Homem Barroco - resumo

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Sobre o homem no renascimento

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O Homem Barroco um livro escrito por um grupo de especialistas de renome e dirigido por Rosrio Vilari, descreve a sociedade barroca enquanto organismo social estruturado segundo hierarquias reconhecidas e aceites, onde cada elemento tem um lugar e uma funo. Surgem ento figuras como o estadista, o soldado, o financeiro, o secretrio, o rebelde, o pregador, o missionrio, a religiosa, a bruxa, o cientista, o artista e o burgus cada uma delas contribuindo para que este perodo da histria europia, muitas vezes considerado como poca de estagnao no progresso da civilizao, fosse na realidade uma importante etapa para a criao de um novo equilbrio social e poltico e para o aparecimento de modos de sentir e de pensar que so j de plena modernidade.

Antes de partirmos propriamente dito para o tema desta resenha crtica, ou seja, especificamente no que se refere ao captulo O Pregador escritos por Manuel Morn e Jos Andrs-Gallego e O Missionrio por Adriano Prosperi, temos que lembrar alguns aspectos importantes referentes s experincias e condies gerais (culturais, religiosas e polticas) para o delineamento da figura do Homem Barroco. Esta expresso homem barroco quase uma expresso indita, anteriormente, o uso do termo barroco s teria sido admitido para a correlao das manifestaes artsticas e tendncias literrias, no para, a caracterizao de modos de pensar e ver o mundo do perodo da histria europia que vai de fins do sculo XVI at a segunda metade do sculo XVII. Benedetto Croce j havia falado de poca barroca, porm, restitua ao termo o seu significado tradicional negativo enquanto alargava o mbito de sua utilizao para demonstrar nessa poca os traos fundamentais de uma cultura que era expresso da decadncia e da crise moral. Todavia, so necessrias cautelas com a pretenso de se descobrir em todo o mundo seiscentista uma unidade espiritual e intelectual slida, uma vez que, a atribuio de caractersticas prprias referentes a um modo especifico de pensar, sentir e agir no perodo est muito presente na cultura histrica da contemporaneidade. No entanto, so bastantes presentes algumas caracterizaes na fala de historiadores como Roland Mousnier que colocaram est poca como um sculo de crise, ou como Jos Antonio Maravall que descreve o perodo em que a sociedade dominada por uma sensao de ameaa e instabilidade que gera, por reao, uma cultura conservadora e repressiva.

A conflitualidade do barroco muito marcou os historiadores pela sua intensidade, pela sua difuso e pela sua influencia nos modos de pensar e agir. Este perodo marcado por um confronto das esferas polticas e religiosas, pela amplitude das guerras, o agravamento dos antagonismos sociais e as questes de procedncia do dia-a-dia de rituais administrativos e eclesisticos e modelos de comportamento previamente aceites e estabelecidos. O historiador ingls John Elliot, ainda sugeriu a hiptese de que tambm se poderia falar de crise revolucionria geral quanto aos anos das guerras de religio, desestruturando a idia da singularidade desses eventos em alguns pases, na primeira metade do sculo XVII.

No entanto, deve-se lembrar que o aspecto essencial da conflitualidade barroca reside muito mais na existncia de comportamentos aparentemente incompatveis ou nitidamente contraditrios no mago do mesmo individuo, do que no, contraste entre indivduos diferentes. H uma clara convivncia entre o tradicionalismo e a busca de novidade, de conservadorismo e rebelio, de amores verdade e cultos da dissimulao, superstio e racionalidade, de afirmao do direito natural e de exaltao do poder absoluto, enfim, so inmeras as caractersticas conflituosas que podem ser encontradas em diferentes matizes em todo o mundo barroco. Durante muito tempo, defrontando-se com os mistrios dessas contradies estruturais e ntimas, e de certa forma influenciados pela imagem negativa que a poca barroca transmitiu de si mesmas, a cultura histrica acabou por admitir em relao a este perodo, uma espcie de incapacidade de contribuir para o progresso da civilizao com amplos movimentos de idias e empenho coletivo, sinalizando assim, que estas caractersticas de conflitualidade e contradio agiriam de forma obstrutiva e estagnadora das foras propulsoras do progresso da civilizao ocidental. Frente a este pano de fundo do mundo barroco, algumas personalidades foram caracterizadas mais como excees do que como autnticas expresses do seu tempo como: Galileu, Bodin, Bacon, Descartes, Sarpi e Espinosa.

O sculo XVII foi praticamente original no que se refere criao e tentativa de imposio na cultura e na mentalidade de modelos rgidos de tipos sociais, frmulas e critrios de interpretao. Este grande empenho, certamente foi influenciado pelo boom das crnicas acerca de acontecimentos e pessoas da poca, o incio da propaganda poltica de massa o jornalismo, os panfletos, folhas volantes -, porm, teve papel vital dentro desse processo de disciplinamento social, a atuao da Igreja atravs das resolues do Conclio de Trento.

Como nos remete a imagem invocada por um grande pensador italiano, Benedetto Croce: Quem pode pensar no sculo XVII sem rever em sonhos a figura do pregador, vestido de negro como um jesuta, ou vestido de branco como um dominicano(...), gesticulando numa igreja barroca, perante um auditrio luxuosamente vestido?. A grande presena do clero regular e da decorao barroca so referncias que destacam o valor paradigmtico do pregador na poca ps-tridentina. Na grande crise religiosa do sculo anterior, a questo da pregao fora um elemento muito importante que causou a fratura da unidade espiritual no s entre catlicos e reformados, mas tambm entre eles prprios.

Partindo do ponto de vista dos reformados, o valor instrumental da pregao, ou seja, o ministrio da Palavra, sobressaa funo sacramental do pregador. Sendo assim, principalmente entre os catlicos, a livre interpretao da bblia, por exemplo, poderia a dar lugar a concepes religiosas, sociais e polticas que poderiam desembocar numa revoluo. Da a importncia da figura do pregador na estratgia catlica ps-tridentina, que se viu diante de uma dupla necessidade: recuperar para a f os que dela tinham se desviado e consolidar a adeso espiritual de quem permanecera fiel a Roma. A grande crise provocada por Lutero, mostrou para a Igreja, que um dos motivos da falta de f entre os fiis era principalmente causado pelas deficincias de doutrinao. Desta forma, o Conclio de Trento definiu a doutrina catlica em aspectos to importantes como os sacramentos.

Elaborou um vasto programa de divulgao da prpria doutrina principalmente destinados formao dos sacerdotes, a pregao e o ensino do catecismo. No que concerne pregao, esta foi o objeto de uma das primeiras sees da Assemblia Magna Tridentina, datada de 17 de junho de 1546, de onde foi constitudo o decreto Super lectione et praedicatione, que seguiu e caracterizou-se no cnone IV do Decretum de reformatione. Era indispensvel que os pastores de almas ensinassem o que todos devem saber para alcanar a salvao eterna.

Como conseqncia do que ficou dito anteriormente, temos que a retrica que j possua uma relevncia especial na histria da cultura do Ocidente, ganhou um novo impulso com as Reformas protestantes e catlicas. Surge assim, diversos matizes da oratria sagrada, e dos quais o que mais se destacou nesta poca a chamada pregao barroca gesticulante.H um sculo que j se discutia sobre as convenincias de se pregar em estilo lhano (baseada, sobretudo, em Sneca e na tradio tica), ou de se pregar em grande estilo (derivada de Ccero).

Os pregadores deveriam ser vozes de Deus, instrumentos da bondade divina e trombetas de Cristo como escreveu Diego Valds em Rethorica Christiana, publicada em 1574 e lida em toda Europa e Amrica; e para isso a retrica no deveria somente pretender a iluminar e ilustrar, mas, sobretudo, cativar, comover e emocionar os fiis. Mesmo para os telogos protestantes, a f no era apenas consenso intelectual, mas alegria, verdade e esperana, ou seja, atitudes relacionadas vontade, sendo assim, este deveria ser o objetivo da pregao: que para suscitar ou reavivar a f dos ouvintes, o pregador deveria excitar as suas vontades.

Para atingir o seu objetivo, a Reforma catlica fez o uso intensivo da arte do seu tempo: a exuberncia decorativa, a tendncia para a hiprbole, os movimento centrfugos e uma srie de outras ferramentas para gerar sentimentos de fervor e de admirao na contemplao das coisas divinas, que podem ser facilmente percebidas, por exemplo, atravs das msicas e da arquitetura barrocas. No plano da retrica, que invariavelmente se associa a literatura profana tambm, emanam estilos como a pregao cultista e a conceptista neste trabalho de comoo das almas. De maneira geral, os temas mais caractersticos do repertrio barroco destinavam-se a fazer entrever as realidades otimistas, como a glria e a felicidade no Alm com o percurso sinuoso e aterrorizador repleto de armadilhas do diabo que deseja nos conduzir ao inferno; Como o caminho percorrido pelo frei Manuel Guerra y Ribeira no seu sermo para uma quarta-feira de cinzas em 1679: O que o mundo? Nada mais que um evidente engano, que cria um espetculo falaz: aparncias que ofuscam mais do que deleitam.

Todavia, a quem cabia ensinar o Evangelho? O Conclio de Trento foi muito claro acerca deste ponto, recordando que os bispos tinham a responsabilidade de pregar nas suas igrejas, aos domingos e dias festivos. certo que a pregao pessoal dos bispos s cobria uma pequena parcela do programa pastoral da Reforma Catlica que tinham outras tarefas como supervisionar a idoneidade do culto ministerial dos eclesisticos em sua diocese e outras tarefas administrativas.

Sendo assim, a partir deste momento a Igreja percebeu que era necessrio o investimento na formao de melhores pregadores e sacerdotes. A Igreja continuava a ser a nica instituio onde existia um certo grau de mobilidade social e onde mais facilmente um homem de condio humilde poderia ser promovido por mrito pessoal. Logo, o instrumento mais vlido encontrado e recomendado pelo conclio de Trento para remediar as deficincias da atuao doutrinria, foi a criao dos seminrios e a admisso de seminaristas que partia de uma exigncia vocacional especificamente orientada para uma mentalidade profissional na execuo de tarefas pastorais: pregao, liturgia e administrao dos sacramentos.

O uso da imprensa tambm tinha posto a disposio dos eclesisticos um bom material auxiliar sob a forma de manuais de eloqncia e coletneas de sermes, geralmente ordenados em funo do ciclo litrgico, o que permitia de certa maneira suprir as deficincias doutrinais e de oratria. de grande importncia tambm a influencia dos cleros regulares que at mesmo anteriormente ao Conclio tridentino j possuam um grande conhecimento sobre formas de pregao que levaro a doutrina catlica at os campos e os confins da Europa.

Ordens mendicantes como os franciscanos, dominicanos, carmelitas e beneditinos sero de suma importncia por j terem atingido o mximo de qualidade no cumprimento de suas funes como pregadores (justamente devido a suas formaes) fora das dioceses; claro sem nos esquecermos, das novas ordens de cunho missionrio como a Companhia de Jesus. A atividade pastoral dos cleros regulares, que de inicio fora um instrumento subsidirio, acabou por se tornar indispensvel pelos bispos, desempenhando funes diretamente orientadas para a converso e a catequese.

A Reforma Catlica dificilmente teria chegado a maioria dos europeus, caso a pregao se limitasse somente aos centros urbanos, onde certamente havia muitas parquias e conventos, porm, que apenas uma pequena parcela da populao residia. Este problema da distribuio das populaes entre os centros urbanos e as zonas rurais foi resolvido com a aplicao das misses internas (principalmente atribudas s ordens monsticas e as novas congregaes), tratava-se de uma evangelizao itinerante em que um grupo de pregadores se deslocavam de ponto em ponto, sobretudo nas reas rurais, instruindo as pessoas reavivarem a sua f e a viverem sob os preceitos da Igreja Catlica, convertendo os protestantes ou melhorando as condies espirituais dos catlicos insistindo nos aspectos catequsticos e penitenciais.

Assim, a Igreja agora tanto para o clero secular como o regular, passou a dispor de uma ratio stiudorum (um mtodo pedaggico que visava a acumulao de alguns saberes essenciais na formao dos seus pregadores baseados sobretudos nos autores clssicos), um cursus honorum at a habilitao para a pregao; ter uma certa habilidade no manejo das Sagradas Escrituras, dominar o latim, o grego, o hebraico e ter o prvio conhecimento de qualquer outra matria que se faa necessria. Enfim, o pregador deveria ter o pleno conhecimento das tcnicas envolvidas na criao do sermo com suas diferentes passagens de nveis (exrdio, exposio, confirmao e concluso) utilizando-se da oratria e das tcnicas dialticas para o convencimento do pblico e acrescentamento de fiis ao rebanho de Cristo.

Quanto ao caminho para a conservao da f entre os fiis e a luta pela difuso entre os infiis, a Igreja tinha dois meios de se proceder. Para os primeiros, a soluo proposta era de cunho apostlico, doutrinal e moral simbolizada pelas misses entre os mais diversos povos e os seminrios preparados para formarem sacerdotes aptos; para os outros, a soluo do castigo e das perseguies da Santa Inquisio pareciam no funcionar como outrora. No sculo XVII, quando o empenho missionrio adquiriu certa proeminncia, a Inquisio, de certa forma, j teria concludo o seu trabalho, ou seja, a heresia no era mais um elemento de preocupao primordial no interior dos pases catlicos. Sendo assim, entre a violncia e a brandura, a brandura pareceu ser a opo mais vivel no contexto da estratgia catlica ps-tridentina. Na Europa, era necessrio conquistar-se os prncipes para conquistar seus sditos; fora do continente, o esprito missionrio do trabalho da Companhia de Jesus, embora no tenha acrescentado muitos adeptos em sociedades e culturas complexas como Japo e China, ser um grande exemplo de quo pretensiosa fora a reao catlica.

Na conquista da Amrica, por exemplo, a obra missionria possua uma estrutura apoiada principalmente no uso da fora; porm, na ndia, Japo e China, os missionrios s podiam contar com suas prprias capacidades. Para isso, alm das capacidades daqueles que estavam em misso no estrangeiro, a Igreja mostrou ser detentora de um esprito flexvel e adaptativo. Adaptar-se aos outros, na interpretao corrente da Companhia de Jesus, era o meio necessrio para atingir o objetivo de os ganhar para Cristo, aprovando o que digno de ser aprovado e suportando e dissimulando algumas coisas[..], logo, temos que, tratava-se mais de uma estratgia de fingimento e de astcia num projeto de dominao de uma cultura diferente. A adaptao seria um meio, a conquista religiosa seria o fim: e o fim justificava os meios; esta era a maneira encontrada no seio da Companhia de Jesus para justificar-se as causas da no insistncia demasiada nos smbolos da Cristandade para com as culturas superiores e complexas. Matteo Ricci e Alessandro Valignano, certamente foram os expoentes da Companhia de Jesus na defesa da estratgia da adaptao, e essas discusses levaram diversas contendas no interior da S.J. , pois, tambm haviam aqueles que optavam pelo caminho da violncia e da intimidao.

Em suma, podemos identificar que, a estratgia catlica aps o Conclio de Trento destinava-se a comover o corao dos fiis atravs de novas formas de pregao e preparo dos sacerdotes, e que a atividade missionria (principalmente atravs da estratgia da adaptao), tinha ento uma funo complementar e corretora das graves deficincias da Igreja em uma poca de grande descrdito principalmente do clero secular. A questo da penitncia, e dos sentimentos de culpa causados pelos pecados continuaram a manter-se no centro do cristianismo moderno. Descobriu-se que a confisso poderia ser o elo mais prximo da Igreja para com o indivduo e que assim, podia-se manter um certo nvel de controle social e mental. A Igreja Catlica a partir das resolues tridentinas foi dotada de extrema sensibilidade em descobrir de que forma poderia continuar a manter a sua proeminncia e como na essncia do homem barroco, que era a conflitualidade entre a f e a razo, conseguiria continuar a exercer o monoplio das conscincias.

Bibliografia utilizada como referncia para esta resenha.

VILLARI, Rosrio. O Homem Barroco, Roma-Bari, Laterza, 1991, pp. 7-176, trad: Maria J. V. Figueiredo.MARAVALL, Jos Antonio. La cultura del Barroco: anlisis de una estructura histrica. Barcelona, Ariel,1975. Parte III Elementos de uma viso barroca do mundo.PRODI, Paolo. Uma Histria da Justia, So Paulo, Martins Fontes,2005, cap VI: A Soluo Catlico-Tridentina.TREVOR-ROPER, H. R. Religio, Reforma e Transformao Social, Lisboa, Ed. Presena, 1981. Cap I e II