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1 INSTITUIÇÕES, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SUSTENTABILIDADE: UMA ANÁLISE DOS MECANISMOS DE REGULAMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS DE MEIO AMBIENTE Alexandre Ottoni Teatini Salles Programa de Pós Graduação em Economia da Universidade Federal do Espírito Santo E-mail: [email protected] Anna Paula Lage Ribeiro Mestranda em Engenharia Ambiental pela Universidade Federal do Espírito Santo E-mail: [email protected] RESUMO O artigo se propõe a lidar com três temas inter-relacionados mas que tem sido pouco discutidos conjuntamente na literatura econômica: desenvolvimento econômico, o papel das instituições e os mecanismos de sustentabilidade ambiental. Os modelos de desenvolvimento elaborados no pós-segunda guerra tanto pela abordagem convencional quanto por autores heterodoxos não incorporaram a importância das instituições na concepção que tratamos neste artigo, nem tampouco chamaram a atenção para o fato de que a reprodução do sistema capitalista requer a normatização de práticas sustentáveis de extração, produção e reutilização dos recursos extraídos da natureza. Nesta perspectiva, entendemos que é preciso repensar o modelo de desenvolvimento tradicional e estabelecer princípios para um novo padrão desenvolvimentista para o século XXI. Assim, o artigo inicia apresentando o debate teórico entre instituições e as concepções tradicionais sobre crescimento e desenvolvimento econômico. Em seguida, identificamos os princípios essenciais subjacentes do que a literatura tem chamado de ecodesenvolvimento, analisando a seguir as correntes teóricas da economia que analisam a sustentabilidade. O artigo termina com um exame dos mecanismos de regulação ambiental, tais como os instrumentos de comando e controle e os instrumentos econômicos, e como estes últimos buscam promover um desenvolvimento mais consciente e consequentemente mais sustentável com um uso equilibrado dos recursos naturais. A utilização destes mecanismos econômicos nas políticas ambientais vem sofrendo uma ampla expansão no mundo, por conta do seu caráter flexível e dinâmico. Além disso, por promoverem uma reflexão sobre a utilização dos recursos naturais e a sua consequente necessidade de equilíbrio, através da conscientização dos agentes econômicos, e também proporcionarem benefícios ao meio ambiente, a economia e a sociedade, esta ferramenta tem se apresentado como um viável mecanismo de regulamentação ambiental, em consonância com os princípios defendidos por este artigo. PALAVRAS-CHAVE: Instituições; desenvolvimento sustentável; instrumentos de gestão ambiental.

INSTITUIÇÕES, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E … · da publicação de sua obra mais importante, A teoria da Classe Ociosa, em 1899.1 A teoria institucionalista desenvolvida por Veblen

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INSTITUIÇÕES, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SUSTENTABILIDADE:

UMA ANÁLISE DOS MECANISMOS DE REGULAMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS

DE MEIO AMBIENTE

Alexandre Ottoni Teatini Salles

Programa de Pós Graduação em Economia da Universidade Federal do Espírito Santo

E-mail: [email protected]

Anna Paula Lage Ribeiro

Mestranda em Engenharia Ambiental pela Universidade Federal do Espírito Santo

E-mail: [email protected]

RESUMO

O artigo se propõe a lidar com três temas inter-relacionados mas que tem sido pouco

discutidos conjuntamente na literatura econômica: desenvolvimento econômico, o papel das

instituições e os mecanismos de sustentabilidade ambiental. Os modelos de desenvolvimento

elaborados no pós-segunda guerra tanto pela abordagem convencional quanto por autores

heterodoxos não incorporaram a importância das instituições na concepção que tratamos neste

artigo, nem tampouco chamaram a atenção para o fato de que a reprodução do sistema

capitalista requer a normatização de práticas sustentáveis de extração, produção e reutilização

dos recursos extraídos da natureza. Nesta perspectiva, entendemos que é preciso repensar o

modelo de desenvolvimento tradicional e estabelecer princípios para um novo padrão

desenvolvimentista para o século XXI. Assim, o artigo inicia apresentando o debate teórico

entre instituições e as concepções tradicionais sobre crescimento e desenvolvimento

econômico. Em seguida, identificamos os princípios essenciais subjacentes do que a literatura

tem chamado de ecodesenvolvimento, analisando a seguir as correntes teóricas da economia

que analisam a sustentabilidade. O artigo termina com um exame dos mecanismos de

regulação ambiental, tais como os instrumentos de comando e controle e os instrumentos

econômicos, e como estes últimos buscam promover um desenvolvimento mais consciente e

consequentemente mais sustentável com um uso equilibrado dos recursos naturais. A

utilização destes mecanismos econômicos nas políticas ambientais vem sofrendo uma ampla

expansão no mundo, por conta do seu caráter flexível e dinâmico. Além disso, por

promoverem uma reflexão sobre a utilização dos recursos naturais e a sua consequente

necessidade de equilíbrio, através da conscientização dos agentes econômicos, e também

proporcionarem benefícios ao meio ambiente, a economia e a sociedade, esta ferramenta tem

se apresentado como um viável mecanismo de regulamentação ambiental, em consonância

com os princípios defendidos por este artigo.

PALAVRAS-CHAVE: Instituições; desenvolvimento sustentável; instrumentos de gestão

ambiental.

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1. Introdução

O ambiente de acirrada competição internacional gerado pela aceleração do processo de

globalização das últimas décadas nos adverte que para qualquer nação do mundo, não é

suficiente crescer numericamente em termos do PIB, mas é preciso que este crescimento seja

social e ambientalmente sustentável. Para que isto seja possível, os especialistas ao redor do

mundo tem repetido o mesmo mantra: o tripé ciência, tecnologia e inovação são elementos

fundamentais para viabilizar uma redução e melhor utilização de insumos naturais no

processo produtivo e também de mecanismos de regulamentação ambiental. Um aspecto,

porém tem sido negligenciado neste debate, qual seja, o papel das instituições.

O papel desempenhado pelas instituições no processo de crescimento e

desenvolvimento econômico foi omitido ou pouco explorado pelos teóricos da abordagem

mainstream em Economia por boa parte do século XX e até recentemente. Exemplo disso são

os modelos neoclássicos, inclusive os de crescimento endógeno, em que instituições são

tratadas como variáveis exógenas, a tecnologia como uma variável estática, e os indivíduos

como agentes hedonistas que, sujeitos a restrições orçamentárias, buscam posições de

equilíbrio maximizando uma dada função de produção (AREND e CÁRIO, 2004; PESSALI e

FERNÁNDEZ, 2006). Este ensaio procura contribuir com este debate, procurando relacionar

o papel das instituições no contexto de um modelo econômico que seja ao mesmo tempo

desenvolvimentista e sustentável.

O presente artigo tem por objetivo mostrar que as instituições são importantes

ferramentas para a promoção de um desenvolvimento sustentável, e na vertente ambiental

estão na base dos instrumentos econômicos de regulamentação do uso de bens e serviços

derivados do meio ambiente. Para cumprir tal objetivo, o artigo foi dividido em três seções

além desta introdução. Na seção seguinte, apresentamos o debate teórico entre instituições e

as concepções de crescimento e desenvolvimento econômico elaboradas no pós guerra. A

seção três apresenta uma discussão entre o desenvolvimento econômico e desenvolvimento

sustentável. A seção quatro aborda as correntes teóricas da economia que analisam a

sustentabilidade, considerando principalmente a influência do meio ambiente. Na sequência,

tratamos dos mecanismos de regulação ambiental, tais como os instrumentos de comando e

controle e os instrumentos econômicos, e como estes últimos buscam promover um

desenvolvimento mais consciente e consequentemente mais sustentável, com um uso

equilibrado dos recursos naturais. Breves considerações finais concluem o artigo.

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2. Instituições, crescimento e desenvolvimento econômico

O termo “instituição” tem sido objeto de intenso debate na literatura econômica desde o

trabalho seminal elaborado pelo economista norte-americano Thorstein Veblen (1857-1929)

no final do século XIX. Veblen é considerado o precursor da Escola Institucionalista a partir

da publicação de sua obra mais importante, A teoria da Classe Ociosa, em 1899.1 A teoria

institucionalista desenvolvida por Veblen propõe que a história humana é pautada pela

evolução das instituições, ou seja, a sociedade é vista como um organismo complexo que

evolui a partir das mudanças que ocorrem na estrutura institucional na qual se assenta. Em

outras palavras, a evolução da estrutura social é um processo de seleção natural das

instituições de forma que a vida do homem em sociedade, assim como a vida de outras

espécies, é uma luta pela existência e, portanto, um processo de adaptação seletiva (VEBLEN

1899).

Instituições resultam de hábitos de pensamento da sociedade adaptados a circunstâncias

sociais e culturais históricas e, por conseguinte, normalmente não estão em pleno acordo com

as exigências do presente. À medida que estes hábitos de pensamento são difundidos e

coletivamente aceitos, tornam-se ideias corroboradas por toda a comunidade que definiriam

um senso comum. Estes hábitos de pensamento, ou senso comum, são tomados como

verdades coletivas transformando-se em instituições (formais ou informais). Isso quer dizer

que um passo importante rumo à constituição de qualquer fenômeno econômico exige uma

mudança nos hábitos, costumes e rotinas da sociedade. Estas mudanças e adaptações ao

ambiente (contexto histórico) são um ponto de partida para um novo ajustamento, e assim

sucessivamente formando um ciclo de evolução institucional interminável, que não leva a

uma situação necessariamente melhor do que a anterior mas a um estágio diferenciado e com

novo potencial de mudança. Em suma, o que o autor quer dizer é que as nações progridem

como um conjunto de processos que se desdobram de maneira evolutiva, historicamente

determinada, que tem graduação progressiva e distinta e é interdependentemente de nação

para nação (HODGSON, 2001, 2002a).

1 Vale a pena salientar que a perspectiva institucionalista Vebleniana não é a única dentro do constructo teórico

da Escola. Existem outras correntes teóricas que creditam às instituições, e sua evolução, um importante papel no

desenvolvimento do sistema econômico. Samuels (1995) subdivide os institucionalistas em três abordagens

distintas, quais sejam, o Velho Institucionalismo (ou Institucionalismo Original, ou ainda a Escola

Institucionalista Americana), a Nova Economia Institucional e os Neo-institucionalistas. Pretende-se neste artigo

abordar o conceito de instituições e seu papel no desenvolvimento econômico e social a partir dos princípios

teóricos propostos pelo Institucionalismo Original e pelos autores Neo-institucionalistas contemporâneos que

tem procurado resgatar o pensamento de Veblen. Por isso, foge dos objetivos deste artigo apresentar com

maiores detalhes todas as outras abordagens. Para tanto, além de Samuels, veja Mayhew (1987), Hodgson (1998)

e Conceição (2002), Dequech (2005).

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Sendo assim, torna-se imprescindível capturar o conceito de instituição elaborado pelo

autor. Em várias passagens de sua obra, Veblen define instituições como hábitos mentais (ou

de pensamento) tão enraizados na sociedade que determinam padrões de comportamento

coletivo, que evoluem e são responsáveis pela trajetória global da sociedade. Nas suas

palavras (1899, p. 87 e 89):

As instituições são elas próprias o resultado de um processo seletivo e adaptativo que modela os

tipos prevalescentes, ou dominantes, de atitudes e aptidões espirituais, são ao mesmo tempo

métodos especiais de vida e de relações humanas, e constituem, por sua vez, fatores eficientes de

seleção. [...] Instituições são métodos habituais de dar continuação ao modo de vida da comunidade

em contato com o ambiente material no qual ela vive.

Assim como a teoria da seleção natural de Darwin defende que as espécies evoluem

para sobreviver às intempéries do meio ambiente em que vivem, para Veblen a sociedade e as

instituições também estão sujeitas à evolução e seleção, processo histórico este que leva

invariavelmente a uma mudança dos hábitos de pensamento dos agentes, ou seja, de suas

condutas e decisões econômicas. Desta maneira, as decisões (opções) tomadas pela sociedade

ao longo de sua história estão associadas aos hábitos mentais arraigados de sua população,

que em determinado momento tornou-se a “veia moral” da sociedade que inspirou suas leis e

códigos, formais e informais.

Esta visão evolucionária de Veblen assevera que as instituições são de extrema

importância para compreender o comportamento das decisões humanas, consequentemente,

dos fenômenos que daí decorrem, incluindo o desenvolvimento econômico.2 Dizendo de

outra forma, como os hábitos mentais dos indivíduos são instituições e geram instituições

codificáveis e não codificáveis, sua evolução histórica determina os padrões de

desenvolvimento das sociedades na medida em que influencia elementos básicos como o

sistema de governo, a representação política, a educação, o padrão de formação profissional,

de inovação tecnológica, os mecanismos de regulação e intervenção do Estado, o sistema de

financiamento, o vigor do setor privado, etc. Esta é a razão pela qual é importante analisar

2 Veblen rompeu radicalmente com a ortodoxia econômica de linha neoclássica, caracterizando sua própria teoria

como pós-Darwinista e evolucionária. Ele defendia que a economia deveria utilizar as metáforas extraídas da

biologia e aplicá-las à evolução e à mudança tecnológica, ao invés de reproduzir ideias estáticas de equilíbrio

retiradas da física pelos economistas neoclássicos. Ele incorporou à Ciência Econômica os conceitos

evolucionistas tanto do biólogo Charles Darwin (1809-1882) quanto do naturalista Jean-Baptiste Lamarck (1744-

1829), assim como de noções do Darwinismo Social desenvolvido por Herbert Spencer. Desta forma, alcançou

uma abordagem de amplitude totalmente nova, dando margem a muitas possibilidades para pesquisas

econômicas de natureza multidisciplinar. Como corolário, possibilitou a geração de uma nova agenda de

pesquisa em economia baseada na interação com as outras ciências, especialmente as sociais, tendo como foco o

papel histórico das instituições na conformação do tecido social.

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desenvolvimento econômico levando-se em conta o caráter institucional dos hábitos e

costumes incorporados ao longo do tempo, e sua evolução (HODGSON, 2005, 2007).

As instituições e suas mudanças, subjacentes ao processo de desenvolvimento

econômico e social são fenômenos interligados e interdependentes. Neste artigo,

desenvolvimento econômico é entendido como um fenômeno que evolui historicamente a

partir das características idiossincráticas relacionadas aos aspectos econômicos, políticos e

culturais e sociais de cada nação. Compreende-se que desenvolvimento é um processo

(sequência contínua de fatos e ações) evolutivo de uma complexa rede de instituições que

promove mudanças estruturais necessárias à melhoria do padrão de vida da maioria da

população, e não o resultado apenas de taxas positivas de crescimento per capta do PIB.

Assim concebido, desenvolvimento é um conceito histórico e institucionalmente denso, ou

seja, alterações estruturais na evolução histórica das instituições e das relações econômicas e

sociais são importantes para avaliar a trajetória do fenômeno.

Pode-se perceber que as instituições desempenham um importante papel no

desenvolvimento pelos seguintes motivos: estabelecem o aparato legal, regimental e

regulatório necessário a toda atividade produtiva de curto e longo prazo em âmbito local,

regional, nacional e internacional (COMMONS, 1931); viabilizam a implementação da rede

de incentivos ao investimento e às inovações tecnológicas; estão na base da organização das

empresas enquanto sistemas de governança; tornam viável a formalização e a estruturação do

mercado de trabalho; e finalmente, ajudam a coordenar as políticas macroeconômicas

domésticas e internacionais. Em outras palavras, as instituições articulam o processo de

desenvolvimento econômico de forma mais ou menos duradoura e sustentada (BUENO,

2004). Uma vez examinada a importância das instituições, cabe investigar agora a diferença

fundamental entre crescimento e desenvolvimento.

Ao longo dos dois séculos de evolução da ciência econômica, diversas Escolas tem se

empenhado na investigação minuciosa dos determinantes do crescimento e do

desenvolvimento, formulando sistematizações teóricas distintas. Gradualmente, duas visões

opostas foram se cristalizando neste debate: a visão convencional (neoclássica) e a abordagem

heterodoxa. Segundo Conceição (2002a), para a análise neoclássica, crescimento é um

fenômeno passível de formalização teórica, o que implica simplificá-lo e reduzi-lo à dedução

das relações causais pressupostos nos princípios fundamentais desta abordagem. Ou seja, ao

invés de ser considerado um processo histórico de mudanças nas instituições e na estruturas

produtiva, econômica e social de uma nação, crescimento econômico é determinado por uma

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determinada e desejável variação percentual do PIB, mais especificamente pela relação entre

o PIB e o crescimento populacional. Ou ainda pela variação na produção per capita em

relação ao aumento do estoque de capital. Em contraste, a visão sobre desenvolvimento da

abordagem teórica institucionalista aqui delineada considera o fenômeno como um processo

que evolui no tempo, positivamente ou não, devendo ser analisado não apenas de forma

quantitativa, mas qualitativamente, levando em conta mudanças nas relações históricas das

instituições.

Neste sentido, é importante fazer uma distinção entre a noção de crescimento e

desenvolvimento econômico. Souza (2005) e Bresser-Pereira (2006) descrevem duas

correntes de economistas que buscam diferenciar tais conceitos. Uma considera crescimento

como sinônimo de desenvolvimento, enquanto outra, voltada mais para a realidade empírica

dos países em desenvolvimento, entende que crescimento é condição indispensável, mas não

suficiente para se alcançar uma situação de desenvolvimento. No primeiro grupo, encontram-

se os modelos de crescimento neoclássicos, como os de James Meade e Robert Solow, e os

que tiveram alguma inspiração Keynesiana, como os de Roy Harrod, Evsey Domar e Nicholas

Kaldor. Na segunda corrente, estão economistas como Michal Kalecki, Arthur Lewis,

Ronsentein-Rodan, Albert Hirschman, Gunnar Myrdal, Raúl Prebish e Ragnar Nurkse.

Embora alguns deles tivessem formação convencional, desenvolveram análises e elaboram

modelos mais próximos da realidade das economias subdesenvolvidas do pós segunda guerra.

Vejamos com um pouco mais de detalhe os argumentos de cada uma destas correntes.

A abordagem convencional incorpora a visão de que o crescimento econômico distribui

diretamente a renda entre os proprietários dos fatores de produção, engendrando assim

automaticamente a melhoria dos padrões de vida e, consequentemente, de desenvolvimento

econômico. Imaginava-se, segundo Veiga (2008), que bastaria a economia de um país

crescesse continuamente em termos de seu PIB para que automaticamente se tornasse

desenvolvida. Isto porque as poucas nações desenvolvidas do pós-guerra eram as que haviam

obtido taxas de crescimento positivo do produto e se tornado ricas, principalmente pelo vigor

de sua atividade industrial. Por outro lado, países que haviam permanecido subdesenvolvidos

eram industrialmente pobres, sua atividade industrial era ainda incipiente ou nem havia

começado. Em suma, a abordagem destes autores na época era de que “crescer”, via

mecanismo de mercado e o vigor da atividade industrial, era sinônimo de “desenvolver”.

As raízes teóricas do pensamento econômico não convencional sobre desenvolvimento

surgem como resultado das crises do sistema a partir da década de 1950. Neste período,

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começa-se a perceber que a expansão ou crescimento quantitativo da economia não engendra,

necessariamente, uma melhora nos padrões de vida da sociedade. Conforme descrevem

Bastos e Britto (2010), observando o crescimento da economia numa perspectiva de longo

prazo pode-se perceber que a partir da expansão do capitalismo industrial no século XIX há

uma mudança no padrão de crescimento da renda per capita, contudo este crescimento

“intensivo” da renda teve um caráter bastante desigual. Ou seja, o crescimento (leia-se

expansão das atividades econômicas) de determinados países (mesmo de algumas regiões no

mundo), ocorreu em velocidades muito distintas, levando a um afastamento no padrão de

renda e no nível de vida das populações dos países desenvolvidos e daqueles menos

desenvolvidos.

A segunda corrente, por outro lado, discorda da assertiva de que crescimento é resultado

de uma simples variação do produto. Segundo estes autores, desenvolvimento envolve

mudanças qualitativas no padrão de vida das pessoas, das instituições (HODGSON, 2006) e

das estruturas produtivas. Assim, crescimento e desenvolvimento econômico não devem ser

considerados sinônimos. Como crescimento refere-se à mera expansão do PIB e da renda per

capta, é por isso insuficiente para gerar desenvolvimento econômico, o que significa que há

uma grande preocupação com fatores relativos à qualidade de vida da população que

dificilmente são garantidos através da obtenção de variações positivas do produto. Segundo

Veiga (2008), quem melhor define o conceito de desenvolvimento neste sentido é Celso

Furtado, segundo o qual:

O crescimento econômico, tal qual o conhecemos, vem se fundando na preservação dos privilégios

das elites que satisfazem seu afã de modernização; já o desenvolvimento se caracteriza pelo

projeto social subjacente. Dispor de recursos para investir está longe de ser condição suficiente

para preparar um melhor futuro para a massa da população. Mas quando o projeto social prioriza a

efetiva melhoria das condições de vida dessa população, o crescimento se metamorfoseia em

desenvolvimento (FURTADO, 2004, p. 484 apud VEIGA 2008).

Ainda segundo este segundo grupo de autores, o descompasso entre crescimento

econômico e equidade social pode ser observado através da análise de outros indicadores tais

como: níveis de educação, saúde, redução da pobreza, distribuição de renda, melhora do IDH,

aperfeiçoamento das instituições em geral, entre outros. Além disso, esta abordagem defende

que há uma forte correlação entre as decisões políticas e as mudanças na estrutura da

economia, ou seja, acreditam que o desenvolvimento econômico não ocorre espontaneamente.

Assim sendo, o papel do Estado na economia é de fundamental importância, nos moldes dos

princípios Keynesianos de intervenção estatal estabelecidos pelo autor a partir da Teoria

Geral. Ou seja, numa economia com problema de demanda efetiva, o Estado exerce uma

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papel considerável, por exemplo, estabelecendo um sistema de regulação comercial e

financeira, criando emprego, promovendo obras de infraestrutura, financiando o investimento,

fabricando bens de capital, etc.

Pessali e Dalto (2010) concordam com tal visão, ressaltando outros conceitos relevantes

ao desenvolvimento econômico, como por exemplo os aperfeiçoamentos tecnológicos ligados

aos sistemas nacionais de inovação, arranjos produtivos, e redes de cooperação. Além disso,

eles chamam a atenção para a importância das reformas institucionais, solução de dilemas

sociais, preservação dos recursos naturais, melhorias no mercado de trabalho, e ampliação dos

mercados domésticos.

Tendo isso em mente, podemos agora debater mais especificamente as relações entre

instituições e desenvolvimento econômico. Os princípios teóricos do pensamento

institucionalista relacionados à Escola Institucionalista Original, base teórica do presente

artigo, estão em estreita sintonia com a abordagem heterodoxa e em posição oposta ao

mainstream neoclássico. Mesmo que não haja uma teoria desenvolvimentista conclusiva

elaborado por estes autores, uma abordagem institucionalista sobre desenvolvimento envolve

não apenas uma análise da evolução quantitativa da economia, mas deve levar em conta a

evolução da sociedade e das instituições, dentro de seu universo histórico e cultural. Isso quer

dizer que deve-se observar o progresso econômico e social considerando path-dependence,

reconhecendo o caráter diferenciado do processo, pressupondo que o ambiente econômico

envolve disputas, antagonismos, conflitos e incerteza. Estes aspectos sugerem que a relação

entre a atividade humana, as instituições e a natureza evolucionária da economia define tipos

diferentes de sistema, o que explica as distintas evoluções dos países ao longo de sua

trajetória histórica. O processo de desenvolvimento econômico relaciona-se, assim, à

interdependência entre instituições, à mudança institucional que ocorre na história da

sociedade, e dos arranjos institucionais que ela constrói para engendrar seu processo de

inovação técnica (HODGSON 2005, CHANG 2010).

Sachs (2008) enfatiza a importância das instituições ao asseverar que desenvolvimento

não é o resultado espontâneo da ação das livres forças do mercado. Os mercados são tão

somente uma entre as várias instituições que devem ser transformadas para engendrar o

desenvolvimento. Na opinião do autor, o desenvolvimento tende a habilitar cada indivíduo a

manifestar suas potencialidades, talentos e imaginação, na procura da auto-realização e

felicidade, mediante empreendimentos individuais e coletivos, numa combinação de trabalho

e tempo gasto em atividades de lazer. Desta forma, enfatiza que os aspectos qualitativos

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subjacentes ao processo são essenciais para determinar se uma nação está passando por um

período de desenvolvimento econômico, ou se por mera fase de progresso material, que não é

capaz de promover melhorias no padrão de vida da sociedade como um todo.

Em suma, instituições são hábitos de pensamento (ie, padrões de conduta e seus

valores), regras, normas, e sua evolução (HODGSON, 1998). Instituições evoluem no tempo

de maneira diferenciada e idiossincrática, o que significa que não há um modelo geral

consagrado de desenvolvimento. Ou seja, devido ao processo de aprendizagem dos agentes

dentro de seus respectivos contextos histórico e cultural, as mudanças tecnológicas, a

evolução das instituições e as transformações na estrutura econômica, política e social

ocorrem de maneira distinta entre as economias de tal forma que há diferentes e genuínas

trajetórias de desenvolvimento econômico entre países e regiões.

Esta seção procurou estabelecer pontos importantes da relação entre instituições,

crescimento e desenvolvimento econômico. Na seção seguinte, daremos um passo à frente,

examinando como estes princípios se integram na discussão sobre desenvolvimento

econômico e sustentável. Neste artigo, acreditamos que o modelo de desenvolvimento

econômico do século XXI deve ser encarado do ponto de vista da sustentabilidade, ou seja,

deve ser um modelo que estabeleça regras claras (instituições) para que a utilização dos

recursos oferecidos pela natureza possa continuar sendo utilizados pelas gerações seguintes.

Em outras palavras, entendemos que um processo de desenvolvimento econômico sustentável

engendra políticas de construção de uma sociedade industrial capaz de promover melhorias na

qualidade de vida da população sem provocar a deterioração (leia-se também deflexão) do

meio ambiente.

As teorias de desenvolvimento elaboradas no pós-guerra foram importantes mas devem

ser repensadas incluindo variáveis qualitativas que sejam mais consistentes e relevantes para o

atual contexto histórico. Neste novo contexto, propomos ressaltar o papel das instituições e da

preservação das fontes de recursos que tornam possível o progresso material e humano da

sociedade. Ou seja, o desenvolvimento da nação precisa ser economicamente viável através

da preservação de sua herança ambiental e da melhoria em seus indicadores sociais. Esta tese

está em conflito com os programas de desenvolvimento tradicionais pois não incorporam

medidas efetivas para lidar com as questões ambientais e com o padrão de vida das gerações

futuras.

Podemos listar, por exemplo, políticas que nem os modelos neoclássicos de crescimento

nem os modelos heterodoxos mencionados acima procuraram incorporar. São eles:

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investimento em tecnologias mais limpas; extração de matéria-prima de forma mais

sustentável; investimento nas comunidades que produzem este tipo de matéria-prima;

tratamento dos resíduos sólidos; economia do gasto público e privado de água e energia;

políticas educativas pelo consumo de produtos ambientalmente certificados, etc. Ou seja, é

necessário uma grande mudança nos hábitos, costumes e rotinas arraigados na cultura da

sociedade da sociedade, que se refletem nas leis e em boa parte do aparato jurídico que rege

as relações de produção (e da distribuição do produto), investimento, propriedade privada,

concorrência, inovação e comercialização de um país. Trata-se de um processo não linear e de

grande extensão que envolve mudança cultural, portanto, institucional. Em síntese, neste

novo modelo de desenvolvimento dois elementos essenciais devem ser introduzidos no

debate: a questão da sustentabilidade e das instituições.

3. Instituições, desenvolvimento econômico e sustentabilidade

Definida a distinção entre crescimento e desenvolvimento econômico, bem como o

aparato teórico de análise, pretende-se abordar nesta seção questões relacionadas à

sustentabilidade deste desenvolvimento, principalmente relacionado ao meio ambiente. Esta

discussão é de fundamental importância por dois motivos: primeiro, porque os recursos

naturais disponíveis no mundo estão dando sinais claros de esgotamento e, por via de

consequência, esta exaustão tem colocado em xeque a operacionalidade da matriz industrial

global. Ainda não estamos em xeque mate, mas a já irreversível degradação ambiental desafia

a humanidade a encontrar formas mais sustentáveis e inteligentes de usar os recursos da

natureza. Segundo, qualquer programa de desenvolvimento que se queira empreender vai

esbarrar nesta limitação de recursos.

Como vimos acima, desenvolvimento econômico pressupõe um processo histórico de

amplas adaptações (mudanças) institucionais. Ajustes relacionados à política econômica

(estabilidade de preços, consistência macroeconômica), ao aparato legal (estabilidade

jurídica), à esfera social (distribuição mais equitativa da renda, políticas de geração de

emprego e renda) e à esfera política (combate à corrupção, democratização das instâncias de

representação) são cruciais para engendrar um processo de mudança do conjunto de condições

materiais e culturais que incentive inovações, investimentos e inclua responsabilidade sócio-

ambiental. Tais condições são importantes para estabelecer condições para o acesso da

população aos benefícios do desenvolvimento.

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A atividade econômica que não respeita o meio ambiente produz renda para

determinados setores da economia mas, por outro lado, prejudica a continuidade do processo

produtivo na medida em que leva o acesso de recursos à exaustão. Desta forma, o processo

produtivo tradicional piora duplamente a qualidade de vida da população: piora no presente

(ao gerar poluição e suas consequências nefastas) e piora no futuro (ao promover a exaustão

dos recursos naturais e mudança climática desfavorável). Em outras palavras, os benefícios

do crescimento da produção tornam-se medíocres para uma extensa parcela da sociedade, por

isso não podemos considerar este tipo de desempenho econômico como sendo o processo de

desenvolvimento que a sociedade mundial demanda neste início de século XXI. Assim, um

dos princípios fundamentais que está na base de um projeto de desenvolvimento econômico

sustentável é conciliar a atividade econômica produtiva, geradora de emprego e renda com

qualidade de vida da população através de uma forma menos degradante do uso dos recursos

naturais. Integridade e inclusão social, erradicação da miséria e da pobreza e relação de

equilíbrio com o meio ambiente são o tripé do que os economistas têm chamado de

desenvolvimento sustentável (SACHS, 2008).

Em última análise, dado que o planeta tem recursos naturais finitos, um programa de

desenvolvimento sustentável deve procurar aumentar o padrão de vida da sociedade

modificando simultaneamente a matriz produtiva da economia. Para tanto, é fundamental que

agentes públicos e privados desenvolvam competência para implementar inovações que

garantam a continuidade da produção material (o que inclui não só mudanças na estrutura

produtiva, mas também formas alternativas de geração de fontes de energia renovável) sem

levar os países a uma situação em que os serviços ambientais entrem em colapso. Assim,

entendemos sustentabilidade como sendo uma situação em que a atividade econômica de um

país é realizada preservando-se seus recursos naturais, de tal forma a degradação ambiental

não se torna um obstáculo ao crescimento da economia no longo prazo. Como corolário, uma

economia é capaz de atingir um estágio de desenvolvimento econômico sustentável quando o

resultado deste processo implica numa situação em que o crescimento material da economia

gera benefícios sociais para uma ampla parcela da população com a conservação do

patrimônio ambiental da nação.

Explorar o potencial da natureza sem devastá-la significa extrair recursos que não

destruam as características físico-químicas de cada ecossistema, permitindo assim que este

seja capaz de recompor as comunidades vivas (animais em geral, plantas e bactérias) e

recursos materiais (água, gelo, solo, vegetação, florestas, minerais) imprescindíveis à

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continuidade da atividade econômica.3 Medidas essenciais que devem ser incluídas neste

modelo de desenvolvimento incluem, por exemplo: criação de um elevado percentual de

matriz industrial e energética limpa; programas de controle do desmatamento e redução de

emissão de gazes do efeito estufa; racionalização da produção nas áreas que já estão sendo

utilizadas; e evitar o uso extensivo dos recursos. Sem a devida preservação destes insumos,

não teremos nem desenvolvimento, nem sustentabilidade. Neste momento histórico marcado

por pouco mais de uma década do terceiro século do capitalismo, qualquer modelo de

desenvolvimento que desconsidere a fragilidade dos ecossistemas deve ser desconsiderado

como uma estratégia factível de longo prazo.

Cechin e Veiga (2010, p. 439) colocam este argumento da seguinte forma: “Se a

economia pega recursos de qualidade de uma fonte natural e despeja resíduos sem qualidade

para a economia de volta para a natureza, então não é possível tratar a economia como um

ciclo fechado e isolado da natureza”. Portanto, é crucial e insuprimível no debate sobre

desenvolvimento no século XXI encontrar formas plausíveis de solucionar estes problemas,

principalmente porque esta discussão ainda não tem sido amplamente incorporada na

literatura heterodoxa especializada até o momento.

Segundo Romeiro (1999), o conceito de desenvolvimento sustentável surgiu pela

primeira vez com o nome de ecodesenvolvimento no início da década de 1970, em resposta à

polarização exacerbada proveniente da publicação do Relatório do Clube de Roma. Este

Relatório, publicado em 1972, apresentou ideias de partidários de duas visões opostas sobre

as relações entre crescimento econômico e meio ambiente. De um lado, propunha-se que os

limites ambientais ao crescimento econômico fossem relativos diante da capacidade inventiva

da humanidade, de tal forma que o processo de crescimento econômico gerasse uma força

positiva capaz de eliminar, por si só, as disparidades sociais. De outro, prognosticava-se que o

meio ambiente apresentava limites absolutos ao crescimento econômico, de tal forma que a

humanidade estaria próxima de uma catástrofe se fossem mantidas as taxas de expansão de

extração de recursos naturais e de utilização da capacidade de fornecimento dos serviços

ambientais do meio natural.

3 De fato, a palavra ecossistema e economia possuem o mesmo radical derivado da palavra grega oikos, cujo

significado, bastante simbólico para o contexto, quer dizer “casa”. O radical é o mesmo mas a economia (gerir,

administrar, organizar) não tem sido capaz nem de gerir, administrar ou organizar a atividade industrial de forma

a garantir a preservação dos meios necessários para a e continuada da atividade do ecosistema (conjunto, corpo,

lugar onde se vive) que a alimenta (PEREIRA, 1984). De fato, a palavra “ecologia” também tem o mesmo

radical das demais mas, também simbolicamente, ela foi não foi incluída no dicionário de grego editado em

1984!

13

De acordo com o Romeiro (1999), a literatura econômica tem reconhecido que o

progresso técnico efetivamente relativiza os limites ambientais, embora não os elimine, e que

o crescimento econômico é condição necessária, mas não eficiente nem suficiente para

eliminação da pobreza e das disparidades sociais. Sendo assim, a prosição de que é necessário

intervir no processo de desenvolvimento e direcioná-lo de modo a conciliar eficiência

econômica, desejabilidade social e prudência ecológica passa a ter uma aceitação generalizada

(apesar de Romeiro ressaltar que ainda há divergências relacionadas ao trade-off crescimento

econômico e meio ambiente).

Conforme Romeiro (1991), a viabilidade econômica pressupõe a concepção de sistemas

produtivos onde os custos de produção, medidos pela produtividade do trabalho obtida, sejam

compatíveis com os níveis de bem-estar social considerados minimamente aceitáveis. A

desejabilidade social pressupõe a solidariedade entre classes sociais, o que implica optar por

padrões tecnológicos que propiciem uma distribuição mais equitativa da renda gerada.

Por sua vez, Chacon (2000) assevera que a expressão “desenvolvimento sustentável”

surgiu quando foi criada a Comissão Mundial para de Meio Ambiente e Desenvolvimento,

defendendo a tese de que as necessidades geradas pelas sociedades no presente devem ser

atendidas, bem como uma preocupação com as gerações futuras. Tal expressão se tornou

mundialmente conhecida quando foi adotada no programa da ONU chamado “Nosso futuro

comum”, mais conhecido por Relatório Brundtlan, apresentado em 1987 à Assembléia Geral

das Nações Unidas.

Sachs (2008) afirma que o desenvolvimento sustentável obedece ao duplo imperativo

ético da solidariedade com as gerações presentes e futuras, e exige a explicitação de critérios

de sustentabilidade social e ambiental e de viabilidade econômica. Na opinião do autor,

somente as soluções que considerem estes três elementos, isto é, que promovam o

crescimento econômico com impactos positivos em termos sociais e ambientais, merecem a

denominação de desenvolvimento.

Seguindo esta linha de pensamento, Veiga (2005, p. 5) descreve que “no médio prazo, o

desenvolvimento deve ser adequado à ambição de que no longo prazo haja compatibilidade

entre a humanidade, os recursos que ela consome e o efeito de suas atividades sobre o meio

ambiente”. Sendo assim, o reconhecimento da existência de limites absolutos à expansão do

sistema econômico, de acordo com a visão de sustentabilidade do desenvolvimento, implica a

necessidade de estabilizar a produção material/energética a um nível considerado sustentável.

14

É neste sentido que a dimensão institucional torna-se relevante na análise de desenvolvimento

sustentável.

A degradação ambiental vem atingindo mundialmente níveis alarmantes principalmente

a partir da década de 1970 e tem se tornado um problema endêmico para a consecução efetiva

de programas de desenvolvimento econômico na perspectiva que estamos defendendo neste

trabalho. Os motivos parecem óbvios, porém o que não é tão evidente são as formas de se

lidar com os problemas que isto tem criado para as sociedades que procuraram não apenas

expandir sistematicamente seu produto, mas se desenvolver preservando os recursos da

natureza para as próximas gerações. Muitas pesquisas têm sido feitas nos principais países do

mundo a fim de encontrar novos padrões tecnológicos de geração de energia limpa. Todos

estes esforços mais relacionados com o conhecimento de engenharia ambiental são de

extrema importância e devem ser crescentemente incentivados. Porém neste artigo, vamos nos

concentrar em discutir outro aspecto igualmente importante para a sustentabilidade do meio

ambiente que são as mudanças dos hábitos de se lidar com os recursos da natureza.

Hábitos de pensamento, que determinam padrões sociais de comportamento,

estabelecidos por décadas tornam-se instituições arraigadas na cultura de uma sociedade.

Como afirma Hodgson (2006), instituições tornam os comportamentos estruturados e

duráveis, não sendo portanto eliminados de maneira repentina, casual ou extemporânea.

Tornam-se parte da cultura de uma nação, ou grupo de indivíduos que, no plano empresarial,

desenvolvem seus próprios valores e interesses de acordo com ramo de atividade a que

pertencem. Quando o respeito à preservação dos recursos naturais não é foi formado como

uma instituição na forma de pensar e agir de determinado grupo, isso cria muitas vezes são

um importante obstáculo ao desenvolvimento sustentável.

O trecho a seguir de Cechin e Magalhães (2007, p.7) ilustra bem a importância das

instituições na reformatação de hábitos de pensamento e padrões de comportamento mais

ordenados a partir da constatação das graves limitações ambientais do mundo atual. Sem uma

importante mudança em nível global que envolva sociedade, empresas, governos, dificilmente

poderemos pensar em um processo de desenvolvimento sustentável em nível global. Vale a

pena enfatizar que a visão dos autores acerca das instituições é totalmente coerente com

aquela que foi esboçada na primeira parte deste artigo. Segundo eles:

A emergência de uma nova instituição que se refira aos cuidados com o ambiente, por exemplo, só

poderá alterar fundamentalmente as preferências e comportamentos dos indivíduos se ela alterar os

hábitos de pensamento e comportamento. Hábitos devem ser entendidos como repertórios de

pensamento ou comportamento potencial. Como uma disposição de se engajar em um

comportamento. O comportamento concordante com o hábito é engatilhado pelo contexto

apropriado.

15

Se a sociedade global internalizar como parte de sua cultura a concepção de que os

recursos naturais são imprescindíveis mas limitados, seus hábitos de consumo, preferências,

formas de extração e utilização destes recursos irão mudar e influenciar mudanças na estrutura

de regras (legais e não legais, formais e não formais) desta sociedade. Conforme Romeiro

(1999) as alterações na trajetória institucional são (muito mais do que mudanças

imprevisíveis) o resultado de ações conscientes em busca de ações socialmente eficientes.

Veiga e Zatz (2008) colocam as discussões e conceitos em torno do tema de maneira

bastante simples e didática. Acreditam que as discussões de fato vêm se aprofundando desde o

Relatório de Brundtlan, e suscitando em compromissos internacionais como as conferências

Rio-92, Rio+10 e o Protocolo de Kyoto. No entanto, segundo os autores, parece haver um

retrocesso no que se refere às ações práticas concretas na busca pela sustentabilidade. Eles

colocam no plano de discussão da conciliação entre conservação ambiental e crescimento

econômico visões otimistas e pessimistas, que serão detalhadas a seguir, de acordo com as

abordagens econômicas sobre o meio ambiente.

O elevado crescimento econômico nos países do grupo de países chamado BRICs

(principalmente na China) nesta última década superou a taxa média alcançada pelos países

desenvolvidos no mesmo período. Estes por sua vez já experimentam há várias décadas,

níveis elevados de crescimento econômico e consumo per capta. Eles estão em crise neste

momento, mas as várias medidas que vem sendo adotadas por seus governos, bancos centrais

e pelo setor privado sinalizam para o fim do problema dentro de alguns anos, e isso levará a

economia mundial a um problema econômico grave. Quando estes países superarem a crise, a

pressão por consumo será enorme pois vai se somar àquela dos países menos desenvolvidos

que tem aumentado a demanda de consumo das classes em geral, mas principalmente das

classes média e emergente. A capacidade do planeta para suprir a demanda de consumo de

todos estes países não é sustentável, e pode gerar outra crise tão ou mais profunda como esta

que estamos vivendo. O padrão de consumo destes países tem que ser alterados e/ou deve

haver uma mudança na utilização dos recursos naturais e na forma de produzir dos agentes em

geral. Este processo requer instituições, algumas delas serão discutidas na seção 5.

4. Abordagens econômicas sobre a sustentabilidade ambiental

A literatura acadêmica contemporânea referente à Economia do Meio Ambiente tem

desenvolvido diversas interpretações teóricas distintas acerca da temática da sustentabilidade.

Foge aos objetivos deste artigo detalhar todas elas (sobre este assunto ver MAY 2010 e

16

ROMEIRO 1991, 1999), contudo para subsidiar a discussão sobre os instrumentos de

regulamentação ambiental que faremos ao longo do texto, é importante apresentar as duas

principais correntes teóricas em economia que tratam dos problemas da sustentabilidade: a

Economia Ambiental, de concepção neoclássica, e a Economia Ecológica.

4.1 Economia ambiental

A corrente que é composta pelos princípios da teoria neoclássica, considera que os

recursos naturais não representam, à longo prazo, um limite absoluto à expansão da economia.

Pelo contrário, estes recursos, inicialmente, nem sequer apareciam nas representações da

realidade econômica, como exemplo, a função de produção descrita apenas com os fatores de

capital e trabalho. Assim, a economia funcionava perfeitamente com a consideração do meio

ambiente, enquanto fornecedor de insumos e capacidade de assimilação de impactos naturais,

como uma fonte inesgotável.

Com o início das discussões acerca do esgotamento de alguns recursos naturais que

serviam de insumos para as atividades produtivas, estes foram incluídos nas análises da

corrente neoclássica como uma das variáveis componentes da função de produção, mas

mantendo-se o caráter multiplicativo, o que representaria a completa substitubilidade entre os

fatores capital, trabalho e recursos naturais, e, portanto, a suposição de que os limites

impostos pela disponibilidade de recursos naturais podem ser indefinidamente superados pelo

progresso técnico que substitui por capital ou trabalho. Ou seja, conforme Romeiro (2001), o

sistema econômico é visto como suficientemente grande para que a disponibilidade de

recursos naturais se torne uma restrição à sua expansão, mas uma imposição apenas relativa e

superável indefinidamente pelo progresso das ciências e da tecnologia.

A ideia contida nesta visão é que os mecanismos de mercado, principalmente a lei da

oferta e demanda, funcionariam como regentes desta ampliação contínua e não delimitada dos

limites ambientais ao crescimento da economia. Segundo May (2010), no caso dos bens

ambientais transacionados pelo mercado (aqueles em que o valor é reconhecido pelo

mercado), a crescente escassez de um determinado bem acarretaria na elevação de seu preço,

o que induziria a introdução de inovações que permitem poupá-lo, substituindo-o por um bem

em abundância. Já quando se trata dos serviços ambientais, que em geral não são

transacionados no mercado devido a sua característica de bens públicos, como o ar, a água,

este mecanismo não é válido (pois o mercado não reconhece o valor contido nestes bens), e

17

para corrigir esta falha é necessária uma interferência para que a disposição à pagar por estes

serviços possa expressar a medida em que sua escassez aumenta.

E nesta última situação, as soluções seriam aquelas que de algum modo criassem as

condições para o livre funcionamento dos mecanismos de mercado, seja de forma direta,

eliminando a característica de bens públicos, por meio da definição de direitos de propriedade

sobre os bens e serviços ambientais (solução de Coase), seja indiretamente através da

valoração econômica da degradação destes bens e da imposição desses valores pelo Estado

através de taxas (solução de Pigou).

A solução proposta por Coase em seu trabalho de 1960, intitulado de “O problema do

Custo Social”, implicaria na privatização dos bens e serviços ambientais, podendo inclusive

abranger bens de importância suprema para continuidade da existência de vida no planeta,

como a água e o ar. Conforme Romeiro 1991, dentre outros obstáculos, esta ação esbarra no

elevado custo de transação decorrente de processos de barganha que envolveria centenas ou

mesmo milhares de agentes, pois como já mencionado um bem só poderia ser transacionado

se algum agente econômico possuísse a propriedade do mesmo. Apesar desta precaução,

aplicações desta solução constituem parte importante dos fundamentos para utilização de

instrumentos econômicos, que veremos adiante.

Já para Pigou, a correção da falha de mercado dos bens e serviços não-transacionáveis

consistia na redução das diferenças entre os custos privados e sociais, através de taxas e

subsídios, de forma a alterar os custos privados até que eles se equiparem aos custos sociais,

atingindo um ponto de equilíbrio denominado de “poluição ótima”. Esta abordagem é muito

criticada por conta da dificuldade da correta mensuração do custo social ou da função de

critérios políticos ou técnicos e não econômicos. Entretanto, esta opção teórica também

constitui uma das bases da política ambiental baseada em instrumentos econômicos.

4.2. Economia ecológica

Esta corrente de interpretação observa o sistema econômico como um subsistema de um

todo maior que o contém, impondo uma restrição absoluta à sua expansão. Desta maneira, o

capital e os recursos naturais são essencialmente complementares e, portanto, o progresso

científico e tecnológico é visto como essencial para aumentar a eficiência na utilização dos

recursos naturais e, neste aspecto, esta corrente compartilha com a convicção da abordagem

anterior de que é possível instituir uma estrutura regulatória baseada em incentivos

econômicos, pois estes são capazes de aumentar em grande escala a eficiência do sistema.

18

Permanece, entretanto, a discordância fundamental em relação a capacidade indeterminada

dos limites ambientais globais. À longo prazo, contudo, a sustentabilidade do sistema

econômico não é possível sem estabilização dos níveis de consumo per capita de acordo com

a capacidade de carga do planeta.

A questão central para esta corrente de análise é o como fazer com que a economia

funcione considerando a existência destes limites. Conforme visto anteriormente, a

abordagem da economia ambiental desconsidera a existência de limites, supondo a

possibilidade de substituição ilimitada dos recursos que se tornem escassos por maiores níveis

tecnológicos ou por recursos abundantes. Ou seja, para a análise da economia ecológica, mais

importante do que a questão da alocação eficiente do recurso, como na abordagem

neoclássica, encontram-se os temas da distribuição e escala dos bens e serviços ambientais,

que definem a sua limitação (DALY, 1997).

Outro questionamento feito a abordagem da economia ambiental refere-se a não

consideração de princípios ecológicos de fundamental importância para a sustentabilidade do

uso de recursos naturais, quando da solução encontrada para serviços ambientais não

transacionados pelo mercado. Pois, de acordo com Romeiro 2001, este mecanismo é baseado

no cálculo do custo e benefício feito pelos agentes econômicos visando a alocação de recursos

entre investimentos em controle da poluição e pagamentos de taxas por poluir de modo a

minimizar o custo total, buscando assim o ponto de “poluição ótima”, o que seria uma

situação de equilíbrio econômico e não ecológico sobre o uso de bens e serviços ambientais.

Para estes casos a economia ecológica propõe que o cálculo das taxas seja baseado em um

conjunto de metodologias de valoração econômica que mensurem direta ou indiretamente a

disposição à pagar dos indivíduos por estes recursos (MAY, 2010).

A mensuração da disposição à pagar proporcionaria uma escala sustentável de uso dos

recursos naturais, que seria definida pela sociedade, o que corresponderia, conforme Veiga

Neto (2008), a existência de um estoque de capital natural, estabelecido em consonância com

os anseios da comunidade, capaz de suportar as funções básicas do ecossistema ao longo do

tempo. Segundo Romeiro 2001, p. 14:

A determinação de uma escala sustentável , da mesma forma que uma distribuição justa de renda,

envolve valores outros que não a busca individual de maximização do ganho ou do bem estar, mas

como a solidariedade inter e intra-gerações, valores estes que têm que se afirmar num contexto de

controvérsias e incertezas cientificas decorrentes da complexidade dos problemas ambientais

globais. São por estas razões, portanto, que a determinação da escala que se considere sustentável

só pode ser realizada através de processos coletivos de tomada de decisão.

19

Assim, através do reconhecimento da sociedade aos bens e serviços fornecidos pelo meio

ambiente é que se pode almejar a sustentabilidade à longo prazo e, desta forma, gerar novas

bases de promoção de um desenvolvimento em todos os aspectos orientado para esta nova

dimensão. E dentro deste outro modelo de consideração do meio ambiente, novas formas de

regulamentação para este meio estão em ampla discussão, e a economia ecológica contribui,

principalmente com este reconhecimento da limitação dos recursos naturais e a necessidade

de uma valoração que seja reconhecida pela sociedade, de acordo com os seus anseios.

5. Mecanismos de regulação ambiental

A atenção crescente conferida aos problemas ambientais nas duas últimas décadas tem

modificado a maneira como as questões ambientais são tratadas pelos agentes econômicos em

todo o mundo. Novos mecanismos de regulamentação têm sido utilizados por vários países

em decisões relativas à questão ambiental. Segundo Margulis (1996), nos problemas de

poluição ao meio ambiente esses instrumentos podem ser divididos em dois tipos principais:

os instrumentos reguladores, ou de comando e controle, e instrumentos econômicos ou de

mercado. Outros mecanismos, como a comunicação, a informação e a educação também vêm

sendo cada vez mais usados nos tempos recentes.

5.1. Instrumentos de comando e controle

Historicamente, os mecanismos de comando e controle constituem as bases das

primeiras políticas estabelecidas no mundo, pois consistem na implantação de instrumentos

legais simples como regras, normas e regulamentos, que tem por objetivo induzir, proibir,

limitar ou condicionar certos comportamentos dos agentes econômicos, a fim de gerar

comportamentos desejados. Possuem caráter impositivo e inflexível e não há outros objetivos,

como alterar as formas de desenvolvimento local. Se o agente econômico desobedecer às

normas estabelecidas, estará sujeito a sanções e penalidades impostas pelas autoridades

governamentais através de multas ou embargo de operações, por exemplo. Portanto, estes

instrumentos dependem da capacidade do governo fazer cumprir leis e contratos, e realizar

monitoramento contínuo para supervisionar o cumprimento das leis, além de sistema legal

eficaz para punir os casos de desobediência (LANNA, 1997 e MAY 2010).

Os principais instrumentos de comando e controle para regulamentação da gestão

ambiental aplicados no mundo, segundo Margulis (1996), são as licenças, o zoneamento e os

padrões, e estes são apresentados no quadro abaixo.

20

Instrumentos de comando e controle

Licenças Autorizações fornecidas pelos órgãos de controle ambiental para permitir a instalação

de projetos e atividades potencialmente impactantes ao meio ambiente.

Zoneamento Conjunto de regras de uso da terra, com a finalidade de indicar aos agentes econômicos

a localização mais adequada para certa atividade.

Padrões São a aplicação mais frequente das políticas de comando e controle, e atuam através do

estabelecimento de limites máximos e/ou mínimos, para emissões e a qualidade do

meio ambiente. Também podem atuar especificando características que devem ser

obedecidas, como certos níveis tecnológicos.

Quadro I: Principais tipos de instrumentos de comando e controle. Fonte: Adaptado de Margulis (1996).

No caso das políticas ambientais, os instrumentos de comando e controle foram os

fundamentos constituintes das primeiras regulamentação neste sentido e até hoje são muito

utilizados, porque estabelecem comportamentos que obedeçam a padrões ambientais fixados.

Incluem-se nesta classificação, por exemplo, a legislação ambiental, as normas para controle

de poluição, a criação de áreas protegidas de uso restrito e o estabelecimento de suporte a

outras intervenções, que objetivam a proteção direta dos recursos naturais (SEROA DA

MOTTA, 2006).

Entretanto, alguns relevantes autores na temática de economia do meio ambiente, como

Margulis (1996), Serôa da Motta (2006) e May (2010) tem observado que a utilização de

instrumentos de comando e controle não se mostra suficiente para assegurar os resultados

esperados de políticas ambientais, sobretudo quanto ao uso de recursos naturais, por falta de

capacidade de monitoramento, fiscalização e aplicação de penalidade. Também, atualmente é

questionada a capacidade destes mecanismos em estimular o novo paradigma do

desenvolvimento sustentável, uma vez que o seu aparato regulamentador é muito limitado e

sua atuação é focada, principalmente, no caráter punitivo.

5.2. Instrumentos Econômicos

Os instrumentos econômicos, por sua vez, são mecanismos de regulamentação

ambiental, estabelecidos a partir dos preceitos da economia ambiental e da economia

ecológica, e que não possuem características coercitivas nem restritivas. Podem funcionar

dentro do contexto do próprio mercado, utilizando-se de mecanismos de precificação para

regular as atividades econômicas, incidindo direta ou indiretamente sobre uma atividade

relacionada ao objetivo da política pública, em diferentes etapas do processo econômico

(MAY, 2010).

Dentre os objetivos de um instrumento econômico, encontram-se: i) maximizar o bem-

estar social, procurando corrigir preços de mercado de um recurso ambiental, de maneira que

21

esse preço seja representativo do custo social total do uso do recurso; ii) financiar uma

atividade social, na qual o preço de mercado é corrigido para financiar um dado nível de

receita, a fim de cobrir custos de investimentos em serviços de proteção do meio ambiente, e

iii) induzir um comportamento social, com a intenção de corrigir um preço de mercado de um

bem ou serviço, a fim de induzir uma mudança no comportamento do agente econômico, para

um padrão de uso mais eficiente do recurso, sem ter como objetivo principal gerar receita

(MARGULIS, 1996).

Os instrumentos econômicos são mecanismos que baseiam-se no principio do poluidor-

pagador ou provedor-recebedor e fundamentam-se nas forças de mercado e nas mudanças dos

preços relativos para modificar o comportamento dos poluidores e dos usuários de recursos,

que assim, passam a internalizar, em suas decisões, os aspectos ambientais de forma

socialmente aceitável.

Assim os instrumentos econômicos são responsáveis por apresentar uma solução eficaz

para o ajustamento do consumo social de recursos naturais. Tais instrumentos possuem o

mérito de fazer refletir, através de mecanismos de mercado, os níveis de escassez relativos do

recurso, induzindo os agentes econômicos a adotarem condutas racionais de uso do capital

natural. Considera-se que estes incentivos econômicos possam modificar as atitudes dos

agentes econômicos, que tendem a alterá-las de maneira a maximizar seus lucros ou sua

utilidade (SERÔA DA MOTTA, 2006; MAY, 2010).

Os principais tipos de instrumentos econômicos usados na gestão ambiental, segundo

Margulis (1996), são as taxas ambientais, a criação de mercados, os sistemas de depósito e

reembolso, e subsídios. Estas aplicações estão descritas a seguir:

Instrumentos Econômicos

Taxas ambientais São os são preços a serem pagos pela poluição, seja na forma equivalente a

emissão, ao produto gerado, ou diretamente aplicado ao usuário, dentre outras

formas.

Criação de um

mercado

É uma ferramenta que determina que os poluidores negociem direitos (quotas)

de poluição, com outros setores interessados, a partir do estabelecimento de um

montante global de poluição permitido.

Sistemas de depósito

e reembolso

Fazem os consumidores pagar um depósito de certo valor sempre que

comprarem produtos potencialmente poluidores. Quando devolvem os produtos

usados a centros autorizados de reciclagem ou reutilização, recebem seu

depósito de volta.

Subsídios São concessões, incentivos fiscais como a depreciação acelerada e créditos

fiscais, ou créditos subsidiados, todos destinados a incentivar os poluidores a

reduzir suas emissões ou a reduzir seus custos de controle.

Quadro II: Principais tipos de instrumentos econômicos. Fonte: Adaptado de Margulis (1996).

22

A aplicação deste instrumento é especialmente útil nos casos em que uma abordagem do

tipo comando e controle seria difícil de implementar, quando a informação sobre a fonte de

externalidades é ausente e onde há múltiplos produtores potenciais de um benefício.

A principal vantagem dos instrumentos econômicos sobre os mecanismos de comando e

controle é sua eficiência em relação ao custo, ou seja, resultados ambientais potencialmente

melhores do que os obtidos com a utilização do ferramental do mecanismo de comando e

controle são obtidos a um custo social menor. Entre eles, os instrumentos econômicos:

Dão às empresas um incentivo permanente para a procura de tecnologias mais

limpas e mais baratas (ao contrário da situação em que este incentivo desaparece assim

que se atinge um certo padrão), o que proporciona um contínuo estimulo à pesquisa e

inovação para a redução das taxas de poluição. Este impulso ocorre através da

proporcionalidade que este instrumento gera entre a taxa de poluição e o valor pago pela

degradação ambiental;

Asseguram uma fonte adicional de recursos para os governos financiarem

programas ambientais, por meio do recolhimento de taxas relacionadas a poluição

ocasionada ao meio ambiente;

Conferem às indústrias maior flexibilidade para controlar suas emissões, e

requerem informações menos detalhadas dos órgãos de controle ambiental sobre cada

empresa, e menos meios destinados a obter diferentes níveis de controle.

Entretanto há casos em que os instrumentos econômicos não são recomendados, como em

situações de alto risco ou de monopólio. Na primeira hipótese, não interessa aos governos e à

sociedade dar aos poluidores a escolha de preferirem um incentivo econômico, é melhor que

sejam obrigados a cumprir uma regulamentação direta e específica. No caso de monopólios, a

regulamentação direta também é preferível porque as despesas adicionais com cuidados

ambientais irão aumentar ainda mais os preços dos produtos, levando-os na direção oposta à

socialmente desejável (MARGULIS, 1996).

Os instrumentos econômicos também apresentam uma série de limitações. Se os

poluidores persistirem no processo de poluição, ainda que a racionalidade econômica imediata

sugira uma estratégia diferente, os instrumentos econômicos têm resultados menos previsíveis

que a regulamentação direta. Além disso, no caso das multas por poluição, se elas forem

fixadas abaixo do nível apropriado os poluidores poderão preferir pagar as multas a criar os

controles adequados: isto aumentaria a receita do governo, mas não traria qualquer melhoria

às condições ambientais.

23

Apesar destes questionamentos, a utilização dos mecanismos econômicos nas políticas

ambientais está em ampla expansão no mundo, por conta do seu caráter flexível, dinâmico e

de fácil gestão. Além disso, por promoverem uma reflexão sobre a utilização dos recursos

naturais e a sua consequente necessidade de equilíbrio, através da conscientização dos agentes

econômicos, e gerarem benefícios ao meio ambiente, a economia e a sociedade, apresentam-

se como ferramentas propulsoras de um modelo de desenvolvimento mais sustentável.

6. Conclusão

O artigo apresentou num primeiro momento uma breve revisão de literatura sobre os

modelos tradicionais de crescimento e desenvolvimento econômico elaborados no pós-guerra.

Em seguida, procurou avançar na discussão sobre um novo padrão de desenvolvimento mais

adequado para o contexto histórico do início do século XXI acrescentando dois aspectos

importantes que não foram considerados naqueles modelos: o papel das instituições e o debate

sobre sustentabilidade e regulamentação ambiental.

Entendemos que instituições não são apenas entidades formais como Universidades,

escolas, empresas, governos, mas essencialmente hábitos de pensamento enraizados no

contexto histórico e cultural de uma sociedade. Tais hábitos evoluem ao longo do tempo,

gerando padrões de ação coletiva que moldam, através de um processo seletivo e adaptativo

(VEBLEN, 1899, p.87) o futuro da sociedade. Nesta perspectiva, entendemos que o novo

modelo de desenvolvimento deste século clama por instituições na medida em que o atual

padrão de produção mundial ruma para um desequilíbrio ambiental grave. Neste sentido,

instituições são importantes na medida em que contribuem para o estabelecimento de um

novo paradigma ambiental mais orientado para um modelo de desenvolvimento sustentável.

O artigo abordou a temática da regulamentação ambiental e nesta seara o que vem sendo

apontado como modelo mais avançado é a aplicação de instrumentos econômicos. Em

contraposição aos mecanismos de comando e controle, estes reconhecem e incentivam os

esforços que os poluidores fazem ao tomarem medidas redutoras da degradação ocasionada ao

meio ambiente, e, assim, são instrumentos que promovem o bem-estar de forma mais

apropriada, devendo estar na pauta de um projeto de desenvolvimento sustentável.

Certamente, este debate acerca do desenvolvimento econômico e sustentável apresenta

inúmeros aspectos fundamentais que não foram considerados neste artigo. Contudo,

procuramos incluir neste debate uma categoria de análise pouco considerada na literatura

convencional e não convencional, que é a importância das instituições a partir da concepção

Vebleniana. Inspirado nesta abordagem, concluímos que instituições emanam da cultura,

24

mudam a cultura, e são forjadas por mecanismos de intervenção que surgem nas comunidades

e nos governos. Neste sentido, acreditamos que o aparato regulatório que foi discutido é um

importante pilar a ser incluído em um modelo de desenvolvimento que contemple

sustentabilidade ambiental, desta e de outras gerações.

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