982
ÍNDICE GERAL Sumário . . , , .................. VII Prefácio . ' ' ' ' · · ' ' · · · Nota do Autor à 1 la Edição · · · · · · · ' ' ' · · ' · · · XI Nota do Autor à 6a Edição . . , · · · · ' ' ' ' ' ' ' · · · · XIII Nota do Autor à 3a Edição . . . , · · ' ' ' ' · · ' · · · XV Nota do Autor à 2a Edição . . , , , · ' ' ' · ' · · · · · · XVII Nota do Autor à la Edição . . , . , , · · · ' ' ' ' · · ' · · · XIX .............. XXI Primeira Parte O ESTUDO DO DIREITO Capítulo I - SISTEMA DE IDÉIAS GERAIS DO DIREITO 1. A Necessidade de um Sistema de Idéias Gerais do Direito . 1 2. A Introdução ao Estudo do Direito . 2 3. Outros Sistemas de Idéias Gerais do Direito . · · · · · · 4. A Introdução ao Estudo do Direito e os Currículos· · · · · dos Cursos Jurídicos no l3rasil Capítulo II - AS DISCIPLINAS JURÍDICAS 5. Considerações Prévias . 11 6. Disciplinas Jurídicas Fundamentais . · · · · · · 12 7. Disciplinas Jurídicas Auxiliares . · · · · · · · 15

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ÍNDICE GERAL

Sumário . . , , .................. VIIPrefácio . ' ' ' ' · · ' ' · · ·Nota do Autor à 1 la Edição · · · · · · · ' ' ' · · ' · · · XINota do Autor à 6a Edição . . , · · · · ' ' ' ' ' ' ' · · · · XIIINota do Autor à 3a Edição . . . , · · ' ' ' ' · · ' · · · XVNota do Autor à 2a Edição . . , , , · ' ' ' · ' · · · · · · XVIINota do Autor à la Edição . . , . , , · · · ' ' ' ' · · ' · · · XIX .............. XXI

Primeira Parte

O ESTUDO DO DIREITO

Capítulo I - SISTEMA DE IDÉIAS GERAIS DO DIREITO 1. A Necessidade de um Sistema de Idéias Gerais do Direito . 1 2. A Introdução ao Estudo do Direito . 2 3. Outros Sistemas de Idéias Gerais do Direito . · · · · · · 4. A Introdução ao Estudo do Direito e os Currículos· · · · · dos Cursos Jurídicos no l3rasilCapítulo II - AS DISCIPLINAS JURÍDICAS 5. Considerações Prévias . 11 6. Disciplinas Jurídicas Fundamentais . · · · · · · 12 7. Disciplinas Jurídicas Auxiliares . · · · · · · · 15

Scgunda Parte A DIMENSÃO SOCIOLÓGICA DO DIREITO

Capítulo III - O DIREITO COMO PROCESSO DE ADAPTAÇÃO SOCIAL 8. O Fenômeno da Adaptação Humana . . 19 9. Direito e Adaptação . , , , , · · · ' ' ' ' ' ' 21

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492 PAULO NADER

Capftulo IV - SOCIEDADE E DIREITO 10. A Sociabilidade Humana . 1 l. O "Estado de Natureza" · · · · · , ' ' ' · · · · · · 25� 26 12. Formas de Interação Social e a Açãodo Direito· . , , , 27� � 13. A Mútua Dependência entre o Direito e a Sociedade · · · 31

Capftulo V - INSTRUMENTOS DE CONTROLE SOCIAL 14. Considerações Prévias . . . . . . 35 15. Normas Éticas e Normas Técnicas , , · · , · · . · · · · 36 16. Direito e Religião . . . . , , , , , , , , · · , , · 37 17. Direito e Moral . · , , · 40� 18. O Direito e as Regras de Trato Social . . · · · · · · , · · 51

Capítulo. VI - FATORES DO DIREITO 19. Conceito e Função dos Fatores do Direito gg 20. Princípios Metodológicos . . . . , , , , , · · · · · 60 2I. Fatores Naturais do Direito , · , · · 61 22. Fatores Culturais do Direito . · · · · , , · · · · · 64 23. Forças Atuantes na Legislação . . . . . . . . . . · · · · · 66 24. Direito e Revolução . . . , , , , , , , , · · 68

Terceira Parte

A NOÇÃO DO DIREITO

Capítulo VII - O DIREITO NO QUADRO DO UNIVERSO 25. Indagação Fundamental . , , 71 26. Algumas Notas do Direito . · · · , · 72 27. A Teoria dos Objetos . . . , , , , , , · , · · · , · 73 28. Objetos Naturais . . , , , , , , · · , · · · ' 74 :..� 29. Objetos Ideais . . . . , . , · · · · ' · ' 76 30. Os Valores . , · · · ' ' ' ' 77 31. Objetos Metafísicos . . . . , , · · · · 80 32. Objetos Culturais . . . . , , · · · · 80 33. O Mundo do Direito . · · · 82� � 34. Conclusões · · · · ' ' ' ' ' 84

Capftulo VIII - DEFINIÇÕES E ACEPÇÕES DA PALAVRA DIREITO 35. Considerações Prévias . . . , , , , , 87 36. Defnições Nominais . . . . . , 88 37. Definições Reais ou Lógicas . . , , , , , , · · g0� 38. Defnições Históricas do Direito . g2

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ÍNDICE GERAL 493

39. Acepções da Palavra Direito . . . . . . . . . . . . : , , , 94 40. Conceito de Ordem Jurídica . 96Capítulo IX - NORMA JURÍDICA 41. Conceito de Norma Jurídica . 9g 42. Instituto Jurídico . . . . . . . . . . , , , , , , , , , , . . 100 43. Estrutura Lógica da Norma Jurídica . . . . . . . . . . . . 100 44. Caracteres . . . . . . . . , , . , , , , , , . , , , , , , , , 103 45. Classificação . . . . . . . . . . . , . , , , , , , . , , , , 106 46. Vigência, Efetividade, Eficácia e Legitimidade da Norma Jurídica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109Capítulo X - A DIVISÃO DO DIREITO POSITIVO 47. Direito Público e Direito Privado . . . . . . . . . , , , . 113 48. Direito Geral e Direito Particular . . . . . . . . . . , , . 119 49. Direito Comum e Direito Especial . . . . . . . . . , , . . 120 50. Direito Regular e Direito Singular . . . . . . . . . , , . . 121 51. Privilégio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122

Capítulo XI - JUSTIÇA E EQLTIDADE 52. Conceito de Justiça . . . . . . . . . . . . . . . . , , , . . 123 53. O Caráter Absoluto da Justiça . . . . . . . . . . , , , , . 124 54. A Importância da Justiça para o Direito . . . . . . . . . . 125 55. Critérios da Justiça . . . . `. . . . , , , , , , , , , , , , , 126 56. A Concepção Aristotélica . . . . . . . . . . . . , . . . . 128 57. Justiça Convencional e Justiça Substahcial . . . . . . . . 130 58. Classificação da Justiça . . . . . . . . . , , , , , , . , . 130 59. Justiça e Bem Comum . . . . . . . . , , , , , , , . , , , 133 60. Eqüidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133 61. Leis Injustas . . . . . . . , . , . , , , , , , , , , , , , . 135Capítulo XII - SEGURANÇA JURÍDICA 62. Conceito de Segurança Jurídica . . . . . . . . . . . . . . 139 63. A Necessidade Humana de Segurança . . . . . . . . . . 141 64. Princípios Relativos à Organização do Estado . . . . . . 142 65. Princípios do Direito Estabelecido . . . . . . . . . . . . 143 66. Princípios do Direito Aplicado . . . . . . . . . . . , , , 149

Capítulo XIII - DIREITO E ESTADO 67. Considerações Prévias . . . . . . . , , , , , , , , , , , . 151 68. Conceito e Elementos do Estado . . . . . . . . . . . . , . 152 69. Origem do Estado . . . . . . . . . . . . . . , , , , , , . , 156 70. Fins do Estado . . . . . . . , , . , , , , , , , , , , , , , 158 71. Teorias sohre a Relação entre o Direito e o Estado . . . . 161 72. Arbitrariedade e Estado de Direito . . . . . . . . . . . . 161

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494 PAULO NADER

Quarta Parte

FONTES DO DIREITO

Capítulo XIV - A LEI 73. Fontes do Direito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165 74. Conceito de Lei . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 168 75. Formação da Lei . . . . . . . . . . . . . . . . . . , , , . 172 76. Obrigatoriedade da Lei . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174 77. Aplicação da Lei . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175

Capítulo XV - DIREITO COSTUMEIRO 78. Considerações Preliminares . . . . . . . . . . . . , , . 179 79. Conceito de Direito Costumeiro . . . . . . . . . . . . . 180 80. Elementos dos Costumes . . . . . . . . . . . . . . . . . 183 81. A Posição da Escola Histórica do Direito . . . . . . . . 184 82. Espécies de Costumes . . . . . . . . . . . . . . . . . '. . 185 83. Valor dos Costumes . . . . . . . . . . . . . . , , , , , , 186 84. Prova dos Costumes . . . . . . . . . . . . . , , , , , , , )g7

Capítulo XVI - O DESUSO DAS LEIS 85. Conceito de Desuso das Leis . . . . . . . . . . . . , , , ) 89 86. Causas do Desuso . . . . . . . . . . . . . . . . , . . . . 190� 87. A Tese da Validade das Leis em Desuso . . . . . . . , 192 88. A Tese da Ravogação da Lei pelo Desuso . . . . . . . . 194 89. Conclusões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 196

Capítulo XVII - JURISPRUDÊNCIA 90. Conceito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I99 91. Espécies . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200 . 92. Paralelo entre Jurisprudência e Costume . . . . . . . . 201 93. O Grau de Liberdade dos Juízes . . . . . . . . . . . . . 202 94. A Jurisprudência cria o Direito? . . . . . . . . . . . . . 205 95. A Jurisprudência vincula os Tribunais? . . . . . . . . . 207 96. Processos de Unificação da Jurisprudência . , . . . . . 208

Capítulo XVIII - A DOUTRINA JURÍDICA 97. O Direito Científico e os Juristas . . . . . . . . . . . . . 211 98.. As Três Funções da Doutrina . . . . . . . . . . . . . , . 212 99. A Influência da Doutrina no Mundo Jurídico . . . . . . 2I4 100. A Doutrina como Fontc Indireta do Direito . . . . . . . 2I5 101. Argumento de Autoridadc . . . . . . . . . . . . . . . . 216 102. O Valor da Doutrina no Passado . . . . . . . . . . . . . 2I 8 103. A Doutrina no Presente . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2I9

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ÍNDICE GERAL 495

Capítulo XIX - PROCEDIMENTOS DE INTEGRAÇÃO: ANALOGIA LEGAL 104. Lacunas da Lei . 105. O postulado da Plenitude da·Ordem·Jurídica· . · · · · · 223 106. Noção Geral de Analogia . . , . , . ' ' ' ' ' 227 · 227 107. O Procedimento Analógico . . · · · · · · · 228 108. Analogia e Interpretação Extensiva . · · · · · . . . . . . . . . . 230 Capítulo XX - PROCEDIMENTOS DE INTEGRAÇÃO: PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO 109. Considerações Prévias . 233 110. As Duas Funções dos Princípios Gerais de ·Direito . · · 234 l 1 l. Conceito dos Princípios Gerais de Direito . · · 235 112. Natureza dos Princípios Gerais de Direito . · · · · · · · 236 113. Os Princípios Gerais de Direito e os Brocardos . · · · · 237 I 14. A Pesquisa dos Princípios Gerais de Direito 238 115. Os Princípios e o Direito Comparado . , , · · . . . . . . . 239 Capítulo XXI - A CODIFICAÇÃO DO DIREITO I 16. Aspectos Gerais . 117. Conceito de Código . · · · · · · ' ' ' ' ' ' · · · · 24,L ' ' 242 118. A Incorporação . ' ' ' ' ' ' · · · · · · ' ' ' 244 119. A Duração dos Códigos . · ' ' ' ' ' ' · 244 120. Os Códigos Antigos . · · · · , ' ' ' ' ' · · · · · ' ' ' 245 121. A Era da Codificação . · ' ' ' ' · · · · · ' ' · ' 249 122. Os Primeiros Códigos Modernos . . . · · · · · · · · · 250 l23. A Polêmica entre Thibaut e Savigny , · · · · · · · · · 253 124. O Código Civil Brasileiro . ' ' ' ' ' · ' 254 I25. A Recepção do Direito Estrangeiro . . . · · · ' · · · · · · . 256

Quinta Parte TÉCNICA JURÍDICACapítulo XXII - O ELEMENTO TÉCNICO DO DIREITO 126. O Conceito de Técnica . 127. Conceito e Significado da Técnica Jurídica . · · · · · · 259

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128. Espécies de Técnica Jurídica . ' · · · · · 260 ' ' ' 261 129. Conteúdo da Técnica Jurídica · · · · · · · · · 263 130. Cibernética e Direito . · ' ' ' ' · · · · · · · ' · 271 131. O Direito como Técnica e Ciência . . . . . , , , , , , , 272

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496 PAULO NADER

Capítulo XXIII - TÉCNICA LEGISLATIVA 132. Conceito, Objeto e Importância da Técnica Legislativa 275 133. Da Apresentação Formal dos Atos Legislativos . . . . . 276 134. Da Apresentação Material dos Atos Legislativos . . . . 283

Capítulo XXIV - A EFICÁCIA DA LEI NO TEMPO E NO ESPAÇO 135. Vigência e Revogação da Lei . . . . . . . . . . , , , , , 2gg 136. O Conflito de Leis no Tempo . . . . . . . . . . . . . . . 291 137. O Princípio da Irretroatividade . . . . . . . . , , , . . . 292 138. Teorias sobre a Irretroatividade . . . . . . . . . . . . . 294 139. A Noção do Conflito de Leis no Espaço . . . . . . . . . 296 140. O Estrangeiro perante o Direito Romano . . . . . . . . 297 141. Teoria dos Estatutos . . . . . . , , , , , , , , , , , , , , 2gg 142. Doutrinas Modernas quanto à Extraterritorialidade . . . 300 143. O Direito Interespacial e o Sistema Brasileiro . . . . . 300

Capttulo XXV - HERMENUTICA E INTERPRETAÇÃO� DO DIREITO 144. Conceito e Importância da Hermenêutica Jurídica . . . 303 145. Conceito de Interpretação em Geral . . . . . . . . . . . 305 146. A Interpretação do Direito . . . . . . . . . . , , , , , . 306 147. O Princípio In Claris Cessat Interpretatio . . . . . . . . 308 148. A Vontade do legislador e a Mens Legis . . . . . . . . . 310 149. A Interpretação do Direito quanto ao Resultado . . . . 313 150. O Art. So da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro . . . . . . . . . . , , , , , , , , , , , . 314 151. A Interpretação dos Negócios Jurídicos . . . . . . . . . 315

Capítulo XXVI - ELEMENTOS DA INTERPRETAÇÃO . DO DIREITO 152. Considerações Prévias . . . . . . . . . . . , , , , , , , 319 153. Elemento Gramatical . . . . . . . . . . , , , , , , , . . 320 154. Elemento Lógico . . . . . . . , . , , , , , , , , , , , . 321 155. Elemento Sistemático . . . . . . . . . , , , , , , , , , . 323 156. Elemento Histórico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 324 I57. O Fator Teleológico . . . . . . . . . . . , , , , , , , , . 324

Capítulo XXVII - MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO DO DIREITO 158. Método Tradicional da Escola da Exegese . . . . . . . 327 159. Método Histórico-Evolutivo . . . . . . . . . . . . . . . 329 160. A Livre Investigação Científica do Direito . . . . . . . 330 161. A Corrente do Direito Livre . . . . . . . . , , , , , . . 332

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fNDICE GERAL 497

Sexta Parte

RELA ES JURfDICAS��

Capítulo XXVIII - SUJEITOS DO DIREITO: PESSOA NATURAL E PESSOA JURÍDICA 162. Personalidade Jurídica 163. Pessoa Natural . · · , ' ' ' ' · , , · · · · · · · 335 164. Pessoa Jurídica . , , , , , . , . , : ; ; : : · · · · · · 338 342 Capítulo XXIX - RELAÇÃO JURÍDICA: CONCEITO · , · FO , RMAÇÃO, ELEMENTOS 165. Conceito de Relação Jurídica . 166. Formação da Relação Jurídica . , , · · · · , ' ' ' ' ' 347 167. Elementos da Relação Jurídica . . , , · · , ' ' ' · ' , 349

Capítulo XXX - DIREITO SUBJETIVO , · 350 168. Origem do Direito Subjetivo e Aspectos Gerais 355 169. Conceito de Direito Subjetivo . ' ' ' ' 170. Situações Subjetivas ' ' ' ' , , · · · · · 357 359 171. A Natureza do Direito Subjetivo - Teorias Principais . 360 172. Classificação dos Direitos Subjetivos . 362 173, Aquisição, Modificações e Extinção dos Direitos . 365

Capítulo XXXI - DEVER JURÍDICO 174. Considerações Prévias 369 175. Aspecto Histórico . · , , , ' ' ' ' · · , · · · · 176. Conceito de Dever Jurídico . , · , , · , ' ' ' ' , ' 370 177. Espécies de Dever Jurídico . , , , , · ' ' ' ' ' , ' 370� 178. Axiomas de Lógica Jurídica . , · , , · , ' ' ' ' ' · 373 374 179. Dever Jurídico e Efetividade doDireito . . . . , , , . . 375�

Sétima Parte

DOS FA TOS JURÍDICOSCapítulo XXXII - FATO JURÍDICO: CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO 180. Considerações Gerais .

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181· Suposto Jurídico e Conseqilência , · · · · , , ' ' ' ' 377 182. Conceito de Fato Jurídico . · · ' ' ' · , · · 378 380 183. Caracteres e Classificação dos Fatos Jurfdicos· . . . . . 383

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49g PAULO NADER

Capítulo XXXIII - DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS 184. Conceitos e Aspectos Doutrinários . . . . . , , , 3g7 185. A Relação entre os Negócios Jurídicos e o Ordenamento Jurídico 389 186. Classificação dos Negócios Jurídicos . . . . . , , 390 187. Elementos dos Negócios Jurídicos . . . . . , , , , , , , 3g 1 188. Defeitos dos Negócios Jurídicos . . . . , , , , , , . . . 394

Capítulo XXXIV - ATO ILÍCITO 189. Conceito e Elementos . . . . , , , , , , , , , , , , . . 397 190. Categorias 399 191. Classificação do Elemento Culpa . . , , , , , , , , , , 3gg 192. Excludentes do Ilícito . . . . . , , , , , , , , , , 401 193. Teoria Subjetiva e Tcoria Objetiva da Responsabilidade . . . . . , , , , , , , , , , , , . 402 194. Abuso do Direito . . . . . , , , , , , , , , , , , , . . . 404

Oitava Parte

ENCICLOPÉDIA JURÍPICA

Capítulo XXXV - RAMOS DO DIREkTO PÚBLICO 195. Considerações Prévias . . . . , , , , , , , , , , 407 196. Direito Constitucional . . . . . . , , , , , , , , . , . , 408� 197. Direito Administrativo . . . . , , , , , , , , , , , . , 409� 198. Direito Financeiro . . . . . . , , , , , , , , , , , , . , , 411 199. Direito Internacional Público . . . . , , , , , , , , , , , 412 200. Direito Internacional Privado . . . . . . , , , , , , , , 414� 201. Direito Penal . . . . . , , , , , , , , , , , , , , , , , , , 416 i,5 202. Direito Processual . . . . . , , , , , , , , , , , . . . , . 418

Capítulo XXXVI - RAMOS DO DIREITO PRIVADO 203. Direito Civil . . . . . . , , , , , , , . , , . , , , , , 423 204. Direito Comercial . . . . . . , , , , , , , , . , , , , . 425� 205. Direito do Trabalho . . . . . . , , , , , , , , , . . . . . 430

Nona Parte

FUNDAMENTOS DO DIREITO

Capítulo XXXVII - A IDÉIA DU DIREITO NATURAL 206. A Insuficiência do Direito Positivo . . . . . , , , , . . 435

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ÍNDICE GERAL 4gg

207. Conceito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 437 208. Origem e Via Cognoscitiva . . . . . , , , , , , , . 439 209. Caracteres . . . . . . , , , , . . , , . , . . 439 210. A Escola do Direito Natural . . . . . . . . . . , , . 440 211. Revolucionário ou Conservador? . . . , , . , , , , 441 212. Crítica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . , 442 213. Os Direitos do Homem e o Direito Natural . . . . . . . 444

Capítulo XXXVIII - O POSITIVISMO JURÍDICO 214. O Positivismo Filosófico . . . . , , , , , , , , , 447 215. O Positivismo Jurídico . . . . . . . . . , , , , , , , 449 ? 16. Crítica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 450

Capítulo XXXIX - O NORMATIVISMO JURÍDICO 217. O Signìficado da Teoria Pura do Direito . . . . . , . . . 453 218. A Teoria Pura do Direito . . . . , , , , , , , , , , , . 454 219. A Pirâmide Jurídica e a Norma Fundamental . . . , 455 220. Crítica à Teoria Pura do Direito . . . . , , , , , , , . . 456

Capítulo XL - A TRIDIMENSIONALIDADE DO DIREITO 22I . A Importância de Reale no Panorama Jurídico Brasileiro 459 222. A Teoria Tridimensional do Direito . . . . , . , , . . . 460

Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 463Índice Ononcástico . . . . . . , , . . , , , , , , , , , , , , 471� �Índice Alfabético de Assuntos . . . . . , , , , , . , , : , , . . . . . 479

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Primeira Parte

O ESTUDO DO DIREITO

Capítulo I

SISTEMA DE IDÉIAS GERAIS DO DIREITO

Sumário: I. A Necessidade de um.Sistema de Idéias Gerais do Direito. 2. A Introdução ao Estudo do Direito. 3.Outros Sistemas de Idéias Gerais do Direito. 4. A Introdução ao Estudo do Direito e os Curriculos dos Cursos Juridicos no Brasil.

1. A Necessidade de um Sistema de Idéias Gerais do Direito

O ensino de uma ciência pressupõe a organização de uma disci-plina de base, introdutória à matéria, a quem cumpre definir o objetode estudo, indicar os limites da área de conhecimento, apresentar ascaracterísticas fundamentais da ciência, seus fundamentos e valoresprimordiais. À medida que a ciência evolui e cresce o seu campo depesquisa, torna-se patente a necessidade da elaboração de uma disci-plina estrutural, com o propósito de agrupar os conceitos e elementoscomuns às novas especializações. No dizer preciso de Benjamin deOliveira Filho, a disciplina constitui um sistema de idéias gerais.' Ao

I Benjamim de Oliveira Filho, Introdufão à Ciência do Direito, 4' ed., José KonfinoEditor, Rio de Janeiro,1967, p. 86.

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PAULO NADER

mesmo tempo que revela o denominador comum dos diversos depar-tamentos da ciência, ela se ocupa igualmente com a visão global doobjeto, na pretensão de oferecer ao iniciante a idéia do conjunto.2 O desenvolvimento alcançado pela Ciência do Direito, a partirda era da codificação, com a multiplicação dos institutos jurídicos,formação incessante de novos conceitos e permanente ampliação daterminologia específica, exigiu a criação de um sistema de idéiasgerais, capaz de revelar o Direito como um todo e alinhar os seuselementos comuns. A árvore jurídica, a cada dia que passa, torna-semais densa, com o surgimento de novos ramos que, em permanenteadequação às transformações sociais, especializam-se em sub-ramos.Em decorrência desse fenônemo de crescimento do Direito Positivo,de expansão dos códigos e leis, aumenta a dependência do ensino daJurisprudência às disciplinas propedêuticas que possuem a arte decentralizar os elementos necessários e universais do Direito, seusconceitos fundamentais, em um foco de reduzido diâmetro. Em função dessa necessidade, é imperioso proceder-se à escolhade uma disciplina, entre as várias sugeridas pela doutrina, capaz deatender, ao mesmo tempo, às exigências pedagógicas e científicas.Antes de a Introdução ao Estudo do Direito ser reconhecida mundial-mente como a mais indicada, houve várias tentativas e experiênciascom a Enciclopédia Jurídica, Filosofia do Direito, Teoria Geral doDireito e Sociologia do Direito.

2. A Introdução ao Estudo do Direito

l. Apresentação da Disciplina - A Introdução ao Estudo doDireito é matéria de iniciação, que fornece ao estudante as noções

2 ` ...é oportuno, antes de baixar aos pormenores, abarcar num relance o conjunto, sobrisco de deixar o todo pelos pormenores, a f loresta pelas árvores, a filosofia pelasfilosofias. O espírito exige a posse de uma representação geral do escopo e da finalidadedo conjunto para saber a que deva consagrar-se"(Hegel, Introclução à Histcirta daF'ilosofia, Armênio Amado, Editor, Sucessor, 3' ed., Coimbra,1974, p. 42). Em sua Carta aos Jovens, dirigida aos estudiosos de sua pátria, o russo I. Pavlovaconselhou-os: ` ... Aprendam o ABC da ciência antes de tentar galgar seu cume. Nuncaacreditem no que se segue sem assimilar o que vem antes. Nunca tentem dissimular suafalta de conhecimento, ainda que com suposições e hipóteses audaciosas. Como se alegranossa vista com o jogo de cores dessa bolha de sabão - no entanto, ela, inevitavelmente,arrebenta e nada fica além da confusão...'

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO

fundamentais para a compreensão do fenômeno jurídico.3 Apesar dese referir a conceitos científicos, a Introdução não é, em si, umaciência, mas um sistema de idéias gerais estruturado para atender afinalidades pedagógicas. Considerando a sua condição de matéria docurso jurídico, deve ser entendida como disciplina autônoma, poisdesempenha função exclusiva, que não se confunde com a de qualqueroutra. Sob este enfoque Luiz Luisi reconhece a autonomia, que "de-riva de seu fim específico: reduzir o Direito a unidade sistemática".4Se tormarmos, porém, a palavra disciplina no sentido de ciênciajuridica (V. § 5), devemos afirmar que a Introdução ao Estudo doDireito não possui autonomia; ela não cria o saber, apenas recolhe dasdisciplinas jurídicas (Filosofia do Direito, Ciência do Direito, Socio-logia Jurídica, História do Direito, Direito Comparado) as informaçõesnecessárias para compor o quadro de conhecimentos a ser descortina-do aos acadêmicos. A cada instante, na fundamentação dos elementosda vida jurídica, recorre aos conceitos filosóficos, sociológicos ehistóricos, sem chegar, porém, a se confundir com a Filosofia doDireito, nem com a Sociologia do Direito, que são disciplinas autôno-mas. De caráter descritivo e pedagógico, não "consiste na elaboraçãocientífica do mundo jurídico", como pretende Werner Goldschmidt,5pois o conteúdo que desenvolve não é de domínio próprio. O que�possui de específico é a sistematizaçáo dos conhecimentos gerais. Emsemelhante equívoco incorre Bustamante y Montoro, que reconhecena disciplina uma ` `índole normativa". Embora de caráter descritivo,�a disciplina deve estar infensa ao dogmatismo puro, que tolhe oraciocínio e a reflexão. O tratamento exageradamente crítico aos temasé também inconveniente, de um lado porque torna a matéria de estudomais complexa e de difícil entendimento para os iniciantes e, de outrolado, porque configura o objeto da Filosofia do Direito. Os temas que

3 "Introduzir é um termo composto de duas palavras latinas: um advérbio (intro) e umverbo (ducere). Introduzir é conduzir de um lugar para outro, fazer penetrar num lugarnovo" (Michel Miaille, Uma Introdução Critica ao Direito, 1' ed., Moraes Editores,Lisboa,1979, p.12).4 In Filasofia do Direito, Sérgio Antônio Fabris Editor, Porto Alegre,1993, p. 161. Oprofessor da Faculdade de Direito de Santo Ângelo reproduziu o seu trabalho publicadona Revista Juridiea, vol. V,1953, onde apresenta uma lúcida visão do objeto da Introduçãoao Estudo do Direito e de suas conexões com a Filosofia do Direito, Sociologia Jurídicae Teoria Geral do Direito. Entre nós aquele estudo foi um dos pioneiros.5 In Introducción al Derechn, 1" ed., Aguilar, Buenos Aires,1960, p.32.6 In Introdueción a la Ciência del Derecho, 3' ed., Cultural S.A., La Habana,1945, p. 22.

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PAULO NADER

envolvem controvérsias e abrem divergências na doutrina, longe deconstituírem fator negativo, habituam o estudante com a pluralidadede opiniões científicas, que é uma das tônicas da vida jurídica.'

2. Objeto da Introdução ao Estudo do Direito - A disciplinaIntrodução ao Estudo do Direito visa a fornecer ao iniciante uma visãoglobal do Direito, que não pode ser obtida através do estudo isoladodos diferentes ramos da árvorejurídica. As indagações de caráter geralcomuns às diversas áreas são abordadas e analisadas nesta disciplina.Os conceitos gerais, como o de Direito, fatojurídico, relaçãojurídica,lei, justiça, segurança jurídica, por serem aplicáveis a todos os ramosdo Direito, fazem parte do objeto de estudo da Introdução. Os concei-tos especificos, como o de crime, mar territorial, ato de comércio ,desapropriação, aviso prévio, fogem à finalidade da disciplina, porquesão particulares de determinados ramos, em cujas disciplinas deverãoser estudados. A técnica jurídica, vista em seus aspectos mais gerais,é também uma de suas unidades de estudo. Para proporcionar a visão global do Direito, a Introduçãoexamina o objeto de estudo dos principais ramos do Direito, levandoos alunos a se familiarizarem com,a linguagem jurídica. O estudoque desenvolve não versa sobre oteor das normas jurídicas; não se��ocupa em definir o que se acha conforme ou não à lei, pois édisciplina de natureza epistemológica, que expressa uma teoria daciência juridica. Concluindo, podemos dizer que ela possui umtríplice objeto:

a) os conceitos gerais do Direito; b) a visão de conjunto do Direito; c) os lineamentos da técnica jurídica.

3. A Importância da Introdução - Os primeiros contatos doestudante com a Ciência do Direito se fazem atravég da Introdução aoEstudo do Direito, que funciona como um elo entre a cultura geral,obtida no curso médio, e a cultura específica do Direito. O papel que

7 Ainda sobre o objeto da disciplina, importante estudo subordinado à visão de autoresbrasileiros é apresentado por Paulo Condorcet Barbosa Ferreira, em sua obra A Introduçãoao Estudo do Direito no Pensamento de Seus Expositores, Editora Líber Juris Ltda., Riode Janeiro,1982.

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO

desempenha é de grande relevância para o processo de adaptaçãocultural do iniciante. Ao encetar os primeiros estudos de uma ciência, é comum aoestudante sentir-se atônito, com muitas dificuldades, em face dosnovos conceitos e métodos, da nova terminologia e diante do própriosistema que desconhece. É ilustrativo o depoimento firmado porEdmond Picard, nas primeiras páginas de seu famoso livro O DireitoPuro, obra introdutória ao estudo do Direito. Conta-nos o eminentejurista francês a angústia que sentiu, ao início de seu curso de Direito,com a falta de uma disciplina propedêutica, diante da "abundânciaprodigiosa dos fatos" e da dificuldade em relacioná-los; "da ausênciade clareza e de harmonia na visão do Direito."s É através da Introdu-ção ao Estudo do Direito que o estudante deverá superar esses primei-ros desafios e testar a sua vocação para a Ciência do Direito. A importância de nossa disciplina, entretanto, não decorre apenasdo fato de propiciar aos estudantes a adaptação ao curso, de vez queministra também noções essenciais à formação de uma consciênciajurídica. Além de descortinar os horizontes do Direito pelo estudo dosconceitos jurídicos fundamentais, a Introdução lança no espírito dosestudantes, em época própria, os dados que tornarão possível, nofuturo, o desenvolvimento do racioçh'io juridico a ser aplicado nos�campos específicos do conhecimento jurídico.y

3. Outros Sistemas de Idéias Gerais do Direito

1. Filosofia do Direito - A Filosofia do Direito é uma reflexãosobre o Direito e seus postulados, com o objetivo de formular oconceito do Jus e de analisar as instituições jurídicas no plano do dever

8 Edmond Picard, O Direito Puro, Francisco Alves & Cia., Rio de Janeiro, s/d, ps. 5e 6.9 A Introdução ao Estudo do Direito foi comparada, por Pepere, com o alto de ummirante, de onde o estrangeiro observa a extensão de um país, para fazer a sua análise.Mostrando a absoluta necessidade de uma disciplina de iniciação, Vareilles-Sommièrescomentou que começar o curso de Direito sem uma disciplina introdutória é o mesmo quese pretender conhecer um grande edifício, entrando por uma porta lateral, percorrendoconedores e saindo por uma porta de serviço. O observador não se aperceberá do conjuntoe nem terá uma visão da harmonia e estética da obra. (Apud Benjamim de Oliveira Filho,op. cit., ps. 96 e 98.)

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ser, levando-se em consideração a condição humana, a realidadeobjetiva e os valores justiça e segurança. Pela profundidade de suasinvestigações e natural complexidade, os estudos filosóficos do Direi-to requerem um conhecimento anterior tanto de filosofia quanto deDireito. Uma certa maturidade no saber jurídico é indispensável aquem pretende estudar a scientia altior do Direito. Este aspecto jáevidencia a impossibilidade de essa disciplina figurar nos currículosde Direito como matéria propedêutica. A importância de seu estudo épatente, mas a sua presença nos cursos jurídicos há de se fazer em umperíodo mais avançado, quando os estudantesjá se familiarizaram comos príncipios gerais de Direito (v. § 6).

2. Teoria Geral do Direito - Como forma de reação ao caráterabstrato e metafísico da Filosofia Jurídica, surgiu a Teoria Geral doDireito que, de índole positivista e adotando subsídios da Lógica, édisciplina formal que apresenta conceitos úteis à compreensão detodos os ramos do Direito. A sua atenção não se acha voltada para osvalores e fatos que integram a norma jurídica e por isso a sua tarefanão é a de descrever o conteúdo de leis ou formular a sua crítica. Seuobjeto consiste na análise e conceituação dos elementos estruturais epermanentes do Direito, como suposta e disposiÇão da normajurídica,coação, relação juridica, fato juridico, fontes formais. Na expressãode Haesaert, a Teoria Geral do Direito "concerne ao estudo dascondições intrínsecas do fenônemojurídico"."' Esta ordem de estudo é valiosa ao aprendizado jurídico, contudocarece de importantes unidades que versam sobre os fundamentos,valores e conteúdo fático do Direito. Daí por que essa disciplina, queconstitui uma grande seção de estudo da Introdução, é insuficientepara revelar aos iniciantes da Jurisprudentia as várias dimensões dofenômeno jurídico. A Teoria Geral do Direito surgiu no século XIX e alcançou o seumaiordesenvolvimento na Alemanha, onde foi denominada Allgemei-ne Rechtslehre. Seus principais representantes foram Adolf Merkel,Berbohm, Bierling, Binding e Felix Somló.

3. Sociologia do Direito - O estudo das relações entre a socie-dade e o Direito, desenvolvido em ampla extensão pela Sociologia do

10 Théorie Générale du Droit, Établissements Émile Bruylant, Bruxelles,1948, p.19.

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO

Direito, é um dos temas necessários a uma disciplina introdutória.Esta, porém, não pode ter o seu conteúdo limitado ao problema daefetividade do Direito, nem empreender aquela pesquisa em profun-didade, a nível de especialização. A Sociologia do Direito não oferecea visão global do Direito, não estuda os elementos estruturais econstitutivos deste, nem cogita do problema de sua fundamentação.Além desta série de lacunas, acresce ainda o fato de que o objeto daSociologia do Direito não está inteiramente definido e seus princi-pais cultores procuram formar, entre si, um consenso a este respei-to" (v. § 6).

4. Enciclopédia Juridica - A etimologia do vocábulo enciclopé-dia dá uma visão do que a presente disciplina pretende objetivar:encyclios paidêia correspondia a um conjunto variado de conhecimen-tos indispensáveis à formação cultural do cidadão grego. A Enciclo-pédia Jurídica tem por objeto a formulação da síntese de um determi-nado sistema jurídico, mediante a apresentação de conceitos, ciassifi-cações, esquemas, acompanhados de uma numerosa terminologia.Sem conteúdo próprio, de vez que procura resumir as conclusões daCiência do Direito, o que caracteriza a Enciclopédia Jurídica é o seumétodo de exposição dos assuntos, ao dfvidi-los em títulos, categorias,rubricas, e a sua tentativa de reduzfr o saber jurídico a fórmulas eesquemas lógicos. Na prática a Enciclopédia Jurídica não se revelou uma disciplinapedagógica, porque conduz à memorização, tornando o seu estudocansativo e sem atingir às finalidades de um sistema de idéias geraisdo Direito. Estendendo o seu estudo aos conceitos específicos, pecu-liares a determinados ramos da árvorejurídica, a Enciclopédia Jurídicanão evita a dispersão cultural. Querer enfeixar, por outro lado, todo opanorama da vidajurídica em uma disciplina é pretensão utópica e semvalidade científica.'2

11 A obra Princípios de Sociologia Juridica, publicada pelo brasileiro Queiroz Lima,destinada aos estudos preliminares de Direito, obteve, na realidade, aprovação nos meiosuniversitários, contudo, os capftulos nela desenvolvidos não são próprios da Sociologiado Direito e configuram, antes, a temática da Introdução ao Estudo do Direito.12 Entre as crfticas que Piragibe da Fonseca faz à denominação, destaca a circunstânciade que "hoje pesa sobre o vocábulo suspeição nada lisonjeira: enciclopedismo é sinônimode superficialismo pretensioso e pedante, e "enciclopédico" é o indivíduo que nada sabe,preCisamente porque pretende saber tudo" (Introdução ao Estudo do Direito, 2' ed.,Livraria Freitas Bastos, Rio de Janeiro,1964, p. 36).

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Como obras mais antigas no gênero, citam-se a de GuilhermeDuramti, de 1275, denominada Speculum Juris, preparada para serutilizada pelos causídicos perante os tribunais; a Methodica JurisUtriusque Traditio, de Lagus, em 1543; o Syntagma Juris Universi,de Gregório de Tolosa, de 1617 e a Encyclopoedia Juris Universi, deHunnius, em 1638. A Enciclopedia Giuridica, de Filomusi Guelfi, dofinal do século XIX, revela a multiplicidade dos temas abordados nadisciplina. Além de uma parte introdutória e uma geral, onde desen-volve, respectivamente, sobre o conceito do Direito e suas relaçõescom a Moral e aborda o tema da origem do Direito Positivo e oproblema das fontes formais, a obra do notável mestre italiano apre-senta uma parte especial, a mais extensa, dedicada aos institutosjurídicos fundamentais, tanto de Direito Público como de DireitoPrivado. Nesta parte, o autor faz incursões demoradas em todos osramos do Direito, analisando o sistemajurídico italiano. Não obstanteo seu grande valor, essa obra não deve ser catalogada como propedêu-tica, porque não se limita a analisar os conceitos gerais do Direito.'3

4. A Introdução ao Estudo do Direitv e os Currículos dos Cursos Jurídicos no Brasil

A primeira disciplina jurídica de caráter propedêutico, em nossoPaís, foi o Direito Natural - denominação antiga da Filosofia doDireito -, a partir de 11 de agosto de 1827, com a criação dos cursosjurídicos em São Paulo e Olinda. Em 1891, com o advento da Repú-blica, o currículo do curso jurídico sofreu alterações e a disciplinaDireito Natural foi substituída pela Filosofia e História do Direito,lecionada na primeira série. Em 1895, houve o desmembramento destadisciplina, figurando a Filosofia do Direito na primeira série e aHistória do Direito, que pouco tempo sobreviveu, na.quinta série. Jáem I 877,.Rui Barbosa reivindicava a substituição da disciplina DireitoNatural pela Sociologia Jurídica, em sua "Reforma do Ensino Secun-dário e Superior", conforme nos relata Luiz Fernando Coelho.'4

13 Filomusi Guelfi, Enciclopedia Giuridica, 6a ed., Nicola Jovene & Cia. Editori, Napoli,1910.14 Luiz Fernando Coelho, Teoria da Ciência do Direito, la ed., Edição Saraiva, São Paulo,1974, p.2.

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO

Em 1912, com a reforma Rivadávia Correia, foi instituída aEnciclopédia Jurídica, que permaneceu como matéria de iniciaçãodurante três anos, sendo posteriormente suprimida pela reforma Ma-ximiliano. A Filosofia do Direito passou então a ser estudada comodisciplina introdutória, lecionada na primeira série até que, em 1931,com a chamada Reforma Francisco Campos, passou a ser ensinada naúltima série e nos cursos de pós-graduação. Em seu lugar, para aprimeira série, foi criada a Introdução à Ciência do Direito, quepermanece até hoje no currículo mínimo, com alteração apenas nonome, que passou a ser Introdução ao Estudo do Direito, em decorrên-cia do currículo aprovado pela Resolução no 3, de 2 de fevereiro de1972, do Conselho Federal de Educação. A Portaria no 1.886, de 30 de dezembro de 1994, do Ministérioda Educação e do Desporto, que estabeleceu novas diretrizes para ocurso jurídico, confirmou o caráter obrigatório do estudo da disciplinae alterou a sua denominação para Introdução ao Direito. Tal mudançanão implica modificação do conteúdo ou enfoque da disciplina, quecontinua a ser introdutória ao estudo do Direito.'5 Ressalta-se, poroportuno, que a Filosofia do Direito foi incluída, finalmente, no elencodas disciplinas obrigatórias do curso jurídico.

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário: 1 - Benjamim de Oliveira Filho, Introdução à Ciência do Direito; MiguelReale, Ligões Preliminares de Direito; 2 - Miguel Reale, op. cit.; Mouchet e Becu, Introducción al Derecho; 3 - Mouchet e Becu, op. cit.; Benjamim de Oliveira Filho, op. cit.; 4 - Luiz Fernando Coelho, Teoria da Ciência do Direito.

15 Embora a nova denominação se nos afigure nada expressiva, pois apenas genericamenteindica o conteúdo da disciplina, deve ser compreendida como expressão conciliadora deaspectos cientlftcos e pedagógicos da matéria.

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Capttulo II

AS DISCIPLINAS JURíDICAS

Sumário: 5. Considerações Prévias. 6. Disciplinas Juridicas Fundamen- tais. 7. Disciplinas Juridicas Auxiliares.

5. Considerações Prévias

Os avançados estudos que se desenvolvem sobre o Direito, naatualidade, diversificam-se em vários planos de pesquisa que, no con-junto, oferecem a compreensão profunda do fenômeno jurídico. Ao serobjeto de estudo de diferentes disciplinas afins, mais freqüentementedenominadas ciências juridicas, o Díreito não perde a sua unidadefundamental.' Apesar dos enfoques unilaterais, a ação totalizante doespírito alcança o fenômeno jurídico em sua forma integral. As disciplinas jurídicas dividem-se em duas classes: as fundamen-tais e as auxiliares. A Ciência do Direito, Filosofia do Direito e Socio-logia do Direito, integram o primeiro grupo, enquanto que a História doDireito e o Direìto Comparado, entre outtas, compõem o segundo 2 Se o conhecimento do Direito se faz através de cada uma dessasdisciplinas, que abrem, cada qual, uma perspectiva própria de estudo,capaz de motivar intensamente o espírito, é indispensável uma orienta-

1 ...a noção do Direito se encontra necessariamente em todos os fen8menos jur(dicosconcretos, dando-Ihes unidade." (Rudolf Stammler, la CEnesis del Dcrecho, Calpe,Madrid,1925, p. 95.)2 Anteriormente, na esteira de García Máynez, classificávamos a Sociologia do Direitoentre as disciplinas auxiliares, malgrado já reconhecêssemos que o foto era um dosdcmentos nucleares do Direito. Ora, se na formação do fen&meno jurfdico participam anorma, o valor e o fato em igua) nivel de importância, devemos admitir que as disciplinasou ciências que os abordam - respectivamente a Ciência do Direito em scntido estrito,Filosofia Juridica e Sociologia do Direito - possuem também igual relevância.

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12 PAULO NADER

ção inicial aos que visam a alcançar o conhecimento sistemático doDireito: a compreensão plena de nossa ciência exige o conhecimentoanterior do Homem e da sociedade. Em nenhum momento do estudo doDireito se poderá fazer abstração destes dois agentes, pois as n_ ormasjurí_dicas sã.Q es.iãb.lecldas de acórdo_com_a nátuuxáná, m_fu� � � � � �de seus interesses, e sofrem-ainda a influência das condições culturais,mdras e ecõnómicas do melo só 1. Esta mesma linha de pnsa ó� � � áprsentá por Michel Virally, para quem "o Direito descansa sempre� � �sobre uma determinada concepção do homem e da sociedade, de suasxoiaçõgs recprs e, por conseguinte, também sobre um determinado� � �sistema de valores '.3 Há mais de cem anos Ferrerjá enfatizava a importância do estudoda natureza humana para o conhecimento do Direito: "...debalde seprocurará a razão dos princípios do Direito, sem primeiro se ter estudadoa natccreza do ser, que tem direitos."' O conhecimento da vida humana, por seu lado, pressupõe expe-riência e reflexão filosófica, enquanto que os dadns referentes à reali-dade social são fornecidos pela sociologia. A análise do homem e dasociedade deve ser uma tarefa permanente a ser desenvolvida peloestudioso do Direito.

6. Disciplinas Jurídicas Fundamentais 17/08/09

1. Ciência do Direito - Também chamada Dogmática Júridica,esta disciplina aborda o Direito vigente em determinada sociedade eas questões referentes à sua interpretação e aplicação. Qseu.papel éyQ.r do Direit uele ue é obrigatório, que se acha posto�à coletividade e ue se localiza basicamente, nas_ leis é nos códigosNão e de natureza crítica,1-st é, naõ penetra nõ plano de discu ó�quanto à conveniência social das normas jurídicas. Ao operar no planoda Ciência do Direito, o cientista tão-somente cogita dos juízos deconstatação, a fim de apurar as determinações conidas no conjunto�normativo. É irrelevante, nesse momento, qualquer consideração so-bre o valor justiça, pois a disciplina se mantém alheia aos valores.

3 Apud Elías Díaz, Snciolngín y Filo.sofin de! Derechu, 3' ed., Taurus, Madrid, 1977.�p. 253.4 Vicente Ferrer Neto Paiva, Elmenin.c cle Direiiu Naturnl. 2' cd., impresso da�Universidade de Coimbra, Coimbra, 1 A50, p. 2.

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IIVTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I3

m re a n s, à Ciência do Direito, dinir e sistematizar o_conjunto� �de normas que o Estado impõe à sociedade.irrécusávÌ á importân-�cia desta disciplina para a organização da vida jurídica, mas, pergun-ti-se, o seu estudo é suficiente? Enquanto que os positivistas respondemrmativamente à indagação, fiéis à sua concepção legalista do Direito,�osjusnaturalistas negam suficiência à disciplina, de vez que se preocu-pam com ajustiça substancial e com o DireitoNatural.� A visão que a Ciência do Direito oferece é limitada, fenomênica,não suficiente para revelar ao espírito o conhecimento integral doDireito, cuja majestade não decorre apenas das leis, mas do seu signifi-cado, da importância de sua funçãc social, dos valores espirituais queconsagra e imprime às relaçõus interindividuais. Observe-se, finalmente, que a expressão Ciência do Direito, além ser empregada em sentido restrito, como uma das disciplinas jurídi-�cas, é usada em sentido amplo, como referência à totalidade dos estudosdesenvolvidos sobre o Direito.

2. Filosofia do Direito - Enquanto a Ciência do Direito se limita adescrever e sistematizar o Direito vigente, a Filosofia do Direitous-�cendeo Iano-meramente nvo" ' ' 'usti a� � �otado nas lç.s. De um lado,a Ciência do Direito responde� �à indagação uid juris? (o que é de Ilireito?); de outro, a Filosofia� �Juridica atende à per,gunta Quid jus? (o que é o Direito?). Esta é umadisciplina de reflexão sobre os fundamentos do Direito. É a própriaFilosofia Geral aplicada ao objeto Direito. Preocupado com o dever ser,com o melhor Direito, com o Direito justo, é indispensável que ojusfilósofo conheça tanto a natureza humana quanto o teor das leis.Basicamente o objeto da Filosofia do Direito envolve uma pesquisaIógica, pela qual a_o_co_nceito do. Dir_eito em seus ss� � �ariad,S.e.role_xós, e outra dè natureza axiológicaque desen-� � � � � � �volve acntlca às instituições jurídicas, sob a ótica dos valores justiça e�segurança. Além do conhecimento científico do Direito, que oferece-a noçãosistemática da ordem jurídica, e do filosófico, que vê esse ordenamentoem função do conjunto dos interesses humanos, a fim de harmonizar aordem jurídica com a ordem geral da vida e das eóisas, há o chamadoconhecimento vulgar, que é elementar, fragmentário, que resulta daexperiência. Enquanto os conhecimentos científico e filosófico do Di-reito se obtêm pela seleção e emprego de métodos adequados de pesqui-sa, o wlgar é adquirido pela vivência e participação na dinâmica social.

É a noção que o leigo possui, oriunda de leitura assistemática ou desimples informações (v. § 3).

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3. Sociologia do Direito(sociologia esta dentro do direito) - De formação relativamente recente, aSociologia do Direito não tem ainda o seu campo de pesquisa totalmentedemarcado. Para este fim, em 1962, renomados especialistas na disci-plina deram um importante passo, ao criarem o "Comitê de Investigaçãode Sociologia do Direito", órgão vinculado à "International Sociologi-cal Association" (ISA), que teve por primeiros dirigentes R. Treves, daItália, A. Podgoreki, da Polônia, e W.M. Evans, dos Estados Unidos daAmérica do Norte. A partir do ano de 1964, o Comitê vem promovendoimportantes reuniões internacionais, em diferentes partes do mundo. A Sociologia do Direito é á disci lina ue examina o fenômenojurídico do onto de vistasocial, a fim_de observar a adequaçáo daordem� �'urídica aos atos sociais. As re açoes éntre á sociêdàcfe e o Dirèi of q�rmam o nuc eo e seus estudos, podem ser investigados sob os�seguintes aspectos principais: a) adaptação do Direito à vontade social; b) cumprimento pelo povo das leis vigentes e a aplicação destaspelas autoridades; c) correspondência entre os objetivos visados pelo legislador eos efeitos sociais provocados pelas leis. O Direito de um povo se revela autêntico, quando retrata a vidasocial, quando se adapta ao momento histórico, quando evolui à medidaque o organismo social ganha novas dimensões. A Sociologia do Direitodesenvolve importante trabalho para a correção dos desajustamentosentre a sociedade e o Direito. conhecimento da soci e se revelpois, da maior im ortância à rática da disciplina. Ao prefaciar a suaobra Fundamentos a oco ogia o ireto, ugen Ehrlich enfatiza tal� �importância: "...também em nossa época, como em todos os tempos, ofundamental no desenvolvimento do Direito não está no ato de legislarnem na jurisprudência ou na aplicação do Direito, mas na própriasociedade. Talvez se resuma nesta frase o sentido detodo o fundamentode uma Sociologia do Direito".5 Para o especialista espanhol Elías Díaz,a disciplina possui como zona central o Direito eficaz: "Investigaciónsobre la eficacia del Derecho y, en otro plano, constatación del sistema

5 Trad. brasileira por René Ernani Gertz, Editora Universidade de Brasflia, Bras(lia,1986.

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO 15

de legitimidad creado o aceptado por una colectividad: es decir, segundonfvel de la legitimidad, la legitimidad eficaz." � Os sociólogos, em relação ao Direito, quase sempre incidem emum sociologismo, ao supcrvalorizarem a ciência da sociedade, aponto de reduzirem o Direito à categoria única de fato social. Osociologismo jurídico corresponde à tendência expansionista dossociólogos de conceberem o Direito como simples capítulo daSociologia. Este pensamento, originário de Augusto Comte, ficourestrito ao âmbito dos sociólogos mais radicais, por não possuirembasamento científico. O erro fundamental do sociologismo jurídi-co, diz Badenes Gasset, ` `está em derivar do dado bruto da experiênciaaquilo que deve ser, e em erigir a situação de fato em situação deDireito"' (v. § 3o).

7. Disciplinas Jurídicas Auxiliares 25/08/09

1. História do Direito - O Homem, em seu permanente trabalhode aperfeiçoamento do mundo cultural, os objetos materiaise espirituais a novas formas e conteúdos, visando ao seu melhoraproveitamento, a sua melhor adaptação aos novos valores e aos fatosda época. Esse patrimônio não resulta do esforço isolado de umageração, pois corresponde à soma das experiências vividas no passadoe no presente. As conquistas científicas de hoje são acréscimos aotrabalho de ontem. Assim, a compreensão plena do significado de umobjeto cultural exige o conhecimento de suas diferentes fases deelaboração. Este fenômeno ocorre, com igual importância, na área doDireito, onde a memorização dos acontecimentos jorídicos representaum fator coadjuvante de informação, para a definição atual do Direito. A História do Direito ci lin _or esco o� � � �a pesquisa e a análise dos institut s 'urídicos do assado. O seu estudo e lmltar-se a uma or em nacional, abrangér o Diréito de um con-junto de povos identificados pela mesma linguagem ou formação, ou seestender ao plano mundial.

6 Op. ci., p. 63.�7 Ramon Badenes Gasset, Metndologia del Derecho, Bosch, Barcelona,1959, p. 205.

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O Direito e a História vivem em regime de mútua influência, aponto de Ortolan, com algum exagero, ter afirmado que "todo historia-dor deveria ser jurisconsu(to, todo jurisconsulto deveria ser historia-dor"." O certo é que o Direito vive impregnado de fatos históricos, quecomandam o seu rumo, e a sua compreensão exige, muitas vezes, oconhecimento das condições sociais existentes à época em que foielaborado. A Escola Histórica do Direito, de formação germânica, criadano início do século XIX, valorizou e deu grande impulso aos estudoshistóricos do Direito. Para esta Escola, que teve em Gustavo Hugo,Savigny e Puchta seus vultos mais preeminentes, o Direito era umproduto da História. É necessário que a História do Direito, paralelamente à análiseda legislação antiga, proceda à investigação nos documentos históri-cos da mesma época. A pesquisa histórica pode recorrer às fontesjuridicas, que tomam por base as leis, o Direito costumeiro, sentençasjudiciais e obras doutrinárias, e às fòntes não juridicas, como livros,cartas e documentos. O método a ser seguido deve ser uma conjugaçãodo crono(ógico e sistemático. Ao encetar a investigação, conformeexpõem Mouchet e Becu, o cientista deve dividir o quadro históricoem períodos de tempo para, em seguida, proceder à análise sistemáticadas instituições jurídicas.y (v. 1 6).� �

?. Direito Comparado - Não obstante a circunstância de o DireitoPositivo variar no tempo e no espaço e de ser a expressão de umarealidade viva, ele apresenta também elementos de validade universnl,cujo conhecimento pode contribuir para o avanço da legislação deoutros povos. A disciplina Direito Comparado tem por obetó o est� � om ivo de ordenamentos jurídicos de diferéntésstados,·.ax.re� � � � �

cstuuv nav pvue prenuer-se apenas as tets e aos cootgos. tmpertoso�que, paralelamente ao exame das instituições jurídiEas, se analisem osfatos culturais e políticos que serviram de suporte ao ordenamentojurídico. Ao empreender essa ordem de estudos, o especialista deve

8 Apud Jônatas Serrano, FilosoJin do Direito, 3' ed., F. Briguiet & Cia., Rio de Janeiro,1942. P· I9.9 Carlos Mouchet e Zorraquin Becu, Introducción n! Derecho, 6' ed., Editorial Perrot,Buenos Aires, I967, p. 93.

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selecionar as legislações mais avançadas no ramo a que tem interesse,pois só assim poderá obter resultados positivos. Para Vittorio Scialoja o Direito Comparado visa:

a) a dar ao estudioso uma orientação acerca do Direito de outrospaíses; b) a determinar os elementos comuns e fundamentais das institui-çõesjurídicas e registrar o sentido da evolução destas; c) a criar um instrumento adequado para futuras reformas."' O reflexo final do Direito Comparado é o aproveitamento, por umEstado, da experiência jurídica de outro. Tal hipótese, contudo, paraocorrer, exige perfeita adequação do novo conjunto normativo à retli-�dade social a que se destina. Nenhum sentimento nacionalista, por outrolado, deve criar resistência às contribuições do Direito Compartdo, de�vez que a Ciência não possui nacionalidade e é uma propriedade dogênero humano.

BIBLIOGRAFIA PR(NCIPAL

Ordern do Srrurcir'io: .< 5-Eduardo Garcia Máynez, lrrtroclrrcciórr al Estudio <lef Der·echo; MachadoNetto, Conrpêrrdio de Irttrodrrç·ão ìr Ciêncin clo Dir·eito; 6-Giorgio Del Vecchio, Liç·nes de Filosofin <lo Direito; Elías Díaz, Sociologícry Filosofin del Dere elro; 7 - Carlos Mouchet e Zorraquin Becu, /nlr·odrrcciórr nl Dererho.

10 Apud Eduardo García Máynez, Introdueeión al Estcrdin del Der·ec·hn, I2' ed., EditorialPorrua S.A., México, I964, p. 163.

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Segunda Parte

A DIMENSÃO SOCIOLÓGICA DO DIREITO

Capftulo III

0 DIREITO COMO PROCESSO DE ADAPTAÇÃO SOCIAL

Sumário: 8. O Fenômeno da Adaptaçp Hmana. 9. Direito e Adaptação.� ��

8. O Fenônemo da Adaptação Humana

1. Aspectos Gerais - Para alcançar a realização de seus ideais devida- individuais, sociais ou de humanidade - o homem tem de atenderàs exigências de um condicionamento imensurável: sctbmeter-se às leisda natureza e construir o seu mundo cctltural. São duas exigênciasvaloradas pelo Criador como requisitos à vida do homem na Terra- como vocábulo vida implicando desenvolvimento de todas as faculdades doser. .. O condicionamento, imposto ao homem de forma inexorável, geramúltiplas necessidades, por ele atendidas mediante os processos deadaptação. Graças a esse mecanismo, o homem se torna forte, resistente,apto a enfrentar os rigores da natureza, capaz de viver em sociedade,desfrutar de justiça e segurança, de conquistar, enfim, o seu mundocultural. Por dois processos distintos - interna e externamente - se faza adaptação humana.

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2. Adaptação Interna - Também denominada orgânica, estaforma de adaptação se processa através dos órgãos do corpo, sem aintervenção do elemento vontade. Tal processo não constitui privilé-gio do homem, mas um mecanismo comum a todos os seres.vivos daescala animal e vegetal. Os órgãos, em seu ininterrupto trabalho,desenvolvendo funções de vida, superám situações físicas adversas,algumas transitórias e outras permanentes, mediante transformaçõesoperadas na área atingida ou no todo orgânico. A perda de um rimpromove ativo trabalho de adaptação orgânica às novas condições,com o órgão solitário passando a desenvolver uma atividade maisintensa. Pessoas que se locomovem para regiões de maior altitudesentem-se afetadas pela menor pressão atmosférica, o que provoca oinício imediato de um processo de adaptação, no qual várias modifi-cações são realizadas, salientando-se a multiplicação dos glóbulosvermelhos no sangue. Em pouco tempo, porém, readquirem o vigorfísico, voltando às suas condições normais de vida. Alexis Carrelcoloca em evidência toda a importância desse mecanismo: "A adap-tação é essencialmente teleológica. É graças a ela que o meio internose mantém constante, que o corpo conserva a sua unidade, que se curadas doenças. É graças a ela que duramos, apesar da fragilidade e docaráter transitório dos nossos tecidos:"'

3. Adaptação Externa - Ao homem compete, com esforço einteligência, complementar a obra da natureza. As necessidades hu-manas, não supridas diretamente pela natureza, obrigam-no a desen-volver esforço no sentido de gerar os recursos indispensáveis. Cons-ciente de suas necessidades e carências, ele elabora. A atividade quedesenvolve, modelando o mundo exterior, tem um sentido de adapta-ção, de acomodar os objetos, as idéias e a vida social às suas inume-ráveis necessidades. Em conseqüência de seu esforço, perspicácia eimaginação, surge o chamado mundo da cultura, composto de tudoaquilo que ele constrói, visando a sua adaptação externa: a cadeira, ometrô, uma canção, as crenças, os códigos etc. O processo adaptativoé elaborado sempre diante de uma necessidade, configurada por umobstáculo da natureza ou de carências. Esta forma de adaptação éigualmente denominada extra-orgâiiica.

1 Alexis Carrel, O Homem, E.ese De.crnnkeridn, Editora Educaçào Nacional, Porto,p. 263.

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A própria vida em sociedade já constitui um processo de adaptaçãohumana. Para atingir a plenitude do seu ser, o homem precisa não só daconvivência, mas da participação na sociedade. Do trabalho que estaproduz, o homem extrai proveitos e se realiza não apenas quando aufereos benefícios que a coletividade gera, mas principalmente quando se fazpresente nos processos criativos.

9. Direito e Adaptação

1. Colocações Prévias - A relação entre a sociedade e o Dìreitoapresenta um duplo sentido de adaptação: de um lado, o ordenamentojurídico é elaborado como processo de adaptação social e, para isto, deveajustar-se às condições do meio; de outro, o Direito estabelecido cria anecessidade de o povo adaptar o seu comportamento aos novos padrõesde convivência. A vida em sociedade pressupõe organização e implica a existênciado Direito. A sociedade cria o Direito no propósito de formular as basesda justiça e segurança. Com este processo as ações sociais ganhamestabilidade. A vida social torná-se viáe,l. O Direito, porém, não é uma�força que gera, unilateralmente, o bem-estar social. Os valores espiri-tuais que o Direito apresenta não são inventos do legislador. Por defini-ção, o Direito deve ser uma expressão da vontade social e, assim, aIegislação deve apenas assimilar os valores positivos que a sociedadeestima e vive. O Direito não é, portanto, uma fórmula mágica capaz detransformar a n,atureza humana. Se o homem em sociedade não estápropenso a acatar os valores fundamentais do bem comum, de vivê-losem suas ações, o Direito será inócuo, impotente para realizar a suamissão. Por não ser criado pelo homem, o Direito Natural, que corres-ponde a uma ordem de justiça que a própria natureza ensina aoshomens pelas vias da experiência e da razão, não pode ser admitidocomo um processo de adaptação social. O Direito Positivo, aquele queo Estado impõe à coletividade, é que deve estar adaptado aos princí-pios fundamentais do Direito Natural, cristalizados no respeito à vida,à liberdade e aos seus desdobramentos lógicos. À indagação, no campo da mera hipótese e especulação, se oDireito se apresentaria como um processo de adaptação, caso a natu-reza humana atingisse o nível da perfeição, impõe-se a resposta nega-

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tiva. Se reconhecemos que o Direito surge em decorrência de um �necessidade humana de ordem e equilíbrio, desde que desapareça ;necessidade, cessará, obviamente, a razão de ser do mecanismo diadaptação. Outras normas sociais continuarão existindo, com o caráte.meramente indicativo, como as relativas à higiene pública, trânsitotributos, mas sem o elemento coercibilidade, que é uma característicc.exclusiva do Direito.

2. O Direito como Processo de Adaptação Social - As necessi-dades de paz, ordem e bem comum levam a sociedade à criação de umorganismo responsável pela instrumentalização e regência desses va-lores. Ao Direito é conferida esta importante missão. A sua faixaontológica localiza-se no mundo da cultura, pois representa elabora-ção humana. O Direito não corresponde às necessidades individuais ,mas a uma carência da coletividade. A sua existência exige umaequação social. Só se tem direito relativamente a alguém. O homemque vive fora da sociedade vive fora do império das leis. O homem só ,não possui direitos nem deveres. Para o homem e para a sociedade, o Direito não constitui um fim ,apenas um meio para tornar possível a convivência e o progressosocial. Apesar de possccir um substrato axiológico permanente, qccereflete a estabilidade da ` `natureza Cumana ", o Direito é um engenho�à mercê da sociedade e deve ter a sua direção de acordo com os rumossociais. As instituiçõesjurídicas são inventos humanos que sofrem varia-ções no tempo e no espaço. Como processo de adaptação social, oDireito deve estar sempre se refazendo, em face da mobilidade social.A necessidade de ordem, paz, segurança, justiça, que o Direito visa aatender, exige procedimentos sempre novos. Se o Direito se envelhe-ce, deixa de ser um processo de adaptação, pois passa a não exercer afunção para a qual foi criado. Não basta, portanto, o ser do Direito nasociedade, é indispensável o ser atccante, o ser atualizado. Os proces-sos de adaptação devem-se renovar, pois somente assim o Direito seráum instrumento eficaz na garantia do equilíbrio e da harmonia social. Este processo de adaptação externa da sociedade compõe-se denormas jurídicas, que são as células do Direito, modelos de compor-tamento social, que fixam limites à liberdade do homem, medianteimposição de condutas. Na sua missão de proporcionar bem-estar, a fim de que os homenspossam livremente atingir os ideais de vida e desenvolver o`seu potencial

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para o bem, o Direito não deve absorver todos os atos e manifestaçõeshumanas, de vez que não é o único responsável pelo sucesso das relaçõessociais. AMoral, a Religião, as Regras de Trato Social, igualmente zelampela solidariedade e benquerença entre os homens. Cada qual, porém,em sua faixa prôpria. A do Dieito é regrar a conduta social, com vista�à segurança e justiça. A sua intervenção no comportamento social deveocorrei', unicamente, em função daqueles valores. Somente os fatossociais mais importantes para o convívio social devem ser disciplinados.0 Direito, portanto, não visa ao aperfeiçoamento do homem - esta metapertence à Moral; não pretende preparar o ser humano para a conquistade uma vida supraterrena, ligada a Deus - valor perquirido pela Religião;não se preocupa em incentivar a cortesia, o cavalheirismo ou as normasde etiqueta- âmbito específico das Regras de Trato Social. Se o Direitoregulamentasse todos os atos sociais, o homem perderia a iniciativa, a�sua liberdade seria utópica e passaria a viver como acrtômato. De uma forma enfática, Portes de Miranda se refere ao Direito�como um fenônemo de adaptação: "O Direito não é outra coisa queprocesso de adaptação" ; "Direito é processo de adaptação social, queconsiste em se estabelecerem regras de conduta, cuja incidência éindependente da adesão daqueles a que a incidência da regra jurídicapossa interessar."z A vinculação entre jiretto e necessidade, essencial�àcompreensão do fenômenojurídico como processo adaptativo, é feitatambém por Recaséns Siches, quando afirma que "o Direito é algoque os homens fabricam em sua vida, sob o estímulo de umas deter-minadas necessidades; algo que vivem em sua existência com opropósito de satisfazer àquelas necessidades..."3 A dificuldade em se adaptar ao sistema jurídico, leis projetadaspara outra realidade, tem sido o grande obstáculo ao fenômeno darecepção do Direito estrangeiro.

3. A Adaptação das Ações Humanas ao Direito - A sociedadecria o Direito e, ao mesmo tempo, se submete aos seus efeitos. O novoDireito impõe, em primeiro lugar, um processo de assimilação e,posteriormente, de adequação de atitudes. O conhecimento do orde-

2 Pontes de Miranda, Comentárins à Cnnstiruição de l967,1' ed., Revista dos Tribunais,Sio Paulo,1967, tomo I, p. 3l .3 Luis Recaséns Siches, Introducción nl E.etudia del Derecho, 1' ed., Editorial PorruaS.A., México, I970, p.16.

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namento jurídico estabelecido não é preocupação exclusiva de seusdestinatários. O mundo jurídico passa a se empenhar na exegese doverdadeiro sentido e alcance das regras introduzidas no meio social.Esta fase de cognição do Direito algumas vezes é complexa. Asinterrogações que a lei apresenta abrem divergências na doutrina e nostribunais, além de deixar inseguros os seus destinatários. Com a definição do espírito da lei, a sociedade passa a viver e ase articular de acordo com os novos parâmetros. Em relação aos seusinteresses particulares e na gestão de seus negócios, os homens pautamo seu comportamento e se guiam em conformidade com os atuaisconceitos de lícito e de ilícito. As condições ambientais favoráveis à interação social não sãoobtidas com a pura criação do Direito. É indispensável que a leipromulgada ganhe efetividade, isto é, que os comandos por ela esta-belecidos sejam vividos e aplicados nos diferentes níveis de relacio-namento humano.4 O conteúdo de justiça da lei e o sentimento derespeito ao homem pelo bem comum devem ser a motivação maior dosprocessos de adaptação à nova lei. Contudo, a experiência revela queo homem, não obstante a sua tendência para o bem, é fraco. Por estemotivo a coercibilidade da lei atua, com intensidade, como estímulo àefetividade do Direito.

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Suntcirio: 8 - Alexis Carrel, O Nomem, esse Desconhecido; Queiroz Lima, Principiosde Sociologia Juridica; " 9 - L. Recaséns Siches, Introdticción al Estudio del Derecho; Pontes deMiranda, Sistema de Ciência Positiva do Direito.

4 A lei obtém ej'etividade quando observada por seus destinatários e aplicada por quemde direito.

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Capítulo IV

SOCIEDADE E DIREITO

Sumário: 10. A Sociabilidade Hnmana. 11. O "Estado de Natureza". 72. Formas de Interação Socia! e a Ação do Direito.13. A Miitua Dependêncin entre o Direito e a Sociedade.

l0. A Sociabilidade Humana�

A própria constituição física do ser humano revela que ele foiprogramado para conviver e se completar com outro ser de sua espécie.ê A prole, decorrência natural da união, passa a atuar como fator deorganização e estabilidade do núcleo fámiliar. O pequeno grupo,formado não apenas pelo interesse material, mas pelos sentimentos deafeto, tende a propagar-se em cadeia, com a formação de outros'pequenos núcleos, até se chegar à constituição de um grande gruposocial. A lembrança de Ortega y Gasset, ao narrar que a História registra,periodicamente, movimentos de "querer ir-se", conforme aconteceucom os eremitas, indo para os desertos praticar a "moné" - solidão;com os monges cristãos e, ainda, nos primeiros séculos do ImpérioRo`mano, com homens fugindo para os desertos, desiludidos da vidaública, não enfraquece a tese da sociabilidade humana. A expe-ência tem demonstrado que o homem é cápaz, durante algum�mpo, de viver isolado. Não, porém, durante a sua existência. Elenseguirá, durante esse tempo, prescindir da convivência e não da ução social. 0 exemplo de Robinson Crusoé serve para reflexão. Durantegum tempo, esteve isolado em uma ilha, utilizando-se de instrumen-achados na embarcação. Em relação àquele personagem da ficção,is fatos merecem observações. Quando Robinson chegou à ilha, já

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possuía conhecimentos e compreensão, alcançados em sociedade eque muito o ajudaram naquela emergência. Além disso, o uso deinstrumentos, certamente adquiridos pelo sistema de troca de riquezas,que caracteriza a dinâmica da vida social, dá a evidência de que, aindana solidão, Robinson utilizou-se de um trabalho social'. Examinando o fenômeno da sociabilidade humana, Aristótelesconsiderou o homem fora da sociedade "um bruto ou um deus" ,significando algo inferior ou superior à condição humana. O homemviveria como alienado, sem o discernimento próprio ou, na segundahipótese, viveria como um ser perfeito, condição ainda não alcançadapor ele. Santo Tomás de Aquino, estudando o me$mo fenômeno ,enumerou três hipóteses para a vida humana fora da sociedade:

a) mala fortuna; b) corruptio naturae; c) excellentia naturae.

No infortúnio, o isolamento se dá em casos de naufrágio ou emsituações análogas, como a queda de um avião em plena selva. Naalienação mental, o homem, desprovido de inteligência, vai viver 'distanciado de seus semelhantes. A última hipótese é a de quem possuiuma grande espiritualidade, como São Simeão, chamado "Estilita"por tentar isolar-se, construindo uma alta coluna, no topo da qual viveualgum tempo. É na sociedade, não fora dela, que o homem encontra o comple-mento ideal ao desenvolvimento de suas faculdades, de todas aspotências que carrega em si. Por não conseguir a auto-realização,concentra os seus esforços na construção da sociedade, seu habitatnatural e que representa o grande empenho do homem para adaptar omundo exterior às suas necessidades de vida.

11. O "Estado de Natureza"

É na sociedade que o homem encontra o ambiente propício aoseu pleno desenvolvimento. Qualquer estudo sobre ele há de revelar

I ... a sociabilidade penetra todo o fazer humano até o ponto que toda ação é umaverdadeira co-ação, um jnzer com nrtro.s" (Sebastión Soler, Lns Palabras de !a L,ey, I·�ed., Fondo de Cultura Económica, Mcxico,1969, p.27).

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o seu instinto de vida gregária. O pretenso "estado de natureza", emque os homens teriam vivido em solidTo, originariamente, solados uns�dos outros, é mera hipótese, sem apoio na experiência e sem dignidadecientífica. O seu estudo, entretanto, presta-se a fins cientificos, con-forme revela Del Vecchio.z Através dessa hipótese se chegará, comargumentação a contrario, à comprovação de que fora da sociedadenão há condições de vida para o homem. Acrescenta o mestre italianoque a mesma prática poderia ser adotada por um cientista da natureza ,com relação, por exemplo, à lei da gravidade. Explicar as coisas domundo, com abstração desta lei, seria um meio de demonstrar aimprescindibilidade desta.

l2. Formas de Interação Social e a Ação do Direito

1. A Interação Social - As pessoas e os grupos sociais se relacio-nam estreitamente, na busca de seus objetivos. Os processos de mútuaintluência, de relações interindividuais e intergrupais, que se formamsob a força de variados interesses, denominam-se interapão social.Esta pressupõe cultura e conhecimentpfdas diferentes espécies denormas de conduta adotadas pelo corpo social. Na relação interin-dividual, em que o ego e o alter se colocam frente a frente, com assuas pretensões, a noção comum dos padrões de comportamento eatitudes é decisiva à natural fluência do fato. O quadro psicológicoque se apresenta é abordado, com agudeza, por Parsons e Shills: "como os resultados da ação do ego dependem da reação do alter,o�ego orienta-se'não apenas pelo provável comportamento manifestodo alter, mas também pela interpretação que faz das expectativasdo alter com relação a seu comportamento, uma vez que o egoespera que as expectativas do alter influenciarão o seu comportamen-t0."3 A interação social se apresenta sob as formas de cooperação,competição e conflito e encontra no Direito a sua garantia, o instru-mento de apoio que protege a dinâmica das ações.

2 Giorgio Del Vecchio, Liçãe.c de Filosofia dn Direito, trad. da 10' ed. original, ArménioAmado, Editor, Suc., Coimbra 1959 vol. II. p. 219.3 Talcott Parsons e Edward A. Shills, in Homem e Sociedade, de Fernando H. Cardosoe Octávio Ianni, Cia. Editora Nacional. São Paulo,1966, p. 125.

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Na cooperação as pessoas estão movidas por um mesmo objetivoe valor e por isso conjugam o seu esforço. A interação se manifestadireta e positiva. Na competição há uma disputa, uma concorrência,em que as partes procuram obter o que almejam, uma visando aexclusão da outra. Uma das grandes características da sociedademoderna, esta forma revela atividades paralelas, em que cada pessoaou grupo procura reunir os melhores trunfos, para a consecução deseus objetivos. A interação, nesta espécie, se faz indireta e, sob muitosaspectos, positiva. O conflito se faz presente a partir do impasse,quando os interesses em jogo não logram uma solução pelo diálogo eas partes recorrem à luta, moral ou física, ou buscam a mediação dajustiça. Podemos defini-lo como oposição de interesses, eitre pessoas ou�grupos, não conciliados pelas normas sociais. No conflito a interação édireta e negativa. O Direito só irá disciplinar as formas de cooperação ecompetição onde houver relação potencialmente conflituosa. Os conflitos são fenônemos naturais à sociedade, podendo-se atédizer que Ihe são imanentes. Quanto mais complexa a sociedade,�quanto mais se desenvolve, mais se sujeita a novas formas de conflitoe o resultado é o que hoje se verifica, como alguém afirmou, em que"o maior desafio não é o de como viver e sim o da convivência". Conforme Anderson e Parker analisam, as formas de ação socialnão costumam desenvolver-se dentrode um único tipo de relaciona-�mento, pois "na maior parte das situações estão intimamente ligadase mutuamente relacionadas de diversas formas".5 De fato, tal fenône-mo ocorre, por exemplo, com empresas concorrentes que, no âmbitode um determinado departamento, firmam convênio para o desenvol-vimento de um projeto de pesquisa, ou se unem a fim de pleitear umbenefício de ordem fiscal. Na opinião dos dois sociólogos norte-ame-ricanos "nenhuma forma de ação é mais importante para a dinâmicada sociedade do que outra", não obstante reconheçam que uma podeser mais desejável do que a outra. Em abono à presente opinião, é dese lembrar a tese do jurisconsulto alemão, Rudolf von Ihering, paraquem a "luta" sempre foi, no desenrolar da históri, um fator de�propulsão das idéias e instituições jurídicas.

4 Pensava Heráclito que "se ajusta apenas o que se opõe, que a mais bela harmonia nascedas diferenças, que a discórdia é a lei de todo devir", apud Aristóteles, Ética a Nicômacn,VIII, I.5 Anderson e Parker, Uma Introduç·âo à Socinlogia, Zahar Editores, Rio de )aneiro.1971, p. 544.

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2. O Solidnrismo Social - Léon Duguit, no setor da Filosofia doDireito, desenvolveu uma importante teoria em relação à interaçãosocial por cooperação, no primeiro quartel do atual século. Baseandoos seus estudos no pensamento do sociólogo Émile Durkheim, quedividiu as formas de solidariedade social em "mecânica" e "orgâni-ca"," Léon Duguit estruturou a sua concepção a partir desse ponto .substituindo, porém, essas denominações com a "por semelhança" e"por divisão do trabalho", respectivamente. Consideramos a expres-são entrosamento social mais adequada, em virtude de que a palavrasolidariedade implica uma participação consciente numa situaçãoalheia, animus esse que não preside todas as formas de relacionamentosocial. O motorista de praça, que conduz um passageiro ao seu destino,não age solidariamente ao semelhante, verificando-se, tão-somente,um entrosamento de interesses. A solidariedade por semelhança caracteriza-se pelo fato de queos membros do grupo social conjugam seus esforços em um mesmotrabalho. Miguel Reale exemplifica esta modalidade: "podemos lem-brar o esforço conjugado de cinco ou dez indivíduos para levantar umbloco de granito. Este é um caso de coordenação de trabalho, que temcomo resultado uma solidariedade mecânica."' Esta forma foi maisdesenvolvida no início da civilizaçrhumana e é a espécie que�predomina entre os povos menos desenvolvidos. Na solidariedade pordivisão do trabalho a atividade global da sociedade é racionalizada edivididas as tarefas por natureza do serviço. Os homens desenvolvemtrabalhos diferentes e beneficiam-se mutuamente da produção alheia,mediante um sistema de troca de riquezas. Por essa diversificação deatividades, as tendências e vocações tendem a realizar-se. Um plano de elaboração conjunta de um anteprojeto de código,que pressupõe o trabalho solidário de juristas, pode consagrar uma ououtra forma de solidariedade, havendo, inclusive, a possibilidade daadoção das duas concomitantemente. Esta última hipótese se configu-raria quando, dividido o trabalho global em partes, cada uma destasficasse confiada a um grupo que estudaria em conjunto. A estrutura da sociedade, na teoria de Léon Duguit, estaria nopleno desenvolvimento das formas de solidariedade social. O Direito

6 Émile Durkheim, Divisão cln Trabalho Socinl, Os Pensadores, Abril Cultural, SãoPaulo, I973, cap. II e Il I.7 Ivliguel Reale, Filosofin do Direito, 7' ed., Edição Saraiva, I975, vol. II, p. 389.

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se revelaria como o. agente capaz de garantir a solidariedade social,seu fundamento, e a lei seria legítima enquanto promovesse tal tipo deinteração social.

3. A Apão do Direito - O Direito está em função da vida social.A sua finalidade é a de favorecer o amplo relacionamento entre aspessoas e os grupos sociais, que é uma das bases do progresso dasociedade. Ao separar o lícito do ilícito, segundo valores de convivên-cia que a própria sociedade elege, o ordenamento jurídico tornapossíveis os nexos de cooperaão, e disciplina a competipão, estabe-�lecendo as limitações necessárias ao equilíbrio e àjustiça nas relações. Em relação ao conflito, a ação do Direito se opera em duplosentido. De um lado, preventivamente, ao evitar desinteligênciasquanto aos direitos que cada parte julga ser portadora. Isto se fazmediante a exata definição do Direito, que deve ter na clareza, simpli-cidade e concisão de suas regras, algumas de suas qualidades. De outrolado, diante do conflito concreto, o Direito apresenta solução deacordo com a natureza do caso, seja para definir o titular do direito ,determinar a restauração da situação anterior ou aplicar penalidadesde diferentes tipos. O silogismo da sociabilidade expressa os elos quevinculam o homem, a sociedade e o Direito: Ubi homo, ibi societas;ccbi societas, ibi jus; ergo, Nbi hono, ibi jus (onde o homem, aí a�sociedade; onde a sociedade, aí o Direito; logo, onde o homem, aí oDireito). Cenário de lutas, alegrias e sofrimentos do homem, a sociedadenão é simples aglomeração de pessoas. Ela se faz por um amplorelacionamento humano, que gera a amizade, a colaboração, o amor,mas que promove, igualmente, a discórdia, a intolerância, as desaven-ças. Vivendo em ambiente comum, possuindo idênticos instintos enecessidades, é natural o aparecimento de conflitos sociais, que vãoreclamar soluções. Os litígios surgidos criam para o homem as neces-sidades de segurança e de justiça. Mais um desafio lhé é lançado: aadaptação das condutas humanas ao bem comum. Como as necessida-des coletivas tendem a satisfazer-se, ele aceita o desafio e lança-se aoestudo de fórmulas e meios, capazes de prevenirem os problemas, depreservarem os homens, de estabelecerem paz e harmonia no meiosocial. O Direito se manifesta, assim, como um corolário inafastávelda sociedade.

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A sociedade sem o Direito não resistiria, seria anárquica, teriao seu fim. O Direito é a grande coluna que sustenta a sociedade.Criado pelo homem, para corrigir a sua imperfeição, o Direito repre-senta um grande esforÇo, para adaptar o mundo exterior às suasnecessidades de vida.

13. A Mútua Dependência entre o Direito e a Sociedade

1. Fato Social e Direito - Direito e sociedade são entidadescongênitas e que se pressupõem. O Direito não tem exÌstência em sipróprio. Ele existe na sociedade. A sua causa material está nas relaçõesde vida, nos acontecimentos mais importantes para a vida social. Asociedade, ao mesmo tempo, é fonte criadora e área de ação do Direito,seu foco de convergência. Existindo em função da sociedade, o Direitodeve ser estabelecido à sua imagem, conforme as suas peculiaridades,refletindo os fatos sociais, que significam, no entendimento de ÉmileDurkheim, "maneiras de agir, de pensar e de sentir, exteriores aoindivíduo, dotadas de um poder de coerção em virtude do qual se Iheimpõem" .R Fatos sociais são criações históricas do povo, que refletem osseus costumes, tradições, sentimentos e cultura. A sua elaboração élenta, imperceptível e feita espontaneamente pela vida social. Costu-mes diferentes implicam fatos sociais diferentes. Cada povo tem a suahistória e seus fatos sociais. O Direito, como fenômeno de adaptaçãosocial, não pode formar-se alheio a esses fatos. As normas jurídicasdevem achar-se conforme as manifestações do povo. Os fatos sociais,porém, não são as matrizes do Direito. Exercem importante influência,mas o condicionamento não é absoluto. Nem tudo é histórico e con-tingente no Direito. Ele não possui apenas um conteúdo nacional,como adverte Del Vecchio. A natureza social do homem, fonte dosgrandes princípios do Direito Natural, deve'orientar as "maneiras deagir, de pensar e de sentir do povo" e dimensionar todo o jus positum.Falhando a sociedade, ao estabelecer fatos sociais contrários à nature-za social do homem, o Direito não deve acompanhá-la no erro. Nesta

8 Émile Durkheim, As Regras do Métndn Sociológico, ua. Editora Nacional, São Paulo,1%0, cap. I. Sobre a presente definição, v. José Florentino Duarte, O Direito comn FatnSocial, Sérgio Antônio Fabris Editor, Porto Alegre,1982, p.17 e segs.

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hipótese, o Direito vai superar os fatos existentes, impondo-lhesmodificações. 2. O Papel do Legislador - O Direito é criado pela sociedadepara reger a própria vida social. No passado, manifestava-se exclusi-vamente nos costumes, quando era mais sensível à influência davontade coletiva. Na atualidade, o Direito escrito é forma predominan-te, malgrado alguns países, como a Inglaterra, Estados Unidos e algunspovos muçulmanos, conservarem sistemas de Direito não escrito. OEstado moderno dispõe de um poder próprio, para a formulação doDireito - o Poder Legislativo. A este compete a difícil e importantefunção de estabelecer o Direito.

Semelhante ao trabalho de um sismógrafo, gue acusa as vibra-ções havidas no solo, o legislador deve estar sensivel às mudanÇas�sociais, registrando, nas leis e nos códigos, o novo Direito.

Atento aos reclamos e imperativos do povo, o legislador devecaptar a vontade coletiva e transportá-la para os códigos. Assimformulado, o Direito não é produto exclusivo da experiência, nemconquista absoluta da razão. O povo não é seu único autor e o legisladornão extrai exclusivamente de sua rzo os modelos de conduta. O� �concurso dos dois fatores é indispensável à concreção do Direito. Estepensamento é confirmado por Edgar Bodénheimer, quando afirmaque ` `seria unilateral a afirmação de que só a razão ou só a experiênciacomo tal nos deveriam guiar na administração da justiça".y No presente, o Direito não representa somente instrumento dedisciplinamento social. A sua missão não é, como no passado, apenasa de garantir a segurança do homem, a sua vida, liberdade e patrimô-nio. A sua meta é mais ampla, é a de promover o bem comum, queimplica justiça, segurança, bem-estar e progresso. O Direito, na atua-Iidade, é um fator decisivo para o avanço social. Além de garantir ohomem, favorece o desenvolvimento da ciência, da tecnologia, daprodução das riquezas, o progresso das comunicações, a elevação donível cultural do povo, promovendo ainda a formação de uma cons-ciência nacional. O legislador deste final de século não pode ser mero espectadordo panorama social. Se os fatos caminham normalmente à frente do

9 Edgar Bodenheimer, Ciênria do Diieito, Filo.sofia e Metodnlogia Juridicas, Forense,Rio,1966, p. 178.

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Direito, conforme os interesses a serem preservados, o legisladordeverá antecipar-se aos fatos. Ele deve fazer das leis uma cópia doscostumes sociais, com as devidas correções e complementações. Ovolksgeist deve informar às leis, mas o Direito contemporâneo não ésimples repetidor de fórmulas sugeridas pela vida social. Se de umlado o Direito recebe grande influxo dos fatos sociais, provoca, igual-mente, importantes modificações na sociedade.Quando da elaboraçãoda lei, o legislador haverá de considerar os fatores histórico, nctturale cientifico e a sua conduta será a de adotar, entre os vários modelospossíveis de lei, aquele que mais se harmonize com os três fatores. Earl Warren, na presidência da Suprema Corte Norte-Americana,salientou a importância do Direito para o progresso e segurança dospovos: "A história tem demonstrado que onde a lei prevalece, aliberdade individual do Homem tem sido forte e grande o progresso.Onde a lei é fraca ou inexistente, o caos e o medo imperam e oprogresso humano é destruído ou retardado"."' As transformações que o mundo atual experimenta, no setorcientífico e tecnológico, vêm favorecendo as comunicações humanas,tão precárias no passado. O mundo caminha para transformar-se numagrande aldeia. O desenvolvimento das comunicações entre povosdistantes e de diferentes origens provocar fenômeno da acctlturaão� � �e, em conseqüência, a abertura de um caminho para a unificação dosfatos sociais e uma tendência para a universalidade do Direito. Aunificação absoluta, tanto dos fatos sociais quanto do Direito, seráinalcançável, em face da permanência de diversidades culturais.

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário: 10 - Giorgio del Vecchio, Lições de Filosofia do Direito; 11- Idem; 12 - Émile Durkheim, As Regras do Método Sociológico; Da Divisão doTrabalho Social; Paulo Dourado de Gusmão, Introdução ao Estudo do Direito; 13 - Mouchet e Becu, Introducción al Derecho; Felippe Augusto de MirandaRosa, Sociologia do Direito; losé Florentino Duarte, O Direito como Fato Social.

10 Earl Waren, Tribuna dn Justiça, no 357, de 28. I 1.66, artigo "A busca da paz por meio�da Lei". Warren presidiu a Suprema Corte no período de 1953 a 1969 e notabilizou-sepela defesa dos direitos individuais e proteção aos direitos das minorias.

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i:.,.� Capítulo V

INSTRUMENTOS DE CONTROLE SOCIAL

Sumário:14. Considerações Prévias.15. Normas Éticas,e Normas Técni- cas.16. Direito e Religiâo. l7. Direito e Moral.18. O Direito e as Regras de Trato Social.

14. Considerações Prévias

O Direito não é o único instrumento responsável pela harmonia da vida social. A Moral, Religião e Regras de Trato Social são outros processos normativos que condicionam a vivência do homem na sociedade. De todos, porém, o Direitgéo que possui maior pretensão de efetividade, pois não se limita a descrever os modelos de conduta social, simplesmente sugerindo ou aconselhando. A coação - força a serviço do Direito - é um de seus elementos e inexistente nos setores da Moral, Regras de Trato Social e Religião. Para que a sociedade ofereça um ambiente incentivador ao relacionamento entre os homens, é fundamental a participação e colaboração desses diversos instrumen- tos de controle social. Se os contatos sociais se fizessem exclusiva- mente sob os influxos dos mandamentos jurídicos, a socialização não se faria por vocação, mas sob a influência dos valores de existência. Os negócios humanos, por sua vez, atingiriam limites de menos expressão. A convivência não existiria como um valax em si mesma, pois teria um significado restrito de meio. O mundo primitivo não distinguiu as diversas espécies de orde- namentos sociais. O Direito absorvia questões afetas ao plano da consciência, própria da Moral e da Religião, e assuntos não pertinentes à disciplina e equilíbrio da sociedade, identificados hoje por usos sociais. Na expressão de Spencer, as diferentes espécies de normas éticas se achavam em um estado de homogeneidade indefinida e

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incoerente. Todos esses processos de organização social vinham reu-nidos em um só embrião. A partir da Antigüidade clássica, segundoJosé Mendes, começou-se a cogitar das diferenciações. O mesmo autorchama a atenção para o fato de que, ainda no presente, os indivíduosdas classes menos favorecidas olham as normas reitoras da sociedadecomo um todo confuso, homogêneo e indefinido. Para eles "os terri-tórios ainda estão pro indiviso."' O jurista e o legislador do séc. XX não podem confundir asdiversas esferas normativas. O conhecimento do campo de aplicaçãodo Direito é um a priori lógico e necessário à tarefa de elaboração dasnormas jurídicas. O legislador deve estar cônscio da legítima faixa deordenamento que é reservada ao Direito, para não se exorbitar, alcan-çando fenômenos sociais de outra natureza, específicos de outrosinstrumentos controladores da vida social. Toda normajurídica é umalimitação à liberdade individual e por isso o legislador deve regula-mentar o agir humano dentro da estrita necessidade de realizar os finsque estão reservados ao Direito: segurança através dos princípios dejustiça. É indispensável que se demarque o território do Jus, de acordocom as finalidades que 1he estão reservadas na dinâmica social. Ocontrário, com o legislador tendo carripo aberto para dirigir inteira-mente a vida humana, seria fazer do Direito um instrumento deabsoluto domínio, em vez de meio de libertação. O Direito seria amáquina da despersonalização do homem. Se não houvesse um raiode ação como limite, além do qual é ilegítimo dispor; se todo equalquer comportamento ou atitude tivesse de seguir os parâmetros dalei, o homem seria um robot, sua vida estaria integralmente programa-da e já não teria o mesmo valor (v. § 17, letra b, mínimo ético).

15. Normas Éticas e Normas Técnicas

A atividade humana, além de subordinar-se às leis da natureza econduzir-se conforme as normas éticas, ditadas pelo Direito, Moral,Religião e Regras de Trato Social, tem necessidade de orientar-se

1 JosB Mendes, Ensaios de Filo.oofia dn Direitn, Duprat & Cia., São Paulo,1903, vol.1,p. 2I .

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pelas chamadas normas técnicas, ao desenvolver o seu trabalho econstruir os objetos culturais. Enquanto as normas éticas determinamo agir social e a sua vivência já constitui um fim, as normas técnicasindicam fórmulas do fazer e são apenas meios que irão capacitar ohomem a atingir resultados. Estas normas, que alguns preferem denominá-las apenas porregras técnicas, não constituem deveres, mas possuem o caráter deimposição àqueles que desejarem obter determinados fins. São neutrasem relação aos valores, pois tanto podem ser empregadas para o bemquanto para o mal. Foram definidas por Santo Tomás de Aquino como"certa ordenação da razão acerca de como, por quais meios, os atoshumanos chegaram a seu fim devido".2 Para que uma nova descoberta científica seja acompanhada porum correspondente avanço tecnológico, o homem tem de estudar asnormas técnicas a serem utilizadas. Isto se dá em relação aos várioscampos de investigação do conhecimento. O saber teórico da medicinaseria ineficaz se, paralelamente, não houvesse um conjunto de normastécnicas já assentadas, capazes de, como meios, levarem a resultadospráticos. A concepção científica de novos princípios do Direito nãoproduziria resultados sem os contributos da técnica jurídica, queorienta a elaboração dos textos legislatiuos (v. § 126). L

16. Direito e Religião

1. Aspectos Históricos - Por muito tempo, desde as épocas maisrecuadas da história, a Religião exerceu um domínio absoluto sobre ascoisas humanas. A falta do conhecimento científico era suprida pelafé. As crenças religiosas formulavam as explicaçõs necessárias. Se-gundo o pensamento da época, Deus não só acompanhava os aconte-cimentos terrestres, mas neles interferia. Por sua vontade e determina-ção, ocorriam fenômenos que afetavarn os interesses humanos. Diantedas tragédias, viam-se os castigos divinos; com a fartura, via-se oprêmio. O Direito era considerado como expressão da vontade divina. Emseus oráculos, os sacerdotes recebiam de Deus as leis e os códigos.

2 Apud Federico Torres Lacroze, Manual de lntroducción al Derecha, La Ley, BuenosAires, I%9, p. 36.

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Pela versão bíblica, Moisés recebeu das mãos de Deus, no MonteSinai, o famoso ·decslogo. Conservado no museu do Louvre, naFrança, há um exemplar do Código de Hamurabi (2000 a.C.) escul-pido em pedra, que apresenta uma gravura onde aparece o deusSchamasch entregando a legislação mesopotâmica ao Imperador(v. § 120). Nesse largo período de vida da humanidade, em que o Direito seachava mergulhado na Religião, a classe sacerdotal possuía o mono-pólio do conhecimento jurídico. As fórmulas mais simples eram di-vulgadas entre o povo, mas os casos mais complexos tinham de serIevados à autoridade religiosa. Os textos não eram divulgados. Duran-te a Idade Média, ficaram famosos os chamados juizos de Deus, quese fundavam na crença de que Deus acompanhava os julgamentos einterferia najustiça. As decisões ficavam condicionadas a umjogo desorte e de azar.j A laicização do Direito recebeu um grande impulso no séc. XVII,através de Hugo Grócio, que pretendeu desvincular a idéia do DireitoNatural, de Deus. A síntese de seu pensamento está expressa na frasecategórica: "O Direito Natural existiria, mesmo que Deus não exis-tisse ou, existindo, não cuidasse dos assuntos humanos." O movimen-to de separação entre o Direito e a Rgligião cresceu ao longo do séc.XVIII, especialmente na França, nos anos que antecederam a Revolu-ção Francesa. Vários institutosjurídicos se desvincularam da Religião,como a assistência pública, o ensino, o estado civil. Modernamente,os povos adiantados separaram o Estado da Igreja, ficando, cada qual,com o seu ordenamento próprio. Alguns sistemas jurídicos, contudo,continuam a ser regidos por livros religiosos, notadamente no mundomuçulmano. No início de 1979, o Irã restabeleceu a vigência doAlcorão, livro da seita islâmica, para disciplicinar a vida do seu povo(v. § 120).

3 Hélio Tornaghi descreve várias espécies de ordália - do alemão Urteil: sentença -,entre as quais a prnva da cruz. Por ela, "quando alguém fosse morto em rixa, escolhiam-sesete rixadores, que eram levados à frente de um altar. Sobre este punham-se duas varinhas,uma das quais marcada com uma cruz. e ambas envolvidas em pano. Em seguida tirava-seuma delas: se saia a que não tinha marca, era sinal de que o assassino não estava entre ossete. Se, ao contrário, satn a assinalada. concluia-se que o homicida era um dos presentes.Repetia-se a experiência em relação a cada um deles, até sair a vara com a cruz, que sesupunha npontar o criminoso." (!n /nstiuições de Processo Penal, 1' ed., Forense, Rio,�1959, tomo IV, p. 210).

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2. Convergência e peculiaridades - Além de abranger uma partedescritiva, a Religião é um sistema de princípios e preceitos, que visaa realização de um valor supraterreno: a divindade. A sua preocupaçãofundamental é a de orientar os homens na busca e conquista dafelicidade eterna. Um sistema religioso não se limita a descrever oálém ou a figura do Criador. Define o caminho a ser percorrido peloshomens. Para este fim, estabelece uma escala de valores a seremcultivados e, em razão deles, dispõe sobre a conduta humana. Esseconjunto ético deve ser, forçosamente, uma interpretação sobre obem. De onde se infere que a doutrina religiosa, enquanto define ocomportamento social, é instrumento valioso para a harmonia e abenquerença entre os homens. Ao chamarem a atenção para o fato deque a Religião é "um dos mais poderosos controles sociais de quedispõe a sociedade", Anderson e Parker expõem que "A injustiça e aimoralidade, que diminuem o homem e impedem o desenvolvimentoda personalidade, são intoleráveis para as pessoas verdadeiramentereligiosas".' Há vários pontos de convergência entre o Direito e a Religião. Omaior deles diz respeito à vivência do bem. É inquestionável que ajustiça, causa final do Direito, integra a idéia do bem. Assim, o valorjustiça não é consagrado apenas pelo ordenamento jurídico. Este seinteressa pela realização da justiça apénas dentro de uma equaçãosocial, na qual participa a idéia do bem comum. A Religião analisa ajustiça em âmbito maior, que envolve os deveres dos homens para como Criador. Os dois processos normativos possuem ativos elementos deintimidação de conotações diversas. A sanção jurídica, em sua gene-ralidade, atinge a liberdade ou o patrimônio, enquanto que a religiosalimita-se ao planó espiritual. Há duas diferenças estruturais entre o Direito e a Religião, naconcepção de Legaz y Lacambra.5 A alteridade, essencial ao Direito,não é necessária à Religião. Se a história de Robinson Crusoé nosrevelasse um homo religiosus, esse personagem, que se achava forado império das leis, sem direitos ou deveres júrídicos, estaria subordi-nado às normas de sua Religião. A opinião de Legaz y Lacambra éconfirmada por Mayer, para quem "o próximo não é um elemento

4 Anderson e Parker, op. cit., p. 722.5 Luis Legaz y Lacambra, Fitosnfia del Derechn, 2' ed., Bosch, Casa Editorial.Barcelona,1961, p. 4I9.

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necessário da idéia religiosa". O semelhante é visto assim, dentro�desta perspectiva de análise, como algo circunstancial. O que seprojeta como fundamental é a prática do bem, nas diversas s'ttuaçõesem que o homem se encontre. A Religião, costuma-se dizer, é odiálogo do homem com Deus. A segunda diferença estrutural apontada pelo autor reside no fatode que o Direito tem por meta a segurança, enquanto que a Religiãoparte da premissa de que esta é inatingivel. Ao descrever o mistérioda vida e da eternidade, a Religião revela a fraqueza e a insegurançahumana. Entendemos, neste particular, que a comparação não tomoupor base a correspondência de caracteres. A segurança procurada peloDireito nada tem a ver com a segurança questionada pela Religião. Asegurançajurídica se alcança a partir da certe2a ordenadora, enquantoque a religiosa se refere a questões transcendentais (v § 22).

17. Direito e Moral

1. Generalidades - A análise comparativa entre a ordem morale a jurídica é importante não apenas quando indica os pontos dedistinção, mas também quando destaca os focos de convergência. Acompreensão cabal do Direito não pode prescindir do exame dosintricados problemas que esta matéria apresenta. Apesar de antigo, otema oferece aspectos que se renovam e que despertam o intéressecientlfico dos estudiosos. Seu estudo mais aprofundado pertence àdisciplina Filosofia do Direito, enquanto que à Introdução ao Estudodo Direito compete estabelecer os lineamentos que envolvem os doisprocessos normativos. Direito e Moral são instrumentos de controlesocial que não se excluem, antes, se completam e rnutuamente seinfluenciam. Não obstante cada qual tenha seu objetivo próprio, éindispensável que a análise cuidadosa do assunto mQstre a ação con-junta desses processos, evitando-se colocar um abismo entre o Direitoe a Moral. Seria um grave erro, portanto, pretender-se a separação ouo isolamento de ambos, como se fossem sistemas absolutamenteautônomos, sem qualquer comunicação, estranhos entre si. O Direito,

6 Max Ernst Mayer, Filosofia del Derechn, trad. da 2' ed., Editorial Labor S.A.,Barcelona, I937, p. 102.

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malgrado distinguir-se cientificamente da Moral, é grandemente in-fluenciado por esta; de quem recebe valiosa substância. Direito e Moral,afirmou Giorgio del Vecchio, "são conceitos que se distinguem, mas quenão se separam". Tal distinção, contudo, é farefa das mais difíceis,constituindo-se no "Cabo de I-Iorn" da Filosofia do Direito, conformeexpressão de Ihering.

2. A Noção da Moral - A pesquisa quanto ao nível de relaçãoentre o Direito e a Moral exige o conhecimento prévio das notasessenciais destes dois setores da Ética. Pelos capítulos anteriores, jános familiarizamos com a idéia do Direito e seus caracteres maisgerais, impõe-se, agora, idêntico procedimento quanto à Moral. Estase identifica, fundamentalmente, com a noção de bein, que constitui oseu valor. As teorias e discussões filosóficas que se desenvolvem emseu âmbito giram em torno do conceito de bem. Esta é a palavra-chaveno campo da Moral e que deflagrou, ao longo da história, intermináveldissídio, que teve início na antiga Grécia, entre os estóicos e osseguidores de Epicuro. Para o estoicismo o bem consistia no despren-dimento, na resignação, em saber suportar serenamente o sofrimento,pois a virtude se revelava como a únia fonte da felicidade. Em�oposição à escola fundada por Zenão deítio, o epicurismo identificou��a idéia de bem com o prazer, não um prazer desordenado, masconcebido dentro de uma escala de importância. Modernamente ossistemas éticos ainda se dividem, com variações, de acordo com ovelho antagonismo grego. Consideramos bem tudo aquilo que promove o homem de umaforma integral e integrada. Integral significa a plena realização dohomem, e integrada, o condicionamento a idêntico interesse do pró-ximo. Dentro desta concepção tanto a resignação quanto o prazerpodem constituir-se em um bern, desde que não comprometam odesenvolvimento integral do homem e nem afetem igual.interesse dosmembros da sociedade. A fonte de conhecimento do bem há de ser aordem natural das coisas, aquilo que a natureza revela e ensina aoshomens e a via cognoscitiva deve ser a experiência combinada com arazão. A partir da idéia matriz de bem, organizam-se os sistemas éticos,deduzem-se princípios e chegam-se às normas morais, que vão orien-tar as consciências humanas em suas atitudes.

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3. Setores da Moral - O paralelo entre o Direito e a Moral nãopode conduzir a resultados claros e positivos, sem a prévia distinçãoentre os vários setores da Moral. Impõe-se, em primeiro lugar, adistinção entre a Moral natural e a Moral positiva, analogamente àsduas ordens que o Direito apresenta. A Moral natural não resulta deuma convenção humana. Consiste na idéia de bem captada diretamentena fonte natureza, isto é, na ordem que envolve, a um só tempo, a vidahumana e os objetos naturais. A Moral natural toma por base não oque há de peculiar a um povo, mas considera o que há de permanenteno gênero humano. Corresponde à idéia de bem que não varia no tempoe no espaço e que deve servir de critério à Moral positiva. Esta se reveladentro de uma dimensão histórica, como a interpretação que o homem,de um determinado lugar e época, faz em relação ao bem. A Moral positiva possui três esferas distintas, que HeinrichHenkel denomina por: a) Moral autônoma; b) Ética superior dossistemas religiosos; c) Moral social.' Como o autor esclarece, qualquerreferência sobre a Moral deve, forçosamente, particularizar a esferacorrespondente, pois a não-diferenciação pode conduzir a qualifica-ções falsas. A Moral autônoma corresponde à noção de bem particular acada consciência. O homem atua como legislador para a sua própriaconduta. A consciência individual, que é o centro da Moral autôno-ma, com base na exeriência pessoal, elege o dever-ser a que se�obriga. Esta esfera exige vontade livre, isenta de qualquer condicio-namento. A Ética superior dos sistemas religiosos consiste nas noçõesfundamentais sobre o bem, que as seitas religiosas consagram e trans-mitem a seus seguidores. Ao aderir ou confirmar a fé por determinadaReligião, a consciência age em estado de liberdade, com autonomiade vontade. Se o sistema religioso não for um todo coerente e harmô-nico e se alguns preceitos se desviarem de suas linhas doutrináriasgerais, pode ocorrer conflito entre essas normas e a consciênciaindividual. Neste momento, a ética superior se revelá fleterônoma, istoé, os preceitos serão acatados não com vontade própria, mas emobediência à crença em uma força superior, que o próprio sistemareligioso procura expressar. Heinrich Henkel admite, em termos, a

7 Heinrich Henkel, /ntroducción a la Filocofia del Derecho, Biblioteca Politica Taurus,Madrid,1%8, p. 2I8.

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autonomia dessa esfera da Moral sab o argumento de que a Religião"só fornece conteúdos normativos, como princípios gerais reitores daatuação moral... " o que permite, aos seguidores da seita religiosa,ema certa flexibilidade, uma faixa de liberdade, que favorece a adap-tação da conduta àqueles princípios. A Moral social constitui um conjunto predominante de princí- os e de critérios que, em cada sociedade e eru.cada época, orienta aconduta dos indivíduos. Socialmente cada pessoa procura agir emceuformidade com as exigências da Moral social, na certeza de queseus atos serãojulgados à luz desses princípios. Os critérios éticos nãonascem, pois, de uma determinada consciência individual. Na medidaem que a Moral autônoma não coincide com a Moral social, estaassume um caráter heterônomo e impõe aos indivíduos uma norma deagir não elaborada por sua própria consciência.

4. 0 Paralelo entre a Moral e o Direito�

4.1. Grécia e Roma - A Filosofia do Direito surgiu na Gréciaantiga e, por este motivo, é natural que o .x'áme da presente questão�sc inicie justamente ali, no berço das especulações mais profundassobre o espírito humano. É opinião corrente entre os expositores damatéria, que os gregos não chegaram a distinguir, na teoria e narática, as duas ordens normativas. O falo de o ensamento delatão e Aristóteles registrar "la conce ción de la moralidad como em interna" P , conforme destaca García Máynez, não induz ànvicção de que ambos chegaram a distinguir o Direito da Moral.m seus diálogos, Platão considerou a justiça como virtude, eistóteles, apesar de atentar para o aspecto social da justi ansiderou-a, dentro da mesma perspectiva, como o princí io deas as virtudes. Pg O Estado grego não se limitava a dispor a respeito dos problemasociais. Preocupado em desenvolver também uma função educativa�egava a interferir nos assuntos particulares das pessoas, o que não�pscitava polêmica. Não havia nascido ainda, conforme lembra-noslbelardo Torré, a noção acerca dos direitos humanos fundamentais.Is gregos chegaram a distinguir apenas a ordem religiosa da ordembral e, na opinião de alguns, nem sequer se aperceberam da especi-cidade dos dois segmentos principais da Ética.

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Ao espírito especulativo e teórico dos gregos correspondeu aíndole pragmática dos romanos. Se as primeiras reflexões sobre oDireito originaram-se na Grécia, Roma foi a origem da Ciência doDireito. Foi lá que se formou o primeiro grande sistema jurídico,representado pelo Corpus Juris Civilis (ano 533 d.C.), considerado aratio scripta. Essa primeira grande codificação do Direito soube situaros fenômenos jurídicos distintamente do plano da Moral. Roma, po-rém, não nos legou uma teoria diferenciadóra. Ao definir o Direitocomo "a arte do bom e do justo", o jurisconsulto Celso confundiu asduas esferas, de vez que o conceito de bom pertence à Moral. Ossempre invocados princípios Honeste vivere, alterum non laedere,suum cuique tribuendi (viver honestamente, não lesar a outrem, dar acada um o que é seu), formulados na Instituta de Justiniano e conside-rados como a definição romana de Direito, confirmam a não diferen-ciação doutrinária entre o Direito e a Moral, de vez que a primeiramáxima - viver honestamente - possui caráter puramente moral.Alguns autores, conforme realça Ruiz Moreno, afirmam que os trêsprincípios devem ser interpretados em conjunto e não separadamente,o que implicaria, então, revisão da crítica apresentada. Em contrapar-tida às duas citações, indica-se a afrmação do jurisconsulto Paulo:�Non omne quod licet, honestccm es(nem tudo que é lícito é honesto).�Apesar de não expressar qualquer critério diferenciador, é inegávelque o autor fez uma referência às esferas do Direito e da Moral.

42. Critérios de Tomásio, Kant e Fichte - Com o desapareci-mento do Império Romano, a Europa experimentou uma fase dedeclínio cultural que, em alguns aspectos, a assemelhou aos povosprimitivos. Em um longo período da Idade Média o Direito não sedistinguiu da Moral e da Religião. Foi Cristiano Tomásio, em sua obra Fundamenta Jccris Natccraeet Gentium, em 1705, quem formulou o primeiro critério diferenciadorentre o Direito e a Moral. Ojurista e filósofo alemãQ, com a sua teoria,pretendeu limitar a área do Direito ao foro externo das pessoas,negando ao poder social legitimidade para interferir nos assuntosligados ao foro interno, reservado à Moral. O Direito se ocupariaapenas dos aspectos exteriores do comportamento social, sem sepreocupar com os elementos subjetivos da conduta, ficando, assim,alheio aos problemas da consciência. A importância deste critério, doponto de vista teórico, foi a de abrir uma perspectiva para aperfeiçoa-dos estudos. A teoria de Tomásio apresenta uma dose de radicalismo:

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o Direito ocupando-se apenas do forum externum e a Moral voltando-se apenas para o forum internum. Se, em linhas gerais, os dois proces-sos normativos assim se caracterizam, em muitas situações vemos oDireito interessar-se pelo animus da ação, pelo elemento vontade,como acontece em matéria penal, onde a intenção do agente é de sumatelevância à configuràção do delito. A Moral, por outro lado, não se�satisfaz apenas com a boa intenção, pois exige a prática do bem. Aoelaborar essa teoria, Tomásio estava motivado por interesse denatureza política, pois pretendeu subtrair da esfera de competênciado Estado as questões referentes ao pensamento, à liberdade deconsciência, à ideologia, ao credo religioso. Foi influenciado tam-bém pelo fato de que eram comuns, naquela época, os processos deheresia e magia, em que se procurava, pela tortura, descobrir a inten-ção dos acusados. Emmanuel Kant e Fichte levaram avante a concepção de Tomá-sio reproduzindo-a com alguns acréscimos. Para o filósofo de Koe-nigsberg, uma conduta se põe de acordo com a Moral, quando tem porIotivação, unicamente, o respeito ao dever, o amor ao bem. Quanto�to Direito, este não tem de sé preocupar com os motivos que determi-�tam a conduta, senão com os seus aspectos exteriores. Em duas�máximas, expõe o seu pensamento. Em reção à Moral: "aja de tal��maneira que a máxima de teus atos possa valer como princípio delegislação universal." Ao mesmo tempo em que reconhece a autono-mia da consciência, exige que a conduta possa servir de modelo paraohomem, pois somente assim terá valor moral. Em relação ao Direito:"procede exteriormente de tal modo que o livre uso de teu arbítrio sa coexistir com o arbítrio dos demais, segundo uma lei universal liberdade". Por esta máxima, infere-se que o fundamento doDireito repousà na liberdade. Fichte exagerou a distinção kantiana, colocando distâncias queae afguram como verdadeiro abismo entre o Direito e a Moral. Partiuda premissa de que o Direito permite situações que a Ioral não�` ncorda, como seria o caso de um credor podér levar o seu devedor estado de pobreza e miséria. Para Del Vecchio, contudo, só haveria ntradição entre dois setores da Ética, se o Direíto obrigasse a uma nduta proibida pela Moral." Com a divulgação das teorias queconsideravam o Direito e a Moral como dois processos desvinculados,

Giorgio del Vecchio, op. cit., vol. 2, p. 95.

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quase estranhos, surgiu uma reação por parte de muitos pensadores,preocupados corr uma recolocação do problema, com o objetivo de�reaproximar, na Filosofia do Direito, as duas ordens.

4.3. Modernos Critérios de Distinção - São várias as teorias,fórmulas e critérios de distinção, atualmente apresentados. Todos têmsido alvo de críticas, a tal ponto que se corre o risco de um recuohistórico, à época em que as normas éticas constituíam um todohomogêneo e indiferenciado. Para o exame da matéria, parece-nosobrigatório o método adotado por Alessandro Groppali, que traça oparalelo entre o Direito e a Moral, separando os aspectos forma econteúdo.9

4.3.1. - Distinções de Ordem Formal

a) A Determinafão do Direito e a Forma não Concreta da Moral-Enquanto o Direito se manifesta mediante um conjunto de regras quedefinem a dimensão da conduta exigida, que especificam a fórmula doagir, a Moral, em suas três esferas, estabelece uma diretiva mais geral,sem particularizações.

b) A Bilateralidade do Direito e a Unilateralidade da Moral -As normas jurídicas possuem uma estrutura imperativo-atributiva,isto é, ao mesmo tempo em que impõem um dever jurídico a alguém,atribuem um poder ou direito subjetivo a outrem. Daí se dizer que acada direito corresponde um dever. Se o trabalhador possui direitos,o empregador possui deveres. A Moral possui uma estrutura maissimples, pois impõe deveres apenas. Perante ela, ninguém tem o poderde exigir uma conduta de outrem. Fica-se apenas na expectativa de opróximo aderir às normas. Assim, enquanto o Direito é bilateral, aMoral é uriilateral. Chamamos a atenção para o fato d'e que este critériodiferenciador não se baseia na existência ou não de vínculo social. Seassim o fosse, seria um critério ineficaz, pois tanto a Moral quanto oDireito dispõem sobre a convivência. A esta qualidade vinculativa,que ambos possuem, utilizamos a denominação alteridade, de alter,

9 Alessandro Groppali, Introdufão no Estudo di Direito, Coimbra Editora Ltda.,�Coimbra,1968, p. 75.

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outro. À característica apontada do Direito, Miguel Reale preferedenominar bilateridade atribiitiva. "' No quadro comparativo que apre-senta sobre os campos da Ética, em sua obra Lições Preliminares deDireito, assinala a bilateridade como característica da Moral. O autordistingue, portanto, a bilateralidade atributiva da simples bilateralida-de, termo este que emprega no sentido de liame ou vínculo social.

c) Exterioridade do Direito e Interioridade da Moral - A partirde Tomásio, surgiu o presente critério, desenvolvido por Kant, poste-riormente, e conduzido ao extremo por Fichte. Afirma-se que o Direitose caracteriza pela exterioridade, enquanto que a Moral, pela interio-ridade. Com isto se quer dizer, modernamente, que os dois camposseguem linhas diferentes. Enquanto a Moral se preocupa pela vidainterior das pessoas, como a consciência, julgando os atos exterioresapenas como meio de aferir a intencionalidade, o Direito cuida dasações humanas em primeiro plano e, em função destas, quando neces-sário, investiga o animus do agente. Este critério nos parece verdadeiropara as esferas da Moral autônoma e religiosa sem atingir a Moralsocial. Partindo da premissa de que não há atos puramente externos,porque as ações revelam sempre algo qpe se passa no interior, ElíasDíaz prefere outra terminologia: atos irtreriorizados e exteriorizados."Os primeiros figuram apenas no plano do pensamento, enquanto osexteriorizados, que já possuem ctna 2ona de intencionalidad, têm umadimensão objetiva, mostram-se externamente. Para o jusfilósofo espa-nhol, o Direito se limita aos atos exteriorizados, enquanto que a Moralse ocupa tanto dos interiorizados quanto dos exteriorizados. Estecritério, como o próprio autor confessa, não é decisivo, mas é impor-tante ao afirmar que o Direito não deve interferir no plano do pensa-mento, da consciência, dos atos que não se exteriorizam.

d) Autonomia e Heteronomia - De uma forma generalizada, oscompêndios registram a autonomia, querer espontâneo; como um doscaracteres da Moral. Nesta parte, é indispensável a distinção suscitadapor Heinrich Henkel. Se a adesão espontânea ao padrão moral éinerente à Moral autônoma e peculiar à Ética superior, o mesmo não

10 Miguel Reale, Lições Preliminares de Direitn, 3' ed., Saraiva S.A., São Paulo,1976,p. 57.I I Elfas Diaz, op. cit., p. l9.

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ocorre em relação à Moral social. Diante do conjunto de exigências morais que a sociedade formula a seus membros, o agente se sente compelido a seguir os mandamentos. Neste setor, não há espontanei- dade da consciência. O fenômeno que se dá é o de adaptação das condutas aos padrões morais que a sociedade elege. A Moral social, portanto, não é autônoma. Em relação ao Direito, este possui heteronomia, que quer dizer sujeição ao querer alheio. As regras jurídicas são impostas indepen- dentemente da vontade de seus destinatários. O indivíduo não cria o dever-ser, como acontece com a Moral autônoma. A regrajurídica não nasce na consciência individual, mas no seio da sociedade. A adesão espontânea às leis não descaracteriza a heteronomia do Direito.

e) Coercibilidade do Direito e Incoercibilidade da Moral - Uma das notas fundamentais do Direito é a coercibilidade. Entre os proces- sos que regem a conduta social, apenas o Direito é coercível, ou seja, a az de adicionar a for a or anizada do Estado,",ara garantir o�__ respeito aos seus preceitos. A via normal de cumpnmento ã nórmá� jurídica é a voluntariedade do destinatário, a adesão espontânea. Quando o sujeito passivo de uma rel,ção jurídica, portador do dever� jurídico, opõe resistência ao mandamento legal, a coação se faz neces- sária, essencial à efetividade. A coação, portanto, somente se manifes- ta na hi ótese da não-observá_nci_rec_eitos is. 1 Mõral, pòr� � ��� � seu lado, carece do elemento coativo incoercível. Nem por isso as� normas da Moral social deixam de exercer uma certa intimidação. Consistindo em uma ordem valiosa para a sociedade, é natural que a inobservância de seus princípios provoque uma reação por parte dos membros que integram o corpo social. Essa reação, que se manifesta de forma variada e com intensidade relativa, assume caráter não apenas punitivo, mas exerce também uma função intimidativa, deses- timulante da violação das normas morais (v. § 44).

4.3.2. Distinções Quanto ao Conteúdo

a) O Significado de Ordem do Direito e o Sentido de Aperfeioa-� mento da Moral - Ao dispor sobre o convívio social, o Direito elege valores de convivência. O seu objetivo limita-se a estabelecer e a garantir um ambiente de ordem, a partir do qual possam atuar as forças

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sociais. A função primordial do Direito é de caráter estrutural: osistema de legalidade oferece consistência ao edifício social. A reali-zação individual; o progresso científico e tecnológico; o avanço daHumanidade passam a depender do trabalho e discernimento do ho-mem. A Moral visa ao aperfeiçoamento do ser humano e por isso éabsorvente, estabelecendo deveres do homem em relação ao próximo,a si mesmo e, segundo a Ética superior, para com Deus. O bem deveser vivido em todas as direções.

b) Teorias dos Circulos e o "Minimo Ético":

lo) A teoria dos circulos concêntricos-Jeremy Bentham (1748-1832), jurisconsulto e filósofo inglês, concebeu a relação entre oDireito e a Moral, recorrendo à figura geométrica dos círculos. Aordemjurídica estaria incluída totalmente no campo da Moral. Os doiscírculos seriam concêntricos, com o maior pertencendo à Moral. Destateoria, infere-se: a) o campo da Moral é mais amplo do que o doDireito; b) o Direito se subordina à Moral. As correntes tomistas eneotomistas, que condicionam a validad das leis à sua adaptação aos�valores morais, seguem esta linha de ensamento.�

MORAL

DIREITO

2o) A teoria dos circulos secantes - Para Du Pasquier, a repre-sentação geométrica da relação entre os dois sistemas não seria a doscfrculos concêntricos, mas a dos círculos secantes. Assim, Direito eMoral possuiriam uma faixa de competência comum e, ao mesmotempo, uma área particular independente.

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De fato, há um grande número de questões sociais que se in-cluem, ao mesmo tempo, nos dois setores. A assistência material queos filhos devem prestar aos pais necessitados é matéria regulada peloDireito e com assento na Mural. Há assuntos da alçada exclusiva daMoral, como a atitude de gratidão a um benfeitor. De igual modo, háproblemas jurídicos estranhos à ordem moral, como, por exemplo, adivisão da competência entre um Tribunal de Alçada e um Tribunalde Justiça.

3a) A visão kelseniana - Ao desvincular o Direito da Moral, HansKelsen concebeu os dois sistemas como esferas independentes. Parao famoso cientista do Direito, a normá é o único elemento essencialao Direito, cuja validade não depence de conteúdos morais.�

4o) A teoria do "minimo ético" - Desenvolvida por Jellinek, ateoria do mínimo ético consiste na idéia de que o Direito representa omínimo de preceitos morais necessários ao bem-estar da coletividade.Para o jurista alemão toda sociedade converte em Direito os axiomasmorais estritamente essenciais à garantia e preservação de suas insti-tuições. A prevalecer essa concepção o Direito estaria implantado, porinteiro, nos domínios da Moral, configurando, assim, a hipótese doscirculos concênlricos.

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Empregamos a expressão minimo ético para indicar que o Direitodeve conter apenas o mínimo de conteúdo moral, indispensável aoequilíbrio das forças sociais, em oposição aa pensamento do mciximoético, exposto por Schmoller. Se o Direito não tem por finalidade oaperfeiçoamento do homem, mas a segurança social, não deve ser umacópia do amplo campo da Moral; não deve preocupar-se em trasladarpara os códigos todo o continente ético. Diante da vastidão do territóriojurldico, não se pode dizer que o miriimo ético não seja expressivo.Basta que se consulte o Código Penal para certificar-se de que omencionado bem-estar da coletividade exije uma complexidade nor-mativa. A não-adoção dessa teoria, aim interpretada, implicaria a�acolhida do máximo ético, pelo qual o Direito deveriá ampliar a suamissão, para reger, de uma forma direta e mais penetrante, a proble-mática social.'2

18. O Direito e as Regras de Trato Social

1. Conceito das Regras de Trato Social - Se o homem obser-vasse apenas os preceitos jurídicos, o relacionamento humano, comojá vimos, se tornaria mais difícil, ma.i áspero e por isso menos�agradável. A própria experiência foi irfdicando certas regras distintasdo Direito, da Moral e da Religião, que desempenham a função deamortecedores do convívio social. São as Regras de Trato Social,chamadas também Convencionalismos Sociais e Uso Sociais.'3 Reca-

12 A expressão minimo érico tem sido empregada em vhrios sentidos conforme anotamAftalion, Olano e Vilanova, que a consideram pouco definida e vaga (Introducción alDtrccho, 9' ed., Cooperadora de Derecho e Ciencias Soc., Buenos Aires, 1972, p. 149,oota 26). Alguns autores a conceituam equivalente à teoria dos cfrculos concêntricos (v.Miguel Reale, Giçôes Preliminnres de Direito, ed. cit., p. 42' Enrique Vescovi,Introducción al Dereehn, 4' ed., Editorial Letras, Montevideo, 1967, p. 28; losé deOliveira Ascensão, O Direiio - /nrroduçnn e Teorin Cernl, 1' ed., Fundação CalousteGulbenkian, Lisboa, 1978, p. 174). Del Vecchio a emprega no m8smo sentido queapresentamos no texto, ou seja, como antítese 3 concepção do máximo ético (op. cit., vol.II, ps.102 e 396, nota 9). Esta mesma orientação foi adotada por Icílio Vanni (Liçôes deFitosofia do Direitn, trad. da 3' ed., Pocai Weiss & Cia., São Paulo,1916, p. 69). Aindaneste sentido é o pensamento do jurista alemão Hans Welzel, para quem "o Direito temque limitar-se ao "mfnimo ético" e 3s categorias fundamentais das instituições sociais"("0 problema da Validez do Direito", in Derecho /njusto y Derecho Nulo, Aguilar,Madrid,1971, p.112).13 Enquanto García M5ynez prefere a denominação "convencionalismos sociais",Miguel Reale adota a expressão "normas de trato social".

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séns Siches condena estas duas últimas denominações. O termo con-vencionalismo, para ele, traz a idéia de convenção, o que não corres-ponde à realidade dessas regras, enquanto que a expressão UsosSociais é imprópria, pois, em sua generalidade, atinge tanto aos usosnão jurídicos quanto aos jurídicos.'4 Para designar esse tipo de regras ,os alemães empregam o vocábulo Sitte, e os franceses a palavra moeur. As Regras de Trato Social são padrões de conduta social, elabo-radas pela sociedade e que, não resguardando os interesses de segu-rança do homem, visam a tornar o ambiente social mais ameno, sobpressão da própria sociedade. São as regras de cortesia, etiqueta,protocolo, cerimonial, moda, linguagem, educação, decoro, compa-nheirismo, amizade etc. Entre as questões doutrinárias que as Regrasde Trato Social suscitam apresenta-se uma ordem de indagaçõesaxiológicas: Qual o valor ou valores que esse campo normativo reali-za? Essas normas possuem algum valor exclusivo ? Enquanto osdemais instrumentos de controle social possuem um valor próprio,bem definido, essas regras exigem um estudo mais apurado, para sedescobrir, na multiplicidade de suas espécies, uma unidade de propó-sito. Para facilitar a nossa tarefa, adotamos, inicialmente, o método daexclusão. Os assuntos pertinentes à segurança, sendo exclusivos doDireito, não podem participar dos objetivos dessas regras. Por outrolado, somente a Moral e a Religião procuram o aperfeiçoamento dohomem. Se colocarmos entre parênteses o valor segurança e os refe-rentes ao aperfeiçoamento espiritual do homem, atentando para o fatode que são regras que orientam o cómportamento interindividual,projeta-se o campo de normatividade das Regras de Trato Social esingulariza-se o seu valor. A faixa de atuação das Regras incide nasmaneiras de o homem se apresentar perante o seu semelhante, e o seuvalor consiste no aprimoramento do nível das relações sociais. O papeldas Regras de Trato Social é o de propiciar um ambiente de efetivobem-estar aos membros da coletividade, favorecendo os processos deinteração social, tornando agradáve( a convivência, mais amenas asdisputas, possfvel o diálogo. As Regras de Trato Socia, em conclusão,� icultivam um valor próprio, que é o de aprimorar o nível das relaçõessociais, dando-lhes o polimento necessário à compreensão. Esse valor,

14 L. Recaséns Siches, em: a) Tratadn Genernl de Filosofia del Derecho, Ed. Porrua S.A.,México, 1975, p. 199; b) Introducción al Estudio del Derecho, Editorial Porrua S.A.,Móxico,1970, p. 99; c) Vida Humana, Snciedad y Derecho, Editorial Porrua S.A., México,1952, p.104.

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contudo, não é de natureza independente, mas complementar. Pressu-põe a atuação dos valores fundamentais do Direito e da Moral. O valorque as Regras de Trato Social traduzem constitui uma sobrecapa dosvalores éticos de convivência.

2. Algans Aspectos Históricos - Na época em que os diferentesinstrumentos de controle social ainda se mantinham indiferenciados,era comum o legislador disciplinar os mais simples fatos do tratosocial. Assim é que, em Esparta, conforme relato de Fustel de Coulan-ges, o penteado feminino era previsto em lei; as mulheres, em Atenas,não podiam levar consigo mais de três vestidos em viagem; enquantoa lei espartana proibia o uso do bigode, a de Rodes impedia que sefizesse a barba.'s A lei das Doze Tábuas, conforme Cícero narra em De Legibus,prova a intromissão do legislador em assuntos reservados, hoje, aoexclusivo campo das Regras de Trato Social: "que as mulheres nãopintem as sobrancelhas nem façam queixume lúgubre nos funerais".'6Uma outra lei romana determinou que os elogios ao morto só poderiamser feitos nas exéquias públicas e por intermédio de orador oficial,limitado também o número de assistentes nos funerais, a fim de que atristeza e a lamentação não fossem maáores. A deusa Themis nãoestendia o seu manto apenas sobre as nármas do Direito. Hirzel, citadopor R. Siches, destaca o fato de que a deusa era a personificação dobom conselho para todos os assuntos da vida, significando, ao mesmotempo, o símbolo da atividade do chefe da família patriarcal, que nãodistinguia os conteúdos do Direito, Moral, Religião e Regras de TratoSocial. Dike, uma espécie de filha de Themis, mais tarde, era a deusaligada apenas à decisão judicial. Léon Duguit, conforme lembra Bustamante y Montoro, viu umdenominador comum em toda essa rede de normas que governa a vidaem sociedade. Era a norma da solidariedade, assim expressa: "nãofazer nada que atente contra a solidariedade social, em qualquer desuas formas, e fazer tudo que conduza a realizar e a desenvolver asolidariedade social mecânica e orgânica"."

IS Apud Dfnio de Santis Garcia, "As Regras de Trato Social em confronto com oDireito", in Ensnios de Filosofia do Direito, Editorn Saraiva, São Paulo,1952, p.156.I6 Cfcero Das Leis, Cl5ssicos Cultrix, São Paulo,1967, p. 87.17 A. S. Bustamante y Montoro, /ntroducción n la Ciencla del Derecho, 3' ed., CulturalS.A., La Habana,1945, p. 37.

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3. Caracteres das Regras de Trato Social - Entre os caracteresprincipais das Regras de Trato Social, apresentam-se: a) aspectosocial; b) exterioridade; c) unilateralidade; d) heteronomia; e) in-coercibilidade; f) sanção difusa; g) isonomia por classes e niveisde cultura.

3.1. Aspecto social - Como a própria denominação induz, asregras possuem um significado social. Constituem sempre maneira dese apresentar perante o outro. O indivíduo isolado não se subordinaa esses preceitos. Ninguém é cortês consigo próprio. Se a sua finali-dade é o aperfeiçoamento do convívio social, é natural que essas regrasatinjam apenas a dimensão social dos homens.

3.2. Exterioridade - Via de regra essas normas visam apenas àsuperficialidade, às aparências, ao exterior. Assim, por exemplo, sãoas normas de etiqueta, cerimonial, cortesia. Quando se deseja bom diaa alguém, cumpre-se um dever social, que não requer intencionalida-de. O querer do indivíduo não é necessário. Há algumas normas,todavia, como as de amizade e companheirismo, em que se exige alémdas aparências. Um gesto de consideração não espontâneo, desprovidode vontade própria, não possui signifiádo nas relações de amizade.�

3.3. Unilateralidade - A cada regra correspondem deveres enenhuma exigibilidade. As relações sociais, fundadas nessas regras,não apresentam um titular capacitado a reclamar o cumprimento deuma obrigação. As Regras de Trato Social são unilaterais porquepossuem estrutura imperativa: impõem deveres e não atribuem pode-res de exigir.

3.4. Heteronomia -Os procedimentos, os padrões de conduta nãonascem na consciência de cada indivíduo. A sociedade cria essasregras de forma espontânea, natural e, por considerá-s úteis ao bem�estar, passa a impor o seu cumprimento. O caráter heterônomo dessasregras decorre do fato de que obrigam os indivíduos independente-mente de suas vontades. A cada um compete apenas a adaptação deatitudes de acordo com os preceitos instituídos.

3.5. Incoercibilidade - Por serem unilaterais e não sofrerem aintervenção do Estado, essas regras não são impostas coercitivamente.O mecanismo de constrangimento não é dotado do elemento força,

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para induzir à obediência. A partir do momento em que o Estadoassume o controle de alguns desses preceitos, estes perdem o caráterde Trato Social e se transmutam em Direito. Quando a lei estabelecea indumentária dos militares, as normas que definem os unifomes e oseu usó não são Regras de Trato Social, mas se acham incorporadasao mundo do Direito.

3.6. Sanção difusa - A sanção que as Regras de Trato Socialoferecem é difusa, incerta e consiste na reprovação, na censura, crítica,rompimento de relações sociais e até expulsão do grupo. O indivíduoque nega uma ajuda a seu amigo, por exemplo, viola os preceitos decompanheirismo. A sanção será a reprovação, o enfraquecimentoda amizade ou até mesmo o seu rompimento. A apresentação emsociedade com traje inadequado provoca naturalmente a crítica. Oconstrangimento que as regras impõem é, muitas vezes, mais pode-roso do que a própria coação do Direito. O duelo, hoje em desuso,é um exemplo. Durante muito tempo existiu apenas como conven-ção social contra legem. O indivíduo preferia romper com a lei a fugirda praxe social.

3.7. Insonomia por classes e niveis de cultara - As obrigaçõesque as Regras de Trato Social irradiam náo se destinam, de igual modo,aos membros da sociedade. O seu caráter impositivo varia em funçãoda classe social e nível de cultura. Assim, não se espera de um simplestrabalhador o trajar elegante, de acordo com a moda. Um juiz, porém,que se apresente socialmente com as vestes de um andarilho provocaestranheza e reprovação. De um matuto do interior admite-se o lingua-jar incorreto, mas de indivíduo que possui escolaridade, a pronúnciaerrônea ou a concordância incorreta conduz à crítica.

4. Natureza das Regras de Trato Social - Uma outra questãolevantada na doutrina refere-se à natureza das Regras de Trato Social.Constituem um tertium genus, ao lado do Direito e da Móral? Ou, bemexaminadas, se vinculam a um ou a outro compartimento ético?

4.1. Corrente negativista - Entre os autores que contestam aespecificidade das Regras de Trato Social, como principais nomesdestacam-se: Del Vecchio e Gustav Radbruch. Para o jusfilósofoitaliano, as normas de conduta social ou pertencem ao campo do

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Direito ou ao setor da Moral. Ou as normas são imperativas, caracte-rística da Moral, ou são imperativo-atributivas, peculiaridade do Di-reito. Em sua maior parte, tais normas são "subespécies da Mora1".Em sua opinião, há certas regras que não revelam imediatamente a suanatureza, mas, submetidas a rigoroso estudo, revelam-se portadotasapenas de deveres, sendo, assim, imperativos morais; ou apresentamuma estrutura imperativo-atributiva, hipótese em que se identifcamcomo preceitos jurídicos. · Para Gustav Radbruch, os preceitos ordenadores da condutasocial se bipartem, igualmente, entre os setores do Direito e da Moral.O ponto de partida de seu raciocínio consiste na afirmação de que osprocessos culturais visam a realização de um valor específico. Assimo Direito se estrutura em função da justiça; a Moral procura alcançaro bem e a Religião persegue a divindade. As Regras de Trato Social ,em sua concepção, não visam a um valor específico ou exclusivo, nãoconstituindo, assim, processo normativo de natureza própria.

4.2. Corrente positiva - Para Rudolf Stammler a distinção entreos dois processos culturais, Direito e Convencionalismos Sociais ,baseia-se nos diversos graus de pretensão de efetividade. Enquanto oDireito é imposto coercitivamente, s convencionalismos são apenas `�orientações para o comportamento social, que se acompanham apenasde uma pressão psicológica, sem contar com o elemento força. Negoua possibilidade de uma diferenciação com base na matéria das Regrasde Trato Social, pois é comum um determinado conteúdo deslocar-sede uma espécie para outra. A etiologia das normas, para ele, não podeigualmente servir de critério, pois tanto o Direito como as Regrasp ulaçãoodem nascer de uma form reflexiva ou da prática consuetudi-nária. Felix Somló estabeleceu, como critério diferenciador, a ori-gem dos preceitos. Enquanto as normas jurídicas seriam criaçõesestatais, os Convencionalismos Sociais emanariam..da própria so-ciedade. Este critério é falho, de vez que o Direito costumeiro não duma criação estatal.

I8 Rudolf Stammler, Tratado de Filo.cn(ía del Derechr, trad. da 2' ed. alemã, Editora�Nacional, México, I974, p. 106 e segs.

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4.3. Conclusão - No tópico relativo ao conceito das Regras deTrato Social, deixamos clara a nossa opinião acerca da naturezaprópria, singular, desse processo normativo. Reconhecemos tambémque essas normas buscam um valor particular, que é o aprimoramentodas relações sociais. Quanto às argumentações expendidas pelos di-versos autores, julgamos impossível a distinção com base apenas emum ou outro critério. Concordamos com Stammler quando exclui apossibilidade da dístinção com apoio na origem das normas ou emrelação ao seu conteúdo. Acompanhamos ainda o jusfilósofo alemãono que se refere à coercibilidade como nota exclusiva do Direito. Nãoadmitimos, contudo, a sua pretensão em erigir este critério como oúnico e definitivo meio de e chegar ao conceito das Regras de Trato�Social. Este é alcançado pelo exame de caracteres, enquanto que a suadistinção dos demais instrumentos de controle social é atingida peloconfronto geral dos traços peculiares de cada um, assinalado no quadroque se segue.

DIREITO MORAL REGRAS DE PRECEITOS TRATO SOCIAL RELIGIOSOS bilateral unilateral unilaterais unilaterais autônoma com revalentemente heterônomo ressalvas à Ética heterônomas p Superior e à autônomos Moral Social exterior interior exteriores interiores coercivel incoercível incoercíveis incoercíveis a sanção sançãoprefixada sanção difusa sanção difusa geralmente é prefixada

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BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário: 14 - Recaséns Siches, Introducción al Estudio del Derecho; .Iosé Mendes,Filosofia do Direito; IS - Federico Torres Lacroze, Manual de Introducción al Derecho; A. Torré,Introducción al Derecho; Paulo Dourado de Gusmão, Introdução ao Estudo doDireito; Cados Mouchet e Zorraquin Becu, Introducción al Derecho; 16 - Legaz y Lacambra, Filoso, fia del Derecho; Heinrich Henkel, Introduccióna !a Filosofia de! Derecho; 17 - Eduardo Garcfa Máynez, Introducción al Estudio del Derecho; HenriqueVescovi, Introducción al Derecho; Heinrich Henkel, op. cit; Alessandro Groppali,Introdução ao Estudo do Direito; Giorgio del Vecchio, Lições de Filosofia doDireito; 18 - Recaséns Siches, op. cit.; Eduardo Garcfa Máynez, op. cit.; RudolfStammler, Tratado de Filosofia del Derecho; Gustav Radbruch, Filosofia do Direito.

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Ì..

Capítulo VI

FATORES DO DIREITO

Sumário: 19. Conceito e Funçâo dos Fatores do Direito. 20. Principios Metodológicos. 21. Fatores Naturais do Direito. 22. Fatores Culturais do Direito. 23. Forças Atuantes na Legislaçâo. 24. Direito e Revolução.

19. Conceito e Função dos Fatores do Direito

O Direito Positivo não é uma concepção metafísica de normas jurídicas. Compõe-se de modelos, que se referem a fatos, aos acon- tecimentos sociais. São as relações de_vida que mdicam_ ao,legislad_or as questões sociais que devem ser regulámentadas. As leis refletem,� á dm só tempó, valores prmànntes ó convivência, oriundos do� � � Direito Natural, e elementos variáve5s, contigentes, que decorrem tanto de motivações históricas, como de condições diversas, impostas pelo reino da natureza. A form__ação_e a evoluão do Di_reito não resultam da simples� vontàdèó legislàdór, mas estão s_ubórdinadas à re_alidá_de social� � subjacente, àresenÇá de determin_ados fato_res gu_einfluenciam for-� � temente àrópria s_ociedade, definindo as suas diversas estrtitnras.� Para ser instrumento eficaz ao bem-estar e progresso social, o Direito deve estar sempre adequado à realidade, refletindo as institui- ções e a vontade coletiva. A sua evolução deve expressar sempre um esforço do legislador em realizar a adaptação de suas normas ao momento histórico.' Os fatores que intluenciam a vida-social, provo-

I Não obstante ser este o caminho científico, Georges Ripert, impressionado com as distorções que se passam na gênese da Ici, dcclarou: "O Direito nasce na luta e pelo triunfo dos mais fortes"... "O mais forte sai vcnedor dc um combate cujo prêmio é a lei. Após� o que o jurista declara gravemente que a léi é a cxpressão da vontade geral. Ela não ó nunca senão a expressão da vontade de alguns." (Les Fnr-re.s Créatrices du Droit, nprrd Machaln� Nctto c Zahidé Machado Netto, O Direiro c cr Vida Sorinl. Cia. Edit. Nacional, São Paulu. I966, ps. 79 e 81.)

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cando-lhe mutações, vão produzir igual efeito no setor jurídico, deter-minando alterações no Direito Positivo. Esses fatores, chamados so-ciais e também juridicos, funcionam como motores da vida social e doDireito. 'ur' icos são ois elementos _u_e condicionam osenômenos sociais e, em conse üência, induzem trans orma ões noD rreito� � A variação a que o Direito está sujeito não é ilimitada. Há setoresque, por já se acharem sistematizados de acordo com o Direito Naturale com as peculiaridades regionais, sofrem lentas e eventuais reformu-lações. Na opinião de Icílio Vanni, os fenômenos sociais estão sujeitosa um principio análogo a uma lei biológica, ilustrada por Messedaglia,segundo a qual o ser vivo possui elementos estáveis que raramente semodificam, mas quando isto ocorre as conseqüências são da maiorimportância. O Direito Privado, por exemplo, é conservador em relaçãoao Direito 'co ue sofre diretamen e os efeitos das transforma õesoliticas; entretanto, as variações que eventualmente nele se proces-sam, notadamente nas instituições familia e propriedade, repercutemna estrutura social.z A Sociologia do Direito estuda os fatores jurídicos, que sãoresponsáveis pela criação e aceleração dos institutos de Direito. Hádois grupos de fatores jurídicos: os náturais e os culturais.

20. Princfpios Metodológicos

O estudo dos fatores do Direito deve ser precedido pelo examedos princípios metodológicos aplicáveis à matéria. Esses critériosoperacionais orientam ao pesquisador quanto ao processo de investiga-ção e na fase de conclusões, evitando a falsa interpretação de resulta-dos. Entre os princípios metodológicos básicos, Vanni indica os seguin-tes: interferência das causas; a distinção dos fatores m categorias e a ;�distinção entre eficácia direta e indireta.

l. Interferência das Causas - Os fenômenos socias são sempredotados da mcixima complexidade, pois não decorrem de um fatorexclusivo, mas de uma pluralidade deles. Ao pesquisador cumpre

2 IcOio Vanni, op. cit.. p. I4l.

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constatar quais são estas causas que, reciprocamente se influenciando,compõem a chamada interferência das causas. Conhecidos os váriosfatores, deve-se apurar em que medida ou proporção contribuíram naformação do fenômeno social. Esta parte se revela como a mais difícilda investigação.

2. Distinção dos Fatores em Categorias - Quanto mais a socie-dade evolui, aumenta a complexidade dos fenômenos sociais. Os fato-res não se apresentam sempre de modo idêntico. Não se repetemquantitativamente, porque sempre surgem novos fatores. Qualitativa-mente também não se repetem, porque o grau de eficácia dos fatoresvaria com a evolução social. Assim é que, enquanto nos tempos primi-tivos a interferência das causas se dava fundamentalmente pelos fatoresnaturais, de vez que os homens viviam dominados pela natureza,modemamente, à medida em que o homem progride culturalmente, ahegemonia das causas se transfere para os fatores históricos ou cultu-rais, que são criações sociais. A evolução social, na colocação precisade Gabriel Tarde, não se apresenta uniforme e predeterminada, porquea evolução dos fatores de que depende também não passui essescaracteres.3

3. Eficácia Direta e Indireta dos Fatores - Há fatores que atuamdiretamente sobre o fenômeno social e há os que revelam a sua eficáciapor intermédio de outros, como ocorre na maioria dos fatores naturais,que só indiretamente exercem intluência sobre os fenômenos sociais. Emrelação aos fatores de eficácia indireta, desejando o homem neutralizar osseus efeitos deverá escolher, na cadeia causal, o fator mais convenientepata ser enfrentado. Exemplo: uma região insalubre, portadora de insetos�transmissores de malária, constitui um desafio para o homem, que poderáatacar a causa imediata, ingerindo preventivamente quinino, ou a ante-rior, providenciando a dessecação de pântanos.

21. Fatores Naturais do Direito

Estes fatores são os determinados pelo reino da natureza, queexerce um amplo condicionamento sobre o homem, no tocante à sobre-

3 Gabriel Tarde, Las TransJormaciones del Derecho, Editorial Atalnya, Buenos Aires,194, p.193.�

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vivência, ao espaço vital e à criação dos objetos culturais. Os diversosfatores naturais podem ser agrupados nos seguintes tipos:1) geográ -�cos; 2) demográficos; 3) antropológicos.

l. Fator Geográfico - Entre os fatores geográficos merecematenção especial: clima, recursos naturais e território.

1.l . Clima - É um fator de eficácia indireta, que influi no cresci-mento e no comportamento humano. Nos países de clima frio, porexemplo, o pleno desenvolvimento físico do homem se processa maislentamente em relação aos que vivem em regiões quentes. A muiheradquire a capacidade física para ser mãe, geralmente em idade superiorà daquelas que habitam em regiões de maior temperatura. Este fato, noDireito, vai intluenciar na fixação da idade nupcial.' Em sua obra Do Espirito das Leis, Montesquieu dissertou ampla-mente sobre a inf(uência do clima em relação aos homens. Se afirmou,de um lado, que só os maus legisladores se submetem unicamente aoclima e aos demais fatores naturais, de outro, ao exagerar a influênciaclimática sobre os homens e declarar que "as leis devem ser relativasà diferença desses caracteres", caiu em contradição porque acabou porsustentar um verdadeiro monismo c]jmático. Dentro de sua concepçãolobal, os demais fatores seriam apenas derivações do fator climático.� o que se pode inferir de várias passagens de sua obra, como esta:"Vós encontrareis nos climas do Norte povos que possuem poucosvicios, bastantes virtudes, muita sineeridade e muita franqueza. Apro-ximai-vos dos países do Sul, e julgareis afastar-vos da própria moral...Nos pafses temperados, vereis povos inconstantes em suas maneiras, e ·mesmo em seus vícios e em suas virtudes; o clima não possui uma `qualidade bastante determinada para ftxá-lo."5

4 Um macroexemplo da influência do fator clim5tico sobre a órganização social Erepresentado pela cultura esquimó. Durante o ver3o a sociedade é patriarcal e sc forma àbase de pequenas fam0ias. que n3o mantêm maiores vfnculos sociais. No inverno a famíliaé grende e não possui caráter patriarcal; a chefia é entregue normalmente a um homemvelbo e bom caçador ou pai de um bom caçador. Seus membros, conforme narra MarcelMauss, vivem em um comunismo econ8mico e sexual. Expressando as peculiaridades deuma estação c de outra, h4 um direito de in verno e um de verãn. (Marcel Mauss, Sociologint Antropologia, Editora Pedagógica e Universitúria Ltda., S3o Paulo, I974, vol. I1, p. 300e :egs.)5 Montesquieu, Do Espírito das Geis, vol. I, Edições e Publicações do Brasil, São Paulo,I960, P· 260.

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1.2. Recursos Naturais - O mundo atual é o da tecnologia, dosaparelhos, dos objetos culturais. A matéria-prima utilizada na industria-lização desses bens é fornecida pela natureza, extraída de suas diversasjãzzidas e fontes. Os minerais, o petróleo, flora, fauna, águas sãorecursos que a natureza oferece ao homem e que, por sua importânciae limitação, têm a sua exploração regulamentada por leis 6

1.3. O Território - As características de um território influenciamno regime de vida, nas formas de habitação, na economia e na organi-zação social de um povo. A adaptação do homem à superfície da Terraé uma providência imediata, com prioridade em relação a outros inte-resses. Os grupos sociais, no correr da história, deram preferência àsregiões mais favoráveis ao cultivo da terra. A localização das terras emrelação aos rios, mares e montanhas, as riquezas naturais e as diversasdistâncias são outros aspectos fundamentais à fixação dos grupossociais em um território. Quanto ao elemento distância, em face do atualdesenvolvimento dos meios de comunicação, tornou-se uma condiçãoapenas relativa. O poligono das secas, em nosso país, por suas peculia-ridades, tem sido objeto de várias leis de proteção, o que exemplifica aimportância do fator geográfico na formação do Direito. f 2. Fator Demográfico - A maior ou`menor concentração humanapor quilômetro quadrado, em um território, é fator importante à vidade um país. O equilíbrio entre o espaço vital e o número de habitantesé o ponto ideal, pois favorece, de um lado, a segurança do território e,do outro, a solução dos problemas de habitação e alimentação. Paraobter esse nível, os Estados utilizam-se da legislação. Os países debaixo índice demográfico têm interesse em incentivar a natalidade eem atrair o estrangeiro com mão-de-obra qualificada. Para tal fim, asleis devem ser favoráveis aos imigrantes e facilitar o seu processo denaturalização. Já os países que possuem grande densidade demográfi-ca adotam política de desestímu(o à imigração, favorecem a emigra-

6 Nauru, pequeno estado da Oceania, é formado por uma ilha do mesmo nome, cujaprincipat caracterfstica são os imensos depósitos de fosfato, que monopolizam a vidaeconômica e social desse pafs. Com uma reduzida população, elevada renda "per capita"e sólida organização, esse Estado corre o risco de desaparecer, submerso nas águas doOccano Pactfico, em conseqüência dos imensos sulcos da terra, provocados pela extraçãodo fosfato. A economia, os fenômenos sociais e o Direito são determinados fortementepor esse fator natural.

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ção, incentivam o controle da natalidade e alguns chegam a liberar a prática do aborto.

3. Fatores Antropológicos - Estes fatores decorrem do próprio homem. Referem-se ao grau de desenvolvimento dos membros da sociedade, de acordo com a sua constitõição fisiológica e mental. Abrangem também o caráter étnico, pelas aptidões, tendências, carac- terísticas peculiares a cada raça, que influenciam o fenômeno social.

22. Fatores Culturais do Direito

Entre os fatores culturais, também chamados históricos, aqueles produzidos pelo homem, destacam-se como principais: Econômico, Invenções, Moral, Religião, Educação e Ideologia.

1. Fator Econômico - Este fator refere-se às riquezas e pode ser avaliado pecuniaria_me_nte. É de capital importância na formação e evolução do Direito. Na árvorejurídica, há ramos que possuem grande conteúdo econômico, como acontec, com o Direito Comercial, o do� Trabalho, Tributário, Civil, especialmente quanto aos direitos reais,J obrigacionais e sucessórios. Há correntes de pensamento que sustentam a tese de que o Direito subordina-se inteiramente a esse fator, defen- dendo, assim, a teoria do monismo econômico. Para o materialismo histórico, a economia compõe a infra-estrutura da vida social e deter- mina a superestrutura, composta pelo Direito, Moral, Política, Religião, entre outros. . A influência do fator econômico no Direito, como já se afirmou, é uma realidade, porém, não é menos real a influência do Direito sobre os processos econômicos. Karl Marx e Engels foram os principais sistematizadores da teoria, que hoje é defendida ttotadamente por Achille Loria e Berolzheimer. Este último chegou a afirmar que a Economia está para o Direito assim como o grão está para a casca, em uma relação de conteúdo e forma. Declarou que "o Direito, sem a Economia, é vazio e a Economia, sem o Direito, é sem forma".'

7 Apud Mário Franzen de Lima, Da Interpretnção Juridicn, 2' ed., Forense, Rio de� laneiro,1955, p. 54.

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2. Invenções . As ciências se desembocam nas técnicas, atravésdas invenções. Ao conhecer as leis da natureza, o homem da ciênciaprocura tirar proveito do conhecimento obtido, aplicando-o de acor-do com as necessidades humanas. Esta forma de inovar é represen-tada pelas invenções, que provocam novos hábitos e costumes, indodeterminar a evolução nas instituições jurídicas, de vez que estasdevem ser um reflexo da realidade social. Jean Cruet deu granderealce à importância das invenções na vida do Direito. O famosoadvogado francês observou que "o sábio, sem que o suspeite, é umt_anto lggislador, porque, muito mais que o jurista pelos seus raciocí-niorepara pelas suas descobertas o Direito de amanhã".s De um�lado, as invenções envelhecem o Direito e, de outro, geram a necessi-dade social de novos instrumentos jurídicos. O legislador não podeprevenir-se, aguardando as invenções, porque estas são imprevisíveis.Este fator foi também enfatizado por Gabriel Tarde, para quem "ofuturo jurídico será o que o fizerem as invenções por nascer..."9

3. Moral - A Moral favorece o Direito Positivo, emprestando-lhevalores. O Direito, contudo, não é de todo programado pela Moral.Esta não é, como já se afirmou, onipresnte no território jurídico. Há�matérias de indagação no Direito estrãflhas ao setor da Moral. Apesardesse coeficiente de competência própria, o Direito se revela sensívelàs mutações que ocorrem na Moral social, acompanhando essa evolu-ção, a fim de adaptar-se às novas necessidades sociais (§ 17).

4. Religão - Se na Antigüidade o Direito se achava subordina-�do à Religião, no presente ambos constituem processos independen-tes, que visam a objetivos distintos. De um fator de eficácia diretano passado, a Religião, hoje, atua como fator que apenas indireta-mente influencia o fenômeno jurídico. Como o homo reliiosus é�artici ante no rocesso socia1, colltribui, :çm o sou modo-do�n_ sar e de sentir, na formação da vontade social qae por sua vez ' 'va ná e_laborarão o _D_ireito. Como um traço a marcar�ainda a presençada Religião no ordenamento jurídico de nosso�

8 Jean Cruet, A Vida do Direito e a Inutilidade das l,eis, Josó Bastos e Cia. - LivrariaEditora, Lisboa,1908, p. 242.9 Apud Jean Cruet, np. cit., p. 2,39.

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pais,aleiciviladmiteefeitosjurídicosaócasamentoreligioso,median-te certas exigências (§ 16). "'

5. Ideologia - As tendências da ordem jurídica estão diretamenteligadas à ideologia consagrada pelo poder social. Cada ideologia cor-responde a uma concepção distinta de otganização social e reúne�valores especificos. Enquanto os paises socialistas modelam o seuDireito, colocando o corpo social em primeiro plano e o indivíduo emplano secundário, o liberalismo é de natureza individualista, reconhece aautonomia da vontade individual. O nacionalismo é outra ideologia forte-mente influenciadora na ordem jurídica, sobretudo na área política eeconômica. Após situar o Direito como instrumento de determinadaconcepção política, Novoa Monreal, em seu exacerbado positivismo,enfatiza a importância desse fator na esferajurídica: "... o Direito se limitaa proporcionar a técnica formal, já que o conteúdo de fundo é dado pelasconcepções ideológicas que imperam no grupo dominante...". Para oautor chileno, seguidor neste ponto da orientação de Hans Kelsen, oeonteúdo das regras jurídicas não pertence ao Direito, pois este podeagasalhar qualquer esquema ideológico possível."

6. EducaÇão - O progresso da uma sociedade pressupõe o seudesenvolvimento no campo técnico e cientí ico. É através da educaçãoque se pode dotar o corpo social de um status intelectual, capaz depromover a superação de seus principais problemas. Para assegurar oconhecimento, a cultura, a pesquisa, o Estado utiliza-se de numerosasleis que organizam a educação em todos os seus níveis.'2

23. Forças Atuantes na Legislação

Os fatores jurídicos, por seu próprio significado, podem levar olegislador a elaborar novas leis, espontaneamente, ou podem ser im-

10 Previsto na Lei n" 1.110, de 23.05.50 o efeito civil do casamento religioso foiconfirmado pela Constituição Federal de 1988, pelo § 2" do art. 226.11 In Derecho, Politica y Democracia (Un Punto de Vista de Izquierda), Editorial TemisLibrerta, Bogotá,1983, p.12.12 Tal a presença da educação no Direito Positivo, que j5 se fala na existência de umDireito Educacional, denominação esta, inclusive, de uma obra publicada em nosso paíspor Rcnato Alberto Teodoro di Rio, em 1982, sob os auspfcios da Universidade deTaubató.

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postos mediante apoio ou instrumento de certas forças atuantes nasociedade, como a política, a opinião pública, os grupos organizados eas chamadas medidas de hostilidade.

l. Politica - Cada segmento político deve corresponder a umideário de valores sociais, ligado à organização da sociedade em seuamplo sentido. Em função de sua linha doutrinária, cada partidopolítico deve movimentar-se, a fim de que suas teses se realizemconcretamente. Georges Ripert reclama a atenção dos juristas para aação desse fator: "Os tratados de Direito Civil nenhuma alusão fazema esta influência do Poder Político sobre a confecção e a transformaçãodas leis. Acusam, com freqüência, a inabilidade do legislador, masnunca ousam dizer o interesse político que ditou o projeto ou deformoua lei.""

2. Opinião Pública - A opinião pública se manifesta, eventual-mente, em relação às leis. Tal ocorre, notadamente, quando a atençãodo povo é despertada por algum caso pãrticular, da sua simpatia, e quenão encontra amparo na ordem jurídica vigente, conforme observãLuis Recaséns Siches. Dá-se então o soressalto da opinião públicn.�Esta, através das mais variadas formas (artigos de jornais, rádio etelevisão, cartas e telegramas), exerce pressão sobre o poder social, nosentido de nodificar a ordem jurídica.

3. Crupos Organizados - Na defesa de seus interesses comuns,as pessoas procuram se organizar em grupos conforme as diversasclasses, a fim de alcançar maior força e prestígio perante as autorida-des públicas. Exemplos: sindicatos, associação de inquilinos, socieda-des pró-melhoramentos de bairros etc., que lutam junto ao poderpúblico pleiteando em favor de seus interesses e muitas vezes inf(uen-ciando na legislação.

4. Medidas de Hostilidade - A Qreve do trabalhador, o lock-out,a greve dos contribuintes, o engarrafamento do trânsito, são algumasmedidas hostis, utilizadas a fim de pressionar o poder público quantoao atendimento de reivindicações.

I3 Ripert, op. cit., p. 160.

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24. Direito e Revolução

Enquanto os fatores jurídicos provocam uma evolução grada-tiva no Direito, o fato histórico de uma revolução desencadeia,necessariamente, rápidas e amplas modificações na área do DireitoPúblico. A revolução é um acontecimento político motivado pela insatis-fação social quanto às instituições e regime vigentes. Caracteriza-sepor uma dupla ação: intelectual e de força. Pressupõe idealismo,que se funda em novas concepções, em uma ideologia que sepretende implantar na organização social. Imbuído pelo chamadoespirito revolucionário, o grupo que destitui os governantes e assu-me o poder deve iniciar o trabalho de reformulação social, de acordocom a filosofia preconizada. É com essa mudança efetiva que arevolução se completa. Se o movimento contraria o sistema delegalidade do Estado. vossui o no er e mstituir uma n r,r P",���nuca. H tegiamidaue do lireito criado baseia-se no apoio popu-� � �lar, pots revolução implica adesão social. A possibil-idade de ins-tauração de um novo Direito, notadamente o Constitucional, ébásica, pois a luta revolucionária ,xige um novo instrumental jurí-�dico capaz de dar validade e eficácia às transformações que visa aoperar no quadro social. Os efeitos jurídicos que os chamados "golpes de Estado" causamsão menores que os promovidos pelas revoluções, isto pelo fato deobjetivarem apenas a queda de um governo e a conseqüente ascensãodo grupo que se tornou vitorioso pelo emprego da força. Normalmenteos movimentos desse tipo não se fazem acompanhar de maiores altera-ções no Direito Positivo, sendo comum, inclusive, a permanência daconstituição vigente.

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário: 19 - Mouchet e Becu Introducción a! Derecho; Flóscolo da Nóbrega, lntro-dução ao Direito Machado,Netto e Zahidé Netto, O Direito e a Vida Social;� 20- Icflio Vanni, Ligões de Filosofia do Direito; 21- Ici'lio Vanni, op. cit.; Montesquieu, Do Espirito das Geis; Marcel Mauss,Sociologia e Antropologia; Flóscolo da Nóbrega, op. cit.;

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22- Mouchet e Becu, op. cit.; I. Vanni, op. cit.; F. da Nóbrega, op. cit.; 23 - Luis Recaséns Siches, "Forças Sociais que atuam sobre a Legislação",in 0 Direito e a Vida Social, ed. cit.; 24-Machado Netto, Sociologia Juridica: Lino Rodrigues-Arias Bustamante,Ciencia y Filosofia del Derecho.

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Terceira Parte

A NOÇÃO DO DIREITO

Capítulo VII

0 DIREITO NO QUADRO DO UNIVERSO

Sumário: 25. Indagação Fundamental. 26. Algumas Notas do Direito. 27. A Teoria dos Objetos. 28. Objetos Naturais. 29. Objetos Ideais. 30. Os Valores. 3l. Objetos Metafisicos. 3.fObjetos Culturais. 33. O Mundo do� Direito. 34. Conclusões.

25. Indagação Fundamental

A compreensão do que seja Direito, a sua conceituação, exige queenfrentemos, primeiramente, a questão de saber em que setor do uni-verso das coisas, em que faixa ontológica, ele se localiza. Sem umatomada de consciência do problema e da fixação de um ponto de vistaa respeito, não se pode chegar a uma definição do Direito, que expliciteos seus elementos essenciais. Esta opinião é confirmada por MiguelReale, quando assinala: "À medida que situamos o Direito na eda realidade ue lhe é ró ria, determinando a estrutura do objeto quehe corresponde, volvemos a nós mesmos, indagando como aquelarealidade se representa em nosso espírito como conceito."' Igualcritério é adotado por Recaséns Siches.

l Miguel Reale, FilosoJin do Iireito, cd. cit., vol. II, p. 270.�

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O objeto Direito é apenas um, no inumerável mundo dos objetos.Uma grande parte deste é fornecida pela natureza, enquanto outradecorre do homem" do ser inteligente, da atuação deste sobre a reali-dade natural, de sua criatividade e imaginação. Assim, o universo dosobjetos nos oferece um panorama sumamente variado: árvore, livro,cores, amor, regra de conduta social etc. Se, em aparência, o quadro geral dos objetos sugere que esse"todo" é um conjunto desorganizado, uma observação profunda, pelasvias da ciência e da filosofia, há de revelar uma surpreendente harmo-nia: a ordem natural das ctisas. A ação humana, ao desenvolver�processos criativos, corresponde a uma tentativa de ajustamento, deengajamento à essa ordem natccral das coisas. Progresso efetivo, con-quista real, o homem só obtém quando padroniza o seu comportamentoe o fazer com as determinantes da natureza. Os diferentes objetos classificam-se em ideais, naturais, cultu-rais e metafisicos. Em relação ao Direito a indagação fundamental quesurge é: onde se localiza o seu território?

26. Algumas Notas do Direito

Ao mesmo tempo em que se coloca a pesquisa da localização doDireito na ordem do universo, como tarefa preliminar à investigaçãodo conceito, deve-se reconhecer a inadiável necessidade de se oferecerao iniciante algumas notas essenciais do Direito, como subsídio ao seuraciocínio e conc(usões. Temos conhecimento de que o Direito é algo criado pelo homempara estabelecer as condições gerais de respeito, necessárias aodesenvolvimento da sociedade. O objeto Direito se coloca em funçãoda convivência humana: visa a favorecer à dinâmica das relaçõessociais; aminho, não o único, para se che ar á`uma sociedade'. Os homens não vivem para o Direito, embora a vida social não�tenha sentido quando dissociada do valorjustiça. O Direito é impos-to heteronomamente, sem dependência à vontade de seus destinatários,e, para isto, dispõe, somente ele, do elemento coação. A função disciplinadora se faz mediante regras que comandam aconduta interindividual. caus motivadora d ' a satisfa ãodas ssidades de 'usti a. O conjunto de regras pode ser criado

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diretamente pela sociedade ou por sèus órgãos especializados; emqualquer hipótes.e, porém, o Direito pressupõe a chancela do Estado. A síntese preliminar da noção ou conceito do Direito positivoengloba três elemèntos:

a) relações sociais (fato); b) justiça: dgusa final (valor); c) regras impostas pelo Estado (norma).

27. A Teoria dos Objetos

I. Conceituações Prévias - Para se chegar a responder à ìndaga-ção fundamental "onde se localiza o território do Direito?", é neces-sária uma incursão prévia na teoria dos objetos. Esta é um doscapítulos da Ontologia (ontos = ser, logos = teoria). Destacada é a suaimportância para todas as áreas do saber. A ordem do universo secompõe de objetos, entre os quais se inclui o Direito. Essa composiçãodo universo não é estática. É um permanente devenir. Seu aspectodinâmico não decorre necessariamente, da ação humana. forças� �' ér icas da natureza em um conSf uxo de causa e efeitom s ob'et s a natureza. Pelo fato de a teoria dos objetos ser um estudo centralizado nosujeito de um juízo lógico, a noção deste se torna imperiosa nestemomento. Em linguagem simples, podemos dizer que juizo lógicocons' te tribui ar a er.ompreende, obrigatoriamente, três elementos: sujeito, de quem seafirma ou se nega; predicado, o que se afirma ou se nega; cópula,afirmação ou negativa. Na frase o Direito é dinâmico, temos: Direito- sujeito; dinâmico - predicado; é - cópula. O objeto é sempre o sujeito de um juízo lógico. É o ser a quemse atribui ou se nega alguma coisa. -

2. O Quadro das Ontologias - O jusfilósofo argentino, CarlosCossio, elaborou um quadro sobre as diversas ordens de objetos que,além de esclarecedor, é útil por seu aspecto didático.=

2 Carlos Cossio, apud Aftalion, Olano e Vilanova, lntrducción al Dencho, 9" ed.,�Cooperadora de Derecho y Ciências Sociales, Buenos Aires,1972, p. l5.

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diretamente pela sociedade ou por seus órgãos especializados; emqualquer hipótes.e, porém, o Direito pressupõe a chancela do Estado. A síntese preliminar da noção ou conceito do Direito positivoengloba três elemèntos:

a) relações sociais (fato); b) justiça: usa final (valor);� c) regras impostas pelo Estado (norma).

27. A Teoria dos Objetos

1. Conceituações Prévias - Para se chegar a responder à indaga-ção fundamental "onde se localiza o território do Dìreito?", é neces-sária uma incursão prévia na teoria dos objetos. Esta é um doscapítulos da Ontologia (ontos = ser, logos = teoria). Destacada é a suaimportância para todas as áreas do saber. A ordem do universo secompõe de objetos, entre os quais se inclui o Direito. Essa composiçãodo universo não é estática. É um permanente devenir. Seu aspectodinâmico não decorre necessariamente, da ação humana. forças� �' ér icas da natureza em um consf uxo de causa e efeitom s ob'et s a natureza. Pelo fato de a teoria dos objetos ser um estudo centralizado nosujeito de um juízo lógico, a noção deste se torna imperiosa nestemomento. Em linguagem simples, podemos dizer que juizo lógicoconsi te tribui ar a r.ompreende, vbrigatoriamente, três elementos: sujeito, de quem seafirma ou se nega; predicado, o que se afirma ou se nega; cópula,afirmação ou negativa. Na frase o Direito é dinâmico, temos: Direito- sujeito; dinâmico - predicado; é - cópula. O objeto é sempre o sujeito de um juízo lógico. É o ser a quemse atribui ou se nega alguma coisa. ·

2. O Quadro das Ontologias - O jusfitósofo argentino, CarlosCossio, elaborou um quadro sobre as diversas ordens de objetos que,além de esclarecedor, é útil por seu aspecto didático. �

2 Carlos Cossio, npud Aftalion, Olano e Vilanova, Intnduccidn al Dcrccho, 9' ed.,�Cooperadora de Derecho y Ciências Sociales, Buenos Aires,1972, p.15.

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ONTOLOGIAS REGIONAIS

Objetos 1Q caráter 2a caráter 3 caráter Métodos Ato�

Irreais: não Não estão ttm na Ntros ao Racional-� eia experiéncia valor dedutivo�

Estão na Neutros ao Empírico- Elicação� estgncia experiéncia valor dedutivo�

Estão na Valiosos EiriCO-� Cunurais tém e,;ãncia Posãiva ou lético pensão� � � � epstãncia negativamente Reais: Não estão Valiosos, tãm na positiva ou - - estãncia eeriéncia negativamente� �

2. Objetos Naturais�

1. Conceito - Objeto natural é todo elemento que integra o reinoda natureza e se subordina ao princípio da causalidade. A sua existên-cia independe da vontade humana. Graças a ele o homem mantém asua vida, cria o seu instrumental de trabalho e produz. A planta, osrios, os peixes, os minerais são aIguns dos objetos que a naturezacoloca à mercê do homem. O seu estudo se faz pelas chamadas ciênciasnaturais: Física, Química, Biologia, Astronomia etc. Os objetos natu-rais dividem-se em duas espécies: físicos e psíquicos. Estes são trata-dos pela Psicologia e se referem, por exemplo, à emoção, ao desejo, àsensação etc. Para bem aproveitar os benefícios desse imensópotenciat, o ser�humano procura conhecer a estrutura dos diferentes objetos naturais,os princípios e as leis que os regem.

2. Caracteres - Conforme se pôde verificar no quadro dasOntologias Regionais, de Carlos Cossio, os objetos naturais possuemos seguintes caracteres: a) reais: existem no tempo e no espaço, àexceção dos objetos psíquicos, que possuem apenas a dimensão tem-poral; b) estão na experiência: são acessíveis pelos sentidos humanos.

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Enquanto que os objetos físicos são apreendidos pela percepção ex-terna, os fenômenos psíquicos se desenvolvem pela percepção interna;c) neutros ao valor: objetivamente, não possuem sentido. O homem,sim, pode atribuir-Ihes valor.

Principio da Causalidade - No reino da natureza, nada ocorrepor acas o. Cada fenômeno tem a sua explicação em uma causa deter-minante. rinci io da causalidade corres onde ao nexo existente en_trea causa e o e eito de um enômeno. O eclipse solar, por exemplo, é umefeito que se explica por uma determinada causa. O fenômeno é um efeitoque pode, dialeticamente, constituir-se em causa de um novo fenômeno.Diante de um fato da natureza a indagação que se apresenta é sempre umporquê. A explicação do fenômeno exige um recuo ao passado, a fim dese constatar a circunstância que lhe serviu de causa.

4. Leis da Natureza - A natureza é um corpo vivo, que se mantémem permanente movimento e transformação, em decorrência da exis-tência de numerosas leis que regem o seu mundo. A lei natural,definida por Montesquieu como "a relação necessária derivada danatureza das coisas",3 possui caracteres particulares, entre os quais sedestacam: universalidade, imulabilidacje, inviolabilidade e isonomia.

4.1. Universais: porque são iguais em todos os lugares.

4.2. Imutciveis: as leis da natureza não sofrem variações. Nãoevoluem. Não perdem e nem recebem novas dimensões. A noção queo cientista possui sobre determinada lei é que é passível de retificação.É indispensável não se confundir, portanto, a lei da natureza com oenunciado que dela se faz.' Quando os tratados científtcos modificam

3 Montesquicu, oP. rir., p. 9.4 Ncste eyuívoco incorre Fausto E. Vallado Berrón, quando afirma: "De acordo comas modernas concepções da física, a lei natural só expressa com um alto grau deprobabilidade o acontecer causal dos fenômenos." Nesta passagem, como em outras, deseu estudo sobrc "La Ley de la Naturaleza", identifica lei natural com enunciado. (TenrinGeneral cle! Dererhu. Universidad Narional Autónoma del México, I972, p. 81). Nestafalha não incidiu J. M. Bochenski, ao expressar igual pensamento: "...as teorias cientfficasnunca são verdades absolutamente certas. Tudo o que a ciência pode alcançar nestedomtnio é a probabilidade" (Diretrize.c cIn Pen.cnmento Filo.sófc·o, 4' ed., Editora Herder,Sào Paulo, I971, p. 62). O conhecimento científico não se confunde, pois, com o objetode estudo das ciências da natureza, quc são as chamadas leis naturais.

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o enunciado de uma lei natural, é sinal que a concepção anterior erafalsa. Nem se pode afirmar que o cientista cria uma lei natural, pois narealidade tem o poder apenas de constatar a sua existência.

4.3. Invioláveis: o homem só pode influenciar sobre os objetosnaturais até onde as leis permitem. E o que a lei permitirá no futuro éo mesmo que permite hoje e no passado distante, de vez que a ordemnatural das coisas é inalteráel. Se o homem obtém, na atualidade, a�fecundação do óvulo pelo método da inseminação artificial, teorica-mente tal fenômeno já era possível desde o início da criação. Aohomem, porém, faltavam conhecimento e recursos tecnológicos.

4.4. Isonomia: é o princípio da igualdade de todos perante anatureza. A morte, por exemplo, é fenômeno que decorre de leisbiológicas e que atinge a todos os seres vivos indistintamente.

5. Importância - À medida que o homem obtém conhecimentoquanto aos objetos naturais, procura traduzir a sua nova experiência emfatos concretos. O avanço da ciência vai repercutir no mundo dasinvenções e no campo da tecnologia. O progresso material gera anecessidade de o homem caminhar Ygualmente no setor espiritual. Sobpena de incidir no materialismo, o agente da evolução científica precisacompatibilizar as conquistas com as suas atitudes, sob o apoio de uma�segura filosofia de vida.

29. Objetos Ideais

Os objetos ideais tornam-se inteligíveis a partir do exame de seuscaracteres. Conforme se irá constatar, o termo ideal não possui qual-quer conotação de ordem moral ou de aperfeiçoamento. Constituemcampo de pesquisa da matemática, geometria e lógica. Os números, asfiguras geométricas, os conceitos, são alguns de seus exemplos. Re-caséns Siches distingue duas espécies nesta categoriá: objetos ideaispuros e valores.5 Como essa inclusão é negada por outros autores e

5 L. Recaséns Siches, Intraducción al Estudio del Derecho, Editoral Porrua S.A.,México,1970, p.1 l.

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ainda pelo fato de os valores apresentarem caracteres especiais, paraefeito didático esta segunda espécie apontada será focalizada isolada-mente. Portanto, os caracteres, a seguir apresentados, referem-se tão-somente aos objetos ideais que Siches denomina de puros. Caracteres básicos: a) sã,oc'rears, isto é, não ocupam um lugar no� � �espaço e não têm duração. São, portanto, inespaciais e intempornis; b)nã stão a ex eriên ia sensivel: não são acessíveis pelos sentidos. Amentalização de um qúadrado não depende de qualquer conclusãosobre o mundo exterior. Se o técnico fabricar algum objeto sob a formade um quadrado, ter-se-á, aí, um objeto cultural e não um objeto ideal;c) ros á- aos valore : carecem de sentido. Não podem ser� �qualificados dentro de uma escala que compreende o bem e o mal. Asua materialização ou configuração prática pode, sim, obter significa-do, representar valor, mas já não se terá um objeto ideal.

30. Os Valores

1. Axiologia - A arte da Filosofia que estuda os valorcaráter abstrato, sem considerar a sua ree ão nas diferente�denomina-se teoria dos valores ou azologia. Os valores específicos,�concretos, ficam a nível das próprias ciências. Assim, os valoresjurídicos são abordados na Filosofia do Direito; os econômicos, naschamadas Ciências Econômicas; os políticos, na Ciência Política. Antes de se questionar a participação individual dos valores, noquadro das 'as.Regionais, impõe-se uma explanação sobre oseu conceito e importância. , r,;.:-.; . ",-·` ,., .� � � � � �

2. Conceito - O homem é um ser em ação, que elabora planos edirige o seu movimento, com o objetivo de alcançar determinados fins.A escolha desses fins não é feita por acaso, mas em função do que ohomem considera importante à sua vida, de ácordo corrí òs valores queelege. A atividade humana, em última análise, é motivada pelosvalores. Estes assumem a condição de fator decisivo, determinante dosprojetos que o homem constrói e de cada providência que toma. A idéia de valor está vinculada às necessidades humanas. Só seatribui valor a algo, na medida em que este pode atender a algumanecessidade. Assim, a necessidade gera o valor; este coloca o homemem açao, que por sua vez

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obtenção de algum objeto

Como todo conceito-limite, o valor nao comporta uma definiçãológica ou real. Pode-se dizer, contudo, que a idéia de valor se com-preende na noção que temos entre o bem e o mal, entre as coisasque promovem o homem e as que o destroem. O valor não existe noar, desvinculado dos objetcs. Vem impregnado na realidade, naexistência. Todo processo cultural é estruturado com vista à realização deum valor próprio. A estética existe em função do belo, a técnica visaa alcançar o útil, a Moral projeta o bem, a Religião valora a divindade,e o Direito tem na justsça a sua causa principal.

3. Caracteres - Assinalamos quatro caracteres fundamentaispara os valores: a) correspondem a necessidades fumánas: para que�algo possua valor, éindispensávelque seja dotado de algumàs proprie-� �dades, capazes de satisfazer às necessidades humanas. Se o homemnão possuísse necessidades, não haveria sequer a idéia de valor; b) sãorelativos: como as necessidades humanas não são padronizadas. nã �obstante se possa acusar uma faixa comum, os valores não se apresen-tam com idêntico significado para todàs as pessoas. Assim, um códigoé sempre valioso para o estudante de Direito e não possui tal impor-tância para o aluno de Engenharia. Diante das coisas o homem podeassumir três posições básicas: atribuir valor positivo, negativo, oumanter-se neutro. A intensidade da valoração também é relativa, deacorçom ogru de necessidade da pessoa; c) bipáIuridade: a cada� � �valor positivo corresponde um valor negativo ou desvalor. Exemplos:justiça e injustiça; amor e ódio. Essa estrutura polar dos valores édesignada por polaridade essencial, pelo filósofo Johannes Hessen;"d) possuem hierarquia: o homem estabelece uma linha de prioridadeentre os valores. Esta é também variável de um ser humano para outro.De um ponto de vista objetivo, considerando-se as..necessidades einteresses do gênero humano, pode-se estabelecer uma graduaçãoentre os valores, de forma estável. Assim, os valores espirituais ocu-pariam um plano superior aos de ordem material. Entre estes, os desobrevivência teriam primazia em relação aos de ostentação.

6 Johannes Hessen, Filo.roficr dns Vnlore.s, 3" eJ., Arménio Am;ido, Gditor, Sucessor.Coimbra, l967, p. 60.

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4. Localização - Quanto à localização dos valores, há, basica-mente, três posições: a) no sujeito; b) no objeto; c) na relação entreo sujeito e o objeto. A primeira teoria, que se pode chamar de subjetiva,tem como ponto básico'a circunstância de que o scjeito é portador de�necessidade. A segunda, objetivn, apóia-se no fato de que o objeto,que irá suprir a necessidade, possui certas propriedades que o fazemvalioso perante o homem. A última é uma teoria eclética, para a qualo valor não existe isolado, mas na co-participação do sujeito e objeto.

5. Os Valores e a Teoria dos Objetos - Podem os valores serconsiderados objetos e, como tais, incluídos no ciadro das Ontolo-�gias Regionais? Entre os filósofos não há uniformidade de orientação. O examesimplificado da questão indica as seguintes posições e argumentos:

la) Opinião Contrária à Inclusão - Aftalion, Olano e Vilanova,sob a alegação fundamental de que os valores não possuem autonomia,pois não têm existência isolada e se manifestam apenas nos objetosculturais, para dar-lhes sentido, negam-Ihes a condição de objetos.Para os argentinos, não seria possível admitir a inclusão de objetos nãoindepencfeiites no Quadro dns Ontolo ias Regioiiais.'

2a) Opinião Favorável à Inclusão - Ao dividir os objetos emseitsiveis (empíricos), suprn-seiisiveis (metafísicos) e não-sensiveis(ideais), Johannes Hessen incluiu os valores na última categoria. Pen-sava o filósofo alemão que "os valores pertencem à classe dos objetosnão sensívei,. A sua particular maneira ou modo de ser é a do Ser idealou do Valer. Num ponto de vi,ta mais ontológico-estático, podemostambém falar, certamente, num .ser icleal dos valores. como o fazemosa propósito dos objetos mateináticos, e dizer que, num certo sentido,eles, assim como estes, também são."" Em nossa opinião, além de se manifestar nos ojetos culturais,�os valorcs podem existir autonomamente, enquanto idéia. Assim con-siderados, é inegável a sua inclusão na categoria dos objetos. Essaautonomia é possível, de ver due os valores, como idéia, podem sersujeitos de um juízo lógico. Quando afirmamos que a justiÇa é indefi-

7 Aftalion, Olano e Vilanova, np. rit., p. 26.8 Johannes Hessen, i. rit., p. SI.���

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nivel, o valor se apresenta como sujeito dojuízo. Nesse momento, nãohá como se pretender reduzir o valor a elemento de alguma outracategoria de objeto. Dáí se infere" errt çonçlusó Iógica,-cfua res� �constituem objeto específico, devendo. cupar, destarte, uma faixa _� �própria no quadro das ontologias regionaisz

31. Objetos Metafísicos

Objétos metafísicos são aqueles que, apesar de possuírem umaexistência real, estãQdá exeriência_do homem, çomo Deus, a� �coisa em si de Kant. Tais objetos não são alcançados pelos sentidos,não obstante se reconheça a sua existência individual no espaço e notempo. Enquanto que os objetos ideais carecem de sentido, os metafí-sicos não são neutros em relação aos valores.

32. Objetos Culturais

1. Conceito - Objeto Cultural éalqçer ente criad eleZe� � � � �riência do homem. Em sua origem latina, o vocábulo cultura, que nãosofreu alteração em sua grafia, significava a ação de tratar a terra. Aevolução semântica vinculou a palavra às artes e às ciências. Atual-mente os autores sentem dificuldades na sua conceituação. Todavia,do ponto de vista antropológico, pode-se afirmar que cultura é oproduto da criatividade humana. Em sentido mais amplo, WilhelmSauer atribuiu-Ihe o significado de "cultivo, aperfeiçoamento, eno-brecimento, aspiração progressiva, superação da natureza, trânsito doestado natural a um estado social realizador de valores"."' O mundoda cultura compõe-se do produto das realizações humanas_; de todasas coisas que o homém cri, visnáó ã ãtndêr às suas múltiplas� � �necessidades. É resultante do trabalho humano. Dotado de inteligên-cia, o homem modifica a paisagem da natureza, adequando-a à sua

9 Esta conclusão difere da apresentada nas cinco primeiras edições deste livro. Uma vezdcmonstrada a autonomia dos valores como premissa de raciocínio, inevitavelmente h5que se reconhecer que os valores configuram categoria ontológica própria.10 Wilhelm Sauer. Filosofia Juridiea y Social, Editorial Labor S.A., Barcelona,1933,p.117.

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vida. Os elementos que a Terra oferece são manipulados e transforma-dos, até atingirem a forma e funcionalidade necessárias ao uso dohomem. Os objetos culturai ga;rticilZaml áo mesmo tempo, do mundó da�nátureza, responsável pelo seu substrato físico, e do mundo dos valo-res, que empresta sentido à matéria. O automóvel, por exemplo, éobjeto cultural e tem o seu suporte físico extraído da natureza, consis-tindo em metais e borrachas que, trabalhados pelo homem, ganhamsignificado, ou seja, valor.

2. Cultura Material - Como as realizações humanas se proces-sam nos planos material e espiritual, a cultura vai classificar-senessas duas espécies. A cultura material é o resultado do trabalhohlimano sobre o mundo da natureza. Desta inesgotável fonte, extraios objetos que lhe serão úteis, dando-lhes forma e sentido, de acordocom as súas conveniências. A natureza, por exemplo, não dá aohomem o computador eletrônico. Partindo do conhecimento destanecessidade, ele vai àquela fonte e, usando de força e inteligência,seleciona a matéria-prima de que necessita, impõe-lhe transforma-ções e constrói o aparelho desejado. A cultura material possui umsubstrato fisico, ao qual o homemCi úm sentido. De uma pedra de�mármore, o homem faz uma obra de arte. Com o cinzel atuandosobre esse suporte físico, ele vai realizar o belo. O objeto esculpidodeixa de ser classificado como objeto da natureza, para ser consi-derado cultural. A cultura material pressupõe, assim, objeto danatureza e valor.

3. Cultura Espiritual - O homem, entretanto, não se contentaapenas com a sua produção material. A sua espiritualidade, o seuidealismo, o seu afã de aperfeiçoamento tornam a vida humana maiscomplexa, gerando neCessidades não materiais, que são atendidas pelacultura espiritual. A vida humana em sociedade, o Direito, a Moral, asidéia.órençásl histór_ias, çánçQes são álguns rocessos de cultura� � � �espirEual e que se revestem de importância para o hõmem_ . A cultura� �espiritual, específica do ser humano, pressupõe sempre substrato evalor. Necessariamente o substrato há de ser de natureza espiritual ebasear-se na experiência. Cultura material e cultura espiritual não são duas ordens separa-das e nem se mantêm estáticas. Relacionam-se dialeticamente em umprocesso de interação permanente. Igual fenômeno se passa entre a

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cultura e a comunidade. Uma vez formada a cultura, esta exercecondicionamento sobre aquela. Conforme acentua Mayer, "...a cultu-ra depois exerce influência sobre a própria sociedade, reflui sobre oseu criador."" A cada novo dia surgem outros inventos que conduzemà criação de novos objetos. Ao longo da história, o homem desenvolveuma linha ininterrupta de criatividade espiritual e material. E é nessecriar e nesse fazer que ele se realiza, quando dá uma dimensão socialà sua atividade. ' Ao mundo da cultura, Recaséns Siches denomina "vida humanaobjetivada" . Diz o eminente jurista e sociólogo que Dom uixote, por�exemplo, "ao ser escrito, era um pedaço da vida palpitante de Cervan-tes. Depois de escrito e mesmo após a morte de seu autor, está aí comoum conjunto de pensamentos eristalizados, que podem ser revividos,repensados por qualquer pessoa que o leia".'2 Esta visão de Siches, aofalar em "vida humana objetivada", revela a carga de influênciafilosófica que recebeu de seu mestre Ortega y Gasset, que interpretavaos fenômenos do mundo e da vida a partir do conceito de vida indi-vidual.

33. O Mundo do Direito

1. Considerações Prévias - Com oportunidade, renova-se agoraa indagação fundamental: onde se localiza o território do Direito? Combase nas notas essenciais do Direito,já discriminadas, e tendo em vistaos caracteres das diversas categorias de objetos, torna-se possívelresponder à indagação, indicando a posição do Direito no quadro dasOntologias Regionais.

2. Direito e Objetos Naturais - Tanto o mundo do Direito, quantoo reino da natureza, possuem leis. Mas enquanto as lis naturais são�universais, imutáveis, invioláveis e se manifestam com o caráter deabsoluta isonomia, as leis jurídicas revestem-se de outros predicados:

11 Max Ernst Mayer, Filosaffa de! Dererho, 2' ed., Editorial Labor S.A., Barcelona,p. 80.I2 Recaséns Siches, op. rit. p. 25.

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a) O Direito Positivo não é universal, pois varia no tempo e noespaço, a fim de expressar a experiência de um povo, manifesta emseus costumes, cultura e desenvolvimento geral.

b) Para ser um efetivo processo de adaptação social, o Direitonão pode ser imutável. À medida que se operam mudanças sociais, oDireito deve apresentar-se sob novas formas e conteúdos.

c) Apesar de o Direito ser obrigatório e possuir coercibilidade,não possui meios para impedir a violação de seus preceitos. Os mecanis-mos sociais de segurança, por mais aperfeiçoados que sejam, revelam-se impotentes para impedir as diversas práticas de ilícito.

d) No Direito, o princípio da isonomia, segundo o qual todos sãoiguais perante a lei, não possui a eficácia absoluta que existe no mundoda natureza. Se, do ponto de vista teórico, a isonomia da lei é princípiode validade absoluta, no campo das aplicações práticas o absoluto setransforma em relativo, por força de múltiplos fatores de distorções.

e) Enquanto as leis da natureza são regidas pelo princípio dacausalidade, pelo qual há uma suêssão infalível, previsível, entre�causa e efeito nos fenômenos naturais, o Direito é dominado peloprincípio da finalidade, segundo o qual a idéia de fim a ser alcançadoé responsável pelo fenômeno jurídico. Enquanto que no Mundo daNatureza indaga-se o porquê do fenômeno ocorrido, no Direito pergun-ta-se o para quê de determinada lei.

f) A ordem natural das coisas é obra do Criador, enquanto que oDireito Positivo é elaboração humana.

g) Os objetos naturais pressupõem sempre um suporte físico,enquanto que o ser do Direito não possui matéria. .

h) Enquanto que os objetos naturais são neutros em relação aosvalores, o Direito é um processo que visa a realização de valores.

O paralelo entre as leis naturais e as jurídicas, com toda a evidên-cia, revela-nos que o Direito não se localiza no chamado Mundo daNatureza.

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3. Direito e Objetos Ideais - A simples menção de que os objetosideais não têm existência, ` `não estão na experiência" e são neutros aovalor, põe em manrfesto a impossibilidade de o Dire>to identificar-secom essa categoria de objetos, de vez que o Direito tem existência, estána experiência e realiza valores. Em relação aos valores, que seinclu,em nesta categoria, é inegável a sua importância na vida doDireito. Este deve ser visto como um instrumento para a realização dajustiça. Contudo, não se pode dizer que Direito é apenas valor, e, commaior razão, valor apenas como idéia.

4. Direito e Objetos Metafisicos - O fato de o Direito Positivoestar na experiência, de vez que é cognoscível empírica e racionalmen-te, afasta a possibilidade de vir a ser catalogado entre os objetosmetafísicos. Estes possuem, entre outras características, a de não esta-rem na experiência.

5. Direito e Cultura - Como processo de adaptação social, oDireito é gerado pelas forças sociais, com o objetivo de garantir a ordemna sociedade, segundo os princípios de justiça. Assim, o Direito é umobjeto criado pelo homem e dotado de valor. Como, por definição,objeto cultural é qualquer ente criadpela experiência humana, infere-�se que o Direito é ob,jeto cultural.

34. Conclusõss

O território do Direito localiza-se no chamado Mundo da Cultu-ra. O Direito é um processo de cultura espiritual. Possui substrato nãofísico e valor a ser alcançado. Qual seria o suporte do Direito?Inegavelmente, a conduta social do homem. Estabelecendo diretrizespara a convivência, modelando o agir em sociedade" o Direito modi-fica o comportamento social, canalizando as ações para a vivência devalores. Como os processos culturais realizam valores, o Direito visaà concreção da justiça, que é a sua causa final, a grande razão de ser,a motivadora da formação dos institutos jurídicos. A justiça encerratoda a grandeza do Direito. Em termos absolutos, é um ideal não-al-cançável. A história, contudo, é a testemunha do notável esforço dohomem para o aperfeiçoamento do Direito. A justiça privada, a lei detalião, o sistema das ordálias, o regime da escravidão, vigentes em

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épocas recuadas da história, revelam um Direito profundamente injus-to, distanciado dos grandes princípios do Direito Natural. Hoje, oDireito valoriza a vida humana, protege os mais fracos, estabelece oprincípio da isonomia legal. Contemplar o passado e observar opresente é esperar futuro promissor para o Direito.

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário: 25 - Recaséns Siches, Introducción al Estudio del Derecho; Flbscolo daNóbrega, Introdução ao Direito; 26 - Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito; 27 - Aftalion, Olano e Vilanova, Introducción al Derecho; Abelardo Torré,Introducción al Derecho; 28 - Recaséns Siches, op. cit.; Fausto E. Vallado Berrón, Teoria General delDerecho; Flóscolo da Nóbrega, op. cit.; Miguel Reale, op. cit.; 29 - Aftalion, Olano e Vilanova, ol. cit.; Abelardo Torré, op. cit.;� 30 - Johannes Hessen, Filosofia dos Valores; Flóscolo da Nóbrega, op. cit.; 31- Aftalion, Olano e Vilanova, op. cit.; Alberto Torré, op. cit.; 32 - Ernst Mayer, Filosofia del Derecho; Wilhelm Sauer, Filosofia Juridicay Social Recaséns Siches, op. cit.; "� 33 - Recaséns Siches, op. cit.; Afta'non, Olano e Vilanova, op. cit.; Flóscoloda Nóbrega, op. cit.; 34 - Texto.

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Capítulo VIII

DEFINIÇÕES E ACEPÇÕESDA PALAVRA DIREITO

Sumário: 35. Considerações Prévias. 36. Definições Nominais. 37. Defini- ções Reais ou Lógicas. 38. Definições Nistóricas do Direito. 39. AcepÇões da Palavra Direito. 40. Conceito de Ordem Juridica.

35. Considerações Prévias

A ampla divergência entre os ,jristas, quanto à definição do� , Q ` `jDireito, levou Kant a afirmar, no século XVIII ue os uristas aindaestão à procura de uma definição para o Direito". Decorridos doisséculos, esta crítica, sob certo aspecto, mantém-se atual, de vez queos cultores da Jurisprudentia não lograram objetivar, através de umadefinição, todos os sentidos do vocábulo. As dificuldades que oproblema oferece estão ligadas a dois motivos básicos, sendo um denatureza metodológica e outro vinculado a tendências filosóficasperante o Direito. O primeiro se refere à prática de se examinardiretamente o tema da definição, sem que antes se proceda ao examedos diversos sentidos que o termo encerra.'

I Luis Legaz y Lacambra desenvolveu uma investigação cientffica, a fim de buscar umconceito unitúrio que, em sua generalidade, abrangesse os vúrios signifcados do Direito.Com esta finalidade, formulou a seguinte definição descritiva: ' `una forma de vida socialen la cual se realiza un punto de vista sobre lajusticia, que delimita las respectivas esferasde licitud y deber, mediante un sistema de legalidad, dotado de valor aut5rquico." Estadefinição, inspirada em Santo Tom5s, é rica em elementos e possui a virtude de captar,em sua generalidade, o sentido global do Direito. Por seu elevado teor de abstração,contudo, requer complementações que explicitem os dados que contém. (Op. rir., p. 246).

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De outro lado, as definições sofrem a influência das inclinaçõesdo jurista; dependem do tipo de homo juridicccs que representa. Se detêmpera legalista, identificará o Direito com a norma jurídica; seidealista, colocará a justiça como elemento primordial. Os sociólogosdo Direito, por sua vez, enfatizam o elemento social, enquanto que oshistoricistas fazem referência ao caráter evolutivo do Direito. Formasespeciais de experiência conduzem a definições muitas vezes curiosas,como a formulada por Pitágoras que, sob a ótica da matemática,afirmou: "o Direito é o igual múltiplo de si mesmo".z Em lógica, o vocábulo Direito é classificado como termo análogoou analógico, pelo fato de possuir vários significados que, apesar de sediferenciarem, guardam entre si alguns nexos. Assim, empregamos essetermo, ora em sentido objetivo, como norma de organização social, orado ponto de vista subjetivo, para indicar o poder de agir que a 1eigarante; algumas vezes, como referência à Ciência do Direito e outras,como equivalente à justiça. Com esse vocábulo, fazemos alusão tantoao Direito Positivo quanto ao Direito Natural. Uma única definição seria capaz de revelar as diversas acepções,de acordo com os pressupostos da lógica? A dificuldade seria a mesmaque a de um fotógrafo que pretendess registrar, com uma só chapa�fotográfica, todas as faces de um poliedro. Daí decorre que seria umerro, conforme acentua Goffredo Telles Júnior, enunciar-se apenas umadefinição do Direito. Devem-se dar tantas definições quantos os senti-dos do vocábulo.

36. Definições Nominais

As definições podem ser nominais e reais ou lógicas. As nominaisprocuram expressar o significado da palavra em função do nome doobjeto. Dividem-se em etimológicas e semânticas. As..definições reaisou lógicas fixam a essência do objeto, fornecendo as suas notas básicas.Temos assim o quadro das definições:

2 Considerando-a misterio.sn definição, Pontes de Miranda, que possuía sólidos�conhecimentos de matemática, sobrc ela conjeturou: ` ...quis talvez o sábio gregovagamente expressar o imutúvel quc há na sucessão das formas e a despeito delas"(Sistema de Ciência Positivn do Direito, 2' ed., Editor Borsói, Rio de laneiro,1972, vol.I, p. XXVI).

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l.l - Etimológicas 1 - Nominais Definições 1.2 - Semânticas 2 - Reais ou Lógicas

l. Definição E'iinológica - Esta espécie explica a origem do�vocábulo, a sua génálogia. A palavra Direito é oriunda do adjetivo�latino directus, a, um (qualidade do que está conforme a reta; o que nãotem inclinação, desvio ou curvatura), que provém do particípio passadodo verbo dirigo, is, rexi, rect,cm, dirigere, equivalente a guiar, conduzir,�traçar, alinhar. O vocábulo surgiu na Idade Média, aproximadamenteno século IV, e não foi empregado pelos romanos, que se utilizaram dejus, para designar o que era licito e de injúria, para expressar o que erailicito. A. etimologia de jus é discutida pelos filólogos. Para umacorrente, próvém do latim Jussum (mandado), particípio passado doverbo jubre, que corresponde, em nossa língua, a mandar, ordenar. O�radical seria do sânscrito Ycc (vínculo). Para outra corrente, o vocábuloestaria ligado a Justum (o que é justo), que teria o seu radical no védicoYós, que significa bom, santidade, práteção. Do vocábulo jus surgiramoutros termos, quese incorporaram à terminologia jurídica: justiça,�juiz,juízo,jurisconsulto,jurista,jurisprudência,jurisdição. Apreferên-cia dos povos em geral pelo emprego do vocábulo Direito decorre,provavelmente, do fato de possuir significado mais amplo do que jus.

2. Definição Semântica - Semântica é a parte da gramática queregistra os diferentes sentidos que a palavra alcança em seu desenvol-vimento. O mundo das palavras possui vida e é dinâmico. O povo criaa linguagem e é o agente de sua evolução. A palavra Direito tambémpossui história. Desde a sua formação, até o presente, passou porsignificados vários. Expressou, primeiramente, a qualidade do que estáconforme a retae, sucessivamente, designou: Aquiló`que está conformea lei; a própria lei; conjunto de leis; a ciência que estuda as leis. A definição nominal, a par de algumas contribuições que oferece,não pode ser nomeada como fator decisivo à formação do conhecimen-to científico. O excessivo recurso à lexicografia, Herman Kantorowiczdenomina de "realismo verbal" e o condena: "uma d I i nição científica�não pode ser estruturada através da lexicografia, ainda quando umagrande parte dos juristas de todos os tempos haja acreditado na possi-

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bilidade da utilização desse método... Constitui, pois, eno fundamental,que tem viciado numerosas investigações em todos os campos doconhecimento, o fato de estimar as definições como algo relacionadocom a questão do uso verdadeiro ou enôneo da linguagem."3

37. Definições Reais oa Lógicas

Definir implica delimitar, assinalar as notas mais gerais e asespecíftcas do objeto, a fim de distingui-lo de qualquer outro. Se a tarefaé difícil e, algumas vezes, árdua, nem por isto deve ser evitada, porquecorresponde a uma necessidade de ordem e de firmeza dos conheci-mentos, o que é indispensável à organização das ciências. Se os roma-nos chagaram a aftrmar que Omne definitio periculosa est (toda defi-nição é perigosa), não negaram que Definitio est initium omni disputa-tioni (a definição é o princípio para toda disputa). A técnica das definições reais exige a escolha de um métodoadequado. Para se atender aos pressuppstos da lógica formal, a defi-nição deverá apontar o gênero prximo e a diferença especifica.�Este critério era conhecido e adotado pelos antigos romanos, quejáafirmavam: Definitio fit per genus proximum et differentiam speci-ficam. O gênero próximo de uma definição deve apresentar as notas quesão comuns às diversas espécies que compõem um gênero, enquantoque a diferença específica deve fornecer o traço peculiar, exclusivo,que vai distinguir o objeto definido das demais espécies. Em relação 'ao Direito, o gênero próximo de sua definição é constituído pelo núcleocomum aos diferentes instrumentos de controle social: Direito, Moral,Regras de Trato Social e Religião. Já a diferença específica deveapontar a característica que somente o Direito possui e,;ue o separa dos�outros processos de conduta social. Examinando o vocábulo do ponto de vista objetivo, assim o .consideramos: Direito é um conjtnto de normas de conduta srcial,� �imposto coercitivamente pelo Estado, para a realizafão da seguranÇa,

3 Hermann Kantorowicz, Ln Definirión del Derecho, Revista de Occidente, Madrid,I964, p. 32.

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segundo os critérios de justiça. Decompondo, em partes, vamos en-contrar: a) Conjunto de normas de conduta social: é o gênero próximo.Nesta primeira parte da definição, comum aos demais instrumentos decontrole social, estão presentes dois importantes elementos: normas econduta social. As normas definem os procedimentos a serem adota-dos pelos destinatários do Direito. Fixam pautas de comportamentosocial; estabelecem os limites de liberdade para os homens em socie-dade. As proibições impostas pelas normas jurídicas traçam a linhadivisória entre o lícito e o ilícito. As normas impõem obrigaçõesapenas do ponto de vista social. A conduta exigida não alcança ohomem na sua intimidade, pois este âmbito é reservado à Moral e àReligião. É fundamental, para a vida do Direito, que haja adesão aoscomandos jurídicos; que as condutas sociais sigam os ditames dasnormas jurídicas. O Direito sem efetividade é letra morta, que existeapenas formalmente.

b) Impcsto coercitivamente pelo Estado: é a diferença específica.Apenas as normas jurídicas requerem a participação do Estado. Estecontrola a vidajurídica do país e, para i,sto, é indispensável que estejadevidamente estruturado de acordo cQm a clássica divisão dos pode-res: Legislativo, Executivo e Judiciário, que devem cumprir as funçõesque lhes são próprias. O comando que o Estado exerce não significa,obrigatoriamente, o monopólio das fontes criadoras do Direito. AoEstado compete estabelecer o elenco das fontes formais e a suahierarquia. Na dependência dos critérios adotados pelo sistema jurídi-co do Estado, os costumes e as decisões uniformes dos tribunais(jurisprudência) podem figurar, ao lado da lei, como elementos fon-tais. Assim ocorrendo, a sociedade e os tribunais, diretamente, poderãointroduzir, no mundo jurídico, novas normas de conduta social. As regras de comportamento não existem apenas como enuncia-dos submetidos à vontade de seus destinatários. Os déZeres jurídicosse revelam em uma ambiência, onde a liberdade e a força coexistem.Como ser racional e responsável, o homem deve ajustar a sua conduta,com vontade própria, aos preceitos legais. Esta atitude de espontâneaadesão, contudo, nãQ é prática comum a. todos os homens. Surge, daí,a imperiosa necessidade de o Direito ser dotado de um mecanismo decoerção, em que o elemento força se apresente em estado latente, masapto a ser acionado nas circunstâncias próprias. A coercitividade, a

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cargo do Estado, é uma reserva de força que exerce intimidação sobreos destinatários das normas jurídicas.

c) Para a realização da segurança segundo os critérios de jccstiça:o aparato legal deve ser considerado como instrumento, meio, recurso,colAcado em função do bem-estar da sociedade. Ajustiça é a causa finaldo Direito, a sua razão de ser. A fórmula-de alcançá-la é através dasnormas jurídicas. Para realizar-se plenamente na sociedade, a justiçapressupõe organização, ordem jurídica bem definida e a garantia derespeito ao patrimônio jurídico dos cidadãos; em síntese, pressupõe asegurança jurídica. Assim sendo, para se chegar à justiça é necessáriocultivar-se o valor segurança jurídica. No a á de se aperfeiçoarem osfatores de segurançajurídica, não se deve descurar da idéia de que ajustiçaé a meta, o alvo, o objetivo maior na vida do Direito. Não há, entre os filósofos do Direito, uma definição padronizadasobre ajustiça; entretanto, a idéia matriz de quase todas as concepçõespartiu de Ulpiano, jurisconsulto romano, que a empregou como virtudemoral: lustitia est constans et perpetua voluntas ius sccum quiqccetribuendi (a justiça é a constante e permanente vontade de dar a cadaum o seu direito).4 (V. Cap. XI).

38. Definições Históricas do Direito

Entre as definições que se tornaram clássicas, selecionamos algu-mas, como exercício de análise crítica:

I. Celso, jurisconsulto romano do século I: Jus est ars boni etaequi (Direito é a arte do bom e do justo). A definição é de cunhofilosófico e eticista. Coloca em evidência apenas a finalidade doobjeto, o que é insuficiente para induzir o conhecimento. Costuma sercitada como exemplo de que os romanós, no plano teórico, nãodistinguiam o Direito da Moral. A explicação de alguns, segundo aqual a tradução correta seria "justo eqüitativo", não altera o signifi-cado da oração.

4 Digesto, Liv.1, Tít.1, lei 10; In.stltuta, l,1.

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2. Dante Alighieri, escritor italiano do século XIII, em sua DeMonarchia, onde expôs as suas idéias político-jurídicas, formulou asua definição que ficou famosa: Jus est realis ac personalis hominisad hominem proportio, quae servata societatem servate, corruptacorrumpti (Direito é a proporção real e pessoal de homem para homemque, conservada, conserva a sociedade e que, destruída, a destrói).Apontam-se três méritos nesta definição: I o) A distinção entre osdireitos reais e pessoais; 2o) a alteridade, qualidade que o Direitopossui de vincular sempre e apenas pessoas, expressa nas palavras "dehomem para homem"; 3o) A fundamental importância do Direito, queé visto como a coluna que sustenta o edifício social. A admiração,ainda atual, decorre principalmente da época em que a definição foielaborada. Diante das virtudes que apresenta, as deficiências quepossui tornam-se opacas.

3. Hugo Grócio, jurisconsulto holandês do século XVII conside-rado o pai do Direito Natural e do Direito Internacional Público: "ODireito é o conjunto de normas ditadas pela razão e sugeridas peloappetitus societatis." A presente definição carece de uma diferenpaespecifica, de uma nota singular do Dir,eito. Revela a posição raciona-lista do autor, quando indica a razãBcomo entidade elaboradora dasnormas. Appetitus societatis (instinto de vida gregária) é o elementomotivador do Direito, que não chega a expressar os valores justiça esegurança.

4. Emmanuel Kant, filósofo alemão do século XVIII: "Direito éo conjunto das condições segundo as quais o arbítrio de cada um podecoexistir com o arbítrio dos outros, de acordo com uma lei geral deliberdade." A definição kantiana destaca o papel a ser cumprido peloDireito. Converge-se para os resultados que ele deve apresentar.Entendemos que a expressão "conjunto das condições" não é sufi-ciente para esclarecer o objeto. Este pode ser entendido como sendoesse núcleo capaz de gerar aqueles fins, mas é indispensável que serevelem, de forma menos abstrata, os elementos que dão estrutura ao"conjunto das condições".

5. Rudolf von Ihering, jurisconsulto alemão do século XIX: "Di-eito é a soma das condições de existência social, no seu amplo sentido,�assegurada pelo Estado através da coação." Em seu gênero próxiinv,

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esta definição se assemelha à de Kant, pois ambas fazem referência às"condições" necessárias à vida social. Enquanto a colocação kantianafundsmenta o Direito em um valor espiritual, a liberdade, a definiçãode Ihering manifesta uma tendência materialista, pois não explica aforma ou o sentido da "existência social". A nota singular do Direito,segu;ndo ojurisconsulto alemão, é a sua estadualidade (ou estatalidade)e força coativa.

39. Acepções da Palavra Direito

l. Considerações Prévias - Na linguagem comum e nos compên-dios especializados, o vocábulo Direito é empregado em várias acep-ções. Saber distinguir cada um desses sentidos corresponde a umaexigência não apenas de ordem teórica, mas igualmente prática. Ainconveniência dessa polissemia foi sentida por Edmond Picard ueobservou: "A que mal-entendidos constantes dá ocasião a homonímiaentre um direito e o Direito!" Ao reclamar a falta de um vocábulo quedistinguisse o Direito total de um dirQito isolado, sugeriu a formaçãourgente de um neoLogismo.5 Lévy-Bruhl, para evitar qualquer confu-são, propôs a palavra Juristica para designar a Ciência do Direito, massem êxito.ó .

2. Ciência do Direito - É comum empregar-se o vocábulo Direitocomo referência à Ciência do Direito. Quando se diz que "fulano é Ialuno de Direito", este substantivo não expressa, naturalmente, normasde conduta social, mas a ciência que as enlaça como objeto. Em latosensu, a Ciência do Direito corresponde ao setor do cónfiecimentohumano que investiga e sistematiza os conhecimentos jurídicos. Emstricto sensu, é a particularização do saberjurídico, que toma por objetode estudo o teor normativo de um determinado sistemajurídico. É nestesentido que se fala também em Dogmática Jurídica ou JurisprudênciaTécnica (v. § 6o).

5 E. Picard, op. cit., p. 59.6 Henrl Ikvy-Bruhl, Sociologia do Direito, Difusão Européia do Livro, São Paulo,1964,p. 92.

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3. Direito Natural e Direito Positivo - Quando ouvimos falar em Direito, podemos associar o termo ao Direito Natural ou ao Direito Positivo, que constituem duas ordens distintas, mas que possuem reci- proca convergência. O Direito Natural revela ao legislador os princf- pios fundamentais de proteção ao homem, que forçosamente deverão ser consagrados pela legislação, a fim de que se tenha um ordenamento jurídico substancialmente justo. O Direito Natural não é escito, não é� criado pela sociedade, nem é formulado pelo Estado. Como o adjetivo natural indica, é um Direito espontâneo, que se origina da própria natureza social do homem e que é revelado pela conjugação da expe- riência e razão. É constituído por um conjunto de princípios, e não de regras, de caráter universal, eterno e imutável. Como exemplos maio- res: o direito à vida e à liberdade. Em contato com as realidades concretas, esses princípios são desdobrados pelo legislador, mediante normas jurídicas, que devem adaptar-se ao momento histórico (v. Cap. XXXVII). Positivo é o Direito institucionalizado pelo Estado. É a ordem jurídic o nga oria em e ermina o uar e tempo. ao o stante� � imprópria, a expressão Direito Positivo foi cunhada para efeito de distinção com o Direito Natural. Logo, não houvesse este não haveria razão para aquele adjetivo. Não é nece,s'rio, à sua caracterizáçaogue� � � � seia escrito. As normas costumeiras, que se manifestam pela oralidade, constituem também Direito Positivo. As diversas formas de expressão jurídica, admitidas pelo sistema adotado pelo Estado, configuram o Direito Positivo. Assim, pode-se afirmar que, na antiga Roma, a doutrina de alguns jurisconsultos, como Ulpiano, Papiniano, Modes- tino, Gaio e Paulo, constituía parte do Direito Positivo daquele povo, pois condicionava as decisões prolatadas pelos pretores. Autores há que, separando a positividade da vigência, admitem como Direito Positivo não somente as normas em vigor como também aquelas que organizaram a vida no passado ejá se encontram revoga- das. Em nossa opinião, embora configurem noções distintas, positivi- dade e vigência se interdependem.Direito, por definição, é conjunto�ativo que ord_ena o convívio_social; ora, o ireito que perdéi ���� � � vigência não se impõe mais às relações interindividuais, deixando de� ser Direito para ser apenas história do Direito.

4. Direito Objetivo e Direito Subjetivo - Não são duas realidades distintas, mas dois lados de um mesmo objeto. Entre ambos, não há

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uma antítese ou oposição. O Direito vigente pode ser analisado sob doisângulos diferentes: objetivo ou subjetivo. D_o onto de v_ista objetivo,o Direito é norma de oranizaão social. o ctiamádo Jus norma� � �agendi. Qùando se afrma que o Direito do Trabalho não é formalista,emprega-se o vocábulo Direito em sentido objetivo, como referênciaàs normas que organizam as relações de emprego. O direito subjetivo corres onde às ossibilidades ou poderes de� . ;agi, que a ordem ùrídica garante a aluém. orrespon e a antiga� �colocação romana, hoje superada, do Jus Facultas Agendi. O direitosubjetivo é um direito personalizado, em que a norma, perdendo o seucar ter teorico, proeta-se na re açao un ica concreta, pará pérmitir� �úm_á cóncuta ou esta e ecer conseqüenclas url lcas. uan o lzemos� �que "fùlanó tém lreito a ln enlzaçao , a irmarobs que ele possuidireito subjetivo. É a partir do conhecimento do Direito objetivo que ,deduzimos os direitos subjetivos de cada parte dentro de uma relaçãojurídica (v. § 168).

5. O Emprego do Vocábulo no Sentido de JustiÇa - É comum aindaobservar-se o emprego da palavra Direito como referência ao que éjusto. Ao se falar que "Antonio é homem direito", pretende-se dizerque ele é justo em suas atitudes. r

40. Conceito de Ordem Jurídica

Ordem Juridica é ex ressão ue coloca em desta ue uma da_squalidades essenciais do Direito Positivo, que é a de agrupar normasque se alus am en re sl e ormam um to o armonico e coerente depreceitos. A estas qualidades José Afonso da Silva se refere como"princípio da coerência e harmonia das normas do ordenamentojurídico" e define este último como "reunião de normas vinculadasentre si por uma fundamentação unitária".' Não obstante a ordemjurídica seja um corpo normativo, quando ocorre a incidência de umanorma sobre um fato social, ali se encontra presente não apenas a snorma considerada mas a ordem jurídica, pois as normas, apreciadasisoladamente, não possuem vida.

7 In Curso de Direito Constiturionn! Pnsitivo, 7" ed., Ed. Revista dos Tribunais, SãoPaulo,1991, p. 46.

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A idéia de ordem pressupõe uma pluralidade de elementos que,por sua adequada posição ou função, compõem uma unidade de fcm. A_ordemjurídica, que é o sistema de legalidade do_Estado fórma-se pelatòtãlidade das normas vigentes, que se local_izam em diver_sas fontes ese revel_ám a partir da Constituçao Federal a responsável pelas regras�mais gerais e básicas à organização social. As demais formas deexpressão do Direito (leis, decretos, costumes) devem estar ajustadasentre si e conjugadas àquela Lei Maior. A pluralidade de elementos que o Direito oferece compõe-se denormas jurídicas que não se acham justapostas, mas que se entrelaçamemuma conexão harmônica. A formação de uma ordemjurídica exige,pois, uma coerência lógica nos comandos jurídicos. Os conflitos entreas regras do Direito, porventura revelados, deverão ser solucionadosmediante a interpretação sistemática. O aplicador do Direito, recorren-do aos subsídios da hermen_êutica jurídica, deverá redefinir o DireitoPositivo como um todo lógico,ono, unidade de fim capaz de irradiar� � �segurança e justiça. Ainda que mal elaboradas sejam as IeisR, com visível atraso emrelação ao momento histórico; ainda que apresentem disposiçõescontraditórias e numerosas lacunas ou omjssões, aojuristacaberá, coma aplicação de seu conhecimento cientíico e técnico, revelar a ordem�jurídica subjacente. Em seu trabalho deverá submeter as regras àinterpretação atualizadora, renovando a sua compreensão à luz dasexigências contemporâneas; deverá expunir, não considerar, as�regras conflitantes com outras disposições e que não se ajustem àíndole do sistema; preencher os vazios da lei mediante o empregoda analogia e da projeção dos princípios consagrados no ordena-mento. É falsa a idéia de que o législador entrega à sociedade umaordem jurídica pronta e aperfeiçoada. Ele elabora as leis, mas aordem fundamental - ordem jurídica - é obra de beneficiamento acargo dos juristas, definida em tratados e em acórdãos dos tribunais.

8 Eduardo Novoa Monreal, de modo enfático, coloca em destaque mazelas do Direito:"0 Direito é, desafortunadamente, um conjunto de regras atrasadas, mal combinadas entresi, cheias de vazios e contradições, elaboradas por indivíduos de carne e osso, semconhecimentojurídico profundo e, às vezes, dominados por paixões. Elas nem sempre sãoobedecidas e nem sempre produzem, ao serem aplicadas, saudáveis efeitos sociais" (op.cit., P· 57).

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BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário: 35 - Luis Legaz y Lacambra, Filosofia del Derecho; Goffredo Telles lúnior,Filosofia do Direito; 36 - Goffredo Telles Júnior, op. cit.; Miguel Reale, Lições Preliminares deDireito; 37 - Carlos Mouchet y Zorraquin Becu, Introducción al Derecho; GoffredoTelles Júnior, Filosofia do Direito Hermann Kantorowicz, La Definición del Dere-�cho Eduardo Garcta Máynez, La Definición del Derecho; Henri Levi-Ulmann, La�Definición de! Derecho; 38 - Miguel Reale, op. cit.; 39 - Eduardo Garcfa Máynez, /ntroducción al Estudio del Derecho; Giorgiodel Vecchio, Lições de Filosofia do Direito; 40 - Hermes Lima, lntrodução à Ciência do Direito; Carlos Mouchet yZorraquin Becu, op. cit.

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Capítulo IX

NORMA JURÍDICA

Sumário: 41. Conceito de Norma Juridica. 42. Instiluto Juridico. 43. Estrutura Lógica da Norma Juridica. 44. Caracteres. 45. Classificação das Normas Juridicas. 46. Vigência, Efetividade, Eficácia e l,egitimidade de Norma Juridica.

41. Conceito de Norma Jurídica

Na Teoria Geral do Direito o estudo da norma jurídica é defundamental importância, porque se eefere à substância própria doDireito objetivo. Ao dispor sobre fatós e consagrar valores, as normasjurídicas são o ponto culminante do processo de elaboração do Direitoe o ponto de partida operacional da Dogmática Jurídica, cuja função éa de sistematizar e descrever a ordem jurídica vigente. Conhecer oDireito é conhecer as normas jurídicas em seu encadeamento lógico esistemático. As normas ou regras jurídicas estão para o Direito de umpovo, assim como as células para um organismo vivo. Para promover a ordem social, o Direito Positivo deve ser práti-co, ou seja, revelar-se mediante normas orientadoras das condutasinterindividuais. Não é suficiente, para se alcançar o equilíbrio nasociedade, que os homens estejam dispostos à prática da justiça; énecessário que se Ihes indique a fórmula de justiça'que satisfaça asociedade em determinado momento histórico. A normajurídica exer-cejustamente esse papel de ser o instrumento de definição da con_dutae ' Ela esclarece ao a ente como e uando a ir. ODireito Positivo, em todos os sistemas jurídicos, compõe-se de normasjurídicas, que são padrões de conduta social impostos pelo Estado,para que seja possível a convivência dos homens em sociedade. SãQfórmulas de agir, determinações que fixam as pautas do comportamen-

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to interindividual. Pelas regras jurídicas o Estado dispõe tambémquanto à sua própria organização. Em síntese, norma urídica é a�conduta exi ida ou o modefo im osto de or anização social. As expressões norma e regra jurídicas são sinônimas, ãpesar dealguns autores reservarem a denominação regra para o setor da técnicae, outros, para o mundo natural. Distinção há entre norma jurídica elei. Esta é apenas uma das formas de expressão das normas, que semanifestam também pelo Direito costumeiro e, em alguns países, pelajurisprudêneia.

42. Instituto Jurídico

Instituto Jurídico é a recrnião de norrnas jcrídicns nfirrs, yLrc, r-e,,c,� �um tipo de relaÇão social ou interesse e qcre se ic entifirn pe o-Jirxr cJrre �procura rea izar. uma parte a or ern crrr rca e,-como esta. eve�apresentar algumas qualidades: harmonia, coerência lógica, unidadede fim. Enquanto a ordem jurídica dispõe sobre a generalidade dasrelações sociais, o instituto se fixa apenas em um tipo de relaão ou�de interesse: adoção, pátrio poder, rturalização, hipoteca etc. Consi-�derando-os análogos aos seres vivos, pois nascem, duram e morrem.Ihering chamou-os de corpos jrrr-irlicos, para distingui-los da simplesmatéria jurídica. Diversos institutos afins formam um ramo. c oconjunto destes, a ordem jurídica.

43. Estrutura Lógica da Norma Jurídica

A visão moderna da estrutura lógica das normas jurídicas temo seu antecedente na distinção kantiana sobre os imperativos. Pari�o filósofo alemão, o im er-ntiio categc5rico, ró rio dos preceitos�morais, obriga de maneira incon icional, pois a con utmpre�necessária. Exemplo: deves honrar a teus pais. O inr er-ativo Iripo-_tético, relativo às normas jurí_dicas, técnicas, políticas, impoe-se deacordo com as condições especificadas na própria norma, conr ��meio para alcançar nlgcrrncr ncrtra coisa yrre se pr-eterrde. Exemplo:�se um pai deseja emancipar o filho, deve assinar uma escriturapública.

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l. ConcepÇão de Kelsen - Segundo o autor da Teoria Pura doDireito, a estrutura lógica da norma jurídica pode ser enunciada domodo seguinte:

"em determinadas circunstâncias, um determinado sujeito deve observar tal ou qual conduta; se não a observa, outro sujeito, órgão do Estado, deve aplicar ao infrator uma san- ção."'

Da formulação kelseniana, infere-se que o esquema possui duaspartes, que o autor denomina por "norma secundária" e "normaprimária". Com a inversão terminológica efetuada em sua obra TeoriaCeral das Normas, publicada post mortem, a primeira estabelece umasanção para a hipótese de violação do deverjurídico. A primária defineo dever jurídico em face de determinada situação de fato. Reduzindoà fórmula prática, temos:

a) Norma secundária: "Dado nP, deve ser S" - Dada a nãoprestação, deve ser aplicada a sanção. Exemplo: o pai que não prestouassistência material ao filho menor deve ser submetido a uma penali-dade.

b) Norma primária: ` `Dado Ft, deve ser P" - Dado um fatotemporal deve ser feita a prestação. Exemplo: o pai que possui filhomenor, deve prestar-lhe assistência material.

Hans Kelsen distinguiu proposição normativa de norma juridica.A primeira é um juízo hipotético o qual enuncia que, "sob certascondições ou pressupostos fixados por esse ordenamento, devemintervir certas conseqüências pelo mesmo ordenamento determina-das".2 Em outras palavras, a proposição jurídica é a linguagem quedescreve a norma jurídica. Esta não foi consideradarjuízo lógico,conforme alguns autores apontam,3 mas um mandamento ou impera-tivo: "As normas jurídicas, por seu lado, não são.juízos, isto é,

1 Hans Kelsen, npud Eduardo García Máynez, oP. cit. p. 169.2 Hans Kelsen, Teoria Pura do Direitn, 2' ed., Arménio Amado, Editor, Sucessor,Coimbra,1962, vol. I, p. 138.3 V. Machado Netto, Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, 2' ed., SaraivaS.A., São Paulo,1973, p. l36. Aftalion, Olano e Vilanova, op. rit., p. I I2 e segs.

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enunciados sobre um objeto dado ao conhecimento. Elas são antes, deacordo com o seu sentido, mandamentos e, como tais, comandos,imperativos"."

2. O Juizo Disjuntivo de Carlos Cossio - O renomadojusfilósofoargentino concebeu a estrutura das regras jurídicas como um jcizo�disjuntivo, que reúne também duas normas: endonorma e perinorma.Esta concepção pode ser assim esquematizada. "Dado A, deve ser P,ou dado nP, deve ser S". A endonorma corresponde ao juízo queimpõe uma prestação (P) ao sujeito que se encontra em determinadasituação (A) e equipara-se à norma primária de Kelsen. Exemplo: oindivíduo que assume uma dívida (A), deve efetuar o pagamento naépoca própria (P). A perinorma impõe uma sanção (S) ao infrator, istoé, ao sujeito que não efetuou a prestação a que estava obrigado (n).Corresponde à norma secundária de Kelsen. Exemplo: o devedor quenão efetuou o pagamento na época própria deverá pagar multa e juros. Carlos Cossio não concordou com o reduzido significado atribuí-do por Kelsen anteriormente à norma secundária, que prescrevia aconduta obrigatória, lícita. Enquanto que a norma primária e a secun-dária se justapõem, a endonorma e a perinorma estão unidas pelaconjunção ou.

3. Conclusões - Dividir a estrutura da norma jurídica em duaspartes, como fizeram Kelsen e Cossio, parece-nos o mesmo que sedizer que a norma oferece uma alternativa para o seu destinatário:adotar a conduta definida como lícita ou sujeitar-se à sanção prevista.Se muitas vezes torna-se difícil, ou até mesmo impossível, impedir-sea violação de uma norma, isto não significa que a violação é facultada. pA ordem jurídica possui, inclusive, dispositivos de proteção, quevisam a impedir a violação de suas regras. Assim, a norma jurídica, considerada em sua forma genérica,apresenta uma estrutura una, na qual a sanção se intEgra. Comodecorrência lógica, o esquema possui o seguinte enunciado: "Se Aé, B deve ser, sob pena de S", em que "A" corresponde à situaçãode fato; "B" é a conduta exigida e "S" a sanção aplicável, naeventualidade do não-cumprimento do "B". Exemplo: quem écontribuinte do imposto de renda (A) deve apresentar a sua decla-

4 Hans Kelsen, op. cit., p.138.

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ração até determinada data (B), sob pena de perder o direito aoparcelamento do débito (S).

4. Quadro das Estruturas Lógicas - Reduzindo a estrutura lógicadas normas morais, jurídicas, técnicas e naturais a esquemas, temos oseguinte quadro:

NORMA ESQUEMA INTERPRETAÇ'ÃO MORAL "Deve ser A" Impõe-se por si própria (A) JURÍDICA "Se A é B deve ser, sob Sob determinada condição pena de S" (A), deve-se agir de acordo com o que for previsto (B), sob pena de sofrer uma sanção (S) TÉCNICA · "Se A é, tem de ser B" Ao escolherum fim (A), tem- se que adotar um meio (B) NATURAL "Se A é, é B" Ocorrida a ausa (A), ocor- rerá o efeito (B)

44. Caracteres

Se levarmos em conta, na pesquisa dos caracteres das normasjurídicas, todas as categorias de regras existentes, forçosamente che-garemos à mesma conclusão que Miguel Reale: "o que efetivamentecaracteriza uma norma jurídica, de qualquer espécie, é o fato de seruma estrutura proposicional enunciativa de uma forma de organizaçãoou de conduta, que deve ser seguida de maneira objetiva e obrigató-ria".5 Isto porque há regras jurídicas de natureza tão peculiar, queescapariam a quase todos os critérios lógicos de enquaçjramento. O art.1.248 do Código Civil brasileiro, ao definir o comodato como "em-préstimo gratuito de coisas não fungíveis", expressa, por exemplouma norma jurídica que não encerra, em si, nenhuma determinação. Considerando-se, contudo, as categorias mais gerais das normasjurídicas, verificam-se que estas apresentam alguns caracteres que, na

5 Miguel Reale, Liçnes Preliminnre.r le Direito, ed. cit., p. 95.� �

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opinião predominante dos autores, são os seguintes: bilateralidade,generalidade, abstratividade, imperatividade, coercibilidade.

1. Bilateralidade - O Direito existe sempre vinculando duas oumais pessoas, atribuindo poder a uma parte e impondo dever à outra.Bilateralidade significa, pois, que a normajurídica possui dois lados:um representado pelo direito subjetivo e outro pelo deverjurídico, detal sorte que um não pode existir sem o outro. Em toda relaçãojurídicahá sempre um sujeito ativo, portador do direito subjetivo e um sujeitopassivo, que possui o deverjurídico.

2. Generalidade - O princípio da generalidade revela que anorma jurídica é preceito de ordem geral, que obriga a todos que seacham em igual situação jurídica. A importância dessa característicalevou o jurisconsulto Papiniano a incluí-la na definição da lei: Lex estgenerale praeceptum. Da generalidade da norma jurídica deduzimoso principio da isonomia da lei, segundo o qual todos são iguais perantea lei.

3. Abstratividade - Visando a atingir o maior número possívelde situações, a norma jurídica é abstrata, regulando os casos dentrodo seu denominador comum, ou sej, como ocorrem via de regra. Se�o método legislativo pretendesse abandonar a abstratividade em favorda casuistica, para alcançar os fatos como ocorrem singularmente,com todas as suas variações e matizes, além de se produzirem leis ecódigos muito mais extensos, o legislador não lograria o seu objetivo,pois a vida social é mais rica do que a imaginação do homem e criasempre acontecimentos novos e de formas imprevisíveis. BenedettoCroce, ao formular a noção da lei, refere-se à sua condição abstrata:' `lege è um atto volitivo che ha per contenuto una serie o classe diazioni ".6

4. Imperatividade - Na sua missão de disciplinar as maneiras deagir em sociedade, o Direito deve representar o mínimo de exigências,de determinações necessárias. Para garantir efetivamente a ordemsocial, o Direito se manifesta através de normas que possuem caráter

6 Apud Norberto Bobbio, Studi per una Teoria Generale del Diritto,1' ed., Giappichelli- Editori, Torino,1970. p. 12.

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imperativo. Não fosse assim, o Direito não lograria estabelecer segu-rança, nem justiça. A norma não-imperativa não pode ser jurídica. Amatéria contida nas leis promulgadas durante a Revolução Francesa,relatìvas à definição do bom cidadão ou à existência de Deus, nãopossui juridicidade. O caráter imperativo da norma significa imposi-ção de vontade e não mero aconselhamento. Nas normas de tipopreceptivo e proibitivo, segundo impõem uma ação ou uma omissão,a imperatividade se manifesta mais nitidamente. Já em relação àsnormas explicativas ou deelarativas, conforme salienta Groppali, émenos fácil de se descobrir a imperatividade.' Nesses casos estacaracterística existe na associação de duas normas, ou seja, na vincu-lação entre a norma secundária (explicativa ou declarativa) e a primá-ria (objeto da explicação ou definição). 5. A Coercibilidade e a ciestão da Essência da Norina Juridica�- Coercibilidade quer dizer possibilidade de usn da coação. Estapossui dois elementos: psicológico e materiul. O primeiro exerce aintimidação, através das penalidades previstas para a hipótese deviolação das normas jurídicas. O elemento material é a força propria-mente, que é acionada quando o destinatário da regra não a cumpreespontaneamente. As noções de coação e de sançãó não se confundem. A primeiraé uma resen,a de fora a servio do Direito, enquanto a segunda é� �considerada, geralmente, medida punitiva para a hipótese de violação�de normas. Quando o juiz determina a condução da testemunha maiu�militari ou ordena o leilão de bens do executado, ele aciona a força aserviço do Direito; quando condena o acusado a uma pena privativade liberdade ou pecuniária, aplica a sanção legal. Alguns autores sereferem, também, à chamada sanÇão premial, partindo do entendimen-to de que sanção é o estimulo à efetividade da norma. Denominam porsanção premial o benefício conferido pelo ordenamento como incen-tivo ao cumprimento de determínada obrigação. É o que se passa, porexemplo, quando uma ação de despejo apresenta pedido de retomadapara uso próprio. A lei, nesta hipótese, oferece um estímulo especial:se o locatário concorda com o pedido pode permanecer no imóveldurante seis meses e se livrar do ônus do pagamento de custasjudiciaise de honorários advocatícios. �

7 Alessandro Groppali, np. cit., p. 48.8 Vide o disposto no art. 61 da Lei no 8.245, de 18.10.1991- Lei do Inquilinato.

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Uma das indagações polêmicas que se apresentam na teoria doDireito refere-se à questão se a coação é ou não elemento essencial aoDireito. A corrente que responde negativamente entende que a notaessencial é a atributividade, ou seja, o fato de o Direito Positivoconceder, ao sujeito ativo de uma relação jurídica, o poder de agir ede exigir do sujeito passivo o cumprimento da sua obrigação. Argu-mentam que atributividade é característica exclusiva do Direito, nãopresente em qualquer outra espécie normativa. Considerando que onormal, na vida do Direito, é o acatamento espontâneo às normasjurídicas, não admitem que o elemento coação possa ser essencial aofenômeno jurídico. Se a coação somente é acionada excepcionalmen-te, é um fator contigente, não necessário. Essencial é uma qualidadeque não pode faltar a um objeto, sob pena de não existir como tal. Entre os muitos autores que defendem opinião contrária, desta-camos Ihering, para quem o Direito, sem a coação, "é um fogo quenão queima; uma luz que não ilumina". Concordamos com o argu-mento global dos que, sob os argumentos apresentados, negam àcoação a condição de elemento essencial ao Direito. Entendemos,contudo, que essencial ao Direito é a coercibilidade, isto é, a possibi-lidade de o mecanismo estatal utilizar a força a serviço das instituiçõesjurídicas. A coercibilidade é a coação ém estado de potência e não emato. Não é contingente, pois, como possibilidade, existe sempre, épermanente.

45. Classificação

Muitas são as classificações propostas por diferentes autoresquanto às normas jurídicas. Classificar implica em uma arte que deveser desenvolvida com espírito prático, pois a sua validade se revela àmedida que traduz uma utilidade teórica ou prática. A classificaçãoapresentada por García Máynez, por sua clareza e obetividade, forne-�ce ao jurista um conjunto terminológico e conceptual útil ao discursojurídico.y Os critérios de classificação são os seguintes: a) quanto ao sistema a que pertencem; b) quanto à fonte;

9 Eduardo García Máynez, op. cit., p. 78.

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c) quanto aos diversos âmbitos de validez; d) quanto à hierarquia; e) quanto à sanção; f) quanto à qualidade; g) quanto às relações de complementação; h) quanto às relações com a vontade dos particulares.

l. Classificafão das Normas Juridicas uanto ao Sistema a que�Pertencem - Em relação ao presente critério, as regras jurídicas podemser: nacionais, estrangeiras e de Direito uniforme. Chamam-se nacio-nais, as normas que, obrigatórias no âmbito de um Estado, fazem partedo ordenamento jurídico deste. Em face do Direito InternacionalPrivado, é possível que uma norma jurídica tenha aplicação além doterritório do Estado que a criou. Quando, em uma relação jurídicaexistente em um Estado, for aplicável a norma jurídica própria de outroEstado, ter-se-à configurada a normajurídica estrangeira. Finalmente,quando dois ou mais Estados resolvem, mediante um tratado, adotarinternamente uma legislação padrão, tais normas recebem a denomi-nação de Direito uniforme.

2. Normas Juridicas uanto à Fonté- De acordo com o sistema� <jurídico a que pertencem, as normas podem ser legislativas, consue-tudinárias e jurisprudenciais. As normas jurídicas escritas, corporifi-cadas nas leis, medidas provisórias, decretos, denominam-se legisla-tivas. Enquanto que as leis emanam do Poder Legislativo, as duasoutras espécies são ditadas pelo Poder Executivo. Consuetudinárias:são as normas não-escritas, elaboradas espontaneamente pela socieda-de. Para que uma prática social se caracterize costumeira, necessitaser reiterada, constante e uniforme, além de achar-se enraizada naconsciência popular como regra obrigatória. Reunindo tais elementos,a prática é costume com valor jurídico. A importância do costumevaria de acordo com cada sistema jurídico (§ 83). Chamam-se juris-prudenciais as normas criadas pelos tribunais. No sisteroa de tradiçãoromano-germânica, ao qual se filia o Direito brasileiro, ajurisprudên-cia não deve ser considerada como fonte formal do Direito. No sistemado Common Law, adotado pela Inglaterra e Estados Unidos, os prece-dentes judiciais têm força normativa.

3. ClassificaÇão das Normas Juridicas uanto aos Diversos�Âmbitos de Validez - Âmbito espacial de validez: gerais e locais.

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Gerais são as que se aplicam em todo o território nacional. Locais, ásque se destinam apenas à parte do território do Estado. Na primeirahipótese, as normas serão sempre federais, enquanto que na segundapoderão ser federais, estaduais ou municipais. Esta divisão correspon-de ao Direito geral e ao particular. Âmbito temporal de validez: devigência por prazo indeterminado e de vigência por prazo determinado.Quando o tempo de vigência da normajurídica não é prefixado, esta é devigência por prazo indeterminado. Ocorre, com menos freqüência, osurgimento de regras que vêm com o seu tempo de duração previamentefixado, hiótese em que são denominadas de vigência por prazo deter-�minado. Ambito material de validez: normas de Direito Público e deDireito Privado. Nas primeiras a relação jurídica é de subordinação,com o Estado impondo o seu imperium, enquanto que nas segundas éde coordenação. Ambito pessoal de validez: genéricas e individualiza-das. A generalidade é uma característica das normas jurídicas e signi-fica que os preceitos se dirigem a todos que se acham na mesmasituação jurídica. As normas individualizadas, segundo Eduardo Gar-cía Máynez, "designam ou facultam a um ou a vários membros damesma classe, individualmente determinados".' �

4. Classifccaão das Normas Jcridicas uanto à Hierarquia -� � � P r , , g�Sob este as ecto dividem-se em: constitucionais ordinárias re ula-mentares e individualizadas. As normas guardam entre si uma hierar-quia, uma ordem de subordinação entre as diversas categorias. Noprimeiro plano alinham-se as normas constitr,ccionais, que condicio-nam a validade de todas as outras normas e têm o poder de revogá-las.Assim, qualquer norma jurídica de categoria diversa, anterior ouposterior à constitucional, não terá validade caso contrarie as disposi-ções desta. Em segundo plano estão as normas ordinárias, que selocalizam nas leis, medidas provisórias, leis delegadas. Seguem-se asnormas regulamentares, contidas nos decretos, e as individualizadas,denominação e espécie sugeridas por Merkel para a grande variedadedos atos jurídicos: testamentos, sentenças judiciais;contratos etc.�

5. Normas Juridicas uanto à Sanção - Dividem-se, quanto à�sanção, em leges perfectae, leges plus quam perfectae, leges minus

10 Op. cit., p. 82. Sobre normas individualizadas vide a obra Normas JurídicasIndividualizadas, de Antonio Carlos Campos Pedroso, Editora Saraiva,1' ed., São Paulo,1993.

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quam perfectae, leges imperfectae. Diz-se que uma norma é perfeitado ponto de vista da sanção, quando prevê a nulidade do ato, nahipótese de sua violação. A norma é mais do qcce perfeita, quandoprevê, além da nulidade, uma pena, para os casos de violação. Menosdo que perfeita é a norma que determina apenas penalidade, quandodescumprida. Finalmente, a norma é imperfeita sob o aspecto dasanção, quando não considera nulo ou anulável o ato que a contraria,nem comina castigo aos infratores.

6. Normas Jccridicas uanto à ualidade - Sob o aspecto da� �qualidade, as normas podem ser positivas (ou permissivas) e negativas(ou proibitivas). De acordo com a classificação de García Máynez,positivas são as normas que permitem a ação ou omissão. Negativas,as que proíbem a ação ou omissão.

7. uanto às Relaões de Complementaão - Classificam-se as� � �normas jurídicas, quanto às relações de complementação, em primá-rias e secundárias. Denominam-se primárias as normas jurídicas cujosentido é complementado por outras, que recebem o nome de secun-dárias. Estas são das seguintes espécies: a) de iniciação, duração eextinção da vigência; b) declarativas ouCplicativas; c) permissivas;��d) interpretativas; e) sancionadoras.

8. Classifccaão das Normas Jccridicas uanto à Vontade das� �Partes-Quanto a este aspecto, dividem-se em taxativas e dispositivas.As normas jurídicas taxativas ou cogentes, por resguardarem os inte-resses fundamentais da sociedade, obrigam independentemente davontade das partes. As dispositivas, que dizem respeito apenas aosintetesses dos particulares, admitem a não-adoção de seus preceitos,desde que por vontade expressa das partes interessadas.

46. Vigência, Efetividade, Eficácia e Legitimidade da Norma Jurídica

0 estudo sobre a norma jurídica não estará completo se não foracompanhado da abordagem dos atributos de vigência, efetividade,eftcácia e legitimidade. Em torno da matéria há muita controvérsia e

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a começar pela própria terminologia, notadamente em relação aotermo eficácia.''

46.1. Vigência - Para que a norma disciplinadora do convíviosocial ingresse no mundo jurídico e nele produza efeitos, indispensá-vel é que apresente validade formal, isto é, que possua vigência. Estasignifica que a norma social preenche os requisitos técnico-formais eim erativamente se impõe aos destinatários. A sua condição não se p g , _P P p�resume a vacatio le is ou seja, ao deçurso de tem o a ós a ubliça ão,em se tratando de jus scriptun. Asslm, não basta a existência da norma�emàriada de um poder, pois é necessário que satisfaça a determinadospressupostos extrínsecos de validez. Se o processo de formação da lei foiirregular, não tendo havido, por exemplo, tramitação perante o SenadoFederal, as normas reguladoras não obterão vigência. (vide § 135 .

462. Efetividade - Este atributo consiste no fato de a normajurídica ser observada tanto por seus destinatários quanto pelos apli-cadores do Direito. Enquanto alguns autores empregam o termo efe-tividade como sinônimo de eficácia, a grande parte dos estudiosossimplesmente utiliza este último naquele mesmo sentido. Pelo desen-volvimento deste parágrafo observremos a necessidade de se atribuí-�rem dois nomes para situações qu realmente são distintas: efetividade�e eficácia. É intuitivo que as normas são feitas para serem cumpridas, poisdesem enham o papel de meio para a consecussão de fins que asociedade colima. As normas devem alcançar a máxima efetividade;todavia, em razão de fatores diversos, isto não ocorre, daí podermosfalar em niveis de efetividude. Há normas que não chegam a alcançarqualquer grau, enquanto outras perdem ou não logram obter o atributo.Ambas situações configuram a chamada desuetude. A indagaçâo rele-vante que emerge se refere ao problema da validade das normas emdesuso, matéria abordada no Cap. XVI. Para o austríaco Hans Kelsena validade da norma pressupõe a sua efetividade=

46.3. Eficácia - As normas jurídicas não são geradas por acaso,mas visando a alcançar certos resultados sociais. Como processo de

-- p. VII de�11 Sobre a matéria deste parágrafo, exposição mais ampla apresentamos no Canossa Filosofia do Direito.

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adaptação social que é, o Direito se apresenta como fórmula capaz deresolver problemas de convivência e de organização da sociedade. Oatributo eficácia significa que a norma jurídica produziu, realmente,os efeitos sociais planejados. Para que a eficácia se manifeste indis-pensável é que seja observada socialmente. Eficácia pressupõe, des-tarte, efetividade. A lei que institui um programa nacional de combatea determinado mal e que, posta em execução, não resolve o problema,mostrando-se impotente para o fim a que se destinava, carece deeficácia. A rigor, tal lei não pode ser considerada Direito, pois este éprocesso de adaptação social; é instrumento que acolhe a pretensãosocial e a provê de meios adequados.

46.4. Legitimidade - Inúmeros são os questionamentos envol-vendo o atributo legitimidade. O seu estudo mais aprofundado selocaliza na esfera da Filosofia do Direito. Para um positivista, naabordagem da norma é suficiente o exame de seus aspectos extrínsecos- vigência. A pesquisa afeta ao sistema de legitimidade seria algoestranho à instânciajurídica. Para as correntes espiritualistas, além deatender aos pressupostos técnico-formais, as normas necessitam delegitimidade. Via de regra, o ponto de referência na pesquisa dalegitimidade é o exame da fonte de ondrxemana a norma. Se aquela élegítima esta também o será. Fonte léítima seria aquela constituída�pelos representantes escolhidos pelo povo ou então por este próprio,no exercício da chamada democracia direta. Conforme a tendência dohomo juridicus outra fonte poderá ser apontada como instância legiti-madora. Se ele for também um homo religiosccs poderá reconhecer navontade divina a fonte de legitimação das normas jurídicas. Se adeptodo pensamento jusnaturalista apontará a natureza humana como afonte criadora dos princípios que configuram o Direito Natural e quedevem fornecer a estrutura básica do jus positum.

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário: 4I - Mouchet y Zorraquin, Introducción al Derecho; 42- Vicente Ráo, O Direito e a Vida dos Direitos; Benjamim de Oliveira Filho,Introdução à Ciência do Direito;

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43 - Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito; Aftalion, Olano e Vilanova, Introduc-ción al Derecho; Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito; Machado Netto,Compêr:dio de Introdução à Ciência do Direito; 44 - Alessandro Groppali, Introdução ao Estudo do Direito; Goffredo TellesJúnior, Filosofia do Direito; 45 - Eduardo García Máynez, Introducción al Estudio del Derecho; MachadoNetto, op. cit.; 46 - Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito; Elías Díaz, Sociologia yFi/osofia del Derechó; Luiz Diez Picazo, Experiencias Juridicas y Teoria del Derecho;Paulo Nader, Filosofia do Direito.

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Capítulo X

A DIVISÃO DO DIREITO POSITIVO

Sumário: 47. Direito Público e Direito Privado. 48. Direito Geral e Direito Particular. 49. Direito Comum e Direito Especial. 50. Direito Regulnr e Direito Singular. Sl. Privilégio.

47. Direito Público e Direito Privado

1. Aspectos Gerais - A maior diwisão do Direito Positivo, tambéma mais antiga, é a representada pelas'élasses do Direito Público e DireitoPrivado, peculiar aos sistemas jurídicos de tradição rómano-germânica.Tal distinção, familiar aos romanos, só foi conhecida pelo Direitogermânico no período da Renascença, com o fenômeno da incorporaçãodo Direito romano. Envolvendo esta matéria, há discussões doutrináriasque se manifestam, a começar pela relevância ou não desta ordem deestudo. As dúvidas posteriores recaem sobre a natureza da matéria,quando se apresentam teorias monistas, dualistas e trialistas. A correntemonista, que possui duas vertentes, defende a existência de apenas umdomínio. Internamente, os publicistas formam o grupo majoritário,enquanto que nomes da expressão de Rosmini e Ravà formam o grupooposto, que procura limitar o Direito Positivo ad jus privatum. Éinegável que o Direito Privado, nos sistemas jurídicos de origemromano-germânica, além de ter sido o único durante séculos, alcançouum nível de aperfeiçoamento não atingido ainda pelo Direito Público.0 diialismo, que sustenta a clássica divisão do Direito Positivo econstitui a corrente maior, é concebido sob diferentes critérios. Segun-do Gurvitch, o jurista Hõlinger chegou a arrolar uma centena de teoriasdiferenciadoras, que não lograram, todavia, exatidão em seus resulta-

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dos. O trialismo, que teve em Paul Roubier a sua principal figura,sustenta a existência de um tertium genus, denominado Direito Misto. As reflexões a que o presente estudo conduz revelam-nos que ocaráter evolutivo do Direito não dimana tão-só da espontânea e naturalvariação dos costumes ou de novas projeções científico-tecnológicas.O anseio crescente por uma justiça social eficaz, aliado aos influxospolítico-ideológicos, levam o Estado moderno a comandar as formasde relacionamento dos indivíduos. Esse comportamento estatal, típicode nossa época, repercute diretamente no Direito, que é o seu instru-mento de penetração e influência na vida privada. A fim de ampliar aproteção ao homem, o Estado vem interferindo nas relações anterior-mente entregues ao livre jogo das forças sociais. É relevante destacar-se a disputa de hegemonia, travada entre oliberalismo e o socialismo, quanto aos domínios do Direito Público eDireito Privado. Para o liberalismo, o fundamental e mais importanteé o Direito Privado, enquanto que o Direito Público é uma forma deproteção ao Direito Privado, especialmente ao Direito de propriedade.A radicalização do liberalismo constitui o anarquisnzo, que pretende aprivatização absoluta do Direito. O socialismo, ao contrário, reivindicauma progressiva puhlicização, admitindp a permanência de uma redu-zida parcela de relações sociais sob o domínio do Direito PrivadoP 'assível ainda de interferência do Estado, desde que reclamada pelosinteresses sociais.

2. O Problema Relativo à Importância da Distinão - Para o�jusfilósofo alemão Gustav Radbruch, tal estudo se afigura no pórticodos temas jurídicos, constituindo-se um a priori necessário à com-P P reensão do Direito. Tanto valorizou a resente temática que chegou asustentar a tese de que não só no conceito do Direito, mas também naprópria idéia de Direito, se acha como que enraizada a idéia da distinçãoentre o Direito Público e o Direito Privado".' O autor faz questão desalientar que a sua posição não implica o reconhecimento de que todosos sistemas jurídicos devam apresentar conteúdo de uma classe e deoutra, pois as variações históricas podem levar à absorção de uma pelaoutra. Além de negar a existência de uma fronteira uniforme entre oDireito Público e o Direito Privado, Gustav Radbruch recnnheceu que

1 Custav Radbruch, Filosofia do Direito, Arménio Amado, Editor, Sucessor, Coimbra,1%l, vol. II, p. 7.

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alguns ramos, como o Direito do Trabalho e o Econômico, participam,ao mesmo tempo, dos dois domínios. Pietro Cogliolo sublinhou também a importância da distinção,citando a regra do Direito romano: jus publicum privatorum pactismutari non potest. (Não pode o Direito Público ser substituído pelasconvenções dos particulares - D. II,14, 38). Em todos os contratos épreciso verificar, acrescenta o autor italiano, a que gênero de normasas partes pretendem substituir.z Adolfo Posada, entre outros autores, nega qualquer validade teó-rica e alcance prático à distinção. Esta, ao ser elaborada pelos juriscon-sultos romanos, estava ligada a necessidades históricas, hoje inexisten-tes, A divisão parte do falso pressuposto de que o Direito é obra doEstado, quando, na realidade, este se limita a reconhecer o que seorigina nas relações subjetivas dos indivíduos. Entre outros aspectosmais, alegou que o Direito inglês, por exemplo, prescindiu quaseinteiramente dessa distinção, sem sofrer prejuízos.

3. A Teoria Monista de Hans Kelsen - Entre as teorias quesuprimem a bipartição do Direito Positivo em Público e Privado,apresenta-se a formulada pelo austríaco Hans Kelsen, um dos maisnotáveis jusfilósofos de todas as épocs; autor da famosa Teoria Pura�do Direito, que reduz o fenômeno jurídico apenas ao elemento norma-tivo. Kelsen, em sua análise, parte do reconhecimento de que a modernaCiência do Direito atribui uma grande importância à divisão do Direitonaquelas duas grandes classes. Tomando por critério de distinção osmétodos de criação do Direito, desenvolveu a tese de que todas asformas de produçãojurídica se apóiam na vontadé do Estado, inclusiveos negócios jurídicos firmados entre particulares, que apenas realizam"a individualização de uma norma geral".3 Deve-se entender, portanto,que todo Direito é público, não só em relação à sua origem, mastambém quanto à validez. De menor rigor foi a posição de Bacon,para quem Jus privatum sub tutela juris publici latet (o DireitoPrivado vive sob a tutela do Direito Público). Jellinek limitou-setambém a declarar a dependência do Direito Privado ao Direito

2 Pieéo Cogliolo, Filosofia do Direito Privado, Livraria Clássica Editora, Lisboa,1915,p. I15.3 Hans Kelsen, op. cit., vol. II, p.167.

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Público: "O Direito Privado só é possível porque existe o DireitoPúblico."

4. Teorias Dualistas - As múltiplas concepções dualistas ba-seiam-se ou no conteúdo ou na forma das normas jurídicas, comocritério diferenciador. De acordo com essa orientação, apresentamosas principais opiniões dualistas em dois grupos: teorias substancialis-tas e teorias formnlistas.

4.1. Teorias Substancialistas:

4.1.1. Teoria dos Interesses eni Jogo - Também denominadaclássica ou romana, é a mais antiga das teorias. A sua formulação éatribuída a Ulpiano: Publicum iacs est quod ad statum rei romanaespectat; privatum quod ad singulorunt utilitateni pertinet (DireitoPúblico é o que se liga ao interesse do Estado romano; Privado, o quecorresponde à utilidade dos particulares).4 Na opinião de alguns roma-nistas, entre os quais Bonfante, o texto referido foi uma elaboraçãodos glosadores. Uma dupla motivação histórica levou os romanos aestabelecerem a distinção: a) a necessidade de separação entre ascoisas do rei e as do Estado; l) a vontade de se concederem alguns�direitos aos estrangeiros. Este critérfo de diferenciação é passível decríticas, porque se fundamenta na separação de interesses entre oEstado e os particulares. Não se deve admitir um divórcio entre osinteresses de ambos, de vez que tudo que interessa ao Estado há deinteressar, com maior ou menor intensidade, aos seus cidadãos. Igual-mente, os interesses dos particulares repercutem, de algum modo, naatividade do Estado, despertando a atenção de seus dirigentes. Entreos juristas que seguem a teoria de Ulpiano, destacam-se: Chironi-Abello, D'Aguano, Ranelletti, Waline e May. Essa teoria foi aperfeiçoada por Dernburg, que respeitou a idéianuclear do interesse, para reconhecer que no Direito Público predomi-na o interesse do Estado, enquanto que no Direito Privado predorninao dos particulares. Matos Peixoto, entre nós, adotou esta linha depensamento.` ,

4 L. 1, § 2 D. 1.1 - 4 In.ct. I . I .�5 Cf. Hermes Lima, Inirnduçnn à Cü·ncin dn Direirn, 21' ed., Freitas Bastos, Rio de�Janeiro, I97I, p: 99.

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I l7

4.12. Teoria do Fim - Com base na finalidade das normasjurídicas, Savigny e Stahl pretenderam estabelecer a linha divisóriaentre as duas grandes áreas do Direito Positivo. Segundo esta concep-ção, quando o Direito tem o Estado como fim e os indivíduosocupam lugar secundário, caracteriza-se o Direito Público. Se, aocontrário, as normas jurídicas têm por fim o indivíduo, e o Estadofigura apenas como meio, o Direito será Privado. Este critério nãosatisfaz, porque, na hipótese, por exemplo, em que o Estado vier aadquirir um bem imóvel segundo o Código Civil, as normas regula-doras serão de Direito Privado, enquanto que, aplicado o critério dateoria teleológica de Savigny e Stahl, as normas serão classificadaseomo de Direito Público.

4.2. Teorias Forcnalistas:

4.2.1. Teoria rlo Titclar da Ação - Desenvolvida pelo jurista� �Thon, esta concepção toma por referência a tutela jurídica, para ahipótese de violação das normas. Se a iniciativa da ação compete aosórgãos do Estado, o Direito é Público; ao contrário, se a movimentaçãojudicial for da competência dos particulares, o Direito é Privado.Verifica-se que essa teoria não se ocu5a diretamente das normas a�serem classificadas e se revela faltia, ce vez que há normas de Direito�Público que, sendo violadas, impõem uma espera aos órgãosjudiciais,que ficam na dependência da iniciativa privada. Conforme observaRuggiero, "não é a natureza da ação o que determina o caráter danorma, o inverso é que é verdadeiro."6

4.2.2. Teoria das Normas Distribcctivas e Adaptativas - Basean-do-se em Zitovich, ojurista Korkounov concebeu a distinção, partindoda premissa de que o Direito é uma faculdade de se servir de algumbem. A utilização dos objetos se faz por distribuição ou por ndaptcc-ção. Os bens que não podem ser distribuídos, por exemplo, um rionavegável, impõem o seu aproveitamento mediante processos adap-tativos. Segundo o autor russo, o Direito Privado tem por objeto adistribuição e o Direito Público, a adaptação. Mais aplicável aosdireitos patrimoniais, essa teoria também se ajusta a outros ramosdo Direito. Uma das críticas que se fazem à teoria de Korkounnv é

6 Roberto de Ruggiero, In.critciçõe.c de Direin Civil, Edição Saraiva, São Paulo, I97I,� � �vol.1, p. 48.

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a sua inadequação ao Direito Penal. A sanção criminal, não obstanteo seu caráter distributivo, pertence ao âmbito do Direito Público. 4.2.3. Teoria da Natureza da RelaÇão Juridica - Aceita porFleiner, Legaz y Lacambra, García Máynez, entre outros juristas, ateoria da natureza da relação juridica é, atualmente, a teoria mais emvoga. Segundo esta concepção, quando a relação jurídica for decoordenaÇão, isto é, quando o vínculo se der entre particulares nummesmo plano de igualdade, a norma reguladora será de Direito Priva-do. Quando o poder público participa da relação jurídica, investido deseu imperium, impondo a sua vontade, a relação jurídica será desubordinação e, em conseqüência, a norma disciplinadora será deDireito Público. Quando houver predominância de normas de DireitoPrivado, o ramo deverá ser considerado como de Direito Privado e, deigual modo, quando houver o predomínio das relações de subordina-ção o ramo será de Direito Público. Saliente-se, finalmente, que oEstado pode participar de uma relação jurídica de coordenação,hipótese em que não se investe de seu poder soberano, submetendo-seàs normas de Direito Privado em igualdade de condições com osparticulares. Este critério, além de não se aplicar às normas de DireitoInternacional Público, oferece, muitas vezes, a dificuldade de seconstatar se o Estado participa da relação investido ou não do seupodersoberano.

5. Trialismo - A dificuldade que a distinção entre as duas grandesclasses do Direito oferece levou alguns juristas a conceberem a exis-tência de um terceiro gênero, por uns denominado Direito Misto e poroutros Direito Social. Paul Roubier concebeu um Direito Misto for-mado pelo Direito Profissional e pelo Direito Regulador. O primeiro,composto pelo Direito Comercial, Direito do Trabalho e Legislação ' �̀Social, enquanto que o segundo, pelo Direito Penal e Direito Proces-sual.' Entre nós, Paulo Dourado de Gusmão defende a existência doDireito Misto, "que tutela tanto o interesse público ou social como o

7 Paul Roubier, Théorie Générale du Droit, 2' ed., Recueil Sirey, Paris, 195l, p. 304:"Por mais importante que seja a distinção do Direito Privado e do Direito Público,devemos todavia admitir a existência de certos ramos do Direito que se encontram foradessa classificação. Sem dúvida, podemos, a rigor, experimentar incluí-los numa dessasclassificações e não deixemos de fazê-lo; mas ainda que isto não apresente nenhuminteresse prãtico, hã alguma coisa de forçado na classificação e então é methor admitirfrancamente a existência de um Direito Misto."

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interesse privado, como, por exemplo, no caso do direito de família,do direito do trabalho, do direito profissional...".s Entendemos que a admissão de um Direito Misto implicaria,praticamente, a supressão do Direito Público e Direito Privado, de vezque, em todos os ramos do Direito Positivo, há normas de um e de outrogênero.

6. Conclusões - É um equívoco supor que haja antítese entre oDireito Público e o Direito Privado. O Direito Positivo não se compõede substâncias diferentes, estranhas entre si. A principiologia básica,fundamental, informa a todos os ramos da árvore jurídica. Há umconjunto de princípios onipresentes na esfera do dever ser jurídico.Além de necessários e universais, proporcionam ao Direito o foro deciência. Igualmente é única a fórmula da justiça, que enlaça tanto oDireito Público quanto o Privado: constante e permanente vontade dedar a cada um o que é seu. A distinção entre o Direito Público e o Privado é útil no planodidático e benéfica do ponto de vista prático, pois favorece a pesquisa,o aperfeiçoamento e a sistematização de princípios de um gênero e deoutro. A teoria da natureza da relação jurídica, apesar de apresentaralguma falha, é simples, prática e serfunda em critérios objetivos.Quanto aos ramos tradicionais do Direito Positivo, sem negar as difi-culdades que alguns apresentam, notadamente o Direito do Trabalho eo Internacional Privado, em nossa opinião, assim se classificam: I)Direito Público: Direito Constitucional, Administrativo, Financeiro,Intemacional Público, Internacional Privado, Processual; II) DireitoPrivado: Direito Civil, Comercial e do Trabalho (v. capítulos XXXV eXXXVI) 9

48. Direito Geral e Direito Particular

A distinção entre o Direito geral e o particular tem como ponto dereferência o alcance geográfico das normas jurídicas. O primeiro é

8 Paulo Dourado de Gusmão, Introdução ao Estudo do Direito, 8' ed., Forense, Rio deJaneiro,1978, p.184.9 A doutrina se acha dividida quanto à classificação do Direito do Trabalho. Pelas razõesexpostas no capftulo XXXVI, passamos a catalogar tal ramo entre os de Direito Privado.

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aplicável a todo o território e o particular a uma parte deste. Os Estadosfederativos, além de um Direito geral, universal, possuem direitosparticulares, locais, para cada Estado-Membro. Dentro destes, os mu-nicípios dispõem de uma competência legiferante limitada ao seuâmbito espacial. Esta pluralidade de direitos não é exclusiva dos Esta-dos federais. Antes do Código Napoleão, a França possuía um Direitodiversificado em costumes regionais. O Direito Civil, Comercial, Penalsão exemplos de Direito geral. A legislação sobre o poligono das secasou a referente à zona franca de Manaas exemplificam o Direito parti-�cular pois têm alcance territorial limitado. A distinção pode ser amplia-da a esferas menores. Uma lei estadual é Direito particular em relaçãoà Federação. Em relação ao Estado-Membro, será geral se aplicável àtotalidade de sua área geográfica, e particular se destinada a determi-nada região. A diversificação de direitos se justifica dentro de um Estado pelanecessidade de a ordem jurídica se ajustar à realidade social e ficar emharmonia corn a vida e tradição dos lugares.

49. Direito Comum e Direito Especrãl

A distinção entre o Direito comum e o especial tem por critérioo maior ou menor alcance sobre as relações de vida. O Direitocomum projeta-se sobre todas as pessoas, sobI:A todas as relaçõesjurídicas, enquanto que o Direito especial é aplicável apenas a umaparte limitada das relações jurídicas. Toda pessoa, independente-mente de sua profissão ou classe social, é atingida pelo Direitocomum, como acontece com o Direito Civil, Direito Penal, entreoutros. Desde as mais altas autoridades ao mais simples trabalhador,todos se acham sujeitos às suas normas. Tal não se dá com o Direitoespecial, que possui um âmbito de aplicação mais restrito e se destinamuitas vezes a determinadas categorias. Não é, obrigatoriamente,um Direito de classe, mas Direito especializado, que não atinge atodos indiscriminadamente, como o Direito à propriedade literária eindustriil.� Via de regra o Direito especial nasce e se destaca do Direitocomum, conforme ocorreu com o Direito Comercial e o Direito doTrabalho, que hoje são ramos autônomos. Ambos se emanciparam doDireito Civil, pela necessidade de se submeterem a princípios próprios

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e possuírem índole mais dinâmica. De um Direito especial podemdestacar-se novos ramos, como ocorre atualmente com o Direito Marí-timo, Direito Aeronáutico, que reivindicam independência do DireitoComercial.

50. Direito Regular e Direito Singular

0 jus regcclare, como o próprio nome induz, é o Direito normal,que expressa o caráter e fins do Direito. Forma um conjunto de normasque se baseia nos princípios científicos do Direito e segue, harmoni-camente, as linhas do sistema jurídico a que pertence. É o Direitocriado em situações normais, em que o legislador procura, com basena ciência e na realidade social, estabelecer uma ordemjusta. O Direitoregular é a regra geral, e o jcts singulare, a exceção. Para Windscheid:"regular é o Direito conforme aos princípios jurídicos reconhecidos � ,quando, porém, por motivos especiais, contradiz estes princípios, oDireito é irregular.""' O Direito singular é criado em atenção asituações excepcionais, para atender a necessidades imperativas. Sur-ge, via de regra, em uma época de dificuldades transitórias, que forçamo legislador a desviar-se dos princípios gerais de Direito e a quebrar asistemática de ordemjurídica vigente. Ojurisconsulto Paulo definiu-o:jus singulare est, quod contra tenorem rationis propter aliquam utili-tatem accctoritate constituenticctm introdctcto est (Direito singular é oque foi introduzido, contra o teor da razão, por alguma utilidade, pelaautoridade dos que o constituíram)." O conjunto de atos e de leis, emanado em um período pós-revo-lucionário, normalmente constitui Direito singular. Pode ocorrer ofenômeno do Direito singular se transformar em regular, desde que oordenamento jurídico sofra reformulações e se adapte a ele. Em nossopaís, tal fato ocorreu quando alguns atos ditados pela Revolução de1964 foram incorporados à Constituição Federal de 1967. É critério assente na doutrina a não-aplicação do Direito singularpor analogia. Na opinião de Roberto de Ruggiero, a interpretação doDireito singular não deve ser especial, mas comum ao Direito regulare admitir, inclusive, a chamada interpretação extensiva.

10 Windscheid, apud Vicente Rdo, O Direito e a Vida dos Direitos, Max Limonad, SãoPaulo, I960, vol. I, tomo I, p. 230.I I Digesto. I , 3, I 3.

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51. Privilégio

Uma das características da norma jurídica é a generalidade, istoé, as normas se dirigem a todos que se encontram em igual situaçãojurídica. O privilógiojurídico é uma exceção à regra. Éo ato legislativoque disciplina uraa situação concreta, não aplicável, por analogia, asituaÇões semelhantes. Há privilégios que se impõem como fórmula dejustiça prática, como a concessão de pensão vitalícia a um vultoimportante da história; há os que são ditados pela necessidade deorganização: a lei que determina a criação de uma universidade emdeterminada região; há outros, porém, que configuram dádivas deproteção imotivada e que ao senso de justiça repugnam. Neste sentido ,foram condenados pela Lei das Doze Tábuas dos romanos. Comentan-do a nona tábua, De jure publico, Cícero expôs: "Não quiseram que sefizessem as leis acerca dos particulares, pois constituem privilégios; enão há nada mais injusto que o privilégio, posto que é próprio da lei serestabelecida e promulgada para todos."'2

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário: 47 - Eduardo García Máynez, Introducción al Estudio del Derecho; Mouchety Becu Introducción al Derecho; Gustav Radbruch, Filosofia do Direito; LuizFernando Coelho, Teoria da Ciência do Direito; Machado Netto, Compêndio deIntroduFão à Ciência do Direito; 48 - Roberto de Ruggiero, InstituiFões de Direito Civil, I; Vicente Ráo, ODireito e a Vida dos Direitos; 49 - Vicente Ráo op. cit.; Benjamin de Oliveira Filho Intrddução à Ciênciado Direito; Alessandro Groppali, Introdução ao Estudo do Direito; Hermes Lima,Introdução à Ciência do Direito; 50 - Hermes Lima, op. cit.; Paulo Dourado de Gusmão, Introdução ao Estudodo Direito; 51- Roberto de Ruggiero, op. cit.; Machado Paupério, Introdução à Ciênciado Direito.

12 Cfcero, op. cit. p. 113.

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Capítulo XI

JUSTIÇA E EQLTIDADE

Sumário: 52. Conceito de Justiça. 53. O Caráter Absoluto da Justiga. 54. A Importância da Justiça para o Direito. 55. Critérios da Justiça. 56. A Concepção Aristotélica. 57. Justia Convencional e Justiça Substancial.� 58. ClassificaÇão da Justiça. 59. Justiça e Bem Comum. 60. Eqtüdade. 61. Leis lnjustas.

52. Conceito de Justiça

Ajustiça é o magno tema do Direlto e, ao mesmo tempo, perma-nente desafio aos filósofos do Direito, que pretendem conceituá-la, eao próprio legislador que, movido por interesse de ordem prática,pretende consagrá-la nos textos legislativos. A sua definição clássicafoi uma elaboração da cultura greco-romana. Com base nas concepçõesde Platão e de Aristóteles, o jurisconsulto Ulpiano assim a formulou:Justitia est constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuendi(Justiça é a constante e firme vontade de dar a cada um o que é seu).'Inserida no Corpus Juris Civilis, a presente definição, além de retratarajustiça como virtude humana, apresenta a idéia nuclear desse valor:Dar a cada um o que é seu. Esta colocação, que enganadamente algunsconsideram ultrapassada em face da justiça social, é- verdadeira edefinitiva; válida para todas as épocas e lugares, por ser uma definiçãoapenas de natureza formal, que não define o conteúdo do seu de cadapessoa. 0 que sofre variação, de acordo com a evolução cultural esistemas políticos, é o qcte deve ser atribuido a cada um. O capitalismo

1 /nstituiçies de Justiniano, Livro I, Tft. I, no I, Tribunais do Brasil Editora Ltda.,�Curitiba,1979.

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e o socialismo, por exemplo, não estão de acordo quanto às medidas derepartição dos bens materiais na sociedade. Dar a cada ccm o que é secc é esquema lógico que comportadiferentes conteúdos e não atinge apenas a divisão das riquezas, comopretendeu Locke, ao declarar que a justiça existe apenas onde hápropriedade. O seu representa algo que deve ser entendido comopróprio da pessoa. Configura-se por diferentes hipóteses: salário equi-valente ao trabalho; penalidade proporcional ao crime; guarda de umfilho menor pelo cônjuge inocente. A idéia de justiça não é pertinenteapenas ao Direito. A Moral, a Religião e alguma Regras de Trato Social�preocupam-se também com as ações justas. O seu de uma pessoa étambém o respeito moral; um elogio; um perdão. A palavra jccsto,vinculada à justiça, revela aqccilo qcce está conforcne, que está ndeqcca-do. A parce;a de ações justas que o Direito considera é a que se refereàs riquezas e ao cninimo ético necessário ao bem-estar da coletividade. A justiça é uma das primeiras verdades que afloram ao espírito.Não é uma idéia inata, mas se manifesta já na infância, quando o serhumano passa a reconhecer o que é secc. A semente do justo se achapresente na consciência dos homens. A alteridade é um dos caracteresda justiça, de vez que esta existe sempre em função de uma relaçãosocial, Justitia est ad alterucn (a justiça é algo que se refere ao seme-lhante). Segundo Aristóteles, a justiç reúne quatro termos: "duas são�as pessoas para quem ele é de fato justo, e duas são as coisas em quese manifesta - os objetos distribuídos."z

53. O Caráter Absoluto da Justiça

A justiça possui um caráter absoluto? Os autores que seguem alinha positivista admitem apenas a justiça relativa. Segundo esta opi-nião, ajustiça é algo inteiramente subjetivo e as medidas dojusto seriamvariáveis de grupo para grupo ou até mesmo de pessoa para pessoa.Kelsen considerou ajustiça absoluta "um bonito sonho da humanida-de", uma utopia.' Para ele esse tipo de justiça "é um ideal irracional"

2 Aristóteles, Ética a Nicômaco, Os Pensadores, Livro V, Abril Cultural, São Paulo,1973, p. 325.3 Hans Kelsen, Qué es la Ju.sticia?, Universidad Nacional de Córdoba,1966, ps. 77, 78 c86.

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e a própria história do conhecimento humano revela "a inutilidade dastentativas para se encontrar, por meios racionais, uma norma de condutajusta que tenha validade absoluta". Para o autor austríaco a razãohumana só pode conceber valores relativos. Neste mesmo sentidoPascal opinou: "...quase nada se vê dejusto ou de injusto que não mudede qualidade mudando de clima. Três graus de elevação no póloderrubam a jurisprudência. Um meridiano decide da verdade; empoucos anos de. posse, as leis fundamentais mudam; o Direito tem suasépocas."a A correntejusnaturalista, coerente com a sua linha de pensamento,sustenta a tese do caráter absoluto dajustiça como valor. Se as medidasdojusto derivam do Direito Natural, que é eterno, imutável e universal,devem possuir igualmente esses caracteres. O relativismo implica a afirmação de que justo é aquilo que olegislador dispõe e o conceito de legitimidade do Direito desapareceem favor da simples legalidade. Os problemas maiores que envolvemo valor justiça estão na sua conceituação e conversão em termospráticos, mediante normas jurídicas. Destas dificuldades, contudo,não se pode coricluir que ajustiça possua caráter meramente relativo.

54. A Importância da Justiça para o Direito

A idéia de justiça faz parte da essência do Direito. Para que aordem jurídica seja legítima, é indispensável que seja a expressão dajustiça. O Direito Positivo deve ser entendido como um instrumentoaptó a proporcionar o devido equilíbrio nas relações sociais. Ajustiçase torna viva no Direito quando deixa de ser apenas idéia e se incorporaàs leis, dando-Ihes sentido, e passa a ser efetivamente exercitada na vidasocial e praticada pelos tribunais. Ao estabelecer em leis os critérios dajustiça, o legislador deverábasear-se em uma fonte irradiadora de princípios, onde também oscríticos vão buscar fundámentos para a avaliação da qualidade das leis.Essa fonte há de ser, neeessariamente, o Direito Natural. Enquanto asleis se basearem na ordem natural das coisas, haverá o império da

4 Rlaisc Pascal, Pen.cainentn.s, Clássicos Garnier da Difusão Européia do Livro S.A.,I96I, p. I?5.

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justiça. Se o ordenamento jurídico se afasta dos princípios do DireitoNatural, prevalecem as leis injustas. Da mesma forma que o Direitodepende dajustiça para cumprir o seu papel, ajustiça necessita tambémde se corporificar nas leis, para se tornar prática. A simples idéia dejustiça não é capaz de atender os anseios sociais. É necessário que osseus critérios se fixem em normas jurídicas. Iniludivelmente, nesseprocesso em que a justiça deixa o seu caráter apenas ideal e se trans-funde em regras práticas, sofre uma distorção, perdendo um pouco desubstância. Aabstratividade das regras do Direito, que não permite umavariação de critério em função de cada caso, a não ser excepcionalmen-te, colabora também para o enfraquecimento da eficácia do valorjustiça. Enquanto que o positivismo não atribui importância à presença dajustiça no Direito, porque este se compõe apenas de normas quecomportam qualquer conteúdo, o eticismo sustenta uma outra coloca-ção radical, pois pretende reduzir o Direito apenas ao elemento valor.5 Aimportância de um componente do Direito não exige a sua prevalênciasobre os demais. A justiça ganha significado quando se refere ao fatosocial, por intermédio de normas jurídicas. A justiça é importante não apenás no campo do Direito, mas emtodos os fatos sociais por ela alcançados. A vida em sociedade, sem ela,seria insuportável. Ao referir-se àjustiça, o filósofo Kant declarou: "Seesta pudesse perecer, não teria sentido e nenhum valor que os homensvivessem sobre a Terra'''.6

55. Critérios da Justiça

A noção de justiça pressupõe uma avaliação de certos critérios,que dispomos em duas ordens: ·

5 A corrente do Direito Livre, de Erlich e Kantorowicz, expressou o pensamentosegundo o qual as decisões judiciais deveriam ser guiadas sempre pelo sentimentode justiça. Se as leis fossem justas, deveriam ser aplicadas; se não o fossem,deveriam ser desprezadas.6 Apud l. Castan Tobenas, La Justicia, Reus S.A., Madrid,1968, p. 8.

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1.1 - Igualdade; 1- Critérios Formais 1.2 - Proporcionalidade; Justiça 2.1 - Mérito; 2 - Critérios Materiais 2.2 - Capacidade; 2.3 - Necessidade.

1. Critérios Formais da JustiÇa - A idéia de justiça exige trata-mento igual para situações iguais. No Direito a igualdade está consa-grada pelo princípio da isonomia, segundo o qual todos são iguaisperante a lei. Foi Pitágoras que considerou, primeiramente, a impor-tância da igualdade na noção de justiça. Para ele, no dizer de Truyol ySerra, "a justiça se caracteriza como uma relação aritmética de igual-dade entre dois termos, por exemplo, uma injúria e a sua reparação" .'Posteriormente, Aristóteles deu curso a esse pensamento, desenvolven-do-o. A simples noção de igualdade não é suficiente para expressar ocritério de justiça. O dar a cada um o mesmo não é medida ideal. Aproporcionalidade é elemento essencialnós diversos tipos de reparti-�ção. É indispensável se recorrer a este critério, diante de situaçõesdesiguais. Dante Alighieri não desconheceu isto, ao salientar que o Direitoera "uma proporção real e pessoal de homem para homem...". RuiBarbosa também deu ênfase a este elemento: "A regra da igualdade nãoconsiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida emque se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desi-gualdade natural, é que se acha a verdadeira 1ei da igualdade". �

2. Critérios Materiais da JustiÇa - O que se deve levar emconsideração aojulgar: o mérito, a capacidade ou a necessidade? Méritoé o valor individual, é a qualidade intrínseca da pessoa. O atribuir acada um, segundo o seu mérito, requer não um tratamento de igualdade,mas de proporcionalidade. Ao se recompensar o mérito de alguém,deve-se fazê-lo de acordo com o seu grau de intensidade. Como os

7 Truyol y Serra, História de la Filosofia del Derecho y del Estado, tomo I, EditorialRevista de Occidente S.A.,1970, p.123.8 Rui Barbosa, Oração aos Moços, Editora Leia, São Paulo,1959, p. 46.

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valores possuem bipolaridade, ao lado do mérito existe o demérito, queé um desvalor ou valor negativo, que condiciona também a aplicaçãoda justiça. A ele deve corresponder um castigo, que por sua vez nãopode ser um gadrão único, mas deve apresentar uma graduação. Acapacidade, como critério de justiça, corresponde às obras realizadas,ao trabalho produzido pelo homem. Este elemento deve ser tomadocomo base para a fixação do salário a ser pago ao trabalhador e seraplicado também nos exames e concursos. Ao se estabelecer a contri-buição de cada indivíduo para a coletividade, deve ser observada acapacidade de todos. O imposto de renda, cujo valor varia de acordocom os ganhos, é exemplo de aplicação deste critério.9 A fórmula a cada um segundo suas necessidades corresponde àjustiça social, que modernamente vem se desenvolvendo e se institu-cionalizando pelo Direito. As necessidades devem ser as essenciais aohomem. A distinção entre necessidades essenciais e as outras oferece,na prática, alguma dificuldade e controvérsia. Este critério, conformeacentua Perelman, exige não só a fixação das necessidades essenciais,como também a definição de uma hierarquia entre estas, para que sepossa conhecer aquelas que devem ser atendidas primeiramente. "' Estassão chamadas minimum vital.

56. A Concepção Aristotélica

A idéia de justiça havia sido a pedra angular do sistema filosóficode Platão, que a concebera como a máxima virtcicle rlo individio e do�Estado. Sem chegar a defender um determinismo social, mas conven-cido das desigualdades humanas, armou o seu raciocínio a partir dapremissa de que cada indivíduo é dotado de uma aptidão próprit. Assim�é que uns nascem para governar e outros para ser comerciantes, artistas,militares, agricultores, auxiliares etc. Todo indivíduo, por imperativo

9 Para n teoria de Marx e de Engels, na sociedadc intciramentc socializada, a máximaque dever3 imperar é: De cada um .sepunrln sun capac.idncle c a rada un scgurlo .cun.c� � �necessidades. A constituição das extintas Rcpúhlicas Socialistas Snviéticas, em seu art.14, dispunha diferentemente: "...0 Estado exerce o controle da quantidade do trabalho edo consumo, segundo o principio do socialismo: 'dc cada um seundo as suas capacidades,�n cada um segundo o seu trabalho'..."IO Chaim Perelman, De !a Ju.stic·in, Centro de Estudios Filosóficos, UniversidadNacional Autónoma de México, 1964, p. 35.

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dajustiça, deveria dedicar-se apenas à atividade para a qual possuíssequalidades. A fórmula da justiça consistiria em que os homens selimitassem apenas aos afazeres que lhes competissem. Foi com Aristóteles que a idéia de justiça alcançou o seu linea-mento mais rigoroso e preciso. áo importante foi a sua contribuiçãoque Emil Brunner não hesitou em considerá-la definitiva: "pode-sedizer, em verdade, que a doutrina da justiça nunca foi além de Aristó-teles, mas sempre se volta a ele"." O discípulo de Platão distinguiu ajustiça em dois tipos: geral e particcclar. A primeira correspondia a umavirtude da pessoa, concebida anteriormente por Focílides e Teógnis,poetas do séc. VI a.C., e por Platão. A justiça particular dividiu-a emduas espécies: distributiva e corretiva, esta também denominada igua-ladora ou sinalagmática. A justiça distributiva consistia na repartiçãodas honras e dos bens entre os indivíduos, de acordo com o mérito decada um e respeitado o princípio da proporcionalidade, que chamou deproporção geométrica. Cumpria principalmente ao legislador a suafxação. Já ajustiça corretiva se aplicava às relações recíprocas e atingianão apenas às transações voluntárias, que se manifestavam pelos con-tratos, como às involuntárias, que eram criadas pelos delitos. Nestaforma de justiça o princípio aplivável era o da igualdade aritmética:"Mas ajustiça nas transações entre um hdmem e outro é efetivamenteuma espécie de igualdade e a injustiça úma espécie de desigualdade �não de acordo com essa espécie de proporção, todavia, mas de acordocom uma proporção aritmética."'z Del Vecchio vê, na justiça corretiva de Aristóteles, duas subespé-cies: comcctativa e judiciária. A primeira se aplicaria às relações detroca, em que deveria haver igualdade entre os quinhões das duaspartes. A judiciária, desenvolvida pelos juízes, se destinaria a corrigiros desequilíbrios, a violação dos deveres, tanto da esfera civil comoda criminal. Nesta passagem o mestre italiano critica a colocaçãoaristotélica, ao situar a justiça penal em um plano mais privado doque público, pois o filósofo grego se refere à reparação ao dano comose o interesse afetado fosse apenas individual e não o de toda a�coletividade.'3

II Emil Brunner, La Justicia, Centro de Estudios Filosóficos, Universidad NacionalAutónoma dc México,196l, p. 36.12 Aristóteles, op. cit., p. 326.13 Del Vecchio, A Jccstiça, Edição Saraiva, São Paulo,1960, p. 49

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57. Justiça Convencional e Justiça Substancial

Justiça convencional é a que decorre da simples aplicação dasnormasjurídicas aos casos previstos por lei. É alcançada quando ojuizou o administrador subministram as leis de acordo com o seu verdadeirosentido. É irrelevante, para esta categoria, que a lei seja intrinsecamenteboa, consagre ou não os valores positivos do Direito. O valioso é quea lei se destine efetivamente ao caso em questão. Diz-se que é conven-cional, porque é fruto apenas de uma convenção social, sem qualqueroutro fundamento. Esta é a única conotação de justiça admitida pelospositivistas. Não é a legalidade que confere justiça a uma relação social. Naarbitrariedade, que é um ato de violação da ordemjurídica, às vezes seencontra a verdadeira justiça. A justiça substancial se fundamenta nos princípios do DireitoNatural. Não se contenta com a simples aplicação da lei. É a justiçaverdadeira, que promove efetivamente os valores morais. É a justiçaque dá a cada um o que lhe pertence. Pode estar consagrada ou não emlei. Quando coincide o justo çonvencional com o substancial, a socie-dade acha-se sob o império de uma ordcm jurídica legítima. A hipótesecontrária caracteriza a injustiça. Um`exemplo vivo de justiça substan-cial encontra-se nas palavras de Cristo, no Sermão da Montanha: "Nãoentrareis no reino do céu se a vossa justiça não for mais abundante doque a dos escribas e fariseus." A quase totaliade dos pensadores�considera uma utopia a idéia de que essa justiça substancial possa vir,algum dia, a dominar inteiramente as relações humanas. Santo Agosti-nho, ao preGbnizar que a Cidade Terrena, que é o reino da impiedade,será substituída, ainda neste planeta, pela Cidade de Deus, onde haveráa comunhão dos fiéis, proclamou que a justiça será alcançada plena-mente no futuro distante.

58. Classificação da Justiça

A classificação atual da justiça decorre ainda da distinção aristo-télica entre a justiça distributiva e corretiva. A esta divisão, SantoTomás acrescentou ajustiça geral. Modernamente a humanidade reco-nhece a necessidade de implementar a chamada justiça social, que não

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constitui uma espécie distinta das anteriores, mas se caracteriza pelacondição dos bene iciadrs e pelas necessidades que visa a atender.�

I. Justiça Distributiva - Esta espécie apresenta o Estado comoagente, a quem compete a repartição dos bens e dos encargos aosmembros da sociedade. Ao ministrar ensino gratuito, prestar assistênciamédico-hospitalar, efetuar doação à entidade cultural ou beneficente, oEstado desenvolve a justiça distributiva. Orienta-se de acordo com aib aldade proporcional, aplicada aos diferentes graus de necessidade.A justiça penal inclui-se nesta espécie, pois o Estado participa darelação jurídica e impõe penalidades aos autores de delitos.

2. Justiça Comutativa - a forma de justiça que preside às�relações de troca entre os particulares. O critério que adota é o daigualdade quantitativa, para que haja correspondência entre o quinhãoque uma parte dá e o que recebe. Abrange as relações de coordenaçãoe o seu âmbito é o do Direito Privado. Manifesta-se principalmente noscontratos de compra e venda, em que o comprador paga o` preçoequivalente ao objeto recebido. Hobbes criticou a concepção de que ajustiça comutativa consistia em uma propgrção aritmética, pela qual seexigia igualdade de valor das coisas que são objetos de contrato.Afirmou que "o valor de todas as coisas contratadas é medido peloapetite dos contratantes, portanto o valorjusto é aquele que eles achamconveniente oferecer"." Igualmente negou que a justiça distributivafosse uma proporção geométrica que repartisse benefícios iguais apessoas de mérito igual. Entendia que "o mérito não é devido porjustiça, é recompensado apenas pela graça... Ajustiça distributiva é ajustiça de um árbitro, isto é, o ato de definir o que é justo".

3. Justiça Ceral - Para o Doutor Angélico esta forma de justiçaconsiste na contribuição dos membros da comunidade para o bemcomum. Os indivíduos colaboram na medida de suas possibilidades,pãgâTltfa ímpostos, prestando o serviço militar etc. É chamada legal poralguns, pois geralmente vem expressa em lei.

4. Justiça Social - A finalidade da justiça social consiste na�proteção aos mais pobres e aos desamparados, mediante a adoção de

I4 Hobbes, Levinrã, Os Pensadores, Abril Cultural, So Paulo,1974, vol. XIV, ps. 93-94.�

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critérios que favoreçam uma repartição mais equilibrada das riquezas.Conforme acentuam Mouchet y Becu; a justiça social pode coincidircom as outras espécies em uma relação jurídica. Assim, ao mesmotempo, o justo salário configura a justiça comutativa c a social. Se adenominação é nova, a sua idéia corresponde a um antigo anseio social.Em 1891, Leão XIII, na Encíclica Rerum Novarum, chamava a atençãoda humanidade para ela: "Estamos persuadidos, e todos concordamnisto, de que é necessário, com medidas prontas e eficazes, vir emauxílio dos homens das classes inferiores, atendendo a que eles estão,pela maior parte, numa situação de infortúnio e de miséria imerecida."'5Um século após, em sua Carta Encíclica Centesimus Annus, João PauloII amplia a esfera do débito social, não o circunscrevendo à dimensãodas riquezas: "É estrito dever de justiça e verdade impedir que asnecessidades humanas fundamentais permaneçam insatisfeitas e quepereçam os homens por eles oprimidos. Além disso, é necessário queesses homens carentes sejam ajudados a adquirir conhecimentos, aentrar no círculo de relações, a desenvolver as suas aptidões, paramelhor valorizar as suas capacidades e recursos."'6 A justiça socialobserva os princípios da igualdade proporcional e considera a necessi-dade de uns e a capacidade de contribuição de outros. No planointernacional é defendida atualmerIé com o objetivo de que as nações�mais ricas e poderosas favoreçam às que se acham em fase de desen-volvimento. Recorrendo a um gráfico, vários autores ilustram as três espéciesde justiça:

Estado k

t a, ri.� Çr! G 4

Particular comutativa Particular

IS Encrclicas e Documentos Sociais, Edições LTr., São Paulo,1972, p. 14.I6 Edições Paulinas, São Paulo,1991, p. 65.

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59. Justiça e Bem Comum

Os autores que seguem a linha filosófica aristotélico-tomista soemsituar a finalidade do Direito no bem comum. Como se pode inferir deseu estudo, a noção de bem comum acha-se compreendida no conceitomais amplo de um outro valor, que é a justiça. A idéia de bem comumconsiste em um acervo de bens, criado pelo esforço e a participaÇãoativa dos membros de uma coletividade e cuja missão é a de ajudar osindividuos que dele necessitam, para a realização de seus fins existenciais.�"Não é simplemente - diz Luno Pena - a soma dos bens particulares, masimplica uma ordenação dos membros."" Nem se situa excepcionalmenteno plano dos interesses materiais, pois atende às necessidades de paz .eliberdade. Alípio Silveira definiu-o como "o conjunto organizado dascondições sociais, graças às quais a pessoa humana pode cumprir seu destino " pnatural e espiritual . Neste sentido, afirma esse autor, "o rimeiro dos benscomuns aos homens é a própria existência da sociedade, a existência de umaoem em suas relações sociais".'s� Os membros de uma sociedade ou comunidade vinculam-se aosinteresses do bem comum, de um duplo modo: como seus elaboradorese beneficiados. Há o dever de todos na formação do bem comum, o qualse põe a serviço do aperfeiçoamento moarl e cultural dos indivíduos,�bem como de seus interesses econômicos vitais. Este controle e orga-nização estão entregues à política social do Estado, não obstante aexistência de instituições particulares que desenvolvem a nobre funçãode prover o bem comum. A justiça é um valor compreensivo que absorve a idéia de bemcomum. A justiça geral e a distributiva, associadas à justiça social,atendem plenamente às exigências do bem comum.

60. Eqdidade

Na Ética a Nicômaco, Aristóteles traçou, com precisãó, o conceitode eqüidade, considerando-a "uma correção da lei quando ela é defi-ciente em razão da sua universalidade" e comparou-a com a "régua de

17 Henrique Luno Pena, Derecho Natural, Editorial La Hormiga de Oro S.A., Barcelona,1947, p.158.IS Alípio Silveira, Repertórfo Enciclopédico do Direito Brasileiro, Editor Borsói, Riode Janeiro, vol. V, p. 357.

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Lesbos" que, por ser de chumbo, se ajustava às diferentes superfícies:"A régua adapta-se à forma da pedra e não é rígida, exatamente comoo decreto se adapta aos fatos".'y Tal é a diversidade dos acontecimentos sociais submetidos àregulamentação jurídica que ao legislador seria impossível a sua totalcatalogação. Daí por que a lei não é casuística e não prevê todos oscasos possíveis, de acordo com as suas peculiaridades. A sistemáticaexige do aplicador da lei, juiz ou administrador, uma adaptação danorma jurídica, que é gencrica e abstrata, às condições do caso concre-to. Não fosse assim, a aplicação rígida e automática da lei poderia fazerdo Direito um instrumento da injustiça, conforme o velho adágioSccmmum jccs, sccmma injuria. Algumas normas há que se ajustam inteiramente ao caso práti-co, sem a necessidade de qualquer adaptação; outras há, porém, quese revelam rigorosas para o caso específico. Nesse momento, então,surge o papel da eqüidade, que é o de adaptar a norma jurídica gerale abstrata às condições do caso concreto. Eqüidade é a justiça docaso particular. Não é caridade, nem misericórdia, como afirmavamos romanos - jccstitia dcclcore misericordiae temperata (justiça doce,temperada de misericórdia). Não é, via de regra, fonte criadora doDireito, mas apenas sábio critério q e desenvolve o espírito das normas�jurídicas, projetando-o sobre os casos concretos. Icílio Vanni precisou,com clareza e objetividade, que a eqüidade "não é mais do que ummodo particular de aplicar a norma jurídica aos casos concretos; umcritério de aplicação, pelo qual se leva em conta o que há de particularem cada relação".2" Também configura a eqüidade o fato de o juiz, devidamenteautorizado por lei, julgar determinado caso com plena liberdade. Nestacircunstância não ocorre uma adaptação da norma ao caso concreto,mas a elaboração da norma e sua aplicação. Tal prática se enquadra noconceito de que eqüidade é a justiÇa do caso concreto. No Direito brasileiro a eqüidade está prevista no art. 8o daConsolidação das Leis do Trabalho, que determina a'sua aplicação "nafalta de disposições legais ou contratuais". Enquanto que a Lei deIntrodução ao Código Civil é omissa, o Código de Processo Civil, emseu art. 127, dispõe que: "o juiz só decidirá por eqüidade nos casos

19 Aristóteles, op. cit., p. 337.20 Ici'lio Vanni, op. cit., p. 43.

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previstos em lei".z' Citam-se, entre outros exemplos de autorizaçãolegal, a previsão do art. 25 da Lei no 9.099, de 26.9.95 (JuizadosEspeciais) e do art.1.109 do Código de Processo Civil, que permite aojuiz "adotar em cada caso a solução que reputar mais conveniente ouoportuna", em se tratando da chamada jurisdição voluntária, isto é,quando não houver contenda a ser decidida, conforme ocorre na sepa-ração consensual entre cônjugues. Em Direito Penal, dado o caráterpeculiar desse ramo, que subordina inteiramente as decisões do juiz aotexto legal, a possibilidade de adaptação da norma geral ao casoconcreto limita-se ao qccantum da pena. A fixação desta não ficaentregue à apreciação subjetiva do juiz. Os arts. 61 e 62 do nossoCódigo Penal indicam ao juiz as circunstâncias que agravam e atenuamapena, respectivamente. Por seu art.108, o Código Tributário Nacional- Lei no 5.172, de 25.10.66 - prevê a aplicação da eqüidade para ahipótese de disposição expressa e desde que inviável a solução median-te o emprego, em ordem de prioridade, da analogia, princípios geraisde Direito Tributário e princípios gerais de Direito Público. Em qual-quer caso, pelo uso da eqüidade não se poderá dispensar pagamento detributo devido.

61. Leis Injustas

1. Conceito - A incompetência ou a desídia do legislador podelevá-1o à criação de leis irregulares, que vão trair a mais significativadas missões do Direito, que é a de espargirjustiça. Lei injusta é aquelaque nega ao homem aquilo que lhe é devido, ou qcce lhe confere oindevido, quer pela sicnples condição de pessoa humana, por seccmérito capacidade ou necessidade. No passado, um complexo de causas, místicas e mistificadoras,permitia que os governantes criassem normas contrárias aos princípiosbasilares do Direito Natural. A Religião e a crença, autorizadas pela

21 A fim de tornar a justiça social exeqüível e prática em dimensão maior e visandotambém a compatibilizar a ordem jurídica com os antigos anseios da corrente do DireitnLivre (v. §§ 93 e 161) e dos defensores, hoje, do chamado Uso Alternatfvn do Direfto,preconizamos outra disposição legal para a eqüidade: "Art. 127. O juiz decidirá poreq9idade nos casos previstos cm lei, na hipótese de preservação da dignidade da pessoahumana e nos contlitos de natureza econômica em que houver imperativo dejustiça social.Parágrafo únlco: Excluída a hipótese de expressa autorização legal, haverá recurso deoficio com os efeitos devolutivo e suspensivo."

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tradição, constituíam uma rede protetora dos interesses dos maus diri-gentes que, em vez de se utilizarem dos preceitos jurídicos como uminstrumento de benquerença e avanço social, colocavam-nos a seupróprio serviço, num escárnio ao sentimento e à vida do povo. Forjavam a crença de que o Direito Positivo e o vitalício mádatode governante eram um produto da vontade divina, correspondendo aosdesígnios dos deuses. Era flagrante o engodo, mas este se encontravaapoiado em uma tradição milenar, à qual devotavam profundo respeito,temerosos de provocarem a ira dos deuses. Fustel de Coulan es histo-riando a época, relata: "A lei antiga nunca fazia considerá dos. Paraque precisava ela de os ter? Não necessitava de explicar razões: existiaporque os deuses a fizeram. A lei não se discute, impõe-se; representaofício de autoridade e, os homens, obedecem-Ihe cheios de fé."z2

2. Espécies - Distinguimos, nas leis injustas, uma divisão trico-tômica: as injustas por destinação, as casuais e as eventuais. As injccstaspor destinação são aquelas que vão cumprir uma finalidade já prevista�pelo legislador. São leis que já nascem com o pecado original e levamconsigo o selo da imoralidade. As casuais são as que surgem emdecorrência de uma falha de políticajurídica. A regulamentação do fatosocial é feita de uma forma infeliz, em conseqüência de inépcia naapreciação do fenômeno e na consagração dos valores. Não há, porparte do órgão que as edita, consciência dos efeitos prejudiciais que .elas irão causar. As suas normas são injustas não apenas em concreto,ou seja, no momento da subsunção, mas também em abstrato, inde-pendentemente das características peculiares do fato real. As leisinjustas eventuais, do mesmo modo que as casuais, não têm por basea má-fé do legislador. Surgem por incompetência da técnica legisla-tiva. Em abstrato, sãojustas, podendo, contudo tomar feição opostaeventualmente, de acordo com as particularidades do caso em si. Nadependência, pois, das coordenadas da questão, a lei poderá ser injustaou não. Sê-lo-á, portáto, eventualmente.

3. O Problema da Validade das Leis Injustas - Em torno das leisinjustas, o problema de maior indagação refere-se à sua validade ounão. Entre os jusfilósofos, encontramos quatro posições diferentes. Os

22 Fustel de Coulanges, A Cidade Antiga, 2a ed., Livraria Clássica Editora, Lisboa, I 957,vol. I, p. 292.

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positivistas consideram válidas e obrigatórias as leis injustas, enquantopermanecem em vigor. Iniciam a sua argumentação em estilo socrático:o que se deve entender por leis injustas e qual o critério para o seureconhecimento? Daí passam a analisar os riscos e a confusão quereinaria, caso fossem passíveis de discussão. Por outro lado, onde asegurança dos homens em seus negócios e em outras espécies deinteraçãojurídica? Aprevisibilidade, companheirados homens pruden-tes, deixaria de existir, do mesmo modo a segurança jurídica, querepresenta um dos mais sérios anseios da sociedade. Os jusnaturalistas, de modo geral, negam validade às leis injustas.Esta corrente de pensamento considera o Direito como um meio aserviço dos fins procurados pela sociedade, em determinado momentoe ponto do espaço. A sua concepção do Direito é teleológica, julgando-obom ou mau, segundo realize bons ou maus valores. O Direito Positivo,sendo criado pelos homens, deve por estes ser dominado e não erigir-seem dominador do próprio homem. A lei como súdita e não comosuserana 23� Em posição eclética, encontram-se os pensamentos de SantoTomás e de Gustav Radbruch. O primeiro, apesar de considerar todasas leis injustas ilegítimas, reconhece validade naquelas cujo mal pro-vocado não chega a ser insuportável. Pensava que a não-observânciade uma lei injusta pode, às vezes, dar origem a um mal maior, daí anecessidade da tolerância nesses casos. Mas, uma vez incompatível opreceito jurídico com a natureza e dignidade humanas, não deverá sercumprido, pois nem Iireito será. Finalmente, há aqueles que, como�Kelsen, negam a existência das chamadas leis injustas, por considera-rem que a justiça é apenas relativa. Fiel à sua teoria pura, Kelsen sóconcebe como injustiça a não-aplicação da norma jurídica ao casoconcreto. Entendemos que não cabe ao aplicador do Direito, em princípio,abandonar os esquemas da lei, sob a alegação de seu caráter injusto.Alguns resultados positivos poderão ser alcançados mediante os traba-Ibos de interpretação do Direito objetivo. Uma lei injusta normalmente�é um elemento estranho no organismo jurídico, a estabelecer umconflito com outros princípios inseridos no ordenamento. Ora, como o

23 "Ai daqueles que fazem leis injustas, e dos escribas que redigem sentenças opressivas,para afastar os pobres dos tribunais e denegar direitos aos fracos de meu povo." (Cap.10.vers.1 e 3, do profeta Isaías.)

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aplicador do Direito não opera com leis isoladas, mas as examina e asinterpreta à luz do sistemajurídico a que pertencem, muitas vezes lograconstatar uma antinomia de valores, princípios ou critérios, entre a leiinjusta e o ordenamento jurídico. Como este não pode apresentarcontradição interna, há de ser sempre uma única voz de comando, oconflito deverá ser resolvido e, neste caso, com prevalência da índolegeral do sistema:

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário: 52 - Emil Brunner, La Justicia; Goffredo Telles Júnior, Filosofia do Direito;Aristóteles, Ética a Nicômaco; 53 - Emil Brunner, op. cit.; Hans Kelsen, Que es la Justicia?; 54 - Texto; 55 - Emil Brunner, op. cit.; Chaim Perelman, De la Justicia; 56 - Edgar Bodenheimer, Ciência do Direito, Filosofca e Metodologia Juridi-cas; Aristóteles, op. cit.,; Del Vecchio, A Justiça; 57 - Goffredo Telles Júnior, op. cit.; 58 - Emil Brunner, op. cit.; Del Vecchio op. cit.,; Mouchet y Becu, Introduc-ción al Derecho; 59 - Luno Pena, Derecho Natural; Al pio Silveira, Repertório Enciclopédicodo Direito Brasileiro, vol. V,· · 60 - Aristóteles, op. cit.; 61- Paulo Nader, Lumina Spargere, vol. 5, Revista da Universidade Federalde Juiz de Fora.

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Capítulo XII

SEGURANÇA JURÍDICA

Sumário: 62. Conceito de Segur-ança Juridica. 63. A Necessidade Hrrnrarra de Segrrrarrça. 64. Prirrcipios Relativos à Orgarrização do Estado. 65. Principios do Direito Estabe/ecido. 66. Pr-irrcipios do Direito Aplicado.

62. Conceito de Segurança Jurídica

I. Conceito - Historicamente o Direito surgiu como meio dedefesa da vida e patrimônio do homem. O seu papel era apenas o depacificação. Hoje, a sua faixa de proteçáo é bem mais ampla. Além dedefender aqueles interesses, pelo estabelecimento da ordem e manuten-ção da paz, visa a dar a cada ctrn o qcte é sect de modo mais amplo,favorecendo e estimulando ainda o progresso, educação, saúde e cul-tura. Ajustiça é o valor supremo do Direito e corresponde também àmaior virtude do homem. Para que ela não seja apenas uma idéia e umideal, necessita de certas condições básicas, como a da organizaçãosocial mediante normas e do respeito a certos princípios fundamentais;em síntese, ajustiça pressupõe o valor segurança. Apesar de hierarqui-camente superior, ajustiça depende da segurança para produzir os seusefeitos na vida social. Por este motivo se diz que a segurança é um valorfundante e a justiça é um valor fundado. Daí Wilhelm Sauer terafirmádo, em relação ao Direito, que "a segurança jurídica é a finali-dade próxima; a finalidade distante é ajustiça".' Alguns autores concebem a segurança jurídica apenas como sis-tema de legalidade, que fornece aos indivíduos a certeza do Direito

I Wilhelm Sauer, np. cit., p. 221.

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vigente. Neste sentido é a colocação de Heinrich Henkel, para quem acerteza ordenadora constitui o núcleo desse valor. Ojusfilósofo alemãodefiniu-a como "a exigência feita ao Direito positivo, para que promo-va, dentro de seu campo e com seus meios, certeza ordenadora".-Outros autores entendem que a simples certeza ordenadora não ésuficiente para revelar as exigências contidas no valor segurança. Osaber a que se ater pode ccnduzir, ironicamente, à certeza da insegu-rança. Elías Díaz não concorda que a segurança se identifique apenascom a noção da existência de uma ordemjurídica, com o conhecimentodo que está proíbido e permitido, com o saber a que se ater. Exige, alémde um sistema de legalidade, um sistema de legitimidade, pelo qual oDireito objetivo consagre os valores julgados imprescindíveis "nonível social alcançado pelo homem e considerado por ele como con-quista histórica irreversível: a segurança não é só um fato, é também,sobretudo, um valor".j Se a identificação da segurança com a simples legalidade e certezajurídica se manifesta insuficiente, a segunda posição nos parece porta-dora de uma exigência excessiva, pois pretende que a segurança absor-va o valor justiça. i Admitimos dois níveis de segurança, um elementar e outro desegurança plena. A elementar insufciente, se satisfaz com o sistema� �de legalidade e a certeza jurídicar enquanto que a segurança plenarequer outros predicados, que genericamente já indicamos como res-peito a certos principios fiindamentais, que serão desenvolvidos nestecapítulo. Adotando, em parte, a orientação de Henkel, reunimos osprincípios gerais de segurança em três grupos: a) princípios relativos àorganização do Estado; b) princípios do Direito estabelecido; c) prin-cípios do Direito aplicado. Os conceitos de segurança jurídica e de certeza jurídica não se ~confundem. Enquanto o primeiro é de caráter objetivo e se manifestaconcretamente através de um Direito definido que reúne algumasqualidades, a certeza jurídica expressa o estado de conhecimento daordem jurídica pelas pessoas. Pode-se dizer, de outro lado, que asegurança possui um duplo aspecto: objetivo e subjetivo. O primeirocorresponde às qualidades necessárias à ordem jurídica e já definidas,enquanto o subjetivo consiste na ausência de dúvida ou de temor nnespírito dos indivíduos quanto à proteção jurídica.

? Heinrich Henkel, np. cit., p. 544.3 Ellas Diaz, op. cit., p. 47.

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63. A Necessidade Humana de Segurança

Pelo fato de o homem não ser auto-suficiente no plano materiale espiritual, ele não se sente totalmente seguro. Necessita, ao mesmotempo, da natureza, que lhe fornece meios de sobrevivência e comandaa sua vida biológica, e do meio social, que é o ambiente propício aoseu desenvolvimento moral. O seu estado de permanente dependênciaproporciona-lhe a inquietude. A certeza das coisas e a garantia deproteção são uma eterna procura do homem. A segurança é, portanto,uma aspiração comum aos homens. Não obstante o seu natural desejode segurança, o homem se lança ao perigo e termina por se adaptar aorisco, quando se dispõe a lutar pela sobrevivência ou se entrega, decorpo e alma, em favor de certos valores ideológicos e aos ideais dejustiça." Por alguns setores do pensamento que se opõem ao individualis-mo, a segurança tem sido interpretada como uma ideologia burguesa,como pretensão de comodidade, fuga ou renúncia à luta. O fascismo,aproveitando as afirmações do filósofo Nietzsche, adotou como lemao vivere pericolosamente e, conforme salienta Legaz y Lacambra, osjuristas alemães do nacional-socialismo nãp admitiram a idéia de quea segurança fosse um valor jurídico fundamental. No plano jurídico a segurança corresponde a uma primeira ne-cessidade, a mais urgente, porque diz respeito à ordem. Como sepoderá chegar à justiça se não houver, primeiramente, um Estadoorganizado, uma ordem jurídica definida? É famoso o dito de Goethe:"prefiro a injustiça à desordem". Entre os muitos efeitos produzidospelo Código Napoleão (Código Civìl da França), no início do séc. XIX,pode-se acrescentar o fato de que condicionou inteiramente osjuristasfranceses ao valor segurança. Os novos critérios adotados para oestndo e aplicação do Direito, que podem ser denominados por codi-cismo, limitaram-se à interpretação do texto legislativo, ficando veda-doorecurso a qualquer outra fonte ou princípios. O positivismo jurídico,

4 No dizer de José Corts Grau, "o homem é nninrol insecurion, frente aos demaisttimais, cujas possibilidades de evolução estãojá definidas em sua situação, determinadas�pafeitamentc através de sua natureza. As infinitas possibilidades do homem observam-seji pelo seu exterior, nos infinitos matizes de sua expressão, de seus olhos, de suas mãos,Qee Ihe criam uma radical inquietude, em contraste com a segurança do animal, verdadciroregaloda natureza". (Cur.so de Derec-hn Nnrurnl, 4' ed., Editora Nacional, Madrid, I970,p. 26.)

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que teve em Kelsen a sua mais alta expressão, exalta o valor segurança,enquanto o jusnaturalismo não se revela tão inflexível quanto a estevalor, por se achar demais comprometido com os ideais de justiça eenvolvido com as aspirações dos direitos humanos. Recaséns Siches entende que a segurança jurídica, em termosabsolutos" é um ideal inatingível. As mudanças jurídicas, que decor-rem do interesse de aperfeiçoamento do Direito, criam um coeficientenatural de insegurança.5 O ideal para o homem é desfrutar de segurançae justiça e um dos grandes desafios que se apresentam ao legisladorestá justamente em atender a esses dois valores em uma conjugaçãoharmônica. Concordamos com Camus, quando diz que "...entre justi-ça e segurança existe uma mútua compenetração, sendo de absolutanecessidade a coexistência de ambas para o desenvolvimento ordena-do de uma sociedade civilizada". Entretanto, o conflito entre a�segurança e a justiça é comum na vida do Direito e quando este�fenômeno ocorre é forçoso que prevaleça a segurança, pois, a predo-minar o idealismo de justiça, a ordem jurídica ficaria seriamentecomprometida e se criaria uma perturbação na vida social. O exemplo histórico mais significativo de prevalência da segu-rança foi dado por Sócrates, em seus derradeiros dias de vida. Instadopor seus discípulos para fugir à excízção de uma injusta condenação�à morte, o filósofo grego disse-lhes que era necessário que os homensbons cumprissem as leismás, para que os homens maus cumprissem�as leis boas.

64. Princípios Relativos à Organização do Estado . Para que a segurança jurídica seja alcançada e, por seu intermé-dio, a justiça, é indispensável, em primeiro lugar, que o Estado adotecertos padrões de organização interna. A clássica divisão dos poderes,em legislativo, executivo e judiciário, enunciada· por Aristóteles edesenvolvida em seus principais aspectos por Montesquieu, é consi-derada essencial. Cada órgão possui a sua faixa de competênciapeculiar, a sua especialização. Não se acham separados por um sistema

5 Lu.js Recaséns Siches, Nueva Fifosn(ia de La InterpreJarión del Dererho. 2' ed.,Editoriál Porrua S.A., México,1973, p. 294.6 E.F. Camus, Filnsofia Juridica, Universidad de la Habana, I94H, p. 221.

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hermético, mas conjugam as suas funções em uma atividade harmôni- ca e complementar. Desenvolvem, por assim dizer, uma forma de solidariedade orgânica. O que traduz um imperativo de segurança é a impossibilidade de um mesmo poder açambarcar as funções própriasr de um outro poder. Quando isto ocorre, configura-se uma anomalia, que coloca em risco a segurança jurídica. A partir do momento, por exemplo, em que o Poder Judiciário passe a criar o Direito que irá aplicar, de uma forma genérica e sistemática, estará praticando uma subtração de competência do Poder Legislativo e ameaçando seria- mente a segurança jurídica. Esta prática institucionalizaria a incerteza douèito vlgente.� Além da fixação da linha divisória entre os três poderes que é definida pela Constituição Federal, é necessário que o Poder Judiciário se apresente organizado àe uma forma apta não só a decidìz as questões que Ihe forem submetidas, dentro de um tempo razoável, mas a dispor também de um aparato coercitivo para tornar eficazes as suas sentenças. Para este fim é imprescindível que esse Poder reúna pessoal qualificado para as diversas funções, não apenas a de juiz, promotor de justiça ou defensor público, mas igualmente a de escrivão, escrevente juramenta- do, oficial de justiça. Esta organização deve-se estender a um âmbito não estritamente judiciário, como o do,cartórios de notas, cartórios de� registros civis. Além dos agentes judiciarios, impõe-se que esses vários departamentos dajustiça estejam dotados do suficiente equipamento de trabalho. Se o aparelho judiciário não estiver preparado, com pessoal competente e recursos necessários, o Direito objetivo não alcançará o índice de efetividade desejado, ficando frustrados os anseios de segu- rança e de justiça. As garantias da magistratura constituem também um fator de segurança jurídica. Os juízes devem gozar de total liberdade no exer- cício de suas funções judicantes. A falta de garantias constitucionais pode levar ao temor ou constrangimento e comprometer o ato judicial.

65. Princípios do Direito Estabelecido

Entre os princípios básicos do Direito estabelecido, considera- mos os seguintes: positividcrde do Direito, segcrnnça de orientação,� � irretrontividade da lei, estabilidade relativa do Direito. Os princípios do Direito estabelecido se referem ao Direito em sua forma estática, ou seja, na sua maneira de apresentar-se aos seus destinatários.

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hermético, mas conjugam as suas funções em uma atividade harmôni-ca e complementar. Desenvolvem, por assim dizer, uma forma desolidariedade orgânica. O que traduz um imperativo de segurança é aimpossibi(idade de um mesmo poder açambarcar as funções própriasde um outro poder. Quando isto ocorre, configura-se uma anomalia,que coloca em risco a segurança jurídica. A partir do momento, porexemplo, em que o Poder Judiciário passe a criar o Direito que iráaplicar, de uma forma genérica e sistemática, estará praticando umasubtração de competência do Poder Legislativo e ameaçando seria-mente a segurança jurídica. Esta prática institucionalizaria a incertezado Direito vigente. Além da fixação da linha divisória entre os três poderes, que édefinida pela Constituição Federal, é necessário que o Poder Judiciáriose apresente organizado de uma forma apta não só a decidir as questõesque lhe forem submetidas, dentro de um tempo razoável, mas a disportambém de um aparato coercitivo para tornar eficazes as suas sentenças.Para este fim é imprescindível que esse Poder reúna pessoal qualificadopara as diversas funções, não apenas a de juiz, promotor de justiça oudefensor público, mas igualmente a de escrivão, escreventejuramenta-do, oficial de justiça. Esta organização deve-se estender a um âmbitonão estritamente judiciário, como o do5 cartórios de notas, cartórios deregistros civis. Além dos agentes judiciários, impõe-se que esses váriosdepartamentos dajustiça estejam dotados do suficiente equipamento detrabalho. Se o aparelho judiciário não estiver preparado, com pessoalcompetente e recursos necessários, o Direito objetivo não alcançará oíndice de efetividade desejado, ficando frustrados os anseios de segu-rança e de justiça. As garantias da magistratura constituem também um fator desegurança jurídica. Os juízes devem gozar de total liberdade no exer-cício de suas funções judicantes. A falta de garantias constitucionaispode levar ao temor ou constrangimento e comprometer o ato judicial.

65. Princípios do Direito Estabelecido

Entre os princípios básicos do Direito estabelecido, considera-mos os seguintes: positividade do Direito, seguranfa de orientação,irretroatividade da lei, estabilidade relativn do Direito. Os princípiosdo Direito estIbelecido se referem ao Direito em sua forma estática,�ou seja, na sua maneira de apresentar-se aos seus destinatários.

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l. A Positividade do Direito - A positividade do Direito é ocaminho da segurança jurídica. Esta se constrói a partir da existênciado Direito, objetivado através de normas indicadoras dos direitos edeveres das pessoas. A positividade pode manifestar-se em códigos ouetn costumes; o essencial é que oriente efetivamente a conduta social. Envolvido por seu idealismo, Platão imaginou o "Estado sem lei",no qual os juízes teriam ampla liberdade para as suas decisões, semqualquer outro condicionamento além dos imperativos dajustiça. A suaconcepção não implicava anarquia, pois o Direito existiria exteriorizadonas decisões dos magistrados. Posteriormente, em uma fase mais adian-tada de pensamento, admitiu a conveniência do "Estado Legal", porqueo "Estado sem lei", que ainda reconhecia como superior, exigia ainfalibilidade e grande sabedoria, condições que não eram comuns aos�juízes. A corrente do Direito Livre, ao adotar o lema a justiça peloscódigos ou apesar dos códigos consagrou uma doutrina análoga à do` Estado sem lei". A positividade do Direito, para seus defensores,possuía uma importância relativa, pois sustentaram a tese de que osjuízesdeveriam abandonar as leis, quando não oferecessem soluções justas. A positividade implica divulgação do Direito. Este deve estar aoalcance de todos, não apenas de seus dstinatários. O Direito costu-�meiro, por ser elaborado pelo próprio povo e achar-se enraizado naconsciência popular, tem as suas normas divulgadas pelos membrosda coletividade, que as transmitem às novas gerações. Em relação aoDireito codificado, é indispensável a sua publicação em diários ofi-ciais ou emjornais de grande penetração na sociedade." Não houvessea publicação das leis, e o aforismo Ignorantia juris non excnsat(ninguém se escusa do cumprimento da lei alegando a sua ignorância)não poderia ser aplicado. No desenrolar da História, a divulgação do Direito passou poraltos e baixos. Nos tempos mais antigos, quando não havia a escrita,as normas eram elaboradas em versos, para que melhor se fixassem namemória do povo. Salomão, recorrendo ao processo mnemônico ,orientava as pessoas para que relacionassem os dez mandamentos aosseus dez dedos das mãos. Conforme narrativa de Hobbes, quando

7 Edgar Bodenheimer, Ciência do Direiro, Filo.rnCn e Menlnlngia Jnr-idicn.c, Forensc,� �Rio de Janeiro,1966, p. 23.8 Jean Cruet, sobre o assunto, fez a seguinte alusão: "Desde que não passe de umadedução dos costumes preexistentes, a lei tem necessidade de ser ensinada como umalíngua estrangeira, de ser pregada como uma religião" (op. cit., p. 236).

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Moisés entregou a lei ao povo de Israel, na renovação do contrato,"recomendou que a ensinassem a seus filhos, discorrendo sobre elatanto em casa como nos caminhos, tanto ao deitar como ao levantar, eescrevendo-a nos montantes e nas portas de suas casas; e também quese reunisse o povo, homens, mulheres e crianças, para a ouvirem ler".y A contrastar com o seu legado de sabedoria jurídica à humanida-de, a Roma dos tempos primitivos negou à classe dos plebeus oconhecimento do Direito, que era então um privilégio da classe patrí-cia. Após muita reivindicação, com a Lei das XII Tábuas (séc. V a.C.)o conhecimento do Direito ficou ao alcance de todos. Na China antiga,segundo Ángel Latorre,"' os governantes evitavam a divulgação dasleis, porque o seu conhecimento poderia quebrar a harmonia social,impedindo a composição amigável dos litígios."

2. Segurança de Orientaão - A positividade e divulgação do�Direito não são o bastante para proporcionar a certeza jurídica. Éindispensável ainda que as normas sejam dotadas de clareza, sinpli-�cidade, univocidade e suficiência. O conhecimento do Direito nãodecorre da simples existência das normas jurídicas e de sua publicida-de. Um texto de lei mal elaborado, com linguagem ambígua e comple-xa, longe de ser esclarecedor, gera a dívida nos espíritos quanto ao�Direito vigente. As normas devem sér inteligíveis e ao alcance dohomem comum. Em nosso país, segundo depoimento de João Arruda,discutiu-se, durante algum tempo, sobre a conveniência da criação docódigo popular, idéia que pretendia retirar os elementos técnicos doscódigos, substituindo-os pela linguagem simples e comum do povo. Oplano não obteve êxito.'z

9 Hobhes, op. cft., p.169.10 Ángel Latone, Introducción ao Derecho, 2oed., Ediciones Ariel, Barcelona,1969, p. 40.11 Em sua famosa obra Dos Delitos e das Penas, cap. V, Beccaria fez uma referênciasobre a importância do conhecimento do Direito: "Quanto maior for o número dos quecompreendem e tenham em suas mãos o sagrado código das leis, com menor freqGênciahaverá delitos, porque não há dúvida de que a ignorância e a incerteza das penas ajudamà eloqência das paixões."�12 João Arruda, Filosofia do Direito, 3' ed., Faculdades de Direito da Universidade deSão Paulo,1942, lo vol., p. 425: "O Código pertence aos profissionais. O Código há deser manejado por pessoas profissionais, que tenham o curso de uma academia, ou que deoutro modo tenham feito estudos regulares de Direito, por homens que conheçam a TécnicaJurídica. Isso de Código para o vulgo é tão absurdo como pretender que um homem, sema menor cultura, possa manejar um instrumento de engenharia, de cirurgia, de ótica, deastronomia ou mesmo de guena."

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O denominado princípio da acessibilidade do código dividiu aopinião de dois importantes nomes da literatura clássica inglesa:Jeremy Bentham (1748-1832) e John Austin (1790-1859). O primeiro,cognominado de o "Newton da legislação", adepto de uma democraciaradical, pensava que o código deveria ser acessível ao povo, enquantoseu discípulo, seguidor de um liberalismo moderado, defendia opiniãodivergente: acessibilidade limitada à classe dos juristas.'3 A univocidàde significa que as leis não devem apresentar incoe-rências, contradições ou conflitos internos. As diversas partes quecompõem a ordemjurídica devem estar em perfeita harmonia, de modoa existir uma única voz de comando. A suficiência significa que aordem jurídica deve estar plena de soluções para resolver quaisquerproblemas oriundos da vida social. A lei pode apresentar lacunas; aordem jurídica, não. A suficiência é garantida pelos processos deintegração do Direito, como a analogia e os princípios gerais deDireito. Ao fazer alusão à segurança, Philipp Heck coloca em destaqueo aspecto de suficiência e prévio conhecimento do Direito.'4 Entre os sistemas jurídicos, qual deles favorece melhor à segu-rança de orientação: o de Direito codificado ou o costumeiro? ODireito escrito é próprio do sistema jurídico de origem romano-ger-mânica, também denominado continental ou europeu, enquanto que oDireito costumeiro ou consuetudinárl`o, não escrito, é característica dosistema jurídico do Common Law, adotado pela Inglaterra, EstadosUnidos, Canadá. Segundo Cogliolo, os romanos quiseram o códigopara evitar o Jus Incertum, o Direito não definido. Para René David,especialista francês em Direito Comparado, a superioridade do sistemacontinental sobre o anglo-americano, sob a ótica da segurança, é maisaparente do que real. Se o advogado francês, egípcio ou japonês podeexplicar ao seu cliente o Direito aplicável ao seu caso, com maiorfacilidade do que o seu colega inglês, essa vantagem é mais ilusória,porque a visão que o Direito codificado oferece é apenas superficial. Ossistemas jurídicos da família romano-germânica apresentam um menornúmero de normas jurídicas as quais, por seu carátec mais genérico,conferem um maior poder discricional aos juízes na aplicação do Direito.Essa margem de apreciação, na sua opinião, é prejudicial à certeza do

13 Cf. Norberto Bobbio, in O Positivismo Juridico - Lições de Filosofia do Direito, Rio�de Janeiro, Ed. Ícone,1995, p. 117.14 Philipp Heck, El Problemu de la Creación del Derecho, Ediciones Ariel, Barcelona,1961, p. 37.

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Direito.'5 Entendemos que as deficiências da codificação, apontadas porRené David, são naturalmente supridas pela valiosa contribuição dajurisprudência que registra, além do sentido, o alcance das normasjurídicas. O seu ponto de vista é contraditado por Kelsen que, ao referir-seàs democracias parlamentares, afirma que ` `este sistema tem a desvanta-gem da falta de flexibilidade; tem, em contrapartida, a vantagem dasegurançajurídica; que consiste no fato de a decisão dos tribunais ser, atécerto ponto, previsível e calculável..."' A codificação atende, em termos�gerais, melhor às exigências de segurança do que o sistema consuetudi-nário, em que as normas se apresentam difusas.

3. Irretroatividade da Lei - No momento em que a lei penetra nomundo jurídico, para reger a vida social, deve atingir apenas os atospraticados na constância de sua vigência. O princípio da irretroativi-dade da lei consiste na impossibilidade de um novo Direito atuar sobrefatos passados e julgar velhos acontecimentos. A anterioridade da leiao fato é o máximo princípio de segurança jurídica. É uma garantiacontra o arbitrarismo. É conhecida a frase de Walker: "leis retroativassomente tiranos as fazem e só escravos se lhes submetem." Se a lei nova pudesse irradiar os seus efeitos sobre o passado econsiderar defeituoso um negócio jurídico realizado à luz da antigaIei, a insegurançajurídica seria total e.os demais princípios, que visam�à certeza ordenadora, passariam a ter um valor apenas relativo. Con-forme comentou Bonnecase, "se fosse permitido à lei destruir ouperturbar todo um passado jurídico regularmente estabelecido, a leinão representaria mais do que o instrumento da opressão e da anar-quia"." O Direito brasileiro, acorde com o Direito Comparado, admitearetroatividade na hipótese em que a lei nova não venha ferir o direitoadquirido, o atojurídico perfeito e a coisajulgada'R (v. 137).�

15 René David, Los Grandes Sistemas Juridicos Contemporáneos, Irad. da 2' ed.,Biblioteca Jurídica Aguilar,1969, Madrid, p. 76.16 Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito, ed. cit., vol. II, p. 116. "17 Apud João Franzen de Lima, Curso de Direito Civil Brasileiro, 4a ed., Forense, Rio,I%0, vol. I, p. 64.18 Em sua permanente preocupação em invalidar princípios e instituições que informamos sistemas jurídicos de Estados capitalistas, a corrente socialista do Direito critica a"irretroatividade da lei", por favorecer a classe dominante, que possui bens e direitossubjetivos. Considera que o respeito aos direitos adquiridos é prática conservadora ereacionária que impede a correção de situações jurídicas que se formaram injustamente,àbase de privilégios (V. Eduardo Novoa Monreal, El Derecho como Obstáculo al CambioSocial, 3' ed., Siglo Veintiuno Editores, México,1979).

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4. Estabilidade Relativa do Direito - O legislador há de possuira arte de harmonizar as duas forças que atuam sobre o ordenamentojurídico do Estado, em sentidos opostos: a conservadora e a de evo-lução. A estabilidade nas instituições jurídicas é anseio comum aosjuristas e ao povo. Aos juristas, porque é mais simples operar com leisenriquecidas pela doutrina e pela jurisprudência; ao povo, porque aexperiência já lhe revelou o conhecimento vulgar de seus direitos eobrigações. Esta aspiração, por uma ordem jurídica estável, não con-figura o misoneísmo ou uma atitude reacionária, de vez que nãoconsiste em uma pretensão absoluta e incondicional.'y A partir domomento em que uma lei se revela anacrônica, incapaz de atender àsexigências modernas, a sua revogação por uma outra, adaptada aosvalores e fatos da época, constitui um imperativo. Como fato histórico que é, o Direito Positivo deve acompanharo desenvolvimento social; não pode ser estático, enquanto a sociedadese revela dinâmica. A ordem jurídica que não evolui de acordo comos fatores sociais deixa de ser um instrumento de apoio e progresso,para prejudicar o avanço e o bem-estar social.=" Compete à políticajuridica fixar os interesses sociais que, em determinado momentohistórico, devem ser objeto de proteção jurídica. Para isto, verifica aconveniência e a oportunidade das rlaadanças jurídicas. Assim, o valor�segurança não implica necessariamente a conservação do ordenamen-to vigente, não é de índole reacionária. Ainda que eventuais donos depoder lutem pela continuidade do jus positum em vigor a fim depreservarem seus privilégios, o valor segurança jurídica não se apre-senta para dar fundamento ao status quo. O ideal é que a ordemjurídica se desenvolva em bases científicase não a título de experiência ou sob impulsos emocionais. Ao introdu-zir uma nova lei no mundo jurídico, o legislador há de tê-la estudadoo suficiente, para não ser surpreendido com efeito prático indesejado.Como um jogador de xadrez, que deve calcular os diversos desdobra-mentos possíveis, que podem advir de um lance em uma partida, olegislador deve estudar a sociedade e, com a mesma prudência, lançaruma nova lei no quadro social.

19 "O Direito deve ser estável e, contudo, não pode permanecer imóvel" (Roscoe Pound,apud Benjamim N. Cardozo, A Natureza do Processn e a Evolução do Direito, Cia. EditoraNacional, São Paulo,1943, p.117).20 "No Direito a traditio e a reformatio devem ser equivalentes, como peso e contrapeso,mantendo reciprocamente o equiliôrio da balança" (Heinrich Henkel, op. cit., p. 73).

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Tanto a ordemjurídica que não se altera diante do progresso, quantoaque se transforma de maneira descontrolada, atentam contra a segurançajurídica. Para a realização deste valor, é necessária a estabilidade relativado Direito, ou seja, a evolução gradual das instituições jurídicas.

66. Princípios do Direito Aplicado

Estes princípios se referem às decisões judiciais, ao direito quedeixou de ser apenas norma geral e abstrata, para transformar-se emnorma jurídica individualizada. Entre os principais, destacamos osseguintes: prévia calculabilidade da sentenfa, firmeza juridica (res-peito à coisajulgada), uniformidade e continuidade da jurisprudência. 1. Prévia Calculabilidade da Sentenfa - As decisões judiciais eadministrativas devem assentar-se em elementos objetivos, extraídosda ordem jurídica. Os critérios aleatórios, adotados na Antigüidade ena Idade Média, são incompatíveis com a era científica do Direito. Oprincípio da prévia calculabilidade da sentença, fruto dos temposmodernos, revela que, se os fatos estão claros e definidos, se a lei estáao alcance de todos, havendo, assim, a.certeza jurídica, como em umsilogismo, as partes poderão deduzir;rantecipadamente, o conteúdo dasentença judicial. O advogado poderá orientar o seu cliente quanto àconveniência do ajuizamento de uma ação. A não prevalecer este critério,abuscadajustiça nos pretórios se assemelhará ao "processo" kafkiano,em uma aventura que provocará o desprestígio da justiça e, por extensão,de todos aqueles que participam do drama judiciário. 2. Respeito à Coisa Julgada - Dá-se a coisa julgada quando adecisão judicial é irrecorrível, não admitindo qualquer modificação.A presunção de verdade que a coisa julgada estabelece constituiprincípio de segurança jurídica. Onde a garantia da parte vencedoraem juízo se, em qualquer tempo, as decisões judiciais pudessem serreversíveis? Como se programar para o futuro com base em umasentençajudicial, se esta for passível de reforma futura? O respeito àcoisajulgada é princípio indeclinável de segurança.2'

21 Para situações extraordinárias, mediante a chamada ação rescisória, prevista no artigo485 do Código de Processo Civil, é admitida a reabertura de um processo, cuja sentençafinal haja transitado em julgado. A revisão de processos findos, com sentença

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3. Uniformidade e Continuidade Jurisprudencial - Para que hajacerteza jurídica é indispensável que a interpretação do Direito, pelostribunais, tenha um mesmo sentido e permanência. A divergênciajurisprudencial, em certo aspecto, é nociva, pois transforma a leiem Jccs Incertccm. A segurança que o Direito estabelecido podeoferecer fica anulada em face da oscilação e da descontinuidadejurisprudencial.

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário: 62 - Heinrich Henckel, Introducción a la Filosofia del Derecho; RafaelPreciado Hernandez, Lecciones de Filosofia del Derecho; Elías Díaz, Sociologia vFilosofia del Derecho; Recaséns Siches, Nueva Filosofia de la Interpretación delDerecho; 63 - José Corts Grau, Curso de Derecho Natural; Luiz Legaz y Lacambra,Filosofia del Derecho; 64 - Heinrich Henkel, op. cit.; 65 - Heinrich Henkel, op. cit.; Flóscolo da Nóbrega, Introdução ao Direito;Ángel Latorre, Introducción al Derecho; 66 - Heinrich Henkel, op. cit.; Flósçplo da Nóbrega, op. cit.

condenatória, é também possível em matéria criminal, conforme dispõem os arts. 621 eseguintes do Código de Processo Penal.

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Capítulo XIII

DIREITO E ESTADO

Sumário: 67. Considerações Prévias. 68. Conceito e Elementos do Estado. 69. Origen do Estado. 70. Fins do Estado. 71. Teorias sobre a Relaçáo� entre o Direito e o Estado. 72. Arbitrariedade e Estado de Direito.

67. Considerações Prévias

A visão do fenômeno jurídico não pode ser completa se não foracompanhada pela noção de Estado e eus fins. Entre ambos, na�expressão de Alessandro Groppali, há utna interdependência e compe-netração. O Direito emana do Estado e este é uma instituição jurídica.Da mesma forma que a sociedade depende do Direito para organizar-se,este pressupõe a existência do Poder Politico, como órgão controladorda produção jurídica e de sua aplicação. Ao mesmo tempo, a ordemjurídica impõe limites à atuação do Estado, definindo seus direitos eobrigações.' Vários elementos são comuns a ambos. Direito e Estado consti-tuem um meio ou instrumento a serviço do bem-estar da coletividade.Pelo fato de colimarem igual objetivo, Gustav Radbruch subordina o

l Alessandro Groppali faz obervações nesse sentido: "Nem o Direito é qualquer coisa Ique está por si mesmo, fora e acima do Estado, uma vez que ele representa o procedimento i i,e a forma através dos quais o Estado se organiza e dá ordens; nem o Estado, por outrolado, pode agir independentemente do Direito, porque é através do Direito que ele forma, 'manifesta e faz atuar a própria vontade" (Doutrina do E.rtado, 2" ed., trad. da 8" ed. original,Edição Saraiva, São Paulo,1952, p. 168). Idêntico é o pensamento de Heinrich Henkel:"Há uma correspondência funcional entre Direito e Estado: seu "necessitar" e "sernecessitado" rec(procos, no sentido de que s6 com sua união podem alcançar ambos aplena capacidade funcional" (op. cit., p.185).

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es úÇ o de seus fins a um mesmo enfoque.2 Ao analisar a questão dasrela ões entre o Direito e o Estado Hermann Hellerjustificou a impos-sibilidade de resolvê-la, apontando um motivo ue revela mais umaspecto comum aos dois: "Não se pode chegar em nossa época a umconceito do Direito que, pelo menos em certa medida, seja universal-mente aceito, nem tampouco se chegou a um conceito do Estado quereúna essa mesma condição."3 Em decorrência de tal particularidade, ojurista alemão resolveu adotar método idêntico para alcançar a noçãode cada um: a análise da realidade históricn-social. A estadualidade, que é a participação ou chancela do Estado, éuma nota inseparável do Direito Positivo. A única ordem de Direito ueindepende da organização política é a natc<ral, que expressa ditamespdanatureza. Tanto as leis quanto os decretos emanam de poderes consti-tuídos do Estado. Se a norma costumeira é aplicável a uma determinadarelaçãojurídica, tal fato é possível em face da permissibilidade estatal.A própria fonte negocial, que encampa a produção dos atos urídicos,possui validade porque o sistema de Direito institucionalizado peloEstado assim o admite. A participação do Estado na vida do Direito não se restringe aocontrole da elaboração das regras jurídicas. Além de zelar ela manu-tenção da orden social por seus dispo.itivos de preven ão c om o seu� �aparelho coercitivo aplica o Direito a casos concretos. Ç ,

68. Conceito e Elementos do Estado

1. Cnnceitn - O vocábulo E,stado, no sentido em que é empregadomodernamente, a nnçro politicamente orgar?izada, é de origem relati-��vamente recente, pois advém da época de Maquiavel (1469-1527), queiniciou a sua obra O Priiicipe ( 1513) com as seguintes palavras: "Todosos Estados, todos os domínios que têm havido e que há sobre os homensoram e são repúblicas ou principados."' Os gregos designavam por�olis a sua cidade-estado, termo equivalente a civitas dos romanos. Emseu Dn Espirito das Leis, Montesquieu empregou-o para designar o

? Gustav Radbruch, np, c·it., vol. I, p . 144. Hermann Hellcr, Teorin <ln F.sralo, Editora Mestre Jou, São Paulo, 196g . ZZ I�4 Nicolau Maquiavel, O Principe, Os Pensadores, Abril Cultural, São Paulo,l 973, vol.IX. p. 1 I.

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Direito Público. Atualmente, Estado é um complexo politico, social ejuridico, que envolve a administração de ccma sociedade estahelecidnem caráter permanente em um território e dotado de poder autônomo.Queiroz Lima definiu-o como "uma nação encarada sob o ponto de vistade sua organização política"5 e León Duguit considerou-o "força aserviço do Direito". �. As.investigações que a doutrina moderna desenvolve sobre oEstado caminham em três direções: a) sociológica: que analisa o Estado do ponto de vista social,abrangendo a totalidade de seus aspectos econômico, jurídico, espiri-tual, bem assim o seu processo de formação e composição étnica (objetoda Sociologia); ' b) politica: corresponde à pesquisa dos meios a serem empregadospelo Estado, para promover o bem-estar da coletividade, que é o seu Íobjetivo (objeto da Politica); c) juridica: que examina a estrutura normativa do Estado, a partirdas constituições até a legislação ordinária (objeto da Ciência doDireito). uanto à natureza do Estado, de um lado há teorias natccralistas,que consideram a organização estatal um fenômeno natural, uma de-corrência espontânea e necessária da vd'á social e, de outro lado, as�teorias da dominação, expostas sobretudo pela corrente comunista, quevê no Estado um processo artificial, útil para manter o domínio declasses. Í II

2. Elementos do Estado - É a definição do Estado que nos indicaseus três componentes essenciais: popcclação, território, soberania. Os�dois primeiros formam o elemento material e o último, o de naturezaformal. Analisemo-los de per si.:

2.1. Popcclação - Esta é o centro de vida do Estado e de suasinstituições. A organização política tem por finalidade controlar asociedade e, ao mesmo tempo, protegê-la. Conforme assinala Máynez,a população atua como objeto e como sccjeito da atividade estatal. Sob ;o primeiro aspecto, subordina-se ao império do Estado, suas leis e i

5 Eusébio de Queiroz Lima, Teorin lo Estadn, 7' ed., A Casa do Livro Ltda.. Rin de�loneiro, t953, p. 5.6 Apud Eusébio de Queiroz Lima, Tenrin do E.ctndo, cd., cit.. p. 6.

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atividades. Como sujeito, os indivíduos revelam-se como membros dacomunidade política.' Não há limite mínimo ou máximo de habitantes para a formaçãode um Estado. Alguns há que possuem um reduzido número como o deNauru que, em 1991, contava aproximadamente 9.500 habitantes, en-quanto que outros são superpovoados, cómo é o caso da China, cujapopulação já superou um bilhão de habitantes. Entre os pensadoresantigos, Platão estimou em 5,040 o número ideal de homens livres paraum determinado território; já Aristóteles pensou em uma populaçãoformada por 10.000 habitantes, excluídos os escravos, para que a polispudesse ser bem gdvernada. Rousseau também calculou em 10.000 onúmero ideal de habitantes para cada Estado. A população que vive em um Estado pode caracterizar-se comopovo ou como nação. O conceito de ambos, porém, não se confunde.Denomina-se povo aos habitantes de um território, considerados doponto de vistajurídico, como indivíduos subordinados a determinadasleis e que podem apresentar nacionalidade, religião e idéias diferentes.NaÇão é uma sociedade formada por indivíduos que se identificam poralguns elementos comuns, como a origem, língua, religião, ética,cultura, e sentem-se unidos pelas mesmas aspirações. Enquantó que opovo se forma pela simples reuniã de indivíduos que habitam a�mesma região e se sùbordinam à soberania do Estado, a nação corres-ponde a uma coletividade de indivíduos irmanados pelo sentimento deamor à pátria. Essa coesão decorre de um longo processo histórico.Conforme afirmam os autores, povo é uma entidade juridica e a naçãoé uma entidade moral.

2.2. Território- A sede do organismo estatal é constituída por seuterritório - base geográfica que se estende em uma linha horizontal desuperfície terrestre ou de água e uma vertical, que corresponde tanto àparte interior da terra e do mar quanto à do espaço aéreo." Em, relaçãoao território, também não há limite máximo ou mínimo de extensão. Háde ser o suficiente, porém, para que a sua população possa viver e extrairda natureza os recursos necessários à sua sobrevivência. Cada Estado

7 Eduardo García Máynez, op. cit., p. I01.8 Segundo García Máynez: "Em realidade trata-se de um espaço tridimensional ou,como diz Kelsen, de corpos cônicos cujos vértices consideram-se situados no centro doglobo", op. cir., p. 100.

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possui demarcado o seu limite territorial, por suas fronteiras. Dentrode sua base geográfica, o Estado exerce a sua soberania. Conforme expõe Jellinek, o significado do território revela-se pordupla forma: negativa e positiva. A primeira manifesta o aspecto de queé vedado a qualquer outro Estado exercer a sua autoridade nessa área;a positiva expressa que todos os indivíduos que se acham em umterritório estão sob o império do Estado.y Segundo Eduardo García Máynez, o território possui dois atribu-tos, do ponto de vista normativo: impenetrabilidade e indivisibilidade.0 primeiro significa que em um território só pode haver um Estado eo segundo quer dizer que, da mesma forma que o Estado, enquantopessoa jurídica, não pode ser dividido, seus elementos também serãoindivisíveis. "'

2.3. Soberania - É o necessário poder de autodeterminação doEstado. Expressa o poder de livre administração interna de seus negó-cios. É a maior força do Estado, a scrmtna potestas, pela qual dispõe�sobre a organização política, social e jurídica, aplicável em seu territó-rio. No plano externo, a soberania significa a independência do Estadoem relação aos demais; a inexistência do nexo de subordinação àvontade de outros organismos estatais. Istp pão quer dizer, porém, queo Estado não se acha condicionado a uma ordem jurídica internacional.0 Direito Internacional Público, que disciplina as relações jurídicasentre Estados soberanos e entidades análogas, estabelece princípios enormas para o convívio internacional, que devem ser acatados pelosmembros da comunidade internacional. Como atributo fundamental, a soberania é ctna e indivisivel; opoder de administração não pode ser compartido. Aristóteles, em 'ÁPolitica ", já havia declarado esta característica·: "a soberania é una eindivisível - ut omnes partem hnbeant in principatu, nom ctt singcdi,sed ut universi "." Com muita ênfase, João Mendes de Almeida Júniorcoloca em destaque esse predicado: "Não há duas soberanias, nem meiasoberania. A soberania é uma força simples, infracionávél; ou existetoda ou não existe."'2

9 Apud Eduardo García Máynez, op. cit., p. 98.10 Op. cit., P· 100. ;ll Apud loão Mendes de Almeida Júnior, Nç·ne.s Ontológicas de Estndo, Soberania,��Fundação, Federnç·ão, Autanomia, Edição Saraiva, São Paulo,1960, p. 63.I2 Jo3o Mendcs de Almeida Júnior, np. cit., p. 65.

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Certos autores predicam à soberania um poder ilimitado ou ilimi-tável. Tal qualidade não pode ser aceita em face das conseqüênciaslógicas que apresenta. A ausência de limites à situação do Estadoequivaleria a um retorno à cidade antiga, em que os indivíduos erampropriedades do Estado. O poder estatal há de ser amplo, mas respeita-dos os parâmetros necessários à proteção aos direitos humanos e aoreconhecimento dos direitos dos demais Estados que integram a comu-nidade internacional. Tal atributo seria inconciliável à idéia do Estadode Direito. Alguns autores analisam a soberania sob o ponto de vista de suatitularidade, afirmando que a questão apresenta variações no tempo eespaço. Assim é que, nos Estados absolutistas, o seu titular seria omonarca; em outros regimes, como o aristocrata, a soberania estariacentraliada em um grupo; e nos Estados constitucionais, regidos pela� �democracia, o povo seria o seu titular. A questão parece-nos malcolocada, porque.. a soberania é sempre do Estado, é atributo seu, quepode ser controlado, exercitado, sob formas diversas, variáveis deacordo com as épocas e lugares.

69. Origem do Estado .r

A questão da origem do Estado acha-se. envolvida por uma névoade incerteza, que gera, na doutrina, uma pluralidade de opiniões, quese guiam mais por motivos instintivos ou lógicos do que por razõeshistóricas propriamente. A orientação religiosa, apresentada por SãoPaulo, é no sentido de que todo poder emana de Deus e o Estadodecorre de uma intencionalidade divina. Esta teoria situa-se apenas noplano de fé e, por carecer de elementos fatuais ou científicos, nãoesclarece a gênese do organismo estatal.

1. Teoria do Contrato Social - Esta concepção não surgiu como objetivo de apresentar uma explicação histórica para a formação doEstado, mas para esclarecer a sua fundação racional. Foi divulgadaprincipalmente pelos adeptos da Escola de Direito Natural e suasraízes se localizam na filosofia epicurista. O contrato social é uma idéia ligada ao estado de natureza.Quando os homens passaram do status naturae para o status societatis,teria havido um pacto de harmonia (pactccm unionis), por força do qual

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se obrigariam a viver pacificamente. Concomitantemente, ou em umsegundo momento, o povo, criado pelo pactum unionis, firma um outrocontrato, o pactum subjectionis, em virtude do qual os homens emsociedade se submetiam a um governo por eles escolhido. Essa doutrina, conforme acentua Del Vecchio, tem mais a finali-dade de mostrar como o poder político emana do povo e reivindicarpara este o direito soberano. Foi Rousseau quem apresentou e analisouo contrato social apenas como fator explicativo e não como um fatohistoricamente havido.'3

2. Teoria Patriarcal - A presente teoria teve em Sumner Maine(1822-1888) o seu principal expositor, que a desenvolveu em sua obraAs Instituições Primitivas. A idéia básica desta concepção é a de que,no passado mais remoto, a única organização social que existia erarepresentada pelas famílias separadas. Em cada um desses núcleos,formados pela agrupação de consangüíneos, a autoridade competia aoascendente varão mais antigo, que possuía um poder absoluto sobre avida e a morte de seus integrantes. Quanto à descendência, esta sedefinia pela linha masculina, a partir de um antepassado varão. Segundoa teoria patriarcalista, a evolução que a seguir se processou teve asseguintes etapas: família patriarcal, ggns, tribo, cidade, Estado. Mainefundou o seu estudo em pesquisas que encetou sobre a organização dealguns povos antigos, entre os quais o hindu, grego, romano, germanoetc.

3. Teoria Matriarcal - Para o matriarcalismo, a vida humana sedesenvolveu, primeiramente, pela liorda, em que os indivíduos eramnômades e não possuíam normas definidas. Nessa fase não havia sequera noção de família ou de parentesco. A promiscuidade sexual eraabsoluta (eterismo). Tal hipótese foi formulada por Bachofen, em suaobra 0 Direito Materno ( 1861 ). Para o matriarcado, que teve em LewisMorgan ( 1818-1881 ) o seu principal expositor, por sua obra A Socie-dade Prin2itiva ( 1871 ), a filiação feminina antecedeu à masculina e achefia da família competia à mãe, enquanto que o pai, ou não era

13 Em Leviatf, Hobbes sintetiza o fenômeno do contrato social: "Cedo e transfiro meu�direito de governar-me a mim mesmo a estc homem, ou a esta assembléia de homens, coma condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas astuas açóes. Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latimcieitns." (op. cit., p. 109).

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membro da família, ou ocupava uma posição subordinada (periodo dodireito das mães). Apenas em uma etapa mais adiantada é que a famíliateria se organizado com a preeminência do pai.

4. Teoria Sociológica - Entre os adeptos da presente teoria,destaca-se o nome do eminente sociólogo francês Émile Durkheim(1858-1917) que, em sua obra Formas Elementares da Vida Religiosa(1912), sutentou a idéia de que os primeiros grupos não foram consti-tuídos pela família, mas pelo clã, constituído não por vínculos deparentesco, mas pela identidade de crença religiosa. Os membros doclã acreditavam na existência do totem, que seria o antepassadomístico do qual eram descendentes. O Estado teria surgido comodecorrência da evolução da organização clânica para a territorial, emque.os laços espirituais já não decorriam do totemismo, mas do fatode ocuparem uma igual área geográfica.

70. Fins do Estado

I. As Três ConcepÇões - O fim.a ser alcançado pelo Estado, nagestão dos interesses sociais, pode ser inspirado por filosofias distin-tas, em que se apresentam duas posições radicais:" uma que situa oindivíduo em primeiro plano e outra que se caracteriza pelo pensamen-to coletivista. Nesse processo dialético, a síntese se apresenta por umacorrente de natureza eclética, que zela pela convivência dos valoresindividualistas e coletivistas. Gustav Radbruch estudou essa questãoapresentando as três concepções sob as denominações: individcralista,supra-individualista e transpersonalista, a seguir analisadas.

2. Concepão Individuali.rta - O individualismo é impregnado�pelo pensamento liberal, da máxima liberdade dos indivíduos e damínima intervenção do Estado. Esta filosofia se projeta no campopolítico, jurídico, econômico. Seus adeptos entendem que o Direito eo Estado são apenas instrumentos para o bem-estar dos indivíduos. Estaconcepção deu os seus primeiros passos já na Idade Média, com afamosa Carta Magna, promulgada em 1215, pelo rei João Sem Terra ,ue atendeu a uma série de reivindicações dos senhores barões. A teoriado contrato social surgiu diante da necessidade de se estabeleceremlimites à ação do Estado. Igual foi o objetivo pelo qual Cristiano

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Tomásio, em 1705, fixou a distinção entre o campo do Direito e o daMoral. Ao Estado competia apenas disciplinar o forum externum dosindivíduos e não o forum internum, que seria um setor exclusioda� �Moral. As revoluções inglesa ( 1688), americana ( 1774) e francesa ( 1789)revelaram já o enfraquecimento da onipotência do Estado, em favor dopensamento liberal. Kant limitou a função do poder eslatal à atividadede naturezajurídica; como guardião do Direito. Seria apenas um Estado I4Jurídico, em função da segurança jurídica. No campo econômico, conforme analisa Del Vecchio, o libera-lismo individualista exerceu poderosa influência no sentido de impedir ,.a intervenção estatal, em favor das chamadas leis naturais da oferta eda procura. As afirmações individualistas foram sintetizadas por JoãoMendes de Almeida Júnior: "1o) Sempre que o direito individualestiver em oposição ao interesse social, prevalece o direito individual;2o) 0 Estado deve ser, tanto quanto possível, um simples mantenedordo interesse social, sem iniciativa, sem ação integral e até mesmo semação conservadora, nem fiscalizadora."'5 Os defensores dessa concep-ção pensam que, uma vez atendidos os interesses individuais, ipso ,facto, as necessidades coletivas estarão satisfeitas.' �

3. A ConcepÇão Supra-Individualista - Esta teoria, denominadatambém por intervencionista, é uma exaltação aos valores coletivistas,em oposição aos valores do individualismo. Em algumas épocas ocaráter intervencionista do Estado esteve a serviço de seu própriofortalecimento e não com o objetivo de promover diretamente o bem-estar da coletividade. Fustel de Coulanges, sobre o poder sem Iimitesdo Estado antigo, dá o seu depoimento: "Nada no homem havia deIndependente. O seu corpo pertencia ao Estado e estava voltado à sua rdéfesa... Os seus haveres estavam sempre à disposição do Estado... O i�Estado tinha o direito de não permitir cidadãos disformes óu monstruo-

I4 A expressão utilizada por Kant foi E.ctndn de Direitn, cujo sentido atual é diverso doempregado pelo famoso filósofo alemão.IS loão Mendes de Almeida Júnior, up. cit., p. 38.I6 0 pensamento expresso por Schiller dá bem a medida dessa concepção: "tudo deveser sacrificado ao interesse do Estado, menos aquilo a que o Estado serve já de meio. OEstado em si mesmo não é um fim. É apenas condição para atingir os fins da humanidade,e estes não podem consistir senão no desenvolvimento harmônico de todas as forças dohomem." Apud Gustav Radbruch, nx cit., vol 1. p. 150.�

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sos... O Estado considerava o corpo e a alma de cada cidadão como suapertença..."" Para Fustel de Coulanges a grande força do Estado decor-ria do fato de ter sido gerado pela Religião. O Estado protegia aReligião e esta o apoiava, formando assim um petitio principü. Omesmo autor cita um texto de Platão, em que o filósofo grego admitea onipotência do Estado: "Os pais não devem ter a liberdade deenviar ou deixar de enviar os seus filhos aos mestres pela cidadeescolhidos, porque estas crianças pertencem menos a seus pais do queà cidade."'x Uma revivescência, mais trágica ainda, dessa concepção de Es-tado, foi dramatizada por Hitler e Mussolini, em pleno séc. XX. Oprimeiro afirmou: "O dogma da liberdade não valerá um vintém no diaem que organizarmos verdadeiramente a nossa nação"; e o segundodeclarou: "Para o fascista tudo se acha no Estado, nada humano nemespiritual existe fora dele." Como pensamento filosófico e científico, o coletivismo começoua surgir durante a Idade Moderna, com a atribuição ao organismoestatal de outras funções, como a sugerida pela fórmula Estado-de-Cultura (Kultirstaat). No setor econômico surgiu a Escofa do Socin-�lismo-Catedrritico, que preconizava a intervenção do Estado no setorda economia. No âmbito do Direitorã ação coletivista atuou principal-mente para o enfraquecimento do principio da autonomia da vontade.Quando em uma sociedade predomina a concepção coletivista, dizMiguel Reale, a interpretação do Direito é dirigida "no sentido dalimitação da liberdade em favor da igualdade"." Sobre as afirmaçõescoletivistas, João Mendes de Almeida Júnior apresenta também umasíntese: "lo) que a vida social é naturalmente necessária à conservaçãoe aperfeiçoamento do indivíduo e que, mesmo no interesse do indiví- .duo, o direito individual deve sempre ceder ao interesse social; 2o) quea ação do Estado deve ser integral ou, pelo menos, conservadora, emrelação às necessidades econômicas da sociedade e fiscalizadora, emrelação aos direitos individuais; 3o) que, em relação às necessidadeseconômicas da sociedade, a ação do Estado deve ser não de conserva-ção e de aperfeiçoamento, mas de iniciativa e integral..."z"

17 Fustel de Coulanges, op. eit.. vol. I, p. 348 e segs.18 Apud Fustel de Coulanges, op. cit.. vol. I, p. 351.I9 Miguel Reale, Filnsoia do Direito, np. cit.. vol.1, p. 253.�20 loão Mendes de Almeida lúnior, up.. c·it.. p. 38.

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4. Concepfão Transpersonalista - Esta doutrina pretende a sínte-se integradora entre as duas correntes opostas, aproveitando os elemen-tos conciliáveis existentes no individualismo e coletivismo. Tanto osvalores individuais como os coletivistas devem subordinar-se aos va-lores da cultura. A, opção entre um valor e outro, quando se revelaminconciliáveis, deve ser feita de acordo com a natureza do fato concretoe em função dos prìncípios de justiça, de tal sorte que o indivíduo nãQseja esmagado pelo todo, nem que a coletividade seja prejudicada peloscaprichos individualistas.

71. Teorias sobre a Relação entre o Direito e o Estado

A análise do presente tema já deixou patenteada a ampla conexãoexistente entre o Direito e o Estado. Urge, agora, se estabelecer o níveldesse relacionamento. A doutrina registra três concepções básicas:dualistica, monistica e a do parnlelismo. Para a teoria dccalistica, Direito e Estado constituem duas ordensinteiramente distintas e estão, um para o outro, como dois mundos quese ignoram. O absurdo desta concepção salta aos olhos. O Estado, alémde ser uma instituição social, é uma essoa jurídica, é portador de�direitos e deveres. O Direito, para obter ampla efetividade, pressupõea açâo estatal. A teoria inonistica sustenta a opinião de que Direito e Estadoconstituem uma só entidade. Kelsen é o seu principal defensor. OEstado não é mais do que a personalização de uma ordemjurídica. Paraele, Direito e Estado sunt ccnccm et idem. Entre os adeptos desta concep-ção, alguns admitem que o Estado é um pricrs em relação ao Direito,enquanto outros o consideram um postericcs. Há um consenso amplo,contudo, de que o Direito, historicamente, antecedeu ao aparecimentodo Estado. A teoria do paralelismo, ditada pelo bom senso, afirma queDireito e Estado são entidades distintas, mas que se acham interligadase em regime de mútua dependência.

72. Arbitrariedade e Estado dc Direito

l. Arbitrariedade - O conceito de arbitrariedade decorre de umainferência do sistema de legalidade do Estado. Arbitrariedade é condcta�

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antijuridica praticada por órgãos da administraÇão pública e violado-ra de formas do Direito. Arbitrariedade e Direito são idéias antitéticas,inconciliáveis. O que caracteriza propriamente a arbitrariedade é o fatode uma ação violar a ordem jurídica vigente, com desatenção às formasjurídicas. Pode ser praticada mediante uma ação, quando o poderpúblico, por exemplo, exorbita a sua competência, ou por omissão, quepode ocorrer na hipótese de um órgão administrativo negar-se à práticade um ato para o qual é competente. Consoante ressalta Júlio O.Chiappini, a violação do Direito pode alcançar tanto o aspecto de formaquanto o de conteúdo e ambas hipóteses caracterizam a infração jurí-dica; todavia, arbitrariedade haverá apenas quando houver ataque àsformas.2' Isto se passa, por exemplo, quando o executivo não respeitaa sua faixa de competência e dispõe sobre assunto afeto à órbita dolegislativo; quando o executivo pratica ato judicante e transgride aordem constitucional; quando o legislativo aprova uma lei sem respeitaro quorum exigido. O conceito de arbitrariedade independe, pois, dovalorjustiça. Ela pode serjusta ou injusta. O que não é possível é haveruma arbitrariedade legal.zz Conforme, ainda, o ilustre jurista argentinoJulio O. Chiappini "hablar de un Derecho arbitrario, incluso, es caer enuna contradictio in adjectio". Entre os meios preconizado para o combate à arbitrariedade,�apontam-se os seguintes: a) eliminação do arbítrio judicial, negando-seao Poder Judiciário a possibilidade de criar o Direito; b) o controlejurídico dos atos administrativos, pela instauração de uma justiçaespecializada; c) o controle da constitucionalidade das leis.

2. Estado de Direito - O fundamental à caracterização do Estadode Direito é a proteção efetiva aos chamados direitos humanos. Para -� �

21 In Anuário no 1 dn Fncultad de Der-echn y Ciencias Socinle.s de la Pnntificia U.Católica Argentinn - Rosário,1979, p. 87.22 Na opinião de Recaséns Siches, nem todo ato ilegal praticado pelo poder públicoconfigura arbitrariedade. É indispensável que o ato antijurídico seja inapelável e emane,conseguintemente, de quem dispõe do supremu poder .socin! e(etivn. Se o ato praticadofor retificável por instância superior ou emanar de particular. não haverá arbitrariedadeno sentido rigoroso do termo, mas um ato ilegal ou errôneo (In Introducción al Esnidiodel Derechn, ed. cit., p. 107). No mesmo sentido expõe Juan Manuel Teran: "...um atoantijurídico ou ilegal é susceptível de reparação, mas um ato arbitrário é impossível quepossa ser reparado dentro da ordem jurídica estabelecida... só pode incorrer emarbitrariedade a autoridade que tenha a máxima potestade, colocando-se acima do Direito."(Filosojia del Derecho, Editorial Porrua S.A., México,1952, p. 72).

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que esse objetivo seja alcançado é necessário que o Estado se estruturede acordo com o clássico modelo dos poderes independentes e harmô-nicos; que a ordem jurídica seja um todo coerente e bem definido; queo Estado se apresente não apenas como poder sancionador, mas comopessoa jurídica portadora de obrigações. A plenitude do Estado deDireito pressupõe, enfim, a participação do povo na administraçãopública, pela escolha de seus legítimos representantes. Goffredo TellesJúnior identifica o Estado de Direito por três notas principais: "por serobediente ao Direito; por ser guardião dos direitos; e por ser abertopara as conquistas da cultura jttridica ".2' A elaboração do conceito de Estado de Direito mediante a indica-ção de caracteres foi considerada por Ulrich Klug uma tarefa plena dedificuldades. Em seu lugar, o jurista alemão adotou o método dedelimitação negativa, recorrendo ao modelo de pensamento que deno-mina por máxitna de controle: não haverá Estado de Direito quandouma pessoa puder exercer sobre outra um poder incontrolado.z4

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Srrrnário: 67-Giorgio del Vecchio, Lições de Filosofin do Direito, vol. I1; 68-Eduardo García Máynez, Introdrrcción al Estudio del Derecho; AlessandroGroppali, Doutriua do Estado; Darcy Azambuja, Tcoria Gernl do Estado; Icílio Vanni,�lições de Filosofia do Direito; João Mendes de Almeida 7únior, Noções Ontológicnsde Estado, Soberarria, Fundaçâo, Federação, Aulononria; 69-Abelardo Torré, Introducciórr al Derecho; Federico Torres Lacroze, Marrunlde Introducción al Derecho; 70-Gustav Radbruch, Filosofia do Direito, vol. II; Miguel Reale, Filosofia doDireito, vol. I; Giorgio del Vecchio, op. cit.; Alessandro Groppali, op. cit.; 71- Alessandro Groppali, op. cit.; 72 - Luis Legaz y Lacambra, Filosofia del Dereclro.

23 In Carta aos Brasileiros", Jnrnal do Br-nsil, ed. de 08.08.77, lo caderno, p. 5.24 Cf. Probtemas de Filosofin del Der-echo, Editoríal SUR, S.A., Buenos Aires,1966,p. 28.

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Quarta Parte

FONTES DO DIREITO

Capítulo XIV

A LEI

Sumário: 73. Fontes do Direito. 74. Coi ceito de Gei. 75. Formação da Lei. 76. Obrigatoriednde da Lei. 77. Aplicnção da Lei.

73. Fontes do Direito

1. Aspectos Gerais - A doutrina jurídica não se apresenta uni-forme quanto ao estudo das fontes do Direito. Entre os cultores daCiência do Direito, há uma grande diversidade de opiniões quanto aopresente tema, principalmente em relação ao elenco das fontes. Estapalavra provém do latim, fons, fontis e significa nascente de água. No ;âmbito de nossa Ciência é empregada como metáfora, confnrme obser-va Du Pasquier, pois "remontar à fonte de um rio é buscar o lugar deonde as suas águas saem da terra; do mesmo modo, inquirir sobre afonte de uma regra jurídica é buscar o ponto pelo qual sai das profun-didades da vida social para aparecer na superfície do Direito".' Distin-

I Apud Hilbner Gallo, Indroduccicírrnl Dereebo. Editorial lurídica de Chile, Santiagode Chile,1966, p. l80.

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guimos três espécies de fontes do Direito: históricas, materiais eformais.

2. Fontes Históricas - Apesar de o Direito ser um produto cam-biante no tempo e no espaço, contém muitas idéias permanentes, quese conservam presentes na ordem jurídica. A evolução dos costumes eo progresso induzem o legislador a criar novas formas de aplicação paraesses princípios. As fontes históricas do Direito indicam a gênese dasmodernas instituições jurídicas: a época, local, as razões que determi-naram a sua formação. A pesquisa pode limitar-se aos antecedenteshistóricos mais recentes ou se aprofundar no passado, na busca dasconcepções originais. Esta ordem de estudo é significativa não apenaspara a memorização do Direito, mas também para a melhor compreen-são dos quadros normativos atuais. No setor da intepretação do Direito,onde o fundamental é captar-se a finalidade de um instituto jurídico,sua essência e valores capitais, a utilidade dessa espécie de fonterevela-se com toda evidência. A Dogmática Jurídica, que desenvolve o seu estudo em função doordenamento jurídico vigente, com o objetivo de revelar o conteúdoatual do Direito, para proporcionar: um conhecimento pleno, devebuscar subsídios nas fontes histórias pois, conforme anota Sternberg,�"aquele que quisesse realizar o Direito sem a História não seriajurista,nem sequer um utopista, não traria à vida nenhum espírito de ordena-mento social consciente, senão mera desordem e destruições".` Nessaperspectiva de análise, o retorno aos estudos do Direito Romano, fontedo Direito ocidental, torna-se imperativo.

3. Fontes Materiais - O Direito não é um produto arbitrário davontade do legislador, mas uma criação que se lastreia no querer social.É a sociedade, como centro de relações de vida, como sede de aconte-cimentos que envolvem o homem, quem fornece ao legislador oselementos necessários à formação dos estatutos jurídicos. Como causaprodutora do Direito, as fontes materiais são constituídas pelos fatossociais, pelos problemas que emergem na sociedade e que são condi-cionados pelos chamados fatores do Direito, como a Moral, a Econo-

2 Apud Limongi França, Fnrmns e Aplicaçãn do Direito Pn.citivo, Editora Revista dosTribunais Ltda., São Paulo, l Só9, p. 29.

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mia, a Geografia etc. Hübner Gallo divide as fontes materiais em�diretas e indiretas: Estas são identificadas com os fatores jurídicos,enquanto que as fontes diretas são representadas pelos órgãos elabora-dores do Direito Positivo, como a sociedade, que cria o Direito consue-tudinário, o Poder Legislativo, que constrói as leis, e o Judiciário, queproduz a jurisprudência. �

4. Fontes Formais - O Direito Positivo apresenta-se aos seusdestinatários por diversas formas de expressão, notadamente pela lei ecostume. Fontes formais são os meios de expressão do Direito, asformas pelas quais as normas jurídicas se exteriorizam, tornam-seconhecidas. Para que um processo jurídico constitua fonte formal énecessário que tenha o poder de criar o Direito. Em que consiste o atode criação do Direito? - Criar o Direito significa introduzir no ordena- Imento juridico novas normas jurídicas. Quais são os órgãos que pos-suem essa capacidade de criar regras de conduta social? - O elenco dasfontes formais varia de acordo com os sistemas jurídicos e também emrazão das diferentes fases históricas. Na terminologia adotada pelosautores, embora sem uniformidade, há a distinção entre as chamadasfontes direta e indireta do Direito. Aquela é tratada aqui por fónteformal, enquanto que a indireta não cria a,norma, mas fornece ao juristasubsídios ara o encontro desta, como a situação da doutrinajurídica� Pem geral e da jurisprudência em nosso país (v. 94, in fine).� Para os países que seguem a tradição romano-germânica, como o IBrasil, a principal forma de erpressão é o Direito escrito, que semanifesta por leis e códigos, enquanto que o costume figura como fontecomplementar. Ajurisprudência, que se forma pelo conjunto uniformede decisões judiciais sobre determinada indagação jurídica, não cons-titui uma fonte formal, pois a sua função não é a de gerar normasjurídicas, apenas a de interpretar o Direito à luz dos casos concretos.

3 0 estudo das fontes divide a opinião dos juristas a tal ponto que encontramoscolocações diametralmente opostas, como as de Miguel Reale e Paulo Dourado deGusmão. Para o autor da Teoria Tridimensional do Direito, a expressão fonte material éimprópria, pois "não é outra coisa senão o estudo filosófico ou sociológico dos motivoséticos ou dos fatos que condicionam o aparecimento e as transformações das regras doDireito" (Lições Preliminar-e.s de Direito, ed. cit, p. 140). De outro lado, Paulo Douradode Gusmão assinala que "no sentido próprio de fontes, as únicas fontes do Direito são asmateriais, pois fonte, como metáfora, significa de onde o Direito provém" (op. cit., p.127).4 Hbner Gallo, oP. cit., p. 180.�

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A doutrina moderna tem admitido que os atos jurídicos que nãose limitam à aplicação das normas jurídicas e criam efetivamente regrasde Direito objetivo constituem fontes formais. Duguit denominou atos-regras às diferentes espécies de atos jurídicos que, apesar de nãopossuírem generalidade, atingem a um contigente de indivíduos, de quesão exemplos os estatutos de entidade, consórcios, contratos particu-lares e públicos. A doutrina tradicional, contudo, não admite essacategoria de fonte formal sob o fundamento de que suas normas nãopossuem generalidade. O argumento é falho, de vez que há leis que nãosão gerais; por outro lado, há atos-regras que possuem amplo alcance,como ocorre, por exemplo, com os contratos coletivos de trabalhofirmados por sindicatos. As diferentes categorias de fontes formais que indicamos revelamuma origem própria. Consoante a lição de Miguel Reale, toda fontepressupõe uma estrutura de poder. A lei é emanação do Poder Legis-lativo; o costume é a expressão do poder social; a sentença, ato do PoderJudiciário os atos-regras, que denomina por fonte negocial, são mani-�festações do poder negocial ou da acetonomia da vontade.5 No sistema do Common Law, adotado pela Inglaterra e Estados quereceberam a influência do seu Direito, a forma mais comum de expressãodeste é a dos precedentes judiciais. A cada dia que passa, porém, avolu-mam-se as leis nesses países, com a circtznstância de que, na hierarquiadas fontes, a lei possui o primado sobré os precedentes judiciais.

74. Conceito de Lei

1. ConsideraFões Prévias - A lei é a forma moderna de produçãodo Direito Positivo. É ato do Poder Legislativo, que estabelece normasde acordo com os interesses sociais. Não constitui, como outrora, aexpressão de uma vontade individual (L'État c'est moi), pois traduz asaspirações coletivas. Apesar de uma elaboração intelectual que exigetécnica específica, não tem por base os artifícios da razão, pois seestrutura na realidade social. A sua fonte material é representada pelospróprios fatos e valores que a sociedade oferece. É por esta forma de expressão que a Ciência do Direito poderáaperfeiçoar as instituições jurídicas. Como obra humana, o processolegislativo apresenta pontos vulneráveis e críticos. Hervarth indica dois

5 Miguel Reale, Lições Preliminares cle Direito, ed. cit., p. 141.

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aspectos negativos das leis, como fatores da crise do Direito escrito: a)o deeretismo, isto é, excesso de leis; b) vicios do parlamentarismo, devez que o legislativo se perde em discussões inúteis, sem atender àsexigências dos tempos modernos. Para superar as deficiências que esse�processo apresenta, a corrente do Direito Livre reivindicou valor ape-nas relativo para as leis, enquanto que alguns juristas pretenderam a suasubstituição pelo Direito científico, a cargo da doutrina, e outros peloDireito Judicial. Se há defeitos na produção do Direito mediante leis, as falhasseriam maiores se consagrado o Direito Livre ou o decisionismo. Comoas deficiências apontadas não são imanentes ao processo legislativo,podem ser suprimidas mediante a racionalização de suas causas e pelaação positiva do homo juridicus. As vantagens que a lei oferece doponto de vista da segurança jurídica fazem tolerável um coeficientemínimo de distorções na elaboração do Direito objetivo.

2. Etimologia do vocábulo Lei - A origem da palavra lei ainda nãofoi devidamente esclarecida. As opiniões se dividem, recaindo aspreferências nos seguintes verbos: legere (ler); ligare (Iigar); eligere(escolher). Para cada uma das versões há uma explicação pertinente.Em legere, porque os antigos tinham o cpstume de se reunir em praçapública, local em que se afixavam cépias das leis, para a leitura ecomentário dos novos atos. Em ligare, por força da bilateralidade danormajurídica, que vincula, liga, duas ou mais pessoas, a uma impondoo dever e à outra atribuindo poder. Finalmente, em eligere, porque olegislador escolhe, entre as diversas proposições normativas possíveis,uma para ser a lei. Segundo Cícero, a origem da palavra provém desteúltimo verbo: "Julgam que esta lei deriva seu nome grego da idéia de .dar a cada um o que é seu, e eu julgo que o nome latino está vinculadoà idéia de escolher, pois, sob a palavra lei eles apresentam um conceitode eqüidade e nós um conceito de escolha, e ambos são atributos Iverdadeiros da 1ei". Para Tomás de Aquino "lei vern de ligar, porque�obriga a agir". Na opinião de Isidoro de Sevilha "tz lei é assim chamada i�do verbo ler e está escrita".'

6 Apud Lino Rodriguez-Arias Bustamante, Ciencia Filnsnfia del Dererhn, la ed.,��Ediciones Jurídicas Europa-América, Buenos Aires, 1961, p. 556.7 Cícero, op. cit., p. 40.8 Suma Teológica, trad. de Alexandre Correa, 2a ed., EST-Sulina-UCS, Porto Alegre,1980, vol. IV, p.1.732. '9 /n Etimol. (cap. X) apud Tomás de Aquino, op. cit., vol. IV, p. I .736.�

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3. Lei em Sentido Amplo - Em sentido amplo, emprega-se ovocábulo lei para indicar o jus scriptum. É uma referência genérica queatinge à lei propriamente, à medida provisória e ao decreto."' Criadapela Constituição Federal de 1988, a medida provisória é ato decompetência do presidente da República, que poderá editá-la na hipó-tese de relevância e urgência. Tanto quanto o decreto-lei, a quemsubstitui em nosso ordenamento, possui forma de decreto e conteúdode lei. Uma vez editada deve ser submetida imediatamente à apreciaçãodo Congresso Nacional. Caso não logre a conversão em lei dentro doprazo de trinta dias da publicação, a medida provisória perderá seucaráter obrigatório," com efeitos retroativos ao início de sua vigência.Ocorrendo esta hipótese, o Congresso Nacional deverá disciplinar asrelações sociais afetadas pelas medidas provisórias rejeitadas. Os atos normais de competência do Chefe do Executivo - Presi-dente da República, Governador de Estado, Prefeito Municipal -, sãobaixados mediante simples decretos. A validade destes não exige oreferendo do Poder Legislativo. Entre as diversas espécies de decretos,há os autônomos e os regulamentares. Os primeiros são editados narotina da função administrativa, sobre as matérias definidas na Consti-tuição Federal, nas constituições estaduais e em leis que organizam avida dos municípios. Os decretos regnlamentares complementam asleis, dando-Ihes a forma prática com que deverão ser aplicadas. Oregulamento não pode introduzir novos direitos e deveres; deve limi-tar-se a estabelecer os critérios de execução da lei.

4. Lei em Sentido Estrito - Neste sentido, lei é o preceito comccme obrigatório, emanado do Poder Legislativo, no âmbito de sua com-petência. A lei possui duas ordens de caracteres: substanciais e formais.1 o) Caracteres Substanciais - Como a lei agrupa normas jurídicas, háde reunir também os caracteres básicos destas: generalidade, abstrati-vidade, bilateralidade, imperatividade, coercibilidade. É iadispensávelainda que o conteúdo de lei expresse o bem comum. 2o) CaracteresFormais - Sob o aspecto de forma, a lei deve ser: esctita, emanada do

10 Hésio Fernandes Pinheiro critica o uso do vocábulo lei em sentido amplo. "A palavralci, como expressão genérica e ampla, não deve ser empregada. Lei será quando o ato for,de fato, uma lei; Decreto-Lei quando for decreto-lei; Decreto quando for decreto..."(Ticnica Legislativa, 2' ed., Livraria Freitas Bastos S.A., Rio de Janeiro,1962, p. 218).11 O texto constitucional, pelo parágrafo único do art. 62, equivocadamente, refere-se àperda de eficácia.

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Poder Legislativo em processo de formação regular, promulgada epubticada. Os romanos a definiram como !ex est quod populus atque consti-tuit (lei é o que o povo ordena e constitui) e lex est commune praeceptum(lei é o preceito comum). Para Tomás de Aquino, "é preceito racionalorientado para o bem comum e promulgado por quem tem a seu cargoos cuidados da comunidade". Crisipo, o estóico, colocou-a no mais altopedestal, afirmando que "é a rainha de todas as coisas, divinas ehumanas, critério do justo e do injusto, preceptora do que se deve fazere proibidora do que se não deve fazer". As virtudes da Iei foramdiscriminadas por Isidoro de Sevilha: "a lei há de ser honesta, justa,possível, adequada à natureza e aos costumes, conveniente no tempo,necessária, proveitosa e clara, sem obscuridade que ocasione dúvida, eestatuída para utilidade comum dos cidadãos e não para benefícioparticular." (Etimologias, V, 21.)'2 Esta definição, na verdade, constituium esquema de uma Filosofia do Direito. A já citada definição formu-lada por Montesquieu: "a relação necessária, derivada da natureza dascoisas", na opinião de alguns, é aplicável apenas às leis da natureza,mas na realidade é de caráter genérico, alcança a lei jurídica e lhe dáforo de cientificidade.

5. Lei em Sentido Formal e em SQntido Formal-Material - Emsentido formal, lei é aquela que atende apenas aos requisitos de forma(processo regular de formação, poder competente), faltando-lhe pelomenos alguma característica de conteúdo, como a generalidade, ou pornão possuir sanção ou carecer de substância júrídica. A aprovação, pelaassembléia da Revolução Francesa, da lei que declarava a existência deDeus e a imortalidade da alma é exemplo claro de lei apenas em sentidoformal. Em sentido formal-material, a lei, além de atender os requisitosde forma, possui conteúdo próprio do Direito, reunindo todos os carac-teres substanciais e formais.

6. Lei Suhstantiva e Lei Adjetiva - Lei substantiva ou material éaque reúne normas de cond,,ta socia? que definem os direitos e deveres�das pessoas, em suas relações de vida. As leis relativas ao Direito Civil,Penal, Comercial, normalmente são dessa natureza. Lei adjetiva ouformal consiste em um agrupamento de regras que definem os proce-

12 Apud Mouchet e Becu, op. cit., p. 192.

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dimentos a serem cumpridos no andamento das questões forenses.Exemplos: leis sobre Direito Processual Civil, Direito Processual Pe-nal. As leis que reúnem normas substantivas e adjetivas são denomina-das institcitos unos. Exemplo: Lei de -Falências. A lei substantiva é,naturalmente, a lei principal, que deve ser conhecida por todos, enquan-to que a adjetiva é de natureza apenas instrumental e o seu conhecimen-to é necessário somente àqueles que participam nas ações judiciais:advogados, juízes, promotores.

7. Leis de Ordem Pciblica - A lei de ordem pública, ao contráriodas que integram a orderri privada, reúne preceitos de importânciafundamental ao equilíbrio e à segurança da sociedade, pois disciplinaos fatos de maior relevo ao bem-estar da coletividade. Por tutelar osinteresses fundamentais da sociedade, prevalece independentemente davontade das pessoas. É cogente e se sobreleva à opinião de todos,inclusive à daqueles a quem beneficia. Tal entendimento surgiu comoconseqüência e extensão do brocardo de Papiniano Jus publicum pri-vatorum pactis mcttari non potest (não pode o Direito Ríblico sersubstituído pelas convenções dos particulares). Constituem leis deordem pública as que dispõem sobre a família, direitos personalíssimos,capacidade das pessoas, prescrição, nuidade de atos, normas constitu-�cionais, administrativas, penais, proressuais, as pertinentes à segurança�e à organização judiciária. São igualmente as que garantem o trabalhoe dispõem sobre previdência e acidente do trabalho. Para o reconheci-mento dessas leis, tem sido importante o papel da jurisprudência.Diante da função relevante de prover a segurança da sociedade, entendea doutrina que tais normas devam ser aplicadas em conjunto, comocondição à garantia do equili'brio social. A interpretação deve ser estrita,condenando-se tanto a amplitude quanto a limitação do alcance de suasnormas jurídicas. Tanto a interpretação extensiva quanto a analogia nãosão admitidas. As normas não preceptivas, que se destinam apenas àorganização, podem ser interpretadas extensivamente, de vez que nãoestabelecem limitações aos direitos individuais.

75. Formação da Lei

O processo legislativo é estabelecido pela Constituição Federal ese desdobra nas seguintes etapas: apresentação de projeto, exame dascomissões, discussão e aprovação, revisão, sanção, promulgação epublicação.

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1. Iniciativa da Lei - Conforme dispõe o art. 61 da Constituição=Pederal de 1988, a iniciativa compete: a qualquer membro ou comissão�da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, ao Presidente da��·República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao'iFrocurador-Geral da República e ao cidadãos. A iniciativa pelo Presi-��dente da República pode ocorrer sob duas modalidades distintas. O�Chefe do Executivo pode encaminhar projeto em regime normal, casoem que o andamento será comum aos apresentados por outras fontes.Poderá o Presidente solicitar urgência na apreciação de projetos de suainiciativa, hipótese em que a matéria deverá ser examinada pela Câmarados Deputados e Senado Federal, sucessivamente, pelo prazo de qua-'renta e cinco dias. Esgotado este sem manifestação, o projeto entrarána ordem do dia em caráter prioritário, consoante dispõe o § 2o do art.64 do texto constitucional.

2. Exame pelas Comissões Técnicas, Discussões e Aprovação -Uma vez apresentado, o projeto passa por diversas comissões parla-mentares, às quais se vincula por seu objeto, tanto no CongressoNacional quanto em suas duas Casas. Passado pelo crivo das comissõescompetentes, deverá ir ao plenário para discussão e votação. No regimebicameral, como é o nosso, é indispensável^a aprovação do projeto pelasduas Casas.

3. Revisão do Projeto - O projeto pode ser apresentado na Câmaraou no Senado Federal. Iniciado na Câmara, o Senado funcionará comoCasa revisora e vice-versa, com a circunstância de que os projetosencaminhados pelo Presidente da República, Supremo Tribunal Federale Tribunais Federais serão apreciados primeiramente pela Câmara dosUeputados. Se a Casa revisora aprová-lo, deverá ser encaminhado àPcesidência da República para sanção, promulgação e publicação; se otejeitar, será arquivado; se apresentar emenda, volverá à Casa deorigem para novo estudo. Não admitida a emenda, o projeto seráscuivado.�

4. Sanção - A sanção consiste na aquiescência, na concordânciafdo Chefe do Executivo com o projeto aprovado pelo Legislativo. É atoda alçada exclusiva do Poder Executivo: do Presidente da República,Governadores Estaduais e Prefeitos Municipais. Na esfera federal,·dispõe o Presidente do prazo de quinze dias para sancionar ou vetar o

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projeto. A sanção pode ser tácita ou expressa. Ocorre a primeira espéciequando o Presidente deixa escoar o prazo sem manifestar-se. É expressaquando declara a concordância em tempo oportuno. Na hipótese deveto, o Congresso Nacional - as duas Casas reunidas -disporá de trintadias para a sua apreciação. Para que o veto seja rejeitado é necessárioo vóto da maioria absoluta dos deputados e senadores, em escrutíniosecreto. Vencido o prazo, sem deliberaçãa, o projeto entrará na ordemdo dia da sessão seguinte e em regime prioritário.

5. Promulgação - A lei passa a existir com a promulgação, queordinariamente é ato do Cl'iefe do Executivo. Consiste na declaraçãoformal da existência da lei. Rejeitado o veto presidencial, será o projetoencaminhado à presidência, para efeito de promulgação no prazo dequarenta e oito horas. Esta não ocorrendo, o ato competirá ao presidentedo Senado Federal, que disporá de. igual prazo. Se este não promulgara lei, o ato deverá ser praticado pelo vice-presidente daquela Casa.

6. Publicação - A publicação é indispensável para que a lei entreem vigor e deverá ser feita por órgão oficial. O início de vigência podedar-se com a publicação ou decorrida a vacatio legis, que é o tempoque medeia entre a publicação e o inícro de vigência. .r

76. Obrigatoriedade da Lei

A conseqüência natural da vigência da lei é a sua obrigatoriedade,que dimana do caráter imperativo do Direito. Em face do significadoda lei para o equilíbrio social, nos diversos sistemas jurídicos vigora oprincípio de que nemo jus ignorare censetctr, consagrado pelo nossoDireito no art. 3o da Lei de Introdução ao Código Civil, que dispõe:"Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece." Talpreceito, na opinião de alguns autores, firma a presunção de que todosconhecem a lei, enquanto que outros identificam-no com a ficçãojurídica. Conforme reconhece a doutrina moderna, esse princípio sejustifica pela necessidade social, pois visa a atender interesses dacoletividade. Para Villoro Toranzo, "a obrigatoriedade jurídica se fazsentir na vontade dos homens em forma intuitiva, evidente e inata...""

I3 Villoro Toranzo, Introducción al Estudio del Derecho, I' ed., Editorial Porrua S.A.,México,1966, p. 7.

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO

Em decorrência do aludido princípio, o erro de Direito não é relevanteem relação aos atos jurídicos, salvo na hipótese em que for a sua únicacausa. Em matéria penal, a ignorância da lei é inescusável enquanto queeerro inevitável sobre a ilicitude do fato apenas isenta de pena o agente,por força do que dispõe o art. 21 do Código Penal. Já a Lei deContravenções Penais, em seu art. 8o, prevê a não-aplicação da penaquando a ignorância ou a errada compreensão da lei for escusável. -Por que a lei obriga? - Há várias teorias a respeito, entre as quaisse apresentam: a) Teoria da Autoridade, formulada notadamente por Hobbes eAustin, que consideram a obrigatoriedade da lei uma simples decorrên-;ia da força. Icílio Vanni critica tal opinião, lembrando que "acima datormajurídica e do poder que a impôs há uma força que torna possívelexistência da norma e que é a vontade popular".'a� b) Teorias da valorafão, que subordinam a obrigatoriedade da leio seu conteúdo ético.� c) Teorias Contratualistas, para quem a norma jurídica é obriga-5ria se e enquanto os que devem obedecê-la concorrerem para a suarmação.� d) Teorias Neocontratualistas, que condicionam a obrigatorieda-e à adesão ou reconhecimento dos que lhe são subordinados. e) Teoria Positivista, que sustenta, rfa palavra de Vanni, que "armajurídica deve ser considerada como o último elo de uma corrente,�ijos elos precedentes constituem a ordemjurídica á existente em uma:rta comunidade".

7. Aplicação da Lei

A aplicação da lei apresenta várias etapas, estudadas por Vicenteáo como fases da interpretação do Direito:'5

I. Diagnose do Fato - Consiste no levantamento e estudo dawestio facti, dos acontecimentos que aguardam a aplicação da lei. É,tarefa preliminar de definição dos fatos. Para isto, o magistradolnsidera a narrativa apresentada pelas partes interessadas, examina

Ictlio Vanni. op. cit., p. 4S.Vicente Ráo, op. cit., vol. I, tomo II, p. 543.

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cuidadosamente as provas e firma o diagnóstico quanto à matéria defato.

2. Diagnose do Direito - Esta etapa consiste na indagação daexistência de lei que discipline os fatos. É um trabalho apenas deconstatação da existência da lei.

3. Critica Formal - Conhecidos os fatos e verificada a existênciada lei, cumpre ao aplicador do Direito examinar se o ato legislativo sereveste de todos os requisitos de caráter formal. Deve-se verificar se alei contém todos os autógrafos necessários, se há correspondência entreo texto aprovado e o publicado e, ainda, se o seu processo de formaçãofoi regular. Hobbes atentou para a ir·portância de se submeter a lei a�uma crítica de ordem formal: "E não basta que a lei seja escrita epublicada, é preciso também que haja sinais manifestos de que eladeriva da vontade do soberano. Porque os indivíduos que têm oujulgamter força suficiente para garantir seus injustos desígnios, e levá-los emsegurança até seus ambiciosos fins, podem publicar como lei o que Ihesaprouver, independentemente ou mesmo contra a autoridade legislati-va. Porque não basta apenas uma declaração da lei, são necessáriostambém sinais suficientes do autor da autoridade." fi� � .< 4. Critica Substancial - Nesta fase o aplicador deverá verificar oselementos intrínsecos da validade e da eficácia da lei. A sua atenção sedirigirá para o teor das normas jurídicas, a fim de examinar se o poderlegiferante era competente para editar o ato; se a lei é constitucional ounão; se é de natureza taxativa ou simplesmente dispositiva etc.

5. Interpretação da Lei - Com a definição dos fatos, certificada aexistência da lei disciplinadora e a validade formal e substancial desta,impõe-se ao aplicador a tarefa de conhecer o espírito da lei. Interpretaro Direito consiste em revelar o sentido e o alcance das normasjurídicas.

6. Aplicapão da Lei - Vencidas as etapas preliminares, a autori-dade judiciária ou administrativa já estará em condições de promovera aplicação da lei, atividade essa que segue a forma de um silogismo.A aplicaçáo do Direito é uma operação lógica, mas não exclusivamente

16 Hobbes, op. eit., p.169.

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO 177

lógica, pois importante é a contribuição do juiz, com as suas estimativaspessoais. A premissa maior corresponde à lei; a premissa menor con-siste no fato; a conclusão deverá ser a projeção dos fatos na lei, asubsunção, ou seja, a sentença judicial (V. § 128.).�

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordenr do Sr<nsário: 73 - Jorge I. Hübner Gallo, Irrtr-odr<cción al Dereclro; Miguel Reale, Liç-óes�Prelimirrnres de Dir-eito; R. Limoni França, For-nras e Aplicaçâo do Direito I'ositivo;� 74 - Lino Rodriguez-Arias Bustamante, Ciencin y Filosofia de! Dercclro;Machado Netto, Cnrnpêndio de Irrtrodnçiro à Ciêncin do Direito; Mouchet e Becu,Introducrión nl Der-echo; Tomás de Aquino, Snnrn Teológica, nestão XC;� 75 - Celso Ribeiro Bastos, Crn-so de Dir-eito Corrstitr<cional; 76 - Miguel Villoro Toranzo, Intr-oducciórr n! l:strdin del Dereclro; Icílio�Vanni, F-ilosoJia do Dir-eiro; 77 - Vicente Ráo, O Dir-eito e n Vidcr dos Direitos.

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Capítulo XV

DIREITO COSTUMEIRO

Sumário: 78. Coctsiderações Prelintirtares. 79. Conceito de Direito Costu- nteiro. 80. Elementos dos Costccntes. 81.A Posição da Escola Histórica do Direito. 82. Espécies de Costuntes. 83. Valor dos Costtcntes. 84. Prova dos Costuntes.

78. Considerações Preliminares

Através dos tempos, o Direito Positivo sempre manteve umaIntima conexão com os fatos sociais que c©nstituem, na realidade, a suafonte material. Essa dependência da orem jurídica às manifestações�sociais é fato comum na história do Direito. No passado a influênciaera mais visível, de vez que o costume, além de fonte material, era aforma de expressão do Direito por excelência. Na atualidade, comoórgão gerador do Direito, o costume se apresenta com pouca expressi-vidade, com função apenas supletiva da lei. O Direito erito já absor-��veu a quase totalidade das normas consuetudinárias, savo o dos povos�anglo-americanos onde o Direito costumeiro mantém uma relativaimportância, que tende a diminuir em face da crescente produçãolegislativa. De acordo com a opinião de alguns autores, haveria uma leinatural, imanente ao Direito, pela qual os sistemas jurídicos deixariama sua forma consuetudinária e se transformariam, progressivamente,em Direito codificado. O bosquejo histórico confirma esse pensamento.Todos os povos, primitivamente, adotaram normas de controle social,geradas pelo consenso popular e as antigas legislações, como a deHamurabi e as XII Tábuas, foram, em grande parte, compilações dosCostumes. Esta opinião é confirmada por Cogliolo: "Quem procura aorigem de todo aquele Direito (Romano), acha que ele é atribuído ou à

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obra dosjurisconsultos, ou ao edito do pretor, mas na realidade a origemprimária foi muitas vezes o costume".' Não é de se admitir, contudo, que entre os antigos o Direito tevea sua formação totalmente espontânea, com uma criação do povo, emum processo democrático. Conforme assinala Edgar Bodenheimer, aspesquisas atuais revelam que em muitas sociedades primitivas a estru-tura existente era mais patriarcal do que democrática. Aceita estapremissa, é forçoso admitir-se a conclusão firmada por esse justilóso-fo: "Se cremos na existência dessa autoridade patriarcal, temos quesupor que as regras de conduta da sociedade primitiva eram determi-nadas em grande parte pelo chefe autocrático ou a menos que só�podiam desenvolver aqueles usos e costumes que possuíam a suaaprovação."z A partir do início do século XIX, começou a operar a mudançana forma de manifestação do Direito. O racionalismo filosófico, dou-trina que destacava o poder criador da razão humana, e a elaboraçãodo Código Napoleão influenciaram decisivamente nos processos decodificação do Direito de quase todos os povos. Os benefícios que oDireito escrito pode oferecer, diante de rápidas mudanças históricas,diante de sempre novos e surpreendenIes desafios que a ciência e atecnologia apresentam, dão-nos a convicção de que o Direito costu-meiro é uma espécie jurídica em desaparecimento.

79. Conceito de Direito Costumeiro

Enquanto a lei é um processo intelectual que se baseia em fatose expressa a opinião do Estado, o costume é um 1 prática geradaespontaneamente pelas forças sociais e ainda, segundo alguns autores,de forma inconsciente.3 A lei é Direito que aspira à efetividade e o

1 Pietro Cogliolo, op. ci.. p· 47�2 Edgar Bodenheimer, Teoria del Derechn, Fondo de Cultura Económica, México, 1942,p.109.3 Ihering, que inicialmente simpatizou-se com o historicismo jurídico, rompeu com essadoutrina, discordando de que o Direito pudesse ser criado inconscientemente. Atribuindoimportância fundamental ao princípio da finalidade, Ihering sustentou que a idéia do fim é omotor do Direito. A normajurídica não pode ser criada incnn.ccientemente, in.crintivamente.A form: ção.de uma regra de Direito se dá em virtude de um determinado fim que sc pretenderealizar.

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costume é norma efetiva que aspira à validade. A formação do costumeé lenta e decorre da necessidade social de fórmulas práticas pararesolverem problemas em jogo. "O povo afirma por ele - diz EdmondPicard - a sua confiança em si mesmo para a edificação da Justiça."4Diante de uma situação concreta, não definida por qualquer normavigente, as partes envolvidas, com base no bom senso e no sentidonatural de justiça, adotam uma solução que, por ser racional e estar deacordo com o bem comum, vai servir de modelo para casos semelhan-tes. Essa pluralidade de casos, na sucessão do tempo, cria a normacostumeira. Para Icílio Vanni, duas forças psicológicas concorrem para aformação dos costumes: o hábito e a icnitação. O primeiro, consideradoa segunda natcerezn do homen 1, é regulado pela lei de inércia, que nosinduz a repetir um ato pela forma já conhecida e experimentada. Igualfenômeno.ocorre com a imitação, que corresponde a uma tendência,natural nos seres humanos, de copiar os modelos adotados por outraspessoas e que se revelam úteis.5 0 Direito costumeiro pode ser definido como arm conjacnto denormas de condccta social, criadas espontaneamente pelo povo, ntravésdo uso reiterado, ccniforme e qcce gera a certeza de ohrigatoriednde,ieconhecidns e impostas pelo Estado. Qã, na expressiva definição deUlpiano: mores sccnt tacitccs cocsensccs popccli longa consccetccdine inve-�teratus (Os costumes são o tácito consenso do povo, inveterado porlongo uso). Os costumes jurídicos, consccetwdo, não se confundem com asRegras de Trato Social. Aqueles se caracterizam pela exigibilidade eversam sobre interesses básicos dos indivíduos, enquanto que os usosspciais não são exigíveis e relacionam-se a questões de menor profun- didade. Jacques Cujas, jurista francês, ao vincular lei e costume, apre-� sentou este expressivo paralelo:�

"wid cocisccetccdo?� - Lex non scripta: ccid le?� � - Consccetccdo scripta ".

Edmond Picard, np. cit., p.148. Icllio Vanni, n. cii., p. 50.��

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Tal consideração revela que, na prática, a única distinção objeti-va que deve existir entre ambos consiste no fato de a lei ser sempreescrita e o costume ser oral, pois a genuína fonte e o conteúdo devemser iguais. Segue-se daí a conclusão de que, uma vez escrita, a normadeixa de ser costumeira para incorporar-se à categoria de Direitocodifiéado. Lei e costume devem emoldurar o quadro da vida emsociecade e ser um produto da vivência socìal condicionados no tempo�e no espaço pela história. Estendendo o paralelo entre costumejurídico e lei nos deparamosdiante do seguinte quadro:

Referências Lei Costume Autor Poder Legislativo Povo Forma Escri ta Oral Obrigatoriedade Início de vigência A partir da efetividade Criação Reflexiva Espontânca Positividade Validade quaespira Efetividade que aspira à efetividade à validadc Condições de Cumprimento de for- Ser admitido como fon- validade mas e respeito à hierar- te e respeito à hierar- quia das fontes quia das fontes Quanto à Quando traduz os Presumida legitimidade costumes e valores sociais

Apesar de o costume ser a expressão mais legítima e autêntica doDireito, pois produto voluntário das relações de vida, não atende maisaos anseios de segurançajurídica. O Direito codificado favorece maisa certeza do Direito do que as normas costumeiras. É justamente estacircunstância que dá à lei uma superioridade sobre o costume, notada-mente nos Estados de grande base territorial, em que há diversidade deusos e costumes. Se os costumes possuem, de um lado, a vantagem deser um Direito que traduz presumivelmente as aspirações do povo, semqualquer compromisso de natureza política, de outro lado, além da

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incertezajurídica que gera, muitas vezes as suas normas vêm impreg-nadas de sentido moral e religioso. Pretendendo explicar como asnormas sociais se transformam espontaneamente em Direito, Jellinekesposou a teoria da força normativa dos fatos. Estes seriam dotados de�nma certa força jurídica, pela qual sempre que uma prática social serepetisse com assiduidade criaria, nos membros da sociedade, a con-vicção de seu valorjurídico e obrigatoriedade. Fundamentando-se no�pensamento kantiano, segundo o qual, entre o mundo do ser e o do deverser, há um grande abismo, García Máynez criticou essa teoria, alegandoque não basta a repetição de uma prática, para que esta alcance o estadode normajurídica. Às vezes o que é obrigatório não é praticado e o queé praticado não é Direito (v. § 99).

80. Elementos dos Costumes

Para que o costume alcance força jurídica é necessário, em pri-meiro plano, que esteja previsto no ordenamento jurídico como formade expressão do Direito. Uma vez incluído no elenco das fontes for-mais, é indispensável que reúna dois elerentos: material e psicológico.�0 primeiro, também denominado objetivo, exterior, é a inveterataconsuetudo dos romanos. Consiste na repetição constante e uniforme�c!e uma prática social. O costume pressupõe, assim, a pluralidade deatos, um longo tempo, uma única fórmula. Faltando um desteselementos a norma social não apresentará valor jurídico. Quanto aotempo necessário de duração da prática social e o número de atos, ageneralidade dos sistemas não predetermina. No Direito Romano ,com base no vocábulo longaevctm, que significa centenário, cons-tante em texto legal, alguns autores concluem pela exigência de cemanos. Julgando que a sociologia dos valores pode ser útil nesta matéria ,Legaz y Lacambra cita um texto de Carlos Cossio, onde o jusfilósofoargentino expõe a sua opinião: "a maior altura do valor realizado pelocostume, menor número de casos e de tempo são necessários para quese considere o costume existente."' Não haveria assim nem tempo e

6 Apud E. Garcin Máynez. np. cit., p. 62.7 L. Legaz y Lacambra, op. cit., p. 550.

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nem número de casos predeterminados. A solução ficaria na depen-dência de o interesse social reclamar ou não a positividade da práticasocial. Se de um lado a sugestão de Carlos Cossio se manifestaracional, de outro lado se revela subjetiva e de difícil consenso.Entendemos que o quantitativo de atos e de tempo deva ser o suficientepara gerar, na consciência popular, a convicção da obrigatoriedade daprática social. Ao aplicador do Direito competirá, fundamentalmente,verificar se a norma seguida chegou a criar raízes no pensamentosocial. O elemento psicológico, subjetivo ou interno, a opinio iuris sec �necessitatis dos romanos, é o pensamento, a convicção de que a práticasocial reiterada, constante e uniforme, é necessária e obrigatória. É acerteza de que a norma adotada espontaneamente pela sociedadepossui valor jurídico. Quanto à preeminência de um elemento sobre ooutro, divide-se a doutrina jurídica. em duas correntes: a materialistae a espiritualista. A primeira, integrada por Dernburg, Micelli, Ahrens,defende a tese de que a norma costumeira pressupõe apenas o elementomaterial, enquanto que a segunda corrente, formada principalmentepor Savigny e Puchta, entende desnecessário o elemento material, queconstitui apenas o aspecto exterior do elemento psicológico, que é ofundamental.

81. A Posição da Escola Histórica do Direito

A importância do costume, como fonte jurídica, foi objeto deampla análise por parte da Escola Histórica do Direito, que surgiu naAlemanha, no início do século XIX, com o objetivo principal decombater o movimento racionalista, que sustentava a tese da codifica-ção do Direito, pelo raciocínio puro e através do método dedutivo. Oprograma dessa Escola foi sintetizado por Ruiz Moreno: a) compara-ção do Direito com a linguagem; b) o espírito ou consciência do povocomo origem do Direito; c) o costume como a fonte mais importantedo Direito." Foi Gustavo Hugo quem desenvolveu a primeira tese: a formaçãoe o desenvolvimento do Direito seriam análogos ao processo lingüís-

8 Ruiz Moreno, Filo.sn(in del Derechn, Editorial Guillermo Kraft, Buenos Aires, 1944, p.327.

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tico. O povo é o autor da língua, que a elabora espontaneamente,enquanto que a classe dos gramáticos surge somente mais tarde, coma função de promover o apuro técnico e estético da linguagem. Igualfenômeno se passaria com o Direito, que teria as suas regras formadasnaturalmente pelo povo, como resultado das vivências sociais. Amissão dos juristas e técnicos seria semelhante à dos gramáticos:prover a forma e não a criação do Direito. Defendida principalmente por Savigny, sob a influência de Shel-ling e Mêser, a segunda tese historicista identificou a fonte do Direitocom o espirito do povo. O fenômeno jurídico não se fundamentaria emidéias abstratas, em conceitos puros extraídos da razão, mas na cons-ciência juridica do povo. Como criação espontânea das forças sociais,aformação do Direito seria lenta, gradual, imperceptível e inconscien-te. Em condição idêntica à dos demais processos culturais, como aMoral, arte, religião, costumes, política, o Direito seria uma objetivaçãodo espírito do povo. Estando umbilicalmente.ligado aos fatos históri-cos, o Direito não poderia ser um padrão universal, como sustentavamos defensores da idéia do Direito Natural. A terceira tese historicista considerava o costume a forma idealde manifestação do Direito, superior à [ei. Foi Puchta, discípulo deSavigny, quem melhor definiu a função do costume no campo doDireito. Para os partidários da Escola Histórica, o costume seria aexpressão mais legítima da vontade do povo, que o cria diretamente.

82. Espécies de Costumes

As espécies se definem pela forma com que o costume se apre-senta em relação à lei. A doutrina distingue as seguintes: seccendccmlegem, praeter legem e contra legem. a) Costucne "Secccndum Legeni" - Há divergência doutrináriaquanto ao significado desta espécie. Para alguns ela se caracterizaquando a prática social corresponde à lei. Não seria uma prática socialganhando efetividade jurídica, mas a lei introduzindo novos padrõesde comportamento à vida social e que são acatados efetivamente. Étambém denominado costume interpretativo, pois, expressando o sen-tido da lei, a prática social espontaneamente consagra um tipo deaplicação das normas. Há autores que não admitem esta espécie, sobo fundamento de que não se trata de norma gerada voluntariamente

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pela sociedade, mas uma prática que decorre da lei. Esse costume secaracterizaria, na opinião de outros autores, quando a própria leiremete seus destinatários aos costumes, determinando o seu cumpri-mento. Sob este entendimento, é inegável que a norma costumeira atuaefetivamente como fonte f9rmal, apesar de sua aplicação ser ordenadapor lei. " r b Costume Praete Legem"- É o que se aplica supletivamente ,na hipótese de lacuna da lei. Esta espécie é admitida pela generalidadedas legislações. O Código Civil Suíço, de 1912 em seu art. lo, prevêesta espécie: "A lei rege todas as matérias às quais se referem a letra ouo espírito de uma de suas disposições. Na falta de uma disposição legalaplicável, deverá o juiz decidir de acordo com o Direito costumeiro e ,onde também este faltar, como havia ele de estabelecer se fosse legis-lador. Inspirar-se-á para isso na doutrina e jurisprudência mais autori-zadas. Em nosso país, o costume assume o mesmo caráter pelo quedispõe o art. 4o da Lei de Introdução ao Código Civil: "Quando a lei foromissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumese os princípios gerais de direito." O Direito argentino, pelo art. 17 deseu Código Civil, só admite a aplicação da norma costumeira uandoas leis a determinarem: "o uso, o costume ou prática não podem criardireitos, senão quando as leis se referifem a eles." c) Costume "Cdntra Legem"- É a chamada consuetudo abroga-toria, que se caracteriza pelo fato de a prática social contrariar asnormas de Direito escrito. Apesar de haver divergência doutrináriaquanto à sua validade, é pensamento predominante o de que a lei sópode ser revogada por outra. O mérito da presente questão se confundecom o problema da validade das leis em desuso (v. § 85).

83. Valor dos Costumes

Para o Direito brasileiro, filiado ao sistema continental, a lei é aprincípal fonte formal, conforme se pode inferir do disposto no art. 4oda Lei de Introdução ao Código Civil, cujo preceito foi repetido nasegunda parte do art. 126 do Código de Processo Civil: " . Nojulgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as haven-do, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais dedireito." No âmbito do Direito Comercial a sua aplicação é previstapor vários dispositivos do Código Comercial, entre os quais podemos

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indicar os arts. 154; 169 e 673. A sua aplicação está prevista nalegislação trabalhista brasileira, pelo art. 8o da Consolidação das Leisdo Trabalho. Segundo Amauri Mascaro Nascimento o costume é umanorma do Direito do Trabalho admitida, com maior ou menor exten-são, nos principais sistemas de Direito.y Quanto ao Direito Penal, emface do principio da reserva legal, enunciado por Feuerbach: nicllcm�rimen, nulla poena, sine lege praevia (não há crime, não há pena, sem�lei anterior); a norma costumeira não é admitida como fonte. No campodo Direito Internacional Público, em face da peculiaridade desse ramo,que não é comandado por um poder centralizador, o costume constituia sua fonte universal. As normas consuetudinárias, contudo, nãopossuem natureza cogente ou taxativa, pelo que podem ser substituídasmediante tratados internacionais. Se no passado o costume foi aprincipal fonte desse Direito, no presente, conforme atesta Celso D.de Albuqu.erque Mello, "ele se encontra em regressão, tendo em vistae sua lentidão e incerteza.""'

Prova dos Costumes

0 princípio iura novit cctria (os juízes conhecem o Direito), pelo a1 as partes não precisam provar a existência do Direito invocado, a tem aplicação quanto aos costumes, em face do que dispõe o art. 7 do Código de Processo Civil: "A parte que alegar direito munici- I, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, provar-lhe-á o teor e a ;ência, se assim o determinar o juiz." Na justiça ou perante órgãos administração pública, os costumes podem ser provados pelos mais rersos modos: documentos, testemunhas, vistorias etc. Em matéria mercial, porém, devem ser provados através de certidões fornecidas lasjuntas comerciais, que possuem fichários organizados para esse

Atnauri Mascaro Nascimento, Compêndio de Direitn do Trabalhn. Edições LTr., São do,1976, P· 2I 3. Celso D. de Albuquerque Mello, Curso de Direito Internacional Público, 6' ed., ioteca Iurídica Freitas Bastos, Rio de laneiro,1979, I o vol. p.190.�

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BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário: 78 - Pietro Cogliolo, Filosofia do Direito Privado; Edgar Bodenheimer,Teoría del Derecho; 79 - Icílio Vanni, Lições dc Filosofia do Direito; Eduardo García Máynez,Introducción al Estudio del Derecho; Mouchet e Becu. Introducción al Derecho; 80 - L. Legaz y Lacambra, Filosofia del Derecho; João Arruda, Filosofin doDireito; Mouchet e Becu, Introducción al Derec/io; 81 - Martin T. Ruiz Moreno, Filosofia del Derec/io; Edgar Bodenheimer,Ciência do Direito, Filosofia e Metodologia Juridicns; 82-Roberto de Ruggiero, Instituições de Direito Civif, vcl. I; Mouchet e Becu,op. cit.; 83 - Amaurí Mascaro Nascìmento, Compêndio de Direito do Trabalho; CelsoD. de Albuquerque Mello, Curso de Direito Internacional Público; 84 - Legislação citada.

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Capítulo XVI

O DESUSO DAS LEIS

Sumário: 85. Conceito de Desuso das Leis. 86. Causas do Desuso. 87. A Tese da Validnde das Leis em Desuso. 88. A Tese da Revogação da Lei pelo Desuso. 89. Conclusões. ,

85. Conceito de Desuso das Leis

Há temas que conservam uma permanente atualidade nos quadrosa doutrina jurídica. Um deles se refere à validade das leis em desuso�- problema comum às legislações de taáição romano-germânica. A�portância da questão provém, em parte, da insegurança que a desue-�tudo provoca no meio social. As leis em desuso geram, no espírito deseus destinatários, a incerteza da obrigatoriedade, quando não condu-zem à crença de que deixaram de produzir efeitos. A dúvida representaummal social e um maljurídico, pois a vida exige definições e o Direitonáo pode abrigar reticências. Todo fator de incerteza é corpo estranhoa ordem jurídica, que compromete o sistema, devendo ser eliminado.� Teoricamente as leis em desuso podem incidir tanto no campo do:ireito Público como no do Direito Privado. Na realidade, porém, a� �esuetudo se manifesta quase exclusivamente nas relações jurídicas de��bordinação, em que o poder público participa como um dos sujeitos.� caracterização do desuso não se dá apenas com a não-aplicação da ipelos órgãos competentes. É imperioso que o descaso da autoridadexja à vista da ocorrência dos fatos que servem de suporte à lei. Quando�esta cai em desuso, realizam-se os fatós descritos no suposto ou hipó-�� se da norma jurídica, sem haver, contudo, a aplicação da conseqüên-'::cia ou disposição prevista. Uma lei que nunca foi aplicada nem sempre� transforma em desetudo. É importante verificar-se, primeiramente;��`etem ocorrido a hipótese da norma com o conhecimento da autoridade�

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responsável pela sua aplicação. Em matéria de Direito Privado, contu-do, é despiciendo o conhecimento aludido. O desuso pode ter sidoconsagrado espontaneamente pelas relações de vida, sem qualquermanifestação ou autenticação do Poder Judiciário. Para a caracteriza-ção ainda do desuso, é indispensável o concurso de dois elementos:generalidade e tempo. O desuso deve estar generalizado na área dealcance da lei e por um prazo de tempo suficiente para gerar, no povo,o esquecimento da lei. Uma visão reducionista de desuso encontramos no pensamentode Machado Netto, para quem se caracteriza apenas quando a lei"nasceu letra morta, não tendo logrado eficácia logo de sua formalentrada em vigor..."' Não há qualquer imperativo lógico para a limi-tação pretendida. As causas que conduzem ao desuso podem surgirmais tarde, alcançando a lei em um estádio mais avançado de vida. Odesuso, conforme expõe Serpa Lopes, é espécie do gênero costcrmecontra legem. A outra espécie denomina-se costume ab-rogatório(consuetNdo abrogatoria) e consiste em uma norma que se opõe à lei.François Gény, porém, não fez qualquer distirição entre as espécies,dizendo que "uso contrário e desuso, tudo é uma coisa só e produzemo mesmo efeito em relação à lei escrita. Trata-se só de saber qual deveser o efeito".z O autor da Livre Investtgação Cientifica comenta aindaque Savigny demonstrou a identidãde dos dois aspectos do problema,de um modo irrefutável e que ainda não foi contestado.

86. Causas do Desuso

Expressando o pensamento do corpo de juristas que elaborou oCódigo Napoleão, Portalis afirmou que as leis em desuso são "a obrade uma potência invisível que, sem comoção e sem abalo, nos fazjustiça das más leis e que parece proteger o povo contra as surpresasdo legislador, e ao legislador contra si mesmo..." 3 Essa "potênciainvisível", esclareceu Portalis, é a mesma que cria naturalmente osusos, os costumes e as línguas. Resultam, assim, da contradição

1 Machado Netto, ComPêndin de Intrndnção à Ciência do Direico, ed. cit., p. 274 e 283.�2 François Gény, Métndn de InterPretnción v Fnente.c en Der-ech:i Privndo Po.ritivo, 2'ed., Editorial Reus (S.A.), Madrid,1925, p. 401.3 Apud Bonnecase Inu·oduccinn nl E.seudin del Dereclin, Cajica, Puebla, 1944, trad. da3' ed. francesa, p. 199.

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existente entre a lei e as fontes reais do Direito. Julien Bonnecaseressalta igualmente a influência das fontes reais, dizendo que "aab-rogação das leis pelo desuso revela toda a força das fontes reais,verdadeiros elementos geradores das regras de Direito e das institui-ções jurídicas, cuja substância proporcionam".4 Essa suplantação da lei pelas fontes reais, porém, não é a causaprimária do desuso. Essas forças são impulsionadas por motivos maisprofundos, que se localizam nas qualidades negativas das leis. Asverdadeiras causas do desuso estão centralizadas em certos defeitos queas leis costumam apresentar, além, naturalmente, da hipótese em quederivam da reiterada negligência dos órgãos responsáveis por suaaplicação. Distinguimos, portanto, duas séries de causas: uma que selocaliza na própria lei e outra provocada por interesses, de variadaespécie, da administração pública. Em função dos defeitos que apresentam, causadores do desuso,classificamos essas leis da seguinte maneira: 1- leis anacrônicas; 2 -leis artificiais; 3 - leis injustas; 4 - leis defectivas.5

1. Leis Anacrônicas - As que denominamos por anacrônicas sãoleis que envelheceram durante o seu período de vigência e não foramrevogadas por obra do legislador. Permárieceram imutáveis, enquantoque a vida evoluía. Durante uma época, cumpriram a sua finalidade,para depois prejudicar o avanço social. O legislador negligenciou,permitindo a defasagem entre as mudanças sociais e a lei. A própriavida social incumbiu-se de afastar a sua vigência, ensaiando novosesquemas disciplinares, em substituição à lei anacrônica.

2. Leis Artificiais - Como processo de adaptação social, o Direitodeve ser criado à imagem da sociedade, revelando os seus valores e assuas instituições. A lei que não tem por base a experiência social, quebmera criação teórica e abstrata, sem vínculos com a vida da sociedade,tlão pode corresponder à vontade social. Seus modelos de comporta-mento não têm condições de organizar a vida desse povo. São artificiais,fruto apenas do pensamento, distanciados da realidade que vão gover-

d Op. cit., p. 200.5 Esta classificação, que originalmente apresentamos em trabalho doutrinário publicadonarevista Lemi - Legislação Mineira, no 49, de dezembro de 1971, foi adotada pelo insignejurista e renomado escritor J. M. Othon Sidou, em sua obra O Direitn Legal - Forense,Rio,1985, p. 24.

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nir. A Icílio Vanni não escapou este aspecto, ao salientar que "...quando�fzlta toda correspondência entre a norma jurídica e os sentimentospúblicos, a eficácia real da norma está comprometida e, às vezes,poderá mesmo cair em desuso." �

3. Leis Injustas - A incompetência ou desídia do legislador podelevá-lo à criação de leis irregulares, que vão trair a mais significativadas missões do Direito, que é a de espargirjustiça. Lei injusta é aquelaque nega ao homem aquilo que lhe é devido ou que lhe confere oindevido. Um coeficiente das leis em desuso é devido à natureza dasleis injustas.

4. Leis Defectivas - Há leis que não foram planejadas comsuficiência, revelando-se, na prática, sem condições de aplicabilidade.São leis que não fornecem todos os recursos técnicos para a suaaplicação, exigindo uma complementação do órgão que as editou.Faltando os meios necessários à sua vigência, tais leis deixam deingressar no mundo jurídico. São leis que já nascem com a marca dodesuso. Em relação às normas da administração pública, há uma outrasérie de causas que não se acha ligada aos defeitos das leis. A negligên-cia dos administradores decorre, mutãs vezes, de interesses exclusiva-�mente políticos. Em outros casos é o próprio interesse da administraçãoque está em jogo, havendo ainda uma outra parcela de leis em desuso,resultante da falta de organização administrativa, notadamente no setorde fiscalização.

8'7. A Tese da Validade das Leis em Desuso

A corrente partidária da permanência em vigor das leis em desusodesenvolve a sua dialética em função de dois argumentos básicos, umde caráter político e outro fundado na hierarquia das fontes formais doDireito. Sob o primeiro argumento, entendem seus defensores, comoAubry e Rau,' que a ab-rogação só encontraria justificativa nas monar-quias absolutas, em que a lei é um produto exclusivo da vontade do

6 Ici'lio Vanni, np. cit., p. 45.7 Apud F. Gény, op. cit., p. 393.

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governante. O costume contra legem seria uma forma de participaçãoio povo na elaboração da ordem jurídica, funcionando como válvulaaoderadora. No Estado moderno, dividido em poderes independentes�e harmônicos entre si, em que o povo escolhe os seus representantes,articipando, assim, da administração, inadmissível se torna o prinoípio�e revogação. Duvergier, Hello, Foucart, Demolombe, Laurent; Huc,�Planiol, Hauriou, Baudry Lacantinerie e Houques Fourcarde, entreeutrosjuristas, seguiram esta linha de pensamento. Em longo exame daWatéria, F. Gény subordinou a solução do problema às condiçõesociopolíticas da época, dizendo que "...podem dar-se soluções diferen-�tcs segundo o estado da civilização e o grau de evolução política emque se encontre".s A questão deve ser resolvida, pensava Gény, estu-ando-se o valor da lei e do costume no conjunto da organização social.�Culminou por negar valor ao desuso, excetuando, porém, a matériaeomercial, por peculiaridades próprias e quando as leis forem ìnterpre-tativas, supletivas e permissivas. Também na atualidade da evoluçãojurídica, Giorgio del Vecchio fundamentou a sua contestação ao costu-me contra legem, em matéria civil.y Em nosso país, o eminente jurista Clóvis Beviláqua deu curso atsis idéias, malgrado viesse a adotar uma teoria eclética, ao admitir aab-rogação em casos excepcionais. Em sua obra Teoria Geral do�Direito, afirmou que "no estado atual de nossa cultura, com o funcio-pamento regular dos poderes políticos, que servem de órgão à sobera-hia, dados o contato direto entre o povo e os seus representantes e aitluência sobre estes da opinião pública, não se faz necessário dar ao�tostume a ação revogatória da lei escrita..."."' 0 segundo ponto de apoio da corrente baseia-se na hierarquia dasfbntes formais, que nos sistemas filiados à família romano-germânicaá primazia à lei sobre o costume. Entre nós, notadamente Orlando�omes, Vicente Ráo e Alípio Silveira sustentaram tal ponto de vista.�'Qrlando Gomes adotou uma posição extrema, negando valor ao costu-':.mecontra legem ainda em relação às leis supletivas. Escre,veu o notávelÇivilista que na tábua das fontes formais a lei, inequivocamente, se'Justapõe ao costume e que "princípio incontestável, decorrente da

ó Op. cit., P· 385. Giorgio del Vecchio, op. cit., vol. II, p. 167.)0 Clóvis Beviláqua, Teoria Geral do Direito, 3' ed., Ministério da 7ustiça e Negóciostnteriores, I966, p. 32.

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PAULO NADER

c·rganização política atual, é o de que a lei só se revoga por outra lei"."Seguindo idêntica linha doutrinária,' Vicente Ráo concordou com osautores contemporâneos, que "rejeitam os conceitos de consuetudoabrogatoria ou de desuetudo, por incompatíveis com a função legisla-tiva do Estado e com a regra segundo a qual as leis só por outras leisse.alteram, ou revogam, no todo, ou em parte".'2 Com base no art. 2oda Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, Alípio Silveira negaforça revogatória ao desuso e à consuetcdo abrogatoria, abrindo uma�exceção, contudo, às leis supletivas e interpretativas da vontade daspartes, mas somente quando estas não se manifestam.'3 Limongi Françae Carlos Maximiliano incorporam-se também a esta corrente. O primei-ro afirmou que nenhum tribunal ou juiz pode deixar de aplicar a normajurídica que não foi, direta ou indiretamente, revogada por outra lei,pois do contrário seria a desordem. Maximiliano baseou-se em umargumento de caráter subjetivo, considerando que a missão do intérpre-te seria a de dar vida aos textos e não subtrair-lhes a vigência.'y

88. A Tese da Revogação da Lei pelo Desuso

Examinando hoje a controvertlda matéria, não são poucos osjuristas, intraneuse extraneus, que sustentam a ab-rogação da lei pelodesuso. Dentro da corrente, variam os posicionamentos conforme avalorização absoluta ou relativa dos costumes contra legem." Compa-radas as opiniões e reunidas as várias idéias, sintetizamos o pensamentoatravés de três argumentos principais: ct) renúncia tácita do Estado pelaaplicação da lei; b) irrelevância e insubsistência do sistema jurídio :�excluir o caráter revocatório do desuso; c) validade da lei condicionadt�a um mínimo de eficácia.

11 Orlando Gomes, Intrnduç·ãn nn Direito Civil, 1" ed., Forensc, Rio de Janciro. I 957,p. 52.12 Vicente Ráo, ap. cit., vol. I, tomo 1. p. ?94.13 Alípio Silveira, Hermenêccticn no I)ireito 13c-rc.cileicr, I ed.. Rcvista dos Trih(,nais.� �São Paulo,1968, vol. I, p. 333.I4 Carlos Maximiliano, Ilern,enêutic'n e A/liccrçrco rln Direito, 7 ed., Edi(ora Frcit;,s� �Bastos, Rio de Janeiro, 1961, p. 242.15 Inteirando-se da questão: "Sc o costumc podc ohtcr força dc Ici c al,-,of;;" " Ic;",Tomás de Aquino concluiu pela afirmativa: "...pcla palavra hu(ne,na a Ici n,n scí Iod scr� � �mudada, mas também exposta, manifcstando o movimcnto intcrior e o conccito d;, razì,ohumana" (np. cit., vol. IV, p. 1.7A6).

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Em relação à primeira tese, argüi-se que o responsável peloesvaziamento e desprestígio da lei é o próprio Estado, através de seusórgãos incumbidos da aplicação da lei e da exigência de seu cumpri-mento. A responsabilidade, contudo, nem sempre pode ser lançadasobre o Poder Executivo. Agindo com desídia ou incompetência, oPoder Legislativo pode ser o agente do desencontro da vida com oDireito, provocando a revolta dos fatos contra o código. A inaçãogovernamental, disse Jean Cruet, é quem cria "um direito contra odireito". Como autor da ordem jurídica, o Estado possui o dever degarantir a sua efetividade. A negligência nesse mister, permitindo açõescontrárias ou o descaso pela lei, representa um contra-senso e queimporta na renúncia tácita à vigência e obrigatoriedade da lei em questão. Examinando a controvérsia à luz do Estado moderno, onde a leié a fonte principal do Direito, Flóscolo da Nóbrega pensa que "OEstac3o, que dita as leis, tem o dever de fazê-las cumprir, a eficácia dalei, a sua vitalidade, promana dessa garantia, dessa convicção de queas suas prescrições serão cumpridas como ordem de uma autoridadesuperior. Se essa garantia não se positiva, se essa autoridade não se fazrespeitar, se o poder negligencia o dever de impor obediência à lei, esta rde a força moral, desmoraliza-se, torna-se letra morta".'fi Machadoupério, condicionando o valor da desc<etctdo a uma razoável perma-�nência no tempo, revela seu ponto de visa favorável à prevalência do�desuso, diante da manifestação da vontade do Estado de renunciar 'acitamente, à aplicação de determinada lei.�· Uma tese mais avançada, fundada, porém, na autoridade de emi-Aentes mestres da Ciência do Direito, sustenta o ponto de vista de que desuetcrdo é força capaz de revogar a lei, ainda quando a ordem�jurídica expressamente exclua essa possibilidade. Enneccerus, talvez oprimeiro a argumentar em termos tão francos e conclusivos, reconheceuue, na prática, essa exclusão do costume ab-rogador tem conóiciona-�!o, com freqüência, as decisões, não obstante faltar à lei o poder denular o costume contra legern, "pois o que avança como vontade�prídica, geralmente manifestada, é direito, ainda ue confradiaa umairr,1,;,.n,. ix q� ��

Flóscolo da Nóbrega, Introcluç·<ro oo Direito, t' ed., Konfino, Rio de Janeiro, I96á.� 124. Machado Paupério, Inrroduç·iui ìz Ciênc·in clo Direira, 3' ed., Forense, Rio de Janeiro, 17 p. I2 � Apad az y Lacambra, otx c·it.. p. 56U.

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De grande significação é a surpreendente posição assumida porHans Kelsen diante do problema, isto porque abre uma fenda compro-metedora na sua famosa "pureza metódica". O autor da Teoria Pccra doDireito, que pretendeu reduzir o fenômeno jurídico a simples estruturanormativa, isolando-o dos demais fenômenos sociais, fez uma conces-sãó aos fatos sociais ao condicionar a validade da lei a um mínimo deeftcácia (v. § 217 e segs.).'y

89. Conclusões

Sobre o tema central, validade ou não da lei em desuso, a soluçãodeve ser guiada pelos dois valores supremos do Direito: jccstiça esegurança. Como justiça não pode haver sem a segurança, o centro degravidade do problema reduz-se aos critérios de segurança jurídica.Onde estaria a segurança da sociedade? Nas leis que ninguém cumpree os árgãos públicos rejeitam, ou nos costumes, que criaram raízes naconsciência popular? Mais uma vez, pensaruos, a verdade não selocaliza nos grandes extremos. A le.i em desuso é um mal que nãooferece soluções ideais. Dar validade à lei abandonada, esquecida pelopovo e negligenciada pelo próprio Estado, seria um ato de violência eque poderia provocar situações por demais graves e incômodas. Aadoção de um critério absoluto de revogação da lei pela desuetccdo. deigual modo, atenta contra os princípios de segurança da sociedade. Asleis de ordem pública que resguardam os interesses maiores da socie-dade devem estar a salvo de convenções em contrário e da negligênciados órgãos estatais. De.importância igual ao problema de validade da lei em desuso,julgamos:' o estudo de prevenção desse fenômeno. As parcelas deresponsábilidade na prevenção dividem-se entre os poderes da Repú-blica-Legislativo, Executivo e Judiciário -que têm na lei o seu grandeelo. A eliminação do fenômeno desuetudo está na dependência diretada fidelidade dos três poderes aos princípios iluminados pela Ciênciado Direito.

19 Hans Kelsen, Teoria Pura do Direitn, ed. cit., vol. I, p. 20.

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BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário: 85 - Fra nçois Gény, Método de Interpretación y Fuentes en Derecho PrivadoPositivo; Serpa Lopes,. Curso de Direitn Civil, I; Paulo Nader, Lemi, no 49; 86 - Paulo Nader, op. cit.; 87 - François Gêny, op. cit.; Paulo Nader, ol>. cit.; 88 - Luis Legaz y Lacambra, FilosoJa del Derecho; Paulo Nader, op. cit.;� 89 - Paulo Nader, ol. cit.�

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Capítulo XVII

NRISPRUDÊNCIA

Sumário: 90. Conceito. 9l. Espécies. 92. Paralelo entre Jurisprudência e Costume. 93. O Grau de Liberdade dos Juizes. 94. A Jurisprudência Cria o Direito? 95. A Jurisprudência Vincula os Tribunais? 96. Processos de Uni,ficação da Jurisprudência. i

90. Conceito !

No curso da história o vocábulo jccrisprccdência sofreu umavariação semântica. De origem latina, formado por jccris e pradentia,òvocábulo foi empregado em Roma pará désignar a Ciência do Direitoóu teoria da ordem jurídica e definido como Divinarum atque huma-rnrum rerum notitia, jccsti atqcce injttsli scientia (conhecimento das�Coisas divinas e humanas, ciência do justo e do injusto). Neste sentidoainda é aplicado modernamente, mas com pouca freqüência. Conside-tndo muito significativa a acepção romana, que realça uma qualidade�ssencial ao jurista, que é a prccdência, Miguel Reale entende que tudo�eve ser feito para manter-se também em uso o sentido original de�risprudência.' Atualmente o vocábulo é adotado para indicar os�precedentes judiciais, ou seja, a reunião de decisões judiciais, inter-pretadoras do Direito vigente. Em seu contínuo labor de julgar, os tribunais deenvolvem a�nálise do Direito, registrando, na prática, as diferentes hipóteses de�incidência das normas jurídicas. Sem o escopo de inovar, essa ativi-;áde oferece, contudo, importante contribuição à experiênciajurídica.�lo revelar o sentido e o alcance das leis, o Poder Judiciário beneficia��

Miguel Reale, Ligões Preliminnres de Direito, ed. cit., p. 62.

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a ordem jurídica, tornando-a mais definida, mais clara e, em conse �qüência, mais acessível ao conhecimento. Para bem se conhecerDireito que efetivamente rege as relações sociais, não basta o estudoldas leis, é indispensável também a consulta aos repertórios de decisões'judiciais. A jurisprudência constitui, assim, a definição do Direitoelaborada pelos tribunais. Na linha doutrinária de A. Torré, distinguimos, no conceitomoderno de jurisprudência, duas noções:1 ) Jurisprudência em sentidoamplo; 2) Jurisprudência em sentido estrito.2

1- Jurisprudência em Sentido Amplo: é a coletânea de decisõesproferidas pelos juízes ou tribunais sobre uma determinada matériajurídica. Tal conceito comporta: a) Jurisprudência uniforme: quandoas decisões são convergentes; quando a interpretaçãojudicia( ofereceidêntico sentido e alcance às normas jurídicas; b) Jurisprudênciacontraditória: esta ocorre em face da divergência, entre os aplicadoresdo Direito, quanto à compreensão do Direito Positivo.

2 - Jurisprudência em sentido estrito: dentro desta acepção,jurisprudência consiste apenas no conjunto de deeisões ccniformes,prolatadas pelos órgãos do Poder Judiciário, sobre urna determinadaquestão jurídica. É a auctoritas rérum similiter judicatorum (autori-dade dos casos julgados semelhantemente). A nota específica destesentido é a uniformidade no critério de julgamento. Tanto esta espéciequanto a anterior pressupõem uma pluralidade de decisões. Se empregássemos o termo apenas em sentido estrito, conformea quase totalidade dos autores, que significado teriam as expressões:a jurisprudência é divergente; procedimentos para a unificação dajccrisprudência. Tais afirmativas seriam contraditórias, pois, o que éuniforme não diverge e não necessita de unificação.

91. Espécies

A jurisprudência se forma não apenas quando há lacunas na leiou quando esta apresenta defeitos. Como critério de aplicação do

2 Abelardo Torré, Introducción al Derecho, 5' ed., Editoriat Perrot, Buenos Aires,1965,p. 325.

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ireito vigente, como interpretadora de normas jurídicas preexisten-s, a jurisprudência reúne modelos extraídos da ordem jurídica, deis suficientes ou lacunosas, claras ou ambíguas, normais ou defei-iosas. Assim, a jurisprudência pode apresentar-se sob três espécies:rcundum legem, praeter legem, contra legem. Ajurisprudência secundum legem é a que se limita a interpretarterminadas regras definidas na ordemjurídica. As decisõesjudiciais�;fletem o verdadeiro sentido das normas vigentes. A praeter legem éque se desenvolve na falta de regras específicas, quando as leis sãomissas. Com base na analogia ou princípios gerais de Direito, ositzes declaram o Direito. A contra legem é a que se forma ao arrepioa lei, contra disposições desta. É prática não admitida no planorico, contudo, é aplicada e surge quase sempre em face de leis�acrônicas ou injustas. Ocorre quando os precedentes judiciais con-�ariam a mens legis, o espírito da lei.

Paralelo entre Jurisprudência e Costume

Na doutrina, alguns autores, levados pela semelhança existenteitre o costume e a jurisprudência, afirmaram a igualdade de ambos.orkounov, porém, viu mais fundo a quéstão e situou ajurisprudênciaitre a lei e o costume. Seria análoga à lei por sua formação reflexivasemelhante ao costume por necessitar de uma pluralidade de atos.3ntre a jurisprudência e o costume, há semelhanças e alguns pontos; distinção. A formação de ambos exige a pluralidade de prática:Iquanto o costume necessita da repetição de um ato pelo povo, arisprudência requer uma série de decisõesjudiciais sobre uma deter-iinada questão de Direito. Costume e jurisprudência stricto sensu'essupõem a uniformidade de procedimentos: é necessário que a'ática social se reitere igualmente e que as sentenças judiciais sejamivariáveis. A par dessa similitude, distinguem-se principalmente nos seguin-s pontos: a) enquanto a norma costumeira é obra de uma coletividade indivíduos qúe integram a sociedade, ajurisprudência é produto de�m setor da organização social; b) norma costumeira é criada no

pud Serpa Lopes, Curso de Direito Civil, 4' ed., Freitas Bastos, Rio de Janeiro,1962,�.l,P· I11.

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relacionamento comum dos indivíduos, no exercício natural de direi-tos e cumprimento de deveres; ajurisprudência forma-se, geralmente,diante de conflitos e é produto dos tribunais; c) a norma costumeira écriação espontânea, enquanto a jurisprudência é elaboração intelec-tual, reflexiva.4

93. O Grau de Liberdade dos Juízes

En-: Roma, apesar de suas importantes ordenações jurídicas, osjuízes influenciavam no Direito Positivo. Ao assumirem as suas fun-ções, os pretores publicavam as regras que iriam aplicar durante a suagestão, além da legislação vigente e dos costumes. Aquelas disposi-ções, que se chamavam edicta, eram obrigatórias enquanto durasse omandato do pretor. Muitas, porém, eram adotadas por seus sucessorese acabavam se incorporando ao Direito em caráter permanente. Oseditos não se limitavam a complementar ou a suprir as fontes objetivasdo Direito Romano, conforme se pode inferir do comentário de Papi-niano, famoso jurisconsulto romano: "O Direito pretoriano é o queintroduziram os pretores, ajudando, suprindo ou corrigindo o DireitoCivil, para utilidade pública". (Digesto, Liv. I, 7). Atualmente', quanto à margerr de liberdade a ser atribuída ao�Judiciário, a doutrina registra três propostas: a livre estimaÇão, limi-tação à subsunção e a complementação coerente e dependente do�preceito.5

I . A Livre EstimaÇão - Norteada pelo idealismo de justiça, estacorrente preconizou uma ampla liberdade para osjuízes, que poderiamaplicar o Direito consoante os princípios de eqüidade. Esta posição foiadotada pela corrente do Direito Livre, de origem francesa, bem comopelo realismo juridico norte-americano. Entre estes dois movimentos ,�que não se confundem em princípios e mtodos, há, como ponto maior�de convergência, o reconhecimento da necessidade de se permitir aoJudiciário uma amplitude de atribnições para a soluç'ão dos conflitos.Partem da premissa de que o Direito, considerado como normasrígidas, de natureza apenas lógica, não é capaz de traduzir os anseios

Aftalion, Olano e Vilanova, nt. cir., p. 363.� Philipp Heck, ip. cit., p. 40.� Sobrc a correntc do Direito Livrc, consultar o cal. XXVII.�

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lo bem comum. Jerome Frank, um dos expoentes do legal realism,�iodicou que a missão do juiz é a de escolher os princípios de acordocom o seu critério de justiça, para depois aplicá-los aos casos concre-bs.' Holmes, bem antes do surgimento dessa corrente, havia atribuído,ìlógica no Direito, um valor apenas relativo: "a vida do Direito nãofoi a lógica; foi a experiência."s Historicamente e com fundamentações diversas surgem corren-les que sustentam a ampliação da esfera de (iberdade dos juízes, a fimde lhes possibilitar a justiça do caso concreto independentemente doditame legal. É o que se passa na última década do séc. XX, com oebamado uso alternativo do Direito ou, simplesmente, Direito Alter-tivo. Com a finalidade de se alcançar ajustiça social preconiza-se a�ura do juiz reformador, daquele que não se mantém neutro ideolo-�pcamente, mas que se conscientiza do grau de injustiça que atingeconomicamente camadas sociais e deve minorar a sorte dos pobres,�iutindo ação política nos atos decisórios. Além de se influenciar pelo�squema legal, deveria o juiz levar em conta a condição de pobreza da�rte envolvida no litígio. Seguindo tal doutrina alguns magistrados�do sul de nosso país não têm admitido, em matéria de locação, aamada dencincia vazia, autorizada em parte na legislação pátria (v.� 60, nota 21 e § 161 ). e�

2. Gimitação à Sctbsunção - Por esta doutrina o juiz operariaenas com os critérios rígidos das normas jurídicas, com esquemas�lógicos, sem possibilidade de contribuir, com a sua experiência, nadaptação do ordenamento à realidade emergente. Com esta orienta-�Io se evitaria o subjetivismo e o arbítrio nos julgamentos, ao mesmo�Iempo em que se preservaria a integridade dos códigos.9 Com esse

APud José Puig Brutau, La Jurisprudencia cnmn Fuente del Derecho, Bosch Casa itorial, Barcelona, p. 34. Oliver Wendell Holmes, O Direitn Comurn, O Cruzeiro, Rio de Janeiro,1967, p. 29. Apoiando-se no pensamento aristotélico de que "é melhor que tudo seja regulado por do que entregue ao arbítrio de juízes", Tomés de Aquino limitou as atribuições do 6istrado a indagar, por exemplo, "se um fato se deu ou não, ou coisas semelhantes". ifcou a sua posição apresentando três argumentos: a) "ser mais fãcil encontrar uns� tcos homens prudentes, suficientes para fazer leis retas, do que muitos que seriam ssários, para julgar bem de cada caso particular"; b) "os legisladores, com muita� eed8ncia consideram sobre o que é preciso legislar; ao contr5rio, os jutzos sobre fatos ticulares procedem de casos nascidos subitamente"; c) "os legisladoresjulgam em geral rra o futuro ao passo que os homens. que presidem ao ju(zo, julgam do presente,� Sxonados pelo amor ou pelo ódio..." (op. cit., p. l.768).

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objetivo, algumas legislações chegaram a proibir que os advogadosinvocassem os precedentes judiciais, .como o fez o Código dinamar-quês de 1683."' A teoria da divisão dos poderes, enunciada por Mon-tesquieu, foi tomada como um dogma a impedir a participação doJudiciário na formação do Direito. A Revolução Francesa, impregnadapela filosofia racionalista, idealizou a elaboração de um código per-feitó, conforme a razão e que regulasse todos os fatos e conflitossociais. Com a promulgação do Código Napoleão, no início do séculoXIX, a função do juiz ficou reduzida à de mero aplicador de normas;máquina de subsurnir, sem qualquer outra tarefa senão a de consultaros artigos do código, inteirar-se da vontade do legislador e aplicá-laaos casos em espécie. Montesquieu já havia afirmado que "no governorepublicano, pela natureza de sua constituição, osjuízes hão de seguiro texto literal da lei" e Robespierre, na Assembléia de 27 de novembrode 1790, proclamou: "essa palavra jurisprccdência dos tribccnnis, naacepção que tinha no antigo regime nada significa no novo; devedesaparecer de nosso idioma. Em um Estado que conta com umaconstituição, uma legislação, ajurisprudência dos tribunais não é outracoisa que a lei."" A chamada jurisprudência conceptccalista, por seu método depretender esquematizar todos os fatos ociais passíveis de regulamen-�tação jurídica, reduzindo-os a concéitos lógicos, limita consideravel-mente o pape) dos.juízes. Seria possível enquadrar todos os fatos davida, mediante esquemas rígidos? O principal construtor da jurispru-dência conceptualista foi o pandectista alemão Windscheid, que tratouos conceitos, no dizer de Wilhelm Sauer, "com um método normativorigoroso, com exatidão matemática e filológica, tendo como fim aliberdade de discussão sistemática para a realização da máxima garan-tia jurídica, rechaçando ou delimitando ao máximo a liberdade doarbítrio judicial..."'2 Philipp Heck, principal nome da jurisprudênciade interesses, não poupou críticas ao tecnicismo conceptualista: "Ajurisprudência de conceitos é como o mago que não pode ajudar, mashá os que lhes prestam fé cega."' �

10 Alf Ross, Snbre el Derechn y la Ju.siicia, Editorial Universitária de Buenos Aires. I974,p. 83.I 1 Cf. Ramon Badenes Gasset, Metnclolnin clel Derechn, I' ed., Bosch Casa Editorial,�Barcelona,1959, p. 87.12 Apud Ramon Badenes Gasset, np. cit., p. I I9.I3 Philipp Hcck, op. eir., p. S0.

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3. Complementação Coerente e Dependente do Preceito - Comoom ponto de equilíbrio entre os dois radicalismos, esta constitui aposição mais aceita e que reconhece a necessidade de se conciliarem interesses de segurança jurídica, pelo respeito ao Direito vigente,�com uma indispensável margem de liberdade aos juízes. É um dado da experiência que o Direito codificado não é sufi-ciente, pelo simples enunciado das normas, para proporcionar ao juizá solução necessária ao julgamento. O Direito Positivo apresenta-semediante normas genéricas e abstratas, que não podem ser aplicadascom automatismo. Ao lidar com os conceitos amplos e gerais da normaorídica, guiado pela ratio legis e pelo.elemento teleológico, o juiz�ovalia o alcance da disposição, com o sèu discernimento. A Consoli-dação das Leis do Trabalho, por exemplo, pela letra "e" do art. 482,�prevê a desídia do empregado como fato que autoriza a rescisão de seucontrato de trabalho. A doutrina expõe o conceito de desidia, mas oáeu alcanoe prático é definido pela jurisprudência. O papel dos juízes tribunaìs se revela, assim, como o de complementação das normas�

É princípio assente na moderna hermenêutica jurídica que os úzes devem interpretar o Direito evolutivamente, conciliando velhas irmulas com as novas exigências históicas. Nesse trabalho de atua-� zação, em que a letra da lei permanece imutável e a sua compreensão dinâmica e evolutiva, o juiz colabora decisivamente para o aperfei- amento da ordemjurídica. Ele não cria o mandamentojurídico, mas� penas adapta princípios e regras à realidade social. Mantém-se fiel, ortanto, aos propósitos que nortearam a elaboração das normas. Iering valorizou essa atividade, lembrando a importante função da iterpretntio romana, que não consistia na simples aplicação de nor- ias aos casos concretos, mas na conciliação do Direito com os fa tos

A Jurisprudência cria o Dircito?

Para os ordenamentos jurídicos filiados ao sistema anglo-ameri- o, a jurisprudência constitui uma importante forma de expressão Direito. Ao fundamentar uma pretensão judicial, os advogados icam uma série de sentenças ou acórdãos prolatados pelos tribu- , com pertinência ao caso enfocado. Em determinadas causas, as�

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partes, ou o magistrado, reportám-se a decisões de mais de um século.'" Em seu Note Book, Brácton coleciou cerca de 2.000 casos resol-vidos pelos tribunais e que ofereciam subsídios práticos. Nos Estados que seguem a tradição romano-germânica, a cujosistema vincula-se o Direito brasileiro, não obstante alguma divergên-cia doutrinária, prevalece o entendimento de que o papel da jurispru- �dência limita-se a revelar o Direito preexistente. No Estado moderno,estruturado na clássica divisão dos três poderes, o papel dos tribunaisnão poderá ir além da interpretação ou integração do Direito a seraplicado. Se os juízes passassem a criar o Direito, haveria uma intro-missão arbitrária na área de competência do Legislativo. Bustamantey Montoro salienta que "se ajurisprudência fosse uma fonte de Direito ,se converteria em uma prisão intelectual para o próprio SupremoTribunal, escravizado, depois que houvesse reiterado uma normaelaborada por ele".'5 Em vez de as normas jurídicas anteciparem-seaos fatos, estes seriam um prius e aquelas um posterius, o que tornariawlnerável a segurança jurídica dos indivíduos. Os juízes devem serleais guardiões da lei e o seu papel consiste, conforme assinala Bacon,em ius dicere e não em ius dare, isto é, a sua função é a de interpretaro Direito e não a de criá-lo. Esta opinrão não exclui a contribuição dajurisprudência para o progresso darvida jurídica, nem transforma osjuzes em autômatos, com a missão de encaixar as regras jurídicas aos�casos concretos. L através dela que se revelam as virtudes e as falhasdo ordenamento. É pela interpretação executada pelo Poder Judiciárioque as determinações latentes na ordem jurídica se manifestam. Por-tanto, a atividade dos juízes é fecunda e, sob certo ponto de vista,criadora. O papel do magistrado foi definido, lucidamente, porCabral de Moncada: "O juiz será, em muitos casos, não um deus exmachina da ordem jurídica, não um demiurgo capri.choso e arbitrá-rio, mas uma espécie de oráculo inteligente que ausculta e define osentido duma realidade espiritual que, em última análise, lhe étranscendente e possuidora de tanta objetividade como o direito jáexpresso e formulado na lei. Nisto consiste o seu particular poder

14 Hermes Lima cita que: "em junho de 1923, no caso Bremer del Transport contraDrewry, o juiz citou e discutiu decisões de 1679, 1704, 1732,1805. 1818, 1827, 1855 e1886. A mais recente tinha 49 anos, a mais antiga 254" (op. cit., p. 17I ).IS A. S. Bustamante y Montoro, Introdurción a la Cieneia del Dereehn. 3' ed., CulturalS.A.,1945, La Habana,1, p. 87.

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do direito, condicionado e colaborante, como se vê, e não livre

Na prática, reconhecemos que, a cada momento, os julgadores,isa de interpretar, introduzem novos preceitos no mundo jurídicomuladamente. Tal situação decorre, muitas vezes, da má ou insu-nte legislação e da inércia do legislador, que permite a revolta doscontra o Direito. Como um elo entre as instituições jurídicas e aojuiz procura ser de fato o interpres, o conciliador, conjugandoreito com as aspirações de justiça. Concordamos com Portalis,do observa que "é necessário que o legislador vigie a jurispru-ia... mas também é necessário que tenha uma."' Admitimos�ajurisprudência, no sistema continental, apenas a condição de: indireta, que influencia na formação das leis, por seu conteúdorinário (v. § 73, 4).

A Jurisprudência Vincula os Tribunais?

Na Inglaterra a jurisprudência tornou-se obrigatória, com o ob-vo de dotar o sistema jurídico de maior~definição, pois a fonteente, costumes gerais do Reino, era inc`rta e muitas vezes contra-�íria. Nos Estados de Direito codificado, a jurisprudência apenas;nta, informa, possui autoridade científica. Os juízes de instância'rior não têm o dever de acompanhar a orientação hermenêutica dosunais superiores. A interpretação do Direito há de ser um procedi-nto intelectual do próprio julgador. Ao decidir, o juiz deve aplicarorma de acordo com a sua convicção, com base na merrs legis earrendo às várias fontes de estudo, nas quais se incluem a doutrinaprópriajurisprudência. Se há uma presunção de que a jurispru-cia firmada pelos tribunais superiores expressa melhor o Direi-Jean Cruet sustentou opinião oposta: "explica-se assim que ao inovadora da jurisprudência comece sempre a fazer-se sentir jtribunais inferiores: vêem estes de mais perto os interesses e os;jos doé aptaraoperc ber rápida emnit dam nte ae órre ne dasa não 1

al de Moncada, Estcdo.s Filo.scíficns e Hisrcír-icns, Acta Universitas Conimbrigensis,� ,1958, vol. I, p. 214. Cruet, op. cir., p. 75.

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realidades sociais. A lei vem de cima; as boas jurisprudênciasse em baixo."'s (Grifamos.)

96. Processos de Unificação da Jurisprudência

Empregamos, aqui, o termo jurisprudência em lato sensu, o qucompreende também as decisões heterogêneas dos tribunais sobdeterminada matéria legal. A necessidade de a ordemjurídica oferecea certeza quanto ao Direito vigente, de dar clara definição às normjurídicas, para melhor orientação de seus destinatários, faz com quejurisprudência divergente seja considerada um problema a reclamsolução. O sistema jurídico brasileiro dispõe de recurso especial parácombater a jurisprudência conflitante. Com base na divergência dejulgados entre dois ou mais tribunais de estados diferentes, a parte'interessada poderá, com fundamento no art.105, III, "c", da Consti-tuição Federal, interpor um recurso especial para pronunciamento doSuperior Tribunal de Justiça, que dará o seu ponto de vista, provocan-do, naturalmente, a unificação nos procedimentos de aplicação doDireito. As súmulas dos tribunais possuem também esse importantepapel. Sobre questões de Direito;`em que se manifestam divergênciasde interpretação entre turmas ou câmaras, os tribunais fixam a suainteligência, mediante ementas, que servem de orientação para advo-gados e juízes e favorecem à unificação jurisprudencial. O Código deProcesso Civil, em seus arts. 476 a 479, dispõe sobre as condições paraa elaboração de súmulas pelos tribunais. A título de ilustração, transcrevemos algumas súmulas enun-ciadas pelo Supremo Tribunal Federal: Na 380 - "Comprovada aexistência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a suadissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido peloesforço comum."; no 402 - "Vigia noturno tem direito a salárioadicional."; no 605 - "Não se admite continuidade delitiva noscrimes contra vida."

I8 Jean Cruet. op. rit., p. 77.

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BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário: 90-Abelardo Torré, Introducción al Derecho; Miguel Reale, Lições Prelimi-cs de Direito; 91- Machado Netto, Compêndio de lntrodução à Ciência do Direito; Pauloirado de Gusmão, Introdução ao Estudo do Direito; 92 - Aftalion, Olano e Vilanova, Introducción al Derecho; Machado Netto,cit.; 93 - Philipp Heck, El Proólema de la Creación del Derecho; 94-José Puig Brutau, Ln Jurisprudencia como Fuente del Derecho; Hermesia, lntrodução à Ciêncin do Direito; Jean Cruet, A Vida do Direito e a lnutilidadeLeis; A. S. Bustamante y Montoro, Introducción n !a Ciencia del Derecho; 95 - Aftalion, Olano y Vilanova, op. cit.,; 96- Hermes Lima, op. cit.; Paulo Dourado de Gusmão, op. cit.

'I.'.�

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XVIII

DOUTRINA JURfDICA

Sumário: 97. O Direito Cientifico e os Juristas. 98. As Três Funções da Doutrina. 99. A Influência da Doutrina no Mundo Juridico.100. A Doutri- na como Fonte /ndireta do Direito. I01. Argumento de Autoridade.102. O Valor da Doutrina no Passado. 103. A Doutrina no Presente. i

0 Direito Científico e os Juristas

Antes de se lançar na vida social como norma reitora de convi-bncia, o Direito é princípio e conceito, assentados doutrinariamenteelos cultores da ciência jurídica. A doutrina, ou Direito Cientifico,nttpõe-se de estudos e teorias, desenvolvidos pelos juristas, com oójetivo de sistematizar e interpretar as normas vigentes e de conceberwos institutos juridicos, reclamados pelo momento histórico. É aemmunis opinio doctorum. Esse acervo de conhecimentos é resultadoa experiência de juristas, mestres de Jurisprudência e dos juízes. Osstudos doutrinários localizam-se nos tratados, monografias, sentençasrolatadas pelos mais sábios juízes. 0 cientista do Direito, como os pesquisadores em geral, é movidodo espírito perscrutador, que indaga o desconhecido, a fim de trazer,loz do conhecimentó, os princípios básicos que controlam a realidade.uacumprir o seu papel perante a Ciência do Direito, ojurista necessitanir algumas qualidades:� a) independência: deve subordinar-se apenas aos imperativos dancia; seu espírito deve ser livre para enunciar os postulados ditados�er sua consciência jurídica. Essa imparcialidade é que desperta amfança na doutrina jurídica e lhe dá maior prestígio; b) autoridade cientifica: o jurista deve reunir sólidos conheci-entos na área do Direito e possuir talento, conforme expõe Ferrara:�

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"O jurisconsulto necessita de um poder de concepção e de abstração ,da faculdade de transformar o concreto em abstrato, do golpe de vistaseguro e da percepção nítida dos princípios de direito a aplicar, numa �palavra, da arte juridica. A mais disto deve ter o senso juridico, que 6;como o ouvido musical para o músico, ou seja, uma pronta intuiçãoespontânea que o guia para a solução justa."' c) responsabilidade: é o senso do dever, a necessidade de cumpriros compromissos assumidos perante o mundo científico; é indispensá-vel, para isto, que possua uma sólida formação moral. Nos tempos antigos, quando não havia a imprensa e as normasjurídicas eram divulgadas apenas pela oralidade, não apenas o Direitoera expresso em versos, para facilitar a sua memorização, como osensinamentos jurídicos ganhavam a forma dos aforismos e provérbios.Se o valor destes era absoluto no passado, na atualidade a sua impor-tância é limitada. Cogliolo expressou o significado dessas máximas: "asabedoria popular condensada em provérbios é tanto maior quantomenos civilizado é o povo... ainda hoje nos nossos tribunais estesditérios, gratos ao ouvido, são a consolação e o orgulho dos leguleiosignorantes."z Adoutrinajurídica, por alguns setores da cultura, é consideradacomo um fator de conservação daõrganização social, por fornecer�suporte científico ao Direito que estrutura e informa às instituiçõese aos órgãos da sociedade. Para o marxismo, por exemplo, o juristaé visto como agente protetor dos interesses das classes dominantes e aCiência do Direito como a expressão ideológica desses interesses.3

98. As Três Funções da Doutrina

A atividade desenvolvida pelos juristas se revela fecunda em trêsdireções: na formação das leis, no processo de interpretação do DireitoPositivo e na crítica aos institutos vigentes.

I Francesco Ferrara, Interpretação e Aplicação da.s Geis, 2' ed., Arménio Amado, Editor,Sucessor, Coimbra. I963, p. I82.2 Cogliolo, np. cil.. p. 76.3 Roberto José Vernengo, Curso de Tenria Genera! del Derecho. Cooperadora de Derechoy Ciencias Sociales, Buenos Aires.1972, p. 395.

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Atividade Criadora - Paza acompanhac a dnâmca da vida� � � oDireito tem que evoluir, mediante a criação de novos princípios tas. Esse aperfeiçoamento permanente da ordem jurídica, com a uição de velhos institutos por concepções modernas, calcadas na� de subjacente, decorre do labor dos juristas. É a doutrina que� iz os neologismos, os novos conceitos, teorias e institutos no ijurídico. As inovações devem ser estudadas com a prudência ária, para que não se insurjam no erro apontado por Cogliolo: ra dos juristas, em todos os tempos, teve a tendência para ar. Atécnicajurídica freqüentes vezes se converte em sutileza, ismo e pedantaria. Em alguns séculos dá-se isto mais do que ros, mas em geral à Ciência do Direito é inato o pecado original lir teorias e interpretações para além.da verdade."4�

2. Função Prática da Docctrina - Ao desenvolver estudos sobre o ;ito Positivo, os juristas lidam com uma grande quantidade de nas jurídicas dispersas em numerosos textos legislativos. Para isar as regras vigentes, o jurista precisa desenvolver um trabalho io de sistematização, reunindo o conjunto das disposições relativas� sunto de sua pesquisa. Essa tarefa se revela de grande importância,� é a seleção das normas que irá pernitir o conhecimento jurídico.� ;matizado o Direito, desenvolve-se o trabalho de interpretá-lo, de lar o sentido e o alcance das disposições legais. O resultado desse Ilho de seleção e interpretação do Direito vigente é útil para todos les que participam na vida do Direito, não só para os profissionais, para os destinatários das normas, que têm o dever de seguir as� determinações.

3. Atividade Critica-Diante da ordemjurídica o papel dosjuristas se limita a definir a mensagem contida nos mandamentos de 'reito. Não deve apenas dizer o Direito vigente. É indispensável que bmeta a legislação a juízos de valor, a uma plena avaliação, sobiferentes ângulos de enfoque. Deve acusar as falhas e deficiências, do�onto de vista lógico, sociológico e ético. É dentro de uma visão�ialética de oposições doutrinárias que o progresso jurídico se trans-�forma em realidade. É do contraste entre as teorias e as opiniões, do

· Cogiiolo, op. cit., p. 82.

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1. Atividade Criadora - Para acompanhar a dinâmica da vida ;ial o Direito tem que evoluir, mediante a criação de novos princípios rmas. Esse aperfeiçoamento permanente da ordem jurídica, com a� stituição de velhos institutos por concepções modernas, calcadas na� ilidade subjacente decorre do labor dos juristas. É a doutrina que roduz os neologismos, os novos conceitos, teorias e institutos no mdojurídico. As inovações devem ser estudadas com a prudência ;essária, para que não se insurjam no erro apontado por Cogliolo: obra dos juristas, em todos os tempos, teve a tendência para tgerar. Atécnicajurídica freqüentes vezes se converte em sutileza, malismo e pedantaria. Em alguns séculos dá-se isto mais do que outros, mas em geral à Ciência do Direito é inato o pecado original� impelir teorias e interpretações para além.da verdade."4

2. Fanção Prática da Doutrina - Ao desenvolver estudos sobre o ito Positivo, os juristas lidam com uma grande quantidade de ias jurídicas dispersas em numerosos textos legislativos. Para sar as regras vigentes, o jurista precisa desenvolver um trabalho io de sistematização, reunindo o conjunto das disposições relativas sunto de sua pesquisa. Essa tarefa se revela de grande importância, é a seleção das normas que irá perrritír o conhecimento jurídico.� matizado o Direito, desenvolve-se o trabalho de interpretá-lo, de ar o sentido e o alcance das disposições legais. O resultado desse ilho de seleção e interpretação do Direito vigente é útil para todos les que participam na vida do Direito, não só para os profissionais, para os destinatários das normas, que têm o dever de seguir as� determinações.

3. Atividade Critica-Diante da ordemjurídica o papel dosjuristas se limita a definir a mensagem contida nos mandamentos de ito. Não deve apenas dizer o Direito vigente. É indispensável que leta a legislação a juízos de valor, a uma plena avaliação, sob entes ângulos de enfoque. Deve acusar as falhas e deficiências, do de vista lógico, sociológico e ético. É dentro de uma visão� tica de oposições doutrinárias que o progresso jurídico se trans- a em realidade. É do contraste entre as teorias e as opiniões, do

4 Cogliolo, op. cit.. p. 82.

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embate das correntes de pensamento, que nasce o instrumento eficaz,a fórmula ideal para reger os interesses da sociedade.

99. A Intluência da Doutrina no Mundo Jurídico

A Ciência do Direito proporciona resultados práticos no setor dalegislação, dos costumes, na atividade judicial e no ensino do Direito.A doutrina se desenvolve apenas no plano teórico, oferecendo valiosossubsídios ao legislador, na elaboração dos documentos legislativos. Seao legislador compete a atualização do Direito Positivo, a tarefa deinvestigar os princípios e institutos necessários é própria dos juristas.Se estes falham em sua missão, se não propõem modelos concretos, olegislador não alcançará o seu intento de modernizar o sistemajurídico.O livro Digesto dos romanos formou-se pela coletânea de lições devários jurisconsultos famosos. Durante a Idade Média, no âmbito dasuniversidades, a doutrina criava o chamado Direito-modelo, que foiaproveitado pelos legisladores, quando surgiram as codificações. NaFrança, a doutrina exposta pelos jristas Cujas, Domat e Pothier teve�influência decisiva na elaboração do Código Napoleão. Para o filósofo do Direito Felice Battaglia, a Ciência do Direitoexerce influência também sobre o costume e o faz por um duplo modo.Quando não há uma norma orientadora da conduta jurídica e a socie-dade vai gerar espontaneamente uma regra costumeira, os juristas,intuindo essa necessidade, antecipam-se à consciência jurídica da co-letividade. Além dessa influência indireta, os teóricos do Direito parti-cipam diretamente na formação da norma costumeira, pois "errariaquem acreditasse que todos os membros da comunidade participam naformação do costume de um modo igual, sejam doutos ou iletrados.Porque não há dúvida de que os primeiros, porque se aprofundam noestudo do Direito, gozam de maior sensibilidade jurídica do que ossegundos, pelo que influem mais do que os outros sobre as orientaçõesjurídicas, ainda que estas pareçam suceder de um modo irreflexível".5O cientista italiano acrescenta ainda que a formação de normas costu- f

5 Felice Battaglia, Curso de Filosofia del Derecho, Reus S. A., Madrid,1951, vol. II, p.32l.

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meiras, relativas a certos negócios jusídicos, decorre de prévio aconse-lhamento dos juristas. A atividade doutrinária de sistematização e interpretação dasnormas jurídicas beneficia o trabalho dos advogados e juízes. Tanto aarte de postular em juízo quanto a de julgar requerem o conhecimentodo Direito. A liçáo dos juristas, apresentada em seus tratados e mono-grafias, é uma fonte valiosa de orientação, capaz de propiciar embasa-mento científico ao raciocínio jurídico. A influência da obra dos juristas se torna mais palpável e decisivano tocante ao ensino do Direito nas universidades. O instrumentalbásico do estudante são os livros e os códigos. Enquanto as ciências danatureza possibilitam a investigação em laboratórios, a compreensãodo fenômeno jurídico se alcança pelo estudo e reflexão das teoriasexpostas em livros. Ao escrever a sua Introdução, A. D'Ors, comoprimeira frase de sua obra, lançou esse aspecto: "E1 estudio del derechoes un estudio de libros".6 Se a prática forense é necessária à formaçãodo bacharel, a verdadeira cultura tem por fundamento o sólido conhe-cimento doutrinário.

100. A Doutrina como Fonte Indiréta do Direito

Ao submeter o Direito Positivo a uma análise crítica e ao concebernovos conceitos e institutos, a doutrina favorece o trabalho do legisla-dor e assume a condição de fonte indireta do Direito. Para que o Direitocientífico fosse reconhecido como fonte direta ou formal, seria indis-pensável que o sistema jurídico o incluísse no elenco das fontes. Oanteprojeto da "Lei Geral de Aplicação das Normas Jurídicas", de 1965,preparado pelojurista Haroldo Valadão, na segunda parte de seu art. 6a ,incluiu a "doutrina aceita, comum e constante, dos jurisconsultos"como elemento fontal do Direito. Modernamente os estudos científicos, reveladores do Direito vi-gente e de suas tendências, não obrigam os juízes. A doutrina não éfonte formal, porque não possui estrutura de poder, indispensável àcaracterização das formas de expressão do Direito.

6 A. D'Ors, Una Introduccirin al Estudin del Derecho, Rialp, Madrid, 1963, p. 9.

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O comparatista René David, ao atribuir importância primordial àdoutrina, para ela reivindica o caráter de fonte, conforme se pode inferirde sua exposição: "quem quer alimentar ficções ou denominar Direitoà parcela do mesmo constituída pelas normas legislativas, pode fazê-lo;mas quem quer ser realista e ter uma visão mais ampla e, em nossojuízo, mais exata do Direito, haverá de reconhecer que a doutrinaconstitui todavia, como no passado, uma fonte muito importante e vivado mesmo."' Para o cientista francês, contudo, a doutrina não chega aser fonte formal do Direito, mas apenas mediata. Entre os poucos juristas que reconheceram na doutrina o caráterde fonte, encontram-se os adeptos da Escola Histórica do Direito e, emparticular, Savigny, porque o Direito científico expressava mais auten-ticamente o Direito popular. O jurista alemão, porém, condicionouaquele reconhecimento a alguns requisitos: n) alta reputação e sabedo-ria dos juristas; l) convergência de opiniões; c) sendo nova a doutrina,�que correspondesse à espera, de um longo tempo, do povo.R

101. Argumento de Autoridade

1. Conceito e Importâneia - O argumento "ab aictoritnte" con-�siste na citação de opiniões rloutrinárias, como finrlamento de iima�tese jcirldica que se rlesenvolve, normnlmente, pernnte n justiÇa. Aoatuar nos pretórios, em defesa de seus clientes, o advogado deveempregar todos os elementos éticos disponíveis para induzir o julgadoràs conclusões que Ihe são favoráveis. A advocacia é uma arte deconvencer e para isso o profissional deverá aliar aos seus conhecimen-tos jurídicos as noções básicas de lógica e psicologia. De um lado seempenha na diagnose dos fatos, utilizando-se para isso dos elementosde prova e, de outro lado, desdobra-se na caracterização do direito. Paraeste fim, o ponto de partida é a análise das fontes formais. Fundamental,a seguir, é a exegese dos dispositivos legais. Quando a porfiajudiciáriagira em torno da 9iaestio jiiris, o causídico deverá dispensar maior�cuidado à caracterização de sua tese, recorrendo não só ao próprioargumento; mas invocando também os subsídios da doutrina e da

7 René David, op. cii.. p. 108�8 Apud Legaz y Lacambra, np. cit., p. 575

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jurisprudência. A citação doutrinária deve ser feita de maneira razoável,sem excesso e com oportunidade. O advogado deve procurar convencercom base em suas técnicas de interpretação, tomando como padrão dereferência o Direito Positivo. Os antecedentes judiciais e as lições dos ;jurisconsultos famosos devem apenas complementar a argumentação enão ocupar o primeiro plano. Os advogados freqüentemente abusam dochamado argumento de autoridade, louvando-se mais na palavra dosjurisconsultos do que na própria exegese da lei. Argumentam, não combase em raciocínio lógico e jurídico, mas apoiando-se no prestígio derenomados cultores do Direito. 0 recurso ao argumento ab auctoritate tem por base, muitas vezes,oprincípio da inércia: em vez de se desenvolver raciocínio próprio e acitaçâo doutrinária servir de complemento, transcreve-se o raciocínio ' jde alguma autoridade no assunto. É mais fácil para o causídico e 'também para o magistrado que, receoso de errar, prefere ficar com ajurisprudência dominante e com os autores de projeção. O procedimen-to correto se dá quando o magistrado, convencido quanto ao acerto dedeterminada tese, aduz às suas razões os complementos doutrinários ejudiciais. O condenável é seguir-se o caminho oposto, dos assentosdoutrinários e jurisprudenciais extrair, por automatismo, a opiniãopessoal.

2. Orientação Prática - Não se deve atribuir ao argumento deautoridade um valor absoluto. Como toda obra humana é passível defalhas, também o são as lições dos jurisconsultos. Não é incomum sever um autor, de uma edição para outra de sua obra, modificar o seuentendimento quanto à matéria controvertida em Direito. Aliás, nessemomento o autor dá uma prova cabal de probidade intelectual. Aeficácia do argumento de autoridade nunca é garantida, pois o magis-trado, com base em convicção própria, poderá adotar tese contrária. O argumento se revela de maior valor e poder de convencimento,quando se forma, entre os doutrinadores, um consenso a respeito de ideterminada matéria. Pode-se questionar, contudo, diante da unanimi-dade de entendimento por parte dos jurisconsultos, sobre a utilidade do ; Ì .argumento de autoridade. Se há uniformidade de pensamento, o Direitonão oferece controvérsias e, onde não há controvérsias, de pouca valiase revela o argumento. Neste caso, a referência doutrinária se faz apenascomo margem de segurança contra uma eventual concepção persona- ;..lista do magistrado. E é neste sentido que François Gény atribui maior

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valor ao argumento: "Quando a doutrina dos escritores aparece comoum feixe compacto, um bloco, melhor ainda quando é unânime, cons-titui uma autoridade muito positiva, que, sem excluir absolutamente ocritério profissional do intérprete, lhe impõe grande prudência pararomper, de frente, contra o que a mesma lhe sugere."y Quando a matéria enseja controvérsia, com divisão de opiniãoentre os expositores do Direito, o fundamental é o raciocínio lógico ejurídico formulado pelo profissional. O argumento de autoridade apre-sentado poderá ser neutralizado com a apresentação de outro, emsentido contrário. Apesar do relativo valor do argumento de autoridade,o advogado não deverá desp~ezá-lo, porque ajuda a fortalecer a sua teseno pròcesso. De maior valor que o argumento de autoridade é o argccmento defonte, quando se invoca a opinião do jurisconsulto que forneceu, porsuas obras, subsídios para a elaboração da lei. Destaque-se, finalmente,que é prática condenável pela Deontologia Jurídica invocar-se a auto-ridade daquele contra quem se discute uma tese jurídica.

102. O Valor da Doutrina no Passado

A communis opinio doctorum exerceu um amplo papel no passa-do. A circunstância de o Direito não ser escrito exigia a consulta aoscultores do Direito, toda vez que houvesse dúvida sobre as regrasjurídicas. O Direito não estava ao alcance de todos, mas de uma classeespecial: a dos juristas, que zelavam pelo ordenamento jurídico. Pelovínculo existente entre o Estado e a Igreja, os sacerdotes, consideradosmandatários dos deuses, eram os juristas do passado. Quando essemonopólio dos sacerdotes chegou ao fim, o Direito alcançou maiorprogresso: a lei passou a ser interpretada; passaram-se a reconhecer ainsuficiência da lei e a necessidade de suprir-lhe as lacunas; osjuristas aperfeiçoaram o Direito, mediante o edito dos pretores, pelospareceres dos jurisconsultos, tratados jurídicos e pelo ensino daJurisprudência. Na Roma antiga, a doutrina desfrutou de elevada importância,chegando a alcançar, inclusive, a condição de fonte formal do Direito,

9 Apud Carlos Maximiliano, np. cit., p. 341.

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a partir do Imperador Tibério (42 a.C. - 37 d.C.), conforme indicaGarcía Máynez. Aos jurisconsultos de maior prestígio, designados porjurisprudentes ou simplesmente prudentes, o imperador concedia ochamado jus publice respondendi, a autoridade de emitir pareceres porescrito, que deveriam ser selados e que obrigavam aos pretores em suasdecisões. Tais pareceres eram denominados responsa prudentium. Noano de 426, o Imperador Teodósio promulgou a chamada "Lei dasCitas", pela qual os escritos jurídicos deixados por Gaio, Papiniano,Ulpiano, Paulo e Modestino condicionavam as decisões dos pretores.Historicamente a instituição criada passou a ser conhecida como "Tri-bunal dos Mortos", porque os mencionados jurisconsultos já eramfalecidos. Ao julgar uma questão em que houvesse controvérsia sobreo Direito, o pretor deveria acatar a opinião dominante entre essesjurisconsultos. Se nem todos apresentassem estudos a respeito e hou-vesse empate; deveria prevalecer a opinião de Papiniano e, na faltadesta, o pretor teria a liberdade de seguir a orientação doutrinária queconsiderasse mais justa. Na Espanha, na época dos reis católicos, a partir de 1499, insti-tuiu-se semelhante tribunal, em que as opiniões de Bártolo de Saxofer-rato, Juan Andrés, Baldo de Ubaldis e Nicolas de Tudeschi possuíamforça de lei. O labor intelectual desenvolvido ntre os séculos XI e XIII, pela�famosa Escola dos Glosadores, é digno de referência. Gom o objetivode estudar e interpretar o Corpus Juris Civilis, Irnério, Accursio eoutros notáveis juristas da época comentavam o texto romano pelométodo de glosas marginais e interlineares, que alcançaram grandeprojeção no mundo europeu. Essa Escola, que surgiu com a fundaçãoda Universidade de Bolonha, foi sucedida pelos comentaristas oupós-glosadores, que não se limitaram à análise do Direito Romano, maschegaram a criar um Direito novo, que influenciou a vida jurídicaeuropéia até o início da Idade Moderna.

103. A Doutrina no Presente

No presente a função da doutrina não se limita a interpretar oDireito, como sugere a famosa frase de Kirchmann: "três palavras dolegislador e bibliotecas inteiras se transformam em inutilidades". Aprodução científica dos jurisconsultos se desenvolve também no senti-

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do de construir novos institutos legais, revelando-se útil, nesta perspec-tiva, ao legislador, que tem a incumbência de renovar o conteúdo dasleis. A ciência elabora também princípios gerais de Direito, que orien-tam os legisladores, magistrados e advogados. Àqueles, na fase deformação da lei e, a estes, na etapa de aplicação. A exposição doutrinária, modernamente, desenvolve-se por doi �métodos principais: o alemão e o francês. Enquanto osjuristas alemãesutilizam-se dos Kommentare dos artigos dos textos, adotando a fórmulados códigos anotados, os juristas franceses preferem o estudo sistemá-tico do Direito; examinand nw artigos isolados, mas os institutos� �jurídieos, preferindo ainda cs repertórios que seuem a ordem alfahé-� �tica aos códigos anotados, com exceção ao ramo do I)ireitn Penal. Adiferença entre a doutrina francesa e a alemã é mais de forma dn quede conteúdo. Os juristas alemães, conforme esclarece René I)aid,��perpetuam o dualismo do Direito, que cessou na França com a rcclili-� �cação. Continuam, mesmo que não o reconheçam, fiéis à tradiçào cntreo Direito erudito e o Direito prático. O estudo das norinas aplicadaspelos tribunais e também das decisões se faz pelos Kommentar,�enquanto que pelos Lehrbücher (tratado) se faz a exposição do sistemae de suas normas, com suas vantagens e inconveniências. A doutrinafrancesa tende a fundir, conforme opinião de René David, em um sótipo, as duas classes de obras, Komrrentare e Lehrbücher. "'� Na Inglaterra, o Direito científico está se valorizando atualmente.As obras doutrinárias são designadas por books of authoritv e entre osjuristas mais credenciados projetam-se os seguintes nomes: Glanville,Bracton, Littleton, Coke. Segundo o depoimento de René David, mo-dernamente os textbooks já estão prevalecendo sobre os repertóriosconcebidos para uso dos práticos." Em nosso país, as obras científicas seguem basicamente quatrométodos de exposição: a) por análise de instituto jurídico; b) porcomentários a artigos de leis; c) por verbetes; d) por comentários aacórdãos de tribunais. Embora não se possa afirmar a superioridade deum em relação ao outro, pois todos são fórmulas idôneas à revelaçãodo Direito, é indubitável que o métodò de exposição por análise deinstituto é o mais indicado àqueles que iniciam o curso jurídico oudesconhecem a matéria tratada, pois favorece a visão de conjunto sem

IO René David, op. cit., p. I09.I I René David, op. rit., p. 306.

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prejuízo à profundidade da investigação. Quando o cultor do Direitobusca a sua maior ilustração relativamente a determinado dispositivode lei, seja para conhecer a sua amplitude ou para dirimir dúvidas, asobras mais adequadas são as de comentários a artigos. A doutrina quese apresenta em verbetes, via de regra, mostra a sua utilidade para asconsultas que exigem respostas imediatas. Em nosso país, há importan-tes obras organizadas em verbetes, que aliam a facilidade da consultaà análise de institutos. Os comentários e críticas a acórdãos são dealcance prático e teórico, pois, além de revelarem as tendências dostribunais, desenvolvem a exegese do Direito Positivo. Tal método, paratraduzir contribuição à Ciência do Direito, há de ser eminentementecrítico e para tanto o expositor deve alicerçar as suas idéias e cotejá-lascom a fundamentação dos acórdãos. Do exposto, conclui-se que aseleção do método de exposição doutrinária é importante para o conhe-cimento do Direito. Sendo o método apenas caminlo, ele não é sufi-�ciente à doutrina, que requer, ainda, que as concepções expostas o sejamde forma clara, concisa e fundadas em premissas lógicas.

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

97 - Lino Rodriguez-Arias Bustamante, Ciencin v Filosofia del Derecho:Roberto José Vernengo, Cisrso de Teorin Genernl del Dereclso; 98 - Mouchet e Becu, Inrroducción nl Derecho; Aftalion, Olano, Vilanova,Introducción al Derecho; 99 - Luis Legaz y Lacambra, Filosofia del Derecho; Felice Battaglia, Carsodc Filosofia de! Derecho; 100 - Luis Legaz y Lacambra, on. cit.; René David, Los Grandes Sistenas�Juridicos Contemporáneos; l0l - Carlos Maximiliano, Hernrenêutica e Ailicação do Direito;� 102 - Eduardo García Máynez, lntrodcicción al Gstudio del Derecho; 103 - René David, op. cit.

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Capítulo XIX

PROCEDIMENTOS DE INTEGRAÇÃO: ANALOGIA LEGAL

Sumário: 104. Lacunas da Lei. 105. O Postulado da Plenitude da Ordem Juridica.106. Noção Ceral de Analogia. l07. O Procedimento Analógico. 108. Analogia e Interpretação Extensiva.

104. Lacunas da Lei

l. Noções de Integração e de Lacunas - A integração é umprocesso de preenchimento de lacunas, existentes na lei, por elementnsque a própria legislação oferece ou po princípios jurídicos, mediante�operação lógica e juízos de valor. A doutrina distingue a auto-integra-ção, que se opera pelo aproveitamento de elementos do próprio orde-namento, da hetero-integração, que se faz com a aplicação de normasque não participam da legislação, como é a hipótese, por exemplo, dorecurso às regras estrangeiras.' A integração se processa pela analogiae principios gerais de Direito. · É um dado fornecido pela experiência que as leis, por mais bemplanejadas, não logram disciplinar toda a grande variedade de aconte-cimentos sociais. A dinâmica da vida cria sempre novas situações,estabelece novos rumos e improvisa circunstâncias. As falhas ou lacu-nas que os códigos apresentam não revelam, forçosamente, incúria ouincompetência do legislador, nem atraso da ciência. Pode-se afirmarque as lacunas são imanentes às codificações. Ainda que se recorra aoprocesso de interpretação evolutiva do Direito vigente, muitas situa-ções escapam inteiramente aos parâmetros legais. Somente quando osfatos se repetem assiduamente, tornam-se conhecidos e as leis não são

I V. a distinção em Miguel Reale, Giçõe.c Pretiminares de Direito, ed. cit., p. 293.

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modificadas para alcançá-los, é que se poderá inculpar o legislador ouos juristas. A lacuna se caracteriza não só quando a lei é completamenteomissa em relação ao caso, mas igualmente quando o legislador deixao assunto a critério do julgador. É possível de se manifestar aindaquando a lei, anomalamente, apresente duas disposições contraditórias,uma anulando a outra. De ocorrência mais difícil, esta espécie de lacunadecorre de defeito da lei e não por imprevisão do legislador. Antes deconcluir pela existência de antinomia entre duas normas e abandoná-las, o intérprete deve submetê-las a um rigoroso estudo, com base nossubsídios que a hermenêutica jurídica oferece, pois muitas vezes oconflito é mais aparente do que real.z Para Enneccerus ocorre ainda alacuna "quando uma norma é inaplicável por alcançar casos ou acarre-tar conseqüências que o legislador não haveria ordenado se conhecesseaqueles ou suspeitasse estas".3 Além de não caracterizar uma lacuna ,pois a lei oferece a disposição, esta hipótese de não aplicação da regraé problemática, pois a correção do defeito pode ser alcançada, conformeo caso, com a diminuição do campo de incidência da lei, de acordo comos princípios hermenêuticos. A integração da lei não se confunde com as fontes formais, nemcom os processos de interpretação do ireito. Os elementos de integra-�ção não constituem fontes formais porque não formulam diretamentea norma jurídica, apenas orientam o aplicador para localizá-las. Apesquisa dos meios de integração não é atividade de interpretação,porque não se ocupa em definir o sentido e o alcance das normasjurídicas. Uma vez assentada a disposição aplicável, aí sim se desen-volve o trabalho de exegese.

2. Teorias sobre as Lacinas - Os romanos já haviam admitido a�possibilidade das lacunas, tanto em relação ao Direito legislado quanto

2 Os Estatutos da Universidade de Coimbra denominavam TernPêutica Juridica a artede conciliar disposições aparentemente contraditórias. Na Academia de Ciências Moraise Politicas; em IB4I, na França, Blondeau sustentou, ao ler o seu trabalho "A Autoridadeda Lei", que, diante de leis contraditórias, quando não se pudesse descobrir a vontade dolegislador, ojuiz deveria abster-se dejulgar, considerar inexistentes os preceitos e arquivara demanda. Inteiramente incompatível com os princípios da Hermenêutica atual, essateoria ficou esquecida.3 APud José María Dfaz Couselo, Lo.s Princ·ipios Generales del Derechn, Plus Ultra.Buenos Aires,197I, p. 20.

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ao costume, conforme se pode inferir pelo texto de Justiniano: Neque-leges, neque senatusconsulta ita scribi possunt ut omnes casus quiquando inciderint, comprehendentur (nem as leis, nem os senatus-con-sultos podem ser escritos de tal sorte que todos os (casos) que aconte-cerem estejam nelas compreendidos). M_ odernamente a doutrina regis-tra cinco opiniões distintas, no tocante ao problema da existência daslacunas, catalogadas por Carlos Cossio: realismo ingênuo, empirismocientifico, ecletismo, pragmatismo e apriorismo filosófico.4

2.1. Realismo Ingênuo - A evolução social cria, de acordo comesta concepção, espaços vazios, brancos, não apenas na lei, mas nopróprio sistema jurídico, de tal sorte que muitos casos não podem serresolvidos com base em normas preexistentes. Exemplo típico é oseguinte raciocínio apresentado por Cossio: na época em que o CódigoNapoleão foi sancionado, a eletricidade não era um bem comerciável,não sendo prevista, pois, nessa legislação; logo, os assuntos relaciona-dos ao fornecimento de energia não poderiam ser resolvidos por aqueleCódigo. Criticando esta ordem de raciocínio, o autor argentinoargumenta que, em face do caráter abstrato das normas jurídicas,estas se destinam a uma aplicação ampla, que excede à previsão dolegislador. Para Vallado Berrón, a teoria qué sustenta a existência de lacunasna lei desenvolve o seu pensamento com o objetivo de fazer crer aosjuízes que somente na hipótese de lacunas é admissível o arbítriojudicial. Essa corrente, na opinião do autor, parte do equívoco deconsiderar o Direito uma ordem estática e não dinâmica.5

2.2. Empirismo Científico - Com base na chamada norma deliberdade, pela qual tudo o que não está proibido esrú juridicamentepermitido, Zitelmann e Donati, entre outros, defendem a inexistênciade lacunas. Assim, não haveria vácuos no ordenamento.

2.3. Ecletismo - Para os adeptos desta corrente, que é majoritária,enquanto a lei apresenta lacunas, a ordem jurídica não as possui. Istoporque o Direito se apresenta como um ordenamento que não se forma

4 Carlos Cossio, L.a Plenitud del Ordenamienlo Juridieo, 2' ed., Editorial Losada S.A.,Buenos Aires,1947, p. 19 e segs.5 Vallado Rerrón, nli. cit., p.134-5.

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pelo simples agregado de leis, mas que as sistematiza, estabelecendoainda critérios gerais para a sua aplicação. Reconhecendo que estaopinião predomina entre os juristas contemporâneos. Cossio a criticasob a alegação de que "se a relação entre Direito e lei é a do gênero eda espécie, então há de se convir que, não havendo lacunas no Direito ,tampouco pode havê-las na lei, pois, segundo a lógica orienta, tudo oque se predica do gênero está necessariamente predicado na espécie... "6Discordamos da argumentação de Cossio, pois a premissa de seusilogismo não foi bem assentada. A relação entre o Direito e a lei nãose dá com a simplicicade apontada de "gênero e espécie". O Direitonão apenas é um continente mais amplo, que abrange a totalidadedos modelos jurídicos vigentes, como também estabelece o elencodas formas de expressão do fenômeno jurídico e os critérios deintegração da lei. Se a lei, por exemplo, não é elucidativa quanto adeterminado aspecto, este pode ser definido pelo costume, analogiaou pelo recurso aos princípios gerais de Direito.

2.4. Pragmatismo - Esta corrente reconhece a existéncia deIacunas no ordenamento jurídico, mas entende ser necessário se con-vencionar, para efeitos práticos, que o Direito sempre dispõe de fórmu-las para regular todos os casos emerge.ptes na vida social. São poucosos autores que admitem, abertamente, esta concepção que, na prática,é seguida por muitos juízes e tribunais.

2.5. Apriorismo Filosófico - Esta é a concepção defendida porCarlos Cossio, segundo a qual a ordem jurídica não apresenta lacunas.O seu pensamento está em concordância com o empirismo científico ,mas dele se diferencia na fundamentação. Enquanto que para o empi-rismo científico, na expressão de Cossio, o Direito é tomado comojustaposição ou soma de regras jurídicas, o apriorismo filosófico oconcebe "como una estructura totalizadora, de donde resulta que unrégimen de Derecho positivo es una totalidad y, por consiguiente, queno hay casos fuera del todo porque, de lo contrario el todo no seria taltodo".'

6 Carlos Cossio, op. cit., p. 427 Carlos Cossio, op. cit., p. 57.

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105. O Postulado da Plenitude da Ordem Jurídica

Se há divergências doutrinárias quanto às lacunas jurídicas, doponto de vista prático vigora o postulado da plenitude da ordemjaridica, pelo qual o Direito Positivo é pleno de respostas e soluçõespara todas as questões que surgem no meio social. Por mais inusitadoe imprevisível que seja o caso, desde que submetido à apreciaçãojudicial, deve ser julgado à luz do Direito vigente. É princípio consa-grado universalmente que osjuízes não podem deixar de julgar, alegan-do inexistência de normas aplicáveis ou que estas são obscuras. Nalegislação brasileira, o art.126 do Código de Processo Civil dispõe arespeito: "o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegandolacuna ou obscuridade da lei..." Se o magistrado pudesse abandonaruma causa, sob qualquer um daqueles fundamentos, a segurança jurí-dica estaria comprometida. O art. 4o da Lei de Introdução ao CódigoCivil Brasileiro, em ordem de preferência, indica os meios de que ojuizdispõe para solucionar os casos: "Quando a lei for omissa, o juizdecidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípiosgerais de direito."

106. Noção Geral de Analogia

I. Conceito - A analogia é ccin recurso técnico que consiste em seaplicar, a ccma hipótese não-prevista pelo legislador, a solccÇão por eleapresentada para ccm occtro caso fundamentalmente semelhante à não 'Previstn. Destinada à aplicação do Direito, analogia não é fonte formal.porque não cria normas jurídicas, apenas conduz o intérprete ao seuencontro. O trabalho que desenvolve é todo de investigação. No sentidode criatividade, não elabora, pois o mandamento jurídico preexiste.Estabelecendo esse recurso técnico para a integração do Direito, olegislador simplifica a ordem jurídica, dando-Ihe organicidade. A apli-cação da analogia legal decorre necessariamente da existência delacunas da lei. É uma técnica a ser empregada somente quando a ordemjurídica não oferece uma regra específica para determinada matéria defato. Normalmente essas lacunas surgem em razão do desencontrocronológico entre o avanço social e a correspondente criação de novasregras disciplinadoras. O intervalo de tempo que permanece entre osdois momentos gera espaços vazios na lei. Outras vezes, aparecem em I

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virtude do excesso de abstratividade da normajurídica que, pretenden-do alcançar elevado número de casos, deixa de contemplar diversassituações que, não se acomodando nos esquemas legais, passam areclamar autonomia e tratamento próprio. Uma vez manifesta, a lacunadeverá ser preenchida, utilizando-se, em primeiro lugar, do procedi-mento analógico. Ainda aqui o juiz, ou o simples intérprete, se mantémcativo ao Direito Positivo, pois não poderá agir com liberdade naescolha da norma jurídica aplicável. A sua função será a de localizar,no sistema jurídico vigente, a hipótese prevista pelo legislador e queapresente semelhança fundamental, não apenas acidental, com o casoconcreto. A hipótese definida em lei é chamada paradigma. A analogiadesenvolve o princípio lógico ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositioesse debet (onde há a mesma razão, deve-se aplicar a mesma disposiçãolegal). Para haver analogia é necessário que ocorra semelhança noessencial e identidade de motivos entre as duas hipóteses: a prevista ea não prevista em lei.

2. Fundamento da Analogia - Na necessidade que o legisladorpossui de dar harmonia e coerência ao sistema jurídico, a analogia temo seu fundamento. Com efeito, sem esse fator de integração do Direito,fatalmente as contradições viriam cemprometer o sistema normativo.Vinculando o aplicador do Direito ao próprio sistema, fica excluída apossibilidade de tratamento diferente a situações basicamente seme-lhantes, impedindo-se a prática da injustiça. O Direito Natural, através de seus princípios basilares, tambémdá fundamento à analogia, pois preconiza igual tratamento para situa-ções em que haja identidade de motivos ou razões. .

107. O Procedimento Analógico

Apesar de constituir-se em uma operação lógica, mas não exclu-sivamente lógica, a analogia não converte o intérprete em um simplesautômato que, de posse de um objeto, vai à procura de outro semelhante.De aplicação aparentemente simples, na realidade a analogia pressupõeuma grande percepção e um profundo sentimento ético do aplicador doDireito. Durante a busca do modelo jurídico, os juízos de valor sãoutilizados a cada momento. Sem eles, não seriam possíveis as consta-

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tações positivas ou negativas. Para se alcançar a certeza de que no caso"1" há a mesma razão que levou o legislador a disciplinar o casu "2" ,toma-se indispensável a apreciação axiológica. Somente após criterio-so estudo, pode-se chegar à conclusão de que há semelhança de fato eidentidade de razão entre o caso enfocado e o paradigma escolhido. Os casos, mais tecnicamente tratados por supostos ou hipótesesdas normas jurídicas, possuem um número variável de características.Para que se torne possível a aplicação da analogia, não basta que entreos casos comparados haja muitas características semelhantes. Normal-mente, quanto maior o número de semelhanças, maior a possibilidadede aplicação. Pode ocorrer que dois casos comparados, o previsto e onão-previsto pelo legislador, tenham quatro características idênticas ese desassemelhem em apenas uma; ainda assim, a analogia não estarágarantida, porque a razão que determinou a norma jurídica pode estarlocalizada nessa característica ímpar. Por outro lado, em relação aosque mantêm apenas uma característica igual, pode ser possível a apli-cação da analogia, desde que a ratio legis esteja convergida para essacaracterística do paradigma. É oportuna a exemplificação da analogiaà luz da experiência brasileira. A lei civil não prevê, especificamente,a ineficácia de um legado, quando o beneficiário deixa de cumprirencargo estabelecido em testamento. Os tribunais, todavia, assim vêmdecidindo, aplicando, por analogia, õ`disposto no parágrafo único doart.1.181 do Código Civil, que permite a revogação de doação onerosapor motivo de inexecução de encargo. Outro exemplo: o art. 230 doCódigo de Processo Civil admite que o oficial de justiça promova acitação em comarca contígua, disposição esta que é estendida, poranalogia, à hipótese de intimação. Muitos autores distinguem duas espécies de analogia: a legal e ajuridica. A primeira é a hipótese acima analisada, em que o paradigmase localiza em um determinado ato legislativo, enquanto que a analogiajurídica se configuraria quando o paradigma fosse o próprio ordena-mentojurídico. Entendemos que existe apenas uma espécie de analogia,que é a legis, porquanto a chamada analogia jciris nada mais representado que o aproveitamento dos princípios gerais de Direito.R A analogia legal, a par dé ser uma importante técnica de revelaçãodo Direito, empregada pela legislação de quase todos os países, com

8 Igual opinião é apresentada por Miguel Reale. em Ligões Prelinrinare.r de Direirn, ed.cit., p. 29d e 3I I .

j. i

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reserva apenas nos setores de Direito Penal, normas de Direito Fiscal9e, geralmente, conforme Vicente Ra6, "no tocante às normas de exceçãoque restringem ou suprimem direitos"'o é também um instrumentalsério e até mesmo grave que, não utilizado com a perícia que requer,pode levar o mau intérprete a conclusões falsas, como aquela queRomero e Pucciarelli narram: "A Terra, está povoada por seres vivos;Marte é análogo à Terra, tendo em comum com ela as propriedades a,b, c etc.; logo, Marte deve ser povoado por seres vivos...""

108. Analogia e Interpretação Extensiva

Apesar de procedimentos distintos, a interpretação extensiva e aaplicação analógica da lei muitas vezes são confundidas. Na interpre-tação extensiva o caso é previsto pela lei diretamente, apenas cominsufciência verbal, já que a mens legis revela um alcance maior paraa disposição. A má redação do texto é uma das causas que podem levarà não-correspondência entre as palavras da lei e o seu espírito. Nessecaso não se pode'falar em lacuna da lei. Existe apenas uma improprie-dade de linguagem. Para o procedimento analógico, a lacuna da lei éum pressuposto básico. O caso que se quer enquadrar na ordem jurídicanão encontra solução nem na letra, nem no espírito da lei. O aplicadordo Direito enceta pesquisa na legislação a fim de focalizar um paradig-ma, um caso semelhante ao não previsto. Uma vez localizado, desdeque a semelhança seja no essencial e haja identidade de motivos, asolução do paradigma será aplicada ao caso não previsto em lei. Na interpretação extensiva, amplia-se a significação das palavrasaté fazê-las coincidir com o espírito da lei; com a analogia não ocorreesse fato, pois o aplicador não luta contra a insuficiência de umdispositivo, mas com a ausência de dispositivos.

9 A analogia somente ã condenada no Direito Penal, para efeito de enquadramento emfiguras delituosas, em penas ou como fator de agravamento destas. Não se aplica tambémo procedimento analógico no-Direito Fiscal, quando for para imposição de tributos oupenas ao contribuinte.10 Vicente Raó, np. cit., vol. I, tomo II, p. 605I1 Apud Eduardo Garcfa M5ynez, op. cit., p. 367.

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BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário:104-José María Díaz Couselo, Los Principios Generales del Derecho; Carlosi, La Plenitud del Ordenamiento Juridico;105 - Miguel Reale, Lições Preliminnres de Direito;106 - Eduardo Garcia Máynez, Introducción al Estudio del Derecho;107 - Eduardo García Máynez, idem;108 - Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito.

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Capítulo XX

PROCEDIMENTOS DE INTEGRAÇÀO: PRINCÍPIOSGERAIS DE DIRFIT()

Surnário: l09. Considerações Prévias. 1I0. As Drtas Frrnç'ões rlos Prirtci- ios Cerais de Direito. /Il. Cnnceito dos Princiiins Cerxris de Direito.�� � 7 /2. Nntrrreza dos Principios Gerais de Direito. / 13. Os Principios Gerais de Dir-cirn <· ns I3rocardos. ll4. A Pesqrisa dos Princípios Cerais de� � Direitn. / /5. ll.c I'r-irrcíin.r e n Dir-nilo Comparado.��

109. Considerações Prévias

O postulado da plenitude da ordem jurídica, pelo qual o DireitoPositivo não apresenta lacunas, sendo pleno de modelos para reger osfatos sociais e solucionar os litígios, torna-se possível no plano práticoem face dos princípios gerais de Direito.' Na esteira de quase todos oseódigos estrangeiros, o Direito brasileiro consagrou-os como o últimoelo a que o juiz deverá recorrer, na busca da norma aplicável a um casoconcreto. Os princípios gerais de Direito garantem, em última instância,o critério de julgamento. Malgrado o legislador pátrio se refira especi-ficamente aojuiz, na realidade dirigem-se os princípios aos destinatá-rios do Direito em geral, ou seja, aos homens em sociedade. Diante de uma situação fática, os sujeitos de direito, necessitandoconhecer os padrões jurídicos que disciplinam a matéria, devem con-sultar, etn primeiro plano, a lei. Se esta não oferecer a solução, seja porum dispositivo específico, ou por analogia, o interessado deverá veri-

1 0 presente tema r-eveste-se de grande importância. tanto que Giorgio del Vecchio. aoestrear na C5tedra de Filosofia do Direito da Universidade de Roma, em I3 de dezembrode 1920. escolheu-o para dissertação. apresentando aos seus ouvintes a monografiaespecialmcnte escrita, hoje publicada sob o título Os Principios Cer-ais do Dir-eiro.

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ficar da existência de normas consuetudinárias. Na ausência da lei, deanalogia e costume, o preceito orientador há de ser descoberto medianteos princípios gerais de Direito. Nesta situação, não haverá a mínimapossibilidade, teórica ou prática, de não se revelar a norma reitora, pois,como bem afirma Clóvis Beviláqua, "o jurista penetra em um campomais dilatado, procura apanhar as correntes diretoras do pensamentojurídico e canalizá-lo para onde a necessidade social mostra a insufi-ciência do Direito positivo".2

110. As Duas Funções dos Princípios Gerais de Direito

Na vida do Direito os princípios são importantes em duas fasesprincipais: na elaboração das leis e na aplicação do Direito, pelopreenchimento das lacunas da lei. Os princípios, conforme acentuamMouchet e Becu, "guiam, fundamentam e limitam as normas positivasjá sancionadas".' Quando se vai disciplinar uma determinada ordem de interessesocial, a autoridade competente não caminha sem um roteiro predeli-neado, sem planejamento, sem defitfção prévia de propósitos. O pontode partida para a cómposição de um ato legislativo deve ser o da seleçãodos valores e princípios que se quer consagrar, que se deseja infundirno ordenamento jurídico. Ciência que é, o Direito possui princípiosestratificados pelo tempo e outros que vão se formando - in fieri. Sãoos princípios que dão consistência ao edifício do Direito, enquanto queos valores dão-Ihe sentido. A qualidade da lei depende, entre outrosfatores, dos princípios escolhidos pelo legislador. O fundamental, tantona vida como no Direito, são os princípios, porque deles tudo decorre.Se os princípios não forem justos, a obra legislativa não poderá serjusta. Ao caminhar dos princípios e valores para a elaboração do textonormativo, o legislador desenvolve o método dedutivo. As regrasjurídicas constituem, assim, irradiações de princípios. Na segundafunção dos princípios gerais de Direito, que é a de preencher as lacunaslegais, o aplicador do Direito deverá perquirir os princípios e valores

2 Teoria Geral do Direito Civil, ecl. cit., p. 37.3 Mouchet e Becu, op. cit., p. 273.

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que nortearam a formação do ato legislativo. A direção metodológicaque segue é em sentido inverso: do exame das regras jurídicas, porindução, vai revelar os valores e os princípios que informaram o atolegislativo.

111. Conceito dos Princípios Gerais de Direito

Aexpressão principios gerais de Direito, por ser demasiadamenteampla, não oferece ao aplicador do Direito uma orientação seguraquanto aos critérios a serem admitidos na sua aplicação. Para LinoRodriguez-Arias Bustamante, "o importante é que os princípios geraisde Direito sejam concebidos dentro do âmbito de critérios objetivos..."4Na opinião de Del Vecchio, que os identifica com os princípios doDireito Natural, "se bem se observa, o Direito só estabelece um requi-sito, quanto ao que deve existir entre os princípios gerais e as normasparticulares do Direito: que entre uns e outros não haja nenhumadesarmonia ou incoerência..."5 Pelo que se observa, ao escolher uma fórmula tão abstrata eindefinida, o legislador, já ciente das divergências doutrinárias que aexpressão apresentava, pretendeu ofereoer ao aplicador do Direito umcritério bem amplo, para a busca dos princípios aplicáveis aos casosconcretos. A expressão adotada, atualmente, já constava no art. 7o daLei Preliminar que, em 1916, acompanhou o nosso Código Civil.b Mans Puigarnau, com objetivo de clarear o entendimento daexpressão, submeteu-a à interpretação semântica destacando, comonotas dominantes, a principialidade, generalidade e juridicidade: a) Principios: idéia de fundamento, origem, começo, razão, con-dição e causa; b) Gerais: a idéia de distinção entre o gênero e a espécie e aoposição entre a pluralidade e a singularidade; c) Direito: caráter de juridicidade; o que está confoXme a reta; oque dá a cada um o que lhe pertence.'

4 Lino Rodriguez-Arias Bustamante, op. cit., p. 599.5 Apud Lino Rodciguez-Arias Bustamante, op. cit., p. 594.6 0 art. 7o da Lei Preliminar eea do seguinte teor: "Aplicam-se, nos casos omissos, asdisposições concernentes aos casos análogos e, não as havendo, os princípios gerais dedireito."7 Apud José María Díaz Couselo, op. cit., p. 79.

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No vasto campo do Direito há uma gradação de amplitude enos princípios, que varia desde os mais específicos aos absolutame �gerais, inspiradores de toda a árvore jurídica. Entendemos que, robstante a fórmula indique princípios gerais, a expressão abrange ta �os efetivamente gerais quanto os específicos, destinados apenas a �ramo do Direito. De acordo com a classificação que a doutrina apsenta quanto às categorias de princípios, os de Direito são monoval,tes, porque se aplicam apenas à Ciência do Direito; os princípplurivalentes aplicam-se a vários campos de conhecimento e os onilentes são válidos em todas as áreas científicas, como o princípiocausa eficiente.

112. Natureza dos Princípios Gerais de Direito

No exame da natureza dos princípios gerais de Direito, a polêmicadominante é travada entre as duas grandes forças da Filosofia doDireito: a positivista e ajusnaturalista. O positivismo, que tem a EscolaHistórica do Direito, nesse particular, como aliada, sustenta a tese deque os princípios gerais de Direito são os consagrados pelo próprioordenamento jurídico e, para aplicá-los, o juiz deverá ater-se objetiva-mente ao Direito vigente sem se resvalar no subjetivismo. As afirma-ções desta corrente, em síntese, são as seguintes: a) os princípios gerais de Direito expressam elementos contidosno ordenamento jurídico; b) se os princípios se identificassem com os do Direito Natural,abrir-se-ia um campo ilimitado ao arbítrio judicial; c) a vinculação de tais princípios ao Direito Positivo favorece acoerência lógica do sistema; d) os ordenamentos jurídicos possuem um grande poder de expan-são, que lhes permite resolver todas as questões sociais." Para a corrente jusnaturalista ou filosófica, da qual Giorgio delVecchio é o expoente máximo, os princípios gerais de Direito são denatureza suprapositiva, constantes de princípios eternos, imutáveis euniversais, ou seja, os do Direito Natural. O jusfilósofo italiano argu-

8 José María Rodríguez Paniagua, Ley y Derecho, Editorial Tecnos, Madrid,1976, p. 122.

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menta que, ainda na hipótese de a lei expressamente indicar, porprincípios, os constantes no ordenamentojurídico, como o fez o CódigoCivil Italiano,y os que deverão ser aplicados serão os do Direito Natural,de vez que, ao elaborar as leis, o legislador se guia por eles. Ainda quanto à natureza desses princípios, alguns autores identi-ficam-na como legado do Direito Romano, que sempre gozou de grande,prestígio e chegou a ser considerado a ratio scripta. Para Legaz yLacambra, essa vinculação dos princípios com o Direito Romanopossui valor puramente histórico. Em seus comentários ao art. 7o da LeiPreliminar, Clóvis Beviláqua identificou esse processo de integraçãocom os princípios universais da ciência e da filosofia, como o fizeramPacchioni e Bianchi: "Não se trata, como pretendem alguns, dos prin-cípios gerais do direito nacional, mas, sim, dos elementos fundamentaisdaculturajurídica humana em nossos dias; das idéias e princípios, sobreos quais assenta a concepção jurídica dominante; das induções e gene-ralizações da ciência do direito e dos preceitos da técnica.""' Gény eEspínola identificaram esses princípios com os ditados pela eqüidade.

113. Os Princípios Gerais de Direito e os Brocardos

A possibilidade de se confundirem os princípios gerais de Direitocom os brocardos e aforismos foi descartada por Arias Bustamante, sobo fundamento de que eles estreitariam o campo e a função dos princí-pios. O prestígio dos brocardos já experimentou, ao longo da história,altos e baixos. Enquanto alguns autores os consideram a ratio scripta,raios divinos capazes de iluminarem os estudos de Direito, outrosnegam-lhes importância. Apalavra brocardo deriva de Burcardo, Bispode Worms, que, no início do séc. XI, organizou uma coletânea de regrasque foram impressas na Alemanha e na França. Essa coleção de cânonesrecebeu o nome de Decretum Burchardi e as regras e máxirpas passarama ser conhecidas por burcardos e, posteriormente, por brocardos.

9 0 preceito consta na segunda parte do art.12: "...Se um litígio não puder ser decididopor uma disposição expressa, ter-se-á em conta as disposições que regulam os casossemelhantes e as matérias análogas; se o caso ficar ainda duvidoso, decidir-se-á de acordocom os princípios gerais da ordem jurídica do Estado."l0 Clóvis Beviláqua, Código Civil, Oficinas Gráficas da Livraria Francisco Alves, vol.I, P· 88.

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Carlos Maximiliano condensou algumas críticas feitas por diver-sos juristas: a) a fórmula genérica e ampla dos brocardos muitas vezes éilusória, pois geralmente são destacados de um determinado texto, ondepossuíam vida e significado, mas, uma vez isolados, não conservam omesmo sentido; b) às vezes não possuem qualquer valor científico e chegam até aconsagrar princípios falsos, v.g., in claris cessat interpretatio; c) o seu emprego muitas vezes excede ao seu campo de aplicação; d) em face da generalidade e quantidade de brocardos, é semprepossível descobrir algum que venha em abono a alguma tese e ocorreentão que, para um mesmo fato, se encontrem brocardos diferentesamparando teses opostas; e) apesar de enunciados em latim, nem sempre têm a autoridadedo Direito Romano, sendo difícil às vezes descobrir-se a sua origem." Conforme as ponderações de Carlos Maximiliano, as posiçõesextremas, radicais, não refletem o significado dos brocardos. O apegoexagerado aos aforismos é tão condenável quanto o absoluto desprezo.A tendência à generalização é um fato que precisa ser melhor exami-nado, para se evitarem as distorções jurídicas. O repúdio sistemáticoaos adágios representa uma renúncia.mpensada da cultura estruturada�através dos tempos. A conclusão é a de que é indispensável o maiorcritério e prudência na aplicação dos brocardos.

114. A Pesquisa dos Princípios Gerais de Direito

Para se revelarem os princípios que orientam e estruturam deter-minado sistema jurídico, o cientista do Direito deverá utilizar-se dométodo indutivo. Observando as fórmulas adotadas pelo legislador aoregular várias situações semelhantes, o jurista induz a existência de umprincípio. Dos princípios encontrados e que informam áreas específicasdo Direito, pode novamente induzir um princípio mais amplo e genéricoe, por generalizações ascendentes, chegar ao princípio procurado. Quando se pretende descobrir o princípio consagrado pelo legis-lador, o investigador deverá pesquisá-lo, na lição de Carlos Maximilia-no, obedecendo a seguinte ordem:

11 Carlos Maximiliano, op. cit., p. 298.

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a) no instituto que aborda a matéria; b) em vários institutos afins; c) no ramo jurídico como um todo; d) no Direito Público ou no Direito Privado (dependendo dalocalização da matéria); e) em todo o Direito Positivo; f J no Direito em sua plenitude. Nesta progressão, de caminhar do mais específico ao mais geral,apossibilidade de falha será menor quanto mais específica for a fonte.'2

115. Os Princípios e o Direito Comparado

Os sistemas jurídicos de quase todos os países incluem os princí-pios gerais de Direito como processo de integração jurídica. LimongiFrança revela a posição dos códigos das nações cultas, em relação aosprincípios gerais de Direito:

A - Silenciam: francês, alemão, japonês;

Códigos Civis das Nações Cultas 1- "Eqüidade Natural" (suíço, chi- leno); 2 - "Princípios Gerais do Direito Na- tural" (austríaco); B - Consagram: 3 - "Princípios Gerais de Direito" ' (brasileiro, argentino, mexica- no, espanhol); 4 - "Princí ios do Ordenamento Ju- rídico do Estado" (italiano)'3 I.'' I

12 Carlos Maximiliano, op. cit., p. 366.I3 R. Limongi França, Teoria e Prática dos Principios Gerais de Direito, Editora Revistados Tribunais, São Paulo,1963, p. 38.

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Entre os códigos que não seguem a fórmula tradicional figuram,com maior destaque, o da Áustria, de 1812, o suíço, de 1907 e o daItália, de 1942. O austríaco, por ter sido inspirado no racionalismokantiano, além de não prever o costume como fonte, identificou osprincípios com os do Direito Natural. O italiano modificou o critériodo Código anterior, que adotava a expressão principios gerais deDireito substituindo-a por principios do ordenamento juridico do Es-tado. O principal objetivo desse Código, ao adotar a nova fórmula, foio de impedir que a justiça italiana aplicasse princípios de Direitoestrangeiro, em plena Segunda Guerra Mundial. O critério adotado pelolegislador suíço, considerado por García Máynez "a fórmula mais felizde integração", ao mesmo tempo que libera o magistrado para aplicara regra que ele criaria se fosse o legislador, na hipótese de lacuna da leie na falta do costume, condiciona-o à doutrina e àjurisprudência. Essaorientação acha-se na segunda parte do art. lo, do teor seguinte: "Em todos os casos não previstos por lei, o juiz decidirá segundoo costume e, na falta deste, segundo as regras que estabeleceria setivesse que obrar como legislador. Inspirar-se-á para isso na doutrina ejurisprudência mais autorizada."

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário: 109 - Clóvis Beviláqua, Teoria Geral do Direito Civil; 110-Giorgio de1 Vecchio, Los Principios Generales del Derecho; José MaríaDíaz Couselo, Los Principios Generales del Derecho; `'� 111- José María Díaz Couselo, op. cit.; 112 - Luis Legaz y Lacambra, Filosofia del Derecho; José María RodriguezPaniagua, Ley y Derecho; 113 - Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito; 114 - Eduardo García Máynez, Introduccion al Estudio del Derecho; CarlosMaximiliano, idem; 115 - Limongi França, Teoria e Prática dos Principios Cerais de Direito; JoséMaría Díaz Couselo, op. cit.

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Capítulo XXI

A CODIFICAÇÃO DO DIREITO

Sumário:176. Aspectos Cerais.117. Conceito de Código. l18. A Incorpo- ração.119. A Duração dos Códigos.120. Os Códigos Antigos. l21. A Era da Codificação. 122. Os Primeiros Códigos Modernos. 123. A Polêmica entre Thibaut e Savigny.124. O Código Civil Brnsileiro. 125. A Recepção do Direito Estrangeiro.

116. Aspectos Gerais

A importância do Direito não esá apenas em seu conteúdo, nos�fatos que disciplina e nos valores que elege; está também na forma comque se apresenta. Se o ordenamento antigo, de natureza consuetudiná-ria, possuía o mérito de identificar-se com a vida social, ex fàcto jusoritur,' os anseios por um Direito mais definido e uniforme levaram ospovos à elaboração de textos amplos, centralizadores de sua experiên-ciajurídica. Já na Antigüidade, quando a sociedade era menos comple-xa e os problemas sociais de menor alcance, manifestava-se a necessi-dade de ordenações que reunissem os preceitos vigentes. Assim foi quesurgiu o Código de Hamurabi, a Legislação Mosaica, a Lei das XIITábuas e vários outros. Na atualidade, com a vertigínosa evolução científica, tecnológicae industrial, que não se condicionam inteiramente aos imperativoséticos, mas sobretudo aos interesses econômicos, ampliam-se as ques-tões sociais, multiplicam-se os tipos de conflitos humanos, e as insti-tuições jurídicas, para atenderem aos novos desafios, não podem cami-nhar pelo compasso lento dos costumes. Para que o Direito não se revele

1 O Direito nasce do fato.

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impotente diante. dos novos fatos é indispénsável que se atualize peloprocesso renovado de elaboração de leis. O Direito simplesmentelegislado, disperso em numerosas leis, não atende, também, às exigên-cias de segurança jurídica. Além de dificultarem o conhecimento domodelo jurídico, essas leis extravagantes não formam uma comunidadecoerente e escapam, ainda, ao pleno controle do próprio legislador. Asistematização do Direito exige, forçosamente, a concentração dasnormas em textos devidamente organizados. Esse objetivo pode serrealizado pela codificação ou pela incorporação. A primeira refere-seaos códigos e, a segunda, às consolidações.

117. Conceito de Código

Código é o conjunto orgânico e sistemático de normas juridicasescritas e relativas a um amplo ram do Direito. Nesta acepção, o�Código Civil da Prússia, de 1794, foi o primeiro ordenamento elabora-do em bases científicas. O código reúne, em um só texto, disposições relativas a umaordem de interesse. Pode abranger a qpase totalidade de um ramo, como ·o Código Civil, ou alcançar apenas uma parcela menor da ordemjurídica, como é a situação, por exemplo, do Código Florestal. Não é aquantidade de normas que identifica o código. Este pode apresentarmaior ou menor extensão. Normalmente constitui-se por um amplodesenvolvimento, pois a regulamentação de uma ordem de interesse ésempre uma tarefa complexa. Há leis que são extensas e que nãoconstituem códigos. Fundamentai é a organicidade, que não podedeixar de existir. O código deve ser um todo harmônico, em que asdiferentes partes se entrelaçam, se complementam. A aplicação docódigo é análoga ao funcionamento do organismo animal. Neste, osórgãos diversos conjugam as suas funções e nenhum possui autonomia.As partes que compõem o código desenvolvem uma atividade solidária;há uma interpenetração nos diversos segmentos que o integram. Daídizer-se que os códigos possuem organicidade. As disposições, consideradas individualmente, não possuem sen-tido e constitui uma temeridade a leitura isolada de preceitos, sem oconhecimento prévio do conjunto em que se inserem. A íntima vincu-lação existente entre as partes de um código influencia nos critérios deinterpretação. Esta deve ser sistemática. Ao interpretar, o hermeneuta

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procede à exegese do Direito, ainda que a sua atenção esteja voltadapara um artigo, pois cada fragmento do código só possui vida e sentidoquando relacionado com o texto geral. Igualmente procede o juiz.Quando fundamenta a sua decisão em um dispositivo do código, aplica,na realidade, não apenas o dispositivo isolado, mas o ordenamentojurídico em vigor. A elaboração de um código não é tarefa de agrupamento dedisposições já existentes em várias fontes. Não é um trabalho apenasde natureza prática. Implica sempre a atualização científica do Direito.0 legislador deve basear-se nos costumes, conservar as normas queforem necessárias, mas atuar com liberdade para inovar, introduzirnovos institutos ditados pelo avanço social. elaboração do código é�obra de modernização do Direito, de adoção dos princípios novosformulados pela Ciência do Direito. Nessa tarefa, o legislador deveconsultar, inclusive, as fontes externas, pesquisar no Direito Compara-do; a fim de criar uma obra que seja, ao mesmo teripo, a expressão de�uma realidade histórica e um organismo apto à realização dajustiça. Arenovação do Direito não pode ser um trabalho apenas de:gabinete; seusattífices devem consultar as forças vivas da nação, considerar ossubsídios apresentados pelos setores especializados da sociedade eouvir a opinião do homem simples do povo. A construção de um código pressuõe o conhecimento científico�e filosófico do Direito e requer um apuro de técnica e beleza. Se aciência fornece os princípios modernos, as novas concepções, a filoso-fiaestabelece as estimativas, o sentido dojusto, o critério da segurança.Conforme Filomusi Guelfi: "La forma più alta e riflessa, alla quale puòelevarsi la coscienza di un popolo, è il Codice."2 A elaboração do códigoexige uma técnica legislativa mais qualificada e o sentido de arte serevela na beleza do estilo, pela elegantia juris, pelo emprego da línguavemácula. Quanto à palavra código, está provém do latim codex, havendodivergência entre os autores quanto ao seu significado primitivo. Paraa maioria, os antigos empregavam codex para denominar as pequenastábuas de cera onde as leis eram escritas. Para A. B. Alves da Silva, osromanos empregavam codex como referência à escrita em pergaminho,por oposição a liber, que era a escrita em papiros. Sendo o pergaminhomais resistente, foi escolhido para a escrita das leis, pelo que passou o

2 Filomusi Guelfi, op. cit., p.100.

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vocábulo codex a expressar, restritamente, o conjunto de normasdicas escritas.3

118. A Incorporação

A incorporação é uma outra forma de organização do Direito '�Positivo, que se distingue da codificação pelo conteúdo e forma. É umtrabalho de natureza prática, que objetiva apenas agrupar, em um s6texto, as normas que se acham dispersas em diferentes fontes. 0resultado da incorporação é a consolidação. Entre o código e a consolidação há um denominador comum ealguns pontos de distinção. Ambos constituem uma condensação doDireito Positivo sobre determinado ramo. Enquanto que o códigointroduz inovações e é um campo sistematizado, a consolidação limi-ta-se a reunir as normas já existentes e não apresenta, geralmente, rigorlógico. Quando a consolidação se revela sistematizada, é chamadacódigo aberto, para indicar que não é um conjunto permanente denormas e que pode ser alterado sempre. A consolidação é uma alternativa útil ao legislador, nas seguintescondições: a) quando é urgente at necessidade de organização doDireito vigente, pois o seu preparo é mais rápido do que o de umcódigo; b) como etapa preparatória à elaboração de um código. Noséculo passado esse procedimento foi adotado em nosso país, com aConsolidação das Leis Civis, elaborada pelo famoso jurista Teixeirade Freitas.

119. A Duração dos Códigos

O código se destina não só a organizar o Direito, mas a oferecertambém estabilidade aos institutos jurídicos. Se é verdade que não sefazem códigos para durar uma eternidade, "é chocanCe quando o legis-lador, mal codifica, mal redige os códigos, os altera".q Compreende-se ,o código é obra de realização complexa, difícil, que exige anos de

3 A. B. Alves da Silva, fntrodução à Ciência do Direito, 3' ed., Editora Agir, Rio deJaneiro,1956, p. 311.4 Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, 2' ed., tomo I, Forense,I958, p. 20.

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trabalho e a participação de muitos. Elaborado, cria a necessidade dessimilação, de conhecimento, e para isto é importante a contribuição�dos jurisconsultos e da interpretação judicial. Nem todos os ramos do Direito oferecem condições para sercodificados; apenas aqueles que já alcançaram maturidade científica;possuem uma estrtitura sólida de princípios e o seu resíduo cambian-te é pequeno. É por esta razão, por exemplo, que os ramos do DireitoAdministrativo e do Trabalho ainda não foram codificados. Para aIongevidade dos códigos, alguns juristas defendem a tese de que acodificação somente deve ser efetivada em época de estabilidadesocial e política e julgam imprópria a sua elaboração nos períodosde transformações políticas. Em se tratando de ramos de DireitoPrivado, essa objeção não é válida, porque a área atingida naquelasmudanças é a do Direito Público, notadamente a do Direito Consti-tucional e Administrativo. Para Miguel Reale "toda época é épocade codificação, quando se tem consciência de seus valores históricos".5 -Quando o código envelhece? Desenvolvendo sobre esta questão,o jurista José Carlos Moreira Alves afirmou que o código envelheceapenas quando deixa de oferecer condições para a formação de novasconstruções jurídicas.b Nessa fase, em que se mostra impotente paraesquematizar os problemas sociais, o.código atinge o seu período�crepuscular e deve ser substituído.

120. Os Códigos Antigos

l. Considerações Gerais - Na acepção antiga, código era umconjunto amplo de normas jurídicas escritas. Não era obra de concepçãocientífca, nem artística. A sua organização não obedecia a uma seqüên-cia lógica e, normalmente, não passava de simples compilação doscostumes, de condensação das diferentes regras vigentes. Não se limi-tava também a disciplinar um ramo do Direito. Compreende-se, poisna Antigüidade a Jurisprudência não apresentava divisões, era um todo

5 Miguel Reale, Estudos de Filosofia e Ciência do Direito, Edição Saraiva, São Paulo,I978, p.165. -6 Palestra proferida no Ciclo de Estudos sobre Atualidades e Tendências do DireitoBrasileiro, em 20.05.77, sob o tema "O Projeto de Novo Código Civil", na Faculdade deDireito da Univecsidade Federal de Juiz de Fora.

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pro indiviso, que abarcava regras civis, penais, comerciais, tributárias.Entre as codificações mais antigas que alcançaram projeção, citam-seas seguintes: Código de Hamurabi, Legislação Mosaica, Lei das XIITábuas, Código de Manu e o Alcorão.

2. Código de Hamurabi - Considerado, até há alguns anos, alegislação mais antiga do mundo, o Código de Hamurabi (2000 a.C.)foi a ordenação que o rei da Mesopotâmia deu ao seu povo, "na tentativade criar um estado de Direito"' e, segundo as palavras de seu próprioidealizador, "para que o forte não oprima o fraco, para fazer justiça aoórfão e à viúva, para proclamar o Direito do país em Babel..."R Alémde defender, no plano externo, os interesses da Babilônia, Hamurabi foium notável administrador. Dotado de grande sentido dejustiça, decidia,em caráter final, os litígios entre os cidadãos, quando a parte interessadaa ele recorria. Levado pela necessidade de reformar velhas instituiçõese de favorecer a unidade do Estado, providenciou a formação de umcódigo, que não foi apenas uma compilação dos costumes. Na opiniãode Truyol y Serra, além de separar o ordenamento jurídico do setor daMoral e da Religião, o Código de Hamurabi possuía um sentidoracionalista, pois estabelecia critérios uniformes para uma populaçãoheterogênea, há pouco tempo unifirda.y� Consagrando a pena de talião (olho por olho, dente por dente), oCódigo reunia 282 preceitos, em um conjunto assistemático e queabrangia uma diversidade de assuntos: crimes, matéria patrimonial,família, sucessões, obrigações, salários, normas especiais sobre osdireitos e deveres de algumas classes profissionais, posse de escravos.Escrito em caracteres cuneiformes e gravado em uma estela de dioritonegro de 2,25m de altura, uma parte desse código, hoje no museu doLouvre, na França, foi descoberta em 1901, em Susa, por J. de Morgane decifrada pelo Padre Vincent Scheil. O seu conhecimento completou-se com o estudo de cópias assírias. Escrito em língua suméria, o Código de Lipit-Istar de Isin foi umalegislação anterior à de Hamurabi. O código mais antigo, até hojeencontrado, foi o de Ur-Namu (2050 a.C. aproximadamente), da tercei-

7 E. Bouzon, O Código de Hamurabi, 2' ed., Vozes, Petrópolis,1976, p. 11.8 Hamurabi, in Epilogo do Código de Hamurabi.9 Truyol y Sena, Historia de la Filosofia del Derecho y del Estado, 4' ed., Manualesde la Revista de Occidente, Madrid, vol. I, p. 59.

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ra dinastia de Ur, achado em 1953, por Samuel Kramer, e que éonhecido também por "tabuinha de Istambul", pelo fato de ter sido� vado em uma pequena tábua. Em vez da pena de talião consagrou a de multa em dinheiro.

3. Legislapão Mosaica - Moisés, que viveu há doze séculos a.C .,foi o grande condutor do povo hebreu: livrou-o da opressão egípcia,�fimdou a sua Religião e estabeleceu o seu Direito. A sua importância�·ara os hebreus foi bem situada por Mateo Goldstein: "Israel gravitou�áo redor de Moisés tão seguramente, tão fatalmente, como a terra giraem torno do sol."' � A legislação que o profeta concebeu acha-se reunida no Pentateu-co, um dos códigos mais importantes da Antigüidade e que se dividenos seguintes livros: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronô-mio. O núcleo desse Direito é formado pelo famoso Decálogo, queMoisés teria recebido de Deus, no Monte Sinai. Apesar de consagrar alei de talião, a sua índole era humanitária, pois previa assistênciaespecial para as viúvas e para os órfãos, socorro aos pobres, anosabático, proibição da usura. áo extraordinária foi essa legislação, queAmpère afirmou: "Ou Moisés possuía uma cultura científica igual à quetemos no século XIX, ou era inspirado""�

4. Lei das XII Tábuas - Elaborada no século V a.C., a LexDuodecim Tabularum foi a primeira importante lei romana. Surgiu deuma incansável luta da classe dos plebeus, que pleiteava a codificaçãodas instituições jurídicas, como forma de se evitar o jus incertum, e aigualdade de direitos entre as classes sociais. O conhecimento doDireito, anteriormente, era privilégio da classe patrícia. Após dez anosde reivindicações, o senado aquiesceu ao pedido. A comissão quepreparou o texto foi constituída por dez membros, nenhum plebeu, eque foram chamados decênviros. Durante a fase de elaboração, umgrupo, formado por três observadores, viajou para a Grécia a fim deestudar as leis de Solon. Quanto ao resultado prático dessa viagem,prevalece a tese de que, se trouxe alguma influência à nova legislação,

10 Jayme de Altavila, Origem dos Direitos dos Povos, 4' ed., Edições Melhoramentos,São Paulo,1964, p.18.I1 Apud Jayme de Altavila, op. cit., p.14.

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ra dinastia de Ur, achado em 1953, por Samuel Kramer, e que éconhecido também por "tabuinha de Istambul", pelo fato de ter sidogravado em uma pequena tábua. Em vez da pena de talião consagrou apena de multa em dinheiro.

3. Legislação Mosaica - Moisés, que viveu há doze séculos a.C.,foi o grande condutor do povo hebreu: livrou-o da opressão egípcia,fundou a sua Religião e estabeleceu o seu Direito. A sua importânciapara os hebreus foi bem situada por Mateo Goldstein: "Israel gravitouao redor de Moisés tão seguramente, tão fatalmente, como a terra giraem torno do sol.""' A legislação que o profeta concebeu acha-se reunida no Pentateu-co, um dos códigos mais importantes da Antigüidade e que se dividenos seguintes livros: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronô-mio. O núcleo desse Direito é formado pelo famoso Decálogo, queMoisés teria recebido de Deus, no Monte Sinai. Apesar de consagrar alei de talião, a sua índole era humanitária, pois previa assistênciaespecial para as viúvas e para os órfãos, socorro aos pobres, anosabático, proibição da usura. áo extraordinária foi essa legislação, queAmpère afirmou: "Ou Moisés possuía uma cultura científica igual à quetemos no século XIX, ou era inspiradp.""

4. Lei das Xll Tábuas - Elaborada no século V a.C., a LexDuodecim Tabularum foi a primeira importante lei romana. Surgiu deuma incansável luta da classe dos plebeus, que pleiteava a codificaçãodas instituições jurídicas, como forma de se evitar o jus incertum, e aigualdade de direitos entre as classes sociais. O conhecimento doDireito, anteriormente, era privilégio da classe patrícia. Após dez anosde reivindicações, o senado aquiesceu ao pedido. A comissão quepreparou o texto foi constituída por dez membros, nenhum plebeu, eque foram chamados decênviros. Durante a fase de elaboração, umgrupo, formado por três observadores, viajou para a Grécia a fim de�estudar as leis de Solon. Quanto ao resultado prático dessa viagem,prevalece a tese de que, se trouxe alguma influência à nova legislação,

10 Jayme de Altavila, Origem dos Direitos dos Povos, 4' ed., Edições Melhoramentos,São Paulo,1964, p.18.11 Apud Jayme de Altavila, op. cit., p.14.

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esta foi em grau mínimo, porque a Lei das XII Tábuas expressou bemo espírito do povo romano, "estavam nela, estratificados, o sangue, osnervos e o espírito de Roma".'z Quanto aos seus caracteres, há algumas controvérsias. Determi-nados historiadores chegaram a negar a autenticidade da Lei, porque astábuas não foram encontradas; enquanto a maior parte dos estudiososinforma que o texto foi inscrito em madeira, alguns poucos entendemter sido em bronze. Entre as disposições constantes no documento,algumas eram de extrema crueldade: "é lícito matar os que nascemmonstruosos"; "seja lícito ao pai e à mãe, banir, vender e matar ospróprios filhos". A concisão e clareza com que os seus preceitos foramescritos fizeram com que a Lei fosse efetivamente aplicada.

5. Código de Mattu - Escrito em sânscrito e elaborado entre oséculo II a.C. e o século II d.C., o Código de Manu foi a legislaçãoantiga da Índia, que reunia preceitos não só de ordem jurídica, mastambém de natureza religiosa, moral e política. Não chegou a alcançara importância e a projeção obtidas pelo Código de Hamurabi e a LeiMosaica. Da premissa de que a humanidade passa por quatro grandesfases, que marcam uma progressiva decadência moral dos homens, osidealizadores do Código julgavam acoação e o castigo essenciais para�se evitar o caos na sociedade. Segundo Jayme de Altavila, Manu teriasido apenas um pseudônimo a encobrir o seu verdadeiro autor, que foia classe sacerdotal.'3 Atribuindo uma origem divina ao Direito, a suaeficácia estaria garantida, pois passaria a ser respeitado e acatado pelafé religiosa. Esse Código objetivou favorecer a casta brâmane, que era forma-da pelos sacerdotes, assegurando-lhe o comando social. Um simplesexemplo revela a superioridade dessa casta: "Se um homem achasseum tesouro deveria ter dele apenas 6 ou 10%, conforme a casta a quepertencesse. Se fosse um brâmane, teria todo o tesouro, e se fosse o rei,apenas 50%."" Além de injusto, o código de Manu era obscuro eimpregnado de artificialismo.

12 Jayme de Altavila, op. cit., p. 61.13 Op. cit.. p. 46.I4 Apud Ralph Lopes Pinheiro, História Resumida do Direito, Editora_Rio, Rio deJaneiro,1976, p. 27.

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6. Alcorão - Do início do século VII, Alcorão, ou simplesmenteCorão, é o livro religioso e jurídico dos muçulmanos. Para os seusseguidores, não foi redigido por Maomé, que não sabia escrever, masditado por Deus ao profeta, através do arcanjo Gabriel. Fundamental-mente religioso, apresenta descrições sobre o inferno e o paraíso e adotacomo lema o dito: "Alá é o único Deus e IIaomé o seu Profeta." O seu�conteúdo normativo revelou-se insuficiente na prática, o que gerou anecessidade de sua complementação através de certos recursos lógicose sociológicos. Entre estes constam os seguintes: costume do profeta(hadiz, sunna), que consistia nos comentários e feitos de Maomé;consentimento unânime (ichma), que correspondia ao pensamentoda comunidade muçulmana; a analogia (quyas) e a eqüidade (ray). Com a evolução histórica, o Código foi ficando cada vez maisdistanciado da realidade e revelou a sua incapacidade para reger a vidasocial. A solução lógica seria a reformulação objetiva da legislação,mas tal tarefa encontrava um obstáculo intransponível: sendo uma obrade Alá, apenas este poderia reformulá-la. Diante do impasse, os juris-consultos muçulmanos utilizaram uma série de artifícios para contornaras dificuldades, na tentativa de conciliarem o velho texto com a reali-dade, conforme expõe Jean Cruet: "Atribuía-se a este ou àquele versí-culo um valor puramente moral e reli,ioso, a fim de lhe negar a sanção�judicial; punham-se em oposição dois versículos, com o fim de anularou emendar um pelo outro... numa palavra, para fazer entrar na lei acorrente do Direito espontâneo, combatia-se a lei com a própria lei."'s Ainda em vigor em alguns Estados, como Arábia Saudita e Irã,Alcorão estabelece severas penalidades em relação ao jogo, bebida eroubo, além de situar a mulher em condição inferior à do homem.

121. A Era da Codificação

Uma série de fatores contribuiu para o surgimento da era dacodificação. Em primeiro lugar, a doutrina da divisão dos poderes,desenvolvida por Montesquieu e já concebida, na Antigüidade, porAristóteles, pela qual a competência de ordenar o Direito competia aoPoder Legislativo. Errt segundo lugar, o jusnaturalismo racionalista,

15 lean Cruet, op. cit., p. 42.

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dominante nos séculos XVII e XVIII, que considerava o Direito umproduto da razão, baseado na natureza humana. Com o poder de suainteligência o homem poderia criar os padrões de regência da vidasocial, as normas jurídicas. A Escola do Direito Natural defendeu aexistência de um Direito eterno, imutável e universal, não apenas nosprincípios mas também no conteúdo e que poderia ser deduzido, moregeometrico, da razão. O racionalismo promoveu, no plano teórico, orompimento com o passado. O Direito não dependia das tradições, nãodevia ser condicionado pelo que pensaram as gerações anteriores. Arazão tinha o poder de ordenar os passos do presente. Um outro fator importante foi a necessidade de se garantir aunidade política do Estado. O código, ao promover a unificação doDireito, aumentaria os vínculos sociais e morais dentro do território. Em 1794 a Prússia colocou em vigor o seu Código Civil, mas foio Código Napoleão, de 1804, que despertou o interesse dos Estadoscivilizados para a necessidade de codificarem o seu Direito. É consi-derado o marco da era da codificação, por sua admirável técnica econteúdo científico. O constitucionalismo, que surgiu no século XVIII com a Consti-tuição Norte-Americana de 1787 e a Francesa, de 1791, é indicado porEdgar de Godói da Mata-Machado cómo "o primeiro responsável peloprestígio da lei, como gênese do jus scriptum".'6

122. Os Primeiros Códigos Modernos

1. O Código Civil da Prússia - O primeiro processo codificador,formulado em base científica, foi o Código Civil da Prússia, que entrouem vigor em 01.06.1794. A pedido de Frederico I, Coccegi elaborouum projeto que denominou por Jus naturae privatum, que não foiaproveitado por seu cunho excessivamente racionalista e o seu alhea-mento às fontes históricas. Em 1780, Frederico II confiou a realizaçãode um novo estudo a Conciller von Carmer. De seu trabalho resultou aaprovação do Código, mas a sua elaboração, conforme observa GioleSolari, contou com a participação de muitos juristas, de especialistas

16 Edgar de Godói da Mata-Machado, Elementos de Teoria Geral do Direito, EditoraVega S.A., Belo Horizonte,1972, p. 234.

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em Direito Romano, germânico, corio também de conhecedores da�doutrina do Direito Natural. Caracterizado principalmente por suaconcisão e clareza, esse Código não se limitou apenas ao DireitoPrivado. As suas fontes foram o Direito Romano e germânico e asdoutrinas de Wolff.

2. O Código Napoleão - O Código Civil Francês, que entrou emvigor em I 804, traduziu uma aspiração nacional. Antes da codificação,o ordenamento jurídico era diversificado: ao norte vigoravam as nor-mas costumeiras, da época dos Carolíngios e, ao sul, o Direito escrito,baseado no Direito Romano. Entre 1667 e 1747, visando à unificaçãoe reforma do Direito Privado, Luiz XIV e Luiz XV editaram trêsOrdenações, consideradas pela doutrina como os primeiros ensaios deum código para a França. Com a Revolução Francesa e Napoleão Bonaparte no, poder,iniciou-se, em 1800, o trabalho de elaboração do código que viria a serconsiderado o mais importante do mundo, marco da era da codificação,não apenas por seu significado histórico, mas também por seu valorintrínseco. A Comissão que o elaborou foi constituída pelos seguintesmembros: Tronché, presidente e especialista em Direito costumeiro eDireito revolucionário; Maleville, secetário e conhecedor do Direito�Romano; Bigot de Préameneu e Portalis, o filósofo da Comissão. Asobras dos juristas Cujas, Domat e Pothier influenciaram os trabalhosda Comissão. Napoleão Bonaparte não se limitou a constituir a Comissão, masacompanhou os seus estudos e participou de algumas discussões, so-bretudo quando os assuntos eram de interesse do Estado. Aos membrosda Comissão, formulava duas perguntas: é justo?, é útil?. Esse Código ,por sua técnica apurada e conteúdo moderno e científico, exerceuimportante influência no Direito de muitos Estados, sendo que algunschegaram a adotá-lo com poucas alterações, conforme se deu comdiversos estados italianos e também com alguns não anexados à França,no início do século XIX, como Mônaco (código de 1818), Bolívia(código de 1830), Romênia (código de 1864). Influenciou, ainda, alegislação da Escócia, Filipinas, Holanda, Japão e, de um modo geral,a dos países filiados ao sistema, continental de Direito, como a daAlemanha e a do Brasil. O que os franceses desejavam, haviam conseguido: um Direitounificado e de grande valor cultural. A consciência da importânciadesse Código gerou a necessidade de protegê-lo contra critérios de

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interpretação que pudessem distorcer o seu espírito, quebrar a suasistemática e aniquilá-lo. A notável conquista não foi útil apenas aopovo, mas à própria classe dos profissionais do Direito, que passariaa operar com normas claras e objetivas. O interesse em preservar ainteireza do Código motivou a formação da Escola da Exegese, quereuniu juristas de renome: Demolombe, Laurent, Marcadé, Troplong,Bugnet e vários outros. Para os adeptos dessa Escola, o CódigoNapoleão era a única fonte do Direito francês que não apresentavafalhas ou lacunas e a missão do intérprete seria apenas a de revelar amens legislatoris, a vontade do legislador. Entre as célebres afirmaçõesdesses juristas, destacam-se as seguintes: "Eu não conheço o DireitoCivil, não ensino mais do que o Código Napoleão" (Bugnet); "Os textosantes de tudo" (Demolombe); "Toda a lei, mas nada além da lei" (Aubry). Inspirado na filosofia racionalista e no individualismo, bem comonas idéias liberais da época, o Código não foi uma elaboração meramenteintelectual, pois considerou os costumes vigentes, o Direito Romano, asOrdenações reais e a legislação promulgada entre 1789 e 1804. Entre os princípios fundamentais adotados constam o do caráterabsoluto da propriedade, consoante o disposto no art. 544; o contratofaz lei entre as partes, conforme o art. 1.134; o dever de reparaÇãopelos danos causados, ex vi do art.1.382. Se o Código foi elogiado por muitos juristas, como por Mignet,para quem ele era "a carta imperecível dos direitos civis, servindo deregra à França e de modelo ao mundo", e por Miguel Reale que declara:"Pode considerar-se pacífico o reconhecimento de que é com o CódigoCivil de Napoleão que tem começo a Ciência Jurídica moderna,caracterizada sobretudo pela unidade sistemática e o rigor técnico-for-mal de seus dispositivos,"'7 as críticas, contudo, não faltaram. Algunso acharam antidemocrático. Para Joseph Charmont ele era "o Códigodo patrão, do credor e do proprietário". Edmond Picard referiu-se aele como a "epopéia burguesa do Direito Privado" e Clarin afirmou:"O Código Civil feito para os ricos."'s Napoleão Bonaparte não escondia o seu orgulho pela grandiosi-dade do Código: "Minha glória não é ter vencido quarenta batalhas;Waterloo apagará a lembrança de tantas vitórias. O que nada ofuscará,o que viverá eternamente, é o meu Código Civil."

17 Miguel Reale, in Código Napoleão, Distribuidora Record, Rio de Janeiro,1962.18 Apud Evaristo de Moraes Filho, Introdução ao Direito do Trabalho. la vol., EdiçãoRevista Forense, Rio de Janeiro,1956, p. 328.

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O Código, que ainda se acha em vigor com numerosas alterações,teve o seu nome muitas vezes modificado. Foi promulgado sob o título"Código Civil dos Franceses", denominação inadequada, porque nãose destinava apenas aos cidadãos franceses. A segunda edição de1807, substituiu o nome para "Código Napoleão", mas, em 1816,voltou-se ao nome primitivo. Quando Napoleão III assumiu o poder, em1852, restituiu o nome de Código Napoleão, posteriormente alterado paraCódigo Civil Francês, denominação, ao que parece, definitiva.

3. O Código Civil da Áustria - Influenciado pela doutrina filo-sófica de Kant, em 1812 surgiu o Código Civil da Áustria, que teveem Francisco Zeiller o seu principal artífice. Seguidor das idéiaskantianas, esse jurista combateu as tendências iluministas de Martini,que também participou ativamente na preparação do projeto, junta-mente com Hees. Saint Joseph, ao comentar as fontes desse Código,declarou que, embora não possa ser classificado entre os que tomarampor base o Código Civil Francês, deve-se reconhecer que se aproximadeste Código mais do que o faziam os da Baviera e da Prússia".' Os�costumes germânicos exerceram influência sobre o Código Austríaco,que possuía uma índole individualista e consagrou a igual liberdadepara todos, independentemente de religião, nacionalidade e classesocial e reconheceu também que tocos os homens possuíam direitos�inatos e deveriáizi ser considerados como pessoas.

123. A Polêmica entre Thibaut e Savigny

Na doutrina, o Código Napoleão provocou, na Alemanha, umacélebre polêmica entre os juristas Thibaut e Savigny. Em 1814, Thi-baut, professor da Universidade de Heidelberg, publicou a obra Sobrea Necessidade de um Direito Civil Geral para a Alemanha, defenden-do a codificação do Direito nacional. A sua exposição é consideradao melhor estudo quanto às vantagens da codificação do Direito. Thi-baut despertou a atenção da elite intelectual alemã, quanto à importân-cia do código, não apenas para efeito de organização do ordenamentojurídico, mas também como fator de unidade nacional. O Direito Positivo deveria atender, na opinião de Thibaut, a duasexigências, uma de natureza formal e outra de ordem material. Aprimeira dizendo respeito à clareza e objetividade das normas jurídicas

19 Apud Vicente Ráo, ed. cit., vol. I, tomo II, p. 133.

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e, a segunda, ao conteúdo das instituições, que deveria estar de acordocom a vontade popular. "Lamentavelmente - desabafou Thibaut - nãohá nenhum país integrante do Reich alemão onde se satisfaça, sequerparcialmente, nem um só desses requisitos."" O caos em que se achava�o Direito alemão foi apontado por ele: "Todo nosso Direito autóctoneé um interminável amontoado de preceitos contraditórios, que seanulam entre si, formulados de tal maneira que separam os alemãesuns dos outros e tornam impossível aos juízes e advogados o conhe-cimento a fundo do Direito." No mesmo ano, Savigny publicou um livro intitulado Da Voca-ão de Nossa Época para a Legislaão e a Cìência do Direito, no qual� �combateu as idéias de Thibaut, defendendo, ao mesmo tempo, ocostume como a fonte mais legítima de expressão do Direito. ParaSavigny a codificação possuía a inconveniência de não permitir que oDireito acompanhasse a evolução social, provocando o seu esclerosa-mento. Para ele "...todo Direito se origina primeiramente do costumee das crenças do povo e, depois, pela jurisprudência e, portanto, emtodas as partes, em virtude de forças interiores, que atuam caladamen-te, e não em virtude do arbítrio do legislador".=' Sustentou ainda que não havia, na Alemanha, as condiçõesnecessárias para um movimento de codificação, pois, "por desgraça,todo o século XVIII tem sido na A)emanha muito pobre em grandesjuristas". O pessimismo de Savigny, nesta passagem, é evidente,porque, no início do século XIX, os pandectistas alemães revelavamo seu talento jurídico, que ficou reconhecido mundialmente. A vitória foi creditada pela história a Thibaut de vez que em1900, entrava em vigor o Código Civil Alemão, o famoso B. G. B.(Burgerlisches Gesetzbuch). Para muitos, contudo, a vitória foi par-cial, pois o Código somente entrou em vigor após a morte de Savigny r·e não seguiu o plano idealizado por Thibaut. Este havia sugerido queo texto apresentasse duas partes, uma que reunisse o antigo ordena-mento e da outra constando as inovações.

124. O Código Civil Brasileiro

No século XIX foram promulgados, em nosso País, o CódigoComercial e o Criminal. O Código Civil Brasileiro foi aprovado em

20 Thibaut-Savigny, L,n Cncli(icncirín, Aguilar, Madrid, 1970, p. 11.21 Thibaut-Savigny, np. cit., p. 58.

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01.01.1916 e entrou em vigor em igual dia e mês do ano seguinte. Asua elaboração foi precedida de várias tentativas que não lograramêxito. O Governo brasileiro confiou ao eminente jurista Teixeira deFreitas, primeiramente, a tarefa de elaborar o anteprojeto do código.Após organizar a Consolidação das Leis Civis, Teixeira de Freitasiniciou o preparo do anteprojeto, ao qual denominou simplesmente por"Esboço de um Código" e que reunia cerca de 4.800 artigos. Ao seconvencer, durante a sua elaboração, que deveria ser feito um Códigode Direito Privado que unificasse o Direito Civil e o Comercial,submeteu a sua idéia ao Governo, que não concordou com a sugestão,motivo pelo qual o jurista abandonou o seu estudo. Por seu valorcientífico, o "esboço" influenciou a formação do Código Civil Argen-tino, preparado por Dalmacio Velez Sarsfield, principalmente em seustrês primeiros livros. Seguiu-se a tentativa de codificação por intermédio de Nabuco deAraújo, que não chegou a concluir o seu trabalho, por motivo defalecimento. Sob o título "Apontamentos de um projeto de Código CivilBrasileiro", em 1878, Felício dos Santos entregou ao Governo a suacontribuição, que não chegou a ser considerada porque sobreveio aProclamação da República, que implicou amplas reformulações na vidasocial, política ejurídica do País. Em 1890 o Governo confiou a CoelhoRodrigues a elaboração de um anteprajeto que, concluído, foi rejeitadosob o fundamento de que não possuía originalidade e não expressava arealidade nacional. O anteprojeto que se transformou na Lei no 3.071, de lo de janeirode 1916, Código Civil Brasileiro, foi o de autoria do jurista ClóvisBeviláqua.zz No Congresso Nacional foi amplamente discutido e sofreunumerosas emendas. É considerado de alto nível científico e técnico eincluído entre os principais códigos do início do século. Consagrou oindividualismo jurídico e sofreu a influência da codificação francesa,portuguesa e alemã.

22 Além de notável civilista e autor do Anteprojeto do Código Civi1 Brasileiro de 1916,Clóvis Beviláqua revelou-se também como cultor da Filosofia do Direito, notadamentepor sua obra Juristas Filósofos, onde analisa o pensamento jurídico-filosófico de seispensadores da época. Adotando um positivismo sociológico, pouco se influenciou pelopositivismo de Augusto Comte, inspirando-se mais no evolucionismo de Spencer e Darwine ainda no pensamento de Icílio Vanni, Schiatarella, Maine, Hermann Post e sobretudoem Rudolf von Ihering. Conforme relato de Dourado de Gusmão (O Pensamento JuridicoContemporâneo, p.155), provavelmente foi Clóvis Beviláqua quem, pela primeira vez naAmérica Latina, em sua obra Estudos Juridtcos, sustentou o caráter emocional da justiça.

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O processo de revisão dos códigos brasileiros iniciou-se em 1961,por iniciativa do Governo Federal. Atualmente encontra-se no Congres-so Nacional um projeto de novo Código Civil, encaminhado peloGoverno para substituir o de 1916. Sob a coordenação do jusfilósofoMiguel Reale, da Universidade de São Paulo, a Comissão que preparouo anteprojeto foi constituída pelos seguintes membros: José CarlosMoreira Alves (Parte Geral); Agostinho Neves de Arruda Alvim (Di-reito das Obrigações); Sylvio Marcondes (Atividade Negocial); ErbertViana Chamoun (Direito das Coisas); Clóvis do Couto e Silva (Direitode Família) e Torquato Castro (Direito das Sucessões).

125. A Recepção do Direito Estrangeiro

O fenômeno da recepção do Direito estrangeiro consiste no fatode um país adotar a legislação estrangeira sobre determinada matéria.Denomina-se Jus Receptandi o sistema incorporador e Jus Receptatumo incorporado. A construção do ordenamento jurídico mediante osprocessos de recepção não pode ser condenada como princípio. Oimportante a verificar é se a legislação estrangeira se identifica com arealidade social que irá reger. O nacionalismo não é um valor positivono campo científico. Desde que ocorra a assimilação do Direito forâ-neo, surge, naturalmente, a necessidade de se promover a sua adapta-ção, pelo menos em alguns pontos, para que melhor corresponda aosfatos sociais. O maior exemplo registrado pela História foi a recepção doDireito Romano, procedida pela Alemanha, na passagem da IdadeMédia para a Moderna. Os fatos que provocaram a recepção foramdiscriminados pelo jurista alemão A. Merkel: a) a confusão do Direitoalemão; b) a incapacidade de seus órgãos em adaptá-lo às novasnecessidades; c) a resignação dos alemães, diante de elementos interes-sados no aproveitamento do Direito Romano, notadamente dos sábiosjuristas e3da própria Corte; d) a superioridade técnica do DireitoRomano. Os fatores que colaboraram para a incorporação do DireitoRomano foram os seguintes: a) a Alemanha, geograficamente, era a I

23 Adolfo Merkel, Enciclopedia Jurídica, 5' ed., Editorial Reus (S.A.), Madrid,1924,p. 306.

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continuação do Império Romano; b) o Direito Romano era consideradoa ratio scripta; c) os tribunais eclesiásticos aplicavam as normasjurídicas romanas. Segundo A. Merkel, a recepção se fez pelas viasconsuetudinárias, com o apoio do Governo alemão e com o incentivodos jurisconsultos. A doutrina designa por segunda recepção o estudosistemático e rigoroso que Savigny e outros membros da Escola Histó-rica do Direito empreenderam sobre as instituições do Direito Romano.

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário: 116 - Gioele Solari, Filoso.fia del Derecho Privado; Aftalion, Olano, Vila-nova, Introducción al Derecho; I 17 - Filomusi Guelfi, Enciclopedia Giuridica; A. B. Alves da Silva, Intro-dução à Ciência do Direito; 118 - Aftalion, Olano, Vilanova, op. cit.; M. V. Russomano, Comentários àConsolidação das Leis do Trabalho, vol. I; 119 - Miguel Reale, Estudos de FilosoJia e Ciência do Direito; Pontes deMiranda, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I; 120 - Truyol y Serra, Historia de la Filosofia del Derecho y del Estado,vol. I; Jayme de Altavila, Origem dos Direitos dos Povos; E. Bouzon, O Código deHamurabi; Ralph Lopes Pinheiro, História Résumida do Direito; 121- Ramon Badenes Gasset, Metodologia del Derecho; 122 - Gioele Solari, op. cit.; Vicente Ráo, O Direito e a Vida dos Direitos;Carlos Mouchet e Zorraquin Becu, Introducción al Derecho; 123 - Thibaut - Savigny, La Codificación; 124 - Orlando Gomes, Introdução ao Direito Civil; Miguel Reale, op. cit.; 125 - A. Merkel, Enciclopédia Juridica.

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Quinta Parte

TÉCNICA JURÍDICA

Capítulo XXII

0 ELEMENTO TÉCNICO DO DIREITO

Sumário: 126. O Conceito de Técnica. I27. Conceito e Significado da Técnica Juridica. I28. Espécies de Técnica Juridica. 129. Conteúdo da Técnica Juridica. 730. Cibernética e Dircito.131. O Direito como Técnica e Ciência.

126. O Conceito de Técnica

O papel das ciências é o de fornecer ao homem o conhecimentonecessário quanto às diversas ordens de fenômenos, tanto os da natu-reza física, quanto os pertinentes ao próprio homem, em seu aspectoindividual e social. Para o ser humano, o conhecimento não constituium fim. Muitas vezes para libertar-se, outras com o simples ímpeto paraas realizações, ele explora ao máximo a ciência, para dela obter todosos frutos possíveis. Nessa incessante atividade de conversão do saberteórico em prático, o homem cria o mundo da cultura. Para alcançar osfins que deseja, necessita utilizar um conjunto de meios e recursosadequados, ou seja, de empregar a técnica. Os antigos definiam-nacomo recta ratio factibilium (reta razão no plano do fazer), para

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distingui-la, consoante expõe a doutrina, da recta ratio agibilium (retarazão no plano do agir). Técnica, no dizer de Legaz y Lacambra,consiste no "conjunto de operações pelas quais se adaptam meiosadequados aos fins buscados ou desejados".' Ciência e técnica se aliam para atender aos interesses humanos.Enquanto a primeira dirige o conhecimento humano, a segunda tem porobjeto a atividade humana, conforme a justa colocação de Dias Mar-ques.z A técnica, como a ciência de um modo geral, é neutra em relaçãoaos valores. É insensível. Pode ser empregada para promover os eleva-dos interesses do gênero humano, como para destruí-lo. A conveniênciae oportunidade de seu emprego dependem do homem. Este é quempossui a responsabilidade de desenvolver uma tecnologia humana. Éum equívoco considerar-se a técnica uma "ancila" da ciência. O que atécnica pressupõe sempre é o conhecimento que, além de filosófico ecientífico, pode ser vulgar. Com base neste último, o homem podedesenvolver uma técnica adequada e alcançar resultados positivos. Ohomem do campo, guiado apenas pelo saber empírico, adota técnicaspara o melhor aproveitamento das potencialidades do solo. Daí nãoconcordarmos com A. D'Ors quando afirma que "uma técnica semciência é um absurdo". É desejável que ambas caminhem juntas, a�ciência indicando o quê e a técnica 0 como. O saber que apenas se situano plano da abstração e não se projeta sobre a experiência humanarevela-se estéril. O mundo da cultura, composto das realizações humanas, é tam-bém o mundo da técnica. Todo objeto cultural possui um suporte e umvalor. Ao impregnar o suporte de sentido, o homem adota uma técnica.Esta varia em função da natureza de cada objeto (v. § 15).

127. Conceito e Significado da Técnica Jurídica

Para que o Direito cumpra a finalidade de prover o meio social desegurança e justiça, é indispensável que, paralelamente ao seu desen-volvimento filosófico e científico, avance também no campo da técnica.

I Legaz y Lacambra, op. cit., p. 77.2 Dias Ivlarques, Introdução ao Estudo do Direito, 4' ed., Universidade de Lisboa,Lisboa,1972, p. 59.3 Álvaro D'Ors, op. cit., p. 20.

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Se a Filosofia do bireito ilumina o legislador quanto aos valoresessenciais a serem preservados; se a Ciência do Direito estabelecerincípios estruturais para a organização do sistema jurídico, tais con-quistas permanecerão sem qualquer alcance prático se o homo juridicusnão for também um homo faber, isto é, se ao conhecimento teórico doDireito não for associado o prático. Sem este, a idéia do Direito e aaspiração dejustiça não serão suficientes para o controle social. Somentecom a conjugação da filosofla, ciência e técnica, a ordem jurídica podea resentar-se como um instrumento apto a orientar o bem comum.p Técnica jurídica é o conjunto de meios e de procedimentos quetornam prática e efetiva a norma juridica. Quando o legislador elaboraum código, as normas ficam acessíveis ao conhecimento; ao desenvolvera técnica de interpretação, o exegeta revela o sentido e o alcance da normaurídica; com a técnica de aplicação, os juízes e administradores dãoefetividade à norma jurídica. Para cumprir as suas tarefas, o técnicoobri atoriamente deverá possuir o conhecimento científico do Direito. g A arte, como processo cultural que realiza o belo, é tambémutilizada pelo Direito, especialmente em relação à linguagem e ao estilodas leis. Vista como talento, é indispensável ao técnico que elabora oDireito, aos intérpretes e aos aplicadores. Curiosa é a apreciação deGustav Radbnzch quanto à relação entre o Direito e a arte. Após afirmar ue "tanto o Direito pode utilizar a`arte como a arte utilizar o Direito" ,coloca em relevo o contraste que se observa entre ambos e que causauma inimizade entre os seus cultores. De um lado o Direito se revelacomo o roduto cultural mais rígido e, de outro, a arte se apresenta comas formas mais sutis de expressão do espírito. Talvez, conclui o autor,a estética consegue se evidenciar no Direito justamente pela vivaseparação que existe entre ambos.4

128. Espécies de Técnica Jurídica

Distin uimos três espécies de técnica jurídica: a de elaboração, a de interpretação e a de aplicação do Direito.5 A técnica de elaboraÇão,

4 Gustav Radbruch, np. cit., vol. I p. 262. 5 Alguns autores co itam ainda da chamada técnica doutrinária, desenvolvida pelos uristas no preparo de géus trabalhos científicos e no ensino do Direito. Entendemos que as técnicas desenvolvidas nessas atividades referem-se a assuntos jurídicos mas não são jurídicas. A elaboração de monografias está ligada às técnicas de comunicação de pensa- mento e o magistério de Direito às técnicas da didática especial.

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ligada ao Direito escrito, engloba a fase de composição e apresentaçãodo ato legislativo, denominada técnica legislativa e a parte relativa àproposição, andamento e aprovação de um projeto de lei, denominadaprocesso legislativo. A técnica legislativa é estudada separadamente nocapítulo seguinte, enquanto que o processo legislativo é abordado notexto referente à lei.

1. Técnica de Interpretação - Esta tem por objetivo a revelaçãodo significado das expressões jurídicas. Não é uma tarefa a ser execu-tada apenas pelos juízes e administradores, mas por todos os destina-tários das normas jurídicas. A finalidade da interpretação consiste emproporcionar ao espírito o conhecimento do Direito. Não se restringe àanálise do Direito escrito: lei, medida provisória e decreto, mas seaplica também a outras formas de manifestação do Direito, como asnormas costumeiras. Os principais meios empregados na interpretaçãodo Direito são o gramatical, o lógico, o sistemático e o histórico (v. §144 e segs.).

2. Técnica de Aplicação - Por alguns denominada judicial, atécnica de aplicação tem por finalidade a orientação aos juízes eadministradores, na tarefa de julgar.Ião se limita à simples aplicação�das normas aos casos concretos, mas compreende os meios de apuraçãodas provas e pressupõe o conhecimento da técnica de interpretação.Tradicionalmente a aplicação do Direito é considerada um silogismo,em que a premissa maior é a normajurídica, a premissa menor é o fatoe a conclusão é a sentença ou decisão. Recaséns Siches opõe-se incisi-vamente a este entendimento. Identificar uma decisão judicial com um "�silogismo, na opinião do eminente autor, é um grave erro, pois implicareduzir a atividade do juiz a um automatismo e a situá-1o como umasimples máquina de subsumir, ou seja, de enquadrar fatos em tiposnormativos. O silogismo, como uma operação puramente racional,lógico-dedutiva, não apresenta sensibilidade, é calculista, matemático,impróprio como instrumento a ser empregado em julgamentos. Oscritérios da lógica formal não podem ser adotados pelo Direito, pois,quando não conduzem a resultados desastrosos, mostram-se pelo me-nos inúteis.

6 Esta opinião é apresentada tanto em sua Introdução, como na Nueva Filnsofia de laInterpretación del Derecho.

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Concordamos com as observações do grande pensador guatemal-teco quanto ao nível de participação dos juízes nas decisões; rejeita-mos, contudo, a sua conclusão relativa à negação do caráter silogísticoda sentença. Os juízes não criam o Diceito, mas desenvolvem, é certo,alguma criatividade. De uma ordem jurídica genérica e abstrata ex-traem a solução que se individualiza com o caso particular; de narra-tivas contraditórias de fatos, apuram o verdadeiro. O papel desempe-nhado por um juiz não pode ser comparado efetivamente ao de umautômato. Com a luz de sua razão, o juiz ilumina os fatos e o Direito,para proclamar a justa solução. Esta visão, coincidente com a deSiches, não é incompatível com a crença de que a decisão correspondea um silogismo.' O que é fundamental é entender-se que a premissamaior não consiste na simples colocação da norma jurídica, mas doDireito já conhecido, interpretado pelo juiz e que a premissa menornão corresponde, necessariamente, ao fato na versão apresentada pelaspartes, mas o devidamente apurado. Ora, uma vez revelado o verda-deiro sentido e alcance da normajurídica e estabelecida a natureza realda quaestio facti, nada mais resta ao magistrado do que projetar asconseqüências previstas pelo Direito aos personagens em litígio. Emresumo, o fato de se considerar a aplicação do Direito um silogismonão implica diminuir a importância do trabalho judicial, nem emexcluir a contribuição do magistrado na solução de um problema. Osilogismo somente é estruturado após a apuração dos fatos e dacompreensão do Direito (v. § 77).

129. Conteúdo da Técnica Jurídica

Quanto ao conteúdo, A. Torré divide a técnica jurídica em meiosformais e substanciais. Com base na classificação apresentada peloautor argentino, os meios são os seguintes:

7 Entre os autores contemporâneos que identificam a aplicação do Direito com osilogismo, acham-se Eduardo García Máynez (op. cit., p. 321), Claude Du Pasquier(Introduction à la Théorie Générale et à la PhilosoPhie du Droit, 4' ed., Delachaux &Niestlé, Neuchatel, 1967, p. 126) e Francesco Ferrara (op. cit., p. 112). Entre os proces-sualistas brasileiros, a esta corrente filia-se Humberto Theodoro Júnior (Processo deConhecimento, 3' ed., Forense, Rio,1984, p. 546).

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l.l.l - Vocábulos l.l - Linguagem 1.1.2 - Fórmulas 1.1.3 - Aforismos 1.1.4 - Estilo1- Meios Formais

1.2 - Formas 1.3 - Sistema de Publicidade

2.1 - Definições 2.2 - Conceitos2 - Meios 2.3 - Categorias Substanciais 2.4 - Presunções 2.5 - Ficções

I . Meios Formais - Esses meios dizem respeito às formalidadese a seus elementos estruturais, necessários aos atos da vida jurídica.São os seguintes:

l.l. Linguagem - A linguagem, tanto em sua forma oral quantoescrita, constitui um elemento essencial à vida em sociedade. Estapressupõe uma dinâmica de ação que se torna possível pelo diálogo ,entre os homens. É por meio da palavra que estes comunicam as suasidéias, exteriorizam o seu pensamento. O entendimento humano, quedá consistência à sociedade, tem na linguagem o seu instrumentobásico. A própria ciência em geral dela depende para lograr o seudesenvolvimento. Norberto Bobbio, neste sentido, ásseverou que "sóquando se consegue construir uma linguagem rigorosa, e só naqueleslimites em que tal linguagem se constrói, pode falar-se de investigaçãocientífica, de ciência, em uma palavra".s

8 Apud J. M. Perez-Prendes y Munoz de Arraco, Una Introducción al Derecho, Edicio-nes Darro, Madrid,1974, p.150.

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O Direito, para se traduzir mediante fórmulas práticas de condutasocial, depende das formas mais comuns de comunicação do pensa-mento. No passado, manifestava-se pela oralidade, chegando a serenunciado em caracteres riscados em pedra e lançados em pergami-nho; no presente a sua principal forma de expressão é a linguagemescrita através de códigos.9 A dependência do Direito Positivo àlinguagem é tão grande, que se pode dizer que o seu aperfeiçoamentoé também um problema de aperfeiçoamento de sua estrutura lingüís-tica. Como mediadora entre o poder social e as pessoas, a linguagemdos códigos há de expressar com fidelidade os modelos de comporta-mento a serem seguidos por seus destinatários. Ela é também um dosfatores que condicionam a efetividade do Direito. Um texto de lei malredigido não conduz à interpretação uniforme. Distorções de lingua-gem podem levar igualmente a distorções na aplicação do Direito.

1.1.l. Vocábulos - A linguagem jurídica deve conciliar, a um sótempo, os interesses da ciência com os relativos ao conhecimento doDireito pelo povo, evitando o tecnicismo desnecessário. O vocabulárioutilizado na elaboração dos códigos reúne, além de termos de signifi-cado corrente, os de sentido estritamente jurídico, como debênture,anticrese, codicilo. São utilizados tarnbém vocábulos de uso comummas com sentido jurídico específico, como repetição, tradição, pe-nhor.

1.1.2. Fórmula - O Direito primitivo era impregnado de fórmu-las, normalmente de fundo religioso, adotadas na prática dos atosjurídicos e judiciais. Modernamente há uma tendência para o seudesaparecimento. Algumas ainda são usuais na redação de contratosparticulares e públicos e em termos judiciais. Na celebração do casa-mento civil, determina o Código Civil Brasileiro, em seu art.193, queo presidente do ato profira a seguinte fórmula sacramental: "De acordocom a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vosreceberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declarocasados."

9 Atualmente a idéia do Diroito se acha associada à da linguagem. A. D'Ors, em suajácitada obra, faz essa vinculação: "O estudo do Direito é um estudo de livros"; "...tambéma história do Direito é uma história de códigos"; ' ...as fontes do Direito são, pois, livros"(ps. 9, I 0 e 11 ).

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I .1.3. Aforismos - Nos arrazoados, sentenças, trabalhos científi-cos de um modo geral, a fundamentar argumentos, teses, encontramosaforismos, quase sempre de origem romana: summum jus, summainjuria; inclusio unius, exclusio alterius etc.

1.1.4. Estilo - A sobriedade, simplicidade, clareza e concisãodevem ser as notas dominantes no estilo jurídico. A preocupaçãofundamental que deve inspirar ao legislador há de ser a clareza dalinguagem e a sua correspondência ao pensamento. A beleza do estilose justifica apenas quando vem ornamentar o saber jurídico. ParaLlewellyn o estético no Direito requer uma estrutura intelectual abso-luta. Em sua opinião, o Código Civil alemão conseguiu realizar esseideal.'o É fato conhecido que Stendhal, famoso escritor francês, pos-suía o hábito de ler diariamente o Código Napoleão, a fim de aprimoraro seu estilo literário. Com orgulho podemos referir-nos ao CódigoCivil Brasileiro, de 1916, de estilo lapidar, cuja redação foi revista porRui Barbosa e Carneiro Ribeiro e que se nivela aos códigos maisimportantes do mundo.

1.2. Formas - As formalidades exigidas pelo ordenamento jurí-dico têm a finalidade de proteger ostinteresses dos que participam narealização dos fatos jurídicos, bem como a de manter organizados osassentamentos públicos, como o de registro das pessoas naturais ejurídicas e de imóveis. Alguns atos jurídicos exigem, para a sua realização, a observân-cia de determinadas formas e por isso são chamados atos formais. Asua validade é condicionada à forma definida em lei. Em relação a �algumas espécies de atos jurídicos, não se exige a adoção de forma �específica e podem ser praticados por qualquer uma não proibida porlei. Estes atos denominam-se não formais. Conforme menção docivilista Jefferson Daibert, "é livre a forma até que a lei expressamenteindique um caminho...", "...desde que esteja em jogo o interesse lprivado, permite a lei que a forma seja estabelecida e escolhida pelas ipartes..." "

10 K. N. Llewellyn, Belleza y Estilo en el Derecho. Bosch, Barcelona,1953, p. 21.11 Jefferson Daibert, Introdução ao Direito Civil, 2' ed., Forense, Rio de Janeiro,1975,ps. 438 e 439.

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No âmbito do Judiciário a formalidade é uma constante, pois orito das ações é pontilhado de exigências formais, que visam à garantiade validade dos atos praticados e à necessidade de controle dos atosjudiciais. Estas formas são ditadas pelo Direito Proçessual, que é umramo eminentemente técnico.

· 1.3. Sistemas de Publicidade - Os acontecimentos da vidajurídicaque, direta ou indiretamente, podem afetar o bem comum, devemconstar de registros públicos e, conforme a sua natureza, ser objeto depublicidade. Se os fatos da vida jurídica, relevantes do ponto de vistasocial, se sucedessem no anonimato a segurançajurídica seria um valorutópico e a luta pelo Direito seria inglória. Ao mesmo tempo queoferece condições de conhecimento, o sistema de publicidade asseguraa conservação de atos da vida jurídica de interesse coletivo. Entre os elementos jurídicos que necessariamente devem serpublicados, acham-se as fontes escritas do Direito; fatos ligados àorganização das pessoas jurídicas; atos do poder público; determinadosatos judiciais; formalidades que antecedem o casamento etc. Outrosatos que repercutem na vida social, embora não sejam publicados,devem constar em assentamentos públicos de livre acesso ao conheci-mento de pessoas interessadas. Entre gstes encontram-se as escrituraspúblicas lavradas em tabelionatos, inscrições nos cartórios de registrocivil, registro de imóveis e nas juntas comerciais.

2. Meios Substanciais - De natureza lógica e derivados do inte-lecto, os meios substanciais são os seguintes:

2.1. Definição - A função de definir os elementos que integramo Direito não é própria do legislador. Essa tarefa é específica dadoutrina, a quem compete estudar, interpretar e explicar os fenômenosjurídicos. Definir é precisar o sentido de uma palavra ou revelar umobjeto por suas notas essenciais: As definições devem possuir a virtudeda simplicidade, clareza e brevidade. O legislador deve redigir os textosnormativos na presunção de que os agentes que irão manusear oscódigos conheçam o significado dos vocábuLos jurídicos. Justifica-se orecurso às definições, pelo legislador, nas seguintes hipóteses: a) para evitar insegurança na interpretação, quando ocorre diver-gência doutrinária sobre a matéria; b) para atribuir a um fenômeno jurídico sentido especial, distintodo habitual;

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c) quando se tratar de um instituto novo, não divulgado suficien-temente pela doutrina.

2.2. Conceito - Conceito ou noção é a representação intelectualda realidade. Enquanto que a definição é um juizo externo, que revelao conhecimento de alguma coisa mediante a expressão verbal, o con-ceito é um juizo interno, conhecimento pensante, que pode ou não vira ser expresso objetivamente por palavras. O termo lei é a expressãoverbal de um conceito. Este consiste no fato de o espírito possuir a idéiade um objeto por seus caracteres gerais. Para que alguém possa definirum ser deve, primeiramente, possuí-lo intelectualmente, isto é, conhe-cê-lo. A Ciência do Direito opera com conceitos fornecidos pela expe-riência comum, pelas ciências e com as noções que ela própria elabora.A expressão verbal abuso de direito é exemplo de um conceito cons-truído pela doutrinajurídica. Ao elaborar as leis e os códigos o legisla-dor emprega conceitos jurídicos, expressando-os mediante palavrasescritas. Quanto mais evolui a Ciência do Direito, mais o legisladordispõe de conceitos. A criação de conceitos jurídicos decorre, muitasvezes, da própria evolução dos fatos sociais, que exige uma adaptaçãodo Direito às novas condições. Outras vezes os novos conceitos sãoapenas invenções que visam ao aperfeiçoamento da ciência jurídica.Comparando a legislação antiga com a contemporânea, observa-se queas leis atuais possuem uma linguagem simplificada em relação àquela.Entre outras razões, isto se deve ao fato de o legislador moderno operarcom uma quantidade superior de conceitos e de terminologia corres-pondente. Freqüentemente recorre aos conceitos de culpa, dolo, insol-vência, justa causa, extradição, contrato etc. Os conceitos jurídicos, ;"portanto, favorecem a simplificação dos textos legislativos, ao mesmotempo que lhes imprimem maior rigor e precisão lógica.

2.3. Categorias - Com o propósito de simplificar a ordem jurí-dica, dotá-la de sistematização e torná-Ia prática, a doutrina cria acategoria, que é um gênero juridico que reúne diversas espécies queguardam afinidades entre si. A pessoajurídica de Direito Privado, porexemplo, é uma categoria que reúne várias espécies: sociedade civil,comercial, associações, fundações. Os fatos jurídicos, bens imóveis,móveis, constituem outros exemplos. As categorias são úteis à técnicados códigos, porque permitem ao legislador, em vez de enumerar as

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várias espécies, referir-se apenas ao gênero. Para alguns fins, a leidispensa um tratamento geral para determinada categoria. Assim, paraa alienação de um bem imóvel, independentemente de sua espécie, alei apresenta um bloco comum de exigências.

2.4. Presunções - Inspirando-se no Código Civil francês, ClóvisBeviláqua assim definiu este elemento técnico: "presunção é a ilaçãoque se tira de um fato conhecido para provar a existência de outrodesconhecido".'z A palavra deriva do latim praesumptio, composta desumere (tomar, formar) e da preposição prae, que rege o ablativo:"tomar-se por verdadeiro o fato antes de claramente.demonstrado. ""Em outras palavras, é considerar verdadeiro aquilo que é apenas pro-vável. No quadro a seguir, apresentamos as espécies de presunçãojurídica:

l. Simples ou comum ou de homem;

Presunção

2.1. -Absoluta (juris et de jure); 2. Legal 22. - Relativa (juris tantum); 2.3. - Mista ou intermédia.

2.4.1. Presunfão simples - Também denominada comum ou dehomem, a presunção simples é feita pelo juiz, com base no sensocomum, ao examinar a matéria de fato (pr-esumptiones hominis). Deveser deduzida com prudência e apenas quando for possível alicerçar-seem elementos de prova. Ocorre, segundo Moacyr Amaral dos Santos,quando: "O juiz, fundado em fatos provados, ou suas circunstâncias,raciocina, guiado pela sua experiência e pelo que ordinariamenteacontece, e conclui por presumir a existência de um outro fato."'4

12 Clóvis Beviláqua, Código Civil, vol. I, comentários ao art-136. Of. Gráf. da LìvrariaFrancisco Alves, p. 322.l3 Moacir Amaral Santos, Prova Judiciciria no Civel e Comercial, 2' ed., Max Limonad,São Paulo,1952, vol. V, p. 341.14 Op. cit., vol. V, p. 415.

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2.4.2. Presunção legal - É a estabelecida por lei (presumptiones�iuris) e se subdivide em: a) absoluta: também chamada peremptória e juris et de jure (direitoe de direito), esta espécie não admite prova em contrário. Se a parteinteressada conseguir provar o contrário, ta1 fato será insubsistente. O art.1 I I do Código Civil brasileiro configura a presente espécie: "Presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros credores as garantias de dívidasque o devedor insolvente tiver dado a algum credor." Também é avsolutaa presunção estabelecida no art. 550 desse mesmo estatuto. b) relativa: igualmente denominada condicional, disputante ejcris tantum (até onde o direito permite), caracteriza-se por admitir�prova em contrário. A conclusão que a lei atribui a determinadassituações prevalece somento na ausência de prova em contrário. Exem-plo: art. 527 do Código Civil brasileiro: "o domínio presume-se exclu-sivo e ilimitado, até prova em contrário." cj mista ou intermédia: a lei estabelece uma presunção que, emprincípio, não admite prova em contrário, salvo mediante um determi-nado tipo por ela previsto. Pontes de Miranda, como exemplo, indicaas presunções do art. 337 combinado com os arts. 338 e 340 do CódigoCivil brasileiro.

2.5. Ficçôes - Em determinadas situações o legislador é levado,�por necessidade, a aplicar a uma categoria jurídica o regulamentopróprio de outra. Quando assim age, ele se utiliza do elemento ficçãojurídica que, no dizer preciso de Ferrara, "é um instrumento de técnicalegislativa para transportar o regulamentojurídico de um fato para fatodiverso que, por analogia de situações ou por outras razões, se desejacomparar ao primeiro"." Os acessórios de um imóvel, por exemplo,são móveis por natureza, mas recebem o tratamento jurídico própriodos imóveis. As embaixadas estrangeiras, por ficção, são tratadascomo se estivessem no território de seus Estados para efeito de isençãode impostos e do direito de asilo. Pelo Direito brasileiro, por ficçãolegal, a herança é considerada como um imóvel, pelo que, conformeArnoldo Wald observa, qualquer alienação do espólio exige escriturapública.' Consoante o jurista Ferrara, a ficção não converte em real�o que não é verdadeiro, apenas prescreve idêntico tratamento para

15 Apud Hermes Lima, np. cit., p. 57.16 In Direito das Sucessões, Sa ed., Editora Revista dos Tribunais, São Paulo,1983, p. 6.

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situações distintas. É errôneo, pois, afirmar-se que a ficção tem opoder de tornar verdadeiro o que evidentemente é falso." Igual-mente é imprópria a colocação de Ihering, para quem a ficçãojurídicaé a "mentira técnica consagrada pela necessidade".

130. Cibernética e Direito

O mundo científico atual está com a sua atenção voltada para acibemética, na expectativa de colher proveitosos resultados dessa tec-nologia revolucionária. O audacioso plano de humanizar a máquina,em contraposição à presente mecanização do homem, encontra-se empleno desenvolvimento, sem que se possa prever ainda em que nivelpoderá estabilizar-se no futuro. A cibernética, nome que deriva do gregoKubernam, dirigir, foi definida por Norbert Wiener, seu principalcultor, como a "teoria de todo o campo de controle, seja na máquina ouseja no animal".' Em obra publicada em 1948, sob o título Cybernetics,�Wiener criou esse neologismo. Apresentando um vasto campo de pesquisa, essa ciência oferecealgumas especializações, entre as quais a informática, que cuida doscomputadores e contribui, em diferente`s graus de intensidade, com quasetodos os setores de atividade social. A sua intluência predomina na áreadas ciências naturais, em face do absoluto rigor das leis da natureza, quecomportam uma quantificação de seus fenômenos. Em relação às ciênciassociais, a sua importância revela-se lentamente e de forma indireta. As possibilidades da cibernética em relação ao Direito acham-sedefinidas apenas parcialmente. Enquanto algunsjuristas mantêm-se emposição de absoluto ceticismo, outros reivindicam já a existência dajuscibernéticn e cogitam, inclusive, da possibilidade de se confiaremaos computadores, futuramente, as decisões judiciais. Fundamentam-se, entre outras razões, nas alegações de que haveria, principalmentenos sistemas que se baseiam nos precedentes judiciais, menor índice deerros judiciários e uma distribuição democrática dajustiça, sem discrimi-nação de classes sociais. Inegavelmente os dois radicalismos, tanto ocético quanto o eufórico, distanciam-se da realidade. Alguns benefícios

I7 Opinião de Carlos Mouchet y Zorraquin Becu, np. rit., p. I62.I8 Apud Ígor Tenório - Direiro e Clbernéticn, Coordenada Editora de Brasília, Brasflia,I970, p· 23.

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que a nova ciência pode proporcionar ao Direito já estão evidentes. Porsetor, podemos relacionar as seguintes possibilidades: 1. Elaboração das Leis - Em alguns países, inclusive no Brasil,o Poder Legislativo dispõe de um controle da situação dos projetos deleis por computadores. Estes aparelhos podem ser úteis ao Legislativotambém para o fim de fornecimento de informações quanto à legisla-ção vigente, dados estatísticos etc. 2. Administração da Justiça - Como meio auxiliar, o computadorpode ser utilizado pelos tribunais com o objetivo de controlar oandamento dos processos judiciais, bem como em relação às leisvigentes, interpretação do Direito pelos tribunais etc. A pretensão,contudo, de que os computadores absorvam a função de julgar senos apresenta impraticável porque, se o caso submetido à aprecia-ção da justiça for de aplicação automática de lei, a sua utilidadedesaparece, pois esses aparelhos são válidos quando pensam eoperam em questões mais complexas. Quanto a estas, porém, ascarências de sensibilidade, intuição e discernimento em relação aaspectos pisicológicos afastam a possibilidade de a máquina vir asubstituir ojuiz. Cremos que somente o homem pode avaliarejulgara conduta de outro homem. 3. Pesquisa cientifica - No âmbito das universidades, a informá-tica pode ser empregada relativamente ao estudo do Direito vigente, emseus aspectos normativos, doutrinários ejurisprudenciais. Assim, o com-putador pode ser programado para indicar a lei em vigor, as linhasdoutrinárias dos grandes mestres do direito e ajurisprudência dominantenos tribunais sobre determinadas matérias. Pode destinar-se ao estudo daevolução das idéiasjurídicas, bem como à análise do Direito Comparado,hinótese em que proporcionará informações paralelas entre os institutosjurídicos nacionais e os estrangeiros de maior expressão.

131. O Direito como Técnica e Ciência

O Direito já se acha inscrito de mitivamente no quadro geral dasciências. Poucos são os autores que contestam o seu caráter científico.O ponto fundamental em que se apóia a corrente negativa da Ciênciado Direito é a variação constante que se processa no âmbito do DireitoPositivo e o caráter heterogêneo que predomina no Direito Comparado.Com tal característica o Direito não poderia ser considerado ciência e

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se reduziria apenas a uma técnica. Essa corrente alimentava o seu 4 iargumento na idéia, levantada inicialmente por Aristóteles e divulgadaamplamente no período da Renascença, de que as ciências consistiamem princípios e noções de natureza absolutamente universal e neces-sária. Luis Legaz y Lacambra salienta que os humanistas daquela épocatinham aversão para a Ciência do Direito, destacando-se as ironias dePetrarca, Erasmo e Luís Vives, contra os cultores do Direito.'9 No século XIX os negativistas ampliaram a sua argumentação,apoiando-se na Escola Histórica do Direito e no positivismo jurídi-co, que não se opunham ao caráter científico do Direito, mas quetiveram os seus princípios aproveitados e explorados por aquelacorrente. No historicismo, pelo fato de defender o ponto de vista deque o Direito é produto exclusivo da história e que o seu conteúdoé todo variável, de acordo com as peculiaridades dos povos. Nopositivismo, em razão de desprezar a existência do Direito Natural,para considerar Direito apenas o positivo, que não possui caráteruniversal e nem sempre é necessário. Coube a Kirchmann o ataque mais vigoroso à Ciência do Direito.Em uma conferência, sob o título "O Direito não é uma Ciência" ,realizada em Berlim, em 1847, e que mais tarde ficaria famosa, oprocurador do rei no Estado da Prússja fez várias objeções ao carátercientífico do Direito. Naquela exposição declarou: "três palavras reti-ficadoras do legislador e bibliotecas inteiras convertem-se em inutili-dades". Com esta frase, que ainda hoje preocupa os filósofòs doDireito, o autor quis enfatizar o aspecto contingente do Direito.2o A contestação à jurisprudência científica, no passado, possuíacomo centro de gravidade a visão distorcida, que supunha o Direito

19 Legaz y Lacambra, op. cit., p. 217.20 lúlio H. Kirchmann, em outras passagens de sua conferência, formulou incisivascríticas à Ciência do Direito: "um povo poderá viver sem ciênciajurfdica, mas não semdireito"; "a sacrossanta justiça segue sendo objeto de escárnio do povo e as mesmaspessoas educadas, ainda quando têm o direito a seu favor, temem cair em suas garras..." �'...que acúmulo de leis e, não obstante, quanta lentidão na administração da Justiça!Quanta erudição de estudos e, não obstante, quantas oscilações, quanta insegurança nateoria e na prática..." ...só uma pequena parte tem por objeto o Direito Natural. As novedécimas partes, ou mais, se ocupam das lacunas. dos equfvocos, das contradições das leispositivas..."; "o sol, a lua e ãs estrelas brilham hoje como brilhavam há mil anos; a rosasegue florescendo como no paraíso; o direito, ao contrário, tem-se transformado desdeentão...". (La Jurisprudencia no es Ciencia, 2' ed., Instituto de Estudios Polfticos, Madrid,1%1).

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como algo inteiramente condicionado pelos tempos e lugares, semconserver nada de perene e universal. No presente, persistem vozesisoladas sustentando a opinião vencida, como a de Paul Roubier, paraquem o Direito é-apenas uma arte, porque pertence ao construido,enquanto que o dado é fornecido pelas ciências particulares.2' Quantoa esta crítica, é bom se observar que as ciências sociais mantêm umíntimo relacionamento, que nos permite dizer que vivem em um sistemade vasos comunicantes. O equívoco da corrente negativista deriva de um erro inicial, aopensac em Ciência do Direito em termos de Direito Positivo. A verda-deira Ciência do Direito reúne princípios universais e necessários. Oque é contingente é o desdobramento dos princípios, a sua aplicação notempo e no espaço. A liberdade, por exemplo, é um princípio funda-mental de Direito Natural, universal e necessário, possuindo de mutávelapenas a sua forma de regulamentação prática. A variação se faz noacidental e nunca no essencial, que é o princípio componente do DireitoNatural.

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordern do Sumário: 126 - Luiz Fernando Coelho, Teoria da Ciência do Direito; Machado Netto,Compêndio de Introdução à Ciência do Direito; 127 - Eduardo García Máynez, Introducción al Estuclio del Derecho; CarlosMouchet y Zorraquin Becu, Introducciorr al Derecho; Paulino Jacques, Curso deIntrodugão ao Estudo do Direito; Franco Montoro, Intwodução à Ciência do Direito,vol. I; 128 - A. Torré, Introducciórr a! Dereclro; Paulo Dourado de Gusmão, Irrtr-o-dução ao Estudo do Direito; 129 - Hermes Lima, Introdccção à Ciência cfo Direito: Carlos Mouchet yZorraquin Becu, op. cit.; Moacir Amaral Santos, Prova Judiciária rro Cive! eComercial, vols. I e V; A. Torré, op. cit.; 130 - Ígor Tenório, Direito e Ciberrrética; Luiz Fernando Coelho, op. cit.; 131- Luis Legaz y Lacambra, Filosofia del Dereclro.

2I Apud Paulo Dourado de Gusmão, O Perc.snrrrento Juridico Conremporânen, Saraiva,São Paulo, I955, p. 8I.

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Capítulo XXIII

TCMCA LEGISLATIVA�

Sumário:132. Conceito, Objeto e Importância da Técnica Legislativa. I33. Da Apresentação Fonnal dos Atos Legislativos. 134. Da Apresentação Material dos Atos Gegislativos.

132. Conceito, Objeto e Importância da Técnica Legislativa

A elaboração do Direito escrito pressupõe conteúdo e forma.Aquele consiste em um composto normativo de natureza científica,enquanto que esta se limita a um problema de técnica. Ao desenvolvero presente tema, o jurista alemão Rudólf Stammler destaca o sentidoda técnica legislativa: "Esta técnica é a arte de dar às normas jurídicasexpressão exata; de vestir com as palavras mais precisas os pensamen-tos que encerra a matéria de um Direito positivo; a arte que todolegislador deve dominar, pois o Direito que surge tem de achar suasexpressões em normas jurídicas."' Adenominação técnica legislativa envolve duas ordens de estudo:a) processo legislativo, que é uma parte administrativa da elaboraçãodo ato legislativo, disciplinada pela Constituição Federal e que dispõesobre as diversas fases que envolvem a formação do ato, desde a suaproposição, até a aprovação final; b) apresentação formal e materialdo ato legislativo, que é uma analítica da distribuição dos assuntos e daredação dós atos legislativos.Z Esta espécie não obedece a procedimen-tos rígidos, antes a orientações doutrinárias, que seguem um mesmo

1 La Génesis del DerecMo, ed: cit., p. 13t.2 A expressão atn legislativo, multicitada no presente capitulo, é empregada em sentidoamplo, equivalente a Direito escrito. Distìnguimos, portanto, ato legislativo de ato doPoder Legislativo.

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curso em seus aspectos mais gerais. Apesar de tal estudo ser próprio dosegmento doutfinário, não é fora de propósito se fixarem, em resolu-ções, algumas normas gerais quanto à apresentação formal e material,com exclusão, naturalmente, à técnica de produção dos códigos, que éaltamente especializada e que não pode estar condicionada a critériospredeterminados. Cada código corresponde a uma concepção técnica eseus autores necessitam de liberdade metodológica. A elaboração de um ato legislativo não implica o simples agrupa-mento assistemático de normas jurídicas. A formação de uma lei requerplanejamento e método, um exame cuidadoso da matéria social, doscritérios a serem adotados e do adequado ordenamento das regras. Oato legislativo deve ser um todo harmônico e eficiente, a fim deproporcionar o máximo de fins com o minimo de meios, como orientaa doutrina. Este capítulo tem por objeto de análise apenas a apresentaçãoformal e material do ato legislativo, porquanto a parte relativa aoprocesso legislativo é examinada no estudo sobre a lei. Consideramosimportante o conhecimento do presente tema, tanto para os profissio-nais do Direito quanto para os estudantes, por seu contato diuturno comas leis e códigos. Esta importância ganha maior significado se os quese dedicam ao estudo do Direito póssuem vocação para a vida pública,ocupando ou aspirando a cargos no Poder Legislativo ou Executivo.Destaque-se, ainda, que o conhecimento técnico de redação dos atoslegislativos pode ser aplicado, com a devida adaptação, na elaboraçãode estatutos e regimentos de pessoas jurídicas e ainda em contratossociais. Por último, salientamos a utilidade que esta ordem de conhe-cimentos oferece para os trabalhos de interpretação do Direito. .

133. Da Apresentação Formal dos Atos Legislativos

1. Conceituação - A apresentação formal diz respeito à estruturado ato, às partes que o compõem e que, em geral, são as seguintes:preâmbulo, corpo ou texto, disposições complementares, cláusulas devigência e de revogação, fecho, assinatura e referenda

2. Preâmbulo - É toda a parte preliminar às disposições normati-vas do ato. O vocábulo é de origem latina e formado pela junção doprefixo pre (antes, sobre), e do verbo ambulare (marchar, prosseguir).Modernamente o preâmbulo reúne apenas os elementos necessários à

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO 277 I �

1identificação do ato legislativo. Durante a Idade Média, contudo, eramcomuns certas alusões, estranhas à finalidade da lei , como a referência

segú'ntes e ementoá seu fim no ano mil.3 O preâmbulo compõe-se dos

a) epígrafe; b) rubrica ou eménta· Preâmbulo c) autoria e fundamento legal da autoridade· d) causasjustificativas· . e ' ) ordem de execução ou mandado de cumprimento. 2.1. Epigrafe - Do grego epigrapheus, o vocábulo é formado p or epi (sobre) e graphô (escrever) e significa escrever sobre. É a primeira� parte de um ato Iegislativo e contém a indicação da espécie ou natureza do ato (lei, medida provisória, decreto), o seu número de ordem e a data em que foi assinado. Exemplo: Lei no 6.624, de 23 de mar o de 1979, A numeraqão não tem limite prefixado, mas a sua renovação é reco- mendável uando atinge um ponto elevado. Em nosso país, no período de 1808 a 1833, conforme observa Hésio Fernandes Pinheiro, os atos legislativos não foram numerados.4 A epígrafe é útil não apenas or ue facilita a indicação e a busca de um texto normativo mas t mbémporque o situa na hierarquia das fontes formais do Direito.

2.2. Rubrica ou Ementa - É a parte do preâmbulo que define oassunto disciplinado pelo ato. Não constitui um resumo, pois somenteFaz uma referência à matéria que é objeto de regulamentação. Como aua finalidade é a de facilitar a pesquisa do Direito, apresenta-se�iormalmente em destaque, ora em negrito, ora em grifo. No dizer deésio Fernandes Pinheiro, a rubrica deve possuir as se uintes qualida-�les: a) concisão; b) p g recisão de termos; c) clareza; d) realidade. A Leiencionada possui a seguinte rubrica: dispõe sobre inscriç·ão obriga-�iria que deve constar do rótulo ou embalagem de produto estrangeirom similar no Brasil e dá outras providências. Quando a rubrica�iencpiona "e qá outras providências", como no exemplo citado, édis ensável ue o assunto não explicitado se relacione com o referi->. Se a rubrica favorece os trabalhos de seleção do Direito Positivo,

--Hésio Fernandes Pinheiro, op. cir., p. 26.Op. cit., p. 30.

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porque classifica os assuntos, pode levar o pesquisador menos atento ainobservar algumas disposições contidas no ato e que não são abrangi-das por essa parte do preâmbulo. Isto é comum de ocorrer em relaçãoàs normas atópicas ou heterotópicas, que pertencem a um ramo jurídicodiverso do que é tratado pelo ato legislativo. O enunciado da rubrica,em alguns casos, é útil inclusive para ftns de interpretação; contudo,orienta Carlos Maximiliano, o argumento a rubrica é apenas de ordemsubsidiária.s Quando a rubrica faz menção apenas a dispositivos de lei,sem qualquer alusão à matéria, transforma-se em elemento ornamental,pois não sitrlplifica a tarefa do pesquisador. Exemplo: Altera a alinea"i ", dn item III, do art.13, da Lei no 4.452, de OS de novembro de 1964(Dec. Lei no 1.681, de 07.05.79). O conjunto formado pela epígrafe erubrica denomina-se titulo d ato legislativo.� �

2.3. Autoria e Fundamento Legal da Autoridade - Ao indicar aespécie do ato legislativo, a epígrafe indiretamente conslgna a autoria;não o faz, porém, de modo completo, pois não esclarece se a lei ou odecreto é de âmbito federal, estadual ou municipal. A autoria se define,especificamente, na parte que se segue à rubrica. Quando o ato é deautoria do Executivo, o preâmbulo registra ainda o furidamento legalem que a autoridade se apoiou: "O.Fresidente da República, no uso dasatribuições que lhe confere o item IV do art. 81, da Constituição..."Quando o ato é de elaboração do Poder Legislativo, a fórmula usual éesta: "O Presidente da República - Faço saber que o Congresso Nacio-nal decreta..." O Chefe do Executivo participa no ato na condição deautoridade que sancioná a lei. Consideramos que essa fórmula, pormencionar a palavra decreta, incide em uma impropriedade terminoló-gica, cujo termo pode ser substituído por aprova. Não é usual, nem de r.boa técnica, a indicação do nome civil da autoridade, no preâmbulo.Esse, necessariamente, já virá assinalado ao final do ato, com a assina-tura.b 2.4. Causas Justificativas - No passado, era comum a inserçãodas causas justificativas na generalidade dos atos normativos. Naatualidade, só eventualmente se recorre a esse elemento, pelo qual olegislador declara as razões que o levaram a editar o ato. O seu emprego

5 Carlos Maximiliano, op. cit., p. 331.6 No preâmbulo do Decreto n" 52.892, de 07 de macço de 1972, do Estado de São Paulo,consta especificamente o nome civil da autoridade que o elaborou.

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO 279 i':é usual apenas para os atos do Poder Executivo. Atribuindo ao Estadouma função pedagógica, Platão pensava que as leis deveriam seracompanhadas de uma exposição de finalidade.' As causas justificati-vas se revestem de duas formas principais: considerandos e exposiçõesde motivos.

2.4.1. Considerandos - Quando o ato legislativo se reveste degrande importância para a vida nacional; quando se destina a reformularamplamente as diretrizes sociais, introduz normas de exceção ou vaiprovocar um certo impacto na opinião pública, a autoridade apresentao elenco dos motivos que determinou a criação do instrumento legal,atendendo, ao mesmo tempo, a dois interesses: uma satisfação aosdestinatários das normas e uma preparação psicológica que tem por fima efetividade do novo Direito. Para exemplificar, transcrevemos asjustificativas que acompanharam o Decreto-Lei no 1.098, de 25 demarço de 1970, que alterou os limites do mar territorial do Brasil paraduzentas milhas marítimas de largura: "... considerando: Que o interes-se especial do Estado costeiro na manutenção da produtividade dosrecursos vivos das zonas marítimas adjacentes a seu litoral é reconhe-cido pelo Direito Internacional; Que tal interesse só pode ser eficaz-mente protegido pelo exercício da soberania inerente ao conceito domar territorial; Que cada Estado tem competência para fixar seu marterritorial dentro de limites razoáveis atendend a fatores geográficos�e biológicos assim como às necessidades de sua população e suasegurança e defesa..." Tais causas justificativas acompanharam o textodo decreto-lei, em face do significado deste para a economia e asegurança do País.

2.4.2. Exposição de Motivos - Esta é outra modalidade de justifi-cação de atos legislativos, privativa, contudo, das codificações. É umapeça ampla, analítica, que não se limita a referências fáticas ou ainformações jurídicas. É elaborada, na realidade, pelos próprios autoresde anteprojetos de códigos. Nela são indicadas as inovações incorpo-radas ao texto e suas fontes inspiradoras, as teorias que foram consa-gradas e as referências necessárias ao Direito Comparado. Na prática,a exposição de motivos leva a chancela do Ministro da Justiça e é

7 Cf. Felice Battagtia, op. cit., vol. I, p. 138.

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dirigida ao Presidente da República. Este, ao encaminhar a proposta denovo código, já sob a forma de projeto, para o Poder Legislativo, enviatambém a exposição de motivos respectiva, que constitui, via de regra,um repositório de lições jurídicas.

2.5. Ordem de Execução ou Mandado de Cumprimento - É a partecom que se encerra o preâmbulo e que se identifica por uma fórmulaimperativa, que determina o cumprimento do complexo normativo quea seguir é apresentado. Nos atos executivos vem expressa, normalmen-te, em uma palavra impositiva: decreta, resolve, determina, enquantoque nas leis geralmente vem expressa pelos termos "Faço saber" ou"Congresso Nacional decreta e eu sanciono...", com a qual se ordena aexecução do novo ato.

2.6. Valor do Preâmbulo - O fundamental em um texto legislativoé o conjunto de normas de controle social que apresenta. O preâmbulo ,parte não normativa do ato, possui uma importância apenas relativa.Para alguns fins, é essencial; quanto a outros, manifesta-se de efeitoapenas indicativo. Na hipótese de conflito de disposições, decorrentede atos distintos, é indispensável verificar-se, na epígrafe de cada um,a espécie a que pertencem a fim de se definir a primazia com base nahierarquia das fontes criadoras do Direito. Na hipótese de igualdadehierárquica, a data constante na epígrafe irá resolver o conflitoem favor da norma mais recente. Outro aspecto positivo queoferece é concernente à interpretação do Direitn. Tanto a rubrica ,quanto as causas justificativas podem irradiar algumas luzes à 'compreensão do sentido e alcance das normas jurídicas criadas.

3. Corpo ou Texto - Esta é a parte substancial do ato, onde se .concentram as normas reitoras do convívio social. O raciocínio jurídi-co, aplicado ao texto, articula-se em função desse compartimento vital.O preâmbulo e as demais partes que integram o ato têm a sua esquema-tização a serviço desse complexo dinâmico de fatos, valores e normas.

4. Disposições Complementares - Quando o ato legislativo éextenso e.a matéria disciplinada comporta divisões, como ocorre emrelação aos códigos, são destinados capítulos especiais para as dispo-sições complementates, que contêm orientações diversas necessárias àaplicação do novo texto normativo. Tais disposições se dividem empreliminares, gerais ou finais e transitórias.

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4.1. Disposições Preliminares - Como a denominação indica,estas disposições antecedem às regras principais e têm a finalidade defornecer esclarecimentos prévios, como o da localização da lei notempo e no espaço, os objetivos do ato legislativo, definições de algunstermos e outras distinções básicas. Esse conjunto de diretivas nãodispõe de maneira imediata sobre o objeto do ato nem atende direta-mente às suas finalidades. Funciona como instrumento ou meio paraque o ato possa entrar em execução. As disposições preliminares sãopróprias das legislações modernas, que possuem organicidade, em queas normas jurídicas não se relacionam em simples adição, mas seinterpenetram e se complementam. Há uma corrente doutrinária que julga imprópria a inclusão dedisposições preliminares em códigos, porque prejudicam a estética ,atentam contra a elegantia juris. Para se evitar a inserção de títulospreliminares nos códigos, o legislador possui a alternativa de editar, emconjunto com o código, uma lei anexa de introdução. Este foi o critérioadotado na elaboração do Código Civil brasileiro, de 1916. A Lei deIntrodução ao Código Civil, apesar de vincular-se nominalmente a umramo de Direito, constitui, na realidade, um conjunto de disposiçõespreliminares à aplicação do sistema jurídico vigente em nosso País.

4.2. Disposiões Gerais e Finais - Enquanto que as disposições�preliminares não se referem diretamente aos fatos regulados pelo atolegislativo, mas sobre eles têm apenas uma influência indireta, asdisposições gerais e as finais vinculam-se diretamente às questõesmateriais da lei. Nos atos mais extensos, que se dividem em títulos ,capítulos e seções, pode ocorrer a necessidade de se estabeleceremnormas ou princípios gerais de interesse apenas de uma dessas partes,hipótese em que as disposições gerais devem figurar logo após a partea que se referem. Quando essas normas são aplicáveis a todo o texto ,a sua colocação deve ser ao final do ato, sob a denominação dedisposições finais.�

4.3. Disposições Transitórias - Como seu nome revela, estas�disposições contêm normas que regulam situações passageiras. Emface da transitoriedade da matéria disciplinada, tais disposições, umavez cumpridas, perdem a sua finalidade, não podendo assim figurar nocorpo da lei, mas em separado, ao final do ato. As disposições transi-tórias resolvem o problema das situações antigas, que ficam pendentesdiante da nova regulamentação jurídica.

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5. Cláusulas de Vigência e de Revogação - O encerramento doato legislativo compõe-se das cláusulas de vigência e de revogação. Aprimeira consiste na referência à data em que o ato se tornará obriga-tório. Normalmente entra em vigor na data de sua publicação, hipóteseem que o legislador adota a fórmula esta lei entrará em vigor na datade sua publicaÇão. Quando os atos legislativos são extensos e comple-xos, como ocorre com os códigos, é indispensável a vacatio legis, ou-seja, o intervalo que medeia entre a data da publicação e o início de g , , , qvi ência. Esta cláusula contudo não é essencial de vez ue o art.1da Lei de Introdução ao Código Civil apresenta uma regra de carátergeral, que prevalece sempre na falta da cláusula de vigência (v. § 135).A cláusula de revogação consiste na referência que a lei faz aos atoslegislativos que perderão a sua vigência. Como a anterior, esta cláusulatambém não é essencial, pois o § lo do art. 2o da citada Lei de Introduçãojá prevê os critérios para a revogação de leis. Pelo referido dispositivo"a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare ,quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente amatéria de que tratava a lei anterior". Assim, tal cláusula se revelainteiramente desnecessária quando vem expressa pela conhecida fór-mula "ficam revogadas as disposições em contrário". Esta cláusulasomente se justifica quando impõe a revogação de uma lei que perma-neceria em vigor na falta de uma revogação expressa. A situação serevela mais estranha quando o legislador, após se referir expressamenteà revogação de alguns atos legislativos que entram em conflito com anova lei, acrescenta "... e outras disposições em contrário". Este apên-dice à cláusula de revogação, já desnecessário em face do que dispõea Lei de Introdução, é um atestado de insegurança do legisladorquanto às leis atingidas pelo novo ato. Finalmente, a observação de .que as cláusulas de vigência e de revogação podem apresentar-se emartigos distintos ou englobadas em um somente.

6. Fecho - Após a cláusula de revogação, segue-se o fecho do atoIegislativo; que indica o local e a data da assinatura, bem como os anosque são passados da Independência e da Proclamação da República.Conforme assinala Rosah Russomano de Mendonça Lima, "estas duasreferências à Independência e à República simbolizam uma homena-gem do legislador brasileiro aos dois fatos mais significativos daHistória da Pátria". Exemplo: Brasília, 17 de maio de 1994;172o daIndependência e l OSo da República.

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7. Assinatura - Como documento que é, o ato legislativo somente passa a existir com a aposição das ass:naturas devidas. Estas garantem a sua autenticidade. O ato deve ser assinado pela autoridade que o promulga.

8. Referenda - No plano federal, a referenda consiste no fato de, os ministros de Estado acompanharem a assinatura presidencial, assu- mindo uma co-responsabilidade pela edição do ato. Conforme o sistema constitucional vigente, a referenda pode ser essencial à formalização do ato. O regime parlamentar, vigente no País nos primeiros anos da década de sessenta, condicionava a validade do ato presidencial à assinatura do Presidente do Conselho e do Ministro da Pasta correspon- dente. Atualmente a referenda não é essencial à validade dos atos presidenciais, mas constitui, contudo, uma praxe importante, que revela a coesão existente entre as autoridades que administram o País.

134. Da Apresentação Material dos Atos Legislativos

Os critérios metodológicos empregados na distribuição do con- teúdo normativo de uma lei, em artigos, seções, capítulos e títulos, imprimem um sentido de ordem aos atos legislativos e proporcionam ao Direito uma forma prática de exteriorização. Essa divisão, conforme analisa Villoro Toranzo, "no es algo arbitrario sino que corresponde al plan que el legislador tuvo para ordenar las materias tratadas".R O eixo em torno do qual se desenvolve a apresentação material do ordenamen- to jurídico é formado pelos artigos. Os demais elementos que enunciam o Direito, ou se manifestam como divisão deles, como os parágrafos e os itens, ou representam o seu agrupamento, como as seções, capítulos, títulos.

1. Dos Artigos - O vocábulo artigo provém de articulus, do latim, e significa parte, trecho, juntura. Hésio Fernandes Pinheiro o define como "a unidade básica para a apresentação, divisão ou agrupamento

8 Miguel Villoro Toranzo, op. cit., p. 252.

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de assuntos".y É utilizado pela generalidade das codificações comoelemento básico, com exceção do Direito alemão que distribui osassuntos mediante parágrafos. Os artigos devem ser numerados, obser-vando-se a seguinte orientação: a) os nove primeiros pela seqüênciaordinal: art.1 o, art. 2o ... art. 9o; b) os que se seguem ao art. 9o, pelosnúméros cardinais: art. 10, art. 11... Quando o artigo é dividido emparágrafos ou itens, denomina-se caput a parte que antecede o desdo-bramento.

Entre as principais regras que devem orientar a elaboração dosartigos, consoante assentamento doutrinário, temos as seguintes:

a) os artigos não devem apresentar mais do que um assunto,limitarído-se assim a enunciar uma regrajurídica. Exemplos: art. 31 doCódigo Civil brasileiro: "O domicilio civil da pessoa natural é o lugaronde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo." Art. 129da Consolidação das Leis do Trabalho: "Todo empregado terá direitoanualmente ao gozo de um periodo de férias, sem prejuizo da remune-rafão."

b) no artigo deve figurar apenaS a regra geral, enquanto que as�exceções ou especificações devem ser definidas pelos parágrafos eitens. Exemplo: Art. 524 do Código Civil: "A lei assegura ao proprie-tário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens e de reavê-los dopoder de quem quer que injcstamente os possua. Parágrafo único. A�propriedade literária, cientifica e artistica será regulada conforme asdisposiÇões do capitulo VI deste titulo." , c) a linguagem abreviada das siglas deve ser evitada, pois criadificuldades ao entendimento do artigo. Contudo, as siglas de usocorrente, como INPS, PIS, FGTS, podem ser aplicadas sem qualquerrestrição, pois o que representam é de conhecimento de todos.

d) como fonte de conhecimento do Direito, o artigo deve serredigido de forma inteligível, ao alcance de seus destinatários. A sualinguagem deve ser simples, clara e concisa. Tal não exclui, porém, o

9 Op. cit., p. 84.

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uso de termos específicos do Direito, que devem ser empregados deacordo com a necessidade e o devido cuidado, para não se incidir notecnicismo jurídico.

e) o emprego de expressões esclarecedoras deve ser evitado, poisestas correspondem a um reforço de linguagem desnecessário e preju-dicial ao bom estilo. Se o artigo é redigido com rigor lingüístico elógico, essas expressões nada acrescentam à compreensão do textoe equivalem a simples repetições. Exemplos: isto é, ou seja, porexemplo.

, para que a lei seja conhecida em toda a base territorial de seu�alcance, as expressões regionais devem ser evitadas.

g) o legislador deve conservar as mesmas expressões para asmesmas idéias, em toda a extensão do ato legislativo, ainda que istoimplique prejuízo à beleza do estilo, pois a sinonímia pode levar adúvidas e a especulações quanto à interpretação do texto.

2. Divisão dos Artigos - Os artigos podem ser desdobrados emparágrafos, itens e letras.

2.1. Parágrafo - Tendo por símbolo o sinal gráfico §, esse vocá-bulo provém do latim paragraphus, composto de para (ao lado) egraphein (escrever), significando, assim, escrever ao lado. A sua fina-lidade é a de explicar ou modificar (abrir exceção) o artigo. Comoescrita secundária, o parágrafo não deve formular a regra geral nem oprincípio básico, mas limitar-se a complementar o caput do artigo. Oseu enunciado não é autônomo pois deve estar intimamente relacionadocom a parte inicial do artigo. É de bom estilo o parágrafo apresentarapenas um período, que deve ser pontuado, ao final. O critério denumeração dos parágrafos é igual ao dos artigos: seqüência ordinal paraos nove primeiros e cardinal para os demais. Quando o artigo apresentarapenas um parágrafo, este não deve ser representado por um símbolo,mas escrito por extenso: Parágrafo único. Exemplo: Art. 204 do CódigoCivil brasileiro: "O casamento celebrado fora do Brasil prova-se deacordo com a lei do pais, onde se celebrou. Parágrafo único. Se, porém,se contraiu perante ngente consular, provar-se-á por certidão do as-sento no registro do consulado."

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2.2. Item e Letra - O vocábulo item significa igualmente, também,como e é utilizado na divisão dos artigos e parágrafos, com a finalidadede enumerar hipóteses, indicar requisitos, discriminar elementos. Oitem não é um elemento autônomo. Isoladamente não possui sentido.A sua função somente se revela pela conexão com a parte que desdobra.Graficamente é representado por algarismo romano. Em relação àsletras, apresenta a vantagem de possuir numeração ilimitada. Exemplo:

"Art.12. Serão inscritos em registro público:

I - Os nascimentos, casamentos, separações judiciais, divórcios eóbitos. II - A emancipação por outorga do pai ou mãe, ou por sentençado juiz (art. 9o, parágrafo único, no I). III - A interdição dos loucos, dos surdos-mudos e dos pródigos. IV - A sentença declaratória da ausência" (Código Civil brasi-leiro). As letras, que se representam por grafia minúscula e de acordocom a ordem do nosso alfabeto, possuem idêntica função à dos itens.Podem dividir diretamente o caput do artigo, porém é mais usualdesdobrarem parágrafos e itens. E aconselhável que o legislador, emum ato legislativo, siga apenas um crirério em relação aos itens e letras.A parte geral do Código Penal de 1940, em sua redação primitiva,empregava, indiscrìminadamente, itens e letras para a divisão direta doartigo (v. art.111,112,116,117).

2.3. Alinea e Inciso - Estes vocábulos são empregados, via deregra, como referência aos itens e letras. A doutrina não oferece umaorientação uniforme para o seu emprego. Recorrendo aos subsídiosoferecidos pelos dicionários mais abalizados da Língua Portuguesa,Hésio Fernandes Pinheiro concluiu que alínea e inciso são termosabrangentes, que podem indicar tanto o artigo, quanto o parágrafo, itemou letra. De fato, é o que se infere, por exemp(o, das definiçõesapresentadas pelo Novo Dicionário Aurélio."' ,

IO "Allnea - (Do latim a liKea) S. f. 1. Linha escrita que marca a abertura de novoparúgrafo. 2. Cada uma das subdivisões de artigo, indicada por um número ou letra quetem à direita um traço curvo como o que fecha parênteses; inciso, parúgrafo." - "lnciso -(Do latim incisu)... 5. Frase que corta outra, interrompendo-lhe o sentido."

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3. Agrupamentos dos Artigos - Nos atos legislativos mais exten-sos, como os códigos e as consolidações, a matéria legislada é classifi-cada por natureza de assuntos. Cada um destes representa-se por umgrupo de artigos. Tomando por modelo o Código Civil brasileiro, temosum exemplo completo das formas de agrupamento de artigos:

a) os artigos formam a seção � b) as seções formam o capítulo; c) os capítulos formam o título; d) os títulos constituem o livro; e) os livros formam a parte; f) as partes formam o código.

Esta enumeração,registra uma ordem crescente de generalização.Assim o capítulo contém assuntos mais genéricos do que as seções emais específicos do que o título.

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário: 132 - Alfredo Colmo, Técnica L,egislativa; 133 - Hésio Fernandes Pinheiro, Técnica Gegislativa; Carlos Maximiliano,Hermenêutica e Aplicação do Direito; Rosah Russomano de Mendonça Lima, Ma-nual de Direito Constitucional; José Afonso da Silva, Manua! do Vereador; 134 - Hésio Fernandes Pinheiro, op. cit.; Miguel Villoro Toranzo, Introduc-ción al Estudio del Derecho.

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Capítulo XXIV

A EFICÁCIA DA LEI NO TEMPO E NO ESPAÇO

Sumário: I35. Vigência e Revogação da Lei. 136. O Conflito de Leis no Tempo. 137. O Principio da Irretroatividade. 138. Teorias sobre a Irre- troatividade. I39. A Noção do Conflito de Leis no Espaço.140. O Estran- geiro perante o Direito Romano.141. Teoria dos Estatutos.142. Doutrinas Modernas quanto à Êxtraterritorialidade.143. O Direito Interespacial e o Sistema Brasileiro.

I135. Vigência e Revogação da Lei

Na vida do Direito a sucessão de leis é ato de rotina. Cada estatutolegal tem o seu papel na história. Surge como fórmula adequada aatender às exigências de uma época. Para isto combina os princípiosmodernos da Ciência do Direito com os valores que a sociedadeconsagra. O conjunto normativo é preparado de acordo com o modelofático, em consonância com a problemática social que se desenrola. Com a promulgação, a lei passa a existir, mas o início de sua vigênciaé condicionado pela chamada vacatio legis. Pelo sistema brasileiro, a leientra em vigor em todo o País quarenta e cinco dias após a sua publicação.Esse prazo é apenas uma regra geral. Conforme a natureza da lei, olegislador pode optar por um interregno diferente ou até suprimi-lo. 'Quando a aplicação da lei brasileira for admitida no estrangeiro, a vacatiolegis será de três meses. Tais disposições estão inseridas no art. I o da Leide Introdução ao Código Civil brasileiro. A lei começa a envelhecer a partir de seu nascimento. Durante asua existência, por critéios hermenêuticos, a doutrina concilia o texto�com os novos fatos e aspirações coletivas. Chega um momento, porém,em que a lei se revela imprópria para novas adaptações e a suasubstituição por uma outra lei torna-se um imperativo. O tempo de

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duração de uma lei é variável. Algumas alcançam a longevidade, comoa Constituição norte-americana de I787, o Code Napoléon, de 1804, oCódigo Comercial brasileiro, de 1850, ainda vigentes. Outras apresen-tam um período de duração normal e não arrastam a sua vigênciaartificialmente, como ocorre com as legislações citadas, que sofreramnumerosas transformações, que desfiguraram a sua fisionomia original.Algumas há que podem ser chamadas de natimortas, de ocorrênciaexcepcional, de que é exernplo o Código Penal brasileiro de 1969,revogado durante a sua vacatio legis. A perda de vigência pode ocorrer nas seguintes hipóteses: a)revogação por outra lei; b) decurso do tempo; c) desuso (matéria queenvolve controvérsia doutrinária e que foi objeto de nosso estudo nocapítulo XVI). A revogação de uma lei por outra pode ser total ouparcial. No primeiro caso denortiina-se ab-rogação e no segundo,derrogação. Esta divisão foi elaborada pelos romanos, que distingui-ram ainda a sub-rogação, que consistia na inclusão de outras disposi-ç o,ões em uma lei existente e a modificaÇã que era a substituição departe de uma lei anterior por novas disposições.' A revogação da lei pode ser expressa ou tácita. Ocorre a primeirahipótese quando a lei nova determina especificamente a revogação dalei anterior. A revogação tácita se opera sob duas formas: a) quando alei nova dispõe de maneira diferenÌe sobre assunto contido em leianterior, estabelecendo-se assim um conflito entre as duas ordenações.Este critério de révogação decorre do axioma lex posterior derogatpriorem (a lei posterior revoga a anterior); b) quando a lei novadisciplina inteiramente os assuntos abordados em lei anterior. É prin-cípio de hermenêutica, porém, que a lei geral não revoga a de caráterespecial. Quando uma lei revogadora perde a sua vigência, a lei ,�anterior, por ela revogada, não recupera a sua validade. Esse fenômenode retorno à vigência, tecnicamente designado por repristinação, écondenado do ponto de vista teórico e por nosso sistema. No Direito brasileiro, conforme dispõe o art. 2o da Lei de Intro-dução ao Código Civil, vigoram os seguintes preceitos quanto à revo-gação: "Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

I Cf. Ariel Alvarez Gardiol, Introduccirin a unn Teorfa Genernl del Derecho - OMétodo Juridico, Editorial Astrea, Buenos Aires,1976, p. 112.

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO 291 ;:· § la A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o i..:, declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

§ 3o Salvo disposições em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência."

136. O Contlito de Leis no Tempo

Quando um fato jurídico se realiza e produz todos os seus efeitossob a vigência de uma determinada lei, não ocorre o conflito de leis notempo. O problema surge quando um fatojurídico, ocorrido na vigênciade uma lei, estende os seus efeitos até a vigência de uma outra. Aquestão fundamental passa a girar em torno desta indagação: Qual a leiaplicável aos efeitos do fato jurídico a da época em que se realizou ou�a do tempo em que vai produzir seus efeitos? Os princípios que regemessa matéria constituem o chamado Direito Intertenlporal. Este assuntoé abordado também sob os títulos "o conflito de leis no tempo" e "aeficácia da lei no tempo". Para facilitar a nossa compreensão, figuremos um exemplo práti-co: ao ingressar na Faculdade de Direito o acadêmico encontra em vigorum deterininado currículo e por ele começa o seu curso; caso não ocorraqualquer alteração no elenco das disciplinas, não irá deparar comproblemas curriculares. Mas, se durante o seu curso sobrevier um novocurrículo, várias perguntas surgirão: a) o acadêmico terá direito aprosseguir no seu estudo e formar-se de acordo com o currículo antigo?b) deverá o aluno seguir inteiramente as novas disposições, como senão houvesse o currículo anterior? c) o currículo novo respeitará oscréditos alcançados pelo acadêmico e este deverá adaptar-se às novasexigências? É evidente que a resolução que aprova um novo currículoevita essa ordem de interrogações, por suas disposições transitórias,que definem as situações anteriores. Mas acima dessas normas transi-tórias, no ordenamento jurídico vigente, há algumas disposições perti-nentes ao Direito Intertemporal que devem ser consideradas.

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137. O Princípio da Irretroatividade

O princípio da irretroatividade, pelo qual uma lei nova não alcançaos fatos produzidos antes de sua vigência, não é uma criação moderna. ,No Direito Romano já prevalecia como critério básico não respeitadoapenas quando uma lei especificamente determinasse que as suasnormas alcançassem os assuntos pendentes. Do Direito Romano esseprincípio passou para o Direito Canônico, consagrado por GregórioIX. A sua teorização, contudo, desenvolveu-se apenas a partir do séculoXIX, com a propagação do pensamento liberal. A Constituição norte-americana de 1787, na seção 5a de seu art.lo, dispôs a respeito: "O Congresso não poderá editar nenhuma lei comefeito retroativo." Em seu art. 2o, o Código Napoleão também consa-grou o princípio: "A lei só dispõe para o futuro; não tem efeito retroati-vo." Todas as Constituições brasileiras, à exceção da Carta de 1937,estabeleceram o princípio da não-retroatividade. A Constituição vigen-te o incluiu no elenco "Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos",pelo item XXXVI, do art. 5o: "A lei não prejudicará o direito adquirido,o atojurídico perfeito e a coisajulgada." Em matéria criminal, consoan-te dispõe o item XL daquele artigo, a lei penal não retroagirá, "salvopara beneficiar o réu". A nossa lei ordinária dispõe que "a 1ei em vigorterá efeito imediato e geral, respeitados o atojurídico perfeito, o direitoadquirido e a coisajulgada".= Não são todas as legislações que situamo princípio ao nível de constituição, de que é exemplo o Direito chileno. Sob o fundamento de que a lei nova traduz os novos anseiossociais, é fórmula aperfeiçoada de justiça, alguns já defenderam a tesede que a lei nova deveria ter aplicação retroativa, isto é, não apenas seraplicada ao presente, mas igualmente aos fatos pretéritos. Quando

2 Este é o teor do capur do art. 6o da Lei de Introdução. O legislador brasileiro não sefixou em uma determinada teoria apenas. Ao mencionar efeitn imediatn, influenciou-sepela teoria de Paul Roubier; com a expressão direitn adquiridn, aproveitou o subsídio dateoria clássica. Os §§ lo e 2o do art. 6" definem, repectivamente, os conceitos de atojurídicn perfeito e dir-eitos ndquiridos: "§ lo Reputa-se ato jurídico perfeito o jáconsumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou": " 2o Consideram-se�adquiridos assim os direitòs que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, comoaquele cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabelecidainalterável, a arbítrio de outrem." Já o § 3o define coisa julgada como "a decisão judicialde que já não caiba recurso".

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iestudamos os princípios de segurança jurídica, verificamos que a irre-troatividade da lei é fator de grande importância na proteção do indiví-duo; que é uma garantia contra a arbitrariedade; que é um princípio denatureza moral. Se fosse admitida a retroatividade como princípioabsoluto, não haverig o Estado de Direito, ncas o império da desordem.O princípio da irretroatividade como re ra , g geral, e consagrado nadoutrina e pela generalidade das legislações. Para Clóvis Beviláqua, "oprincípio da não-retroatividade é, antes de tudo, um preceito de políticajurídica. O direito existente deve ser respeitado tanto quanto ã suapersistência não sirva de embaraço aos fins culturais da sociedade, quea nova lei pretende satisfazer."3 Não concordamos com o embasamentocoletivista consignado por Clóvis. O fundamento natural e primátio dairretroatividade é a preservação da segurançajurídica do indivíduo. Quanto ao conflito de leis no tempo, é pacífico, atualmente, quea lei não deve retroagir. O que até hoje não se conseguiu foi encontrar-se"uma fórmula única e geral, aplicável a todos os aspectos do conflitodas leis no tempo".4 A doutrina, de uma forma harmônica, apresenta asseguintes orientações: Admite-se a retroatividade da lei: a) no Direito Penal, quando as disposições novas beneficiam aosréus na exclusão do caráter delituoso o ato ou no sentido de minorarem�a penalidade; b) no tocante às leis interpretativas;5 c) quanto às leis abolitivas, que extinguem instituições sociais ou Ijurídicas, incompatíveis com o novo sentimento ético da sociedadecomo ocorreu com a abolição da escravatura. 6 Admite-se o efeito imediato da nova lei: a) em relação às normas precessuais; b) quanto às normas cogentes ou taxativas, como as de Direito deFamília;

3 Clóvis Beviláqua, Tenria Geral dn Direitn Civil, ed. cit., p. 17.4 Vicente Ráo, np. cit., vol. I, tomo I1, p. 441.5 As leis interpretativas devem ser examinadas cuidadosamente, pois, sob o mantoretroativo da interpretação, podem apresentar novos preceitos. Ocorrendo tal hipótese, asregras inovadoras deverão suóordinar-se ao disposto no art. 6" da Lei de Introdução aoCódigo Civil.6 Cf. João Bosco Cavalcanti Lana, Inrndução an Estudn dn Direito, 3' ed., Civilização�Brasileira/IMB, Rio de Janeiro,1980, p. I 12.

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c) quanto às normas de ordem pública; d) quanto ao Direito das Obrigações, no tocante às regras impe-rativas. Em relação ao Direito das Sucessões, prevalecem as normasvigentes no momento da abertura da sucessão e, quanto ao testamento,as normas da época em que foi efetuado.

l38. Teorias sobre a Irretroatividade

Entre as principais teorias que abordam o conceito e a caracteri-zação da irretroatividade da lei, destacam-se as seguintes:

1. Doutrina Clássica ou dos Direitos Adquiridos - Esta teoria foiconcebida inicialmente pelos juristas da Escola da Exegese, sendoBlondeau o seu primeiro expositor, no início do século passado. Foicom Chabot, que distinguiu o direito adquirido da simples expecta-tiva, e com Merlin, que a teoria recebeu lineamentos mais amplos ecientíficos. Essa teoria parte de uma distinç,ão entre faculdade, expectativa edireito adquirido. A faculdade foi conceituada como a possibilidadejurídica de se praticar atos, como o de emancipação de filho, porexemplo. A expectativa não passa de uma esperança, como Merlinsituou, de se adquirir um direito caso venha a realizar-se um aconteci-mento futuro, que lhe dará efetividade. É a situação em que se encontrauma pessoa, por exemplo, em relação à herança de um parente próximo,tendo em vista o que dispõe a legislação vigente. Diante da circunstân-cia da época, não há que se falar ainda de direito sucessório, mas apenasexpectativa que se transformará em direito caso não haja alteração naordem suCessória e o fato venha a se consumar. Segundo Merlin,"direitos adquiridos são aqueles que entraram em nosso domínio e, emconseqüência, formam parte dele e não podem ser desfeitos..."' Exem-plo: o funcionário público que atinge cinco anos de serviço público,sem falta ao trabalho, adquire o direito de gozar licença-prêmio. Se-gundo essa teoria, não se caracteriza a retroatividade quando a lei atingeapenas uma faculdade ou expectativa. A lei nova terá que respeitar

7 Apud Eduardo Garcfa Mdynez, op. rit., p. 390.

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sempre o direito adquirido, aquele já consolidado e que ainda não foigozado, mas cujo exercício depende exclusivamente de iniciativa deseu titular. I

2. Teoria da Situação Juridica Concreta - Situação jurídica é aposição de uma pessoa em relação à lei. Bonnecase parte da distinçãoentre situação jurídica abstrata e concreta. A primeira se caracterizaquando a pessoa não é alcançada pela regraJ o fato jurídico que acolocaria sob os efeitos da lei não se realizou. E a condição do solteiro,por exemplo, em relação à instituição do matrimônio. A situaçãojurídica concreta é definida por Bonnecase como "a maneira de ser deuma pessoa determinada, derivada de um ato ou de um fatojurídico quea faz atuar, em seu proveito ou contra si; as regras de uma instituiçãojurídica, e a qual ao mesmo tempo lhe tem conferido efetivamente asvantagens e as obrigações inerentes ao funcionamento dessa institui-ção"." Situa-se, nesta hipótese, o indivíduo casado em relação à lei docasamento. Para o autor dessa teoria somente se caracteriza a retroati-vidade quando a lei nova alcança a situação jurídica concreta, o que porele não é admitido.

3. Teoria dos Fatos Cumpridos - Exposta por Windscheid, Dern-burg e Ferrara, o importante para ess'á concepção não é a verificaçãoda existência de direito adquirido, mas a constatação se o fato foicumprido durante a vigência da lei anterior. De acordo com a orientaçãode seus expositores, haveria retroatividade apenas quando o ato legislativoatingisse o fato jurídico realizado no passado, desfazendo-o ou alterandoos seus efeitos produzidos na vigência da lei revogada.

4. Teoria de Paul Roubier - O jurista francês partiu da distinçãodos possíveis efeitos da lei em relação ao tempo: a) efeito retroativo(ação sobre atos e fatos do passado); b) efeito imediato (ação apenassobre o presente); c) efeito diferido (quando a lei vai alcançar o futuro).Para o autor da teoria o ponto capital do problema radica na distinçãoentre efeito retroativo e efeito ímediato. Em seu entendimento a leisomente deve alcançar os fatos do presente, respeitando os fatos preté-ritos. Igualmente não admite que a lei estenda os seus efeitos sobre ofuturo.

8 J. Bonnecase, op. cit., p. 209.

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5. A Concepção de Planiol - Análogo à tese de Paul Roubier é ocritério proposto por Planiol: "A lei é retroativa quando atua sobre opassado, seja para apreciar as condições de legalidade de um ato, sejapara modificar ou suprimir os efeitos de um direito já realizado. Forade tais casos não há retroatividade, e a lei pode modificar os efeitosfuturos de fatos ou de atos anteriores, sem ser retroativa."9

6. O Principio "Ratione Materiae" - Ao disciplinar o problemada irretroatividade da lei, o sistemajurídico pode optar pela adoção dedeterminadas teorias, fixando-se assim em princípios gerais e abstratos,como o fez o legislador brasileiro, ou optar pelo princípio rationemateriae, isto é, pela particularização de assuntos. Entre os códigos queseguem essa orientação encontram-se os da Alemanha, Suíça e Itália.

139. A Noção do Contlito de Leis no Espaço

Enquanto o conflito de leis no tempo se configura pela existênciade duas leis nacionais, promulgadas em épocas distintas e que regulamuma igual ordem de interesses, o cpnflito de leis no espaço caracteri-za-se pela concorrência de leis pertencentes a diferentes Estados sobe-ranos em decorrência da mobilidade do homem entre os territórios. Damesma forma que não haveria o primeiro tipo de conflito se todos osfatos fossem unitemporais, isto é, se formassem e produzissem os seusefeitos sob o império de uma só lei, não haveria o segundo tipo deconflito se todos os fatos jurídicos fossem uniespaciais, ou seja, caso ·se consumassem integralmente em um só Estado, sob a vigência de um .·�sistema único. As normas e princípios que visam à solução doconflito de leis no espaço formam o chamado Direito Interespacialque, ao lado do Direito Intertemporal, são denominados superdi-reitos, de vez que não criam normas de conduta social, mas apenasindicam o sistemajurídico aplicável a determinada relação de direito. Entre os princípios básicos que o Direito Interespacial apresenta,o da territorialidade (lex nnn valet extra territorium) significa que a leia ser aplicada é a do território, vedada, pois, a efetividade do Direitoestrangeiro. O da extraterritorialidade (personalidade da lei) corres-

9 Apud Carlos Mouchet y Zorraquin Becu, np. cit., p. 282.

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p ;onde à admissão da vigência de lei forânea, em um Estado, sobredeterminada matéria. Há dois critérios para a adoção deste princípio: o iEstado pode adotar a lei da nacionalidade do estrangeiro ou a de seudomicilio. Esse tipo de problema surgiu em um determinado estádio de Ievolução da humanidade. Entre os povos primitivos não havia como secogitar do conflito de leis no espaço, porque os homens viviam confi-nados na base territorial de seus Estados. Como não havia a fi ra doestrangeiro, apenas um sistema jurídico poderia ser aplicado nas rela-ções interindividuais: o Direito autóctone. Um conjunto de fatoresporém, veio a favorecer o intercâmbio entre os povos: de um lado aampliação dos conhecimentos geográficos e o aperfeiçoamento danavegação marítima e, de outro, a vontade de conhecer, a ambi ão o ç ,espírito de aventura, os interesses econômicos. O princípio da territo-rialidade teria que sofrer limitações, sob pena de impedir a mobilidadedo homem entre os Estados. Os problemas de natureza jurídica come-çaram a surgir e as soluções foram ditadas em iricam p ente. A necessi-dade de se admitir a aplicação da lei forânea em território nacional não I.era motivada apenas pelo interesse de proteção ao estrangeiro, mastambém para que houvesse reciprocidade de tratamento quanto aos seusnacionais, em terras estranhas. ,, Ì Teoricamente a solução poderia ser encontrada conforme Agenor ,Pereira de Andrade menciona, pela unificação do Direito Privado.' �Essa fórmula, mais tarde sugerida por Jitta, internacionalista holandês ,além de difícil execução, do ponto de vista da teoria do Direito signi-ficaria apenas a eliminação do problema."

14Q. O Estrangeiro perante o Direito Romano

A sistemática adotada pelo Direito Romano em relaão ao estran-�geiro não dava margem ao surgimento de conflito de leis no espaço. Aolado do Jus Civile destinado aos cidadãos romanos, cives, e aplicado

10 Agenor Pereira de Andrade, Manua! de Direito lnternaciona! Privado, 4' ed.,Sugestões Literárias S/A, São Paulo, 1983, p. 21.11 Para o internacionalista Agenor Pereira de Andrade, a uni icação do Direito mundialnão se afgura como tarefa inatingível: "Cremos que o direito uniforme acabarã um diapor alcançar os Estados, envolvendo os países do mundo. Entretanto, julgamos ser essedia ainda muito remoto" (op. cit., p. 22).

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pelo pretor urbano, havia o Jus Centium, ordenamento que disciplinavaas relações entre os estrangeiros em suas relações recíprocas e com oscives. Ao pretor peregrino incumbia a aplicação do Direito das Gentes.Conforme Agenor Pereira de Andrade observa, ainda quando se apli-cava o jus peregrinorum, Direito de origem do estrangeiro, para preen-cher as lacunas do Jus Centium, não se configurava a hipótese deconflito de leis. iz ' Para que o Jus Centium refletisse ao máximo o espírito cosmopo-lita, esse ordenamento era composto por normas e princípios adotadospela generalidade das nações. O seu caráler universal levou o juriscon-sulto Gaio a identificá-lo com o Direito Natural. Um edito de Caracalla, no ano 21 Z (d.C.), concedendo a cidadaniaaos estrangeiros, pôs termo à dualidade de sistemas jurídicos. Quando os bárbaros invadiram o Império Romano, provocando asua ruína, trouxeram consigo os seus costumes e o seu Direito, masrespeitaram o Direito Romano, que se aplicava aos antigos habitantesda região.'3 Estabeleceu-se, em Roma, o princípio da personalidade dalei, pelo qual o indivíduo ficaria subordinado ao Direito de sua origem.Instituiu-se, então, o chamado professio juris, prática pela qual o juizperguntava à parte: sub qua lege vives? O juigamento se processava,então, pela lei da pessoa. Entre os inonvenientes desse regime estava�a impossibilidade de se organizar, conforme frisa Abelardo Torré, apropriedade imóvel e o sistema policial, que exigiam uniformidade deprocedimentos. Durante o período feudal, que se instituiu na Europa, no séculoIX, após a morte de Carlos Magno, prevaleceu o princípio da territo-rialidade absoluta. Sob esse regime não havia possibilidade, também,para o surgimento de conflito de leis no espaço. .��

141. Teoria dos Estatutos

Ao final da Idade Média, no século XIII, a necessidade de sefixarem critérios mais precisos para a solução do conflito de leis no

I2 Agenor Pereira de A.ndade np. eit., p. 33.�13 "Tal o ocorrido na Espanha durante o primeiro perfodo da dominação visigótica(4I4-589), pois enquanto os visigodos se regiam pelo direito germânico, compilado no"Código de Eurico", os "hispano-romanos" se regiam pelo Direito Romano, contido no"Breviário de Alarico" ou "Lex Romana Visigothorum." (A. Torré, np. cit., p. 38I ).

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO 299 i.espaço, em face do crescente intercâmbio comercial, industrial e inte-lectual entre os povos, levou alguns juristas a desenvolverem o chama-do sistema dos estatutos, inicialmente ao norte da Itália.'4 Esse movi- lmento doutrinário, apesar de girar um torno de um só bjetivo, dividiu-�se em várias escolas como a italiana do século XIII, formada pelosglosadores e pós-glosadores; a francesa do século XVI, que teve emD'Argentré, Dumoulin e Guy Coquile, seus principais nomes; a holan-desa do séc. XVII constituída elos 'uristas P p aulo, Joao Voet, UIrIch�Huber, além de outros. Entre os nomes de maior projeção, destacou-se o de Bártolo deSaxoferrato (1314-1357), que sistematizou a teoria dos estatutos, emseu livro Conflito de Leis que, durante vários séculos, serviu de orien-tação aos povos.'5 O método que adotou foi o de considerar a naturezada relação jurídica e estabelecer princípios adequados de justiça paracada categoria. As regras básicas que indicou foram as seguintes: asquestões relativas aos bens e aos delitos seriam regidas pela lei do Iocal;os problemas de família, pelas normas do domicilio do pai ou domarido; a celebração dos atos jurídicos, de acordo com a lei do local,enquanto que os seus efeitos ficariam subordinados à do território. No século XVIII a escola holandesa sustentou que o fundamentopara a admissão da lei extraterritorial pão era o princípio dejustiça, masa cortesléccprolcam t Ìitate da na utilidade recíproca (comitas gen-� �tccm ob r As regras gerais para a solução do conflito de leis no espaço foramsistematizadas pela teoria estatutária, por divisão de matéria, distribuí-da em três estatutos: a) estatutos pessoais: referiam-se à capacidade, nome, estadocivil, Direito de Família. O princípio aplicável era o da extraterritoria-lidade, de acordo com o domicílio da pessoa; b) estatutos reais: relacionavam-se aos bens e o princípio a quese submetiam era o da territorialidade (lex rei sitae);

14 Ao longo dos séculos X1I e XII(, designavam-se por e.statutos os regulamentosjurídicos que vigoravam nas províncias ou municípios de alguns Estados Europeus.15 Quanto ao prestígio e fama alcançados por Bártolo, o jurista Laurent fez o seguintecomentário: "Chamaram-no, alguns, o pai do Direito, outros, a lâmpada da Lei. Disseramque a substância mesma da verdade encontrava-se em suas obras, e que advogados ejuízesnão poderiam fazer melhor do que seguir suas opiniões." Apuá Agenor Pereira de Andrade,np. cit., p. 39.

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c) estatutos mistos: referiam-se às pessoas e às coisas (sucessões,falências etc.). O princípio aplicável não era sempre o mesmo.

142. Doutrinas Modernas quanto à Extraterritorialidade

1. Sistema da Comunidade. de Direito - Savigny, em sua famosaobra Sistema de Direito Romano Atual (1840-1849), sustentou a tesede que o princípio da extratErritorialidade da lei não decorria da�simples cortesia internacional, mas fundava-se no surgimento de umacomunidade de Direito, criação modema que unia os povos em tornode interesses comuns e pela neessidade, sob o influxo do cristianismo ,� �de se dispensar ao estrangeiro o mesmo tratamento que aos nacionais.Os critérios de solução apontados pelojurisconsulto alemão se guiarampela natureza própria e essencial das relações jurídicas. Era relevante,para ele, o fato de a pessoa se submeter voluntariamente ao império deuma determinada lei, pela escolha do domicílio. Na hipótese de extra-territorialidade da lei, apontava o Direito do domicílio como o maisindicado para disciplinar a matéria.

2. Sistema da Nacionalidade ` Para os casos de aplicação doestatuto pessoal, Mancini, em 1851, defendeu a tese de que o princípiomais adequado seria o da nacionalidade, o jus sanguinis e não o jussoli, justificando a afirmativa com base no argumento de que os laçosque vinculavam os indivíduos à sua pátria eram rnuito fortes e que opróprio Estado dependia da população para existir. Assim, as pessoasdeveriam submeter-se às leis de sua nacionalidade na hipótese deextraterritorialidade.

143. O Direito Interespacial e o Sistema Brasileiro

Apesar de haver um consenso mundial quanto aos princípios quedevem reger o problema do conflito de leis no espaço, a matéria éregulada internamente por leis próprias de cada Estado e mediantetratados internacionais,. A matéria é objeto de uma disciplina específicados cursos jurídicos: Direito Internacional Privado. Em nosso país, asdisposições referentes à eficácia da lei no espaço estão localizadasprincipalmente na Lei de Introdução ao Código Civil a partir de seu art.

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1 7o. A Constituição Federal, o Código Civil, Código Penal e Código de Processo Civil estabelecem também algumas regras pertinentes à ma- téria. Quanto ao estatuto pessoal do estrangeiro, a legislação brasileira ; adotou, inicialmente, o princípio da naciotialidade, que vigorou até 1942, quando foi promulgada a nova Lei de Introdução. Ao alterar o regime para a lei do dotnicilio, a exposição de motivos que acompanhou o ato legislativojustificou a mudança, sob o fundamento de que o Brasil era ainda um país de imigrantes e que os nossos nacionais no exterior eram em número bem inferior ao dos estrangeiros aqui domiciliados e que, além dessa circunstância, havia uma patente dificuldade por parte dos juízes brasileiros em conhecerem o Direito estrangeiro, aplicável sobretudo em questões de sucessão e de Direito de Família. Com a alteração do princípio para o do domicílio, os estrangeiros que aqui viviam ficaram subordinados não mais à legislação de origem, mas ao Direito brasileiro. Lembre-se que a alteração do princípio ocorreu em plena "Segunda Guerra Mundial", na qual o Brasil partici- pou, juntando-se aos "aliados", no combate às forças dos "países do eixo".

BIBLIOGRAFI,PRINCIPAL�

Ordent do Sumário: 135 - Ariel Alvarez Gardiol, Irrtrodrrrción a rrria Teoria Gerreral del Dereclro; 136 - Machado Netto, Conrpêndio de Introdr<çiro à Ciênria do Direito; 137 - Machado Netto, op. cit.; Vicente Ráo, O Direito e a Vida dos Direitos, vol. I, tomo II; I38 - J. Bonnecase, Introdcrcción al Istrrdio del Dereclro; João Franzen de� Lima, Curso de Direito Civil l3rasileiro, vol I; 139 - Agenor Pereira de Andrade, Marrcrnl de Direito Irrternacionaf Privado; 140 - Carlos Mouchet e Zorraquin Becu, Introducciór: al Derecho; Agenor Pereira de Andrade, op. cit.; 141- Ahelardo Torré, Introclrrrción al Dereclro; 142 - Carlos Mouchet e Zorraquin Becu, op. cit.; 143 - João Franzen de Lima, ol. rit.�

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Capítulo XXV '�

HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO DO DIREITO

Sumário: 144. Conceito e Importância da Hermenêutica Juridica. 145. Conceito de lnterpretação em Geral.146. A Interpretação do Direito.147. O Principio "ln Claris Cessat Interretatio ".148. A Vontade do Legislador� e a "Mens Legis". 149. A Interpretação do Direito quanto ao Resultado. I50. O Art. 5" da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. 15I. A Interpretação dos Negócios Juridicos.

144. Conceito e Importância da Hermenêutica Jurídica

A palavra hermenêutica provém do grego, Hermeneúein, inter-pretar, e deriva de Hermes, deus da mitologia grega, filho de Zeus e deMaia, considerado o intérprete da vontade divina. Habitando a Terra,era um deus próximo à Humanidade, o melhor amigo dos homens.' Todo conhecimento humano, de acordo com F. Gény, desdobra-seem dois aspectos: os princípios e as aplicações. Os princípios provêmda ciência e as aplicações, da arte. No mundo do Direito, hermenêuticae interpretação constituem um dos muitos exemplos de relacionamentoentre princípios e aplicações. Enquanlo q.ue.ahermenêltica é feórica e�visa a estabelecer princípios, critérios, métodos, onentaão &eral, ã�interpretãção é de cunho prático, aplicando os ensinamentós da herme-nUtica. Não se confundem, pois, os dois cnceitos apesar de ser muito� �freqüénté o emprego indiscriminado de um e de outro. A interpretaçãoaproveita os subsídios da hermenêutica. Esta, conforme salienta Maxi-miliano, descobre e fixa os princípios que regem a interpretação. A

I O vocbulo interpres expressava, em Roma, a figura do intérprete ou adivinho,�daquele que lia o futuro da pessoa pclas entranhas da vítima. Daí dizer-se que interpretarconsiste em desentranhar o sentido e o alcance das expressões jurídicas.

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hermenêutica estuda e sistematiza os critérios aplicáveis na interpreta-çã_o_d_ as regras jurídicas.2 O magistrado não pode julgar um processo sem antes interpretaras normas reguladoras da questão. Além de conhecer os fatos, precisaconhecer o Direito, para revelar o sentido e o alcance das normasaplicáveis. O empresário, na gestão de seus negócios, não pode descu-rar do conhecimento do Direito. Orientado por seus assessores, desco-bre, em cada nova lei, a verdadeira mensagem do legislador. Tambémo cidadão necessita conhecer Direito, para bem cumprir as suas��obrigações e reivindicar os seus direitos. Para que o Direito conquistea sociedade, fazendo desta o seu reino, é mister que apresente expres-sões claras e inteligíveis, a fim de que. os indivíduos tomem conheci-mento de suas normas e as acatem, preservando-se, assim, o seudomínio, que importa no triunro da ordem, segurança e justiça.� A efetividade do Direito depende, de um lado, do técnico queformula as leis, decretos e códigos e, de outro lado, da qualidade dainterpretação realizada pelo aplicador das normas. Da simplicidade,clareza e concisão do Direito escrito, vai depender a boa interpretação,aquela que oferece uma diretriz segura, que orienta quanto às normasa serem vividas no plexo social, nos retónos e onde mais o Direito éconsiderado. O êxito da interpretação de de úm bom trabalho de�técnica legislativa. O mensageiro-legislador, além de analisar os fatossociais e equacioná-los mediante modelos de comportamento social,deve exteriorizar as regras mediante uma estrutura que, além de clarae objetiva, seja harmônica e coerente. A tarefa do intérprete é menoscomplexa quando os textos são bem elaborados. Se considerarmos,ainda, gue a hermenêutica fornece princípios para a exeese dos negó-� � �cios juridicos, contratss, testamentos e oùfrãs modalidades,;vamos teruma visão maior do significado e importância que repxeseIta para o�mundo do Direito. ' , Para a formação do intérprete é exigível, além do conhecimentotécnico específico, uma gama de condições pessoais; que deve ornar asua personalidade e cultura. Quanto aos dotes de personalidade, sobres-saem-se os de probidade, serenidade, equilíbrio e diligência. A probi-dade é a honestidade de propósitos, é a fidelidade do intérprete às suasconvicções, operando sem deixar-se levar por ondas de interesses. Océrebro dõ intérpretc deve atuar livre, sem condicionamentos extra

2 Carlos Maximiliano. op. cit., p. 14.

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legem, para atingir o seu objetivo. A serenidade corresponde à tranqüi- lidade espiritual, sem s qual não pode haver produção intelectual, pois o contrário - paixão - obscurece o espírito. O equilibrio é a qualidade que garante a fìrmeza e coerência. O intérgrete precisa ser diligente, não se acomodando diante das dificuldades de sua tarefa. Deve desen- volver todos os esforços, recorrer a todos os meios disponíveis, no sentido de revelar as expressões do Direito. Deve explorar todos os elementos de que dispõe, para dar cumprimento à sua tarefa. Além destas qualidades, deve possuir curiosidade cientifica, in- teresse sempre renovado em conhecer os problemas jurídicos e os fenômenos sociais. Deve estar em permanente vigília, atento à evolução do Direito e dos fatos sociais. Deve ser um pesquisador, pois ninguém conhece o suficiente, em termos de pretensão científica. Não se deve amarrar definitivamente a velhas concepções. O intérprete deve ter o espírito sempre aberto, preparado para ceder diante de novas evidên- cias. O conhecimento do Direito é essencial, bem como o da organiza- ção social, com seus problemas e características.

145. Conceito de Interpretação em Geral

A palavra interpretação possui amplo alcance, não se limitando à Dogmática Jurídica. Interrgtaré o ato de explicar o sentido de slguma� � � coisa; é revelar o significado de ccma expresão verbal, artistica occ constituida por um objeto, atiticde occ gesto. A interpretação consiste na busca do verdadeiro sentido das coisas e para isto o espírito humano lança mão de diversos recursos, analisa os elementos, utiliza-se de conhecimentos da lógica, psicologia e, muitas vezes, de conceitos técnicos, a fim de penetrar no âmago das coisas e identificar a mensa- gem contida. Todo objeto cultural, sendo obra humana, está impregnado de significados, que impõem interpretação. A primeira observação em um quadro de pintura moderna geralmente não é suficiente para descobrir- se a mensagem de seu autor. Parece um amontoado desconexo de traços e figuras. A nossa maior atenção, contudo, leva-nos a dissipar a primeira impressão, e aquilo qug era confuso já revela o seu significado. O trabalho do intérprete é o de decorlificar e, para isto, percorre inversamente o caminho seguirlo pelo codificador.

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Diante de uma chapa radiográfica o médico faz obser �analisa imagens, levanta dúvidas, para, ao fim de tudo, conhftrabalho que desenvolve é o de interpretar. Em todos os momeivida, a interpretação é indispensável. Pode-se afirmar que todocimento pressu,põe a interpretação que, às vezes, opera no plconsciência para revelar ao próprio indivíduo o significado cemoção ou o alcance de um sentimento.

146. A Interpretação do Direito

Como todo objeto cultural, o Direito encerra significadospretar o Direito representa revelar o seu sentido e alcance. Temosa) revelar o seu sentido: a lei que concede férias anuais ao trab �tem o significado, a finalidade de proteger e de beneficiar a su �física e mental; b) r alcance das norrnas 'ccr' ' sidelimitar o seu campo de incidência. Dentro o exemplo citadoque apenas os trabalhadores assalariados, isto é, que participam frelação de emprego, fazem jus às normas trabalhistas. De igualas normas contidas no Estatuto dos p'uncionários Públicos da Uno seu campo de incidência limitado. O trabalho de interpretação do Direito é uma atividade que tempor escopo levar ao espírito o conhecimento pleno das expressõesnormativas, a fim de aplicá-lo às relações sociais. Interpretar o Direito' revelar tido e o alcance de sccas ex ressões. Fixar o sentido deuma normajurídica é descobrir a sua finalidade, é pôr a descoberto osvalores consagrados pelo legislador, aquilo que teve por mira proteger.Fixar o alcance é demarcar o campo de incidência da normajurídica, éconhecer sobre que fatos sociais e em que circunstâncias a normajurídica tem aplicação. Ihering afirmou que "a essência do Direito é a sua realizaçãoprática", o que significa que o Direito existe é para ser vivido, para seraplicado, para regrar efetivamente a vida social. Tal objetivo requer,para ser alcançado, o conhecimento prévio da ordenação jurídica porparte de seus destinatários. Para cumprir o Direito é indispensável o seuconhecimento e este-é obtido pela interpretação. Interpretar o Direitoé conhecê-lo; conhecer o Direito é interpretá-lo. Conforme observaRuggiero, toda norma jurídica pode ser objeto de interpretação. Nãoapenas a lei é interpretável, não apenas o Direito escrito, mas toda forma

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de experiência jurídica. Assim, a norma costumeira, a jurisprudência,os princípios gerais de Direito devem ser interpretados, para se escla-recer o seu real significado e o alcance de suas determinações.3 Sollerjulga preferível dizer-se "interpretação do Direito", em vez de "inter-pretação da lei", porque esta segunda expressão pode levar ao entendi-mento de que todo direito se manifesta pela lei - ponto de vista que foidefendido pela vetusta Escola da Exegese -, ou, então, à idéia, comen-tada por Ruggiero, de que só a lei, no setor do Direito, é interpretável. A hermenêutica jurídica não se ocupa apenas das regras jurídicasgenéricas. Fornece também princípios e regras aplicáveis na interpre-tação das sentenças judiciais e negócios jurídicos. A interpretação ode

apenas_a_e_s_clarecer, como é.próprio da doutrina. prática quando se_destinaà_administr aa icação na_s reláções so_ctats;� � Todo subjetivismo deve ser evitado durante a interpretaçãõ, mas�o trabalho do intérprete, como assinalam Mouchet e Becu, deve visarsempre à realização dos valores magistrais do Direito: justiça e segu-rança, que promovem o bem comum. A melhor interpretação, afirmamos autores argentinos, será a que realize esses valores, não pela via daoriginalidade ou do subjetivismo, que levariam à arbitrariedade, masseguindo-se o plano do próprio legilador.4� Ao fixar o sentido e o alcance das normas jurídicas, o intérpretenão atua como um autônomo, fazendo simples constatações. Seu papelnão é o de revelar algo que já existia com todos os seus elementos econtornos. A interpretação do Direito exige, de certa forma, criativida-de. Ao interpretar Beethoven ou Villa Lobos, o músico não se limita areproduzir as notas musicais, mas vai sempre além, deixando a marcade seu próprio estilo. Ao interpretar os textos jurídicos, o intérprete nãose vincula à vontade do legislador, pois o moto-contínuo da vida cria anecessidade de se adaptar as velhas fórmulas aos tempos modernos. Para Vernengo, a interpretação é uma relação entre sistemas designos. Quando interpretamos uma lei construímos o mesmo pensa-mento com outro conjunto de signos mais simples. Substitui-se alinguagem impessoal e formalista da lei pela pessoal e informal dointérprete.5 Segundo alguns estudiosos, a relação é triádica, composta

3 Roberto de Ruggiero, op. cit., p. 1 I8.4 Carlos Mouchet y Zorraquin Becu, np. cit., p. 265.5 Roberto José Vernengo, Cursn de Tenría General del Derecho, Cooperadora deDerecho y Ciencias Sociales, Buenos Aires,1972, p. 378.

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da expressão original, do sentido e da expressão de quem formula ainterpretação. Para alguns autores, a interpretação consiste em se re-pensar uma idéia. Seria uma rememoração de alguma coisa anterior-mente clara, mas que ficou obscurecida pela linguagem da lei. Inter-pretar seria um ato de pensar novamente o que havia sido feito pelolegislador. Esta concepção é falha, pois subordina o intérprete inteira-mente à chamada mens legislatoris. Costuma-se afirmar que a lei é maissábia do que o legislador pois, em sua generalidade, prevê maissituações do que o seu autor poderia pensar. Como defender, nessescasos, que o trabalho do intérprete seria o de repensar aquilo que nãopassou pela imaginação do legislador?

147. O Princípio "In Claris Cessat Interpretatio"

Outrora, vigorava o princípio irz claris cessat interpretatio. Pen-savam os juristas antigos que um texto bem redigido e claro dispensavaa tarefa do intérprete. Havia a idéia errônea de que o papel do intérpreteera o de "torcer o significado das normas", para colocá-las de acordocom o interesse do momento. A cQnfirmar a desconfiança no trabalhodos intérpretes, encontramos em Hufeland a declaração de que "é ummal que a lei precise de uma interpretação. As leis não devem estarsujeitas às chicanas jurídicas". O urista brasileiro Paula Batista, autor�de uma apreciada "Hermenêutica Jurídica", esposou esta tese, há maisde meio século, afirmando: "Ou existem motivos para duvidar dosentido de uma lei, ou não existem. No primeiro caso cabe interpre-tação, pela qual fixamos o verdadeiro sentido da lei e a extensão doseu pensamento; no segundo, cabe apenas obedecer ao seu preceitoliteral."' Napoleão Bonaparte, que nutria insatisfação para com os advoga-dos, tendo, inclusive, fechado a "Ordem dos Advogados da França" porvinte anos, autorizando a sua reabertura apenas em I 810, quando soubeque o Código Civil da França estava sendo interpretado pelos juristas,exclamou: "O meu Código está perdido".

6 Hufeland, apud Eduardo Espínola e Eduardo Espfnola Filho, in ReperlórioEnciclopédico do Direio Brnsileiro, vol. 23, p. 108.�7 Paula Batista, apud Eduardo Espínola e Eduardo E. Filho, in Repertório Enciclopédicndo Direiln Brasileiro, vol. 28, p.108.

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O Código da Baviera, de 1841, foi ao extremo de proibir expres-samente a interpretação de suas normas. Os romanos, com a sua visão profunda em matériajurídica, nãodesconheciam a permanente necessidade dos trabalhos exegéticos,ainda que simples fossem os textos legislativos. Este princípio foireconhecido por Ulpiano, como registra o Digesto, Liv. 25, Tít. 4,frag. I, § 1 l: "embora claríssimo o edito do pretor, contudo não sedeve descurar da interpretação respectiva". Embora alguns autorescitem o jurisconsulto Paulo para contrariar o princípio, esclareceCarlos Maximiliano que a máxima do jurisconsulto "quando naspalavras não existe ambigüidade, não se deve admitir pesquisaacerca da vontade ou intenção", foi estabelecida em relação aostestamentos, para maior garantia, talvez exagerada, do respeito pelaúltima vontade. Apesar de a Escolástica, ao ver de Brugger, ter-se caracterizadopela clareza de conceitos, argumentação lógica e terminologia semambigüidade, o seu método de criar distinções e subdistinções impreg-nou a hermenêutica de sutilezas de raciocínio, até reduzi-la a umacasuística intricada. A sua prática de substituir os textos pelos pareceresdos doutores e dar às glosas um valor superior às leis provocou odesvirtuamento do Direito e favoreceu aqueles que buscavam confundiros textos. Como na Física, ocorreu b fenômeno da reação. Para resta-belecer a certeza do Direito e com isto a segurança, surgiu na herme-nêutica o princípio in claris non fit interpretatio, que apesar de suaformulação latina, não é de origem romana. Concebia-se assim que otrabalho do intérprete era necessário apenas quando as leis fossemobscuras. Na segunda metade do séc. XIX, começou a reação contra aconcepção reinante, que impunha sérios prejuízos ao Direito e à vidasocial, pois subordinava inteiramente o intérprete à letra da lei. Aprimeira contestação fundamentada contra o velho princípio partiu dojurista alemão Savigny que, em seu Tratado de Direito Romano, argu-mentava: "Admitir uma imperfeição acidental das leis, como condiçãonecessária da interpretação, é considerá-la como um remédio a um mal,remédio cuja necessidade deve diminuir à medida que as leis se tornemmais perfeitas."s

8 Savigny. apud Eduardo Espínola e Eduardo E. Filho, in Repertório Enciclopédico doDireito Brasileiro, vol. 28, p.109.

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A inconsistência do princípio se revela a partir do conceito declareza da lei, que é relativo, pois os textos são claros para alguns eoferecem dúvidas para outros. Por outro lado, a conclusão de clarezada lei já implica um trabalho de interpretação. Há situações normativasque exigem maior ou menor esforço do intérprete, para descobrir a menslegis. Às vezes, pelo simples exame gramatical do texto, revelam-seespontaneamente o sentido e o alcance das normas jurídicas. Outrasvezes, porém, o aplicador dc Direito tem de desenvolver fecundotrabalho de investigação, recorrendo aos diversos subsídios oferecidospela hermenêutica. Apegando-se ao valor semântico das palavras, Mauri R. de Ma- p p g g , gcedo rocura recuperar o restí io do anti o brocardo ne ando-lhe osentido tradicional. Considerando que cessar é interromper, é nãocontinuar", pensa o autor que o princípio não exclui a interpretação,mas apenas orienta o intérprete a abandonar o trabalho exegético tãologo constate a clareza do texto.9

148. A Vontade do Legislador e a "Mens Legis"

l. O Sentido da Lei - Há questões capitais na hermenêuticajurídica, que exigem opção doutrinária do intérprete e entre elas desta-ca-se a indagação sobre o sentido da lei: o intérprete deve pesquisar avontade do legislador ou o pensamento da lei? O estudo da presentequestão, conforme escla:ece Paulo Dourado de Gusmão, deu origemaos chamados métodos de interpretação. Na Antigüidade, quando predominava o pensamento teológico, alei era a vontade dos deuses. As leis, que possuíam valor sacramental,eram consideradas imutáveis, porque sendo obra divina somente pode-riam ser reformuladas por quem as fizera. Criava-se um forte impasse:o imobilismo da 1ei e a dinâmica dos fatos sociais. A solução que osantigos encontravam era a de fraudar a letra da lei, mediante artifícios. Legaz y Lacambra considera bizantina toda essa distinção queenvolve as teorias subjetiva e objetiva, a primeira que se preocupa coma vontade do legisládor e a segunda, com a vontade da lei, simplesmente

9 A Lei e o Arbitrio à Luz da Hermenêutica, t' ed., Forense, Rio de Janeiro 1981, p.19.

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porque não admite pesquisa de vontade. Diz o notável jusfilósofoespanhol que, por vontade, só poderia cogitar a do legislador, porque alei não possui vontade e que é preciso romper o mito da mens legisla-toris, pois "o que o legislador quis não o sabemos, senão através da lei,ou melhor, através de todo o sistema da ordemjurídica.'o

2. A Teoria Subjetiva - Alguns autores anotam, como origem dateoria subjetiva; a chamada Escola da Exegese, que floresceu na França,logo após o advento do Código Napoleão. A pesquisa sobre os critériosadotados pelos glosadores, ao longo dos séculos XII e XIII, nos revelaque o trabalho desenvolvido por esses juristas foi culto permanente àvontade do legislador. Ao levarem a cabo a interpretação do DireitoRomano, contido no Corpus Juris Civüis, os glosadores limitavam-seao texto. A promulgação da legislação napoleônica, no início do séc. XIX,trouxe profundas alterações no mundo do Direito, notadamente nahermenêuticajurídica. O Código Civil da França alcançou rapidamenteprestígio mundial, sendo considerado uma obra perfeita pelos juristasda época. A Humanidade, no dizer de Villoro Toranzo, estava diante deum mundo novo, "o mundo da razão, da liberdade e do progresso e essemundo estava todo elejá traçado nos artigos do Código, como se fossemas linhas de um plano arquitetônico"." A atitude assumida pelosjuristasfranceses, ao considerarem Direito Positivo apenas o Código Napoleãoe entenderem que o Código não possuía lacunas, originou a formaçãoda Escola da Exegese. Esta crença na infalibilidade do Código Civil,que satisfazia, segundo os juristas da época, a todas as necessidades davida social, desde que o intérprete examinasse o seu conteúdo e tirasseas conclusões lógicas, gerou a necessidade de reconstrução do pensa-mento do legislador. A técnica de revelação da vontade do legisladorexigia que o intérprete examinasse bem o valor semântico de todas aspalavras, comparando o texto a ser interpretado com outros, para evitaros conflitos e contradições. Pelos subsídios da gramática o intérpretevai descobrir o pensamento do legislador, que deve ser acatado incon-dicionalmente, qualquer que seja o resultado da interpretação, aindaque iníquo e absurdo. A lógica formal será utilizada de acordo com oselementos obtidos no texto, sem dele afastar-se. Contudo, admite-se a

10 Luis Legaz y Lacambra, op. cir., p. 529.1 I Villoro Toranzo, op. cit., p. 257.

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pesquisa dos elementos históricos, na medida em que esclareça aintenção do legislador. Permite-se ainda ao intérprete recorrer às obrasdoutrinárias que serviram de base ao legislador."

3. A Teoria Objetiva - Superada a fase do codicismo, da exageradavalorização do Código, começou o processo de aperfeiçoamento dateoria da interpretação. A teoria subjetiva foi submetida a uma análisecrítica, da qual não logrou êxito. Gradativamente a doutrina foi sendoabandonada em favor da teoria objetiva, que leva o intérprete a pesqui-sar a vontade da lei. Foi a Escola Histórica, com a concepção evolutivado Direito, quem mais concorreu, ao ver de Hermes Lima, para seconstruir a moderna teoria da intepretação. Savigny e outros adeptosdessa Escola chamavam a atenção para a importância do pensamentosocial na formação do Direito, bem como o caráter evolutivo deste. Alei não seria produto de uma só vontade, mas resultado do querer social.O legislador não cria a lei em seu intelecto, apropria-se das fórmulasque a organização social sugere, para transfundi-las nos textos. No dizerde Maximiliano, "o indivíduo que legisla é mais ator do que autor,traduz apenas o pensar e o sentir alheios, reflexamente, às vezes, usandomeios inadequados de expressão quase sempre".'3 A teoria subjetiva, subordinando o intérprete ao pensamento dolegislador, impedia os processos de aperfeiçoamento da ordemjurídica,que são possíveis apenas mediante o permanente trabalho de adaptaçãodos textos legislativos às exigências hodiernas. A teoria objetiva nãodetermina o abandono dos planos do legislador. A liberdade concedidaao intérprete tem como limite os princípios contidos no texto. Desprezaa mens legislatoris em favor do sentido objetivo dos textos jurídicos, ·que têm significado próprio, implícito em suas expressões. Quando olegislador elabora um texto normativo, não pode pressentir a infinidadede situações que serão alcançados no futuro, pela abstratividade da lei.A pesquisa da intencionalidade do legislador conduziria o aplicador doDireito fatalmente a um subjetivismo indesejável. A teoria subjetiva

12 Apesar de amplamente refutada, a teoria subjetiva é admitida, atualmente, porGiuseppe Lumia: "...seu fim (da interpretação) é chegar, através do enunciado da norma,à vontade de quem a elaborou ou de quem provém e, no caso da lei, 3 vontade do legislador,que pode ser tanto um monarca ou um déspota absoluto como um parlamento" (Prinrípiosde Teoría e Idenlnia del Derecho, Editorial Debate, Madrid,1978. p. 70).�13 Carlos Maximiliano, op. cit., p. 36.

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encontra ainda outro grande obstáculo na dificuldade que se teria, nosregimes democráticos, de se apurar a vontade do legislador. Nostotalitários seria menos difícil a tarefa, pois a lei seria a expressão davontade individual do chefe de governo. Qual a vontade do legislador,quando a lei é elaborada por um congresso, no qual participam e votamcentenas de parlamentares? Como se unificar a vontade heterogênea decentenas de congressistas? Ao intérprete moderno incumbe, conformeconclui Carlos Maximiliano, "determinar o sentido objetivo do texto, avis ac potestas legis; deve ele olhar menos para o passado do que parao presente, adaptar a norma à finalidade humana, sem inquirir davontade inspiradora da elaboração primitiva".'4

149. A Interpretação do Direito quanto ao Resultado

Após interpretar as expressões jurídicas, o exegeta pode chegar atrês resultados distintos e que são os seguintes:

I . Interpretação Declarativa - Nem sempre o legislador bem seutiliza dos vocábulos, ao compor os atos legislativos. Muitas vezes seexpressa mal, utilizando com impropriedade os termos. Quando dosaas palavras com adequação aos significados que deseja imprimir na lei,falamos que a interpretação é declarativa. O intérprete chega à consta-tação de que as palavras expressam, com medida exata, o es írito dalei. P

2. Interpretaão Restritiva - Quando ocorre, porém, que o legis-�lador é infeliz ao redigir o ato normativo, dizendo mais do que queriadizer, a interpretação é restritiva, pois o intérprete elimina a amplitudedas palavras. Exemplo: a lei diz des'cendente, quando na realidadequeria dizer filho.

3. InterpretaÇão Extensiva - É a hipótese contrária à anterior. Ointérprete constata que o legislador utilizou-se com impropriedade dostermos, dizendo menos do qcce qcceria afcrmar. Ocorrendo tal hipótese,o intérprete alargará o campo de incidência da norma, em relaçãò aos

I4 Carlos Maximiliano, op. cit., p. 48.

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seus termos. O exemplo anterior é útil aindareferir-se a descendente, emprega o vocábu

150. O Art. So da Lei de Introdução ao C

1. A Obrigatoriedade do A rt. So da L.I. C. C. - O citado dispositivodetermina que "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais aque ela se dirige e às exigências do bem comum". A doutrina se divideem duas grandes correntes ao examinar a questão da obrigatoriedadedas normas de interpretação, i.ncluídas pelo legislador nos códigos. Fazparte do consenso dos autores que o assunto pertence à doutrina, poisa esta cabe orientar sobre os princípios e critérios da interpretação. Olegislador brasileiro é parcimonioso a este respeito. São poucas econtáveis as disposições desta ordem em nosso sistema jurídico. En-tende Serpa Lopes que os dispositivos que fixam normas sobre inter-pretação têm valor apenas de aconselhamento. Diz o eminente mestre:"trata-se de uma regra de interpretação (art. So) ditada pela lei. Nadaobstante, não passa de um simples critério de orientação, sem impedirao intéprete a procura de outros meios de interpretação."'s Já CarlosMaximiliano coloca as normas dessa natureza no mesmo nível dasdemais, que regulam diretamente os fatos sociais, julgando-as obriga-tórias e sujeitas também à intecpretação evolutiva, de acordo com ascondições sociais. Julgamos que essas normas têm o mesmo poder devincular o aplicador do Direito em igualdade de condições com asdemais normas.

2. O Significado do Art. So da L.I. C. C. - Oficialmente, através doart. So da Lei de Introdução ao Código Civil, o sistema jurídico brasi-leiro rompeu com a exegese tradicional, que impedia o intérprete deconciliar os textos com as exigências dos casos concretos. O juizdeixaria assim aquela condição de "ente inanimado", conforme Mon-tesquieu concebera, ou então como descreve Roscoe Pound, em relaçãoà teoria mecânica, que reduz ojuiz à condição de operador de máquinasautomáticas: "ponham-se os fatos no orifício de entrada, puxe-se umaalavanca e retire-se a decisão pré-formulada".

15 Serpa Lopes, np. cii., vol. I, p. 145.

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O art. So da L.I.C.C., de 1942, revela, de início, o descontenta-mento do legislador com os critérics tradicionais de hermenêuticaseguidos em nosso País até aquela época. Apesar de a fórmula adotadanão oferecer com segurança os novos critérios, foi cometido ao intér-prete um papel importante na revelação do Direito. A ele já não cumpremais assumir atitude passiva diante do Direito e dos fatos. O intérpretepassa a ser também um agente eficaz no progresso das instituiçõesjurídicas e na aplicação dos princípios da moderna democracia social, ue é a finalidade última a que tende o nosso Direito, sob a filosofiados fins sociais e bem comum. O novo dispositivo consagrou os méto-dos teleológico e histórico-evolutivo. O primeiro porque o intérpretedeve examinar os fins que a lei vai realizar, sem considerar a vontadedo legislador, e esses fins devem atender aos interesses da coletividade.O Direito, no dizer de Carlos Maximiliano, "é uma ciência principal-mente normativa ou finalística; por isso a sua interpretação há de ser,na essência teleoló ica. O hermeneuta sempre terá em vista o fim dalei, o resultado que a mesma precisa atingir e sua atuação prática".'6Considerando o Direito um "órgão de interesses", o mesmo autorentende que ele deve proteger os interesses materiais e espirituais doindivíduo, a princípio; da coletividade, acima de tudo. A expressão fins sociais visa a eliminar a possibilidade de quemeros ca richos pessoais possam s`urgir em detrimento da coletividade. PQuando houver conflito entre o interesse individual e o social, esteúltimo deve prevalecer. Tal colocação não tem a finalidade de esmagaro indivíduo em favor do elemento social. Há situações em que oindividual pode prevalecer, de acordo com os critérios fixados pelopróprio legislador.

1.51. A Interpretação dos Negócios Jurídicos

O campo de estudo da hermenêutica jurídica alcança também os negócios jurídicos, como os contratos, testamentos etc. Contudo, como observa Pontes de Miranda, os princípios exegéticos aplicáveis às leis não aproveitam os negócios jurídicos e vice-versa. Para Pontes de Miranda, interpretar negócio jurídico é revelar quais os elementos do suporte fático que entrarão no mundo jurídico e quais os efeitos que,�

16 Carlos Maximiliano, op. cit., p.193.

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em virtude disso, produzem. Destaca alguns critérios a serem observa-dos no momento da interpretação do negócio jurídico. lo) Princípio de Integração: é indispensável a interpretação siste-mática do conteúdo integral do negócio jurídico. O intérprete deveráexaminar cada parte do conjunto em conexão com as demais; 2o) Princípio da Fixação Genêrica: na apuração do real sentido donegócio jurídico, não se deve levar em consideração "ao que é pessoala cada figurante, ou ao destinatário". O intérprete deverá fixar-seprimeiramente no texto, examinando os elementos gramaticais e depoisa lei pertinente à matéria, podenúo, inclusive, se for necessário, recorreraos usos; 3o) Princípio da Classifiação Técnica: com apoio no conheci-��mento fornecido pela doutrina e pela lei, o intérprete classifica onegócio jurídico, a fim de determinar-Ihe as conseqüências jurídicas." , Na interpretação dos contratos, destacam-se as chamadas teoriaobjetiva ou da declaração e a teoria subjetiva ou da vontade. Aoconsiderar que o contrato faz lei entre as partes, a teoria objetivapreconiza, consoante expõe Miguel Reale, a interpretação objetiva,analogamente ao processo de interpretação da lei, pelo qual não se levaem conta o pensamento do legislador. Os adeptos desta teoria distin-guem a vontade psicológica da vontade jurídica. Enquanto que aprimeira é impossível de ser reconstituída, recorrem à segunda, pela 'qual deve prevalecer tão-somente as construções gramaticais, semqualquer remissão à intencionalidade. Para a teoria subjetiva ou davontade o intéprete é orientado no sentido de descnbrir a intenção daspartes. A interpretação literal é condenada e a subordinação do intér-prete ao conteúdo semântico dos vocábulos é condicionada à plenaadequação das palavras do elemento volitivo. A confirmar a tese de que o Direito muitas vezes abandona a sua `característica de exterioridade, pela pesquisa do elemento vontade, olegislador brasileiro, seguindo a melhor doutrina, pelo art. 85 do Códi-go Civil consagrou a teoria subjetiva ao preceituar: "Nas declaraçõesde vontade se atenderá mais a sua intenção que ao sentido literal dalinguagem." Condicionado pela expressão "atender mais a sua inten-ção", contida no artigo supracitado, Carvalho Santos entende que o 'nosso sistema ficou entre as duas teorias, adotando uma concepção

I7 Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privadn, Editor Borsói, Rio de Janeiro, I9S4,vol. 3, ps. 322 e 327.

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eclética.'s O equívoco é patente. Ao se consagrar a teoria subjetiva,dá-se preeminência ao elemento vontade em relação ao gramatical. Sea adoção da teoria subjetiva implicasse o abandono total da linguagem,teria fundamento a opinião do eminente jurista.

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário: 144 - Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito; Aftalion,Olano e Vilanova, Introducción al Derecho; 145 - Eduardo García Máynez, Introducción al Estudio del Derecho; 146 - Eduardo García Máynez, op. cit.;. Carlos Maximiliano, op. cit.; AlípioSilveira, Hermenêutica no Direito Brasileiro; Roberto José Vernengo, Curso deTeoria General del Derecho; 147 - Eduardo Espínola e Eduardo Espínola Filho, Interpretação dn NormnJuridica, in Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro. vol. 28; Carlos Maxi-miliano, op. cit.; 148 - Luis Legaz y Lacambra, Flosofia del Derecho; Carlos Maximiliano, op.cit.; 149 - Carlos Maximiliano, op. cit.; 150 - Alípio Silveira, op. cit.; Carlos Maximiliano op. cit.; 151-Pontes de Miranda, Trntado d8 Direito Privado, vol. 3; Carvalho Santos,Código Civil Brasileiro Interpretado, vol. II.

18 Carvalho Santos, Ccidigo Civil Brasileiro Interpretado, 5' ed., Livraria Freitas Bastos,1952, vol. l I, p. 285.

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Capítulo XXVI

ELEMENTOS DA INTERPRETAÇÃO DO DIREITO

Sumário: 152. Considerações Prévias. 153. Elemento Gramatical. 154. Elemento I,ógico. I55. Elemento Sistemático. 156. Elemento Histórico. 157. O Fator Teleológico.

152. Considerações Prévias

Na interpretação do Direito Positivo o técnico recorre a várioselementos necessários à compreensão da norma jurídica, entre eles ogramatical, também chamado literal ou filológico, o lógico, o sistemá-tico, o histórico e o teleológico. Na decodificação da mensagem o intérprete alcança o seu objetivoadotando, às vezes, apenas o elemento gramatical e o lógico. Outrasvezes, a complexidade normativa leva-o a esgotar os recursos de quedispõe. Importante, em qualquer caso, é que se conscientize de que ainterpretaão é utn.a atividade intelectual única. Os elementos, na lição�de Ferrara, "ajudam-se uns aos outros, combinam-se e controlam-sereciprocamente, e assim todos contribuem para a averiguação do sen-tido legislativo".' Todo o esforço deve ser feito, conforme orientaRecaséns Siches, no sentido de se alcançar a máxima individualizaçãoda regra geral. Para o autor guatemalteco, todos os elementos dainterpretação são válidos, condicionados, porém, ao fim citado.z

1 Francesco Ferrara, op. cit., p. 131.2 Luis Recaséns Siches, Nuevn Filosnfía de la Interpretación del Derecho, ed. cit.,p.143.

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153. Elemento Gramatical

Em se tratando de Direito escrito é pelo elemento gramatical queo intérprete toma o primeiro contato com a proposição normativa.Malgrado a palavra se revele, às vezes, um instrumento rude de mani-festação do pensamento, pois nem sempre consegue traduzir as idéias ,constitui a forma definitiva de apresentação do Direito, pelas vantagensque oferece do ponto de vista da segurança jurídica. Cumpre ao legis-lador aperfeiçoar os processos da técnica legislativa, objetivando sem-pre uma redação simples, clara e concisa. O elemento gramatical compõe-se da análise do valor semânticodas palavras empregadas no texto, da sintaxe, da pontuação etc. NoDireito antigo, o processo literal era mais importante do que hoje.Ocorria, às vezes, que os códigos eram escritos em línguas mortas, oque exigia esforço concentrado do intérprete, do ponto de vista grama-tical. Modernamente, a crítica que se faz a esse elemento não visa, comoé natural, à sua eliminação, mas à correção dos excessos que surgemcom a sua aplicação. Objetiva-se evitar o abuso daqueles que se apegamà literalidade do texto, com prejuizo à mens legis. O processo mera-mente literal, no dizer de Max Gmur, é "maliciosa perversão da lei".Celso, o jurisconsulto romano, afirmou que "saber as leis é conhecer-lhes, não as palavras, mas a força e ó poder".; Não obstante o valorrelativo do elemento gramatical, "no foro e nos parlamentos, o grama-ticalismo não é um fantasma; é deplorável realidade".' Para mostrar aaberração do apego exagerado à literalidade da lei, Carlos Maximilianoasseverou que qualquer um poderia ser condenado à forca, desde queojulgassem por um trecho isolado de discurso, ou escrito de sua autoria. i.Ao condenar a interpretação que separa o elemento gramatical dológico, Stammler sustenta a tese de que a interpretação é um só processomental, pois o pensamento e o idioma formam uma unidade e quem seapóia numa palavra para esclarecer o pensamento que o exprime, seapega, na realidade, ao pensamento por ela expresso. Em síntese feliz ,Eduardo Espínola expõe que "a letra em si é inexpressiva; a palavra,como conjunto de letras ou combinações de sons, só tem sentido pelaidéia que 5exprime, pelo pensamento que encerra, pela emoção quedesperta .

3 Apad Carlos Maximiliano, np. cit., p. 158.4 Carlos Maximiliano, np. cit., p. I58.5 Eduardo Espfnola e Eduardo Espínola Filho, np. cit., p. 154.

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154. Elemento Lógico

Por ser estrutura lingüística que pressupõe vontade e raciocínio,o texto legislativo exige os subsídios da lógica para a sua interpretação.A partir de F. Gény surgiu a distinção, na hermenêutica, da lógicainterna, que explora os elementos fornecidos pela lógica formal e selimita ao estudo do texto, e a lógica externa, que investiga as razõessociais que ditaram a formação dos comandosjurídicos. Modernamentese fala na lógica do razoável, doutrina desenvolvida por RecasénsSiches, que visa a combater o apego às fórmulas frias e matemáticas dalógica formal, em favor de critérios flexíveis, mais favoráveis àjustiça.

1. Lógica Interna - Pela lógica interna o intérprete submete a leià ampla análise, considerando a própria inteligência do texto legislati-vo, alheando-.se dos elementos de informação extra legem. A lei éestudada dentro de sua unidade de pensamento, através dos métodosdedutivo, indutivo e dos raciocínios silogísticos. A lógica formal, apli-cada com exclusividade, imobiliza o Direito, pois considera tão-somenteos elementos fornecidos pela legislação, não levando em conta a evoluçãodos fatos sociais. Se por um lado condúz o intérprete a descobrir a intençãodo legislador, por outro, conforme expõe Cogliolo, "oferece aparência decerteza, exterioridades ilusórias, deduções pretensiosas; porém, no fundoo que se ganha em rigor de raciocínio, perde-se em afastamento daverdade, do Direito efetivo, do ideal jurídico". Seguindo-se os critérios da lógica interna, o intérprete pode exa-minar a economia geral da lei, verificando o lugar onde se situa a normajurídica, em que seção, capítulo e título, o que pode favorecer a fixaçãodo seu sentido e alcance. Pode-se recorrer também ao emprego deregras lógicas, enunciadas normalmente no idioma latino e que, bemempregadas, favorecem a dilucidação dos textos. Entre as mais adota-das, destacamos: ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus(onde a lei não distingue, não devemos distinguir); excepciones suntstrictissime interpretationis (as exceções são da mais estrita interpre-tação); cessant legis rationis, cessat eius dispositio (desaparecendo arazão ou o motivo da lei, cessa o que ela dispõe).

2. Lógica Externa - Visando a completar o sentido da lei, semcontrariá-la, essa lógica se guia na lição dos fatos; orienta-se pelaobservação dos acontecimentos que provocaram a formação do fenô-

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menojurídico, indagando, ainda, os fins que ditaram as regrasjurídicas.Estudam-se, portanto, a occasio legis e a ratio legis. Pode o intérpretedescer ao exame da história dos institutos e ainda ao Direito Comparado. O trabalho de interpretação não pode desprezar qualquer subsídioque venha esclarecer os motivos que determinaram a promulgação dalei. Conforme expressa o jurista Brandeis, "nenhuma lei, escrita ou nãoP , ode ser entendida sem o pleno conhecimento dos fatos que lhe deramorigem ou aos quais vai ser aplicada".6 Para Holbach, "toda ciência quese limita aos textos de um livro e despreza as realidades da vida é feridade esterilidade."' A interpretaçãojá não é mais uma simples dialética,no dizer de Eduardo Espínola, a qual arma construções geométricas,confinada num círculo de abstrações, de deduções, de conceitos e deprincípios; não pode mais ser o produto das elucubrações subjetivas.

3. A Lógica do "Razoável" - Recaséns Siches, que expõe adoutrina da lógica do razoável, julga que foi um erro maiúsculo come-tido pela teoria e prática jurídica do séc. XIX o emprego, em assuntosjurídicos, dos métodos da lógica tradicional, também chamada mate-mático-física, silogística, que se originou com o Organon de Aristóte-les. Na sua opinião, essa metodologia ajusta-se à matemática, física eoutras ciências da natureza, revelan8o-se, porém, inservível para osproblemas ligados à conduta humana. Afirmando que há razões dife-rentes do racional de tipo matemático, de tipo formalista-silogista,Siches defende a lógica do razoável, que é uma "razão impregnada depontos de vista estimativos, de critérios de valoração, de pautas axio-lógicas".g Entende Recaséns Siches que o Direito, como toda obrahumana, é circunstancial, dependendo das condições, das necessidadessentidas e dos efeitos que se trata de produzir mediante uma lei. Ainterpretação do Direito deve levar em consideração as finalidades dasnormas jurídicas. A solução satisfatória, extraída da lei e da realidadedos fatos, não pode ser contra legem. O autor defende a fidelidade dointérprete à mens legis.

6 Apud. Eduardo Espfnola e E. E. Filho, op. cit., p. 177..7 Apud. Eduardo Espfnola e E. E. Filho, op. cit., p.178.8 Luis Recaséns Siches, op. cit., p. 164.

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155. Elemento Sistemá`ico

Não há nenhum dispositivo, na ordem jurídica, que seja autôno-mo, auto-aplicável. A norma jurídica somente pode ser interpretada eganhar efetividade quando analisada no conjunto de normas que dizemrespeito a determinada matéria. Quando um magistrado profere umasentença, não aplica regras isoladas; projeta toda uma ordem jurídicaao caso concreto. O ordenamento jurídico compõe-se de todos os atoslegislativos vigentes, bem como das normas costumeiras válidas, quemantêm entre si perfeita conexão. Entre as diferentes fontes normati-vas, não pode haver contradições. De igual modo, deve haver completaharmonia entre os dispositivos de uma lei, a fim de que haja unicidadeno sistema jurídico, ou seja, uma única voz de comando. Para que aordem jurídica seja um todo harmônico, é indispensável que a hierar-quia entre as fontes formais seja preservada. Se os dispositivos de uma lei se interdependem e se as diferentesfontes formais do Direito possuem conexão entre si, a interpretação nãopode ter por objeto dispositivos ou textos isolados. O trabalho deexegese tem de ser feito considerando-se todo o acervo normativoligado a um assunto. O elemento sistemático, que opera considerando os elementosgramatical e lógico, consiste na pesquisa do sentido e alcance dasexpressões normativas, considerando-as em relação a outrasexpressões contidas na ordem juridica, mediante comparaÇões.O intérprete, por este processo, distingue a regra da exceção, ogeral do particular. A natureza da normajurídica revela-se tambémpelo elemento sistemático. O estudo leva à conclusão se a normajurídica é cogente ou dispositiva, principal ou acessória, comumou especial. Pratica uma condenável imprudência o profissional que, semvisão do conjunto da lei e de outros dispositivos concernentes àmatéria, interpreta artigos isolados. Tal procedimento é anticientífi-co. A interpretação pura e simples do art.121 do Código Penal, porexemplo, conduziria a resultado absurdos, se não fosse acompa-nhada da análise de:outros dispositivos do mesmo diploma legal,que se correlacionam. Quem desenvolve interpretação isolada dedispositivos corre o risco de alcançar resultados faisos, apegando-se,por exemplo, a uma regra geral, quando existe uma específica.

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155. Elemento Sistemá`ico

Não há nenhum dispositivo, na ordem jurídica, que seja autôno-mo, auto-aplicável. A norma jurídica somente pode ser interpretada eganhar efetividade quando analisada no conjunto de normas que dizemrespeito a determinada matéria. Quando um magistrado profere umasentença, não aplica regras isoladas; projeta toda uma ordem jurídicaao caso concreto. O ordenamento jurídico compõe-se de todos os atoslegislativos vigentes, bem como das normas costumeiras válidas, quemantêm entre si perfeita conexão. Entre as diferentes fontes normati-vas, não pode haver contradições. De igual modo, deve haver completaharmonia entre os dispositivos de uma lei, a fim de que haja unicidadeno sistema jurídico, ou seja, uma única voz de comando. Para que aordem jurídica seja um todo harmônico, é indispensável que a hierar-quia entre as fontes formais seja preservada. Se os dispositivos de uma lei se interdependem e se as diferentesfontes formais do Direito possuem conexão entre si, a interpretação nãopode ter por objeto dispositivos ou textos isolados. O trabalho deexegese tem de ser feito considerando-se todo o acervo normativoligado a um assunto. O elemento sistemático, que opera considerando os elementosgramatical e lógico, consiste na pesquisa do sentido e alcance dasexpressões normativas, considerando-as em relação a outrasexpressões contidas na ordem jccridica, mediante comparações.O intérprete, por este processo, distingue a regra da exceção, ogeral do particular. A natureza da normajurídica revela-se tambémpelo elemento sistemático. O estudo leva à conclusão se a normajurídica é cogente ou dispositiva, principal ou acessória, comumou especial. Pratica uma condenável imprudência o profissional que, semvisão do conjunto da lei e de outros dispositivos concernentes àmatéria, interpreta artigos isolados. Tal procedimento é anticientífi-co. A interpretação pura e simples do art.121 do Código Penal, porexemplo, conduziria a resultado absurdos, se não fosse acompa-nhada da análise de.outros dispositivos do mesmo diploma legal,que se correlacionam. Quem desenvolve interpretação isolada dedispositivos corre o risco de alcançar resultados falsos, apegando-se,por exemplo, a uma regra geral, quando existe uma específica.

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156. Elemento Histórico

Muitas vezes o conhecimento gramatical e lógico do texto legis-lativo não é suficiente à compreensão do espírito da lei, sendo neces-sário o recurso à pesquisa do elemento histórico. Como força viva queacompanha as mudanças sociais, o Direito se renova, ora aperfeiçoandoos institutos vigentes, ora criando outros, para atender o desafio dosnovos tempos. Em qualquer situação, o Direito se vincula à história eo jurista que almeja um conhecimento profundo da ordem jurídica,forçosamente deverá pesquisar as raízes históricas do Direito Positivo.A Escola Histórica do Direito, concebendo o fenômeno jurídico comoum produto da história, enfatizou a importância do elemento históricopara o processo de interpretação. O Direito atual, manifesto em leis, códigos e costumes, é umprolongamento do Direito antigo. A evolução da ciênciajurídica nuncase fez mediante saltos, mas através de conquistas graduais, que acom-panharam á evolução cultural registrada em cada época. Quase todosos institutos jurídicos atuais têm suas raízes no passado, ligando-se àslegislações antigas. Entre as disciplinas jurídicas, a História do Direitotem por escopo o estudo do Direito sob a perspectiva histórica. Dedi-ca-se à investigação das origens do Dieito de uma sociedade específica�ou de todos os povos, com a preocupação de estudar o desenvolvimentodas instituições e dos sistemas. Como a finalidade da interpretação moderna não é a de desvendara mens legislatoris, deve-se dar apenas relativa importância às discus-sões das comissões técnicas do Congresso e debates parlamentares.Quanto mais antigo for o trabalho preparatório, menos valor oferecerá,pois terá retratado fatos de uma sociedade mais distante (v. § 7o).

157. O Elemento Teleológico

Na moderna hermenêutica o elemento teleológico assume papelde primeira grandeza. Tudo o que o homem faz e elabora é em funçãode um fim a ser atingido. A lei é obra humana e assim contém uma idéiade fim a ser alcançado. Na fixação do conceito e alcance da lei,sobreleva de importância o estudo teleológico, isto é, o estudo dos finscolimados pela lei. Enquanto que a occasio legis ocupa-se dos fatoshistóricos que projetaram a lei, o fator teleológico investiga os fins que

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a lei visa a atingir. Quando o legislador elabora uma lei, parte da idéiado fim a ser alcançado. Os interesses sociais que pretende proteger,inspiram a formação dos documentos legislativos. Assim, é natural queno ato da interpretação se procure avivar os fins que motivaram acriação da lei; pois nessa descoberta estará a revelação da mens legis.Como se revela o elemento teleológico? Os fins da lei se revelamatravés dos diferentes elementos de interpretação. A idéia do firn não é imutável. O fim não é aquele pensado pelolegislador, é o fim que está implícito na mensagem da lei. Como estadeve acompanhar as necessidades sociais, cumpre ao intérprete revelaros novos fins que a lei tem por missão garantir. Esta evolução definalidade não significa ação discricionária do intérprete. Este, no afãde compatibilizar o texto com as exigências atuais, apenas atualiza oque está implícito nos princípios legais. O intérprete não age eontralegem, nem subjetivamente. De um lado tem as coordgnadas da lei e,de outro, o novo quadro social e o seu trabalho se desenvolve no sentidode harmonizar os velhos princípios aos novos fatos.

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário: 152 - Francesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis; 153 - Eduardo Espínola e Eduardo Espínola Filho, Repertório Enciclopédicodo Direito Brasileiro, vol. 28; 154 - François Gény, Método de Interpretación y Fuentes en Derecho PrivadoPositivo; Luis Recaséns Siches, Nueva Filosofia de la Interpretación del Derecho;Alípio Silveira, Hermenêutica do Direito Brasileiro; 155 - Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito; FrançoisGény, op. cit.; 156 - Carlos Maximiliano, op. cit.; 157 - Carlos Maximiliano, op. cit.

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Capítulo XXVII

MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO DO DIREITO

Sumário: I58. Método Tradicional da Escola da Exegese. 159. Método Histórico-Evolutivo.160. A Livre lnvestigação Cientifica do Direito.161. A Corrente do Direito Livre.

158. Método Tradicional da Escola da Exegese

Os métodos se diversificam em função da prioridade que se atribuiaos elementos da interpretação e grau de liberdade conferido aosjuízes.O método tradicional ou clássico se valeu do meio gramatical e dalógica interna. Foi adotado pela chalnada Escola da Exegese, que seformou na França, no início do sécù lo XIX. O pensamento predomi- inante da Escola era codicista, de supervalorização do código. Pensa-vam os seus adeptos que o código encerrava todo o Direito. Não haveria 'qualquer outra fonte jurídica. Além do código, o intérprete não deveriapesquisar o Direito na organização social, política ou econômica. A suafunção limitava-se ao estudo das disposições legais. Em seu teor, ocódigo era considerado absoluto, com regras para qualquer problemasocial. Nada havia, no social, 9ue houvesse escapado à previsqa`o dolegislador. O código não apresentava lacunas. Laurent afirmou ue oscódigos nada deixavam ao arbítrio do intérprete e o Direito estavaescrito nos textos autênticos. Para Demolombe o lema era "os textosacima de tudo!". Aubry sentenciou: "toda a lei, mas nada além da lei!"Estas exclamações dão bem a medida do apego ao código e da rejeiçãoàs outras fontes vivas do Direito. O principal objetivo da Exegese era o de revelar a vontade dolegislador, daquele que planejou e fez a lei. A cinica interpretàçãocorreta seria a qtte traduzisse o pensamento de seu autor. Conseqüênciados postulados expressos pela Escola foi o entendimento de que o

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Estado era o único autor do Direito, pois detinha o monopólio da lei edo código. Como os tradicionalistas não admitiram outra fonte norma-tiva, a sociedade ficava impedida de criar o Direito costumeiro. Emresumo, os postulados básicos da Escola da Exegese foram:

a) Dogmatismo Legal; b) Sccbordinação à Vontade do Legislador; c) O Estado como Únio Autor do Direito.��

O declínio da Escola da Exegese teve início no último quartel doséculo XIX, na época em que o Poder Judiciário chamou a si aimportante tarefa de adaptar os velhos textos às necessidades do tempo.Ajurisprudência passou a cer maior prestígio. Capitant registra o ocasoda Escola e a ascensão dajurisprudência: "Porque decidem no vivo dosinteresses, afastam-se, quando preciso, das soluções rígidas, impassí-veis da doutrina, e um fosso se cava entre a Escola da Exegese e oTribunal. O que se elabora nos pretórios, pode-se dizer, mas não semexagero, não é o que se ensina."' A escola da Exegese desenvolveu importante papel ao longo doséculo XIX. Cumpriu a sua missão em um momento na vida do Direitoe quando a evolução da ciência juridica superou os seus postulados,desapareceu, mas até os dias atuais sentimos ainda a sua influência emnossos tribunais. O pensamento codicista da Escola tinha o propósito degarantir o respeito ao Código Napoleão, que organizou o Direito francês.Fruto de uma grande espera, receavam os juristas da época que, seconcedidos amplos poderes ao intérprete, o Código acabaria destruído. A doutrina modernajá não admite os velhos postulados da Escola .da Exegese. O dogmatismo legal, que consistia na tese da auto-sufi-ciência dos códigos, já não possui adeptos. Por maior rigor técnico-científico, o código não pode assimilar todos os fatos sociais. Por maiorque seja a previsão do legislador, muitas situações inapelavelmenteescapam-lhe à percepção. Por outro lado, não se faz um código para tervida efêmera. Os códigos duram algumas décadas e é natural que asnovas circunstâncias políticas, econômicas e sociais o envelheçam. Asmudanças sociais abrem lacunas, espaços em branco, nos textos legis-lativos. Daí se infere que o postulado do dogmatismo legal é falho enão pode servir de critério à moderna Ciência do Direito. A vontade do

I Capitant, apud Eduardo Esptnola e E. E. Filho, op. cit., p. 294.

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legislador já não é objeto de pesquisa na moderna hermenêutica. Ointérprete, com auxílio dos diferentes elementos, deve investigar oespírito da lei. Limitar, por outro lado, toda a produção jurídica aoscomandos do Estado, é uma atitude contrária à Ciência do Direito.Dizer que só a lei é Direito é recusar a fonte mais autêntica e genuína,que é o costume.

159. Método Histórico-Evolutivo

A hermenêutica não poderia conformar-se - e não se conformou-com os critérios firmados pela Escola da Exegese, que imóbilizava oDireito, impedindo os avanços da ciência jurídica. A concepção tradi-cionalista parecia inverter o pensamento de que a culturajurídica estáa serviço do homem. A nova corrente, que surgiu ao final do séculoXIX, atribuía ao intérprete um papel relevante. Cumpria ao Judiciáriomanter o Direito sempre vivo, atual, de acordo com as exigênciassociais. Não era concebível que o Direito ficasse estratificado na formae no conteúdo, em velhas fórmulas, úteis ao passado. A nova teseabraçada não visava à subversão no Direto, mas ao respeito às verda-�deiras razões das instituições jurídicas. O sistematizador desse método foi o francês Saleilles, ao final doséculo XIX. O intérprete não deveria icar adstrito à vontade do legis-lador. A lei, uma vez criada, perde a vinculação com o seu autor. Ocordão umbilical é cortado. A lei vai ter vida autônoma, independente.Ao intérprete cumpre fazer uma interpretação atualizadora. Não signi-fica alterar o espírito da lei, mas transportar o pensamento da épocapara o presente. O raciocínio se faz pela seguinte maneira: ao elaborardeterminada lei, o legislador contemplou a realidade existente em 18509 ,uando foi feita; se o legislador, elegendo iguais valores e princípios,fosse legislar para a realidade atual, teria legislado na forma "X". Otrabalho é apenas de atualização. Seguindo tal método, a doutrinafrancesa criou alguns institutos: teoria da imprevisão, teoria do abusodo direito, teoria da responsabilidade por risco causado. O Direito, por definição, deve ser um ret7exo da realidade social.Ora, se a realidade evolui ea lei se mantém estática, o Direito perde asua força. Em vez de promover o bem social, vai criar problemas eatravancar o progresso. De certa forma o Poder Judiciário vai suprir asdeficiências do Legislativo, que se revelou negligente, permitindo a

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defasagém entre a vida e o Direito. Não se conclua daí a intromissãode poderes. O Judiciário, assim procedendo, não cria o Direito, apenasrevela novos aspectos de uma lei antiga. Apesar de sua flagrante vantagem sobre o método tradicional, nãose pode considerar o histórico-evolutivo isento de falhas. Enquantoorienta os processos de interpretação atualizada, satisfaz os interessesda Ciência do Direito. E1 deficiência dele é a de não apresentar soluçõespara o caso de lacunas da lei. Como se atualizar uma lei que não existe?O método, portanto, é incompleto.

160. A Livre InvestigaçãQ Científica do Direito

1. Aspectos Gerais - A teoria da interpretação Iogrou um grandeprogresso com a Livre Investigação Científica do Direito, concepçãodo jurista francês François Gény, do final do século passado. Gény admitia alguns pontos doutrinários da Escola da Exegese erejeitava outros. Aceitava que o intérprete deveria pesquisar a vontadedo legislador; não concordou com a ese de que a lei fosse a única fonte�formal do Direito; não admitia a infalibilidade do código; reconheceuque as leis apresentavam lacunas e apontou um processo para preen-chimento delas. Por princípio de segurança jurídica, o intérprete nãoestaria autorizado a substituir a vontade do legislador por qualqueroutra. A evolução conceptual dos textos poderia ocorrer em relação anoções variáveis por natureza, como a de ordem pública e de bons .costumes. Para isso o aplicador do Direito teria que consultar os fatos :k,da sua época e não os do momento da elaboração da lei. Gény nãoconcordou com a separação entre a interpretação gramatical e a lógica,pois uma implicaria necessariamente a outra, dada a interdependência.A separação que poderia ser feita seria a da interpretação que utiliza afórmula do texto e a que emprega elementos extracódigo. Considerou relevante o papel da lógicapara o processo de inter-pretação. Na pesquisa da mens legislatoris, o intérprete não depara coma casuística, mas com uma linguagem ampla, genérica. A lógica serevela útil na averiguação do alcance das regras jurídicas. Para desco-brir a intenção do legislador, o intérprete terá que realizar a pesquisada rato legis e da occasio legis. Inicialmente deve verificar as circuns-�tâncias sociais, econômicas, morais, para as quais a lei foi formulada,

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INTRODUÇÃO AO ESTUDQ DO DIREITO 33IIi bem assim o meio social em que a lei se originou, a ocasião em os p q criada. Gény atribuiu aos trabalh ue foi relativo reparatórios apenas um valor estar se p e tou ádos fases do processo de interpretação o exegeta deve g pelo interesse em descobrir a vontade do legisla- dor. NQ admitia que se considerassem as vontades presumidas daq uela fonte uando houvesse lacuna, o intérprete deveria recorrer à analogia e aos costumes. Quanto a estes, admitiu apenas o praeter legem.

q 2. A Livre Investigapão Cientifica - O método se denomina livre P or ue o intérprete não fica condicionado às fontes fo . e, cientc cco p q ç rmais do Direito g .f , or ue a solu ão se funda em critérios objetivos baseados na or anização social. O Direito , possui, na sua versão, duas categorias: o dado e o construido. O dado corresponde à realidade observada pelo legislador, às fontes materiais do Direito como os elementos econômi- co, moral, científico, técnico, cultural, histórico, político etc . O cons- truido é uma operação lógica e artística que, considerando o dado , subordina os fatos p uma ordem de fins, conforme menciona Miguel Reale.z Somente de ois de haver esgotado os recursos da lei, analogia e costume, icaria o intérprete livre para pesquisar o modelo jurídico na chamada natureza positiva das coisas g política do a que consiste na or anização� econômica, social e p ís. A di5isa de Gény era: "além do� Código Civil, mas através do Código C;v;l· O ;ntérprete não poderia extrair da sua vontade própria as normas reitoras, mas ler o Direito nos fatos da vida e as regras captadas deveriam estar conforme os princípios do sistema jurídico. Nesse momento, a liberdade do intérprete não é igual à do sociólogo; é uma liberdade que tem o seu limite na índole do sistema jurídico. A idéia de justiça também é uma base orientadora.Gény afirmou que "sendo o justo ù:~ fim p or alcançar, a missão dointérprete se reduz a descobrir, nas condi ões dadas, os meios derealização mais idôneos".3 ç Máynez esclarece ue nd rpretando esse pensamento, Eduardorarcía q epois de buscar uma inspiraçãp na idéia�lejustiça, deverá ojuiz levarem conta, de acordo com as circunstâncias:speciais de cada questão concreta, os prineípios a que em forma diretanais ou menos, se haja subordinado aquela idéia".' '

Mguel Reale Liç·õe.e Preliminnre.s de Direito, ed. cit .2� . Gény, opur/ Eduardo García Máynez, op. c·it., p. 345 p 82· Eduardo García Máynez, op· c·it., p. 345.

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A Livre Investigação Científica do Direito foi mais um passo àfrente na evolução da hermenêutica jurídica e por isso alcançou amplarepercussão.

161. A Corrente do Direito Livre

1. A Doutrina - A corrente do Direito Livre esposou uma doutrinadiametralmente oposta à da Exegese. Enquanto que esta mantinha ointérprete inteiramente dominado pelo texto das leis, impedido deadaptar os úispositivos às exigências modernas, com flagrante prejuízopara a justiça, a corrente do Direito Livre concedia ampla liberdade aointérprete na aplicação du Direito. A corrente denominou-se livre,porque assim deixava o intérprete em face da lei. O juiz, ao decidir umaquestão, poderia abandonar o texto Iegal, se o considerasse incapaz defornecer uma solução justa para o caso. Se a lei fosse justa deveria seradotada, caso contrário seria colocada de lado e o intérprete ficaria livrepara aplicar a norma que julgasse acorde com os criérios de justiça. Na prática a doutrina expostaseguiria esse procedimento: diante�de um caso concreto o juiz daria a melhor solução, de acordo com oseu sentimento de justiça e, posteriormente, abriria o código paralocalizar o embasamento jurídico para a sentença. A divisa seria ajustiça pelo código ou apesar do código. Esta concepção era avançadae ia muito além das idéias de F. Gény. Por ela o juiz, além de julgar osfatos, julgava também a lei, em face dos ideais de justiça. Ojuiz possuíao poder de marginalizar leis e de criar normas para casos específicos.Essa doutrina não se estendia ao campo do Direito Penal, em face doprincípio da reserva legal. Essa corrente formou-se em reação à exegesetradicional e em apoio às novas idéias que surgiam através de Saleillese Gény. Estes, contudo, não desprezavam a lei; apenas não se confor-mavam com a passividade a que era reduzido o juiz, em ter que aceitara letra da lei dogmaticamente, abandonando a nova realidade viva dosfatos. Reichel, citado por Máynez, aponta as teses mais difundidas pelacorrente do Direito Livre: "a) repúdio à doutrina da suficiência absoluta da lei; b) afirmação de que o juiz deve realizar, precisamente pelainsuficiência dos textos, um labor pessoal e criador;

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c) tese de que a função do julgador há de aproximar-se cada vez mais à atividade legislativa."`

2. Principais Adeptos - No desenvolvimento da doutrina do Direito Livre, os autores distinguem três fases, com a primeira abran- gendo o pensamento de diversos juristas, entre 1840 e 1900, denomi- nados precursores e que se distinguiam mais pelos ataques que fizeram à tese da plenitcde hermética da ordem jcrrirlic.a. � � Destacaram-se: Stob- be, Dernburg, Adickes, Bülow, Stampe, Bekker, Kohler, Steinbach, Wundt e Danz. De um modo geral, defenderam a necessidade de se admitir, para o juiz, uma atividade menos dependente da Iei e que se baseasse no estudo dos fatos, de acordo com as exigências da lógica. A segunda fase corresponde a uma organização das idéias, ini- ciando-se com o presente século e terminando seis anos após. Nessa etapa, destaca-se ojurista austríaco Eugen Ehrlich, que admitiu, em sua obra "Livre Determinação do Direito e Ciência Jurídica Livre", 1903, a liberdade do juiz na hipótese da falta de norma escrita ou costumeira. A atividade criadora do juiz se manifestaria apenas praeter legem. Destacaram-se, ainda, Zitelman, Mayer, Radbruch, Wurzel, Sternberg e Müller-Erzbach. Enquanto que na segunda fase o pensamento ainda se revela moderado, atinge o seu clímax de radicalização em 1906, na terceira fase, com a obra A Luta pela Ciêcicc do Direito, de Kantoro-�� wicz, que se apresentou com o pseudônimo Gnaeus Flavius, na qual compara o Direito Livre a uma espécie de "direito natural rejuvenesci- do". Ojuiz deveria atuar, afirmava o autor alemão, em função dajustiça, do Direito justo e para isso poderia basear-se na lei ou fora da lei. O intérprete deveria desprezar os textos quando estes não favorecessemI os ideais da justiça, inspirando-se, então, nos dados sociológicos, de preferência, e orientado pela sua consciênciajurídica. Manifestação mais recente do Direito Livre é a idéia do ccso alternativo do Direito ou Direito Alternativo (v. § 60, nota 21 e § 93). Os alternativistas se orientam pela idéia de justiça a ser aplicada, sobretudo, nas relações econômicas, objetivando pelo menos a ameni- zar o desequilíbrio entre as classes sociais, impedindo que a lei seja instrumento de satisfação dos mais fortes.

5 Reichel, apud Eduardo García Máynez, op. cit., p. 347.

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3. Critica à Doutrina - A virtude da corrente do Direito Livre foia de propugnar pela justiça, que funcionaria como farol para os aplica-dores do Direito. Falharam os corifeus dessa corrente, quanto aos meiosadotados para a realização da justiça. Ao defenderem a tese da justiça"dentro ou fora da lei", desprezaram o valor segurança, que é deimportância capital no Direito. Se este dependesse da subjetividade dojuiz, a ordem jurídica deixaria de ser um todo definido e perderia a suaunicidade. A segurança jurídica não exige, porém, o imobilismo doDireito, nem a submissão à literalidade da lei. O que não comporta é aincerteza jurídica, a improvisação, caprichos do Judiciário.

BIBLIf)GRAFIA PRINCIPAL

Ordem de Sumário: 158 - Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito; AlípioSilveira, Hermenêutica no Direito Brasileiro; 159 - Eduardo García Máynez, Introducción al Estudio del Dereclto; CarlosMaximiliano, op. cit., 160 - Carlos Maximiliano, op. cit.; Eduardo Espínola e Eduardo EspínolaFilho, Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro, vol. 28; Miguel Reale, LiçõesPreliminares de Direito; 161- Eduardo García Máynez, op. cit.; Eduardo Espínola e E. E. Filho, op. cit.

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Sexta Parte

RELAÇÕES JURÍDICAS

Capítulo XXVIII

SUJEITOS DO DIREITO: PESSOA NATURALE PESSOA JURÍDICA

Sumário: I62. Personalidade Juridica. 163. Pessoa Natural. 164. Pessoa Juridica.

162. Personalidade Jurídica

O Direito pode ser considerado dos pontos de vista estático edinâmico. Sob o primeiro aspecto, revela-se como um conjunto deregras abstratas que orientam a conduta social. Em sua manifestaçãodinâmica, projeta-se no quadro das relações sociais para definir, con-cretamente, os direitos e deveres de cada pessoa. A vida do Direito seapresenta com maior esplendor quando influencia diretamente no cursodas ações sociais, por sua irradiação normativa, seja para determinar aforma de realização de um ato jurídico, indicar o comportamento devidoou para classificar fatos, imputando-lhes conseqüências jurídicas. O permanente objetivo do Direito, em suas manifestações diver-sas, é o ser humano. As relações que define envolvem apenas osinteresses e os valores necessários ao ente dotado de razão e vontade.

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O homem constitui, pois, o centro de determinações do Direito. Naacepção jurídica, pessoa é o ser, individual ou coletivo, dotado dedireitos e deveres. Além do sentido jurídico, a palavra pessoa apresentaoutras conotações. Na acepção biológica, significa homem e na lingua-gem filosófica o ser inteligente, que se orienta teleologicamente. Doponto de vista religioso, pessoa é o ser dotado de alma.' Personalidade juridica, a.tributo essencial ao ser humano, é aaptidão para possuirdireitos e deveres, que a ordem juridica reconhecea todas as pessoas. Em nosso Direito, esse reconhecimento é feito peloart. 2o do Código Civil: "Todo homem é capaz de direitos e obrigaçõesna ordem civil." Todo fato regulado por norma jurídica constitui sempre um vín-culo entre pessoas. Sujeito ou titular é o portador de direitos ou deveresem uma relação jurídica. Kelsen contesta a teoria tradicional, queidentifica o conceito de sujeito do direito com o de pessoas. Para ojurista austríaco, pessoa "é a unidade de um complexo de deveresjurídicos e direitos subjetivos. Como estes deveres jurídicos e direitossubjetivos são estatuídos por normas jurídicas - melhor: são normasjurídicas -, o problema da pessoa é, em última análise, o problema daunidade de um complexo de normas".2 O pensamento de RecasénsSiches é semelhante ao kelseniano. A personalidade jurídica que o serindividual ou coletivo possui, em sÍa opinião, não é uma realidade ou�um fato, mas uma categoria jcridica, uma criação jurídica, que pode�ser aplicada a diferentes substratos: "La personalidad es la formajurídica de unificación de relaciones."3 Enquanto, modernamente, toda pessoa é portadora de direitos edeveres e apenas o ser humaIo e o ser coletivo possuem personalidade�jurídica, no passado a realidade era bem outra. É fato conhecido queCalígula, imperador romano, chegou a nomear o seu cavalo para ocargo de cônsul; "...um dos livros da Lei de Parsis, o Código do cãopastor - narra Edmond Picard -, reconhece a este quadrúpede ágil evigilante o direito de matar um carneiro para se alimentar, quando pela

1 Jacques Maritain, uma das maiores expressões do pensamento católico contemporâ-neo, faz tal·colocação: "A pessoa humana, por mais dependente que seja dos menoresacidentes da matéria, existe em virtude da própria existência de sua alma, que domina otempo e a morte. É o espúito que é a raiz da personalidade." (Os Direltns do Homem, 3'ed., Livraria José Olímpio, Rio de Janeiro, l967).2 Hans Kelsen, Tenria Pura dn Direito, ed. cit., vol. I, p. 330.3 Luis Racaséns Siches, Introducción al Esndio del Derecho, ed. cit., p. 153.�

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quarta vez o dono lhe recusa de comer."" Se por esses exemplos osanimais aparecem como alvo de honraria e benefício, em outros ,surgem como réus que respondem a processo regular. Diz Kelsen uedurante a Idade Média, "era possível pôr uma ação contra um ani ál -contra um touro, por exemplo, que houvesse provocado a morte de umhomem, ou contra os gafanhotos que tivessem aniquilado as colheitas.U animal processado era condenado na forma legal e enforcado, preci-samente como se fosse um criminoso humano".5 Paradoxalmente, na mesma época em que se concediam direitosaos animais, negava-se tutela jurídica a determinadas classes sociais.Os estrangeiros, denominados hostis, não possuíam o amparo da lei. Osescravos, perante o Direito Romano, por lhes faltarem o status liberta-tis, não possuíam personalidade jurídica. É comum, porém, encontrar-se, nos textos romanos, a palavra pessoa empregada no sentido de serhumano, conforme observa San Tiago Dantas.b O jurisconsulto Gaio,por exemplo, em uma divisão que apresentou quanto às pessoas, dis-tinguiu duas espécies: livres e escravos, reconhecendo, pois, a estes acondição de pessoa. Malgrado a inferioridade jurídica dos escravos, emRoma chegaram a alcançar alguns benefícios, como o de participaremde entidades religiosas, collegia funeratia; obter algumas vantagens emrelação aos senhores e adquirir, inclusive, com o seu pecúlio, o estadode liberdade. ` Além da odiosa discriminação contra os estrangeiros, que seatenuou aos poucos até desaparecer, e o tratamento impiedoso dispen-sado aos escravos, houve, em Roma, a chamada morte civil, que ocorrianas hipóteses de condenação à prisão perpétua e na investidura emdeterminadas ordens monásticas. Em decorrência da morte civil, se-guia-se a abertura do processo de sucessão. Ainda, em Roma, não seconsiderava pessoa o recém-nascido que não fosse apto a viver ou nãopossuísse forma humana (Monstrosum alliquid aut prodigiosum enixasit. Paulus, fr.14-D, I, 5).' As páginas da história que descrevem tais situações, consideradas ,hoje, absurdas, revelam não apenas um capítulo da História do Direito ,mas a própria vicissitude humana, em seu permanente esforço deauto-superação, em favor dos imperativos da razão.

4 Edmond Picard, np. c·it., p: 74.5 Hans Kelsen, Teoria Pura do Direitn, ed. cit., vol. I, p. 61.6 San Tiago Dantas, Programa de Direitn Civil, Editora Rio, Rio de Janeiro,1977, p.169.7 Cf. San Tiago Dantas, op. cit., p. 17I.

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Além de dispor sobre a pessoa individual, comumente designadapor pessoa natural ou física, constituída pelo ser humano, a Ciência doDireito criou a chamada pessoa juridica, que se forma pela coletividadede indivíduos ou por um acervo de bens colocado para a realização defins sociais.

163. Pessoa Natural

I . Considerações Prévias - A palavra pessoa, que hoje identificao portador de direitos e obrigações, provém do vocábulo latino personae tem a sua origem na Antigüidade Clássica. Era empregada, conformeAulo Gelio esclarece, para designar a máscara, larva histrionalis, queos atores usavam em suas apresentações nos palcos, com o fìm de tornara sua voz mais vibrante e sonora. Em sua evolução semântica, personapassou a denominar o próprio ator, o personagem, para depois estendero seu significado e indicar, genericamente, o homem. O estudo das pessoas é um capítulo de grande relévo que a TeoriaGeral do Direito apresenta. Apesar de sua regulamentação jurídica, emnosso sistema, inserir-se no Códigó Civil, é matéria que extrapola ointeresse restrito desse ramo e do próprio Direito Privado, pois reper-cute intensamente nas diferentes espécies de relações jurídicas, apre-sentando, assim, um significado universal para o Direito. A terminologia consagrada pelo sistema brasileiro, pessoa naturale pessoa juridica, para designar, respectivamente, o individual e ocoletivo, não é a mais adequada, porque, na realidade, ambas sãopessoas jurídicas. Daí Eduardo García Máynez, entre outros autores,preferir nomeá-las por pessoa juridica individual e pessoa juridicacoletiva. Em seu famoso "Esboço", Teixeira de Freitas propôs asdenominaçòes de existência visivel e de existência ideal, acolhidas,posteriormente, pelo Código Civil argentino.

2. Inicio e Fim da Personalidade - No campo doutrinário, há duascorrentes a respeito do início da personalidade humana. Uma consideramais acertado fixar-se esse começo a partir do nascimento com vida,enquanto que outra,: sustentada entre nós por Teixeira de Freitas,Nabuco de Araújo e Félício dos Santos, indica o momento da concep-ção. O legislador brasileiro optou pela primeira fórmula por conside-rá-la mais prática. Ao mesmo tempo, porém, dispôs quanto à proteção

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dos interesses do nascituro. A matéria é regulada pelo art. 4o da lei civil:"A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida, masa lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro." O Direitobrasileiro considera a respiração como indicativo de vida, tanto que aLei dos Registros Públicos determina dois assentos, o de nascimento eo de óbito, quando a criança, havendo respirado, morre no momento doparto. � Nos processos judiciais em que se manifesta o interesse do nasci-turo, é designado um curador ao ventre, durante o seu período de vidaintra-uterina. A personalidade jurídica cessa, conforme dispõe o art. 10 doCódigo Civil, com a morte e pela declaração de ausência por ato dojuiz. Quanto à hipótese em que mais de uma pessoa são encontradassem vida e for relevante apurar-se a ordem dos óbitos, o sistemabrasileiro considera-os simultâneos, caso não se consiga provar ocontrário. Em relação à comoriência, portanto, o legislador brasileiroestabeleceu uma presunção relativa (juris tantum) e afastou-se domodelo romano.9 O esclarecimento quanto à seqüência das mortes érelevante apenas quando envolve matéria de sucessão. No tocante àausência, esta se caracteriza, do ponto de vistajurídico, quando ojuiza declara, após ficar comprovado, em processo especial, que uma�pessoa desapareceu de seu domicílio e dela não se tem notícia, decor-rido determinado lapso de tempo.

3. Capacidade de Fato - Conforme examinamos no princípiodeste capítulo, a personalidadejurídica consiste na aptidão para possuirdireitos e deveres, que a ordem jurídica reconhece a todas as pessoas.Para se obter a personalidade jurídica, o nascimento com vida é osuficiente, pois o Direito não impõe qualquer outra condição. Capaci-dade de fato consiste na aptidão reconhecida à pessoa natural para

8 Dispõe o § 2o do art. 53 da Lei no 6.015, de 31.12.73 - Lei dos Registros Públicos: "Nocaso de a criança morrer na ocasião do parto, tendo, entretanto, respirado, serão feitos osdois assentos, o de nascimento e o de óbito, com os elementos cabíveis e com remissõesrecíprocas."9 O sistema romano de presunções, que mais tarde influenciou o Código Napoleão, eradiverso, conforme nos dá notícia Eduardo Espínola Filho: "No Direito romano, encontra-mos a regra de Marciano, pronunciando a simultaneidade dos óbitos, mas as distinçõeslogo se fazem sentir; se há ascendentes e descendentes, presume-se a morte primeirodestes, se impúberes, e, se púberes a sua sobrevivência..." (In Repertório Enciclopédicodo Direlto Brasileiro, ed. cit., vol. X, p. 27).

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exercitar os seus direitos e deveres. Enquanto que a personalidadejurídica se estende a todas as pessoas incondicionalmente e se refere àfruição de direitos e à aquisição de deveres, a capacidade de fato estácondicionada a vários requisitos que a legislação apresenta e se refereà possibilidade de a pessoa praticar os atos da vida civil. A incapaci-dade de fato se divide em absoluta e relativa. Os absolutamente inca-pazes são impedidos de praticar quaisquer atos da vida civil, devendoser representados por seus responsáveis. O art. So do Código Civilenumera-os:

"I - Os menores de 16 anos. II - Os loucos de todo o gênero. III - Os surdos-mudos, que não puderem exprimir a sua vontade. IV - Os ausentes, declarados tais por ato do juiz."

Os relativamente incapazes podem praticar atos da vida civil,desde que assistidos por seus responsáveis. O art. 6o do Código Civilindica-os:

"I - Os maiores de 16 anos e menores de 21 anos (arts.154 a 156). II - Os pródigos. III - Os silvícolas." `

A espécie de incapacidade, referida no item I, desaparece com ofato jurídico da emancipação, definida no § lo do artigo 9o do citadodiploma legal. Pródiga é a pessoa portadora de uma anomalia psíquica,que a induz a esbanjar seus bens; é aquela que perde a noção dos valoreseconômicos e se revela perdulária. A sua incapacidade de praticar atos .jurídicos fica restrita às atividades econômicas e é suprida pela nomea-ção de um curador. Quanto aos silvícolas, dispõe o parágrafo único doart. 6o que "ficarão sujeitos ao regime tutelar, estabelecido em leis eregulamentos especiais, o qual cessará à medida que se forem adaptan-do à civilização do País".

4. Registro, Nome e Domicilio Civil - Os acontecimentos maisimportantes na vida da pessoa, do ponto de vista da organização social,devem ser inscritos em registro público, de acordo com as hipótesesprevistas no art. 12 da lei civil. A sua finalidade é a de prover aorganização social fornecendo aos interessados as informações neces-

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sárias mediante o fornecimento de certidões expedidas pelos cartórios.De acordo com o dispositivo citado, devem ser inscritos:

"I - Os nascimentos, casamentos, separações judiciais, divórciose óbitos. II - A emancipação por outorga do pai ou da mãe, ou por sentençado juiz (art. 9o, parágrafo único, no I ). III - A interdição dos loucos, dos surdos-mudos e dos pródigos. IV - A sentença declaratória da ausência."

Ao se inscrever, no registro civil, o nascimento da pessoa natural,é indispensável que se lhe atribua um nome, para efeito de sua identi-ficação. Este se completa com o assentamento do nome de sua filiaçãoe de seus avós. Conforme esclarece Jefferson Daibert, o nome "é aexpressão mais característica da personalidade, o elemento inalienávele imprescritível da individualidade da pessoa".'o Quanto à natureza donome civil; doutrinariamente se discute se corresponde a um direito depropriedade ou se consiste em um direito de personalidade. Predo-mina, porém, a segunda concepção, sob o fundamento de que, alémde não possuir valor patrimonial, é inalienável e irrenunciável. O nome civil possui dois conaponentes: o prenome e o cognomeou nome patronimico. O primeiro elemento é individual e decorre dapreferência e livre escolha dos pais, enquanto que o segundo corres-ponde ao próprio cognome dos pais e é básico para a vinculação dapessoa à famlia. Quanto à alteração do nome civil, a legislaçãoadota, por princípio, a imutabilidade do prenome, com ressalva,porém, a situações que especifica, como a que expõe a pessoa aoridículo. Para vários fins de Direito, é indispensável que a pessoa naturaltenha um domicílio, o qual corresponde ao lugar onde reside com ânimodefinitivo. Na hipótese de a pessoa possuir mais de uma residênciaregular ou atividades permanentes em vários lugares, pelo que dispõeo art. 32 do Código Civil, "considerar-se-á domicílio seu qualquerdestes ou daqueles". No caso de a pessoa não possuir residênciahabitual, ou empregar a sua vida em viagens, sem um local certo denegócios, ter-se-á por seu domicílio o lugar em que for encontrada.

IO Op. cit., p. 164.

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Várias outras disposições acham-se inseridas no Código Civil, art. 31e seguintes.

164. Pessoa Jurídica

1. Conceito - Pessoa jurzdica é uma construção elaborada pelaCiência do Direito, em decorrência da necessidade social de criação deentidades capazes de realizarem determinados fins, que não são alcan-çados normalmente pela atividade individual isolada. Conforme acen-tua Orozimbo Nonato, a existência desses entes decorre de uma outorgada ordem jurídica." Elas ccnstituem, no dizer de Orlando Gomes ,"grupos humanos personificados para a realização de um fim comum"'ze, na definição simples e precisa de Jefferson Daibert, pessoa jurídica"é o conjunto de pessoas ou bens destinados à realização de um fim aquem o direito reconhece aptidão para ser titular de direitos e obríga-ções na ordem civil".'3 Apesar de o Direito Romano ter apresentado algumas situaçõesjurídicas que se aproximam do conceito de pessoajurídica, não se podeconcluir que esta se configurou entre os romanos. Ao collegium e asodalitas, conforme esclarece San 'Í'iago Dantas, o Direito Romanoapenas conferiu alguns atributos, notadamente o de se representaremem juízo por uma única pessoa (actor ou syndicus) e o de possuíremum- patrimônio (arca), distinto do pertencente a cada um de seusmembros. A grande evolução que se processou entre os romanos nessaparte foi com a noção áe fiscum, pela qual se passou a distinguir opatrimônio do imperador daquele outro que se destinava a atender os ,interesses da coletividade. O fiscum, porém, não possuía uma persona-lidade jurídica. O conceito de pessoa jurídica foi uma elaboração do DireitoCanônico. A dificuldade encontrada pelos canonistas para definirem asituaçãojurídica da Igreja, que não se confundia na pessoa de seus fiéisou oficiantes, levou-os à concepção dos seres coletivos. Diante de uminteresse concreto, aqueles teóricos chegaram a imaginar uma entidadedistinta de seus membros e capaz de realizar determinados fins, me-

11 In Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro, ed. cit., vol. 37, p.137.12 Orlando Gomes, op. cit., p.178.13 Op. cit., p.174.

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diante um acervo de bens. Ali estava, na opinião de San Tiago Dantas,a origem da pessoa jurídica. "Esta concepção dos canonistas, que nocorpo místico viram uma entidade jurídica, permitiu que se insinuasseno Direito a noção que hoje em dia floresceria como noção de pessoajurídica."'4 Limongi França, como caracteres básicos da pessoa jurídica,aponta os seguintes princípios: a) "Universitas distat a singulis", a universalidade dista da sin-gularidade. Tal princípio evidencia que a pessoa jurídica não se con-funde com as pessoas naturais, singulares, que a integram. Nestesentido, o caput do art. 20 de nossa lei civil dispõe que "as pessoasjurídicas têm existência distinta da de seus membros". b) "uod debet, universitas non debent singuli et quod debent�singuli nos debent universitas", o que deve a pessoa juridica não devemos individuos que a integram, e o que devem os individuos a pessoajuridica não deve. Tal princípio é uma decorrência natural e necessáriado anterior: c) A personalidade jurídica da pessoa coletiva garante-lhe, emprincípio, iguais direitos e obrigações aos que possuem as pessoasnaturais. É evidente que as exceções a tal enunciado são muitas:obrigações perante o Serviço Mihtar, direitos políticos, matéria defamília etc. d) A administração dos interesses da pessoa jurídica desenvolve-se sob o comando de pessoas naturais.'5

2. Natureza Juridica das Pessoas Juridicas - Uma das questõescomplexas que a doutrina acusa, no tocante às pessoas jurídicas oumorais, é a de se precisar a sua natureza jurídica. Entre as principaisconcepções, destacam-se as seguintes:

2.1. Teoria da Ficção - O principal expositor da presente teoriafoi o jurista alemão Savigny, que partiu da premissa de que personali-dade jurídica é atributo próprio dos seres dotados de vontade. Como aspessoas jurídicas carecem de arbítrio, segue-se que a sua personalidadeé admitida por uma ficção jurídica. Definiu a pessoa jurídica como

14 Op. cit., p. 208.15 Apud lefferson Daibert, op. cit., p. I80.

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"ente criado artificialmente e capaz de possuir um patrimônio". Apresente concepção é vista como um desdobramento da teoria deWindscheid sobre os direitos subjetivos, situados por esse pandetistacomo "o poder ou senhorio da vontade reconhecido pela ordem jurídi-ca". As críticas que se apresentam à teoria da ficÇão ocupam-se funda-mentalmente de sua premissa, segundo a qual a personalidade jurídicadas pessoas naturais é uma decorrência de sua faculdade de querer. Seo elemento vontade fosse essencial, como se justificaria a personalida-de jurídica dos infantes e idiotas? Além desta observação, seus oposi-tores alegam que as pessoas jurídicas são entes que possuem determi-nados fins e capacidade para realizá-los.

2.2. Teoria dos .Direitos sem Sujeitos - A essência da pessoajurídica, de acordo com o pensamento do pandetista Brinz, principalexpositor desta teoria, localiza-se em uma distinção de natureza patri-monial. Haveria duas categorias de patrimônio: pessoal e impessoal,também denominadas patrimônios afetos a um fim. Enquantp opatrimônio pessoal, como seu nome indica, pertence a determinadoindivíduo, o impessoal carece de dono e seu vínculo prende-se àrealização de um determinado fim, gozando, para isto, de proteçãojurídica. A crítica que se faz à pres,nte concepção é a de que não é�possível haver direito ou dever desvinculado de um titular, poisdireito significa poder de agir conferido a alguém, e todo deverpressupõe um obrigado.

2.3. Teorias Realistas - Sob a denominação genérica de teoriasrealistas agrupam-se diversas concepções que apresentam, como deno-minador comum, o entendimento de que a pessoajurídica não constituiuma ficção, mas uma realidade. Desvinculam a personalidade jurídicado elemento vontade. Entre as teorias realistas, a que mais se projetoufoi a de Otto Gierke, denominada "teoria do organismo social". Para ojurista germânico, não há uma separação absoluta entre a pessoajurídica e os membros que a integram; ela não se coloca perante os seusmembros como algo estranho. A pessoa jurídica se distingue de seusmembros, mas ao mesmo tempo constitui uma unidade com eles.Possui vóntade própra, que não é senão uma decorrência da vontade�dos indivíduos que a compõem. A concepção apresentada por Giorgi,Fadda e Bensa, denominada "teoria da realidade objetiva", admiteque a pessoa jurídica possui existência real, sob o fundamento deque mostra fortes semelhanças com a pessoa natural.

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3. Classificação das Pessoas Juridicas - Enquanto o conceito depessoa jurídica é de natureza universal, a sua classificação completavaria de acordo com os sistemas jurídicos. A tipologia apresentada peloordenamento nacional corresponde, em linha geral, aos critérios bási-cos apontados pelo Direito Comparado. A principal classificação dosseres coletivos é uma projeção da maior divisão do Direito Positivo:pessoas jurídicas de Direito Público e pessoas jurídicas de DireitoPrivado. As primeiras se dividem, consoante o disposto no art.14 doCódigo Civil, em pessoas jurídicas de Direito Público externo,representadas pelos Estados e órgãos análogos, como a Organizaçãodas Nações Unidas (ONU), e pessoas jurídicas de Direito Públicointerno, que englobam a União, Estados-membros, Distrito Federale os Municípios. As autarquias administrativas enquadram-se tam-bém nesta categoria. As pessoas jurídicas de Direito Privado, previstas no art.16 da leicivil, dividem-se em associações, fundações e sociedades civis oucomerciais. As associações (universitas personarum) são entida-des que visam a fins culturais, beneficentes, esportivos, religiosos.Não faz parte da natureza das associações o fito de lucro. Podemdesenvolver alguma atividade econômica, mas desde que o lucroauferido se destine à consecução'do seu objeto e não para divisão�entre os associados. As fundaÇões, que correspondem a universitas bonorum do Di-reito Romano, caracterizam-se pela existência de um acervo econômi-co, instituído como instrumento ou meio para a realização de determi-nado fim. As sociedades são pessoas jurídicas que objetivam fins lucrati-vos, com a finalidade de partilhar os resultados entre seus membros.Enquanto que na sociedade civil a atividade não envolve compra evenda e se caracteriza pela prestação de serviços, como em umasociedade formada por profissionaìs liberais, é da natureza da socie-dade comercial os negócios que envolvem a troca de riquezas. En-quanto as sociedades mercantis são disciplinadas pelo Código Comer-cial e leis comerciais complementares, as demais categorias sãoreguladas pelo Código Civil.

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BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário: 162 - Luis Recaséns Siches, Introducción al Estudio del Derecho; Giorgio delVecchio, Lições de Filosofia do Direito, vol. II; 163 - Clóvis Beviláqua, Teoria Geral do Direito Civil; Jefferson Daibert,Introdugão ao Direito Civil; Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil- Parte Geral; Eduardo García Máynez, Introducción al Estudio del Derecho; 164 - Eduardo García Máynez, op. cit.; San Tiago Dantas, Programa deDireito Civil; Washington de Barros Monteiro, op. cit.

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Capítulo XXIX

RELAÇÃO JURÍDICA: CONCEITO, FORMAÇÃO, ELEMENTOS

Sumário: 165. Conceito de Relagão Juridica.166. Formação da Relagão Juridica.167. Elementos da Relação Juridica.

165. Conceito de Relação Jurídica

A relação jurídica faz parte do elenco dos conceitos juridicosfundamentais e constitui um ponto de convergência de vários compo-nentes do Direito. A sua compreensão é elemento-chave para o conhe-cimento da Teoria Geral do Direito. N,gla se entrelaçam fatos sociais eregras de Direito. É no quadro amplo das relações jurídicas que seapresentam os sujeitos do direito e se projetam direitos subjetivos edeveres jurídicos. Pode-se afirmar que a doutrina das relações jurídicas teve inícioa partir dos estudos formulados por Savigny no século passado. De umaforma clara e precisa, o jurista alemão definiu relação jurídica como"um vínculo entreessóá,.gvj rtude dn nual umadelás e pretendec� � � �alo á guaautraestá obrigada".' Em seu entendimento, toda relação� � � �jurídica apresenta um elemento material, constituído pela relação so-cial, e outro formal, que é a determinação jurídica do fato, medianteregras do Direito. Coerente com o pensamento da Escola História do Direito, da qnalfoi o seu corifeu, Savigny atribuiu grande importância ao fato social naformação da relação jurídica. Principalmente através de Stucka e Pasu-kanis, a teoria marxista dó Direito, que vê no fenômenojurídico apenasum conteúdo econômico, concorda com a origem social do Direito. A

1 Apud Josó Maria Rodrtguez Paniagua, op.cit., p. 69.

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concepção de Savigny é predominante entre os estudiosos da maNo Brasil é aceita, entre outros, pelo jurista Pontes de Miranda,quem "r_el_açãourídi_c_a é a relação inter-humana, a que a regrajur�incidindo sobre os fatos, torna jurídicã".m igual sentido é a oF��de Miguel Reale: "Quando uma relação de homem para homesubsume ao modelo normativo instaurado pelo legislador, essa re �de concreta é reconhecida como sendo relação jurídica."3 Além da concepção de Savigny, para quem a relação jurícsempre um ínculo entre pessoas, há outras tendências doutrin�Para Cicala, por exemplo, a relação não se opera entre os sujeitosentre estes e a norma jurídica, pois é por força desta que se estabo liame. A norma jurídica seria, assim, a mediadora entre as pAlguns jt"-istas defenderam a tese de que a relação jurídica serinexo entre a pessoa e o objeto. Este foi o ponto de vista defendidClóvis Beviláqua: "RelaÇãQ de_dirito é o laço que, sob a garan� �ordem jurídica, submete o objeto ao sujeito."' Modernamenteconcepção foi abandonada, principalmente em face da teoria dos ;tos, formulada por Roguin. As dúvidas que hayia em relação ao dde propriedade foram dissipadas pela exposição desse autor. A rejurídica nessa espécie de direito não seria entre o proprietário e a cmas entre aquele e a coletividade de pessoas, que teria o deverjmde respeitar o direito subjetivo. " Na concepção de Hans Kelsen, significativa por partir doda corrente normativista, a relação jurídica não consiste em um ví �entre pessoas, mas entre dois fatos enlaçados por normas jurícComo exemplo, figurou a hipótese de uma relação entre um creum devedor, afirmando que a relação jurídica "significa quedeterminada conduta do credor e uma determinada conduta do deestão enlaçadas de um modo específico em uma norma de direito .. No plano filosófico, há a indagação se a regra de Direito crelação jurídica ou se esta preexiste à determinação jurídica. Pcorrente jusnaturalista, o Direito apenas reconhece a existêncrelação jurídica e lhe dá proteção, enquanto o positivismo assinexistência da relação jurídica somente a partir da disciplina normativa.

2 Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, ed. cit., vol. I, p. I 17.3 Miguel Reale, Ligões Preliminares de Direito, ed. cit., p. 211.4 Clóvis Beviláqua, op. cit., p. 54.5 Apud Ariel Alvarez Gardiol, op. cit., p. 67.

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Há determinadas relações que efetivamente antecedem à regulamenta-ção jurídica, pois expressam fenômenos de ocdem natural, in rerumnatura, como é o fato, por exemplo, da filiação. Sáo as relações 'ur_ídicas que dão movimento ao Direito. Em cadauma ocorre a mcidência dé nõrmás undicas, que déinm s direitos e� � � � �s deveres dós sujeitos. Há relação jurídica qnõ sê éXtmgile tão logo é�prouzido o seu efeito: a relação que se estabelece entre o passageiro�e o motorista de praça desaparece quando, no local de destino, o preçoda corrida é pago. Outras há cujos efeitos são duradouros, como sepassa nas relações matrimoniais. Na maior parte dos vínculos, os doissujeitos possuem direitos e deveres, como nas relações de emprego. Hárelações em que os poderes e as obrigaçôes são recíprocos e de igualconteúdo para as duas partes: dever de coabitação entre os cônjuges.

166. Formação da Relação Jurídica

As relações de vida formam-se em decorrência de determinadosfatores que aproximam os homens e os levam ao convívio. Tais fatoressão de natureza fisiológica, econôrica, moral, cultural, recreativa etc.�A necessidade que o homem possui de suprir as suas várias carênciasé que o induz à convivência. É pela vida associativa que obtém oscomplementos indispensáveis à sua sobrevivência, à satisfação de seusinstintos básicos, ao conhecimento das coisas e da própria natureza.São as relações intersubjetivas que formam o suporte ou a matéria dasrelações de direito. Quando essas relações de vida repercutem noequilíbrio social, não podem permanecer sob o comando aleatório daspreferências individuais. Nessa hipótese é mister a regulamentaçãojurídica. Uma vez subordinadas ao império da lei, as relações sociaisganham o qualitativo jurídico. Quanto às relações sociais que surgem espontaneamente e não emdecorrência de uma elaboração legal, conforme assinala Jean Dabin, háuma categoria que se revela legítima e outra que se forma de acordocom os princípios e valores sociais. Quanto às relações sociais consi-deradas negativas ou prejudiciais ao interesse coletivo, o Estado podeproibi-las mediante normas específicas. Tais relações passam a serconsideradas ilícitas e combatidas pelá çoorcitividade:estatal. A atitudequantó á essã cIasse de relação social poderá ser outra, contudo. Por arazões de oportunidade ou de impotência para controlá-la, o Estado é

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levado à tolerância. Não as proíbe, mas também não as declara lícitas.Quanto às relações sociais voluntárias, que beneficiam o interessecoletivo, além de reconhecer a sua licitude, o Estado poderá discipli-ná-las, se for conveniente, e até mesmo ajudá-las. � As relações jurídicas se formam pela incidência de normas jurí-dicas em fatos sociais. Em sentido am tos queinstauram, modificam ou exan;uem relações ,urídicas denominam-se�fatos jrccic`ós: Qúãndo ocorre um determinado acontecimento regula-� �do por regras de Direito, instaura-se uma relação jurídica. Se todarelação jurídica pressupõe uma relação de vida, Lebenverhaltniss, nemtoda relação social ingressa no mundo do Direito, mas apenas as quese referem aos interesses fu damentais de proteção à pessoa e aos��interesses coletivos. Assim, os víncul os de amizade, laços sentimentais,permanecem apenas no plano fático. É a politica juridica que indica ao legislador as relações sociaisque necessitam de regulamentação jurídica. O Estado possui a faculda-de de impor normas de conduta às diferentes questões sociais. Alegitimidade para a ação legislafiva, contudo, apresenta limites. Asrelações puramente espirituais, os fatos da consciência, escapam àcompetência do legislador, pois "o espí_rito _sopra onde cLue_r". Quandoas relações sociais se desenvolvem uormalmente pelos costumes, semacusar problemas de convivência, não é recomendável que a lei asdiscipline pois, além de inútil, pode quebrar a harmonia que esponta-neamente existe nas relações intersubjetivas.

167. Elementos da Relação Jurídica

Os elementos que integram a relação jurídica são os seguintes:sujeito ativo, sujeito passivo, vinculo de atributividade e objeto. O fatoe a norma jurídica, que alguns autores arrolam como elementos, sãoantes pressupostos da existência da relação jurídica.

1. Sujeitos da Relação Juridica - Entre os caracteres das relaçõesjurídicas, há a chamada alteridade, que significa a relação de homem

6 Cf. Jean Dabin, "Teorta General del Derecho", Editorial Revista de Derecho Privado,Madrid,1955, p.122.

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para homem. Nesse vínculo intersubjetivo, cada qual possui umasituação jurídica própria. Esta consiste na posição que a parte ocupa narelação, como titular de direito ou de dever. Denomina-se situaão�juridica ativa a que corresponde à posição do agente portador de direitosubjetivo e situação jccridica passiva, a do possuidor de deverjurídico.Parte é a pessoa ou conjunto de pessoas que possui uma situação I �jurídica ativa ou passiva. A referência que se faz com o vocábulo parteé para distinguir os participantes da relação dos chamados terceiros,que são pessoas alheias ao vínculo jurídico. Denomina-se sujeito ativo a pessoa que, na relação, ocupa asituação juridica ativa; é o portador do direito subjetivo que tem opoder de exigir do sujeito passivo o cumprimento do dever jurídico.Como na maioría das relações jurídicas as duas partes possuem direitose deveres entre si, sujeito ativo é o credor da prestação principal. Sujeitoativo ou titular do direito é a pessoa natural ou jurídica. Na opinião deJean Dabin, há muitas regrasjurídicas que não apresentam sujeito ativo,como as relativas ao sistema da tutela, domicílio ou as que são ditadasem interesse de terceiros em geral. Daí o antigo professor da Universi-dade de Louvain considerar "um erro representar-se o mundo doDireito, sob o pretexto de que rege as relações dos homens entre si,como uma rede de laços de direito e obrigações entre pessoas deter-�minadas." Mas, se é possível uma norma jurídica que não apresente�sujeito ativo, tal não é admissível quanto às relações jurídicas. Sujeito passivo é o elemento que integra a relação jurídica com aobrigação de uma conduta ou prestação em favor do sujeito ativo. Osujeito passivo é o responsável pela obrigação principal. Sujeito ativoe passivo apresentam-se sempre em conjunto nas relações jurídicas.Um não pode existir sem o outro, do mesmo modo que não existe direitoonde não há dever. A relação jurídica que envolve apenas duas pessoas é denomina-da simples. Plurilateral é a relação em que mais de uma pessoaapresenta-se na situação jurídica ativa ou passiva.g Quanto aos sujeitosainda, as relações podem ser relativas ou absolutas. Relativa é aquelaem que uma pessoa ou um grupo de pessoas figura como sujeito passivo.Absoluta é quando a coletividade se apresenta como sujeito passivo, o

7 Jean Dabin, np. cit., p. 128.8 Terminologia empregada por Alessandro Groppali, Introdução ao Estudo do Direito,ed. cit., p. l40.

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que ocorre, v, g., quanto ao direito de propriedade e nos dirfpersonalíssimos, em que todas as pessoas têm o dever de respeitá·investindo-se, pois, na situaçãojurídica passiva. A relaçãojurídica íser de Direito Público ou de Direito Privado. A primeira hipóltambém denominada relação de subordinação, ocorre quando o Esparticipa na relação como sujeito ativo, impondo o seu imperium.1Direito Privadó, ou de coordenação, quando é integrada por particulem úm plano de igualdade, podendo o Estado nela participar mas dique não investido de sua autoridade.

2. Vinculo de Atributividade - No dizer de Miguel Reale, 'vínculo que confere a cada um dos participantes da relação o podepretender ou exigir algo determinado ou determinável". O víncul �atributividade pode ter por origem o contrato ou a lei.9

3. Objeto - O vinculo existente na relação jurídica está senem função de um objeto. As relações jurídicas são estabelecidas vi;do a um fim específico. A relação jurídica criada pelo contratccompra e venda, por exemplo, tem por objeto a entrega da ccenquanto que no contrato de trabalho o objeto é a realização do trabaÉ sobre o objeto que recai a exigência do sujeito ativo e o deveisujeito passivo. Ahrens, Vanni e Coviello, entre outrosjuristas, distinguem obde conteúdo da relação jurídica. O objeto, também denominado obimediato, é a coisa em que recai o poder do sujeito ativo, enquanto �cónteúdo, ou objeto mediato, é o fim que o direito garante. O obje -��o meio para se atingir o fim, enquanto que o fim garantido ao sujeitoativo denomina-se conteúdo. Flóscolo da Nóbrega, com clareza, exem-plifica: "na propriedade, o conteúdo é a utilização plena da coisa, oobjeto é a coisa em si; na hipoteca, o objeto é a coisa, o conteúdo é agarantia à dívida; na empreitada, o conteúdo é a realização da obra, oobjeto é prestação do trabalho; numa sociedade comercial, o conteúdosão os lucros procurados, o objeto é o ramo de negócio explorado."' � No estudo do objeto da relação jurídica, várias questões ainda seacham pendentes de definição doutrinária. Entre os autores não háuniformidade de pensamento. Hübner Gallo, nesse sentido, afirmou:

9 Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito, ed. cit., p. 214.10 Flóscolo da Nóbrega, Introdugão ao Direito, 5' ed., José Konfino, Editor, Rio deJaneiro,1972, p. 161.

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"está por elaborar-se uma teoria geral do objeto do direito, ponto sobreo qual existe notória confusão e disparidade de critérios ..." " O objeto da relação jurídica recai sempre sobre um bem. Emfunção deste, a relação pode ser patrimonial ou não-patrimonial,conforme apresente um valor pecuniário ou não. Autores há que iden-tificam o elemento econômico em toda espécie de relação jurídica, sobo fundamento de que a violação do direito alheio provoca uma indeni-zação em dinheiro. Conforme observa Icílio Vanni, há um equívocoporque na hipótese de danos morais, o ressarcimento em moeda seapresenta apenas como um sucedâneo, uma compensação que tem lugarapenas quando a ofensa à vítima acarreta-lhe prejuízo, direta ou indi-retamente, em seus interesses econômicos. A indenização não é medidapelo valor do bem ofendido, mas pelas conseqüências decorrentes dalesão ao direito. A doutrina registra, com muita divergência, que o poder jurídicode uma pessoa recai sobre: a) a própria pessoa; b) outras pessoas; c)coisas. Quanto à possibilidade de o poder jurídico incidir sobre aprópria pessoa, alguns autores a rejeitam, sob a alegação de que não épossível, do ponto de vista da lógicajurídica, uma pessoa ser, ao mesmotempo, sujeito ativo e objeto da relação. Tendo em vista o progresso daciência, que tornou possíveis conquists extraordinárias, como a de um�ser vivo ceder a outro um órgão vital, parte de seu corpo, em face doelevado alcance social e moral que esse fato apresenta, entendemos quea Ciência do Direito não pode recusar essa possibilidade, devendo, sim,a lógica jurídica render-se à lógica da vida. Dentro dessa ordem de indagação, surge um problema apresen-tado por João Arruda: o indivíduo possui direito sobre as peças anatô-micas destacadas de seu corpo? Extirpado um órgão do corpo humano ,esse pode ser apropriado pelo cirurgião? João Arruda defendeu a tesede que "o homem tem direito às diferentes partes do seu corpo, mesmoquando essas partes sejam deste separadas... não se dá aí direito aomédico, pelo corte de uma parte do corpo, ou ao dentista pela extraçãode dentes, é que não há, nesses casos, como se diz, a ocupaÇãodeterminando a propriedade do operador".'2 Entendemos que o aspectojurídico desta matéria acha-se inteiramente subordinado aos valoresmorais. O Direito Positivo deve consagrar alguns princípios apenas

ll Jorge I. Hilbner Gallo, op. cit., p. 224.12 João Arruda, op. cit., p. 40.

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para admitir, em tal hipótese, que a pessoa autorize ou não umadestinação nobre para o órgão extraído de seu corpo. Quanto à possibilidade de o poder jurídico recair sobre outrapessoa, a maior parte da doutrina revela-se contrária, destacando-se,nesse sentido, as opiniões de Luis Legaz y Lacambra e Luis RecasénsSiches. Entre nós, Miguel Reale admite que uma pessoa possa serobjeto de direito, sob a justificativa de que "tudo está em considerar apalavra `objeto' apenas no sentido lógico, ou seja, como a razão emvirtude da qual o vínculo se estabelece. Assim a lei civil atribui ao paiuma soma de poderes e deveres quanto à pessoa do filho menor, que éa razão do instituto do pátrio poder."'3

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário: 165 - Giuseppe Lumia, Principios de Teoria e Ideologia del Derecho; JoséMarta Rodrtguez Paniagua, Ley y Derecho; 166 - Jean Dabin, Teoria General del Derecho; 167 - Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito; Ialio Vanni, Gições deFilosofia do Direito; João Arruda, Filos.ofia do Direito; Jorge I. Hübner Gallo,Introducción al Derecho.

13 Miguel Reale, Gições Preliminare.s de Direito. ed. cit., p. 216.

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Capítulo XXX

DIREITO SUBJETIVO

Sumário: l68. Origem do Direito Subjetivo e Aspectos Gerais. 169. Con- ceito de Direito Subjetivo. I70. Situações Subjetivas. l7l. A Natureza do Direito Subjetivo - Teorias Principais. 172. Classificação dos Direitos Subjetivos. l73. Aquisição, Modificações e Extinção dos Direitos.

168. Origem do Direito Subjetivo e Aspectos Gerais

O quadro social registra um permanente movimento de forças individuais e coletivas, que lutam pel'a obtenção e eficácia de direitos subjetivos. Nas relações de vida, cada qual procura assumir a posição de comando, de senhorio, de titular de direitos. No meio civilizado, o ter e o poder decorrem dc direitos subjetivos, constituídos à luz do ordenamento jurídico. O esforço pela conquista e firmeza de direitos não se limita ao plano amistoso. Quando não é possível o diálogo e o entendimento, os tribunais podem definir a existência de direitos e seus respectivos titulares. O significado dos direitos subjetivos é tão amplo, que se pode dizer, ainda, que o próprio Direito Positivo é institufdo para defini-los e para determinar a sua forma de aquisição e tutela. Esta é a dimensão de importância do presente capítulo de estudo. Enquanto para muitos autores a distinção entre o Direito objetivo e o subjetivo era familiar aos romanos, Michel Villey defende a tese de que para o Direito Romano clássico, o seu de cada am era apenas o resultado da aplicação dos critérios da lei, "uma fração de coisas e não um poder sobre as coisas". Para o ilustre professor da Universidade de Paris, "o jus é definidono Digesto como o que é justo (id quod jistum� � est); aplicado ao indivíduo, a palavra designará a parte justa que Ihe deverá ser atribuída (jus suum cuique tribuendi) em relação aos outros,

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neste trabalho de repartição (tributio) entre vários que é a arte dojurista".' A idéia do direito como atributo da pessoa e que lhe proporcionabenefício, somente teria sido claramente exposta, no século XIV, porGuilherme de Occam, teólogo e filósofo inglês, na polêmica que travoucom o Papa João XXII, a propósito dos bens que se achavam em poderda Ordem Franciscana. Para o Sumo Pontífice, aqueles religiosos nãoeram proprietários das coisas, não obstante o uso que delas faziam hálongo tempo. Em defesa dos franciscanos, Guilherme de Occam de-senvolve a sua argumentaçãc, na qual distingue o simples uso por�concessão e revogável, do verdadeiro direito, que não pode ser desfeito,salvo por motivo especial, hi;ótese em que o titular do direito poderia�reclamá-lo emjuízo. Occam :eria, assim, considerado dois aspectos do�direito individual: O poder de agir e a condifão de reclamar em juizo. No processo de fixação do conceito de direito subjetivo, foi�importante a contribuição da escolástica espanhola, principalmenteatravés de Suárez, que o definiu como "o poder moral que se tem sobreuma coisa própria ou que de alguma maneira nos pertence".z Posterior-mente, Hugo Grócio admitiu o novo conceito, também aceito por seuscomentaristas Puffendorf, Feltmann, Thomasius, integrantes da Escolado Direito Natural. É reconheidarespecial importância à adesão de�Christian Wolf (1679-1754) ao novo conceito, sobretudo pelagrandepenetração de sua doutrina nas universidades européias. O termo direito subjetivo é de formação relativamente recente,pois data do século XIX. Para Ariel Alvarez Gardiol, a denominaçãonão é própria, porque tanto o subjectum juris quar;to a norma agóndisão, na realidade, objetivos.; Enquanto o vocábulo direito apresenta) ,essa dualidade de sentidos em várias línguas, os ingleses identificam o !direito subjetivo pela palavra right e designam o direito objetivo porlaw, que também significa lei. Na língua alemã, Recht expressa oDireito objetivo e Berechtigung, o direito subjetivo. Nas línguas neo-latinas, notadamente, o vocábulo direito apresenta esse duplo aspectoe é pelo sentido completo da frase que se distingue uma acepção da

1 Michel Villey, Filosofla do Direito - Definições e Fins do Direito, 1' ed., EditoraAtlas S.A., São Paulo, 1977, p.120.2 Apud José Maria Rodrtguez Paniagua, op. cit., p. 53.3 Ariel Alvarez Gardiol, op. cit., p. 68.

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outra. Quando se diz "ter direito a ..." e geralmente quando se colocao substantivo no plural, direitos, a referência é ao direito subjetivo. Pela doutrina tradicional, enquanto o Direito objetivo era chama-do por norma agendi, designando o conjunto de preceitos que organizaa sociedade, o subjetivo foi conceituado como facultas agendi, ou seja,como faculdade de agir garantida pelas regras jurídicas. Modernamen-te, com a distinção que se faz entre direito subjetivo e faculdadejurídica, tal colocação já se acha superada, mas conservando a virtudede indicar o Direito objetivo e o subjetivo "de maneira complementar ,um impensável sem o outro".4

169. Conceito de Direito Subjetivo

O direito subjetivo apresenta-se sempre em relaçãojurídica. Ape-sar de relacionar-se com o Direito objetivo, ele se opõe correlativamen-te é ao dever jurídico. Um não existe sem o outro. O sujeito ativo darelação é o portador de direito subjetivo, enquanto o sujeito passivo éo titular de dever jurídico. Este possui o encargo de garantir algumacoisa àquele. O direito subjetivo apresenta duas esferas: a da licitude ea da pretensão. A primeira corresponde ao âmbito da liberdade dapessoa, agere licere, pelo qual pode movimentar-se e atuar na vidasocial, dentro dos limites impostos a todos pelo ordenamento jurídico.É ele quem garante a conduta livre dos indivíduos, porque o Direitoobjetivo impõe a toda a coletividade o deverjurídico de respeitar essafaixa de liberdade, bem como a integridade física e moral de cada um.5De acordo com a observação feita por Recaséns Siches, não se devedizer, propriamente, que se tem direito às simples condutas, como a detransitar pelas ruas ou a de fumar, mas sim que se tem direito de agirlivremente sem ser impedido ou molestado, por qualquer pessoa.b Essedireito se constitui pelo que a doutrina atual denomina por reversomaterial dos deveres juridicos de outros sujeitos, quer dizer, a existên-cia do direito decorrente do dever jurídico, que todos os membros dasociedade possuem, de respeitar a liberdade individual. A pretensâo é

4 Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito, ed. cit., p. 248.5 Cf. Giuseppe Lumia, op. cit., p. 99.6 Luis Recaséns Siches, Tratado General de Filosofia del Derecbo,5' ed., EditorialPorrua, S.A., México,1975, p. 235.

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a aptidão que o direito subjetivo oferece ao seu titular de recorrer à viajudicial, a fim de exigir do sujeito passivo a prestação que lhe é devida.' O direito subjetivo decorre da incidência de normas jurídicassobre fatos sociais. As regras podem qualificar os direitos tanto pelaimposição de deveres jurídicos aos sujeitos que se encontrem emdeterminadas situações ou reconhecendo, diretamente, vantagens aosportadores de situações jurídicas específicas. O direito subjetivo con-siste, assim, na possibilidade de agir e de exigir aquilo que as normasde Direito atribuem a alguém como próprio. Na ordem social, é o Direito objetivo que define os direitossubjetivos, enquanto que, no plano moral, pode-se cogitar, confvrmeJean Dabin, do chamado direito subjetivo moral. Se, do ponto de vistacientífico, o direito subjetivo decorre da Direito objetivo, não se podenegar que, no plano ilosófico, o ordenamentojurídico é instaurado coma finalidade de amparar os direitos humanos. Ao requerer algumaprovidênciajudicial, o interessado deve fundamentar o seu pedido, nãona ordem natural das coisas, ou simplesmente na existência do bemmoral, mas em determinados dispositivos que integram o ordenamentojurídico. Para ojurista Pontes de Miranda, a existência do direito subjetivopressupõe a antecedente existência de normas jurídicas: "Direito obje-tivo é a regrajurídica, antes, pois, de todo direito subjetivo e não-sub-jetivado. Só após a incidência de regrajurídica é que os suportes fáticosentram no mundo jurídico, tornando-se fatos jurídicos. Os direitossubjetivos em todos os demais efeitos são eficácia do fato jurídico;portanto, posterius."R Na doutrina exposta por San Tiago Dantas, o direito subjetivopode ser identificado por três elementos: a) põrque a um direito corres- .ponde um deverjurídico; b) porque esse direito é passível de violação,mediante o não-cumprimento do deverjurídico pelo sujeito passivo darelação jurídica; c) porque o titular do direito pode exigir a prestaçãojurisdicional do Estado, ou seja, tem a iniciativa da coerção. Com basenessa orientação segura do notável civilista pátrio, descartamos apossibiltdade de se considerar direito subjetivo ao que Recaséns Siches

7 A doutrina processual admite que o direito de ação é desvinculado do direito subjetivo.Logicamente não seria possível condicionar a instância judicial ao direito subjetivo, poisa apreciação jã implicaria julgamento.8 Pontes de Miranda,Tratado de Direito Privado, ed. cit., vol. I, p. 5.

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i denomina "o direito subjetivo como poder de formação jurídica",y pelo qual a pessoa pode praticar atos jurídicos em sentido amplo, como o de outorgar um testamento. Esta prática, como as demais que decorrem do principio da autonomia da vontade,'' não constitui um direito subjeti-� vo, porque não se opõe a qualquer dever jurídico. Configura, sim, a chamada facccldade juridica. A possibilidade jurídica de se contrair matrimônio, emancipar o filho menor, doar bens, é mera faculdade que decorre da permissibilidade legal. Quando se afirma que o trabalhador possui direito a receber salário, a situaçãojurídica desse, efetivamente, é a de portador de direito subjetivo porque, correlativamente, a empresa se apresenta com o dever jurídico; pode ocorrer a hipótese de esse direito ser violado pelo sujeito passivo da relação jurídica e o seu titular fazer valer a sua pretensão na justiça.

170. Situações Subjetivas

Para Miguel Reale, o direito subjetivo é uma espécie do gênero situação sccbjetiva, que define como s a possibilidade de ser, pretender ou fazer algo, de maneira garantida, nos limites atributivos das regras de direito". Interesse legítimo, poder e faculdade são as outras espécies. Interesse legítimo é a condição preliminar indispensável à postu- lação em juízo, segundo a qual o interessado evidencia a relevância do objeto questionado. Ao receber a petição do advogado, cumpre ao juiz verificar se a matéria envolve legítimo interesse econômico ou moral. Ao proceder a tal exame, o magistrado não atinge o mérito, apenas aprecia se a questão envolve pelo menos um desses valores. Poder é a situação subjetiva que retrata a condição da pessoa que está obrigada, por força de lei, a fazer alguma coisa em benefício de alguém, inves- tindo-se de autoridade. É a hipótese do pátrio poder, que não chega a ser direito subjetivo dos pais, pois não há dever jurídico por partes dos filhos. Giuseppe Lumia, que prefere a denominação potestade, oferece

9 Luis Recaséns Siches, Tratado General de Filosofía del Derecho, ed. cit., p. 237. 10 É o princípio pelo qual o indivíduo tem a liberdade de praticar atosjurídicos lato sensu, de firmar contratos de natureza vária e com as condições que lhe aprouver.

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também, como exemplo, os poderes atribuídos a quem possui o deverde gerir a administração pública no interesse da coletividade." A faculdade juridica, que Ferrara definiu como "o poder que osujeito possui de obter, por ato próprio, um resultado jurídico indepen-dentemente de outrem", classifica-se de acordo com a natureza de seusefeitos e pelos seguintes modos: a) a faculdade de criar determinadosefeitos jurídicos, como a de se adotar uma criança; b) a faculdade deextinguir determinados efeitos jurídicos, como a que possui o sócio deuma empresa, para dissolver a sociedade; c) a faculdade de se alteraremefeitos jurídicos, como a do casal que, por mútuo consentimento,promove a sua separação judicial; d) a faculdade de transmitir a outraspessoas determinados efeitos jurídicos, como se verifica nos casos dealienação de bens ou cessão de créditos.'2 A distinção entre o direitosubjetivo e a faculdade jurídica não significa, contudo, que se achaminteiramente desvinculados. Há determinadas faculdades que decor-rem da existência do direito subjetivo, como a de doar um certo bem,que pressupõe o direito de propriedade.

171. A Natureza do Direito Subjetivo - Teorias Principais

Sobre a natureza do direito sutljetivo há várias concepções, entreas quais destacam-se:

1. Teoria da vontade - Para Bernhard Windscheid ( 1817 - I 892),jurisconsulto alemão, o direito subjetivo "é o poder ou senhorio davontade reconhecido pela ordem jurídica". O maior crítico dessa teoriafoi Hans Kelsen, que através de vários exemplos a refutou, demons- ,� �trando que a existência do direito subjetivo nem sempre depende davontade de seu titular. Os incapazes, tanto os menores como os privadosde razão e os ausentes, apesar de não possuírem vontade no sentidopsicológico, têm direito subjetivo e os exercem através de seus repre-sentantes legais. Reconhecendo as críticas, Windscheid tentou salvar asua teoria, esclarecendo que a vontade seria a da lei. Para Del Vecchio,a falha de Windscheid foi a de situar a vontade na pessoa do titular inconcreto, enquanto que deveria considerar a vontade como simples

11 Giuseppe Lumia, op. cü., p. 106.12 San Tiago Dantas, op. cit., p. 153.

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potencialidade. A concepção do jusfilósofo italiano é uma variante dateoria de Windscheid, pois também inclui o elemento vontade (querer)em sua definição: "a faculdade de querer e de pretender, atribuída a umsujeito, à qual corresponde uma obrigação por parte dos outros."'3

2. Teoria do Interesse - Rudolf von Ihering (1818-1892), juris-consulto alemão, centralizou a idéia do direito subjetivo no elementointeresse, afirmando que direito subjetivo seria "o interesse uridica-mente protegido". As críticas feitas à teoria da vontade são repetidasaqui, com pequena variação. Os incapazes, não possuindo compreensãodas coisas, não podem chegar a ter interesse e nem por isso ficamimpedidos de gozar de certos direitos subjetivos. Considerado o ele-mento interesse sob o aspecto psicológico, é inegável que essa teoriajá estaria implícita na da vontade, pois não é possível haver vontadesem interesse. Se tomarmos, porém, a palavra interesse não em carátersubjetivo, de acordo com o pensamento da pessoa, mas em seu aspectoobjetivo, verificamos que a definição perde em muito a sua vulnerabi-lidade. O interesse, tomado não como "o meu" ou "o seu" interesse, mastendo em vista os valores gerais da sociedade, não há dúvida de que éelemento integrante do direito subjetivo, de vez que este expressasempre interesse de variada natureza"eja econômica, moral, artística�etc. Muitos criticam ainda esta teoria, entendendo que o seu autorconfundiu a finalidade do direito subjetivo com a natureza.

3. Teoria Eclética - Georg Jellinek ( 1851-1911), jurisconsultoe publicista alemão, considerou insuficientes as teorias anteriores ,julgando-as incompletas. O direito subjetivo não seria apenas vontade,nem exclusivamente interesse, mas a reunião de ambos. O direitosubjetivo seria "o bem ou interesse protegido pelo reconhecimento dopoder da vontade". As críticas feitas isoladamente à teoria da vontadee à do interesse foram acumuladas na presente.

4. Teoria de Duguit-Seguindo a linha de pensamento de AugustoComte, que chegou a afirmar que "dia chegará em que nosso únicodireito será o direito de cumprir o nosso dever ... Em que um DireitoPositivo não admitirá títulos celestes e assim a idéia do direito subjetivodesaparecerá ..." , Léon Duguit ( 1859 -1928),jurista e filósofo francês ,

I3 Giorgio del Vecchio, Lições de Fifn.eofia do Direito, ed. cit., vol. II, p. 182.�

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no seu propósito de demolir antigos conceitos consagrados pela tração, negou a idéia do direito subjetivo, substituindo-o pelo conceitofunção social. Para Duguit, o ordenamento jurídico se fundamenta nna proteção dos direitos individuais, mas na necessidade de manteestrutura social, cabendo a cada indivíduo cumprir uma função soci

5. Teoria de Kelsen - Para o renomado jurista e filósofo austría �a função básica das normas jurídicas é a de impor o dever e, secuncriamente, o poder de agir. O direito subjetivo não se distingue, �essência, do Direito objetivo. Afirmou Kelsen que "o direito subjetinão é algo distinto do Direito objetivo, é o Direito objetivo mesmo,vez que quando se dirige, com a conseqüência jurídica por ele estallecida, contra um sujeito concreto, impõe um dever, e quando se colcà disposição do mesmo, concede uma faculdade". Por outro lacreconheceu no direito subjetivo apenas um simples reflexo de um de �jurídico, "supérfluo do ponto de vista de uma descrição cientificamelexata da situação jurídica"."

172. Classificação dos Direitos Subjetivos

A primeira classificação que apresentamos sobre o direito subtivo refere-se ao seu eonteúdo , figurando, como divisão maiorrelativa ao Direito Público e Direito Privado.'5

l. Direitos Subjetivos Públicos - A distinção entre o direitosubjetivo público e o privado toma por base a pessoa do sujeito passivoda relação jurídica. Quando o obrigado for pessoa de Direito Público,o direito subjetivo será público e, inversamente, quando na relaçãojurídica o obrigado for pessoa de Direito Privado, o direito subjetivoserá privado. Esta distinção não é antiga, de vez que até há poucotempo, relativamente, não se admitia a existência de direito subjetivopúblico, em face da idéia predominante de que o Estado, como autor eresponsável pela aplicação do Direito, não estaria sujeito às suasnormas. O direito subjetivo público divide-se em direito de liberdade,

14 Hans Kelsen, np. cit., vol. I, p. 248.15 O presecte esquema baseia-se na classificação apresentada pelo Prof. Flóscolo daNóbrega, em sua Introdução an Estudo dn Direito, ed. cit., p. 159.

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de ação, de petição e direitos políticos. Em relação ao direito deliberdade, na legislação brasileira, como proteção fundamental, há osseguintes dispositivos: A) Constitccição Federal: item II do art. 5o - "Ninguém seráobrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude delei" (princípio denominado por norma de liberdade);

B) Código Penal: art.146, que complementa o preceito constitu-cional - "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, oudepois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade deresistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela nãomanda - pena ..." (delito de constrangimento ilegal);

C) Constitccição Federal: item LXVIII do art. So - "Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado desofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilega-lidade ou abuso de poder." O direito de aÇão consiste na possibilidade de se exigir do Estado,dentro das hipóteses previstas, a chamada prestação jurisdicional, istoé, que o Estado, através de seus órgãos competentes, tome conhecimen-to de determinado problemajurídico oncreto, promovendo a aplicação�do Direito. O direito de petição refere-se à obtenção de informação adminis-trativa sobre assunto de interesse do requerente. A Constituição Fede-ral, no item XXXIV, a, do art. So, prevê tal hipótese. Qualquer pessoapoderá requerer aos poderes públicos, com direito à resposta. É através dos direitos politicos que os cidadãos participam dopoder. Por eles os cidadãos podem exercer as funções públicas tantono exercício da função executiva, legislativa ou judiciária. Incluem-se,nos direitos políticos, os direitos de votar e de ser votado.

2. Direitos Subjetivos Privados - Sob o aspecto econômico, osdireitos subjetivos privados dividem-se em patrimonais e não-patri-�moniais. Os primeiros possuem valor de ordem material, podendo serapreciados pecuniariamente, o que não sucede com os não-patrimo-niais, de natureza apenas moral. Os patrimoniais subdividem-se emreais, obrigncionais, sucessórios e intelectccais. Os direitos reais - jurain re - são aqueles què têm por objeto um bom móvel ou imóvel, comoo domínio, usufruto, penhor. Os obrigacionais, também chamados decrédito ou pessoais, têm por objeto uma prestação pessoal, çomo ocorre

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no mútuo, contrato de trabalho etc. Sucessórios são os direitos quesurgem em decorrência do falecimento de seu titular e são transmitidosaos seus herdeiros. Finalmente, os direitos intelectuais dizem respeitoaos autores e inventores, que têm o privilégio de explorar a sua obra,com exclusão de outras pessoas. Os direitos subjetivos de caráter não-patrimonial desdobram-seem personalíssimos e familiais. Os primeiros são os direitos da pessoaem relação à sua vida, integridade corpórea e moral, nome etc. Sãotambém denominados inatos, porque tutelam o ser humano a partir doseu nascimento. Já os direitos familiais decorrem do vínculo familiar,como os existentes entre os cônjuges e seus filhos. A segunda classificação dos direitos subjetivos refere-se à suaeficácia. Dividem-se em absolutos e relativos, transmissíveis enão-transmissíveis, principais e acessórios, renunciáveis e não-re-nunciáveis. 1. Direitos absolutos e relativos - Nos direitos absolutos a cole-tividade figura como sujeito passivo da relação. São direitos que podemser exigidos contra todos os membros da coletividade, por isso sãochamados erga omnes. O direito de propriedade é um exemplo. Osrelativos podem ser opostos apenas em relação a determinada pessoaou pessoas, que participam da relaçáo jurídica. Os direitos de crédito,de locação, os familiais são alguns exemplos de direitos que podem serexigidos apenas contra determinada ou determinadas pessoas, com asquais o sujeito ativo mantém vínculo, seja decorrente de contrato, deato ilícito ou por imposição legal.

2. Direitos transmissiveis e não-transmissiveis - Como os nomes h�indicam, os primeiros são aqueles direitos subjetivos que podem passarde um titular para outro, o que não ocorre com os não-transmissíveis,seja por absoluta impossibilidade de fato ou por impossibilidadelegal. Os direitos personalíssimos são sempre direitos não-transmis-síveis, enquanto os direitos reais, em princípio, são transmissíveis.

3. Direitos principais e acessórios - Os primeiros são indepen-dentes, autônomos, enquanto que os direitos acessórios estão na depen-dência do principal, não possuindo existência autônoma. No contratode mútuo, o direito ao capital é o principal ,e o direito aos juros éacessório.

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4. Direitos renunciáveis e não-renunciáveis - Os direitos renun-ciáveis são aqueles que o sujeito ativo, por ato de vontade, pode deixara condição de titular do direito sem a intenção de transferi-lo a outrem,enquanto que nos irrenunciáveis tal fato é impraticável, como se dá comos direitos personalíssimos.

173. Aquisição, Modificações e Extinção dos Direitos

1. Aquisição - Os direitos subjetivos não são eternos e nem�imutáveis. Estão sujeitos a uma evolução análoga à dos seres vivos,pois nascem, duram e perecem. Alguns acompanham a pessoa a partir ido nascimento, como os direitos personalíssimos, outros são adquiridosdurante a existência. A aquisição é um fato pelo qual alguém assumea condição de titular de um direito subjetivo. Duas razões podem ditar�seu aparecimento: a) determinaÇão da lei (.open legis), como no direitoà vida, à honra etc.; b) por ato de vontade, em que surge pela práticade ato jurídico. A aquisição pode decorrer de um ato exclusivo doagente, como na ocupação; por ato de outra pessoa, como no testamen-to; por ato conjunto de pessoas, comrs nos contratos. A aquisição do direito subjetivo pode ocorrer por dois motivos:originário e derivado. Na aquisição originária o direito não decorre deuma transmissão, mas se manifesta autonomamente com o seu titular. iExemplo: o direito que se adquire com a caça de um animal.' Já na�aquisição derivada ocorre apenas mudança ou transferência de titulari- ' "dade do direito. Esta modalidade divide-se em duas espécies: transla-tiva e constitutiva. Pela primeira, o direito se transfere integralmenteao novo titular, como na hipótese de venda de um prédio. Pela segundaespécie, constitutiva, o antigo titular conserva algum poder sobre obem, como se dá no caso de desmembramento do direito de proprieda-de, em que o antigo titular transfere apenas a nuda proprietas, conser-vando o direito de usufruto. Os modos distintos de aquisição não apresentam iguais reflexos.A aquisição originária não está sujeita a vícios, porque o diceito nãopossui qualquer vínculo com o passado, não possui história. Já o direitoque decorre de aquisição derivada, pode apresentar um condicionamen-

16 As coisas sem dono são chamadas rcs nullius.

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to anterior que o macule, como na hipótese de compra de um objetofurtado.

2. Modificações - A modificação de um direito subjetivo podeocorrer sob variados modos. Alessandro Groppali distingue a modifi-cação em subjetiva e objetiva. Na primeira espécie, ocorre a mudançado titular do direito ou do dever jurídico, que pode operar-se por atointer vivos ou mortis causa. A modificação objetiva é a transformaçãoque alcança o objeto. Isto pode ocorrer sob o aspecto quantitativo,quando o objeto sofre uma diminuição, na hipótese, v.g., de alienaçãode parte de um terreno, ou com um acréscimo, como na modificaçãoque surge por aluvião."

Do ponto de vista do objeto a mudança pode ser também qualita-tiva, como ocorre na situação em que o dono de um imóvel, gravadocom a cláusula de inalienabilidade, obtém a sub-rogação do seu direitoem outro imóvel de característica equivalente.

3. ExtinÇão - O direito subjetivo pode extinguir-se com o pereci-mento do objeto, alienação, renúncia, prescrição e decadência.

3.1. Perecimento do Ohjeto - Dispõe o Código Civil, em seu art.77, que "perece o drreito, perecendo o seu objeto". Se o direito recaisobre a coisa e esta perde as suas qualidades essenciais ou o valoreconômico, considera-se extinto o direito. Igual efeito jurídico se dáquando o objeto se confunde com o outro, do qual não possa se destacare na hipótese, ainda, em que se localize em lugar inacessível, como é asituação de um objeto que é lançado em um abismo ou no fundo do mar.

3.2. Alienação - É a transferência do direito, a título gratuito ouoneroso.

3.3. Renúncia - Consiste no ato espontâneo pelo qual alguém seabdica de um direito, como no caso de um herdeiro que não aceita aherança.

17 Aluvião é o fcnômeno natural que consiste no acúmulo de terras em uma propriedadcribeirinha, pelo processo lento de depósito feito pelas ãguas de um rio.

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3.4. PrescriÇão - A prescrição é a perda do direito de ação pelodecurso do tempo. Com ela, o direito não desaparece, mas fica semmeios de obter a proteção judicial, em decorrência da inércia de seutitular, que não movimentou o seu interesse em tempo hábil. A partirdo momento em que se patenteie o "interesse e legitimidade",'R ointeressado tem um determinado prazo para fazer valer o seu direito dequestionar em juízo. O ilustre civilista San Tiago Dantas vinculou anoção de prescrição à ocorrência de uma lesão do direito: "Não surgeo problema da prescrição, enquanto não há uma lesão do direito ... Aprescrição nada mais é do que a convalescença da lesão do direito pelonão exercício da ação ... Quer dizer que a prescrição conta-se sempreda data em que se verificou a les ;-3 do direito".'9 O pressuposto para o�direito de ação, contudo, não é a lesão do direito, como apontou SanTiago Dantas, mas a existência de interesse e legitimidade. Dentrodaquele raciocínio, todo aquele que ingressasse emjuízo teria direito econseqüentemente, deveria ganhar a ação. A processualística modernaconcebe o direito de ação como direito autônomo, independente daexistência de um direito subjetivo. A prescrição é instituída, conforme diz Machado Paupério, "comomeio de paz social, para não eternizar as querelas".2" Além da prescriçãoextintiva do direito de ação, há também a chamada prescrição aquisitiva,que se refere à obtenção de um direito pelo decurso do tempo, como nousucapião, em que a posse mansa e pacífica, durante um prazo estabele-cido em lei (5,10,15 ou 20 anos), dá ao usucapiente o direito à coisa.

3.5. Decadência - A decadência é uma figura que se assemelha àprescrição mas que produz efeitos distintos. Consiste na perda de um , .h�direito pel,o decurso do tempo. Enquanto que a prescrição fulminaapenas o direito de ação, pela decadência extingue-se inteiramente odireito. O fundamento social da decadência é o mesmo que o daprescrição. Tutela-se o valor segurança jurídica das pessoas. Não éjusto, conforme observa San Tiago Dantas, "que se continue a expor aspessoas à insegurança que o direito de reclamar mantém sobre todos '. :í ,como uma espada de Dâmocles. "2'Além de produzirem efeitos diferen- i' i!

18 Em seu art. 3a, o Código de Processo Civil dispõe: "Para propor ou contestar ação énecessário ter interesse e legitimidade."19 San Tiago Dantas, op. ctt., ps. 399 e 401.20 Machado Paupério, op. cit., p. 267.21 San Tiago Dantas, op. cit., p. 397.

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tes quanto ao direito, distinguem-se também, prescrição e decadência,quanto a outras particularidades: enquanto que há fatos que interrom-pem o prazo prescricional, o prazo de decadência não se interrompe; aprescrição, para produzir efeito judicialmente, deve ser alegada pelointeressado, que poderá fazê-lo em qualquer tempo; a decadência podeser declarada ex off cio pelo juiz.

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário:

168 - Michel Villey, Filvsofia do Direito - Definições e fins do Direito; JoséMaria Rodríguez Paniagua, Ley y Derecho; 169 - Giuseppe Lumia, Principios de Teoria e Ideologia del Derecho; LuisRecaséns Siches, Trataáo General de Filosofia del Derecho; San Tiago Dantas,Programa de Direito Civil; 170-Miguel Reale, Lições Preliminares de Direitu; Giuseppe Lumia, op. cit.;San Tiago Dantas, op. cit.; 171 - Eduardo García Máynez, Intrnclucciún al Estudio del Derecho; HansKelsen, Teoria Pura du Direito, vol.l; 172 - Eduardo García Máynez, op. cit.; Flóscolo da Nóbrega, Introdução aoDireitn; Carlns Muuchet y Zorraquin Bec., Indroducción al Derechu;� 173 - Alessandro Groppali, Introdação ao Estudo do Direito; Hermes Lima,Introdução à Ciência do Direito; Machado Paupério, Introdução à Ciência doDireito; San Tiago Dãntas, op.cit.

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Capítulo XXXI

DEVER JURfDICO

Sumário:174. Consideraçõe Prévias. 175. .Aspecto Histórico. I76. Con-� ceito de Dever Juridico. 177. Espécies de Dever Juridico. l78. Axiomas de L,ógica Juridica.179. Dever Juridico e Efetividadc· clo Direito.

174. Considerações Prévias

Com a matéria do presente capítulo, completa-se o ciclo deestudos intitulado relações jurídicas. Os diversos assuntos já abordadosnesta unidade deixaram patentes algumas notas peculiares aos deveresjurídicos. O esquema da relação jurídica mostrou a simetria existenteentre direito subjetivo e dever jurídico, sob os liames da lei. Foidestacada, também, a correlação essencial que envolve direito e dever,pela qual um não pode existir sem o outro, aspecto este que não haviaescapado ao apurado sensojurídico dos romanos: 'jcts et obligatio suntcorrelata", o direito e a obrigação são termos correlativos, o queequivale a dizer, em linguagem figurada, que estão entre si como osdois lados de uma moeda. Enquanto o direito subjetivo expressa sempre um poder sobrealgum bem, oponível a outrem, o dever jurídico impõe, ao seu titular,a sujeição àquele poder. Se, do ponto de vista do interesse individual,o direito subjetivo se revela mais importante do que o dever jurídico,porque oferece benefício ao seu titular, no plano da teoria do Direitonão há qualquer prevalência. Ambos decorrem de um mesmo aconte-cimento, cujos efeitos são definidos por lei, e participarxi, em conjunto,de uma relação jurídica. Não obstante esse nivelamento científico, aõmesmo tempo em que se acumulam os estudos sobre o direito subjetivo,pouca atenção se dá à doutrina do dever jurídico, que é relativamentepobre.

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175. Aspecto Histórico

O conceito do dever jurídico, ainda hoje objoto de controvérsia,começou a ser teorizado a partir de Cristiano Tomásio, no início doséculo XVIII. Anteriormente não era considerado categoria indepen-dente, mas obrigação de ordem moral, que ordenava a obediência aoDireito. O jurisconsulto alemão distinguiu a obligatio interna, queestabelecia imperativo apenas para a consciência, da obligatio externa,correspondente ao dever jurídico e que o situava no plano da objetivi-dade. Para ele, o que caracterizava o dever em geral era o temor dealgum mal ou o interesse em algum benefício. Essa idéia, que apenasdeu início à doutrina do dever jurídico, alcançou repercussão, sendoaceita, inclusive, pelos estudiosos que não seguiam a linha de pensa-mento de Cristiano Tomásio. Com Emmanuel Kant ( 1724 -1804), novas idéias foram lançadas.O filósofo alemão distinguiu os dois deveres apenas quanto aos motivosda ação e não em relação ao conteúdo de cada um, pois achava que todosos deveres jurídicos expressavam, direta ou indiretamente, deveres mo-rais. Tal concepção mereceu a crítica de Gustav Radbruch, pois situava aMoral como simples caudatária do Direito, colocando-a na posição dequem firma a aceitação de uma nota promissória em branco.' Somente no século passado, com Jonh Austin ( 1790 -1859), foi quese operou, de uma forma mais esclarecida, a independência do deverjurídico em relação à moral e a alguns elementos psicológicos. Ojuriscon-sulto inglês, que concebeu a estrutura da norma jurídica como mandato,formulou uma noção sistemática do deverjurídico e o considerou compo-nente essencial ao Direito. Contudo, em 1912 ainda, Julius Binder afirma-va: "não há um conceito de deverjurídico", o direito não obriga "juridica-mente a nada ..."= Modernamente, sob o influxo do pensamento Kelsenia-no, a doutrina vincula a problemática do dever jurídico, de uma formapredominante, aos aspectos normativos do Direito.

176. Conceito de Dever Jurídico

Só há deverjurídico quando há possibilidade de violação da regrasocial. Dever jurídico é a conduta exigida. É imposição que pode

I Cf. losé María Rodríguez Paniagua. np. cir., p. 39.'' Apud José María Rodríguez Paniagua, op. cit., p. 35.

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decorrer diretamente de uma norma de caráter geral, como a que estabelece a obrigatoriedade do pagamento de impostos, ou, indireta- mente, pela ocorrência de certos fatos jurídicos de diferentes espécies: a prática de um ilícito civil, que gera o dever jurídico de indenização; um contrato, pelo qual se contraem obrigações; declaração unilateral de vontade, em que se faz uma determinada promessa. Em todos esses exemplos o dever jurídico deriva, em última análise, do ordenamento jurídico, que prevê conseqüências para essa variada forma de comércio jurídico. Devemos dizer, juntamente com Recaséns Siches, que "o dever jurídico se baseia pura e exclusivamente na norma vigente".3 Consiste na exigência que o Direito objetivo faz a determinado sujeito para que a.ssuma uma conduta em favor de alguém. Ao fundar-se o deverjurídico tão-somente nas regras de Direito, não se assume uma posição neutra em relação à Moral, nem se pretende afastar o Direito da influência dos princípios éticos. Essa influência é necessária e já se faz presente no processo de elaboração das normas jurídicas, quando o legislador se baseia nos valores básicos consagra- dos pela sociedade. A Moral participa, portanto, na criação dos futuros deveres jurídicos. O jurista deve distinguir o dever de natureza jurídica, que nasce da incidência de regras de Direito obre relações de vida, dos deveres� morais e dos que derivam das chamadas Regras de Trato Social. Muitas vezes há coincidência de disposição entre as diferentes espécies de deveres. A obrigação de não matar é, ao mesmo tempo, jurídica, moral, social e religiosa. Outras vezes o dever é apenas de caráter jurídico, como o de participar às autoridades fiscais a mudança de endereço. Algumas situações caracterizam exclusivamente o dever social, como a obrigação do pagamento de dívida decorrente de jogo. Nem a lei, nem a Moral estabelecem obrigatoriedade a respeito, mas há um convencionalismo social que obriga o jogador a pagar a sua dívida. Quanto ao conceito do dever jurídico, a doutrina registra duas tendências, uma que o identifica como dever moral e a outra que o situa como realidade de natureza estritamente normativa. A primeira cor- rente, a mais antiga, é difundida por correntes ligadas ao jusnatura- lismo. Alves da Silva, entre nós, defende essa idéia: "obrigação moral absoluta de fazer ou omitir algum ato, conforme as exigências das

3 Luis Recaséns Siches, Trntado Genernl de Filnsojn del Derecho. ed. cit., p. 241.�

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relações sociais", "...é obrigação moral ou necessidade moral, da qualsó é capaz o ente moral".a O espanhol Miguel Sancho Izquierdotambém segue essa orientação: "necessidade moral que o homem temde cumprir a ordem jurídica" e também é neste sentido a definição deRodríguez de Cepeda, citada por Izquierdo: "necessidade moral defazer ou omitir o necessário para a existência da ordem social".` A tendência moderna, contudo, é a comandada por Hans Kelsen,que identifica o deverjurídico com as expressões normativas do Direitoobjetivo: "o dever jurídico não é mais que a individualização, a parti-cularização de uma norma jurídica aplicada a um sujeito", "um indiví-duo tem o dever de se conduzir de determinada maneira quando estaconduta é prescrita pela ordem social". Com muita ênfase, Recaséns�Siches expressa essa mesm opinião: "o deverjurídico se funda única� �e exclusivamente na existência de uma norma de Direito Positivoque o impõe: é uma entidade pertencente estritamente ao mundojurídico".' Eduardo García Máynez situou a natureza do dever jurídico emtermo de liberdade, ao defini-lo como "a restrição da liberdade exteriorde uma pessoa, derivada da faculdade, concedida a outra ou a outras,de exigir da primeira certa conduta, positiva ou negativa". Seu patrício�mexicano, Fausto E. Vallado Berrór, considerou esta definição "meta-�jurídica" porque induz a considerar que alguém é livre fora do Direito.Para Berrón "o dever jurídico não é probabilidade de ser sancionado ,nem temor a uma pena, nem restrição de liberdade, senão a únicapossibilidade lógica de ser livre".' A doutrina moderna, sobretucb através de García Máynez, desen-volveu a teoria segundo a qual o sujeito do dever jurídico possuitambém direito subjetivo de cumprir a sua obrigação, isto é, de não serimpedido de dar, fazer ou não fázer algo em favor do sujeito ativo darelação jurídica.

4 A. B. Alvca Ja Sitva, op. cit., p. 40.5 Miguel Sancho Izquicrdo, Princilins del Derecho Nnturnl, 5" cd., Zaragoza, I95,� �p. 354.6 Hans Kelscn, T ènrin Prra do Direitn. cJ. cít., vol. I, p. 225.�7 Luis Recaséns Siches, T'ratndo Genernl de Filnsoin del Dereclio, ed. cit., p. 24I .�8 Eduardo García Máyncz. np. c it., p. ?68.9 Fausto E. VaIlaJu Berr<ín, np. cir., p. I24.�

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O dever jurídico nasce e se modifica em decorrência de um fatojurídicu lato sensu ou por imposição legal, identicamente ao que sucedecom o dircito subjetivo. Normalmente a extinção do dever jurídico sedá com o cumprimento da obrigaçãu, mas pode ocorrer também porforça de um fato jurídico lato sensu ou determinação da lei.�

177. Espécies de Dever Jurídico

Em função de certas características que pode apresentar, o deverjurídico classifica-se de acordo com os seguintes critérios:

1. Dever Juridico Contratual e Extracontratual - Contratual é odever que decorre de um acordo de vontades, cujos efeitos são regula-dos em lei. As partes, atendendo aos interesses, vinculam-se através decontrato, onde definem seus direitos e deveres. O dever jurídico con-tratual pode existir a partir da celebração do contrato ou do prazodeterminado pelas partes, podendo ficar sujeito à condição suspensivaou resolutiva. O motivo determinante de um acordo de vontade é afixação de direitos e deveres. Normalmente os contratos estabelecemuma cláusula penal, para a hipótese cÍe violação do acordo. O descum-primento de um dever jurídico ocasiona, então, o nascimento de umoutro dever jurídico, qual seja o de atender à conseqüência prevista nacláusula penal. O dever jurídico extracontratual, também denominadoobrigação aquiliana, tem por origem uma norma jurídica. O dano emum veículo, por exemplo, provocado por um abalroamento, gera direitoe dever para as partes envolvidas.

2. Dever Juridico Positivo e Negativo - Dever jurídico positivo éaquele que impõe ao sujeito passivo da relação uma obrigação de darou faZer, ao passo que o dever jurídico negativo exige sempre umaomissão. A generalidade do Direito Positivo cria deveres jurídicoscomissivos, enquanto que o Direito Penal, em sua quase totalidade,impõe deveres omissivos.

3. Dever Jccridico Permanejctc e Transitório - Nos deveres jurí-�dicos permanentes a obrigação nãn sc esgota com o seu cumprimento.Hárelaçõesjurídicas que irradiam permanentemente deveresjurídicos.Os deveres jurídico-penais, por exemplo, são ininterruptos. Transitó-

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rios ou instantâneos são os que se extinguem com o cumprimento daobrigação. O pagamento de uma dívida, u g., faz cessar o deverjurídicodo seu titular.

178. Axiomas de Lógica Jurídica

O estudo do dever jurídico revela-nos a existência de cincoimportantes axiomas, conforme analisa Eduardo García Máynez, asaber: axioma de inclusão; de liberdade; de contradição; de exclusãodo meio; de identidade.' �

1. Axioma de Inclccsão- "Tudo o que estájuridicamente ordenadoestájuridicamente permitido." É a teoria do direito de cumprir o própriodever. Ao se determinar juridicamente que o eleitor deve votar, juridi-camente é-lhe permitido que o faça.

2. Axioma de Liberdade - "O que estando juridicamente permiti-do, não está juridicamente ordenado, pode-se livremente fazer ouomitir-se." O testamento é negóció jurídico permitido por lei e comoesta não Ihe deu caráter de obrigação, pode-se fazê-lo ou não.

3. Axioma de Contradição - "A conduta juridicamente reguladanão pode ser, ao mesmo tempo, proibida e permitida." A ordem jurídicadeve ser um todo harmônico e bem definido. Deste axioma deduzimoso princípio da isonomia da lei, segundo o qual todos são iguais perantea lei. Esta não pode ser aplicada ao sabor das conveniências, com doispesos e duas medidas.

4. Axioma de Exclusão do Meio - "Se uma conduta está juridica-mente regulada, ou está proibida, ou está permitida". Deduz-se que tudoaquilo que não está proibido, está juridicamente permitido.

5. Axioma de Identidade - "Todo objeto do conhecimento jurídicoé idêntico a si mesmo," Deve-se entender que o que está juridicamente

10 Eduardo Garcfa MSynez. np. cit., p. 268.

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proibido estájuridicamente proibido e o que estájuridicamente permi-tido está juridicamente permitido.

179. Dever Jurídico e Efetividade do Direito

É pelo cumprimento do dever jurídico que o Direito alcançaefetividade. Possuem deveres jurídicos não apenas os indivíduos en-quanto membros da sociedade, mas também aqueles que, por suacondição de autoridade administrativa ou judiciária, têm a missão deaplicar normas jurídicas. A efetividadejurídica, cujo estudo mais apro- ,fundado acha-se afeto à Sociologia do Direito, caracteriza-se quandoas regras de Direito são acatadas nas relações intersubjetivas e aplica-das pelos funcionários. i, A efetividade do Direito possui graus. É plena quando é aceita,de uma forma generalizada, por seus destinatários diretos e pelosfuncionários. É relativa quando, ao mesmo tempo, uma parte numerosa Ide indivíduos e/ou funcionários desvia a sua conduta das prescriçõeslegais, e outra parte obedece-as. A efetividade do Direito objetivo énula quando não é acatado genericamente por seus destinatários diretose indiretos.

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário: 174 - Eduardo García Máynez, lntroducción al Estudio del Derecho; 175 - José María Rodríguez Paniagua, Gey y Derecho; Ariel Alvarez Gardiol,Introducción a una Teoria Cenernl del Derecho; 176-Luis Recaséns Siches, Tratado Ceneral de Filoso,fia del Derecho; FaustoE. Vallado Berrón, Teoria General del Derecho; Eduardo García Máynez, op. cit.,Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito, vol- I; 177 - Paulo Dourado de Gusmão, buroduçQo ao Estudo do Direito; A. L.Machado Netto, Compêndio de Introdução à Ciência do Direito; 178 - Eduardo Garcia Máynez, op. cit., 179 - Elías Díaz, Sociologia y Filoso,fia del Derecho; Ariel Alvarez Gardiol,op. cit.

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Sétima Parte

DOS FATOS JURÍDICOS

Capítulo XXXII

FATO JURÍDICO: CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO

Sumário: I80. Corrsidercrpões Gcrois. /S/. Srrposro Jrrridico c Corrseqüêrr- cia. l82. Cortceilo de Farn Jrrrirlicn. l83. Cnrcrcterxs c Clnssificnçnn dos� Fnros Jrrridicos. s

180. Considerações Gerais

Em decorrência de sua participação na vidz social, as pessnas�mantêm entre si uma pluralidade de relações jurídicas. Em algumas,figuram como titulares de direito e, em outras, como portadores dedeveres jurídicos. Determinadas situações jurídicas cão necessárias epermanentes, como as relativas aos direitos personalíssimos, enquantoque outras são contingentes e podem ser transitórias, como a situaçãojurídica do inquilino e a do trabalhador. O patrimônio jurídico de cadapessoa, representado peia totalidade de suas situações jurídicas, apre-senta uma parte imutável e outra cambiante, evolutiva, resultado, emgrande parte, do comércio jurídico.' Dá-se o fenômeno que Theodor

1 Tal particularidade navida jurídica das pessoas aprcsenta uma parecença com a vidadas instituições jurídicas. Algumas normas c princípios. por exprcssa cm a ordem natural�das coisas, são permanentes, enquanto yuc outros são contingentes. de natureza históricae cambiante.

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Sternberg, com elegância de estilo, descreve: "A órbita da vida socialmove-se em uma contínua produção, modificação e extinção dos direi-tos subjetivos. Sob a influência dos diversos fatos, desloca-se aagrupação dos interesses humanos como os coloridos fragmentos deum caleidoscópio, e correlativamente trocam de posição direitos eobrigações."z Nessa contínua translação, as relações jurídicas acompanham ociclo da vida, pois nascem, produzem efeitos e extinguem-se. Cadadireito e dever pressupõe a ocorrência de um fato e a existência denormas re uladoras; pressupõe a existência do fato jurídico, que é aprincipal mola do intercâmbio jurídico. Na origem dos fatos jurídicos,acontecimento da vida social a que o Direito objetivo determina efeitosjuridicos, manifestam-se duas forças: a liberdade e a necessidade. É alivre disposição de vontade que permite o vinculum juris, e a necessi-dade de se atribuir efeitos jurídicos a alguns fatos da natureza é quegera, modifica e extingue as relações jurídicas. Em vez de fato jurídico, alguns autores preferem outras denomi-nações: fato jurigeno (Edmond Picard), fatos submetidos ao Dqété�(Roguin). A expressão mais corrente, porém, é fato juridicoempregada em vários idiomas: fait jccridique, fatto giuridico, Tatbes-tand. Fato urídico é uma espécie o gênero fato. Este é definido como� qualquer transformação da realidade" ou "transformação do mundoexterior". O qualificativo jurídico significa que o fato concreto éregulado pelo Direito. Os fatos jurídicos criam novas situações jurídi-cas, tanto em relação às pessoas de Direito Privado, quanto às pessoas urídicas de Direito Público. Apesar de os princípios e normas, referen-tes aos fatos jurídicos, localizarem-se, em nosso sistema, no CódigoCivil, a matéria é de interesse de todos os ramos do Direito e se apresenta como objeto da Teoria Geral do Direito.

181. Suposto Jurídico e Conseqliência

1. Conceitccações - Fato jurídico, em sentido amplo, é qualquer acontecimento que gera, modifica ou extingue uma relação jurídica.

2 Theodor Sternberg, Intrndurrión n In Ciencin de! Derechn, Editorial Labor. S.A.. Barcelona,1930, p. 241.

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Como toda relaçãojurídica envolve direito e dever, esses, automatica-mente, são atingidos de igual modo pelo fatojurídico. Eduardo GarcíaMáynez e vários outros autores analisam o fato jurídico a partir daestrutura lógica da norma, assim manifesta por eles: "Se A é, B deveser", em que A corresponde à hipótese e B à conseqüência. Nadefinlção de Máynez, suposto jiiridico é "a hipótese de cuja realizaçãodependem as conseqüências estabelecidas pela norma."3 Quando a leipenal, em seu art.163, estabelece uma penalidade para quem "des-truir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia", a hipótese da normaconsiste na ação de danificar e a conseqiência é representada pela�sanção penal. O fato jurídico seria a realização da hipótese ousuposto da norma jurídica. Máynez chama a atenção para que nãose confunda o fato jurídico com o suposto, porque este é ummomento meramente normativo e teórico e aquele é uma realizaçãoconcreta

2. RelaÇão entre a Hipótese e a Conseqüência - Em função dessesdois elementos da norma, hipótese e conseqüência, Máynez desen-volve uma linha de raciocínio, adotando, como exemplo prático, umcaso de dano civil, em que cães de um caçador invadiram umapropriedade e causaram prejuízos zlateriais. As diferentes questões�analisadas, em relação à hipótese e à conseqüência da norma jurídi-ca, foram as seguintes: a) a existência da norma não significa que ahipótese tenha de se realizar concretamente. A hipótese que prevê osdanos à propriedade alheia pode ocorrer ou não na prática; b) umavez realizada a hipótese, segue-se, obrigatoriamente, a conseqüên-cia. Verificada a invasão pelos cães e a ocorrência dos prejuízos,caracteriza-se o dever jurídico de indenização; c) entre a conseqüên-cia juridica e a sua aplicação prática, a relação é contingente, ouseja, pode operar-se ou não. O proprietário dos bens atingidos, quepossui uma pretensão contra o dono dos animais, poderá ou nãoexercitar o seu direito. As três conclusões apresentam-se de acordocom o esquema seguinte, proposto pelo autor:

3 Eduardo Garcia Máynez, op. cit., p. 172.

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Realização do Dever Cumprimento Jurfdico (Relação II)

Hipótese ou --· Suposto ou Fato�

Suposto ~

Jurídico Direito Exercício (Relação I) Subjetivo (Relação III)

I - Relação Contingente; II - Relação Necessária; III - RelaçãoContingente. Entendemos que a última conclusão aplica-se apenas nas relaçõesde Direito Privado. Tomemos por exemplo o art.121 do Código Penal:"matar alguém - pena: reclusão de 6 a 20 anos". Não se pode sustentar,para este caso, que a relação entre a conseqüência e a realização efetivaseja contingente, pois a autoridade judicial não poderá renunciar aaplicação da penalidade.

3. Suposto Juridico Simples e Complexo - O suposto jurídico ésimples quando apenas um requisito o compõe. Exemplo: "Todo ho-mem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil" (art. 2o do CódigoCivil). É complexo quando pressupõe mais de um requisito. Exemplo:direito de votar, que é condicionado às hipóteses de:

a) idade; . b) nacionalidade ou naturalização; c) gozo de direitos políticos.

182. Conceito de Fato Jurídico

Fato jurídico é acontecimento do mundo fático a que o Direitodetermina efeitos jurídicos: nascimento, roubo, testamento, emancipa-ção etc. Necessariamente reúne dois elementos: suporte fático e regrade Direito. Suporte fático é o fenômeno definido na hipótese ou suposto

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da norma jurídica. É o fato que, ocorrido, provoca a aplicação dadisposição ou conseqüência da regra jurídica. Para ser juridico éindispensável que o fato seja regulado pelo ordenamento jurídico,isto é, que sofra a incidência das normas de Direito. Os fatosjurídicos são as fontes que geram, modificam ou extinguem relaçõcsjurídicas. O mundo fático, conforme se pode acompanhar pelo quadro deilustração, ao final do presente parágrafo, engloba todos os acontcci-mentos que se passam na realidade exterior, produzidos pelo homemou pelas forças da natureza. É o vastíssimo campo das transformaõcs�objetivas: a queda de uma árvore, uma simples chuva, a morte, umapipa que se ergue no ar, um contrato para produção artística, uma geadaque devasta plantações etc. Não são todos os acontecimentos do mundofático que se projetam no mundo dos direitos, apenas os que se revelamimportantes para o equilíbrio social. O mundo dns direitos é constituído pelas relaçõesjuridicas. Com-põe-se dos ácontecimentos do mundo fático, que são relevantes para asociedade, pois exercem, influência quanto à segurança e justiça. Nosexemplos citados, a árvore que caiu, a chuva que não causou prejuízose a evolução da pipa são apenas fatos, que não apresentam qualificaçãojurídica, pois não provocam mudanças sociais, nem são alvo de tutelajurídica. Permanecem apenas situados no mimdo fático. A morte, ocontrato e a geada, por afetarem importantes interesses sociais, têm seusefeitos definidos em lei e, além de se situarem no mundo fático,ingressam no mundo dos direitos, yoi são fatos jurídicos que vão� �instaurar, modificar ou extinguir relaçõcs jurídicas. Assim, todos osacontecimentos que movimentam o mctndo dos direitns participam domundo fático e somente as ocorrências fundamentais aos valores deconvivência participam no mundo dos direitos. Chamam-se fatos juri-dicos os acontecimentos do rnundo fático selecionados por normasjurídicas que os regulamentam. Quando se diz que certos fatos caminham ou passam do mundofático para o mundo dos direitos a fim de criar, modificar ou extinguirrelações jurídicas, se diz figuradamente, porque não há dois momen-tos temporais: um de natureza fática e outro de ordem jurídica.Quando sucede o fato definido no suposto da norma jurídica eleingressa, simultaneamente, no mundo fático e no mundo dosdireitos. A presente concepção é apresentada pelo jurista Pontes de Miran-da em admirável síntese: Com a incidência da regrajurídica, ô suporte

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fático, colorido por ela (= juridicizado), entra no mundo jurídico. Atécnica do direito tem como um dos seus expedientes fundamentais, eo primeiro de todos, esse, que é o de distinguir, no mundo dos fatos, osfatos que não interessam ao direito e os fatos jurídicos que formam omundo jurídico, donde dizer-se que, com a incidência da regra jurídicasobre o suporte fático, esse entra no mundo jurídico."4 Preferimos adenominação mundo dos direitos, por ser expressão menos abrangentee alcançar apenas o âmbito das relações jurídicas, que é o setor atingidoe movimentado pelos fatos jurídicos. A terminologia mundo jurídico,adotada por Pontes de Miranda, é mais ampla e se refere também aoordenamento jurídico em sua formulação teórica.

A seta ao lado indica os atos Os atos humanos e fatos da natu-humanos e fatos da natureza, que ca- reza, que caminham do mundo fático eminham do mundo fático para o mundo ingressam no mundo dos direitos, indodos direitos, pela incidência das nor- criar, modificar ou extinguir relações ju-mas jurídicas. rídicas, denominam-se Fnros iuRícos.� �

ATOS HUMANOS E FATOS DA NATUREZA

MUNDO FÁTICO

4 Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, ed. cit., vol. 1, p. 74.

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183. Caracteres e Classificação dos Fatos Jurídicos

1. Caracteres - Entre os caracteres dos fatos jurídicos, a doutrinaapresenta os seguintes: a) o acontecimento a que se refere o fato jurídicoé sempre relevante para o bem-estar da coletividade. O qualificativojuridico só é atribuído aos fatos que se relacionem com os objetivosbásicos do Direito: a manutenção da ordem e segurança, pelos critériosdejustiça; b) os fatosjurídicos podem ser produzidos por ato de vontadedo homem, como o matrimônio, ou gerados pela natureza, independen-te da vontade do homem: um abalo sísmico que provoca o desabamentode um prédio; c) possuem alteridade, pois dizem respeito sempre a umvínculo entre duas ou mais pessoas, seja para constituí-1o, modificá-loou extingui-lo; d) possuem exterioridade, de vez que são acontecimen-tos que produzem efeitos de constatação objetiva.

2. Classificaão - A divisão dos fatos jurídicos é matéria de muita�controvérsia e discussão doutrinária. No quadro a seguir, apresentamosuma classificação aceita, modernamente, por vários autores:

1 - Fato Jurídico 2.1.1 - Ato Jurídico stricto sensu stricto sensuFATO 2.1 - LicitoJURfDICO 2 - Ato lurfdico 2.1.2 - NegócioLato Sensu lato sensu 2.2 - Ilícito Jurídico

Enquanto, em sentido amplo, fato jurídico "é todo e qualquer fatoque, na vida social, venha a corresponder ao modelo de comportamentoou de organização configurado por uma ou mais normas de direito",5fato jurídico stricto sensu é apenas o acontecimento provocado poragentes da natureza, independentemente da vontade humana e que,repercutindo na vida jurídica, cria, modifica ou extingue relação jurídica.Neste sentido, um incêndio, o deslocamento natural de terra de um ladodo rio para a outra margem, o nascimento, a morte, uma doença que

5 Miguel Realé, Lições Preliminares de Direito, ed. cit., p. 199.

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183. Caracteres e Classificação dos Fatos Jurídicos

1. Caracteres - Entre os caracteres dos fatos jurídicos, a doutrinaapresenta os seguintes: a) o acontecimento a que se refere o fatojurídicoé sempre relevante para o bem-estar da coletividade. O qualificativojuridico só é atribuído aos fatos que se relacionem com os objetivosbásicos do Direito: a manutenção da ordem e segurança, pelos critériosdejustiça; b) os fatos jurídicos podem ser produzidos por ato de vontadedo homem, como o matrimônio, ou gerados pela natureza, independen-te da vontade do homem: um abalo sísmico que provoca o desabamentode um prédio; c) possuem alteridade, pois dizem respeito sempre a umvínculo entre duas ou mais pessoas, seja para constituí-lo, modificá-loou extingui-lo; d) possuem exterioridade, de vez que são acontecimen-tos que produzem efeitos de constatação objetiva.

2. Classificação - A divisão dos fatos jurídicos é matéria de muita�controvérsia e discussão doutrinária. No quadro a seguir, apresentamosuma classificação aceita, modernamente, por vários autores:

1 - Fato Jurídico 2.1.1 - Ato Jurídico stricto sensu stricto sensuFATO 2.1 - LfcitoJURfDICO 2 - Ato Jurfdico 2.1.2 - NegócioLato Sensu lato sensu 2.2 - Ilícito Jurídico

Enquanto, em sentido amplo, fato jurídico "é todo e qualquer fatoque, na vida social, venha a corresponder ao modelo de comportamentoou de organização configurado por uma ou mais normas de direito",5fato jurídico stricto sensu é apenas o acontecimento provocado poragentes da natureza, independentemente da vontade humana e que,repercutindo na vida jurídica, cria, modifica ou extingue relação jurídica.Neste sentido, um incêndio, o deslocamento natural de terra de um ladodo rio para a outra margem, o nascimento, a morte, uma doença que

5 Miguel Realé, Lições Preliminares de Direito, ed. cit., p. 199.

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positive a invalidez perante uma instituição previdenciária, são exem- 'plos de fato jurídico gerdo por forças naturais.� Os fatosjurídicos em sentido estrito dividem-se em duas espécies:aconteimento.s naturct i.s ordinários e acontecimentos naturais extraor-�dinário.. Os rrimeiros são fenômenos previsíveis, normais, regulares,��como o nascimento, a morte, o aluvião, o decurso do tempo. Osacontecimentos naturais extraordinários, como a própria denominaçãoindica, são fatns que não se apresentam com regularidade, são contin-gentes, escapam à previsãn e ao controle. Configuram esta espécie: ocaso fortuito, a forçd maior, o fáctunt principis. Enquanto que a doutrina não logrou ainda nma distinção precisaentre caso fortuito e força mair, a legislação brasileira submeteu-os a��igual tratamento: exoneração de responsabilidade da pessoa obrigada(art.1.058 do cód. Civil). Esses acontecimentos caracterüam-se pelaimprevisibilidade ou inevitabilidade e pela ausência de culpa.' O Jrc-� �tum principis produz o mesmo efeito jurídico que a força maior e o casofortuito. Dá-se o fato do principe quando, em decorrência de normasemanadas de órgãos do Estado, as partes ficam impedidas, juridica-mente, de cumprir as cláusulas do contrato que firmaram. Ato jurídico lato sensu é todo e qualquer acontecimento decor-rente da vontade humana, com repercussão no mundo dos direitos.Divide-se em ato licito e ilicito, conorme seja admitido ou não pelas�regras jurídicas. Os atos lícitos se subdividem em ato jurídico strictosensu e em negócio juridico. O ato jurídico em sentido estrito corres-ponde à realização da vontade do homem, que cria, modifica ouextingue direito, sem que haja acordo de vontades. Os efeitos queprovoca são os definidos em lei e não pela vontade (ex lege e não exvoluntate). Os seus efeitos se produzem, conforme diz Carlos Albertoda Mota Pinto, "mesmo que nãn tenham sido previstos ou queridospelos seus autores, embora muitas vezes haja concordância entre avontade destes e os referidos efeitos".' Exemplos: a elaboração de umaobra artística, a construção de um prédin, a ocupação ou posse de umterreno. O negócio jurídico se caracteriza por ser ato humano e pelofato de se concretizar com expressa declaração de vontade. Seus '

6 No Digesto, a força maior foi dcfinida como "o impeto de coisa maior que não se podcrepelir" e o caso fortuitn fni considerado como um acidente que não podia ser previstopelo homem. Cf. Migucl Villoro Toranzo. op. cit., p. 339.7 Teoria Geral do Direitn Civil, 1' ed., Coimhra Editora Ltda.. Coimbra,1976. p. 243.

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efeitos são os fixados na declaração de vontade e admitidos peloordenamentojurídico. Exemplos: adoção, testamento, compra e venda.

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário:

I80 - T'heodor Sternberg, Introduccicin n la Ciencia del Derecho; EduardoGarcía Máynez, Introducción al Estudio de! Derecho; 181 - Eduardo García Máynez, op. cit.; Machado Netto, Compêndio deIntrodução à Ciência do Direito; 182 - Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, vol. I; Eduardo GarcíaMáynez, op.cit.; I83 - A. Torré, Introducción al Derecho; Miguel Reale, Lições Preliminaresde Direito; Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Dircito Ciiil.�

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Capítulo XXXIII

DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Sumário:184. Conceitos e Aspectos Doutrinários. 185. A Relaçâo entre os Negócios Juridicos e o Ordenansento Juridico. I86. Classificação dos Negócios Juridicos. I87. E/einentos dos Negócios Juridicos. 188. Defeitos dos Negócios Juridicos.

184. Conceitos e Aspectos Doutrinários

A teoria geral dos atos jurídicos é uma elaboração dos pandec-tistas alemães. Os romanos se detiveram apenas no estudo dos princí-pios que regiam os contratos, e o qué hoje se assinala como construçãoromana deriva de um trabalho de pesquisa e dedução, desenvolvidopelos romanistas modernos, com base naqueles subsídios.' Ato juridi-co, conforme as noções estudadas no capítulo anterior, é espécie dogênero fato jurídico. Em sentido amplo, é determinação da vontade aque o ordenamento jurídico reconhece efeitos de Direito. Dividem-seem atos lícitos e ilícitos. Os atos lícitos se subdividem em atojurídicostricto senscc e negócio jurídico. Em sentido estrito, configura-se pelarealização da vontade, cujos efeitos são os apontados em lei, de que éexemplo a composição de uma obra literária ou a edificação de umprédio. Já o negócio jurídico aperfeiçoa-se com a simples declaração davontade e seus efeitos são os definidos pela própria declaração e dentrodo que a ordem jurídica permite. Não qualquer declaração, apenasaquelas a que o Direito objetivo admite efeitos. Uma simples declara-ção de amizade, por exemplo, não se enquadra na espécie, porque ématéria estranha aos fins do Direito. É indispecsável que a declaraçãoexpresse um qccerer espontâneo e que seu objeto se inclua no elenco

1 Cf. San Tiago Dantas, np. cit., p. 260.

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dos fins tutelados pelo ordenamento jurídico. O conceito de negóciojurídico ainda é relativamente novo na doutrina jurfdica. Apesar dealguns autores não o distinguirem ainda do ato jurídico stricto sensu,a maior parte dos teóricos estuda e desenvolve o seu conceito. Em facede sua importância na vida jurídica, foi apontado pela doutrina, con-forme atesta Alessandro Levi, como o "centro vitale di tutto il sistemadel diritto privato" e considerado, na atualidade, o passo mais impor-tante para a construção dinâmica do Direito.z A liberdade que a ordem jurídica confere às pessoas para arealização de negócios jurídicos, permite um melhor ajustamento nosinteresses sociais. Pelos negócios jurídicos as pessoas naturais e jurí-dicas criam o seu próprio dever ser, assumindo espontaneamentenovas obrigações e adquirindo direitos. Os negócios constituem, aolado do Direito escrito e costumeiro, uma fonte especial de elaboraçãode normas jurídicas individualizadas, denominada fonte negocial.Essa possibilidade, que decorre do principio da autonomia da vontade,atende, em parte, à filosofia existencialista, que não concorda com auniformização de tratamento jurídico, pois cada pessoa é portadora deuma natureza e de um condicionamento próprio. � Os negócios jurídicos personalizam o Direito, dão-1he um selode pessoalidade, o que corresponde aos áriseios do exisferìcialismo, oqual deseja "que o sentimento da existêncìa individual não desapareçanum sistema impessoal". O poder negocial atende, igualmente, àpretensão do liberalismo individualista, que preconiza uma faixa maisampla para a livre determinação das pessoas e, correlativamente,menor intervenção do E.tado nos assuntos privados.� Na doutrina, alguns autores indagam se os efeitos jurídicos dosnegócios derivam da própria declaração de vontade ou do ordenamen-to jurídico. Para o jurisconsulto alemão Heinrich Dernburg, as partespossuem a livre iniciativa para a prática do negócio jurídico, enquantoque o ordenamentojurídico participa também na produção dos efeitos.Neste mesmo sentido é a opinião de Thur, que distinguiu os efeitos

2 Tenrin-Generale lel Diritto, 2' ed., CEDAM, Padova,1967, p. 330.�3 "A I-ilosol-ia existcnia_t nega a preexistcncia de quaisqucr critérios e, conseqüéntemen-�tc, abandona totalmentc a âccisão à lihcrdadc do homem, ao yual incumbe constituir o seupróprio Da.cein. já que solrc ele ou para alm dele se não divisam quaisquer orientaçòcs� �vinculativas" (J. Baptista Machado, Antropologia, Existcncialismo e Direito, Coimbra.1965, Separata da Revista dn Direit e E.cturln.c Sociais. vol. XIl, no` I-2, p. 36).��

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desejados pelas partes dos efeitos legais aplicáveis complementarmen-te. Hans Nawiasky, com clareza e precisão, definiu a situação dosefeitos jurídicos: "a obrigatoriedade das normas jurídicas individuaiscriadas por meio de negócios jurídicos privados deve-se única eexclusivamente a que o ordenamento jurídico estatal prescreve a suaobservância e ordena ao juiz que, em caso de violação, deve recorrerà coercitividade".'

185. A Relação entre os Negócios Jurídicos e o Ordenamento�Jurídico

A liberdade para a prática de negócio jurídico sofre algumaslimitações, impostas pelo Estado e ditadas pela necessidade de seresguardarem os interesses fundamentais do indivíduo e da coletivi-dade. Quanto às relações entre os negócios jurídicos e o Direitoobjetivo, as situações principais são as seguintes:

A) A proibição da prática de negócio jurídico, tendo em vista anatureza de seu objeto. Exemplo: a denominada pacta corvina, pelaqual o que se acha na expectativa de herdar pretende transferir osfuturos direitos. Tal prática é condenada por ferir princípios de natu-reza moral.

B) O negócio jurídico é permitido, mas a legislação colocaobstáculos à inserção de determinadas cláusulas. Exemplo: o contratode locação pode ser firmado regularmente, mas a lei proíbe que o preçodo aluguel seja vinculado ao valor do salário mínimo. O contrato detrabalho é Iivre para as partes, mas a lei não reconhece qualquercláusula que não respeite as chamadas conquistas sociais, como odireito a férias.

C Há negócios jurídicos cujos efeitos de direito são programa-�dos inteiramente pelo ordenamento jurídico, de que é exemplo omatrimônio.

4 Hans Nawiasky. Tcnria General clel Derecáo, Estudio General de Navarra, EdicìonesRialp, S.A., Madrid. I962, p. 290.

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D) Determinados negócios jurídicos, não previstos pelo ordena-mento do Estado, são disciplinados integralmente pelas partes, quedispõem livremente quanto aos seus efeitos jurídicos. E) Quando há normas jurídicas de natureza dispositiva, aplicá-veis, portanto, na falta de disposições ajustadas pelos interessados,podem ocorrer três situações diferentes:

I - o negócio jurídico regula inteiramente a matéria; II - o negócio jurídico estabelece o vínculo, mas sem regula-mentá-lo. Nesta hipótese os efeitos jurídicos são os definidos em lei; III - as partes firmam o negócio jurídico definindo apenas par-cialmente os seus efeitos jurídicos. Neste caso o preenchimento daslacunas será feito pelos critérios da lei.

186. Classificação dos Negócios Jurídicos

Em sua generalidade os autores apresentam a seguinte classifi-cação dos negócios jurídicos:

1. Negócio Juridico Unilaterál e Bilateral - Ocorre a primeiraespécie, quando apenas uma vontade participa na elaboração do negó-cio, como na outorga de um testamento ou na renúncia. Bilateral é oque se aperfeiçoa pela participação de mais de uma pessoa, quedeclaram a sua concordância em ato simultâneo. A maior parte dosnegócios jurídicos bilaterais é constituída pelos contratos. Estes sãoacordos de vontade que visam à produção de efeitos jurídicos, ampa-rados pelo ordenamento vigente.

2. Negócio Juridico Oneroso e Cratccito - Quando o negóciojurídico envolve objeto patrimonial, pode ser oneroso ou gratuito.Ocorre a primeira espécie quando há uma troca de valores entre. aspartes; a uma prestação, segue-se uma contraprestação. Exemplo:compra e venda. É gratuito o negócio jurídico, quando apenas uma daspartes entrega o seu quinhão. Exemplo: doação, comodato.

3. Negócio Juridico "Inter Vivos" e "Mortis Caccsa"- A genera-lidade dos negócios jurídicos é da primeira espécie, ou seja, sãopraticados para produzir efeitos enquanto vivas as partes: Negócio

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jurídico mortis causa consiste na declaração de vontade, para produzirefeitos jurídicos após a morte do declarante. Exemplo: testamento,seguro de vida. 4. Negócio Jccridico Solene ou Formal e Não-Solene - Quando onegócio jurídico é relevante do ponto de vista social, o ordenamentojurídico impõe a observância de determinada solenidade, como requi-sito de validade.. Dá-se a hipótese em que os romanos diziam formadat esse rei (a forma é que dá existência à coisa). Negócio jurídiconão-solene é aquele que não depende de uma forma predeterminadapara a sua validade. Essa espécie é predominante. Enquanto que nopresente abandonam-se as formalidades desnecessárias, a ponto de sedizer que a regra geral é a não-solenidade dos negócios, no passado oDireito estava inteiramente dominado pelas formas, principalmente notocante aos processos judiciais, conforme narra San Tiago Dantas: "...oritual era o mais minucioso e exigia, sobretudo ao tempo das legisactiones - ascender a cena judiciária a um quadro sucessivo de repre-sentações, em que as partes simulavam lutas, simulavam a disputafísica de um objeto, o magistrado intervinha, apartava, dizia-Ihespalavras sacramentais, tudo simuladamente, até que, enfim, a contro-vérsia contestada ia se colocar perante um iudex para que proferisse asua decisão".5

5. Negócio Juridico Típico e Atipico - Diz-se que o negóciojurídico é tipico ou nominado, quando o ordenamentojurídico o definee prevê os seus efeitos jurídicos. Exemplos: mandato, compra e venda.Os atipicos ou inominados não são previstos ou regulados por lei. Aspartes interessadas poderão praticá-los desde que seu objeto seja lícito.Pelo que dispõe o art. 256 do Código Civil, os nubentes possuemliberdade para definir, como lhes aprouver, quanto ao regime de bensno matrimônio. Poderão adotar um dos quatro regimes definidos emlei ou escolher uma espécie atípica ou inominada.

187. Elementos dos Negócios Jurídicos

Os elementos dos negócios jurídicos apresentam-se em doisgrupos: essenciais e acidentais.

5 San Tiago Dantas, op. cit., p. 264.

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l. Elementos Essenciais -O negóciojurídico depende da decla-ração da vontade e da existência de um fim protegido pelo ordenamen-to jurídico. Quanto à declaração da vontade, dois aspectos revelam-seimportantes: a) a sua efetiva manifestação; b) concordância entre avontade declarada e a vontade real. Quanto a este aspecto o Direitobrasileiro estabelece um critério para a interpretação dos negóciosjurídicos, de acordo com a teoria subjetiva ou da vontade, que deter-mina que se atribua prioridade à atenção do declarante em relação àlinguagem do texto. O art. 85 da lei civil dispõe: "nas declarações devontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal dalinguagem". � Em decorrência dos dois princípios, exige-se para a validade donegócio jurídico: a) agente capaz; b) objeto licito; c) forma legal. Oagente deve possuir capacidade para exercitar o seu direito. Caso nãoa possua, o seu representante deverá praticar o negócio de acordo coma lei. O objeto não pode contrariar a lei, a Moral ou os bons costumes.Ele há de ser possível, ainda, do ponto de vista jurídico e físico.Fisicamente impossível é o objeto que não está ao alcance do homem,por exemplo, a venda de um planeta. Juridicamente impossível é oobjeto cuja negociação é proibida por lei. Para que o negócio jurídicoseja válido, exige-se ainda que a f®rma seja a prevista ou não proibidaem lei.

2. Elementos Acidentais - Genericamente tratados por modali-dades dos negócios juridicos, os elementos acidentais são de naturezacontingente, podem ou não ser incluídos na declaração de vontade.Esses elementos podem limitar ou até mesmo suprimir a eficácia donegócio jurídico. Entre os elementos acidentais destacam-se três: acondição, o termo e o modo.

2.1. Condição -A lei civil",m seu art.114, definiu este elemento�como "a cláusula que subordina o efeito do ato jurídico a evento futuroe incerto". A eficácia ou a resolução do negócio jurídico fica. nadependência de um elemento eventual, que poderá ocorrer ou não como tempo. As principais espécies de condição são duas: a suspensiva e

6 A doutrina registra também a teoria da declaraçãn, pela qual o intérprete deveexaminar objetivamente a linguagem do texto. sem preocupar-se com a vontade dodeclarante.

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a resolutiva. O negócio jurídico submetido a uma cláusula suspensivasomente produzirá efeito se ocorrido o determinado fato. Enquantoeste não se realizar, apenas haverá uma expectativa para a parteinteressada. Exemplo: o pai que promete um automóvel ao filho, soba condição de obter classificação no exame de vestibular. Com a condição resolutiva a situação se revela oposta. Praticadoo negócio jurídico, este passa a produzir naturalmente os seus efeitos,que deverão cessar, caso venha a ocorrer determinado fato previsto nadeclaração de vontade. Exemplo: uma pessoa transfere uma proprie-dade para outra, enquanto não se case. Outra classificação é a que divide as condiçõ"s em potestativas,casuais e mistas. A primeira espécie se caracteriza pela circunstânciade que o evento futuro e incerto depende exclusivamente do principalinteressado. É casual a condição que depende de uma coisa fortuita,fora do alcance das partes. Mista é a que depende, ao mesmo tempo,da vontade da pessoa e de um fato futuro e incerto. San Tiago Dantasexemplifica as três espécies: "Dá-se um objeto a alguém se este vier aSão Paulo no verão. Eis uma condição potestativa. Dá-se um fogareiroelétrico se no inverno a temperatura chegar a tantos graus. Eis umacondição casual. Agora, dá-se tal objeto se for o donatário eleitosenador. Eis uma condição mista." �

2.2. Termo - Termo é um momento futuro, a partir do qual umnegócio jurídico começará a produzir efeito jurídico ou perderá a suaeficácia. Há duas espécies de termo: inicial (dies a quo), a partir doqual o negócio jurídico passará a ter eficácia, e final (dies ad quem),data em que o negócio jurídico deixará de produzir efeitos. Denomi-na-se prazo o espaço de tempo que medeia entre a declaração davontade e o termo final. Enquanto que na condição o evento futuro é�incerto, no termo o momento futuro é certo.

2.3. Modo ou Encargo - É uma cláusula obrigacional que odeclarante insere no negócio jurídico, pela qual o beneficiário deveráatender a determinada exigência. Pode ser instituído em negócio intervivos ou mortis causa. Exemplo: alguém doa um prédio à rnunicipali-dade, para que esta instale, no loca(, uma biblioteca pública.

7 San Tiago Dantas. np. cit., p. 307.

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188. Defeitos dos Negócios Jurídicos

A declaração da vontade é um dos elementos essenciais donegócio jurídico. Para que este seja legítimo é indispensável que avontade seja declarada, que expresse o querer espontâneo, que semanifeste esclarecida quanto à natureza negocial e do objeto, que osentido e a direção da vontade sejam para um fim protegido pela lei.Caso fálte qualquer um desses elementos, o negócio jurídico estarácomprometido. Faltando a declaração, faltará o negócio jurídico. Seránegócio jurídico inexistente. Não ocorrendo os outros requisitos, onegócio será defeituoso e passível de anulação. A lei civil brasileiradispõe sobre cinco espécies de defeitos: erro ou ignorância, dolo,coação, simulação e fraude contra credores. As três primeiras cons-tituem vicios da vontade, enquanto que, nas duas últimas, há corres-pondência entre a vontade e o teor da declaração, mas configura-se amá-fé, o propósito de burlar, de desviar-se da lei. Alguns autoresconsideram a simulação e a fraude contra credores vicios sociais.

1. Erro ou Igciorância - Apesar de conceitos distintos, erro eignorância produzem igual efeito em relação aos negócios jurídicosIgnorância é a ausência de conhecimento, total ou parcial, em relaçãca aspectos do negócio jurídico. Errb é a manifestação de uma vontadeque se forma sob pressupostos falsos. Ao determinar-se volitivamente.o agente representa mentalmente uma situação, que não correspondeà realidade. Error facti, erro de fato; error juris, quando a fals �representação recai sobre o Direito. A doutrina distingue o erro essen·cial do erro acidental. O primeiro versa sobre os elementos constitutivos do negócio jurídico e pode referir-se ao tipo do negócio (errorin negotio); sobre a identidade do objeto (error icc corpore); sobrequalidade essencial da coisa (error in sccbstantia); em relação à pessoa,sua identidade ou qualidade (errnr in persona). No erro acidental a distorção entre o conhecimento e a realidadeé de menor proporção. Revela-se por diferentes espécies: a) error inqualitate: a falsa representação refere-se a qualidades secundárias; b)error in quantitate: quando o objeto é material e o erro recai sobre oseu peso, medida ou quantidade; c) erro quanto a cláusulas acessóriasou sobre elementos acidentais dos negócios jurídicos: condição, ter-mo, modo. O erro ·ou ignorância faz anulável o negócio jurídico,quando a falsa causa for o motivo determinante do negócio. O CódigoCivil dispõe sobre este vício, a partir do art. 86.

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2. Dolo - Verifica-se o dolo nos negócios jurídicos quando odeclarante é induzido ao erro pela má-fé de alguém. É artifício peloqual se leva o declarante a praticar negócio jurídico, sob uma falsarepresentação da realidade. O autor da manobra pode ser parte donegócio ou terceiro. Consoante a doutrina, ao apreciar o dolo, deve-selevar em consideração a condição pessoal da vítima, a sua experiência,grau de discernimento. Isto não significa, orém conforme assinalaDe Page, "que se deva proteger a igno áncia,im erdoável ou a pnegligência grosseira . Para que o negóciojurídico, assim viciado ,obtenha anulação, é preciso que o agente do dolo participe na relaçãojurídica. Somente na hipótese do chamado dolo principal (dolo dans),causa determinante do negócio é que o negócio é anulável. O doloacidental (dolo incidens), que influencia apenas em aspectos secundá-rios do negóciojurídico, garante à vítima apenas o direito de reclamaruma indenização porperdas e danos. A presente matéria é disciplinadaa partir do art. 92 do Código Civil.

3. Coapão - Coação é ato de ameaça, de intimidação, pelo qualse obriga alguém a praticar determinado negóciojurídico. Esse defeitopode manifestar-se pela violência oupelo simples constrangimento�psicológico. Para que se caracterize e o negócio possa ser anulado, sãorequisitos: a) temor de dano ao declarante, à sua família ou a seus bens � b) perigo atual ou iminente ,� , c) que o objeto da ameaça seja de valor igual ou superior ao donegócio; d) ser a causa determinante do negócio; e) ser ilegal. Opresente vício acha-se regulado pelo Código Civil, nos arts. 98�usque 101.

4. Simulação - Na simulação, o declarante não é vítima; é agentede um artifício, que tem por mira fraudar a lei. Na definição de ClóvisBeviláqua, é a declaração enganosa da vontade, visando a produzirefeito diverso do ostensivamente indicado".y Exemp(o: impedido por

8 Apud Orlando Gomes, op. cit., p. 342.9 Clóvis Beviláqua, Código Civil, ed. cit., vol. I, p. 380.

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lei de doar um imóvel a alguém, o indivíduo simula um negóciojurídico de compra e venda. O negócio jurídico poderá ser anulado nãoapenas pelo lesado, mas também pelo representante do poder público,a bem da lei, ou da fazenda. A lei civil regula esta matéria a partir doart.102. ' 5. Fraude contra os Credores - Dá-se a fraude contra os credoresquando. alguém, em estado de insolvência ou com o propósito de ficarinsolvente, transfere bens de sua propriedade, que serviriam de garan-tia ao pagamento de suas dívidas. Denomina-se ação revocatória oupauliana a que tem por fim anular o negócio jurídico que apresentaesse tipo de defeito. Sobre esta matéria, o Código Civil dispõe a partirdo art.106.

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário:

184 - Roberto de Ruggieco, /nstituições de Direito Civil, vol. I; San TiagoDantas, Programa de Direito Civil; 185 - Hans Nawiasky, Teoria General del Derecho;� 186 -Roberto de Ruggiero, op. cit.; San Tiago Dantas, op. cit.; Vicente Ráo,Ato Jurldico; 187 - Roberto de Rggiero, op. cit.; San Tiago Dantas, op. cit.;� 188 - Orlando Gomes, Introdueão ao Direito Civil; Roberto de Ruggiero, op.cit.; San Tiago Dantas, op. cit.

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CAPfTULO XXXIV

ATO ILfCITO

Sumário:189. Conceito e Elementos.190. Categorias. I91. Classificação do Elemento Culpa. 192. Excludentes do llicito. I93. Teoria Subjetiva e Teoria Objetiva da Responsabilidade.194. Abuso do Direito.

189. Conceito e Elementos

Ato ilícito é a conduta humana violadora da ordem jurídica. Sópratica ato ilícito quem possui dever jurídico. A ilicitude implicasempre a lesão a um direito pela quebra do deverjurídico. Como espéciedo gênero fato juridico, cria, modifica ou extingue relação jurídica. Emqualquer caso gera sempre uma nova relação jurídica, em que o autordo ilícito assume um dever jurídico de reparar a infração. O conceitode ilícito corresponde à injúria (in ius - contra ius) dos romanos, queera a antítese do jus. A teoria dos atos ilícitos foi obra dos pandectistasalemães do século XIX, quando da elaboração da parte geral do CódigoCivil alemão. Para a configuração do ilícito concorrem os elementos: conduta,antijuridicidade, imputabilidade e culpa. Os dois primeiros são oselementos objetivos do ato e os demais, os elementos subjetivos. Oilícito é sempre uma conduta humana, ainda que instrumentalmente alesão ao direito se faça pela força de um ser irracional ou por qualqueroutro meio. A antijuridicidade significa que a ação praticada é proibidapelas normasjurídicas. A imputabilidade é a responsabilidade do agentepela autoria do ilícito. Enquanto que na esfera criminal a condutaantijurídica de um ménor não torna imputável o seu pai ou responsável,o contrário se passa no âmbito civil, em face da chamada culpa invigilando, a ser estudada no parágrafo seguinte.

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A culpa é o elemento subjetivo referente ao animus do agente aopraticar o ato. É um elemento de ordem moral, que indica o nível departicipação da consciência na realização do evento. Culpa é um termoanálogo ou analógico, de vez que é um vocábulo que apresenta doissentidos afins. Emprega-se culpa em sentido amplo e em sentido estrito.Lato sensu abrange o dolo e a culpa propriamente dita. Ato ilícito dolosoé o praticado com determinação de vontade, intencionalmente. No atoculposo não se verifica o propósito deliberado de realização do ilícito.A responsabilidade deriva de uma conduta imprópria do agente que,podendo evitar a ocorrência do fato, que é previsível, não o faz.Conscientemente não deseja o resultado, mas não impede o aconteci-mento. A culpa pode decorrer de negligência, impericia ou imprudên-cia. A negligência revela-se pelo descaso ou acomodação. O agente doato possui um dever jurídico e não toma as medidas necessárias e queestão ao seu alcance. Na impericia, a culpa se manifesta por falhas denatureza técnica, pela falta de conhecimento ou de habilidade. Aimprudência se caracteriza pela imoderação, pela falta de cautela; oagente revela-se impulsivo, sem a noção de oportunidade. A conseqüência para a prática dos atos ilícitos é a reparação dosdanos ou a sujeição a penalidades, previstas em lei ou em contrato. OCódigo Civil brasileiro, no caput de seu art. 159, define ato ilícito:"aquele que, por ação ou omissão vluntária, negligência ou imprudên-�cia, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a repararo dano." Referindo-se a esta definição, Clóvis Beviláqua fez a seguinteilação: "Tal como resulta dos termos do art. 159, ato ilicito é aviolação do direito ou o dano causado a outrem por dolo ou culpa."' Decompondo-se o conceito do ato ilícito, temos o seguinte qua-dro, de acordo com a teoria das causas: ATO ILÍCITO

CAUSA ELEMENTO CONCEPTUAL 1. Eficiente Conduta Humana 2. Material Dano ou Perigo 3. Formal Culpa (ou Risco) 4. Final Ressarcimento ou Penalidade

1 Clóvis Beviláqua, Código Civil, vol. I, ed. cit., p. 343.

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l . INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO 399

190. Categorias

Fundamentalmente há duas categorias de ilícito: o civil e o penal. No primeiro o descumprimento do deverjurídico, contratual ou extra- contratual, contraria normas de Direito Privado e tem por conseqüência a entrega de um bem ou de uma indenização. Ocorre o ilícito penal quando a conduta antijurídica enquadra-se em um tipo de crime defi- nido em lei. Em face do princípio da reserva legal, não pode haver crime e nem pena sem lei anterior. A sanção penal consiste geralmente em uma restrição à liberdade individual ou no pagamento de multa. Entre uma categoria e outra, Alessandro Groppali situa o ilícito administrati- vo, que apresenta três espécies: a) ilicito disciplinar, cuja sanção pode variar desde a repreensão até a demissão do servidor; b) ilicito de policia, que tem como pena uma restrição à liberdade; c) ilicito fiscal, cuja penalidade é de natureza pecuniária.2 Um critério diverso de classificação foi proposto por Planiol, com base na regra jurídica violada. O notável jurista distinguiu os ilícitos em três categorias: a) contra a honestidade, que são os atos que implicam deslealdade ou improbidade do agente. Este critério, que se guia pelos valores de ordem moral, assenta-se na máxima fraus omnia corrumpit (fraude corrompe tudo); b).rcontra a habilidade, são aqueles que decorrem de erros praticados no exercício da profissão, via de regra por negligência, imperícia ou imprudência; c) contra a lei, aqueles que não revelam desonestidade do agente, nem são praticados no exercício profissional, mas são proibidos por lei, em face de algum interesse social relevante.3

191. Classificação do Elemento Culpa

De acordo com o enfoque civilista analisado por Alessandro Groppali, o elemento culpa apresenta a seguinte classificação:

1. Intensidade da Culpa - Sob este aspecto a doutrina distingue três graus: culpa grave, leve e levíssima. Considera-se que a culpa é

2 Cf. Alessandro Groppali, /ntroduç·ão ao E.studo dn Direito, ed. cit., p. 205. 3 Cf. José de Aguiar Dias, Da Re.spon.snbilidade Civil, 4' ed., Forense, 1960, vol. II, p. 440.

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grave quando o autor do ilícito falta com os cuidados adotados ampla-mente pela sociedade, id estnon intelligere quod omnes intelligunt (istoé, não entender o que todos entendem). O ilícito é praticado diante deum quadro em que o simples homem do povo seria capaz de indicar aconduta adequada. A culpa é leve quando o agente não revela a prudên-cia comum aos homens de capacidade mediana. levíssima quando a�conduta exigida pelas circustâncias se reveta ao alcance de uma mino-ria, dotada de grande discernimento.

2. Conteúdo da Culpa - Quando a culpa decorre da violação deum dever jurídico omissivo, ela se diz in faciendo. O agente não devepraticar ato, não obstante, o realiza. Configura esta espécie a culpa docomerciãnte que vende bebida alcoólica a menor, apesar da proibiçãolegal. A culpa se diz in non faciendo (ou in omittendo) quando o agentedeixa de praticar um ato a que estava obrigado. O médico que deixa deprestar socorro a um paciente; o pai que nega assistência material ouintelectual ao filho, incidem nesta espécie.

3. Critérios de Avaliação - O sistema jurídico pode adotar doiscritérios distintos de aferição da responsabilidade: in abstracto ou inconcreto. Pelo primeiro, a avaliação da culpa ce faz tendo em vista ocomportamento do bom pai de familia (bonus pater familias), sem Ilevar-se em conta o condicionamento próprio do agente. O segundocritério - culpa in concreto - consiste na verificação do nível dediscernimento, cultura ou aptidão da pessoa. Nas legislações modernas,prevalece o critério da culpa in abstrato. Em alguns casos, porém, aprópria lei determina se levem em consideração as condições particu- I·lares do agente.

4. Natureza da Relação - A culpa pode ser contratual ou extra-contratual. Ocorre a primeira quando n agente deixa de cumprir umaobrigaçãó assumida por um contrato. Exemplo: o ilícito in non faciendopraticado pelo inquilino que não paga o aluguel devido. Chama-seextracontratual a culpa que deriva do não-cumprimento de um devercriado por regras jurídicas. Exemplo: a culpa que se origina de umatropelamento de trânsito.

' 5. Agente - A culpa pode originar-se de um fato pr6prio ou de umfato de outrem. A primeira hipótese é quando o indivíduo, possuindocapacidade de fato e agindo por sua conta, pratica a violação de um

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO 401

dever jurídico. Exemplo: o eleitor que não participa nas eleições.Ocorre a culpa por fato de outrem quando o responsável pelo ato ilícitonão participa pessoalmente no evento. A sua culpa deriva de umaomissão quanto ao controle da causa eficiente do ilícito. Apresenta trêsmodalidades: a) culpa in vigilando: é a responsabilidade específica dospais e tutores, que têm o dever de orientar e acompanhar os filhos epupilos; b) culpa in eligendo: é a responsabilidade dos gatrões, emrelação aos atos praticados por seus empregados; c) culpa in custodien-do: é a responsabilidade assumida pelo dono de um animal ou de coisainanimada, de cuja força resulta um evento considerado ilícito. A culpase funda na falta de diligência do proprietário quanto ao controle efiscalização de seus pertences.

192. Excludentes do Ilícito

Em seu art.160, o Código Civil brasileiro apresenta três exclu-dentes para a ilicitude: legítima defesa, exercício regular de um direitoreconhecido, estado de necessidade.

1. Legitima Defesa - Esta medida é de natureza especial e extraor-dinária, pois o caminho natural para a defesa dos direitos é a viajudicial.O aforismo de Bacon confirma: Lex cavet civibus magistratus legibus(a lei protege os cidadãos; o magistrado, as leis). A atualidade ouiminência de uma agressão injusta não comporta ou admite quaisquergestões. A reação moderada, a título de defesa, além de direito, é devermoral. Quando há esbulho, por exemplo, em que o proprietário se vêprivado da posse de qualquer bem, a lei permite a reação incontinenti.Consoante Clóvis Beviláqua, "a autodefesa destina-se a evitar o mal daviolação do direito. A auto-satisfação ou justiça particular propõe-se arestaurar o direito, que a agressão injusta fez sucumbir".4

2. Exercicio Regular de um Direito - O direito subjetivo é paraser exercitado. A sua utilização normal, de acordo com a sua finalidade,não caracteriza qualquer ilícito. Assim, o proprietário que ajuíza umaação de despejo contra uma empresa, ao reaver o imóvel, nenhuma

4 Clóvis Beviláqua, Códigri Civil, ed. cit., vol. I, p. 345.

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responsabilidade tem quanto a eventuais prejuízos sofridos pela loca-tária, em decorrência da paralisação temporária de atividade devido àmudança.

3. Estado de Necessidade - Esta excludente foi definida pela leicivil, no item II do art. 160: "a deterioração ou destruição da coisaalheia, a fim de remover perigo iminente (arts. 1.5I9 e 1.520)." Noestado de necessidade apresenta-se um conflito entre direitos perten-centes a titulares distintos. Para tutelar o direito próprio, alguém destróiou inutiliza o bem jurídico de outrem. Esta ação é ilícita apenas se nãoexcede os limites indispensáveis à remoção do perigo. Conforme Ma-chado Paupério discrimina, os requisitos do estado de necessidade sãoos seguintes: "lo que exista um perigo atual e inevitável para um bem juridicoqualquer do agente ou de outrem; 2o que não tenha sido o perigo provocado voluntariamente peloagente; 3o que, finalmente, não se possa exigir, de maneira razoável, osacrifício do bem que está ameaçado, e que compense este a destruiçãoda coisa alheia".5

193. Teoria Subjetiva e Teoria Objetiva da Responsabilidade

l. A Responsabilidade no Passado - Nos tempos primitivos,diante da lesão de um direito, prevalecia o princípìo da vingaç� � ��privada. A própria vítima ou seus familiares reagiam contra o respor-sável. Quando surgìu a chamada pena de talião, olho Dor olho, dentrpor dente, houve um progresso. Se, anteriormente, nãohavia qualquer�critério convencionado, a retribuição do mal pelo mesmo maI eszabe-lecia a medida da reparação. Esse critério, que surgiu espontaneamenieno meio social, chegou a ser consagrado por várias legislações, inclu-sive pela Lei das XII Tábuas. A grande evolução na matéria ocorreucom a composição voluntária, em que a vítima entrava em acordo como ìnfrator, a fim de obter uma compensação pelo dano sofrido. O resgate(poena), que a vítima recebia, consistia em uma parcela em dinheiro ou

5 Machado Paupério, op. cit., p. 246.

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na entrega de um objeto. Tal critério foi institucionalizado posterior-mente e recebeu a denominação de composição tari fada. A Lei das XII�Tábuas estabeleceu o quantum ou valor do resgate. Com a Lex Aqui-lia,inspirada na doutrina do pretor Aquiles, ocorreu um importanteavanço quanto à composição. Além de definir mais objetivamente osatos ilícitos, substituiu as penas fixas: o resgate deveria ser no valorreal da coisa (v. § 201 ).

2. As Teorias da Responsabilidade =' Para a teoria subjetiva,abraçada de uma forma ampla pelo Direito brasileiro, na esteira dasgrandes legislações, a culpa é essencial à caracterização do ilícito. Semela, não há ilicíto, não há responsabilidade. Na esfera criminal a teoriasubjetiva é absoluta. Em face do princípio "o ônus da prova cabe a quemalega", a vítima é quem possui o encargo de provar a culpa do infrator,a fim de obter a reparação de seu direito. Modernamente, em face doprogresso científico e tecnológico, que transformou a sociedade em umaparelho complexo, onde o homem convive com o perigo e ocorrem, acada instante, as mais variadas formas de acidente, a doutrina reconhecea necessidade de se proteger, de um modo mais eficaz, o interesse davítima pelo ressarcimento. A contribuição que a doutrina e a jurispru-dência têm dispensado ao problemaocial ejurídico consiste em alguns�processos técnicos, apontados por Alvino Lima:

"1) Na admissão, com facilidade; da existência de uma culpa. 2) No reconhecimento de presunções de culpa. 3) Na transformação da responsabilidade aquiliana em contratual. 4) Na extensão do próprio conceito de culpa. �

Com a finalidade de corrigir as distorções e injustiças que decor-rem da aplicação da teoria subjetiva, vários juristas conceberam aresponsabilidade sem culpa e traçaram os lineamentos da teoria obje-tiva ou do risco. Os fundamentos apresentados em favor desta teoriaforam descritos, em admirável síntese, por Alvino Lima: "Partindo danecessidade da segurança da vítima, que sofreu o dano, sem para eleconcorrer, os seus defensores sustentam que les faiseurs d `actes, nassuas múltiplas atividades, são os criadores de riscos, na busca de

6 Alvino Lima, Culpa e Rlsco,1 a ed., Editora Revista dos Tribunais Limitada, São Paulo,I963, p. 77.

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proveitos individuais. Se destas atividades colhem os seus autores todosos proveitos, ou pelo menos agem para consegui-los, é justo e racionalque suportem os encargos, que carreguem os ônus, que respondampelos riscos disseminados - Ubi emolumentam, ibi onus. Não é justo,nem racional, nem tampouco eqüitativo e humano, que a vítima, quenão colhe os proveitos da atividade criadora dos riscos e que para taisriscos não concorreu, suporte os azares da atividade alheia."' Apesar de prevalecer, entre nós, os critérios da teoria subjetiva, 'que fundamenta a responsabilidade no elemento culpa, a legislaçãobrasileira não ficou insensível às exigências dos novos tempos.Várias leis nacionais adotam os princípios da teoria objetiva, comoa Lei no 2.681, de 1912, que: dispõe sobre o transporte de passageirosnas estradas de ferro e a Lei de Acidente de Trabalho. =

194. Abuso do Direito

Abuso do direito é uma forma especial de prática do ilícito, quepressupõe a existência de um direito subjetivo, o seu exercício anormale o dano ou mal-estar provocado às pssoas. No passado predominava�o caráter absoluto dos direitos. Os titulares poderiam utilizar seusdireitos sem quaisquer limitações, pois qui suo iure utitur neminemlaedit (quem usa de seu direito a ninguém prejudica). A figura do abusodo direito, se não chegou a ser teorizada pelos romanos, pelo menos foiconhecida do ponto de vista doutrinário, como se pode inferir da frasedo jurisconsulto Gaio: dlale enim nostro jure uti non debemus (não�devemos usar mal de nosso direito - Inst. I, 53).R Um caso famoso najurisprudência alemã e que bem caracteriza a figura do abuso do direitopassou-se no início deste século. O proprietário de uma fazenda, sob aalegação de que sempre que se encontrava com o seu filho ocorriaaltercação, impediu-lhe que penetrasse em suas terras"a fim de visitar

7 Alvino Lima, oP. cit., p.124.8 "O exemplo fundamental do ato emulativo encontra-se no trabalho de Pistoia que,respondendo a uma consulta, relata a abertura de uma janela na parede de um edifício,feita com simples objetivo de olhar para dentro de um convento de freiras. Respondendoà consulta, Pistoia não deixa de invocar o exemplo romano ... O jurisconsulto medieval,com toda a liberdade, inventa sobre aquelas as teorias que deseja. De maneira que Pi.soin�responde o problema, dizendo: malitia non est indulgendn." (San Tiago Dantas, op. cit.,p. 369).

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o túmulo de sua mãe, que lá se achava enterrada. Apesar de não encontrar amparo na legislação, o filho recorreu à Justiça e obteve ganho de causa, sendo-lhe garantido o direito de visitar as terras nos dias de festa. Tal decisão, proferida em 1909, foi o grande marco para a plena caracterização do abuso do direit`rlo ordenamento jurídico� alemão.y No Direito moderno, o Código Civil da Prússia, de 1794, foi a primeira legislação a proibir o exercício do direito fora dos limites próprios."' Na França, no período que antecedeu ao Código Napoleão, o art. 420 das Máximas Gerais do Direito francês previa o uso anti-so- cial da propriedade: "não é permitido a qualquer pessoa fazer em sua propriedade o que não Ihe der serventia e prejudicar a outros". O Código Napoleão, porém, sintonizado com o pensamento individualista, não consagrou tal princípio. No Direito brasileiro, de uma forma indireta, o abuso do direito está previsto como ilícito. O art.160 do Código Civil, ao indicar o "exercício regular de um direito reconhecido" como exclu- dente do ilícito, ipso facto, de acordo com o argumento a contrario sensu, reconhece que o exercicio não regular não é excludente e, portanto, é um ilícito. Alguns juristas, notadamente franceses do séc. XIX, não admitem a figura do abuso do direito. Planiol, por exemplo, considerou que a� expressão se compõe de duas palavras antitéticas, que não se harmoni- zam. Demolombe, cognominado o principe da exegese, foi o maior defensor do caráter absoluto dos direitos subjetivos, não admitindo, pois, o conceito de abuso do direito. Atualmente a teoria do abuso do direito não apenas é reconhecida, como também considerada indispensável à segurança social. A neces- sidade de se proteger os interesses coletivos torna inadmissível que o espírito de emulação ou capricho de um possuidor de direito prejudique o bem-estar social. O direito subjetivo deve ser utilizado de acordo com a sua destinação, com a finalidade que lhe é própria, dentro dos limites impostos pelo interesse coletivo.

9 Luis Legaz y Lacambra, np. cit.. p. 734. 10 O critério adotado pelo.Código Civil da Prússia, nos §§ 36 e 37, foi o seguinte: "O que exerce o seu direito, dentro dos limites próprios, não é obrigado a reparar o dano que causa a outrem, mas deve repará-lo, quando resulta claramente das circunstâncias, que entre algumas maneiras possíveis de exercício de seu direito foi escolhida a que é prejudicial a outrem, com intenção de lhe acarretar dano."

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BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário:

189 - Alvino Lima, Culpa e Risco; José de Aguiar Dias, Da ResponsabilidadeCivil � 190-José de.Aguiar Dias, op. cit.; Alessandro Groppali, Introdução ao Estudodo Direito; 191- Alvino Lima, op. cit.; Alessandro Groppali, op. cit.; 192 - Clóvis Beviláqua, Código Civil, I; Machado Paupério, Introdução àCiência do Direito; 193 - Alvino Lima, op. cit.; José de Aguiar Dias, op. cit.; 194 - Luis Legaz y Lacambra, Filosofia de! Derecho; Alvino Lima, op. cit.;San Tiago Dantas, Programa de Direito Civil.

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Oitava Parte

ENCICLOPÉDIA JURÍDICA

Capítulo XXXV

RAMOS DO DIREITO PÚBLICO

Sumário: 195. Consideraçôes Prévias. l9ó. Direito Constitucional. 197. Direito Administrativo. l98. Direito Financeiro. l99. Direito Internacio- nal Público. 200. Direito Internacional Privado. 201. Direito Penal. 202. Direito Processual.

195. Considerações Prévias

A presente unidade, que versa sobre os ramos do Direito, objetivaproporcionar ao estudante a visão universal da árvore jurídica. Seuintento não é o de abordar conceitos e temas fundamentais de cadaramo, mas o de oferecer a perspectiva de estudo das diversas disci-plinas especiais. A discriminação dos ramos não se fará exaustiva outotal. Vamos limitar a nossa apreciaçãó apenas aos ramos tradicio-nais, aqueles que formam disciplinas integrantes dos currículos decursos. O ordenamento jurídico é um conjunto harmônico de regrasque não impõe, por si, qualquer divisão em seu campo normativo. Asetorização em classes e ramos é obra de iniciativa da Ciência doDireito ou Dogmática Jurídica, na deliberação de organizar o Direito

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Positivo, para fazê-lo prático ao conhecimento, às investigações cien-tíficas, à metodologia do ensino e ao aperfeiçoamento das instituiçõesjurídicas. Sublinhamos, novamente, a necessidade de se considerar todoramo do Direito como espécie de um gênero comum. Antes de seradjetivo, pciblico, privado, penal, civil, o conjunto de normas expressao substantivo Direito. Assim, cada ramo do Direito Positivo, além depossuir caracteres próprios, participa das propriedades inerentes àárvorejurídica: processo de adaptaÇão social; normas coercitivas sobo comando do Estado; sujeição à variação histórica e submissão aosprincipios do Direito Natural; fórmula d realizaÇão dos valores segu-�rança e justiÇa. O critério adotado na classificação dos ramos jurídicos é o daantiga divisão do Direito Público e Privado que, apesar de sua reconhe-cida deficiência, revela duas tendências fundamentais no estudo daJurisprudência.

196. Direito Constitucional

A palavra constituição é um termo equívoco, porque possui váriasacepções inteiramente distintas. Em sentido amplo, significa estruturae, sob esse aspecto, todo ser apresenta uma constituição: homem, livro,automóvel. No campo jurídico o vocábulo é empregado em sentidomaterial e formal. Do ponto de vista material, constituição representaa organização dos poderes e órgãos do Estado, bem como'as normas .protetoras das pessoas. Sob o aspecto formal, constituição significa odocumento legal que define a estrutura estatal. Como a existência deum Estado pressupõe organização interna, todos possuem, necessaria-mente, uma constituição do ponto de vista material. Nem todos, porém,apresentam uma constituição formal, como é o caso da Inglaterra, quea possui consuetudinária. Direito Constitucional é o ramo do Direito Piiblico que dispõe ,sobre a estrutura do Estado, define a fiinção de secis órgãos e estabeleceas garantias fundnmentais da pessoa. É um direito que limita a açãodo governo, pois estabelece faixas de competência para os poderes. Étambém um direito de garantia das pessoas, pois as constituiçõesmodernas estabelecem um elenco de garantias fundamentais aos sereshumanos. Denomina-se parte orgânicá da constituição a que dispõe

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sobre a estrutura do Estado e parte dogmática a que se refere aosdireitos e garantias individuais. Em nossa Constituição, esta parte seacha inserida no art. Sa e seus setenta e sete itens. A ciência do Direito Constitucional começou a formar-se com osestudos promovidos por Montesquieu, ao desenvolver a clássica divi-são dos poderes. A consolidação dessa ciência, como saber autônomoe sistemático, ocorreu ao final do século XVIII, com a promulgaçãodas primeiras constituições: a norte-americana, em 1787; as constitui-ções francesas de 1791,1793 e 1795, além da famosa "Declaração dosDireitos do Homem e do Cidadão", na França, em 1789. A importância das constituições decorre também de sua superio-ridade hierárquica em relação às leis ordinárias. As constituições fixamos princípios e as grandes coordenadas da vida jurídica do Estado e olegislador ordinário desenvolve essas regras gerais, através doscódigos e legislação extravagante. Enquanto que o termo constitui-ção é aplicado ao documento votado pelos representantes do povo,o vocábulo carta designa a Lei Maior que é outorgada pelo governo. Pelo fato de a constituição expressar o sistema político do Estadoe definir a proteção básica do cidadão, ela constitui uma importantefonte de conhecimentos quanto à filosofia política e social do povo, nãoobstante a possibilidade de ocorrer ofenômento das constituições queÁngel Latorre denomina de semânticas, "cujas normas têm pouca ounenhuma relação com a realidade política do país em que em teoria regem,sendo essa circunstância deliberadamente desejada pelo legislador". � p Brasil já promulgou sete Constituições: as de 1824,1891,1934,1937,1946,1967, substancialmente alterada pela Emenda Constitucio-nal de 17 de outubro de 1969 e a de 1988.

197. Direito Administrativo

A malidade do Estado é a de promover o bem-estar da coletivi-dade. Para alcançar o seu objetivo deve apresentar, em primeiro lugar,uma estrutura definida de poder, que é uma atribuição do DireitoConstitucional e, em segundo lugar, desenvolver a prestação de servi-ços públicos, cujo estudo compete à Dogmática Administrativa. O

1 Ángel Latorre, np. cit., p 191.

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pensamento central desse ramo é o conceito de servio público, que é�a atividade estatal dirigida à satisfação das necessidades coletivas deordem fundameptal, como o fornecimento de energia elétrica, correio,abastecimento de água, transportes, obras públicas, segurança etc. Emque medida e dentro de que limites deve ser prestado esse serviço, éalgo que diz respeito à filosofia política de cada Estado e sobre isto hávárias correntes doutrinárias. As principais se reduzem a duas: a indi-vidualista, para quem o Estado deve intervir o mínimo possível nodesenvolvimento social e limitar-se às atividades próprias do Estado-Guardião, e a coletivista ou socializante, que preconiza o Estado-Pro-vidência, participante em todos os assuntos de relevância social. É o Direito Administrativo que estabelece a fórmulajurídica paraa realização do serviço público, cujo conceito foi definido por Jèzecomo "toda organização de caráter permanente destinada a satisfazeras necessidades públicas de um modo regular e contínuo".z Como aexecução e o controle dos serviços públicos dependem do trabalho defuncionários qualificados, o Estado admite servidores de' acordo como que estabelecem as normas específicas, que se incluem no objeto doDireitó Administrativo. Este ramo, na definição de Themístocles Bran-dão Cavalcanti, "é o conjunto de princípios e normas jurídicas quepresidem ao funcionamento das atividades do Estado, à organização eao funcionamento dos serviços públicos, e às relações da administraçãocom os indivíduos".3 O Direito Administrativo não se confunde com a Ciência daAdministração, que estuda os modelos teóricos relativos à gestão dosinteresses coletivos. Esta Ciência, que se ocupa com a política e atécnica da administração, oferece importantes subsídios ao DireitoAdministrativo, que é modelo concreto de administração da coisapública. A Dogmática Administrativa, que hoje é um ramo autônomo,destacou-se do Direito Constitucional a partir do início do século XIX.Seus princípios básicos surgiram na França, com a organização dosserviços públicos, promovida por Napoleão Bonaparte.. Considerado por alguns como o Direito do futuro, bem se podeafirmar que o Administrativo é o Direito do presente, tal a sua penetra-ção na vida social e os seus reflexos nos diversos ramos jurídicos. É

2 Apud, lorge I. Hübner Gallo, op. cit., p. 387.3 Themístocles Brandão Cavalcanti, Curso de Direito Administrativo, 6' ed., FreitasBastos, Rio de Janeiro,1961, p. 23.

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um Direito que se desenvolve amplamente e que, por se um campo�demasiadamente vasto e carecer ainda de estabilidade, não se achatotalmente codificado. Em nosso País, a codificação das normas admi-nistrativas se faz de forma progressiva e por partes. Assim é quepossuímos códigos de Água, Caça, Pesca, Florestal, Minas, Contabili-dade Pública, Estatuto dos Funcionários Públicos etc.

198. Direito Financeiro

Direito Financeiro é o ramo do Direito Público que disciplina areceita e a despesa pública. Para realizar os serviços públicos, o Estadonecessita de recursos financeiros, que são obtidos mediante a cobrançade impostos, contribuições, taxas, bem como por sua atividade empre-sarial. O movimento de arrecadação do dinheiro público e o seuemprego em obras e despesas gerais constituem o objeto do DireitoFinanceiro. Nessa disciplina são estudados os tributos, crédito, DireitoFinanceiro Penal, despesa pública. Apesar de as expressões DireitoTributário e Direito Fiscal serem empregadas, muitas vezes, comoequivalentes ao Direito Financeiro, constituem apenas uma parte desseramo referente às contribuições. Enquanto para a Escola Francesa oaspecto mais importante do Direito Financeiro é o que se refere àobtenção dos meios, para a Escola Alemã fundamental é a parte relativaà despesa pública. Tais preferências não apresentam um fundamentológico, de vez que as duas tarefas são etapas necessárias e indispensá-veis de um mesmo processo. Apesar de algunsjuristas, como Bompani, considerarem o DireitoFinanceiro um simples apêndice do Direito Administrativo, a generali-dade dos autores reconhece a sua autonomia. Até o início do atualséculo, a Dogmática Financeira não apresentava princípios próprios eseus estudos localizavam-se nos compêndios de Direito Constitucional,Direito Administrativo e Ciência das Finanças. A doutrina jurídica, que serviu de base ao surgimento do DireitoFinanceiro como ramo autônomo, foi a desenvolvida, primeiramente,pelo austríaco Myrbach Rhinfield (1909) e pelo alemão Enno Becker.Foram decisivos também os estudos apresentados, mais tarde, pelositalianos Pugliese, Grizzioti, Ingroso, Jarach e pelos franceses Trotabase Hebrard. Em nosso País, até à metade do atual século, o DireitoFinanceiro era considerado um campo anexo da Ciência das Finanças.

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Atualmente, porém, apresenta um grande desenvolvimento e s �normas fundamentais acham-se inseridas no Código Tributário Nacnal, de 1966.

199. Direito Internacional Público

O Direito Internacional Público é o ramo juridico que disciplias relações entre os Estados soberanos e os organismos análogos. .suas principais fontes formais são os tratados e os çostumes internacnais. A sua existência pressupõe as chamadas bases sociológicas:pluralidade de Estados soberanos, pois se houvesse apenas um Estado Estado Mundial, não haveria dualidade de interesses e, con �qüentemente, não se justificariam quaisquer normas que nfossemas internas: b) comércio internacional, pois a grande masde interesses apresenta conteúdo econômico e envolve a trocariquezas; c) principios juridicos coincidentes, de vez que, inextindo valores comuns, faltariam os critérios de entendimento.4 Originalmente esse ramo jurídico recebeu a denominaçãoDireito das Gntes, adotada pelo esanhol Francisco Suárez (154� ��1617) e pelo holandês Hugo Grocio (1583-1645). Em Roma e �expressão foi empregada em sentido diverso, pois se referia às norrrque regulavam as relàções jurídicas dos estrangeiros. A denominaçproposta por Suárez foi aceita e generalizou-se entre os povosdiferentes línguas: droit des gens; law of nations; elerecho de gentcdiritto delle genti. Apesar de éssa denominação ser mantida na Alerrnha, Võlkerrecht, modernamente foi substituída pelo nome Dire.Internacional, de uso corrente nos diversos idiomas: droit internatinal; international law; diritto internazionale. Essa expressão, contuctem sido criticada por alguns autores por se referir ao conceito de naç �que é de ordem sociológica e não jurídica. Sugerem, esses juristassubstituição pelo termo interestatal. A teorização do Direito Internacional foi encetada pela EsccEspanhola do Direito das Gentes, constituída, entre outros nomes, pFrancisco Vitória, Soto, Molina, Francisco Suárez, que defendera �nos séculos XVI e XVil, a existência de uma comunidade internacion

4 Cf. Celso D. de Albuquerque Mello, op. cit., 1" vol., p: 37.

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fundada na independência e igualdade de direito entre os Estados. Foiimportante também a contribuição de Hugo Grócio, considerado pormuitos o "pai do Direito Internacional". Foi esse jurista que formuloua divisão do objeto do Direito Internacional em guerra e paz, em suaobra intitulada De Jure Belli ac Pacis ( 1625). Tal critério ainda perdura,sendo incluída a parte relativa ao Direito de neutralidade nos estudossobre a guerra. O Direito Internacional, que é também Direito Positivo, apresentavárias semelhanças com o Direito interno, conforme discriminaçãofeita pelo internacionalista Celso D. de Albuquerque Mello: "a) é umaordem normativa; b) é dotado de sanção; c) tem idêntica noção de atoilícito, isto é, que ele consiste na violação de uma norma."5 Na opiniãode Luis Legaz y Lacambra, o Direito Intèrnacional apresenta todos ossupostos essenciais da juridicidade: "a) há um ponto de vista sobre ajustiça a realizar; b) há uma pluralidade de sujeitos de direito; c) há umarecíproca correlação de licitude; d) há uma forma de viver social quese cristaliza em um conjunto de normas jurídicas." � Não obstante os elementos comuns existentes entre o DireitoInternacional e o Direito interno, alguns autores discutem a existênciadesse ramo do direito e alguns chegam até a negar o caráter jurídicodas normas internacionais. Questionam, entre outros aspectos, os se-guintes:1 o) A impossibilidade de um Estado, em face de sua soberania,subordinar-se a qualquer ordenamento que não seja ditado por elepróprio; 2o) A ausência de um poder legislativo; 3o) A falta de umajurisdição internacional; 4o) A falta de sanção. Tais argumentos encon-tram resposta imediata: o Direito Internacional não subordina os Esta-dos a um poder estranho, mas ao império das normas jurídicas e oconceito atual de soberania não é incompatível com a submissão àordem jurídica; assim como no Direito interno há uma criação espon-tânea do Direito, o consuetudinário, que não requer a intervenção oucomando do Estado, na ordem internacional é possível também aprodução normativa independentemente de um poder superior ao Esta-do; a aludida falta de umajurisdição internacional compromete apenas,e em parte, a efetividade do Direito e não a sua validade, o que, dito emoutras palavras, quer dizer que não se deve confundir o "ser" do Direito

5 Celso D. de Albuquerque Mello, np. cit.,1" vol., p. 41.6 Apud Carlos Mouchet y Zorraquin Becu, ap. cit., p. 491.

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com o "dever-ser"; apesar de deficiente, existe a sanção internacional,sob diferentes modalidades: represália, boicote, bloqueio pacífico,guerra etc. Quanto à relação entre o Direito Internacional e o Direito interno ,a doutrina apresenta duas grandes correntes: a dualista e a monista.Para a primeira corrente, os dois direitos constituem sistemas inteira-mente independentes, que estão entre si como dois círculos tangentes.Para o monismo; ao contrário, os dois direitos se integram num sistemaúnico. Nesse ponto, bifurcam-se as opiniões. Para a linha hegeliana, noordenamentojurídico único, a predominância é do Direito interno sobreo Direito Internacional, em face do caráter absoluto da soberania e, paraa outra corrente, na qual se destacam os adeptos da Escola de Viena(Kelsen, Verdross, Kunz e outros), a norma internacional ocupa umaposição superior ao Direito interno, que lhe deve submissão. Comosíntese das correntes dualista e monista, surgiram as chamadas teoriasconciliadoras, que admitem a existência de dois sistemasjurídicos comuma subordinação parcial. Alguns Estados reconhecem expressamentea obrigatoriedade interna das normas internacionais. Na Inglaterraexiste o príncipio de que "o Direito Internacional é parte do Direito daInglaterra" e na Alemanha o art. 25 de sua Constituição Federal deter-mina: "As regras gerais do Direito Iternacional são parte do Direito�federal. Tém primazia sobre as leis e produzem direitos e obrigaçõesimediatas para os habitantes do território federal." Os organismosinternacionais, que zelam pelo aperfeiçoamento e eficácia do DireitoInternacional, são, entre outros, a Organização das Nações Unidas(ONU), criada em 1945; a Organização dos Estados Americanos(OEA), de 1948; a Corte Internacional de Justiça, sediada em Haia.

200. Direito Internacional Privado

O Direito Internacional Privado, na definição de Agenor Pereirade Andrade, "é o conjunto de normas que têm por objetivo solucionaros conflitos de leis entre ordenamentos jurídicos diversos, no planointernacional, indicandn a lei competente a ser aplicada".' Quando

7 Agenor Pereira de Andrade, op. cit., 25.

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estudamos a eficácia da lei no espaço já entramos em contato com oprincipal objeto desse ramo (v. § 139). Não obstante a prevalência da opinião de que se trata de um ramodo Direito Privado, entendemos, juntamente com Miguel Reale e PauloDourado de Gusmão, que a sua natureza é de Direito Público:s Peloselementos que a definição acima oferece, verifica-se que esse ramo,apesar de produzir efeitos sobre os particulares, não cria modelos deconduta intersubjetiva, pois limita-se a indicar o sistema jurídico a seraplicado às relações sociais, o nacionat ou o estrangeiro. As suasnormas são de caráter cogente ou taxativo, pois as partes interessadasnão podem alterar os seus efeitos. A denominação desse ramo tem sido criticada por diversos auto-res, quanto aos três vocábulos que a compõem. Para alguns, não chegaa ser Direito, sendo apenas um conjunto de princípios ou normastécnicas que resolvem conflitos de leis. Na opinião de outros juristas,não possui caráter internacional, pois é regulado internamente pelospróprios Estados para ser aplicado em seus territórios. A expressão écriticada ainda em razão do termo privado, pois muitos consideram esseramo como sendo de Direito Público. Outras denominações têm sidoapresentadas: Direito Intersistemático, Direito Civil Internacional, Di-reito Privado Universal dos Estrangeros, Direito dos Limites, Conflito�de Leis. Quanto ao objeto da disciplina, não há uniformidade de pensa-mento entre os juristas. Para a Escola Francesa, o Direito InternacionalPrivado regula: a) o contlito de leis no espaço; b) os aspectos jurídicosda nacionalidade; c) a situação jurídica do estrangeiro. Alguns autores,como Haroldo Valadão e Amílcar de Castro, estendem o objeto deestudo do Direito Internacional Privado à solução de conflitos entreordenamentos jurídicos de um mesmo Estado. As opiniões divergemtambém quanto à inclusão dos conflitos de leis de natureza penal, admi-nistrativa, processual e fiscal. Na opinião de Agenor Pereira de Andrade,não se pode aceitar a idéia "de que houvesse confrontos de leis no planoextemo que fugissem ao estudo da nossa disciplina, por se situaremnessa ou naquela departição do direito".y

8 Miguel Reale, Lições Preliminares de Direitn, ed. cit., p. 348 e Paulo Dourado de�Gusmão, Intrndução an Estudo do Direitn, ed. cit., p. 215.9 Agenor Pereira de Andrade, np. cit., p. 23.

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Apesar de alguns autores negarem autonomia ao Direito Interna-cional Privado, ela é reconhecida de uma forma generalizada peloscientistas do Direito. O fato de grande párte de suas normas localiza-rem-se; em nosso sistema, na Lei de Introdução ao Código Civil, é algocontingente e que não indica qualquer dependência ao ramo do DireitoCivil. Em 1928, a Sexta Conferência Interamericana aprovou, em Ha-vana, um Código de Direito Internacional Privado, cujo projeto foielaborado pelo jurista cubano Antonio Sanchez de Bustamante. Essediploma legal, que recebeu o nome de Código de Bustamante, foiratificado pelo Brasil, através do Decreto Legislativo no 5.467, de 7 dejaneiro de 1929.

201. Direito Penal

Direito Penal é o ramo do Direito Público que define os crim.es, iestabelece as penalidades correspondentes e dispõe sobre as medidasde segurança. Na definição de Mezger "é o conjunto de normas jurídi-cas que regulam o poder punitivo do Estado, ligando ao delito, comopressuposto, a pena como conseqüência"."'Além da dénominação Di-reito Penal, a mais divulgada atualmente, esse ramo é também desig-nado por Direito Criminal. Enquanto que a primeira denominação fazreferência à conseqüência jurídica a que está sujeito o autor do crime,a segunda se refexe ao conceito nuclear do ramo, que é o crime. Algunsautores criticam a expressão Direito Penal; por não abranger uma parte ,importante desse ramo, que são as medidas de segurança. Outros nomesforam sugeridos: Direito Repressivo (Puglia); Direito Restaurador ouSancionador (Valdés); Direito de Defesa Social (Martinez); Direito Pro-tetor dos Criminosos (Dorado Montero) etc. Antes de atingir a atual fase, em que o titular dos jus puniendi éo Estado, o Direito Penal passou por diversas etapas: a) vingançaprivada; b) composição voluntária; c) composição legal; d) repressãodo Estado." Primitivamente, a vítima ou seus familiares reagiam à lesão '

10 Apud E. Magalhães Nótonha, Direitn Pennl, Edição Saraiva, São Paulo,1959, lo vol.,p.12.11 Cf. Giulio Battaglini, Direitn Penal - Parte Geral, Edição Saraiva, São Paulo,1964,p. 7.

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do direito, pela própria força (v. § 193). Na fase da composiçãovoluntária a vítima entrava em acordo com o criminoso e trocava o seuperdão por uma compensação econômica. Posteriormente, esse critériode composição, instituído naturalmente pelas partes, foi adotado pelaslegislações, que impunham ao infrator um pagamento à vítima, Final-mente, no período de humanização do direito, para o qual CésarBeccaria (1738-1794) contribuiu decisivamente, com a sua obra DeiDelitti e delle Pene, o Estado detém o monopólio do direito depunir e o faz mediante critérios científtcos que objetivam, de um lado,a intimidação e, de outro, a readaptação social do criminoso. A Moral, que exerce grande influência em toda a árvore jurídica,manifesta-se de uma forma mais intensa no ramo penal. Ao defmir asinfrações, a Dogmática Penal lida com o minimo ético, ou seja, com osprincípios morais mais relevantes e essenciais ao bem-estar da coleti-vidade. Por esse motivo o Código Penal é considerado, por alguns,como o código moral de um povo e o ilícito penal é referido, às vezes,como ilicito moral. Giulio Battaglini explica as razões: "enquanto quenos demais ramos do Direito a Moral é, antes de mais nada, critério devaloração (com exceção da instituição do matrimônio que, no DireitoCivil, é regulada por leis de ética natural), no Direito Penal o conteúdomaterial do preceito se constitui prncipalmente de normas morais�(direito natural)."'2 Quanto às infrações penais, os sistemas jurídicos apresentam doiscritérios básicos. Alguns países, como a Alemanha, França e Bélgica,adotam uma divisão tricotômica: crime, delito e contravenção, cujosconceitos se distinguem apenas sob o aspecto de gravidade do ilícito.Nesse sistema, o delito é infração mais grave do que a contravenção emais leve do que o crime. Em outros países, como o nosso, adota-seapenas uma divisão dicotômica: crime ou delito e contravenção. Nãohá uma distinção ontológica entre crime e contravenção. O critério é oquantitativo. Daí Nélson Hungria ter apelidado a contravenção por"crime anão". A distinção maior é quanto às penas e o seu cumprimento. O ponto maior de convergência da Dogmática Penal reside noconceito de crime e seus elementos constitutivos. Costuma ser definidocomo aÇão humana, tipica, antijuridica e culpável. A) Ação Humana:somente o homem possui responsabilidade criminal. As pessoasjurídi-

I2 Giulìo Battaglini, op. cit., p. 6.

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as não podem ser sujeito ativo do crime. A responsabilidade criminal��é apenas a de seus dirigentes. Nem os irracionais, como se admitiaoutrora, são imputáveis. Os requisitos básicos para a responsabilidadepenal são: idade mínima de dezoito anos e discernimento. B) Tipica: atipicidade consiste no fato de a ação praticada enquadrar-se em ummodelo de crime definido em lei. Prevalece, no Direito Penal, o prin-cipio de estrita legalidade: nullum crimen, nulla poena, sine lege (nãohá crime e nem há pena sem lei). Este é um princípio de vital impor-tância para a segurança jurídica dos indivíduos. Como decorrêncialógica, não se admite a analogia em matéria penal para efeito deenquadramento da conduta em tipos de crime e fixação de penas.Discute-se a respeito da aplicação da chamada analogia in bonampartem que favorece ao acusado. Rocco, Bettiol, Delitala e outrosadmitem-na, enquanto que Nélson Hungria, Von Hippel, Asúa e outrosa ela se opõem. C) Antijuridica: a ação praticada é contrária ao Direito.O antijurídico penal pressupõe sempre a tipicidade. D) Culpabilidade:é o elemento subjetivo da ação. Para haver crime é necessário que oagente da ação tenha agido intencionalmente ou com imprudência,negligência ou imperícia. Chama-se crime doloso o praticado comdeliberação e vontade; culposo, quando não desejando conscientemen-te o resultado da ação, o agente não o impede. Em matéria penal,portanto, não há qualquer aplicação da teoria objetiva da responsabi-lidade ou da responsabilidade sem culpa. Questiona-se quanto à inclu-são da punibilidade no conceito de crime. O penalista italiano GiulioBattaglini defendeu a inclusão, mas prevalece, contudo, a opiniãocontrária, e o argumento mais forte foi apresentado por Sauer, aoafirmar que o crime é o pressuposto da pena, ou seja, esta é o efeitojurídico da prática do crime.

202. Direito Processual

Direito Processual é o ramo juridico que recine os principios enormas que dispõem sobre os atos judiciais tendentes à aplicação doDireito aos casos concretos. Esse ramo surgiu apenas em uma fase demaior desenvolvimento científico do Direito. Nos tempos primitivos asolução jurídica dos conflitos interindividuais era uma tarefa dos par-ticulares. O poder público não assumia o encargo de resolver os litígios.

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Quando alguém se julgava lesado em seu direito, tomava a iniciativade obter a reparação do dano sofrido, mediante expediente próprio. Erao sistema de autodefesa. Modernamente a tarefa dejulgar e aplicar a lei aos casos concretosé monopólio do Estado e só excepcionalmente se admite o desforçopessoal (legítima defesa). Para o cumprimento de seu dever de resolveras questões jurídicas manifestas, o Estado moderno dispõe de um poderpróprio, o Judiciário, especificamente estruturado para desenvolver aatividade jurisdicional. A função que exerce é da máxima importânciapara a segurança jurídica dos indivíduos. A efetividade do Direito nãodepende apenas de leis aperfeiçoadas que indiquem os modelos decomportamento social. É indispensável, çomplementarmente, um sis-tema eficiente de regras que organizem a prestaçãojurisdicional, paraque o Poder Judiciário, com independência, critério científico e aceleridade desejada, julgue os pedidos que lhe são dirigidos. O Direito Processual, também denominado Direito Judiciário ,é caracterizado como um Direito adjetivo ou fórmal, como meio dedistinção do que regula diretamente os fatos sociais, caracterizadocomo Direito substantivo ou material. A alusão ao Direito Processualcomo Direito adjetivo é criticada por alguns autores, sob o funda-mento de que o adjetivo modifica o`substantivo, fato esse que nãoocorre na relação entre os dois campos normativos em referência. Historicamente as normas processuais surgiram no bojo das leismateriais, como apêndice. Atualmente, porém, o Direito Processualrevela-se autônomo não apenas no ponto de vista científico e doutriná-rio, mas também no campo legislativo. Assim é que, ao lado do CódigoCivil e Comercial, há um Código de Processo Civil, que estabelece osprocedimentos judiciais a serem observados quando as pretensõesforem de natureza civil ou comercial. Igualmente, além do CódigoPenal, há o Código de Processo Penal, destinado a regular as açõescriminais. Discute-se, doutrinariamente, se o Direito Processual pertence àclasse do Direito Público ou Direito Privado. A opinião prevalente é aque o situa entre os ramos do Direito Público. Alguns autores, notada-mente franceses, entendem que o processo civil pertence ao gênero doDireito Privado, enquanto que o processo penal, ao Direito Público.Alegam que no processõ civil as partes possuem ampla liberdade naprática dos atos judiciais e que os interesses em jogo são apenasparticulares, enquanto que o processo criminal é inflexível, pois nem o

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juiz, nem as partes podem alterar o rumo da ação criminal. ÁngelLatorre contesta a alegada dualidade de interesses: "A coletividade e aordemjurídica, em seu conjunto, estão interessadas em que os conflitosentre particulares se resolvam com rapidez e justiça. A função judicialno âmbito do processo civil é também um exercício do poder públicoem prol da comunidade e não simplesmente um instrumento nas mãosdos particulares."'3 O objeto de estudo do Direito Processual centraliza-se em trêsaspectos fundamentais: a) jurisdição; b) aFão; c) processo. Ajurisdiçãoconsiste no poder que os juizes e tribunais possuem de declarar odireito sobre as questões que lhe são submetidas. A palavra jurisdiçãoé de origem latina lurisdictio, que significa dizer o direito. Divide-seem contenciosa e voluntária. A primeira se ocupa das questões litigio-sas, enquanto que a segunda apresenta um caráter administrativo, sendoprovocada quando o interessado deseja uma declaração ou autorizaçãojudicial. Para Calamandrei, apenas a contenciosa constitui efetiva-mente umajurisdição. O conceito de jurisdição não se confunde como de competência. Esta é a medida da jurisdição, ou seja, é a aptidãodo juiz para exercer sua jurisdião em caso determinado."� O direito de ação consiste na faculdade, que o portador de uminteresse econômico ou moral prsui, de submeter uma pretensão,�contra um sujeito de direito, à apreciação do Poder Judiciário, exigin-do-lhe a prestação jurisdicional. É um direito autônomo, que nãodepende do suporte de um direito subjetivo. Processo é o conjunto deatos judiciais necessários à declaração do direito aos casos concretos.

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Orden do Sumário:� 195 - Texto; 196 - Eduardo Garcia Máynez, Introducción a! Esndio del Derecho; Ángel�Latorre, Introducción al Derecho; Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitu-cional;

13 Ánget Latorre, op. cit., p. 202.l4 Alsina, apud Mouchet y Becu, op. cit., p. 392.

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197 - T. Brandão Cavalcanti, Curso de Direito Administrativo; MárioMasagão, Curso de Direito Administrativo; Mouchet y Becu, Introducción afDerecho; 198 - Mouchet y Becu, op. cit.; Jorge I. Hilbner Gallo, Introducción alDerecho; 199 - Celso D. de Albuquerque Mello, Curso de Direito Internacional Pcibli-co; Ángel Latorre, op. cit.; 200 - Agenor Pereira de Andrade, Manual de Direito Internacional Privado;Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito; Paulo Dourado de Gusmão, Introdu-çâo ao Estudo do Direito; 201- Giulio Battaglini, Direito Persal - Parte Geral; E. Magalhães Noronha,Direito Penal, vol 1o; Basileu Garcia, Instituições de Direito Penal, vol. I, tomo I; 202 - Mouchet y Becu, op. cit.; Ángel Latorre, op. cit.

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Capítulo XXXVI

RAMOS DO DIREITO PRIVADO

Sumário: 203. Direito Civil. 204. Direito Comercial. 205. Direito do Trabalho.

203. Direito Civil

Direito Civil é o conjunto de normas que regulam os interessesfundamentais do homem, pela simples condição de ente humano. Éconsiderado a constituipão do homem comum, por ser referir às princi-pais etapas e valores da vida humana. Em face de sua grande generali-dade, esse ramo apresenta alguma dificuldade para uma definição�rigorosa, de acordo com os princípios da lógica. O seu gênero próximo,que é o Direito Privado, praticamente se confunde com o seu objeto,daí os autores, em boa parte, se encaminharem para as definiçõesenumerativas do conteúdo. Sob o aspecto objetivo, Clóvis Beviláqua odefine como "o complexo de normas jurídicas relativas às pessoas, nasua constituição geral e comum, nas suas relações recíprocas de famíliae em face dos bens considerados em seu valor de uso". Sob o aspectosubjetivo, considerou-o "o poder de ação que a ordemjurídica asseguraà generalidade dos indivíduos".' A denominação desse ramo é bem antiga e provém dos romanos(jus civile), que a empregavam, porém, em sentido muito amplo, comoo estatuto jurídico aplicável aos cidadãos, em oposição ao jus gentium,que se destinava aos estrangeiros. Durante a Idade Média, sob adenominação Direito Civil, compreendia-se todo o Direito Positivo,com exceção ao Direito Canônico, que apresentava princípios e normas

1 Clóvis Beviláqua, Teoria Ceral dn Direito Civil, ed. cit., p. 64.

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próprias. Somentè com as primeiras codificações, já ao final do séculoXVIII, foi que a Dogmática Civil se personalizou. Na Alemanha, porexemplo, até a promulgação do famoso B.G.B., o termo Direito Civilera equivalente ao Direito Privado. Em relação ao Direito Público, éconsiderado conservador, de vez que, tendo alcançado o estádio deamadurecimento científ co, pouco evoluiu. A sedimentação doutrináriado Direito Civil vem acumulando-se desde a época dos romanos aosdias atuais. É o ramo que tem experimentado, no dizer de Ángel Latorre,"a mais larga e refinada elaboração dòutrinal e o que proporciona osistema de conceitos e o conjunto de aptidões mentais mais completase perfiladas rio mundo do Direito".2 A Dogmática Civil é um Direito geral e comum, que se aplicasupletivamente a outros ramos do Direito Privado, nos casos de lacunas.É também o Direito Privado por excelência. Dele se destacaram váriosramos, como o trabalhista, comercial, agrário, minas etc. O processode desprendimento de disciplinas, ocorrente nesse ramo, é análogo aoque se passou no âmbito da Filosófia, que inicialmente abarcava todasas áreas de conhecimento mas que, lenta e progressivamente, foiperdendo o seu domínio e apresenta, hoje, um objeto de estudo bemmais limitado. Em relação ao Direito Civil, não se pode afirmar aindaque o processo de formação de nvos sub-ramos tenha-se acabado e�que o seu objeto atual represente o seu núcleo definitivo. Aeste respeitoClóvis Beviláqua externou a sua opinião afirmando que "até onde iráesse fenômeno de desenvolvimento crescente da matéria jurídica eformação de novos grupos autônomos é difícil dizer, mas sente-seque a energia não está esgotada".3 Por esse motivo costuma-se dizerque o Direito Civil possui um caráter residual. O objeto de estudo do Direito Civil apresenta dois setores distin-tos. Um deles se refere à matéria de interesse comum aos diversosramos jurídicos e que abrange o estudo sobre as pessoa,s, bens e atosjuridicos. O outro setor constitui propriamente a temática do DireitoCivil e compreende as seguintes matérias: Familia, Obrigações, Coi-sas, Sucessões, que expressam os interesses fundamentais da pessoa.Àfamilia o homem se vincula pelos instintos vitais e afetivos. As regrasde Direito não criam essas relações mas as reconhecem, protegendo-as.

2 Ángel Latorre, op. cit., p. 208.3 Clóvis Beviláqua, Teoria Geral do Direito Civif, ed. cit. p. 64.

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O Direito de família apresenta um conteúdo moral acentuado e nele se manifestam claramente os princípios do Direito Natural. O principio da autonomia da vontade, que é amplamente utilizado no Direito Civil em geral, possui uma diminuta expressão no Direito de Família, sendo aplicável, somente em parte, quanto ao regime de bens no casamento, adoção, separação conjugal por mútuo consentimento. O Direito das Obrigações reflete também uma necessidade primária do homem, que é a de obter, mediante vínculos jurídicos, os meios necessários de sobrevivência. É pela força jurídica dos contratos que a homem compra os alimentos e utensílios indispensáveis, aluga uma casa, adquire um terreno. Esta parte do Direito Civil é comandada pelo aludido princípio da autonomia da vontade. O liberalismo jurídico não é absoluto, pois, na proteção da parte mais fraca e de acordo com o interesse social, o Direito estabelece limites à livre disposição da vontade. O Direito das Coisas diz respeito à propriedade de bens móveis e imóveis. A posse e o uso das coisas materiais são indispensáveis à satisfação das necessi- dades vitais do homem. O Direito das Sucessões, que disciplina a transmissão de bens mortis causa, é dominado pelo princípio da legiti- midade da herança e do direito de testar.

204. Direito Comercial

1. A Patavra "Comércio" - De origem latina - comercium - o vocábulo é composto da preposição cum e do substantivo merx, signi- ficando comprar para vender. O emprego da palavra, contudo, costuma ser feito em três sentidos diferentes: geral, econômico e juridico. Em seu significado geral o vocábulo traduz a permuta de qualquer coisa, de sentimentos, de serviços e de relações. Dá ainda a idéia de comuni- cação física, moral e intelectual. Daí falar-se em comércio de amizades, de simpatia, de afeto. A palavra é empregada também na linguagem~ religiosa, conforme salientou Scaccia, "o celeste comércio de Deus com� os homens".' No sentido econômico, o comércio é um agente da circulação das riquezas. No dizer de De Plácido e Silva, "é a instituição a que, como intermediária ou medianeira, se atribui a função de atender

4 Apud, lo3o Eun3pio Borges, Curso de Direito Comercial Terrestre,1' ed., Forense, Rio de laneiro,1959, vol. I, p.10.

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as necessidades do consumo público".5 É, portanto, trabalho de media-ção. A venda direta do produtor ao consumidor não representa comércioem sentido econômico, malgrado caracterizar-se como troca. Em seusignificado jurídico, comércio representa o conjunto de atos medianei-ros, praticados com habitualidade e com o fito de lucro.

2. DefiniÇão de Direito Comercial-O Direito Comercial é o ramodo Direito Privado que regcla os atos de comércio e disciplina o�exercicio da profissão de com.erciante. Ato de comércio é o núcleodesse ramo jurídico. Em que consiste, porém? - São os atos de media-ção habitual entre produtor e consumidor, com finalidade lucrativa. Éo Direito do comerciante? - Não somente do comerciante. Há atos decomércio praticados por não-comerciantes, como é o caso de quememite um cheque ou uma nota promissória. Estes são atos de comérciopor força apenas de definição legal. O Direito Comercial é o Direitodos comerciantes e dos atos de comércio. Esta colocação, não obstantealguns inconvenientes, é, no entender de Fran Martins, a que fornece"uma idéia ampla e mais aproximada do âmbito do direito comercial". �

3. Caracteres do Comércio-Os principais caracteres do comérciosão os seguintes: mediação, habitualidade e luero.

3.1. Mediação: o comércio é uma ponte entre o produtor e oconsumidor. As riquezas produzidas são levadas, pelo profissional docomércio, de sua fonte de produção até o consumidor final.

3.2. Habitualidade: a habitualidade consiste na prática reiteradade mediação com o fito de lucro. Atos isolados de intervenção entre oprodutor e o consumidor não são suficientes à caracterização do comér-cio, se bem que, em algumas profissões, pelo vulto da transação, podeo comerciante se satisfazer economicamente com poucas permutas.

3.3. Lucro: Finis mercatorum est lucrum - ou seja, o fim docomércio é o lucro. Este fator é importante, não chegarldo a constituir-

5 De Plácido e Silva, Noções Prcíti·n.r cle Direito Cnmercial, I la ed., Forense, Rio de�Janeiro, vol. I, p.18.6 Fran Martins, Curso de Direitn Comercial, 2' ed., Forense, Rio de Janeiro,1958, p. 15.

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l NTRODUÇÃO AOESTUDO DO DIREITO 427�

se na nota essencial do comércio. Toda atividade que é desenvolvidacomo profissão, persegue sempre o interesse pecuniário. O lucro só éalcançado quando os rendimentos superam as despesas e os juros docapital empregado. O fito de lucro deve ser visto como qccasi stipendiumlaboris, ou seja, como a justa remuneração pelo trabalho realizado.

4. Os Fins do Direito Comercial - O Direitn Comercial nãoregulamenta apenas os interesses jurídicos do comerciante, mas seestende também a grande parte das atividades fabris. O maior númerode seus institutos disciplina igualmente matéria de interesse das indús-trias. Os fins desse ramo, conforme Paulino Jacques enumera, são:"a) estudar os comerciantes e seus auxiliares; b) os contratos e obriga-ções mercantis; c) as sociedades mercantis; d) os títulos de créditos; e) ocomércio marítimo e suas instituições; f) a falência e seus institutos."'

5. A Relação entre o Direito Comercial e o Civil - O DireitoComercial; como o do Trabalho, destacou-se do Direito Civil, alcan-çando autonomia científica e didática, como um direito de classe,inicialmente. O comércio, dado o seu forte incremento, não pôdeacompanhar os lentos compassos de evolução do Direito Civil, por-quanto este é um ramo de índole consgrvadora. Conforme destaque de gJean Cruet, o Direito Comercial, na sua ori em, não foi outra coisasenão um grande e vitorioso protesto da prática contra um direitocomum muito estreito, muito lento e muito complexo, aplicado porjuízes muito formalistas, estranhos ao espírito do comércio".R Por outrolado, o Direito Civil possui um cunho formalista, enquanto que oDireito Comercial é estruturado com menor rigor formal. Legaz yLacambra, fazendo paralelo entre os dois ramos, afirmou que "a maiordiferença entre o Direito Civil e o Comercial está aí: o formalismo doprimeiro tem criado, como réplica e complemento, a liberdade dosegundo; o comércio tem preferido - por exigência de sua próprianatureza - a cômoda insegurança da liberdade das formas à incômodasegurança do formalismo".y

7 Pautino Jacques, nn. cit., p. 33.8 Jean Cruet, np. ci., p. I41.�9 Luis Legaz y Lacambra, op. cit., p. 129.

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6. A História do Comércio - A história do comércio coincidia própria história da vida social. Desde as mais recuadas épo<homem valeu-se do comércio, visando a atender às suas mais eletares necessidades de vida. Por intuição, os antigos tiveram cormento da importância e das grandes vantagens que o comérciopara cada um. Nesse princípio, o comércio consistia apenas na siitroca ou escambo. O caçador permutava com o pescador a sua proiexcedente. Os que possuíam aptidões manufatureiras trocavam eios objetos que faziam. Durante um longo período o comércio regiu-se ao fenômeno da troca. Várias eram as dificuldades qapresentavam, conforme apontam os autores: a dificuldade eencontrar alguém que buscasse determinado objeto; que esse allsendo encontrado, oferecesse algo do interesse do outro; a equivalentre os valores dos objetos; a dificuldade do transporte. As dificuldades foram atenuadas, em parte, pela criação delocais onde se encontravam as pessoas desejosas de permutar ostos. Dava-se então o que a história registra como comércio mucseja, as transações eram feitas sem qualquer diálogo, o que possibiinclusive a troca de riquezas entre grupos ou tribos inimigas. Os cinteressavam pelo comércio dirigiam-se para o local de costume,sitavam no chão os objetos que traziam, retiravam-se e iam-se ocuttar,esperando que algum grupo interessado colocasse, diante daquelesobjetos, os que trazia para a transação. Depois que o segundo grupo se ocultasse, o primeiro se dirigia atéos objetos e, interessando-se na troca, carregava os depositados pelooutro grupo. O grande impulso no comércio embrionário, no sentido de seudesenvolvimento, foi alcançado com a invenção da mercadoria inter-mediária, que serviu de meio de troca ou padrão. Inicialmente essamercadoria consistia em cabeças de gado (pecus, da qual deriva apalavra pecúnia), vindo depois as pedras preciosas, o ouro e a prata.Somente mais tarde foi que surgiu a moeda, o dinheiro, que veioeliminar alguns problemas que ainda dificultavam o comércio.

7. Evolução Histórica do Direito Comercial - As origens daprática comercial estão perdidas na noite dos tempos, mas o Direito quedisciplina essa relação tem o seu marco inicial na Idade Média, sobre-tudo nas cidades mercantis italianas. As normas e princípios anterioresa essa Idade não têm maior expressão doutrinária, constituindo, ao dizer

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de João Eunápio Borges, "a pré-história do Direito Comercial". NaIdade Antiga, foi precisamente no Mediterrâneo Oriental onde surgiramas primeiras normas comerciais, para atender às necessidades nascen-tes, notadamente no setor marítimo. O comércio pelo mar exigia umgrande acervo de normas para resolver os problemas que naturalmenteiam surgindo, como os de pagamento de mercadorias, fretes, câmbiosetc. A Lex Rhodia, datada de dez séculos antes de Cristo, tem sidoindicada como a primeira compilação dos costumes comerciais de quese tem notícia e que versava intensamente sobre o comércio marítimo.Em Roma, malgrado o grande destaque dos romanos na área do Direito,não se distinguiu o Direito Comercial do Direito Civil. Conformesalientam Mouchet y Becu, apesar de os romanos terem sido comer-ciantes, na Antigüidade, "não sentiram necessidade de um direitoespecial para tal atividade, dada a flexibilidade e universalidade quedavam ao Direito Civil o poder criador do pretor".' � Na época o comércio marítimo alcançava o auge, diante dasfacilidades que encontrava, em contrapartida ao comércio terrestre, queficou muito limitado, em face da organização feudal então existente.Na Idade Média - e se estendendo até a Moderna - as corporações eseus tribunais foram o núcleo do desenvolvimento do Direito Comer-cial. Na região central do Mediterrâno, as cidades de Amalfi, Gênova,�Veneza desenvolveram intensa atividade comercial. Nessas cidades,encontramos a raiz do capitalismo comercial e financeiro. As compila-ções mais conhecidas dessa época são as "Tábuas Amalfitas", "Juízosde Olerón", "Ordenanças de Wisby", as da "Hansa Teutônica", as do"Livro do Consulado do Mar", de Barcelona. Na Idade Modema, em face dos grandes acontecimentos da época,como a Descoberta da América e do Caminho Marítimo para as Índias,o comércio ganhou um novo impulso. O comércio evoluía do Mediter-râneo Central às costas do Atlântico, com a hegemonia de Portugal eEspanha, no séc. XVI, e da Holanda, no séc. XVII. França e Inglaterradesenvolveram intenso comércio no séc. XVIII. Na Idade Moderna,destacaram-se, entre os documentos legislativos, a "Ordenança Fran-cesa" de 1673, sendo Colbert ministro, e a "Ordenança Francesa" de1681; o Código Marítimo Sueco, de 1667; Leis Indianas, de 1688, e as"Ordenanças de Bilbao", de 1737.

10 Carlos Mouchet y Zorraquin Becu, op. cit., p. 423.

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Na Idade Contemporâneu, a Dogmática Comercial caracteriza-sepelo intenso movimento codificador, cujo marco pode ser consideradoo Código de Comércio Francês ( 1807), que não representa apenas umalegislação de classe, estendendo-se aos interesses também dos nãocomerciantes. A exceção da z,giafezza e dos stados nd4s da Amé-� � � �rica do Norte, os países da Europa e da América passaram a ter seucódigo, como Espanha ( 1829), Portugal ( 1833), Rússia ( 1835), Holan-da ( 1838), Brasil ( 1850), Argentina ( 1862), Chile ( 1865).

205. Direito do Trabalho

1. Denominações - Várias denominações têm sido propostas paraidentificar o novo e dinâmico ramo do Direito, que tem por miradisciplinar as relações entre empregador e empregado, figurando, commaior destaque, as seguintes: Direito do Trabalho, Legislação Social,Direito Industrial, Direito Laboral, Direito Obreiro. A primeira expres-são é a mais generalizada e, no dizer de Abelardo Torré, é a denomina-ção mais acertada, porque faz referência direta ao fato social que regeesse setorjurídico." A segunda-Lgislação Social -, apesar de possuir�um inconveniente, pelo fato de todo ramo do Direito ser social, possuia vantagem de se referir sinteticamente ao Direito do Trabalho e ìiPrevidência Scial.��

2 rlas.sificaçõo - Relativamente à maior divisão do Direito�Positivo, nas sinco prilneiras edições deste livro situamos o Direito do :Trahalho no rol do Direito Público, sob o fundamento de que nele oprincpio da autonomia da vontade sofre grandes restrições e pela�presenç cle rormas de ordm pública. Nosso entendimento, hoje, é� �divesso. Fmhnra o Direito do Trabalho apresente um contingente subs-tancial e nornas de ordem pública, que impõe lirrütes consideráveis� �ao poder de disposição das partes contratantes na relação de emprego,a naharoza das relações jurídicas que disciplina não é de subordinação,isto é, o 2odr píblico não Iarticipa de um dos pólos. O laço jurídico� � �se ;stabeleGe efn um quadro de coc=rdenação de interesses. Consideran-� �

11 Abelardo Torré, np. cir., p. 7I5.

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do o problema à luz da teoria dos interesses em jogo, temos que, emboraa legislação traba1hista seja relevante para o Estado, nela predomina ointeresse dos particulares, daqueles que se empenham em obter melho-res condições de trabalho ou de produção. Se estudarmos o problema,tomando por base a teoria do titular da aÇão ou a das normas distribcc-tivas e adaptativas (v. § 47), a conclusão não será diferente: o Direitodo Trabalho se filia à classe do Direito Privado.

3. Definição -Para Messias Pereira Donato, o Direito do Trabalho"é o corpo de princípios e de normas jurídicas que ordenam a prestaçãodo trabalho subordinado ou a este equivalente, bem como as relaçõese os riscos que dela se originam".'2 O núcleo desse Direito consiste naprestação de trabalho por conta alheia. O Direito do Trabalho nãocontempla qualquer tipo de trabalho, mas somente o que é feito emfavor de outrem e sob a dependência deste.

4. Cnracteristicas - É um ramo profundamente social e quedespreza o individualismo jurídico. A liberdade contratual, vigente noDireito Civil, sofre amplas restrições no novo Direito. É um Direito detutela à classe trabalhadora, que por seu intermédio vê humanizadas ascondições de trabalho. Por alguns tem sido chamado de Direito dedesigualdade, porque visa a equilibrar, com uma superioridadejurídica,a inferioridade social e econômica do trabalhador.

5. Fins do Direito do Trabalho - Os fins específicos do Direitodo Trabalho, na enumeração de Paulino Jacques, são os seguintes:"n) organizar a vida do trabalho dependente e subordinado (duração ,salário, férias etc.); b) proteger o trabalhador e seus dependentes nadoença, na invalidez e nos acidentes (auxílios, aposentadoria, pensão,indenização etc.); c) organizar a vida associativa do trabalhador (sindi-catos, federações e confederações etc.); d) promover a defesa dosdireitos e interesses legítimos dos empregados (justiça e processo dotrabalho e dn seguro social)."'3

12 Messias Pereira Donato,_ Curso de Direitn do Trabalho, 1' ed., Edição Saraiva, SãoPaulo,197, p. S.�13 Paulino Jacques, Curso de Introdução ao Estuilo do Direito, Forense, 4' ed., Rio deJaneiro,1981, p. 54.

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6. A Autonornia do Direito do Trabalho - O Direito do Trabalhoé, hoje, um ramo autônomo do Direito, possuindo princípios próprios,que o distinguem de todos os outros ramos. Até o primeiro quartel desteséculo, porém, ele estava vinculado ao Direito Civil. As poucas normasque existiam sobre a relação de emprego se localizavam no CódigoCivil de cada país. Muito pouca proteção era dispensada ao trabalhador.O famoso Código Napoleão, considerado o marco da era da codifica-ção, possuía apenas dois artigos sobre o trabalho. No art.1.780, aindaem vigor, proíbe-se que o trabalhador arrende os seus serviços por todaa vida. O art. 1.781, por sua vez, mostrava um flagrante privilégiode casta, ao considerar que devia ser tida como verdadeira em suaafirmação a palavra do patrão em relação à importância dos salários,o pagamento relativo ao ano corrente e ao anterior.

7. A EvoluÇão do Direito do Trabalho no Século XX - Os princí-pios que o Papa Leão XIII expôs em sua famosa Encíclica "RerumNovarum" foram consagrados pelo Tratado de Versalhes, firmado em28 de junho de 1919, que recomendou aos países signatários a adoçãodas seguintes normas de proteção ao trabalho: 1 ) o trabalho não deveser considerado como mercadoria; 2) o direito de associação; 3) saláriojusto; 4) jornada de trabalho de oito.horas diárias ou de quarenta e oitosemanais; 5) um dia de descanso semanal, coincidente com o domingo,sempre que possível; 6) proibição do trabalho infantil e a obrigação delimitar o trabalho dòs jovens, de modo a lhes permitir perfeito desen-volvimento físico e intelectual; 7) o princípio da isonomia salarial. Em 1919 foi criada a Organização Internacional do Trabalho(OIT) e, mais tarde, o Bureau, que funciona nessa entidade e quedesenvolve uma atividade intensa, visando à unificação do Direito doTrapalho. Em quase todos os países do mundo são criadas, com grandefreqüência novas leis sociais, com o fito de proteção ao trabalhador e�à sua família. No Brasil, a legislação social é uma das mais adiantadas.Ao lado da Consolidação das Leis do Trabalho, promulgada peloDec.-Lei no 5.452, de lo de maio de 1943, que reuniu a legislaçãoeditada pela revolução de 1930, existe um grande número de leis,decreto-leis e decretos, que estão a reclamar por uma urgente conden-�sação de suas normas.

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BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário: 203 - Clóvis Beviláqua, Teoria Ceral do Direito Civil; Miguel Reale, LiçõesPreliminares de Direito; Ángel Latorre, Introducción al Derecho; 204 - João Eunápio Borges, Curso de Direito Comercial Terrestre; FranMartins, Curso de Direito Comercial; De Plácido e Silva, Noões Práticas de Direito�Comercial; Paulino Jacques, Curso de Introdugão à Ciência do Direito; CarlosMouchet y Zorraquin Becu, Introducción al Derecho; A. Torré, Introducción nlDerecho; 205 - Messias Pereira Donato, Curso de Direito do Trabalho; Evaristo deMoraes Filho, Introdução ao Dircito do Trabalho; Paulino Jacques, Curso deIntrodução à Ciência do Direito.

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Nona Parte

FUNDAMENTOS DO DIREITO

Capítulo XXXVII

A IDÉIA DO DIREITO NATURAL

Sutnário: 206. A Instrficiêrtc·icr cip Direito Positivo. 207. Conceito. 208. Oriyent e Vin Cogrtoscitivcr. 209. Cctracteres. 2I0. A Escola do Direito� Nnttrrcrl. 2ll. Xeiolrrciortcírio otr Conservnclor? 2l2. Critic·cr. 2l3. O.r� Direitos rlo Horrtent e o Direito Nnttu-crl.

206. A Insuficiência do Direito Positivo

O motivo fundamental que canaliza o pensamento ao Direito Natural é a permanente aspiração dejustiça que acompanha o homem. Este, em todos os tempos e lugares, não se satisfaz apenas com a ordem jurídica institucionalizada. O Direito Positivo, visto como expressão da vontade do Estado, é um instrumento que tanto pode servir à causa do gênero humano, como pode consagrar os valores negativos que impe- dem o pleno desenvolvimento da pessoa. Por inclinação, ao questionar o Direito Positivo vigente, o homem busca, em seu próprio sentimento dejustiça e de acordo com a sua visão sobre a ordetn natctral dascoisns, encontrar a legitimidade das normas que lhe são impostas. O contrário, a atitude acrítica, seria a admissão de que não existe, para o legislador,

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436 PAULO IVADER

qualquer limite ou condicionamento na tarefa de estruturar a ordemjurídica. A idéia do Direito Natural é o eixo em torno do qual gira toda aFilosofia do Direito. O jusfilósofo ou é partidário dessa idéia ou édefensor de um monismo jurídico, visão que reduz o Direito apenas àordem jurídica positiva. Conforme expõe Benjamin de Oliveira Filho,há dois posicionamentos básicos, a rigor, na Filosofia do Direito: o dopositivismo jurídico, que é uma concepção relativista do Direito, e o davelha Escola do Direito Natural. O mais, diz o eminente autor, "nãopassa de tentativas efêmeras de inovação, logo apagadas no curso dotempo".' Chama-se jusnaturalismo a corrente de pensamento que reúnetodas as idéias que surgiram, no correr dá história, em torno do DireitoNatural, sob diferentes orientações. Durante esse longo tempo, o Direi-to Natural passou por altos e baixos, por fases de grande prestígio e porperíodos críticos. Na metade do atual século, após ter enfrentado umrigoroso inverno, causado pelos ventos frios do positivismo e devidotambém aos excessos de seus próprios adeptos, reacendeu, no espíritodos juristas, o entusiasmo pelo Direito Natural, que hoje se encontra noapogeu, na fase que a História da Filosofia do Direito registra como ade seu renascimento. A corrente jusnaturalista não se tem apresentado, no curso dahistória, com uniformidade de pensamento. Há diversos matizes, queimplicam a existência de correntes distintas, mas que guardam entre sium denominador comum de pensamento: a convicção de que, além doDireito escrito, há uma outra ordem, superior àquela e que é a expressãodo Direito justo. É a idéia do Direito perfeito e por isso deve servir demodelo para o legislador. É o Direito ideal, mas ideal não no sentidoutópico, mas um ideal alcançável. A divergência maior na conceituaçãodo Direito Natural está centralizada na origem e fundamentação desseDireito. Para o estoicismo helênico, localizava-se na n`atureza cósmica.No pensamento teológico medieval, o Direito Natural seria a expressãoda vontade divina. Para outros, se fundamenta apenas na razão. Opensamento predominante na atualidade é o de que o Direito Naturalse fundamenta na natureza humana. O prestígio que o pensamento jusnaturalista realcançou, no atualséculo e mais notadamente nas últimas décadas, promoveu o retorno

I Op. cit., p. l58.

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dos jusfilósofos ao antiqüíssimo tema, com a apresentação de variados estudos e de novas obras, que se incorporaram a essa imensa corrente de pensamento, que começou a se formar a partir das reflexões de Heráclito, no século VI a.C. Da filosofia helênica até o presente, a idéia do Direito Natural não deixou de ser cultivada e por este motivo as opiniões e literatura que a envolvem são vastíssimas. O antiqüíssimo Livro dos Mortos, do Egito Antigo, revela as preocupações daquele povo em relação aos critérios dejustiça e que os egípcios consideravam o Direito como manifestação da vontade divina. 0 morto, segundo aquele registro, comparecia ao Tribunal de. Osíris, ante a deusa Maat, cujo nome significava lei, ordem que governava o mundo, e que segurava em uma das mãos um cetro e na outra o coração, símbolo da vida. O morto devia, para alcançar a felicidade supraterrena, conforme relata Victor Cathrein, dizer a oração dos mortos, em sua defesa: "Eu não matei, nem causei prejuízo a ninguém. Não escandali- zei no lugar da justiça. Não sabia mentir. Não fiz mal. Não obriguei, como superior, a trabalhar para mim durante todo o dia os meus criados. Não maltratei os escravos por ser superior a eles. Não os abandonei na fome. Não lhes fiz chorar. Não matei. Não ordenei matar. Não rompi o matrimônio. Não fui impudico. Não esbanjava. Não diminuí nos grãos. Não rebaixava nas medidas. Não allerava os limites do campo etc."2 Na literatura grega, o diálogo de Antígona com o rei Creonte, na terceira tragédia da trilogia de Sófocles (494-406 a.C.), expressa, de forma inequívoca, a crença no Direito Natural e a sua superioridade em relação ao Direito temporal. Creonte havia determinado que Polinice, morto em uma batalha, não fosse sepultado, com o que Antígona, sua irmã, rebelando-se contra a ordem do tirano, disse-Ihe: "... tuas ordens não valem mais do que as leis não-escritas e imutáveis dos deuses, que não são de hoje e nem de ontem e ninguém sabe quando nasceram."

207. Conceito

O raciocínio que nos condtz à idéia do Direito Natural parte do� pressuposto de que todo ser é dotado de uma natureza e de um fini. A

2 Victor Cathrein, Filosofia del Derecho, 5' ed., Instituto Editorial Reus, S.A., Madrid, I946, p.163.

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natureza, ou seja, as propriedades que compõem o ser, define o fim aque este tende a realizar. Para que as potências ativas do homem setransformem em ato e com isto ele desenvolva, com inteligência, o seupapel na ordem geral das coisas, é indispensável que a sociedade seorganize com mecanismos de proteção à natureza humana. Esta serevela, assim, como a grande condicionante do Direito Positivo. Oadjetivo natural, agregado à palavra direito, indica que a ordem deprincípios não é criada pelo homem e que expressa algo espontâneo,revelado pela própria natureza. A presente colocação decorre da simplesobservação de fatos concretos que envolvem o homem e não de merasabstrações ou dogmatismos. A premissa básica de nosso raciocínio, comtoda evidência, se revela verdadeira. Conforme asseverou Max Weber,"não existe ciência inteiramente isenta de pressupostos e ciência algumatem condição de provar seu valor a quem lhe rejeite os pressupostos".;Com outras palavras, Jacques Leclercq fez a mesma afirmação: "Semadmitir determinadas evidências, não é possível viver."' � A idéia do Direito Natural tem sido apresentada em dois níveis:como ontologia e como deontologia. Os jusnaturalistas que defendemo Direito Natural ontológico admitem o Direito Natural como ser doDireito, como o legítimo Direito. Os jusfilósofos partidários do DireitoNatural deontológico representam essg Direito apenas como um conjuntode valores imutáveis e universais, mais identificado com a Ética. Confor-me salienta Elías Díaz, a primeira fórmula engloba a segunda.5 Como destinatário do Direito Natural, o legislador deve ser, aomesmo tempo, um observador dos fatos sociais e um analista danatureza humana. Para que as leis e os códìgos atinjam a realização dajustiça - causa final do Direito - é indispensável que se apóiem nosprincípios do Dtreito Natural. A partir do momento em que o legislador ..�se desvincular da ordem natural, estará instaurando tma ordemjurídica�ilegítima. O divórcio entre o Direito Positivo e o Natural cria aschamadas leis injustas, qLie negam ao homem o que lhe é devido.

3 Max Weber, Ciêncin e Politicn Dnn.c Vncnçõe,c Ed. Cultrix. São Paulo, I970, p. 49.�4 Jacques Leclercq, Dn Direitn Nntcrr-crl à Sncinloia, Duas Cidades, São Paulo, p. 29.�José Hermano Saraiva expõe no mesmo senhdo: "Não se pode construir urrra ciência semo suporte de uma axiomática. Toda a ciência é constituída por um determina,do conjuntode afirmações, e estas afirmações são julgadas verdadeiras ou falsas em relação a umconjunto de axiomas cuja vãlidade é anterior- ã dcfinição da ciência..." (Movimento daCodificação, palestra publrcada na Ke vicrn le Dire itn, do Ministér-io Público do Estado da�Guanabara, 1974, no I9, p. 240).5 Elías Díaz, np. cit., p. l0.

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO 439

208. Origem e Via Cognoscitiva

A origem do Direito Natural se localiza no próprio homem, emsua dimensão social, e o seu conhecimento se faz pela conjugação daexperiência com a razão. É observando a natureza humana, verificandoo que lhe é peculiar e essencial, que a razão induz aos princípios doDireito Natural. Durante muito tempo o pensamento jusnaturalistaesteve mergulhado na Religião e concebido como de origem divina.Assim aceito, o Direito Natural seria uma revelação feita por Deus aoshomens. Coube ao jurisconsulto holandês, Hugo Grócio, considerado"o pai do Direito Natural", promover a laicização desse Direito. A suafamosa frase ressoa até os dias atuais: "O Direito Natural existiriamesmo que Deus não existisse ou que, existindo, não cuidasse dosassuntos humanos." Infelizmente, uma falsa compreensão leva alguns juristas, aindahoje, a um visível preconceito em relação ao Direito Natural, julgan-do-o idéia metafísica ou de fundo religioso. É indiscutível que selevarmos em consideração que a ordem natural das coisas foi estabele-cida pelo Criador, este, em última análise, seria o autor do DireitoNatural. Contudo, a ordem de racioeínio mais recomendável é a de separtir diretamente da idéia que envolve a natureza humana e o fim aque tende realizar.

209. Caracteres

O jusnaturalismo atual concebe o Direito Natural apenas comoum conjunto de amplos princípios, a partir dos quais o legislador deverácompor a ordem jurídica. Os princípios mais apontados referem-se aodireito à vida, à liberdade, à participação na vida social, à união entreos seres para a criação da prole, à igualdade de oportunidades. Ochamado direito naturnl nonnativo, erro do séc. XVIII, que pretendeu,more geonietrico estabelecer códigos de Direito Natural, é idéia intei-ramente abandonada. Tradicionalmente os autores indicam três caracteres para o DireitoNatural: ser eterno, imutável e universal; isto porque, sendo a naturezahumana a grande fonte desses Direitos, ela é, fundamentalmente, amesma em todos os tempos e lugares.

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Em sua obra ué queda del Derecho Natural?, o jurista chileno�Eduardo Novoa Monreal apresenta um elenGo bem mais amplo decaracteres, onde enumera:1 ) universalidade (comum a todos os povos);2) perpetuidade (válido para todas as épocas); 3) imutabilidade (damesma forma que a natureza humana, o Direito Natural não se modi-fica); 4) indispensabilidade (é um direito irrenunciável); 5) indelebili-dade (no sentido que não podem os direitos naturais ser esquecidos pelocoração e consciência dos homens); 6) unidade (porque é igual paratodos os homens); 7) obrigatoriedade (deve ser obedecido por todosos homens); 8) necessidade (nenhuma sociedade pode viver sem oDireito Natural); 9) validez (seus princípios são válidos e podem serimpostos aos homens em qualquer situação em que se encontrem).6

210. A Escola do Direito Natural

Enquanto que por jusnaturalismo entende-se a imensa corrente dejuristas-filósofos que consagram aqueles princípios de proteção à dig-nidade do homem, a chamada Escola do Direito Natural compreendeapenas a fase racionalista, vigente,entre os séculos XVI e XVIII, e que�teve como corifeus Hugo Grócio, Hobbes, Spinoza, Puffendorf, Wolf,Rousseau e Kant.. A doutrina desenvolvida pela Escola, conformeestudo de Ruiz Moreno, apresenta os seguintes pontos básicos: anatureza humana como fundamento do Direito; o estado de naturezacomo suposto racional para explicar a sociedade; o contrato social e osdireitos naturais inatos.' Os caracteres fundamentais da Escola, segundo Luno Pena, foramos seguintes: racionalista no método; subjetivista no critério; anti-his-tórica nas exigências e humanitária no conteúdo.R Esta Escola deixou-se influenciar fortemente pela filosofia racio-nalista e pretendeu, more geometrico, formar códigos de Direito Natu-ral. Concebeu este Direito como eterno, imutável e universai, não

6 Eduardo Novoa Monreal, Qué queda del Derecho Natural?. Depalma, Buenos Aires,1967, P· 977 Ruiz Moreno, Filosoffa del Derecho, Buenos Aires, Editorial Guillermo Kraft Ltda.,1944, p. 260.8 Luno Pena, Historia de la Filosofia del Derecho, Editorial La Hormiga de Oro, S. A.Barcelona,1949, vol. II, p. 22l.

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apenas nos princípios, mas igualmente em sua aplicação prática. Agrande virtude da Escola foi a de considerar a natureza humana comoa grande fonte do Direito.

211. Revolucionário ou Conservador?

Os partidários da idéia do Direito Natural têm a consciência deque os princípios que expressam os valores essenciais de proteção aohomem formam uma ordem apta a legitimar o Direito Positivo. Namedida em que o Estado dispõe de estatutos legais que ferem os direitosdo homem, osjusnaturalistas recusam a legitimidade dessa ordem. Combase no Direito Natural, levantam uma bandeira de reivindicação, nosentido de colocar o Direito Positivo em harmonia com a ordem natural.0 jusnaturalismo revela-se, assim, como um meio ou instrumento aatacar todas as formas de totalitarismo. E é por este motivo, comolembra Jacques Leclercq, que "os governantes não gostam de ouvirfalar de Direito Natural, porque este só é invocado para se Ihes oporresistência".9 Para a deflagração da Revolução Francesa, o pensamento jusna-turalista colaborou de forma decisiva. Em nome do Direito Naturalforam condenadas as velhas instituições francesas, que se revelaramimpróprias aos ideais de justiça social. O homo juridicus que se iden-tifica com o valor justiça não se acomoda diante das opressões edesigualdades. Luta em favor de uma ordem legítima; combate asdistorções sociais; clama pela efetiva proteção à vida e à liberdade. Senecessário, lança-se ao recurso extremo: a revolução. Se a idéia do Direito Natural é útil no processo de aperfeiçoamentodas instituições jurídicas, pode, em contrapartida, falsamente ser utili-zada como instrumento de conservação de uma ordem jurídica injustae ilegítima, por força de manobras de quem detém o poder. Ojusfilósofoespanhol Elías Díaz denuncia o regime de seu país pela utilização dessaideologia jurídica: "Aqueles grandes e sacrossantos principios - de-fendidos pelos jusnaturalistas espanhóis - têm sido os utilizados nesselargo e negro período como ideologia reacionária para sua incorporação

9 Jacques Leclercq, op. cit., p. 20.

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à legislação, à prática política ou à administração e aplicação doDireito.""' A esta altura cumpre uma distinção necessária. Não se pode acusaro Direito Natural de servir de base aos regimes injustos. A falsadefinição dos direitos naturais, os sofismas, os artifícios de toda ordem,sim, é que podem desempenhar esse papel desastroso. A execuçãodessa prática, contudo, é a própria negação do Direito Natural; é apostergação dos princípios que orientam a ordem natural das coisas, éo anti-direito, é a ilegitimidade.

212. Crítica

A crítica ao Direito Natural se divide em dois níveis: a dos que seopõem ao substantivo "Direitn" e a dos que atacam o adjetivo "Natural".A oposição ao substantivo visa t contestar a concepção do Direito�Natural ontológico, segundo a qual esta ordem expressa o ser doDireito. A crítica ao adjetivo é propriamente ao Direito Natural deon-tológico e tem a finalidade de negar qualquer tipo de influência e deimportância ao jusnaturalismo, reciÇsando-lhe até a condição de valor�ético. Entre os opositores à idéia do Direito Natural ontológico encon-tram-se críticos que adrnitem o Direito Natural deontológico, comoPerelman, Passerin d'Entreves, Bertrand de Jouvenal e Prelot. Durante o século XIX, o positivismo de inspiração comtianaalcançou ampla repercussão no âmbito do Direito, colocando-se emposição antagônica ao jusnaturalismo. A partir daí, estabeleceu-se amaior e definitiva cisão na área da Filosofia do Direito, porque, enquan-to o jusnaturalismo preconizava uma outra ordem jurídica além daestabelecida pelo Estado, o positivismo reconhecia como Direitoapenas o positivo. O positivismo surgiu em uma fase difícil ecrítica na história do Direito Natural, quando o jusnaturalismo seencontrava comprometido pelos excessos da chamada Escola doDireito Natural. A mensagem que o positivismo trazia para a ciência, de sevalorizarem apenas os fatos concretos, a realidade observável e aconseqüente rejeição.de todos elementos abstratos, encontrou recepti-

10 Elías Díaz, op. cit., p. 9.

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vidade entre os juristas e filósofos do Direito, incompatibüizados como abstracionismo e a metafísica da Escola do Direito Natural. O DireitoNatural, em suas diferentes manifestações, é negado pelo positivismo,por considerá-lo idéia metafísica. Como método de pesquisa e deconstrução, o positivismo só admite como válido o método indutivo,que se baseia nos fatos da experiência, recusando valor científico aométodo dedutivo, por julgá-lo dogmático. O conflito entre a Escola Histórica do Direito e ojusnaturalismo émais aparentè do que real. Os pontos de discordância localizam-se nascaracterísticas de universalidade e imutabilidade, apresentadas pelo Direi-to Natural. Para o historicismo, o Direito é um produto da história e, comotal, vive em permanente transformação. Diante de tais colocações seafigura irremediável o dissídio entce as duas correntes de pensamento. A�conciliação contudo, além de possível é necessária e indispensável. A moderna concepção jusnaturalista reconhece o Direito Naturalcomo conjunto de princípios e não mais um Direito Natural normativoe sistematizador. Se em deterrninado período o antagonismo existenteentre o Direito Natural e o historicismo jurídico se mostrava absolutoe inconciliável, na visão atual do jusnaturalismo há evidentes pontosde contato entre ambos. Se de um lado o jusnaturalismo se distancia dohistoricismo por admitir princípios eernos, imutáveis e universais, de�outro dele se Iproxima, ao reconhecer que tais princípios, em contato�com a realidade existencial, se adaptam em conformidade com avariação do tempo e do espaço, sem perder a sua essência. A funçãomoderna do Direito Natural é a de traçar as. linhas dominantes deproteção ao ho imem, para que este tenha as condições básicas pararealizar todo o seu potencial para o bem. O direito de liberdade, porexemplo, se de um lado possui um substrato comum e invariável emtodos os povos, de outro, sofre a influência do momento histórico,condicionado o seu modelo concreto aos fatos da época e do lugar. Háquase uin século o alemão Eugen Ehrlich abordou aspectos de conver-gência entre o pensamento jusnaturalista e a concepção histórica doDireito: "Ambos têm em comum a recusa de aceitar cegamente comoDireito tudo Iquilo que o Estado Ihes apresenta como tal; procuram�chegar à essência do Direito por via científica. E ambos localizam aorigem do Direito fora do Estado: os primeiros na natureza hurnana, osoutros no sentimento de justiça do povo.""

I I 0. cir.. p. I9.��

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vidade entre os juristas e filósofos do Direito, incompatibüizados como abstracionismo e a metafísica da Escola do Direito Natural. O DireitoNatural, em suas diferentes manifestações, é negado pelo positivismo,por considerá-lo idéia metafísica. Como método de pesquisa e deconstrução, o positivismo só admite como válido o método indutivo,que se baseia nos fatos da experiência, recusando valor científico aométodo dedutivo, porjulgá-lo dogmático. O conflito entre a Escola Histórica do Direito e ojusnaturalismo émais aparenté do que real. Os pontos de discordância localizam-se nascaracterísticas de universalidade e imutabilidade, apresentadas pelo Direi-to Natural. Para o historicismo, o Direito é um produto da história e, comotal, vive em permanente transformação. Diante de tais colocações seafigura irremediável o dissídio entre as duas correntes de pensamento. Aconciliação contudo, além de possível é necessária e indispensável. A moderna concepção jusnaturalista reconhece o Direito Naturalcomo conjunto de princípios e não mais um Direito Natural normativoe sistematizador. Se em deterrninado período o antagonismo existenteentre o Direito Natural e o historicismo jurídico se mostrava absolutoe inconciliável, na visão atual do jusnaturalismo há evidentes pontosde contato entre ambos. Se de um lado ojusnaturalismo se distancia dohistoricismo por admitir princípios eternos, imutáveis e universais, deoutro dele se aproxima, ao reconhecer que tais princípios, em contatocom a realidade existencial, se adaptam em conformidade com avariação do tempo e do espaço, sem perder a sua essência. A funçãornoderna do Direito Natural é a de traçar as linhas dominantes deproteção ao honem, para due este tenha as condições básicas para�realizar todo o seu potencial para o bem. O direito de liberdade, porexemplo, se de um lado possui um substrato comum e invariável emtodos os povos, de outro, sofre a influência do momento histórico,condicionado o seu modelo concreto aos fatos da época e do lugar. Háquase uin século o alemão Eugen Ehrlich abordou aspectos de conver-gência entre o pensamento jusnaturalista e a concepção histórica doDireito: "Ambos têm em comum a recusa de aceitar cegamente comoDireito tudo aquilo que o Estado lhes apresenta como tal; procuramchegar à essência do Direito por via científica. E ambos localizam aorigem do Direito fora do Estado: os primeiros na natureza hurnana, osoutros no sentimento de justiça do povo.""

( I Op. cit.. p. 19.

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Conforme acentua Del Vecchio, o Direito não possui apenas umconteúdo nacional, possui também um conteúdo humano. Com isto ojusfilósofo italiano indica que no Direito estão sempre presentes ele-mentos universais (conteúdo humano) e elementos históricos (conteú-do nacional). Em Miguel Reale encontramos uma lúcida visão daconvivência harmônica entre o jusnaturalismo moderno e o historicis-mo moderado, dentro da mesma perspectiva apresentada pelo mestrede Bolonha: "Temos a convicção de que, apesar das incessantes muta-ções históricas operadas na vida do Direito, há, todavia, um núcleoresistente, uma "constante axiológica do Direito", a salvo de transfor-mações políticas, técnicas ou econômicas."'z A proposta de um "Direito Natural de conteúdo variável", apre-sentada por Stammler, na Alemanha, e a do "Direito Natural de con-teúdo progressivo", fórmula substitutiva sugerida por Renard, na Fran-ça, nesta centúria, revelam uma preocupação da corrente jusnaturalistaem conciliar os princípios do Direito Natural com as transformaçõesque se operam na vida social. Em nosso país, Clóvis Beviláqua chegoua admitir a concepção de Stammler, por considerá-la compatível como empirismo.

213. Os Direitos do Homem e o Direito Natural

Apesar de abrangente, a expressão Direitos do Homem é empre-gada como referência ao conjunto de normas e princípios enunciadossob a forma de declarações, por organismos internacionais, dentro dopropósito de despertar consciência dos povos e governantes quanto�à necessidade de esses se organizarem internamente a partir dapreservação dos valores fundamentais de garantia e proteção aohomem. Tais normas e princípios não decorrem de simples convenciona-lismo, fruto do acaso ou contingências, mas se apresentam sob emba-samento filosófico sólido e calcado em milênios de experiência dohomem sóbre o homem. Os Direitos do Homem estabelecem parâme-tros básicos, estruturais, e formam um núcleo de condições essenciaisao relacionamento dos homens entre si e com o Estado. O DireitoNatural e os Direitos do Homem, apesar de participarem de igual faixa

I2 Miguel Reale, Filosnfia dn Direitu, ed. cit., p. 5I7.

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ontológica e cultivarem idênticos vzlores, são conceitos que não seconfundem. Enquanto o Direito Natural pesquisa a natureza humana edela extrai os princípios modelares do Direito Positivo, os Direitos doHomem se desprendem do Direito Natural, com o qual se vinculamumbilicalmente, para apresentarem, de uma forma menos abstrata,aqueles princípios já transformados em normas básicas. Não há como se confundir, também, os Direitos do Homem como chamado Direito Natural normativo, do século XVIII, porque, en-quanto este pretendeu codificar toda a ordem natural ligada aos atoshumanos e era obra isolada de pensadores, aqueles apresentam umelenco reduzido e geral de normas, que encontram expressão no con-senso dos representantes de muitos povos, reunidos em assembléias.Também é necessário que não se cometa o equívoco de se identificaremas declarações como o ser dos Direitos do Homem. As declarações,como obra humana, podem não assimilar, com perfeição, as lições quea natureza positiva das'coisas oferece. As declarações podem apresen-tar falhas tanto pela inclusão como pela exclusão de normas ou princí-pios essenciais. Apesar de reconhecermos uma fixidez nos Direitos do Homem,no tocante aos seus princípios mais gerais e abstratos, admitimos, poroutro lado, analogamente à concepço de Renard em relação ao Direito�Natural, os Direitos do Homem de conteúdo progressivo, como formade atender, historicamente, às novas exigências de proteção fundamen-tal à pessoa humana, geradas pelo desenvolvimento cìentífico e ético.

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário: 206 - Benjamin de Oliveira Filho, Introdução à Ciência do Direito; VictorCathrein, Filosofia del Derecho; 207 - Jacques Leclercq, Do Direito Natural à Sociologia; Johannes Messner,Ética Social � 208 -ohannes Messner, op. cit.; Giorgio del Vecchio, Lições de Filosofia do�Direito; 209 - Eduardo Novoa Monreal, Qué queda del Derecho Natural?; 210-Ruiz Moreno, Filosofia del Derecho; Luno Pena, Historia de la Filosof ade! Derecho; � 211- Elías Díaz, Sociologia y Filosofia del Derecho; 212 - H. Kelsen, Bobbio e outros, Critica del Derecho Natural; 213 - Jorge I. Hübner Gallo, Introducción al Derecho.

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Capítulo XXXVIII

0 POSITIVISMO JURÍDICO

Sumário: 214. O Positivismo Filosófico. 215. O Positivismo Jurídico. 216. Criticn.

214. O Positivismo Filosófico

Francesco Carnelutti, em seu trabalho intitulado "Balanço doPositivismo Jurídico", fala-nos que o positivismo juridico é a espéciejctridica do gênero positivistno, sendo, portanto, a projeção do positi-vismo filosófico no setor do Direito. O mestre italiano situa muito bemo positivismo, colocando-o como um meio-termo entre dois extremos:o tnaterialisnio e o idealistno. Para o materialismo a realidade está na�matéria, rejeitando toda abstração e assumindo uma posição antimeta-física. Para o idealismo a realidade está além da matéria. O positivismomantém-se distante da polêmica. Ele simplesmente se desinteressa pelaproblemática, julgando-a irrelevante para os fins da ciência. O positi-vista, em sua indiferença, revela-se ametafisico. O positivismo filosófico floresceu no séeulo XIX, quando ométodo experimental era amplamente empregado, com sucesso, noâmbito das ciências da natureza. O positivismo pretendeu transportaro método para o setor das ciências sociais. O trabalho científico deveriater por base a observação dos fatos capazes de serem comprovados. Amera dedução, o raciocínio abstrato, a especulação, não possuíamdignidade científica, devendo, pois, ficar fora de cogitação. O método experimental, adotado pelo positivismo, compõe-sefundamentalmente de três fases: a) observação; b) formulaÇão deliipótese; c) etperimentação. A observação é o ponto de partida. Opensamento humano é ãtraído por algum acontecimento ou fenômeno.A sucessão de fatos observados sugere a formulação de uma hipótese,que deverá explicar os fatos. Finalmente, a experimentação. Aqui o

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q.4g PAULO NADER

cierztista põe à prova a sua hipótese, o seu pensamento. A experimen-tação deverá ser a mais ampla possível. Alcançado o êxito, ou seja, aconfirmação do suposto, o conhecimento terá alcançado um valorcientífico. Augusto Comte (1798-1857), apesar de ter sido influenciado, emsua linha de pensamento positivista, pelo filósofo francês Saint-Simon,de quem foi discípulo em Paris, é considerado o fundador dessa cor-rente filosófica, através de sua obra Curso de Filosofia Positiva, com-posta de seis volumes e escrita no período de 1830 a 1842.' Em suateoria, há dois aspectos que se destacam: I - a lei dos três estados; 2 -a classificação das ciências.

1. A Lei dos Três Estados - o pensamento humano, historicamen-te, passa por três etapas e, correlativamente, as organizações sociais: ateológica ou mitológica, a metafisica e a positiva. Etapá teológica:nesse período, os fenômenos que ocorriam eram atribuídos aos deuses,demônios, duendes e espíritos. Predominava a imaginação, a merafantasia. Os chefes e imperadores eram considerados representantesdos deuses. Etapa metafisica: a explicação das coisas passa a ser feitaatravés de princípios abstratos. Esse estádio é dominado pela espe-culação filosófica. A natureza é explicada pelas causas e pelos fins.Etapa positiva: esse período representa uma reação contra as fasesanteriores. Caracteriza-se pelo exame empírico dos fatos. Algunsautores qualificam a "lei dos três estados" de metafísica, de vez que ,envolvendo afirmações categóricas, não foi comprovada cientifica-mente.

2. Classificação das Ciências - Augusto Comte formulou umaclassificação das ciências, adotando o critério de caminhar das maisgerais às mais específicas e, ao mesmo tempo, das mais simples às maiscomplexas. A ordem foi a seguinte: Matemática, Astronomia, Fisica,uimica, Biologia, Sociologia. Esta classificação é incompleta, de vez�que enumera apenas as ciências da matéria, deixando de citar as doespírito. A Sociologia, cujo vocábulo foi por ele criado, achava-se aindana etapa teológica, segundo o autor, que atribuiu a si a missão de

1 Nomeado professor da Escola Politécnica de Paris, foi dispensado, conforme elemesmo confessa, "pela imoral falsidade de seu materialismo matematizante".

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO

elevá-la ao estádio positivo. Para Comte o Direito era uma seção daSociologia e a Psicologia, por influência de Gal, denominou-a de"biologia transcendental".

215. O Positivismo Jurídico

O positivismo jurídico, fiel aos princípios do positivismo filosó-fico, rejeita todos os elementos de abstração na área do Direito, acomeçar pela idéia do Direito Natural, por julgá-la metafísica e anti-científica. Em seu afã de focalizar apenas os dados fornecidos pelaexperiência, o positivismo despreza os juízos de valor, para se apegarapenas aos fenômenos observáveis. Para essa corrente de pensamentoo objeto da Ciência do Direito tem por missão estudar as normas quecompõem a ordem jurídica vigente. A sua preocupação é com o Direitoexistente. Nessa tarefa· o investigador deverá utilizar apenas os juízosde constatação ou de realidade, não considerando os juízos de valor.Em relação àjustiça, a atitude positivista é a de um cetiscimo absoluto.Por considerá-la um ideal irracional, acessível apenas pelas vias daemoção, o positivismo se omite em relação aos valores. Para o positivismo jurídico só existe uma ordem jurídica: a co-mandada pelo Estado e que é soberana. Eis, na opinião de Eisenmann,um dos críticos atuais do Direito Natural, a proposição que melhorcaracteriza o positivismojurídico: "Não há mais Direito que o DireitoPositivo."2 Assumindo atitude intransigente perante o Direito Natural,o positivismo jurídico se satisfaz plenamente com o ser do DireitoPositivo, sem cogitar sobre a forma ideal do Direito, sobre o dever-serjurídico. Assim, para o positivista a lei assume a condição de únicovalor. Como método de pesquisa e de construção, só admite como válidoo método indutivo, que se baseia nos fatos da experiência, recusandovalor científico ao método dedutivo, porjulgá-lo dogmático.3

2 Ch. Eisenmann, "EI jurista y el Derecho Natural", in Critica del Derecho Natural, op.cit., p. 276.3 Sob condições especiais, o positivismo admite o método dedutivo: "a) que o dado departida seja um dado diretamente observado; b) que as conseqllências sejam comprovadaspela observação; c) havendo a falta de um resultado afitmativo, deveré a observação serabandonada; d) as conclusões obtidas não têm outro valor que o de pura hipótese."(Badenes y Gasset, op. cit.)

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A chamada Escola da Exegese desenvolveu programa típico dopositivismo. Essa Escola,já vencida pelo tempo, defendeu o fetichismolegal. A sua doutrina era o codicismo. Este, no dizer de Carnelutti, "éuma identificação exagerada ou exasperada do Direito com a lei". Eraa idéia de que o código tinha solução para todos os problemas. O Direitorepousava exclusivamente na lei. Participaram dessa corrente de pensamento, hoje decadente, entreoutros, os adeptos da Escola da Exegese, .na França, os da Escola dosPandectistas, na Alemanha, os adeptos da Escola Analítica de Jurispru-dência, de John Austin, na Ingiaterra, além do austríaco Hans Kelsen,do francês Léon Duguit, dos brasileiros Tobias Barreto, Sílvio Romero,Clóvis Beviláqua, Pedro Lesscz e Pontes de Miranda.

216. Crítica

O positivismo jurídico, que atingiu o seu apogeu no início denosso século, é hoje uma teoria em franca decadência. Surgiu em umperíodo crítico da história do Direito Natural, durou enquanto foinovidade e entrou em declínio quando ficou conhecido em toda a suaextensão e conseqüências. Com a ótica das ciências da natureza, aolimitar o seu campo de observação e análise aos fatos concretos, opositivismo reduziu o significado humano. O ente complexo, que é ohomem, foi abordado como prodígio da Física, sujeito ao princípio dacausalidade. Em relação à justiça, a atitude positivista é a de umceticismo absoluto. Por considerá-la um ideczl irrczcioial, acessível� �apenas pelas vias da emoção, o positivismo se omir· ern relação aosvalores. Sua atenção se converge apenas para o ser eio Direito, para alei, independentemente de seu conteúdo. Identificando o Direito com alei, o positivismo é uma portn czhertrz ao.s z-eginres tntcrlitcirios, seja nafórmula comunista, faseista ou nazista. O positivismojurídico é uma doutrina clue não satisfaz às exigên-cias sociais de justiça. Se, de um lado, favorece o valor segurança, poroutro, ao defender a filiação do Direito a determinações do Estado,mostra-se alheio à sorte dos homens. O Direito não se compõe exclu-sivamente de normas, como pretende essa corrente. As regras jurídicastêm sempre um significado, um sentido, um valor a realizar. Os positi-vistas não se sensibilizaram pelas diretrizes do Direito. Apegaram-setão-somente ao concreto, ao materializado. Os limites concedidos ao

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l NTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO 451

Direito foram muito estreitos, acanhados, para conterem toda a gran-deza e importância que encerra. A lei não pode abarcar todo o jus. Alei, sem condicionantes, é uma arma para o bem ou para o mal. Comosabiamente salientou Carnelutti, assim como não há verdades semgermes de erro, não há erros sem alguma parcela de verdade. O méritoque Carnelutti vê no positivismo é ó de conduzir a atenção do analistapara a descoberta do Direito Natural: "a observação daquilo que se vêé o ponto de partida para chegar àquilo que se não vê".4

BlBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário: 214-Francesco Carnelutti, "Balanço do Positivismo Jurídico", in Heresias doNosso Tempo; Miguel Reale, Filosofia do Direito; 215 - Francesco Carnelutti, ol. cit.; Miguel Reale, op. cit.; Edgar Bodenhei-�mer, Ciência do Direito, Filosofia e Metodologia Juridicas; H. Kelsen, Bobbio eOutros, Critica del Derecho Nntural; J. P. Galvão de Souza, O Positivismo Juridicoe o Direito Natural; 216 - Francesco Carnelutti, op. cit.; J. P. Galvão de Souza, op. cit..

4 FrancescoCarnelutti,"BalançodoPositivismoJurídico",inHeresiasdoNossoTentpn,Livraria Tavares Martins, Porto,1960, p. 289.

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Capítulo XXXIX

0 NORMATIVISMO JURÍDICO

Sumário: 217, O Significado da Teoria Pura do Direito. 218. A Teoria Pura do Direito. 279. A Pirâmide Juridica e a Norma Fundamental. 220. Critica à Teoria Pura do Direito.

2l7. O Signi icado da Teoria Pura do Direito

Na Filosofia do Direito contemporânea, a teoria normativista doaustríaco Hans Kelsen (l88l-1973) tem ido um divisor de águas: de�um lado os kelsenianos e, de outro, os antikelsenianos. A Teoria Purareduz a expressão do DireitoSeparando o mundo do ser a um só elemento: norma juridica. , pertinente às ciências naturais, da ordemdo dever-ser, Kelsen situou o Direito nesta última. A ordem jurídicaformaria uma pirâmide normativa hierarquizada, onde cada norma sefundamentaria em outra e a chamada Norma Fundamental seria aquelaque legitimaria toda a estrutura normativa. O objeto da Ciência doDireito seria o estudo apenas da norma jurídica. Qual o significado dos fatos e dos valores ara Kelsen? Aqui estáum ponto onde vários expositores têm vacilado como observa JosefKunz, seu principal seguidor na América do Norte. ' Ao depurar aCiência do Direito dos elementos oriundos da Sociologia, Psicologia,Economia, Ética e outras ciências, a intenção de Kelsen não foi a deelegar a importância dos fatos sociais e dos valores urídicos, tanto é�ssirrl qua escreveu obras sobre Sociologia, Justi a e Direito Natural.�'ara ele, os fatos e os valores seriam objetos da Sociologia Jurídica e

Josef L. Kunz, l.c Teoria Pura de! Derecho, Editora Nacional, México.19'74.�

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da Filosofia do Direito, respectivamente. Seu intento maior foi o decriar uma teoria que impusesse o Direito como ciência e não mais fosseabordado como seção da Sociologia ou simples capítulo da Psicologia.Essa preocupação de Kelsen se justifica historicamente, de vez que asua teoria foi elaborada em uma fase crítica do pensamento jurídico,"en una situación de crisis de la Cultura, del Derecho y del Estado" ,conforme expõe Luno Pena.z Uma visão concreta da Ciência do Direitoantes de Kelsen é fornecida por Miguel Reale: "Quando Hans Kelsen ,na segunda década deste século, desfraldou a bandeira da Teoria Purado Direito, a Ciência Jurídica era uma espécie de cidadela cercada portodos os lados, por psicólogos, economistas, políticos e sociólogos.Cada qual procurava transpor os muros da Jurisprudência, para torná-lasua, para incluí-la em seus domínios.";

218. A Teoria Pura do Direito

Kelsen adotou uma ideologia essencialmente positivista no setorjurídico, desprezando os juízos de valor, rejeitando a idéia do DireitoNatural, combatendo a metafísica. Á teoria que criou se refere exclusi-vamente ao Direito Positivo. É uma teoria nomológica, de vez quecompreende o Direito como estrcctccra norcnativa. O Direito seria umgrande esqueleto de normas, comportando qtcalquer conteúdo fático eaxiológico. Assim, o Direito brasileiro seria tão Direito quanto o dosEstados Unidos da América do Norte ou o da Rússia. Kelsen rejeitou aidéia da justiça absoluta. Admitiu, porém, como conceito de justiça, aaplicação da normajurídica ao caso concreto. Ajustiça seria apenas umvalor relativo. A sua teoria não pretende expressar o que o Direito deveser, mas sim o que é o Direito. Não expõe qual deve ser a fonte doDireito, mas indica as fontes formais do Direito. Kelsen abandonou,assim, a axiologia, bem como o elemento sociológico. Daí, porém, nãose pode concluir, com acerto, que para ele a Moral e a Sociologia nãotivessem importância. A sua idéia, porém, é a de que as consideraçõesde ordert valórativa estão fora da Ciência do Direito.� �

2 Luno Pena, Histnria de la Filnsnfia de! Dererho, ed. cit., vol.11. p. 33I.3 Miguel Reale, Filosnjta dn Direiui, ed. cit., vol. 2, p. 40l.

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIRElTO 455

O centro de gravidade da Teoria Pura localiza-se na norma juri-dica. Esta pertence ao reino do Sollen (dever-ser), enquanto que a leida causalidade, que rege a natureza, pertence ao reino do Sein (ser). ODireito é uma realidade espiritual e não natural. Se no domínio danatureza a forma de ligação dos fatos é a causalidade, no mundo danorma, é a imputação. A normajurídica expressa, pela versão definitivade Kelsen, um mandamento, um imperativo: "Se A é, B deve ser" emq ," ,ue "A" constitui o suposto, e ' B , a conseqüência.

219. A Pirâmide Jurídica e a Norma Fundamental

A estrutura norrnativa, que é o objeto da Ciência do Direito ,apresenta-se hierarquizada. As normasjurídicas formam uma pirâmideapoiada em seu vértice. A graduação é a seguinte: constituição, lei,sentença, atos de execução. Isto significa, por exemplo, que umasentença, que é uma normajurídica individualizada, se fundamenta nalei e esta, por seu lado, apóia-se na constituição. Acima desta, acha-sea Norma Fundamental, ou Grande Norma, ou ainda Norma Hipotética,que pode ser uma outra constituição anterior ou uma revolução triun-fante. E a primeira constituição, onde se apoiaria? A primeira consti-tuição, diz Dourado de Gusrn o, núo é c<m fato histórico, mas hipótesenecessciria para se fcrnclur r.tu <eoria jc<ridica. Conforme observação���de Ángel Latorre, a norna findunerttal é um dos pontos mais obscuros� � �da Teoria Pura. Kelsen eliminou vírios dualismos no campojurídico: Direito/Es-�tado, Direito objetivo/sbjetivo, Direito interno/internacional. O Esta-� �do não seria mais do que a personalização da ordem jurídica porquenão é mais do que uma ordem coativa da conduta humana, ordem queé jurídica. Kelsen nega a existencia do direito subjetivo; de vez ue apossibilidade de agir é apenas uma conseqüência da normajurídiqa. Oque se denomina por direito subjetivo, interpreta Lacambra, "não é maisdo que o mesmo Direito objetivo que, em certas condições, coloca-seà disposição de uma pessoa". I`..gou também o dualismo de Direito� �interno e internacional. Ihfenclr:;:.: a tese de que não são dois sistemasjurídicos independentes e nem contrapostos, mas um sistema único,com prevalência das normas internacionais. Em sua obra T`eoria Ceral

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do Direito e do Estado, defende a tese de que o Direito Internacional éque légitima o Direito nacional. Entre os seguidores da Teoria Pura do Direito, destacam-se: A.Verdross e Josef Kunz, no Direito Internacional; Merkel, no DireitoAdministrativo; Kaufmann e Fritz Schreier, na Teoria Geral do Direito.Aderiram também à Teoria Pura: o tcheco F. Weir, o polaco S.Rundstein, o iugoslavo Pitamic, o húngaro Horvath, o dinamarquêsRoss, o japonês Otaka. Na Argentina, pontifica-se o jusfilósofoCarlos Cossio, autor da Teoria Egológica do Direito,4 enquanto que oprofessor Lourival Vilanova, da Universidade Federal de Pernambuco,é o principal analista e expositor do pensamento kelseniano, no Brasil.

220. Crítica à Teoria Pura do Direito

Várias são as restrições feitas ao pensamento jurídico de Kelsen.Conforme expressão de Ángel Latorre, as críticas apresentam duasvertentes. Uma delas se refere a puntos concretos de sua doutrina,como, por exemplo, a obscuridade do conceito da nonna fundamental.Outra restrição nessa vertente é em relação à identidade entre Direitoe Estado, que se considera como perigosa. A outra série de restriçõesrefere-se ao sentido global de sua doutrina, ao pretender, principalmen-te, isolar o fenômeno jurídico de todos os demais fenômenos sociais.O Jurista, diz Miguel Villoro Toranzo, não deve lamentar o relaciona-mento do Direito com outras ciências, "pelo contrário, nisso reside agrandeza da ciência jurídica, em oferecer uma síntese humanista, sob osigno dajustiça, sobre os diversos aspectos da conduta social humana".5

4 Além de notuvel intérprete da teoria kelseniana, Carlos Cossio é o autor da famosa�Teoria Egológica do Direito. Cossio pretendeu dar um giro copernicano na Filosofia doDireito, ao conceber o Direito não como norma, fato ou valor, mas como conduta humana.Os estudos que o Prof. Cossio encetou na Filosofia do Direito foram muito úteis e objetode consideração pelos grandes estudiosos da matéria. lulgamos que a conduta não expressao Direito em si, mas revela a sua vivência, a sua projeção prQtica, o momcnto culminantedo processo jurídico, justamente quando o Direito se torna efetivo.5 Miguel Villoro Toranzo, op. cit., p. 60.

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INTRODUÇÃO ,O ESTUDO DO DIREITO 457�

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário: 217 - Miguel Reale, Filosofia do Direito; Luno Pena, História de la Filosofiadel Derecho; 218 - Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito e Teoria Geral das Normas; JosefL. Kunz, La Teoria Pura del Derecho; 219 - Luis Legaz y Lacambra, Filosofra del Derecho; Paulo Dourado deGusmão, Introdução ao Estudo do Direito; 220 - Ángel Latorre, Introducción al Derecho; Miguel Villoro Toranzo,Introducción al Estudio del Derecho.

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Capitulo XL

A TRIDIMENSIONALIDADE DO DIREITO

Sumário: 221. A Importância de Reale no Panorama Juridico Brasilei'ro. 222. A Teoria Tridimensional do Direito.

221. A Importância de Reale no Panorama Jurídico Brasileiro

Uma concepção integral do fenômeno jurídico encontramos for-mulada na Teoria Tridimensional do Direito, especialmente na cha-mada fórmula Reale. Apesar de o tridimensionalismo estar implícitona obra de vários autores, como a ce Emil Lask, Gustav Radbruch,�Roscoe Pound e em todas as concepções culturalistas do Direito, éjustamente com Miguel Reale que encontra a sua formulação ideal eque o credencia como rigorosa teoria. O fenômeno jurídico, qualquer que seja a sua forma de expres-são, requer a participação dialética do fato, valor e norma. A origi-nalidade do professor brasileiro está na maneira como descreve orelacionamento entre os três componentes. Enquanto que para asdemais fórmulas tridimensionalistas, denominadas por Reale genéri-cas ou abstratas, os três elementos se vinculam como em uma adição,quase sempre com prevalência de algum deles, em sua concepção,chamada especifica ou concreta, a realidade fático-axiológico-normativa se apresenta como uma unidade, havendo nos trêsfatores uma implicação dinâmica. Cada qual se refere aos demaise por isso só alcança sentido no conjunto. As notas dominantes dofato, valor e norma estão, respectivamente, na eficácia, fundamen-to e vigência. · O principal nome de nossa Filosofia do Direito atual, e de todosos tempos, é o de Miguel Reale ( 1910), que alcançou projeção mun-dial, notadamente, por sua famosa Teoria Tridimensional do Direito,

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PAULO NADER

reconhecida, entre outros jusfilósofos, por Luis Legaz y Lacambra eLuis Recaséns Siches. A influência de Miguel Reale na filosofiabrasileira, de um modo geral, e em particular na Filosofia do Direito,tem as suas causas, em primeiro lugar, na precisão, rigor lógico eoriginalidade de sua extensa produção científica' e, de outro, por suaintensa participação na vida cultural brasileira, seja na condição depresidente do Instituto Brasileiro de Filosofia, seja como professortitular de Filosofia do Direito e ex-Reitor da Universidade de SãoPaulo. Esse conjunto de fatores levou-o a uma ascendência naturalsobre os pensadores nacionais, sobretudo, a partir do terceiro quartelde nosso século. Em função de Reale, o pensamentojurídico-filosóficobrasileiro começou a depender menos das fontes externas de conheci-mento e a explorar mais o seu potencial criador.

222. A Teoria Tridimensional do Direito

Para Miguel Reale toda experiência jurídica pressupõe sempre j," ,três elementos: fato, valor e norma, ou se a um elemento de fatoordenado valorativamente em um processo normativo". O Direito nãopossui uma estrutura simplesmente factual, como querem os sociólo-gos; valorativa, como proclamam os idealistas; normativa, como de-fendem os normativistas. Essas visões são parciais e não revelam todaa dimensão do fenômeno jurídico. Este congrega aqueles componen-tes, mas não em uma simples adição. Juntos vão formar uma sínteseintegradora, na qual "cada fator é explicado pelos demais e pelatotalidade do processo". � As Lebenverhaltnis - relações de vida - são a fonte material doDireito. Ao disciplinar uma conduta, o ordenamento jurídico dá aosfatos da vida social um modelo, uma fórmula de vivência coletiva.Seja uma norma jurídica: "É nula a doação de todos os bens, semreserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador"

1 Entre as principais obras de Miguel Reale, destacam-se: O Estado Moderno (1934);Fundamentos do Direito (1.940J; Filosofia do Direito (I953); Pluralismo e Liberdnde(l963); Teoria Tridimensional do Direit; (I968); O Direito como Experiência (I968);�Liçócs Prcliminares de Direito (I976); Politicn de Ontem e de Noje (l978J; Estudos deFilosofra e Ciência do Direito (1978); O Homem e seus Horizontes (I980); Verdade eConjctura (l983).

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO 461

(art. 1.175 do C. Civil). O fato - i;ma dimensão do Direito - é oacontecimento social referido pelo Direito objetivo. É o fato interin-dividual que envolve interesses básicos para o homem e que por issoenquadra-se dentro dos assuntos regulados pela ordem jurídica. Noexemplo citado, o fato é a circunstância de alguém, possuidor de bens,desejar promover a doação de seu patrimônio a outrem, sem reservaro suficiente para o custeio de suas despesas. O valor é o elementomoral do Direito, é o ponto de vista sobre ajustiça. Toda obra humanaé impregnada de sentido ou valor. Igualmente o Direito. No casoanalisado, a lei tutela o valor vida e pretende impedir um fato anormale que caracterizaria uma situação sui generis de abuso do direito. Anorma consiste no padrão de comportamento social, que o Estadoimpõe aos indivíduos, que devem observá-la em determinadas circuns-tâncias. No exemplo do art.1.175, a norma expressa um devnrjurídicoomissivo. A conduta imposta é a de uma abstenção. Fato, valor e normaacham-se intimamente vinculados. Há uma interdependência entre ostrês elementos. A referência a um deles implica, necessariamente, areferência aos demais. Somente por abstração o Direito pode serapreciado em três perspectivas: a) o Direito como valor do justo: pela Deontologia Jurídica e, naparte empírica, pela Política Jurídica; b) como norma juridica: Dogmática Jurídica ou Ciência doDireito; no plano epistemológico, pela Filosofia do Direito � , c) como fato social. História, Sociologia e Etnologia Jurídica;�Filosofia do Direito, no setor da Culturologia Jurídica. O Direito, para Reale, é fruto da experiência e localiza-se nomundo da cultura. Constituído por três fatores, o Direito forma-se daseguinte maneira: Um valor - poderìdo ser mais de um - incide sobreum prisma (área dos fatos sociais) e se refrata em um leque de normaspossiveis, competindo ao poder estatal escolher apenas uma, capaz dealcançar os fins procurados. Um valor, para Miguel Reale, podedesdobrar-se em vários dever-ser, cabendo ao Estado a escolha, adecisão. O jusfilósofo salienta que toda lei é uma opção entre várioscaminhos. Contesta, porém, o decisionismo, que erra ao exagerar opoder de escolha. Em relação ao fato, acentua que nunca é um fatoisolado, mas um "conjunto de circunstâncias". Em sua concepção; o fenômeno jurídico é uma realidade fático-axiológico-normativa, que se revela como produto histórico-cultural ,dirigido à realização do bem comum. Ao mesmo tempo que rejeita o

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historicismo absoluto, não admite valores que sejam meta-históricos.A pessoa humana, fundamento da liberdade, é um valor absoluto eincondicionado. A ênfase que dá à experiência não exclui uma con-cepção de Direito Natural em termos realistas. Apesar de sua naturezadinâmica, o Direito possui um núcleo resistente, uma constante axio-lógica, invariável no curso da história. O autor da Teoria Tridimensional definiu o Direito como "reali-dade histórico-cultural tridimensional, ordenada de forma bilateralatributiva, segundo valores de convivência". O Direito é fenômenohistórico, mas não se acha inteiramente condicionado pela história,pois apresenta uma constante axiológica. O Direito é uma realidadecultural, porque é o resultado da experiência do homem. A bilaterali-dade é essencial ao Direito. A bilateralidade-atributiva é específica dofenômeno jurídico, de vez que apenas ele confere a possibilidade dese exigir um comportamento.

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordcm do Sumário: 221- Paulo Dourado de Gusmão, O Pensamento Juridico Contemporâneo; 222 - Miguel Reale, Filosofia do Direito e Teoria Tridimensional do Direito;Luis Recaséns Siches, Introducción al Estudio del Derecho; Luis Legaz y Lacambra,Revista Brasileira de Filosofia, Fasc. 81.

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ÍNDICE ONOMÁSTICO

(Os números se referem aos parágrafos.)

A Barbosa, Rui - 4, 55,129 Barreto, Tobias - 215 Bártolo -102,141Accursio -102 Batista. Paula-147Adickes -161 Battaglia, Felice - 99,133 nota 6Aftalion-17 nota 11, 30 Battaglini, Giulio - 201Ahrens - 80,167 Beccaria, César - 65 nota 11, 201Alighieri, Dante - 38, 55 Becker, Enno -198Almeida Júnior, loão Mendes de - 68, Becu, Zoiraquim - 7, 58,1 I0,129 nota 70 I5, I46, 204Altavila, Jayme de -120 Beethoven -146Alves, José Carlos Moreira -119,124Alvim, Agostinho Neves de Arruda - Bekker -161 124 Bensa -164Ampère -120 Bentham -17Anderson -12,16 Berbohm - 3Andrade, Agenor Pereira de - I 39,140, Berolzheimer- 22 141 nota 15, 200 Berrón, Fausto E. Vallado - 28 nota 4,Andrés, Juan -102 104,176Aquiles-193 Bettiol - 201Aquino, Tomás de -10,15, 58, 61, 74, Beviláqua, Clóvis - 87,109,112,124, 88 nota 14, 93, nota 9 129,137,165, I88,189,192, 203,Araújo, Nabuco de -124 163 212, 215Aristóteles -10,17, 52, 55, 56, 60, 64, 68,121,131,154 Bianchi -112Arroda, João - 65,167 Bierling - 3Ascensão, José de Oliveira-17 nota 11 Binder-175Asúa - 201 Binding - 3Aubry - 87,122,158 Blondeau -104 nota 2,138Austin, John - 76,175, 215 Bobbio, Norberto -129 Bochenski, J. M. - 28 nota 4 Bodenheimer, Edgar - I 3, 78 Bompani -198 Bonaparte, Napoleão -122,147,197Bachofen - 69 Bonfante - 47Bacon - 47, 94,192 Bonnecase-65,86,138

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472 PAULO NADER

Borges, João Eunápio - 204 Coviello -167Bracton - 94,103 Csipo - 74�Brendeis -154 Cristo, Jesus - 57Brinz - I 64 Croce, Benedetto - 44Brugger-147 Cruct, Jean - 22, 65 nota 8, 88, 95,120,Bruener, Emil - 56 204Bugnet - i 22 Cujas, Jacques - 79, 99,122Billow -161Burcardo -113 DBustamante, Antônio Sanchez de - 200Bustamante, Lino Rodriguez-Arias - Dabin, Jean -166,167,169 111,113 D'Aguano - 47 Daibert, Jefferson -129, I63,164 C Dantas, San Tiago-162,164,169, 173,184,186,187,194 Danz-161Calamandrei - 202 D'Argentré -141Camus E. F. - 63 Darwin -124Capitant -158 David, René - 65,100,103Caracala -140 De Page -188Carmer, Conciller von -122 Del Vecchio, Giorgio-11,13,17,18,Camelutti, Francesco - 214, 215, 216 56, 69, 87,109 nota 1,11 l,112,Carrel, Alexis - 8 171, 212Carvalho Santos -151 Delitala - 201Castro, Ami1car de - 200 Demolombe - 87,122,158,194Castro, Torquato -124 D'Entreves, Passerin - 212�Cathrein, V. - 206 Demburg - 80,138,161,184Cavalcanti, T. Brandão -197 Dias, José de Aguiar-190Celso - 38,153 Díaz, Elías - 7,17, 62, 207, 21 ICepeda, Rodriguez de -176 Domat - 99,122Cervantes - 32 Donati -104Chabot -138 Donato, Messias Pereira - 205Chamoun, Erbert Viana -124 D'Ors, A. - 99,126, I 29 nota 9Charmount, Joseph -122 Duarte, José Florentino -13 nota 8Chiappini, Julio O - 72 Du Pasquier-17, 73,128 nota 7Chironi-Abello - 47 Duguit, Léon -12,18, 68,171Cicala-165 Dumoulin -141Cícero -18, 51, 74 Duranti, G. - 3Clarin -122 Durkheim, Émile-12,13, 69Coccegi -122 Duvergier - 87Coelho, Luiz Fernando - 4Cogliolo - 47, 65, 78, 97, 98,154 ECoke -103Comte, A. - 7,124, 214 Ehrlich - 6, 54 nota 5,161, 212Coquile, Guy -141 Eisenmann - 215

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Cossio, Carlos - 27, 28, 43, 80,104, Engels - 22, 55 nota 9 219 Enneccerus - 88,104Coulanges, Fustel -18, 61, 70 Epicuro -17

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ÍNDICE ONOMÁSTICO 473

Erasmo -131 Grau, J. Corts - 63 nota 4Espfnola, Eduardo e E. E. Filho -112, Gregório IX (Papa) -137 153,154,163 nota 8 Grizzioti -198Evans, W. M. - 7 Grdcio, Hugo -16, 38,168,199, 208, 210 F Groppali, A. -17, 44, 67,167,173, 190, l91Fadda -164 Guelfi, Filomusi - 3,117Feltmann - I 68 Gurvitch - 47Ferrara - 97,128 nota 7,129,138,152, Gusmão, Paulo Dourado de - 47, 73 170 nota 3,124,148, 200, 219Ferreira, Paulo Condorcet Barbosa - 2 nota 7 HFerrer - 5Feuerbach - 83 Haesaert, J. - 3Fichte - I 7 Hamurabi -120Flavius, Gnaeus -161 Hauriou - 87Fleiner - 47 Hebrard -198Foci'lides - 56 Heck, Philipp - 65, 93Fonseca, Roberto Piragibe da - 3 nota 7 Hees -122Foucarde - 87 Hegel - 2 nota 2Foucart - 87 Heller, Hermann - 67França, Limongi - 87,11 S,164 Hello - 87Franck, Jerome - 93 Henkel, Heinrich -17, 62, 65 nota 19,Frederico I -122 67 nota 1Fredeco II -122 Heráclito -12, 29, 206�Freitas, Teixeira de -118,124,163 Hervarth - 74 Hessen, Johannes - 30 Hippel - 201 G Hizel -18� Hitler - 70Gaio - 39,102,162, 194 Hobbes - 58, 65, 69 nota 13, 76, 77,Gallo, Jorge I. H. - 73,167 210Garcia, Dínio de Santis -18 Holbach -154Gardiol, Ariel A. -135,168 Hãlinger - 47Gasset, Badenes - 7, 215 Holmes, Wendel - 93Gasset, Ortega y -10, 32 Horvath - 219Gelio, Aulo -163 Huber, Ulrich -141Gény, F. - 85, 87,101,112,144,154, Huc - 87 161 Hufeland -147Gierke, Otto -164 Hugo, Gustavo - 7, 81Giorgi -164 Hungria, Nélson - 201 Hunnius - 3Glanville -103Gmur, Max - I 53

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Gdethe - 63Goldschmidt, Werner - 2Goldstein, Mateo -120 Ihering -12,17, 38, 42, 44, 79 nota 3,Gomes, Orlando - 87 93,124,146,17I

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474 PAULO NADER

Ingroso -198 Laurent - 87,122,141 nota 15,158Irnério -102 Leão XIII (Papa) - 58, 205Isaías - 60 nota 21 Leclercq, Jacques - 207, 211Izquierdo, M. Sancho -176 Lessa, Pedro - 215 Levi, Alessandro-184 J Levy-Bruhl, Henri - 39 Lima, Alvino-193Jacques, Paulino - 204, 205 Lima, Hermes - 94, 148Jarach -198 Lima, Rosah Russomano de M. -133Jellinek-17, 47, 68, 79,171 I.ittleton-103Jèze -197 Llewellyn -129litta -139 Locke - 52João XXII (Papa) -168 Lopes, M. M. de Serpa - 85,150João Paulo II (Papa) - 58 Loa, A. - 22�João Sem Tera (Rei) - 70 Luís XIV (Rei) -122�Joseph, Saint -122 Luís XV (Rei) -122Jouvenal, Benrand de - 212 Luisi, Luiz - 2,2 nota 4Justiniano-17,102,104 Lumia, Giuseppe-148 nota 11,169, 170 K

Kant-17, 31, 35, 38, 43, 54, 70, 79, M 122,175, 210Kantorowicz, Hermann - 36, 54 nota 5, 161 vlacedo, Mauri R. de -147�Kaufmann - 219 Machado, J. Baptista -184 nota 3Kelsen -17, 43, 47, 53, 61, 63, 65, 68, Machado Netto, A. L. - 43 nota 3, 85 71, 88,162,165,171,176,199, Maine, Summer-69,124 215, 217, 218, 219, 220, Mateville-122Kirchmann -103,131 Mancini -142Klug, Ulrich - 72 Manu -120Kohler-161 Maomé -120Korkounov - 47, 92 Maquiavel - 68K:amer, Samuel -120 Marcadé -122Kunz, Josef -199, 217, 219 Marcondes, Sílvio-124 Maritain, Jacques -162 nota 1 L Marques, Dias -126 Maninez - 201Lacambra, L. Legaz y -16, 35 nota 1, Manini -122 47, 63, 80, I l 2,126,131,148,167, Manins, Fran - 204 194 nota 9,199, 204, 221 Marx, K. - 22, 55 nota 9Lacantinerie, Baudry - 87 Mata-Machado, E. G. -121Lagus - 3 Mauss, Marcel - 21 nota 4Lana, João Bosco Cavalcanti -137 Maximiliano, Carlos - 87,113,114, nota 6 133,144,147,148,150,153

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Lask, Emil - 221 May - 47Latorre, Ángel - 65,196, 202, 203, 220 Mayer, M. E. -16, 32,161

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ÍNDICE ONOMÁSTICO 475

Máynez, E. C. -17, 45, 47, 68, 79, Oliveira F Benjamin - 1, 206� 102,107, I 15,128 nota 7,160,163, Ortolan - 7, 176,178,180,181 Otaka - 219Mello, Celso D. de Albuquerque - 83, 199Mendes, José -14 PMerkel, A. - 3, 45, I 25, 219Merlin -138 Pacchioni -1 ) 2Messedaglia -19 Paniagua, José M' Rodríguez -175Mezger - 201 Papiniano - 39, 44, 74, 93,102Miaille, Michel - 2 nota 2 Parker -12,16Micelli - 80 Parsons -12h1ignet-122 Pascal - 53Miranda, Pontes de - 9, 35 nota 2,119. Pasukanis -165 129,151,165,169,182, 215 Paulo -17, 39, 50, 102, 141,147,162Modestino - 39,102 Paupério, Machado - 88, ) 73, ) 92Moisés -16, 65, 120 Peixoto, Matos-47Molina -199 Pena, H. Luno - 59, 210, 217Moncada, L. Cabral de - 94 FaPere - 2 nota 5Monreal, E. Novoa - 22, 40 nota 7, 65 Perelman, Chaim - 55, 212 nota 17, 209 Petrarca - I 31Montero, Dorado - 201 Picard, E. - 2, 39, 79,122,162,1 g0Montesquieu - 21, 28, 64, 74, 93,12I , Pinheiro, Hésio Femandes-74 nota 150,196 10,133,134Montoro, A. S. de Bustamante y - 2, Pinheiro, Ralph Lopes -120 18, 94 Pinto, Carlos Alberto da Mota -183Moreno, M. Ruiz-17, 81, 210 Pitágoras - 35, 55Morgan - 69 Pitamic - 2I 9M6ser - 8 ] Planiol - 87,138,190,194Mouchet Carlos - 7, 58,110,129 nota Platão -17, 5?, 56, 65, 68, 70 15,146, 205 Podgorecki, A. - 7Milller-Erzbach -161 Portalis - 86, 94,122Mussolini - 70 Posada, Adolfo - 47 Post, Hermann -124 N Pothier-99,122 Pound, Roscoe - 65 nota 18,150, 221Nascimento, A. Mascaro - 83 Préameneu, Bigot-122Nawiasky, H. -184 Prelot - 212Nietzsche - 63 Pucciarelli -107Nóbrega Flóscolo da- 88,167,172 Puchta - 7, 80, 81 nota 15 Puffendorf-168, 210Nonato, Orozimbo -164 Puglia - 201 Pugliesi -198 O Puigarnau, Mans -11 ]Occam, Guilherme de -168

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Olano, Fernando Garcia- )7 nota ) 1, 30 Queiroz Lima, E. - 3, 68

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476 PAULO NADER

R Scialoja, Vittorio - 7 Serra, Truyol y - 55,120Radbruch, Gustav -18, 47, 61, 67, 70, Sevilha, Santo Isidoro de - 74 127,161,175, 221 Shelling - 81Ranelletti - 47 Shilts-12Ráo, Vicente - 77; 87,107 Siches, Luis Recaséns - 9,18, 23, 29,Ravà - 47 30, 32, 63, 72 nota 21,128,132,Rcale, Miguel -12,17,18, 25, 44, 70, 154,162,167,169,176, 221 73, 90,104,107,119,122,124, Sidou, J. M. Othon - 86 nota 5 151,160,165,167, 200, 212, 217, Silva, A. B. Alves da- t 17,176 221, 222 Silva, Clóvis do Couto e -124Reichel -161 Silva, De Plácido e - 204Renard - 212, 213 Silveira, Alfpio-59, 87,150Rhinfiel, Myrbach -198 Sócrates - 63Ribeiro, Carneiro -129 Sófocles - 206Ripert, Georges -19 nota I, 23 Solari, Gioele -122Robespierre - 93 Soller, Sebastián -10 nota 1,146Rocco - 201 Solon -120Rodrigues, Coelho - I 24 Somló, F. - 3, I 8Roguin -165,180 Soto -199Romero -107 Spencer - I4,124Romero, Sflvio - 215 Spinoza - 210Rosmini - 47 Stahl - 47Ross, Alf - 219 Stammler - 5,18,132, 212Roubier, Paul - 46, I 31,137 nota 2,138 Stampe -161Rousseau - 68, 69, 210 Steinbach -161�Ruggiero; Roberto de - 47, 50,146 Stendhal -129Rundstein - 2l 9 Stemberg - 73,161,180 Stobbe -161 Stucka -165 S Suárez -168,199

Saint-Simon - 214 TSaleilles - I 59, I 61Salomão - 65Santo Agostinho-57 Tarde, Gabriel - 20, 22Santos, Fel(cio dos -124,163 Telles lúnior, Goffredo - 35, 72São Paulo - 69 Teodósio -102São Simeão -10 Teógnis - 56Sarsfidd, Dslmácio Velez-124 Teran, Juan Manuel - 72 nota 22Saua, Vlilhelm - 32, 62, 93, 201 Theodoro Júnior, Humberto -128 nota�Savigny - 7, 47, 80, 81, 85,100,123, 7 125,142,147, l48,164,165 Thibaut-123Scacia - 205 Thon - 47Scheil, Pe. Vincent -120 Thur -184

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Schiatarella -124 Tbério-102Schiller - 70 nota 16 Tolosa, Gregório de - 3Schreier Fritz - 2I 9 Tomásio -17, 70,168,175

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ÍNDlCE ONOMÁSTICO

Toranzo, Miguel Villoro - 76,134,148, Villey, Michel -168 183 nota 6, 220 Virally, Michel - 5Tornaghi, Hélio -16 Vitória, Francisco-199Torré, A. -17, 90,129,140, 205 Vives, Luis -131Treves, R. - 7 Voet, João -141Tronché - I 22Troplong -122Trotabas -198 WTudeschi, Nicolas de -102 Wald, Arnoldo -129 U Waline - 47 Wal ker - 65Ubaldis, Baldo de -102 Warren, Earl -13Ulpiano - 37, 39, 47, 52, 79,102,147 Weber, Max - 207 Weir, F - 219 Welzel, H. -17 nota 3 V Wiener, Norbert -130 Windscheid - 50, 93,138,164,171Valadão, Haroldo -100, 200 Wolf-122,168, 210Valdés - 201 Wundt -161Vanni, I. -17 nota 11,19, 20, 60, 76, Wurzel -161 79, 86,124,167Vareilles-Sommires - 2 nota 5Verdross -199, 219 ZVernengo, Roberto J. -146Vescovi, Enrique -17 nota 11 Zeiller, Francisco - l22�Villa Lobos -146 Zenão de Cítio -17Vilanova, J. -17 nota 11, 30 Zitelman -104,161Vilanova, Lourival - 219 Zitovich - 47

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ÍNDICE ALFABÉTICO DE ASSUNTOS

(Os números se referem aos parágrafos.)

A Argumento de fonte,101 Arte,127Ah-rogação da lei,135 Arte e direito,127Abstratividade da normajurídica, 44, 60 Artigo de lei,134Abuso do direito,159,194 Assinatura do ato legislativo,133Ação, 202 Associações, 164Ação do direito,12 Ato de comércio, 204Ação humana, 201 Ato ilícito,183,189 e segs.Ação social, 12 - e abuso do direito,194Acepções da palavra direito, 39 - categorias,190Aculturação c direito,13 - conceito,189Adaptação externa, 8 - culpa,189,191Adaptação humana, 8 - elementos,189Adaptação interna, 8 - espécies,189Adaptação social, 8 - excludentes,192Administração dajustiça,130 - responsabilidade (teoria),193Aforismos jurídicos, I 29 Atojurídico,129,183,184Alcorão,16,120 Ato legislativo,133,134Alienação,173 - alínea,134Alínea de artigo,134 - apresentação formal,133Alteridade, 52,167,183 - apresentação material,134Analogia,106 e segs. - artigo,134-conceito,106 - assinatura,133- fundamento,106 - autoria e fundamento legal da- e interpretação extensiva,108 autoridade,133-jurídica,107 - causas justificativas,133- legal,107 - cláusulas de vigência e de revogação,-procedimento,107 133Anarquismo, 47 - corpo ou texto,133Anteprojeto de código,12,124 -disposições complementares,133Antijuridicidade, 201 - epígrafe,133Aplicação da lei, 77,128 - fecho, I 33Aquisição do direito,173 - inciso,134Arbitrariedade, 72 - item,134Argumento de autoridade, 101 - letra, 134

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- noção,132 nota 1 Codex,ll7- ordem de execução,133 Codicismo, 63,158, 215- parágrafo,134 Codificação do direito, 65,116 e segs.- preâmbulo,133 Código,117 e segs.- referendum,133 - Alcorão,l20- rubrica,133 - anteprojeto,12,124Ato lícito,183 -da Baviera,147Atos-regras, 73 -de Bustamante, 200.Atributividade, 44,167 - Civil alemão,123Ausência,163 - Civil da Áustria,122Autodefesa, 202 - Civil brasileiro, I 24,129Autonomia e moral,17. - Civil da Prússia,117,122Autoria do ato legislativo,133 - de Comércio francês, 204Axiologia, 30 - conceito antigo, I 20Axiomas,178 - conceito moderno,117,120 - duração,119,135 B - elaboração, l 17 -etimologia,117Bem,16,17 - era da codif`cação,1, '121�Bem comum, 59,150 - de Eurico, 141 nota 13Bilateralidade,17, 44, 222 - de Hamurabi,16,120Breviário de Alarico,141 nota I3 -Legislação Mosaica,120Brocardos jurídicos,113 -de Manu,120 - Napoleão (Código Civil francês), 78, 93,121,122,123,129,148, 205 C - paralelo com a consolidação,118 - potêmica entre Thibaut e Savigny,123Capacidade,163 - popular, 65Caráter científico do direito,131 Coercibilidade, l7, 37, 44Caso fortuito,183 Coisajulgada, 66Categoria,129 Comitê de Invcstigação de SociologiaCertezajurídica, 62 do Direito, 7Cibernética e direito,130 Common Gaw, 65, 73 ,- administração da justiça,130 Comoriência,163 Competência, 202- elaboração das leis,130 Competição social,12- pesquisa científica,130 Composição legal, 201Ciência (pressupostos), 207 Composição voluntária,193; 201Ciência da administração,197 Composição tarifada,193Ciência do direito, 1, 5, 6, 39, 90, 127, Conceito,129 131 Conceitos específicos do direito, 2Ciências jurfdicas, 5 Conceitos gerais do direito, 2Ciência e técnica,126 Condição,187Cientista do direito, 97 Conftito de leis no espaço, 139 e segs.,Cláusulas de vigência e de revogação do 200

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ato legislativo,133Clima e direito, 2I Contlito de leis no tempo,136Coação,14, 37, 44,188 Contlito social,12

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ÍNDICE ALFABÉTICO DE ASSUNTOS 481

Conhecimento do direito, 6 - conceito,176Conseqtlência (normajurídica),181 - e eficácia do direito,179Consideranda do ato legislativo, 61,13 3 - histórico,175Consolidação de leis,11 g - natureza,176Constitucionalismo,121 Dever moral,175,176Constituição,196 Direito de ação,172Conteúdo do direito,167Contravenção, 201 Direito: acepções da palavra, 39 Direito e adaptação social, 8, 9Convencionalismos sociais,1g Direito adjetivo, 202Cooperação social,12 Direito administrativo,197Corpus Juris Civilis, I 7 Direito e arte,127,129Costume, 78 e segs., 85, 92, gg, I 16Culpabilidade, 201 Direito alternativo, 60 nota 21, 93,161Cultura, 33 Direito autóctore,139 Direito canônico,164Culturalismojurídico, 221 Direito cientí ico, 97Curador ao ventre,163 Direito civil, 49, 203Crime, 201Crise do direito, 74 Direito civil e direito comercial (rela-Culpa,189,191 ção), 204- agente,191 Direito civil internacional, 200- conceito,1 g9 Direito das coisas, 203- conteúdo,191 Direito codificado, 65-critério,191 Direito comercial, 49, 204 Direito comparndo, 5, 7- intensidade,191 Direito comum, 49- natureza,191 Direito constitucional, )96Currículos dos cursos jurídicos, 4 Direito costumeiro, 78 e segs. -conceito, 79 D - elementos, 80 - espécies, 82Decadência,173 - paralelo com a lei, 79Decálogo,16 - prova, 84Decisãojudicial,128 - teoria da força normativa dos fatos, 79Decreto, 74 - valor, 83Decreto-lei, 74 Direito e cultura, 33, 34Definições,129 Direito especial, 49De nições do direito, 35 e segs. Dircito e Estado, 67�- etimológica, 36 Direito de fami'lia, 203- históricas, 38 Direito manceiro,19g- real ou lógica, 37 Direito formal, 202- semântica, 36 Direito das gentes,199Delito, 201 Direito geral, 48

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Demografia e direito, 21 Direito interespacial,139,143Derrogação da lei,135 Direito internacional privado, 200Desuso das leis, 85 e segs. Direito internacional público,1g9Deverjurídico 169,174, e segs, Direito intersistemático, 200- axiomas,17g Direito intertemporal,136- classificação,177 Direitojusto, 206

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Direito: laicização,16 Direito do trabalho, 49, 205Direito dos limites; 200 Direitos absolutos,172Direito e linguagem, 81 Direitos acessórios,172Direito livre, 65, 74, 93,161 Direitos adquiridos,138Direito material, 202 Direitos familiais,172Direito misEo, 47 Direitos e garantias individuais,196Direito-modelo, 99 Direitos do homem, 72, 213Direito e moral, 9,14,17, 22 Direitos inatos,172Direito natural, 9,16, 39, 206 e segs. Dfreitos intelectuais, 72�Direito: notas essenciais, 26 Direitos não-patrimoniais,172Direito objetivo, 39,169 Direitos não-renunciáveis, 17?Direito das obrigações, 203 Direitos não-transmissíveis,172Direito particular, 48 Direitos obrigacionais, l72Direito penal, 201 Direitos patrimoniais,172Direito de petição,172 Direitos personalíssimos, 172Direito positivo, 9, 39, 206 Direitos políticos, 172Direito primitivo,14,16, 78, 202 Direitos principais, 172Direito processual, 202 Direitos reais, 172Direito público e direito privado, 47 Direitos relativos, 172-direito misto, 47 Direitos renunciáveis, 172- ramos, 47,196 e segs. Direitos sucessórios, 172- teoria dos interesses em jogo, 47 Direitos tránsmissíveis, 172- teoria monista, 47 Disciplinas jurídìcas, 5, 6, 7-teoria das normas distributivas e adapta- Disposições complementares do ato le- tivas, 47 gislativo, 133- teoria do titular da ação, 47 " Disposições transitórias do ato legis-- teorias dualistas, 47 lativo,133- trialismo, 47 Divisão dos poderes, 93,121Direito regular, 50 Divulgação do direito, 65Direito e religião, 16, 22 Dogmáticajurídica, 6Direito e revolução, 24 Dogmatismo legal, 158Direito romano, I 7, 78, 93,112,125,140, Dolo,188 147,162,164,168,174,184, 203 Domicílio civil,163Direito singular, 50 Doutrinajurídica, 97 e segs.Direito subjetivo, 39, 168 e segs. - argumento de aut.nidade,101�- aquisição,173 - argumento de t'onte,101- classificação,172 -conceito, 97- conceito,169 - e costume, 99- elementos,169 - fonte indireta,100- extinção,173 - intluência no mundo jurídico, 99-e faculdadejurídica,170 - métodos de exposição,103- modificações,173 -três funções, 98- origem,168 - valor no passado,102- situações subjetivas, 170- teorias, 171 ' E

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Direito substantivo, 202Direito das sucessões, 203 Economia e direito, 22,165

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ÍNDICE ALFABÉTICO DE ASSUNTOS 483

Edito, 93 Estado de cultura, 70Educação e direito, 22 Estado de direito, 72Efetividade do direito, 7, 9,179, 202, 221 Estado-guardião,197Eficácia da lei no espaço, I 39 e segs., 200 Estado legal, 65Eficácia da lei no tempo,135 e segs. Estado de natureza, 11Elaboração de leis,130 Estado de necessidade, I92Elemento teleológico,157 Estado-providência, 197Encargo,187 Estado sem lei, 65Enciclica Rerum 7Vovarum, 58, 205 Estadualidade do direito, 67Enciclopédiajurídica, 1, 3 Estatutos mistos, 141Endonorma, 43 Estatutos pessoais, 141Epicurismo,17 Estatutos reais, 141Epígrafe,133 Estilo jurídico, 129Eqlüdade, 60 Estoicismo, 17Era da codificação, I ,121 Estrangeiro e o direito, 140, 162Erro,188 Estrutura lógica da norma jurídica, 43Erro de direito, 76 Eticismo, 54Escola analítica de jurisprudência. 215 Evolução do direito,19, 65Escola do Direito natural,121, 210 Exercício regular do direito, 192Escola espanhola do direito das gentes, Existencialismo,184 199 Exposição de motivos do ato legislativo,Escola da exegese, 122, 148, 158, 159, 133 215 Extinção do direito, 173Escola dos glosadores, 102, 148 Extraterritorialidade da lei, 139,142Escola histórica do direito,7, 81, 100, 131,148,156,165, 212Escola holandesa, 141 FEscola dos pandectistas, 215Escola do socialismo catedrático, 70 Facturn prirtciJis, 183�Escolástica,147 Faculdade jurídica, 169, 170Escravos,162 Facultas agendi, 168�Essência da normajurídica, 44 Fascismo, 63Estabilidade do direito, 65 Fatos,180, 221, 222Estado, 67 e segs. Fato jurídico, 3,139, 166, I 80 e segs.- conceito, 68 - caracteres, 183- elementos, 68 - classificação,183- fins, 70 - conceito, 181,182- nação, 68 - elementos,182- origem, 69 - mundo dos direitos,182- população, 68 - origem,180- povo, 68 - quadro de ilustração, 182- relação com o direito, 71 - uniespacial, 139- soberania, 68 - unitemporal, I 39- teoria do contrato social, 69 Fato jurígeno, 180-teoria matriarcal, 69 Fato social, 13,165

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- teoria patriarcal, 69 Fatores do direito, 19 e segs.-teoria sociológica, 69 - conceito, 19-território, 68 - fatores culturais do direito, 22

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- fatores naturais do direito, 21 Ignorância no atojurídico, 188- princípios metodológicos, 20 Ignorância da lei, 65, 76Fecho do ato legislativo,133 Imperatividade da normajurídica, 44Ficção jurídica,129 Imperativo categórico, 43Filosofia do direíto,1 e segs., 206, 217 Imperativo hipotético, 43Fins sociais da lei,15Ó Imperícia,189�Fontes do direito, 3, 7, 73,184 Imprudência,189- formas, 73 Imputabilidade,189-históricas, 73 Imputação, 218- materiais, 73 Incapacidade absoluta,l63Fonte negocial, 67, 73,184 Incapacidade relativa, 163Força maior,183 Inciso de artigo, 134Forças atuantes na legislação, 23 Incorporação,ll8Formas,129 Informática e direito,130Fórmulasjurídicas,129 Injustiça, 61Fraude contra credores, 188 Instituto jurídico, 42Fundação, I64 Instituto uno, 74Fundamentos do direito, 221 Instrumentos de controle social, 14 Integração do direito,104 G Interesse legítimo, 170 Interpretação do direifo, 3, 77,144 e segs.Generalidade da norma jurídica, 44, 51 - art. So da Lei de Introdução ao Cód.Geografia e direito, 21 Civil, 150Glosadores,148 - conceito,145, 146Golpe de Estado e direito, 24 - classificação quanto ao resultado,149Grupos organizados e direito, 23 - declarativa, 149 - direito livre,161 - elemento gramatical, 153 H - elemento histórico,156 - elemento lógico, 154Hansa teutônica, 204 - elemento sistemático, 117, 155Hermeneúein, 144 - elemento teleológico, I 57 - escola da exegese,122,148,158,159,Hermenêutica jurídica,144 e segs. 215Heteronomia da norma jurídica,17 - extensiva, 108, 149Hierarquia da normajurídica, 116 - livre investigação científica do direito,Hipótese (normajurídica),181 160História do comércio, 204 - método histórico-evolutivo, 159História do direito, 4, 5, 7, 156 - método tradicional, 158Homem: conhecimento, 5 - obrigatoriedade das normas interpre-Homo juridicus, 35,127, 211 tativas, 150Humanistas e ciência do direito, 131 - occasio legis,157 - o princípio n claris cessat interpreta-� tio, 147 - restritiva, 149

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Idealismo, 214 - sentido da lei: teorias objetiva e sub-Ideologia e direito, 22 jetiva, 148

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ÍNDICE ALFABÉTICO DE ASSUNTOS 485

fntrodução à Ciência do Direito, 4 -corretiva, 56internretatio romana, 93 - convencional, 57Interação social,12 - definição clássica, 52International sociological associatioi: (!SA J, 7 - distributiva, 56, 58 -elementos, 55Introdução ao estudo do Direito,1 e segs. - geral, 56, 58Invenções e direito, 22 - importância, 53Irretroatividade da lei, 65,137 e segs. -judiciária, 56Item de artigo,134 -leis injustas, 61

- particular, 56 J - e segurança, 62 - social, 55, 58 -substancial, 57Juízes-grau de liberdade, 93 e segs.,161Jufzo de constatação, 6Juízo disjuntivo, 43 KJuízo hipotético, 43Jufzo de Deus, 16 Kommentare,103Jutzos de Olerón, 204Jurisconsulto, 97Jurisdição, 202 LJurisprudência, 66, 90 e segs.- acepção romana, 90 Lacuna da lei, I04- conceito, 90 - conceito,104-conceptualista, 93 -teorias (realismo ingênuo, empirismo�- criadora, 94 científico, ecletismo pragmatismo,- de interesses, 93 apnrismo ilosófico),104�-espécies, 91 Legalidade - sistema, 40- paralelo com o costume, 92 l.e8es iinperfectae, 45-processos de unificação, 96 Leges minus quam perfectae, 45- uniformidade e continuidade, 66 LeBes perfectae, 45Jusprudentes,102 Legislação mosaica,120�Jurista, 97 Legislação social, 205Jurística, 39 Legislador,13,14, 117Juscibernética,130 Legítima defesa, I92Jus civile, 140, 203 Legitimidade do direito, 7Jus gentiun:,140, 203 Lehbüclrer,103Jus incertiun, 65, 66 Lei, 73 e segs. -adjetiva, 74Jusnaturalismo, 6, 53, 61, 63,112, l21, - anacrônica, 86 165, 206 e segs.Jus peregrinorum, 140 -aplicação, 77Jus publice respondendi,102 -arti icial, 86

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- conceito, 74Justiça, 37, 39, 52 e segs.,161, 215 -defectiva, 86- e bem comum, 59- caráter absoluto, 53 - das XII Tábuas,18, 65, 78,120-comutativa, 56, 58 -das Citas,102- conceito, 52 - em desuso, 86- concepção aristotélica, 56 - etimologia, 74 - fins sociais,150

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- formação, 75 Modo,187- injusta, 61, 86, 207 Moral e Direito, 9,14,17, 22- instituto uno, 74 Morte civil,162- lacunas, I 04 Mundo da cultura, 8, 27, 32,126-obrigatoriedade, 76 Mundo do direito, 33- da natureza, 28 Mundo dos direitos,182-de ordem pública, 74 Mundo fático, 182- em sentido amplo, 74-em sentido estrito, 74- em sentido formal, 74 N- em sentido formal-material, 74-substantiva, 74 Nação, 68- dos três estados, 214 Nacionalismojurídico,125Letra de artigo,134 Natureza humana, 210LexAquilia,193 Negação da ciência do Direito,131Lexicografia e direito, 36 Negligência, 189Lex Rhodia, 204 Negóciojurídico I51, 183,184 e segs.Lex Romana Visigorhorum, 141 nota 13 -classificação, 186�Liberalismo, 47,184 -conceito, 184Liberdade,l31 - defeitos,188Liberdade dojuiz, 93 e segs., 161 - elementos,187Licitude, 169 - interpretação, 151Linguagem e dìreito, 81 - limitações, 185Linguagem jurídica. 129 - modalidades, 187 Noção do direito, 26Livre investigação científica do direito, Nome,163 160 Norma agendi, 168Livro do consulado do mar, 204 Norma ética, 15Livro dos mortos, 206 Norma fundamental, 217, 219Lógica externa, 154 Norma jurídica, 9, 14, 4) e segs., 217 eLógica formal e direito, 154 segs., 221Lógica interna, 154 - atópica ou heterotópica, 133Lógica jurídica - axiomas,178 - caracteres, 44Lógica do razoável,154 - classificação, 45 - conceito, 41 r - estrutura lógica, 43 M Norma de liberdade, 172 Norma da solidariedade, 18Maat (deusa), 206 Norma técnica, 15Marxismo, 97, 165 Normativismo jurídico, 43, 61, 217 eMaterialismo, 214 segs.Medidas de hostilidade e direito, 23Método dedutivo, 215 OMétodo experimental, 214Método indutivo, 215 Objeto do direito, 167

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Mínimo ético, 17, 201 Objetos culturais, 27, 32Missão do Direito, 13 Objetos ideais, 27, 29, 33Modificação do direito,174 Ohjetos metafísicos, 27, 31, 33Modificação da lei, 135 Objetos naturais, 27, 28, 33

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ÍNDICE ALFABÉTICO DE ASSUNTOS 487

Obrigação aquiliana,177 Prescrição,173Occasio legis,157 Prestaçãojurisdicional, 202Ontologia, 27 Presunção jurídica,129Opinião pública e Direito, 23 Pretensão, 169Ordem de execução do ato legislativo, Pretor romano, 93,102,140 133 Prévia calculabilidade da sentença, 66Ordem jurídica, 40 Princípio da acessibilidade do código, 65Ordem natural das coisas,17, 25, 54, 206 Princípio da autonomia da vontade, 70,Ordenamento jurídico, 9,155,195 73,184,185, 203Ordenanças de Wisby, 204 Princípio da causalidade, 28, 33Organização do Estado, 64 Princípio da causa eficiente,111Organização Internacional do Trabalho Princípio da coerência e harmonia, 40 (OIT), 205 Princípio do domicilio,139,142,143 Princípio da finalidade, 33 Princípio da irretroatividade,137 P Princípio da nacionalidade,139,142,143 Princípio da personalidade da lei,140 Princípio in clausis cessat interpretatio,Pandectistas,184,189 147Páragrafo de lei, 134 Princípio icira novit curia, 84Parte,167 Princípio da reserva legal, 83Pena de talião,193 Princípios gerais de Direito, 3,109 e segs.Perinorma, 43 - e brocardos,113Personalidade jurídica,162,163 - conceito,111Pesquisa científica, 130 -e o Direito comparado, I15Pessoa,162,163 - duas funções, 110Pessoajurídica,162,163,164 - rlatureza,112- caracteres básicos, 164 - pesquisa,114- classificação, 164 Privilégio, 51- conceito, 164 Processo, 202- natureza: teorias, 164 Processo legislativo,128,132Pessoa natural, 163 Pródigo,163Pirâmide jurídica, 219 Promulgação, 75,135Plenitude da ordem jurídica, 105, 109, Proposição normativa, 43 161 Publicidade do Direito,129Poder, 170 Prudentes,102Poder Judiciário, 64Poder negocial, 73, 184 RPolêmica entre Thibaut e Savigny, 123Política e Direito, 23Políticajurídica, 65,166 Racionalismo,121População,68 Racionalismo filosófico, 78Positividade do Direito, 65 Ramos do Direito, 195 e segs.Positivismo,112,131, 214 Realismo jurídico, 93- filosótico, 214 Recepção do Direito estrangeiro, 9,125

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-jurídico, 6, 54, 61, 63, 165, 206, 212, Recursos naturais e Direito, 69 214 e segs. Referendo do ato legislativo, 133Potestade,170 Registro civil, 163Povo. 68 Regras de trato social, 14, 18

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Regulamento, 74 Sistema de legalidade, 40Relaçãojurídica, 3,165 e segs.,174 Sistema da nacionalidade, 14 �- conceito,165 Sistema de publicidade, 129- elementos,165,167 Situação jurídica ativa,167- espécies,167 Situaçãojurídicapassiva,167- formação,166 Situações subjetivas,170- natureza,165 Soberania, 68- quadro de ilustração,182 Sociabilidade humana,10Relações de vida,166 Socialismo, 47, 52Relativismo, 53 Sociedade civil,164Religião e Direito,16, 22 Sociedade comercial,164Renúncia de direito,173 Sociedade e Direito, 5, 7,13Repristinação da lei,135 Sociologia do Direito, 6 e segs.Responsa prudentium,102 Sociologia dos valores, 80Retroatividade da lei,137 Sociologismo jurídico, 7Revelação científica do Direito,160 Soiidariedade mecânica,12Revogação da ìei, 88,135 Solidariedade orgânica, 12Revolução e Direito, 24, 50 Solidarismo social, 12Revolução francesa, 93 Sub-rogação da lei, 135Rubrica,133 Sujeito ativo, 167Reverso material dos deveres,169 Sujeito de direito, 162 Sujeito passivo, 167 Súmulas dos tribunais, 96 Suporte fático, 182 Suposto jurídico, I 80, 181Sanção,16, 45, 75Sanção premial, 44Segunda recepção,125 TSegurança do homem,16Segurançajurídica,16, 37, 62 e segs., 89, 161 Tábuas amalfitas, 204- conceito, 62 Técnica, 126, 127- necessidade humana, 63 Técnica jurídica, 2,127 e segs.- princípios do Direito aplicado, 66 - conceito, 127- princípios do Direito estabelecido, 65 - de aplicação, 128- princípios relativos à organização do - de elaboração,128 Estado, 64 - de interpretação,128Sentido da lei - teorias, 148 -legislativa,128,132,133,134Serviço público,197 - meios formais,129Silogismo e aplicação do Direito,128 - meios substanciais,129Silogismo da sociabilidade,12 -processo legislativo,128,132Silvícolas,163 Teleologia da lei, I57Simulação,188 Teoria da autoridade, 76Sistemas éticos,17 Teoria dos círculos concêntricos,17Sistemas de idéias gerais, I, 2, 3 Teoria dos círculos secantes,17

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Sistema da comunidade de Direito,14 Teoria do contrato social, 69Sistema dos estatutos,141 Teoria dos direitos sem sujeitos,164Sistemajurídico romano-germânico, 65 Teoria eclética (direito subjetivo),171

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ÍNDICE ALFABÉTICO DE ASSUNTOS 489

Teoria egológica do Direito, 43, 219 nota 4 Teoria da vontade (direito subjetivo), 171Teoria dos estatutos, 141 Terceiro, I67Teoria dos fatos cumpridos, 138 Termo,l87Teoria da ficção (pessoa jurídica),164 Territorialidade da lei,139,140Teoria da força normativa dos fatos, 79 Território, 68Teoria geral do Direito, I, 3 Território do Direito, 25, 27, 34Teoria da vontade (direito subjetivo), Tipicidade, 201 171 Titular do direito,162Teoria marxista do Direito,165 Tratado de Versalhes, 205Teoria matriarcal, 69 Tribunal dos mortos,102Teoria objetiva da responsabilidade, 193 Tridimensionalismojurídico, 221, 222Teoria dos objetos, 27Teoria patriarcal, 69 UTeoria de Pau1 Roubier, 138 Unificação do Direito, 13, 139Teoria positivista, 76 Unificação dajurisprudência, 96Teoria pura do Direito, 43, 61, 88,162, 217 e segs. Uso alternativo do Direito, 60 nota 21, 93,161Teorias contratualistas, 76 Usos sociais,18Teorias neocontratualistas, 76Teorias realistas (pessoajurídica),164Teoria do risco, 159 VTeoria da situação jurídica concreta, 138 Vacatio legis, 135Teoria sociológica (origem do Estado), Vaiores, 30, 221, 222 69 Vícios da vontade,188Teoria subjetiva da responsabilidade, Vigência do Direito, 221 193 Vigência da lei, 135Teoria dos sujeitos,165 Vínculo de atributividade, 167Teoria tridimensional do Direito, 221, Vingança privada,193, 201 222 Vocábulos jurídicos,129Teoria da valoração, 76 Vontade do legislador, 148, 158, 159, 160 Vontade da lei, 148

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