49
CENTRO UNIVERSITÁRIO ADVENTISTA DE SÃO PAULO CAMPUS ENGENHEIRO COELHO CURSO DE EDUCAÇÃO ARTÍSTICA/LICENCIATURA EM MÚSICA RAFAEL BELING APROPRIAÇÃO DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL NA APRENDIZAGEM MUSICAL ENGENHEIRO COELHO 2014

ihiuashuas

Embed Size (px)

DESCRIPTION

UIAHSIaus

Citation preview

Page 1: ihiuashuas

CENTRO UNIVERSITÁRIO ADVENTISTA DE SÃO PAULO

CAMPUS ENGENHEIRO COELHO

CURSO DE EDUCAÇÃO ARTÍSTICA/LICENCIATURA EM MÚSICA

RAFAEL BELING

APROPRIAÇÃO DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL NA

APRENDIZAGEM MUSICAL

ENGENHEIRO COELHO

2014

Page 2: ihiuashuas

RAFAEL BELING

APROPRIAÇÃO DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL NA

APRENDIZAGEM MUSICAL

Trabalho de Conclusão de Curso do Centro Universitário Adventista de São Paulo do Curso de Educação Artística/Licenciatura em Música, sob orientação da profa. Dra. Maria Flávia Silveira Barbosa.

ENGENHEIRO COELHO

2014

Page 3: ihiuashuas

Trabalho de Conclusão de Curso do Centro Universitário Adventista de São Paulo,

Campus Engenheiro Coelho, do curso de Licenciatura em Música apresentado e

aprovado em 09 de Novembro de 2014.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Flávia Silveira Barbosa

Prof. Ms. Gerson Stencel Arrais

Page 4: ihiuashuas

Muitas pessoas mereciam ter sido

homenageadas com a dedicação desse

trabalho; mas, ao escrever seu último

parágrafo, não me restou qualquer dúvida.

Maria Flávia Silveira Barbosa, professora

e amiga, este trabalho lhe pertence!

Page 5: ihiuashuas

AGRADECIMENTOS

À minha orientadora Maria Flávia Silveira Barbosa, por ter sido a primeira pessoa a

acreditar neste trabalho, pelo grande incentivo e motivação, pelas minuciosas e

inúmeras leituras do texto, por ter me feito ver a educação musical com outros olhos,

e, acima de tudo, por ter acreditado em mim. Quero seguir em frente, lutando por

nossas convicções; seguindo nessa luta boa, luta saudável, luta do bem.

Ao professor Jetro Meira de Oliveira, pelas muitas oportunidades relacionadas ao

crescimento musical, por ter-me concedido o privilégio de atuar ao seu lado como

regente assistente do coro de câmara Officina Vocalis por três anos e por ter sido

mestre e exemplo a ser seguido por toda a vida.

À Coordenação do curso de licenciatura em Música do Unasp-Ec, a todos os seus

professores, em especial à professora e coordenadora Ellen Stencel, pelo

comprometimento com a formação acadêmica e humana de centenas de educadores

musicais.

Ao professor Daniel Sokacheski, por ter-me proporcionado a satisfação de trabalhar

como regente assistente da Orquestra Experimental Unasp-EC por quatro anos, pela

confiança e, acima de tudo, pela amizade.

Ao amigo Leonardo Morales, pelas dicas, ideias, sugestões e leituras das várias

versões desse trabalho.

Aos meus amigos Kleberson Calanca, Helena Lima e Paulo Jeovani, pelas

intermináveis e enriquecedoras discussões. Pela companhia sempre tão bem

apropriada nos últimos quatro anos e por terem sido essenciais em minha formação.

Ao Programa de Auxílio a Participações em Reuniões Científicas do Unasp-EC –

PROAPARC – pelo financiamento parcial de muitas de minhas idas a congressos por

vários lugares do país.

Page 6: ihiuashuas

Todos os homens podem ser criminosos, se tentados; todos os homens podem ser heróis, se inspirados.

G. K. Chesterton

Page 7: ihiuashuas

RESUMO

O tema desenvolvimento humano tem despertado o fascínio de inúmeros pesquisadores ao decorrer do tempo. Fascínio que não se postula como sendo inoportuno ou sujeito a margem de irrelevância, mas sim como temática de total pertinência em nossos dias, ressaltando a valia da compreensão dos seres humanos como entidades pensantes e possuidoras de necessidades fisiológicas, afetivas e intelectuais. Essa necessidade de compreensão, contudo, se demonstrou mais evidente com o advento da psicologia, que se destaca com maior intensidade no início do século XX, postulando-se como a ciência que, de forma bastante ampla, se preocupa com os processos mentais e comportamentais dos seres humanos, bem como suas interações com o ambiente material e social. A vertente da psicologia que se empenha nos fatores do desenvolvimento do ser humano desde a infância até a fase adulta denominamos psicologia do desenvolvimento. Destarte, valendo-nos desses conhecimentos, e em interface com a música, apresentamos um estudo que se propõe a fazer uma apropriação dos pressupostos teóricos da psicologia histórico-cultural à educação musical. Partindo da conjectura de que a lei geral da supracitada psicologia pode nos apontar diretrizes para um repesar da educação musical na escola regular, buscamos demonstrar que sua apropriação pode não apenas levar ao almejado escopo, outrossim a superar antigos preconceitos exclusivistas, tão prejudiciais às atuais necessidades em educação musical de nosso país. Vale ressaltar, ainda, que este trabalho teve como processos metodológicos consulta e aprofundamento bibliográfico, bem como entrevistas de campo que se propuseram a servir de caráter ilustrativo a favor de nossa tese.

Palavras-chave: Educação Musical; Psicologia histórico-cultural; Lei Geral da psicologia histórico-cultural; Vigotski.

Page 8: ihiuashuas

ABSTRACT

In short, this paper introduces a study which proposes an ownership of historical-cultural psychology theoretical assumptions to the music education. Starting from the surmise that the aforementioned psychology’s general law can point us guidelines to rethink musical education in regular school, we seek to present that its appropriation cannot just lead us to the desired objective, likewise overcome ancient exclusivists prejudices, which are so negative upon the needs of musical education.

Keywords: Music Education; Historical-cultural psychology; General Law of cultural-historical psychology; Vygotsky.

Page 9: ihiuashuas

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 09

2 METODOLOGIA ............................................................................................................... 12

3 DESENVOLVIMENTO ...................................................................................................... 14

3.1 Referencial teórico ....................................................................................................... 14

3.1.1 A teoria inatista-maturacionista..................................................................................14

3.1.2 A teoria comportamentalista.......................................................................................15

3.1.3 A teoria piagetiana.......................................................................................................17

3.1.4 A teoria histórico-cultural............................................................................................18

3.1.4.1 a historicidade no desenvolvimento humano.........................................................19

3.1.4.2 Mediação semiótica..................................................................................................21

3.1.4.3 Instrumentos, signos e linguagem..........................................................................22

3.1.4.3.1 Instrumentos..........................................................................................................22

3.1.4.3.2 Signos.....................................................................................................................23

3.1.4.3.3 Linguagem..............................................................................................................24

3.1.4.4 A internalização e o papel do outro.........................................................................25

3.1.4.5 O papel da educação escolar...................................................................................27

3.2 Educação musical ........................................................................................................ 28

3.3 Entrevistas ................................................................................................................... 30

3.3.1 Sobre música e aprendizagem: algumas reflexões ................................................ 32

3.3.2 Educação musical – novas perspectiva, antigos desafios: o talento inato .......... 38

3.4 A lei geral da psicologia histórico-cultural e a educação musical ........................... 42

4 REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 46

Page 10: ihiuashuas

9

1 INTRODUÇÃO

O tema desenvolvimento humano tem despertado o fascínio de inúmeros

pesquisadores ao decorrer do tempo. Fascínio que não se postula como sendo

inoportuno ou sujeito a margem de irrelevância, mas sim como temática de total

pertinência em nossos dias, ressaltando a valia da compreensão dos seres humanos

como entidades pensantes e possuidoras de necessidades fisiológicas, afetivas e

intelectuais.

Essa necessidade de compreensão, contudo, se demonstrou mais evidente

com o advento da psicologia, que se destaca com maior intensidade no início do

século XX, postulando-se como a ciência que, de forma bastante ampla, se preocupa

com os processos mentais e comportamentais dos seres humanos, bem como suas

interações com o ambiente material e social. À vertente da psicologia que se empenha

nos fatores do desenvolvimento do ser humano desde a infância até a fase adulta

denominamos psicologia do desenvolvimento.

A psicologia do desenvolvimento se preocupa ou mesmo define-se como área

de conhecimento que estuda o desenvolvimento do ser humano em todos os

aspectos: físico, motor, intelectual, afetivo, emocional e social. Alegando a existência

de uma relação ininterrupta entre os aspectos biológicos, físicos, sociais e culturais

que se interconectam e que se influenciam reciprocamente, definindo nossa maneira

de pensar, agir, sentir e se relacionar com o mundo (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA,

2008).

O desenvolvimento humano refere-se ao desenvolvimento mental e ao crescimento orgânico. O desenvolvimento mental é uma construção contínua, que se caracteriza pelo aparecimento gradativo de estruturas mentais. Elas são formas de organização de atividade mental que se vão aperfeiçoando e solidificando até o momento em que todas, estando plenamente desenvolvidas, caracterizarão um estudo de equilíbrio superior quanto aos aspectos da inteligência, da vida e das relações sociais (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008, p. 116).

Uma vez que a psicologia do desenvolvimento se preocupa com todo o

processo de desdobramento humano, essa ciência busca compreender possíveis

características de cada fase da vida, possibilitando um melhor entendimento da

singularidade humana, bem como suas peculiaridades; fatores que de longe se

Page 11: ihiuashuas

10

demonstram atrativos para a educação – em sua totalidade – bem como para a

educação musical, que vem a ser a temática do presente trabalho.

Atualmente o uso da psicologia tem sido claramente distinguido no campo da

educação, levando em conta que, tal ciência, cada vez mais tem dado subsídio para

novas reflexões sobre a compreensão do homem. Os processos educacionais,

contudo, nem sempre se basearam em estudos psicológicos (propriamente ditos),

uma vez que a própria psicologia apresenta-se ainda hoje como uma “menina”, se

comparada a filosofia, por exemplo, que encontra espaço na história desde da Grécia

Antiga. Como bem salientam Fontana e Cruz (2011), a psicologia é apenas uma entre

as ciências que corroboram para reflexão sobre educação. Não obstante, sua

apropriação para as atuais concepções educacionais é bastante oportuna e vantajosa,

sendo claramente capaz de dar subsídio para atuações mais significativas em música

e seu ensino, por exemplo.

Assim como tantas outras áreas de conhecimento, a psicologia do

desenvolvimento não se resume apenas a uma vertente. Existem várias teorias a seu

respeito. Mediante observação, pesquisas e análises dos mais variados grupos e

circunstâncias, formulando as mais diferentes hipóteses sobre o modo como os seres

humanos se desenvolvem, vários pesquisadores se posicionaram e contribuíram de

diversas formas aos estudos dessa temática. Dentre alguns nomes, poderíamos

mencionar Alfred Binet (1857-1911), John B. Watson (1878-1958), Burrhus F. Skinner

(1904-1990), Jean Piaget (1896-1980) e Lev Vigotski1 (1896-1934).

Logo em seguida do item de número 2 (Metodologia), de forma sucinta e direta

passaremos por cada um desses pensadores, pontuando aspectos importantes de

suas vertentes e concepções teóricas. Isso, a fim de, contrapondo-as, fazermos as

devidas discussões em relação a educação musical. Apontando, assim, por meio

dessa pesquisa de caráter introdutório, o quanto a apropriação do conhecimento

psicológico pode nos levar a melhores práticas em relação ao ensino e a

aprendizagem musical.

Vale salientar ainda que, nessa pesquisa, adotaremos como referencial teórico

a psicologia histórico-cultural, e que, partindo de seus fundamentos, construiremos

1 Adotaremos a grafia Vigotski, excerto em citações, onde reproduziremos a forma presente na obra

referida.

Page 12: ihiuashuas

11

nossa argumentação visando ligações e apropriações ao campo da música, em

especial o da educação musical.

Page 13: ihiuashuas

12

2 METODOLOGIA

O presente trabalho se refere a uma pesquisa bibliográfica e de campo que

teve o objetivo de desvelar a influência dos aspectos socioculturais na compreensão

musical humana, além de apontar a lei geral da psicologia histórico-cultural como

possível ponto de partida para fundamentação teórica de práticas em educação

musical. Tivemos como instrumentos de pesquisa entrevistas e levantamento

documental.

A pesquisa contempla as seguintes etapas:

Estudo bibliográfico sobre a teoria histórico-cultural;

Analisando uma significativa gama de material bibliográfico ligado a psicologia

histórico-cultural buscamos respaldo nos autores originais dessa vertente psicológica,

bem como em autores brasileiros que assumem esse referencial.

Elaboração de questionário;

Como base no que foi escrito a respeito das diferentes correntes psicológicas sobre

do processo de desenvolvimento humano, foram elaboradas algumas entrevistas que

tiveram como objetivo conhecer qual é ou quais são as concepções de aprendizagem

musical e seu desenvolver nos entrevistados;

Coleta de dados;

Com vista a uma maior variedade de respostas foram entrevistados grupos com

características iniciais diferentes. O primeiro grupo se constituiu de pessoas que têm

formação sistematizada em música (superior ou conservatorial). O segundo grupo de

pessoas que não têm formação sistematizada, mas que fazem/atuam em música de

alguma forma (leigos que cantam e/ou tocam). E terceiro, por sua vez, pessoas que

não têm formação em música e que não desenvolvem nenhuma atividade relacionada

a prática musical.

Análise de dados:

Os dados recolhidos foram cuidadosamente analisados e assim serviram de base

para a elaboração da redação final;

Redação final;

A redação final contempla os dados coletados nas entrevistas, bem como o referencial

bibliográfico usado para o processo de desenvolvimento do texto. As falas e dados

Page 14: ihiuashuas

13

coletados das entrevistas serviram para ilustrar as concepções do senso comum a

respeito do processo de aprendizagem musical; dados que foram analisados de

acordo com o referencial adotado.

Page 15: ihiuashuas

14

3 DESENVOLVIMENTO

3.1 Referencial teórico

Nessa primeira etapa do desenvolvimento serão abordadas algumas das

principais vertentes da psicologia do desenvolvimento humano; isso a fim de uma

melhor construção argumentativa da pesquisa, buscando ressaltar as diferenças

existentes em relação a compreensão do processo de aprendizagem humana e o

quanto isso pode ser útil na educação musical.

3.1.1 A teoria inatista-maturacionista

É comum ouvirmos frases do popularesco como, por exemplo: “ele ainda não

tem idade para isso”, “meu filho tem muita aptidão para música” ou mesmo “ela é muito

teimosa! Puxou a mãe!”. Aspectos como inteligência, talento, maturidade e outros de

gênero semelhante, são vistos pela teoria inatista-maturacionista como sendo algo

inato, ou seja, intrínseco/inerente ao ser humano; que se refere apenas aos fatores

biológicos. Segundo essa perceptiva, todo o processo de desenvolvimento humano

se desencadeia com base em aspectos herdados e hereditários. Logo, “fatores

biológicos são mais importantes para o desenvolvimento da criança do que fatores

relacionados a aprendizagem e à experiência”, por exemplo (FONTANA; CRUZ, 2011,

p. 11).

O principal expoente dessa corrente de pensamento é Alfred Binet. Ao longo

de seus estudos, esse pensador se deparou como indagações como: “por que somos

diferentes uns dos outros?”, “por que algumas pessoas parecem ser sensíveis a

música enquanto outras são aos números?” Suas inquietações o fizeram direcionar

seus estudos para natureza das aptidões e da inteligência sob uma perspectiva

hereditária (FONTANA; CRUZ, 2011).

Como base em estudo com indivíduos inseridos em diferentes contextos, Binet

concluiu que gêmeos idênticos apresentavam uma relação mais próxima de aptidão

se comparados a irmão não gêmeos, por exemplo. Também detectou que homens e

mulheres de diferentes raças, por exemplo, se inclinavam a aptidões antagônicas.

Binet concluiu que os fatores biológicos eram muito mais determinantes do que

quaisquer outros aspectos relacionados às experiências do meio e à educação. Como

apontam Fontana e Cruz, “o papel do meio social, segundo essa perspectiva inatista,

Page 16: ihiuashuas

15

se restringe apenas a impedir ou a permitir que essas aptidões se manifestem (2011,

p. 12). É importante compreender que para Binet a ideia de inteligência não se

confunde com os conhecimentos adquiridos pelos indivíduos durante sua vida. “O que

define a inteligência de um indivíduo não é a quantidade de conhecimento que ele

possui, mas sua capacidade de julgar, compreender e raciocinar”, o que segundo ele,

depende apenas de fatores inatos (FONTANA; CRUZ, 2011, p. 14).

Obviamente a teoria inatista-maturacionista abrange muitos outros aspectos de

maior e menor grau de importância. A título de exemplo poderíamos mencionar as

pesquisas com crianças e as elaborações das escalas de desenvolvimento, que

tiveram como figura principal o estudioso Arnold Gesell.

3.1.2 A teoria comportamentalista

A teoria comportamentalista, também conhecida como behaviorismo, teoria

comportamental, análise experimental do comportamento e análise do

comportamento, foi apresentada pela primeira vez em 1913 através do livro

Psicologia: como os behavioristas a veem tendo como expoente o americano John B.

Watson (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008).

Diferentemente da teoria inatista-maturacionista, a abordagem

comportamentalista evidencia a importância dos fatores externos sobre o

comportamento. Divergindo da proposta com ênfase no biológico e hereditário, alega

que as habilidades e ações dos indivíduos são determinadas por sua relação com o

meio no qual estão inseridos (FONTANA; CRUZ, 2011).

Outro aspecto importante acerca da teoria comportamentalista se refere a uma

suposta relação entre o comportamento animal e humano. “Ou seja, para os

comportamentalistas, embora o comportamento do homem difira do dos animais,

ambos podem ser explicados pelos mesmos sentidos”. (FONTANA; CRUZ, 2011, p.

25); o que pressupõe um estudo imparcial do comportamento, não fazendo distinção

entre o comportamento humano e animal.

Para uma melhor compreensão da teoria behaviorista faz-se necessário uma

definição do que viria a ser comportamentalismo, estímulo e resposta. Segundo

Fontana e Cruz, “na perspectiva de Watson, podemos definir que o comportamento é

sempre uma resposta do organismo (humano ou animal) a algum estímulo presente

no meio ambiente” (2011, p. 25). O estímulo, por sua vez, seria toda comutação do

Page 17: ihiuashuas

16

ambiente que é percebida pelos sentidos, chegando nas respostas, que podem ser,

por sua vez, definidas como o surgimento de mudanças no organismo em sua

decorrência. E é justamente esse processo estímulo-resposta que atrai a atenção da

psicologia.

Traçando um paralelo com a teoria inatista-maturacionista, a corrente de

pensamento comportamentalista considera que:

O comportamento animal ou humano é sempre uma adaptação, uma reação aos estímulos, às alterações que se processam no estímulo. Esse ambientalismo opõe-se a qualquer tipo de inatismo. Para Watson, não existem aptidões, disposições intelectuais ou temperamentos inatos ou hereditários. O que existe é certa propensão para responder a certos estímulos de uma forma determinada (FONTANA; CRUZ, 2011, p. 25).

Outro importante nome do comportamentalismo é Burrhus F. Skinner. Suas

propostas fazem eco aos trabalhos de Watson. Para ele, a aprendizagem é o tema

central do comportamentalismo, sendo o comportamento do indivíduo um reflexo

daquilo que aprendemos ao decorrer de toda a vida.

Para Skinner existem dois tipos de comportamento. O primeiro deles é

denominado como condicionamento clássico e pode ser definido como um tipo de

comportamento pré-estabelecido, que é provocado por um estímulo, que de

semelhante modo, também é determinado. “Refere-se mais a uma reação do

organismo ao meio e não uma ação do organismo sobre o meio”. O segundo tipo de

condicionamento foi nomeado de condicionamento operante, que diz respeito “não a

relações provocadas por estímulos, mas em comportamentos imitidos pelo organismo

que são seguidos por algum tipo de consequência” (FONTANA; CRUZ, 2011, p. 27).

Para concluir poderíamos dizer que em suma, a teoria comportamentalista se

propõe a ressaltar a relevância quase que total dos fatores externos na formação do

homem. Portanto, aquilo que denominamos desenvolvimento, nada mais é, que o

produto da aquisição das experiências que se condensam no decorrer da vida do

indivíduo (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008).

3.1.3 A teoria piagetiana

Page 18: ihiuashuas

17

De Piaget conhecemos a tão famosa questão: “Como se adquire o

conhecimento?”. Essa questão sugere, pelo menos, três concepções: a primeira delas

se refere a aquisição do conhecimento a partir das propriedades do objeto; a segunda,

por sua vez, parte da estrutura do sujeito. Dessa relação surge a terceira questão: a

interação entre o sujeito e o objeto (BEYER, 1988).

Piaget, assim como Binet, Watson e Skinner, foi um dos estudiosos da

psicologia atraído pela peculiaridade de pensamento lógico das crianças. Ele também

se preocupou com questão da elaboração do conhecimento humano, buscando

muitas de suas respostas no pensamento infantil. Suas ideias acerca das relações

entre homem e objeto atraíram e ainda hoje atraem pesquisadores de diferentes áreas

(FONTANA; CRUZ, 2011).

Entre os anos de 1918 e 1980, Piaget produziu uma extensa obra,

sistematizando assim o que hoje chamamos de teoria construtivista. Assim é chamada

sua teoria, justamente por sua busca em elucidar as transformações no percurso do

desenvolvimento intelectual, bem como os mecanismos responsáveis pela construção

dos processos cognitivos (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008).

Vale salientar que em suas pesquisas Piaget se deteve a investigar os

mecanismos que explicam a evolução do desenvolvimento cognitivo. “Para ele a

formação das funções cognitivas no ser humano estão subordinadas a um processo

geral de equilíbrio para o desenvolvimento cognitivo como um todo” (BOCK;

FURTADO; TEIXEIRA, 2008, p. 138).

Um ponto interessante da teoria piagetiana pode ser ressaltado aqui. Enquanto

a teoria inatista-maturacionista lançava fora os fatores culturais e comportamentalista

os biológicos, a abordagem piagetiana leva em consideração ambos os aspectos.

Vejamos a seguinte afirmação:

O ser humano, dotado de estruturas biológicas, herda uma forma de funcionamento intelectual, ou seja uma maneira de interagir com o ambiente que o leva à construção de um conjunto de significados. A interação desse sujeito com o ambiente permitirá a organização desses significados em estruturas cognitivas (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008, p. 139).

Para Piaget, a maturidade representa uma condição imprescindível ao

desenvolvimento intelectual. Essa maturidade permite o advento de condutas

peculiares a cada etapa da vida (SALVADOR, 1997). Esse autor divide o

Page 19: ihiuashuas

18

desenvolvimento em períodos, baseando-se no aparecimento de novas qualidades do

pensamento, o que, por sua vez, interfere o desenvolvimento global. Vejamos:

1° período: sensório-motor (0 a 2 anos)

2° período: pré-operatório (2 a 7 anos)

3° período: operações concretas (7 a 11 ou 12 anos)

4° período: operações formais (11 ou 12 em diante).

É importante dizer que para Piaget, cada período é caracterizado por aquilo

que o indivíduo consegue fazer de melhor. Todos os humanos passam por essas

etapas, seguindo a sequência proposta. “Porém o início e o término de cada uma

delas depende das características biológicas do indivíduo e de fatores educacionais,

sociais. Portanto, essa divisão é uma referência, não uma norma rígida” (BOCK;

FURTADO; TEIXEIRA, 2008, p. 118).

Ainda na concepção piagetiana o desenvolvimento da criança, por exemplo,

define-se como um processo baseado na equilibração, o que segundo a autor “é uma

capacidade natural de auto regulação do indivíduo”. As relações/processos cognitivos

das crianças “são elaborados e reelaborados continuamente a partir de sua ação

(física ou mental) sobre o meio” (FONTANA; CRUZ, 2011, p. 54).

Aqui talvez se resuma com maior clareza a teoria construtivista de Piaget: para

ele, a aprendizagem praticamente não interfere no curso do desenvolvimento; ao

contrário, a aprendizagem é dependente do processo de desenvolvimento. “Tudo que

for transmitido à criança sem que seja compatível com seu estágio de

desenvolvimento cognitivo não é de fato incorporado por ela”. (FONTANA; CRUZ,

2011, p. 54). A criança pode até ser capaz de imitar de forma mecânica as ações de

um adulto, ela contudo, não compreende o que está fazendo.

Também o papel ativo da criança no processo de elaboração do conhecimento

é destacado. Assim sendo, de acordo com a teoria piagetiana, a função da escola é

proporcionar à criança o agir sobre o objeto de conhecimento, o que faz do professor

responsável apenas por facilitar e desafiar aquela que irá construir seu próprio

conhecimento: a criança (FONTANA; CRUZ, 2011).

3.1.4 A teoria histórico-cultural

Como vimos até aqui, o processo de desenvolvimento tem sido visto de forma

paradoxal, mesmo dentro da psicologia. Para os inatistas, o constituir-se humano não

Page 20: ihiuashuas

19

passa de um processo biológico, inato a nossa espécie. Para os comportamentalistas

somos moldados e constituídos basicamente pelos estímulos externos. O

construtivismo, por sua vez, traça um paralelo entre essas duas concepções, dizendo

que ambos, fatores biológicos e externos, exercem influência sobre a construção do

conhecimento humano. Há, contudo, outra forma de se pensar tal processo. Uma

abordagem que se propõe a fornecer uma visão que condiz com as correntes de

pensamentos atuais. A essa abordagem damos o nome de teoria histórico-cultural.

Sobre ela se fundamenta o presente trabalho. Portanto, por um viés histórico-cultural,

traçaremos uma proposta de apropriações cabíveis à Educação Musical. Antes,

contudo, de forma mais abrangente, propomo-nos a uma definição teórica dessa

corrente psicológica.

Vivemos em um mundo coletivo. Para nos desenvolvermos como seres

humanos precisamos do outro. Interagimos, partilhamos, trocamos e nos

comunicamos. Possuímos uma linguagem; nossa maior e mais importante ferramenta

de comunicação. Ela é quem possibilita a troca de conhecimento com os demais,

desencadeando o processo que permite o desenvolvimento de nossas

potencialidades coletivas e individuais. Nisso se baseia a teoria de Lev Vigotski.

Pensador russo do século XX que, juntamente com pesquisadores como A.R. Luria e

A.N. Leontiev2 desenvolveu a então chamada psicologia histórico-cultural, também

conhecida como teoria histórico-social, teoria sócio-cultural ou ainda teoria da

atividade.

3.1.4.1 A historicidade no desenvolvimento humano

Para iniciarmos uma abordagem explicativa a respeito da teoria histórico-

cultural, faz-se necessário entender que Vigotski estava inserido em um contexto

bastante peculiar. Em sua época, a psicologia se dividia para entender o

desenvolvimento do homem em duas correntes. Primeiro: uma psicologia que

valorizava o desenvolvimento da consciência e segundo: uma psicologia que dava

ênfase a discussão do desenvolvimento baseado no comportamento. Vigotski se

propôs a superar ambas vertentes. Tanto a idealista, que entende as características

2 Alexis N. Leontiev [1903-1979] e Alexander R. Luria [1902-1977] foram os principais colaboradores

de Vigotski.

Page 21: ihiuashuas

20

humanas como vindas do pensamento, do campo das ideias, como também a corrente

mecanicista, que se pauta numa visão fisiológica do comportamento.

Toda a teoria de Vigotski está fundamentada/fundada/sustentada por um

caráter histórico da compreensão do desenvolvimento humano (VIGOTSKI, 1998b;

2004); o que denominamos historicismo. Ou seja, não podemos entender nenhum

movimento social desvinculado de seu tempo, mas sim como movimentos

historicamente relacionados. A teoria histórico-cultural parte da apropriação de um

método materialista, histórico e dialético; método esse que não entende o mundo

como um conjunto de coisas acabadas que se constituem isoladamente, mas sim

como fenômenos que se relacionam de forma dialética (COLL; MARCHESI;

PALACIOS, 2004).

A teoria vigotskiana se ressalta ainda mais quando levamos em conta que “o

conceito de historicismo era, em geral, alheio aos psicólogos, gestaltistas, por

exemplo, que procuravam estudar o ‘aqui e o agora’” (VIGOTSKI, 1996, p. 446). Para

Vigotski, as funções psíquicas do ser humano deveriam ser estudadas por uma ótica

não apenas biológica, mas também cultural. Deveria se levar em consideração as

formações históricas do ser humano. Ao decorrer de suas inúmeras pesquisas sua

conclusão foi que “as funções psíquicas do ser humano desenvolvem-se ao longo da

evolução histórica da humanidade” (VIGOTSKI, 1996, p. 465).

Aqui encontramos a Lei Geral da psicologia histórico-cultural; o que vem a ser

o grande diferencial em relação às correntes psicológicas até então conhecidas.

Segundo essa perspectiva teórica o desenvolvimento humano ocorre primeiro no

âmbito social e só depois no individual.

Todas as funções psicointelectuais superiores aparecem duas vezes no decurso de desenvolvimento da criança: a primeira vez nas atividades coletivas, nas atividades sociais, ou seja, como funções interpsíquicas; a segunda, nas atividades individuais. Como propriedades internas do pensamento da criança, ou seja, como funções intrapsíquicas (LURIA; LEONTIEV; VYGOTSKY, et al, 2005, p. 38-39).

Assim sendo, uma boa ilustração desse importante aspecto seria a diferença

entre natureza humana e condição humana. Não existe uma essência universal para

o desenvolvimento humano. Existe uma condição humana que se caracteriza pela

construção histórica da própria constituição coletiva dos homens. Quando falamos de

natureza humana, falamos de algo inerente, que nasce nos homens e apenas se

Page 22: ihiuashuas

21

desenvolve. Ao falarmos de condição humana, entretanto, apontamos para algo que

nos caracteriza por uma relação histórico-cultural, mas que não nos dá aptidões ou

habilidades inatas (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008). Logo, tudo que é

especificamente humano e diferencia o homem dos demais seres se origina de sua

vida em sociedade. O Homem, pelo trabalho, transforma o meio produzindo cultura.

Como assegura Leontiev citado por Fontana e Cruz (2011, p. 58) “podemos dizer que

cada indivíduo aprende a ser homem”.

3.1.4.2 Mediação semiótica

Por volta dos anos de 1920, quando Vigotski chega à ciência da psicologia, a

importância da atividade prática do homem não era devidamente notada pela

comunidade científica soviética ou mesmo a mundial. O carro-chefe dos estudos

psicológicos daquela época girava em torno da atividade motora externa do homem e

buscava compreender o fracionamento de elementos isolados de conduta

(behaviorismo), em relações motoras (reatologia) ou em reflexos (reflexologia). Não

havia uma preocupação consistente em analisar a atividade prática do homem em sua

totalidade (VIGOTSKI, 1996; 1998c).

Nesse contexto, destaca-se a pessoa de Vigotski como sendo o primeiro dos

psicólogos soviéticos a fazer uma ligação entre a filosofia materialista de Marx

“desenvolvendo assim sua teoria filosófico-metodológica de ‘nível intermediário’”

(VIGOSTSKI, 1996, p. 437).

É importante salientar que as contribuições mais significativas de Vigotski (e

também as mais originais) se referem a atividade humana como fenômeno mediado.

As argumentações desse pensador apontam para as relações entre as pessoas e o

meio nas quais estão envolvidas as funções superiores do comportamento humano.

Os indivíduos modificam, através da atividade, o meio onde estão inseridos, bem

como sua própria forma de ser (COLL; MARCHESI; PALACIOS, 2004). Reforçando

ainda mais essa ideia, Pino (1991) em texto que se propõe a falar sobre o conceito de

mediação semiótica em Vigotski e seu papel na explicação do psiquismo humano

alega que contrariamente a outras correntes de psicologia do desenvolvimento, a

corrente Histórico-Cultural entende o psiquismo humano como uma construção social

que torna possível pela apropriação da mediação dessa mesma sociedade.

Page 23: ihiuashuas

22

O que viria a ser, então essa mediação? “Num sentido mais amplo, mediação

é toda a interação de um terceiro ‘elemento’ que possibilita a interação entre os

‘termos’ de uma relação” (PINO, 1991, p. 32). O termo mediação é usado para

qualificar a função que os sinais executam nas relações entre os indivíduos e também

na relação destes com o meio. Vejamos o que diz Pino:

Os processos mediadores multiplicam-se na vida social dos homens, em razão sobretudo da complexidade das suas relações sociais. Diferentemente dos animais, sujeitos aos mecanismos instintivos de adaptação, os seres humanos criaram instrumentos e sistemas de signos cujo uso lhes permite transformar e reconhecer o mundo, comunicar suas experiências e desenvolver novas funções psicológicas. A mediação dos sistemas constitui o que denominamos “mediação semiótica” (1991, p. 33, grifo nosso).

Nesse sentido, uma vez que “a propriedade elementar característica da

consciência humana escolhida por Vigotski foi a da mediação” (LURIA, 2013, p. 12),

reconhecemos sua importância e validade para o processo do desenvolvimento

humano. É através desse caráter mediado que todo o processo laboral por meio de

ferramentas se destaca e se consolida no homem (VIGOTSKI, 1996).

3.1.4.3 Instrumentos, signos e linguagem

Como apontam Nassif e Barbosa (2014, p. 2) “para se adaptarem ao meio em

que vivem, os homens, ao invés de modificarem seu próprio organismo como fazem

as outras espécies animais, transformam a natureza”. Isso implica uma espécie de

adaptação indireta que se demonstra quando atentamos para aquilo que talvez seja a

maior característica humana: a criação de instrumentos, signos e linguagem.

3.1.4.3.1 Instrumentos

Podemos denominar instrumento “tudo aquilo que se interpõe entre o homem

e o ambiente, ampliando e modificando suas formas de ação”. São “objetos criados

pelo homem para lhe facilitarem a ação sobre a natureza (FONTANA; CRUZ, 2011, p.

58). Nessa categoria, entram, por exemplo, máquinas, machados, arados, talheres,

etc.

Page 24: ihiuashuas

23

Os instrumentos acabam por interferir diretamente na forma do comportamento

humano. Como assegura Leontiev citado por Coll; Marchesi; Palacios (2004), por meio

do uso desses instrumentos, os seres humanos regulam e transformam a natureza, e

com isso, a si mesmos. Logo, os instrumentos modificam de tal forma o

comportamento humano que nossa ação deixa de ser direta sobre o objeto, tornando-

se uma ação indireta.

3.1.4.3.2 Signos

Marca dotada se significação. “O Signo é qualquer símbolo convencional que

tenha um significado determinado. O signo universal é a palavra” (VIGOTSKI, 1996,

p. 465). Como afirmam Fontana e Cruz (2011) se comparado ao instrumento, o signo

pode ser denominado como uma espécie de instrumento psicológico. Nisso consiste

tudo aquilo que é usado pelo ser humano para representar, evocar ou tornar presente

aquilo que de alguma forma está ausente, como, por exemplo, ideias, acontecimentos

ou pessoas. Exemplos de signos são: a palavra, o desenho, obras de arte ou mesmo

símbolos como bandeiras e emblemas. Enquanto o instrumento se denomina como

algo externo, ou seja, algo que serve para a modificação do meio ambiente, o signo,

por sua vez, pertence a uma ordem de orientação interna, que modifica diretamente

não o meio, mas sim o funcionamento psicológico do homem.

Segundo Vigotski, todo signo é um meio de comunicação, e de forma ampla

também um meio de “conexão de certas funções psíquicas de caráter social” (1996,

p. 114). Os signos possuem caráter social e são denominados como produtos de

práticas culturais do homem. São produtos provenientes da evolução histórico-cultural

dos diferentes grupos culturais, sendo, destarte, adquiridos sob práticas culturais que

só ocorrem pela interação social (COLL; MARCHESI; PALACIOS, 2004).

Para Vigotski (1996), um signo é sempre um instrumento que influi, em primeiro

lugar, nos demais para, aí sim, influir no próprio indivíduo. Fazendo eco a essa ideia,

Fontana e Cruz salientam que de acordo com a concepção histórico-cultural é

importante compreender que a utilização dos signos e mesmo dos instrumentos não

se limita a experiência única de um indivíduo apenas. “O acesso à escrita, às notações

musicais, às convenções gráficas e à palavra se faz na interação com outras pessoas,

sendo uma incorporação de experiências anteriores de determinados grupos culturais”

(2011, p. 60). Por fim, “se pelo instrumento, o homem modifica o objeto de sua ação,

Page 25: ihiuashuas

24

pelo signo, o homem age sobre si mesmo codificando seu modo de ser, de pensar,

de agir, de se comportar (MARTINS, 2013, p. XV).

3.1.4.3.3 Linguagem

A linguagem aparece como nossa maior e mais importante ferramenta de

comunicação; ela é, por assim dizer, o signo dos signos (MARTINS, 2013). Ao longo

do processo do desenvolvimento humano, constitui-se como o principal mecanismo

da mediação psicológica. A linguagem se compõe ainda como uma ferramenta que

surge no âmbito social, para posteriormente ser uma ferramenta de diálogo interior. A

princípio aparece como função comunicativa que age sob o mundo externo. Em

seguida, contudo, se torna um regulador da própria ação do homem (VIGOTSKI,

2008).

A linguagem é um instrumento importante na expressão e na formação da

consciência. Segundo Aguiar citado por Bock; Furtado; Teixeira (2008, p. 81), ela é “o

instrumento fundamental no processo de mediação das relações sociais, no qual o

homem se individualiza, se humaniza, apreende e materializa o mundo das

significações que é construído no processo social e histórico”.

A linguagem é um instrumento psicológico que age de forma mediada no estágio precoce do pensamento (por estágio precoce do pensamento subentendia-se a atividade prática). Como resultado desse caráter mediado se forma o pensamento verbal. [...] No pensamento que tem sua origem na atividade prática, age de forma mediada a linguagem, a palavra (VIGOTSKI, 1996, p. 455 e 456).

Nassif e Barbosa (2014, p. 3) colocam em pauta um importante aspecto quando

se referem a essa temática: quando lidamos com linguagens, ferramentas, signos,

objetos, hábitos, precisamos levar em conta que “no curso de seu desenvolvimento o

indivíduo não pode contar somente com aquilo que lhe é transmitido naturalmente,

mas precisa se apropriar desses instrumentos e signos, resultado de toda a

experiência humana anterior”. Isso implica dizer que o ser humano deve, afim de seu

próprio desenvolvimento, se apropriar do conhecimento existente a respeito dos

instrumentos, dos signos, bem como a linguagem (que aparece como sua maior

expressão). Traçando um paralelo àquela que denominados anteriormente como Lei

Geral da psicologia histórico-cultural, vale lembrar que o desenvolvimento humano,

Page 26: ihiuashuas

25

que ocorre primeiro no âmbito social, deve ser apreendido por cada novo ser humano;

cada indivíduo, por uma imersão no “mundo adulto”, deve se apropriar da linguagem.

3.1.4.4 A internalização e o papel do outro

É importante reiterar que a internalização dos instrumentos e dos signos pelos

indivíduos sempre ocorre na interação com o outro. Vigotski, citado por Fontana e

Cruz, alega que “o caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através

de uma outra pessoa”. Assim sendo “essa estrutura humana complexa é o produto de

um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre

história individual e história social (2011, p. 60). É através da relação com os demais

indivíduos que a criança, por exemplo, se apropria daquilo que foi socialmente

construído pelas gerações anteriores.

A partir de suas relações com o outro, a criança reconstrói internamente as formas culturais de ação e pensamento, assim como as significações e os usos da palavra que foram com ela compartilhados. A esse processo interno de reconstrução de um processo externo, Vygotsky dá o nome de internalização (FONTANA; CRUZ, 2011, p. 61).

Esse processo de mediação (abordado com alguma ênfase no item 3.1.4.2),

em suma, é visto como algo intencional, do qual surge o processo de transmissão de

conhecimento. O processo de internalização, por sua vez, constitui o que Vigotski

chamou de zona de desenvolvimento proximal, onde ocorre, por parte daquele que

conduz a mediação, a intervenção no indivíduo em desenvolvimento. Tal processo de

interação possibilita a apropriação por parte do indivíduo menos experiente. É

importante elencar que aquele que significa3 não se restringe apenas a ensinar o

mediatizado, ele oferece-lhe ainda seu comportamento como modelo de observação

e imitação, agregando assim uma forma significativa no processo aprendizagem-

desenvolvimento (FONSECA, 2008).

É Vigotski quem introduz na psicologia o conceito de zona de desenvolvimento

proximal, conceito que constitui uma enorme contribuição à educação. Segundo ele,

3 “Aquele que significa”: referindo-se aqui ao ser mais experiente não como sendo o “mediador”, mas

sim como aquele que significa os símbolos para o menos experiente. Para maior aprofundamento cf.

Martins, 2013.

Page 27: ihiuashuas

26

a zona desenvolvimento proximal pode ser definida como: a distância entre o nível de

desenvolvimento (capacidade de resolver um problema de forma independente) e o

nível potencial, que é definido sob a resolução de um problema com o auxílio de um

indivíduo mais experiente (VIGOTSKY, 1979) ou ainda, em termos mais claros, como

aquilo que “caracteriza a diferença entre o que a criança é capaz de alcançar por conta

própria e o que é capaz de conseguir com a ajuda de um instrutor” (VIGOSTKI, 1996,

p. 463).

Essa nova forma de compreender o processo de desenvolvimento é importante

justamente por seu caráter questionador a respeito das formas tradicionais que

entendiam a aprendizagem como resultado subordinado/dependente ao processo de

desenvolvimento. A esse respeito, em seu livro Cognição, Neuropsicologia e

Aprendizagem, Fonseca (2008) descreve um parágrafo muito cabível:

O mistério humano não poderá ser concebido apenas com base numa evolução biológica inata, pois não basta possuir uma herança genética inata, um cérebro normal, um corpo ágil e adequada acuidade sensorial para aprender. Sem acesso à mediação de artefatos, de instrumentos simbólicos, da linguagem etc., proporcionada pela interação intencional das gerações experientes sobre as inexperientes, a continuidade de humanidade talvez não fosse viável ao ritmo temporal a que se operou. Neste contexto, a mediatização é a chave do desenvolvimento social e cognitivo de espécie humana (FONSECA, 2008, p. 112).

Logo, o desenvolvimento pessoal do indivíduo só se faz possível porque a

criança tem pessoas ao seu redor. Pessoas que não são objetos ou apenas meros

espectadores e juízes do desenvolvimento, mas sim companheiros que possuem ação

ativa; ajudam, orientam, planejam, regulam, assistem, exercendo sobre as crianças

um papel ativo no desenvolvimento (SALVADOR, 1997).

Com base no conceito da zona de desenvolvimento proximal, Vigotski propõe

um importante ponto da construção de sua teoria. Ao contrário de outras correntes

psicológicas que apontam o desenvolvimento como precursor da aprendizagem4, a

teoria vigotskiana sugere que o que de fato acontece é o processo inverso. Considera

também que os processos da aprendizagem e de desenvolvimento caminham juntos

desde o primeiro dia da vida da criança, mas que o primeiro (aprendizagem) suscita e

impulsiona o segundo (desenvolvimento).

4 Para análise comparativa com outra teoria da aprendizagem, ver item 3.1.

Page 28: ihiuashuas

27

3.1.4.5 O papel da educação escolar

A maneira como Vigotski via e estudava o processo de desenvolvimento

humano o levou a atentar com bastante ênfase para o papel da educação escolar. Ele

reconhecia que as relações de conhecimento advindas do ambiente escolar divergiam

das do ambiente cotidiano. “A escolar diz respeito ao conhecimento elaborado e não

conhecimento espontâneo; ao saber sistematizado e não ao saber fragmentado; à

cultura erudita e não à cultura popular” (SAVIANI, 2003, p. 14). Na visão da psicologia

histórico-cultural, a escola é entendida como ambiente que possibilita um contato

intenso e sistematizado da criança com os sistemas de leitura e escrita, por exemplo.

É na escola que a crianças entra em contato com os conhecimentos acumulados e

organizados das mais diferentes áreas científicas. É também nesse ambiente que

ocorre a apropriação dos instrumentos que essas ciências utilizam (mapas,

dicionários, máquinas de calcular, etc.) por parte das crianças (FONTANA; CRUZ,

2011).

Vigotski reconhece que, ao chegar à escola, a criança possuiu uma bagagem

significativa de conhecimento. Contudo, é no ambiente escolar que ela realiza e

elabora de forma sistematizada seu conhecimento, fazendo assim uma relação

cognitiva com o mundo externo e seu próprio pensamento. Nas condições escolares,

as condições de transmissão do conhecimento são modificadas pelo planejamento e

pela intencionalidade. A própria criança reconhece que está ali para se apropriar de

novos conhecimentos. Conhecimentos que, como asseguram Fontana e Cruz (2011),

vão lhe modificar a forma de enxergar e lidar com o mundo.

Desconsiderar aspectos como o valor do ambiente escolar na/para formação

do indivíduo, é se referir ao ideário “que historicamente tem se alinhado à manutenção

de condições que, para a maioria da população, se coloca como obstáculo à plena

humanização dos homens e mulheres”. Em suma, “trata-se, pois, da afirmação da

educação escolar como traço inalienável do desenvolvimento do indivíduo”

(MARTINS, 2013, p. 3-7).

A apropriação do conhecimento em sala de aula se denomina como um

processo social compartilhado entre os indivíduos em ação. A criança se apropria dos

instrumentos e das práticas que são culturalmente organizadas. Destaca-se aqui o

Page 29: ihiuashuas

28

papel do professor como agente que significa, de forma intencional, todo esse

processo (VIGOTSKI, 2004; 1998a).

Na educação escolar, o professor tem um papel singular no processo de

desenvolvimento do indivíduo. Como bem esclarecem Fontana e Cruz (2011), o

professor é responsável por fazer junto. Ele demonstra, sugere, instrui e tutoriza a

criança em seu desenvolvimento. É ele quem atua de forma direta na zona de

desenvolvimento proximal. 5

Na teoria histórico-cultural, o professor não é apenas aquele que tem a

responsabilidade de criar um ambiente propício para a aprendizagem, sujeitando

objeto e indivíduo um ao outro. Ele é, contudo, aquele que transmite sua bagagem

histórica e social e, de forma adjunta, pode “desenhar” o futuro da criança.

3.2 Educação musical

Entendendo que grande parte dos esforços da educação musical se detém às

crianças, nesta parte do trabalho, daremos alguma ênfase ao contexto infantil da

aprendizagem musical. Isso não sugere a impossibilidade da apropriação das

próximas considerações para a educação musical com adultos mas apenas conota

um direcionamento específico, cujo fim é a construção de ideia e melhor compreensão

do tema.

Ao se abordar o tema educação musical lidamos com um panorama bastante

antagônico. Vemos centenas, senão milhares, de crianças em nosso país que

manifestam alguma lacuna no que se refere a sua aprendizagem musical, quando sob

outros pontos de vista nada parece distingui-las das outras crianças da sua idade.

Tais casos merecem nossa consideração. Obrigam a ponderar sobre aqueles

que permanecem excluídos de um processo sistemático de musicalização. Isso se

deveria a um fato irremediável ou sua sorte ficou à mercê de más condições

provenientes do ambiente ou métodos aos quais foram submetidos?

Ao falar sobre o processo de aprendizagem (em sua totalidade), mas também

sobre o processo de aprendizagem musical, geralmente costumam-se levar em conta

os fatores biológicos e/ou hereditários e fatores do meio que advém da relação com o

mundo externo. Essa concepção está tão arraigada justamente por estar conforme a

5 Para maior aprofundamento sobre a zona de desenvolvimento proximal consultar Duarte (1993).

Page 30: ihiuashuas

29

simples constatação de fatos que parecerem ser evidentes. Alguns autores agregam

papel decisivo aos fatores biológicos, outros aos fatores sociais e outros ainda a uma

fusão de ambos os fatores.

Vale ressaltar, contudo, que a corrente de pensamento que atribui papel

principal aos fatores biológicos e hereditários do processo de aprendizagem musical

tem sido vista com maior aceitação entre o senso comum e mesmo (em alguma

proporção) entre o meio acadêmico (SCHROEDER, 2005). Daí provém as tão

conhecidas concepções que compreendem a música como algo dado, herdado de pai

para filho ou como um talento especial; um dom que é dado a poucos e definitivamente

não é para todos. As diferentes teses propostas no quadro dessa concepção são

suficientemente conhecidas para que nelas nos detenhamos neste momento.

Assim sendo, quando não se consegue aperceber características patológicas

evidentes nas crianças quanto a seu processo de aprendizagem musical, admite-se

que sua condição “abaixo da média” se deve à influência dos aspectos internos e

biológicos. Ou seja, possibilidades naturais das quais é dotada.

Os resultados que podem ser obtidos por essa concepção inatista do talento

musical pouco ou nada contribuem para novas formas de compreensão da atual

necessidade da educação musical. Com a promulgação da Lei nº 11.769/2008, que

coloca a música como conteúdo obrigatório do componente curricular arte, o desafio

de levar música para todos continua latente entre os educadores musicais;

principalmente quando se compreende a música com algo inerente a algumas

pessoas.

O maior agravante de tudo isso é que a sorte de uma criança se decide, muitas

vezes, em função do “quociente de inteligência” – o chamado QI – previamente

estabelecido, lançando fora as nuances dos possíveis detalhes da relação com o

outro.

Portanto, parece-nos que é nossa obrigação pôr em questão as tradicionais

concepções que permeiam o senso comum a respeito do processo de aprendizagem

musical. O objetivo é formular aproximações teóricas que se proponham a superar os

desafios existentes e tão profundamente arraigados entre algumas pessoas.

Page 31: ihiuashuas

30

3.3 Entrevistas

A fim de dar um teor mais cabal a esse estudo, julgamos que seria relevante

uma pesquisa de campo através da qual se buscasse entender o processo de

aprendizagem musical de alguns indivíduos. Os resultados obtidos nessa pesquisa,

no entanto, não foram a base para o desenvolvimento desse trabalho; eles apenas

têm a intenção de fazer uma aproximação ilustrativa acerca do que temos discutido

até aqui no âmbito teórico e o que de fato acontece – ou pode acontecer – na prática.

A seguir faremos um relato detalhado de como se deu todo o processo de entrevistas,

bem como as normas sobre as quais se estabeleceu a pesquisa.

Partiremos, então, da análise de relatos expressos por indivíduos com

diferentes ‘níveis’ de práticas musicais. Nossos entrevistados, portanto, se dividem

em três grupos bastante distintos. Vejamos:

Grupo A

Pessoas que tiveram um ensino formal de música. Os componentes desse

grupo frequentaram conservatórios, escolas especializadas ou/e projetos de ensino

de música. Todos, sem exceção, desenvolvem uma ativa prática musical – tocam em

grupos, orquestras, bandas, cantam em coro etc. Buscamos entender o quanto seu

ensino sistematizado foi capaz de influenciar sua atual prática musical. Com base em

seus próprios relatos, pretendemos fazer uma análise comparativa entre suas

práticas/experiências e suas concepções acerca de como se dá o processo de

aprendizagem musical;

Grupo B

Pessoas que não tiveram um ensino formal ou informal de música. Os

componentes desse grupo são pessoas que não desenvolvem práticas musicais – tais

como cantar em coros, grupos, tocar em orquestras, bandas etc. Buscamos saber se

tiveram ou não oportunidades de estudar música quando eram crianças ou/e jovens,

por exemplo. Assim como no grupo A, pretendemos fazer uma análise a fim de

comparar suas práticas/experiências – ou a inexistência delas – e suas concepções

acerca de como se dá o processo de aprendizagem musical;

Page 32: ihiuashuas

31

Grupo C

Pessoas que não tiveram um ensino formal de música, mas que mesmo assim

exercem uma notável prática musical. Os componentes desse grupo nunca

frequentaram escolas ou conservatórios musicais. Não tiveram um ensino

sistematizado de execução ou/e notação musical, por exemplo. Não obstante, todos,

sem exceção, têm uma intensa prática musical – tocam e cantam em grupos, fazem

solos, regem grupos e coros etc. A exemplo dos grupos A e B, os componentes do

grupo C também foram entrevistados acerca de suas experiências musicais na

infância ou/e juventude. De semelhante modo, pretendemos fazer uma análise

comparativa entre suas práticas/experiências e suas concepções acerca de como se

dá o processo de aprendizagem musical.

As entrevistas aconteceram de maneira bastante informal e foram realizadas

em forma de diálogo entre entrevistado e pesquisador. Todos os participantes foram

entrevistados individualmente e tiveram seus relatos devida e cuidadosamente

registrados. Ambos foram questionados acerca de suas experiências musicais e de

como acreditam se dar o processo de aprendizagem musical.

Os participantes dos três grupos foram submetidos a perguntas – variando

conforme as características de cada grupo – que giravam em torno de um relato de

suas experiências musicais no decorrer de sua vida: suas oportunidades e falta delas,

incentivos, motivações, desafios, conquistas, concepções de música, entre outras. No

fim de cada entrevista, todos os candidatos foram indagados a respeito do que

pensam ser música – fruto do trabalho/experiências ou dádiva inata e inerente a

algumas pessoas.

A abordagem, busca ser o mais imparcial possível. No decorrer dos diálogos,

buscávamos apenas levantar questionamentos, nunca dando dicas ou sugestões a

respeito do que “pretendíamos” ouvir. Quando, em alguns casos, nossa opinião era

solicitada, de forma bastante delicada dissemos que preferíamos não opinar até o

término da entrevista. Não obstante, reconhecemos e concordamos com o que dizem

Fachim (2006) e Unglaub; Unglaub (2010) a respeito do risco que incorrem os

pesquisadores quanto a parcialidade em relação ao seu objeto de pesquisa. Assim

sendo, os dados que apresentaremos não têm a pretensão de ser definitivos, mas

apenas ilustrativos do ideário de nossos entrevistados.

Page 33: ihiuashuas

32

3.3.1 Sobre música e aprendizagem: algumas reflexões

Julgamos que nesta etapa do trabalho deveríamos nos ater a algumas análises

comparativas entre os diferentes perfis dos entrevistados. Como nossa tese principal

diz respeito a hipótese de que o meio – abarcando aqui toda a influência advinda do

contexto histórico e social – pode definir diretamente a formação do indivíduo,

decidimos, como primeira abordagem, comparar a história inicial de nossos

entrevistados. Buscamos saber quais foram suas primeiras experiências musicais, ou

no caso do grupo B – das pessoas que não estudaram música e que não desenvolvem

nenhuma atividade musical – qual foi o grau de seu distanciamento do fazer musical.

As perguntas que nortearam essa primeira parte da entrevista giraram em torno de:

houve influência musical na infância? Música em casa? Pais, tios ou parentes

músicos? Ouvia, assistia ou praticava música? Vale salientar que nossos

entrevistados possuem idade média entre dezoito e vinte e cinco anos, tendo,

portanto, informações consolidadas a respeito de sua infância.

Quando questionados a respeito das influências musicais recebidas na

infância, os candidatos do grupo A – dos que estudaram música e que hoje são

músicos – relataram detalhes bastante interessantes. Um dos candidatos do grupo

disse o seguinte:

Meu pai me colocou para estudar música aos 6 anos de idade. Meus irmãos e eu

tínhamos aulas particulares de piano.

Outro participante explicitou ainda mais detalhes:

Eu me vi gostando de música quando comecei a ouvir canções na igreja, isso por volta

dos 5 anos. Mas minha mãe conta que sempre colocava música clássica enquanto eu

estava na barriga dela. Me lembro que quando ainda era pequeno eu colocava CDs

clássicos e “regia” aquelas músicas que eu ouvia desde o tempo de bebê.

A presença da música e de alguma espécie de fazer musical pôde ser vista

desde a mais tenra idade nos indivíduos desse grupo. Como relatado, um deles afirma

que ouvia música clássica desde o ventre materno e que aquelas músicas sempre

fizeram parte de seu cotidiano.

Quando fizemos essas mesmas perguntas aos candidatos do grupo C – dos

que não estudaram música formalmente, mas que desenvolvem notável fazer musical

– as respostas foram de gênero semelhantes. Observe:

Page 34: ihiuashuas

33

Eu ainda era bem pequenino, e lembro que na minha casa tínhamos um violão bem

velho. Como não tinha nada para fazer, brincávamos com aquele violão, meu irmão e

eu. Afirma um dos participantes desse grupo. Ele ainda salienta que:

Logo depois meu pai me deu um violão e um tio que sabia tocar veio até minha casa.

Esse tio também tinha um violão, e eu o reparava tocando; ele sabia apenas o básico,

mas eu prestava muita atenção e sempre tentava imitar tudo o que ele fazia.

Outro entrevistado, assemelhando-se aos candidatos do grupo A, afirma que

desde os 5 anos já se lembra de ter visto e ouvido muita música em casa. Segundo

ele:

Quando criança, meus tios e minha mãe cantavam em casa. Desde dos meus 5 anos

eu os ouvia. Eu sempre fui tímido e então eu os ouvia cantando e só cantava sozinho

no banheiro. Mas sempre procurava imitar tudo que eu ouvia da minha mãe e dos

meus tios.

A semelhança entre os participantes dos grupos A e C é evidente, a nosso

juízo. Muito embora no grupo A possa se notar um ensino formal, onde havia presença

de um professor específico de música, por exemplo, ao passo que no grupo C

encontramos apenas uma exposição a instrumentos ou à prática do canto, o contato

com a fazer musical era intenso. Todos os participantes dos dois grupos tiveram

contato com algum tipo de prática musical desde bem cedo.

Como foi, porém, o contato musical dos candidatos do grupo B? Vejamos suas

afirmações.

Eu nunca tive nenhuma prática musical. Afirma um dos entrevistados. Ele ainda

complementa que:

Minha mãe não cantava musiquinhas para mim. Eu não tinha nenhuma vivência. Na

infância eu nunca tive contato com instrumento musical, por exemplo. Eu sempre quis

aprender um instrumento, mas a escola não oferecia nada de música. Eu nunca

aprendi a valorizar a música pelo que ela é. Minha família não tinha o dom musical.

Ninguém tinha. Meu pai sempre cantou mal, e minha mãe também, daí não cantavam

para mim.

Outro participante desse grupo afirmou ainda que:

Minha relação com a música é distante. Na minha família ninguém faz música, só

alguns primos distantes. Na igreja, por exemplo, minha família só ouvia, nós nunca

participávamos ativamente das poucas atividades musicais que eram realizadas. Eu

Page 35: ihiuashuas

34

tive vontade de aprender música, mas onde eu morava não havia ninguém que dava

aula, na minha comunidade não tínhamos muitas práticas musicais.

Como vemos, os entrevistados do grupo B não tiveram um considerável

contado com o fazer musical. Ao contrário dos candidatos dos grupos A e C, eles não

possuíam uma prática musical em sua casa e tão pouco tiveram pais ou parentes

próximos que pudessem influenciar de alguma forma. Antes o contrário. Como afirmou

uma das candidatas: Minha mãe não cantava musiquinhas para mim. Tais afirmações

corroboram claramente as ideias de Luria R. A.; Leontiev, A. N.; Vygotsky, L. S. et al.

(2005) e Vigotski (1998b) a respeito da importância das inter-relações sociais no

desenvolvimento infantil. Uma criança jamais poderá dar aquilo não lhe é oferecido.

Analisar quais foram as influências que os entrevistados receberam é, sem

dúvida, muito relevante. Mas avaliar o quanto essas influências se transformaram em

oportunidades, e, por sua vez, o quanto essas oportunidades foram aproveitadas por

eles, é igualmente importante. Vamos, portanto, a essas considerações, mas, ao

contrário, começando agora pelos entrevistados do grupo B.

Como explicitado acima, os entrevistados do grupo que não estudaram música

e não desenvolvem algum fazer musical não tiveram influências musicais na infância.

A despeito disso, contudo, as entrevistas mostraram que, ambos, por volta da

adolescência tiveram algum contato com ensino/fazer musical.

Um dos candidatos, por exemplo, afirmou que na adolescência teve a

oportunidade de participar de um projeto onde havia aulas de violão em grupo. Esse

é um fator interessante e deve ser levado em consideração. Esse indivíduo teve algum

contato com um ensino – inclusive sistematizado – de instrumento. Por que, então,

não obteve êxito? A razão logo aparece:

Eu tive vontade de continuar no projeto, mas eu não tinha violão, e quando o projeto

acabou eu fiquei sem instrumento.

O projeto ao qual o entrevistado se referiu durou apenas algumas semanas e,

obviamente, o participante recebeu apenas algumas poucas aulas. A situação se

complica ainda mais quando o violão, o único instrumento ao qual teve acesso por

poucos dias, se vai e o projeto acaba. Por maior que fosse seu entusiasmo com a

aprendizagem do novo instrumento, nosso entrevistado jamais poderia obter qualquer

tipo de êxito, uma vez que, desprovido do instrumento – e consequentemente da

possibilidade da prática – perdia toda a chance de prosseguir.

Page 36: ihiuashuas

35

Caso semelhante pode ser notado no relato de outro participante do grupo B.

Esse, também na adolescência, teve contato com algum tipo de fazer musical. Não

por meio de um instrumento, mas, agora, pela prática coral. Nosso entrevistado

afirmou:

Eu tive uma pequena participação num conjunto, mas durou pouco tempo. E quando

acabou fiquei sem cantar.

Assim como no primeiro caso, o referido candidato não permaneceu por muito

tempo no grupo vocal ao qual pertencia, deixando assim a prática do canto. É

importante notar que existe uma considerável diferença entre esse e o primeiro

exemplo. Aquele entrevistado perdeu seu instrumento e, obviamente, não poderia ter

progresso. No segundo caso, porém, o que está em questão é a voz; algo que não

lhe foi “tirado”, e que, mesmo sem o envolvimento com o grupo musical, poderia ser

desenvolvido. Será? Um detalhe precisa ser revelado: o entrevistado em questão é o

mesmo que, a pouco, afirmou: minha mãe não cantava musiquinhas para mim. Esse

adolescente, sem nenhuma prática no canto, sem nenhuma vivência familiar, encontra

nesse projeto sua primeira oportunidade de começar a direcionar todo seu aparelho

vocal para prática do canto. Mas ao dar seus primeiros passos, o conjunto se desfaz

e novamente se vê exilado da prática. Não seria esse um motivo razoavelmente

plausível?

Ainda se referindo às oportunidades recebidas na infância/juventude, mas

agora tendo em foco os candidatos do grupo A, apresentaremos elementos

importantes das entrevistas. Vejamos o que afirma um dos entrevistados:

Comecei a estudar violoncelo aos 12 anos, não escolhi estudar, mas era a chance de

ganhar uma bolsa; o projeto onde eu estava precisava desse instrumento. Recebi

muita motivação do professor, das pessoas. Logo no início começaram a me chamar

para tocar na orquestra da escola.

Esse entrevistado – aquele mesmo que, como acima mencionado, alegou ter

tido aula particular de piano desde os 6 anos – revelou detalhes muito importantes.

Segundo ele, a escolha do instrumento veio atrelada à necessidade do projeto ao qual

se referiu. O projeto precisava de violoncelos e, ao que parece, esse foi o principal

“motivador” na escolha do instrumento. Notem ainda, que o entrevistado afirma que

logo começou a participar da orquestra da escola, e que houve muito incentivo por

parte das pessoas para que prosseguisse estudando.

Page 37: ihiuashuas

36

Outro participante, curiosamente, afirma que escolheu tocar violino por

influência do tio, que também era violinista. Veja o que ele diz:

Meu tio tocava violino e eu achava aquele instrumento interessante. A música era algo

distante mas ao mesmo tempo eu via que as pessoas em volta de mim me davam

oportunidade de chegar lá. Escolhi o violino por influência das pessoas que estavam

perto de mim.

Para nosso entrevistado, a influência externa dos familiares foi totalmente

pertinente, direcionando suas escolhas e práticas musicais. A forma de “aproveitar” a

oportunidade de estudar desse entrevistado também é bastante curiosa. Notemos:

Eu tinha um violino alugado e se eu não estudasse eu não ganharia o meu; esse era

o trato do meu pai.

Nosso jovem entrevistado, fortemente influenciado pelo tio, queria seu

instrumento, mas a única forma de obtê-lo, porém, era estudando e mostrando bom

desempenho enquanto estava com o instrumento alugado; sem mais delongas, o que

lhe restava era o estudo.

Retornemos ao exemplo do entrevistado que possuía um velho violão em casa

e que gastava horas brincando com ele. Lembremos de que um dos tios desse

candidato tocava, modestamente, o instrumento, e que o juvenil “prestava muita

atenção e sempre tentava imitar o que ele fazia”. Quando perguntado a respeito do

tempo que dedicava ao instrumento, qual foi nossa surpresa ao ouvir que:

Eu gastava muitas horas com o meu violão. Gastava praticamente metade do dia

tocando. Eu dava alguns intervalos, mas se fosse contar as horas de estudo, era

quase a metade do dia tocando.

Apesar de nunca ter frequentado uma escola formal de música, nosso

entrevistado afirma que várias horas foram dedicadas ao instrumento durante a

juventude. Ele ainda alega que tudo que conseguia aprender com o tio e com o estudo,

ele ensinava para o irmão.

Outro importante fator apresentado por esse candidato se refere ao estímulo

recebido dos pais.

Os meus pais sempre foram muitos ligados a música. Meu pai investia muito; ele

incentivava, gastava tempo me vendo tocar. Isso me motivou muito. Ele tinha orgulho

de mim; minha família tinha muito orgulho de mim.

Page 38: ihiuashuas

37

Ainda nesse grupo, encontramos o exemplo de outro entrevistado. Aquele

mesmo candidato que afirmou ouvir seus pais e tios cantando desde os 5 anos.

Vejamos o que diz:

Eu sozinho imitava meus tios e meus pais. Eu aprendi a dividir vozes com eles. Eu

aprendi ouvindo.

Totalmente imerso nesse ambiente musical, o referido candidato afirma que,

quando já mais velho, começou a receber o contato de outros ambientes.

Aos 15 fui chamado para coordenar o grupo que eu participava. Recebi motivação da

minha igreja. Eu comecei a tocar piano vendo meu tio. Eu gostava de brincar com o

piano.

Assim como no caso do primeiro entrevistado, esse segundo nunca frequentou

escola e projetos de música; não obstante, é possível ver seu envolvimento com o

fazer musical. Notemos que nosso entrevistado teve, desde a infância, um significativo

contato com a prática musical. Vemos que mesmo sem formação sistematizada, o

entrevistado continuou recendo apoio e influência de seu ambiente social. Esse

segundo, igualmente ao primeiro, dedicava horas à música e à medida que se

especializava passava ele mesmo a influenciar outros ao seu redor. Vale ressaltar que

esse entrevistado é regente de um coro e desenvolve um notável trabalho de inclusão.

O que podemos perceber, grosso modo, é que existem diferenças pontuais em

cada grupo – em especial entre os grupos A/C e B. Quanto aos grupos A e C, o que

pudemos perceber foi que, embora os candidatos do grupo C também desenvolvam

atividades musicais e, mesmo sem nunca terem estudado são, de fato, músicos, eles

se sentem “incompletos” em relação aos entrevistados do grupo A. Os entrevistados

do grupo C sentem que o domínio da escrita/notação musical lhes faz falta. Já os

entrevistados do grupo A não apresentaram esse tipo de afirmação. Antes disseram

que sua boa formação lhes proporcionou a plena capacidade de decifrar nosso

sistema de notação musical, bem como se expressar por meio de improvisos

melódicos e harmônicos.

A maior diferença notada diz respeito aos candidatos do grupo B. Esses

entrevistados demonstraram sentir-se, de alguma forma, diminuídos por não terem

tido a oportunidade de estudar música. Um dos entrevistados chegou a afirmar:

Um fator interessante: música é só para ricos. O pobre não pode aprender música. O

instrumento é caro, e muitas vezes ele fica sem condições de aprender.

Afirma ainda que:

Page 39: ihiuashuas

38

Meu contexto social nunca me proporcionou a oportunidade de aprender música. Se

eu tivesse aprendido música eu seria uma pessoa mais completa. Quando eu vejo as

pessoas fazendo música eu me sinto um pouco aquém. Eu me comparo com o outro

e vejo que outros têm dom enquanto eu não tenho.

Mesmo com afirmações como, vejo que outros têm dom enquanto eu não

tenho, notamos que, na verdade, os participantes do grupo B não tiveram as devidas

oportunidades; não receberam as devidas ferramentas que lhes proporcionassem

uma real experiência de aprendizagem com a música. É importante chamar a atenção

para alguns “conflitos” conceituais presentes no discurso dos entrevistados. Existe

uma dubiedade de percepção sobre sua própria condição: não sabe música porque é

pobre e não teve oportunidade ou não sabe música porque não tem o dom? Em suma,

como base no referencial que demonstra a importância do fator histórico e social na

constituição da musicalidade, não seria exagero afirmar que os candidatos do grupo

B só não aprenderam música justamente por não terem a oportunidade de dela se

apropriar – como aconteceu com os candidatos do grupo C, por exemplo. Não

deixaram de ser músicos por alguma razão biológica, ou mesmo mística, como talento

ou dom inato, mas sim por não terem uma profunda imersão no mundo musical; por

não terem tido a oportunidade de se apropriar culturalmente dessa expressão artística.

3.3.2 Educação musical – novas perspectiva, antigos desafios: o talento inato

Como foi possível averiguar até aqui os entrevistados dos diferentes grupos

expuseram detalhes de sua relação com a música. Pudemos notar uma significativa

diferença em relação aos perfis, observando, assim, como o contato com o fazer

musical na infância, por exemplo, se apresenta como fator determinante em sua atual

relação com a música. Do modo que cada um dos participantes apresentou elementos

diferentes em relação a sua aprendizagem – ou não aprendizagem – musical,

decidimos, no término de cada entrevista, perguntar aos candidatos qual era, em sua

opinião, a razão/origem da musicalidade; como pensam ter aprendido, ou não

aprendido, música.

Sem exceção, todos os entrevistados do grupo B e C afirmaram entender a

música como um dom, algo inerente às pessoas – ou melhor dizendo, algumas

pessoas. Os participantes desses grupos afirmaram que o talento musical é algo que

nasce com determinados indivíduos; indivíduos agraciados pela divindade ou pela

Page 40: ihiuashuas

39

natureza. Tais resultados não nos pareceram surpreendentes, uma vez que, no

ideário do senso comum, é justamente essa a concepção de talento que comumente

se nota.

Os entrevistados do grupo A, todavia, foram enfáticos em dizer que o talento

musical é algo a ser aprendido, e que seu atual grau de domínio da musicalidade

reflete, na verdade, sua profunda dedicação à música e seu estudo sistemático6.

Assim como se aprende uma língua, todo mundo que não tem deficiência pode

aprender música da mesma forma, afirma um dos entrevistados do grupo A.

Complementa ainda dizendo que: Eu tenho que praticar muito mais para tocar tão

bem quanto outras pessoas. Outro participante do mesmo grupo complementa

dizendo: Eu percebo que as oportunidades que recebi foram muito importantes. Meus

professores diziam para mim que o que eu fazia era necessário, que era importante.

Qualquer pessoa consegue; ela precisa ter oportunidade e saber aproveitar; correr

atrás, é só isso.

Entretanto, como há pouco afirmamos, esse não foi o resultado obtido entre os

participantes do grupo B. Como nenhum deles nunca havia tido qualquer tipo de

imersão no mundo musical e, portanto, não se tornaram músicos, era claro – para eles

– que o talento musical só poderia ser algo dado e inato a alguns escolhidos. Veja o

que diz um dos entrevistados do grupo B:

Eu acredito que eu não tenho esse dom. Eu acho que música é inato. Eu acredito que

a música é uma arte, então é algo inerente da pessoa. Não depende de um estímulo

para ela ser boa. E termina dizendo que quem tem o dom sempre vai fazer melhor,

simplesmente porque esse é o dom dele. Outro entrevistado, apenas reforçando a

primeira citação, alega: eu vejo que algumas pessoas têm um dom especial. Algumas

pessoas já nascem com dom musical desde de criança; crianças prodígio.

Como podemos ver, entre os que não tiveram relação com essa expressão

artística é forte a ideia de que apenas algumas pessoas podem aprender música.

Notamos que, paradoxalmente, as pessoas estão falando em dom quando já disseram

que não tiveram oportunidade. Mas o que teriam a dizer os candidatos do grupo C?

Eles nunca estudaram música formalmente. Vejamos o que pensam a respeito da

ideia do dom e/ou talento inato.

6 Sistemático como relativo de contínuo.

Page 41: ihiuashuas

40

Eu entendo que a música foi um presente de Deus, alega um dos entrevistados.

Complementa dizendo: isso é um dom. Eu acho que as pessoas veem um dom em

mim.

Eu já tinha o talento musical. É algo que nasceu dentro de mim. Foi importante ver o

que estava fora, mas existia um cosmo dentro de mim, assegura outro dos

entrevistados.

Assim como no grupo B, os participantes do grupo C também, unanimemente,

afirmaram entender a música como algo inerente e a aprendizagem musical como

algo a ser determinado por um dom inato. Para eles, não havia dúvida de que sua

aprendizagem musical estava à sorte desse referido dom.

Obviamente nosso olhar externo nos possibilitou atentar para outros fatores.

Embora as citações dos participantes do grupo C parecessem valorizar o inato em

detrimento do adquirido, pudemos fazer uma comparação entre suas vivências e suas

concepções. A despeito de terem salientado com tanta veemência seu suposto talento

inato, o que notamos, na verdade, são sujeitos que afirmam claramente o quanto se

dedicaram à música. O entrevistado que afirmou “eu entendo que a música foi um

presente de Deus” é o mesmo que minutos antes dizia “eu gastava muitas horas com

o meu violão. Gastava praticamente metade do dia tocando. Eu dava alguns

intervalos, mas se fosse contar as horas de estudo, era quase a metade do dia

tocando.” O entrevistado que disse: “eu já tinha o talento musical. É algo que nasceu

dentro de mim”. Tem gente que nasce para ser músico. Música é algo que vem da

alma. É uma inspiração que eu sinto que vem do alto”, é o mesmo que momentos

antes afirma: “eu via música na igreja; eu ouvia as pessoas cantando e eu também

cantava. Quando criança, meus tios e minha mãe cantavam em casa. Desde dos

meus 5 anos eu os ouvia.” É evidente que os fatores externos foram o fator chave do

desenvolvimento de seu “dom” – mesmo que algumas pessoas “esqueçam” isso. Sem

todo o contato musical, sem as práticas que viram, ouviram e vivenciaram, nossos

entrevistados jamais teriam desenvolvido sua musicalidade ao ponto de serem tão

talentosos.

Em meados do século XX, Theodor W. Adorno, filósofo alemão da escola de

Frankfurt, afirmou:

Caso alguém questione o privilégio do dom musical, isso era visto como blasfematório tanto pelos indivíduos musicais, que com isso se

Page 42: ihiuashuas

41

sentiam degradados, quanto pelos não musicais, que já não podiam se convencer, diante da ideologia cultural, de que a natureza havia privado-lhes de algo (ADORNO, 2011, p. 272 e 273).

Quase um século depois observamos, com tristeza, que esse ainda é o ideário

corrente entre o senso comum. Vemos que, ainda hoje, a ideia do dom inato se

apresenta como empecilho à aprendizagem musical.

Desde agosto de 2008, com a aprovação da Lei Federal 11.769 que, alterando

o artigo 26º da nossa atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei

9394/1996), obriga os conteúdos musicais dentro do componente curricular arte em

toda a educação básica, temos observado que as possibilidades de algumas das

nossas crianças e jovens terem acesso a uma educação musical de qualidade ainda

são poucas ou nulas; a ideia de que algumas crianças apenas possuem aptidão para

música ainda assombra até mesmo a educação musical na escola regular. Como

afirma Pederiva, “no âmbito do ensino formal da música, a exclusão é um

acontecimento, ainda que veladamente praticado e discursivamente negado entre

professores” (2009, p. 13-14, grifo nosso). Mesmo que de forma tácita, educadores

musicais correm o risco de entrar em sala de aula classificando seus alunos como

“aptos” e “não aptos” a aprender música.7

Essa ideia exclusivista e preconceituosa nada tem a agregar ao

desenvolvimento da musicalidade e, portanto, deve ser superada em nosso país. A

obrigatoriedade de um ensino de música democrático deve ser levada a sério,

sobretudo pelos educadores musicais. No que se refere a suas competências,

precisam, como professores de música, enxergar a educação musical com outros

olhos, e, se necessário, rever e reformular concepções teóricas e práticas. A música

não pode, de maneira alguma, continuar sendo vista como algo acessível apenas a

uma porcentagem de pessoas. Pois, se assim o for, a educação musical continuará

contribuindo apenas minimamente para o pleno desenvolvimento humano.

7 Para considerações um pouco mais detalhadas de nossa reflexão a respeito do talento musical e as

correntes inatistas que defendem a ideia de dom, cf. “E para quem não tem o dom? reflexões sobre o

conceito de talento e musicalidade e suas implicações na educação musical” (BELING; LIMA, 2013).

Page 43: ihiuashuas

42

3.4 A lei geral da psicologia histórico-cultural e a educação musical

A ideia de música como algo restrito apenas a uma determinada parcela da

sociedade nada corrobora para o desenvolvimento ou o avanço da educação musical

em nosso país. A ideia de que essa tão preciosa expressão artística pode estar ao

alcance de todos precisa ser defendida e, de todas as formas possíveis, disseminada,

não só entre professores, mas também entre o senso comum.

Educadores musicais, e mesmo pessoas de outras áreas do saber que

pretendem romper com as ideias inatistas no âmbito educacional, têm se esforçado

para isso, destacando-se nomes como Penna (2003; 2012), Fonterrada (2005), Kleber

(2006), Barbosa (2001; 2010; 2013), Schroeder (2004; 2005), Pederiva (2008; 2009),

Elias (1995) Martins (2004; 2007; 2013), Saviani (2000; 2003), Duarte (1993; 2000)

entre outros. Vemos, contudo, que tal desafio demanda ainda mais esforços – razão

e ímpeto principal dessa monografia.

Como a proposta deste estudo é introduzir a ideia de que a psicologia histórico-

cultural pode nos equipar de fortes subsídios para um escopo ideal em educação

musical, queremos expor aquele que, talvez, seja nosso principal argumento: que a

Lei Geral da psicologia histórico-cultural, devidamente aplicada à música, pode ser útil

na superação das equivocadas concepção a respeito da aprendizagem musical.

Notemos:

Toda função no desenvolvimento cultural entra em cena duas vezes, em dois planos, primeiro no plano social e depois no psicológico, ao princípio entre os homens como categoria interpsíquica e logo no interior como categoria intrapsíquica. Esse fato se refere igualmente à atenção voluntária, à memória lógica, à formação de conceitos e ao desenvolvimento da vontade. Temos todo direito de considerar a tese exposta como uma lei, à medida, naturalmente, em que a passagem de externo ao interno modifica o próprio processo, transforma sua estrutura e função. Detrás de todas as funções superiores e suas relações se encontram geneticamente as relações sociais, as autênticas relações humanas (VIGOTSKI apud MARTINS, 2013, p. 100).

Partindo desse pressuposto, se partimos da tese de que todo o

desenvolvimento cultural ocorre primeiro no social para só depois ocorrer no

individual, veremos que, aplicada ao processo de aprendizagem musical, essa tese

pode ser totalmente pertinente à nossos imbróglios.

Page 44: ihiuashuas

43

Se concordamos com Vigotski na teoria de que o cérebro humano é, em grande

parte, uma lousa em branco sem inscrições inatas, exceto as características físicas

primárias, e que a mente se origina em sua quase totalidade da aprendizagem social

e da relação com o mundo externo, chegaremos à conclusão de que também a música

– como atividade culturalmente construída – pode ser culturalmente apre(e)ndida.

Partindo desse viés, entenderemos que a aprendizagem musical pode e deve estar

acessível a todo e qualquer indivíduo.

Essa base da atividade de caráter musical permite afirmar sobre a universalidade da musicalidade, isto é, se depender das possibilidades enquanto animais humanos, todos somos capazes de nos expressar musicalmente, de expressar nossas emoções por meio de sons, do mesmo modo como, de modo geral, se depender da anatomia e fisiologia humana, todos somos capazes de nos expressar por meio da fala. Isso é dado ao ser humano, independentemente das formas que possam assumir. A musicalidade possui assim, caráter universal (PEDERIVA, 2009, p. 185).

Assim como Penna (2012) e Schroeder (2005), pensamos num ensino que

entenda a música como uma “linguagem” a ser aprendida. Não uma “linguagem

universal”, como comumente transparece ao ideário comum, mas sim como “um

fenômeno universal, que como linguagem é culturalmente construído” (PENNA, 2012,

p. 24). Uma educação musical que seja acessível a todos, onde a criança e o jovem

possam aprender música não de forma desconexa ou subdividida, mas sim de forma

integradora e, no mais amplo sentido da palavra, completa.

Os pressupostos teóricos da psicologia histórico-cultural nos possibilitam

entender que a aprendizagem musical pode erradicar-se apenas e somente por uma

imersão no mundo da música. Sendo uma produção cultural essencialmente humana,

a música só pode ser aprendida e compreendida nas relações interindividuais –

processo inalienável à mediação8 de outros indivíduos que, já tendo se apropriado da

linguagem musical, podem partilhar com o menos experiente as significações

musicais que foram elaboradas socialmente.

A psicologia histórico-cultural, com suas propostas e teses, se propõe a superar

as demais teorias apresentadas no início deste estudo. Se analisarmos a essência de

suas propostas, veremos que a teoria inatista-maturacionista, por exemplo – por seus

8 Mediação como relativo de significação.

Page 45: ihiuashuas

44

pressupostos inatistas em relação ao desenvolvimento humano – não seria capaz de

superar os tão arraigados preconceitos em relação ao dom inerente, que sendo

notoriamente exclusivista tem minado a motivação de tantos alunos ao redor de

escolas e conservatórios. Observa-se também que a teoria comportamentalista – por

seus fundamentos que entendem o homem como estímulo/resposta,

desconsiderando a totalidade seus meandros sociais, por exemplo – de mesmo modo

não nos daria suporte para esse novo e necessário passo. Igualmente, a teoria

piagetiana também não nos levaria ao tão esperado escopo – uma vez que postula

que o desenvolvimento do homem precede sua aprendizagem, sugerindo, portanto,

que tal desenvolvimento é oriundo de forças internas e não aprendidas. Falha ao não

notar que, ainda que conte com todas as propriedades morfisiológicas requeridas ao

seu desenvolvimento, o homem sucumbirá no pleno gozo de suas propriedades

naturais, caso se mantenha alienado de condições de vida e educação, isto é, de um

acervo de objetificações a se apropriar (MARTINS, 2013).

Portanto, a psicologia histórico-cultural é, de fato, capaz de nos dar subsídios

saudáveis para essa nova etapa educacional e musical de nosso país. Ela pode

fornecer luz e embasamento para o tão necessário superar das antigas e

preconceituosas compreensões de música na educação. Uma educação musical

pensada com base nos pressupostos teóricos das concepções vigotskianas pode nos

levar à teorias e práticas mais promissoras em educação musical. Uma educação

musical que se desvincule completamente da retrógrada ideia de talento musical como

algo inato e que reconheça que não há outro caminho para se desenvolver essa

habilidade senão por uma profunda relação com a música, pelo acesso democrático

e igualitário a esse bem.

Compreender o processo de aprendizagem musical dessa maneira não é

questão de menor valor. É, pelo contrário, ponto fulcral para educação musical,

sobretudo no âmbito da escola regular. As intervenções educacionais em música que

ocorrem no ambiente escolar devem ter como premissa o fato de que todos os alunos

podem se desenvolver musicalmente, e que, uma vez aptos a esse desenvolvimento,

têm o direito de ter acesso a um ensino que música que possibilite uma aprendizagem

significativa e humanizada. A teoria histórico-cultural nos possibilita a abstração – e

também a concretização – de uma profunda reforma na concepção de música que

hoje se revela vigente em nosso meio. Por meio de sua apropriação e partindo da

base teórica que nos postula, é possível objetivarmos uma escolar regular, que, sendo

Page 46: ihiuashuas

45

cada vez mais humanizada, trabalhe para elevar a consciência das massas afim de

que, assim, tenhamos uma profunda e benéfica revolução de nossa sociedade.

Tecidas essas considerações queremos concluir nosso estudo salientando

novamente a importância de se compreender os seres humanos como entidades

pensantes e possuidoras de necessidades fisiológicas, afetivas e intelectuais, bem

como o quanto a psicologia pode nos auxiliar nesse processo. Reconhecemos, de

igual modo, a amplitude e vastidão dessa temática, entendendo que essa pesquisa,

apesar de concluída, nos postula novas incógnitas; novos objetos de estudo – que

com certeza merecem aprofundamento em pesquisas futuras.

Por fim reafirmamos nossa proposta, apontamos a Lei Geral da psicologia

histórico-cultural como sendo capaz de nos oferecer subsídio teórico para um ensino

de música mais democrático e promissor. Um ensino de música que nos proporcione

a sistematização do conhecimento musical em suas formas mais desenvolvidas,

objetivando, assim, o pleno desenvolvimento humano. Entendendo, portanto, que

dependendo dos fundamentos subjacentes às ideias da psicologia histórico-cultural,

a música não pode ser vista como uma capacidade de alguns. Ela é, pelo contrário,

acessível a todos.

Page 47: ihiuashuas

46

5 REFERÊNCIAS

ADORNO, T. W. Introdução à sociologia da música. São Paulo: Editora UNESP, 2011.

BARBOSA, M. F. S. Processos de significação da escrita rítmica pela criança. Dissertação (Mestrado em Educação). UNICAMP/ Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Campinas, 2001.

__________. Percepção musical como compreensão da obra musical: contribuições a partir da perspectiva histórico-cultural. Tese (Doutorado em Educação). USP/ Faculdade de Educação (Doutorado em Educação), Programa de Pós-Graduação em Educação, São Paulo, 2010.

__________. Concepções de desenvolvimento humano e práticas em educação musical. In: CAPELLINI, V. L. M. F. et al. (orgs.). Formação de professores: compromissos e desafios da Educação Pública. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2013.

BELING, R. R.; LIMA, A. B. E para quem não “tem o dom?”: reflexões sobre o conceito de talento e musicalidade e suas implicações para educação musical. In: XXI Congresso nacional da Associação Brasileira de Educação Musical, 2013, Pirenópolis - GO. Anais...Pirenópolis: XXI ABEM, 2013. p. 845-853.

BEYER, E. S. W. A abordagem cognitiva em música: uma crítica ao ensino de música a partir da teoria de Piaget. Tese (Mestrado em Psicologia Educacional). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1988.

BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 14 ed. São Paulo, Editora Saraiva, 2008.

COLL, C; MARCHESI, Á; PALACIOS, J. Desenvolvimento psicológico e educação 2. Psicologia da educação escolar. 2. Ed, Porto Alegre, Artmed Editora, 2004).

DUARTE, N. A individualidade para si: contribuições a uma teoria histórico-cultural da formação da mente. Campinas: Autores Associados, 1993.

__________. Vigotski e o “aprendendo a aprender”: críticas às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. Campinas, Autores Associados, 2000.

ELIAS, N. Mozart: Sociologia de um gênio. Rio de Janeiro; Jorge Zahar, 1995.

FACHIN, O. Fundamentos de Metodologia. São Paulo: Saraiva, 2006.

FONTANA, R.; CRUZ, M. N. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo, Editora Saraiva, 2011.

Page 48: ihiuashuas

47

FONTERRADA, M. O. De tramas e fios: um ensaio sobre música e educação. São Paulo, editora UNESP, 2005.

KLEBER, M. Educação musical: novas ou outras abordagens – novos ou outros protagonistas. Revista da Abem, Porto Alegre, V. 14, 91-98, mar. 2006.

LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizontais, 1978.

LURIA R. A.; LEONTIEV, A. N.; VYGOTSKY, L. S.; KOSTIUK, G. S.; MENCHINSKAYA, A. N. Psicologia e pedagogia: bases psicológicas da aprendizagem e do desenvolvimento. Tradução de Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Centauro, 2005.

LURIA, A. R. Desenvolvimento cognitivo. 7. ed. São Paulo: Ícone, 2013.

MARTINS, R. Educação Musical: conceitos e preconceitos. Rio de Janeiro: Editora Funarte, 1985.

MARTINS, L. M. A natureza histórico-social da personalidade. Cadernos CEDES, Campinas, vol. 24, n. 62, p. 82-99, abril 2004. Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em 13 out 2014.

__________. A formação social da personalidade do professor: um enfoque vigotskiano. Campinas, Autores Associados, 2007.

__________. O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: contribuições à luz da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica. Campinas, SP: Autores Associados, 2013.

NASSIF, S. C.; BARBOSA, M. F. S. Contribuições da teoria vigotskiana para a educação musical. In: Simpósio de Cognição e Artes Musicais, X - Nacional, SIMCAM, 2014, Campinas - SP. Anais...Campinas: Unicamp, 2014. p. 48-56.

PEDERIVA, P. A atividade musical e a consciência da particularidade. Tese (Doutorado em Educação). Universidade de Brasília faculdade de educação programa de pós-graduação em educação, Brasília, 2009.

__________. Musicalidade, fala expressão das emoções. In: Simpósio de Cognição e Artes Musicais, IV, 2008, São Paulo. Anais...São Paulo: USP, 2008. p. 1-5.

PENNA, M. Apre(e)ndendo músicas: na vida e nas escolas. Revista da Abem, Porto Alegre, n. 9, p. 71-79, 2003.

__________. Música(s) e seu ensino. 2ª ed. Porto Alegre, editora Sulina, 2012.

PINO, A. O conceito de mediação semiótica em Vigotisky e seu papel na explicação do psiquismo humano. Cadernos CEDES. Campinas, n° 24, 1991.

SALVADOR, C. C. org.; MESTRES, M. M.; GOÑI, J. O; GALLART, I. S. Psicologia da educação. 7. reimpressão. Porto Alegre, Artmed Editora, 1997.

Page 49: ihiuashuas

48

SAVIANI, D. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 13. Ed. Campinas, Autores Associados, 2000.

__________ . Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 8 ed. Campinas: Autores associados, 2003.

SCHROEDER, S. C. N. O músico: desconstruindo mitos. Revista da Abem, Porto Alegre, n. 10, p. 109-118, 2004.

__________. Reflexões sobre o conceito de musicalidade: em busca de novas perspectivas teóricas para educação musical. Tese (Doutorado em Música). Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005.

UNGLAUB, E; UNGLAUB, D. L. 51 atitudes para a pesquisa inteligente: guia prático para o pesquisador de sucesso. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2010.

VIGOTSKI, L. S. El desarrollo de las funciones psicologicas superiores. Barcelona: Crítica, 1979.

__________. Teoria e método em psicologia. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

__________. A imaginação e seu desenvolvimento na infância. In: ______. O desenvolvimento psicológico na infância. São Paulo: Martins Fontes, 1998a. p. 107-130.

__________. Psicologia da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1998b.

__________. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998c.

__________. Psicologia pedagógica. 2a. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

__________. Pensamento e Linguagem. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.