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II Congresso Nacional de Formação de Professores XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: OLHARES NA FORMAÇÃO DOCENTE EM QUÍMICA Maria Camila De Lima Brito, Edinéia Tavares Lopes Eixo 4 - Políticas de formação de professores - Relato de Pesquisa - Apresentação Oral Este trabalho se insere nas ações dos programas PIBID/CAPES e PRODOCENCIA/CAPES da área de Química- UFS nos quais são desenvolvidas ações de ensino, pesquisa e extensão em seis Colégios Estaduais Sergipanos. O objetivo deste trabalho é realizar uma reflexão acerca das relações entre a formação docente ofertada no curso de Licenciatura Plena em Química no Campus de Itabaiana e a Educação das Relações Étnico-raciais. O presente trabalho trata de uma pesquisa qualitativa tendo como métodos de coleta de dados a análise documental e a entrevista. Assim, concluímos que nem o Projeto Político Pedagógico do curso, tampouco o currículo efetivado, relacionaram a educação com a cultura, ou, de forma mais específica, não inserem em sua proposta a Educação das Relações Étnico-raciais. Dessa forma, sua implementação é necessária, sobretudo nas diversas ações institucionais, como ensino, pesquisa e extensão. Palavras-Chaves: Educação das Relações Étnico-raciais, Formação docente e Química. 7508

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II Congresso Nacional de Formação de Professores XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores

A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: OLHARES NA FORMAÇÃO DOCENTE EM QUÍMICA

Maria Camila De Lima Brito, Edinéia Tavares Lopes

Eixo 4 - Políticas de formação de professores

- Relato de Pesquisa - Apresentação Oral

Este trabalho se insere nas ações dos programas PIBID/CAPES e PRODOCENCIA/CAPES da área de Química- UFS nos quais são desenvolvidas ações de ensino, pesquisa e extensão em seis Colégios Estaduais Sergipanos. O objetivo deste trabalho é realizar uma reflexão acerca das relações entre a formação docente ofertada no curso de Licenciatura Plena em Química no Campus de Itabaiana e a Educação das Relações Étnico-raciais. O presente trabalho trata de uma pesquisa qualitativa tendo como métodos de coleta de dados a análise documental e a entrevista. Assim, concluímos que nem o Projeto Político Pedagógico do curso, tampouco o currículo efetivado, relacionaram a educação com a cultura, ou, de forma mais específica, não inserem em sua proposta a Educação das Relações Étnico-raciais. Dessa forma, sua implementação é necessária, sobretudo nas diversas ações institucionais, como ensino, pesquisa e extensão. Palavras-Chaves: Educação das Relações Étnico-raciais, Formação docente e Química.

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A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: OLHARES NA FORMAÇÃO DOCENTE EM QUÍMICA

Maria Camila de Lima Brito; Edinéia Tavares Lopes. Universidade Federal de Sergipe,

Itabaiana, SE.

Introdução

Os programas PIBID/CAPES e PRODOCENCIA/CAPES da Universidade Federal

de Sergipe, na área de Química, do Campus Prof. Alberto Carvalho

(PIBID/PRODOCÊNCIA-UFS/QUÍMICA/ITA) desenvolvem ações de ensino, pesquisa e

extensão em seis escolas estaduais sergipanas, sendo que quatro se localizam no

Agreste Central Sergipano e duas no Alto Sertão Sergipano.

Tem como objetivo a iniciação à docência que vem com a proposta de elevar a

qualidade da formação inicial de professores, promovendo a integração entre a Educação

Superior e a Educação Básica, bem como incentivar o futuro professor a desenvolver

abordagens didáticas entrelaçadas com o ensino e a pesquisa, juntamente com a

universidade, escolas, professores, gestores escolares e comunidade (BRASIL,2013).

As atividades desenvolvidas por meio desses programas são: sequencias didáticas,

oficinas, projetos integradores, estudos sobre a construção da identidade docente e

ações didáticas que abordam a diversidade e a Educação das Relações Étnico-raciais

(ERER), a partir da problematização de duas realidades escolares, sendo elas: uma

escola indígena e uma escola quilombola.

Neste trabalho será feita uma reflexão sobre as questões da ERER no Curso de

Licenciatura Plena em Química do Campus de Itabaiana da Universidade Federal de

Sergipe (CLPQ-Itabaiana/UFS).

Como pressupostos teóricos destacamos o conceito de cultura abordado por Laraia

(1986), o/a professor/a como agente cultural elencado por Candau (2006) e as reflexões

de Chassot (2003) acerca do papel da ciência. Além desses, destacamos os desafios e

potencialidades no Ensino de Ciências com ênfase nas Relações Étnico-Raciais

refletidas por Verrangia e Silva (2010), e as Orientações e Ações para a Educação das

Relações Étnico-Raciais (BRASIL, 2006).

Para Laraia (1986) o homem é fruto do meio cultural em que foi socializado. Em

outras palavras, ele adquire e reflete o conhecimento e as experiências por várias

gerações que o antecedeu. Assim, a cultura condiciona várias formas de o indivíduo ver o

mundo, possibilitando diversas escolhas aos mesmos.

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Nessa perspectiva, Laraia (1986) reflete como se opera a cultura. Sendo assim, a

cultura condiciona a visão de mundo do ser humano. Com isso, Laraia (1986) afirma que:

Homens de culturas diferentes usam lentes diversas e, portanto, tem visões desencontradas das coisas. Por exemplo, a floresta amazônica não passa para o antropólogo – desprovido de um razoável conhecimento de botânica - de um amontoado confuso de arvores e arbustos [...] (LARAIA, 1986, p. 67)

Laraia (1986) reflete sobre o etnocentrismo existente a essas tendências, que

muitas vezes é o principal fator para diversos conflitos sociais. As diferenças pessoais,

como as colocadas pelas religiões ou nos diferentes modos como as pessoas agem,

podem chocar algumas pessoas ou ser natural para outras. Assim, a cultura está

relacionada ao ambiente em que o indivíduo se insere.

Laraia (1986) ainda salienta que:

Assim sendo, a comunicação é um processo cultural. Mais explicitamente, a linguagem humana é um produto da cultura, mas não existiria cultura se o homem não tivesse a possibilidade de desenvolver um sistema articulado de comunicação oral. (LARAIA, 1986, p. 52)

De acordo com Candau (2006) é papel da educação enfatizar os meios de

comunicação social, com o intuito de trabalhar questões do imaginário coletivo e das

representações das identidades sociais e culturais presentes na sociedade. Nesse

processo, Candau (2006) reflete sobre o papel do/a professor/a como um agente cultural

que, no momento atual, não podem deixar as questões sociais de lado. Assim, as escolas

não correm os riscos de distanciarem-se desses universos simbólicos que são bastantes

presentes na mentalidade das crianças e jovens de hoje. Nessa perspectiva, Candau

(2006) afirma que:

A interação entre os diferentes está muitas vezes marcada por situações de conflito, de negação e exclusão mútuas, que podem chegar a diversas formas de violência. Conceber o/a educador/a como agente cultural supõe afirmar seu papel de mediador na construção de relações interculturais positivas, o que não elimina a existência de conflitos. [...] (CANDAU, 2006, p. 49)

Candau (2006) nos coloca diante das necessidades de os professores introduzirem

nas escolas diálogos com os diversos processos de mudanças culturais presentes na

sociedade, com o intuito de trabalhar com jovens os diferentes grupos socioculturais e as

reflexões sobre sua identidade. No entanto, a autora afirma que a maioria dos cursos de

formação à docência não aborda essas discussões. Ainda nesse pensamento, a Lei nº

11.645, de 10 março de 2008, estabeleceu a obrigatoriedade da inserção da temática

“História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” nos currículos oficiais das escolas públicas

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e privadas do Ensino Fundamental e Médio, com intuito de resgatar as suas contribuições

nas áreas sociais, econômicas e políticas, relacionados a História do Brasil.

Assim, o Art. 2° das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das

Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africanas

apresenta orientações, princípios e fundamentos para o planejamento e avaliação da

Educação das Relações Étnico-Raciais (BRASIL, 2004). Essas diretrizes tem como

objetivo o reconhecimento e a valorização da identidade, história e cultura dos afro-

brasileiros, garantindo o reconhecimento e igualdade de valorização das raízes africanas

da nação brasileira. Dessa forma, as instituições de Ensino Superior deverão incluir nos

conteúdos das disciplinas e atividades curriculares dos cursos que ministram, o

tratamento dessas temáticas, de acordo com a Resolução CNE/CP 001/2004.

Nessa linha de pensamento Verrangia e Silva (2010) apontam a necessidade de os

cursos de formação de professores incluírem as abordagens sobre o Ensino de Ciências

e a Educação das Relações Étnico-Raciais, com o intuito de viabilizar processos

educativos envolvidos com a formação para a cidadania. Desse modo, Verrangia e Silva

(2010) salientam que:

Cabe ainda mencionar a necessidade identificada de que os cursos de formação de professores de Ciências ajudem a questionar os processos de seleção de conteúdos. Geralmente, no contexto escolar, tal seleção parte de conteúdos conceituais preestabelecidos, presentes em livros, textos e ementas para a definição de procedimentos de ensino. Analisando as interações entre ensino de Ciências e educação das relações étnico-raciais, verifica-se a necessidade de se inverter tal logica. (VERRAGIA e SILVA, 2010, p. 716)

Sendo assim, é importante promover atividades e discussões no Ensino de

Ciências sobre as relações entre os conceitos e práticas originadas na África e que foram

apropriadas pelos povos gregos, árabes e romanos, entre outros. Nessa perspectiva,

Verrangia e Silva, (2010) relacionam dois pontos importantes que envolvem compreender

a realidade para o Ensino de Ciências, que são a “valorização da diversidade cultural” e o

“enriquecimento do entendimento sobre a função das Ciências”.

Os autores afirmam que apesar da grande diversidade racial que o nosso país

apresenta, existem lacunas nos conteúdos escolares, no que diz respeito às referências

históricas, culturais, geográficas, entre outros. É importante discutir esses assuntos não

somente na construção do conhecimento, mas também na elaboração de conceitos mais

complexos e amplos. Diante isso

[...] Para educar relações étnico-raciais é necessário definir de antemão valores e posturas a serem desenvolvidas pelos estudantes, para depois selecionar conteúdos conceituais e procedimentais de ensino adequado a tal propósito. (VERRANGIA e SILVA, 2010, p. 716)

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Nesse sentido, o intuito é de realizar uma reflexão acerca das relações entre a

formação docente ofertada no curso de Licenciatura Plena em Química no Campus de

Itabaiana e a Educação das Relações Étnico-raciais.

A seguir será apresentada a metodologia do trabalho.

Metodologia

A abordagem foi feita através de uma pesquisa qualitativa. Como pressupostos

teóricos-metodológicos destacamos Flick (2009) e Bogdan e Biklen (1994) que definem

algumas características dessa investigação como uma pesquisa que visa abordar o

mundo “lá fora”, descrever e, às vezes, explicar os fenômenos sociais “de dentro” de

diversas maneiras.

Os métodos de coleta de dados utilizados foram: Análise Documental e Entrevistas.

Os documentos oficiais são uteis na compreensão dos programas, da estrutura

administrativa e outros aspectos do sistema acadêmico (BOGDAN e BIKLEN, 1994). O

documento analisado nessa pesquisa é o Projeto Político Pedagógico (PPP) do CLPQ-

Itabaiana/UFS. A análise partiu do seguinte questionamento: Quais as aproximações e

distanciamentos identificadas entre a proposta de formação docente do curso de Lic.

Plena em Química no Campus de Itabaiana e o ensino da Educação das Relações

Étnico-raciais?

Após a análise do PPP do CLPQ-Itabaiana/UFS e a constatação que o mesmo não

contempla a resolução supracitada, optamos por realizar uma entrevista com o Chefe do

Departamento de Química com o intuito de recolher dados descritivos acerca da questão

colocada no parágrafo anterior. Bogdan e Biklen (1994) definem as entrevistas como uma

conversa intencional entre duas ou mais pessoas, dirigida por uma pessoa, com o

objetivo de obter informações sobre a outra.

Um olhar sobre as questões Étnico-Raciais no curso de Licenciatura Plena em Química no Campus de Itabaiana

A resolução CNE/CP 001/2004, Art.2º, constitui-se de orientações, princípios e

fundamentos para o planejamento, execução e avaliação da educação e tem por meta

promover a educação de cidadãos atuantes, buscando relações étnico-sociais positivas.

Nessa perspectiva, a resolução CNE/CP 001/2004 apresenta que a ERER tem como

objetivo a divulgação e produção de conhecimentos, assim como posturas, atitudes e

valores que eduquem cidadãos quanto à pluralidade étnico-racial. Dessa forma, no Art. 1º

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dessa resolução é estabelecido a inserção da ERER nos cursos de licenciaturas, voltada

para a especificidade de cada área do conhecimento.

De acordo com as Orientações e Ações para ERER, para que a educação

antirracista se concretize, é necessário ações individuais, coletivas, de movimentos

organizados e políticas públicas, assim como a inserção da resolução CNE/CP 001/2004

no cenário atual (BRASIL, 2006). Desse modo, é preciso avançar esses discursos nas

pesquisas acadêmicas para que possam chegar às escolas e sala de aula com uma

visão ampla sobre a ERER.

AS Orientações e Ações para a ERER apontam que muitos professores formados

não obtiveram em sua formação o contato com essas questões étnico-raciais e por isso

não percebem o vínculo entre a ERER e suas disciplinas. Quando essa temática é

abordada em sala de aula, em alguns casos se restringe a datas comemorativas, ou seja,

momentos específicos sem uma reflexão mais aprofundada e problematizada da

temática. (Brasil, 2006)

Um dos pontos de partida para a inserção da resolução CNE/CP 001/2004 é por

meio do Projeto Político Pedagógico institucional e dos cursos, para que articulem a

necessidade e possibilidade da ERER, sobretudo nas licenciaturas. Partindo dessas

preocupações optamos, no presente artigo, por analisar o Projeto Político Pedagógico

(PPP) do Curso de Licenciatura Plena em Química do Campus de Itabaiana da

Universidade Federal de Sergipe (CLPQ-Itabaiana/UFS). O PPP do CLPQ-Itabaiana/UFS

tem como meta formar professores para atuar na Educação Básica, que deverão

mobilizar contribuições de diferentes áreas do conhecimento, com o intuito de construir

saberes pedagógicos, valores e proposta de ação/intervenção na escola como processo

educativo (BRASIL, 2010).

Ao analisar o PPP do CLPQ-Itabaiana/UFS constatamos que não ocorre, de forma

mais direta, a menção a ERER. Realizamos uma segunda análise procurando termos que

se aproximassem ou pudessem contemplar a ERER, como: cultura, discriminação e

racismo. Encontramos três menções da palavra cultura no Art. 4, itens I e II e no Anexo

IV no qual consta a ementa das disciplinas obrigatórias e das disciplinas optativas. Os

termos discriminação e racismo não foram encontrados.

O Art. 4 apresenta as competências e habilidades que o licenciando deve ter ao

logo do desenvolvimento das atividades. No item I – Com relação à formação pessoal,

Subitem b, é registrado que, um dos pontos importantes com relação à formação pessoal

é a capacidade crítica do licenciando para

[...] analisar de maneira conveniente os seus próprios conhecimentos, assimilar os novos conhecimentos científicos e/ou educacionais e refletir sobre o comportamento ético que a sociedade espera do sua atuação e

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de suas relações com o contexto cultural, socioeconômico e político. (BRASIL, 2010, p. 02, grifo nosso)

Neste mesmo artigo, no Item II – Com relação à compreensão da Química, é

apontado, no Subitem d, a seguinte competência e habilidade do licenciando em química:

“reconhecer a Química como uma construção humana e compreender os aspectos

históricos de sua produção e suas relações com o contexto cultural, sócio-econômico e

político” (BRASIL, 2010, p. 03).

Assim, Chassot (2003) considera a ciência como uma linguagem construída pelos

seres humano, com o intuito de compreender os aspectos históricos, posturas éticas e

políticas. Como construção humana não é detentora de verdade absolutas. Chassot

(2003) ainda salienta que:

A ciência pode ser considerada como uma linguagem construída pelos homens e pelas mulheres para explicar o nosso mundo natural. Compreendermos essa linguagem (da ciência) como entendermos algo escrito numa linguagem que conhecemos (por exemplo, quando se entende um texto escrito em português) é podermos compreender a linguagem na qual está (sendo) escrita a natureza. (CHASSOT, 2003, p. 91, grifos do autor)

Lopes (2012) por sua vez, a partir das reflexões de Lévi-Strauss (2008) e de Geertz

(1989), defende a Ciência como uma das dimensões da cultura, portanto, é uma das

perspectivas de explicação do mundo. A autora ainda aponta outras formas de explicação

do mundo, como a possibilitada pela tradição, pelo cotidiano, pela religião. Assim, é

importante compreender criticamente os contextos da produção, sistematização,

socialização e uso dos diferentes conhecimentos, de forma a compreender as suas

diferentes áreas de validação. Voltamos nosso olhar para o ementário.

Ao analisar o ementário das disciplinas do Currículo do CLPQ-Itabaiana/UFS

identificamos que aquele é formado por um Currículo Padrão, que inclui as disciplinas

obrigatórias, e por um Currículo Complementar, que inclui as disciplinas optativas e

atividades complementares. No que diz respeito ao Anexo 4 – Ementário das Disciplinas,

constatamos que a menção aos aspectos culturais ocorre somente na ementa da

disciplina Introdução à Psicologia da Aprendizagem, a saber:

Aprendizagem: conceitos básicos, Teorias de Aprendizagem. Os contextos culturais da aprendizagem e a escolarização formal. A psicologia da aprendizagem e a prática pedagógica (BRASIL, 2010, p. 16).

Esta disciplina é obrigatória e está no Núcleo de conteúdos profissionais. Assim,

semelhantes às demais disciplinas, não é prevista a abordagem da ERER em sua

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ementa, mais especificamente, não contemplam os contextos culturais, o racismo e a

discriminação nos seus conteúdos. A partir dessas constatações verificamos que a forma

como essa temática é apresentada no ementário da disciplina citada não corresponde

diretamente a ERER mas abordam uma de suas dimensões que é o contexto cultural

como forma de aprendizagem. Desse ponto de vista, a Resolução CNE/CP 001/2004

relata que a ERER tem como meta a produção de conhecimento, bem como de atitudes,

posturas e valores quanto à pluralidade étnico-racial, garantido respeito aos direitos

legais e a valorização de identidade.

Constatamos assim que o Currículo Complementar não contempla assuntos acerca

da relação entre a educação e a cultura, ou, mais especificamente, não abordam a

ERER. No que diz respeito Currículo Padrão, concluímos que não são contemplados

aspectos relacionados à ERER e as questões relacionadas à cultura foram encontradas

somente em uma disciplina. Vale ressaltar que a Resolução CNE/CP 001/2004 foi

publicada em 2004 e o PPP em 2010.

A partir dessas constatações indagamos: Como os alunos do CLPQ-Itabaiana/UFS

desenvolverão suas competências e habilidades no contexto cultural apresentado no Art.

4, nº I do PPP, se a proposta curricular não contempla essas temáticas? Questionamos

ainda se, apesar de a ERER não ser contemplada no PPP, essa temática poderia estar

sendo abordada no curso em algumas disciplinas, eventos específicos, palestras, mesas-

redondas, minicursos e até mesmos professores que trabalham em projetos de extensão

e/ou pesquisa?

Com o intuito de coletar mais dados acerca desses questionamentos realizamos

uma entrevista com o Chefe do Departamento de Química (CDQ).

Quando perguntado se tinha algum conhecimento sobre a Resolução nº 1, de 17 de

Junho de 2004, o mesmo respondeu que “tenho conhecimento dessa resolução, ela já

nos foi passada bastante tempo nas reuniões de conselho do compus e também nas

reuniões aqui que a gente tem na .... no nosso departamento” (CDQ, 2014).

Dessa forma, o CDQ comentou que uma das discussões que ocorre entre os

professores é como implementar essa resolução. Ou seja: seriam criadas disciplinas

especificas para inserir esses temas ou os temas seriam incluídos nas disciplinas que

existentes?

Sobre isto a resolução CNE/CP 001/2004 estabelece, no Art. 1º, a inserção da

ERER nos cursos de licenciaturas, tanto nas atividades acadêmicas (disciplinas,

módulos, seminários, debates, estágios entre outros), quanto no tratamento dessa

temática, voltada à especificidade de cada área do conhecimento. Isso quer dizer que as

discussões dessas temáticas e o tratamento de questões que dizem respeito aos

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afrodescendentes deverão ser incluídas tanto nos conteúdos das disciplinas quanto em

atividades curriculares do curso.

Na continuidade da entrevista, perguntamos ao CDQ sobre sua opinião acerca da

Resolução CNE/CP 001/2004. O mesmo discutiu sua importância, expondo que “[...] a

cultura africana ela é ponderante na nossa sociedade, nada mais justo e importante do

que estudar essa cultura”.

A nosso ver a importância da ERER diz respeito, como a própria denominação diz,

a repensar posturas e atitudes frente às questões que envolvem as relações Inter étnicas.

Nesse sentido, a Resolução CNE/CP 001/2004, destaca, no Art. 2°, que um dos meios

dos cidadãos tornarem atuantes e conscientes no seio da sociedade multicultural e

pluriétnica do Brasil é buscando relações étnico-sociais positivas. Dessa forma

possibilitará uma relação ampla sobre as questões de discriminações e preconceitos, em

que, no Art. 6º dessa resolução diz que:

Os órgãos colegiados dos estabelecimentos de ensino, em suas finalidades, responsabilidades e tarefas, incluirão o previsto o exame e encaminhamento de solução para situações de discriminação, buscando-se criar situações educativas para o reconhecimento, valorização e respeito da diversidade. (BRASIL, 2010, p.02)

Vale ressaltar que, quando perguntado sobre se as discussões dessa resolução

podem trazer mudanças para o curso, o CDQ expôs sua opinião relatando que:

[...] essa visão de história né e cultura africana afro-brasileira e africana ela só tem para contribuir para a formação do profissional né que possa discutir com seus alunos futuramente né com seus alunos de ensino médio de maneira mais ampla dando devido valor né principalmente no curso de Química [...] relacionar essas culturas e a importância deles aí no estudo né da química com o estudo geral aí da sociedade brasileira. (CDQ, 2014)

Verrangia e Santos (2010) discutem a importância de promover atividades e

discussões em que sejam contempladas as relações entre os diversos povos. Os autores

ainda afirma que, as relações étnico-raciais são estabelecidas entre os distintos grupos

sociais e entre os indivíduos desses grupos. A partir disso, são apresentados conceitos e

ideias sobre as diferenças e semelhanças entre os indivíduos. (VERRANGIA e SANTOS,

2010).

Desse modo, a Resolução CNE/CP 001/2004, no Art. 4°, aponta a importância dos

sistemas e estabelecimento de ensino trabalharem com esses temas por meio de

valores, visões de mundo, conhecimentos afro-brasileiros e dos povos indígenas, com o

intuito de buscar subsídios e troca de experiências para planos institucionais,

pedagógicos e projetos de ensino.

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De acordo com a as Orientações e Ações para a ERER, a abordagem das questões

étnico-raciais na Educação Básica depende da formação inicial de profissionais da

educação, assim, essas discussões precisam avançar nas pesquisas acadêmicas para

que cheguem à escola e sala de aula com uma visão ampla das questões raciais

(BRASIL, 2006).

Foi perguntado ao CDQ se essa resolução é contemplada no PPP do CLPQ-

Itabaiana/UFS. O mesmo alegou que não, porque quando houve a reunião de

planejamento do PPP do CLPQ-Itabaiana/UFS em 2008, ainda não tinha essa

obrigatoriedade, mas que em breve irá inserir essas temáticas. Vale ressaltar que a

Resolução CNE/CP 001/2004 entra em vigor a partir da data de sua publicação, em

2004, e tendo um prazo de dez anos para que todas as Instituições de Ensino Superior

se adequarem a essa resolução.

O CDQ citou ainda que essas temáticas estão inseridas no curso de forma isoladas,

como por exemplo, nas disciplinas da área de ensino, principalmente com uma

professora do Departamento de Química que trabalha esses temas. Além disso, foi

mencionado os projetos de extensão, em que a professora citada relaciona esses temas

em suas ações.

Podemos constatar que essas abordagem ainda não é suficiente para a inclusão

das temáticas relativas à ERER. Segundo a Resolução CNE/CP 001/2004, os conteúdos

deverão ser trabalhados nas disciplinas e atividades complementares a ERER. Assim, as

Instituições de Ensino Superior devem em seu fazer pedagógico construir novas relações

étnico-raciais e incluir as competências nos instrumentos de avaliação institucional,

docente e discente, e articula-as à pesquisa e à extensão. (BRASIL, 2006)

O CDQ acrescenta que, além desses projetos de extensões, existem os “encontros

étnico-racial promovido pelo pessoal da educação”, sendo um evento que acontece

anualmente, em que trabalham especificamente os temas contemplados na resolução

CNE/CP 001/2004. Nessa perspectiva, o CDQ ainda relata a importância desse eventos

para os alunos, possibilitando assim uma maior compreensão da cultura afro-brasileira na

constituição da sociedade. Assim, ele conclui sua fala alegando a importância dos futuros

professores compreenderem a resolução CNE/CP 001/2004, expondo que “para quando

eles atuarem e poderem né verificarem ou saberem como trabalhar com os alunos de

várias culturas.”

Considerações Parciais

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Este trabalho possibilitou uma reflexão acerca das relações entre a formação

docente ofertada no curso de Licenciatura Plena em Química no Campus de Itabaiana e

a Educação das Relações Étnico-raciais.

Constatamos assim que o Currículo Complementar não contempla assuntos acerca

da relação entre a educação e a cultura, ou, mais especificamente, não abordam a

ERER. Já no Currículo Padrão, concluímos que não são contemplados aspectos

relacionados à ERER e as questões relacionadas à cultura foram encontradas somente

em uma disciplina. Lembrando que a Resolução CNE/CP 001/2004 foi publicada em

2004 e o PPP em 2010.

Com isso, podemos constatar que nem o PPP do CLPQ-Itabaiana/UFS, tampouco

o currículo efetivado, relacionaram a educação com a cultura, ou, mais especificamente,

não abordam a ERER. Dessa forma, é necessário a implementação da Educação nas

Relações Étnico-raciais nas diversas ações institucionais, como ensino, pesquisa e

extensão. Destacamos ainda a necessidade de formação continuada para os professores

da Educação Superior, pois não basta boa vontade, mas também se faz necessário

preparo para uma abordagem crítica da ERER. A promoção de um ambiente que

problematize as relações étnico-raciais pode contribuir para que os docentes, que ainda

apresentem resistência a essas mudanças, possam acessar conhecimentos que superem

a visão reducionista, e às vezes preconceituosa, dessas questões.

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