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A FUNO PUBLICITRIA DA MARCA DE EMPRESA NO DIREITO PORTUGUS___________TESE DE MESTRADO EM CINCIAS JURDICAS DE

HUGO DANIEL LANA SILVAAssistente do Segundo Trinio da Escola Superior de Tecnologia e Gesto (ESTIG) do Instituto Politcnico de Beja (IPB), desde 2006

verbojuridicoMARO 2009

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Ttulo: Autor:

A FUNO PUBLICITRIA DA MARCA DE EMPRESA NO DIREITO PORTUGUSHugo Daniel Lana Silva Mestre em Cincias Jurdicas. Assistente do Segundo Trinio da Escola Superior de Tecnologia e Gesto (ESTIG) do Instituto Politcnico de Beja (IPB), desde 2006. Pgina Internet: http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/hsilvac.html Maro de 2009 Teses de Mestrado Este trabalho foi realizado em 19 de Junho de 2003 Verbo Jurdico - www.verbojuridico.pt | .eu | .net | .org | .com. Respeite os direitos de autor. permitida a reproduo exclusivamente para fins pessoais ou acadmicos. proibida a reproduo ou difuso com efeitos comerciais, assim como a eliminao da formatao, das referncias autoria e publicao. Exceptua-se a transcrio de curtas passagens, desde que mencionado o ttulo da obra, o nome do autor e da referncia de publicao.Ficheiro formatado para ser amigo do ambiente. Se precisar de imprimir este documento, sugerimos que o efective frente e verso, assim reduzindo a metade o nmero de folhas, com benefcio para o ambiente. Imprima em primeiro as pginas pares invertendo a ordem de impresso (do fim para o princpio). Aps, insira novamente as folhas impressas na impressora e imprima as pginas imparas pela ordem normal (princpio para o fim).

Data de Publicao: Classificao

Edio: Nota Legal:

HUGO LANA SILVA

A FUNO PUBLICITRIA DA MARCA DE EMPRESA : 3

A Funo Publicitria da Marca de Empresa no Direito Portugus Dr. Hugo Daniel Lana SilvaMestre em Cincias Jurdicas Assistente do Segundo Trinio da Escola Superior de Tecnologia e Gesto (ESTIG) do Instituto Politcnico de Beja (IPB), desde 2006.

Indce ........ ndice de Abreviaturas .... Introduo ........

03 05 07

CAPTULO I A MARCA NO DIREITO PORTUGUS

1. Distino de figuras afins da Marca de Empresa ... Firma ....... Nome de estabelecimento ...... Logtipo ...... Denominaes de origem ........ Recompensas ..... Compatibilidade entre sinais distintivos ......

11 11 13 14 16 18 18

2. Princpios Informadores da Marca de Empresa .... Princpio da Capacidade Distintiva ...... Princpio da Verdade. .... Princpio da Licitude ..... Princpio da Facultatividade ...... Princpio da Novidade e Especialidade .....

19 20 33 36 42 43

CAPITULO II FUNES TRADICIONAIS DAS MARCAS DE EMPRESA 3. Funo da Marca: perspectiva econmica .. 4. Funo distintiva ........ 63 65

5. Funo garantia da qualidade .... 84

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6. Concluso Intercalar ....

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CAPITULO III A PROCURA DA ACTUAL FUNO

7. Caracterizao da Funo publicitria ..... Consideraes scio-econmicas...... A admissibilidade da funo publicitria ..

94 94 96

8. Anlise de alguns Institutos com relevncia para a Funo Publicitria da Marca de Empresa ....... Marca de grande prestgio .... Legitimidade para o registo ..... Direitos conferidos pelo registo da marca ... Transmisso da Marca ..... Contrato de licena de explorao de marca ... Contrato de Franquia .... Contrato de Merchandising ...... 103 103 110 114 129 132 138 144

CAPITULO IV BALANO E CONCLUSO

9. Consolidao do Resultado ...... 10. Concluso ........ BIBLIOGRAFIA ..

160 165 166

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NDICE DE ABREVIATURASPrincipais abreviaturas usadasAc. Acrdo Ac. RC Acrdo da Relao de Coimbra Ac. RLx Acrdo da Relao de Lisboa Ac. RP Acrdo da Relao do Porto Ac. STJ Acrdo do Supremo Tribunal Justia ADI Actas de Derecho Industrial BFDC Boletim da Faculdade de Directo de Coimbra BMJ Boletim do Ministrio da Justia BPI Boletim da Propriedade Industrial CC Cdigo Civil de 1966 CCom Cdigo Comercial de 1888 CJ Colectnea de Jurisprudncia CPI Cdigo da Propriedade Industrial de 1995 CPI 2003 Cdigo da Propriedade Industrial de 2003 CSC Cdigo das Sociedades Comerciais de 1986 CUP Conveno da Unio de Paris de 20/03/1883 EIPR European Intellectual Property Review IIC International Review of Industrial Property and Copyright Law INPI Instituto Nacional da Propriedade Industrial JR Jurisprudncia das Relaes RDC Rivista del Diritto Commerciale e del Diritto Generale delle Obbligazioni RDCiv Rivista di Diritto Civile RDE Revista de Direito e Economia RDI Rivista di Diritto Industriale RDM Revista de Derecho Mercantil RFDL Revista da Faculdade de Direito de Lisboa RLJ Revista de Legislao e Jurisprudncia RMC Regulamento da Marca Comunitria ROA Revista da Ordem dos Advogados RPI Revista da Propriedade Industrial SI Scientia Ivridica TJCE Tribunal Judicial das Comunidades Europeias

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INTRODUO: O PROBLEMA

As marcas de empresa1 so indubitavelmente os principais smbolos e instrumentos no mercado concorrencial, sendo o meio utilizado pelos empresrios para prestigiarem os seus produtos ou servios2. inexpugnvel que na praxis empresarial estas desempenham um papel de crucial importncia, sendo inimaginvel a subsistncia do mercado actual sem estes signos.3 A relevncia exponencial da utilidade da marca relaciona-se com a sociedade de consumo massificada, caracterizada pela simultnea coexistncia de uma infinidade de bens, com caractersticas homogneas, susceptveis de cercearem as mesmas necessidades subjectivas.4 Desta circunstncia resulta, no apenas, que a marca determinante para a eleio do produto ou servio desejado, bem como o facto de as escolhas individuais serem, tendencialmente, menos determinadas pelas caractersticas dos produtos ou servios de per si, isto , de modo objectivo, mas pela capacidade desenvolvida pelos seus produtores em atrarem os consumidores por outras formas. Referimo-nos, especificamente, ao recurso publicidade,5 com incidncia publicidade

1

Utilizamos a expresso marca de empresa, inusual na doutrina portuguesa, de molde a restringir a nossa anlise a este tipo de marca, afastando-nos das marcas colectivas de associao ou certificao. No entanto e brevitatis causa durante este estudo sempre que usarmos a vocbulo marca, fazemo-lo com o este significado. No mesmo sentido, escreve STEPHEN LADAS, que a marca is easy promote and advertise, it is retained in the memory of the purchasers general, since it is perceived by its sounds as well as by its appearance. (Patens, Trademarks, and Related Rights, National and International Protection, Harvard University Press, 1975. p. 1001)

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We live in a world of symbols Another characteristic of this consumer society is the overabundance of products in the market-place. Thus the consumer has the freedom to choose, an ability inherent in a free market economy. But the exercise of that freedom would be impossible without the interaction between symbols and products. Thus trade marks come into to play. ANSELM KAMPERMAN SANDER e SPYROS MANIATIS, (A consumer Trade Mark: Protection Based on Origin and Quality, EIPR, 1993, p. 406). Mas, usa dizer-se, que sendo certo que vivemos no mundo de smbolos, no menos verdade que no adquirimos por meio destes sinais! (assim, MANGINI, Il marchio e gli altri segni distintivi, Trattado di Dirrito Comerciale e di Diritto Pubblico dell`Economia, Diretto Francesco GALGANO, V Volume, Padova, CEDAM, p. 1). Deixamos a resposta a esta premissa para a parte final deste estudo!4 Pode afirmar-se que o estdio actual decorre da evoluo tecnolgica; os produtos que originariamente eram dotados de uma grande componente subjectiva, relacionada com as mais valias decorrentes do labor do artfice, objectivaram-se. Cada vez mais os produtos deixaram de ser fabricados por homens que, sucessivamente, foram suplantados pelas mquinas e pela produo em srie, conduzindo fungibilidade dos produtos pela perda da individualidade que lhes era oferecida pela actividade humana. Em sentido similar pronunciam-se AREN LALIN, En torno a la Funcin Publicitaria de la Marca, ADI, 1982, p. 59, FERDINANDO CIONTI, La funzione del Marchio, Milano, Dott.A. Giuffr Editore, 1988, p. 34, MASSA, Funzione attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Editore, 1994, pp. 1 e ss., MENESINI, Il marchio rinomante, Il Diritto Industriale, n. 3/1996, pp. 194 e ss. e VITO MANGINI, Il Marchio fra concorrenza e monopolio, (un`introduzione allo studio dei marchi d`impresa, RDC, Ano 1977, pp. 227 e ss. 5

3

Sublinhe-se ab initio que todas as aluses relativas ao mundo da publicidade se destinam realizada no estrito cumprimento da legislao em vigor, afastando-se, desta forma, alguns tipos de publicidade patolgica. Desde logo diferencia-se a publicidade sugestiva (embora a expresso seja falaciosa, porquanto toda a publicidade encerra uma sugesto) da publicidade subliminar que, por apelar directamente ao inconsciente, est vedada por lei. (art. 9. do Cdigo da Publicidade).

Originalmente a publicidade relacionada com a vida comercial realizava uma salutar e aplaudida tarefa: informar os consumidores sobre as qualidades e caractersticas dos produtos (ou servios) de forma a permitir realizar uma aquisio esclarecida; neste sentido desempenhava a funo social de esclarecer sobre a natureza dos produtos e, deste modo, orientar os consumidores para os mais aptos para a satisfao das suas necessidades individuais. Este sentido primeiro

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sugestiva, susceptvel de atribuir aos produtos ou servios um poder de atraco, no relacionado com as suas qualidades intrnsecas, antes com o efeito psicolgico das marcas sobre os consumidores.6 Mas a crescente importncia da marca enquanto factor de dinamizao concorrencial nem sempre tem recebido ovaes da doutrina. No faltam economistas que censuram os elevados investimentos na promoo de sinais distintivos, funcionando a marca como um sinal de manipulao do consumo. Neste sentido a marca, em vez de satisfazer a necessidade de informao do consumidor,7 contribuindo para a transparncia do mercado, promove escolhas irracionais, que pouco ou nada tm a ver com a chamada concorrncia da prestao.8 Sustenta-se o facto de a marca ser um instrumento de estratgias econmicas na organizao dos mercados e circuitos de distribuio; uma arma que se convoca na luta que ope invariavelmente as grandes superfcies e o comrcio de produtos de elite ao pequeno comrcio,9 permitindo e perpetuando uma verdadeira non-price competition. Tambm o TJCE tem mostrado ateno ao actual estdio do Direito das Marcas criticando, amide, a crescente importncia destes sinais e a sua relao com o pilar da livre concorrncia. Neste sentido afirma-se que o exerccio do direito da marca contribui para repartir os mercados e, assim, atenta contra a circulao de mercadorias entre os Estados Membros, tanto mais que, ao contrrio

evoluiu para um diferente estdio, no qual a publicidade exerce a funo de sugestionar consumos, conduzindo os consumidores para determinados produtos ou servios. uma evidncia que o actual mercado no poder subsistir sem o recurso publicidade; o histrico mito que um bom produto sempre competitivo, perdeu valor num mercado muito competitivo, no qual as empresas copiam e desenvolvem rapidamente as ideias novas, fabricando as suas prprias verses dos bons produtos. (assim, RIVERO GONZLEZ, Los problemas que presentan en el mercado las nuevas marcas cromticas y olfativas, RDM, Nm. 238, Ano 2000, Madrid, p. 1652). Refexo similar efectruada por GIOVANNI MASSA, Funzione Attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Ed., 1994, p. 9.7 6

No obstante no o sufragarmos, no podemos deixar de aplaudir a coerncia deste argumento; quem, de forma que defendo ser redutora, v na marca um sinal identificador de produtos ou servios que permite ao consumidor uma escolha racional, no pode aceitar de bom grado a publicidade sugestiva em torno da marca.

Com efeito, originalmente a marca tinha como funo nica permitir ao produtor assinalar os seus produtos, distinguindo-os de produtos iguais ou similares colocados no mercado pelos seus concorrentes. Esta identificao visava facilitar as escolhas dos consumidores, que, atravs da marca teriam uma forma racional de basear as suas escolhas: adquirindo um produto de determinada marca, sendo este do seu agrado, poderiam livremente voltar a adquiri-lo, evitando assim a arbitrariedade das escolhas de consumo. A evoluo do mercado e a crescente importncia da publicidade efectivamente pode motivar a escolhas irracionais, mais conexionadas com a capacidade sugestiva das marcas, do que com as qualidades intrnsecas dos produtos ou servios. Mas ser este um vcio do regime jurdico das marcas? Deixemos para momento posterior a resposta a este quesito.8

ANTNIO FERRER CORREIA e MANUEL NOGUEIRA SERENS, A composio das marcas e o requisito do corpo do artigo 78. e do nico do art. 201. do Cdigo de Propriedade Industrial, RDE, Anos XVI a XIX 1990 a 1993, Coimbra, p. 80. Em sentido anlogo VINCENZO DI CATALDO, escreve que a proteco da capacidade atractiva e sugestiva da marca faz basear a concorrncia non sulla qualit dei prodotti, ma su un dato assolutamente irrazionale, quale la forza di suggestione dal marchio stesso (Segni Distintivi, Corso di Diritto Industriale, Diretto da Mario Libertini, Milano Dott. A. Giuffr Editore, 1985, p. 30). SCHIELB, Le consummateur face la multinationalite des marques, Proprit Industrielle, cit. 1978, II, 75 apud. REMDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 601. Reconhecendo mrito posio expressa, importa considerar que o inverso tambm pode ser verdadeiro; num mundo globalizado a concorrncia baseada unicamente nos vectores de preo e qualidade intrnseca dos produtos torna-se susceptvel de propiciar uma politica empresarial de baixos custos de produo (nomeadamente ao nvel dos salrios) que no raras vezes descamba em situaes de explorao mercantil de debilidades sociais e humanas. Ainda naquele sentido VITO MANGINI, Il Marchio fra concorrenza e monopolio, un`introduzione allo studio dei marchi d`impresa, RDC, Ano 1977, p. 233.

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de outros direitos de propriedade industrial,10 o direito de marca no est sujeito a limitaes temporais.11 Referida a controvrsia, reala a pertinncia de um estudo dogmtico sobre o actual significado da marca, nomeadamente, dissecar-se as funes que esta visa promover. O que, em concreto, se problematiza a averiguao de que se a vertente publicitria ou sugestiva da marca, cuja pertinncia econmico-social axiomtica, encontra tratamento e proteco jurdica no Direito das Marcas ou, pelo contrrio, um conceito de facto destitudo de efeitos jurdicos. Fundamentalmente urge verificar se a lei actual protege a capacidade de sugestionamento de algumas marcas e se atribui ao titular da marca instrumentos para beneficiar patrimonialmente da capacidade atractiva do signo. Para tanto, importa deter particular ateno nas sucessivas alteraes legislativas de molde a tentar descortinar uma evoluo, progressiva, no entendimento positivo do problema. Sobre este ponto, emerge uma questo de especial melindre, relacionada com as fontes internas; sendo este trabalho integralmente realizado na vigncia do Cdigo da Propriedade Industrial de 1995, o mesmo ser, brevissimamente, revogado por um novo diploma, recm-publicado: com o intuito de manter actual este estudo, todas as referncias legislativas se reportaro a ambos os diplomas, sendo que a exposio procurar dirigir-se ao novo texto legal. Aprioristicamente, sublinha-se que da anlise legislativa resultam dois princpios tendenciais que exigem uma cuidada anlise e um estudo co-relacionado; por um lado, assiste-se a um crescente desgaste de uma viso tradicionalista da marca, assente na sua funo distintiva; por outro, denotase uma progressiva tendncia para a proteco da valncia da marca enquanto signo, nomeadamente da sua potencialidade publicitria.

A ESTRUTURA

A monografia divide-se em trs etapas fundamentais.

Sendo um ponto colateral a este estudo, no abdicamos de superficialmente tecer breves comentrios sobre a problemtica da terminologia a utilizar. Por influncia gaulesa a expresso Propriedade Industrial enraizou-se na doutrina continental. A pertinente voz de LADAS veio insurgir-se contra o uso desta expresso considerando que o adjectivo industrial seria demasiado redutor, por apenas englobar uma das componentes das actividades econmicas. Sufragamos esta posio: a expresso industrial exprime de forma limitada e errnea o instituto. No obstante, vamos utiliza-la, porquanto cientificamente tem o contedo conhecido e preciso. Tambm a expresso propriedade merece celeuma doutrinal; deixemos para o momento em que nos debrucemos sobre a natureza jurdica da marca a nossa posio.11

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Caso HAG I, Proc. 192/73 de 3/7/74, RJC, 1974, p. 744. Sobre este processo vide GHIDINI, Sul caso Hag, RDC, Ano 1975, pp. 1 e ss.

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Num primeiro momento importa delimitar o objecto de estudo; a exacta compreenso do conceito de marca exige a sua destrina de outros sinais distintivos, nomeadamente da firma, nome e insgnia do estabelecimento, logtipo, recompensa e a denominao de origem. Ainda no que concerne determinao do objecto, importa tecer breves consideraes sobre os princpios constitutivos da marca, de molde a apurar da admissibilidade da constituio de uma marca. A dissecao das condies de licitude do signo no uma questo lateral, antes, profcua para a querela em estudo, porquanto, aquilatar dos constrangimentos legais possibilidade de registo de uma marca permite ao intrprete reflectir sobre a funo da marca num determinado ordenamento jurdico, sendo a sua determinao um conceito prejudicial para a tese que nos propomos assumir. Na segunda parte deste trabalho, centramos a nossa anlise nas funes tradicionais da marca; comeamos por examinar a funo ordinariamente atribuda marca a funo distintiva, quer na vertente de diferenciao de produtos ou servios, quer na vertente indicadora de provenincia em relao qual tentaremos determinar se no quadro legislativo actual mantm a importncia e premncia original. Faremos ainda uma anlise viso da funo garantstica da marca, procurando estabelecer se o actual Direito das Marcas a consagra e protege. Num terceiro momento analisamos a funo publicitria da marca e inquirimo-nos sobre a forma como o legislador a encerra; para tanto, urge interpretar a legitimidade para o registo da marca, a proteco excepcional das marcas de grande prestgio, o mbito de proteco da marca, a transmisso e a licena de marca, com destaque particular ao contrato de franquia e de merchandising. A ltima parte deste trabalho pretender explanar as dvidas e consideraes suscitadas pela nossa anlise, terminado com o firmar de uma posio que pretende sintetizar as premissas formuladas durante o estudo.

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CAPITULO I A MARCA NO DIREITO PORTUGUS

1. Distino de figuras afins; 1.1 Firma; 1.2 Nome do Estabelecimento; 1.3 Logtipo; 1.4 Denominao de Origem; 1.5 Recompensas; 2. Princpios Informadores da Marca; 2.1 Princpio da Capacidade Distintiva; 2.2 Princpio da Verdade; 2.3 Princpio da Licitude; 2.4 Princpio da Facultatividade; 2.5 Princpio da Novidade e Especialidade.

1. DISTINO DE FIGURAS AFINS DA MARCA DE EMPRESA

A Marca insere-se no elenco dos sinais distintivos, susceptveis de serem definidos como meios fonticos ou visuais, em particular palavras ou imagens, que so utilizados, na vida econmica e social, para a individualizao do empresrio ou do estabelecimento comercial, assim como dos produtos ou servios que eles fornecem, com o objectivo de os distinguir e de permitir ao pblico identifica-los,12 com pouca ligao personalidade criadora do sinal.13 Os sinais distintivos, mais que serem produto de um mercado concorrencial, so uma condio sine qua non para que a concorrncia possa existir; no mbito do princpio da liberdade da actuao econmica coexistem no mercado mltiplos produtores; atravs dos sinais distintivos que estes se identificam perante os consumidores, sendo a sua individualizao a base da concorrncia

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ALBERTO RIBEIRO DE ALMEIDA, Denominao de Origem e Marca, BFDC, 1999, Coimbra Editora, p. 14. Em sentido anlogo VINCENZO DI CATALDO define-os como degli stumenti che l`imprenditore utilizza per distinguere la propria attivit d`impresa, i propri prodotti, i propri locali, dall`attivit, dai prodotti, dai locali dei concorrenti. (Segni Distintivi, Corso di Diritto Industriale, Diretto da Mario Libertini, Milano Dott. A. Giuffr Editore, 1985, p. 1).

Esta noo, pouco comum na doutrina, aduzida por ORLANDO de CARVALHO, Direito das Coisas, Coimbra, 1977, p. 194. Enfatizamos este ponto pela sua susceptibilidade de distinguir os sinais distintivos das criaes novas, para as quais preponderante a contribuio pessoal da personalidade criadora.

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econmica, no apenas a facilitando, mas convertendo-se num pressuposto indispensvel para a sua existncia.14 Os sinais distintivos visam tutelar mltiplos interesses; fundamentalmente os interesses dos empresrios de se identificarem perante a clientela, diferenciando-se dos empresrios concorrentes e, para permitir este desiderato, impedir quaisquer terceiros de se apropriarem de sinais iguais ou confundveis; reconhece-se ainda a potencialidade de os empresrios poderem transmitir ou ceder a terceiros o gozo de sinais distintivos prprios, de modo a fruir pecuniariamente o autnomo valor econmico15 destes sinais no mercado. Cumulativamente sustenta-se que estes sinais tutelam os interesses de todas as pessoas e entidades que se relacionam com o empresrio em no serem ludibriadas sobre a identidade do empresrio. Para a economia deste trabalho importa-nos realizar uma breve resenha sobre os diversos sinais distintivos com o intuito de identificar a funo jurdica que desempenham no quadro legislativo portugus, para indagar se no caso concreto da marca, esta realiza as mesmas funes ou se existe um esprito de complementaridade entre os sinais distintivos do comrcio.

1.1 A FIRMA 16 A definio de firma no unvoca, sendo este um substantivo susceptvel de abarcar uma dupla realidade. Num conceito objectivo a firma um sinal distintivo que propende a identificar o estabelecimento comercial. Esta acepo no colhe no ordenamento jurdico lusitano. Inversamente, a firma no seu conceito subjectivo o sinal distintivo do comerciante,17 o nome por este utilizado na sua actividade mercantil. Na parbola feliz de FERRER CORREIA como o nome identifica a pessoa na sua individualidade civil e o pseudnimo a distingue na sua individualidade artstica ou moral, a firma identifica o comerciante na sua individualidade econmica.18

14 15

RIO BARRO, Las funciones de la denominacin social, ADI, 1999, pp. 333/334. [Traduo nossa]

REMDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 553. Contra sustentava FERRER CORREIA que caracterstica comum a todos estes sinais a sua acessoriedade. Embora se trate de verdadeiros bens em sentido jurdico [] eles desempenham uma funo meramente instrumental, no sendo possvel o seu uso ou fruio margem do estabelecimento. (Lies de Direito Comercial, cit. p. 254). Sobre o tema na literatura jurdica portuguesa vide ANTNIO PEREIRA DE ALMEIDA, Direito Comercial, Vol. I, AAFDL, 1976-77, Lisboa, pp. 376 e ss., BRITO CORREIA, Direito Comercial, Vol. I, AAFDL, 1989, pp. 343 e ss., CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, Livraria Almedina, Coimbra, 1997, pp. 109 e ss., COUTINHO de ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 1998, pp. 131 e ss., FERRER CORREIA, Lies de Direito, cit. pp. 256 ss., MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Comercial, Vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 2001, pp. 261 e ss., OLIVEIRA ASCENSO, Direito Comercial, Vol. I, cit. pp. 259 ss., e Firma, CJ, Ano XII, tomo IV 1988, pp. 27 e ss., PINTO COELHO, Lies de Direito Comercial, 3 edio, Vol. I, Lisboa, 1957, pp. 224 e ss., PUPO CORREIA, Direito Comercial, EDIFORUM, 8 Edio, Lisboa, 2003, pp. 267 e ss. e REMDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, pp. 558 e ss. O uso do nome, em comrcio, remonta Antiguidade: a ocorreria j o signum mercatorum, que traduzia a designao sob que se realizava determinado comrcio e cuja chancela marcava a assuno de obrigaes (MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Comercial, Vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 2001, p. 262. FERRER CORREIA, Lies de Direito Comercial, cit. p. 150. Nos comerciantes em nome individual encontramos uma relao quase inseparvel entre a firma e o nome; parafraseado VIVANTE a firma desempenha na vida comercial a18 17 16

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A diferenciao da firma e marca manifesta, uma vez que so apostas em divergentes realidades. Mas esta dissemelhana de tutelas no obsta a que possam existir pontos de coincidncia, nomeadamente a adopo pelo empresrio do mesmo vocbulo para designar ambas as realidades. A interdisciplinaridade entre o instituto da propriedade industrial e o pretenso instituto do registo das pessoas colectivas, firmas e denominaes evidente, e no foi esquecido pelo legislador ao estabelecer parmetros de conformidade, nomeadamente a recusa do registo da marca quando no todo ou alguns dos seus elementos, contenham [] a firma, denominao social, nome ou insgnia de estabelecimento que no pertena ao requerente do registo da marca, ou que o mesmo no esteja autorizado a usar, ou apenas parte caracterstica dos mesmos, se for susceptvel de induzir o consumidor em erro ou confuso.19 A excluso da firma, pelo legislador, do elenco dos direitos de propriedade industrial no se afigura pacfica, havendo vozes com autoridade a propugnar por soluo antagnica.20 Defende-se de lege ferenda a incluso da firma no cotejo dos Direitos Industriais, por apelo a razes dogmticas e pragmticas: por um lado a firma um entre os vrios sinais distintivos do comrcio, nada justificando o seu tratamento autnomo; por outro lado, o tratamento jurdico em separado, com diferentes regras e sobretudo sujeitas a diferentes entidades reguladoras (INPI e RNPC) torna muito complexa a uniformidade de procedimentos e a desejada harmonizao de concesses, com prejuzos para os consumidores e para os empresrios.

1.2 NOME E INSGNIA DO ESTABELECIMENTO21 A ratio legis destes sinais distintivos consiste na individualizao do estabelecimento comercial.22 Se ambos identificam ou individualizam o estabelecimento, separa-os a sua composio, porquantomesma funo que o nome desempenha na vida civil um sinal de reconhecimento que no tem valor de per se, mas pelo individuo, de quem incindvel; (apud. FRANCISCO JOS CAEIRO, Do nome Comercial e Industrial, Tipografia Universal, Lisboa, p. 14).19 20

Alnea f) do numero 1 do art. 189 (al. f) do art. 239. do CPI 2003).

De forma implcita, CARLOS OLAVO sustenta esta posio, ou na monografia intitulada de Propriedade Industrial, estudar em captulo prprio a firma. Tambm nos parece ser esta a posio de FERRER CORREIA (Lies de Direito Comercial, Vol. I, F.D.C., Coimbra, 1973) e RIBEIRO DE ALMEIDA, Denominao de Origem e Marca, BFDC, 1999, Coimbra Editora, p. 15; igualmente atendendo sistematizao dogmtica apresentada. Tambm no Direito Italiano encontramos vozes concordantes, tais como RAV, Diritto Industriale, Vol. I, Azienda, Segni distinivi-concorrenza, Seconda Edizione, UTET, Torino, pp. 287 e ss. Sobre o tema vide CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, cit. pp. 87 e ss., COUTINHO de ABREU, Curso de Direito Comercial, cit. pp. 302 e ss., FERRER CORREIA, Lies de Direito cit. pp. 171 e ss., MENEZES LEITO, Nome e insgnia do Estabelecimento, Direito Industrial, Vol I, Coimbra, Livraria Almedina, 2001, pp. 157 e ss., PUPO CORREIA, Direito Comercial, EDIFORUM, 8 Edio, Lisboa, 2003, pp. 406 e ss. e REMDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, pp. 581 e ss.22 Sendo esta uma problemtica a latere desta dissertao, no posso deixar de tecer comentrios sucintos sobre qual a acepo em que deve neste contexto ser interpretado o substantivo estabelecimento. Para a doutrina maioritria por estabelecimento (neste contexto) dever entender-se a unidade tcnica de venda ou de produo de bens ou de fornecimento de servios, e no a empresa em sentido amplo (CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, cit. pp. 87/88: em sentido anlogo vide FERRER CORREIA, Lies de Direito Comercial, cit. p. 322, OLIVEIRA ASCENSO, Direito Comercial, Direito Industrial, Vol. II, Lisboa, 1988, p. 122 e PUPO CORREIA, Direito Comercial, EDIFORUM, 21

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o nome do estabelecimento um sinal nominativo e a insgnia23 um sinal figurativo ou emblemtico. O recurso ao uso de um nome de estabelecimento ou insgnia uma prorrogativa dos agentes econmicos, sendo o seu uso facultativo; estes sinais distintivos desempenham a dupla finalidade de identificar o estabelecimento comercial e servir para propagande-lo, sendo, neste sentido, considerado um sinal distintivo objectivo, em confronto com a firma que um sinal subjectivo. Tal como referimos na anlise relacionada com a firma, a distino, no que concerne marca, realiza-se mediante a diferenciao de tutelas e finalidades. Sublinhe-se que do regime jurdico do nome e insgnia do estabelecimento resulta a sua vinculao ao estabelecimento que identifica, sendo que s conjuntamente se admite a sua transmissibilidade (art. 29. do CPI/ art. 31 do CPI de 2003), facto que demonstra mais uma crucial destrina entre este tipo de Direito Industrial e a marca.

1.3 LOGTIPO A incluso do logtipo na smula dos direitos industriais emerge com o Cdigo da Propriedade Industrial de 1995. A definio deste novo tipo de direito industrial no evidente, pelo que se recorre definio insegura de REMDIO MARQUES ao afirmar que o logtipo parece ser, hoje, um especfico porque globalizante sinal distintivo da empresa in totum.24 Sustenta-se que o logtipo, atravs de um sinal figurativo ou grfico se refere empresa de forma autnoma e global. Mas a perturbao deste novo tipo de direito industrial incrementa-se ao dissecar o seu regime legal; ao remeter o tratamento normativo dos logtipos para as regras aplicveis insgnia [] o legislador acaba por deixar o intrprete perplexo sobre a necessidade de criao desta figura, que poderia reconduzir-se [ao] conceito e funo da insgnia, evitando-se mesmo as confuses que inevitavelmente iro surgir.25

8 Edio, Lisboa, 2003, p. 406). Com voz dissonante escreve COUTINHO de ABREU que o nome ou a insgnia devero individualizar o estabelecimento global ou unitariamente considerado (Curso de Direito Comercial, cit. p. 308) ou seja, empresa em sentido amplo. Com o devido respeito, no posso acatar a posio sufragada pelo ilustre Professor de Coimbra. Plagiando MENEZES LEITO sustentamos que exigir que o empresrio adopte o mesmo nome ou insgnia de estabelecimento para todas as suas sucursais ou seces da sua actividade carece manifestamente de razoabilidade. (Nome e insgnia do Estabelecimento, Direito Industrial, Vol. I, Coimbra, Livraria Almedina, 2001, pp. 158/159).23

A insgnia (signum tabern) a representao especial do estabelecimento por um sinal determinado. (FRANCISCO JOS CAEIRO, Do nome Comercial e Industrial, Tipografia Universal, Lisboa, p. 18) O recurso insgnia faz-nos recuar ao tempo dos romanos, onde para identificar os estabelecimentos se usavam gravuras passveis de serem enquadrados neste sinal distintivo.

REMDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 831 [sublinhados nossos]. Tambm neste sentido JORGE CRUZ, Insgnias e Logtipos, RPI, n. 19, p. 16. Posio diferente a assumida por COUTO GONALVES, (Funo distintiva da Marca, Livraria Almedina, Coimbra, 1999, p. 163) que reserva esta figura para as entidades no organizadas empresarialmente. Refutamos.25

24

PUPO CORREIA, Direito Comercial, EDIFORUM, 8 Edio, Lisboa, 2003, p. 411.

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Entende-se que a remisso do legislador deve ser entendida cum grano salis; desde logo, parte dessa remisso resultou de um evidente erro do legislador,26 j corrigido;27 por outro lado, a norma remissiva expressamente refere que o recurso ao regime do nome de estabelecimento dever fazerse com as necessrias adaptaes. Assim, importa compreender que estamos na presena de dois diferentes sinais distintivos, com divergentes causas/funo. O nome do estabelecimento identifica especificamente o estabelecimento comercial, tendo o logtipo a valncia de identificar a empresa, no seu sentido subjectivo, o comerciante pelo recurso a um signo figurativo.28 Neste sentido, uma mesma empresa, identificada pelo seu logtipo, poder ter diversos estabelecimentos comerciais, identificados por uma multiplicidade de signos, quer nominativos (nome do estabelecimento) quer figurativos (insgnia). Do que fica descrito infere-se a sua distino da marca, pelo que seriam redundantes ulteriores consideraes.

26

Referimo-nos ao facto de no n. 4 do art. 29. se sustentar que os logtipos s se poderiam transmitir conjuntamente com o estabelecimento; este preceito merece uma interpretao abrogante. Em boa hora o novo CPI corrigiu o lapso, ainda que, impropriamente, uma vez que omisso sobre a possibilidade de transmisso do logtipo. Art. 31 do CPI 2003.

27 28

Neste sentido BESSA MONTEIRO, Marca de base e marca colectiva, Direito Industrial, Volume I, Coimbra, Livraria Almedina, 2001, p. 338.

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1. 4 DENOMINAES DE ORIGEM29 A noo de marca e de denominao de origem apresentam afinidades que urge expelir. Em comum revelam o facto de serem sinais distintivos30 usufrudos pelos empresrios nas suas

29

Sobre o tema, no direito portugus, vide ALBERTO RIBEIRO DE ALMEIDA, Denominao de Origem e Marca, BFDC, 1999, Coimbra Editora, passim e DIAS ROSA, Alguns aspectos jurdicos das Marcas Colectivas e das Denominaes de Origem, ROA, Ano 7, n. 1 e 2, pp. 14 e ss. No se trata neste contexto das Indicaes de Origem (IG). Estas foram introduzidas na tipologia dos direitos de propriedade industrial pelo CPI/1995. Ao actual preceito legal quase que repete a alnea a) do art. 2 do Regulamento (CEE) do Conselho, de 14 de Julho de 1992. (norma esta que por sua vez inspirada no art. 2 n. 1 do Acordo de Lisboa de 31 de Outubro de 1958, relativo s denominaes de origem e ao seu registo internacional).

No fcil estabelecer a sua destrina face s Denominaes de Origem (DO); refira-se que do cotejo das respectivas definies legais no nos deixa elucidados quanto diferena entre uns e outros, pelo que se nos afigura que melhor seria ter-se mantido apenas o conceito legal das denominaes de origem (PUPO CORREIA, Direito Comercial, EDIFORUM, 8 Edio, Lisboa, 2003, p. 411) Com acuidade sublinha MANUEL DAVID MASSENO que a incluso deste instituto no foi suficientemente ponderada por um legislador aparentemente aprisionado entre o desejo voluntarista de acompanhar a dinmica normativa europeia e a inrcia dos regimes provenientes do CPI de 1940, pelo que no lhe auguramos grande impacto face s necessidades prticas de proteco sentidas pelos agentes econmicos ao procurarem afirmar-se em mercados crescentemente globalizados (Indicaes Geogrficas, Que perspectiva para as Novas Indicaes Geogrficas protegidas Portuguesas, in Revista do INPI, Ano XII, n. 3, Out/1997, p. 7). Num plo absolutamente oposto escreve ALBERTO RIBEIRO DE ALMEIDA, que o CPI estabelece uma clara distino entre as duas noes uma diferena substancial de modo que no podemos falar indiferentemente de DO e IG, [] nem podemos utilizar esta expresso no sentido amplo de abranger a indicao de provenincia e a DO (Denominao de Origem e Marca, 1999, BFDC, Coimbra Editora, p. 63). A dificuldade na distino destas figuras no um problema da doutrina interna. Com efeito, a doutrina e jurisprudncia europeia amide usaram estas expresses em sinonmia ou sem estabelecer uma clara distino. Mesmo ao nvel de tratados internacionais, h exemplos como o CUP de considerarem estas figuras como sinnimas. As Denominao de Origem tm como finalidade assinalar determinados produtos como procedentes de um dado local, regio ou pas, como meio de evidenciar que a qualidade ou caractersticas desses produtos esto umbilicalmente relacionadas ao meio geogrfico, sendo que a sua produo, transformao e elaborao ocorrem no mencionado local; para recorrer definio constante do Acordo de Lisboa para as Denominaes de Origem, podemos defini-las como denominaes geogrficas de um pas, regio ou localidade que serve para designar um produto dele originrio cuja qualidade ou caracteres so devidos exclusivamente ou essencialmente ao meio geogrfico, incluindo os factores sociais e humanos (art. 2 n. 1). Por seu turno, as Indicaes Geogrficas podem definir-se por identificarem produtos como sendo originrios de um determinado territrio, no caso de a qualidade, reputao ou outra caracterstica do produto seja essencialmente atribuda sua provenincia geogrfica; assim a indicao de provenincia uma simples meno do lugar em que um produto foi produzido ou fabricado. A diferena principal entre denominaes de origem e indicaes geogrficas est no facto de as primeiras identificarem produtos cuja qualidade global ou caractersticas se devem essencialmente ao meio geogrfico, enquanto as segundas designam produtos que, podendo embora ser produzidos com idntica qualidade global noutras regies geogrficas, devem a sua fama ou certas caractersticas rea territorial delimitada de que deriva o nome-indicao geogrfico (v. g., Tapetes de Arraiolos). (COUTINHO de ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol I, Livraria Almedina, Coimbra, 1998, p. 364). Em sentido convergente ALBERTO RIBEIRO DE ALMEIDA, (Denominao de Origem e Marca, 1999, BFDC, Coimbra Editora, p. 63) pugna que enquanto que nas DO as qualidades e as caractersticas dos produtos se devem essencial ou exclusivamente ao meio geogrfico compreendendo os factores naturais e humanos, na IG a reputao, uma qualidade determinada ou outra caracterstica podem ser atribudas a essa origem geogrfica, independentemente dos factores naturais ou humanos. Esta diferena pressupe que o elo que une o produto regio determinada mais dbil que na DO. [Em concluso] na IG, a reputao do produto (ou uma sua qualidade ou outra caracterstica) pode (basta que possa) ser atribuda regio sem influncia directa dos factores naturais e humanos. Importa ainda distinguir as denominaes de origem e indicaes geogrficas e as marcas colectivas constitudas por nomes indicando as provenincias geogrficas dos produtos. Sustenta-se que a diferena reside na titularidade do direito e nas possibilidades de controlo da produo e comercializao dos produtos assinalados por uns e outros sinais mais vasta no respeitante s marcas colectivas (COUTINHO de ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol I, Livraria Almedina, Coimbra, 1998, p. 365) Caracterstica particular das definies de origem e indicaes geogrficas o facto de constiturem propriedade comum dos residentes ou estabelecidos naquele local e que de modo efectivo e srio exploram um ramo de produo caracterstica. As DO e as IG apresentam um interesse econmico considervel para diversos pases. Principalmente para os pases agrcolas, dado que tais sinais se aplicam, muito particularmente, a produtos como os vinhos, as aguardentes e os queijos, que representam um patrimnio de grande valor para a economia regional e nacional desses pases. (ALBERTO RIBEIRO DE ALMEIDA, Denominao de Origem e Marca, 1999, BFDC, Coimbra Editora, p. 19).

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mercadorias para os introduzirem no mercado. No que concerne a dissemelhanas existem uma amplo conjunto que importa investigar. Desde logo, apresenta-se diferenas significativas em relao titularidade do sinal distintivo: se o direito marca se considera um direito de propriedade do seu titular (ou um direito de uso exclusivo), os direitos decorrentes da denominao de origem so direitos colectivos, exercidos por um conjunto de pessoas.31 No regime jurdico das denominaes de origem, encontramos ainda limitaes relacionadas com o objecto, porquanto s lcita a aposio destas num produto que seja originrio dessa regio, desse local determinado ou pas [e] cuja qualidade ou caractersticas se devem essencial ou exclusivamente ao meio geogrfico, incluindo os factores naturais e humanos, e cuja produo, transformao e elaborao ocorrem na rea geogrfica delimitada.32

Atendendo diversidade funcional, outras discrepncias so patenteadas pelos regimes jurdicos destes tipos de direitos industriais; no respeitante constituio, se, em princpio, so proibidas as marcas unicamente compostas indicaes geogrficas, a regra que preside composio das denominaes de origem a de recorrerem aos nomes geogrficos da regio, localidade ou territrio. A transmissibilidade do direito marca no encontra paralelo no regime das denominaes, cuja intransmissibilidade ressalta da sua prpria funo, em ateno ao seu elemento finalstico. Traadas que foram as mais pertinentes discrepncias importa consolidar o contedo da denominao de origem. Na gnese deste tipo de direito podemos descobrir prima facie a ancestral tendncia para usar o nome do lugar da produo na identificao de produtos, auferindo desta forma da visibilidade decorrente da reputao de excelncia dos mencionados locais. Actualmente, face ao sistema legal vigente, denominaes de origem podem definir-se como a denominao geogrfica de um localidade, regio ou pas, utilizada no mercado para designar ou individualizar um produto originrio do local geogrfico que corresponde ao nome usado como denominao e

30 As DO [Denominaes de Origem] e as indicaes geogrficas so denominaes geogrficas aplicadas a produtos para os diferenciar de outros produtos. As DO so, assim, sinais distintivos. ALBERTO RIBEIRO DE ALMEIDA, Denominao de Origem e Marca, 1999, BFDC, Coimbra Editora, p. 49. A orientao que aqui se sustenta, sendo largamente maioritria na doutrina de mais alto coturno, no unnime, nomeadamente entre os autores italianos, que defendem terem as denominaes de origem uma mera funo descritiva dos produtos, relacionadas com as caractersticas e qualidades do produto. 31

Conforme o n. 4 do art. 249 (n. 4 do art. 305. do CPI 2003) A denominao de origem e a indicao geogrfica, quando registada, constituem propriedade comum dos residentes ou estabelecidos, de modo efectivo e srio, na localidade, regio ou territrio e podem indistintamente ser usadas por aqueles que, na respectiva rea, exploram qualquer ramo de produo caracterstica.

Alnea a) e b) do n. 1 do art. 249 (al. a) e b) do n. 1 do art. 305. do CPI 2003). Sufragamos assim as palavras de RIBEIRO de ALMEIDA ao sustentar que a denominao de origem s pode ser utilizada para os produtos provenientes de uma regio determinada e que tenham sido produzidos de acordo com as regras estabelecidas pela tradio e pelo uso ou devidamente regulamentadas; deve tratar-se de um produto tpico, com certas caractersticas qualitativas derivadas de uma ntima ligao com o territrio (Denominao de Origem e Marca, 1999, BFDC, Coimbra Editora, p. 337).

32

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que rene determinadas caractersticas e qualidades tpicas que se devem essencial ou exclusivamente ao meio geogrfico, compreendendo os factores naturais e factores humanos.33

1.5 RECOMPENSAS Por fim, as recompensas so distines conferidas aos empresrios pela excelncia da sua actividade.34 Sendo usual a sua catalogao enquanto sinal distintivo a sua valncia eminentemente promocional, funcionando como uma garantia de qualidade da actividade desenvolvida35. Para a economia deste trabalho importa sublinhar a sua vinculao com o estabelecimento, de molde que apenas conjuntamente se podem transmitir. Sublinha-se ainda que o direito ao uso da recompensa comporta a possibilidade de a utilizar na composio de uma marca ou de um nome ou insgnia do estabelecimento.

1.6 COMPATIBILIDADE ENTRE SINAIS DISTINTIVOS Por tudo e em jeito de concluso refere-se que do facto como se salientou supra dos sinais distintivos desempenharem distintas funes faz emergir a querela da sua compatibilidade, ou seja, o problema do conflito entre os sinais. Esta problemtica verifica-se na possibilidade de diversos empresrios pretenderem utilizar o mesmo signo para desempenhar diferentes funes (como marca, como firma ou nome de estabelecimento). Existindo esta conflitualidade, subsistem uma de duas possibilidades: ou se adopta um critrio de prioridade, de molde a que o primeiro empresrio que adquiriu o direito ao sinal distintivo pode usufruir do direito de exclusividade na sua rea merceolgica, garantindo-se por este meio a unidade do direito industrial relativo aos signos ou, por outro lado, a opo inversa com a qual se consegue manter um princpio de independncia entre os sinais distintivos.36

33 34

ALBERTO RIBEIRO DE ALMEIDA, Denominao de Origem e Marca, 1999, BFDC, Coimbra Editora, pp. 54/55.

O CPI delimita os tipos de recompensas admissveis; a saber: a) As condecoraes de mrito conferidas pelo Governo Portugus ou pelos governos estrangeiros; b) As medalhas, diplomas e prmios pecunirios ou de qualquer natureza obtidos em exposies, feiras e concursos, oficiais ou oficialmente reconhecidos, realizados em Portugal ou em pases estrangeiros; c) Os diplomas e atestados de anlise ou louvor passados por laboratrios ou servios do estado ou de organismos para tal fim qualificado; d) Os ttulos de fornecedores do Chefe de Estado, Governo e outras entidades ou estabelecimentos oficiais, nacionais ou estrangeiro; e) Quaisquer outros prmios ou demonstraes de preferncia de carcter oficial. (art. 217 do CPI/ art. 271 do CPI de 2003) Depreciativamente OLIVEIRA ASCENSO considera-as um tipo menor dentro da propriedade industrial (Direito Comercial, Direito Industrial, Vol. II, 1994, p. 203). Posio defendida expressamente por VINCENZO DI CATALDO, Segni Distintivi, Corso di Diritto Industriale, Diretto da Mario Libertini, Milano Dott. A. Giuffr Editore, 1985, p. 6.36 35

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Na esteia da doutrina italiana,37 face ao actual direito portugus urge a defesa da primeira das premissas expressas, sendo aquela a que melhor protege as necessidades da vida empresarial, nomeadamente a expanso e diversidade da actividade produtiva. Frisa-se este aspecto para sublinhar que na dissecao das funes dos diversos sinais descritivos, dever ser um critrio de interpretao, a necessidade de compatibilidade entre estes signos.

2. PRINCPIOS INFORMADORES DA CONSTITUIO DAS MARCAS

Sendo incontestvel a existncia de um princpio tendencial de liberdade na constituio das marcas,38 podendo estas ser compostas por uma multiplicidade de signos, smbolos ou figuras importa tecer breves consideraes sobre as proibies legais, permitindo ao intrprete, a contrario sensu, compreender o princpio supra enunciado e, por este meio, o regime jurdico das marcas. Da anlise destas limitaes, resulta a existncia de dois grandes tipos de proibies, que podemos classificar como absolutas e relativas. A distino entre estas categorias de proibies tem por gnese o bem jurdico protegido: as absolutas39 que visam proteger interesses supra-individuais, como sejam os interesses de grupos relativamente homogneos;40 as proibies relativas que visam proteger, essencialmente, interesses individuais disponveis, nomeadamente dos concorrentes. A lgica da estatuio destas proibies a necessidade de proteger o sistema competitivo e, em particular, os concorrentes do requerente da marca da inteno de monopolizar um sinal ou uma denominao que deve manter-se disponvel para todos os agentes que operam num determinado sector do mercado.41 De acordo com o ordenamento legislativo portugus defendemos a eleio de cinco princpios fundamentais que devem nortear a constituio de uma marca, ou seja, limites que o solicitante da marca deve respeitar para que possa prosseguir o pedido de registo de marca de empresa.

37

Neste sentido vide ASCARELLI e RAVA, apud. VINCENZO DI CATALDO, Segni Distintivi, Corso di Diritto Industriale, Diretto da Mario Libertini, Milano Dott. A. Giuffr Editore, 1985, p. 6

Sobre a enorme variedade na constituio das marcas bem como a sua denominao vide RENATO CORRADO, Segni Distintivi, Ditta- Insegna- Marchio, Trattado di Diritto Civile, diretto da Giuseppe Grosso e Santoro-Passarelli, Casa Editrice Dr. Francesco Vallardi, pp. 201 e ss.39 Como bem sublinha SILVA CARVALHO, o exame dos motivos de recusa absolutos dever procurar estabelecer se a marca suficientemente distintiva e se no se compe de indicaes descritivas ou outras que devam poder ser livremente utilizadas pelos concorrentes (Marca Comunitria, Os motivos absolutos e relativos de recusa, Coimbra Editora, 1999, p. 15). 40 41

38

COUTO GONALVES, Direito das Marcas, 2 Edio, Livraria Almedina, 2003, p. 67. FERNANDEZ-NVOA, Tratado sobre Derecho de Marcas, cit. p. 115. [Traduo nossa]

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2.1 PRINCPIO DA CAPACIDADE DISTINTIVA Tendo a marca como funo primeira a distino de produtos e servios, estas devem ter capacidade distintiva. De acordo com este primado, o primeiro requisito para o registo das marcas a susceptibilidade de a marca ser representvel graficamente, ou seja, possibilite a representao do sinal distintivo de molde a que seja passvel de exame, publicao e utilizao pela entidade administrativa que gere o sistema. 2.1.1. A exigncia de as marcas serem susceptveis de representao grfica, que se afigura indiscutvel, tem gerado na doutrina a excluso das marcas gustativas, aromticas42 e das tactes43, bem como das sonoras quando no representveis em pentagramas.44

No obstante a inadmissibilidade de registo destas marcas fazer quase o pleno da doutrina nacional e estrangeira, sustentamos que a recusa no deve ser peremptria. Do facto de a marca aromtica ou olfactiva no ser mencionada no cotejo legal no pode inferir-se a sua sumria excluso do Direito das Marcas; importa sublinhar que a enumerao exemplificativa, pelo que, se deve inferir a admissibilidade de diferentes tipos de marcas, dos mencionados na norma legal. Acresce que as glndulas olfactivas so susceptveis de desencadear um conjunto de sensaes, no apenas momentneas, como tambm passveis de se perpetuarem na memria, permitindo o seu reconhecimento e identificao posterior; sublinha-se que a relao dos odores com a actividade mercantil evidente, sendo axiomtico que os cheiros podem vender. Com base nestes argumentos alguma recente doutrina tem pugnado pela registabilidade deste tipo de marcas, sustentando a sua argumentao em dois pilares fundamentais. Por um lado, refere-se que que existem mtodos relativamente sofisticadas para definir graficamente gostos e cheiros (DEBRETT LYONS, Sounds, Smells and Signs, EIRP, traduzido por Maria Lusa Arajo, Jornal do INPI, Ano XII, 1997, p. 9). O odor pode descrever-se em termos qualitativos utilizando sistemas descritivos distintos. [] Os volteis libertados pelos perfumes podem ser analisados por cromatografia gasosa (GC) ou cromatografia lquida de elevados desempenho (HPLC). Por outro lado, tambm se defende que determinados aromas (facilmente identificveis como a rosa, lavanda, limo, menta, laranja) poderiam ser representados pela sua descrio verbal. (neste sentido LUIGI MANSANI, Marchi olfattivi, RDI, 1996, parte I , p. 267, que refere uma deciso conforme do Trademark Trial and Appeal Board americano, BUENAVENTURA PELLIS PRATS, Marca, Nueva Enciclopedia Jurdica, Tomo XV, Editorial Francisco Seix, S.A., Barcelona, 1974, p. 887, LAMBERTO LIUZZO, Alla scoperta dei nuovo marchi, RDI, 1997, parte I, Milano Dott. A Giuffre Editore, pp. 125 e ss. e NICCOL ABRIANI, Trattado di Diritto Comerciale, Volume Secondo, Dirrito Industriale, diretto COTTINO, Cedam, 2001, p. 35). O problema ganha mais acuidade com o registo de uma marca olfactiva nos Estados Unidos (Caso Clarke sobre o mesmo vide GIPPINI FOURNIER, Las marcas olfativas en los Estados Unidos, ADI-14, pp. 15 e ss.), bem como, o registo de uma marca comunitria olfactiva (sobre a deciso, RIVERO GONZLEZ, Los problemas que presentan en el mercado las nuevas marcas cromticas y olfativas, RDM, Nm. 238, Ano 2000, Madrid, p. 1647, que se refere Resoluo 156/1998-2 da OAMI) exigindo-se sobre a mesma redobrada reflexo. (refira-se que o registo de ambas se fez mediante a descrio verbal dos odores). Pelo que ficou exposto, pugnamos que a insusceptibilidade de registo das marcas aromticas com fundamento na impossibilidade de representao grfica no pode ser sumariamente aceite. Da nossa afirmao, no se depreenda que, tendo como boas as explicaes tcnicas que sustentam a registabilidade dos aromas, se defende, sem mais, a validade das marcas aromticas. Com efeito, emerge a problemtica de averiguar se estas possuem capacidade distintiva, nomeadamente o facto de os consumidores identificarem os odores enquanto marcas. (o que est em causa neste momento, prende-se com o facto de o pblico no estar habituado a identificar os odores como marca, antes como caracterstica dos produtos, bem como dos constrangimentos que se seguiriam a uma multiplicao de marcas aromticas no mesmo segmento de mercado como poderia o consumidor identificar os odores se numa mesma loja coexistissem diversas marcas aromticas, para diferenciar produtos iguais ou afins?). No que a esta concerne, impese a considerao que a aptido distintiva no se afere em abstracto mas dever ser considerada tendo em conta os produtos ou servios em concreto que visa identificar; neste sentido, torna-se mais complexa a possibilidade de registar marcas olfactivas para produtos em que os odores sejam caractersticas emblemticas. (p. ex. os perfumes). Para mais desenvolvimentos, LUIGI MANSANI, Marchi olfattivi, RDI, 1996, parte I, pp. 268 e ss. Numa diferente perspectiva, alguns autores, no obstante sustentarem a inadmissibilidade de registo de marcas olfactivas ou gustativas, entendem no serem os odores absolutamente destitudos de proteco legal; defendem a possibilidade de, pelo mecanismo da Concorrncia Desleal, impedir que um concorrente se aproprie dos cheiros usados por outros. (Assim, GATTI, Verso un Marchio di Franganza o di Aroma?, RDC, 1989, I, pp. 651 e ss. e REMDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 608).

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Sem tomarmos partido sobre a querela da admissibilidade das marcas aromticas, servem as ressalvas, para tomar uma posio frontalmente contra a tendncia para afastar do Direito das Marcas tipos de marcas menos usuais, sendo nossa convico que o afastamento liminar, sem tomar em considerao avanos tecnolgicos e cientficos, resvala em defraudar, intoleravelmente, os objectivos do Direito e do Mercado. Sobre o tema vide, ainda CORNISH, Intellectual Property: Patents, copyright, trade marks and allied rights, Second edition, London, Sweet & Maxwell, 1989, pp. 583 e ss.43 Concordamos com a excluso da licitude das marcas tcteis, porquanto s possvel identificar este tipo de marca num confronto directo com o produto que a marca visaria identificar e, por tanto, no podem ser apreendidas e difundidas no mercado. (em sentido similar, RIVERO GONZLEZ, Los problemas que presentan en el mercado las nuevas marcas cromticas y olfativas, RDM, Nm. 238, Ano 2000, Madrid, p. 1647)

O nosso actual ordenamento legislativo regulador do direito das marcas consagra expressamente a admissibilidade das marcas constitudas por sons (sublinhe-se pela pertinncia, que esta admissibilidade patenteada pela actual legislao portuguesa no prtica comum; assim, como reconhece SILVA CARVALHO poucas legislaes reconhecem a validade das marcas sonoras (Marca Comunitria, Os motivos absolutos e relativos de recusa, Coimbra Editora, 1999, p. 33); mas o exemplo portugus no inaudito na Europa; com efeito, tambm o direito francs e alemo consagram expressamente o principio da admissibilidade das marcas sonoras; no obstante, no abundante a doutrina que se pronunciou em concreto sobre a problemtica das marcas sonoras, motivo pelo qual se torna mais complexo, mas tambm pertinente, um estudo mais aprofundado sobre a questo. O CPI, nomeadamente com o estatudo no n. 1 do art. 165. (art. 222. do CPI 2003) ensina que a marca pode ser constituda por um sinal ou conjunto de sinais susceptveis de representao grfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, nmeros, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou servios de uma empresa dos de outras empresas (o sistema adoptado para definir o conceito de marca consiste na formulao de um conceito amplo de marca acompanhado de uma enumerao exemplificativa dos vrios tipos de sinais susceptveis de a constituir. No conceito de marcas estatudo na lei reala-se a presena de trs requisitos fundamentais para a registabilidade de uma marca: finalidade distintiva, distintitividade do sinal e a possibilidade do sinal ser graficamente representado). O citado artigo merecedor de consideraes ulteriores com o intuito da sua correcta e exaustiva apreenso. Parece ser incontestvel, face ao actual quadro legislativo vigente, que as marcas sonoras so passveis de registo. Mas no pode inferir-se desta premissa que esta permisso incondicional. Com efeito, duas restries capitais impem-se aps uma simples leitura do preceito legal: a) a marca tem de ser susceptvel de representao grfica; b) a marca deve ter capacidade distintiva; Analisando a primeira destas condicionantes oferece-nos dizer que comum sustentar-se a registabilidade de uma marca sonora quando representadas em pentagramas (percebe-se este facto; o registo de determinado som numa pauta, sistema de linguagem universal que permite com facilidade a sua reproduo) e a recusa daquela quando o som seja registrado por qualquer outro meio. No podemos sufragar. Actualmente tm sido introduzidas novas tcnicas de representao, atravs do recurso ao espectograma, que exigem a ponderao do intrprete. Ensina PEROT-MOREL que foi atravs deste meio que foi registrado, em Frana, o inconfundvel rugido de Leo que identifica e publicita os filmes da Metro Goldwin Mayer. (Les difficults relatives aux marques de forme e quelques types particuliers de marques dans le cadre communautaire, RDI, I, 1996, p. 259; tambm neste sentido, SILVA CARVALHO, Marca Comunitria, Os motivos absolutos e relativos de recusa, Coimbra Editora, 1999, p. 34). No que concerne a esta factualidade conforme opinio comum aos poucos autores que se debruaram sobre esta problemtica em concreto exige-se a coragem para, de modo expresso, lavrar um protesto; com efeito, nada deve obstar a que a representao se faa pelo recurso a outros meios, nomeadamente, disco ou banda magntica (o que, refira-se, perfeitamente admitido no Direito Americano ). Recusamo-nos a sufragar o argumento de que a falta de meios tcnicos por parte das entidades competentes para organizar o registo de discos ou bandas magnticas e proceder ao exame das anterioridades legais. (COUTO GONALVES, Funo distintiva da Marca, Almedina, Coimbra, 1999, p. 64) seja condio suficiente para aceitar esta intolervel limitao na discricionariedade da constituio das marcas; sustentamos que o princpio da liberdade de iniciativa no mercado, no pode ser coarctada por razes de tipo formal ou funcional. Relativamente necessidade legal de as marcas sonoras possurem capacidade distintiva, isto , a sua aptido para, per si, individualizar uma espcie de produtos ou servios oferece-nos afirmar, que a marca sonora como qualquer outra desempenha, a sua causa-funo primria. Para alcanar este desiderato, os sons a registar devem ser distintos e no confundveis com outros anteriormente registrados e ainda susceptveis de identificar um determinado produto ou servio. Pelo facto de este requisito no apresentar especiais particularidades em relao ao comum das marcas, no nos delongaremos com mais consideraes. Caracterizado o tema em anlise, analisadas as suas funes e esboado o seu regime legal, deixamos para o culminar desta exposio um olhar pragmtico sobre a problemtica: como foi supra referido, as marcas so na actualidade e cada vez mais um mecanismo de potenciar a concorrncia empresarial; pelo que fica dito, a questo exige-se: a admissibilidade das marcas sonoras representa uma mais valia para o fenmeno concorrencial, ou, pelo contrrio, uma mera questincula terica para deleite intelectual de uns, poucos, interessados? Sinceramente pugnamos pela sua pertinncia e esforamo-nos por demonstr-lo!

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2.1.2 Outro requisito de crucial pertinncia a exigncia da aptido distintiva. Desde logo condio sine qua non para a irrepreensvel constituio de uma marca que esta detenha capacidade diferenciadora, sendo esta capacidade a essncia da marca, funcionando como pressuposto do registo. Compreende-se bem a essencialidade deste requisito: se a funo primeira da marca a de distinguir produtos e servios, a ausncia da capacidade distintiva colide frontalmente com a sua ratio legis, devendo ser inquinada a validade de um signo ou smbolo sem estas caracterstica. Esta exigncia encontra-se tipificada,45 entre outros, na alnea b) do art. 166. do C.P.I.(al. c) do art. 223. do CPI 2003) que dispe no serem susceptvel de registar como marcas os sinais

Parafraseando PEROT-MOREL, a priori tudo o que perceptvel pelos sentidos pode constituir uma indicao para o consumidor e pode, por consequncia, desempenhar a funo duma marca: um som, um perfume, um sabor e mesmo uma impresso tctil, podem perfeitamente simbolizar e caracterizar um produto ou um servio. (Les difficults relatives aux marques de forme e quelques types particuliers de marques dans le cadre communautaire, RDI, I, 1996, p. 257.) Na defesa desta dama - que tambm nossa apontamos ab initio argumentos mais sociais que econmicos: o mercado de consumo das pessoas portadoras de deficincia visual. Parece-nos ser este um campo paradigmtico da pertinncia das marcas sonoras; indesmentvel que a adopo quer isoladas, quer acopladas, de marcas sonoras para identificar os produtos para o referido mercado-alvo ser de benemrita valia social, sendo que, no sejamos ingnuos, teria repercusses de tipo econmico nas empresas que estrategicamente adoptam-se esta poltica comercial, pelo impacto nos consumidores que sempre representam as manifestaes de conscincia social por parte dos grandes grupos empresariais. Acresce que de inegvel pertinncia o recurso s marcas auditivas para designar, desde logo, emisses de rdio ou televiso, que, incomparavelmente desempenham melhor a causa-funo de identificar e publicitar aqueles produtos (ou servios), que quaisquer outras marcas. Do ponto de vista estritamente economicista, tambm sem especial dificuldade vislumbramos motivaes que justificam financeiramente a adopo de marcas constitudas por sons; apelando funo (econmica) publicitria da marca e recordando que a publicidade se realiza mediante dois meios fundamentais rdio e televiso d-se nfase ao facto de que, se na publicidade televisionada um bom som no ter o mesmo impacto de uma imagem socialmente sugestiva, na publicidade radiofnica a sonoridade essencial, sendo esta vicissitude condio bastante para que se invista na consolidao de sons que individualizem produtos, em suma, marcas. (se analisarmos o exemplo Alemo, com facilidade se demonstra a pertinncia prtica das marcas sonoras; de 1995 a 1999, foram requeridos cerca de 200 pedidos de marcas sonoras, sendo que em 90% destas o registo foi concedido sem grandes dificuldades). Para mais desenvolvimentos, sugere-se, ANTOINE BRAUN, Prcis des marques de produits et de service, Deuxime dition, Maison Ferdinand LARCIER, 1997, pp. 94 e ss., ASCARELLI, Teoria della concorrenza e dei beni immateriali, Milano, Dott. A. Giuffr Editore, pp. 299 e ss., BOUTET/LODI, Brevetti Industrialle, Marchio, Ditta, Insegna, UTET, Torino, 1978, pp. 453 e ss., DEBRETT LYONS, Sounds, Smells and Signs, EIPR, n. 12, 1994, pp. 540-543 (traduo de Maria Lusa Arajo, Jornal do INPI, Ano XII, 1997, pp. 9 e ss.), FERNNDEZ-NVOA, Tratado de Derecho de Marcas, Marcial Pons, 2001, pp. 42 e ss. e MARIO ARE, Marchio, Enciclopedia del Diritto, Giuffr Ed., Milano, Vol. V., 1975, p. 587).45

Uma questo conexa com esta problemtica da capacidade distintiva a do secondary meaning, susceptvel de ser definido como a aquisio de capacidade distintiva, de um sinal originalmente destitudo desta faculdade, quer pelo uso, quer por mutaes semnticas. Por outras palavras, determinada locuo que num primeiro sentido carecia de capacidade para distinguir produtos ou servios (primary meaning), adquire um segundo significado que a torna apta como marca. (Plagia-se a exposio de REMDIO MARQUES pela sua clareza: a associao mental implica que um sinal prima facie genrico ou descritivo passa a ser notoriamente conhecido nos meios interessados como sinal identificador de produtos ou servios (Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 650). De certa forma, lcito considerarmos que esta doutrina como o reconhecimento legislativo do efeito psicolgico das marcas sobre a mente dos consumidores (McCHARTHY, Trademarks and Unfair Competition, The lawyers Co-operative Publishing Co., 1973. vol. I, 15.02.).

A doutrina do secondary meaning revelou especial apetncia para o desenvolvimento dogmtico no Direito do Reino Unido, bem como nos Estados Unidos, pelo recurso aco de passing off, porquanto o uso da marca era entendido como um pressuposto bsico e indispensvel para o registo da marca. (Como ns, ROBERTO BICHI, L`art. 47-Bis della legge marchi e l`uso riabilitante del marchio, RDI, 1995, Parte I, pp. 100/101). Sobre a legislao anglo-saxnica vide LADAS, Patens, Trademarks, and Related Rights, National and International Protection, Harvard University Press, 1975, pp. 977 e ss. e PALLADINO, Assessing Trademark significance: genericness, secondary meaning and surveys, The Trademark Report, Vol. 92, 2002, n. 4, pp. 857 e ss. Sobre o tema no Direito Portugus vide NOGUEIRA SERENS, A vulgarizao da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, Separata do nmero especial do BFDC -Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, pp. 80 e ss. Verificando-se o caso sub judice a locuo encerra dos diferentes significados; um sinal originrio que descritivo e um significado secundrio, dotado de capacidade distintiva e, consequentemente, susceptvel de registo como marca.

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constitudos exclusivamente por indicaes que possam servir no comrcio para designar a espcie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a provenincia geogrfica ou a poca de produo do produto ou da prestao do servio, ou outras caractersticas dos mesmos. 2.1.2.1 - Da noo legal resulta, desde logo, que a proibio no plena, no sentido de proibir que aqueles signos sejam parte integrante de uma marca, apenas proibindo que a marca seja na sua totalidade (exclusivamente) constituda por estes. Sustenta-se que o que est aqui em causa no terem aptido para se considerar marcas os sinais (exclusivamente) especficos, descritivos e genricos.46 Esta uma afirmao que urge dissecar. Por sinais especficos devemos entender as marcas que determinam ou assinalam a espcie dos produtos (ou servios).47 Por outras palavras, genuno afirmar serem signos especficos aqueles que designam determinados produtos ou servios, i e, os nomes dos produtos ou figuras que os definem. A sua inadmissibilidade para servirem como marcas tautolgica; se a funo primeira da marca diferenciar produtos atravs de uma denominao privatstica, esta no se pode consubstanciar no seu nome comum. Compreende-se o interesse dos titulares das marcas na monopolizao do sinal especfico, uma vez que os seus directos concorrentes seriam expropriados da possibilidade de designarem os produtos e servios dispensados, pela sua nomenclatura prpria. A insustentabilidade do registo destes

Esta doutrina, antes objecto de querela doutrinria, foi expressamente admitida pelo legislador no n. 3 do art. 188 (n. 3 do art. 238. do CPI 2003) ao dispor que no ser recusado o registo de uma marca constituda exclusivamente por sinais ou indicaes referidas nas alneas b) e c) n 1 do artigo 166 (al. a), c) e d) do n.1 do art. 223. do CPI 2003) se esta tiver adquirido carcter distintivo. Resulta deste preceito que o sinal tenha adquirido capacidade distintiva, ou seja, que sendo utilizado na actividade mercantil tenha, pelo seu uso, se tornado apto para distinguir os produtos ou servios nos quais usado. Poder confundir o intrprete o que justifica que um sinal insusceptvel de registo como marca, por ser uma indicao genrica e, como tal, impassvel de ser apropriado possa, pelo seu uso, ser admitido como marca. Uma primeira e cabal explicao relaciona-se com o facto de, se o sinal tem sido utilizado pacificamente por um empresrio, no se verificavam em concreto os requisitos que justificariam a sua inadmissibilidade. Pergunta-se qual o tempo de uso do signo exigvel ou recomendado para que a marca se torne registvel? Sustento no ser admissvel uma qualquer baliza temporal, uma vez que esta uma circunstncia voltil; mas, tendencialmente, devemos considerar que na era da tecnologia o espao temporal exigvel cada vez menor, porquanto, alicerado nos novos meios de publicidade, bem mais rpida e eficaz a difuso de um sinal distintivo e, consequentemente, a consciencializao dos consumidores da sua valncia como marca. (Reflexo anloga realizada por McCARTHY, Trademarks and Unfair Competition, 3 Ed., New York, 1992, Vol. I, 15.20). Mas como pode uma marca adquirir sucessivamente capacidade distintiva? Este fenmeno pode decorrer de aspectos subjectivos ou objectivos: sero objectivos sempre que a aquisio da capacidade distintiva decorra do comportamento dos consumidores que atribuem marca um significado prprio, extrnseco ao produto ou servio no qual seja aposta; o secondary meaning resulta de aspectos subjectivos quando for uma consequncia da actividade do empresrio que atravs da sua publicitao a consiga cindir dos produtos ou servios que identifica; sero subjectivos quando para a aquisio do segundo significado tenha contribudo decisivamente a conduta do titular da marca, nomeadamente pela publicidade realizada sobre a marca (assim, REMDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, pp. 649/650). COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Livraria Almedina, Coimbra, 1998, pp. 330 e ss. Pela sua pertinncia sublinhe-se o advrbio exclusivamente; daqui infere-se que lcita a incluso na marca de sinais genricos ou descritivos, desde que acompanhados de expresses que individualizem a marca; verificando-se esta prerrogativa resulta que essa denominao, no obstante ser parte integrante da marca, no beneficia de um direito de uso exclusivo. (posio similar foi assumida pela Jurisprudncia cfm., Ac. STJ de 26/05/92, www.dgsi.pt/, Ac. STJ de 27/05/86, BMJ, n. 357, p. 456, Ac. Rlx de 02/02/99, CJ, Ano XXIV, Tomo I, p. 100).47 46

Assim, um ovo no pode ser marca de ovos, seja a palavra, um seu desenho ou fotografia.

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signos contrairia ainda os interesses gerais da actividade mercantil porquanto tornaria as marcas inidneas para proteger os interesses dos consumidores, nomeadamente, o direito a adquirirem o exacto produto (ou servio) que desejam. Por sua vez, os signos genricos48 tm a funo de designar uma determinada categoria de produtos ou servios, pelo que se devem qualificar como sinais indispensveis na identificao de bens a que respeitam49 e, como tal, permanecerem na livre disposio de todos os interessados. Repete-se que, a insusceptibilidade de registo destes signos, no absoluta, mas deve ser apurada pelo confronto com os bens que a marca visa identificar, porquanto um signo poder ser genrico em relao a um produto ou servio e fantasioso em relao a outros.50 Citamos CASANOVA, que defende serem denominaes genricas e como tais incapazes de formar o contedo da marca, antes de tudo, os nomes que na linguagem corrente ou tambm na linguagem erudita ou literria, sejam prprios de uma determinada espcie.51 A no admissibilidade destes sinais compreende-se com facilidade porquanto se podem considerar, como o faz McCARTHY, a anttese da marca.52 Pela definio oferecida, facilmente apreensvel a inaptido destes sinais para se constiturem como marca, porquanto os mesmos no esto habilitados para distinguir produtos ou servios; a marca deve ser capaz de responder pergunta quem s? sendo que o signo genrico apenas responde questo o que s?, resposta comum a todos os produtos ou servios que realizam a mesma funo, ou susceptvel de saciar as mesmas necessidades. Acresce que as denominaes genricas devem permanecer no comum patrimnio lingustico com o fim de distinguir um determinada gnero de produtos, porque no podem servir para identificar um produto especfico dentro daquele gnero.53 Finalmente, os sinais descritivos so aqueles que tm a virtualidade de informar o pblico sobre as caractersticas, qualidades, funes, destinao, ingredientes, efeitos, provenincia geogrfica ou

48 Existe uma enorme similitude entre sinais genricos e especficos, motivo pelo qual alguns autores os subsumem mesma categoria; este o caso, na doutrina interna, de COUTO

GONALVES, Direito das Marcas, 2 Edio, Livraria Almedina, 2003, pp. 72 e ss. No escamoteando as semelhanas, sustentamos que so sinais diferentes e, como tal, exigem um tratamento diferenciado; neste sentido ANTOINE BRAUN, Prcis des marques de produits et de service, Deuzime dition, Maison Ferdinand LARCIER, 1997, pp. 94 e ss.49 No mesmo sentido, pronuncia-se VINCENZO DI CATALDO que entende per denominazioni generiche si intendono i nomi comuni dei prodotti, in quanto adottati come marchio per contraddistinguere prodotti di quel tipo, o componenti di quel tipo di prodotto (Segni Distintivi, Corso di Diritto Industriale, Diretto da Mario Libertini, Milano Dott. A. Giuffr Editore, 1985, p. 77).

De forma anloga pronuncia-se GIUSEPPE SANTONI, Parole, figure o segni di uso generale e capacit distintiva del marchio, RDC, Ano 1983, pp. 72 e ss. O exemplo mais paradigmtico ser a reputada marca apple; absolutamente genrica se pretende identificar frutos, absolutamente fantasiosa para identificar material informtico.51

50

Impresa e Azienda, UTET, Torino, 1974, p. 470. Como sublinha AREN LALIN para determinar se determinado signo genrico preciso aquilatar pelos consumidores e agentes econmicos, qual o significado daquele. (La Aptitud de una Denominacin para Convertirse en Marca, ADl, 1978, p. 476). Trademarks and Unfair Competition, cit. 12.1. [Traduo nossa]

52 53

TULLIO ASCARELLI, Teoria della concorrenza e dei beni immateriali, Milano, Dott. A. Giuffr Editore, p. 312. [Traduo nossa]

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outras propriedades do produto ou servio correspondente;54 no os podemos considerar como sinais distintivos porque as indicaes descritivas so comuns a todos os produtos similares, independentemente da sua origem. A incapacidade distintiva resulta da prpria definio destes signos; descrever explicar com detalhe, as caractersticas de algum ou de alguma coisa,55 representar por meio de linguagem, referindo as partes constituintes e caractersticas, expor pormenorizadamente uma dada realidade, nomeadamente atravs de referncias s qualidades, funes, valor, provenincia, qualidades, etc. Assim, aquilo que se descreve, no especfico de um determinado produto ou servio, mas comum a todos os bens idnticos e, como tal, susceptvel de, directamente, gerar um reaco mental no consumidor que ligue determinado signo com determinado produto. Sublinhe-se que, para averiguar se o signo descritivo, temos de relaciona-lo com os produtos ou servios que visa identificar; o que pode ser descritivo para um dado produto poder ser um sinal apto para distinguir um diferente produto ou servio. Em suma, a insusceptibilidade de estes signos serem registados como marca (sendo esta uma concluso que se aplica ipsis verbis aos sinais especficos e genricos) resulta de duas ordens de razo: numa perspectiva afirma-se que estes sinais carecem de capacidade distintiva, porque, isoladamente, so inaptos para diferenciarem os produtos nos quais so apostos, dos produtos similares existentes no mercado; por outro, o seu registo consubstanciaria uma intolervel apropriao monopolista; defende-se que os sinais descritivos so insusceptveis de um direito de exclusividade atribudo a um empresrio, devendo, antes, ser livremente usufruveis por todos em determinado sector da actividade econmica. Posio inversa consubstanciaria a atribuio de uma situao de monoplio, i e, a atribuio de um direito exclusivo, oponvel erga omnes, ou mais concretamente erga concorrentes sendo que, por este meio, se impediriam os restantes empresrios de utilizarem no seu comrcio estes signos. A ratio legis da proibio dos signos descritivos , portanto, negar a atribuio a um empresrio de um direito exclusivo sobre determinada palavra, que deve permanecer patrimnio comum de todos os agentes econmicos de um dado sector merceolgico, de forma a garantir uma situao de paridade objectiva entre os diversos empresrios.56 Mas, a completa apreenso do quesito em anlise no profcua sem esclarecimentos adicionais. Urge questionar; a proibio limita-se s situaes em que se utilize taxativamente como sinal distintivo um sinal descritivo, ou exige-se uma interpretao extensiva da proibio? Pugnamos

NOGUEIRA SERENS, A vulgarizao da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, Separata do nmero especial do BFDC Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, p. 31. Dicionrio da Lngua Portuguesa Lisboa e Editorial Verbo, Lisboa, 2001, p. 1162.55

54

Contempornea,

Academia

das

Cincias

de

56 axiomtico que posio inversa traduzir-se-ia na atribuio de uma injustificada vantagem a um empresrio na sua dialctica com os demais, os quais seriam esbulhados da possibilidade de utilizarem um vocabulrio tpico da sua actividade na publicitao dos seus produtos ou servios, sem que subsistisse quaisquer causas justificativas legtimas.

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pela segunda possibilidade, pelas motivaes subsequentes. Sustentamos, que a proibio em anlise, apenas plenamente captada, se alargarmos o princpio represso aos signos ardilosamente redigidos de forma incorrecta, nomes compostos com aditamentos inexpressivos e ainda, aos nomes de produtos e servios redigidos em lngua estrangeira.57 Tratamento autnomo merece o caso especfico das lnguas exticas, ou seja, os idiomas desconhecidos da maioria dos consumidores. No que a estas concerne, as preocupaes anteriores perdem pertinncia: se o signo apenas genrico pelo significado numa lngua que o consumidor desconhece, no se pode sustentar que a inteno do empresrio foi criar o monoplio de uma palavra com o desiderato de impedir a sua utilizao pelos seus concorrentes, no sendo vedado aos empresrios competidores o recurso denominao do produto, pelo que no se vislumbra que prejuzos possam arguir. Mais. Tambm no foi o desiderato do requerente utilizar como marca um signo que identifique de forma imediata e directa o seu produto ou servio. Por tudo, se o signo genrico unicamente por corresponder designao do produto numa lngua extica, sustentamos que a marca se deva considerar lcita,58 porquanto o sinal usado de forma manifestamente fantasiosa ou arbitrria.59 Tambm no merece o nosso repdio absoluto a juno de palavras de molde a constiturem neologismos, sendo que, casuisticamente, se dever analisar se a locuo criada susceptvel de registo ou, pelo contrrio, mais no do que um sinal genrico encoberto.

57

O mercado concorrencial e o regime internacional das marcas no se compadecem com um entendimento diferente; com efeito, proibir os signos genricos na lngua me mas permiti-los numa lngua estrangeira seria desvirtuar o instituto; seria incompreensvel permitir o registo de soutien e proibir o de suti, proibir crochet e permitir croch, entre muitos outros exemplos. A posio que se sustenta pode tambm ser defendida por um diferente prisma: no sufragar a nossa tese, admitindo o registo em lngua estrangeira de sinais genricos, seria criar uma situao apelativa constituio de fraudes; com efeito, empresrios estrangeiros menos escrupulosos seriam tentados a registar em Portugal marcas, para posteriormente usufrurem dos direitos comunitrios e internacionais das marcas, nos seus pases de origem. Neste sentido anlogo tambm se pronuncia FERNANDEZ-NVOA que responde questo da admissibilidade de forma no inteiramente coincidente. Para o Professor, existem dois parmetros a observar; no que concerne utilizao de lnguas latinas, as expresses, carecem de efeito distintivo, uma vez que com relativa simplicidade o consumidor mdio aquilatar estar na presena de um signo descritivo; no que concerne a outras lnguas, nomeadamente as da Unio Europeia, a insusceptibilidade do recurso a expresses estrangeiras, fundamenta-se na necessidade de manter disponveis aqueles sinais (Tratado sobre Derecho de Marcas, Marcial Pons, Madrid, 2001, pp. 132/133). Ainda com esta tese REMDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, pp. 641/642. Por seu turno COUTO GONALVES contrariando uma viso tradicionalista que pugna por apenas serem proibidas as expresses estrangeiras de uso corrente no pas e usados no seu sentido prprio, estende a proibio a todos os sinais genricos, independentemente do seu conhecimento pelos consumidor mdio atentos os interesses da livre circulao de produtos e servios (Direito das Marcas, 2 Edio, Livraria Almedina, 2003, p. 73).

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Contra, ainda que timidamente, NOGUEIRA SERENS, A vulgarizao da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, in Separata do nmero especial do BFDC -Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, p. 29.

Marca arbitrria pode definir-se como a palavra ou smbolo usadas na linguagem vulgar ou comum, mas que, quando usadas em conexo com determinados bens ou servios so inexpressivas no que concerne aos ingredientes, qualidades ou caractersticas desses bens ou servios e marca de fantasia um termo inventado ou seleccionado com o nico propsito de servir como marca de um produto ou servio. Com definies similares vide COUTINHO de ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1998, p. 332 e McCARTHY, Trademarks, cit., 11.4, 11.5

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Do que fica escrito no lcita a concluso de que se defende a inadmissibilidade de utilizar na composio da marca elementos susceptveis de descrever o bem no qual a marca se utiliza; o que se defende a inaptido destes sinais para isoladamente constiturem as marcas.60

A dicotomia existente bem sublinhada por COUTO GONALVES ao escrever que , na verdade, til, sob o ponto de vista comercial, que a marca possa, por si mesma, sugerir ou deixar adivinhar o objecto assinalado. Mas igualmente necessrio acautelar o princpio da igualdade entre os concorrentes (Direito das Marcas, 2 Edio, Livraria Almedina, 2003, p. 75). Com efeito, no se pode escamotear que posio inversa seria particularmente atraente para o comerciante que registasse o sinal descritivo, podendo o monoplio sobre a palavra tornar-se num monoplio sobre o produto. Existindo um registo de uma marca no caso sub judice, a mesma deve reputar-se de marca fraca. Esta uma classificao que, no obstante a pertinncia jurisprudencial patenteada, no encontra qualquer sustentao na letra da lei, distingue as marcas fortes das marcas fracas. Por marcas fortes devemos entender aquelas que so dotadas de uma especial capacidade distintiva, concebidas para perdurarem na memria dos consumidores. (Exemplo tpico de marcas fortes so as expresses de fantasia absolutamente inditas; por seu turno, as marcas fracas so as formadas com uma tal simplicidade e vulgaridade que, normalmente, no revestem a possibilidade de, isoladamente, distinguir uma espcie de produtos ou servios, como sero, por exemplo, as que sugerem as qualidades dos produtos, as compostas pela designao dos produtos ou servios, etc.) s marcas fortes reconhece-se um mais abrangente mbito de proteco, contrastando com as marcas fracas em que derivado da sua fraca aptido para distinguir, merecem uma tutela muito mais reduzida, justificando-se esta com o desiderato de deixar na disponibilidade dos concorrentes as locues que as constituem (no mesmo sentido, VINCENZO DI CATALDO, Segni Distintivi, Corso di Diritto Industriale, Diretto da Mario Libertini, Milano Dott. A. Giuffr Editore, 1985, p. 83). Por outro lado, a doutrina dominante, tende a exigir um maior grau de dissemelhana entre a nova marca e a marca anteriormente registada, quando marca forte, com a argumentao de que a especial peculiaridade ou originalidade da marca deve ser defendida (Esta viso criticada por NOGUEIRA SERENS sustentando que uma marca forte se torna apreensvel pelos consumidores mais facilmente pelo que se a marca fosse forte, o grau de dissemelhana exigido marca conflituante seria menos do que se essa marca fosse fraca. Continua o A. argumentando que esta seria a construo que de forma mais eficaz protege os interesses dos consumidores e dos pequenos empresrios, resultado que colide com os interesses empresariais dominantes, sendo que a construo adoptada uma forma de discriminao sobre os pequenos empresrios. (A vulgarizao da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, Separata do nmero especial do BFDC - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, p. 11). A posio do A., que no merece o nosso aplauso, porquanto, parte de uma premissa criticvel; a de que a distino entre marcas fortes e fracas mais no que a distino entre as marcas de pequenas e grandes empresas, estas com capacidade econmica, financeira e humana para construir uma marca conceptualmente forte. Refutamos. Tambm os pequenos empreendedores podem criar uma marca forte, baseando-se esta, menos na publicidade em redor da marca, mas na idiossincrasia do signo em si mesmo, No que concerne necessidade de diminuir a exigncia do grau de dissemelhana para o registo de uma marca conflituante com uma marca fraca registada, compreende-se pela premncia de manter estes as indicaes genricas na livre disponibilidade de utilizao pelos concorrentes, pois ressaltam necessidades conexionadas com o mercado concorrencial e a preocupao de inviamente se constiturem monoplios. Como se defendeu, admitir a apropriao por um concorrente de um sinal descritivo resultaria numa inadmissvel limitao oposta a todos os demais, que veriam o seu direito livre composio da marca, abruptamente coarctado. A licitude de registo de uma marca fraca, i e, de uma marca com uma diminuta capacidade distintiva questionada, argumenta-se, para inquinar a sua validade, que a sua escassa aptido para distinguir produtos ou servios, a sua ineptido para realizar esta funo cabalmente, deveria ser causa bastante para recusar o seu registo, uma vez que, o registo de uma marca traduz-se sempre na expropriao privada de um signo, desenho, figura, etc., que se torna propriedade de um sujeito e, por isso mesmo, indisponvel para todos os outros; por se tratar de uma limitao liberdade de utilizao de locues ou smbolos de uso geral a sua apropriao privada apenas deveria existir quando susceptvel de realizar uma finalidade til para a actividade empresarial (Assim, NOGUEIRA SERENS sustenta: a obteno de um monoplio sobre esse sinal tenha ou no capacidade distintiva, sempre um estorvo liberdade (de concorrncia) dos concorrentes do empresrio que desfruta desse monoplio e, nessa medida, sempre prejudicial. (A vulgarizao da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, in Separata do nmero especial da Faculdade de Direito de Coimbra - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, p. 42). Sem escamotear a veracidade dos argumentos aduzidos, no podemos sufragar a posio, que admite um entendimento diverso: pergunta-se: que interesses so atacados com a adopo por algum de uma marca com fraca capacidade distintiva? Prejudica um empresrio que um seu concorrente utilize como marca um signo inexpressivo? Prejudica os consumidores? Certamente que no! O nico prejudicado poder ser o titular da marca que investe tempo e dinheiro numa marca que, partida, demonstra escassa vocao para desempenhar a sua funo; mas esse um risco que este assume, no devendo o Direito das Marcas preconizar uma posio paternalista. No sentido da argumentao aduzida sublinhe-se que estas categorias no so imutveis: desde logo, uma marca conceptual ou originalmente fraca, poder tornar-se uma marca forte, pelo facto de se tornar exau