra a posição do planeta Marte, em sua órbita em torno do

Sol, em treze datas distintas, obtidas a partir do simulador Planetarium. A posição

do planeta está representada por círculos pretos; a posição do Sol está mostrada

como um círculo amarelo. A posição indicada como “1” é a posição de Marte à

meia-noite do dia 1º de janeiro de 2009; todas as posições seguintes

correspondem a intervalos de 56 dias a partir desse ponto.

Sobreposta nas posições de Marte e do Sol na figura 4.1, há uma grade

quadrada. A medida do lado de cada um dos quadrados dessa grade corresponde a

1,37 × 10�[ km.

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3 ANÁLISE DOS DADOS

Você vai agora verificar que os dados da posição de Marte, como indicados

na figura 4.1, são compatíveis com as três leis de Kepler. Para isso, siga os

seguintes passos:

1) Verifique qualitativamente a primeira lei de Kepler:

a. Meça a distância entre Marte e o Sol, em quilômetros, para cada

uma das posições mostradas no diagrama acima. Para isso, use

as distâncias horizontais e verticais entre o Sol e Marte, usando a

grade, e aplique o teorema de Pitágoras.

b. Verifique que a distância entre Marte e o Sol muda ao longo do

tempo, e que existe uma região da órbita em que Marte está

sistematicamente mais próximo do Sol e outra, em que Marte

está sistematicamente mais distante.

Figura 4.1: Posições do planeta Marte em sua órbita, em diferentes datas.

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c. Faça uma estimativa (e marque sobre o diagrama) do ponto em

que Marte e o Sol estão mais próximos entre si. Esse ponto é

chamado periélio. Estime também o ponto em que ambos estão

mais distantes. Esse ponto é chamado afélio. O periélio e o afélio

devem se situar em posições opostas na figura.

d. Meça a distância entre o ponto de periélio e o ponto de afélio,

usando a grade. A metade dessa distância é o semi-eixo maior $ da órbita de Marte. Calcule esse valor.

e. Meça a largura da órbita de Marte perpendicularmente à linha que

une o periélio e o afélio. A metade dessa distância é o semi-eixo

menor V da órbita de Marte. Calcule esse valor. f. Verifique que $ e V não são iguais. Com isso, você mostra que a

órbita de Marte não é circular. A existência de um ponto de

máxima aproximação entre Marte e o Sol (periélio), juntamente

com a informação de que a órbita de Marte não é circular, é

incompatível com uma órbita circular cujo Sol ocupe seu centro,

mas plenamente compatível com uma órbita elíptica, com o Sol

ocupando um dos focos.

2) Verifique quantitativamente a segunda lei de Kepler:

a. Tome os dois pontos da órbita de Marte mais próximos do afélio.

Trace uma linha desde o Sol até cada um desses pontos. Meça a

área varrida pela órbita de Marte durante seu deslocamento entre

esses dois pontos, contando o número aproximado de quadrados

englobados por essas retas. Represente essa área pela letra A.

b. Tome os dois pontos da órbita de Marte mais próximos do

periélio. Meça a área varrida pela órbita de Marte durante seu

deslocamento entre esses dois pontos, da mesma forma como no

item acima. Represente essa área pela letra B.

c. Verifique que os pontos do afélio são mais próximos entre si do

que os pontos do periélio. Com isso, demonstra-se que a

velocidade orbital de Marte é maior quanto mais próximo do Sol

ele se encontra.

d. Verifique que A e B são semelhantes. Com isso, demonstra-se que

a lei das áreas se aplica a esses dados.

3) Verifique quantitativamente a terceira lei de Kepler:

a. Faça uma estimativa do período orbital O de Marte, utilizando os dados da figura 4.1, lembrando que os pontos estão separados no

tempo por 56 dias.

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b. Sabendo que a massa do Sol é de aproximadamente 2 × 10([ kg e que � = 6,67 × 10��� N⋅m2/kg2 e, usando o valor do semi-eixo maior

de Marte obtido no item (1), calcule o valor de O previsto pela equação 3.1.

c. Compare o valor que você estimou para O com o valor obtido

usando a equação 3.1. Verifique que os valores são semelhantes,

o que demonstra a validade da terceira lei de Kepler para esses

dados.

RESUMO

Nesta aula, você viu:

� Uma aplicação das leis de Kepler do movimento planetário.

� A verificação de que o movimento do planeta Marte é compatível com

as leis de Kepler.