12
HIPERTEXTO: UMA NOVA SENHA PARA O LIVRO IMPRESSO UMA ANÁLISE DAS CARACTERÍSTICAS HIPERTEXTUAIS PRESENTES NO LIVRO NEW PASSWORD ENGLISH Alini Cardozo dos Santos Paravidini (IFF) [email protected] RESUMO A escolha do tema deste ensaio parte da constatação de que o livro impresso é também um hipertexto e por ser o livro New Password English uma obra que possui características hipertextuais. Além disso, deseja-se, com este trabalho, defender a sobrevivência do livro impresso, principalmente o didático, de forma que este pode adaptar-se às novas formas de escrita e de leitura, e mostrar que o mais importante não é o suporte, e sim o modo como se utiliza este suporte. Palavras-chave: Hipertexto. Livro impresso. Novas formas de escrita. Suporte. 1. Introdução: carregando a página Segundo Jean Clément, o princípio de hipertexto consiste em pro- jetar em uma base de dados textuais não estruturada uma rede de links passíveis de serem ativados pelo usuário, rede esta que autoriza percursos de leitura motivados. Podendo, o hipertexto, encontrar-se em diversos dispositivos de leitura e de escrita. A partir disso, infere-se que, podendo o hipertexto ser encontrado em diversos dispositivos de leitura e de escrita, poderá, portanto, ser encontrado também no livro impresso, desde que os autores e editores (os produtores do livro), mas, principalmente, os leitores sejam compe- tentes e estejam dispostos a escrever e ler de forma não-linear, explorató- ria, agregativa, hipertextual. Todo texto, a partir do instante em que é produzido e que começa a circular, torna-se passível de diversas interpretações por parte de quem o lê. É essa possibilidade de diferentes interpretações que confere a qual- quer texto características hipertextuais, uma vez que o leitor (também chamado de usuário) cria seus próprios percursos de leitura a partir do texto que lhe foi primeiramente ofertado. (...) todo texto é plurilinear, na sua construção, poder-se-ia afirmar que pelo menos no ponto de vista da recepção todo texto é um hipertexto. (KOCH, 2002, p. 61)

HIPERTEXTO: UMA NOVA SENHA PARA O LIVRO IMPRESSO - ALINI.pdf · (os produtores do livro), mas, principalmente, os leitores sejam ... a partir dos conhecimentos ... o livro New Password

  • Upload
    buitram

  • View
    216

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

HIPERTEXTO:

UMA NOVA SENHA PARA O LIVRO IMPRESSO

UMA ANÁLISE DAS CARACTERÍSTICAS HIPERTEXTUAIS

PRESENTES NO LIVRO NEW PASSWORD ENGLISH

Alini Cardozo dos Santos Paravidini (IFF)

[email protected]

RESUMO

A escolha do tema deste ensaio parte da constatação de que o livro impresso é

também um hipertexto e por ser o livro New Password English uma obra que possui

características hipertextuais. Além disso, deseja-se, com este trabalho, defender a

sobrevivência do livro impresso, principalmente o didático, de forma que este pode

adaptar-se às novas formas de escrita e de leitura, e mostrar que o mais importante

não é o suporte, e sim o modo como se utiliza este suporte.

Palavras-chave: Hipertexto. Livro impresso. Novas formas de escrita. Suporte.

1. Introdução: carregando a página

Segundo Jean Clément, o princípio de hipertexto consiste em pro-

jetar em uma base de dados textuais não estruturada uma rede de links

passíveis de serem ativados pelo usuário, rede esta que autoriza percursos

de leitura motivados. Podendo, o hipertexto, encontrar-se em diversos

dispositivos de leitura e de escrita.

A partir disso, infere-se que, podendo o hipertexto ser encontrado

em diversos dispositivos de leitura e de escrita, poderá, portanto, ser

encontrado também no livro impresso, desde que os autores e editores

(os produtores do livro), mas, principalmente, os leitores sejam compe-

tentes e estejam dispostos a escrever e ler de forma não-linear, explorató-

ria, agregativa, hipertextual.

Todo texto, a partir do instante em que é produzido e que começa

a circular, torna-se passível de diversas interpretações por parte de quem

o lê. É essa possibilidade de diferentes interpretações que confere a qual-

quer texto características hipertextuais, uma vez que o leitor (também

chamado de usuário) cria seus próprios percursos de leitura a partir do

texto que lhe foi primeiramente ofertado. “(...) todo texto é plurilinear, na

sua construção, poder-se-ia afirmar que – pelo menos no ponto de vista

da recepção – todo texto é um hipertexto”. (KOCH, 2002, p. 61)

2. Baixando o arquivo: o livro New Password English como objeto de

estudo

New Password English é um livro de língua inglesa utilizado por

estudantes brasileiros no ensino médio. Escrito por Amadeu Marques,

professor de língua inglesa, nascido em Portugal e formado pela UFERJ,

o livro New Password English (Fig. 1), apesar de ser utilizado no suporte

impresso, possui muitas características hipertextuais que fazem com que

o aluno-leitor produza significados a partir dos nós, dos problemas e das

questões que lhe são propostas.

Fig. 1 – Capa do livro New Password English

Todas as partes do livro são iniciadas por uma página que contém

a pergunta “What’s the password?” (Qual é a senha?). Nesta página há

uma série de perguntas cujas respostas servirão como fonte para se che-

gar a uma palavra que será considerada a senha para aquela parte do

livro. Essa senha é o assunto do qual os textos do livro tratarão naquela

parte.

Na primeira parte do livro (Fig. 2), as letras encontradas a partir

das perguntas formarão a palavra “Nature” (Natureza) que será o assunto

tratado pelos textos seguintes. Na abertura da parte III (Fig. 3), as letras

encontradas a partir das respostas esperadas, ou previamente motivadas

pelo autor, formarão a palavra “Health” (Saúde), assunto dos textos da

unidade.

Fig. 2 – Abertura da Parte I do livro New Password English

Fig. 3 – Abertura da Parte III do livro New Password English

O aluno-leitor, a partir dos conhecimentos prévios que possui, das

imagens que lhe são apresentadas e também daquelas que já conhece,

chega à resposta-chave para a abertura da unidade. O que revela o hiper-

texto como dispositivo de leitura, pois se o leitor não é um detetive, bus-

cando as respostas por meio das pistas que lhe são dadas, não interpreta o

texto, não faz o hipertexto acontecer.

Mas enquanto o dobramos em si mesmo, produzindo assim sua relação consigo próprio, sua vida autônoma, sua aura semântica, relacionamos tam-

bém o texto a outros textos, a outros discursos, a imagens, a afetos, a toda

imensa reserva flutuante de desejos e de signos que nos constitui. Aqui, não é mais a unidade do texto que está em jogo, mas a construção de si, construção

sempre a refazer, inacabada. (LÉVY, 1996, p. 36)

Além das características hipertextuais já descritas, o livro New

Password English apresenta no fim de cada texto pequenas seções (Fi-

guras 4 e 5), ora denominadas “Explore some more” (Explore mais), ora

denominadas “Read more about it” (Leia mais sobre isso), que direcio-

nam o aluno a novos textos os quais, por sua vez, se relacionam com o

texto já lido.

Fig. 4 – Texto da Unidade 1, seguido da seção “Explore some more”

Fig. 5 – Texto da Unidade 6, seguido da seção “Read more about it”

O objetivo do autor é fazer com que o aluno-leitor se sinta insti-

gado a, assim como nos hipertextos informáticos, buscar mais sobre o

assunto, fazer novas leituras. Para tanto, ele utiliza nomes de revistas e

livros em que o aluno pode pesquisar e conhecer mais sobre o assunto e

também nomes de sites, links não informáticos que, apesar de não esta-

rem contidos na rapidez de um click, em muito se assemelham aos links

virtuais.

Apesar de constituir um objeto, os limites impostos pelo tamanho

do livro são ultrapassados quando se utilizam estes “links”, fazendo-nos

transcender o suporte impresso, mostrando-nos que o suporte eletrônico

pode ser utilizado como complementação do impresso, assim como o

contrário. Não se deve hierarquizar os suportes, utilizando-se um em

detrimento do outro, mas sim utilizá-los de forma que um venha a inte-

grar o outro.

O objetivo deste ensaio não é supervalorizar o suporte impresso

ou desvalorizar o suporte eletrônico, mas mostrar que o livro impresso

pode (e deve) adaptar-se aos novos modos de produção de textos, criando

páginas “interativas”, com quadros, cores fortes e outros elementos que

prendam a atenção do leitor, assim como existem nas páginas de internet.

Fig. 6 – Gramática da Unidade 10 e “link” para página 215,

na qual há mais informações sobre o assunto

Na Fig. 6, é possível verificar a existência de um “link”, uma vez

que criar um link em um texto significa estabelecer uma relação deste

com outro texto, com outra página. Ao criar a caixa “Minigrammar”

(Minigramática), o autor faz uma indicação sobre a parte do livro em que

o leitor poderá encontrar mais informações sobre a gramática daquela

unidade. O aluno-leitor, por sua vez, pode decidir se seguirá ou não aque-

le roteiro. Caso se decida por seguir, poderá continuar aprendendo sobre

gramática nas próximas páginas (Figuras 7 e 8) e não retornar à página

inicial, assim como poderia acontecer no hipertexto informático.

Fig. 7 – Página 215, na qual há mais informações da Gramática da Unidade 10

Fig. 8 – Página 215, na qual há mais informações da Gramática da Unidade 10

Observando essas páginas, pode-se perceber que o uso de “links”

está presente no livro impresso, induzindo o leitor a ampliar seu conhe-

cimento, navegando pelas páginas do próprio livro ou buscando outras

leituras em diferentes suportes.

Cada aluno, por conseguinte, atualizaria de forma diferente o que

foi virtualizado pelo autor do livro. É a escrita hipertextual e expansível

presente no livro New Pasword English que permite e provoca a criação

de novos significados a partir da repartição.

É certo que a leitura hipertextual em ambiente informático é faci-

litada pela rapidez na busca da informação. Mas nada impede que seja

feita uma leitura hipertextual, ainda que menos imediata, no livro im-

presso.

A Fig. 9 traz o “Vocabulary” (Vocabulário) que registra o signifi-

cado das palavras presentes nos textos do livro. Ao consultar uma pala-

vra no vocabulário o aluno pode passar a conhecer o significado de de-

terminada palavra presente no texto que está lendo e retornar ao texto

para finalizar, mas se este leitor for um leitor-explorador ou pesquisador,

poderá permanecer na página e aprender o significado de outras palavras,

buscar os textos em que se encontram e iniciar a leitura de outros textos,

presentes no livro ou fora dele, desterritorializando, criando novos cami-

nhos para o texto.

Cada qual entra nesta “navegação” de acordo com assuntos de seu inte-resse, e caminha de forma original na soma das informações, usando as ferra-

mentas de orientação que são os dicionários, léxicos, sumário, índice remissi-

vo, atlas, tabela de números e índice de tópicos que são, em si mesmos, pe-quenos hipertextos. (LÉVY, 1999, p. 56)

3. Conclusão: fazendo logoff

Os hipertextos informáticos são, apenas, uma evolução, não da

ideia de hipertexto, mas sim da forma como esses hipertextos são criados

e acessados.

O hipertexto, hipermídia ou multimídia interativo levam adiante, portanto,

um processo já antigo de artificialização da leitura. Se ler consiste em selecio-nar, em esquematizar, em construir uma rede de remissões internas ao texto,

em associar a outros dados, em integrar as palavras e as imagens a uma me-

mória pessoal em reconstrução permanente, então os dispositivos hipertextuais constituem de fato uma espécie de objetivação, de exteriorização, de virtuali-

zação dos processos de leitura. Aqui, não consideramos mais apenas os pro-

cessos técnicos DE digitalização e de apresentação do texto, mas a atividade

humana de leitura e de interpretação que integra as novas ferramentas. (LÉ-

VY, 1996, p. 43)

Apesar de o termo hipertexto ter sido cunhado em 1965 para defi-

nir uma estrutura não hierárquica no campo da informática, os processos

hipertextuais são anteriores a qualquer forma de tecnologia, uma vez que

o texto pode ser lido de maneiras diferentes por leitores diferentes, não

dependendo do suporte, mas da competência dos leitores-exploradores

que leem os livros e os recriam, os atualizam.

A facilidade de acesso à informação trazida pelo hipertexto in-

formático pode fazer com que leitores não atualizadores de sentido sejam

levados, por meio de links previamente programados, a textos indeseja-

dos e que em nada contribuirão para a sua leitura e formação enquanto

leitor. O livro impresso, que já é uma evolução nos modos de escrita e

circulação de textos, por sua vez, pode ser escrito com uma nova forma-

tação, para que seja atraente aos leitores da Era Digital.

O livro impresso continua e continuará a existir, pois assim como

Joistein Gaarder, a maioria das pessoas “não gostaria de levar um compu-

tador para a cama no lugar de um livro” pela facilidade de carregá-lo ou

talvez, e ainda mais, pelo sentimento que se alimenta em torno deste

objeto, pelo cheiro, pelo toque, pelos rabiscos e por podermos, da mesma

forma descrita por Lévy em seu livro “O que é o virtual?”, dobrá-lo,

amarrotá-lo e rasgá-lo, com toda a carga de paixão que essas palavras

podem trazer.

A sobrevida do livro é a da literatura, no modo conforme se apresenta em

nossos dias. Porque suscita a interferência do leitor, este também não a aban-

dona. O rompimento terá de esperar o aparecimento de um ser original, que, à maneira de Alfonso Quejana, prefira a nova forma de expressão, dependente

de sua identificação, à própria vida. Talvez ainda tenhamos de aguardar mais

tempo; enquanto isso, contentemo-nos em experimentar os espaços infindá-veis oferecidos pelo texto escrito, em papel sensível, o que acolhe nossas dis-

posições e fantasias. (ZILBERMAN, 2001, p. 119)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

KOCH, I. G. V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez,

2002.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.

LÉVY, Pierre. O que é o virtual? São Paulo: Editora 34, 1996.

SÜSSEKIND, Fioro. (Org.). Historiografia literária e as técnicas da

escrita: do manuscrito ao hipertexto. Rio de Janeiro: Vieira, 2003.

VILLAÇA, Nízia. Impresso ou eletrônico: um trajeto de leitura. Rio de

Janeiro: Mauad, 2002.

ZILBERMAN, Regina. Fim do livro, fim dos leitores? São Paulo: SE-

NAC, 2001.