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INCORPORAÇÃO DA SAÚDE OCUPACIONAL À REDE PRIMÁRIA DE SAÚDE Diogo Pupo Nogueira* NOGUEIRA, D. P. Incorporação da saúde ocupacional à rede primária de saúde. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 18:495-509, 1984. RESUMO: Os trabalhadores em geral constituem uma das frações mais importantes das co- munidades e a proteção à sua saúde é elemento indispensável para o desenvolvimento social e econômico dos países. Muito tem sido feito, em todo o mundo, para proteger os trabalhado- res contra acidentes do trabalho e doenças profissionais, mas muito pouco tem sido feito no sentido de se estudar o efeito do trabalho sobre doenças de natureza não-profissionais. Essa si- tuação é especialmente grave quando se considera os trabalhadores de médias e pequenas em- presas e os trabalhadores rurais que, em geral, não tem acesso aos centros de saúde ocupacio- nal e que procuram atendimento para seus problemas de saúde na rede primária de saúde. Tal situação levou a Organização Mundial da Saúde a propor, a todos os países, especialmen- te os em desenvolvimento, que desenvolvam programas especiais de proteção à saúde dos tra- balhadores a serem levados a efeito pela rede geral de saúde, especialmente pelos Centros de Saúde, quando existentes. São apresentados exemplos de planos-piloto realizados em al- guns países em desenvolvimento, e mesmo no Brasil, recomendando-se que o Brasil passe a adotar essa estratégia para proteger integralmente a saúde de seus trabalhadores conforme o propõe aquela agencia internacional. UNITERMOS: Serviços de saúde ocupacional. Assistência médica primária. A saúde ocupacional nasceu com a Revo- lução Industrial e é, em grande parte, fruto dos movimentos trabalhistas ingleses que, principalmente após o "Massacre de Peter- loo", resultou, em 1802, na primeira lei de proteção aos trabalhadores, a "Lei de Saúde e Moral dos Aprendizes". Não obedecida, por falta de um organismo fiscalizador, re- sultou, finalmente, na "Lei das Fábricas" de 1833, onde se cria o "Inspetorado de Fá- bricas", órgão governamental que, pela pri- meira vez entra no interior das fábricas para verificar se a saúde do trabalhador estava sendo protegida contra os agravos do traba- lho. Inicia-se, assim, a conscientização da importância da saúde ocupacional que, fi- nalmente, tem seus objetivos definidos em 1957 pela Comissão Mista da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Organi- zação Mundial da Saúde (OMS), a saber 2 : "A Saúde Ocupacional tem como finali- dade incentivar e manter o mais elevado ní- vel de bem-estar físico, mental e social dos trabalhadores em todas as profissões; pre- venir todo o prejuízo causado à saúde des- tes pelas condições de seu trabalho; prote- gê-los em seu serviço contra os riscos resul- tantes da presença de agentes nocivos à sua saúde; colo'car e manter o trabalhador em um emprego que convenha às suas aptidões fisiológicas e psicológicas e, em resumo, adaptar o trabalho ao homem e cada homem ao seu trabalho". * Do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo - Av. Dr. Arnaldo, 715 - 01255 - São Paulo, SP, Brasil.

INCORPORAÇÃO DA SAÚDE OCUPACIONAL À REDE PRIMÁRIA DE SAÚDE · saúde ocupacional. 4. A rede de serviços de saúde tanto urba-na como rural, em muitos países, ou não dá atenção

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INCORPORAÇÃO DA SAÚDE OCUPACIONALÀ REDE PRIMÁRIA DE SAÚDE

Diogo Pupo Nogueira*

NOGUEIRA, D. P. Incorporação da saúde ocupacional à rede primária de saúde. Rev. Saúdepúbl., S. Paulo, 18:495-509, 1984.

RESUMO: Os trabalhadores em geral constituem uma das frações mais importantes das co-munidades e a proteção à sua saúde é elemento indispensável para o desenvolvimento social eeconômico dos países. Muito tem sido feito, em todo o mundo, para proteger os trabalhado-res contra acidentes do trabalho e doenças profissionais, mas muito pouco tem sido feito nosentido de se estudar o efeito do trabalho sobre doenças de natureza não-profissionais. Essa si-tuação é especialmente grave quando se considera os trabalhadores de médias e pequenas em-presas e os trabalhadores rurais que, em geral, não tem acesso aos centros de saúde ocupacio-nal e que procuram atendimento para seus problemas de saúde na rede primária de saúde.Tal situação levou a Organização Mundial da Saúde a propor, a todos os países, especialmen-te os em desenvolvimento, que desenvolvam programas especiais de proteção à saúde dos tra-balhadores a serem levados a efeito pela rede geral de saúde, especialmente pelos Centros deSaúde, quando existentes. São apresentados exemplos de planos-piloto já realizados em al-guns países em desenvolvimento, e mesmo no Brasil, recomendando-se que o Brasil passe aadotar essa estratégia para proteger integralmente a saúde de seus trabalhadores conforme opropõe aquela agencia internacional.

UNITERMOS: Serviços de saúde ocupacional. Assistência médica primária.

A saúde ocupacional nasceu com a Revo-lução Industrial e é, em grande parte, frutodos movimentos trabalhistas ingleses que,principalmente após o "Massacre de Peter-loo", resultou, em 1802, na primeira lei deproteção aos trabalhadores, a "Lei de Saúdee Moral dos Aprendizes". Não obedecida,por falta de um organismo fiscalizador, re-sultou, finalmente, na "Lei das Fábricas"de 1833, onde se cria o "Inspetorado de Fá-bricas", órgão governamental que, pela pri-meira vez entra no interior das fábricas paraverificar se a saúde do trabalhador estavasendo protegida contra os agravos do traba-lho. Inicia-se, assim, a conscientização daimportância da saúde ocupacional que, fi-nalmente, tem seus objetivos definidos em

1957 pela Comissão Mista da OrganizaçãoInternacional do Trabalho (OIT) e Organi-zação Mundial da Saúde (OMS), a saber2:

"A Saúde Ocupacional tem como finali-dade incentivar e manter o mais elevado ní-vel de bem-estar físico, mental e social dostrabalhadores em todas as profissões; pre-venir todo o prejuízo causado à saúde des-tes pelas condições de seu trabalho; prote-gê-los em seu serviço contra os riscos resul-tantes da presença de agentes nocivos à suasaúde; colo'car e manter o trabalhador emum emprego que convenha às suas aptidõesfisiológicas e psicológicas e, em resumo,adaptar o trabalho ao homem e cada homemao seu trabalho".

* Do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo -Av. Dr. Arnaldo, 715 - 01255 - São Paulo, SP, Brasil.

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A saúde pública, por sua vez, nasce real-mente em 1854, com o trabalho epidemioló-gico pioneiro de Snow localizando no poçoda Broad Street de Londres a origem da epi-demia de cólera que atingia um bairro dessacidade e consolida-se durante a chamada"era bacteriológica" que se inicia em 1875com a descoberta das bactérias por Pasteur,o aparecimento da vacinação apoiada emdados científicos e o desenvolvimento dosinstrumentos básicos de Saúde Pública: aepidemiologia, a estatística, a administração,o saneamento do meio, a educação sanitáriae a aplicação a esse ramo do conhecimentohumano das ciências sociais. Surge, pois, aperfeita conscientização da imensa importân-cia da saúde pública sobre as comunidadeshumanas que, na clássica definição de Wins-low13 é a:

"... ciência é a arte de prevenir a doença,prolongando a vida e promovendo a saúde fí-sica e a eficiência..."entendendo-se que, como bem a define a Or-ganização Mundial da Saúde, a

"saúde não é apenas a ausência de doen-ça, mas sim o completo bem estar físico,mental e social do indivíduo".

A comparação desses dois conceitos reve-la que a saúde ocupacional é, na realidade,parte integrante da saúde pública, uma vezque esta indubitavelmente engloba os objeti-vos daquela proposta pela Comissão MistaOIT-OMS2, 9 .

No entanto, através dos anos tem-se no-tado existir uma dicotomia bem evidente,pela qual os que praticam a saúde pública emregra não se preocupam com os problemasda saúde ocupacional. Por outro lado, os queesta praticam nem sempre o fazem dentrodos preceitos estabelecidos pela saúde públi-ca. Disso resulta uma separação totalmenteartificial entre saúde pública e saúde ocupa-cional, com evidente prejuízo para a micro-comunidade trabalhadora que, não obstanteestar incluída dentro da macrocomunidade,é muitas vezes completamente esquecida poraqueles que zelam pela saúde pública destaúltima.

No entanto, o trabalhador permaneceapenas 8 horas diárias como membro da mi-

crocomunidade; nas 16 horas restantes éparte integrante da macrocomunidade que,através da sua rede de saúde, deve propiciar-lhe os cuidados preventivos de que necessi-ta e a promoção da sua saúde física e da suaeficiência mesmo quando estas são produtodas ações nocivas de agentes que existam namicrocomunidade. Por outro lado, estes mes-mos agentes podem, por intermédio dos pró-prios trabalhadores, agir nocivamente sobreparticipantes da macrocomunidade que nãose incluem na microcomunidade como, porexemplo, a família desses trabalhadores.

É por essa razão que a OMS vem se preo-cupando seriamente com essa nociva dicoto-mia que foi artificialmente criada e que devedesaparecer para benefício da saúde das po-pulações. Nesse sentido, uma série de açõesvêm sendo tomadas por aquela agência inter-nacional com o objetivo específico de dar as-sistência à saúde do trabalhador no seu senti-do mais amplo possível.

Em 1979, a Assembléia Mundial de Saú-de, através da sua Resolução 32.148, assina-lava a urgente necessidade de se cuidar damelhor forma possível da saúde dos traba-lhadores através de programas especiais paraesse setor tão importante da comunidade.

Em 1980, a mesma Assembléia, atravésda sua Resolução 33.317, solicitava ao Dire-tor Geral da OMS que desse apoio decisivoa esta última no sentido de promover a me-lhoria das condições de vida e trabalho detrabalhadores agrícolas, industriais e mi-neiros, principalmente nos países em desen-volvimento, lembrando a existência entreeles de grupos especialmente vulneráveiscomo os trabalhadores menores, do sexofeminino e migrantes.

A nível regional, a Resolução XXXII, daXX Reunião do Conselho Diretor da Organi-zação Pan-americana de Saúde7 (OPAS) soli-cita que o Diretor desta, estenda — dentrodos limites orçamentários - à sua ação sobreos Governos no sentido de dar apoio aos pro-gramas existentes de saúde ocupacional deacordo com a evolução industrial de cadapaís, dando especial atenção ao treinamentode pessoal técnico, à realização de levanta-mentos sistemáticos e de controle do pessoal

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técnico e avaliação periódica dos programasjá em desenvolvimento.

Por outro lado, a Resolução XI doXXVIII Encontro do Conselho Diretor daOrganização Pan-americana de Saúde8, queaprova o "Plano de Ação para a Implementa-ção da Estratégias Regionais HFA/2000",considera os trabalhadores como um "gru-po especial" ao qual deve ser dada a maisalta prioridade. Tal ponto de vista foi confir-mado pela Assembléia Mundial da Saúdequando aprovou a estratégia global para oHFA/2000 (Resolução 34.36)8.

A importância do assunto levou a OPAS,em 1983, a reunir um grupo de consultoresincumbido de preparar um documento bá-sico sobre o assunto7. Esse Grupo elaborouum "Programa de Saúde do Trabalhador",cujo objetivo geral é o de contribuir para aproteção e a promoção da saúde dos traba-lhadores, através do desenvolvimento ou doreforço, a nível nacional, dos programas desaúde cuja cobertura e conteúdo permitam aidentificação, a avaliação e o controle efi-ciente de fatores e condições relacionadasao trabalho e que sejam responsáveis porefeitos adversos sobre a saúde.

Dentro desse programa, constitui pontoimportante a execução, por parte da redegeral de saúde, de ações de saúde ocupacio-nal. Assim, ". . . o principal enfoque estraté-gico da OPAS/OMS. . . é o de cooperar comos países da região de forma tal que a intro-dução de ações de saúde ocupacional na re-de de saúde e nos programas de saúde sejaobjeto da política de saúde desses países eque tais ações sejam adequadamente implan-tadas ou fortalecidas".

Com o intuito de discutir o problema, aOrganização Pan-americana da Saúde reuniuem Campinas (São Paulo)11, no período de12 a 15 de março de 1984, representantesde 10 países latino-americanos para partici-parem de um Seminário sobre o assunto,com os seguintes objetivos:

1. Discutir as implicações doutrinárias epráticas das inter-relações entre saúde pú-blica e serviços de saúde.

2. Identificar e comparar experiências emodelos adotados em diferentes países da

região no que se refere à introdução de açõesde saúde ocupacional na rede de serviços desaúde.

3. Discutir mecanismos e propor estraté-gias para alcançar a reprodutibilidade das ex-periências já havidas na região.

As considerações feitas a seguir terãocomo base os trabalhos apresentados nesseSeminário.

No período de 13 a 16 de abril de 1982,um Grupo de Trabalho da OMS, reunido emGenebra (Suiça)14, dedicou especial atençãoà assistência primária à saúde da populaçãotrabalhadora. Nessa ocasião, o Grupo afir-mava que ". .. a preocupação básica dos ser-viços de saúde ocupacional tem sido tradi-cionalmente a saúde do trabalhador em rela-ção às suas condições de trabalho. . ." mas" . . . a tendência moderna é a de ampliaressa preocupação básica, considerando a saú-de dos trabalhadores como um todo e desen-volvendo parâmetros para a sua integraçãonos serviços de saúde dos países. . .".

A preocupação maior dos atuais sanitaris-tas é com dois grupos importantes de traba-lhadores: os empregados na agricultura eaqueles das pequenas empresas; estas, parti-cularmente, empregam cerca de 70% da for-ça de trabalho mundial. Assim, são proble-mas importantes desses dois grupos:

1. Problemas de Saúde e de segurançasão freqüentemente muito sérios.

2. Apresentam problemas econômicosmaiores e, geralmente, não estão organizadosem muitos países.

3. Na maior parte das vezes não estão co-bertos pela legislação relativa à segurança e àsaúde ocupacional.

4. A rede de serviços de saúde tanto urba-na como rural, em muitos países, ou não dáatenção aos seus problemas de saúde ocupa-cional ou fazem-no de forma mínima.

Como destaca Sandoval10, toma-se neces-sário, pois, ". . . passar do conceito de saúdeocupacional para o de saúde dos trabalhado-res para enfrentar a problemática saúde-tra-balho como um todo, onde se conjuguem fa-tores econômicos, culturais e individuais pa-ra que se possa produzir um resultado que éa saúde de uma sociedade, de um país, de

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um continente. . . ". Isso decorre de umasérie de circunstâncias que serão menciona-das a seguir.

Nos últimos anos os países em desenvolvi-mento procuraram criar um programa paraalcançar o seu desenvolvimento econômico;esse objetivo, porém, não foi alcançado namaioria dos casos e resultou freqüentemen-te em problemas maiores que aqueles que ,deveriam ter sido solucionados.

A estratégia de desenvolvimento daque-les países resultou em migração rural-urba-na e o surgimento de grandes grupos popu-lacionais marginalizados, que se aglomeramna periferia dos grandes centros urbanos; aindustrialização realizada não gerou a grandequantidade de empregos que prometia, en-quanto que a modernização agrícola permi-tiu diminuir a mão de obra gerando tensõessociais de suma gravidade. Esse modelo dedesenvolvimento "quebra estruturas tradicio-nais e agrava os problemas sociais porqueestá baseado em uma maximização dos bene-fícios econômicos a curto prazo. . ." peloque" . . . só logram algum benefício os seto-res de trabalhadores diretamente emprega-dos nos setores produtivos mais avançados" .

Por outro lado, esse modelo de desenvol-vimento econômico faz com que " . . . osprogramas de saúde ocupacional sejam diri-gidos de forma a proporcionar coberturaàqueles grupos de trabalhadores empregadosnos setores mais dinâmicos da economia dospaíses. . ." daí resultando que ". . . esta es-tratégia permitiu oferecer uma cobertura aum setor reduzido da população economica-mente ativa que, em geral, por pertencer aempresas maiores e melhor organizadas, temacesso aos salários mais elevados, é benefi-ciário da Previdência Social e possui as or-ganizações sindicais mais poderosas"10.

"Por outro lado, há uma grande massa detrabalhadores de médias e pequenas empre-sas, artesões, produtores familiares e indivi-duais, empregados do setor terciário e, so-bretudo, a grande maioria dos trabalhadoresrurais que não tem cobertura dos riscos ocu-pacionais, particularmente na prevenção des-tes"10.

Destaca ainda Sandoval10 que a industria-

lização e o desenvolvimento agrícola dos paí-ses em desenvolvimento se fez através daimportação de técnicas, métodos de traba-lho, maquinária, e outros, para os quais otrabalhador,originário destes países, foi pre-parado através de métodos educativos gra-duais; isso não ocorreu com os países em de-senvolvimento, daí decorrendo o aumentodo número de acidentes do trabalho e dedoenças profissionais, sendo exemplo . . . ."a entrega indiscriminada de agrotóxicos atrabalhadores do campo que ignoram seuefeito nocivo sobre o homem". Os trabalha-dores devem enfrentar a situação de aceitaras condições de insalubridade que em algunspaíses - entre eles, infelizmente, o Brasil -leva os trabalhadores menos esclarecidos aprocurar exatamente as atividades laborati-vas que ofereçam maior risco.

A legislação referente à saúde ocupacionalgeralmente limita-se a estabelecer quais asdoenças que resultam diretamente do traba-lho executado, pela ação de agentes mecâ-nicos, físicos, químicos e biológicos. "Po-rém, hoje em dia deparamos com condiçõesque não se enquadram nos critérios de doen-ça profissional, mas que são fatores patogê-nicos que influem sobre a saúde da popula-ção trabalhadora e provocam patologia ines-pecífica que não reconhece uma etiologiaúnica. Exemplo dessa condição é a hiper-tensão arterial que se encontra com maiorfreqüência em algumas categorias sócio-pro-fissionais (por exemplo: condutores de veí-culos de transporte coletivo) do que na po-pulação geral"10.

Os profissionais de saúde não têm, em re-gra, formação adequada em saúde ocupacio-nal. Tanto no Brasil como em outros paísesem desenvolvimento, são poucas as escolasmédicas que oferecem a disciplina isoladade medicina do trabalho, resultando no fatode que os futuros profissionais ou não têmnenhum conhecimento dessa área da me-dicina ou apenas conhecem um ou outrodos seus múltiplos aspectos. Como bem afir-ma Sandoval10". .. assim como as condiçõesde trabalho podem modificar a evolução depatologias comuns ou ser fator importantepara o seu desencadeamento, as condições

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de vida e de saúde externas ao trabalho con-dicionam também a aparição e a evoluçãode doenças comuns". Especialmente quandoos trabalhadores são pessoas que migraramde áreas rurais para áreas urbanas, neles". . . se encontram alta prevalência de pa-rasitoses intestinais e externas, malnutrição,más condições de habitação, inadaptaçãoao modo de vida urbano e outras patologiasderivadas do baixo nível de vida e que os fa-zem mais susceptíveis aos agentes patogêni-cos que se encontram no seu local de traba-lho. . . Esta é a "carga dupla" dos trabalha-dores de países em desenvolvimento. . .".

Um exemplo excelente dessa "carga du-pla" a que se refere aquele autor é encontra-do no estabelecimento dos chamados "limi-tes de tolerância", ou seja, as concentraçõesponderadas pelo tempo de exposição a subs-tâncias nocivas durante o tempo de trabalhoque não agem adversamente contra a saúdedos trabalhadores. Na ausência de estudosepidemiológicos, toxicológicos, entre outros,em países em desenvolvimento, nestes seadotam os limites estabelecidos para popula-ções norte-americanas ou européias. É óbvioque um determinado limite de tolerância quenão afeta a saúde de um trabalhador anglo-saxão bem nutrido, com boas condições de

moradia e nível salarial satisfatório, não po-de ser aplicado para, por exemplo, um traba-lhador provindo do Nordeste brasileiro, por-tador de doenças endêmicas, subnutrido, emcondições miseráveis de habitação e ganhan-do salário muito baixo. É de se imaginar queuma insuficiência proteica alimentar possatornar o organismo de um trabalhador maisapto a ser lesado do que quando o aporteprotéico é satisfatório.

É por essa razão que Sandoval10 assinalaque " . . . a incorporação de atividades desaúde ocupacional na rede de serviços de saú-de é praticamente a única via que existe paraoutorgai uma cobertura abrangente da popu-lação, no que se refere à prevenção dos ris-cos profissionais, a atenção oportuna àslesões, a pesquisa e o diagnóstico precocedas doenças profissionais e declaração com-pulsória destas à Previdência Social sempreque resultem em uma incapacidade para o

trabalho".Para que tal incorporação seja possível,

necessário se faz analisar como é levada acabo, tanto no Brasil como em outrospaíses em desenvolvimento, as ativida-des de saúde ocupacional (Fig. 1).

No caso particular do Brasil, tradicional-mente o atendimento da saúde dos trabalha-dores e de seus dependentes é feito pelo Mi-nistério do Trabalho e pelo Ministério daPrevidência Social, sem qualquer participa-ção do Ministério da Saúde; este, por suavez, atende a rede geral de saúde sem qual-quer preocupação especial com a saúde dostrabalhadores e de seus dependentes.

As grandes empresas brasileiras, na suaimensa maioria, dispõem de dois serviços mé-dicos, ideal e inteiramente separados masque, na prática, funcionam conjuntamente,a saber:

1. Serviço Especializado em Engenhariade Segurança e Medicina do Trabalho, exigi-do por lei para todas as empresas maiores,conforme seu grau de risco.

2. Serviço de medicina assistencial, quasesempre extensivo aos dependentes dos em-pregados, que pode ser:

a) Serviço médico assistencial próprio deempresa, pelo qual o serviço médico atendeàs necessidades assistenciais de trabalhado-res, tanto ambulatorial como hospitalar, deforma direta.

b) Serviço médico mantido por entidadede medicina de grupo que, mediante paga-mento feito pela empresa, atende emprega-dos e dependentes em seus próprios ambula-tórios e hospitais.

No caso da medicina assistencial, geral-mente os serviços de ambos os tipos mantêmconvênio com o INAMPS, pelo qual as em-presas passam a prestar todos os cuidadosassistenciais normalmente a cargo da previ-dência social, tanto a empregados como a de-pendentes, mediante o reembolso, peloINAMPS, de determinada importância porempregado (independentemente do númerode dependentes por empregado).

Tal sistemática permitiria, idealmente,uma atenção global à saúde do trabalhador.No entanto isso não ocorre senão quando a

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empresa mantém um serviço médico assis-tencial próprio, quando seus médicos, queconhecem bem as condições de trabalho, po-dem realmente dar uma assistência global;porém, quando a assistência médica é subes-tabelecida pela empresa para uma entidadede medicina de grupo, tal não ocorre umavez que os médicos desta não conhecem saú-de ocupacional e desconhecem as condiçõesde trabalho das empresas para as quais pres-tam serviços.

O problema se agrava sobremaneira quan-do se trata de empresas médias e, principal-mente, empresas pequenas. Mendes6, já em1975, mostrava que no Estado de São Pauloas empresas até 99 empregados constituíam95,7% do total de empresas e empregavamcerca de 40% da mão-de-obra. Tal situaçãotende apenas a se acentuar face à crise eco-nômica presente que, levando as grandes em-presas a reduzir seu pessoal, estimula o apa-recimento de microempresas.

A população das pequenas empresas nãogoza de nenhuma proteção especial no quese refere aos agravos do trabalho. Como onúmero de empregados não obriga à criaçãode Serviços Especializados em Engenharia deSegurança e Medicina do Trabalho (SESMT),inexistem profissionais qualificados — enge-nheiros e médicos - que possam protegê-los;toda a assistência médica lhes é prestada pelaPrevidência Social, onde a inexistência deconhecimentos especializados por parte dosmédicos atendentes não permite que mani-festações óbvias de doenças profissionais emcurso sejam reconhecidas.

Empregados de pequenas empresas e seusrespectivos dependentes, quando não recor-rem aos serviços médicos da previdência so-cial, com freqüência recorrem à rede geralde saúde do país onde também a patologiaprofissional passa totalmente despercebida.Mais importante ainda, as doenças gerais quepodem ser afetadas pelas condições de traba-lho são atendidas e tratadas sem que se esta-beleça qualquer nexo entre a moléstia geralpropriamente dita e as condições do ambien-te de trabalho que propiciaram a sua eclosãoou que contribuem poderosamente para oseu agravamento.

Mesmo em relação aos dependentes detrabalhadores — mulheres e crianças — querecorrem à rede geral de saúde podem estesapresentar até mesmo doenças causadas poragentes diversos de doença profissional; éclássico o fato ocorrido em vários países alta-mente industrializados, onde mulheres detrabalhadores da indústria de asbesto, quelavavam em casa as roupas profissionais deseus maridos, apresentaram quadro de asbes-to se.

Considerações idênticas devem ser feitasem relação aos trabalhadores agrícolas, aindamais desprotegidos que os trabalhadores in-dustriais pelas condições peculiares em queseu trabalho é realizado e pela menor efici-ência da rede geral de saúde nas áreas agríco-las.

Para solucionar tal problemática, o que sepropõe é o que se encontra esquematicamen-te representado na Fig. 2.

Pretende-se, na realidade, duas ações espe-cíficas:

1. Que a rede de saúde geral passe a darespecial atenção aos trabalhadores e seusrespectivos dependentes que a procuremcom o objetivo de, segundo Sandoval10:

a) Dar atenção aos acidentes de trabalho.b) Procurar diagnosticar precocemente as

doenças profissionais e aquelas doenças ge-rais que sejam direta ou indiretamente afeta-das pelo trabalho.

c) Avaliar incapacidades existentes e pro-videnciar que estas sejam devidamente avalia-das e compensadas pelos órgãos competen-tes.

2. Que a rede de saúde, ao reconhecer aexistência na sua área de atuação, de peque-nas e médias empresas, dirija-se às mesmasempresas para, dentro de uma nova perspec-tiva de ação, procurar estabelecer nelas asbases de um programa preventivo no que res-peita ao binômio saúde-trabalho.

A OMS já vem estabelecendo planos-pilo-to em várias regiões do mundo, especifica-mente em países em desenvolvimento, paraatingir os objetivos acima apontados.

Em Botswana, Birmânia, Malásia e Tailân-dia, conforme refere El Batawi4, foram cria-dos Centros de Saúde que dispõem de uma

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unidade móvel onde um médico, com espe-cialização em saúde ocupacional, visita os lo-cais de trabalho da área e, dispondo de equi-pamentos simples de exame e de diagnóstico,procura verificar quais os problemas de saú-de que são causados pelo trabalho e qual aforma de resolvê-los. Além disso, tais centrospreparam pessoal para prestação de assistên-cia primária à saúde (primary health wor-kers) de trabalhadores com ênfase nos se-guintes itens:

1. Levantamento preliminar de riscos àsaúde decorrentes do trabalho.

2. Coleta de amostras biológicas (sangue,urina, etc.) e amostras de ar.

3. Identificação de fontes de risco ocupa-cional.

4. Identificação de pessoas doentes - se-jam doenças profissionais ou gerais — enca-minhando-as ao Centro de Saúde.

5. Educação dos trabalhadores sob seuscuidados.

6. Prestação de socorro de urgência.7. Manutenção de registro de todas as

suas atividades.O pessoal treinado recebe um livreto simplesde instrução e passa a trabalhar em uma oumais pequenas empresas, em estreito contac-to com o Centro de Saúde e com o médicodo trabalho.

Em Bahrein, no Egito e Sudão é feito, nosCentros de Saúde, o treinamento em saúdeocupacional de um médico, ou de um enfer-meiro ou de qualquer outro elemento desaúde, que exerce suas atividades no próprioCentro. Além disso, uma unidade móvelatende vários Centros (5 ou 6, dependendoda população atendida); trata-se de um mi-croônibus com pequeno laboratório, facilida-des para exame médico e para atividadeseducativas (projetor de filmes, retroprojetore outros). Nas áreas agrícolas, um elementoé especialmente educado para realizar exa-mes simples, com "kits" especialmente pre-parados, da atividade da colinesterase nosque manejam inseticidas fosforados; alémdisso, cabe-lhe fazer a educação dos que ma-nejam pesticidas quanto ao uso de equipa-mento de proteção individual, forma ade-quada de fazer a pulverização, destinação de

recipientes que contiveram pesticidas, alémde outras.

No Estado de São Paulo foram levados acabo vários planos-piloto de integração deatividades de saúde ocupacional na rede desaúde geral, que bem revelam as possibilida-des existentes no país de adotar a nova sis-temática proposta pela OMS.

Há cerca de 10 anos atrás, o Centro deSaúde Experimental da Barra Funda, ligadoà Faculdade de Ciências Médicas da SantaCasa de São Paulo, decidiu incorporar àssuas atividades normais as de Saúde Ocupa-cional3. Para isso foram contactadas váriaspequenas empresas, com número reduzidode trabalhadores, sendo seus proprietáriosinformados do interesse do Centro em:

a) atender, no próprio Centro, os traba-lhadores dessas empresas, realizando examesmédicos pré-admissionais e periódicos, exi-gidos por lei, além de outros exames desaúde porventura necessários, especialmenteem relação a grupos particulares de trabalha-dores (menores, mulheres, subnormais, eoutros).

b) fazer avaliações do ambiente de traba-lho e propor medidas corretivas e/ou preven-tivas porventura necessárias.

Inicialmente os empregadores foram con-vidados para participar de curso de noçõesde higiene, segurança e medicina do traba-lho; essa participação foi surpreendentemen-te elevada, com os empregadores procurandoconhecer mais em detalhe diversos proble-mas do binômio saúde-trabalho. Em seguida,foram feitos levantamentos dos locais detrabalho, com apresentação de relatório de-talhado dos resultados encontrados e propos-tas para a solução dos problemas observados.Ao mesmo tempo, os trabalhadores passarama procurar o Centro de Saúde para examesde rotina e exames especiais.

O programa foi levado a cabo por algunsanos, mas não prosseguiu no seu êxito inicialporque não era dada prioridade aos traba-lhadores das pequenas indústrias, que eramatendidos juntamente com os demais clien-tes; com isso, havia demora relativamentegrande nas dependências do Centro, o que le-vou ao desinteresse tanto de empregados

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como de empregadores, terminando a experi-ência por uma auto-extinção.

Projeto interessante — por localizar-se emárea iminentemente industrial — ocorreu emLondrina (Paraná) em 1976, quando o Cen-tro de Saúde da Secretaria do Município, lo-calizado no distrito industrial do município,decidiu incluir nas suas atividades rotineirastambém ações de saúde ocupacional. Manti-dos entendimentos com entidades locais, quecongregavam proprietários de pequenas emédias indústrias da área, foi-lhes apresenta-do um programa de trabalho extremamentesemelhante ao que fora levado a cabo nobairro da Barra Funda, em São Paulo, e jádescrito anteriormente. Diversos problemasfizeram com que o projeto se desenvolvesselentamente e, com a mudança da políticade saúde do município, foi totalmente desa-tivado3.

No Rio de Janeiro foi desenvolvido umprograma de saúde ocupacional junto aoHospital Souza Aguiar, da Secretaria Munici-pal da Saúde, mas problemas políticos nãopermitiram que essa experiência fosse levadaadiante3.

Experiência particularmente interessantede integração de atividades de saúde ocupa-cional na rede geral de saúde ocorreu em SãoPaulo, em Centro de Saúde pertencente aoDistrito Sanitário de Penha de França nobairro de Cangaíba8. Como nesse Centro tra-balhasse médico com especialização em me-dicina do trabalho, este teve a sua atençãovoltada para o fato de que várias pequenas emédias empresas industriais da área, que nãodispunham de serviço médico próprio ouconveniado, encaminhavam seus empregadosao Centro para que ali se submetessem aosexames médicos pré-admissional e periódicoexigidos por lei. Tal fato levou-o a interessara administração do Centro em incorporarações de saúde ocupacional dentro da rotinade trabalho geral do Centro; por outro lado,com o apoio do Departamento de MedicinaSocial da Faculdade de Ciências Médicasda Santa Casa de São Paulo, foi possível fa-zer-se o levantamento preliminar e, em cincocasos, um levantamento mais detalhado dehigiene, segurança e medicina do trabalho

nas pequenas empresas da região. Os excelen-tes resultados obtidos nesse estudo-pilotolevou seus realizadores a propor um progra-ma mais amplo que não encontrou nenhuminteresse e apoio da Secretaria da Saúde doEstado de São Paulo, pelo que o plano nãomais teve continuidade.

Em 1979 foi apresentada à Secretaria deSaúde do Município de Campinas (Estado deSão Paulo) uma proposta de programa desaúde ocupacional3 a ser desenvolvido pelarede de saúde municipal; porém, como jáhavia um plano pré-estabelecido de priorida-des, o programa foi relegado a segundo planoe, com mudanças políticas ocorridas no mu-nicípio, não chegou a ser implementado. Po-rém, atualmente a nova administração domunicípio mostrou-se interessada no assun-to; foi feito inquérito junto a todas as unida-des de saúde para identificar entre os profis-sionais de saúde que ali trabalham quais osque têm formação e/ou experiência no cam-po de saúde ocupacional, ao mesmo tempoem que está sendo levado a efeito um levan-tamento geográfico das empresas, especial-mente industriais, que existem na área como objetivo de se estabelecer áreas prioritá-rias para a implementação inicial do progra-ma. Trata-se de plano muito bem elaboradopor especialistas de grande capacidade naárea de saúde ocupacional e da saúde públi-ca, que certamente irão se aproveitar dos er-ros dos planos anteriormente executados pa-ra levar a cabo um programa eficiente deproteção à saúde do trabalhador dentro doespírito proposto pela OMS.

No município de Paulínia (Estado de SãoPaulo) vem se desenvolvendo, atualmente,uma das experiências mais promissorasno campo da execução de atividades desaúde ocupacional pela rede de saúde geral3.Trata-se de área do Estado que é altamen-te industrializada, com elevada renda "percapita" e onde, ao lado de grandes em-presas - inclusive a Refinaria do Planaltoda Petrobrás — há numerosas médias e pe-quenas empresas. Mediante convênio es-tabelecido entre a Universidade Estadualde Campinas (UNICAMP), a Secretariade Saúde do Estado de São Paulo e a Prefei-

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tura Municipal de Paulínia foi criado emPaulínia o Centro Saúde-Escola que, ao criaragentes de saúde para agir nas fazendas daárea, passou a encontrar numerosos casos deproblemas de saúde relacionados ao traba-lho; tal fato fez nascer a idéia de criação deagentes de saúde a nível industrial, preferen-temente escolhidos entre trabalhadores dasindustrias locais.

Inicialmente foi feito um levantamentodas empresas do município e do número detrabalhadores ali existentes. Em seguida fo-ram selecionadas empresas que envolviamriscos de trabalho maiores e cujo número detrabalhadores justificasse a criação de peque-no posto de saúde no seu interior; tais em-presas foram visitadas por docentes e resi-dentes de medicina do trabalho da UNICAMP,que receberam boa acolhida por parte dosempregadores. A estes foi apresentado o se-guinte plano básico.

a) Inicialmente seriam examinados todosos trabalhadores da empresa, em local situa-do no interior desta, que oferecessem condi-ções para os exames; os equipamentos seriamlevados pela própria equipe de saúde, que vi-sitaraia tais locais de trabalho, inicialmenteuma vez por semana.

b) Dentre os trabalhadores examinadosque mostrassem maior interesse pela saúdedos seus companheiros, um deles seria esco-lhido (pelos próprios trabalhadores ou peladireção da empresa) para receber treinamen-to em saúde ocupacional e, também em saú-de geral, para triagem de doenças comuns.

c) A equipe da UNICAMP propunha-se,também, a assessorar as Comissões Internasde Prevenção de Acidentes (CIPAs) existen-tes naquelas empresas que, pelo seu númerode empregados, fossem legalmente obrigadasa manter tais comissões.

d) A equipe da UNICAMP também se en-carregaria das avaliações ambientais e de exa-mes especiais dos trabalhadores tais comoprovas de função pulmonar, audiometria,dosagens de material biológico para avaliar aexposição a agentes químicos de doençasprofissionais, além de outras.

Atualmente quatro empresas industriais,uma pedreira, um depósito de rocha fos-

fática (fertilizante)com um setor de prepa-ração do fosfato, um abatedouro de aves(frigorífico) e uma indústria de microele-mentos para fertilizantes, fazem parte doprograma, com excelentes resultados práti-cos, permitindo a identificação de numero-sos desvios da saúde decorrentes do trabalhoe de condições ambientais necessitando decorreção.

Dos pontos básicos do programa, assina-lados acima, somente não foi possível, atéa presente data, conseguir a formação dosagentes de saúde dentro das empresas, sejapor problemas destas (inexistência de dispo-nibilidade de horário de trabalhadores emfunção da redução de pessoal decorrente dacrise econômica do país), seja porque a visi-ta periódica da equipe da UNICAMP tornavaa sua presença desnecessária; no entanto, suaexistência continua sendo considerada den-tro de um futuro próximo.

Trata-se, portanto, de uma experiênciaem pleno funcionamento e com excelentesresultados práticos, mostrando a justeza donovo ponto-de-vista da OMS no que se refe-re à saúde dos trabalhadores.

Os exemplos de países estrangeiros e dosplanos-piloto brasileiros revelam a perfeitafactibilidade da introdução das ações desaúde ocupacional na rede de saúde gerale das vantagens que disso decorrem para apopulação trabalhadora e, indiretamente,para os dependentes destes. Torna-se, pois,indispensável que as autoridades de saúdepública estabeleçam planos que permitam,dentro do menor prazo possível, fazer comque as unidades de saúde, especialmente asde nível local, se disponham a levar adianteatividades de saúde ocupacional, de formaa poder atingir os fins colimados pela OMS.Como bem o destaca Henao5, " . . . o 'Pro-grama de Saúde dos Trabalhadores' por seusobjetivos e características não pode em mo-mento algum trabalhar de forma isolada; énecessário um contacto estreito e permanen-te harmonia com os programas de prestaçãode serviços (gerais de saúde), saúde do adul-to, saúde materno-infantil, saúde ambiental eepidemiologia. Além disso é imprescindívela ação paralela com outros setores: elevar as

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condições de vida e saúde dos trabalhadoresimplica não somente corrigir as condiçõesadversas do microambiente e organização dotrabalho mas atender com justiça e equidadesocial os aspectos biossociais e sócio-cultu-rais do trabalhador e de sua família".

Torna-se imprescindível que o Brasil ado-te com urgência medidas que visem incorpo-rar as atividades de saúde ocupacional na re-de de serviços de saúde. A despeito de legis-lação bastante avançada no campo de higie-ne, segurança e medicina do trabalho, ema-nada do Ministério do Trabalho, muito háainda por se fazer. Exemplo típico é que asestatísticas oficiais sobre infortúnios do tra-balho apresentam, a cada ano, quase doismilhões de acidentes do trabalho propria-mente ditos (acidentes-tipo), mas apontamapenas cerca de 4.000 casos de doença pro-fissional, o que é totalmente absurdo poisdeveria se esperar por um número muitomaior destas; isso indica unicamente quenumerosos casos de doenças profissionaisestão sendo atendidas pela rede de saúde semque sua origem ocupacional seja diagnostica-da.

A falta de diagnóstico das doenças pro-fissionais tem conseqüências graves. De umlado, o problema não é reconhecido, o queimpede a adoção das medidas preventivasindispensáveis para a sua solução; por outrolado, o trabalhador fica profundamente pre-judicado, pois perde o direito às indeniza-ções a que faz jus.

Por outro lado, a influência do trabalhosobre doenças não profissionais é totalmen-te ignorada pela maioria dos médicos brasi-leiros, daí decorrendo que os trabalhadorescontinuam exercendo atividades profunda-mente nocivas à sua saúde sem que nenhumamedida preventiva seja adotada.

No Estado de São Paulo esboça-se, a ní-vel oficial, interesse maior pela saúde do tra-balhador tal como o entende a OMS. Assim,o Departamento Regional de Saúde do Li-toral, da Coordenadoria de Saúde da Comu-

nidade da Secretaria de Estado da Saúde doEstado de São Paulo, apresentou "plano paraa implantação de um programa de assistênciamédico-sanitária e de vigilância epidemioló-gica para os problemas de saúde decorrentesda poluição ambiental e das condições detrabalho da população trabalhadora de Cu-batão", que vem se desenvolvendo com êxi-to. Conforme o relata Augusto1, há cerca deum ano foi criado grupo de trabalho do qualparticipam a Secretaria de Estado da Saúde, aSecretaria de Relações do Trabalho, ambasdo Estado de São Paulo e a Companhia deTecnologia de Saneamento Ambiental -CETESB, com representantes de todas ascoordenadorias da Secretaria da Saúde. Fo-ram criados 5 projetos, a saber:

1. Implementação de programa de assis-tência ao adulto onde a questão da saúde dotrabalhador terá papel principal;

2. criação de serviço de controle de mor-bidade, através de um "boletim de morbida-de", a ser implantado através de diploma le-gal, e que deverá ser preenchido por todas asentidades relacionadas à saúde tais como:serviços médicos de empresa, serviços mé-dicos próprios de sindicatos de trabalhado-res, Centros de Saúde entre outras. Os resul-tados fornecidos por esse boletim irão paraum banco de dados, com o objetivo deverificar-se quais os quadros mórbidos quepredominam na população sob controle;

3. criação de sistema de vigilância epide-miológica que, inicialmente, abrangerá cincopatologias específicas: pneumoconioses, alte-rações hematológicas (principalmente leuco-penias), dermatoses, disacusias e fluorose;

4. estabelecimento de programa de saúdemental, baseado fundamentalmente no pro-grama de assistência a adultos, visando estu-dar os efeitos do trabalho sobre o psiquismodos trabalhadores;

5. programa de educação, com o objeti-vo de desenvolver a consciência sanitária dostrabalhadores no que respeita a saúde ocu-pacional e às relações entre saúde e trabalho.

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Todos os elementos que trabalham nosCentros de Saúde locais estão sendo treina-dos em relação a esses cinco programas me-diante visitas às indústrias, estudo teórico dosvários aspectos relacionados à saúde do tra-balhador (especialmente pneumopatias e der-matoses) com o objetivo de torná-los maisconscientes em relação ao problema.

Outra atividade interessante é a que vemsendo levada a efeito pelo Centro de Saúdede Mogi-Mirim, onde se criou uma comissãocomposta pelos elementos do próprio cen-tro e por elementos da comunidade tais co-mo lavradores, fazendeiros, pequenos pro-prietários além de outros, com o objetivo dedar atenção especial aos casos de intoxica-ção pelos agrotóxicos. Essa comissão estabe-leceu uma conduta padrão para o Centrode Saúde no atendimento de casos de intoxi-cação e a forma de utilização de aparelhagemtécnica simples no diagnóstico destas. OCentro de Saúde estabeleceu um programade vigilância epidemiológica e nele integrououtros serviços médicos (ambulatórios, hos-pitais e outros). Por outro lado, um movi-mento de conscientização foi feito junto àsCasas da Lavoura, sindicatos de trabalhado-res rurais, cooperativas, comunidades ruraise comerciantes principalmente no que serefere às intoxicações sub-agudas, cuja sin-tomatologia — cefaléias, cansaço fácil, malestar geral e outras - facilmente se confun-de com aquela de verminoses, como o re-fere Trape12.

Ainda a Secretaria do Estado da Saúde doEstado de São Paulo criou uma área de Saú-

de e Trabalho que tem por objetivo estudar aforma pela qual as atividades de saúde ocu-pacional podem ser integradas de forma per-manente e definitiva na rede de saúde doEstado de São Paulo. Recentemente (agostode 84) a área Saúde e Trabalho organizouum seminário sobre "Estratégias para im-plantação de ações de saúde do trabalhadorna rede básica da Secretaria da Saúde" doqual resultaram várias conclusões importan-tes sobre a forma pela qual será feita essa im-plantação.

Por outro lado, existe uma proposta deconvênio entre o Governo do Estado de SãoPaulo, por meio das suas Secretarias da Saú-de e das Relações de Trabalho e a FundaçãoJorge Duprat Figueiredo de Segurança eMedicina do Trabalho - FUNDACENTROpara a implantação do projeto "a saúde ocu-pacional na atenção médica primária" que,se levado a efeito, redundará em aplicaçãoimediata e bem estruturada das medidasrecomendadas pela OMS.

Espera-se, pois, que essas primeiras me-didas que começam a ser adotadas em prolda saúde dos trabalhadores do Estado deSão Paulo — o mais industrializado de todoo Brasil — possam se desenvolver a conten-to, servindo de exemplo para um programade âmbito nacional a ser desenvolvido, nofuturo, pelo Ministério da Saúde com oapoio dos Ministérios do Trabalho e da Pre-vidência Social e colaboração integral dasautoridades sanitárias estaduais e municipaisde todo o Brasil.

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NOGUEIRA, D.P. [Integration of occupational health measures into the health system]. Rev.Saúde públ., S. Paulo, 18: 495-509,1984.

ABSTRACT: Workers in general constitute one of the most important parts of the com-munity and, their health is therefore, an essential element in social and economic develop-ment. Much is being done throughout the world to protect workers against accidents at workand occupational diseases, but very little is being done to study the effects of work on non-occupational diseases. This situation is specially serious regarding workers of medium andsmall undertakings and agricultural workers, who, specially in developing countries, have noaccess whatsoever to occupational health centers and who usually are attended to by theircountries' general health system. This situation led the World Health Organization to proposethat all countries should develop special programs for this sector of the community, to be putinto effect by their general health systems. Examples of pilot-plans of this type of medicalcare in some developing countries and in Brazil are presented and it is strongly recommendedthat Brazil adopt such a strategy as proposed by the World Health Organization to protectworkers' health.

UNITERMS: Occupational health services. Primary health care.

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Recebido para publicação em 10/07/1984.Aprovado para publicação em 15/08/1984.