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Informativo 755-STF (03/09/2014) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Márcio André Lopes Cavalcante Processos excluídos deste informativo esquematizado por não terem sido concluídos em virtude de pedidos de vista: RE 607940/DF; HC 110221/RJ; HC 110233/AM. Julgados excluídos por terem menor relevância para concursos públicos ou por terem sido decididos com base em peculiaridades do caso concreto: RE 717424/AL; RE 607590/PR; HC 121472/PE; HC 110960/DF; RHC 122127/ES. ÍNDICE Direito Constitucional Não cabimento de amicus curiae em mandado de segurança. Farmácias e drogarias podem vender produtos de conveniência. A iniciativa de leis que tratam sobre regime jurídico de servidores é do chefe do Poder Executivo. Atribuições dos Tribunais de Contas. Existência de inquérito contra o candidato ao quinto constitucional não impede a sua posse no cargo de Desembargador. Direito Administrativo Lei estadual que condiciona a nomeação de dirigentes de entidades à prévia aprovação da ALE. Vedação à vinculação ou equiparação de espécies remuneratórias. Servidor público em inatividade não goza do adicional de férias. Gratificação de desempenho genérica deve ser estendida aos aposentados e pensionistas. Aposentadoria por invalidez com proventos integrais. Direito Processual Civil O § 2º do art. 109 da CF/88 aplica-se também para as autarquias federais. Competência para julgar demandas contra o CNJ e o CNMP. Direito Tributário Inconstitucionalidade de lei estadual que concede isenção de ICMS para compra de carros por oficiais de justiça. Benefícios fiscais concedidos na Constituição Estadual. Inconstitucionalidade de CE que prevê imunidade tributária para veículos de radiodifusão. DIREITO CONSTITUCIONAL Não cabimento de amicus curiae em mandado de segurança Não é cabível a intervenção de amicus curiae em mandado de segurança. STF. 1ª Turma. MS 29192/DF, rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/8/2014 (Info 755). Conceito e finalidade Amicus curiae é alguém que, mesmo sem ser parte, em razão de sua representatividade, é chamado ou se

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Informativo 755-STF (03/09/2014) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Márcio André Lopes Cavalcante Processos excluídos deste informativo esquematizado por não terem sido concluídos em virtude de pedidos de vista: RE 607940/DF; HC 110221/RJ; HC 110233/AM. Julgados excluídos por terem menor relevância para concursos públicos ou por terem sido decididos com base em peculiaridades do caso concreto: RE 717424/AL; RE 607590/PR; HC 121472/PE; HC 110960/DF; RHC 122127/ES.

ÍNDICE Direito Constitucional Não cabimento de amicus curiae em mandado de segurança. Farmácias e drogarias podem vender produtos de conveniência. A iniciativa de leis que tratam sobre regime jurídico de servidores é do chefe do Poder Executivo. Atribuições dos Tribunais de Contas. Existência de inquérito contra o candidato ao quinto constitucional não impede a sua posse no cargo de

Desembargador.

Direito Administrativo Lei estadual que condiciona a nomeação de dirigentes de entidades à prévia aprovação da ALE. Vedação à vinculação ou equiparação de espécies remuneratórias. Servidor público em inatividade não goza do adicional de férias. Gratificação de desempenho genérica deve ser estendida aos aposentados e pensionistas. Aposentadoria por invalidez com proventos integrais.

Direito Processual Civil O § 2º do art. 109 da CF/88 aplica-se também para as autarquias federais. Competência para julgar demandas contra o CNJ e o CNMP.

Direito Tributário Inconstitucionalidade de lei estadual que concede isenção de ICMS para compra de carros por oficiais de justiça. Benefícios fiscais concedidos na Constituição Estadual. Inconstitucionalidade de CE que prevê imunidade tributária para veículos de radiodifusão.

DIREITO CONSTITUCIONAL

Não cabimento de amicus curiae em mandado de segurança

Não é cabível a intervenção de amicus curiae em mandado de segurança.

STF. 1ª Turma. MS 29192/DF, rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/8/2014 (Info 755).

Conceito e finalidade Amicus curiae é alguém que, mesmo sem ser parte, em razão de sua representatividade, é chamado ou se

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oferece para intervir em processo relevante com o objetivo de apresentar ao Tribunal a sua opinião sobre o debate que está sendo travado nos autos, fazendo com que a discussão seja amplificada e o órgão julgador possa ter mais elementos para decidir de forma legítima. Nomenclatura Amicus curiae, em uma tradução literal do latim, significa “amigo da corte” ou “amigo do tribunal”. Obs: amici curiae é o plural de amicus curiae. Natureza jurídica Existe muita polêmica sobre este ponto, mas prevalece, entre os Ministros do STF, que o amicus curiae é uma forma de intervenção anômala de terceiros. Previsão legal Existem algumas leis que preveem expressamente a participação do amicus curiae nos seguintes processos:

Lei 6.385/76 (CVM)

Nos processos que tenham por objeto matérias de competência da Comissão de Valores Mobiliários (autarquia federal que fiscaliza o mercado de ações) ela será intimada para intervir, se assim desejar, como amicus curiae, oferecendo parecer sobre o caso ou prestando esclarecimentos.

Lei 12.529/11 (CADE)

Nos processos em que se discuta a aplicação da Lei 12.529/11 (infrações contra a ordem econômica), o CADE deverá ser intimado para, querendo, intervir no feito na qualidade de assistente.

Obs: já havia esta previsão na Lei n. 8.884/94 (antiga Lei Antitruste).

Lei 9.868/99 (ADI / ADC)

Nos processos de ADI e ADC em tramitação perante o STF, o Ministro Relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá admitir a manifestação de outros órgãos ou entidades. Obs: o ingresso de amicus curiae é admitido também para os casos de ADI por omissão.

Lei 9.882/99 (ADPF)

Nos processos de ADPF em tramitação perante o STF, o Ministro Relator poderá autorizar sustentação oral e juntada de memoriais por requerimento dos interessados no processo.

Art. 482, § 3º do CPC

No incidente de declaração de inconstitucionalidade em tribunal, o Relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá admitir a manifestação de outros órgãos ou entidades.

Art. 543-A, § 6º do CPC

No recurso extraordinário submetido à repercussão geral, o Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros.

Art. 543-C, § 4º do CPC

No REsp submetido ao procedimento dos recursos repetitivos, o Relator, considerando a relevância da matéria, poderá admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia.

Lei 11.417/06 (súmula

vinculante)

No procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado da súmula vinculante, o relator poderá admitir, por decisão irrecorrível, a manifestação de terceiros na questão (art. 3º, § 2º).

Além dessas hipóteses, é possível a intervenção de amicus curiae em outros processos? SIM. Em regra, admite-se a intervenção do amicus curiae em qualquer tipo de processo, desde que: a) a causa tenha relevância; e b) a pessoa tenha capacidade de dar contribuição ao processo.

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O STF já admitiu até mesmo a participação de amicus curiae em habeas corpus (HC 82424, Relator Min. Moreira Alves, Relato p/ Acórdão: Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em 17/09/2003). Vale ressaltar, no entanto, que, se a causa não representar potencial para gerar efeito multiplicador e se envolver apenas direitos individuais, será possível negar a intervenção do amicus curiae:

(...) Não estando o presente recurso submetido ao rito dos recursos repetitivos e nem se incluindo na hipótese de multiplicidade de demandas similares a demonstrar a generalização da decisão, não há previsão legal para a inclusão do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - CFOAB na condição de amicus curiae, notadamente porquanto em discussão direito individual ao recebimento de verba advocatícia. (...) (AgRg na PET no AREsp 151.885/PR, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 11/09/2012)

É possível a intervenção de amicus curiae em um processo de mandado de segurança? NÃO. Não é cabível a intervenção de amicus curiae em mandado de segurança. No processo de mandado de segurança não é admitida a intervenção de terceiros nem mesmo no caso de assistência simples. Se fosse admitida a intervenção do amicus curiae isso poderia comprometer a celeridade do mandado de segurança.

Farmácias e drogarias podem vender produtos de conveniência

Importante!!!

É CONSTITUCIONAL a lei estadual que permite o comércio de artigos de conveniência em farmácias e drogarias.

STF. Plenário. ADI 4954/AC, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 20/8/2014 (Info 755).

Venda de produtos de conveniência em farmácias e drogarias As farmácias e drogarias, a fim de aumentarem o faturamento, passaram a vender em suas lojas, além de remédios, produtos de conveniência, como refrigerantes, biscoitos, salgadinhos, chocolates, pilhas etc. ANVISA A Agência Nacional de Saúde (ANVISA) editou resolução e outros atos proibindo essa prática. Para a ANVISA, as drogarias e farmácias não são estabelecimentos comerciais comuns, devendo comercializar apenas produtos que tenham relação com as suas finalidades, ou seja, medicamentos e outros produtos relacionados com a saúde. Por conta disso, a agência autuou e multou inúmeras drogarias que comercializavam produtos de conveniência. Estas, por sua vez, ingressaram com ações judiciais questionando a proibição imposta. Leis estaduais Diante desse cenário, vários Estados editaram leis permitindo expressamente que farmácias e drogarias vendessem produtos de conveniência.

Um desses foi o Acre, que promulgou a Lei n. 2.149/2009, disciplinando o comércio de artigos de conveniência em farmácias e drogarias. A referida Lei autoriza expressamente o comércio de artigos de conveniência em farmácias e drogarias, trazendo inúmeros exemplos: pilhas, colas, isqueiros, cartões telefônicos, perfumes, repelentes, artigos para bebês, chocolates, sorvetes, doces, salgados, biscoitos, picolés, bebidas não alcóolicas etc. A Lei também permitiu a prestação de serviços de utilidade pública, tais como: fotocópias, recebimento de contas de água, luz, telefone e boletos bancários.

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ADI 4954

O Procurador-Geral da República ajuizou ADI contra a Lei n. 2.149/2009 alegando que ela usurpou competência da União para legislar sobre normas gerais de proteção e de defesa da saúde, além de violar o direito à saúde (art. 6º, art. 24, XII, §§ 1º e 2º; e art. 196 da CF/88). Além disso, sustentou que a norma estadual desrespeitou Resolução da Anvisa que veda expressamente a venda desses artigos em drogarias e farmácias. O que o STF decidiu? A Lei do Estado do Acre é válida? SIM. É CONSTITUCIONAL a lei estadual que permite o comércio de artigos de conveniência em farmácias e drogarias. Inicialmente, o Min. Relator concluiu que, ao tratar sobre a venda de produtos de conveniência em farmácias e drogarias, o legislador não tratou sobre “defesa da saúde”, mas sim sobre comércio local. Logo, não há que se falar no art. 24, XII, da CF/88.

A União tratou sobre a venda de remédios em farmácias e drogarias por intermédio da Lei n. 5.991/73, que dispõe sobre o controle do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos. Ocorre que essa Lei não proibiu que as farmácias e drogarias vendessem também produtos de conveniência. Diante dessa ausência de vedação, conclui-se que os Estados-membros e o DF podem autorizar, mediante lei e em observância ao disposto no mencionado diploma federal, a comercialização dos chamados artigos de conveniência sem que isso represente invasão na esfera de competência da União.

A Lei n. 5.991/73 prevê que apenas farmácias e drogarias podem vender remédios, medicamentos e insumos farmacêuticos, mas isso não significa que ela proibiu que farmácias e drogarias comercializassem outros produtos que não fossem esses. Para o STF, as Resoluções da ANVISA que proibiram o comércio de produtos de conveniência em farmácias e drogarias são ilegítimas por violarem o princípio da legalidade considerando que essa vedação somente poderia ser instituída por meio de lei. Por fim, o Min. Relator entendeu que o objetivo do PGR de impor restrições à atividade comercial das farmácias e drogarias como forma de proteger o direito à saúde da população é desproporcional. Isso porque gera “desvantagens que superam em muito eventuais vantagens”. Outras leis estaduais No dia 11/09/2014, o STF, aplicando o mesmo entendimento acima exposto, julgou igualmente constitucionais leis dos Estados do Rio de Janeiro (ADI 4949), de Roraima (ADI 4948) e de Minas Gerais (ADI 4953) que também permitiam a venda de produtos de conveniência em drogarias e farmácias.

A iniciativa de leis que tratam sobre regime jurídico de servidores é do chefe do Poder Executivo

O STF julgou inconstitucionais as seguintes leis estaduais que tratavam sobre servidores públicos, mas foram iniciadas por Deputados Estaduais:

Lei 7.385/2002 (ES): dispunha sobre a reestruturação da carreira de fotógrafo criminal pertencente ao quadro de serviços efetivos da polícia civil daquele Estado-membro (ADI 2834/ES);

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Lei 5.729/95 (AL): fixava regras sobre a transferência para a reserva, reforma e elegibilidade de policiais militares (ADI 1381/AL);

LC 11.370/99 (RS): vedava a supressão administrativa de direitos e vantagens que foram legalmente incorporados ao patrimônio funcional dos servidores, prevendo que somente poderiam ser suprimidas pela via judicial (ADI 2300/RS).

O art. 61, § 1º, II, “c”, da CF/88 prevê que compete ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa de lei que trate sobre os direitos e deveres dos servidores públicos. Essa regra também é aplicada no âmbito estadual por força do princípio da simetria.

STF. Plenário. ADI 2834/ES, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 20/8/2014 (Info 755).

Iniciativa de lei que trate sobre o regime jurídico dos servidores públicos A CF/88 prevê que compete ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa de lei que trate sobre os direitos e deveres dos servidores públicos:

Art. 61. (...) § 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: II - disponham sobre: c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

Essa regra vale também no âmbito estadual? SIM. Essa regra é aplicada também no âmbito estadual por força do princípio da simetria. Princípio da simetria Segundo o princípio ou regra da simetria, o legislador constituinte estadual, ao elaborar as normas da Constituição estadual sobre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e sobre as regras do pacto federativo, deverá observar, em linhas gerais, o mesmo modelo imposto pela Constituição Federal, a fim de manter a harmonia e independência entre eles. Ex: a CE não pode estabelecer que o projeto de lei para a criação de cargos na Administração Pública estadual seja de iniciativa parlamentar. Tal previsão violaria o princípio da simetria, já que iria de encontro ao modelo federal imposto pelo art. 61, § 1º, I, “b”, da CF/88. O princípio da simetria não está previsto de forma expressa na CF/88. Foi uma criação pretoriana, ou seja, idealizado pela jurisprudência do STF. Alguns Ministros invocam como fundamento normativo para a sua existência, o art. 25 da CF e o art. 11 do ADCT, que determinam aos Estados-membros a observância dos princípios da Constituição da República. As regras de processo legislativo previstas na CF/88 são normas de reprodução obrigatória pelos Estados-membros, ou seja, estão submetidas ao princípio da simetria. Com base nesse entendimento, o STF julgou inconstitucionais as seguintes leis estaduais que tratavam sobre servidores públicos, mas foram iniciadas por Deputados Estaduais:

Lei 7.385/2002 (ES): dispunha sobre a reestruturação da carreira de fotógrafo criminal pertencente ao quadro de serviços efetivos da polícia civil daquele Estado-membro (ADI 2834/ES);

Lei 5.729/95 (AL): fixava regras sobre a transferência para a reserva, reforma e elegibilidade de policiais militares (ADI 1381/AL);

LC 11.370/99 (RS): vedava a supressão administrativa de direitos e vantagens que foram legalmente incorporados ao patrimônio funcional dos servidores, prevendo que somente poderiam ser suprimidas pela via judicial (ADI 2300/RS).

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Atribuições dos Tribunais de Contas

É inconstitucional regra prevista na Constituição Estadual que determine que o Tribunal de Contas não pode sustar licitação, dispensa ou inexigibilidade que estejam sendo analisadas naquela Corte.

É também inconstitucional regra da CE que preveja recurso contra as decisões do Tribunal de Contas para o Plenário da Assembleia Legislativa.

Essas duas regras violam o modelo previsto pela CF/88 a respeito dos Tribunais de Contas (art. 71) e que deve ser obedecido pelas Cartas Estaduais (art. 75).

STF. Plenário. ADI 3715/TO, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 21/8/2014 (Info 755).

Constituição do Estado de Tocantins A Associação dos Membros do Tribunal de Contas (ATRICON) propôs uma ADI contra dois dispositivos da Constituição do Estado de Tocantins que tratam sobre as atribuições da Corte de Contas. Vejamos o que decidiu o STF: 1ª regra: A CE/TO previu que, se uma licitação ou uma dispensa/inexigibilidade de licitação forem impugnadas no Tribunal de Contas, somente a Assembleia Legislativa (se for estadual) ou a Câmara Municipal (em nível local) poderão decidir sustar essa licitação, dispensa ou inexigibildade. Em outras palavras, se o Tribunal de Contas estiver analisando uma licitação, uma dispensa ou uma inexigibilidade e constatar alguma irregularidade, ele não poderá determinar a imediata sustação desses procedimentos, dependendo de uma decisão da ALE ou da Câmara Municipal. Essa regra da CE/TO é válida? NÃO. Segundo decidiu o STF, essa regra viola o modelo previsto pela CF/88 a respeito dos Tribunais de Contas (art. 71) e que deve ser obedecido pelas Cartas Estaduais (art. 75). A CF/88 estabelece que, se um ato estiver sendo impugnado no Tribunal de Contas, ele tem competência para sustar a execução desse ato caso não sejam atendidas as recomendações que ele impuser para a correção do procedimento. Após sustar o ato, o Tribunal de Contas precisará apenas comunicar essa sua decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal (art. 71, IX e X, da CF/88). Existe uma única exceção em que o Tribunal de Contas não poderá fazer a sustação diretamente: se o ato impugnado for um contrato. No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis (art. 71, § 1º). Repetindo:

Em regra, o Tribunal de Contas pode sustar qualquer ato impugnado que seja de sua esfera de competência. Depois de sustar, ele terá que comunicar essa decisão ao Poder Legislativo.

Exceção: se o ato impugnado for um contrato, o Tribunal de Contas não pode sustar. A competência para determinar essa sustação é do Poder Legislativo.

A CE/TO extrapolou e contrariou o modelo imposto na CF/88 ao prever que o Tribunal de Contas estadual não poderia sustar licitações em curso e procedimentos de dispensa ou inexigibilidade de licitação. Conforme a CF/88, o Tribunal de Contas tem competência sim para determinar a sustação desses atos, devendo apenas comunicar ao Poder Legislativo após tomar essa decisão. Por que as regras do art. 71 da CF/88 devem ser seguidas também pelas Constituições estaduais? Porque o art. 75 da CF/88 determina que os arts. 70 a 74, que tratam sobre o TCU, aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados/DF.

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2ª regra: A CE/TO estabeleceu que, após o Tribunal de Contas julgar as contas dos administradores e responsáveis por verbas públicas, o condenado teria direito de recorrer contra essa decisão, no prazo de 30 dias, ao Plenário da Assembleia Legislativa. Esse recurso teria efeito suspensivo. Essa regra da CE/TO é válida? NÃO. Segundo decidiu o STF, essa regra também viola o modelo previsto pela CF/88 a respeito dos Tribunais de Contas (art. 71) e que deve ser obedecido pelas Cartas Estaduais (art. 75). Esse recurso criado pela CE/TO contra as decisões do Tribunal de Contas não existe na CF/88 e acaba tolhendo a atuação da Corte de Contas estadual.

Existência de inquérito contra o candidato ao quinto constitucional não impede a sua posse no cargo de Desembargador

O princípio constitucional da presunção de inocência veda o tratamento diferenciado a qualquer pessoa, ou a restrição de seus direitos, pelo simples fato de responder a inquérito.

Assim, um advogado escolhido para ser nomeado Desembargador pelo quinto constitucional não pode ser impedido de tomar posse sob o argumento de que ele responde a um inquérito.

STF. 2ª Turma. MS 32491/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 19/8/2014 (Info 755).

Imagine a seguinte situação: Determinado candidato foi escolhido para ser nomeado como Desembargador do TJBA na vaga destinada ao quinto constitucional (art. 94 da CF/88). Ocorre que esse advogado respondia a um inquérito policial, razão pela qual o CNJ determinou que o TJ não desse posse a ele, sob o argumento de que o causídico escolhido não preenchia o requisito constitucional da reputação ilibada previsto no art. 94 da CF/88. O Conselho Federal da OAB impetrou, então, um mandado de segurança contra esse ato. O que o STF decidiu? O STF concedeu a segurança afirmando que “a mera existência de inquérito instaurado contra a pessoa não é, por si só, suficiente a justificar tratamento diferenciado”. Na decisão, o Min. Ricardo Lewandowski ressaltou ainda que o inquérito tramita há mais de sete anos sem que haja elementos de prova, até agora, suficientes para apresentação de denúncia. “Dessa forma, penso que não existem fatos seguros que possam de alguma forma, neste momento, indicar que ele não é possuidor de idoneidade moral”. Além disso, o Ministro acrescentou que a nomeação do advogado escolhido pelo sistema do quinto é “um ato complexo de natureza política”, considerando que ele é aprovado pela OAB (que faz uma lista sêxtupla), pelo Tribunal de Justiça (que reduz essa lista para três nomes) e, por fim, pelo Governador do Estado que escolhe um da lista tríplice. Desse modo, a decisão do CNJ impedindo a posse acaba transcendendo a competência do Conselho já que acabou havendo uma censura sobre a lista preparada pela OAB e o nome escolhido pelo Governador do Estado.

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DIREITO ADMINISTRATIVO

Lei estadual que condiciona a nomeação de dirigentes de entidades à prévia aprovação da ALE

É constitucional lei estadual que condiciona a nomeação dos dirigentes de AUTARQUIAS e FUNDAÇÕES à prévia aprovação da Assembleia Legislativa.

Por outro lado, é inconstitucional exigir essa prévia aprovação da ALE se os dirigentes forem de EMPRESAS PÚBLICAS e SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA.

É inconstitucional a exigência de que os dirigentes de entidades da administração indireta forneçam à ALE a declaração atualizada de seus bens e de suas ocupações para serem fiscalizados pelo Parlamento. Tal situação viola a separação de poderes.

STF. Plenário. ADI 2225/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 21/8/2014 (Info 755).

Lei estadual regulando a nomeação de dirigentes de entidades da Administração indireta A Assembleia Legislativa de Santa Catarina editou uma lei prevendo alguns requisitos para a nomeação de dirigentes de fundações, autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista do Estado. Segundo a Lei, o pretendente a um desses cargos seria obrigado a apresentar à Assembleia Legislativa uma série de documentos para serem analisados pelos Deputados. Essa lei é constitucional? A Assembleia Legislativa poderia ter tratado sobre esse tema? Em parte. O STF decidiu que é válida a lei estadual que condiciona a nomeação dos dirigentes de autarquias e fundações à prévia aprovação da Assembleia Legislativa. Isso porque essa exigência está de acordo com o modelo previsto na CF/88:

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: (...) III - aprovar previamente, por voto secreto, após arguição pública, a escolha de: (...) f) titulares de outros cargos que a lei determinar;

Por outro lado, o Supremo entendeu que a lei não poderia ter feito essa mesma exigência no que tange aos dirigentes de empresa pública e de sociedade de economia mista, considerando que tais empresas submetem-se, em regra, ao regime traçado pelo art. 173 da CF/88, que não prevê a possibilidade de controle prévio pelo Poder Legislativo quanto às nomeações dos dirigentes. A lei catarinense previa, ainda, que os dirigentes das autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista deveriam apresentar à ALE a declaração de seus bens e descrição de cargos e empregos que tenha ocupado e de ações que possua de sociedades empresárias. Tal exigência persistiria por um período de dois anos após a exoneração. Essa previsão é compatível com a CF/88? NÃO. O STF entendeu que tais informações encontram-se protegidas por sigilo fiscal. Além disso, considerou-se que isso viola o princípio da separação dos Poderes em virtude de outorgar à Assembleia Legislativa competência para fiscalizar, de modo rotineiro e indiscriminado, a evolução patrimonial dos postulantes de cargos de direção da Administração Indireta do Estado-membro e de seus ex-ocupantes, bem como as atividades por eles desenvolvidas nos dois anos seguintes à exoneração. A Corte destacou que essas atribuições não teriam relação direta com as funções próprias do Legislativo.

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Vedação à vinculação ou equiparação de espécies remuneratórias

É incompatível com a CF/88 (art. 37, XIII e art. 39, § 1º) a lei estadual que equipara a remuneração de uma carreira a de outra distinta.

STF. Plenário. ADPF 97/PA, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 21/8/2014 (Info 755).

A LC 22/1994 do Estado do Pará previa que os vencimentos dos Delegados de Polícia ficariam vinculados à remuneração dos Procuradores de Estado. O STF julgou que essa lei é incompatível com o art. 37, XIII e art. 39, § 1º da CF/88:

Art. 37 (...) XIII - é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público; Art. 39 (...) § 1º A fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará: I - a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira; II - os requisitos para a investidura; III - as peculiaridades dos cargos.

Servidor público em inatividade não goza do adicional de férias

É INCONSTITUCIONAL lei estadual que prevê que o servidor público, mesmo quando for para a inatividade, continuará tendo direito, todos os anos, ao adicional de férias (terço de férias).

Essa lei viola o princípio da razoabilidade já que o servidor público em inatividade não pode gozar de férias, porquanto deixou de exercer cargo ou função pública, razão pela qual a ele não se estende adicional de férias concedido a servidores em atividade.

STF. Plenário. ADI 1158/AM, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 20/8/2014 (Info 755).

Determinada Lei estadual prevê que o servidor público, mesmo quando for para a inatividade, continuará tendo direito, todos os anos, ao adicional de férias (terço de férias). Essa Lei é constitucional? NÃO. O servidor público em inatividade não pode gozar de férias, porquanto deixou de exercer cargo ou função pública, razão pela qual a ele não se estende adicional de férias concedido a servidores em atividade. Para o STF, essa previsão é inconstitucional por violar o princípio da razoabilidade. De acordo com o Min. Celso de Mello, nesse caso, o legislador incidiu em desvio ético-jurídico, ao conceder aos servidores públicos essa vantagem pecuniária “cuja razão de ser se revela absolutamente destituída de causa.”

Gratificação de desempenho genérica deve ser estendida aos aposentados e pensionistas

Importante!!!

a) as vantagens remuneratórias legítimas e de caráter geral conferidas a determinada categoria, carreira ou, indistintamente, a servidores públicos, por serem vantagens genéricas, são extensíveis aos servidores inativos e pensionistas;

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b) nesses casos, a extensão alcança os servidores que tenham ingressado no serviço público antes da publicação da EC 20/1998 e da EC 41/2003 e se aposentado ou adquirido o direito à aposentadoria antes da EC 41/2003;

c) com relação aos servidores que se aposentaram após a EC 41/2003, devem ser observados os requisitos estabelecidos na regra de transição contida em seu art. 7º, em virtude da extinção da paridade integral entre ativos e inativos contida no art. 40, § 8º, da CF, redação original, para os servidores que ingressaram no serviço público após a publicação da EC 41/2003; e

d) com relação aos servidores que tivessem ingressado no serviço público antes da EC 41/2003 e se aposentaram ou adquiriram o direito à aposentadoria após a sua edição, é necessário observar a incidência das regras de transição fixadas pela EC 47/2005, a qual estabeleceu efeitos retroativos à data de vigência da EC 41/2003.

STF. Plenário. RE 596962/MT, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 21/8/2014 (Info 755).

STJ. STJ. 1ª Turma. AgRg no REsp 1.372.058-CE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 4/2/2014 (Info 534).

O que é o princípio da paridade? Princípio da paridade era uma garantia que os servidores públicos aposentados possuíam, segundo a qual todas as vezes que havia um aumento na remuneração recebida pelos servidores da ativa, esse incremento também deveria ser concedido aos aposentados. Ex: João é servidor aposentado do Ministério da Fazenda, tendo se aposentado com os proventos do cargo de técnico A1. Quando era concedido algum reajuste na remuneração do cargo técnico A1, esse aumento também deveria ser estendido aos proventos de João. No dicionário, paridade significa a qualidade de ser igual. Assim, o princípio da paridade enunciava que os proventos deveriam ser iguais à remuneração da ativa. Por que a paridade era algo positivo para os servidores aposentados? Os servidores aposentados possuem um poder de pressão e de barganha menor que os servidores em atividade. Isso porque estes últimos podem fazer greve, dificultar a prestação dos serviços públicos, realizar operações padrão etc. Todos esses mecanismos servem como instrumento de pressão contra o Governo. Desse modo, sem o princípio da paridade, a Administração Pública poderia reajustar apenas a remuneração dos servidores da ativa, não concedendo o mesmo aumento aos aposentados. Com isso, agradaria aqueles que poderiam causar maiores transtornos e faria economia ao não beneficiar os inativos. Com a paridade, os aposentados poderiam ser sempre agraciados quando os servidores ativos conseguissem alguma conquista remuneratória para a categoria. O princípio da paridade ainda existe? NÃO. “Esse princípio foi revogado, restando somente para os servidores com direito adquirido, que já

preenchiam os requisitos para a aposentadoria antes da edição da EC n. 41 (art. 3º, EC n. 41), ficando

também resguardado o direito para aqueles que estão em gozo do benefício (art. 7º, EC n. 41) e os que se

enquadrarem nas regras de transição do art. 6º da EC n. 41 e do art. 3º da EC n. 47.” (MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 7ª ed., Niterói: Impetus, 2013, p. 774). Desse modo, se você ingressar no serviço público hoje, não terá a garantia da paridade quando se aposentar. No lugar da paridade, existe hoje o chamado “princípio da preservação do valor real”, previsto no art. 40, § 8º, da CF/88, segundo o qual os proventos do aposentado devem ser constantemente reajustados para que seja sempre garantido o seu poder de compra. Art. 40 (...) § 8º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41/2003)

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O que o Governo faz(ia) para burlar o princípio da paridade? A Administração Pública cria(va) algumas gratificações e, no texto da lei, classifica(va) essas verbas como sendo pro labore faciendo. Abrindo um parêntese: o que é uma gratificação pro labore faciendo? Gratificação pro labore faciendo significa um valor pago a mais ao servidor em atividade por conta de um trabalho que ele está desempenhando (pro labore faciendo = por um trabalho que está fazendo). Trata-se de uma gratificação instituída para recompensar o servidor pelo ônus que ele está tendo ao desempenhar serviços que estão fora das atribuições normais de seu cargo. Como a gratificação pro labore faciendo é paga por causa desse serviço “a mais” que o servidor está desempenhando, essa verba somente se justifica enquanto o agente público estiver no efetivo exercício da atividade. Logo, não há razão jurídica para pagar a quantia se o servidor está aposentado. Ex: Guilherme ocupa o cargo de técnico A1 do Ministério da Fazenda. É criada uma gratificação de 2 mil reais para os técnicos A1 que estejam cuidando do processo de reformulação da arrecadação tributária. Nem todos os técnicos A1 irão receber essa quantia, mas somente aqueles que estiverem no exercício dessa atividade específica. Isso significa que essa gratificação é pro labore faciendo. Logo, ela não será paga aos servidores inativos, mesmo que eles tenham se aposentado na época em que vigorava o princípio da paridade. Pode-se dizer que a gratificação pro labore faciendo é uma verba que não está abrangida pelo princípio da paridade. Voltando ao que falávamos. O que o Governo faz(ia) para burlar o princípio da paridade? A Administração Pública cria(va) algumas gratificações e, no texto da lei, classifica(va) essas verbas como sendo pro labore faciendo. Ocorre que essas gratificações eram concedidas a todos os servidores ativos indistintamente. Assim, o Governo dizia que era uma gratificação pro labore, mas ela era paga a todos os servidores em atividade, independentemente de qualquer serviço extraordinário que eles estivessem desempenhando. Ex: é criada uma gratificação de 2 mil reais para os técnicos A1 que estejam em atividade. Todos os técnicos A1 irão receber essa quantia, independentemente de estarem ou não fazendo um serviço fora de suas atribuições ordinárias. Isso significa que essa gratificação não é, juridicamente, pro labore faciendo. Trata-se de uma burla apenas para que não seja paga aos servidores inativos que possuam direito ao princípio da paridade. Entendimento da jurisprudência sobre o tema Ao longo dos anos foram criadas várias gratificações de desempenho para os servidores públicos federais que tinham a “roupagem” de gratificações pro labore, mas que, se analisadas tecnicamente, eram verdadeiros reajustes concedidos indistintamente para todos os agentes públicos daquele cargo específico. Tais gratificações seriam pagas em um escala de percentuais (“pontos obtidos por cada servidor”) de acordo com o desempenho do servidor, a partir de uma avaliação individualizada. Exs: GDATA, GIFA, GDSST, GDARA etc. Assim, com base nessa avaliação de desempenho, o servidor iria receber um percentual a mais sobre seu vencimento. Na prática, contudo, essas avaliações individuais de desempenho nunca eram regulamentadas e realizadas e todos os servidores ocupantes recebiam a gratificação no valor máximo, indistintamente. Desse modo, essas gratificações que foram instituídas pro labore faciendo, tornavam-se, na realidade, gratificações genéricas e impessoais. Acabava sendo um reajuste disfarçado, concedido somente aos servidores da ativa. Em razão do exposto, os aposentados começaram a ingressar com ações judiciais pleiteando a extensão desses aumentos disfarçados para os seus proventos.

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O que o STF e o STJ decidiram? O STF e o STJ consolidaram o entendimento de que devem ser estendidas a todos os aposentados e pensionistas (que ainda possuem o direito à paridade) as gratificações de desempenho pagas indistintamente a todos os servidores da ativa, no mesmo percentual, ainda que possuam caráter pro labore faciendo. Isso porque as referidas vantagens, quando pagas indistintamente a todos os servidores na ativa, no mesmo percentual, assumem natureza genérica. Caso concreto julgado pelo STF no Info 755: O Estado do Mato Grosso instituiu uma gratificação denominada “incentivo de aprimoramento à docência”, no valor de 12%, a ser concedida a todos os titulares de cargo de professor que efetivamente estivessem no exercício da docência na rede pública estadual de ensino. Maria, professora aposentada desde 1994, portanto, antes da EC nº 41/2003, ajuizou uma ação pedindo o recebimento dessa gratificação, argumentando que, por ela ter caráter geral, deveria ser estendida aos inativos. A PGE/MT, na defesa do Estado, alegou que a referida verba tinha caráter indenizatório e que não era paga indistintamente a todos os professores da rede pública, mas somente àqueles que estivessem no efetivo exercício da docência, ou seja, em salas de aula. O STF concordou com a tese da aposentada ou da Fazenda Pública? Da aposentada. O fato de a Lei estadual ter dito que essa gratificação era “de caráter indenizatório”, por si só não impede sua extensão aos aposentados porque a simples nomenclatura adotada pela legislação não define sua natureza jurídica. Conforme explicou o Min. Dias Toffoli, “deve ser reconhecida a necessária e automática extensão aos inativos de gratificações de caráter geral concedidas ao pessoal da ativa, notadamente quando essas não estão efetivamente vinculadas ao exercício direto de uma determinada atividade, ou seja, não são dotadas de caráter pro labore faciendo.” E o que são gratificações de caráter geral? “São aquelas concedidas a todos os servidores em atividade, independentemente da função exercida, e que não se destinam a remunerar ou indenizar o servidor em razão do exercício de uma função específica ou extraordinária” (Min. Dias Toffoli). No caso julgado pelo STF, a gratificação instituída pelo Governo do MT é devida apenas em razão do exercício do cargo de professor da rede pública estadual de ensino. Logo, deve-se reconhecer que se trata de verba de caráter geral, porque concedida, indistintamente, a todos os professores em atividade, pela simples razão de se encontrarem no exercício da função. Teses fixadas com efeitos erga omnes: Nesse julgado, ocorreu um fato interessante. Como se tratava de recurso extraordinário submetido à sistemática da repercussão geral, o Plenário do STF decidiu fixar quatro teses para que gerem efeitos erga omnes, ou seja, para outros processos. São elas: a) as vantagens remuneratórias legítimas e de caráter geral conferidas a determinada categoria, carreira ou, indistintamente, a servidores públicos, por serem vantagens genéricas, são extensíveis aos servidores inativos e pensionistas; b) nesses casos, a extensão alcança os servidores que tenham ingressado no serviço público antes da publicação da EC 20/1998 e da EC 41/2003, e se aposentado ou adquirido o direito à aposentadoria antes da EC 41/2003; c) com relação aos servidores que se aposentaram após a EC 41/2003, devem ser observados os requisitos

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estabelecidos na regra de transição contida em seu art. 7º, em virtude da extinção da paridade integral entre ativos e inativos contida no art. 40, § 8º, da CF, redação original, para os servidores que ingressaram no serviço público após a publicação da EC 41/2003; e d) com relação aos servidores que tivessem ingressado no serviço público antes da EC 41/2003 e se aposentaram ou adquiriram o direito à aposentadoria após a sua edição, é necessário observar a incidência das regras de transição fixadas pela EC 47/2005, a qual estabeleceu efeitos retroativos à data de vigência da EC 41/2003.

Aposentadoria por invalidez com proventos integrais

Importante!!!

A CF/88 prevê, em seu art. 40, § 1º, I, a possibilidade de os servidores públicos serem aposentados caso se tornem total e permanentemente incapazes para o trabalho. Trata-se da chamada aposentadoria por invalidez.

Em regra, a aposentadoria por invalidez será paga com proventos proporcionais ao tempo de contribuição. Excepcionalmente, ela será devida com proventos integrais se essa invalidez for decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei.

Assim, a concessão de aposentadoria por invalidez com proventos integrais exige que a doença incapacitante esteja prevista em rol taxativo da legislação de regência.

O art. 41, § 1º, I, da CF/88 é bastante claro ao exigir que a lei defina as doenças e moléstias que ensejam aposentadoria por invalidez com proventos integrais. Logo, esse rol legal deve ser tido como exaustivo (taxativo).

STF. Plenário. RE 656860/MT, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 21/8/2014 (Info 755).

Aposentadoria por invalidez A CF/88 prevê, em seu art. 40, § 1º, I, a possibilidade de os servidores públicos serem aposentados caso se tornem total e permanentemente incapazes para o trabalho. Trata-se da chamada aposentadoria por invalidez. O servidor aposentado por invalidez receberá proventos integrais ou proporcionais? Em regra, a aposentadoria por invalidez será paga com proventos proporcionais ao tempo de contribuição. Excepcionalmente, ela será devida com proventos integrais se essa invalidez for decorrente de:

acidente em serviço;

moléstia profissional; ou

doença grave, contagiosa ou incurável (assim definida em lei).

Lei n. 8.112/90 Cada ente deverá editar a sua própria lei definindo as regras da aposentadoria por invalidez.

No âmbito federal, por exemplo, a Lei n. 8.112/90 prevê essa forma de aposentadoria no inciso I do art. 186:

Art. 186. O servidor será aposentado: I - por invalidez permanente, sendo os proventos integrais quando decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei, e proporcionais nos demais casos;

No âmbito federal, quais as doenças que são consideradas graves, contagiosas ou incuráveis para efeitos de aposentadoria por invalidez? A resposta está no § 1º do referido art. 186:

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§ 1º Consideram-se doenças graves, contagiosas ou incuráveis, a que se refere o inciso I deste artigo, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira posterior ao ingresso no serviço público, hanseníase, cardiopatia grave, doença de Parkinson, paralisia irreversível e incapacitante, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados do mal de Paget (osteíte deformante), Síndrome de Imunodeficiência Adquirida - AIDS, e outras que a lei indicar, com base na medicina especializada.

Esse rol de doenças previstas no § 1º do art. 186 é taxativo ou exemplificativo? É possível conceder ao servidor aposentadoria por invalidez com proventos integrais mesmo que a doença grave por ele apresentada não esteja elencada na lei? NÃO. O rol previsto na lei é TAXATIVO. A concessão de aposentadoria por invalidez com proventos integrais exige que a doença incapacitante esteja prevista em rol taxativo da legislação de regência. Segundo decidiu o STF, o art. 41, § 1º, I, da CF/88 é bastante claro ao exigir que a lei defina as doenças e moléstias que ensejam aposentadoria por invalidez com proventos integrais. Logo, esse rol legal deve ser tido como exaustivo (taxativo). O STJ entende da mesma forma que o STF? NÃO. O STJ, ao contrário do STF, possui inúmeros precedentes afirmando que o rol das doenças, para fins de aposentadoria integral, não é taxativo, mas sim exemplificativo, tendo em vista a impossibilidade de a norma alcançar todas as doenças consideradas pela medicina como graves, contagiosas e incuráveis. Nesse sentido: STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp 1353152/AM, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 04/02/2014. Vale ressaltar, no entanto, que, como a decisão do STF foi proferida sob a sistemática da repercussão geral, a tendência é que o STJ acabe se curvando ao entendimento da Corte Suprema. Isso porque, apesar de os julgados proferidos em repercussão geral não terem efeitos vinculantes, na prática, eles acabam tendo uma enorme força e os Tribunais em geral têm seguido o que é decidido.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

O § 2º do art. 109 da CF/88 aplica-se também para as autarquias federais

O § 2º do art. 109 da CF/88 prevê que as causas propostas contra a União poderão ser ajuizadas na seção (ou subseção) judiciária:

em que for domiciliado o autor; onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda; onde esteja situada a coisa; ou no Distrito Federal.

Apesar de o dispositivo somente falar em “União”, o STF entende que a regra de competência prevista no § 2º do art. 109 da CF/88 também se aplica às ações propostas contra autarquias federais. Isso porque o objetivo do legislador constituinte foi o de facilitar o acesso à justiça.

STF. Plenário. RE 627709/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 20/8/2014 (Info 755).

Competência da Justiça Federal A competência da Justiça Federal vem prevista nos arts. 108 e 109 do Texto Constitucional. No art. 109, estão elencadas as competências dos juízes federais, ou seja, a competência da Justiça Federal

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de 1ª instância. O art. 108, por sua vez, define as competências da Justiça Federal de 2ª instância, isto é, dos Tribunais Regionais Federais. Competência material da Justiça Federal As matérias que são julgadas pela Justiça Federal estão previstas nos incisos do art. 109 da CF/88. Competência territorial da Justiça Federal A Justiça Estadual é dividida em comarcas. A Justiça Federal, por sua vez, é organizada em seções judiciárias. Assim, em se tratando de Justiça Federal não é correto falarmos em comarca, mas sim seção judiciária. Cada Estado-membro é sede de uma seção judiciária. Exs: seção judiciária de Minas Gerais (vinculada ao TRF da 1ª Região); seção judiciária do Rio de Janeiro (TRF2); seção judiciária de São Paulo (TRF3); seção judiciária do Paraná (TRF4); seção judiciária de Pernambuco (TRF5). No início, somente havia Justiça Federal nas capitais e outras grandes cidades. No entanto, isso foi mudando com o movimento chamado de “interiorização da Justiça Federal”. No interior do Estado, a Justiça Federal é organizada em Subseções Judiciárias. Ex: na seção judiciária da Bahia, cuja sede é Salvador, existem 24 varas federais. No entanto, além disso, existem varas federais no interior do Estado. Lá, elas são chamadas de subseções judiciárias. É o caso da subseção judiciária de Feira de Santana (BA), onde existem três varas federais. Recapitulando:

A Justiça Federal divide-se em seções judiciárias.

Existe uma seção judiciária em cada Estado (sendo a sede na capital).

As seções judiciárias subdividem-se em subseções judiciárias (com sede no interior do Estado). Quais são as regras de competência territorial aplicáveis à Justiça Federal? Em outras palavras, em qual seção (ou subseção) judiciária deverão ser propostas as ações? Se a União for a autora: As causas em que a União for autora serão proposta na seção (ou subseção) judiciária onde tiver domicílio a outra parte, ou seja, no foro do domicílio do réu.

§ 1º As causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte.

Se a União for a ré: O autor terá quatro opções, podendo ajuizar a demanda contra a União na seção (ou subseção) judiciária: a) em que for domiciliado o autor; b) onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda; c) onde estiver situada a coisa; ou d) no Distrito Federal. Vejam que interessante: mesmo o autor ou a causa não tendo nenhuma relação com o Distrito Federal, a ação poderá ser lá proposta porque é o domicílio legal da União.

§ 2º - As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.

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O § 2º somente fala em “União”. Se o autor quiser propor uma ação contra autarquia federal ele terá as mesmas opções previstas no § 2º? Em outras palavras, o § 2º é aplicado também no caso de ações ajuizadas contra autarquias federais? SIM. A regra de competência prevista no § 2º do art. 109 da CF/88 também se aplica às ações propostas contra autarquias federais. Vale ressaltar que o § 2º do art. 109 foi idealizado pelo legislador constituinte para facilitar a propositura das ações pelo jurisdicionado contra o ente público. Logo, excluir as ações intentadas contra as autarquias federais do âmbito de incidência do § 2º significaria minar a intenção do constituinte de simplificar o acesso à Justiça.

Competência para julgar demandas contra o CNJ e o CNMP

Competência para julgar demandas contra o CNJ e o CNMP:

• MS, MI, HC e HD STF

• Ações ordinárias Juiz federal (1ª instância)

STF. 2ª Turma. ACO 2373 AgR/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 19/8/2014 (Info 755).

Competência para julgar demandas contra o CNJ e CNMP A CF/88 prevê, em seu art. 102, I, “r”, que compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar originariamente: “as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público”. A jurisprudência do STF, no entanto, confere interpretação estrita a esse dispositivo, de forma que somente compete ao STF as demandas em que o próprio CNJ ou CNMP – que não possuem personalidade jurídica própria – figurarem no polo passivo. É o caso de mandados de segurança, mandados de injunção, habeas corpus e habeas data contra os Conselhos. Assim, a competência do STF para processar e julgar ações que questionam atos do CNJ e do CNMP limita-se às ações tipicamente constitucionais: MS, MI, HC e HD. No caso de serem propostas ações ordinárias para impugnar atos do CNJ e CNMP, quem irá figurar como ré no processo é a União, já que os Conselhos são órgãos federais. Logo, tais demandas serão julgadas pela Justiça Federal de 1ª instância, com base no art. 109, I, da CF/88. Veja esse elucidativo precedente:

(...) A competência originária do Supremo Tribunal Federal, cuidando-se de impugnação a deliberações emanadas do Conselho Nacional de Justiça, tem sido reconhecida apenas na hipótese de impetração, contra referido órgão do Poder Judiciário (CNJ), de mandado de segurança, de “habeas data”, de “habeas corpus” (quando for o caso) ou de mandado de injunção, pois, em tal situação, o CNJ qualificar-se-á como órgão coator impregnado de legitimação passiva “ad causam” para figurar na relação processual instaurada com a impetração originária, perante a Suprema Corte, daqueles “writs” constitucionais. Em referido contexto, o Conselho Nacional de Justiça, por ser órgão não personificado, define-se como simples “parte formal” (Pontes de Miranda, “Comentários ao Código de Processo Civil”, tomo I/222-223, item n. 5, 4ª ed., 1995, Forense; José dos Santos Carvalho Filho, “Manual de Direito Administrativo”, p. 15/17, item n. 5, 25ª ed., 2012, Atlas, v.g.), revestido de mera “personalidade judiciária” (Victor Nunes Leal, “Problemas de Direito Público”, p. 424/439, 1960, Forense), achando-se investido, por efeito de tal condição, da capacidade de ser parte (Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, “Código de Processo Civil”, p. 101, 5ª ed., 2013, RT; Humberto Theodoro Júnior, “Curso de Direito Processual Civil”, vol. I/101,

Informativo 755-STF (03/09/2014) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 17

item n. 70, 54ª ed., 2013, Forense; Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, “Código de Processo Civil Comentado”, p. 233, item n. 5, 13ª ed., 2013, RT, v.g.), circunstância essa que plenamente legitima a sua participação em mencionadas causas mandamentais. Precedentes. - Tratando-se, porém, de demanda diversa (uma ação ordinária, p. ex.), não se configura a competência originária da Suprema Corte, considerado o entendimento prevalecente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, manifestado, inclusive, em julgamentos colegiados, eis que, nas hipóteses não compreendidas no art. 102, I, alíneas “d” e “q”, da Constituição, a legitimação passiva “ad causam” referir-se-á, exclusivamente, à União Federal, pelo fato de as deliberações do Conselho Nacional de Justiça serem juridicamente imputáveis à própria União Federal, que é o ente de direito público em cuja estrutura institucional se acha integrado o CNJ. Doutrina. Precedentes. STF. Plenário. AO 1706 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 18/12/2013.

Resumindo:

MS, MI, HC e HD STF

Ações ordinárias Juiz federal (1ª instância)

DIREITO PENAL MILITAR / PROCESSUAL PENAL MILITAR

Competência para julgar civil que usa documento falso junto à Marinha

Atenção. DPU

Compete à Justiça Militar processar e julgar os crimes militares, assim definidos em lei (art. 124 da CF/88).

A lei que prevê os crimes militares é o Código Penal Militar (Decreto-Lei 1.001/1969) que, em seu art. 9º, define os crimes militares, em tempo de paz, e no art. 10 os crimes militares em tempo de guerra.

Em regra, os crimes militares em tempo de paz são praticados somente por militares. No entanto, excepcionalmente, é possível que civis também cometam crimes militares.

O art. 9º, III, do CPM define os crimes militares impróprios, ou seja, aqueles em que a Justiça Militar irá julgar condutas ilícitas praticadas por civis, ainda que em tempo de paz.

O delito militar praticado por civil, em tempo de paz, deve ser encarado de forma excepcional e interpretado restritivamente. Assim, a Justiça Militar somente terá competência para julgar condutas de civis quando ofenderem os bens jurídicos tipicamente associados à função castrense, tais como a defesa da Pátria e a garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem.

Compete à Justiça Federal comum jugar o civil que falsifica ou utiliza documento falso perante a Marinha do Brasil.

STF. 1ª Turma. HC 121189/PR, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 19/8/2014 (Info 755).

Imagine a seguinte situação adaptada: João (civil) trabalhava como despachante naval e, em determinado dia, apresentou, perante a Marinha do Brasil, uma nota fiscal falsa, com o objetivo de regularizar uma embarcação. O Ministério Público militar entendeu que estava caracterizado crime militar e denunciou João pela prática do delito previsto no art. 315 do Código Penal Militar:

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Uso de documento falso Art. 315. Fazer uso de qualquer dos documentos falsificados ou alterados por outrem, a que se referem os artigos anteriores: Pena - a cominada à falsificação ou à alteração.

O Conselho Permanente de Justiça para a Marinha condenou o réu, decisão mantida pelo Superior Tribunal Militar. Por meio de habeas corpus a questão chegou até o STF. A conduta narrada configura realmente crime militar? NÃO. Compete à Justiça Militar processar e julgar os crimes militares, assim definidos em lei (art. 124 da CF/88). A lei que prevê os crimes militares é o Código Penal Militar (Decreto-Lei 1.001/1969) que, em seu art. 9º, define os crimes militares, em tempo de paz, e no art. 10 os crimes militares em tempo de guerra. Em regra, os crimes militares em tempo de paz são praticados somente por militares. No entanto, excepcionalmente, é possível que civis também cometam crimes militares. Assim, o art. 9º, III, define os crimes militares impróprios, ou seja, aqueles em que a Justiça Militar irá julgar condutas ilícitas praticadas por civis, ainda que em tempo de paz. Veja a redação do dispositivo:

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: (...) III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos: a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar; b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo; c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras; d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquêle fim, ou em obediência a determinação legal superior.

Segundo observa, com precisão, a Min. Rosa Weber, o STF confere intepretação restritiva às hipóteses do inciso III do art. 9º do CPM. Assim, para a Corte, as condutas praticadas por civis somente devem ser enquadradas como crimes militares em caráter excepcional, apenas nos casos em que a ofensa ao bem jurídico tutelado recair sobre a função de natureza militar, a defesa da Pátria, a garantia dos poderes constitucionais, da Lei e da ordem etc. Nesse sentido: HC 86.216/MG, Rel. Min. Ayres Britto, 1ª Turma, DJe 24/10/2008. Na situação analisada, a 1ª Turma do STF entendeu que a conduta do réu (civil) não afrontou a ordem militar, de modo a ensejar a fixação da competência da Justiça Castrense para processamento e julgamento do feito. A atividade desempenhada pelo condenado (despachante naval) não se qualifica ou se insere em função eminentemente militar. Além disso, a nota fiscal falsificada atinge bens e serviços de cunho administrativo (e não militar).

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Desse modo, a competência para julgar o delito é da Justiça Federal comum (e não da Justiça Militar). Vale ressaltar que o STF já tinha outros precedentes no sentido de que é da Justiça Federal comum a competência para processar e julgar civil denunciado pelos crimes de falsificação de documento ou uso de documento falso (arts. 311 e 315, do CPM), junto à Marinha do Brasil. Ex: falsificação da Carteira de Habilitação Naval de Amador expedida pela Marinha do Brasil. Confira:

(...) 1. O delito militar praticado por civil, em tempo de paz, tem caráter excepcional. A Justiça Militar somente terá competência para julgar condutas de civis quando ofenderem os bens jurídicos tipicamente associados à função castrense, tais como a defesa da Pátria e a garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem. 2. Compete à Justiça Federal analisar e decidir as ações penais contra civil denunciado pelo crime de falsificação de Caderneta de Inscrição e Registro (CIR) ou Habilitação de Arrais-Amador, ambas expedidas pela Marinha do Brasil. Precedentes. 3. Ordem concedida. STF. 1ª Turma. HC 104619, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 08/02/2011.

E por que a competência é da Justiça Federal comum? Porque o crime foi cometido contra um serviço fiscalizado pela Marinha, que é um órgão da União. Logo, amolda-se na hipótese prevista no art. 109, IV, da CF/88:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

No caso concreto, o réu já havia sido condenado quando, então, foi reconhecida a incompetência absoluta da Justiça Militar para julgar a causa. O que acontece com os atos processuais praticados? A maioria dos Ministros, seguindo voto do Min. Luis Roberto Barroso, entendeu que, ao reconhecer a incompetência da justiça militar, caberia ao STF somente anular a decisão condenatória e remeter o processo para ser analisado pela Justiça Federal de 1ª instância. Lá, o juiz federal irá decidir se anula, ou não, os demais atos do processo. Reputou-se que, se o próprio STF já anulasse todo o processo haveria um “salto jurisdicional”. Logo, caberá ao juiz federal decidir acerca da subsistência, ou não, dos atos já praticados. O Ministro Luiz Fux acrescentou que a jurisdição é una e que, diante da declaração de incompetência, deverão os autos ser remetidos ao juízo competente que irá, então, decidir sobre a validade dos atos. Trata-se de uma tendência já adotada até pela Corte de Cassação da Itália e que é chamada de translatio judicii, ou seja, o juiz que foi reputado competente, ao receber o processo, absorve a causa e poderá, se entender necessário, renovar os atos processuais. Vale ressaltar, no entanto, que esse é um tema ainda polêmico.

DIREITO TRIBUTÁRIO

Inconstitucionalidade de lei estadual que concede isenção de ICMS para compra de carros por oficiais de justiça.

É INCONSTITUCIONAL lei estadual que concede isenção de ICMS para operações de aquisição de automóveis por oficiais de justiça estaduais.

STF. Plenário. ADI 4276/MT, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 20/8/2014 (Info 755).

Informativo 755-STF (03/09/2014) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 20

Determinada Lei estadual concedia isenção de ICMS para operações de aquisição de automóveis por oficiais de justiça estaduais. Essa Lei é constitucional? NÃO. O STF julgou essa previsão inconstitucional assinalando dois argumentos principais: 1) Inconstitucionalidade formal: para a concessão de benefícios fiscais relacionados com o ICMS é

necessário que haja prévia deliberação dos Estados-membros e do DF, por meio de convênio interestadual, nos termos do art. 155, § 2º, XII, ‘g’, da CF/88. O legislador constituinte trouxe essa regra para evitar que os Estados ficassem reduzindo ou isentando o ICMS a fim de atrair mais empresas para seus territórios, o que iniciaria uma “guerra fiscal” entre os entes.

2) Inconstitucionalidade material: essa lei, ao prever a isenção apenas para uma determinada categoria profissional, violou a isonomia tributária, prevista no art. 150, II, da CF/88, com a seguinte redação:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

Benefícios fiscais concedidos na Constituição Estadual

I – A Constituição estadual pode conceder benefícios fiscais em seu texto. Isso não precisa ser tratado mediante lei de iniciativa privativa do Chefe do Executivo, nos termos do art. 61, § 1º, II, “b”, da CF/88 (aplicável por simetria no âmbito estadual).

II – A CF/88 afirma que uma lei complementar federal irá conferir um tratamento tributário adequado (diferenciado) para o ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas (art. 146, III, “c”). Essa LC ainda não existe, razão pela qual o STF entende que, enquanto isso, os Estados-membros podem legislar sobre o tema e dar às cooperativas o tratamento que reputem adequado.

III – A concessão unilateral de benefícios fiscais relativos ao ICMS, sem a prévia celebração de convênio intergovernamental, nos termos do que dispõe a LC 24/1975, afronta o art. 155, § 2º, XII, “g”, da CF/88.

STF. Plenário. ADI 429/CE, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 20/8/2014 (Info 755).

Constituição do Estado do Ceará A Constituição do Estado do Ceará, em diversos dispositivos previu a “isenção” de impostos estaduais para determinadas situações. O então Governador ajuizou uma ADI contra tais previsões. Vejamos os principais pontos decididos pelo STF. A Constituição estadual pode conceder benefícios fiscais ou isso seria uma matéria de iniciativa privativa do Governador do Estado, que teria que ser tratada mediante lei de iniciativa dele, nos termos do art. 61, § 1º, II, “b”, da CF/88 (aplicável por simetria no âmbito estadual)? O STF decidiu que a concessão de benefícios fiscais NÃO é matéria relativa à iniciativa legislativa privativa do Chefe do Poder Executivo, nos termos do art. 61, § 1º, II, “b”, da CF/88:

§ 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: II - disponham sobre: b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

Informativo 755-STF (03/09/2014) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 21

O poder de exonerar é uma derivação do poder de tributar. Assim, não há impedimento para que as entidades investidas de competência tributária, como os Estados-membros, definam hipóteses de isenção ou de não-incidência das espécies tributárias em geral, ainda que por disposição de Constituição estadual. No art. 192, § 1º da CE/CE, foi previsto um tratamento tributário mais vantajoso para as cooperativas. A Constituição estadual poderia ter feito isso? SIM. A CF/88 afirma, em seu art. 146, III, “c”, que uma lei complementar federal irá conferir um tratamento tributário adequado (diferenciado) para o ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. Essa LC ainda não existe, razão pela qual o STF entende que, enquanto isso, os Estados-membros podem legislar sobre o tema e dar às cooperativas o tratamento que reputem adequado. Isso porque eles os Estados-membros possuem competência legislativa concorrente em se tratando de direito tributário (art. 24, I e § 3º da CF/88). A CE previa a concessão de benefícios relacionados com o ICMS. A CE poderia ter feito isso? NÃO. A concessão unilateral de benefícios fiscais relativos ao ICMS, sem a prévia celebração de convênio intergovernamental, nos termos do que dispõe a LC 24/1975, afronta o art. 155, § 2º, XII, “g”, da CF/88. A jurisprudência do STF é pacífica no sentido da inconstitucionalidade de texto normativo estadual que outorgue benefícios fiscais relativos ao ICMS, sem a prévia e necessária celebração de convênio entre os Estados-membros e o Distrito Federal.

Inconstitucionalidade de CE que prevê imunidade tributária para veículos de radiodifusão

Constituição estadual não pode prever imunidade tributária para tributos estaduais e municipais incidente sobre os veículos de radiodifusão.

STF. Plenário. ADI 773/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 20/8/2014 (Info 755).

A Constituição do Estado do Rio de Janeiro previa a seguinte regra:

Art. 193. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado aos Estados e aos Municípios: (...) V - instituir imposto sobre: a) livros, jornais, periódicos, papel destinado a sua impressão e veículos de radiodifusão.

Essa previsão é constitucional? NÃO. O STF decidiu que é inconstitucional a expressão “e veículos de radiodifusão”, constante no final do dispositivo. O restante do texto está de acordo com o art. 150, VI, “d”, da CF/88. No entanto, a CE/RJ incidiu em inconstitucionalidade ao ampliar o modelo de imunidade previsto na CF/88, estendendo-o para os “veículos de radiodifusão”.

Informativo 755-STF (03/09/2014) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 22

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) É cabível a intervenção de amicus curiae em mandado de segurança. ( ) 2) É constitucional a lei estadual que permite o comércio de artigos de conveniência em farmácias e

drogarias. ( ) 3) (Juiz Federal TRF2 2014) É vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias

para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público, salvo previsão de lei complementar. ( ) 4) Compete à Justiça Federal comum jugar o civil que falsifica ou utiliza documento falso perante à

Marinha do Brasil. ( ) 5) A competência do STF para processar e julgar ações que questionam atos do CNJ e do CNMP limita-se

às ações tipicamente constitucionais. ( )

Gabarito

1. E 2. C 3. E 4. C 5. C

JULGADOS NÃO COMENTADOS

Tribunal de Contas estadual: preenchimento de vagas e separação de Poderes Para definir-se a ocupação de cadeiras vagas nos Tribunais de Contas estaduais, nos casos de regime de transição, prevalece a regra constitucional de divisão proporcional das indicações entre o Legislativo e o Executivo em face da obrigatória indicação de clientelas específicas pelos Governadores. Esse o entendimento do Plenário que, em conclusão e por maioria, proveu recurso extraordinário em que discutida a constitucionalidade de eventual preenchimento, por membro do Ministério Público de Contas estadual, de cargo vago de conselheiro da Corte de Contas local, a ser escolhido pelo Governador, cujo ocupante anterior teria sido nomeado mediante indicação da Assembleia Legislativa — v. Informativo 754. O Colegiado assentou a competência da Assembleia Legislativa para a indicação do nome do futuro ocupante da vaga aberta ante a aposentadoria de conselheiro anteriormente escolhido pelo aludido órgão legislativo. Afirmou que os Tribunais de Contas possuiriam a atribuição, constitucionalmente estabelecida, de auxiliar o Legislativo no controle da execução do orçamento público e de emitir parecer final sobre as contas da Administração. Asseverou que o constituinte, no sentido de concretizar o sistema de freios e contrapesos e viabilizar a natureza eminentemente técnica desempenhada por esses órgãos, disciplinara modelo heterogêneo de composição, e o fizera em dois níveis: partilhara a formação, consoante a autoridade responsável pela indicação, entre o Legislativo e o Executivo (CF, art. 73, § 2º, I e II); e, tendo em vista o âmbito de escolha deste, determinara fosse uma vaga reservada a auditor, e outra, a membro do Ministério Público Especial (CF, art. 73, § 2º, I). Frisou que, para o TCU, composto por nove Ministros, o aludido § 2º dispõe que 1/3 seja indicado pelo Presidente da República, observadas as vagas específicas acima descritas, e 2/3 pelo Congresso Nacional. No tocante aos tribunais estaduais, integrados por sete Conselheiros, essas regras devem ser aplicadas no que couberem (CF, art. 75), e o STF, no Enunciado 653 de sua Súmula, definira que a escolha de quatro membros competiria à Assembleia Legislativa, e a de três, ao Governador. Nesse último caso, um deles seria de livre escolha, um auditor e um membro do Ministério Público Especial. Sintetizou que o constituinte preconizara a formação dos Tribunais de Contas em dois passos: a partilha interpoderes, fundada no princípio da separação de Poderes; e a intrapoder, no âmbito das indicações do Executivo, motivada pela necessidade de conferir tecnicidade e independência ao órgão. O Plenário apontou haver regras sucessivas: primeiro, observar-se-ia a proporção de escolhas entre os Poderes para, então, cumprirem-se os critérios impostos ao Executivo. Não haveria exceção, nem mesmo em face de ausência de membro do Ministério Público Especial. Assim, o atendimento da norma quanto à

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distribuição de cadeiras em favor de auditores e do Ministério Público somente poderia ocorrer quando surgida vaga pertencente ao Executivo, e não seria legítimo o sacrifício ao momento e ao espaço de escolha do Legislativo. Explicitou não haver autêntico conflito entre normas constitucionais contidas no art. 73, § 2º, da CF, mas dualidade de critérios a reclamar aplicação sucessiva: dever-se-ia cumprir, primeiro, o critério a levar em conta o órgão competente para a escolha e, depois, o ligado à clientela imposta ao Executivo. De acordo com a Constituição, mais importaria a autoridade que indica do que a clientela à qual pertencente o indicado. Assim, a escolha desta última, em qualquer circunstância, incluída a de ausência de membro do Ministério Público Especial do Tribunal de Contas, apenas poderia ocorrer se estivesse disponível cadeira pertencente à cota do Governador. Ressaltou ser inequívoca a circunstância de a vaga em exame decorrer de aposentadoria de conselheiro escolhido pelo Legislativo local, a significar a impossibilidade de destiná-la a membro do Ministério Público Especial junto ao Tribunal de Contas, mediante indicação do Chefe do Executivo. Assinalou que o fato de a Corte de Contas estadual possuir membro nomeado sob a égide da Constituição pretérita não seria capaz de alterar essa premissa. Assentou que, mesmo que as Cortes de Contas não estivessem inteiramente organizadas segundo a disciplina constitucional vigente, a liberdade dos Estados-membros quanto à ocupação de vagas por clientelas específicas seria limitada pela preponderância temporal da partilha das cadeiras entre Assembleia e Governador. Vencidos os Ministros Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux e Celso de Mello, que desproviam o recurso, ao fundamento de que a solução impugnada seria a mais adequada, por privilegiar a participação do Ministério Público. RE 717424/AL, rel. Min. Marco Aurélio, 21.8.2014.

Concurso público: direito subjetivo à nomeação e discricionariedade A 1ª Turma acolheu embargos de declaração para, emprestando-lhes efeitos modificativos, dar provimento a recurso extraordinário em que se discutia a existência de discricionariedade por parte Administração na nomeação de candidatos aprovados em concurso público para o preenchimento de vagas no TRE/PR. No caso, os ora embargantes, embora aprovados, estariam classificados além do número de vagas previsto no edital do certame. Antes de expirar o prazo de validade do concurso — o que se daria em 28.6.2004 —, fora editada a Lei 10.842, de 20.2.2004, a qual criara novos cargos nos quadros de pessoal dos tribunais regionais eleitorais. Posteriormente, o TSE editara a Resolução 21.832, de 22.6.2004, em cujo art. 2º dispunha-se que os tribunais regionais deveriam aproveitar, nos cargos criados pela Lei 10.842/2004, os candidatos habilitados em concurso público, realizado ou em andamento na data de publicação da referida lei. O TRE/PR optara, entretanto, por deixar expirar o prazo de validade do concurso e realizar novo certame, publicado o respectivo edital em 23.12.2004. A Turma afirmou que, no caso, não haveria discricionariedade por parte do TRE/PR na nomeação dos candidatos aprovados no concurso em comento, configurado, portanto, o direito subjetivo dos embargantes à nomeação, respeitada a ordem classificatória do certame. Consignou que a Resolução 21.832/2004 teria estabelecido um dever, para os tribunais regionais eleitorais, de aproveitamento dos candidatos aprovados em concursos públicos vigentes à época da edição da Lei 10.842/2004. Assim, tratar-se-ia de uma decisão vinculada. Com relação ao argumento de que a referida resolução fora editada apenas seis dias antes de expirar o prazo de validade do certame, o Colegiado asseverou que a norma somente formalizara orientação que já vinha sendo reiteradamente expendida pelo TSE. RE 607590/PR, rel. Min. Roberto Barroso, 19.8.2014.

Tráfico internacional de crianças e competência jurisdicional A 1ª Turma, por maioria, julgou extinto, sem julgamento de mérito, “habeas corpus” em que se pleiteava a nulidade de decisão de juiz estadual que declinara da competência para a justiça federal para processar e julgar o crime previsto no art. 239 da Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (“Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro: Pena - reclusão de quatro a seis anos, e multa”). A Turma considerou que o STJ em momento algum teria se pronunciado sobre a matéria. Portanto, sua

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apreciação, de modo originário, pelo STF, configuraria supressão de instância, o que seria inadmissível. No entanto, não vislumbrou flagrante ilegalidade ou teratologia que justificasse a superação do aludido óbice. O Colegiado realçou que a decisão impugnada destacara que, no caso, estaria envolvido o cumprimento de tratados internacionais dos quais o Brasil seria signatário, a atrair a incidência do inciso V do art. 109 da CF. Em razão disso, teria se tornado irrelevante a questão quanto à eventual incompetência funcional do juízo de piso. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que deferia a ordem. Assentava a competência da justiça comum estadual para o processamento e julgamento do crime em comento. Afirmou que, considerado o que previsto no ECA, não haveria norma específica que direcionasse seu julgamento à atuação da justiça federal. HC 121472/PE, rel. Min. Dias Toffoli, 19.8.2014.

ECA: fotografia de atos libidinosos e causas especiais de aumento de pena - 3 Por inadequação da via processual, a 1ª Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, declarou a extinção de “habeas corpus”, em que discutida a tipicidade da conduta, à época dos fatos, de fotografar atos libidinosos com criança e a aplicação concomitante de duas causas especiais de aumento de pena — v. Informativo 712. A defesa alegava que a conduta teria deixado de ser prevista no ECA no período posterior à mudança promovida pela Lei 10.764/2003 e anterior à alteração pela Lei 11.829/2008. Além disso, pleiteava fosse imposta apenas uma causa de aumento dentre aquelas previstas no art. 226 do CP [“Art. 226. A pena é aumentada: I - de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas; II - de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela”], tendo em vista o que disposto no parágrafo único do art. 68 do CP (“No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua”). O Colegiado reputou ausentes os requisitos para a concessão, de ofício, da ordem. Enfatizou que o tipo legal “produzir fotografia” comportaria, no vernáculo, o ato de fotografar. Frisou que a assertiva da atipicidade da conduta careceria de consistência lógica, teleológica e, sobretudo, semântica. Explicitou que a teleologia da norma do ECA visaria à proteção da menoridade contra esses comportamentos deletérios para a vida em sociedade e para a própria formação individual da criança. Em seguida, registrou não vislumbrar arbitrariedade ou teratologia na dosimetria da pena. Acentuou que a previsão do art. 68 do CP estabeleceria, sob o ângulo literal, apenas uma possibilidade de atuação. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que deferia parcialmente a ordem para expungir da pena imposta ao paciente a causa de aumento do art. 226, I, do CPP. Entendia possível observar-se somente uma das hipóteses do aludido dispositivo legal, ou seja, a que implicasse maior majoração. HC 110960/DF, rel. Min. Luiz Fux, 19.8.2014.

Crime de violação de direito autoral e trancamento da ação penal A 1ª Turma negou provimento a recurso ordinário em “habeas corpus” para determinar o prosseguimento de ação penal em que o recorrente, acusado pela suposta prática do crime de violação de direito autoral (CP, art. 184), pleiteava o trancamento de ação penal. No caso, a defesa alegava: a) falta de lastro probatório mínimo da materialidade delitiva; b) ausência da identificação das vítimas do delito; e c) aplicação do princípio da adequação social. A Turma consignou que o trancamento da ação penal na via do “habeas corpus” só se mostraria cabível em casos excepcionalíssimos, hipóteses que não estariam evidenciadas na espécie. Reputou que seria suficiente a comprovação da materialidade delitiva a partir da apreensão de mídias contrafeitas, produzidas no intuito de lucro e comprovadamente falsificadas por laudo pericial. Considerou desnecessária a identificação das vítimas, uma vez que a medida não seria pressuposto do tipo penal e manteria inalterada a materialidade delitiva. Aduziu que se deveria afastar a aplicação do princípio da adequação social nos crimes de violação de direito autoral, porquanto a adoção indiscriminada do postulado acabaria por incentivar a prática de delitos patrimoniais, o que fragilizaria a tutela penal de bens jurídicos relevantes para a vida em sociedade. Ressaltou que a prática em comento não poderia ser

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considerada socialmente tolerável, haja vista os expressivos prejuízos experimentados pela indústria fonográfica nacional, pelos comerciantes regularmente estabelecidos e pelo Fisco, uma vez que o delito encerraria a burla ao pagamento de impostos. RHC 122127/ES, rel. Min. Rosa Weber, 19.8.2014.

OUTRAS INFORMAÇÕES

TRANSCRIÇÕES

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais

aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham

despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Delação Anônima - Persecução Penal - Possibilidade - Cooperação Técnica entre Organismos Policiais (Polícia Federal e

Polícias Estaduais) (Transcrições)

RHC 116.002/GO*

RELATOR: Ministro Celso de Mello

EMENTA: PRETENDIDA NULIDADE DA INVESTIGAÇÃO PENAL PELO FATO DE A POLÍCIA JUDICIÁRIA ESTADUAL HAVER RECEBIDO COOPERAÇÃO DA POLÍCIA FEDERAL. INOCORRÊNCIA. MÚTUA ASSISTÊNCIA TÉCNICA ENTRE A

POLÍCIA FEDERAL E AS POLÍCIAS ESTADUAIS, ALÉM DO FORNECIMENTO RECÍPROCO DE DADOS INVESTIGATÓRIOS E

O INTERCÂMBIO DE INFORMAÇÕES ENTRE REFERIDOS ORGANISMOS POLICIAIS: MEDIDAS QUE SE LEGITIMAM EM FACE DO MODELO CONSTITUCIONAL DE FEDERALISMO COOPERATIVO.

- PERSECUÇÃO PENAL E DELAÇÃO ANÔNIMA. POSSIBILIDADE, DESDE QUE A INSTAURAÇÃO FORMAL DO

PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO TENHA SIDO PRECEDIDA DE AVERIGUAÇÃO SUMÁRIA, “COM PRUDÊNCIA E DISCRIÇÃO”, DESTINADA A APURAR A VEROSSIMILHANÇA DOS FATOS DELATADOS E DA RESPECTIVA AUTORIA.

DOUTRINA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

- INVIABILIDADE DE EXAME APROFUNDADO DA PROVA PENAL E DA REAPRECIAÇÃO DE MATÉRIA DE FATO NA VIA SUMARÍSSIMA DO PROCESSO DE “HABEAS CORPUS”. PRECEDENTES.

- ACOLHIMENTO INTEGRAL DO PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA. ADOÇÃO DA TÉCNICA DA

MOTIVAÇÃO “PER RELATIONEM”. COMPATIBILIDADE DESSA TÉCNICA DECISÓRIA COM A REGRA INSCRITA NO ART. 93, INCISO IX, DA CONSTITUIÇÃO. PRECEDENTES. RECURSO ORDINÁRIO IMPROVIDO.

DECISÃO: Registro, preliminarmente, por necessário, que o Supremo Tribunal Federal, mediante edição da Emenda Regimental nº 30, de 29 de

maio de 2009, delegou expressa competência ao Relator da causa, para, em sede de julgamento monocrático, denegar ou conceder a ordem de

“habeas corpus”, “ainda que de ofício”, desde que a matéria versada no “writ” em questão constitua “objeto de jurisprudência consolidada do Tribunal” (RISTF, art. 192, “caput”, na redação dada pela ER nº 30/2009, e art. 312 – Recurso em “habeas corpus”).

Ao assim proceder, fazendo-o mediante interna delegação de atribuições jurisdicionais, esta Suprema Corte, atenta às exigências de

celeridade e de racionalização do processo decisório, limitou-se a reafirmar princípio consagrado em nosso ordenamento positivo (RISTF, art. 21, § 1º; Lei nº 8.038/90, art. 38; CPC, art. 557) que autoriza o Relator da causa a decidir, monocraticamente, o litígio, sempre que este referir-se a

tema já definido em “jurisprudência dominante” no Supremo Tribunal Federal.

Nem se alegue que essa orientação implicaria transgressão ao princípio da colegialidade, eis que o postulado em questão sempre restará preservado ante a possibilidade de submissão da decisão singular ao controle recursal dos órgãos colegiados no âmbito do Supremo Tribunal

Federal, consoante esta Corte tem reiteradamente proclamado (RTJ 181/1133-1134, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – AI 159.892-AgR/SP, Rel.

Min. CELSO DE MELLO, v.g.). A legitimidade jurídica desse entendimento decorre da circunstância de o Relator da causa, no desempenho de seus poderes processuais,

dispor de plena competência para exercer, monocraticamente, o controle das ações, pedidos ou recursos dirigidos ao Supremo Tribunal Federal,

justificando-se, em consequência, os atos decisórios que, nessa condição, venha a praticar (RTJ 139/53 – RTJ 168/174-175 – RTJ 173/948), valendo assinalar, quanto ao aspecto ora ressaltado, que este Tribunal, em decisões colegiadas (HC 96.821/SP, Rel. Min. RICARDO

LEWANDOWSKI – HC 104.241-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO), reafirmou a possibilidade processual do julgamento monocrático do

próprio mérito da ação de “habeas corpus” ou do recurso ordinário em “habeas corpus”, desde que observados os requisitos estabelecidos no art.

192 e no art. 312 do RISTF.

Tendo em vista essa delegação regimental de competência ao Relator da causa, impõe-se reconhecer que a controvérsia ora em exame

ajusta-se à jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria em análise, o que possibilita seja proferida decisão monocrática

sobre o litígio em questão.

Passo, desse modo, a examinar a pretensão ora deduzida na presente sede processual.

Trata-se de recurso ordinário em “habeas corpus” interposto contra decisão que, emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, restou

consubstanciada em acórdão assim ementado:

“‘HABEAS CORPUS’. GRUPO DE EXTERMÍNIO. ENVOLVIMENTO DE POLICIAIS MILITARES. SUPRESSÃO DE

INSTÂNCIA. JUÍZO ESTADUAL COMPETENTE. MEDIDAS INVESTIGATÓRIAS QUE NÃO DEVEM SER ANULADAS PORQUE

DECRETADAS PELO JUÍZO COMPETENTE À ÉPOCA. PRISÃO PREVENTIVA. PREJUDICIALIDADE. PACIENTE JÁ POSTO

EM LIBERDADE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA NÃO AUTORIZADA.

Informativo 755-STF (03/09/2014) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 26

1. O paciente já foi posto em liberdade, perdendo objeto o pedido de revogação da prisão preventiva.

2. Inviável a análise de questões não enfrentadas na origem. Supressão de instância não autorizada.

3. A atuação da Polícia Federal não está restrita à apuração de crimes de competência da Justiça Federal, também podendo atuar em feito sujeito à Justiça estadual. Precedente.

4. Não ficou evidenciada a prática de ato por Juízo incompetente, considerando-se que as medidas de investigação foram decretadas

pelos Juízos em suas respectivas áreas de atuação à época. No curso das investigações, constatada a necessidade de apuração de crimes de homicídio, naturalmente passaram as investigações à jurisdição da Vara de Crimes Dolosos contra a Vida. Pretensão que envolve ampla

dilação probatória, incompatível com a estreita via do ‘habeas corpus’.

5. Possível o exame, em sede de ‘habeas corpus’, da legalidade da medida de busca e apreensão. 6. Ordem parcialmente conhecida e, na parte conhecida, concedida em parte, apenas para determinar que o Tribunal estadual

examine a apontada ilegalidade da medida de busca e apreensão.”

(HC 209.634/GO, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR – grifei)

Busca-se, na presente sede processual, o que se segue:

“a) declarando-se nulos todos os elementos colhidos perante Juízo incompetente, e qualquer outro deles derivados, determinando seu desentranhamento dos autos;

b) ainda que não se reconheça sua incompetência, que

b.1) se analise a ausência de legalidade a permitir as ‘quebras’ (transferências) dos vários sigilos e as interceptações realizadas porque não ocorreram de forma subsidiária, declarando-se nulas as provas colhidas nessas medidas cautelares, bem como todas delas

derivadas, desentranhando-se essas dos autos;

b.2) que se verifique que o Juiz de piso não justificou validamente a existência de indícios razoáveis da autoria e a indispensabilidade dessas medidas cautelares, anulando-as bem como todas delas derivadas, desentranhando-se essas dos autos;

b.3) que se verifique não ter havido fundamentação juridicamente válida apontando os dados concretos que evidenciavam a

indispensabilidade da renovação do monitoramento, anulando-as bem como todas delas derivadas, desentranhando-se essas dos autos; b.4) que se verifique que o monitoramento telefônico, mantido ao longo de mais de 01 ano, extrapola o limite da razoabilidade,

anulando-o bem como todas as provas dele derivadas, desentranhando-se esse e aquelas dos autos;

c) declarando-se nulos todos os elementos colhidos porque oriundos de Denúncia Anônima, exclusivamente, e qualquer outro deles derivados, determinando seu desentranhamento dos autos.” (grifei)

O Ministério Público Federal, em pronunciamento da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. EDSON OLIVEIRA DE

ALMEIDA, opinou pelo improvimento do presente recurso ordinário.

Sendo esse o contexto, impõe-se julgar o pleito em causa. E, ao fazê-lo, entendo não assistir razão ao recorrente, eis que o acórdão ora questionado nesta sede processual ajusta-se, integralmente, à orientação jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou a propósito da matéria em

exame.

Com efeito, a dúvida inicial em torno da competência investigatória da Polícia Judiciária para apurar práticas criminosas, de um lado, e a eventual cooperação entre organismo policiais, ainda que vinculados a pessoas estatais distintas (Polícia Federal e Polícia Estadual), de outro, não

impedem que se instaure, desde logo, por qualquer desses órgãos, nessa fase inaugural, a pertinente investigação penal, tal como já decidiu o

Supremo Tribunal Federal (RTJ 95/1063, Rel. Min. THOMPSON FLORES). É por isso que o Supremo Tribunal Federal, em casos nos quais se registram situações como as que venho de referir, tem entendido que a

prova penal – como aquela resultante de interceptações telefônicas autorizadas por órgãos judiciários posteriormente reconhecidos como incompetentes – reveste-se de plena legitimidade jurídica (HC 81.260/ES, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE).

Cabe salientar que a mútua cooperação entre organismos policiais, o intercâmbio de informações, o fornecimento recíproco de dados

investigatórios e a assistência técnica entre a Polícia Federal e as Polícias Estaduais, com o propósito comum de viabilizar a mais completa apuração de fatos delituosos gravíssimos, notadamente naqueles casos em que se alega o envolvimento de policiais militares na formação de

grupos de extermínio, encontram fundamento, segundo penso, no próprio modelo constitucional de federalismo cooperativo (RHC 116.000/GO,

Rel. Min. CELSO DE MELLO), cuja institucionalização surge, em caráter inovador, no plano de nosso ordenamento constitucional positivo, na Constituição Federal de 1934, que se afastou da fórmula do federalismo dualista inaugurada pela Constituição republicana de 1891, que impunha,

por efeito da outorga de competências estanques, rígida separação entre as atribuições federais e estaduais.

De qualquer maneira, no entanto, e tal como acentuou o E. Superior Tribunal de Justiça no acórdão ora impugnado, ao tratar do tema pertinente à competência penal e às medidas de investigação, a pretensão da parte ora recorrente, por supor “ampla dilação probatória”, revela-se

“incompatível com a estreita via do ‘habeas corpus’”.

Esse entendimento, como não se desconhece, tem o beneplácito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, cuja orientação, no tema, enfatiza que a interpretação do conjunto probatório constitui matéria pré-excluída da via sumaríssima do processo de “habeas corpus”

(RTJ 110/555 – RTJ 129/1199 – RTJ 136/1221 – RTJ 137/198 – RTJ 163/650- -651 – RTJ 165/877-878 – RTJ 168/863-865 – RTJ 186/237,

v.g.):

“A ação de ‘habeas corpus’ constitui remédio processual inadequado, quando ajuizada com objetivo (a) de promover a análise da prova penal, (b) de efetuar o reexame do conjunto probatório regularmente produzido, (c) de provocar a reapreciação da matéria de fato e

(d) de proceder à revalorização dos elementos instrutórios coligidos no processo penal de conhecimento. Precedentes.”

(RTJ 195/486, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Demais disso, vale destacar fragmento do acórdão ora impugnado no ponto em que acentua que não se evidenciou, no caso, a realização de qualquer ato por órgão judiciário incompetente, mesmo porque “(...) as investigações foram iniciadas para apurar a existência de suposta

organização criminosa, sendo referido Juízo o competente para a determinação das primeiras medidas no curso do inquérito policial [8ª Vara

Criminal de Goiânia]. Verificadas a existência e a necessidade de apuração quanto à prática de homicídios, passaram, pelo que consta dos autos, regularmente, as investigações à jurisdição da Vara de Crimes Dolosos contra a Vida (antiga 1ª Vara Criminal de Goiânia), não se extraindo daí

nenhuma ilegalidade aparente”.

De outro lado, e no que concerne à alegada inadmissibilidade da delação anônima, torna-se necessário observar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reputado legítima a instauração de procedimento investigatório, desde que efetivadas, pela autoridade policial,

diligências preliminares destinadas a constatar a verossimilhança dos dados informativos veiculados pelo delator anônimo (HC 95.244/PE, Rel.

Min. DIAS TOFFOLI – HC 103.418/PE, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – RHC 86.082/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE, v.g.):

“’HABEAS CORPUS’. ‘DENÚNCIA ANÔNIMA’ SEGUIDA DE INVESTIGAÇÕES EM INQUÉRITO POLICIAL.

INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS E AÇÕES PENAIS NÃO DECORRENTES DE ‘DENÚNCIA ANÔNIMA’. LICITUDE DA

PROVA COLHIDA E DAS AÇÕES PENAIS INICIADAS. ORDEM DENEGADA.

Informativo 755-STF (03/09/2014) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 27

Segundo precedentes do Supremo Tribunal Federal, nada impede a deflagração da persecução penal pela chamada ‘denúncia

anônima’, desde que esta seja seguida de diligências realizadas para averiguar os fatos nela noticiados (86.082, rel. min. Ellen Gracie, DJe

de 22.08.2008; 90.178, rel. min. Cezar Peluso, DJe de 26.03.2010; e HC 95.244, rel. min. Dias Toffoli, DJe de 30.04.2010). No caso, tanto as interceptações telefônicas, quanto as ações penais que se pretende trancar decorreram não da alegada ‘notícia

anônima’, mas de investigações levadas a efeito pela autoridade policial.

A alegação de que o deferimento da interceptação telefônica teria violado o disposto no art. 2º, I e II, da Lei 9.296/1996 não se sustenta, uma vez que a decisão da magistrada de primeiro grau refere-se à existência de indícios razoáveis de autoria e à

imprescindibilidade do monitoramento telefônico.

Ordem denegada.” (RHC 99.490/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – grifei)

Cumpre referir, no ponto, por extremamente oportuno, o valioso magistério expendido por GIOVANNI LEONE (“Il Codice di Procedura

Penale Illustrato Articolo per Articolo”, sob a coordenação de UGO CONTI, vol. I/562-564, itens ns. 154/155, 1937, Società Editrice Libraria,

Milano), cujo entendimento, no tema, admite, quanto a escritos anônimos ou apócrifos, a possibilidade de a autoridade pública, a partir de tais documentos e mediante atos investigatórios destinados a conferir a verossimilhança de seu conteúdo, promover, então, em caso positivo, a formal

instauração da pertinente “persecutio criminis”, mantendo-se, desse modo, completa desvinculação desse procedimento estatal em relação às

peças apócrifas que forem encaminhadas aos agentes do Estado, salvo se os escritos anônimos constituírem o próprio corpo de delito ou provierem do acusado.

Impende rememorar, no sentido que venho de expor, a precisa lição de JOSÉ FREDERICO MARQUES (“Elementos de Direito

Processual Penal”, vol. I/147, item n. 71, 2ª ed., atualizada por Eduardo Reale Ferrari, 2000, Millennium):

“No direito pátrio, a lei penal considera crime a denunciação caluniosa ou a comunicação falsa de crime (Código Penal, arts. 339 e 340), o que implica a exclusão do anonimato na ‘notitia criminis’, uma vez que é corolário dos preceitos legais citados a perfeita

individualização de quem faz a comunicação de crime, a fim de que possa ser punido, no caso de atuar abusiva e ilicitamente.

Parece-nos, porém, que nada impede a prática de atos iniciais de investigação da autoridade policial, quando delação anônima lhe

chega às mãos, uma vez que a comunicação apresente informes de certa gravidade e contenha dados capazes de possibilitar diligências

específicas para a descoberta de alguma infração ou seu autor. Se, no dizer de G. Leone, não se deve incluir o escrito anônimo entre os atos

processuais, não servindo ele de base à ação penal, e tampouco como fonte de conhecimento do juiz, nada impede que, em determinadas hipóteses, a autoridade policial, com prudência e discrição, dele se sirva para pesquisas prévias. Cumpre-lhe, porém, assumir a

responsabilidade da abertura das investigações, como se o escrito anônimo não existisse, tudo se passando como se tivesse havido ‘notitia

criminis’ inqualificada.” (grifei)

Essa diretriz doutrinária – perfilhada por JORGE ULISSES JACOBY FERNANDES (“Tomada de Contas Especial”, p. 51, item n. 4.1.1.1.2, 2ª ed., 1998, Brasília Jurídica) – é também admitida, em sede de persecução penal, por FERNANDO CAPEZ (“Curso de Processo

Penal”, p. 129, item n. 10.13.1, 20ª ed., 2013, Saraiva):

“A delação anônima (‘notitia criminis inqualificada’) não deve ser repelida de plano, sendo incorreto considerá-la sempre inválida;

contudo, requer cautela redobrada por parte da autoridade policial, a qual deverá, antes de tudo, investigar a verossimilhança das informações.” (grifei)

Idêntica percepção sobre a matéria em exame é revelada por JULIO FABBRINI MIRABETE (“Código de Processo Penal Interpretado”,

p. 95, item n. 5.4, 7ª ed., 2000, Atlas), que assim se pronuncia:

“(...) Não obstante o art. 5º, IV, da CF, que proíbe o anonimato na manifestação do pensamento, e de opiniões diversas, nada impede

a notícia anônima do crime (‘notitia criminis’ inqualificada), mas, nessa hipótese, constitui dever funcional da autoridade pública

destinatária, preliminarmente, proceder com a máxima cautela e discrição a investigações preliminares no sentido de apurar a

verossimilhança das informações recebidas. Somente com a certeza da existência de indícios da ocorrência do ilícito é que deve instaurar o procedimento regular.” (grifei)

Esse entendimento é também acolhido por NELSON HUNGRIA (“Comentários ao Código Penal”, vol. IX/466, item n. 178, 1958,

Forense), cuja análise do tema – realizada sob a égide da Constituição republicana de 1946, que expressamente não permitia o anonimato (art. 141,

§ 5º), à semelhança do que se registra, presentemente, com a vigente Lei Fundamental (art. 5º, IV, “in fine”) – enfatiza a imprescindibilidade da investigação, ainda que motivada por delação anônima, desde que fundada em fatos verossímeis:

“Segundo o § 1.º do art. 339, ‘A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto’. Explica-se:

o indivíduo que se resguarda sob o anonimato ou nome suposto é mais perverso do que aquêle que age sem dissimulação. Êle sabe que a

autoridade pública não pode deixar de investigar qualquer possível pista (salvo quando evidentemente inverossímil), ainda quando indicada

por uma carta anônima ou assinada com pseudônimo; e, por isso mesmo, trata de esconder-se na sombra para dar o bote viperino. Assim,

quando descoberto, deve estar sujeito a um plus de pena.” (grifei)

Essa mesma posição – que entende recomendável, nos casos de delação anônima, que a autoridade pública proceda, de maneira discreta, a

uma averiguação preliminar em torno da verossimilhança da comunicação (“delatio”) que lhe foi dirigida – é igualmente compartilhada, dentre outros, por GUILHERME DE SOUZA NUCCI (“Código de Processo Penal Comentado”, p. 87/88, item n. 29, 2008, RT), DAMÁSIO E. DE

JESUS (“Código de Processo Penal Anotado”, p. 9, 23ª ed., 2009, Saraiva), GIOVANNI LEONE (“Trattato di Diritto Processuale Penale”, vol.

II/12- -13, item n. 1, 1961, Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, Napoli), FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO (“Código de Processo

Penal Comentado”, vol. 1/34-35, 4ª ed., 1999, Saraiva), RODRIGO IENNACO (“Da validade do procedimento de persecução criminal

deflagrado por denúncia anônima no Estado Democrático de Direito”, “in” Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 62/220-263, 2006, RT),

ROMEU DE ALMEIDA SALLES JUNIOR (“Inquérito Policial e Ação Penal”, item n. 17, p. 19/20, 7ª ed., 1998, Saraiva) e CARLOS FREDERICO COELHO NOGUEIRA (“Comentários ao Código de Processo Penal”, vol. 1/210, item n. 70, 2002, EDIPRO), cumprindo

rememorar, ainda, por valiosa, a lição de ROGÉRIO LAURIA TUCCI (“Persecução Penal, Prisão e Liberdade”, p. 34/35, item n. 6, 1980,

Saraiva):

“Não deve haver qualquer dúvida, de resto, sobre que a notícia do crime possa ser transmitida anonimamente à autoridade pública (…).

(…) constitui dever funcional da autoridade pública destinatária da notícia do crime, especialmente a policial, proceder, com máxima

cautela e discrição, a uma investigação preambular no sentido de apurar a verossimilhança da informação, instaurando o inquérito somente em caso de verificação positiva. E isto, como se a sua cognição fosse espontânea, ou seja, como quando se trate de ‘notitia criminis’ direta

ou inqualificada (…).” (grifei)

Informativo 755-STF (03/09/2014) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 28

Vale acrescentar que esse entendimento tem sido por mim acolhido nesta Suprema Corte (RHC 116.000/GO, Rel. Min. CELSO DE

MELLO, v.g.), em julgamentos a propósito da questão pertinente à delação anônima:

“- Nada impede, contudo, que o Poder Público, provocado por delação anônima (‘disque-denúncia’, p. ex.), adote medidas informais

destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumária, ‘com prudência e discrição’, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude penal, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso

positivo, a formal instauração da ‘persecutio criminis’, mantendo-se, assim, completa desvinculação desse procedimento estatal em relação às

peças apócrifas.” (HC 106.664-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Sendo assim, pelas razões expostas e acolhendo, ainda, o parecer da douta Procuradoria-Geral da República, cujos fundamentos adoto como razão

de decidir, valendo-me, para tanto, da técnica da motivação “per relationem” (AI 825.520-AgR-ED/SP – ARE 791.637-AgR/DF – HC 85.338/SP, v.g.),

nego provimento ao presente recurso ordinário. Devolvam-se os presentes autos ao E. Superior Tribunal de Justiça.

Publique-se.

Brasília, 12 de março de 2014.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

*decisão publicada no DJe de 17.3.2014

Secretaria de Documentação – SDO

Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD

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