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Instituições de Direito Público e Privado Parte II – A Lei

Instituições de Direito Público e Privado · A norma jurídica, pois, possui uma estrutura bem definida, composta dos ... Leva em consideração a finalidade da norma jurídica,

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Instituições de Direito Público e

PrivadoParte II – A Lei

1.A Lei

Definição

Norma Jurídica

▣ Normas são expressões mentais, juízos ou proposições, de comoprocedimentos ou estados costumam ser, podem ou não podem ser,devem ou não devem ser, sempre que dadas circunstâncias se verifiquem.

▣ As normas são concepções ideais de procedimentos e de estados usuais ecomuns, ou de procedimentos e estados que seres humanos querem quesejam usuais e comuns.

▣ É óbvio que toda norma, sendo princípio da normalidade, sempre seinclui dentro de um sistema ético, ou seja, de um sistema de convicçõessobre o normal e o anormal.

“Chamam-se normas, as convicções, concepções ou princípios, em razãodos quais um procedimento ou estado é tido como normal ou anormal[...] Uma ordenação normativa é um conjunto articulado dedisposições, para a orientação do comportamento, segundo o que étido, dentro de uma comunidade, como bom e mau, conveniente einconveniente, útil e prejudicial, belo e feio.

Goffredo Telles Júnior

Norma Jurídica

▣ A norma jurídica é uma norma de conduta social. Seu objetivo é regular aatividade dos homens em suas relações sociais.

▣ Mas como diferenciá-la das demais normas da vida social, especialmentedas demais normas éticas?

▣ Como diferenciar uma norma jurídica das normas morais, religiosas, usose costumes sociais, etc.?

Norma Jurídica

▣ A principal característica distintiva da norma jurídica é sua coercibilidade,ou seja, elas são normas protegidas pela força estatal.□ Normas sobre impostos, salários, crimes, propriedade, família, etc., são

obrigatórias não apenas no plano íntimo, mas por uma imposição que podechegar até o uso da força para sua execução.

▣ A norma jurídica, pois, possui uma estrutura bem definida, composta dosseguintes elementos:□ Endonorma, que estabelece a prestação ou obrigação;□ Perinorma, que estabelecem as consequência jurídicas (positivas e negativas) do

(des)cumprimento da prestação ou obrigação.

Norma Jurídica

▣ Se H (hipótese) é, P (prestação) deve ser.□ Se P não for, então consequências jurídicas negativas (sanções) são efetivadas.□ Se P for, consequências jurídicas positivas são efetivadas.□ Ex.: Se “A” é eleitor, “A” deve votar. Se “A” não vota, é multado, não pode tirar

passaporte, assumir cargo público, etc. Se “A” vota, pode tirar passaporte,assumir cargo público, etc.

O (H→P) →

¬P → OCJ-

ou

P → OCJ+

(Endonorma) (Perinormas)

Norma Jurídica

▣ Não se pode confundir norma e texto (ou enunciado) normativo.

▣ Uma norma é o significado de um texto normativo. A norma jurídica nãocorresponde ao texto, antes se apresenta como o “resultado” dainterpretação.

▣ Norma não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídosa partir da interpretação sistemática de textos normativos.

▣ Assim, a um só texto podem se ligar diversas normas.

Espécies de Norma Jurídica

▣ Existem duas espécies de normas jurídicas: regras e princípios.

▣ O principal traço distintivo entre regras e princípios é a estrutura dosdireitos que essas normas garantem.

▣ Grosso modo, no caso das regras, garantem-se direitos (ou se impõemdeveres) definitivos. Já no caso de princípios, são garantidos direitos (ouimpostos deveres) prima facie.

Espécies de Norma Jurídica: Regras

▣ Conforme dito acima, regras são normas que garantem direito ou impõedeveres definitivos. Elas são normas que sempre são satisfeitas ou não emsua totalidade.

▣ Se uma regra vale para determinado caso, deve ser feito exatamenteaquilo que ela exige: nem mais, nem menos.

▣ Se um direito é garantido por uma norma que tenha a estrutura de regra,esse direito é definitivo e deverá ser realizado totalmente.

Espécies de Norma Jurídica: Princípios

▣ Princípios, por sua vez, são normas que ordenam que algo seja realizadona maior medida do possível, dentro das possibilidades fáticas e jurídicasexistentes. São, pois, mandamentos de otimização, que podem ser cumpridosem diferentes graus.

▣ No caso de normas com estrutura de princípios, é fácil perceber que háuma diferença entre aquilo que é garantido (ou imposto) prima facie e aquiloque é garantido (ou imposto) definitivamente.

Lei

▣ O vocábulo “lei”, usualmente, comporta três acepções:

□ Sentido amplíssimo: sinônimo de norma jurídica, incluindo quaisquer regrasescritas (jus scriptum) ou costumeiras (jus non scriptum).

□ Sentido amplo: usada para indicar normas jurídicas escritas, sejam leispropriamente ditas, decretos, medidas provisórias, etc. Também chamada de “leiem sentido material”.

□ Sentido estrito/próprio: norma jurídica regularmente aprovada pelo PoderLegislativo. Também chamada de “lei em sentido formal”.

1.A LeiElaboração

Lei: Processo Legislativo Ordinário

▣ O processo de elaboração das leis (processo legislativo) compreende trêsfases: iniciativa, aprovação e execução.

▣ Iniciativa é a faculdade que a pessoa tem de propor um projeto de lei.Pode ser proveniente de uma pessoa ou de um órgão.

▣ Na etapa de aprovação, o projeto de lei é estudado e discutido.

Lei: Processo Legislativo Ordinário

▣ Como nosso Legislativo Federa é bicameral (Câmara dos Deputados eSenado Federal), a lei precisa ser aprovada nas duas casas.

□ A votação normalmente se inicia em uma das casas e, aprovada, segue para aoutra casa. Se não aprovado, arquiva-se o projeto.

□ Se a Casa revisora aprovar apenas partes do projeto, ela o emenda e devolve parareavaliação da Casa inicial, que pode aprovar o novo texto ou rejeitá-lo. Se aaprovada (maioria simples) pela Casa revisora, a lei é enviada para sanção ouveto presidencial. Se o rejeitar totalmente, é arquivado o projeto.

Lei: Processo Legislativo Ordinário

▣ A execução da lei compreende seu/sua veto, sanção, promulgação e publicação.

□ Na sanção, o Chefe do Executivo manifesta sua concordância com a lei. Ela podeser expressa (manifestação formal do Executivo) ou tácita (quando o Chefe doExecutivo deixa transcorrer o prazo para sanção sem se manifestar).

□ No veto, o Chefe do Executivo se manifesta contrariamente ao projeto. O vetoentão é enviado ao Legislativo, que pode aceita-lo ou rejeitá-lo.

□ Promulgação é a declaração do Chefe do Poder Executivo de que a lei passa afazer parte do ordenamento jurídico.

□ Publicação é a forma de dar conhecimento a terceiros acerca da lei. Normalmenteé feita por meio da imprensa oficial.

Projeto de Lei na Casa de Origem: Rejeição

1 2 3

Deliberação Rejeição Arquivamento

Projeto de Lei na Casa de Origem: Aprovação

1 2 3

Deliberação Aprovação Envio para a Casa Revisora

Projeto de Lei na Casa Revisora: Rejeição

1 2 3

Deliberação Rejeição Arquivamento

Projeto de Lei na Casa Revisora: Aprovação

1 2 3

Deliberação Aprovação Envio para o Chefe do Poder Executivo

Projeto de Lei na Casa Revisora: Modificação

1 2 3

Deliberação Aprovação com Modificação

Envio para a Casa de Origem

1.A Lei

Vigência, Validade e Eficácia

Lei: Vigência, Eficácia e Efetividade

▣ Validade formal ou vigência é uma propriedade que diz respeito àcompetência dos órgãos e aos processos de produção e reconhecimentodo Direito no plano normativo. Diz-se que a lei é vigente quando existe epode produzir efeitos, por ser formalmente válida.

▣ Eficácia se relaciona com a aplicabilidade ou executoriedade de uma normavigente, sendo que eficácia técnica ou jurídica se relaciona com aaplicabilidade da norma, ou seja, é a aptidão da norma para produzir os efeitosque lhe são próprios.

▣ Efetividade se relaciona com concreto o cumprimento da lei por seusdestinatários.

Lei: Vigência, Eficácia e Efetividade

▣ Validade formal ou vigência é uma propriedade que diz respeito àcompetência dos órgãos e aos processos de produção e reconhecimentodo Direito no plano normativo. Diz-se que a lei é vigente quando existe epode produzir efeitos, por ser formalmente válida.

▣ Eficácia se relaciona com a aplicabilidade ou executoriedade de uma normavigente, sendo que eficácia técnica ou jurídica se relaciona com aaplicabilidade da norma, ou seja, é a aptidão da norma para produzir os efeitosque lhe são próprios.

▣ Efetividade se relaciona com concreto o cumprimento da lei por seusdestinatários.

Eficácia no TempoRefere-se à entrada da lei em vigor

Eficácia da Lei no EspaçoRefere-se ao território onde será aplicada a lei.

Lei: Eficácia no Tempo

▣ Geralmente, entra em vigor na data de publicação. Se inexiste disposiçãoexpressa na lei, ela começa a vigorar 45 dias após oficialmente publicada(art. 1º da LINDB).

▣ Não tendo a lei vigência temporária, vige até que outra lei posterior amodifique ou revogue.

▣ A lei posterior revoga a lei anterior quando:□ Expressamente assim o declare;□ Seja com ela incompatível;□ Regule totalmente a matéria de que tratava a lei anterior.

Lei: Eficácia no Espaço

▣ A lei federal se aplica em todo o território brasileiro, tanto para nacionaisquanto para estrangeiros.

▣ A lei estadual e municipal se aplica ao estado/município que a editou.

1.A LeiHierarquia

Lei: Hierarquia

▣ 1) Constituição

▣ 2) Emendas Constitucionais

▣ 3) Leis Complementares

▣ 4) Leis Ordinárias (Comuns, Medidas Provisórias, Leis Delegadas)

▣ 5) Decretos Legislativo e Resoluções

▣ 6) Decretos Regulamentares

▣ 7) Outras Normas.

1.A LeiInterpretação

Lei: Interpretação

▣ A interpretação é atividade intelectual que visa desvelar o conteúdo, osentido e o alcance das normas jurídicas.

▣ “Para conhecer, cumprir ou bem aplicar a lei, é preciso captar seu verdadeirosignificado e alcance: interpretá-la” (Ruy Barbosa Nogueira).

▣ Existem diversos métodos de interpretação das normas jurídicasque, na ciência do direito, não atuam de modo excludente, mas simcomplementar, haja vista que não há hierarquização entre eles.

Lei: Interpretação

Friedrich Carl von Savigny (1779 – 1861)

1) Literal2) Sistemática3) Teleológica4) Histórica5) Sociológica

Lei: Interpretação Literal

▣ Também chamada gramatical, filológica ou exegética.▣ Aquela que tem como ponto de partida o exame do significado e alcance

de cada uma das palavras do preceito legal, ou seja, o próprio significadodas palavras.

▣ Ex. 1: Art. 72, §29, da Constituição de 1891: “... os que aceeitaremcondecorações ou titulos nobiliarchicos estrangeiros perderão, todos os direitospoliticos.”□ Rui Barbosa recebeu uma condecoração estrangeira. Seus adversários alegaram

que ele deveria perder seus direitos políticos.□ A defesa do jurista demonstrou que o adjetivo nobiliárquicos referia-se não

apenas a títulos, mas também a condecorações. Ele estaria, assim, proibido deaceitar condecoração nobiliárquica estrangeira, e não uma condecoraçãosimples, como a que aceitara.

Lei: Interpretação Literal

▣ Ex. 2: Art. 5º, XLVII, “a”, da CRFB: [não haverá penas] “de morte, salvo emcaso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX”.

▣ Ex. 3: Art. 212 do CPP. “As perguntas serão formuladas pelas partesdiretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir aresposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra járespondida.

▣ Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar ainquirição.”.□ “O disposto no artigo 212 do Código de Processo Penal não obstaculiza a possibilidade de,

antes da formalização das perguntas pelas partes, dirigir-se o juiz às testemunhas, fazendoindagações“ (HC 105538, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, j.10/04/2012).

Lei: Interpretação Sistemática

▣ Analisa as normas jurídicas entre si. Pressupondo que o ordenamento éum todo unitário, sem incompatibilidades, permite escolher o significadoda norma que seja coerente com o conjunto.

▣ Evita as contradições com outras normas.

▣ Impede que as normas jurídicas sejam interpretadas de modo isolado,exigindo que todo o conjunto seja analisado simultaneamente à interpretaçãode qualquer texto normativo.

Lei: Interpretação Sistemática

▣ Ex. 1: Art. 155 do CP. “Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.”.□ É o Código Civil, e não o Penal, que irá estabelecer quando uma coisa é alheia e

móvel.

▣ Ex. 2: Art. 483. “A compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura”.□ Art. 426. “Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.”.

▣ Ex. 3: Art. 98, I, da CRFB. “juizados especiais, [...] competentes para aconciliação, o julgamento e a execução de [...] infrações penais de menor potencialofensivo”.□ Art. 61 da Lei nº. 9.099/1995. Consideram-se infrações penais de menor potencial

ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei cominepena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa

Lei: Interpretação Teleológica

▣ Também chamada lógica.

▣ Leva em consideração a finalidade da norma jurídica, o fim para o qual elafoi criada e os valores que pretende concretizar.

▣ Ex 1.: “Os flautistas de Aristóteles”. Se uma pessoa tiver que decidir paraquem dar uma flauta, quem ela deve escolher?□ A criança “A” é a única que sabe tocar a flauta;□ A a criança “B” é a mais pobre dentre elas e não tem outro meio de diversão; e□ A a criança “C” foi quem fez a flauta com seu único e exclusivo esforço.□ A função, a finalidade para qual a flauta foi criada, é para ser tocada (produzir

música). Então, teleologicamente pensando, a flauta deve ir para o melhorflautista.

“Quando se trata da superioridade entre flautistas, não se considera onascimento; por serem mais nobres, não tocam melhor a flauta. A preferênciaé concedida aos que são melhores no instrumento. [...] Tomemos um excelenteflautista, mas de beleza e nobreza inferiores; [...] será à capacidade musicalque se darão as honras da flauta. Para levar em consideração o nascimentoou a riqueza da pessoa, seria preciso que contribuíssem para o talento e paraa obra. Ora, isto não acontece.

Aristóteles

Lei: Interpretação Teleológica

Lei: Interpretação Teleológica

▣ Ex.2: Art. 1º da Lei nº. 8.009/1990. “O imóvel residencial próprio do casal, ouda entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívidacivil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída peloscônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvonas hipóteses previstas nesta lei.”□ A pessoa solteira, viúva, separada ou divorciada que vive sozinha em seu imóvel

não tem direito à moradia e pode ver penhorado o imóvel em que reside, já queeste não seria “bem de família”?

□ Utilizando da interpretação teleológica, o Superior Tribunal de Justiça decidiuque sim (REsp 182.223/SP, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, Sexta Turma,j. 19/08/1999).

Lei: Interpretação Teleológica

▣ Ex.3: Art. 1º da MP nº. 2.165-36/2001. “Fica instituído o Auxílio-Transporteem pecúnia, pago pela União, de natureza jurídica indenizatória, destinado aocusteio parcial das despesas realizadas com transporte coletivo municipal,intermunicipal ou interestadual pelos militares, servidores e empregados públicosda Administração Federal direta, autárquica e fundacional da União, nosdeslocamentos de suas residências para os locais de trabalho e vice-versa...”□ O STJ admite a interpretação do art. 1º da MP Medida Provisória n. 2.165-36 de

forma a abrigar o entendimento de que é devido o auxílio-transporte ao servidorque se utiliza de veículo próprio para tal deslocamento (AgRg no AREsp441730/RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 20/02/2014).

Lei: Interpretação Histórica

▣ A pesquisa do processo evolutivo da lei, a história dos seus precedentes, auxilia oaclaramento da norma.

▣ “... a história serve para iluminar o texto” (Felipe Augusto Fonseca Vianna).▣ Indaga das condições de meio e momento da elaboração da norma legal,

bem assim das causas pretéritas da solução dada pelo legislador.▣ Os projetos de leis, as discussões havidas durante sua elaboração, a

Exposição de Motivos, todos são elementos valiosos de que se vale ointérprete para proceder à interpretação.

▣ A interpretação, contudo, não pode ficar presa ao passado. A interpretaçãonão pode ser vinculada às suas fontes originárias.

Lei: Interpretação Histórica

▣ Originalismo□ Quando não esteja explícito aos originalistas o sentido da norma cabe ao

intérprete buscá-lo lançando mão de todo um repertório gravado, por exemplo,nos textos da história da elaboração do texto do qual se ocupam, ou seja, no casoem questão, a Constituição. Tanto este, como os demais instrumentos têm porfinalidade descobrir o genuíno sentido da vontade do legislador originário.

□ Quando se interpreta os termos abertos da Constituição, deve-se buscar osentido que eles apresentavam no momento em que foram escritos.

□ “É indispensável estudar as fontes inspiradoras da emanação da lei para ver quais asintenções do legislador, mas também a fim de ajustá-la às situações supervenientes.”(Miguel Reale).

“No processo (ou momento) histórico, socorre-se o intérprete da pesquisa dosdocumentos históricos do Direito , quais sejam, dentre outros, os projetos eanteprojetos de lei, mensagens e exposições de motivos, debates parlamentares,pareceres, relatórios, votos, emendas e justificações. Esses documentos não temforça vinculativa, pois a lei, uma vez sancionada, desgarra-se do autor ouautores, porém, de qualquer forma, constituem subsídio apreciável para oestudo das razões históricas do da lei.

João Baptista Herkenhoff

Lei: Interpretação Histórica

▣ Ex. 1: Caso Ellwanger (STF, HC 82.424, Rel. p./ac. Maurício Corrêa,Plenário, j. 17/09/2003) e o conceito de “racismo” na CRFB.

▣ Ex. 2: O caso da Lei nº. 9.299/1996 e o crime contra a vida de civilpraticado por militar no exercício da função: crime comum ou crimemilitar?

Lei: Interpretação Sociológica

▣ Busca o sentido da norma jurídica de acordo com as realidades enecessidades sociais.

▣ O intérprete deve:□ Investigar os efeitos sociais das instituições e doutrinas jurídicas;□ Realizar um estudo sociológico das realidades atuais para a preparação da tarefa

legislativa;□ Estudar os meios adequados para fazer com que os preceitos jurídicos tenham

eficácia na realidade;▣ Ex. 1: Art. 1.593 do CC. “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de

consanguinidade ou outra origem.”. Parentesco socioafetivo?▣ Ex. 2: Estupro presumido (art. 217-A, do CP). E se o menor de 14 anos

que faz sexo com a namorada “consensual” de 13 anos?

Lei: Regras Hermenêuticas Básicas

▣ A interpretação não pode conduzir ao absurdo.▣ A lei não contém frase ou palavra inútil, supérflua ou sem efeito.▣ Prevalece a interpretação que compatibiliza normas aparentemente

antinômicas.▣ Quando a lei não fez distinção o intérprete não deve fazê-la.▣ No todo se contém a parte.▣ Quem pode o mais, pode o menos.▣ “Ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio” (onde existe a mesma razão deve

existir o mesmo dispositivo legal)

Lei: Interpretação de Termos Indeterminados

▣ O mundo dos fatos é muitos mais criativo e diversificado do que oDireito pode prever.

▣ É impossível ao legislador capturar, no texto normativo, todas ashipóteses de aplicação do direito ao fato.

▣ Por isso, a redação do texto normativo tende a ser aberta, “vaga”, comutilização de termos indeterminados, a fim de abarcar a maior partepossível de situações de fato a serem reguladas pela norma.

▣ Ex.: O art. 5º, XLVII, “e”, proíbe a cominação e aplicação de penas cruéis(8ª Emenda da U.S. Const.). Duração razoável do processo (art. 5º,LXXVIII, da CRFB e 6ª Emenda da U.S. Const.).

O que é Cruel? O que é Razoável?

Como definir o conteúdo de tais termos?

Lei: Interpretação de Termos Indeterminados

▣ Como encontrar nessas disposições abertas mandamentos concretos?

▣ A leitura do texto é apenas um pretexto para expressar a vontade dequem o lê?

▣ Como ver a Constituição como ela é, e não como gostaríamos que ela fosse?

▣ É óbvio que as pessoas que escreveram e as que ratificaram aConstituição estavam protegendo certos interesses. Ler a Constituiçãonão pode ser um exercício de concretização de interesses de seus leitores.

“É espantoso como facilmente os homenscertificam-se de que a Constituição éexatamente o que eles desejam que elaseja.

Justice Joseph Story

O Círculo de Giz Caucasiano(Bertolt Brecht, 1944)

“‘Me traga aquele livro grosso, que eu sempre faço de almofada para sentar! Isto aqui é o Código das Leis, e

você é testemunha de que eu sempre fiz uso dele’, sentando-se sobre o livro.”.

Medida por Medida(William Shakespeare, 1604)

“ÂNGELO - Resignai-vos, bela menina, mas é a lei que pune vosso irmão, não sou eu. [...]

ISABELA - Meu mano amou Julieta, e me dissestes que por isso ele morre.

ÂNGELO - Não morrerá, Isabel, se amor me derdes.”.

Lei: Interpretação de Termos Indeterminados

▣ O texto deixa em si mesmo um espaço muito grande para o uso daimaginação.

▣ Como resultado dessa fluidez, ao ler a Constituição, não se pode evitar fazerao menos algumas opções básicas para satisfazê-la.

▣ Não é possível alcançar a definição da última palavra da essência daConstituição. Não existe uma fórmula capaz de eliminar por completo anecessidade de escolhas judiciais/interpretativas.

▣ Dois leitores de uma previsão constitucional, ainda que em um processolegítimo de interpretação, podem chegar a conclusões completamenteopostas, ainda que o texto seja considerado “claro”.

Lei: Interpretação de Termos Indeterminados

▣ Ex. 1: Art. 5º, XLIII, da CRFB. “A lei considerará crimes inafiançáveis einsuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito deentorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, poreles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, seomitirem”.□ O texto impede a concessão de Liberdade Provisória?

▣ Ex. 2: Art. 5º, LVII, da CRFB. “Ninguém será considerado culpado até otrânsito em julgado de sentença penal condenatória.”.□ A Constituição possibilita a execução provisória da pena?

Lei: Interpretação de Termos Indeterminados

▣ A existência de espaço para discordância, então, é tônica da interpretaçãoconstitucional.

▣ O que fazer, então, quando necessitamos de um “farol” constitucional?▣ O intérprete não pode transformar o que o texto é naquilo que ele gostaria que

ele fosse: ele deve ler a Constituição, não escrever uma nova.▣ Os juízes não podem substituir os valores produzidos democraticamente pelo

legislador eleito pelos valores deles próprios.▣ O fato de múltiplos resultados poderem ser atingidos não significa que

toda interpretação seja válida.▣ Há, pois, limites no processo interpretativo.

“Palavra e coisa jaziam juntas; tinhama mesma temperatura, a coisa e apalavra.

Hilde Domin

“Se é certo que palavra e coisa, noinício, estavam juntas, hoje parece queelas se separaram para nunca mais seencontrar.

Felipe A. F. Vianna

Lei: Interpretação de Termos Indeterminados

▣ O primeiro deles decorre do texto normativo, pois ele limita a concretização enão permite decidir em qualquer direção.

▣ As palavras não dizem aquilo que o jurista quer que elas digam.

▣ Os juristas não são – ou ao menos não podem ser – Humpty Dumpty.

“– Isto é a glória para você! – Não sei o que o senhor entende por “glória”...Humpty Dumpty sorriu desdenhosamente. – Pois claro que não sabe...enquanto eu não disser... Quero dizer que um de seus argumentos estádestruído! – Mas “glória” não quer dizer “argumento destruído” - objetouAlice. – Quando eu emprego uma palavra - replicou Humpty Dumptyinsolentemente -, ela quer dizer exatamente o que eu quero que ela diga, nemmais, nem menos. – A questão é se o senhor pode fazer as palavras dizeremtantas coisas tão diferentes.

Lewis Carroll

Lei: Interpretação de Termos Indeterminados

▣ O primeiro limite, pois, decorre do texto constitucional. O segundo,decorre da própria lógica dos resultados da interpretação.

▣ Uma mesma história, com o mesmo início, pode gerar diversos finais. Oque faz com que uma pessoa prefira um final e outra pessoa prefira umfinal diferente não é a consistência sobre o abstrato, mas a valorização dojulgamento de um e de outro (que sempre é externa ao objeto em si).

Eu sou a Lenda(2 Finais)

Ser Compatível com Vários finais

É diferente de ser compatível com qualquer final!

Final Incompatível(Non Sequitur)

Lei: Interpretação de Termos Indeterminados

▣ Vê-se que os finais original e alternativo se orientam dentro de padrõesaceitáveis, e, quanto à preferência entre eles, valerá os valores dotelespectador (ou, no caso de texto, do leitor); já o final non sequitur seorienta totalmente fora de padrões aceitáveis.

▣ Também no Direito, alguns resultados aparentemente são orientadospor convicções amplamente compartilhadas a respeito de coisas que “fazemsentido” e outras que parecem a todos “arbitrárias”.

▣ Ex.: É possível fundamentar um direito fundamental ao furto?

“Como se vê, é necessário compreender os limites e os compromissoshermenêuticos que exsurgem do paradigma do Estado Democrático deDireito. Se o juiz não é “boca da lei”, também não é seu senhor deengenho: não é livre para escravizar o texto e fazer dele o que quiser,atribuindo-lhe sentidos de forma arbitrária – como Humpty Dumpty– ou simplesmente afastando a aplicabilidade de regraconstitucionalmente válida e democraticamente produzida. Não sendocaso de invalidade da regra, o texto deve ser aplicado pelo julgador,sob pena de voltar-se ao odioso decisionismo.

Felipe A. F. Vianna

Lei: Interpretação de Termos Indeterminados

▣ A melhor forma de se evoluir a interpretação constitucional é sujeitartodos os argumentos e decisões à constante análise e à crítica contínua.

▣ Para explicar isto, nada pode ser mais ilustrativo do que a metáfora do“romance em cadeia” (chain novel), elaborada por Ronald Dworkin,segundo a qual cada juiz deveria se considerar parte de um complexoempreendimento em cadeia, ao lançar-se à criação e à interpretaçãojurisprudenciais.

▣ Dworkin concebe a interpretação jurídica como a extensão de umahistória institucional do Direito, que se desenvolve a partir de inúmerasdecisões, estruturas, convenções e práticas.

Lei: Interpretação de Termos Indeterminados

▣ Segundo Dworkin, o processo interpretativo seria como um romanceque não é escrito somente por um autor, mas, sim, por vários, eis quecada um deles é responsável pela redação de um capítulo separado, devendocontinuar a elaboração do romance a partir de onde seu antecessor parou.

▣ Dworkin compara a complexidade da tarefa a que estaria submetidocada escritor, que deverá escrever seu capítulo de modo a criar damelhor maneira possível o romance em elaboração, com a complexidadeda tarefa enfrentada pelo juiz, que, ao decidir um caso difícil, teria afunção de dar continuidade à história.

Lei: Interpretação de Termos Indeterminados

▣ Se o juiz, assim como cada escritor da cadeia, deve proceder a umaavaliação geral do que já foi dito pelos juízes anteriores, isto não significa queele esteja obrigado a se ater, apenas, ao que se encontra assentadojurisprudencialmente, sendo-lhe facultado, inclusive, alterar o rumo dahistória de acordo com as possibilidades verificadas no presente.

▣ Com isto, Dworkin propõe uma interpretação construtiva em que ajustificação deve atender aos princípios de moralidade política que (con)formam oDireito, impedindo, assim, os juízes de incorrer em qualquer espécie dedecisionismo.

Lei: Interpretação de Termos Indeterminados

▣ A integridade é uma das principais virtudes que caracterizam a sociedadedemocrática, exigindo que a interpretação das leis não seja o resultado deconcepções de justiça subjetivas ou contraditórias, mas se mostre coerente, tendoem vista que as decisões judiciais devem ser justificadas por princípios, e nãopor argumentos metajurídicos ou baseadas na vontade.

▣ Os juízes também devem aceitar uma restrição independente e superior,que decorre da integridade das decisões que tomam.

▣ A integridade possui 3 planos:

Lei: Interpretação de Termos Indeterminados□ 1) A decisão judicial deva ser uma questão de princípio, não de conciliação,

estratégia ou acordo político (ou seja, exige que a questão jurídica encontre respostadentro do próprio Direito e seus princípios, e não seja decidida com base emfatores externos, como a política, moral, economia, religião, etc.).

□ 2) Vertical: ao afirmar que uma liberdade é fundamental, o juiz deve demonstrarque o afirmado é compatível com os princípios embutidos em precedentes da CorteConstitucional e com as estruturas principais da disposição constitucional (ou seja, odireito deve possuir tradição, uma espécie de “DNA”).

□ 3) Horizontal: um juiz que adota um princípio em um caso deve atribuir-lheimportância integral nos outros casos que decide ou endossa, mesmo em esferas dodireito aparentemente não análogas (reconhecendo a importância de umprincípio como ratio decidendi de um caso, deve aplicar o mesmo princípio, damesma forma, em todos os demais casos no qual esse princípio se aplica).

Obrigado!