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Julho de 2013 I Ano I I N° 10 www.encontrobrasilia.com.br

Encontro Brasília ouviu personalidades

e manifestantes para saber o que

pode ser feito para melhorar a vida

na capital federal

o estudante Victor Hugo. de 21 anos. na frente

da Catedral: o convite #vemprarua contagiou a

juventude brasiliense

ENTREVISTA I CARLOS VELLOSO

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" HELENA MADER TEREZA RODRIGUES As manifestações populares que

lotaram as ruas do Brasil nas últimas semanas começaram com reivindica­ções por melhores serviços públicos e contra o reajuste de tarifas de ônibus. Mas o reflexo mais emblemático desses protestos foi tirar do papel uma antiga e importante discussão, esquecida nas gavetas da burocracia brasileira: a reali­zação de uma reforma política. Apesar de haver unanimidade quanto à urgên­cia do tema, há divergências profundas sobre a melhor forma de realizar essas mudanças no sistema eleitoral brasilei­ro. A presidente Dilma Rousseff propôs a criação de uma Constituinte e a rea­lização de um plebiscito sobre o tema - ideias que foram duramente comba­tidas. Entre os principais críticos dessas propostas, está o ministro aposentado e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso. O Planalto acabou recuando da Constituinte - mas ainda analisa a ideia do plebiscito.

Nesta entrevista, ele classifica como "absurdo e falacioso" o projeto de fazer uma Constituinte com o objetivo ex­clusivo de promover a reforma política. Para o ministro, alterar a Carta Magna brasileira representa um risco, que pode desembocar até mesmo no chavismo venezuelano. "Pretendeu-se inicialmen­te fazer um plebiscito para mudar a Constituição, como se ela, coitada, fosse a responsável pelos problemas. Nós te­mos uma boa Constituição."

Aposentado desde 2006, quando "perdeu o peso da toga", ele agora se sente à vontade para analisar o cenário político do país e criticar o que classifica como "farra" da criação de novos partidos.

ENCONTRO - Devido à força dos pro­testos populares. a presidente Dilma Rousseff defendeu a realização de um plebiscito para a realização da reforma política. O que o senhor acha dessa medida? CARLOS VELLOSO - Eu acho um ab­surdo. O clamor das ruas .tem como foco, . principalmente, a corrupção, porque o povo não se conforma com isso. As pessoas também pedem me­lhoria nos transportes, porque, no Bra­sil, o trabalhador se sacrifica demais.

QUEM É CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO 77 ANOS

ORIGEM

Entre Rios de Minas (MG)

FORMAÇÃO Formou-se em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). em 1963

CARREIRA Advogado Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STH ex-presidente do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) e da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) Doutor honoris causa pela Universidade de Craiova (Romênia)

, , Você acha que esse pessoal que está nas ruas vai esqueceras promessas? Esse movimento terá repercussão e significado"

O sujeito sai de casa às 4h da manhã para chegar ao trabalho às 7h. Além disso, os corredores dos hospitais es­tão abarrotados de gente sem atendi­mento e há pessoas que morrem nas portas dos hospitais públicos, que es­tão degradados. E a educação? Quem pode, leva o filho para a escola privada. E os que não podem levam para onde a escola finge que ensina e os alunos fingem que aprendem. O foco da insa­tisfação está nisso.

A presidente anunciou a criação de uma Assembleia Constituinte espe­cífica para realizar a reforma política. mas depois recuou. O governo passou então a defender a realização de um plebiscito. para que os eleitores deci­dam como deve ser essa reforma. A realização de uma Constituinte com essa finalidade seria legal? Isso é uma falácia. Pretendeu-se, inicialmente, fazer um plebiscito para mudar a Constituição, como se ela, coitada, fosse a responsável pe­los problemas. Nós temos uma boa Constituição. Li um artigo de um petista importante flertando com o constitucionalismo chavista (modelo adotado pelo ex-presidente da Vene­zuela Hugo Chávez). Nota-se qu~ '\ presidente ficou deslocada nisso. por­que deve estar mal assessorada. Acho que, no fundo, pretendiam fazer uma Constituição chavista. O problema é que há um componente político muito forte nessa discussão. Mas os brasileiros já não se deixam mais en­ganar. Por isso estão nas ruas.

E o plebiscito. o senhor acha a ideia viável? Vou responder com sinceridade: será que o povão sabe o que é voto distri­tal misto? Será que o povão sabe o que é voto em lista? O que é o distritão? Mesmo que se tente explicar, vai ser complicado. Isso é uma forma de dis­trair, enganar o povo. É preciso que os brasileiros de responsabilidade falem, digam, expressem a realidade. Estou dizendo isso sem pretensões, não sou candidato a nada, nunca fui. Sou ad­vogado, estou aposentado, não tenho mais o peso da toga sobre os ombros, então posso falar como cidadão. Sou ~

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mineiro e meu estado sempre foi pio­neiro e lutador. O mais importante é compreender que o povo está na rua por muitos motivos e que é preciso fa­zer alguma coisa para atendê-lo.

Mas não é importante que esse de­bate sobre a reforma política surja? Mesmo que ela não seja feita por meio de uma Constituinte ou de um plebiscito? É importante, mas não do modo como estão querendo fazer. A reforma políti­ca deve ser debatida pelos nossos repre­sentantes. Que o povo, então, vá para a porta do Congresso e exija que eles realmente discutam como deve ser ela­borado um projeto de reforma. Eu sou favorável, por exemplo, ao voto distri­tal, ou até ao voto distrital misto. E eu sou pluripartidarista, apesar de criticar o enorme número de partidos de men­tirinha que existem no país. Nós temos alguns poucos partidos fortes e muitas legendas de aluguel, que existem para dificultar a governabilidade. São fis io­logistas e estão negociando em troca de cargos, de interesses, de verbas, e vai por aí. E quem paga tudo isso? O povo. Dinheiro público.

Qual a sua opinião sobre a proposta de restringir a criação de novos par­t idos no Brasil? O assunto surgiu com força depois dos questionamentos acerca do novo partido da ex-sena­dora Marina Silva. a Rede Sustenta­bilidade. Eu sou contra a criação de partidos assim. A Marina, que é uma pessoa de brio, está num belo partido, que é o PV. um partido que tem nome nos países civilizados, como a Alemanha, e até nos EUA, que tem bipartidaris­mo. Lá existem também os verdes. Então, para que fundar um novo par­tido? Eu sou contra. Agora. acontece o seguinte. por que o governo se posi­cionou contrário somente agora?

Houve muito questionamento sobre por que ninguém argumentou contra a criação do PSD. mas tentaram im­pedir a implantação do partido da Ma­rina. não é? Exatamente. No caso do PSD, nin­guém saiu à rua para protestar. E por

n IEncontro JULHO DE 2013

, , O financiamento público de campanha é inadmissível. Seria uma farra com dinheiro público. Só para fazer o plebiscisto seriam necessários R$ 600 milhões"

quê? O PSD foi um partido criado justamente para tirar proveito. Não é de esquerda, nem de direita. nem do centro, ele é de quem está no poder e está ao lado de quem for mais for­te. No caso específico da Rede. o go­verno se posicionou contra porque a Marina se apresenta como uma forte candidata, só por isso. Eu acho que o governo deveria propor projetos que dificultem a criação de partidos, que estabeleçam cláusulas de barreira. Não tem sentido partidos que não têm um único representante receber verba do fundo partidário. Essa é só uma forma de dar emprego a polí­ticos desocupados. De modo que eu

sou contrário à criação de partidos assim ao deus-dará.

O senhor acha que essas manifes­tações populares terão reflexos nas eleições de 20l4? Sem dúvida. Ou você acha que esse pessoal que está na rua, movido por motivos legítimos, vai esquecer as pro­messas? Eu acho que esse movimento terá repercussão e terá significado.

O que o senhor achou da reação do Congresso aos protestos? Os par­lamentares aprovaram em um único dia temas que tramitavam há anos na Casa. Eu costumo dizer que o Congresso é sensível. Quando a população se mo­vimenta, o Congresso trabalha. Veja a Lei da Ficha Limpa. Houve uma pres­são popular e o Congresso aprovou em 40 dias, em ambas as casas, e por maioria absoluta. Na lei eleitoral. há um dispositivo que pune aquele can­didato que compra votos, e essa tam­bém é uma le i de iniciativa popular que o Congresso aprovou. Eu acredi­to nesses movimentos. na mobiliza­ção do povo.

Como o senhor avalia os atos de van­dalismo. os saques e a depredação de monumentos durante os protestos? É claro que não tolero quando isso parte para quebradeira, para essa coisa marginal. Mas é preciso fazer um alerta: se o povo percebe que as manifestações pacíficas não surtem efeito, naturalmente, pode partir para manifestações mais violentas. A conduta depende da resposta das au­toridades. dos governantes. É preciso compreender os anseios populares. Anseios esses que já estão chegando ao seu extremo.

O mesmo grupo que criou a iniciativa da Lei da Ficha Limpa se reuniu em junho para propor a Lei das Eleições Limpas. que seria uma reforma políti­ca de iniciativa pop'ular. O senhor acha que essa pode ser uma forma de a re­forma política sair do papel? Qualquer colaboração dessas entida­des de representação da sociedade civil é positiva. E essas entidades re- ~

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almente não podem ficar apáticas, devem agir. Então, eu acho que são salutares esses movimentos. Mas. para mudar alguns aspectos das regras eleitorais. como acabar com a obrigatoriedade do voto. é preciso alterar a Constituição. Qual a melhor forma de fazer essa reforma mais profunda? Essas manifestações levam o Con­gresso a compreender que precisa agir. Elas têm esse lado altamente positivo: motivam os parlamentares a analisar projetos de interesse da população. A atividade política é ab­solutamente indispensável e eu sem­pre digo "ruim com o Congresso, pior sem ele". É por isso que defendo que o Congresso se debruce sobre esse tema.

Durante as manifestações populares. algumas pessoas chegaram a ques­tionar a necessidade de partidos po­líticos no Brasil. Qual é a opinião do senhor sobre isso? Sem dúvida, precisamos dos partidos políticos. A única forma de demo­cracia praticável é a representativa, a indireta. É uma tolice ficar falando em democracia direta. O que seria democracia direta? O povo participar, o próprio povo fazer as leis, reunir­-se em grandes manifestações? Não funciona! Primeiro, porque o número de participantes seria diminuto em relação à população de 200 milhões de habitantes. Então, na verdade, a democracia praticável é a democracia indireta representativa, e o que preci­samos também compreender é que precisamos escolher bem os políticos.

o senhor acha que a política precisa passar por uma moralização? Com certeza. Nós temos de realizar essa moralização, efetivar o combate à corrupção também em termos de estabelecimento de uma cultura. A corrupção está incrustada na cultura brasileira. Por exemplo, um sujeito vai comprar um imóvel e o outro só ven­de se passar uma escritura por menos, com um preço menor, para pagar me­nos imposto. Aconteceu isso comigo, já me fizeram essa proposta e eu não aceitei. Eu lá vou ser cúmplice no crime

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, , Transformar a corrupção em crime hediondo é paliativo. É capaz de intimidar mais as pessoas. mas não é uma grande revolução não"

de sonegação fiscal? Aí o sujeito me diz "que isso, doutor. isso não é crime, todo mundo faz". Bom, esse "todo mundo faz" é complicado, até um presidente da República disse isso com relação ao mensalão, não é? "Isso é caixa dois, todo partido faz." Deus me livre! Veja como a coisa é cultural. Então nós te­mos nos desfazer essa cultura.

o que o senhor achou da proposta de transformar a corrupção em um crime hediondo? É paliativo. O que acontece com o cri­me hediondo? Ele não é afiançável. Mas hoje o condenado tem progres­são prisional, porque o Supremo en­tendeu, contra a minha opinião, que impedir a progressão ofende a regra da individualização da pena e isso

seria inconstitucional. É uma decisão respeitável. Então, o que sobra para o crime hediondo? Um nome feio, né? Hediondo! É capaz de intimidar mais as pessoas, mas não é uma grande re­volução, não.

Na proposta de reforma política. exis­te um debate sobre o financiamento público de campanhas. Os defensores dessa tese acreditam que vetar a do­ação de empresas pode acabar com a corrupção. Qual a opinião do senhor sobre isso? É uma tolice, é coisa de gente que não tem prática, que não é do ramo. Ora, o grande problema é impedir o caixa dois. Então, tem de se estabelecer me­canismos de fiscalização. O financia­mento público seria inadmissível, seria uma farra com o dinheiro público. Ima­gine gastar mais de R$ 1 bilhão de dois em dois anos. Só para fazer esse plebis­cito que estão discutindo, seria preciso gastar R$ 600 milhões. O sistema atual de doações é o melhor. É preciso esta­belecer mecanismos de fiscalização, trazer para integrar essa fiscalização os tribunais de contas, as receitas federais, estaduais e municipais. E o principal: onde há financiamento público, há também caixa dois.

Qual a sua avaliação sobre a reação do povo brasileiro aos altos gastos com a realização da Copa do Mundo? Pensaram que o povo brasileiro seria facilmente comprável com circo, com esporte. Eu gosto muito de futebol, sou um atleticano de corpo e alma, mas considero o esporte diversão. Os estádios são megalomaníacos! E isso tudo, tantos gastos com estádios, com a saúde sucateada como está.

Como o senhor vê o uso das redes so­ciais para mobilizar cidadãos? Essa ferramenta é muito interessante. A pessoa não precisa se dirigir aos jor­nais para tentar fazer uma mobilização. Individualmente, do seu computador, sem sair de casa, ela reúne milhares, que se transformam em milhões. A re­volução dos computadores foi algo ex­cepcional, representa uma nova revo­lução industrial da maior significação. Isso tem uma amplitude gigantesca! I