historia da educação

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FICHA CATALOGRFICA 370.9 M149h Machado, Aldonei Histria da Educao/Elaborao: Aldonei Machado...[et.al.].-3.ed.Florianpolis (SC): UDESC:FAED: CEAD, 2002. 97 p. il. - (Caderno Pedaggico;2). 1. Educao - Histria.I - I. Ttulo. II. Autor. III - Srie.

DOCUMENTO DE PROPRIEDADE DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA - UDESC

Nos termos da legislao sobre direitos autorais, proibida a reproduo total ou parcial deste documento, por qualquer forma ou meio eletrnico ou mecnico, inclusive por processos xerogrficos de fotocpia e de gravao sem a permisso expressa e por escrito da UDESC.

HISTRIA DA EDUCAOVerso III

Elaborao:

Aldonei Machado Cludia Mortari Diana Mara Gerber Felipe Augusto Teixeira Luciana Rossato Srgio Luiz Ferreira Viviani Poyer

Florianpolis, 2002

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA UDESC Esperidio Amin Helou Filho Governador do Estado Raimundo Zumblick Reitor Jorge de Oliveira Musse Vice-Reitor Neli Goes Ribeiro Pr-Reitora Comunitria Gilson Lima Pr-Reitor de Administrao Antonio Waldimir Leopoldino da Silva Pr-Reitor de Ensino Mrcia Silveira Kroeff Pr-Reitora de Pesquisa e Desenvolvimento

Centro de Cincias da Educao FAED Jos Carlos Cechinel Diretor Geral Fernando Fernades de Aquino Diretor Assistente de Ensino Elisabete Nunes Anderle Diretora Assistente de Pesquisa e Extenso Coordenadoria de Educao a Distncia - CEAD Jos Carlos Cechinel Coordenador Geral Sueli Wolf Weber Coordenadora Pedaggica Liberato Manoel Pinheiro Neto Coordenador Administrativo Marcos Loureno Herter Coordenador de Planejamento e Relaes Inter-Institucionais Graziella Naspolini Dalpizzo Coordenadora UDESC Virtual Sueli Gadotti Rodrigues Coordenadora de Elaborao de Material Escrito Snia Maria Martins de Melo Coordenadora de Pesquisa Coordenao de Produo Jos Carlos Cechinel Projeto Grfico, Diagramao e Capa Rosana Brasco Impresso Imprensa Oficial do Estado de Santa Catarina - IOESC

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA- UDESC CENTRO DE CINCIAS DA EDUCAO - FAED COORDENADORIA DE EDUCAO A DISTNCIA- CEAD

HISTRIA DA EDUCAO

CADERNO PEDAGGICO 2 Verso III

Florianpolis, 2002

SUMRIO

APRESENTAO PROGRAMA DA DISCIPLINA CAPTULO I - A EDUCAO NO MUNDO MODERNO Seo 1 - O ENFRENTAMENTO DAS CULTURAS OBJETIVOS ESPECFICOS COSMOVISO DOS POVOS PR-COLOMBIANOS EXPANSO MARTIMA E COMERCIAL EUROPIA O ESTADO MODERNO O MERCANTILISMO RESUMO ATIVIDADE - DIFERENTES MANEIRAS DE VER E VIVER NO MUNDO COMENTRIO Seo 2 - RATIO STUDIORUM: A IMPLANTAO DA EDUCAO CATEQUTICA NO BRASIL OBJETIVOS ESPECFICOS RESUMO ATIVIDADE - OS JESUTAS E A DIFUSO DA CULTURA EUROPIA COMENTRIO Seo 3 - O IDEAL ILUMINISTA NA EDUCAO OBJETIVOS ESPECFICOS A REFORMA POMBALINA RESUMO ATIVIDADE - O ILUMINISMO E A EDUCAO COMO DEVER DO ESTADO COMENTRIO

09 11 13 15 15 16 21 22 23 24 27 27

29 29 33 35 35 37 37 40 43 46 46

CAPTULO II - A EDUCAO NO MUNDO CONTEMPORNEO Seo 1 - EDUCAES PBLICAS NACIONAIS E PRINCIPAIS PEDAGOGOS OBJETIVOS ESPECFICOS RESUMO ATIVIDADE - O MUNDO E A EDUCAO TRANSFORMAM-SE COMENTRIO

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49 49 52 54 54

Seo 2 - A EDUCAO BRASILEIRA NO IMPRIO OBJETIVOS ESPECFICOS RESUMO ATIVIDADE - BRASIL INDEPENDENTE: NOVOS RUMOS PARA A EDUCAO COMENTRIO Seo 3 - A EDUCAO BRASILEIRA NA REPBLICA OBJETIVOS ESPECFICOS A PRIMEIRA REPBLICA A EDUCAO NA ERA VARGAS(1930-1945) O RETORNO A DEMOCRACIA(1945-1964) A DITADURA MILITAR(1964-1985) A NOVA REPBLICA RESUMO ATIVIDADE - NOVOS TEMPOS, NOVAS PRTICAS EDUCACIONAIS COMENTRIO Seo 4 - A EDUCAO BRASILEIRA EM SANTA CATARINA OBJETIVOS ESPECFICOS RESUMO ATIVIDADE - DIFERENTES PROPOSTAS EDUCACIONAIS EM SANTA CATARINA COMENTRIO REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

55 55 58 60 60 62 62 62 65 68 71 73 76 79 79 80 80 91 95 95 96

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APRESENTAO

Caro aluno! Voc est recebendo o segundo caderno da Histria da Educao. Desta forma, iremos estudar a histria da educao ocidental nos perodos Moderno e Contemporneo, como tambm a educao no Brasil e em Santa Catarina. Voc percebeu que no Caderno Pedaggico I a educao sempre foi discutida e problematizada ao longo dos sculos e que a mesma no pode ser estudada separadamente dos contextos histricos. Ela, para ser entendida, deve estar relacionada com as realidades econmicas, sociais, polticas e culturais de cada momento histrico. Seguindo esta linha de pensamento, no captulo sobre a educao no mundo moderno, voc ir estudar a diversidade cultural dos povos pr-colombianos e o enfrentamento das culturas a partir das grandes navegaes. Com a chegada do europeu ao continente americano, voc ir analisar a atuao dos jesutas e suas influncias na educao praticada no Brasil, culminando com a implantao das reformas educacionais do Marqus de Pombal, o qual deixou-se influenciar pelos ideais Iluministas. No captulo sobre a educao no mundo contemporneo, voc estudar alguns pensadores que propuseram importantes concepes de educao que foram desenvolvidas a partir do sculo XIX. Na seqncia, estudaremos as propostas educacionais ocorridas no Brasil imperial, republicano e no Estado de Santa Catarina, sempre fazendo relaes com as transformaes histricas ocorridas na sociedade brasileira. importante para seu aprendizado a leitura atenta do caderno e a discusso com seu tutor e colegas de turma sobre os contedos, relacionado-os sempre com a sua prtica pedaggica. Alm disso, procure sempre que possvel, complementar seus estudos com as sugestes bibliogrficas, de filmes e sites que sugerimos ao final de cada seo, resolvendo tambm os exerccios propostos no caderno. Se desejar, procure outras fontes de pesquisa. O estudo da histria da educao nos possibilita entender que todos ns somos seres histricos, e que, portanto, sofremos a influncia e podemos tambm influenciar a histria. Conhecer a histria da educao nos fornece subsdios para mudarmos nossa prtica pedaggica e construir uma sociedade melhor e mais justa para todos os seres humanos.

PROGRAMA DA DISCIPLINA DE HISTRIA DA EDUCAO

CAPTULO I A EDUCAO NO MUNDO MODERNO SEO 1 - O ENFRENTAMENTO DAS CULTURAS COSMOVISO DOS POVOS PR-COLOMBIANOS A EXPANSO MARTIMA E COMERCIAL EUROPIA O ESTADO MODERNO O MERCANTILISMO SEO 2 - RATIO STUDIORUM: A IMPLANTAO DA EDUCAO CATEQUTICA NO BRASIL A REFORMA POMBALINA

CAPTULO I I A EDUCAO NO MUNDO CONTEMPORNEO SEO 1 - EDUCAES PBLICAS NACIONAIS E PRINCIPAIS PEDAGOGOS SEO 2 - A EDUCAO BRASILEIRA NO IMPRIO SEO 3 - A EDUCAO BRASILEIRA NA REPBLICA A PRIMEIRA REPBLICA (1889 - 1930) A EDUCAO NA ERA DE VARGAS (1930 - 1945) O RETORNO A DEMOCRACIA (1945 -1964) A DITADURA MILITAR (1964 - 1985) A NOVA REPBLICA (a partir de 1985) SEO 4 - A EDUCAO EM SANTA CATARINA

CAPTULO I

A EDUCAO NO MUNDO MODERNO

Trs anos depois do descobrimento, Cristvo Colombo dirigiu pessoalmente a campanha militar contra os indgenas da Ilha Dominicana. Um punhado de cavaleiros, duzentos infantes e alguns ces especialmente adestrados para o ataque dizimaram os ndios. Mais de quinhentos, enviados Espanha, foram vendidos como escravos em Sevilha e morreram miseravelmente. Entretanto, alguns telogos protestaram e a escravizao dos ndios foi formalmente proibida ao nascer do sculo XVI. Na realidade, no foi proibida, mas abenoada: antes de cada entrada militar, os capites de conquista deviam ler para os ndios, sem intrprete, mas diante de um escrivo pblico, um extenso e retrico Requerimento que os exortava a se converterem santa f catlica: Se no o fizerdes, ou nisto puserdes maliciosamente dilao, certifico-vos que com a ajuda de Deus eu entrarei poderosamente contra vs e vos farei guerra por todas as partes e maneira que puder, e vos sujeitarei ao jugo e obedincia da Igreja e de Sua Majestade e tomarei vossas mulheres e filhos e vos farei escravos, e como tais vos venderei, e disporei de vs como a Majestade mandar, e tomarei vossos bens e vos farei todos os males e danos que puder... (Eduardo Galeano. As Veias Abertas da Amrica Latina)

Objetivo Geral

Compreender como as sociedades pr-colombianas organizavam-se e as caractersticas de sua educao e perceber as mudanas ocorridas no mundo, a partir do contato entre as culturas europia e americana e os seus reflexos na educao praticada no Brasil.

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O ENFRENTAMENTO DAS CULTURAS Seo 1

Objetivos especficos: Identificar os modos de vida das populaes dos Imprios Inca, Maia e Asteca, e das populaes indgenas do territrio brasileiro e as caractersticas de sua educao; Listar as principais diferenas entre o olhar dos europeus e dos povos prcolombianos sobre o mundo; Identificar as transformaes econmicas, polticas, sociais e culturais pelas quais passava a Europa no perodo das grandes navegaes martimas e a conseqente dominao europia sobre o continente americano.

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Ol, caro aluno! Vamos iniciar nosso dilogo no Caderno de Histria da Educao II com uma pequena reflexo. Voc no seu cotidiano e em sua sala de aula j parou para perceber que seus alunos pertencem a diferentes classes sociais e religies, so de diversas origens e possuem diferentes costumes? Pois bem! Se voc nunca parou para perceber, sugerimos que nas listagens abaixo voc assinale as diferenas encontradas em sua sala de aula com relao s opes religiosas, origens culturais e procedncias regionais de seus alunos. Religio: ( ) Catlica, ( ) Protestante, ( ) Judaica, ( ) Esprita, ( ) Pentecostal, ( ) Afro-brasileira. Origens culturais: ( ) Alemo, ( ) Italiano, ( ) Africano, ( ) Aoriano/Portugus, ( ) Indgena, ( ) Outros. Procedncias regionais: ( ) Natural do municpio, ( ) Cidades vizinhas, ( ) Outras regies do Estado, ( ) Estados vizinhos, ( ) Outros. A atividade que voc realizou acima, foi a de identificar a diversidade, ou seja, a existncia de diferenas entre os sujeitos. Voc sabe o que diversidade cultural? Diversidade cultural a compreenso da humanidade em sua pluralidade, ou seja, o entendimento de que existem vrios comportamentos e modelos sociais existentes e que esses resultam das maneiras pelas quais os homens e as mulheres organizam as relaes entre si. Essa diversidade no pode ser vista de forma hierarquizada, em superiores ou inferiores, em bem ou mal, mas na sua dimenso de riqueza por ser diferente. (ROCHA,1984)

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Histria da Educao

Esse conceito importante por vrias razes, e, entre estas, destacaremos duas. Primeiro, para que voc entenda e perceba os diferentes modos de vida dos europeus e dos povos pr-colombianos no perodo Moderno. Segundo, para que voc respeite a diversidade cultural existente na sua escola ou na comunidade em que vive. O que queremos pontuar que cada sociedade possui uma maneira diferente de ver e viver a vida e isso no significa considerar um modo de vida melhor do que o outro. O nosso continente, que passou a chamar-se Amrica a partir da conquista pelos europeus era, e ainda , caracterizado pela diversidade. Tanto os europeus quanto os povos que aqui viviam possuam uma viso de mundo bem diferente. Esses so alguns dos pontos que voc estudar a seguir.

COSMOVISO DOS POVOS PR-COLOMBIANOS ABIA AYALA - Terra em Plena Madurez. Este era o nome pelo qual os nativos do continente, hoje, denominado Amrica, designavam sua terra. Neste vasto continente que se espalha do Alasca at a Terra do Fogo, muitos povos viveram em estgios de desenvolvimento tecnolgico diferentes. Podemos perceber: * sociedades nmades caadoras e coletoras. Entre elas os gs, botocudos, patages, comanches e esquims; * sociedades sedentrias que praticavam a agricultura de subsistncia. Seus principais grupos so os guarani, tupi, caraba, araucanos, chipchas e iroqueses; * sociedades com produo de excedentes, como os Astecas, Maias e Incas.1

A Amrica L a t i n a (Amrica Central e Amrica do Sul), localiza-se no hemisfrio ocidental e banhada pelo Oceano Atlntico a Leste e pelo Oceano Pacfico a Oeste.

Grande parte da Amrica Latina1 tropical e no tem as quatro estaes do ano bem definidas. Ao longo da costa oeste h montanhas muito altas, cobertas de neve. Nesta regio denominada de altiplanos (Andes Centrais: Peru, Chile e Bolvia), habitava o povo inca. No restante do continente, nas regies chamadas de mesoamrica (Amrica Central), territrio dos astecas e maias e plancies costeiras, terras dos ndios da Amrica do Sul, a estao predominante o vero. Inicialmente, voc estudar alguns aspectos das sociedades que tinham produo de excedente - Incas, Maias e Astecas e que se constituram enquanto grandes estados organizados em torno da figura de um Imperador. Os Maias floresceram ao mesmo tempo que o Imprio Romano, na Europa, que voc estudou no Caderno I. Foram poderosos entre os anos de 300 e 900 aproximadamente e viviam na Pennsula de Iucat (atual Guatemala). A riqueza dessa civilizao baseava-se na agricultura, principalmente do milho, cultivada pelos camponeses em terras coletivas, que pagavam impostos ao governante. A sociedade

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estava dividida em classes: a dominante, composta pelos militares e sacerdotes, sendo fechada, hereditria e privilegiada; e a massa camponesa, que trabalhava no cultivo do milho, na caa e pesca e que servia classe dominante. Cada cidade era um Estado autnomo, com seu prprio governo e leis, semelhantes s cidades-estados gregas que voc j estudou no Caderno I. O regime poltico era teocrtico2 , baseado na dualidade de funes: os reis e senhores eram guerreiros e ao mesmo tempo tinham atribuies religiosas e rituais.

2 Forma de governo em que a autoridade, emanada dos deuses ou de Deus, exercida por seus representantes na terra. Teo = d e u s ; cracia = governo.

A arquitetura, a escultura e a pintura estavam direcionadas para a religio. Os imensos templos em forma piramidal e os palcios luxuosos eram decorados em honra aos deuses que regiam o destino dos homens. Os maias desenvolveram a astronomia, prevendo, inclusive, eclipses solares, pois possuam um sistema matemtico preciso, usado para calcular medidas complexas e equaes. Alguns documentos com hierglifos comprovam que os Maias possuam um sistema de escrita, exclusivamente sagrada, baseados na representao de idias e objetos, usada e entendida somente por sacerdotes. Com base nestas informaes possvel perceber que a educao neste povo era diferenciada e de acesso a alguns grupos sociais. A civilizao Asteca se destacou-se por ter sido uma sociedade guerreira, urbana e agrcola. A agricultura baseava-se no cultivo do milho, algodo, tomate, abbora e feijo (produtos desconhecidos na Europa na poca), em terras comunais, na qual todos trabalhavam e sustentavam, atravs de impostos, o cl, ou seja, o chefe, os sacerdotes, os militares e aristocracia. Possuam um sofisticado sistema de irrigao e audes. O sistema religioso dos astecas era complexo, pois possuia uma infinidade de deuses. Em suas construes destacavam-se a arte, com trabalhos feitos de madeira ou em pedras lapidadas, incluindo-se jades e turquesas. A pintura estava presente em vrios espaos: muros, cermicas e livros. Os astecas escreviam num papel feito de casca de rvore e usavam a escrita pictria, isto , desenhavam objetos ou figuras, e a escrita hieroglfica, baseada em smbolos. Possuam um calendrio que incorporaram dos maias, no qual os meses tinham 20 dias, sendo que um ano durava 18 meses, mais cinco dias de festa ao final do ano, o que totalizava 365 dias.

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Havia nessa sociedade dois tipos de escola, a dos filhos dos nobres, calmecac; e a dos filhos do povo, telpochcalli. No calmecac, os que mais se destacavam aprendiam religio e tornavam-se sacerdotes. Os jovens dormiam no cho, jejuavam e levantavam-se vrias vezes noite para rezar. Aprendiam a ler, escrever, a prever eclipses e secas e a fazer remdios com ervas. Aos 20 anos, os alunos saam para casar, trabalhar como escribas do rei e dirigir cerimnias religiosas. As crianas pobres eram treinadas para serem guerreiras. Aprendiam a obedecer, cavando canais e varrendo os templos. Exercitavam-se com espadas e escudos de madeira e levavam comida aos guerreiros nos campos de batalha. Eram iniciados nas leis das cidades, nas canes e nas danas religiosas. Na sociedade Inca a terra pertencia ao Estado, representado pelo Imperador, detentor de um poder absoluto. No existia, portanto, propriedade privada, e o trabalho era coletivo. Cada famlia era responsvel por explorar um lote de terra e ficava com uma parte do que era produzido, sendo o restante repassado ao Imperador como forma de tributo. Todos tinham que trabalhar. As crianas ajudavam a proteger a colheita espantando os pssaros. Os mais velhos, por sua vez, ajudavam a educar as crianas. At as construes eram feitas com trabalho comunitrio. Os Incas eram bastante religiosos, sendo suas vidas regidas e condicionadas pela presena constante de foras e seres sobrenaturais. A divindade que serviu para unir todo o Imprio foi El Sol. Esta civilizao no tinha um sistema de escrita, mas usava um sistema de cordes e ns, chamado quipu, o qual tambm servia como correio. Vrios cordes eram pendurados num cordo principal de l, cada um tendo uma srie de ns. Identificavam a informao pela cor do cordo, pela quantidade e pela posio dos ns. Embora desconhecessem a roda, desenvolveram a metalurgia, a agricultura (com irrigao e terraos em curva de nvel), a matemtica, os sistemas de correio e transportes em vias pavimentadas. E as populaes que viviam no territrio brasileiro?3

Educ a o Pragmt i c a : voltada para aplicaes prticas, para a ao, para as necessidades do dia-a-dia.

Essas populaes so caracterizadas tambm pela diversidade cultural. Voc lembra do conceito de diversidade discutido no incio desta seo? Pois bem! Em todo o territrio brasileiro existiam mais de 100 lnguas indgenas e cerca de 170 etnias diferentes, sendo que cada uma dessas possuam uma maneira prpria de viver, uma cultura especfica. A terra era o maior bem destas populaes. Sua sobrevivncia dependia do domnio direto sobre o espao que ocupavam. Por isso, conforme o meio natural em que viviam e os recursos disponveis para suprir suas necessidades, construam uma cultura prpria, com traos diferenciados. Nessas sociedades a caracterstica fundamental era a solidariedade e a cooperao. A educao das crianas era pragmtica3 e desde cedo aprendiam, conforme o sexo, os papis que deveriam desempenhar quando adultas.

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No Brasil, viviam quatro troncos lingsticos principais: tupi-guarani, macro-j, aruak e caribe. O grupo tupi-guarani ocupava extensas faixas do litoral, compondo-se de vrios grupos distintos: Guarani no Oeste e Sul, Tupiniquins em So Paulo e Tupinambs no litoral Norte. Esse grupo foi o primeiro a estabelecer contato com o colonizador. Os Guarani praticavam a agricultura e desenvolveram a cermica feita de argila, cozida de formas variadas, utilizadas para armazenar gua e alimentos. Em urnas de cermica enterravam seus mortos, junto com alguns presentes. Tambm fabricavam cachimbos de barro, machados de pedra usados para derrubar rvores e fabricar canoas. Nessas sociedades o conhecimento era transmitido de forma oral, sendo que um membro escolhido como cacique pela sua capacidade de argumentar, de falar bem, e no pela fora e poder econmico. Em Santa Catarina, trs grupos indgenas ocupavam as terras antes da chegada dos europeus: Os Cario (Carijs), grupo da tradio lingstica Tupi-Guarani, ocupavam a faixa litornea do Estado. Eram horticultores, caadores e guerreiros. Moravam em aldeias perto dos rios e utilizavam recipientes cermicos para armazenar gua, alimentos e enterrar os mortos. Os Kaingng (Coroados e Guaians) localizavam-se nos campos acima da serra. Esse povo pertencia ao grupo lingstico J, eram seminmades, viviam da caa, coleta do pinho e horticultura. Os Xokleng (Bugres ou Botocudos), grupo de lngua J, ocupavam a regio da Mata Atlntica, entre o litoral e o planalto. Eram nmades, viviam da caa e coleta de frutas, mel e pinho.Para voc refletir: Voc estudou alguns aspectos das sociedades indgenas catarinenses. Em sua regio existem na atualidade grupos indgenas? Como eles vivem? Sua cultura respeitada?

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A partir da chegada dos europeus, no sculo XV, e com o processo de dominao e conquista por eles empreendidos, ocorreu o genocdio4 das populaes indgenas: foram destrudos as bases da sua vida social, negados seus valores, feitos escravos e mercadoria, as doenas trazidas pelos europeus os dizimaram. A viso eurocntrica dos europeus, ou seja, a que toma o seu modo de vida como o mais correto e civilizado, por um longo tempo passou a imagem de que nocontinente americano recm descoberto s viviam povos brbaros, primitivos, que no conheciam A caravela trouxe mais do que europeus, ela simboliza a civilizao.tambm o incio do genocdio indgena na Amrica.

Genocdio: c r i m e contra a humanidade, que consiste em destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, tnico, racial ou religioso. Em 1500 viviam na Amrica aproximadamente 80 milhes de ndios. 50 a n o s depois, em 1 5 5 0 , existiam somente 10 milhes de ndios.

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Faamos uma pequena reflexo. Ser que isso mesmo? E o que dizer ento das trs principais civilizaes americanas, com seus vastos Imprios geogrficos, com organizao estatal, desenvolvimento tecnolgico e grande produo agrcola? E dos inmeros e diferentes grupos indgenas no Brasil, que tinham sua prpria cultura e viso de mundo baseada na solidariedade e na comunidade? Quem ser que foram os brbaros ou primitivos: as populaes que viviam nesse continente ou os europeus, que com objetivos de conquista invadiram o novo territrio, destruram cidades e culturas e implantaram o terror, o medo e a destruio? Para voc ter uma idia, no continente americano foram exterminadas mais de 70 milhes de pessoas, das quais mais de cinco milhes no Brasil. Como se no bastasse o extermnio por doenas ou pela escravido, ainda vieram os missionrios, pregando que o flagelo se dava por causa da sua perverso e de seus pecados. Em Santa Catarina, Os Cario (Carijs) foram os primeiros a sofrerem a ao dos bandeirantes, que vinham aprision-los para escraviz-los, e dos padres jesutas que tentaram catequiz-los e mant-los em redues. Os Kaingng (Coroados e Guaians), tambm foram escravizados ou incorporados s fazendas de criao de gado, como pees ou na defesa contra outros Kaingng hostis aos brancos. Os Xokleng, (Bugres ou Botocudos), sofreram o ataque do bugreiro, caador semi-profissional de ndios, encarregado pelo governo ou por particulares para eliminar os que viviam nas matas. Destes grupos que habitavam o territrio catarinense sobraram apenas alguns, que vivem em reas demarcadas pelo governo, em plena misria. Em outros pases da Amrica Latina, como Colmbia, Bolvia, Chile, Peru e Equador, nos quais antes da chegada dos europeus havia grandes Imprios, a populao nativa foi tambm massacrada. Hoje, a marca destas populaes, que sobraram, o subdesenvolvimento e a pobreza. Mas, o que motivou os europeus a lanaram-se ao mar em busca de novos territrios? Podemos dizer que os homens eram movidos basicamente por dois sentimentos: o de submeter f crist os hereges selvagens e enriquecer com o saque de suas riquezas.

Para voc refletir: A diferena de viso de mundo e do modo de viver dos europeus que chegaram no Brasil e das populaes indgenas pode ser percebida atravs do texto abaixo. Leia com ateno e tente identificar essa diferena.

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Os nossos tupinambs muito se admiram dos franceses e outros estrangeiros se darem ao trabalho de ir buscar os seus arabutan (pau-brasil). Uma vez um velho perguntou-me: - Por que vindes vs, mars e pers (franceses e portugueses) buscar lenha de to longe para vos aquecer? No tendes madeira em vossa terra. - Respondi que tnhamos muita, mas no daquela qualidade, e que no a queimvamos, como ele o supunha, mas dela extraamos tinta para tingir, tal qual o faziam eles com os seus cordes de algodo e suas plumas. - Retrucou o velho imediatamente: e por ventura precisais de muito? - Sim, respondi-lhe, pois no nosso pas existem negociantes que possuem mais panos, facas, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que podeis imaginar e um s deles compra todo o pau- brasil com que muitos navios voltam carregados. - Ah! Retrucou o selvagem, tu me contas maravilhas, acrescentando depois de bem compreender o que eu lhe dissera: Mas esse homem to rico de que me falas no morre? - Sim, disse eu, morre como os outros. Mas os selvagens so grandes discursadores e costumam ir em qualquer assunto at o fim, por isso perguntou-me de novo: e quando morrem para quem fica o que deixam? Para seus filhos se os tm, respondi; na falta deste para os irmos ou parentes mais prximos. Na verdade, continuou o velho, que, como vereis, no era nenhum tolo, agora vejo que vs outros mairs sois grandes loucos, pois atravessais o mar e sofreis grandes incmodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais tanto para amontoar riquezas para vossos filhos ou para aqueles que vos sobrevivem! No ser a terra que vos nutriu suficiente para aliment-los tambm? Temos pais, mes e filhos a quem amamos; mas estamos certos de que depois da nossa morte a terra que nos nutriu tambm os nutrir, por isso descansamos sem maiores cuidados (LRY,1960:151-61).

EXPANSO MARTIMA E COMERCIAL EUROPIA

Atravs do seu estudo, voc percebeu como as sociedades pr-colombianas eram caracterizadas pela diversidade cultural. A conquista do territrio inaugurou um novo perodo da histria europia, denominado de Moderno e foi conseqncia de uma srie de transformaes que estavam ocorrendo na Europa. Isto importante que voc tenha presente, ou seja, de que os acontecimentos na histria no ocorrem de uma hora para outra, mas so resultados de processos, de transformaes ao longo do tempo e que possuem relaes entre si.

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Entre as transformaes que voc j estudou no Caderno I, podemos citar o Renascimento Cultural, com os avanos da cincia e tecnologia, o enriquecimento da burguesia europia atravs do aceleramento da atividade comercial no final da Idade Mdia e a Reforma e a Contra-Reforma. Acrescenta-se a isto mais duas questes fundamentais: primeiro a falta de metal precioso para abastecer o mercado, enriquecer a burguesia mercantil e os monarcas das naes europias que estavam se formando no perodo; segundo, a motivao religiosa, pois era preciso expandir a f catlica por outros territrios, j que a Igreja havia sido abalada pela Reforma Protestante, o que vai resultar numa ao missionria de padres jesutas pelo mundo, tendo como objetivo converter as populaes no europias, denominadas pelos europeus de pagos, ao catolicismo. Em razo destes acontecimentos a Europa extrapolou os limites de seu continente atravs da expanso martima. Portugal e Espanha foram os pases pioneiros no processo de conquista, seguido por ingleses, franceses e holandeses. A expanso propiciou aos europeus o estabelecimento de contatos com todas as regies do mundo, as quais passaram a integrar-se ao modo de vida e economia europias. A atividade comercial recebeu um grande impulso com o afluxo dos novos produtos americanos, especialmente os metais preciosos. A Amrica integrou-se histria europia sob uma funo complementar e subsidiria, fornecendo produtos e consumindo outros, cuja comercializao enriqueceu Estados e elites do velho continente.Para voc refletir: Quais as consequncias da chegada dos europeus Amrica?5

Nao aqui entendida, como uma populao determinada, habitando um territrio especfico, que reconhece sua identidade atravs da origem, tradio, cultura, costumes e, sobret u d o , lngua comuns.

O ESTADO MODERNO

Para realizar a expanso martima, somente um Estado centralizado poderia mobilizar os recursos necessrios e sofrer riscos nos seus investimentos, pois a abertura de novos mercados significava a criao e a explorao de novas rotas pelo oceano desconhecido. Assim, um Estado centralizado tornou-se um pr-requisito expanso, e a explorao comercial e colonial, conseqentemente, fortaleceu o Estado colonizador. O Estado Moderno configurava-se como nacional, ou seja, identificava-se com a nao5 e se caracterizava por apresentar um poder centralizado na figura do Rei, cujo poder absoluto (absolutismo) justificava-se pela concepo da origem divina, sendo o Rei considerado representante de Deus na terra. Essa sociedade era dividida em trs estados: nobreza, clero e povo.

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No primeiro e no segundo estados encontravam-se os detentores de privilgios, os proprietrios de terra e os portadores de ttulos de nobreza, que alm de no pagarem impostos ao Estado, recebiam do Rei o direito de cobrar tributos do terceiro estado. A nobreza, que constitua a minoria da populao, era parasitria, pois vivia s custas do Estado. O clero era formado pelos membros da Igreja Catlica e exercia influncia poltica, religiosa e cultural na sociedade. O terceiro estado constitua a maioria da populao, sendo composto por grupos heterogneos, desde os grandes comerciantes e banqueiros at os servos. Sobre eles recaam os impostos que sustentavam tanto a nobreza como o Estado e a Igreja.

O MERCANTILISMO

A Europa foi a principal beneficiada com a expanso martima. A riqueza extrada da Amrica serviu para fortalecer o Estado Absolutista, enriquecer a burguesia e lanar as bases para o posterior desenvolvimento da industrializao na Europa, que voc estudou no Caderno I de Sociologia. A prtica econmica no perodo denominava-se Mercantilismo6, que visava o desenvolvimento da economia de mercado, atravs da explorao colonial, e apresentava como princpios: a balana comercial favorvel, o metalismo, o protecionismo e o monoplio. Mas, o que isto significa? Ora, para uma nao enriquecer era preciso que o comrcio fosse vantajoso: exportar mais e importar menos, ou seja, ter uma balana comercial favorvel. Para saber se um pas estava alcanando esse objetivo era necessria a acumulao de moedas, pois havia uma identificao entre a riqueza de um pas e a quantidade de moedas em circulao em seu territrio (metalismo). Estes dois fatores s dariam certo se o Estado estabelecesse leis alfandegrias, fiscais e at mesmo militares, com o propsito de proteger o mercado interno (protecionismo). E o monoplio? A explorao da colnia era feita atravs de monoplios, ou seja, a colnia era um centro exclusivo de explorao metropolitana. Nenhuma outra nao poderia explor-la e sua economia deveria ser complementar e jamais concorrer com a metrpole. Essa questo importante voc ter bem presente, pois o processo de conquista e de colonizao do Brasil, a vinda dos padres jesutas e as posteriores reformas da educao, durante todo o perodo colonial brasileiro, iro corresponder aos objetivos e vontades da metrpole, ou seja, de Portugal.6

As med i d a s tomadas p e l o s Estados mercantilistas variaram em cada p a s devido s s u a s especificidades. Na Espanha, o metalismo, na Frana, o Colbertismo e na Inglaterra, o comrcio e as manufaturas.

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De acordo com tudo que voc estudou at agora, possvel perceber que a explorao e a colonizao da Amrica Latina, incluindo, portanto o Brasil, ocorreu em funo dos interesses dos Estados Absolutistas da Europa no perodo moderno, que compreende desde o sculo XVI at o Sculo XVIII. As bases desse sistema vo sofrer um grande abalo no sculo XVIII, conhecido como O Sculo das Revolues, com o surgimento de movimentos contrrios ao rei, a nobreza e ao clero. Isto voc ver mais adiante.Para voc refletir: Voc viu que a grande beneficiada com a explorao colonial no perodo moderno foi a Europa. Aps refletir sobre essa questo, voc concorda que uma das causas do subdesenvolvimento da Amrica Latina, hoje, resultado dessa explorao?

Quando os europeus chegaram na Amrica, no s a encontraram povoada, como trataram de destruir toda a manifestao cultural e econmica que lembrassem essas civilizaes. Essas populaes viviam espalhadas pelo continente, possuam diferentes culturas (diversidade cultural) e estgios de desenvolvimento tecnolgico. No Brasil viviam diferentes grupos indgenas, caadores, coletores e agricultores, que fabricavam instrumentos em cermica, madeira, osso e pedra. As conseqncias do contato com os europeus foram a morte, as doenas e a escravido. A expanso martima e a conquista do sculo XV alteraram o rumo da histria, dando incio ao chamado perodo moderno. Desenvolveu-se a expanso capitalista, principalmente atravs da explorao colonial, o que fortaleceu a burguesia e o poder do rei, este representante do Estado Nacional. A expanso fez com que os europeus mantivessem contatos com povos de todo o mundo. Dessa forma, no apenas o comrcio, mas tambm a cultura europia espalhou-se pelos quatro cantos do mundo. A economia desse perodo era a mercantilista, que se caracterizou pela interveno do Estado na economia, pelo metalismo e pelo fortalecimento dos mercados nacionais, atravs da balana comercial favorvel. O poder do rei foi bastante fortalecido. RESUMO: Quando os europeus chegaram na Amrica, no s a encontraram povoada, como trataram de destruir toda a manifestao cultural e econmica que lembrassem essas civilizaes. Essas populaes viviam espalhadas pelo continente, possuam diferentes culturas (diversidade cultural) e estgios de desenvolvimento tecnolgico. No Brasil viviam diferentes grupos indgenas, caadores, coletores e agricultores, que fabricavam instrumentos em cermica, madeira, osso e pedra. As conseqncias do contato com os europeus foram a morte, as doenas e a escravido.

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A expanso martima e a conquista do sculo XV alteraram o rumo da histria, dando incio ao chamado perodo moderno. Desenvolveu-se a expanso capitalista, principalmente atravs da explorao colonial, o que fortaleceu a burguesia e o poder do rei, este representante do Estado Nacional. A expanso fez com que os europeus mantivessem contatos com povos de todo o mundo. Dessa forma, no apenas o comrcio, mas tambm a cultura europia espalhou-se pelos quatro cantos do mundo. A economia desse perodo era a mercantilista, que se caracterizou pela interveno do Estado na economia, pelo metalismo e pelo fortalecimento dos mercados nacionais, atravs da balana comercial favorvel. O poder do rei foi bastante fortalecido.

Para saber mais: 1. O texto abaixo, de autoria de Eduardo Galeano, argumenta que a economia da Amrica Latina desenvolveu-se em funo do mercado internacional desde o processo de colonizao. Leia o texto com ateno e depois reflita: ser que o argumento do autor ainda se aplica hoje realidade brasileira? Escreveu Karl Marx, no primeiro tomo de O Capital: O descobrimento das jazidas de ouro e prata da Amrica, a cruzada de extermnio, escravizao e sepultamento nas minas da populao aborgene, o comeo da conquista e o saqueio das ndias Orientais, a converso do continente africano em local de caa de escravos negros so todos feitos que assinalam os alvores da era de produo capitalista. Esses processos idlicos representam outros tantos fatores fundamentais no movimento da acumulao original. O saqueio, interno e externo, foi o meio mais importante para a acumulao primitiva de capitais que, desde a Idade Mdia, possibilitou o surgimento de uma nova etapa histrica na evoluo econmica mundial. medida que se estendia a economia monetria, o intercmbio desigual ia abarcando cada vez mais segmentos sociais e regies do planeta (...) As colnias americanas foram descobertas, conquistadas e colonizadas dentro do processo de expanso do capital comercial. A Europa estendia seus braos para alcanar o mundo. (...) A rapinagem dos tesouros acumulados sucedeu a explorao sistemtica, nos socavos e jazidas, do trabalho forado dos indgenas e escravos negros, arrancados da frica pelos traficantes. A Europa necessitava de ouro e prata. Os meios de pagamentos, em circulao, se multiplicavam sem cessar e era preciso alimentar os movimentos do capitalismo na hora do parto: os burgueses se apoderavam das cidades e fundavam bancos, produziam e trocavam mercadorias, conquistavam novos mercados. Ouro, prata, acar: a economia colonial, mais abastecedora que consumidora, estruturou-se em funo das necessidades do mercado europeu, e a seu servio. O valor das exportaes latino-americanas de metais preciosos foi, durante prolongados perodos do sculo XVI, quatro vezes maior que o valor das importaes, composta

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por escravos, sal e artigos de luxo. Os recursos fluam para que os acumulassem s naes europias emergentes do outro lado do mar. Esta era a misso fundamental que trouxe os pioneiros, embora, alm disso, aplicasse o Evangelho quase to freqentemente como o chicote, aos ndios agonizantes. A estrutura econmica das colnias ibricas nasceu subordinada ao mercado externo e, em conseqncia, centralizada em torno do setor exportador, que concentrava renda e poder. Ao longo do processo, desde a etapa dos metais proviso de alimentos, cada regio identificou-se com o que produzia, e produzia o que dela se esperava na Europa: cada produto, carregado nos pores dos navios que sulcavam o oceano, converteu-se numa vocao e num destino. A diviso internacional do trabalho, tal como foi surgindo junto com o capitalismo, parecia-se mais com a distribuio de funes entre o cavaleiro e o cavalo, como diz Paul Baran. Os mercados do mundo colonial cresceram como meros apndices do mercado interno do capitalismo que emergia. (GALEANO, Eduardo. As Veias Abertas da Amrica Latina. 25. ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. pp. 39/41) 2. Para aumentar seu conhecimento sobre o que voc estudou at este momento, sugerimos que assista os seguintes filmes: 1492: A Conquista do Paraso (Ridley Scott: EUA/Frana/Espanha, 1992) Aguirre, A Clera dos Deuses - (Werner Herzog: Alemanha, 1972) 3. Para leituras complementares sugerimos: GALEANO, Eduardo. As Veias Abertas da Amrica Latina. 25. ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. LOPEZ, Luiz Roberto. Histria do Brasil Colonial. 7. ed., Porto Alegre:Mercado Aberto, 1993. CARDOSO, Ciro Flamarion S. Amrica Pr-Colombiana. 8. ed., So Paulo:Brasiliense, 1992. ROCHA, Everardo. O que etnocentrismo. 11. ed., So Paulo: Brasiliense,1994. 4. Se voc fazer uma pesquisa na Internet, sugerimos os seguintes sites: http://www.djweb.com.br/historia/capaesq.html http://www.met.gov.br/500anos/ http://www.historiadobrasil.com.br/index.html

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ATIVIDADES: DIFERENTES MANEIRAS DE VER E VIVER NO MUNDO 20 minutos As atividades, a seguir, foram elaboradas a partir dos objetivos expostos no incio do captulo. Assim, ao realizar suas atividades voc estar reforando sua aprendizagem, apontando a existncia da diversidade cultural entre os povos que viviam no continente que veio a denominar-se Amrica e as diferentes vises de mundo destes povos em relao aos conquistadores europeus. Essas diferenas resultaram tambm em diferentes concepes de educao. 1. Voc estudou que os povos pr-colombianos so caracterizados pela diversidade cultural e que possuam diferente desenvolvimento tecnolgico. Explique porque importante perceber a diversidade cultural e de que forma ela est presente em seu cotidiano? ______________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ___________________________________________________________________Comentrio: Em sua resposta tem que estar presente o que significa a diversidade cultural e que a importncia de se perceber a diversidade implica em conhecer e respeitar a diferena existente em sua comunidade ou na escola.

2. Relacione as colunas: I Desenvolveram a Astronomia e a Matemtica. Possuam um sistema de escrita, exclusivamente sagrada, usada e entendida por sacerdotes, e baseada na representao de objetos ou idias. II Possuam escolas diferenciadas entre nobres e pobres, e um sistema de escrita pictria, objetos e figuras, e hieroglfica, smbolos. III - No possuam escrita, mas usavam um sistema de cordes e ns, chamado quipu. A informao era identificada pela cor do cordo, pela quantidade e posio dos ns. IV Um trao fundamental nesta sociedade era a solidariedade e a cooperao. A educao das crianas era pragmtica e desde cedo aprendiam os papis que iriam desempenhar quando adultas. A ordem correta : ( ( ( ( ) Incas ) Maias ) Guarani ) Astecas

(A). I, II, III e IV (B). I, III, IV e II (C). III, I, IV e II D). II, I, III e IV

Comentrio: Se voc assinalou a opo (C) parabns, sua resposta est correta. O que possvel perceber atravs desta atividade a diversidade cultural, que voc j discutiu anteriormente.

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3. Explique as transformaes ocorridas na Europa que implicaram no processo de expanso e na conseqente conquista da Amrica. ______________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ______________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ___________________________________________________________________Comentrio: Em sua resposta tem que estar presente as seguintes idias: os motivos religiosos, a necessidade de metais preciosos para o mercado europeu, o mercantilismo e a formao dos estados nacionais.

4. Aponte quais as conseqncias da expanso europia para as sociedades prcolombianas. ______________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ______________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ___________________________________________________________________Comentrio:Sua resposta tem que compreender as seguintes idias: a viso eurocntrica dos europeus e o conseqente genocdio e destruio de povos e culturas americanas e o enriquecimento das naes europias atravs da explorao colonial.

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RATIO STUDIORUM: A IMPLANTAO DA EDUCAO CATEQUTICA NO BRASIL Seo 2

Objetivos especficos: Perceber o papel dos Jesutas na educao brasileira no perodo colonial; Diferenciar o plano de estudos do Padre Manoel da Nbrega da Ratio Studiorum.

Para compreendermos o papel dos jesutas na educao, antes de tudo preciso nos localizarmos no tempo e no espao e tomar conhecimento do cenrio daquela poca. Voc concorda? Os sculos XV e XVI foram transformados pelo Renascimento, que aos poucos foi se afastando do mundo medieval. Buscava-se, sobretudo, a revalorizao da cultura grega, deixando de lado as explicaes teolgicas, que foram substitudas por idias com base no uso da razo. Percebe-se assim a importncia de diversos acontecimentos que marcaram o Renascimento: grandes invenes (bssola e plvora), grandes descobertas (caminho para as ndias e para a Amrica), revoluo comercial, formao das monarquias nacionais, Humanismo (procura da nova imagem do homem e da cultura), Reforma Protestante e a Contra Reforma Catlica. Com a preocupao de no perder fiis, a Igreja Catlica desencadeou uma forte reao com a Contra Reforma, instituindo, como voc j estudou no caderno pedaggico I, o Conclio de Trento (1545-1563). Partindo desta preocupao, a Igreja Catlica criou tambm vrias ordens religiosas, entre elas a Companhia de Jesus, fundada, em 1534, pelo padre espanhol Incio de Loyola. Voc sabe algo mais aprofundado sobre os jesutas no Brasil? A vinda do padre Manuel da Nbrega para o Brasil, em 1549, representa o incio do trabalho de catequizao. Os jesutas tinham como principal objetivo converter os povos indgenas e, ao mesmo tempo, expandir a f catlica e contra-atacar a Reforma Protestante. Companhia, alis, era o termo adequado para nomear um peloto de soldados de Cristo e da Igreja, que tinha pela frente a arriscada batalha de fazer recuar a invaso protestante que se verificava no mundo civilizado, justamente nos seus plos mais avanados, pondo em risco a hegemonia do catolicismo entre os povos eleitos por Deus para propagar seu nome e seus mandamentos. (XAVIER, 1994, p.40).

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A educao das populaes indgenas do territrio brasileiro antes da chegada dos jesutas era diferente da dos europeus. A criana participava diretamente nas atividades tribais, tomando conhecimento das funes que iria exercer quando adulto. Os trabalhos dos jesutas eram voltados para a conquista dos jovens, uma vez que os adultos eram mais difceis de serem convertidos. A criana era usada para infiltrar na comunidade os valores da f crist, da utilizarem como principal instrumento a educao atravs de escolas. Em meados do sculo XVI, j se encontravam aproximadamente dez jesutas no territrio brasileiro e esse nmero aumentou cada vez mais. Em 1552 existia um grande nmero de alunos nas trs escolas de instruo elementar no Brasil: em Salvador, Esprito Santo e So Vicente.Padre Jesuta em atividade de catequizao indgena.

A princpio, as instalaes eram precrias. O Pe. Jos de Anchieta, em carta a Santo Incio de Loyola, escrevia: As vezes, mais de vinte dos nossos, numa barraquinha de canio e barro, coberta de palha, longa de catorze ps, larga de dez. isso a escola, a enfermaria, o dormitrio, a cozinha, a despensa. Quando a fumaa da cozinha incomoda os professores e alunos, a educao prossegue ao ar livre: porque prefervel sofrer o incmodo do frio de fora do que o fumo de dentro ( TOBIAS, 1986, p.44). A partir da segunda metade do sculo XVI (1564), foi criado um imposto destinado manuteno dos colgios jesutas, chamado de Padro de Redzima, compreendendo 10% de todas arrecadaes dos impostos. Com o passar do tempo, os jesutas acabaram se tornando ricos e poderosos frente coroa portuguesa, sendo este um dos motivos para serem expulsos pelo Marqus de Pombal, que voc ver mais adiante. Os jesutas ficaram conhecidos como soldados de Cristo, com a misso crist e civilizatria de acabar com as crendices indgenas, impondo assim uma nova forma de ver e conceber o mundo. Dessa forma, a educao brasileira, nesse perodo, estava estreitamente vinculada poltica colonizadora portuguesa. A metrpole desejava que a educao dos ndios servisse para formar sditos do rei em terras tropicais, ou seja, atravs da uniformizao da f buscava-se uma unidade poltica, facilitando a dominao do povo que se encontrava na colnia.

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Inicialmente o plano educacional, desenvolvido pelo Pe. Manoel da Nbrega e implantado no Brasil, tinha a inteno de catequizar e instruir os indgenas, bem como os filhos dos colonos7, j que os jesutas eram os nicos educadores oficiais da colnia. Foram institudos os Recolhimentos, sendo que atravs deles se processaria a educao dos mestios, dos rfos e dos filhos dos caciques, alm dos filhos dos colonos, em regime de externato. Esse plano de estudos foi elaborado para atender a objetivos muito diversos. Iniciava pelo aprendizado do portugus, que inclua o ensino da doutrina crist e a escola de ler e escrever. Depois continuava, em carter opcional, o ensino de canto orfenico (coral) e de msica instrumental. A partir da, havia uma bifurcao: podia-se seguir pelo aprendizado profissional e agrcola, ou pelas aulas de gramtica seguidas de viagem Europa.

7 Os col o n o s eram os portugueses que recebiam terras da Coroa Portuguesa para ocupar o n o v o territrio, ou seja, tratava-se de uma elite local.

Pintura retratando um engenho de cana-de-acar do nordeste brasileiro

Inicialmente, no havia a inteno de oferecer um ensino diferenciado aos indgenas e aos filhos dos colonos, mas diante da falta de adequao do ndio e de acordo com as caractersticas da colnia, (latifndio, escravido e monocultura), aos ndios foi reservada a aprendizagem agrcola e aos filhos dos colonos, o ensino da gramtica, seguido de viagem Europa. A partir da publicao das Constituies da Companhia de Jesus em 1556, o plano do Pe. Manuel da Nbrega deixou de vigorar, excluindo-se das etapas iniciais de estudo o aprendizado de canto, msica instrumental, profissional e agrcola. Esse processo culminar com a instituio da Ratio Studiorum, em 1599, que trouxe grandes mudanas prtica pedaggica dos jesutas. Esse plano de estudos concentrou seu programa nos elementos da cultura europia. Com o passar do tempo, os jesutas comearam a se preocupar em atingir como pblico alvo os filhos dos colonos, ao invs dos ndios, e formar futuros padres, ao invs de leigos8.

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Neste caso, leigo significa o aluno dos colgios jesutas que no seguiriam a carreira religiosa.

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Segundo a Ratio Studiorum, o ensino abrangia trs cursos com diferentes contedos: Humanidades - Retrica e gramtica latina e grega; Filosofia - Lgica, Cosmologia, Matemtica, Metafsica, tica e Cincias; * Teologia - Estudos baseados na Escolstica de So Toms de Aquino e nas Sagradas Escrituras, interpretadas luz dos dogmas da Igreja. A formao intelectual oferecida pelos jesutas foi marcada por uma intensa rigidez na maneira de pensar e, conseqentemente, de enxergar e interpretar a realidade. A preparao dos professores recebia uma ateno toda especial atravs de treinamento e leitura. Somente aps os trinta anos, o professor comeava a lecionar. Havia um controle rigoroso para manter a tradio: Se alguns forem amigos de novidades ou de esprito demasiado livre devem ser afastados sem hesitao do servio docente. (Trecho da Ratio conforme PAIM, 1967, p. 28). O plano inicial de catequizar e instruir os ndios foi alterado. A partir da Ratio Studiorum os instrudos sero os filhos dos colonos e os ndios apenas sero catequizados. A catequese interessava Companhia de Jesus porque aumentava o nmero de adeptos do catolicismo, abalado pela Reforma Protestante. Ao colonizador interessava pelo fato de tornar o ndio mais dcil, e, portanto, mais fcil de ser aproveitado como de mo-de-obra escrava.9

* *

A sociedade patriarcal caracteriza-se pelo p o d e r centralizador do senhor de engenho, baseado na monocultura, no latifndio e no trabalho escravo.

Convm lembrar, que no sculo XVI, a economia colonial desenvolveu-se em torno do engenho de acar no Nordeste, atravs do trabalho escravo e, sobretudo centrada no poder do senhor de engenho, da o carter patriarcal9 da sociedade do perodo. Neste contexto possvel perceber a influncia que os jesutas exerceram sobre as decises destes senhores. Conseguiam essa faanha no s atravs dos colgios, mas tambm pelo teatro, ou pelo terceiro filho, que deveria seguir a vida religiosa - o primeiro seria o herdeiro, o segundo, o letrado. At agora falamos da educao para os filhos dos nativos, mestios e filhos dos colonos. E a educao feminina, como ficou? Os ndios, diferentemente dos europeus, preocupavam-se com a educao das mulheres, por isso foram ao Pe. Manoel da Nbrega pedir-lhes escolas para as cunhatas (meninas), que nunca foram permitidas pela Coroa Portuguesa. As cunhatas recebiam lies dirias da doutrina crist, a qual era decorada. Porm, no aprendiam nem a ler, nem a escrever, vivendo em funo dos afazeres domsticos, sem participar do mundo externo, exceto o da igreja. Como voc pode perceber, os jesutas tornaram-se instrumentos na formao da elite colonial, j que foram os educadores durante 210 anos. O modelo de educao implantado era adequado poltica colonial portuguesa, pois se privilegiava o trabalho intelectual, deixando de lado o trabalho manual. Desta

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forma, os alunos ficavam distantes da realidade em que viviam. A maioria da populao era iletrada - pobres, negros e mulheres - o que fazia a elite colonial acreditar que o mundo civilizado estava l fora, sendo a metrpole o modelo ideal. Ainda hoje observamos que a elite brasileira continua de costas para o Brasil e de joelhos dobrados para tudo o que europeu ou norte-americano.

RESUMO: O trabalho de catequese e educao, no Brasil, iniciou-se com a chegada do Pe. Manuel da Nbrega, em 1549, com o objetivo de converter os indgenas e evitar a propagao da Reforma Protestante. Os soldados de Cristo deveriam extinguir as crendices nativas, impondo-lhes uma nova realidade, sendo a educao marcada pela disciplina e rigidez. Nbrega criou os Recolhimentos, atendendo uma clientela especfica, mestio, filhos de colonos, de caciques e rfos. Para a manuteno de seus colgios criou-se o Padro de Redzima, imposto de 10% sobre as transaes econmicas da colnia. Na Ratio Studiorum (1599) o ensino abrangeria trs cursos: Humanidades, Filosofia e Teologia. Aps a instituio deste plano de estudos, os jesutas passaram a se preocupar especificamente com a instruo dos filhos dos colonos, formando portanto a elite colonial. Os ndios sero apenas catequizados, o que era fundamental para os colonos, pois tornava-os mais dceis e fceis de serem aprisionados. Para a Igreja isso significava a conquista de mais fiis. Pobres, ndios, negros e mulheres eram excludos do processo educacional, se caracterizando como uma educao elitista, o que se repete at hoje!

Para saber mais: 1. No texto abaixo voc encontrar uma viso da descoberta e destruio das culturas nativas: O incomparvel choque ecolgico e cultural que representou a conquista da Amrica comeou para os europeus com a viso do paraso, to estimulada pela mitologia medieval. Alm da esplendorosa natureza, a expectativa da descobertade incontveis riquezas (que j estavam l, bastando que fossem descobertas), num primeiro momento fez com que pouqussima ateno fosse dedicada s culturas autctenes da Amrica e essa nova humanidade, inteiramente

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desconhecida, que recolocava a questo da alteridade. Coerente com a viso de paraso os amerndios foram vistos, de incio, com um outro igual, s que incompleto como a infncia: a esses homens, (muitos dos quais andavam nus) faltavam a cristianizao e o reconhecimento da Coroa de Portugal e da Espanha para que se tornassem homens completos. Na medida, porm, que as riquezas fceis no vinham sendo encontradas e que se manifestava a resistncia mimtica ou aberta dos indo-europeus, a concepo de outro igual, mas infantil, rapidamente se transmutava na de um outro inferior, subalterno. Ainda que guardadas todas as enormes diferenas de padro etnocultural no continente invadido pela Europa, cuja ponta de lana foi a Ibria, todos os povos americanos foram submetidos servido, ou para a minerao (no caso dos povos de alta cultura da meso-Amrica e dos Andes), ou para a agricultura predatria (no caso do Caribe e do Nordeste brasileiro). Para justificar essa situao, embora dotados de alma, os ndios passaram a ser considerados filhos decados de Deus, degenerados, incapazes de reconhecer a verdadeira religio. Diante da resistncia, em grande parte passiva dos ndios e da inacreditvel mortandade da qual foram vtimas, a necessidade da colonizao e principalmente do comrcio atlntico fez com que o trfico de escravos negros se estendesse por toda a orla leste da Amrica. Quando os povos negros subjugados e arrancados de seu continente de origem vieram servir de bestas de carga nas plantaes do Novo Mundo, a invaso e destruio da Amrica, tal qual existira at o sculo XV, j ia adiantada; aos negros no foi reconhecido o direito de serem filhos legtimos de Deus e, portanto, subalternos pela origem e na pela queda, como no caso dos Amerndios. O choque cultural provocado pela invaso europia gerou a destruio das culturas amerndias, interrompendo um desenvolvimento histrico autnomo que havia produzido organizaes estatais relativamente avanadas e aglomerados urbanos significativos como Tenochtitlan, no Imprio Asteca, e Cuzco, no Imprio Inca. A fora militar, a sujeio ao trabalho servil e as doenas epidmicas trazidas pelos europeus provocaram o maior genocdio da histria da humanidade: no primeiro sculo da conquista, a populao originria da Amrica foi reduzida em cerca de 90 % - dos cerca de 80 milhes de habitantes do momento da chegada de Colombo, no incio do sculo XVII restavam no mais que 8 milhes. DEL RIO, Marcos. A sujeio das culturas e a reinveno do subalterno. In: Seminrio: 500 anos de Amrica. Cadernos do IFAN, Bragana Paulista, EDUSF, n 4, 1993, p. 17-18. 2. Para ilustrar a ao dos jesutas na Amrica assista o filme: A Misso (Roland Joffe: Inglaterra, 1986)

35 C A P T U L O IATIVIDADES: OS JESUTAS E A DIFUSO DA CULTURA EUROPIA 20 minutos 1. Voc lembra que no incio desta seo ns fizemos um breve retorno a alguns aspectos que marcaram o mundo moderno? Relacione as transformaes que estavam ocorrendo neste perodo com a vinda dos jesutas para o Brasil. _____________________________________________________________ __________________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ _________________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ _________________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ _________________________________________________________________ ______________________________________________________________Comentrio: No incio do perodo, com o desenvolvimento das idias renascentistas, ocorreu a revalorizao da cultura grega, ocorrendo um afastamento do obscurantismo religioso atravs do uso da razo. Neste perodo tivemos acontecimentos que marcaram o mundo: grandes invenes, grandes descobertas, revoluo comercial, formao das monarquias nacionais, Humanismo, Reforma e a Contra Reforma. Inseridos neste contexto ocorrer a vinda dos jesutas para o Brasil, com o objetivo de expandir a f catlica, combater a Reforma Protestante e educar os habitantes da colnia.

3. Para leituras complementares sugerimos: MAIA, Pedro Amrico. Jos de Anchieta: o Apstolo do Brasil. So Paulo: FTD, 1997. SEBE BOM MEIHY, Jos Carlos. Os Jesutas. So Paulo: Brasiliense, 1982. VILELA, Magno. Uma questo de igualdade... Antnio Vieira. A escravido negra na Bahia do sculo XVII. Rio de Janeiro: Relume Dumar, 1997. 4. Se voc quiser fazer uma pesquisa na Internet sugerimos os seguintes sites: http://www.jesuitas.com.br/ http://venus.rdc.puc-rio.br/jesuitas/index.htm#forma

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2. Voc estudou nesta seo como foi implantada a educao jesutica no Brasil colonial. Os jesutas permaneceram durante 210 anos, como os principais educadores no Brasil. Destaque as principais caractersticas da educao jesutica e faa um contraponto com a sua prtica pedaggica. _____________________________________________________________ __________________________________________________________________ ______________________________________________________________ _____________________________________________________________ _________________________________________________________________ _____________________________________________________________ __________________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ _________________________________________________________________ _____________________________________________________________ __________________________________________________________________ ______________________________________________________________ _____________________________________________________________ _________________________________________________________________ _____________________________________________________________ __________________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ _________________________________________________________________Comentrio: Gostaramos que voc percebesse aspectos como ensino diferenciado, educao elitista, disciplina e rigidez, procurando fazer um contraponto com a sua prtica pedaggica atual.

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O IDEAL ILUMINISTA NA EDUCAO Seo 3 Objetivos especficos: Identificar as mudanas no pensamento europeu e na educao europia com o desenvolvimento do pensamento iluminista; Explicar a influncia das idias iluministas na reforma pombalina e na educao no Brasil colonial.

A partir do sculo XV, ocorreram profundas mudanas na sociedade europia, entre elas voc j viu: as Grandes Navegaes, o Mercantilismo, a Reforma Protestante e a Contra-Reforma Catlica. Todos esses acontecimentos influenciaram na educao praticada, como, por exemplo, a ao dos jesutas no Brasil durante 210 anos do perodo colonial. Voc j deve ter percebido, ao longo do estudo do caderno, que a histria processo e que, portanto, ocorrem transformaes constantes nas sociedades. Isto importante voc ter presente para poder compreender que desde o Renascimento, quando o homem buscou valorizar seus poderes em oposio ao teocentrismo medieval10 , foi-se formando um novo entusiasmo pela razo. Tal tendncia foi acentuada no sculo XVII pelo racionalismo11, atravs do qual o homem procurou desenvolver o uso da razo, chegando ao sculo XVIII confiante o suficiente para no mais contemplar a natureza, mas sim, conhec-la para dominla. Todos esses acontecimentos resultaram na modificao do pensamento europeu, inclusive no que diz respeito educao. Estamos falando do movimento denominado Iluminismo, tambm conhecido como Sculo das Luzes. Um dos pensadores (precursores), que contribuiu para o surgimento de novas idias foi o filsofo ingls John Locke (1632-1704). Na sua obra Alguns pensamentos sobre educao (1693), esse autor destacou a educao como sendo um instrumento de formao, tanto da mente como da moral de todo indivduo burgus, o que afirmaria sua soberania social. Locke defendia a idia de que era preciso submeter toda afirmao prova da experincia e da interferncia empiricamente comprovada. Essas idias, que podem ser entendidas no contexto histrico da sociedade inglesa no decorrer do sculo XVII, ou seja, atravs de um desenvolvimento caracterizado por uma radical mudana poltico-econmica que transformou a Inglaterra de estado feudal e agrcola em monarquia parlamentar e a direcionou para a industrializao, num processo que ficou conhecido como revoluo industrial, que voc j estudou no Caderno I de Sociologia. Com essas mudanas, ocorreu a emergncia de novos grupos sociais, a comear pela alta burguesia, que na segunda metade do sculo XVIII foi assumindo um papel cada vez mais relevante, at conquistar sua hegemonia na sociedade.

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Teocentrismo medieval: crena ou doutrina caracterstica da Idade Mdia que considera Deus o centro do universo.11 Racionalismo: mtodo de observar as c o i s a s baseado exclusivamente na r a z o . Considerada a nica autoridade quanto maneira de pensar ou de agir.

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So justamente estas transformaes que levaram Locke a colocar no centro de sua reflexo educativa o modelo do gentleman (homem bem educado, cavalheiro). O gentleman era visto como o modelo ideal para a burguesia, para o qual ele traou tambm um renovado currculo de estudos: o latim ficou reduzido o suficiente para enfatizar as boas maneiras e o trabalho passou a ser visto pelos pensadores do perodo como um hobby. Locke ressaltou a liberdade do homem e a potencialidade infinita de seu intelecto. Assim, a pedagogia ser a arte e a tcnica de modelar indivduos conformes, o quanto possvel, aspirao a uma razo iluminada. (Gusdorf. In: CAMBI, 1999, p. 327). Mas, o que viria a ser essa razo iluminada? A idia de razo iluminada estava ligada ao movimento Iluminista. Seus pensadores defendiam o uso da razo para explicar os fenmenos ocorridos na natureza e na sociedade. Este pressuposto tornou possvel iluminar o pensamento do homem, favorecendo a criatividade e a renovao. O Iluminismo acarretou em modificaes polticas, econmicas, sociais e culturais na sociedade europia. No que se refere educao, estabeleceu-se a idia de uma cultura pedaggica inovadora, atravs da qual os povos submetiamse ao domnio da razo, fazendo com que cada homem desenvolvesse sua identidade nacional.Alguns pensadores do perodo iluminista: Diderot, DAlambert e Voltaire12

Os filsofos iluministas12 projetaram uma educao que visava formar um cidado com bom senso, sendo esta centrada e organizada pelo Estado. Foram elaborados planos de estudos prticos e cientficos no lugar de eruditos e literrios, remodelou-se a metodologia, bem como as prprias instituies de ensino, as quais promoveram programas de estudos renovadores e funcionais, com a finalidade de formar o homem moderno (livre, ativo e mais responsvel socialmente). Surgiu, assim, um novo intelectual, no mais emissrio do poder religioso e poltico, mas sim, autnomo, incisivo e dinmico. Nesse contexto, j no era possvel ligar a educao religio, como nas escolas confessionais, nem aos interesses da aristocracia. possvel perceber um processo de laicizao educacional13, que contrapem uma concepo de mundo dominada pela Igreja. Nem livros como a Bblia, nem figuras como a do padre, nem saberes como a teologia sero considerados como centrais no universo do saber. O que podemos considerar que os ideais iluministas vo romper com os padres estabelecidos pelo Antigo Regime, opondo-se aos jesutas e metodologia de ensino por eles idealizada. Em alguns pases europeus, como na Frana, o Iluminismo conseguiu produzir teorias pedaggicas inovadoras e orgnicas, com programas escolares atentos s cincias, histria e s lnguas modernas. Tentaram deixar de lado o latim, opondo-se ao trabalho desenvolvido pelos jesutas, sua cultura e ao seu

13 Laiciz a o educacional: formao de uma educ a o laica, ou seja, sem vnculo religioso.

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ideal formativo. Na ustria, o Estado controlava toda a instruo, sendo que os professores eram vinculados a ele, bem como criou escolas com a preocupao de formar professores (Escolas Normais), ou seja, assumiu a funo Pedaggica, at ento controlada pela Igreja. Ao contrrio desses dois pases, o Iluminismo Portugus apresentava caractersticas diferentes. Neste ainda permaneceram traos da cultura da imitao, memorizao e erudio literria. (XAVIER, 1994, p. 51).Para voc refletir: Neste momento voc poderia refletir sobre o que mudou na educao com o Iluminismo em relao educao praticada anteriormente pelos Jesutas. Lembrase das caractersticas dessa educao, baseada no estudo da retrica, filosofia e teologia?

Com o Iluminismo formou-se, no perodo contemporneo, um novo intelectual, que desenvolveu um papel decisivo e central na sociedade, uma vez que a funo educativa deve promover o progresso, apaziguar conflitos sociais, bem como minimizar os contrastes ideolgicos. As idias iluministas foram difundidas de diversas formas: nos cafs, locais de encontros burgueses em que eram discutidas questes referentes poltica; na Enciclopdia, uma espcie de dicionrio organizado por Diderot, com a contribuio de 130 autores de diversos campos do conhecimento, com o objetivo de abordar de forma resumida todo o conhecimento do sculo; e na Maonaria, sociedade secreta que buscava propagar as novas idias contra o obscurantismo da Igreja e o absolutismo real. As artes e as cincias tambm sofreram a influncia do pensamento iluminista. Academias e associaes de cientistas foram fundadas por toda a Europa. Os ramos cientficos especializaram-se, como a Biologia, que se dividiu em Botnica e Zoologia, a Fsica, a Qumica (Lavoisier considerado o pai da Qumica moderna) e a Medicina (vrias vacinas foram descobertas). Sob a influncia das idias iluministas ocorreram diversos movimentos revolucionrios em vrios pases da Europa em oposio ao Absolutismo. As desigualdades sociais, as injustias e as graves condies de pobreza da grande maioria da populao europia, aliada ao desejo da burguesia por maior participao nas decises do governo, foram os elementos chaves para que ocorresse a luta contra o Antigo Regime, a nobreza e o clero. Foi nas idias dos filsofos racionalistas que a burguesia encontrou argumentos em sua luta contra o despotismo e a favor da igualdade de direitos. No entanto, mesmo com a mudana na ordem poltica, ou seja, a substituio do governo de minoria aristocrtica do Antigo Regime pelo de minoria burguesa, no significou melhores condies de vida para a maioria da populao.

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14 O primeiro pas da Europa a derrubar o Absolutismo foi a Inglaterra, ainda no sculo X V I I , com a Revoluo Gloriosa de 1688. Na Frana, o trmino do Antigo Regime ocorreu em 1789, com a R e v o l u o Francesa.

As Revolues Burguesas14representaram transformaes substanciais no plano jurdico-poltico, enquanto Revoluo Industrial significou mudanas profundas no nvel econmico-social, constituindo, assim, o quadro bsico para o estabelecimento de uma sociedade capitalista e liberal. Nesse perodo, ou seja, sculo XVIII, considerado a poca das grandes revolues e da proliferao de ideologias, surge um novo homem, a imagem do Estado e da economia. Portanto, este sculo foi o divisor de guas entre o moderno e o contemporneo, fazendo surgir novas realidades, observadas sob diferentes olhares, ou seja, o da razo.

A REFORMA POMBALINA

Voc estudou at agora algumas transformaes ocorridas na Europa, entre elas a emergncia das idias iluministas que defendiam a formao de um novo homem e, portanto, de uma nova educao. E no Brasil? De que maneira as novas idias influenciaram a educao aqui praticada durante o perodo colonial? Voc viu, anteriormente, que os jesutas eram os responsveis pela catequizao dos ndios e pela instruo dos filhos dos colonos, o que deu um carter elitista educao. Mas sob a influncia das idias iluministas ocorreram algumas transformaes. De que forma isto se deu? sobre essa questo que iremos estudar a seguir. Vale recordar que todas as deliberaes ocorridas no Reino portugus acabavam repercutindo no Brasil colnia. Neste sentido, temos um personagem que ser o responsvel pelas transformaes na educao brasileira: Sebastio Jos de Carvalho e Melo, mais conhecido como Marqus de Pombal (1699-1782), que administrou Portugal de 1750 a 1777. A principal tarefa do Marqus de Pombal foi a de reestruturar e proteger a economia e a poltica portuguesa. A nao que tanto havia lucrado com a explorao colonial, destacando-se como pioneira do mercantilismo, no se adaptara ao novo contexto econmico, moderno e capitalista, e dependia da importao de produtos manufaturados da Inglaterra. Dessa forma, era necessrio tomar medidas urgentes para a recuperao portuguesa, atravs de uma nova estratgia cultural e educacional, em todo o imprio lusitano, e pela superexplorao colonial. Assim, a reforma desenvolvida por Pombal, nos campos econmico e social, buscou controlar as riquezas que chegavam das colnias portuguesas. No Brasil, tais medidas resultaram no aumento do nmero de impostos e o esvaziamento do aparelho administrativo local, desencadeando inmeras revoltas, entre elas a Inconfidncia Mineira.

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A reforma pombalina tambm trouxe modificaes na educao praticada tanto na metrpole quanto na colnia. A nova proposta educacional contava com a colaborao de vrios cientistas ligados s discusses das idias iluministas em toda Europa, e se ops educao praticada pelos jesutas no Brasil. Para Pombal era necessrio expuls-los, pois os mesmos eram considerados, no perodo, culturalmente retrgrados, politicamente ambiciosos e poderosos no que se refere economia, pois possuam muitos bens. Como voc viu, o modelo educacional dos jesutas estava restrito aos fundamentos catlicos, distantes da realidade vivida na colnia. Conforme nos aponta Freire: Quando expulsos, em 1759, os jesutas nos legaram um ensino de carter literrio, verbalista, retrico, livresco, memorstico, repetitivo, estimulando a emulao atravs de prmios e castigos que se qualificava como humanista clssico. Enclausurando alunos em preceitos catlicos, inibiu-os de uma leitura do mundo real, tornando os cidados discriminatrios, elites capazes de reproduzir cristmente a sociedade preservando contrastes e discrepncias, dos que tudo sabem e podem e dos que a tudo se submetem. Inculcaram a ideologia do pecado e as interdies do corpo. Inauguraram o analfabetismo no Brasil.(Freire citado por FERREIRA, 1998, p. 55). As reformas na educao, realizadas pelo Marqus de Pombal, visavam romper com esse modelo e restringir a participao da igreja no mbito educacional. Buscouse a implantao de um sistema utilitrio e prtico, que incorporasse o estudo das cincias experimentais. Apesar do carter modernizante de suas propostas, no intuito de formar uma elite colonial apta a gerenciar as atividades internas de acordo com os interesses da metrpole, essas no significaram mudanas de carter qualitativo para a educao. A expulso dos jesutas desestruturou o sistema educacional existente no Brasil, pois esses eram, em sua grande maioria, os educadores daqui. Ao invs de uma reforma efetiva na educao, Pombal organizou um novo sistema educacional atravs de Alvars (decretos). Assim, instituiu cargos como o de Diretor de Estudos, criado para cuidar do planejamento da educao na metrpole e na colnia. Esses Alvars quase no saram do papel ou demoraram mais de dez anos para se concretizar. O curso de Humanidades, praticado pelos jesutas, foi modificado e substitudo de forma irregular para o sistema de aulas rgias de disciplinas isoladas, nas quais foram incorporadas matrias como matemtica, fsica, cincias naturais, alm de aulas de gramtica latina, grego e retrica. Essas aulas eram mantidas atravs de um novo imposto colonial, o subsdio literrio. Tratou-se de uma tentativa de preparar a comunidade para estudos futuros na Europa. Entretanto, aspectos burocrticos retardaram a implementao dessas aulas, que demoraram cerca de quarenta anos para serem implantadas.

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Com a reforma pombalina, os ndios deixaram de ter acesso catequizao. Anteriormente, com os jesutas, os ndios e os negros tinham acesso educao e instruo, uma vez que a Companhia de Jesus tinha o interesse de ampliar o nmero de fiis da Igreja Catlica. Esta situao modifica-se aps a Reforma Pombalina, uma vez que o governo portugus no possua interesse filosfico ou religioso em educ-los. Com a expulso dos padres, no havia mais dinheiro nem professores para os ndios. Os padres da Companhia de Jesus eram remunerados pelo Rei, por isso o ensino brasileiro at 1759 era gratuito. Com a reforma pombalina, os professores-padres foram substitudos por cidados que iriam ser pagos. Quando as aulas fossem oficiais teriam que ser pagas pelo governo. Porm, tanto Portugal quanto o explorado Brasil, no dispunham de recursos para pagar dignamente os professores que, mal remunerados, desenvolviam outras funes para garantirem seu sustento. Parece que a situao do magistrio no mudou muito, voc no acha? Os investimentos eram reduzidos no apenas no pagamento de salrios dos professores, mas tambm na estrutura dos prdios escolares. Deu-se, portanto, uma aristocratizao do ensino, tornando possvel percebermos que a reforma pombalina era elitista, destinada a poucos, principalmente classe latifundiria, limitando-se formao de bacharis. Aos habitantes do Brasil-colnia restava o ensino oferecido pela ordem dos franciscanos, dos beneditinos e das irms carmelitas, alm de alguns professores leigos, oriundos de outras profisses. Desse modo, a educao tornara-se ainda mais precria do que a desenvolvida pelos jesutas. Muitos desses novos professores eram frutos do trabalho jesutico, portanto, davam continuidade quele trabalho. Dessa forma, a expulso dos jesutas, que foram os responsveis pela educao por mais de dois sculos, significou o desmantelamento da estrutura educacional na colnia. Segundo Xavier (...) sem sistematizao, sem pessoal docente em quantidade e de qualidade suficiente, j que eram extremamente parcos os proventos provenientes do novo imposto cultural, possvel concluir que a instruo do pas foi drasticamente limitada. (XAVIER, 1994, p.52). As instituies de maior destaque, geradas a partir desse processo reformador, foram os cursos de estudos literrios e teolgicos, criados em 1776 no Rio de Janeiro e o Seminrio de Olinda, fundado em 1800 pelo Bispo Azeredo Coutinho. Esse ltimo tinha uma estrutura escolar propriamente dita, em que as matrias apresentavam uma seqncia lgica, os cursos tinham uma durao determinada e os estudantes eram reunidos em classe e trabalhavam de acordo com um plano de ensino previamente estabelecido. (PILETTI, 1996, p. 37).

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Essa realidade s passou a se alterar a partir do incio do sculo XIX com a vinda da famlia real portuguesa para o Brasil, em 1808. Com a transferncia da corte portuguesa, o novo contexto poltico-econmico exigia uma nova postura com relao ao ensino, preparando profissionais aptos a assumir cargos de defesa, manuteno e de administrao da Coroa na colnia. Para voc refletir: Ao analisarmos as reformas efetuadas pelo marqus de Pombal, percebemos o carter aristocrtico das mesmas. Voc acha que nos dias atuais a educao permanece aristocratizada ou voc acredita que o acesso ao sistema educacional por parte das camadas populares se modificou?

RESUMO: O sculo XVIII ficou conhecido como o Sculo das Luzes, atravs do qual o iluminismo passou a transformar a forma dos homens verem o mundo. O absolutismo, at ento incontestvel, passou a ser criticado de forma mais efetiva. Negou-se a origem divina do poder real atravs da contestao dos novos filsofos (iluministas), defendeu-se a liberdade pessoal e religiosa, movimentos que provocaram transformaes no campo poltico. John Locke, um dos pensadores iluministas, defendia uma educao burguesa ao apontar que esta deveria formar o gentleman, o homem cavalheiro, bem educado, que deveria servir ao Estado. Ocorre nesse perodo a laicizao da educao, no qual esta deveria ser desvinculada dos preceitos religiosos e voltada para a formao do cidado. O Marqus de Pombal, que governou Portugal entre 1750 e 1777, empreendeu reformas que visavam reestruturar a nao portuguesa. Para tanto, era necessrio conter os gastos do governo, tanto na metrpole, quanto na colnia. Parte dos impostos arrecadados, no Brasil, ficavam nas mos dos jesutas, que aos poucos, alm de poderosos ideologicamente, tornaram-se ricos. Dessa forma, Pombal resolveu expuls-los de todas os seus domnios. A educao, no Brasil, ficava sob a responsabilidade dos jesutas. Aps sua expulso, devido a reforma pombalina, a educao no pas ficou entregue a uma minoria de pessoas nem sempre gabaritada para tal tarefa. Os poucos professores habilitados eram formados nos colgios jesuticos. A educao tornou-se ainda mais elitizada.

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Para saber mais: 1. O texto abaixo, de J. J. Rousseau, descreve como as crianas deveriam ser educadas na Europa do sculo XVIII. A partir dele reflita sobre quais os aspectos que, na sua opinio, devem ser considerados, atualmente, na educao das crianas. Toda nossa sabedoria consiste em preconceitos servis; todos os nossos usos no so seno sujeio, embarao e constrangimento. O homem civil nasce, vive e morre na escravido; ao nascer, envolvem-no em um cueiro; ao morrer, encerram-no em um caixo; enquanto conserva sua figura humana est acorrentado a nossas instituies. Sofrer a primeira coisa que deve aprender e a que ter mais necessidade de saber. (...) A natureza quer que as crianas sejam crianas antes de ser homens. Se quisermos perturbar essa ordem, produziremos frutos precoces, que no tero maturao nem sabor e no tardaro em corromper-se; teremos jovens doutores e crianas velhas. A infncia tem maneiras de ver, de pensar, de sentir que lhe so prprias; nada menos sensato do que querer substitu-las pelas nossas; e seria o mesmo exigir que uma criana tivesse cinco ps de altura do que juzo aos dez anos. Com efeito, que lhe adiantaria ter razo nessa idade? Ela o freio da fora, e a criana no tem necessidade desse freio.(...) Como no se quer fazer de uma criana uma criana e sim um doutor, pais e mestres nunca acham cedo demais para ralhar, corrigir, repreender, lisonjear, ameaar, prometer, instruir, apelar para a razo. Fazei melhor: sede sensato e no raciocineis com vosso aluno, principalmente para fazerdes com que aprove o que lhe desagrada, pois meter sempre a razo nas coisas desagradveis tornar-lhe aborrecida, desacredita-la desde cedo num esprito que ainda no est em estado de compreende-la. Exercitai seu corpo, seus rgos, seus sentidos, suas foras, mas deixai sua alma ociosa enquanto for possvel(...)Encarai todas as dilaes como vantagens: ganhar muito, caminhar para o fim sem nada perder; deixai a infncia amadurecer nas crianas. Alguma lio se faz necessria? Evitai dar-lhe desde logo, se puderdes adia-la sem perigo. Outra considerao que confirma a utilidade deste mtodo est no temperamento particular da criana, que preciso conhecer bem para saber que regime moral lhe convm. Cada esprito tem sua forma prpria segundo a qual precisa ser governado e o xito depende de ser governado por essa forma e no por outra. Homem prudente, atentai longamente para a natureza, observai cuidadosamente vosso aluno antes de lhe dizerdes a primeira palavra; deixai antes de tudo que o germe de seu carter se revele em plena liberdade, no exerais nenhuma coero a fim de melhor v-lo por inteiro. Pensais que esse perodo de liberdade seja perdido para ele? Ao contrrio ser o mais bem empregado, pois assim que aprendereis a no perder um s momento de to preciosa fase. Ao

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passo que se comeardes a agir antes de saber como, agireis ao acaso; expondo-vos a engano, sereis obrigado a voltar atrs; estareis mais afastado da meta do que se tivsseis tido menos pressa em atingi-la. (...) O mdico sbio no receita s tontas primeira vista, estuda primeiramente o temperamento do doente antes de prescrever; comea a trat-lo tarde mas o cura, enquanto o mdico demasiado apressado o mata. Mas onde poremos essa criana para educa-la assim como ser insensvel, como um autmato? Na lua, numa ilha deserta? Afastada de todos os humanos? No ter ela continuamente no mundo o espetculo e o exemplo das paixes alheias? No ver nunca outras crianas de sua idade? No ver seus pais, seus vizinhos, sua ama, sua governanta, seu criado, seu mestre mesmo que, afinal no ser um anjo? Essa objeo sria e slida. Mas vos terei dito porventura que uma educao natural fosse uma empresa fcil? homens. Ser culpa minha se tornartes difcil tudo que certo? Sinto tais dificuldades, confesso: talvez sejam insuperveis, mas o fato que, procurando aplicadamente preveni-las, at certo ponto as prevenimos. Mostro a meta que preciso atingir, no digo que se possa consegui-lo; mas digo que quem dela mais se aproximar ter tido o maior xito. (ROSSEAU, J. J. Emilio. In: ARANHA, Maria Lcia de Arruda. Histria da Educao. So Paulo: Moderna, 1989. pp. 169-170) 2. Para leituras complementares sugerimos: FORTES,Luiz R. Salinas. O Iluminismo e os reis filsofos. So Paulo: Brasiliense, 1995 (Coleo Tudo Histria) CERQUEIRA, Adriano L. da Gama & LOPES, Marcos Antonio. A Europa na Idade Moderna. Belo Horizonte: L, 1995 (Coleo Horizontes) FLORENZANO, Modesto. As revolues Burguesas. So Paulo: Brasiliense,1991 (Coleo Tudo Histria) 3. Se voc quiser fazer uma pesquisa na Internet sugerimos os seguintes sites: http://www.hystoria.hpg.ig.com.br/iluminis.html#ini. http://mail.iis.com.br/~jbello/hepombal.htm#texto

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ATIVIDADES: O ILUMINISMO E A EDUCAO COMO DEVER DO ESTADO 30 minutos

1. O Iluminismo propiciou modificaes polticas, econmicas, sociais e culturais na Europa, principalmente, a partir do sculo XVIII. Salientado que a reforma pombalina foi influenciada pelo Iluminismo, elenque tais influncias e comente as mudanas educacionais provocadas por esta reforma no Brasil. ______________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ______________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ _________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ _________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ___________________________________________________________________Comentrio: Voc deve comentar que a partir da reforma pombalina a educao no Brasil adquiriu um carter aristocrtico, passou a receber menos investimento por parte da metrpole o que ajudou a aumentar sua precariedade.

2. Como voc pde perceber, aps a leitura dessa seo, a reforma pombalina tornou ainda mais problemtica a questo da educao no Brasil. Trazendo essa leitura para os nossos dias, comente sobre os investimentos dos atuais governos no sistema educacional? Faa uma pesquisa sobre os investimentos que tm sido aplicados na educao em seu municpio.

CAPTULO II

A EDUCAO NO MUNDO CONTEMPORNEO

Objetivo Geral

Listar os principais pedagogos dos sculos XIX e XX, sistematizando seus pensamentos sobre a educao. Descrever as transformaes no processo educacional brasileiro e caracterizar a construo e as transformaes da sociedade e da educao no estado de Santa Catarina.

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EDUCAES PBLICAS NACIONAIS E PRINCIPAIS PEDAGOGOS Seo 1

Objetivos especfico:s Relacionar as transformaes econmicas e polticas e a sua influncia nas reflexes pedaggicas do perodo; Identificar as principais idias pedaggicas desenvolvidas no perodo, relacionando-as com a nossa prtica educacional.

O incio do mundo contemporneo marcado pela Revoluo Francesa, ocorrida em 1789. Neste momento a burguesia chega ao poder e inicia sua luta pelo fim do regime aristocrtico e feudal, no qual somente o rei e a nobreza possuam poder poltico. Uma das caractersticas da sociedade burguesa, na qual vivemos, e que se iniciou a partir desse momento, refere-se a possibilidade de ascenso social. O nascimento e no a capacidade intelectual era o que definia o futuro de uma pessoa no perodo feudal e moderno. Isso questionado pela burguesia uma vez que tinha interesse em assumir cargos na burocracia estatal.

Fbrica txtil paulista do incio do sculo XX

Alm disso, com o advento da Revoluo Industrial (sculo XVIII), as relaes de trabalho e de produo so modificadas. A industrializao e a introduo de novas tcnicas de trabalho no campo, que passa a produzir para o mercado, fora os servos a deixarem suas terras e irem em direo as cidades em busca de melhores condies de vida. Surge uma nova classe social, os operrios, que vendem sua fora de trabalho em troca do pagamento de um salrio. As cidades crescem, a sobrevivncia torna-se precria e apesar dos avanos tecnolgicos da industrializao, os operrios no tm acesso aos benefcios da nova ordem econmica, o capitalismo. A excluso social da maioria da populao faz com que surjam as primeiras organizaes de trabalhadores e as primeiras crticas explorao, fundamentando as teorias socialistas.

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Com a industrializao ocorre tambm uma revoluo nos meios de transportes com o desenvolvimento do navio a vapor e a construo de ferrovias, com os meios de comunicao, inveno do telgrafo, a difuso da imprensa e posteriormente do rdio, e com a utilizao de novas fontes de energia, como o carvo, o petrleo e posteriormente a eletricidade. A industrializao e o fortalecimento dos Estados-Naes levou os governos nacionais a preocuparem-se com a formao de seus cidados e trabalhadores. Logo, os estados europeus passam a tomarem para si o encargo da escolarizao, dando especial ateno educao elementar, at ento relegada segundo plano. Esse movimento em prol da escola elementar estatal consolida-se no decorrer do sculo XIX, na Europa, e expande-se para os pases subdesenvolvidos no sculo XX. Em relao vinculao da educao com o estado, enquanto alguns pedagogos viam-na como uma forma de perpetuar o domnio da burguesia atravs da formao do povo, outros entendiam-na como uma forma do povo emanciparse atravs do acesso ao conhecimento e a instruo. Para Hegel a educao um meio de espiritualizao do homem. J os socialistas lutavam pela democratizao do ensino (universal) e pela escola nica (no dualista), isto sem distino entre o pensar e o fazer (ARANHA, 1998. pp.141-142). Esse movimento de estatizao das escolas elementares ocorreu de forma diferenciada em cada pas. Para exemplificarmos tomaremos o caso da Alemanha e dos EUA. Na Alemanha a preocupao com a educao elementar vem desde Lutero, ou seja, desde o sculo XVI. A derrota para a Frana, no incio do sculo XIX, prejudicou sua organizao escolar e a partir de ento sua poltica foi a de implantar