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III ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA POPULAR Negócio da música em tempos de interatividade 30 de agosto a 1º de setembro de 2011 – Faculdade Boa Viagem–Recife-PE 1 O DISCURSO MIDIÁTICO E SUAS INTERFACES COM A MÚSICA 1 Tobias Queiroz 2 Universidade Federal do Rio Grande do Norte A cena é comum fora do Brasil. Banda organiza o trabalho artístico por uns seis meses, nesse mesmo período grava e começa a agendar tour para mostrar o trabalho ao vivo para o máximo de pessoas e lugares que conseguir. Vai gerando clipping, aumentando seguidores em sua rede social, disponibilizando mais conteúdo e continuando a tocar. 3 O melhor é quando diante de todo esse quadro, num evento como a Feira de Música, se percebe que o público não é apenas aquele mesmo que frequenta os já costumeiros pequenos shows do circuito. Quando se percebe que há um público sedento por novidade. 4 Quem está nesse circuito é, portanto, um pouco parte dele e enxerga ali algo que merece ser visto. Mas, mesmo conhecendo bem esse mundo, que ainda preserva o batismo de independente, o repórter se pergunta: o que leva as pessoas a toda essa mobilização? Poderiam estar gastando energia em mega shows, em produções de artistas já consagrados, tocando com gente rica e famosa. Poderiam estar produzindo artistas prontinhos, seguindo a fórmula do último verão, preocupados com os cabelos da moda ou apenas com a aparição naquele programa de domingo à tarde. 5 Resumo: Este trabalho integra uma pesquisa em fase embrionária e tem o objetivo de analisar o discurso do mantenedor do endereço eletrônico www.dosol.com.br , o qual mantém há 11 anos um festival homônimo e um conjunto de ferramentas midiáticas utilizadas para propagar as ações desta associação cultural, localizada na cidade de Natal-RN. Sob essa perspectiva observa-se que os festivais independentes estão ocupando um espaço considerável dentro da indústria da música, utilizando das novas ferramentas de tecnologia e ao mesmo tempo fomentando a diversidade cultural e dando vazão a produção musical regional. Desta forma, a partir da Análise de Discurso de linha francesa, optamos em estudar os editoriais do Dosol 1 Trabalho apresentado ao GT (Nº 01): Memória e história midiática da música, do III Musicom – Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular, realizado no período de 30 de agosto a 1º de setembro de 2011, na Faculdade Boa Viagem, em Recife-PE. 2 Aluno do Mestrado em Estudos da Mídia e Produção de Sentido da UFRN e professor do curso de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Integra o grupo de pesquisa COMÍDIA da UFRN. http://lattes.cnpq.br/4370073374353519 , contato: [email protected] 3 FOCA, Anderson. Editorial: A reconfiguração iminente, in: Dosol. 21.04.10 (conferir link: <http://www.dosol.com.br/2010/04/21/ editorial-dosol-a-reconfirguracao-eminente/>, último acesso: 13 de agosto de 2010). 4 MATOS, Luciano. Editorial: Um passeio pela realidade do Mercado Independente, in: Dosol. 28.08.10 (conferir link: <http://www.dosol.com.br/2010/08/28/editorial-um-passeio-pela-realidade-do-mercado- independente/>, último acesso: 28 de agosto de 2010). 5 Ibid.

III ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E …musica.ufma.br/musicom/trab/2011_GT1_06.pdf · Como resultado, temos inúmeras expressões musicais como a “tecnobrega e da guitarrada

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III ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA POPULAR Negócio da música em tempos de interatividade

30 de agosto a 1º de setembro de 2011 – Faculdade Boa Viagem–Recife-PE

1

O DISCURSO MIDIÁTICO E SUAS INTERFACES COM A MÚSICA1

Tobias Queiroz2 Universidade Federal do Rio Grande do Norte

A cena é comum fora do Brasil. Banda organiza o trabalho artístico por uns seis meses, nesse mesmo período grava e começa a agendar tour para mostrar o trabalho ao vivo para o máximo de pessoas e lugares que conseguir. Vai gerando clipping, aumentando seguidores em sua rede social, disponibilizando mais conteúdo e continuando a tocar.3 O melhor é quando diante de todo esse quadro, num evento como a Feira de Música, se percebe que o público não é apenas aquele mesmo que frequenta os já costumeiros pequenos shows do circuito. Quando se percebe que há um público sedento por novidade.4 Quem está nesse circuito é, portanto, um pouco parte dele e enxerga ali algo que merece ser visto. Mas, mesmo conhecendo bem esse mundo, que ainda preserva o batismo de independente, o repórter se pergunta: o que leva as pessoas a toda essa mobilização? Poderiam estar gastando energia em mega shows, em produções de artistas já consagrados, tocando com gente rica e famosa. Poderiam estar produzindo artistas prontinhos, seguindo a fórmula do último verão, preocupados com os cabelos da moda ou apenas com a aparição naquele programa de domingo à tarde.5

Resumo: Este trabalho integra uma pesquisa em fase embrionária e tem o objetivo de analisar o discurso do mantenedor do endereço eletrônico www.dosol.com.br, o qual mantém há 11 anos um festival homônimo e um conjunto de ferramentas midiáticas utilizadas para propagar as ações desta associação cultural, localizada na cidade de Natal-RN. Sob essa perspectiva observa-se que os festivais independentes estão ocupando um espaço considerável dentro da indústria da música, utilizando das novas ferramentas de tecnologia e ao mesmo tempo fomentando a diversidade cultural e dando vazão a produção musical regional. Desta forma, a partir da Análise de Discurso de linha francesa, optamos em estudar os editoriais do Dosol

1 Trabalho apresentado ao GT (Nº 01): Memória e história midiática da música, do III Musicom – Encontro

de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular, realizado no período de 30 de agosto a 1º de setembro de 2011, na Faculdade Boa Viagem, em Recife-PE.

2 Aluno do Mestrado em Estudos da Mídia e Produção de Sentido da UFRN e professor do curso de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Integra o grupo de pesquisa COMÍDIA da UFRN. http://lattes.cnpq.br/4370073374353519, contato: [email protected]

3 FOCA, Anderson. Editorial: A reconfiguração iminente, in: Dosol. 21.04.10 (conferir link: <http://www.dosol.com.br/2010/04/21/ editorial-dosol-a-reconfirguracao-eminente/>, último acesso: 13 de agosto de 2010).

4 MATOS, Luciano. Editorial: Um passeio pela realidade do Mercado Independente, in: Dosol. 28.08.10 (conferir link: <http://www.dosol.com.br/2010/08/28/editorial-um-passeio-pela-realidade-do-mercado-independente/>, último acesso: 28 de agosto de 2010).

5 Ibid.

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com o objetivo de compreender o papel destes novos atores sociais na nova configuração da indústria da música, a qual valoriza as apresentações ao vivo.

Palavras-chave: Festival independente, Dosol, música, indústria fonográfica 1. Introdução

Ao analisarmos os recortes do editorial do endereço www.dosol.com.br – objeto da

nossa pesquisa, a qual se encontra ainda em fase embrionária, nos deparamos com uma nova

configuração da música. Um fenômeno que tem passado ao largo dos grandes conglomerados

midiáticos, mas não por isso, não menos importante. São festivais que se proliferam pelo país

a centenas, são espaços para shows de pequeno e médio porte se multiplicando e um mercado

consumidor e produtor cada vez mais sedento por novidades e expressões.

Se nos referirmos somente a números teremos dados impressionantes. São centenas de

shows ao ano, como afirmamos anteriormente, milhões de reais investidos anualmente,

participação de/em políticas públicas culturais, sejam como proponentes das várias leis de

incentivo à cultura ou como militante cultural e um público que também ultrapassa a centena

de milhares. Mas o que devemos também destacar aqui é o desdobramento da força das novas

mídias e a nova configuração das práticas musicais potencializando as apresentações ao vivo.

Ou seja, temos no cenário atual uma profusão de festivais de música independente. Com a

internet ocupando um espaço cada vez maior, que antes era do rádio e da televisão como

principal meio de divulgação da música, surge assim, umas das principais funções dos novos

festivais: testar quem se sai bem no palco.

Como resultado, temos inúmeras expressões musicais como a “tecnobrega e da

guitarrada no Se Rasgum, de Belém, e do siriri e do cururu no Calango, de Cuiabá — foram

ganhando espaço, sem alienar os adeptos do som mais pesado6”. Ou seja, este cenário é

totalmente oposto ao que ocorreu nos festivais da década de 60, quando flertava-se com

outras expressões musicais não-brasileiras. Para o pesquisador da UFRJ, o professor Micael

Herschmann7 esta representação a partir dos festivais, onde 75% das atrações são da região,

resulta, assim, numa relevância dos códigos sociais, por reafirmar uma identidade nacional-

local e fortalecer os processos de agregação de valor. O Goiânia Noise, por exemplo, é um

evento criado em 1995 e que se estabeleceu e tornou-se referência quando optou pelo formato

6 Ibid 7 Depoimento coletado na exposição do pesquisador durante o II Musicom realizado em São Luiz-MA,

UFMA, entre os dias 26 e 28 de maio de 2010.

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utilizado em praticamente todos os eventos congêneres: seus shows acontecem em locais de

médio porte, com dois palcos, 75% das atrações são independentes, muitas delas originadas

na própria região.8

A constatação desta, digamos, nova realidade pode ser aferida com a criação da

ABRAFIN (Associação Brasileira de Festivais Independentes), que atualmente congrega mais

de 40 eventos fortalecendo e potencializando um circuito focado nas novas mídias. Uma das

características convergentes nestes eventos é a utilização de forma considerável das redes

sociais. Por um lado temos os artistas, músicos e bandas que utilizam com certa frequencia

algumas redes tais como o myspace9 e blogs, por outro lado, temos os organizadores de

festivais que, no nosso caso específico o festival Dosol utiliza para divulgar todas as suas

ações o www.dosol.com.br, um endereço com perfil de blog, mas que no entanto agrega

podcast, webtv, matérias, opiniões, informações de shows e de bandas, twitter e ainda

consegue interagir com o seu público através de espaço destinado aos comentários dos textos

veiculados por parte dos internautas.

2. A era do festival

Quando nos referimos a festival de música possivelmente o primeiro que vem a mente

é o mitológico Woodstock, realizado em 15 de agosto de 1969. Porém quando nos referimos

ao Brasil temos o início da década de 60, com os festivais televisionados como marco. Além

da importância na criação de condições técnicas de produção “esses festivais foram

importantes para o desenvolvimento de um espírito comunitário e de espaços de partilha de

sentidos”, (JANOTTI, 2003c, p. 46). Como foi afirmado anteriormente, a tecnologia além de

impulsionar a disseminação da música na história da sociedade e de reconfigurar os modos

auditivos e cognitivos com as atuais e novas formas de reprodução eletrônica, ela também foi

responsável pelo impulsionamento dos grandes festivais10.

Em “A era dos festivais” Mello (2003, p.13) detalha o festival e explica que “no Brasil

(...) é um evento com duas concepções diferentes”. A primeira é um formato sem

competitividade, caracterizando-se mais como uma feira de mostras e como forma de exibição

8 CARANDINA, Tiago. Independência S.A., in: Rolling Stone. edição 4, janeiro de 2007 (conferir link:

<http://www.rollingstone.com.br/edicoes/4/textos/201>, último acesso: 02 de agosto de 2010). 9 O endereço <http://www.myspace.com/> é uma rede social onde concentra espaço para ouvir músicas,

vídeos, jogos e ainda com ferramentas de localização de amigos e de bandas. 10 O surgimento de um complexo sistema de amplificadores, autofalantes e aparelhos sonoros, conhecido

tecnicamente por PA (PublicAddress), contribuiu para a mudança de alcance do rock e permitiu que a diversidade sonora nas técnicas de gravação em estúdio fossem para os concertos ao vivo, viabilizando a realização dos grandes festivais durante a década de 60. (JANOTTI JR. 2004, p. 46)

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artística tendo como manifestação predominante a música, a partir de um gênero, como por

exemplo, o samba. “Seu objetivo é oferecer, em curto espaço de tempo, a oportunidade de

acesso a novas tendências, a novas obras (...)”. (MELLO, 2003, p. 13). O outro modelo de

festival, ainda conforme Mello, tem a competitividade como característica. Ele cita como

exemplo os festivais de cinema de Veneza e de Cannes, sem excluir eventos musicais deste

contexto.

No Brasil a era de ouro dos festivais surge para o grande público com os eventos

televisionados e organizados pelas redes de TV, como o I Festival da Record em 1960,

marcado pela competitividade. No entanto, o embrião deste formato de sucesso televisivo teve

como característica o perfil de mostras, sem competição. “O I Festival da Velha Guarda, que

o cantor e radialista Almirante promoveu pela Rádio Record em 1954, trazendo a São Paulo

Pixinguinha, João da Baiana e Donga”, (MELLO, 2003, p. 13), é considerado pelo autor

como pioneiro neste modelo.

Vale salientar também que este conceito de festival de música popular ou de canções,

que ganhou corpo durante os anos 60, já existia no Brasil com outro título: concursos de

músicas carnavalescas, promovido em 1919 e com uma maior repercussão na década de 30,

anos mais tarde, o crescente aumento de novas composições instigou a Casa Edison do Rio de

Janeiro, a promover um certame. (MELLO, 2003, p. 14).

Como se pode observar, historicamente o autor associa o aumento de novas

composições com o surgimento de festivais. Esta tendência pode ser verificada atualmente e

corrobora a hipótese aqui levantada: considerável aumento das formas de reprodução acarreta

mais possibilidades de audição que culmina no mercado produtor mais intenso. Resultado: Há

no Brasil um universo de mais de 700 festivais de músicas em diversos gêneros musicais e

formatos no país, destes, existem 45 festivais independentes afiliados a ABRAFIN11.

Este número pode ser lido de várias maneiras: 1.) Os eventos foram descentralizados

do eixo Sul-Sudeste, acarretando uma maior demanda. 2.) As grandes e médias cidades do

país tem, em algumas ocasiões, vários festivais durante o ano. 3.) O barateamento e o melhor

acesso as tecnologias de produção por parte dos produtores e 4.) O aumento de produção

fonográfica e do mercado consumidor, juntamente com as formas de reprodução.

Dentro do contexto até aqui explicitado, ou seja, o de festival de mostra e festival de

competitividade, nos deteremos, mesmo que de forma breve a conceituar o festival 11 A ABRAFIN contabiliza em seu site (http://abrafin.org) 40 festivais, no entanto, em entrevista no dia 19 de abril de 2010, no programa da TV Brasil, Brasilianas.org, o vice-presidente da ABRAFIN, Pablo Capilé, afirmou que são atualmente 45 festivais afiliados.

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independente, que em outras palavras é um evento em que se reúne em um curto espaço de

tempo inúmeras bandas, com várias influências musicais e origens, e que se apresenta com

objetivo de mostra.

Embora apresente o mesmo formato dos seus congêneres da década de 60, o conteúdo

exibido nestes festivais e a sua proliferação no país tomou outro corpo impulsionado pelas

tecnologias de comunicação. Os festivais independentes tornaram-se espelho e vitrine do

crescimento da produção independente, não somente brasileira, mas de todo o globo. Mas

dentro de qual contexto podemos considerar a configuração do termo “independente”? Para

Pablo Capilé12 da Abrafin são os eventos que “trabalham de forma autônoma a sua curadoria,

gestão, circulação de bandas, gestão de recursos dos editais, construção de autonomia

diferenciada para autoprodução e construção de estruturas para debater políticas públicas”.

Outra característica do termo é a distribuição de seus produtos que passam a ser melhor

gerenciados e controlados, e criar plataformas de circulação com o objetivo de possibilitar um

melhor intercâmbio e trocas de possibilidades.

3. Características do Festival Dosol

Atualmente na cidade de Natal podemos mencionar dois eventos com destaque no

cenário nacional com um perfil “independente13”: O “Música Alimento da Alma”, mais

conhecido como Mada e o recente festival Dosol. O Mada surgiu em 1998 “acanhado em

baixo de uma lona de circo, (...) com programação 'Frankenstein'14”. O Festival Dosol surgiu

em 2001 com o objetivo de divulgar as bandas do selo homônimo. Como fenômenos de

público e de crítica os dois festivais gozam de prestígio junto à mídia especializada e são

apoiados pela Lei de Incentivo à Cultura Câmara Cascudo e, consequentemente, tem

patrocinadores exclusivos.

Hoje, há, incorporado à gestão do selo, Dosol um 'pool' de iniciativas sob a mesma marca15:

Centro Cultural, Rock Bar, Festival, estúdio de gravação, site (principal meio de comunicação

do grupo), produtora e, recentemente, TV onde apresenta na TV a Cabo de Natal/RN, Canal

12 Em entrevista no dia 19 de abril de 2010, no programa da TV Brasil Brasilianas.org. 13 Utilizaremos o termo “independentes” para nos referirmos a bandas e músicos que dão preferência as mídias

alternativas à grandes conglomerados comunicacionais. 14 SILVA, Yuno. Música Alimento da Alma, in: Overmundo.com.br (link: <www.overmundo.com.br/

overblog/musica-alimento-da-alma>, último acesso: 09 de outubro de 2009. 15 Fonte: http://www.dosol.com.br

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27, um programa semanal com duração de uma hora. “Atualmente o Dosoltv é o único espaço

da televisão potiguar voltado exclusivamente para rock e agregados16”.

Aqui no modesto Dosol, já vi bandas crescerem, arrumarem empresários, irem pro outro lado do jogo e voltarem. Umas com dignidade, outras nem tanto. Só para citar como exemplo, artistas como Pitty, Fresno, Detonautas e NX Zero, todos major com seus méritos (independente da questão filosóficas e de gosto pessoal) já se utilizaram da nossa estrutura quando ainda eram artistas em crescimento, atrás de um palco para tocar e foram muito bem recebidos como os quase 6.000 artistas que já fizeram shows em nosso festival ou centro cultural

17. Organizado por um jornalista, Anderson Foca e por Ana Morena, também jornalista e

produtora, o Festival Dosol apresenta mais semelhanças do que diferenças à maioria dos

festivais independentes no país. Trabalham com leis de incentivo à cultura, este ano, por

exemplo, tem o patrocínio da Petrobras através da Lei estadual Câmara Cascudo; divulga suas

ações – que independente do festival ocorre periodicamente no Centro Cultural - somente

através da internet (site e redes sociais) e está, quando possível, sempre presente nas

discussões de política pública cultural da cidade. A diferença encontra-se somente na dupla de

organizadores, ao invés de coletivos, como ocorre em boa parte dos eventos no país.

4. Tecnologia

A partir da observação da trajetória da música e seus suportes midiáticos nos

deparamos com o 'novo' formato apresentado em diversas regiões do país: Os festivais

independentes, o qual abordaremos com mais detalhes adiante. Antes, porém, vale observar o

interessante texto “a angústia do formato: uma história dos formatos fonográficos”,

(MARCHI, 2005, p. 2) que nos traz reflexões acerca das tecnologias e a seguinte afirmação:

“a 'angústia do formato' é o contínuo consumo de um mesmo conteúdo em diferentes

tecnologias da informação”. Neste ensaio há uma análise da história dos suportes de

reprodução sonora, que vai do LP ao MP3 onde discute-se quais efeitos das diferentes

tecnologias da comunicação no desenvolvimento da indústria fonográfica. Este pensamento,

ou seja, a influência da tecnologia e sua indissociabilidade com a música, também é

compartilhado com outros autores como TATIT (2004), JANOTTI (2003), SÁ E MARCHI

(2003) e CALDEIRA (2007, p. 30-31), este último, por sinal, afirma que “as primeiras 16 FOCA, Anderson. Dosoltv vai para a TV convencional hoje!, in: Dosol.com.br, postado em 26 de setembro

de 2009. (link: <www.dosol.com.br/2009/09/04/dosoltv-estreia-dia-26-de-set>, último acesso: 09 de outubro de 2009.

17 FOCA, Anderson. Editorial Dosol: As voltas que o mundo dá, in: Dosol.com.br, postado em 27 de abril de 2009. (link: <http://www.dosol.com.br/2010/04/27/editorial-dosol-as-voltas-que-o-mundo-da/>, último acesso: 13 de agosto de 2010.

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relações entre música popular e a circulação industrial de produtos culturais aconteceram, no

início do século, na esteira da divulgação de uma recente invenção o fonógrafo18”.

Quem também contextualiza essa relação é o pesquisador Simon Frith que afirma que

houve três revoluções na indústria musical. A primeira resultou no armazenamento musical,

ou seja, a combinação da notação e seus primeiros registros, fazendo com que o registro de

uma música na partitura pudesse ser executada tantas vezes quanto necessário. Desta forma,

pela primeira vez na história, o compositor pode se separar da sua criação abrindo margens

para o surgimento do intérprete. A segunda revolução que atingiu a indústria da música foi

uma consequência da descoberta das notações, ou seja, o armazenamento, agora o som pode

ser armazenado e executado em discos e cilindros, graças ao gramofone. “Desde una

perspectiva, el gramófono no era más que otro instrumento musical, un artefacto que 'sostenia'

la música, una música que podía escucharse una vez que se había tocado un instrumento”. A

terceira revolução está relacionada ao armazenamento digital, que para Frith também é uma

consequência da revolução anterior. “El CD sustituyó al disco de vinilo, y la edición digital a

la máquina de cinta magnética, si bien la música permaneció prácticamente inalterada”.

(FRITH, 2006, p. 59, 60). O pesquisador VICENTE (1996) corrobora FRITH (1992, p. 52 )

ao relatar que o “marco inicial do desenvolvimento da produção musical por meios mecânicos

pode ser situado em 1888, quando a North American Phonograph Company requereu as

licenças de comercialização do phonograph” (FRITH, 1988, p. 13).

A partir da perspectiva de Simon Frith e dentro do que ele cunhou como sendo a

segunda revolução, que mais uma vez moldou a indústria da música, temos as contribuições

do LP e do disco de 78 rpm. Conforme Sá (2003), a partir de Tatit (2004), durante a década de

20 o disco de 78 rpm cunhou no nosso subconsciente o tempo “padrão” de três minutos para

cada canção, a partir da limitação técnica do aparelho que suportava até este limite. Já o

surgimento do “long play, – disco de vinil de 12 polegadas e 33 1/3 rpm, com maior

capacidade de armazenamento, lançado pela Columbia em 1948” (SÁ, 2006, p. 8), durante a

década de 50 e a de 60 com o apoio da música clássica e do rock, respectivamente –, atingiu o

principal formato voltado para o público adulto.

18 O mesmo autor afirma também que no início da década de 1930, a indústria de discos já estava solidamente

instalada no país, havendo tiragens “industriais”. Um disco de sucesso carnavalesco da época chegava a 5 mil cópias vendidas. Outro pesquisador Eduardo Vicente, na sua dissertação, “a música popular e as novas tecnologias de produção musical” (Unicamp, 2006) afirma que “após o florescimento da década de 20 veio a depressão dos anos 30 e, na década seguinte, um novo período de expansão. Nos anos 40, tivemos uma segunda mudança de padrão dentro da indústria com a queda do 78 rpm”.

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A configuração atual dos meios de transmissão e de reprodução de música está

exponencialmente ampliado (e continua a ser ampliado) e de fácil acesso. Onde durante a

década de 80 reinava absoluto o império das fitas cassetes – hoje em processo de extinção –

localizamos atualmente o MP3, iPod, celular, CDs, transmissão de dados via bluetooth,

laptop, myspace, pendrives, p2p, etc., desta forma, aumentando consideravelmente os meios

de transmissão tem-se automaticamente maiores probabilidades de se aumentar o mercado

consumidor, este por sua vez fomenta os meios de produção (e vice-versa), permitindo no

contexto atual um espaço para todos os atores e um aumento de forma sistemática de produtos

como bem simbólico de consumo. Este recorte também atua na mudança de significação

auditiva até culminar no que observamos atualmente como o “fenômeno dos independentes”.

A partir desta perspectiva é latente a mudança de paradigma no processo de produção-

consumo-recepção. Hoje o artista tem uma maior possibilidade de gerir sua carreira, graças ao

aparato tecnológico de divulgação disponível, se emancipando desta forma de meios

centralizadores, tais como, as grandes gravadoras e meios de comunicação de massa. Por

outro lado temos um incentivo de ampliação do mercado consumidor, que tende cada vez

mais a se fragmentar e a se especializar, devido a demanda de produtos a sua disposição.

O que a revolução tecnológica introduz em nossas sociedades não é tanto uma quantidade inusitada de novas máquinas, mas, sim, um novo modo de relação entre os processos simbólicos – que constituem o cultural – e as formas de produção e distribuição dos bens e serviços: um novo modo de produzir, confusamente associado a um novo modo de comunicar, transforma o conhecimento numa força produtiva direta.” (MARTIN-BARBERO, 2006, p. 54)

Esta pulverização e fragmentação da música em âmbito global já pode ser sentida em

várias regiões do país dentro da narrativa artística. “A 'globalização' apresenta-se como um

conjunto de processos de homogeneização e, ao mesmo tempo, de fragmentação articulada do

mundo que reordenam as diferenças e as desigualdades sem suprimi-las” (CANCLINI, p. 44,

2007). O autor não pretende contudo afirmar que haverá uma “única cultura” global, mas que

há a tendência de uma padronização no formato das ações artísticas tendo determinadas

peculiaridades regionais surgindo, fazendo-as distinguir-se dentre as demais. Esta tensão

também é apontada pelo autor como uma “necessidade de designar a interdependência e

interpenetração entre o global e local” (Canclini, 2007, p. 47, apud Beck, 1998; Mattelart,

1996; Robertson, 1996), e que ele designou com o neologismo de “glocalização”. “Existem

razões socioeconômicas pelas quais o global não pode prescindir do local, nem o local ou

nacional pode se expandir, ou até sobreviver, desligado dos movimentos globalizadores”.

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(Canclini, 2007, p. 47 apud Robertson, 1996). Para outro pensador do tema Stuart Hall esse

fenômeno é conhecido como 'homogeneização cultural'. (...) Tendo o cuidado para não ser

titulado de simplista o mesmo autor concorda com a ideia de Canclini (2007) onde ao “invés

de se “pensar no global 'substituindo' o local seria mais acurado pensar numa nova articulação

entre 'o global' e 'o local' (2002, p. 76-7). De qualquer forma, acreditamos que o termo

“homogeneização cultural” não reflete em sua estrutura um retrato mais fiel deste fenômeno.

Ele traz em sua definição várias críticas onde demonstra não uma homogeneização mundial,

mas uma tendência de similaridade impactada pelas manifestações locais, as quais também

variam de região para região devido as diferenças de intensidades da presença da globalização

nos vários pontos do globo.

5. Considerações finais

Analisar o discurso contido nos editoriais veiculados no site www.dosol.com.br é uma

forma também de refletir sobre o possível efeito produzido nos seus leitores. Optamos em

estudar o editorial por acreditar que o seu conteúdo, mais do que as matérias informativas em

formato de release, por exemplo, contém elementos desta nova reconfiguração das práticas

musicais, bem como, o posicionamento de um atuante no mercado da música urbana da

cidade de natal, o também jornalista Anderson Foca. O nosso recorte girará em torno de 12

editoriais (vide tabela exemplo abaixo), publicados somente no ano de 2010. Pretendemos

assim investigar como se caracteriza o papel das novas mídias na formatação de um festival

independente e suas interfaces com os atores.

Observem que o Dosol é um estudo de caso, é um evento “pontual” dentro da vasta

diversidade de eventos independentes no país. No entanto, acreditamos estar analisando o

papel das novas mídias e do fluxo de interação postado no endereço virtual do festival e desta

forma, a partir da Análise de Discurso Francesa contribuir para os estudos que envolvam a

mídia e a música.

A lógica empreendedora dos Festivais Independentes parte do seguinte princípio: unir

para atingir, ou seja, cria-se uma rede de eventos em todo o país onde há um intenso

intercâmbio de informações, trocas de experiências, autogerenciamento da carreira e das

finanças, o que por consequencia resulta numa maior abertura de possibilidades em shows,

contatos e visibilidade, inclusive na mídia e em outros países.

Até alguns anos era praticamente impossível uma banda em início de carreira,

desconhecida e fora do eixo midiático massificado atingir em um show um público de alguns

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milhares. Esta lógica empreendedora que tem a intenção de se tornar “tradicional”, do ponto

de vista da presença constante nos calendários de eventos em diversas cidades, é uma

iniciativa de cunho político, social e econômico19 que tem a finalidade de criar público e

consequentemente “fidelizá-lo”.

Editoriais publicados durante o ano de 2010 no www.dosol.com.br

Item Data Título Item

01 02/01/10 E foi dada a largada 01

02 21/04/10 A reconfiguração iminente 02

03 27/04/10 As voltas que o mundo dá 03

04 01/06/10 Opinião: Não tem preço 04

05 13/07/10 Dia mundial do rock do DoSol vai ser de segunda a segunda

05

06 27/07/10 O meu natal em Natal 06

07 28/08/10 Um passeio no mercado independente 07

08 09/09/10 Com a palavra os candidatos 08

09 04/10/10 Um Ramone no meu show 09

10 26/10/10 Porque as leis de incentivo e os editais são tão importantes?

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11 05/11/10 Um prato quente servido à cultura potiguar! 11

6. Referências CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas - Estratégias para entrar e sair da modernidade. 4ª ed. São Paulo: Edusp, 2006. FRITH, Simon - The Industrialization of Popular Music. In: LULL, James (org.). Popular Music and Communication. London: Sage Public. Inc., 1992. FRITH, Simon. La industria de la música popular. In: FRITH, Simon et al. (org.). La otra historia del Rock. Barcelona: ediciones Robinbook. pp. 53-86, 2006. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes. 7. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

19 Segundo dados da ABRAFIN, retirados do site (http://abrafin.org), os festivais afiliados fazem circular mais de 600 bandas, 300 mil pessoas e um montante de R$ 5 milhões/ano.

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JANOTTI, Jeder Jr. Aumenta que isso é rock and roll: mídia, gênero musical e identidade. Rio de Janeiro: E-papers, 2003. _________. Heavy metal com dendê. Rock pesado e mídia em tempos de globalização. Rio de Janeiro: E-papers, 2004. _________. Dos gêneros textuais, dos discursos e das canções: uma proposta de análise da música popular massiva a partir da noção de gênero midiático. In: XIV COMPÓS. Rio de Janeiro: UFF, 2005b. MARTIN-BARBERO, Jesus. Tecnicidades, identidades, alteridades: mudanças e opacidades da comunicação no novo século. In: Sociedade midiatizada/Dênis de Moraes (org.); [trad. de Lúcio Pimentel]. Rio de Janeiro: Mauad, 2006. SÁ, Simone Pereira e MARCHI, Leonardo de. Notas para se pensar as relações entre Música e Tecnologias da Comunicação. Revista Eco-Pós. Rio de Janeiro: Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Escola de Comunicação/UFRJ, vol. 6, n.2, 2003, pp. 47-59. SÁ, Simone Pereira. A música na era de suas tecnologias de reprodução. E-Compós, Bauru, 2006. Disponível em www.compos.com.br/e-compos. ORTIZ, Renato. Violência e globalização. Comunicação & Educação, Vol.8, No 23, 2002, p. 37-42. PAULINO, Roseli Aparecida Fígaro. Identidades culturais no contexto da globalização [Entrevista com Renato Ortiz]. Comunicação & Educação, Vol. 6, No 18, 2000, p. 68-80. YÚDICE, George. A conveniência da Cultura. Usos da cultura na Era Global. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2004. __________________. La transformación y diversificación de la industria de la música, in: BUSTAMENTE, Enrique (org.) La cooperación Cultura-Comunicación en Iberoamérica. Madrid: Fundación Alternativas, 2007. TATIT, Luiz. O Século da Canção. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004. VICENTE, Eduardo. A Música Popular e as Novas Tecnologias de Produção Digital, dissertação de Mestrado não publicada, Campinas, IFCH/UNICAMP, 1996. ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção, leitura. Trad. Jerusa Pires Ferreira. São Paulo: Educ (PUC-SP), 2000.