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Publicação Especial Agosto de 2015 Homenagem ao Embaixador Clodoaldo Hugueney

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Publicação EspecialAgosto de 2015

Homenagem ao Embaixador

Clodoaldo Hugueney

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2Publicação EspecialHomenagem ao Embaixador Clodoaldo Hugueney

Essa é uma publicação especial do Conselho Empresarial Brasil--China, em homenagem ao Embaixador Clodoaldo Hugueney, que ocupou o cargo de Presidente do CEBC a partir de abril de 2015 até seu falecimento. Contamos com a contribuição de inúmeras pesso-as, que compartilharam suas histórias pessoais e profissionais, sob a forma de depoimentos. A elas, agradecemos por terem tornado possível esta homenagem ao Embaixador Clodoaldo Hugueney e,

também, à família que compartilhou as imagens que ilustram esta publicação. Certamente, não foi possível reunir todas as pessoas representativas desta grande carreira, mas fizemos todos os esfor-ços para congregar o maior número possível de registros.

Equipe do CEBC Agosto de 2015

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2000 2010

Publicação EspecialHomenagem ao Embaixador Clodoaldo Hugueney

1969-1972

1963-1966 1972-1977

1983-19871977-1979

1992-19931979-1983

2008-2013

1988-1990

1990-1992

1999-2002

1993-1998 2002-2005

2014-20152005-2007

Consulado-Geral em Santiago (Chile), Cônsul Adjunto

Primeiros passos da carreira: ingresso no Instituto Rio Branco

Missão do Brasil junto à OEA, Encarregado de Negócios

Divisão de Política Comercial do MRE, Chefe / Missões em Caracas e Washington, Chefe de Delegação

Departamento Econômico do Ministério das Relações Exteriores (MRE), Assessor

Subsecretaria Geral de Assuntos Econômicos, Secretário Geral / Subsecretaria Geral de Planejamento Político e Econômico, Subsecretário Geral

Embaixada do Brasil em Londres (Reino Unido), Conselheiro

Embaixada do Brasil em Pequim (China), Embaixador

Secretaria de Planejamento e Coordenação da Presidência da República, Secretário para Assuntos Internacionais

Secretaria Nacional de Planejamento do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, Diretor do Departamento de Assuntos Internacionais

Missão junto às Comunidades Europeias (União Europeia), Embaixador

Primeiro posto como Embaixador: Embaixada do Brasil em Caracas (Venezuela)

Subsecretaria Geral de Assuntos de Integração, Econômicos e de Comércio Exterior, Subsecretário Geral / Subsecretaria Geral de Assuntos Econômicos e Tecnológicos, Subsecretário Geral

CNA e CNT, Consultor/ Conselho Empresarial Brasil-China, Presidente

Delegação Permanente em Genebra (OMC, ONU e demais Organizações Internacionais), Embaixador

Destaques da carreira do Embaixador Clodoaldo Hugueney

1970 1980 1990

3

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Mensagem do Presidente Emérito do CEBC, Embaixador Sergio Amaral

Publicação EspecialHomenagem ao Embaixador Clodoaldo Hugueney

Com esta edição especial, o Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) presta merecida homenagem ao mais recente de seus presidentes, que veio a falecer no exercício desta função. Para tanto, recolheu de-poimentos de amigos e colegas do Embaixador Clo-doaldo Hugueney ao longo de uma distinguida carrei-ra diplomática e pública.

Clodoaldo ocupou a Presidência do CEBC por um cur-to período de tempo, mas o seu envolvimento com os temas da China foi muito mais extenso do que isto.

De 2008 a 2013, Clodoaldo Hugueney foi o Embai-xador do Brasil na China, ocasião em que as relações entre Brasília e Pequim se ampliaram significativa-mente e ganharam densidade. Não se trata apenas do crescimento sem precedentes das trocas econômi-cas, mas da percepção de que a relação bilateral tinha um claro sentido estratégico. Movido por esta ideia, Clodoaldo tomou a iniciativa de propor, e envolveu--se pessoalmente, na redação de um Plano de Ação Conjunta entre Brasil e China para o período de 2010 a 2014, que tinha por objetivo desenhar uma visão de médio prazo e um programa de ação multifacetado para orientar o crescente intercâmbio bilateral.

Ao deixar a Embaixada e regressar ao Brasil, Clo-doaldo não abandonou o seu interesse, nem o seu envolvimento nos temas relativos à China. Ao con-trário, continuou a dar valiosa contribuição para o

bom entendimento da emergência deste gigante asiático. Como consultor do CEBC, e em parceria com o economista Claudio Frischtak, coordenou as pes-quisas para a preparação de dois estudos inéditos e de grande valia para a comunidade empresarial, as-sim como para o governo brasileiro. O primeiro teve como ponto de partida um levantamento das barrei-ras às exportações e aos investimentos brasileiros no mercado chinês. O segundo, logo em seguida, buscou identificar oportunidades ainda não aproveitadas para as exportações e investimentos brasileiros em setores prioritários selecionados.

Para minha grande alegria, nossas carreiras se cruza-ram em diferentes momentos. Nas negociações so-bre comércio com os Estados Unidos, nos temas da OMC, ou nas parcerias que pudemos construir, como responsáveis pela cooperação internacional, um no Ministério da Fazenda, outro no do Planejamento. Clodoaldo e Antônio Barros de Castro, nosso amigo comum, foram os primeiros a perceber, em toda a sua extensão, os deslocamentos políticos e econômicos provocados pela emergência da China no cenário in-ternacional, assim como a gestação de um importan-te polo econômico sinocêntrico.

Clodoaldo tornou-se, assim, o candidato natural para assumir a Presidência do Conselho Empresa-rial Brasil-China, em maio do corrente ano. Seu fa-

lecimento repentino privou o CEBC de um grande presidente. Mais do que isto, privou o Brasil de um brilhante diplomata, um refinado intelectual, um exímio negociador, que dedicou a sua vida, com com-petência e integridade, às grandes causas da diplo-macia brasileira.

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5Publicação EspecialHomenagem ao Embaixador Clodoaldo Hugueney

Ministro Celso AmorimEx-Ministro das Relações Exteriores

Clodoaldo foi um dos melhores diplomatas que co-nheci: inteligente, criativo, trabalhador, patriótico e leal. Foi também um dos meus melhores amigos: uma amizade que se sustentou ao longo dos anos e que nasceu quando, recém-saídos do Instituto Rio Branco (Clodoaldo era de uma turma imediatamente posterior à minha), recebemos a tarefa de preparar subsídios para uma reunião de embaixadores da Eu-ropa Ocidental, que se realizaria em Roma, em 1966. Eram anos difíceis, em que as possibilidades de tra-balho intelectual eram limitadas não só pelo clima reinante no país, mas também, especificamente no que tange as Relações Internacionais, pela concep-ção simplista de um mundo dividido entre o Ociden-te democrático e o Oriente comunista. Dedicamo-nos durante dois meses à pesquisa de livros, relatórios e revistas especializadas. Aprofundamos a análise das pretensões gaullistas de uma Europa independente e nos deparamos com o surgimento de um fenômeno até então pouco analisado: as corporações multina-cionais. O embate entre uma visão soberanista do mundo (l’Europe des Patries) e a globalização condu-zida pelas grandes empresas acabou sendo o núcleo em torno do qual organizamos nossas análises, em

um verdadeiro trabalho conjunto, no qual a parte criativa se deveu mais ao Clodoaldo do que a mim. Foi o primeiro trabalho de relevo que fiz no Itamara-ty. Em dias e noites de intensa leitura e elaboração de texto, desenvolveu-se um forte companheirismo que se estendeu as nossas famílias. Minha mulher, Ana, e eu fomos convidados por Lucília e Clodoaldo para sermos padrinhos da primeira filha do casal, Luciana. Ao longo dos anos, tivemos um convívio intenso, que se expandiu para os nossos filhos e filhas.

Profissionalmente nossas carreiras continuaram a se tocar: trabalhamos juntos na missão do Brasil junto à OEA, sob a chefia do brilhante e respeitado embaixador George Alvares Maciel, que viria a nutrir por Clodoaldo profunda admiração e respeito inte-lectual. No tempo em que fui assessor do Ministro Renato Archer no Ministério da Ciência e Tecnologia,

que acabara de ser criado no governo Sarney, Clodo-aldo, então chefe da importante Divisão de Política Comercial do Itamaraty, apoiou, com ardor e patrio-tismo, os esforços em prol de um desenvolvimento tecnológico autônomo. Como Ministro das Relações Exteriores de Itamar Franco e de Lula, tive a honra de designá-lo para ser nosso embaixador em Caracas, chefiar a importantíssima missão do Brasil em Ge-nebra e, finalmente, como embaixador do Brasil em Beijing. Em todas essas funções, como nas demais que exerceu, o Embaixador Hugueney cumpriu com inteligência e sentido patriótico a missão de defen-der nossos interesses. Nas negociações comerciais multilaterais, que pude acompanhar mais de perto, Clodoaldo soube aliar firmeza e afabilidade, o que garantiu o respeito e a amizade de seus pares, asse-gurando para nosso país posição de especial relevo.

Comissão especial da Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos. Lima, 1973.

Uma carreira exemplar

Depoimentos

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6Publicação EspecialHomenagem ao Embaixador Clodoaldo Hugueney

Espírito independente, infenso a submissões de qualquer espécie, Clodoaldo sempre externou suas opiniões com franqueza. Nem sempre concordamos. Mas – e estou certo que essa era também a visão do meu compadre, colega e amigo – guardamos sempre, além da amizade, o sentimento de mútua lealdade, que assegurou uma cooperação profícua, que se es-tendeu por mais de quatro décadas.

Diplomata exemplar, Clodoaldo deixou sua marca no Itamaraty. Sucessivas gerações se referirão com ad-miração a seu trabalho, condensado em relatórios, ofícios e telegramas, que seguramente serão objeto de estudo. Para a família, para os amigos e para a vida intelectual do nosso país, em especial no cam-po das Relações Internacionais, Clodoaldo Hugueney fará muita falta. Mas seu nome será sempre lembra-do com afeto e admiração.

Embaixador Luiz Felipe de Seixas CorrêaEmbaixador do Brasil, aposentado

A morte de um familiar, de um amigo ou amiga é sem-pre dura e penosa. É um momento em que cada um somatiza a sua perda, reflete sobre a fugacidade da vida, sobre o amor, o afeto, a convivência. Todos de minha geração no Itamaraty em algum momento, ou em muitos momentos, fomos tocados por Clodoaldo. Quem conviveu com ele certamente apreciou o ami-go, o colega, o chefe, o grande diplomata que foi ao longo de toda uma vida profissional voltada para a defesa dos interesses do Brasil no mundo. Estamos perplexos diante de uma vasta e irreparável perda.

A cabeça precocemente grisalha e branca de Clodoaldo dava à sua figura um semblante adicional de sabedoria e de vida vivida que acentuava, junto aos seus interlo-cutores, as virtudes de seu pensamento e o entusiasmo

com que travava as nossas batalhas. Para cada proble-ma, Clodoaldo aparecia com dez soluções. Seu interes-se e sua adesão às lutas com que nos defrontávamos ao longo de nossas vidas profissionais eram mobilizado-ras. Estudava e refletia a fundo. Na ação, seu entusias-mo era contagiante e sua racionalidade irretocável. Um homem brilhante, denso, corajoso.

Trabalhamos juntos na Secretaria de Estado e no Exterior. Ele começou sua vida profissional pelos temas econômicos e comerciais. Eu pelos políticos, sobretudo por temas regionais. Cada qual no seu ca-minho, sempre em interação frequente.

Como subsecretário, responsável pela formulação e a condução de nossas estratégias na OMC em Genebra, trabalhamos harmoniosamente e com muito provei-to para a formulação e a condução de nossas políti-cas na Rodada de Doha.

Havendo-me substituído em Genebra, Clodoaldo elevou nossa presença nos foros de negociação. De Genebra à China, um longo caminho, uma abertura audaciosa para o novo, para o horizonte de possibili-dades que se abria para o Brasil.

Fez tudo certo, manteve o entusiasmo, a inteligên-cia, a capacidade ação que o conduziria de Pequim à aposentadoria em São Paulo, onde não parou de en-riquecer o debate acadêmico e empresarial com os te-mas de política externa, aos quais dedicou toda sua vida profissional.

Mantivemos sempre contato e fecundo diálogo, por telefone, por e-mail, compartilhando angústias e perplexidades diante de um quadro crescentemente preocupante para os interesses a que havíamos dedi-cado nossas vidas profissionais.

Ao ter a notícia de sua morte senti a imensa frustração da finitude. O desfecho inesperado e prematuro de uma

vida amiga, de uma convivência importante para mim, de uma amizade real e antiga. Do colégio Santo Inácio ao Rio Branco, à vida na carreira. Veio-me à mente uma frase de Grande Sertão de Guimarães Rosa, “a lembran-ça de vida da gente se guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e sentimento”.

Agora é questão de juntar esses trechos, os signos e sen-timentos de nossas lembranças de Clodoaldo e mantê--lo vivo e relevante nas nossas existências singulares.

Aos que ficamos ainda algum tempo, sua presença amiga e seus sábios juízos não deixarão de nos acom-panhar. Como nos acompanharam hoje nesta ocasião em que nos reunimos para evocar sua vida e recupe-rar seu exemplo de homem de bem.

Como São Paulo, ao final de sua existência, Clodoal-do poderá certamente ter dito: “Combati o bom com-bate, terminei a minha carreira, guardei a fé!”.

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7Publicação EspecialHomenagem ao Embaixador Clodoaldo Hugueney

Embaixador Luiz Augusto de Castro NevesPresidente do Conselho Curador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais

Clodoaldo foi um grande diplomata, dotado de in-vulgar espírito público e um dos mais hábeis nego-ciadores brasileiros. Corajoso, defendia suas convic-ções com clareza e lealdade, mesmo em épocas mais difíceis da vida brasileira. No plano pessoal era um amigo dedicado, colega impecável e, sobretudo, ge-neroso. Clodoaldo fará muita falta, sobretudo nestes tempos incertos que estão a requerer pessoas capa-zes de indicar os melhores rumos para o Brasil. Com muita tristeza e saudade, em nome do CEBRI e no meu próprio, pedimos à esposa Dora e às filhas Lucia-na, Beatriz, Andreia e Elisa que aceitem o nosso mais afetuoso voto de solidariedade e simpatia.

Embaixador José Alfredo Graça LimaSubsecretário-Geral para Assuntos Políticos II do Ministério das Relações Exteriores

Numa época em que muito poucos conheciam ou se davam o trabalho de ler e decifrar os artigos do GATT assim como as implicações para países como o Brasil de uma rodada abrangente de negociações comerciais multilaterais, o jovem Ministro Clodo-aldo Hugueney Filho, então Chefe da Divisão de Política Comercial do Itamaraty, tinha não apenas

notável compreensão do sistema multilateral de co-mércio como percebia com absoluta clareza e lucidez a necessidade de mobilizar esforços para participar, com expectativa de ganhos, daquele que viria a ser o maior acordo comercial da história, a saber, o con-junto de resultados da Rodada Uruguai, lançada em setembro de 1986 em Punta del Este e concluída em abril de 1994 em Marraqueche.

Sua contribuição para a coordenação e formulação de posições e propostas, primeiro como Chefe da DPC, e depois como Chefe do Departamento Econômico e ainda Subsecretário-Geral de Assuntos Econômicos foi inestimável para a construção de uma agenda que permitisse ao Brasil maximizar seus direitos de acesso e, ao mesmo tempo, dar cumprimento aos compromis-sos assumidos, sem impor sacrifícios setoriais nem ab-dicar de políticas e medidas consideradas necessárias para o desenvolvimento econômico do País.

Embora privilegiasse o trabalho do formulador mais do que o do operador, Clodoaldo se distinguiu, já a partir de 2005, na qualidade de Representante Per-manente junto à OMC, como articulador de visão, ca-paz de defender nossos direitos e promover nossos legítimos interesses, com denodo e inteligência, em circunstâncias adversas, como as que prevaleceram em período crítico da Rodada Doha.

Embaixador Rubens BarbosaPresidente do Conselho Superior de Comércio Exte-rior da FIESP

Clodoaldo foi um dos diplomatas mais atuantes na de-fesa dos interesses nacionais nas negociações comer-ciais na comunidade europeia, na OMC e na China. Tive o prazer de sucedê-lo como subsecretário econômico e de integração no Itamaraty e dar seguimento a muitos temas que ele conduzia com dedicação e competência.

Arancha GonzálezDiretora-Executiva do International Trade Center (ITC)

It is with sadness that I have learnt of the passing away of Ambassador Clodoaldo Hugueney. I knew him during my time as advisor to the then EU Trade Commisioner Pascal Lamy in Brussels and then as chief of staff to the WTO Director-General in Geneva.

Ambassador Hugueney was a tough negotiator, com-bining a sharp intellect with excellency tactical skills. However, what I will always remember is a extremely cultivated man, eager to understand the world around him, a man of principles and values. He will be sorely missed. My thoughts are with his family and friends.

Um grande articulador e negociador

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8Publicação EspecialHomenagem ao Embaixador Clodoaldo Hugueney

Ministro Rubens RicuperoEx-Secretário Geral da Conferência das Nações Uni-das sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD)

O que mais distinguia Clodoaldo, além de sua rique-za cultural e humana, era a inesgotável busca da perfeição no muito que fazia. Lembro de quando foi indicado para sua primeira chefia de embaixada em Caracas. Há muito tempo havia caído em desuso a antiga e louvável prática de preparar instruções es-critas para o novo embaixador. No início, ainda se se-guia a rotina de copiar as instruções anteriores, que se acumulavam, todas iguais, sem levar em conta as mudanças do tempo, salvo as mais óbvias: nomes de presidentes, ministros, dados estatísticos. Depois, nem isso.

Clodoaldo não se conformou em não ter instruções e, em meio à indiferença geral, percorreu, um a um, todos os setores do Itamaraty que tinham algo a ver com a Venezuela: política, economia, promoção co-mercial, cultura. Suspeito que para alguns colegas fosse até embaraçoso ter de simular conhecimento ou interesse sério perante aquele implacável e zeloso interrogador que queria saber de tudo e não aceitava a mediocridade dominante.

Esgotado até o bagaço o que o MRE poderia lhe dar, cumpriu agenda externa incansável: Ministério da In-dústria e Comércio, da Agricultura, da Fazenda, dos Transportes, BNDES, Banco Central, Petrobras, Vale, FIESP; entrevistou em São Paulo, no Rio de Janeiro,

em Manaus, todas as pessoas com interesses na Ve-nezuela, as empresas privadas de construção, os ex-portadores. Ao final desse processo, que deve ter du-rado semanas, quem sabe mais de um mês, escreveu um primoroso roteiro do que eram e do que deveriam ser as relações do Brasil com a Venezuela. Suas con-clusões eram irrecusáveis e só poderiam ser subscri-tas com admiração pelos que, em princípio, deveriam ter tido a incumbência de elaborá-las.

Jamais vi em toda a minha carreira alguém se prepa-rar com tamanha seriedade para representar o Bra-sil. E não se tratava de entusiasmo de marinheiro de primeira viagem. As instruções eram para valer, para serem aplicadas na prática com vigor e perseverança. A esse respeito posso dar meu testemunho pesso-al, pois estive em Caracas como Secretário Geral da UNCTAD e fiquei hospedado com Clodoaldo creio que duas vezes. Nessas ocasiões, verifiquei como o pró-prio Chávez, no começo de sua trajetória, procurava com frequência e respeito Clodoaldo, cujo nome pro-nunciava de maneira caribenha inconfundível e qua-se irreconhecível.

E sei que essa perfeição no desempenho não se re-sumiu à passagem por Caracas. Em Genebra, como Representante do Brasil junto ao GATT, tive abun-dantes demonstrações do altíssimo prestígio de que gozava Clodoaldo. Nos momentos críticos de minha missão, por exemplo nas consultas sobre o vastíssi-mo arsenal protecionista que o Brasil utilizava a pre-texto das dificuldades do balanço de pagamento, foi ele quem me socorreu e apresentou defesa soberba no plenário do GATT com a maestria de insuperável negociador. Assim era, sempre impecável na procu-ra da perfeição em tudo, o amigo que nos deixou de modo tão prematuro quando o Brasil mais precisava de seu talento para colocar em bases novas o vital re-lacionamento com a China.

Embaixador José Humberto de Brito Cruz

Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Inter-nacionais (IPRI), Ministério das Relações Exteriores

Tive o privilégio de trabalhar com Clodoaldo Hugueney quando ele chefiou nossa Embaixada na Venezuela, onde eu respondia pelo Setor Político (1993-1996). O que o caracterizava e o distinguia como Embaixador na-quele período – e sei que foi assim também nas outras posições que ele veio a ocupar mais tarde – era, em pri-meiro lugar, o visível entusiasmo pelo trabalho. Era, de fato, contagiante, e seu entusiasmo se viu ademais fa-vorecido pelo fato de ter sido aquele um momento mui-to favorável para as relações Brasil-Venezuela, já que o então Presidente Rafael Caldera buscava ativamente uma aproximação conosco e encontrou disposição recí-proca da parte de Fernando Henrique Cardoso.

Talvez o maior mérito de Clodoaldo, como Embaixa-dor em Caracas, tenha sido o de identificar que ha-via ali uma circunstância política favorável e, a partir dessa avaliação, usar intensamente e com grande profissionalismo todos os instrumentos disponíveis à Embaixada para aproveitar a oportunidade e dar maior conteúdo à relação bilateral. Os projetos eram muitos e quase todos envolviam uma coordenação, não raro complexa, com outros órgãos da administra-ção pública brasileira: viabilizar a linha de transmis-são elétrica de Guri a Roraima, completar a pavimen-tação da BR-174 (que liga Boa Vista à fronteira com a Venezuela), negociar um acordo de livre comércio (na época a Venezuela ainda não era membro do MERCO-SUL), aprofundar a cooperação no setor de petróleo e derivados, e a lista seria longa. O papel do Chefe de Missão Diplomática, que Clodoaldo desempenhou com maestria, era o de catalisar esforços, não deixar que se perdesse o impulso e encontrar os caminhos

O primeiro posto como Embaixador

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9Publicação EspecialHomenagem ao Embaixador Clodoaldo Hugueney

para superar obstáculos. Em cada um desses proje-tos, foi decisiva uma característica que lhe era muito própria: a de não ter medo de entrar no detalhe técni-co das discussões, uma vez que é nesses pormenores que germinam as dificuldades, os atrasos, as descul-pas de quem não quer fazer. Aprendi com ele, nesse período, a diferença que pode fazer um Embaixador que enxerga o sentido maior de seu trabalho não em fazer “gestos”, mas em obter resultados efetivos.

Essa atitude de “mãos à obra”, de “mangas arregaça-das” era parte do estilo direto de Clodoaldo Hugueney. E ele combinava isso a outros traços que, a meu ver, deram destaque ainda maior a seu trabalho e foram decisivos para seu êxito. Primeiro, o uso pleno e inteli-gente que ele soube fazer das atividades intelectuais e culturais, pelas quais ele nutria um interesse genuí-no e que encontravam enorme receptividade junto aos venezuelanos. Segundo, um certo gosto pela sociabili-dade, pela conversa, pela boa amizade, que muito lhe facilitou o trânsito entre os atores mais relevantes do mundo político da Venezuela. Sua residência era habi-tualmente frequentada por Ministros e personalida-des da cena cultural e acadêmica venezuelana.

Por fim, em um aspecto mais interno do trabalho na Embaixada, já naquele período Clodoaldo tinha como marca registrada o apreço pela elaboração apurada dos documentos. Para ele, o trabalho do diplomata não estava bem feito se não se consubstanciasse em textos nos quais a informação estivesse bem organi-zada, atualizada e com profundidade de análise. Com isso, o documento básico de informação da Embaixada em Caracas – o “Maço Básico”, como se diz no jargão do Itamaraty – estabeleceu um novo padrão de qualidade. Posteriormente, na China, Clodoaldo levou essa preo-cupação a níveis de perfeição ainda maior, criando um novo tipo de documento informativo – o “Texto de Re-ferência do Posto” – que, por sua alta qualidade, passou a ser usado como modelo para outras Embaixadas.

O ritmo e o grau de exigência que assim se impunham ao trabalho geravam algum stress e, às vezes, recla-mações de alguns funcionários – reclamações que ele, Clodoaldo, encarava com certa impaciência e com algum ceticismo quanto à natureza humana. Ao mesmo tempo, contudo, ritmo e exigência aprofun-davam o respeito que todos sentiam por sua lideran-ça e por suas qualidades humanas. Para mim, ficou a lembrança de um aprendizado que valorizo até hoje e de uma amizade que não vou esquecer.

A articulação entre União Europeia e Mercosul

Pascal LamyEx-Diretor Geral da Organização Mundial do Comér-cio (OMC)

I first met Clodoaldo when I became EU Trade Com-missionner in 1999. At that time, he was the first ambassador to the EU to host me for dinner. I will always vividly remember how he displayed on this occasion his formidable diplomatic and intellectual clout. So much so that I left his residence that night absolutely convinced that an EU-Mercosur agree-ment was the greatest of my possible achievements and hence deserved the highest priority!

Since then, we used to meet regularly wether in Brus-sels, Geneva, Beijing and, a month or so ago in Sao Paolo. Not just touching base, but each time engag-ing on substance, trends, and what ifs.

I wil keep his memory as one of the finest interna-

tional experts I was priviledged to interact with dur-ing the last fifteen years. Knowledgeable, of course, thoughtfull, deep, hardworking.

A rare diplomat. And if I may without offensing Ita-maraty, much more than a diplomat: a man of our world and of the times to come.

Oswaldo Biato Jr.

Diretor do Departamento de Europa do Ministério das Relações Exteriores

Tive a oportunidade de trabalhar ao lado do Embai-xador Clodoaldo Hugueney durante meu último ano na Missão do Brasil ante a União Europeia, em 2000. Ele vinha de uma experiência muito bem sucedida à frente da Embaixada do Brasil em Caracas, onde inaugurou uma estrutura extremamente ambiciosa de relacionamento bilateral entre o Brasil e a Vene-zuela que queria replicar em Bruxelas. Ao assumir a Missão do Brasil ante a UE, Clodoaldo transbordava entusiasmo e vontade, frequentemente deixando atônitos seus colegas de Missão, via de regra menos otimistas e mais cônscios das dificuldades de pôr em pé uma obra de tal envergadura. Sua chegada a Bru-xelas também coincidiu com os primeiros anos de ne-gociação do tão aguardado – mas difícil – acordo de associação entre a UE e o Mercosul.

Clodoaldo, entretanto, jamais esmoreceu nesses esforços, tentando, numa conjuntura internacio-nal que então nos era desfavorável, convencer a Co-missão Europeia da necessidade de encarar o Brasil como um parceiro efetivamente estratégico. À fren-te de seu tempo, como sempre, Clodoaldo teria sua visão chancelada alguns anos mais tarde, quando, em 2007, já com a presidência da Comissão Europeia ocupada por João Manuel Durão Barroso, foi concre-tizada afinal a Parceria Estratégica Brasil-UE.

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10Publicação EspecialHomenagem ao Embaixador Clodoaldo Hugueney

Ministro Roberto RodriguesCoordenador do Centro de Agronegócio da Funda-ção Getulio Vargas

Desde o início do primeiro mandato do Presidente Lula da Silva, em 2003, vivemos a grande expectati-va de “destravar” o imobilismo da Rodada de Doha da OMC, destinada a ampliar o comércio agrícola mun-dial, através da flexibilização dos seus 3 pilares: re-dução do protecionismo interno, acesso a mercados e eliminação dos subsídios às exportações. Antes da grande reunião plenária que se realizaria em setem-bro de 2003, em Cancun, no México, houve 3 mini--ministeriais preparatórias para o “gran finale” mexi-cano: em Tóquio, Sharm El Sheik (Egito) e Montreal. Nas duas primeiras não se avançou um milímetro, mas na terceira um problema surgiu: União Europeia e Estados Unidos sinalizaram com um “acordo” entre ambos, à imagem do que já ocorrera na Rodada Uru-guai do GATT, antes da criação da OMC, na célebre reunião de Blair House. Tal acordo seria prejudicial aos países exportadores agrícolas, uma vez que ne-nhum dos 3 pilares teria avanços expressivos. Como os representantes brasileiros (entre eles lutava bra-vamente Clodoaldo Hugueney) não conseguiram convencer os líderes dos países do Grupo de Cairns a colocar um “paper” defendendo posição contrária ao documento americano/europeu, comunicamos que o Brasil faria isso.

Imediatamente após nossa volta do Canadá, o Embai-xador Clodoaldo veio ao Gabinete do Ministério da Agricultura e, com a ajuda de técnicos do MAPA, da CNA e do Ícone, preparamos tal documento, consubstan-ciando o ideário do Brasil para Cancun. Clodoaldo deu a forma adequada ao programa desejado, e este “paper” foi enviado ao Embaixador Seixas Correia que na época chefiava a Missão brasileira junto à OMC em Genebra. Seixas discutiu o documento com os países que pode-riam se alinhar aos desideratos brasileiros e, ao final do dia, com emendas e sugestões desses países, surgiu o “sonho” dos produtores agrícolas que originou o G20.

Já em Cancun, o Ministro Celso Amorim levou esse papel ao Chanceler mexicano Derbez, Presidente do evento da OMC e exigiu vigorosamente que o mesmo fosse incluído nas discussões, ao lado do pré-acordo UE/EU e de um terceiro documento preparado pelo Diretor Geral da OMC, o uruguaio Carlos Perez de Castillo. A firmeza de Amorim acabou com a frieza de

Derbez, e este finalmente acatou nossa proposta .

Isso engessou as discussões, uma vez que outros paí-ses produtores se aproximaram do G20 contrariando interesses de americanos e europeus. E nossa posi-ção impediu um acordo que prejudicaria por muitos anos os projetos de flexibilização do comércio agríco-la mundial, verdadeira razão para a Rodada de Doha.

Devemos grande parte disso à habilidade de Hugue-ney em preparar a base do documento que Seixas Correia discutiu em Genebra e Amorim em Cancun. Tive o privilégio de assistir às 3 mini-ministeriais, de anunciar em Montreal que faríamos um documento, de coordenar as reuniões de Brasília, de participar da discussão entre Amorim e Derbez e de participar de todo o evento de Cancun, de modo que sou testemu-nha ocular da importância de Clodolado Hugueney em todo o processo, e sei que o agro brasileiro será eternamente grato por seu trabalho sério, despren-dido e incansável.

As conquistas na Organização Mundial de Comércio

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Embaixador Luiz Felipe LampreiaEx-Ministro das Relações Exteriores

Entramos para a carreira na mesma época e tivemos muito convívio e amizade no Rio até 1966. Depois cada um foi para seu posto e passamos um tempo sem nos ver até que nos reencontramos em Brasília na década de 90. Clodoaldo tinha um bom relaciona-mento com Fernando Henrique e José Serra. Por isso promoveu, logo após a eleição presidencial, um jan-tar em seu apartamento com os demais futuros diri-gentes do Itamaraty para discutir as prioridades da política externa do Brasil. Foi um encontro muito im-portante em que Clodoaldo teve participação ativa.

Posteriormente trabalhamos juntos em Bruxelas e Ge-nebra onde Clodoaldo desfrutava de grande prestígio, pois era um profissional muito competente e fazia seu trabalho com empenho e uma convicção apaixonada.

Foi um dos principais líderes de minha geração e um grande sujeito.

Renato G. Flôres Jr.Professor (EPGE), Assessor Especial do Presidente e Diretor, Núcleo de Prospecção e Inteligencia Interna-cional, FGV

Conheci Clodoaldo Hugueney na segunda metade da década de oitenta. Corria a Rodada Uruguai e, graças à forte oposição das diplomacias brasileira e indiana às propostas norte-americanas de liberalização dos serviços, as negociações haviam entrado em um pe-ríodo de relativa trégua, durante o qual havia o com-promisso de melhor entender o setor serviços.

Em colaboração com outro colega, consegui interes-sante projeto junto à Comissão Européia, para estu-darmos o comércio de serviços entre o Brasil e o bloco. Faziam parte do trabalho entrevistas com especialis-tas de ambos os lados; Clodoaldo foi um deles.

Estava na época em Brasília – francamente, em que posição não me lembro – e, por duas ou três vezes –uma delas na companhia de outro mestre, Jean Wael-broeck, a quem devo o domínio de diversas técnicas de modelização em comércio internacional, em par-ticular as de equilíbrio geral aplicado- entretivemos longas, realmente longas conversas. Duas coisas me marcaram: o seu impressionante e vasto conheci-mento, seja nos aspectos práticos como conceituais, do então GATT, e as suas peculiares franqueza e ge-nerosidade; as conversas, ao final da tarde, durando sempre pelo menos duas horas. Lembro-me que Jean, sempre muito mordaz e crítico, ficou surpreso com a profundidade de suas análises e visões.

Considero-o meu primeiro e fundamental profes-sor sobre a dinâmica das relações e regulamenta-ções comerciais. Creio que não ofenderei a nenhum de meus queridos e brilhantes amigos, com quem ao longo de tantos anos também troquei ideias e aprendi sobre as questões comerciais, como Luiz

Publicação EspecialHomenagem ao Embaixador Clodoaldo Hugueney

Alfredo Graça Lima e Valdemar Carneiro Leão, entre outros, se disser que, por muito tempo, Clodoaldo era a maior figura da Casa de Rio Branco na área do comércio internacional.

A partir das conversas nos anos oitenta, nossos des-tinos se cruzaram muitas vezes. Em Bruxelas, du-rante o seu período como nosso Embaixador junto à União Européia, mantínhamos discussões frequen-tes sobre o notório protecionismo agrícola europeu – as barreiras fitossanitárias eram o pesadelo da vez –, e os detalhes das relações entre o bloco e o Merco-sul, enquanto buscávamos um enquadramento mais amplo para as nossas relações com os europeus: eu, na arena dos artigos e seminários, ele, na das finas e delicadas negociações diplomáticas.

Porque de fato, os interesses de Clodoaldo, em que pese a sua profunda especialização nos temas comer-ciais, transcendiam esse domínio, tendo desde quase sempre procurado visões mais sutis e abrangentes. Protagonizou ele um esforço consciente e persisten-te de criação de uma mentalidade de intelligence, como após a segunda guerra fizeram os norte-ame-ricanos, sob a inspiração de George Kennan, e, mais tarde, por exemplo os franceses, com o seu Centro de Análise, Previsão e Estratégia (CAPS) dentro do pró-prio Quai d’Orsay. Quando teve a oportunidade, Clo-doaldo tentou fazer o mesmo no Itamaraty.

Não pretendo me alongar em uma detalhada descri-ção dos diversos encontros entre as nossas trajetó-rias, que incluem a sua passagem em Genebra –onde sua notória especialização foi de extrema valia- e o seu último posto na China, que tanto o fascinou.

Ater-me-ei, concluindo, a curiosa ironia quando dei-xou o serviço ativo.

Vínhamos entretendo conversas sobre como poderia colaborar com a unidade de inteligência que estava

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a montar na FGV. Já aposentado, quase fechamos um contrato de trabalho, mas a sua decisão de fazer a vida em São Paulo, junto a alguns pequenos deta-lhes, o levaram a optar por proposta da FAAP.

Acompanhei os seus esforços nessa opção, sempre, como vários outros seus amigos, lhe prestando o au-xílio possível. Clodoaldo, fiel a seu profissionalismo e legítimas ambições intelectuais, formulou ambiciosa e interessante agenda que foi discutida, em reunião em São Paulo, por significativo grupo de notáveis. Na ocasião, impregnado das lições do meu próprio tra-balho de montagem do NPII (Núcleo de Prospecção e Inteligencia Internacional) na FGV, lhe alertei que o orçamento implícito na agenda proposta era subs-tancial, sendo aconselhável uma rigorosa e quase drástica redução de ambições e temas, para viabilizar o seu – legítimo, repito – sonho.

Infelizmente, o projeto FAAP não vingou e novamen-te nos encontramos em negociações quanto a viabi-lizarmos um espaço de trabalho comum. Clodoaldo seria responsável por nossa (extremamente neces-sária) presença em São Paulo e chegamos a discutir inclusive acomodações e detalhes mais triviais de in-fraestrutura.

Nova e ironicamente quiz o destino que as coisas não se concretizassem. Ocupado em concluir trabalhos em curso, mencionados em outros depoimentos, a sazonalidade de épocas como a de final de ano levou a que os tempos se dilatassem, tendo ele por fim acei-to o convite do CEBC. Confesso que muito me alegrei ao saber de sua decisão final pois, por um lado, me parecia ser posição mais de acordo com o que deseja-va e, como amigo, me rejubilei com a evidente alegria que o novo posto lhe trouxera.

Cortou entretanto o destino, mediante estúpido aci-dente de saúde, essa perspectiva de nova e produtiva contribuição. Como disse ao telefone Anna Jaguari-

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be, um choque que a todos deixou perplexos e sem palavras.

Perdeu nosso restrito meio de atores e intelectuais sobre a esfera internacional, perdeu o Brasil, tão ca-rente desse tipo de capital humano, perdeu o CEBC, perderam seus inúmeros amigos, admiradores de seu saber, sua franqueza falsamente irritada – era um ca-valheiro- e de sua personalidade original.

Fica a lembrança dessas últimas conversas onde, ao lado de uma “negociação sobre um prospectivo con-trato de trabalho”, acabávamos por divagar sobre a conjuntura internacional, a OMC e tantos temas que nos uniam: uma pequena maravilha. Fica, sobretudo, a imagem de um mestre, generoso e sem afetação, a quem, como a outros em meu trajeto, muito devo.

Tatiana Rosito

Diplomata, serviu na Embaixada do Brasil em Pe-quim entre 2009 e 2014

O Embaixador Clodoaldo Hugueney foi um grande mestre para os colegas que tivemos o privilégio de trabalhar, entre 2008 e 2013, na Embaixada do Brasil em Pequim, seu último Posto na carreira diplomáti-ca. Leitor voraz e trabalhador incansável, sua capaci-dade de “ler” situações complexas e traduzi-las em re-flexões organizadas, de impressionante densidade,

Presidente Dilma Rousseff, Embaixador Clodoaldo Hugueney e funcionários da Embaixada do Brasil. Pequim, 2011.

O desafio chinês

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e frequentemente acompanhadas de sugestões de estratégias a serem perseguidas, era fonte de grande inspiração. Negociador hábil, seu lado administrador deu origem a programas de trabalho coesos, instru-mentos de planejamento que tanto fazem falta a nosso País. Mas a sua capacidade de trabalho não se exauria nos planos, visto que era vigilante com seu monitoramento e implementação.

Amava o Itamaraty, ainda quando lutava por sua modernização. Servidor exemplar dedicado à causa pública e diplomata completo, com múltiplos e di-versos interesses, o Embaixador Clodoaldo encon-trou na China um desafio à sua altura. Buscou, com determinação, ampliar o conhecimento sobre o país asiático no Brasil, tendo escrito inúmeros artigos ainda inéditos. Especialista em temas econômicos e comerciais, soube sempre reinventar-se, tratando com a mesma profundidade dos temas geopolíticos, culturais, filosóficos, entre outros. Inimigo da pre-guiça e da análise superficial, sua curiosidade, mo-tivação e energia serviram sempre como exemplo para os mais jovens.

O Embaixador frequentemente surpreendia com demonstrações espontâneas de seu amor pela arte, pela natureza, pela música, pela literatura, pela gas-tronomia, pela Humanidade, mas também pela famí-lia e pelos amigos. Os colegas que com ele servimos na Embaixada em Pequim, assim como tantos outros que com ele conviveram ao longo da vida, tenho cer-teza de que reconhecemos no Embaixador Clodoaldo Hugueney qualidades que nos fazem identificar no trabalho fonte quase inesgotável de prazer intelec-tual e crescimento pessoal. Levaremos conosco, mais ainda, seu sonho de ampliação contínua das possibi-lidades existenciais mediante a aquisição do conheci-mento e a defesa obstinada das nossas causas.

Anna JaguaribeDiretora do Instituto de Estudos Brasil-China (IBRACH)

Conheci Clodoaldo lá nos remotos 68, ano, como diz Zuenir Ventura, que nunca acabou. Clemente Mourão, Carlos Augusto Santos Neves e José Arthur Denot Medeiros faziam parte da mesma turma de amigos, todos novos diplomatas que começavam a carreira em um Brasil difícil. Todos olhavam para Clo-doaldo com respeito e admiração, pois já sinalizava o caminho. Viemos a nos reencontrar várias décadas mais tarde. Clodoaldo havia acumulado uma enorme experiência internacional de práticas de comércio exterior, de negociador multilateral e, mais do que

tudo, de Brasil e suas possibilidades internacionais. Chegou à China com esta bagagem intelectual e ma-ravilhou-se com o que viu. Dedicou-se a entender a China com o afinco e profundidade que caracterizava tudo o que fazia. Voltou ao Brasil com uma perspec-tiva que poucos brasileiros de sua geração possuem, cerceados em tantos casos por uma visão euro-atlân-tica da economia.

Clodoaldo entendeu a grande mudança na política e economia internacional que a ascensão da China representava e foi incansável em tentar promover o debate e a reflexão sobre o papel do Brasil neste novo mundo. Criou o Laboratório do Século XXI na

Embaixador Clodoaldo Hugueney e Hu Jintao

Publicação EspecialHomenagem ao Embaixador Clodoaldo Hugueney

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Ao fim da carreira diplomática, o trabalho continua

FAAP em São Paulo procurando fomentar uma refle-xão mais ampla que juntasse a nova geopolítica com mudanças nos processos de produção e de comuni-cação. Era engajado e crítico na reflexão sobre o con-temporâneo e generoso em aceitar os debates sobre como reposicionar o Brasil no contexto das mudan-ças de uma economia sinocentrica. Seus interlocu-tores brasileiros e chineses ganhavam sempre novas perspectivas após suas conferências. Conjugava de forma impar em suas análises e conselhos políticos: o conhecimento sobre a economia e as possibilidades das empresas brasileiras com sua arguta análise geo-política. Sua reflexão foi sempre crítica, mas aberta a possibilidade de mudança, um empurrão intelectual com fôlego!

Gustavo Rocha de Menezes

Chefe da Divisão de China e Mongólia do Ministério das Relações Exteriores

Tive a felicidade de trabalhar muito proximamente ao Embaixador Clodoaldo Hugueney na Embaixada do Brasil em Pequim, na função que me concedeu de Ministro-Conselheiro e Chefe de Chancelaria. Naque-le momento, cumpria a última etapa de uma longa e brilhante trajetória diplomática e, ao mesmo tempo, abraçava, com grande entusiasmo e determinação, a tarefa de contribuir decisivamente para nossas relações com um país tão importante e complexo como a China. Pude sempre contar com sua amiza-de, espírito franco e permanente disposição para um bom debate. Tenho certeza de que a sofisticação de seu pensamento, seu aguçado senso crítico e grande capacidade de decisão e de iniciativa foram qualida-des profissionais que influenciaram positivamente a muitos colegas e amigos. Permanecerá, sem dúvida, sempre como fonte de inspiração para todos nós.

Kátia Abreu

Ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

O Embaixador Clodoaldo Hugueney Filho foi um grande amigo, com quem tive o privilégio de traba-lhar e conviver, ao tempo em que ele prestou inesti-mável consultoria à Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

Homem simples, discreto e brilhante. Na sua trajetó-ria no Itamaraty, galgou os principais postos da carrei-ra, acumulando um saber que não se furtou em colo-car a serviço do país – em especial ao comércio exterior – mesmo quando se retirou do serviço ativo, em 2013.

Participou de inúmeras reuniões internacionais e foi negociador em rodadas do GATT e da OMC e Repre-sentante Permanente em Genebra, tendo findado sua trajetória como Embaixador em Pequim.

Guardo do convívio que com ele tive a imagem de um homem sábio e sereno, devotado à família e aos amigos. O Brasil perdeu um homem público de envergadura.

Publicação EspecialHomenagem ao Embaixador Clodoaldo Hugueney

Octavio de Barros

Economista-chefe do Bradesco

Conheci Clodoaldo Hugueney em uma de minhas idas à China, quando ele era Embaixador em Pequim. De lá para cá fomos mantendo um contato regular. Na ver-dade já o conhecia à distância desde o final dos aos 80, quando trabalhei em Brasília, e já o reconheciam como um diplomata diferenciado com visão estraté-gica.

Meu convívio com ele se aprofundou ao longo de seu relacionamento com o CEBC mesmo antes dele ter sido convidado para ser seu presidente. Ele e Dora sempre foram muito amáveis comigo e fomos de-senvolvendo uma mútua empatia. A troca de ideias fluía fácil. Uma amizade mais sólida começava a se consolidar quando Clodoaldo nos deixou prematu-ramente. Uma pessoa instigante, inteligente, culta e sorridente com a vida. Até mesmo quando estive com ele no hospital, em São Paulo, ele se mostrava tremendamente otimista e não vendo a hora de ter-minar alguns artigos e entrevistas sobre o novo pa-drão de relacionamento Brasil-China, que surgia com a última missão chinesa no Brasil.

Clodoaldo será sempre lembrado como um marco no CEBC, dando sequência ao trabalho do Embaixador Sergio Amaral. Guardarei para sempre na memória e serei capaz de reproduzir de forma intacta o roteiro de conversas inteiras, ricas de entusiasmos de ambas as partes, sobre o potencial de mais uma ousada e ambiciosa inserção internacional do Brasil, sobretu-do no que se refere à relação com a China.

Clodoaldo Hugueney foi e será sempre um exemplo de profissional, de caráter e de pessoa, para mim e para muitos.

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Citações“Criar barreiras não é a resposta. A resposta está na moderniza-ção da nossa indústria, na busca de associações com os chineses, investimentos recíprocos, de-senvolvimento de novas linhas de produção, extensão de cré-ditos à indústria brasileira para ela se modernizar. E sair tam-bém de alguns setores nos quais não temos mesmo condição de competir, nos quais a produtivi-dade chinesa é espantosa.”

“As oportunidades de investimentos [chineses] nos países centrais vão se reduzir, enquanto na África, na Amé-rica Latina e no resto da Ásia vão con-tinuar importantes. É o momento de procurar atrair capitais chineses para o Brasil, desenvolver projetos conjuntos e ter participação chinesa na área de infraestrutura.”

Entrevista concedida ao Estado de S. Paulo, novembro de 2008

Nós temos de tomar medidas para pro-teger a indústria brasileira, defender o emprego no Brasil, mas as medidas de caráter defensivo não vão resolver a situação. Temos de desenvolver ações que promovam as exportações, como o governo está fazendo, abrir mercados, corrigir o custo Brasil e investir na in-fraestrutura. Os chineses dão enorme importância ao Brasil e querem resol-ver os conflitos. Eles não estão interes-sados em construir um superávit com o Brasil. A China reconhece a importân-cia do Brasil para ela e para o mundo.”

“Não se pode desprezar a Chi-na. Por que jogar fora uma rela-ção com a qual se pode ganhar muito? Pela minha experiência de 40 anos lidando com conten-cioso comercial, com problemas com os Estados Unidos e com a União Europeia, sei que dá para resolver. Se fizermos isso, vamos tirar o entulho em cima da mesa, relançar a relação em novas ba-ses e ganhar muito com ela.”

Entrevista concedida ao Estado de S. Paulo, fevereiro de 2011

O conhecimento sobre China no Brasil também é muito limitado. O desconhe-cimento da parte do empresariado brasi-leiro sobre a China e sobre como negociar com a China leva a perda de oportunida-des, desentendimentos, frustrações e a conclusões como “a China é meio exótica e só importa matérias-primas”. Isso é um absurdo. A China é um gigantesco impor-tador de produtos manufaturados. Na verdade, o que a China menos importa é matéria-prima. A maior parte das im-portações chinesas é de bens manufa-turados. Do Brasil, não, mas da Ásia, da Europa, dos Estados Unidos”.

“Haverá [...] uma mudança fun-damental na indústria da Chi-na. O país passará da economia que cresce à base da quantidade para uma que cresce à base da qualidade. De uma economia baseada na repetição, para uma baseada na inovação. Isso trans-formará a China num país mais homogêneo e desenvolvido.”

“Os chineses querem aprender com o Brasil. Essa nova China nos dará a opor-tunidade de fazer com que haja comple-mentaridade entre os dois países nas

áreas social, cultural e educacional e na inovação, tecnologia e indústria. Ao planejar a política brasileira em relação a eles, temos de olhar para a China do futuro, não aquela do passado, da mão de obra barata.”

“Há [na China] um setor privado forte, multinacionais e um setor estatal atu-ando em determinados setores, como financeiro, siderúrgico. É uma econo-mia complexa, que não segue um plane-jamento de cima para baixo, ditatorial. O governo está o tempo todo ouvindo especialistas, discutindo. Existem ele-mentos de flexibilidade no governo que garantiram o sucesso do crescimento chinês. Esse é um componente do socia-lismo chinês.”

“Temos de desenvolver um projeto de investimento brasileiro na China e au-mentar nossa presença na economia chinesa. O setor de serviços, em que o Brasil tem avanços importantes, deve-ria investir mais na China. Há oportuni-dades em software, Bolsas, captação de investimentos. Ainda há muita oportu-nidade para novos negócios em infraes-trutura, agronegócio e mesmo na área industrial”.

Entrevista concedida à Revista Época, novembro de 2012

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Está faltando coordenação [entre dife-rentes atores da sociedade brasileira], e ela não pode ser apenas setorial. Te-mos que ter uma visão onde cada peça se encaixa em um todo, porque é assim que o outro lado raciocina. E isso envol-ve esforço do governo, empresários e academia para a criação de uma estra-tégia de todo. Precisamos entender melhor a China”.

Entrevista concedida ao Valor Econômico, março de 2013

“O Brasil precisa adotar uma es-tratégia mais definida e de lon-go prazo para o comércio com a China e esse movimento precisa ser puxado pelo empresariado, e não pelo governo [...] Temos que ter uma visão ofensiva mais clara. Uma parte disso o gover-no pode fazer, mas parte funda-mental tem que ser feita pelo setor empresarial”.

“A China está mudando e é preciso dei-xar a visão de que o país é um adversá-rio no comércio exterior. O agronegó-cio, por exemplo, está começando a se juntar para criar mais valor agregado nas exportações os chineses”.

Entrevista concedida ao Valor Econômico, julho de 2013

“A relação com o Brasil é uma prio-ridade para os dois países. É uma prioridade para o Brasil, a China é nosso maior parceiro comercial, e também para a China, não é uma prioridade só econômica. A China vê o Brasil como um parceiro im-portante, no G20, nos Brics, na área ambiental. O nosso diálogo hoje com a China é um diálogo im-portante. Isso não vai mudar, pelo contrário, tende a crescer.”

Entrevista concedida à Revista Exame, maio de 2013

É necessário que o Brasil realize uma grande reflexão sobre o que nosso país quer com a China daqui a 20 anos. Onde pretendemos chegar? Qual é o papel da China no mundo e como o Bra-sil pretende se posicionar? E é impor-tante que esta análise não seja feita somente pelo governo; outras esferas sociais também devem participar da discussão, como o setor privado e a academia. Além disto, deve haver uma discussão que ultrapasse os silos seto-riais, que são muito importantes, po-rém, não suficientes para a formulação de uma estratégia. É preciso ter uma visão de conjunto da relação e uma ins-tância de decisão que se utilize desta visão para ter capacidade de atuar de forma estratégica.”

Entrevista concedida ao CEBC, maio de 2013

Devemos olhar para as relações entre o Brasil e a China com uma perspectiva de longo prazo, pois elas são prioritá-rias para os dois países e para a proje-ção deles no mundo. Isso é ainda mais verdadeiro no incerto momento atual, quando planejamento e estratégia são ainda mais importantes para enfrentar desafios, aproveitar oportunidades e assegurar o crescimento continuado e a diversificação e aprofundamento das relações bilaterais.”

Depoimento presente na Carta Brasil-China, edição Especial: Visão de Futuro. Abril, 2015

CitaçõesPublicação EspecialHomenagem ao Embaixador Clodoaldo Hugueney 16

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Entrevista

Comércio encerra ciclo, e país deve focar investimento chinêsEntrevista concedida à Folha de São Paulo em maio de 2015.

Publicação EspecialHomenagem ao Embaixador Clodoaldo Hugueney

O comércio Brasil-China não vai recuperar o dinamismo que teve nos anos de boom das commodities e de recordes de crescimento do PIB chinês. Por isso, os brasileiros pre-cisam se focar agora na atração de investi-mentos chineses - principalmente na área de infraestrutura, não se restringindo à ex-ploração de recursos naturais.

Essa é a opinião de Clodoaldo Hugueney, ex-embaixador do Brasil na China (2008-2013), que acaba de assumir a presidência do Conselho Empresarial Brasil-China. Para ele, haverá vários anúncios de investimen-tos durante a visita ao Brasil de Li Keqiang, primeiro-ministro chinês, em maio.

Hugueney não está pessimista. Ele acredi-ta que, com a crescente ênfase no consumo em vez de investimentos na China, pode cair um pouco a demanda por commodities como minério de ferro, mas aumentar a pro-cura por alimentos, principalmente proteí-na animal. A seguir, trechos da entrevista.

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18Publicação EspecialHomenagem ao Embaixador Clodoaldo Hugueney

Segundo previsões do FMI, a China vai crescer 6,8% este ano e 6,3% no ano que vem, muito abaixo de 2013 (7,8%) e 2006 (12,6%). Qual é o impacto disso no Brasil?

Hoje todo mundo acompanha a taxa de crescimen-to chinesa e as reformas da economia. A taxa de crescimento tem impacto na economia mundial, no crescimento de importações e investimentos. E as reformas determinam o que vai ser a China daqui para frente. O Antonio Barros de Castro (economis-ta e consultor do BNDES que morreu em 2011) sem-pre dizia o seguinte: quando você olha para a China, você está vendo o passado, porque a velocidade da mudança é de tal ordem que você sempre precisa es-tar olhando para onde a China está indo. Ou seja, tão importante quanto o crescimento do PIB são as re-formas que estão ocorrendo na China...

Se as reformas se concretizarem e houver uma mu-dança significativa no modelo chinês, reduzindo o fator investimento e voltando-se para o consumo, como isso vai nos afetar?

O processo de urbanização da China está avançando e é prioridade do governo transferir 300 milhões de pessoas do campo para a cidade, além de urbanizar o interior. Isso vai fazer com que as pessoas consumam mais produto industrializado de agricultura, car-ne industrializada, sucos de frutas, o que abre uma grande perspectiva para o agronegócio brasileiro.

E não só para exportação, mas também para inves-timentos em supermercados, restaurantes. Quando eu era embaixador, tudo quanto era chinês queria comer churrasco brasileiro, e nunca nenhuma grande cadeia de churrascaria brasileira se interessou. Quem for vai ganhar muito dinheiro.

Quando eu era garoto na escola, o professor de ge-ografia sempre dizia: “O dia em que o chinês tomar uma xícara de café por dia, vai ser a solução do Bra-sil”. Hoje o consumo de café na China cresce 20% ao ano. Quem está se beneficiando disso? Starbucks, Illy, Lavazzo. Não tem nenhum grupo brasileiro. Acho que temos um espaço enorme. E a área de serviços, dentro desse processo de reformas, vai crescer de for-ma significativa. O setor de serviços é muito pouco desenvolvido na China. O Brasil é competitivo em au-tomação bancária, software especializado.

As exportações brasileiras para a China caíram 35% no primeiro trimestre, em grande parte puxadas pela queda em minério de ferro e soja. Nossas ven-das de minério de ferro para a China vão continuar sofrendo muito, agora que a China desacelerou e não quer mais se concentrar em grandes projetos de infraestrutura?

Eu não diria isso. Eu acho que você não vai crescer às taxas que crescia, primeiro porque a economia chine-sa não vai voltar a crescer a dois dígitos. E segundo porque a economia chinesa vai ter que promover en-xugamento do setor siderúrgico chinês, com corte de produção.

Mas ao mesmo tempo, se você olhar o que está aconte-cendo na área de minério de ferro, há uma perspectiva de consolidação da produção. Já vi análises que fazem uma analogia com o que os sauditas estão fazendo na área do petróleo. Eles estão segurando o preço lá embaixo para liquidar os produtores menores. A Vale é um gigante com muita reserva de ferro e logística mui-to eficiente, que vai sair ganhando em uma consolida-ção do setor. Eu acho que você vai liquidar uma parte de produção de minério de ferro na China que não é eficiente e tem problemas ambientais.

Quais áreas o senhor vê como muito promissoras para o Brasil na China?

Nos últimos anos, a relação Brasil China foi susten-tada pelo comércio. Em alguns anos, sobretudo após a crise de 2008 quando a China se transformou no maior parceiro comercial do Brasil, o comércio cres-ceu 40%, com um superavit brasileiro gigantesco. Minha sensação é de que esse ciclo terminou, porque o superciclo das commodities foi excepcional e a eco-nomia chinesa não vai mais crescer às taxas que cres-cia. Com a economia brasileira em período de ajuste, também não teremos demanda por importações chi-nesas ao nível que tínhamos.

O comércio vai seguir sendo extraordinariamente im-portante, porque atingiu um valor muito significati-vo, mas a meu ver não terá o dinamismo que teve no período anterior. O que pomos no lugar disso? Investi-mentos. Os chineses vão acelerar o processo de inves-timentos no exterior, com incentivo do governo chinês para empresas comprarem outras no exterior ou inicia-rem negócios. O Brasil se beneficiou disso, entraram várias empresas chinesas aqui. Agora esse processo vai ganhar uma dimensão maior. Não só investimen-tos nas áreas de recursos naturais, que é onde a China tem uma necessidade importante. Na infraestrutura, por exemplo, nós temos um deficit brutal. Esse deficit passou a ser um inibidor importante principalmente para exportação do agronegócio.

Existe um certo ceticismo quando se fala em investi-mento chinês, grandes anúncios trazem à lembrança o caso da Foxconn, taiwanesa mas de atuação chine-sa, que teria prometido investir US$ 12 bilhões e fi-cou muito aquém disso...

Não vou nem entrar na história da Foxconn porque sempre achei que aquilo ali...sei lá... Mas uma parte

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19Publicação EspecialHomenagem ao Embaixador Clodoaldo Hugueney

é algo que o Levy (Joaquim Levy, Ministro da Fazen-da) falou em Washington e que as pessoas estão di-zendo há uns 15 anos: o Brasil tem que modernizar o ambiente de negócios. Vai ficando cada vez mais difícil você atrair investimentos se todas as estatís-ticas dizem que para abrir uma empresa aqui é uma burocracia inacreditável, que temos um sistema fis-cal que ninguém consegue entender. Temos de fazer um esforço interno de modernização, simplificação. Eu me lembro até hoje de quando a Intel queria se instalar no Brasil e acabou na Costa Rica.

Por que hoje em dia só há 80 empresas brasileiras ins-taladas na China?

Porque não é fácil. Na China você está competindo com o mundo inteiro. Quando eu cheguei em Pequim no fi-nal de 2008, o estoque de investimentos chineses no Brasil era semelhante ao estoque de investimentos bra-sileiros na China, em torno de US$ 300, 400 milhões.

Hoje, nosso estoque na China continua em US$ 300 milhões, enquanto os chineses tem um estoque de investimentos de US$ 25 bilhões aqui no Brasil. Mas quem investiu na China teve sucesso. A Weg é um exemplo de uma empresa que está fazendo aposta no mercado chinês. É um investimento recente e não para de se expandir na China.

Por que o Brasil não conseguiu diversificar a pauta de exportações para a China, que continuam muito concentradas em commodities?

Isso não é uma coisa trivial, você tem que transformar a China em prioridade do ponto de vista empresarial,

como fizeram Alemanha, EUA, França, Coreia. Aqui no Brasil a China só é prioridade do ponto de vista de-fensivo, não ofensivo. Eu passei quase cinco anos lá e recebi pouquíssimas missões da área industrial e de serviços. As pessoas consideravam a China muito com-plicada, porque lá só falam chinês, tem governo auto-ritário. Diziam que os chineses eram tão competitivos que não teriam condições de enfrentá-los.

Ainda há barreiras importantes na China para produtos brasileiros, como as enfrentadas pela carne bovina...

Na realidade, não é que deixamos de exportar carne para a China, vendemos para Hong Kong. Esse setor é protegido, mas acho que isso vai ser resolvido de-finitivamente agora na visita (do primeiro-ministro). Para os importadores chineses interessa manter a compra via Hong Kong, porque o imposto é muito menor. E há também o protecionismo dos produ-tores locais. Quando você come mais carne de boi, come menos carne de porco. E existem centenas de milhões de chineses que vivem de criar porco. Mas o governo chinês estava perdendo arrecadação e agora começou a fechar o cerco.

O Brasil entrou no AIIB, o banco de infraestrutura asiático criado pela China. Qual é a vantagem?

Muito grande. A decisão foi correta e acompanhou a esmagadora maioria dos países europeus e asiáticos. Do ponto de vista político, nos ajuda a manter boa re-lação com os chineses. Mas o mais importante é que isso abre um mercado gigantesco para as empresas brasileiras de consultoria, engenharia e construção. Vamos ter vantagens nas concorrências.

E onde se encaixa o banco dos Brics, que nem saiu do papel?

Acho que são iniciativas complementares, o deficit de financiamento em infraestrutura é gigantesco.

Patrícia Campos Mello, de São Paulo. Dois de maio de 2015

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