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Nos últimos 14 anos, aproximadamente, estive envolvido quase que integralmente com o ensino, apesquisa, e a redação deste livro; que versa sobre a obra completa (especialmente o núcleo dosprincipais livros e artigos) do maior teórico social das Américas e um dos maiores economistas esociólogos de todos os tempos: Thorstein Veblen (1857-1929).Este é o primeiro livro em língua portuguesa sobre a obra (completa) de Veblen. Trabalhos feitos oupublicados sobre Thorstein Veblen por autores brasileiros (ou mesmo por portugueses) sãorelativamente poucos. Existem disponíveis, em nossa língua, somente artigos, ensaios, compilaçõesde ensaios, monografias ou teses sobre temas específicos e um pequeno Guia. No Brasil, dos 11livros de Veblen, somente 2 tiveram traduções para o português: The Theory of the Leisure Class (ATeoria da Classe Ociosa); e The Theory of Business Enterprise (A Teoria da Empresa de Negócios,traduzido como A Teoria da Empresa Industrial). Acredito que esta lacuna (em nossa língua)decorra da abrangência temática que Veblen cobriu. E foi pensando exatamente em cobrir estalacuna em nossa língua, que iniciei, há 14 anos, este meu projeto, e que ora apresento ao público.Todos os economistas, antropólogos, sociólogos e intelectuais relevantes como um todo, conhecemVeblen; mas não possuem, acredito eu, informações precisas sobre a obra completa e sobre o―modelo de pensamento‖ que Veblen aplicou e utilizou ubiquamente em Sociologia, em Economia,em Estética e em Psicologia. Veblen é tão importante que há, internacionalmente, inclusive, umapremiação em seu nome (The Veblen-Commons Award, da AFEE – The Association forEvolutionary Economics), e o seu primeiro e mais famoso livro (The Theory of the Leisure Class,1899) é considerado, por Robert Down´s ―111 Books that Shaped Western Civilization‖, um dos111 livros mais importantes do Ocidente, desde o Renascimento.O legado de Veblen é impressionante. Veblen é considerado o maior teórico social das Américas, eum dos maiores economistas de todos os tempos. É praticamente o grande fundador, junto comJohn Commons, e com menor participação de Wesley Mitchell e Clarence Ayres, da única Escolade Economia autêntica das Américas (A ―Escola Institucionalista Original de Economia‖); possuienorme relevância para a Ecologia moderna, para a Sociobiologia, para a Estética contemporânea, eé um dos fundadores da Psicologia Econômica. Foi o primeiro economista a explicar teoricamenteo funcionamento das modernas Corporações e como a capitalização das mesmas ésignificativamente distinta da capitalização das típicas empresas dos séculos XVIII e XIX. Pode serigualmente considerado um pioneiro da semiótica (dos objetos), pois suas obras são repletas deexemplos analíticos de objetos (muitas vezes triviais) para a compreensão de um comportamentosocial mais complexo. Suas teorias e conceitos influenciaram fortemente o New Deal nos EUA,assim como o Movimento Tecnocrático do início dos anos 1930, e com muita probabilidade oMITI/METI japonês.Certa vez, Veblen foi descrito pela Revista Fortune norte americana … ―como o mais brilhante einfluente crítico do sistema de negócios norte Americano‖. (Susan Mizrushi, 2008)O reconhecimento público de sua obra ocorreu em 1925, quando então foi convidado, com aassinatura de mais de 200 membros da academia, para presidir a conhecida American Economic4Thorstein Veblen – O Teórico da Economia Moderna – Murillo CruzAssociation, e que Veblen declinou por motivos de saúde (entre outros). Veblen pode serconsiderado, em resumo, o grande teórico da Economia Moderna.
Citation preview
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
THORSTEIN VEBLEN O Terico da Economia Moderna
Teoria Econmica, Psique e Esttica da Ordem Patriarcal
PRIMEIRA EDIO
MURILLO CRUZ
Copyright 2013,2014, Murillo Cruz
CRA 637.547 Livro 1225 Folha 242
2014
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
APRESENTAO
Nos ltimos 14 anos, aproximadamente, estive envolvido quase que integralmente com o ensino, a
pesquisa, e a redao deste livro; que versa sobre a obra completa (especialmente o ncleo dos
principais livros e artigos) do maior terico social das Amricas e um dos maiores economistas e
socilogos de todos os tempos: Thorstein Veblen (1857-1929).
Este o primeiro livro em lngua portuguesa sobre a obra (completa) de Veblen. Trabalhos feitos ou
publicados sobre Thorstein Veblen por autores brasileiros (ou mesmo por portugueses) so
relativamente poucos. Existem disponveis, em nossa lngua, somente artigos, ensaios, compilaes
de ensaios, monografias ou teses sobre temas especficos e um pequeno Guia. No Brasil, dos 11
livros de Veblen, somente 2 tiveram tradues para o portugus: The Theory of the Leisure Class (A
Teoria da Classe Ociosa); e The Theory of Business Enterprise (A Teoria da Empresa de Negcios,
traduzido como A Teoria da Empresa Industrial). Acredito que esta lacuna (em nossa lngua)
decorra da abrangncia temtica que Veblen cobriu. E foi pensando exatamente em cobrir esta
lacuna em nossa lngua, que iniciei, h 14 anos, este meu projeto, e que ora apresento ao pblico.
Todos os economistas, antroplogos, socilogos e intelectuais relevantes como um todo, conhecem
Veblen; mas no possuem, acredito eu, informaes precisas sobre a obra completa e sobre o
modelo de pensamento que Veblen aplicou e utilizou ubiquamente em Sociologia, em Economia,
em Esttica e em Psicologia. Veblen to importante que h, internacionalmente, inclusive, uma
premiao em seu nome (The Veblen-Commons Award, da AFEE The Association for
Evolutionary Economics), e o seu primeiro e mais famoso livro (The Theory of the Leisure Class,
1899) considerado, por Robert Downs 111 Books that Shaped Western Civilization, um dos
111 livros mais importantes do Ocidente, desde o Renascimento.
O legado de Veblen impressionante. Veblen considerado o maior terico social das Amricas, e
um dos maiores economistas de todos os tempos. praticamente o grande fundador, junto com
John Commons, e com menor participao de Wesley Mitchell e Clarence Ayres, da nica Escola
de Economia autntica das Amricas (A Escola Institucionalista Original de Economia); possui
enorme relevncia para a Ecologia moderna, para a Sociobiologia, para a Esttica contempornea, e
um dos fundadores da Psicologia Econmica. Foi o primeiro economista a explicar teoricamente
o funcionamento das modernas Corporaes e como a capitalizao das mesmas
significativamente distinta da capitalizao das tpicas empresas dos sculos XVIII e XIX. Pode ser
igualmente considerado um pioneiro da semitica (dos objetos), pois suas obras so repletas de
exemplos analticos de objetos (muitas vezes triviais) para a compreenso de um comportamento
social mais complexo. Suas teorias e conceitos influenciaram fortemente o New Deal nos EUA,
assim como o Movimento Tecnocrtico do incio dos anos 1930, e com muita probabilidade o
MITI/METI japons.
Certa vez, Veblen foi descrito pela Revista Fortune norte americana como o mais brilhante e
influente crtico do sistema de negcios norte Americano. (Susan Mizrushi, 2008)
O reconhecimento pblico de sua obra ocorreu em 1925, quando ento foi convidado, com a
assinatura de mais de 200 membros da academia, para presidir a conhecida American Economic
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
Association, e que Veblen declinou por motivos de sade (entre outros). Veblen pode ser
considerado, em resumo, o grande terico da Economia Moderna.
Em 1948, Max Lerner escreveu:
O que tanto contribuiu para a formao de uma espcie de lenda em torno de Veblen? Havia a
sua imensa erudio, o seu domnio de inmeras lnguas [registros biogrficos e pessoais
informam que Veblen dominava c. 26 lnguas], os seus profundos conhecimentos das sagas
islandesas e nrdicas em geral, seus amplos conhecimentos de literatura, arqueologia, e histria
racial bem como de artefatos diversos ou mensuraes de crneos; havia a sua incrvel preciso
e habilidade em discorrer, por um lado, sobre pequenssimos detalhes de vrias culturas, e por
outro lado, sobre grandes abstraes; a facilidade com que se movia na Histria, desde os tempos
Neolticos at os ltimos relatrios industriais de Comits do Congresso Americano. Veblen era,
como j se disse. o ltimo homem a saber de tudo
Uma das melhores apresentaes acerca do alcance e da importncia intelectual de Thorstein
Veblen no campo da Economia e da Sociologia encontra-se registrada no livro A History of
Economic Thought, 1953/1967, de John Fred Bell, e que transcrevo abaixo:
... Durante o perodo (1875 1925) houve muitos que puseram prova as doutrinas (econmicas)
aceitas no todo ou em parte, porm de longe o mais crtico e desafiante nessa nao (EUA), ou
em qualquer outra, foi Thorstein Veblen um extraordinrio filsofo, iconoclasta, economista,
psiclogo, socilogo, antroplogo social, vidente e at mesmo profeta. ... As tendncias de um
Estado dinmico em crescimento foram provavelmente vistas com mais clareza por Veblen do
que por qualquer outro pensador do perodo. Certamente nenhum outro identificou as boas e as
ms caractersticas como Veblen o fez, e nenhuma outra pessoa ousou criticar praticamente todos
os aspectos da vida com a invectiva desse homem. Em todos os seus escritos h tambm um tom
proftico cuja preciso se afirma com o correr dos anos. Teve algo de mstico durante a vida
inteira; nos anos subseqentes sua morte (1929) o conceito mstico tendeu a ceder lugar
revelando um homem que poder com o tempo ser considerado o maior profeta da transformao
econmica deste pas (EUA).
... sua mentalidade, enormemente superior do estudioso mdio, foi nutrida em Spencer, Hume e
Kant, cuja influncia lhe deu viso inquisitiva, especulativa e crtica aplicvel praticamente a
tudo ... (leu) praticamente todas as disciplinas ... Biologia, Antropologia, Folclore, Filologia, ...
era hbil tradutor (do noruegus, islands, alemo, francs ...) nenhum outro homem viu (as
transformaes scio-econmicas) to claramente e nenhum outro descreveu certos elementos de
maneira to fulminante quanto o fez esse homem quieto, reservado e taciturno ...
No se pode duvidar de que tenha alcanado (Veblen) um direito a um nicho por moldar a
tendncia do pensamento econmico. Nenhum outro crtico, nem mesmo Marx, forou um tal
reexame dos postulados da Economia Poltica. Ao atacar as hipteses bsicas foi mais desafiante
do que se houvesse atacado as teorias em sua forma final.
Murillo Florindo Cruz Filho
professor da UFRJ (do Instituto de Economia e do Instituto de Psicologia)
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
CONTEDO
Captulo 1 - Thorstein Veblen Introduo
Influncias Histricas, Intelectuais e tnicas na Formao de Veblen
Influncias Histricas
Influncias Intelectuais
Looking Backward de Edward Bellamy e sua Influncia em Veblen
Fundamentos tnicos na Formao e na Teoria de Veblen
A Obra de Veblen Retrica ou Cubismo - Caractersticas Gerais
O Ncleo e a Estrutura da Obra de Veblen
Sumrio Biogrfico de Thorstein Veblen - De Tosten a Thorstein
Captulo 2 - O Pano-de-Fundo das Teorias Econmicas e Sociais
de Veblen. Os Estgios Histrico-Culturais e a Grande Inflexo
Histrica. O Status Brbaro das Mulheres nas Culturas Predatrias
Os Estgios Histricos e Culturais de Veblen
Caractersticas Gerais
A Selvageria Pacfica (the free workmanship)
O Estgio Predatrio Brbaro
A Propriedade Individual. Das Mulheres s Riquezas em Geral
O Conceito de Consumo Conspcuo de Veblen como um Refinamento da
Escravizao das Mulheres da Etapa Brbara
A Era do Artesanato (the Handicraft Era)
O Moderno Sistema Industrial
A Compreenso da Antropologia e da Arqueologia Modernas sobre as Etapas Culturais
da Selvageria Pacfica e Brbara Predatria de Veblen. A Grande Inflexo. Marija
Gimbutas e a Hiptese Kurgan
Marija Gimbutas e a Hiptese Kurgan
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
Captulo 3 - Compreendendo a Esttica e a Materialidade do
esquema geral de Veblen e Outros Conceitos Bsicos
A Norma do Desperdcio Conspcuo e a Reputao Pecuniria
Fins Ostensivos (mecnicos); e Fins Aproximados (pecunirios ou comerciais)
O Significado de Funo para a Biologia
Postulados Bsicos que Prevalecem na Anlise Funcional em Teoria Social, mas que so
Relativamente Distintos para a Anlise Funcional de Veblen
Funes Manifestas e Funes (Motivaes) Latentes
Culturas Pecunirias
Culturas Pecunirias e as Classes Dominantes
A Conteno Consciente da Eficincia da Economia por Parte dos Homens de Negcios
(the conscientious withholding of efficiency)
Captulo 4 - A Dinmica e o esquema Completo de Veblen. O
Ponto de Vista Evolucionrio
Introduo. The Instinct of Workmanship. A Emulao Industrial ou Funcional e a
Emulao Predatria ou Pecuniria
O Ataque de Veblen ao Pressuposto Hedonista e a Passividade do Homo Oeconomicus
da Teoria Econmica Convencional em seu Artigo de 1898 (e Outros)
O Conceito de Natureza Humana para Veblen
Os Movimentos Primordiais e Outros
Tropismos e Instintos
O Instinct of Workmanship Um caso Especial
Hbitos de Pensamento ou Instituies
A Condio de Sociabilidade Humana e Caractersticas para Veblen
O Instinto de Trabalho Eficaz (the instinct of workmanship) - Frmula Esquemtica
A Emulao (indiferenciada e geral)
A Emulao Industrial ou Funcional
A Emulao Predatria e Pecuniria Frmula Esquemtica (e de Veblen)
A Diferena dos Bens e Produtos entre Valores e Utilidades
Bens, Produtos e Riquezas Ks como Valor Social (value)
Bens, Produtos e Riquezas Ks como Utilidade Individual e Privada (utility)
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
A Dinmica Paradoxal do Desperdcio
Compreendendo a Manifestao do instinct of workmanship como um instinct of
sportsmanship Atravs de um Exemplo. Ou Como Veblen Analisaria um Jogo de Tnis
O Adensamento das Motivaes Econmicas Bsicas em Sociedades Predatrias e
Pecunirias em Direo Materialidade dos Objetos, Construes e Estruturas Tangveis
Captulo 5 - O esquema de Veblen nos Produtos, Bens,
Construes e Estruturas Tangveis
Exemplo n.1: B# = um Automvel
Exemplo n.2: B# = Um Edifcio Arquitetonicamente pr-Funcionalista
Exemplo n.3: B# = Um Vestido de Baile
Consideraes Adicionais sobre o Vesturio como Expresso das Culturas Pecunirias e
a Moderna Teoria das Marcas Comerciais, Branding, etc.
A Pioneira Contribuio de Veblen para uma Moderna Teoria das Marcas, Brand Names e
Styling
Captulo 6 - O esquema Terico de Veblen no Moderno Sistema
Industrial. O Capitalismo Corporativo Financeiro
Empregos Industriais e Pecunirios, e a Evoluo dos Captains of Industry
As Origens
A Consolidao
O Sistema Mecnico Moderno e as Empresas de Negcios
O Processo de Mecanizao
O Imperativo da Coordenao Intersticial Objetiva
A Empresa de Negcios (moderna)
O Good-will e o Aguamento (Watering) Financeiro
Captulo 7 - O esquema de Veblen na Estrutura do Capital das
Modernas Corporaes
O Conceito de Capital para as Modernas Corporaes - Capital Nominal e Capital Efetivo
(business capital)
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
Aes Ordinrias e Aes Preferenciais
O Capital Comercial (cap^) das Corporaes e a Taxa de Juros (i)
A Capacidade de Rendimento e o Good-will
Captulo 8 - Os Engenheiros e Veblen A Era Progressista
A Era Progressista (The Progressive Era) (c.1890 1920)
O progressivism e os Engenheiros
Veblen e os Engenheiros
Captulo 9 - Concluses Finais
A Importncia do Good-will para o Esquema Terico de Veblen Indivduos e Empresas
Consumo Emulao Reputao e Escassez
A Dinmica Vebleniana no Contexto das Culturas Predatrias Pecunirias
O Futuro Prximo para Veblen
O Problema Social para Veblen
Bibliografia
Informaes sobre o Autor
Thorstein Veblen Obra Completa
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
Captulo 1
Thorstein Veblen - Introduo
Thorstein Veblen foi reconhecidamente o mais original e profundo economista e crtico social
dos Estados Unidos. (Rick Tilman, 1992)
Em certa ocasio, um aluno de Veblen perguntou-lhe: "como ele poderia se lembrar de tantas
coisas, e com tamanha preciso, e Veblen respondeu que ele possua em sua mente uma viso geral
do ser humano, na qual cada fato, alm de se encaixar perfeitamente, passa tambm a fazer parte
deste esquema geral. (Dorfman, 1934, 248)
O que o pargrafo acima informa e sugere, e que ser objeto deste livro, que Veblen possua, em
sua privilegiada mente, uma espcie de ponto arquimediano (terico), e que, confessadamente, fez
uso deste esquema geral em toda a sua imensa e significativa obra. De acordo com registros
biogrficos, possvel que este esquema tenha sido transmitido ou semeado na mente de Veblen, a
partir das constantes conversas que empreendeu, quando jovem, com seu pai (Thomas Anderson
Veblen).
Thorstein comentou com Henry Waldgrave Stuart, um de seus alunos na Universidade de
Chicago, que as ideias bsicas de A Teoria da Classe Ociosa vieram dos tempos de sua infncia,
de suas frequentes conversas com seu pai, que era um profundo pensador. (Jorgensen, 1999, 10)
Este ponto arquimediano de Veblen, uma espcie de cdigo gentico de sua obra, ou seja, um
princpio presente em todas as clulas de sua obra, permitia-lhe cobrir, com extrema coerncia, um
arco impressionante de situaes, objetos, processos e comportamentos.
Neste sentido, Max Lerner, entre outros, em 1948, ao comentar sobre a vida e a obra de Veblen,
percebeu a facilidade com que Veblen cobria um conjunto imenso de fenmenos, desde os mais
simples aos mais complexos; e percebeu, igualmente, a estabilidade terica de Veblen. Alis, esta
estabilidade terica uma das caractersticas distintivas da obra de Veblen; ou seja, desde os
primeiros escritos em economia e sociologia (1891), at os ltimos artigos (1925-27), a obra de
Veblen de uma coerncia e regularidade no muito comum no campo da teoria social
O que tanto contribuiu para a formao de uma espcie de lenda em torno de Veblen? Havia a
sua imensa erudio, o seu domnio de inmeras lnguas [registros biogrficos e pessoais
informam que Veblen dominava c. 26 lnguas], os seus profundos conhecimentos das sagas
islandesas e nrdicas em geral, seus amplos conhecimentos de literatura, arqueologia, e histria
racial bem como de artefatos diversos ou mensuraes de crneos; havia a sua incrvel preciso
e habilidade em discorrer, por um lado, sobre pequenssimos detalhes de vrias culturas, e por
outro lado, sobre grandes abstraes; a facilidade com que se movia na Histria, desde os tempos
Neolticos at os ltimos relatrios industriais de Comits do Congresso Americano. Veblen era,
como j se disse. o ltimo homem a saber de tudo
certo, porm, que Veblen deparou-se com uma falange de opositores ... Veblen tornou-se um
pensador solitrio, escrevendo em um meio profundamente hostil. To agudamente sentiu Veblen
a necessidade de construir um arete para derrubar os muros de sua oposio, que ele tornou-se,
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
cada vez mais, repetitivo e longnquo, e tentava, a todo o momento, expor tudo de uma s vez.
(Lerner, 1948, 8-31)
Em funo de sua memria prodigiosa; da facilidade com que dominava inmeras lnguas; da
rapidez com que resolvia operaes matemticas de cabea, e do uso sinedquico e polissmico
frequente que fazia das palavras, mesclando significados e conotaes ao mesmo tempo, Veblen
possua um evidente trao de genialidade, reconhecido at por seus opositores. Tais caractersticas
mentais especiais devem ter sido herdadas, com muita probabilidade, de sua me, Kari
Thorsteinsdatter Bunde Veblen, que possua, reconhecidamente, uma memria e uma velocidade de
raciocnio fora do comum.
(A erudio de Veblen) era surpreendente e interessante. Ele guardava de memria detalhes que
teriam sobrecarregado a maioria dos espritos e se transformado num fim em si mesmo mas
Veblen no perdia as grandes linhas mestras ... Sua voz suave podia num momento usar uma
expresso de gria para manifestar uma opinio, e no minuto seguinte estar recitando estrofe aps
estrofe de um hino latino medieval. (Heilbroner, 1959, 203)
Se levarmos em considerao as caractersticas j amplamente conhecidas por especialistas e
psiclogos acerca das mentes de gnios, a biografia e a obra de Veblen indicam que ele possua
quase todos os traos dos portadores de sndrome de Asperger, isto , possua uma genialidade e
uma criatividade inatas, conspicuamente fora do comum (memria eidtica ou fotogrfica;
capacidade precoce de leitura; facilidade extraordinria no aprendizado de lnguas; comportamento
social atpico, rotina e regularidade de comportamento claramente fora da mdia, dficit de empatia,
etc.). Muitas destas caractersticas de Veblen sero vistas ou indicadas ao longo deste livro. Para um
aprofundamento, ver Michael Fitzgerald e Brendan OBrien, Genius Genes, How Asperger Talents
Changed the World, 2007; e Michael Fitzgerald, The Genesis of Artistic Creativity, 2005.
Este livro busca demonstrar o esquema geral que Veblen possua em sua mente, esquema este que
lhe permitia cobrir um arco to amplo de temas, fatos e fenmenos; ou seja, como indicou Lerner,
a facilidade com que Veblen movia-se na Histria, desde os tempos Neolticos at os ltimos
relatrios industriais de Comits do Congresso Americano. E poderamos completar: a facilidade
e a segurana com que Veblen projetava e explicava o comportamento de toda uma civilizao, a
partir da simples anlise da composio e forma de uma colher; de um animal; ou de uma pea de
vesturio.
Influncias Histricas, Intelectuais e tnicas na Formao de Veblen
Influncias Histricas
Thorstein Veblen (1857-1929) viveu na confluncia de dois mundos; e esta sizgia faz parte no
apenas de sua experincia pessoal, familiar e tnica, mas tambm da estrutura de pensamento
adotado por ele em suas teorias sociais e econmicas. Veblen nasceu em uma famlia norueguesa de
esclarecidos fazendeiros (que imigrou para os EUA em 1847), na cidade de Cato, distrito de
Manitowoc, em Wisconsin, s vsperas de um dos perodos mais conturbados e importantes da
histria moderna norte americana, caracterizado por inmeras desordens e mudanas sociais,
econmicas e territoriais, sendo a Guerra Civil (1861/1865), e a rpida industrializao aps o
trmino deste sangrento episdio, certamente, os fatos histricos de maior relevncia. E faleceu em
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
agosto de 1929, portanto, alguns poucos meses antes da quebra da bolsa de Nova Iorque e a Grande
Depresso, igualmente um dos momentos mais turbulentos e tormentosos dos EUA. Em sua
infncia e adolescncia a Amrica era uma sociedade fundamentalmente agrcola; e no fim de sua
vida, alm de uma expanso territorial extraordinria, os EUA suplantam a Gr-Bretanha em
produo industrial, e avana a passos largos na direo de uma sociedade de consumo de massa.
No existem dvidas, portanto, de que esta metamorfose dos EUA teve uma importncia decisiva
nas concepes e nas teorias de Veblen. Em termos mundiais, Veblen presencia a 1 Guerra
Mundial, a Revoluo Bolchevique, e testemunha a dbcle da era vitoriana.
A Amrica, que produziu o mais completo e tenaz ramo da civilizao de Negcios, produziu
igualmente o seu mais completo e tenaz crtico e analista. Este o significado central da obra de
Thorstein Veblen. Veblen desenvolvia a sua formao intelectual nos anos 1880, quando os
trustes, os cartis e demais conglomerados industriais e financeiros estavam emergindo, e a nova
Corporao Dinstica estava estabelecendo-se solidamente na trajetria dos ideais polticos
tradicionais. O primeiro artigo sobre economia publicado por Veblen, apareceu [no final de
1891], dois anos aps a promulgao da Lei Sherman Antitruste. Seus ltimos trabalhos escritos
foram feitos nos anos 1920, durante o perodo que passou a ser designado por Novo Capitalismo
(financeiro Corporativo), quando ento os monoplios consolidaram, definitivamente, seus
poderes.
Entre todos os pensadores que buscaram analisar a natureza e as consequncias deste novo
imprio dos negcios do Ocidente, mais vasto do que qualquer outro imprio que a Histria tenha
produzido, Veblen indiscutivelmente a figura mais elevada. Sua crtica de nossa civilizao
to impiedosa e prdiga como a marxista, mas, ao mesmo tempo, ela mais sutil e ampla, pois
uma anlise mais profunda, abrangendo uma psicologia, uma antropologia, e uma teoria das
civilizaes. (Max Lerner, 1948, 1)
Nas palavras de Andrew Veblen, irmo mais velho de Thorstein, as fazendas de seus pais tanto a
primeira, em Cato/Wisconsin, como a segunda, em Nerstrand/Minnesota eram exemplos de
proeminentes e marcantes casos de autossuficincia e trabalho assduo e diligente. O contraste
entre a terra como fonte de lucro especulativo por parte dos comerciantes e homens de negcios
urbanos, cujo objetivo era obter dos imigrantes o mximo possvel em troca de nada (get something
for nothing at the expense of the imigrants), e a terra como fonte e meio de subsistncia e trabalho
ordenado e objetivo (workmanship) ficou marcado na mente de Veblen, desde a sua infncia e
adolescncia; e quando adulto, Veblen far referncia a este contraste em seus relatos sobre the
American Country Town, e especialmente, ao longo de toda a sua obra, em sua antinomia terica
fundamental, a distino entre predao (predation) e trabalho eficaz (workmanship).
Os inmeros problemas sociais e econmicos dos fazendeiros nos EUA eram significativos neste
perodo de fortes transformaes. E vrios movimentos polticos de revoltas e contestaes
floresceram nas trs ltimas dcadas do sculo XIX, como por exemplo, o The Patron of
Husbandry, The Grange, etc. O movimento Populista de revoltas, por exemplo, teve o seu auge no
incio dos anos 1890, e alguns intrpretes de Veblen como Ralph Schimmer, 1994 acreditam
que este forte movimento de contestao social influenciou Veblen (positivamente) de alguma
forma. Schimmer afirma que algumas ideias de Veblen, e especialmente a sua linguagem e
terminologia, inclusive a forma satrica como abordava certos temas sociais, podem ter suas origens
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
neste movimento, pois Veblen esteve totalmente consciente, tanto dos problemas dos fazendeiros do
meio oeste americano, como das propostas do movimento Populista.
Entretanto, esta posio de Schimmer , no mnimo, controvertida, pois no parece claro que este
movimento tenha influenciado Veblen positivamente. Para Veblen, o movimento Populista era
basicamente reformista; no era antagonista da propriedade privada ou dos interesses investidos,
reivindicava basicamente mudanas nas polticas governamentais e a defesa de um capitalismo de
pequena escala. E isto est bastante afastado das anlises, das convices e da crtica profunda de
Veblen acerca da ordem institucional (predatria) na Amrica de ento. Tanto assim que Veblen
chegou a afirmar, de forma irnica e cortante, como lhe era peculiar muitas vezes, que os
fazendeiros tm cultivado no s o solo frtil como tambm as grandes oportunidades (the farmers
have been cultivators of the main chance as well as of the fertile soil).
Veblen notou que muitos fazendeiros, apesar da retrica oposicionista e aparentemente lcida,
estavam preocupados, basicamente, com aquisio e ganhos pecunirios, e no propriamente com
a produo diligente ou com melhorias para a comunidade como um todo, e que as suas demandas,
em ltima instncia, caminhavam para uma reabilitao da propriedade em novas bases de
distribuio. Parece claro, portanto, que Veblen discordava da direo dita crtica deste movimento
poltico; e o que mais significativo ainda: no s deste stream de contestao, mas de muitos
outros que surgiram nos anos finais do sculo XIX nos EUA, como por exemplo o The Army of
Commonweal ou Coxeys Army, que chegou a escrever um artigo, em 1894.
O objetivo ostensivo do movimento Army of the Commonweal tem sido a criao de meios de
sobrevivncia para um grande nmero de pessoas atravs da criao de empregos, obtidos estes
pela criao de capital por meio de emisso monetria e inflao. Ou seja, o mago do
movimento uma alucinao articulada. (Veblen, 1894b, 97)
A posio de Veblen sobre as propostas do movimento Populista nos EUA, brevemente descrita
acima, as quais considerava, no mnimo, diversionistas, bastante importante em sua obra, pois
Veblen dir, desde o seu primeiro artigo econmico e sociolgico, de 1891, Some Neglected Points
in the Theory of Socialism, que os movimentos de reivindicaes dos trabalhadores norte
americanos (e muitos outros), inclusive em suas vertentes socialistas, eram igualmente
diversionistas; pois, por trs de uma aparncia de protesto e discordncia mais consequente acerca
das instituies vigentes, isto , dos hbitos de pensamento, o que se verificava, na verdade, nestes
movimentos, era um desconforto dos trabalhadores diante de um empobrecimento relativo, mas no
absoluto. Tratava-se, basicamente, muito mais de um sentimento de emulao econmica, agora
exacerbado pelas condies tecnolgicas e produtivas do moderno sistema industrial, do que uma
carncia absoluta dos meios de sobrevivncia, ou de uma convico de quo deformadas,
perniciosas e inconsequentes eram (e so) as instituies predominantes sob o comando dos homens
de negcios e dos interesses investidos. Este tema e estas crticas sero constantes na obra de
Veblen.
O sistema (econmico) existente no fez, e no tende a fazer, o trabalhador industrial mais pobre
se analisarmos em termos absolutos de meios de subsistncia; mas tende a faz-los relativamente
mais pobres, aos seus olhos, se mensurado em termos de importncia econmica comparativa; e,
curiosamente, isto o que parece ter importncia. No so os abjetamente pobres que esto
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
protestando de forma veemente; e quando um protesto ouvido em seus nomes ocorre atravs de
interlocutores que no pertencem a esta classe, e que no possuem autorizao para falar por eles.
O protesto provm daqueles que habitualmente, ou por necessidade, no sofrem privaes
fsicas. O qualificativo necessidade merece ateno. Existe uma quantidade considervel de
privao fsica sofrida por muitas pessoas neste pas que no so fisicamente necessrias. A causa
muito frequente que o que deveriam ser os meios de conforto encontram-se desviados para
propsitos de manuteno de uma aparncia decente, ou mesmo a demonstrao de algum luxo.
(Veblen, 1891, 392)
Influncias Intelectuais
Dissemos acima que, historicamente, Veblen viveu na confluncia de dois mundos. E esta
confluo igualmente verdadeira quando abordamos as profundas revolues intelectuais que
Veblen presenciou e participou. E no por coincidncia que os dois marcos intelectuais que
abalaram o mundo contemporneo possuem uma importncia fundamental na obra de Veblen.
O primeiro grande abalo intelectual do mundo contemporneo ocorre com a publicao, em 1781,
da Crtica da Razo Pura, de Imannuel Kant.
A importncia de Kant para o pensamento de Veblen no se reduz relevncia bvia e natural que
Kant possui para todos os intelectuais contemporneos. Em 1790, Kant publica a sua terceira
crtica, A Crtica da Faculdade do Juzo, um dos livros seminais para a compreenso da esttica
moderna e do funcionalismo em Arte, Arquitetura e Design, apesar de grandes controvrsias sobre
estas reais contribuies de Kant para uma esttica especificamente funcionalista moderna. A tese
de doutorado em filosofia de Veblen, em Yale 1884, The Ethical Grounds of a Doctrine of
Retribution, um dos poucos trabalhos perdidos de Veblen, versou precisamente sobre esta terceira
crtica de Kant; e seguramente jogou um papel essencial na teoria esttica e econmica de Veblen.
Em captulos posteriores deste livro explicaremos e demonstraremos que a teoria econmica de
Veblen possui um inquestionvel fundamento esttico, assim como a sua teoria esttica possui um
inquestionvel fundamento econmico ou frugal, como todas as grandes correntes artsticas
funcionalistas modernas. E Kant um dos dois grandes intelectuais que influenciaram a teoria
esttica (e portanto econmica) de Veblen. David Hume o segundo
O segundo grande abalo intelectual do mundo contemporneo, de grandes consequncias para a
teoria de Veblen, ocorre em 1859, com a publicao da teoria da evoluo das espcies, de Charles
Darwin; e a Descendncia do Homem, de Darwin, em 1871. A importncia do evolucionismo em
Veblen no se resume interpretao unicamente darwinista, como muitos apressadamente
imaginam quando se referem Veblen; alguns conceitos constantes da Philosophie Zoologique, de
J.B.Lamarck, de 1809, jogam papel igualmente relevante nas teorias de Veblen. No por outra
razo que alguns intrpretes de Veblen sentem-se relativamente desconfortveis com certos
aspectos lamarckistas da interpretao evolucionista de Veblen. O que, curiosamente, hoje so
aspectos igualmente considerados na biologia evolucionria, e o prprio Darwin concordava com
vrios conceitos de Lamarck.
Com a teoria da evoluo e a descendncia do homem no somente a imagem de que o homem
tenha evoludo de um tronco antropoide que causou um abalo profundo nas pessoas. To
importante, ou at mesmo mais importante para a intelligentsia da poca e especialmente para os
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
telogos, foram as concluses darwinistas bvias, decorrentes de sua teoria, de que: (i) nada pode
ser dito ou verificado que comprove o criacionismo ab initio de qualquer espcie; (ii) no existe
uma rigidez (biolgica) das espcies; todas as espcies evoluem; (iii) no h uma especialidade ou
magnanimidade de qualquer espcie ou criatura; o homem, assim, no possui qualquer dote especial
diante das demais espcies; e (iv), no h um destino teleolgico (supranatural ou mesmo natural)
para o homem ou para qualquer outra espcie. Com a teoria da evoluo, o homem fica, pela
primeira vez na Histria, solitrio e fortemente responsvel pelas trajetrias de sucesso biolgico ou
fracasso biolgico e extermnio.
Descrever e delimitar precisamente as foras intelectuais, autores e correntes que tiveram influncia
na formao de Veblen e nas concepes bsicas de suas teorias um exerccio bastante
complicado e difcil, embora feito recorrentemente pelos seus principais intrpretes. Isto porque
Veblen era um leitor voraz desde a sua infncia, e nos anos de sua formao estudou e cobriu um
arco impressionante de temas e disciplinas, como por exemplo, filosofia, antropologia, psicologia,
biologia, histria, sociologia, artes, economia, arqueologia, paleontologia, e outras.
Alm destas disciplinas, Veblen estava totalmente inteirado da literatura de sua poca,
especialmente a literatura nrdica, presente e passada, que era um dos temas que ele cultivou
durante toda a vida e que possui importncia central em sua formao e mesmo em sua teoria,
conforme veremos adiante. Adicionalmente, como Veblen possua conhecimento de inmeras
lnguas europeias (tanto modernas quanto antigas), isto lhe concedia um imenso capital intelectual e
lingustico, pois podia acessar muitos textos antigos ou avanados bem antes destes livros ou textos
estarem disponveis em lngua inglesa nos EUA. Um bom exemplo, eram os livros e os artigos em
arqueologia e paleontologia do dinamarqus Sophus Mller, especialmente Vor Oldtid, de 1897,
que s podiam ser lidos em dinamarqus, e que Veblen incorporou em suas anlises. (ver captulo
2)
Discernir as foras intelectuais que moldaram o pensamento social e econmico de Veblen um
exerccio problemtico na medida em que, mais frequente do que se pensa, ele evitava as
convencionalidades acadmicas de identificar precisamente as suas referncias, com o argumento
curioso de que elas eram facilmente identificveis para as pessoas preparadas. ... Entretanto, tal
exerccio facilitado nas ocasies em que Veblen cita os autores, especialmente as c. 80
referncias bibliogrficas que ele recomendava em seu principal curso (Economic Factors in
Civilization), e que foram publicadas em seu terceiro livro. (Edgell, 2001, 65)
Apesar da dificuldade acima exposta, podemos delimitar e classificar, razoavelmente, aqueles
autores ou correntes intelectuais que possuem importncia indiscutvel na formao e na teoria de
Veblen em dois grandes conjuntos, conforme abaixo descritos.
1. Autores ou correntes intelectuais de indubitvel importncia para a obra de Veblen:
1.1 Expresso tnica e literatura nrdica: Bjrnstjerne Bjrnson e Hendrik Ibsen; ademais, toda a
mitologia nrdica joga um papel central no cavername da obra de Veblen, embora este seja um dos
aspectos mais complexos e ricos de sua obra;
1.2 Evolucionismo: Charles Darwin; Herbert Spencer; J.B.Lamarck; Ernst Haeckel;
1.3 Filosofia e Esttica: Immanuel Kant; David Hume, Ernst Grosse, William Morris;
15
Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
1.4 Edward Bellamy;
1.5 Antropologia, Arqueologia e Paleontologia: Sophus Mller, James Frazer, J.J. Bachofen, Franz
Boas, Edward Tylor;
1.6 Escolas Histricas Alemes de Economia: Werner Sombart, Gustav Schmoller, Karl Knies;
1.7 Psicologia: William James, William McDougall, Gabriel Tarde;
1.8 Outros: Richard Hakluyt; Jacques Loeb; Gregor Mendel; Hugo de Vries; James Cook; Lester
Ward;
2. Autores ou correntes intelectuais de importncia subjacente para a obra de Veblen: Henry
George; Charles Peirce; Lewis Morgan; Karl Marx; Charlotte Perkins Gilman; Henry Gantt; John
Hobson; John Ferguson McLennam; Thomas Kirkup; W.H. Mallock; Robert Flynt.
Looking Backward de Edward Bellamy e sua Influncia em Veblen
Em 1888, surge nos EUA um dos maiores sucessos literrios do final de sculo XIX, e um dos mais
significativos romances utpicos sociais e de fico cientfica do Ocidente, Looking Backward
2000 1887, de Edward Bellamy. (H traduo para o portugus, com o ttulo Daqui a Cem Anos).
Atrs apenas de A Cabana do Pai Toms, Looking Backward foi extremamente popular poca,
vendendo mais de um milho de cpias em pouco tempo, e influenciou diretamente inmeros
intelectuais e vrios movimentos sociais. Thorstein Veblen foi um deles. De acordo com
informaes biogrficas, e tambm de sua primeira esposa (Ellen Rolfe), Looking Backward teria
influenciado Veblen de forma profunda e definitiva. Pode-se afirmar, inclusive, que muitas
propostas de uma organizao social harmoniosa e justa, com as caractersticas que Veblen pugnar
por toda a sua vida, e que se encontra subjacente em muitas passagens de sua obra, ecoam deste
famoso livro de Bellamy.
O leitmotiv de Looking Backward foi, naturalmente, os grandes movimentos de protestos e revoltas
existentes nos EUA, das ltimas dcadas do sculo XIX. O seu sucesso no decorre propriamente
da caracterstica de certo pioneirismo na crtica social da poca, pois inmeros outros livros e
autores importantes publicaram igualmente textos bem significativos demonstrando esta social
unrest quase que generalizada na Amrica de ento, como por exemplo, Laurence Gronlund (The
Co-operative Commonwealth, 1884); John Macnies (The Diothas, 1883), Henry George (Progress
and Poverty, 1879), e tantos outros. O sucesso estrondoso de Looking Backward decorre,
provavelmente, da forma como Bellamy apresenta os grandes problemas sociais e econmicos da
poca, apresentando-os com solues extremamente criativas.
O tema bsico do romance ou da utopia o deslocamento, no tempo, de um cidado (Julian West)
de Boston, que se encontrava hipnotizado em dependncias subterrneas de uma construo,
quando ocorre, ento, uma grande catstrofe de destruio global da sociedade e da ordem
predatria de c. 1887 nos EUA. Julian West no morre, por fora deste transe hipntico e de sua
localizao subterrnea, e quando acorda, 113 anos depois, isto , no ano 2000, encontra-se diante
de uma sociedade radicalmente diferente, onde todas as relaes sociais e econmicas, e as
instituies, foram transformadas e cristalizadas em uma ordem socialista absolutamente racional,
justa, equilibrada e materialmente desenvolvida, sem qualquer carncia para os cidados, etc. E a
narrativa do livro, ento, a explicao desta Nova Ordem feita pelo tutor de Julian West, o Dr.
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
Leete, e as demonstraes concretas de como esta ordem socialista e justa funcionava (e muito
bem).
Looking Backward foi escrito em resposta irracionalidade e ao desperdcio que Bellamy via por
toda a parte no sistema capitalista. Nesta nova ordem socialista onde Julian West acorda, a moeda
foi abolida, e os cidados usavam uma espcie de carto de crdito onde abatiam as suas
aquisies para as suas necessidades. A riqueza privada foi extinta e submetida riqueza coletiva,
reinando um igualitarismo econmico. Toda a produo e a distribuio eram centralmente
planejadas, e de forma racional. E isto era obtido no pelo abandono da industrializao ou do
progresso tcnico, e um retorno a um quase medieval sistema de trabalho manual ou artesanal, na
maneira como o socialista William Morris props para os males desta mesma poca em sua utopia
News From Nowhere (1891).
A nova ordem de Bellamy estimulava e incorporava todos os desenvolvimentos cientficos e
tecnolgicos seguindo uma lgica de centralizao crescente do capital (material), e estabelecendo
uma espcie de monoplio total, de tal forma, que, pela nacionalizao, o estado tornava-se o nico
proprietrio do capital. A Nao, explica o Dr. Leete para Julian West, encontra-se organizada
como uma grande Corporao de Negcios, na qual todas as demais corporaes foram absorvidas.
Assim, pela eliminao do extraordinrio desperdcio da empresa privada, e aproveitando os
ganhos enormes da produtividade do sistema mecnico da fbrica (automatizada), possvel dividir
os ganhos entre todos os cidados e viverem todos em abundncia, ao custo de pouco trabalho.
Nesta Nova Ordem, os cidados obtm a sua aposentadoria aos 45 anos de idade, e as horas
trabalhadas por dia esto em relao inversa severidade do trabalho a ser executado.
Bellamy aponta, atravs do Dr. Leete, que no sculo XIX havia uma dicotomia de interesses entre
uma classe de homens de negcios (business class) e a comunidade; e que eram os homens de
negcios (um subconjunto da idle class) que restringiam a produo para obterem mais lucros
pessoais. This, Mr. West, is what was called in the nineteenth century a system of production
(Isto, Sr. West, o que era designado no sculo XIX de sistema de produo). Deixo para a sua
opinio concluir se este sistema era um sistema de produo ou um sistema de restrio da
produo! Nesta Nova Ordem, as depresses econmicas tambm foram eliminadas, pois estas
eram causadas pela lgica e pelas necessidades do capitalismo, e no eram inerentes ao sistema de
fbrica.
Bellamy atacou igualmente a psicologia hedonista dos economistas clssicos e neoclssicos
afirmando que sob diferentes condies sociais, diferentes motivaes poderiam surgir na natureza
humana. ...
Parece verdadeiro para o senhor, responda-me meu amigo, que a natureza humana seja insensvel
a quaisquer outras motivaes alm do desejo e da nsia por luxos, e que seja possvel obter
segurana e igualdade de meios de subsistncia sem as motivaes e os esforos para isto?
(Bellamy, Looking Backward, 1888)
Bellamy tambm apontou que o imenso crescimento da produtividade trazido pelo industrialismo
no foi devido percia dos empresrios, mas comum herana do conhecimento passado e
realizaes, os quais a classe dos homens de negcios explorava para seus prprios ganhos, ao custo
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
da comunidade. Faltou muito pouco para Bellamy concluir, como Veblen concluir mais tarde,
utilizando este mesmo raciocnio acima, que no existem, portanto, produtividades individuais.
Bellamy, nesta Nova Ordem, apresentou uma srie de caractersticas que seriam quase que
inconcebveis de serem vislumbradas nos anos 1880. Alm do carto de crdito, ou melhor, do
carto de compras, Bellamy vislumbrou que nesta nova sociedade as pessoas receberiam em suas
casas, (atravs de fios), programas de msicas, discursos e sermes ! S faltou explicar que a
Internet j estava em sua utopia h muito tempo!
O livro de Bellamy, ao apontar as ideias acima, e outras, estimulou o surgimento nos EUA de um
forte movimento nacionalista, ou seja, no um movimento nacionalista tradicional (dinstico),
mas um nacionalismo semelhante ao propugnado pela Nova Ordem; um movimento de
centralizao e planejamento total da economia, etc. Mais de 160 clubes nacionalistas com o
esprito de Looking Backward foram criados, e mesmo um Partido Poltico. No existem dvidas,
portanto, de que Looking Backward de Bellamy jogou um papel importantssimo no
desenvolvimento de vrias ideias que esto contidas na obra de Veblen.
Os estudiosos em economia japonesa, especialmente a forma como a economia japonesa estruturou-
se a partir da segunda guerra mundial, poderiam concluir que Bellamy esteve e est,
simbolicamente, presente entre os nipnicos. No totalmente, claro, mas bem confortvel, sentado
ao final do auditrio, onde o espetculo econmico e tecnolgico japons desenrola-se no palco.
Embora Looking Backward seja claramente uma utopia socioeconmica, interessante observar que
quase todas as proposies feitas por Bellamy para esta sociedade utpica ocorreram na Histria;
eram prticas comuns, por exemplo, durante sculos, na extraordinria civilizao de Creta
(minoica), antes de hordas brbaras e guerreiras predatrias destrurem esta civilizao. Ver
captulo 2 adiante.
Fundamentos tnicos na Formao e na Teoria de Veblen
O fundamento tnico, isto , cultural, familiar e comunitrio da formao de Veblen uma das mais
importantes caractersticas para uma compreenso correta e profunda de suas teorias e, obviamente,
de sua vida. Talvez seja a mais importante caracterstica e influncia. Por exemplo, Helge Peukert,
em 1996, afirma, de forma contundente:
A pedra de toque dos valores morais de Veblen reside no pacfico fazendeiro - agricultor da
primitiva comunidade islandesa ... (Edgell, 2001, 59)
Durante algum tempo, aps o falecimento de Veblen, em 1929, este fundamento tnico foi
relativamente negligenciado e/ou obscurecido nos estudos sobre Veblen, por fora de um
intencional equvoco de interpretao de seu bigrafo (no autorizado), Joseph Dorfman (Veblen
and His America, 1934). Para Dorfman, e outros que acabaram simplesmente repetindo suas
opinies, este fundamento tnico (nrdico noruegus escandinavo) teria jogado um papel no
propriamente positivo na vida de Veblen, e consequentemente no entendimento de sua obra, pois
teria sido a razo principal das atitudes de isolamento social de Veblen. Alis, esta caracterizao de
marginalidade social de Veblen, que tanto prejuzo causou e continua causando para uma correta
compreenso do alcance de sua obra e de sua vida, comeou nos anos 1920, quando Alvin Johnson
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
e Paul Homan identificaram a genialidade de Veblen com algumas caractersticas de isolamento e
circunspeco social. Uma espcie de marciano entre os humanos (Man of Mars), dado a imensa
cobertura interpretativa dos fatos sociais e econmicos que Veblen empreendia, e que muitos nunca
tinham percebido.
Esta ideia de Veblen como um homem de Marte (Man of Mars), com esta mesma interpretao
singela de genialidade, tem uma fonte adicional clara, em duas citaes de obiturios feitas por
Wesley Mitchell, um ex-aluno de Veblen e que foi seu amigo por toda a vida, quando afirmou
Mitchell que ... Os comentrios de Veblen eram engraados, caam do espao como meteoros;
Veblen trouxe para a Economia o distanciamento de um visitante de Marte. E um ano depois
Mitchell afirmou o gnio perturbador de Thorstein Veblen o visitante de outro mundo, etc.
Assim, extremamente claro que Mitchell usou estas imagens cosmolgicas para enfatizar a
originalidade e a genialidade das ideias de Veblen, e que ajudaram a remodelar o estudo da
economia e da sociologia. Este afastamento vebleniano deveria ser visto, ento, majoritariamente,
como um simblico distanciamento metodolgico, interpretativo e analtico, ou seja, o
afastamento de um tpico cientista moderno ao analisar os fenmenos em pauta; e no topogrfico
ou comportamental.
A partir de ento, os crticos, ou os mais incomodados com as teorias e as concluses de Veblen,
comearam um processo lento e sutil de mutao desta caracterstica de recolhimento,
circunspeco, reserva, seriedade, e amplitude analtica de Veblen, para sucessivamente caracteriz-
lo como um estrangeiro ou forasteiro (outsider), algum que no se integrava sociedade
(someone halfway of society; socially unacceptable outsider), para finalmente marc-lo como um
alienado (alianated) (sic). Ora, talvez a ltima caracterstica pessoal que possa ser admitida para
Veblen seja este branding de alienado da sociedade, pois Veblen considerado, juntamente com
K.Marx e M.Weber, os trs grandes intrpretes e analistas do capitalismo, e, alm do mais, o
nico que gerou uma escola de Economia autntica nas Amricas (O Institucionalismo), e
considerado o maior terico social das Amricas. Se quisermos considerar Veblen um alienado da
sociedade, no sentido de no integrar-se s instituies predatrias, androcrticas e corruptas
predominantes, a ento poderemos concordar, facilmente, com este epteto de alienado.
Este stream de tentar condenar a obra de Veblen atravs da condenao de caractersticas pessoais,
chegou ao ponto risvel de afirmar que aos 17 anos, quando entra para o Carleton College
Academy, Veblen ainda no sabia ingls, dado o seu recolhimento tnico noruegus de suas
comunidades! Aos 17 anos de idade Veblen j dominava o noruegus e o ingls. Veblen passou em
primeiro lugar nos exames de entrada em Carleton College, ganhando o prmio Atkins de $80. Em
um caso de rara exceo administrativa e pedaggica, dado a genialidade e a precocidade intelectual
de Veblen, o Carleton College permitiu que Veblen terminasse, em apenas 3 anos, a sua formao,
quando eram necessrios 4 anos para todos os demais alunos, e isto nos 2 ciclos de estudos que
empreendeu em Carleton; ou seja, Veblen concluiu os 8 anos necessrios em apenas 6. E, como dito
anteriormente, ao final de sua vida, Veblen dominava 26 lnguas (no s vivas como mortas) e
estava aprendendo a 27., que era o russo. Logo aps a sua formatura em Carleton, Veblen j
possua noes do idioma grego e domnio completo do alemo, que aprendeu sozinho. No ptio da
Universidade de Chicago, onde Veblen lecionou de 1892 at 1906, podia-se ouvir alunos
comentarem em voz baixa: - l vai o Prof. Veblen, que fala 26 lnguas.
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
Dissemos acima que houve um intencional equvoco de Joseph Dorfman no episdio relatado
porque a fonte original destas informaes o irmo mais velho de Thorstein, Andrew Veblen, que
forneceu tantas informaes familiares e pessoais de Thorstein para Dorfman ao ler os
manuscritos antes da impresso final solicitou que Dorfman fizesse as correes de suas
informaes, pois muitas estavam diferentes do que ele informou, e Dorfman simplesmente ignorou
esta solicitao. Esta uma das razes pelas quais Andrew Veblen renegou, publicamente, vrias
informaes que esto impressas no famoso livro de Dorfman, Veblen and His America (1934).
Atualmente, inmeros intrpretes srios de Veblen tm feito vrias crticas a esta copiosa biografia
de Veblen, escrita por Dorfman. Entretanto, curioso que muitos destes intrpretes no tenham
percebido como Dorfman era, no fundo, um crtico sutil de Veblen. O ttulo desta sua biografia
famosa sobre Veblen : Veblen and His America, que d a entender que a America que Veblen
analisava, criticava e denunciava como profundamente predatria, desperdiadora, injusta, corrupta,
etc., era apenas a Sua America, isto , a que Veblen percebia, e no a America real. Ademais,
parte importante das 556 pginas desta profusa biografia de Veblen, um exerccio montono de
Dorfman, mas em vo, em demonstrar que muitas ideias de Veblen encontram-se em outros
autores ou previamente publicadas. Quase que o acusando de abastardamento, mas com a sutileza
caracterstica de um scholar bem situado.
Dorfman reconhece que o domnio das vrias lnguas nrdicas (inclusive as mortas) ampliou
claramente a erudio de Veblen, mas no avana nenhuma concluso mais correta sobre a
relevncia da etnia de Veblen para a compreenso de sua teoria.
Dorfman tentou entrar em contato vrias vezes com T.Veblen, e Veblen no o atendeu em nenhum
momento; e, como dito acima, muitas informaes que o irmo mais velho de T.Veblen - Andrew
Veblen transmitiu para Dorfman, foram, na maior parte, consideradas como mal interpretadas e
no coerentes com as informaes por ele fornecidas.
Como a biografia de Dorfman criou uma aura de autoridade durante muitos anos, a importncia
tnica na formao e na obra de Veblen ficou relativamente obscurecida - ou apenas levemente
analisada como uma influncia negativa - pelos comentrios pejorativos de Dorfman sobre o tema,
at o aparecimento de bons trabalhos plotando o verdadeiro papel deste backgroud cultural nrdico
em sua teoria, como por exemplo, os trabalhos de George Fredrickson (Thorstein Veblen: the Last
Viking, 1953), Jonathan Schwartz (Tracking Down the Nordic Spirit in Thorstein Veblens
Sociology, 1990), Russel Bartley e Sylvia Yoneda (Thorstein Veblen on Washington Island, 1994),
J.R. Christianson (Thorstein Veblen: Ethnic Roots and Social Criticism of a Folk Savant, 1995),
Rick Tilman (The Intellectual Legacy of Thorstein Veblen, 1996), Stephen Edgell (Rescuing Veblen
from Valhalla, 1996), Helge Peukert (T.Veblens Habit of Thought), Elizabeth e Henry Jorgensen
(Thorstein Veblen. Victorian Firebrand, 1999)
Os primeiros trabalhos mais importantes que vincularam a tradio nrdica de Veblen com a sua
teoria enfatizaram as correlaes mtuas de certas caractersticas do luteranismo, a religio dos
familiares de Veblen, com certos ideais das convices de Veblen e que migraram para a sua obra: a
mutualidade, o esprito cooperativo, o ascetismo, o trabalho diligente, a parcimnia.
De fato, a influncia do cristianismo (no institucional) na obra de Veblen, possui uma importncia
que no foi ainda totalmente avaliada, pois a crtica contundente de Veblen Cristandade
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
institucional acabou deixando na penumbra algumas de suas posies - importantes para a sua obra
- sobre outras tradies crists, especialmente as comunidades crists primitivas. Veblen discordava
conspicuamente da Cristandade institucional. Suas stiras cortantes e devastadoras das igrejas
institucionais, dos sacerdotes, dos rituais e das construes devotas (the devout observations) eram
idnticas ou bem prximas s de Voltaire. Certa vez, ainda jovem, Veblen referiu-se s
organizaes eclesisticas como lojas de bugigangas, e a igreja romana apostlica como loja de
vendas a varejo.
A Cristandade institucional Veblen considerava como aparentada das tendncias animistas e
antropomrficas das culturas brbaras pr-modernas, e estava convencido de que a significao
contempornea desta instituio era completamente negativa. ... Veblen ridiculariza as
explicaes sobrenaturais no cientficas, e era especialmente crtico acerca do desperdcio dos
clrigos da Cristandade institucionalizada. (Edgell, 2001, 11)
Entretanto, as opinies de Veblen sobre as mensagens, as prticas e a tica dos grupos cristos
primitivos (gnsticos) eram bem diferentes.
... Em relao tica crist primitiva de irmandade fraternal e mutualidade Veblen considerava
esta caracterstica como sendo nada mais do que uma manifestao especializada do instinct of
workmanship. (Ardzrooni, 1934, 216) E como tal, antecede a Cristandade institucional; e
embora tal princpio seja continuamente e diuturnamente reafirmado, h uma evidente
discrepncia entre a moralidade crist de mutualidade, e a moralidade do individualismo no
capitalismo. (Edgell, 2001, 11)
Ora, na medida em que o instinct of workmanship, como veremos neste livro, uma das principais
variveis do esquema terico de Veblen, a sua assertiva acima extremamente clara - sobre a tica
crist primitiva como sendo um caso especial do instinct of workmanship, deveria induzir uma
pesquisa mais detalhada sobre esta virtual correlao altamente original, apontada pelo prprio
Veblen. De fato, vrias concluses podem ser tomadas sobre esta correlao, mas que no sero
aqui desenvolvidas. Uma delas, a impressionante possibilidade de plotar quase todo o modelo
social de Veblen sob as luzes da Gnose tradicional. impressionante como a estrutura terica do
pensamento de Veblen pode ser decalcada nas grandes explicaes da Gnose clssica, ou melhor,
em uma espcie de Gnose secular. Se esta linha de argumentao aqui exposta superficialmente
possuir alguma validade ou coerncia, ento, a perseguio ou o esquecimento da
importantssima obra de Veblen nos meios acadmicos tidos como reputados, nos ltimos c. 80
anos, passa a ter uma explicao bem mais profunda e sofisticada.
Podemos falar, portanto, provisoriamente, e sem grandes explicaes aqui neste livro, que h uma
eventual aderncia de Veblen a uma espcie de verso secularizada da Gnose. E tambm, se
basearmo-nos no estilo de vida de Veblen, em sua indumentria, em suas construes materiais
(mveis domsticos e casas, por ele mesmo construdos), e em suas teorias, etc., podemos afirmar,
com grande nfase e com pouca margem de erro, que h uma aderncia de Veblen a uma espcie de
verso secularizada do protestantismo, especialmente do luteranismo.
Outra verificao do acima exposto, mas que Veblen no desenvolveu em sua obra por razes
desconhecidas, e que se adapta um pouco mais s suas ideias do que a prpria cristandade primitiva,
so as prticas, os comportamentos, a igualdade de gneros, e at mesmo as convices e as
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
construes estticas da riqussima experincia dos Shakers nos EUA, durante, inclusive, a prpria
vida de Veblen. O modelo idealizado por Veblen como o representativo do estgio histrico
cultural inicial da humanidade (e qui o prospectivo), que veremos no captulo 2, pacfico,
produtivo, cooperativo, no androcrtico, acolhedor dos progressos cientficos e tecnolgicos, etc.,
encontrou na experincia dos Shakers, nos EUA, uma clara materializao, e que se prolongou por
muitas dcadas.
Um conhecido intrprete de Veblen, Louis Patsouras, um dos poucos, ou mesmo o nico, que
chegou a perceber a importncia dos Shakers para uma parte importante da obra de Veblen,
especialmente a importncia do feminismo em Veblen, conforme veremos igualmente no captulo 2.
Em 2004, Patsouras, em seu livro Thorstein Veblen and the American Way of Life, afirma: Nas
propostas socialistas utpicas do sculo XIX, a igualdade de gneros, por exemplo, era uma das
maiores preocupaes. Os Shakers, fundados por Anne Lee Stanley, que acreditavam que Deus era
tanto um homem como uma mulher, praticavam uma vida comunitria, com distribuio equitativa
da produo, baseados em uma igualdade sexual. (Patsouras, 2004, 190)
Outra linha de argumentao inicial sobre a importncia tnica na obra de Veblen proveio do
igualitarismo democrtico da cultura nrdica, de ampla e longnqua tradio. O respeito pelas
mulheres nestas tradies nrdicas, e as constantes crticas de Veblen ao patriarcalismo e
submisso das mulheres de sua poca e de pocas passadas, foi lembrado tambm como uma das
razes pelas quais Veblen tanto apreo possua por Hendrik Ibsen e Bjrnstjerne Bjrnson, apreo
este que se encontra em inmeras passagens de sua obra. O feminismo e o igualitarismo de Ibsen
(e.g., Casa de Bonecas - Et Dukkehjem), de Bjrnson, e da cultura nrdica como um todo, ecoam
claramente na obra de Veblen. Ademais, a conhecida pea de Ibsen, Um Inimigo do Povo (En
Folkenfiende), pode ser tambm uma excelente porta de entrada para compreender um pouco o
esprito nrdico que veste parte da mente e da personalidade de Veblen, e mesmo de sua prpria
obra; no causa espanto algum perceber no Dr.Thomas Stockmann, um dos personagens principais
desta pea de Ibsen, um virtual Dr. Veblen. ...
(ltimo dilogo de Um Inimigo do Povo):
Dr. Stockmann psiu! Mas no digam por enquanto nada a ningum, porque eu fiz uma (outra)
grande descoberta.
Sra. Stockmann Mais uma?
Dr.Stockmann Sim, mais uma! Ouam (todos) com ateno o que lhes vou dizer: o homem mais
poderoso que h no mundo o que est mais s. ...
Um Inimigo do Povo, de Ibsen, uma obra prima sobre a maneira como um indivduo bem
intencionado, honesto e competente, pode ser esmagado pelas instituies e pela mediocridade
humana; descreve a quase que total falncia de um indivduo (correto) diante da unanimidade
estpida, parva e atoleimada das massas. Mesmo diante da vontade de praticar o bem comum, Dr.
Stockmann entra em choque com os interesses mesquinhos de sua cidade. Vtima da maioria e da
unanimidade cega e estpida, o homem que queria salvar a cidade torna-se, contraditoriamente, um
inimigo do povo. A pea uma impiedosa crtica s elites corruptas, aos governos, aos partidos, e,
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
em ltima instncia, ao pensamento nico aparvalhado. (q.v. Ibsen, Um Inimigo do Povo, edio
L&PM, 2003)
Vrias outras correlaes foram feitas e publicadas acerca da influncia da etnicidade nrdica na
obra de Veblen. George Fredrickson (1953), argumentou que os valores de liberdade e
independncia dos fazendeiros noruegueses proprietrios de terras, ecoam por toda a obra de
Veblen, e que o faz um verdadeiro Viking nmade. (like a Viking wanderer). Jonathan Schwartz,
1990, relaciona a importncia do trabalho eficaz, diligente, atencioso e produtivo (workmanship),
como uma destas expresses da formao cultural de Veblen. Bartley e Yoneda exploraram a
importncia da cultura islandesa para Veblen, a partir dos fortes laos de amizade que Veblen
possua com a comunidade islandesa de Washington Island, onde Veblen passou, por c. 30 anos
(1896 a 1926), muitas de suas frias e de seus momentos de lazer. Rick Tilman enfatizou vrios
aspectos desta influncia tnica, especialmente a importncia dos laos familiares dos veblens; e
tantos outros.
O interesse de Veblen pelas suas origens tnicas nrdicas tambm est retratado, sabidamente, em
sua extensa obra, em suas aulas, e em seus momentos de lazer. Relatos de ex-alunos indicam que
Veblen fazia referncia sistemtica histria e pr-histria das culturas escandinavas para ilustrar
argumentos. O seu curso principal (Economic Factors in Civilization) cobria igualmente um arco
significativo de fontes nrdicas. Em 9 de seus 11 livros Veblen faz referncia a fontes e temas
nrdicos. E mais: (i) a sua considerada excelente traduo da famosa saga islandesa, The Laxadaela
Saga, e em especial a sua Introduo para a edio de 1925; (ii) as suas frequentes idas
comunidade islandesa de Washington Island, por mais de 30 anos, e onde construiu ele prprio duas
cabanas e seus mveis; (iii) as suas viagens Europa para visitar museus, locais e/ou intelectuais
vinculados aos interesses da cultura nrdica, como por exemplo William Morris, et al.; (iv) a sua
ajuda a Rasmus Bjrn Anderson na traduo de vrios itens da literatura norueguesa; (v) o seu
ativismo poltico, em Yale, na divulgao de Ibsen; etc., so exemplos conspcuos desta sua direta e
atvica vinculao com a cultura e a tradio escandinava.
Atualmente, h uma espcie de consenso entre os principais intrpretes de Veblen, acerca da
expressiva importncia tnica em sua formao e em sua obra. O exemplo de uma bem sucedida
cooperao familiar, as virtudes do trabalho diligente, a nfase na educao e na prudncia, a
prioridade de sustentar a vida mais do que ganhar lucros, e tantos outros aspectos que esto
relacionados tica e tradio das culturas nrdicas, da commonwealth nrdica, no foram
esquecidas ou abandonadas por Veblen. Muito pelo contrrio. Estes elementos desta herana
cultural, e tantos outros, podem ser facilmente identificados nos escritos de Veblen sobre o
trabalho eficaz e pacfico em oposio predao e competio; no coletivismo versus o
individualismo, na repugnncia ao desperdcio e ostentao; na busca do livre conhecimento
versus o obscurantismo, no respeito s mulheres.
Pode ser sugerido, ainda, que nas inmeras apresentaes de Veblen sobre o trabalho eficaz e
pacfico, sobre a mutualidade e cooperao, e sobre o igualitarismo, caractersticas dos perodos
iniciais da repblica islandesa, antes de sua decadncia e colapso final para um sistema mais
predatrio, h uma insinuao da sociedade ideal de Veblen, e que est incrustada em sua
etnicidade (ver captulo 2 adiante). Existem tambm fortes evidncias da validade deste argumento
fora da prpria literatura relacionada a Veblen, pois Piotr Kropotkin, por exemplo, que no foi um
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
especialista na vida ou na obra de Veblen, em Mutual Aid. A Factor of Evolution, 1902, desenvolve
argumentos bem prximos a esta ideal comunidade vebleniana, invocando, precisamente, as
comunidades islandesas antigas.
Deve-se notar, entretanto, para efeitos de uma pequena correo ou complementao, que o modelo
de organizao social, cooperativa, justa, cientfica e tecnicamente desenvolvida e harmoniosa que
Veblen perece ter indicado, de forma subjacente, em toda a sua obra, deve ser buscado, tambm,
como dissemos anteriormente, nas linhas e nas indicaes do famoso best seller de Edward
Bellamy, Looking Backward, de 1888, que tanta importncia possui para toda esta reflexo e para a
prpria formao de Veblen.
A Obra de Veblen Retrica ou Cubismo - Caractersticas Gerais
Muito j se falou sobre a retrica de Veblen. Infelizmente, so poucos os comentrios construtivos
e relevantes feitos sobre esta retrica. Diversos comentrios feitos sobre a forma escrita como
Veblen apresenta seus argumentos, desde seus primeiros trabalhos, so, muitas vezes, comentrios
travestidos de avaliaes literrias isentas, mas que, no fundo, podem ser identificados como um
estratagema de criticar a obra e os conceitos de Veblen em si, mais do que propriamente uma crtica
sua, digamos, esttica literria. Incluem-se aqui, tambm, os que afirmam que a obra de Veblen
difcil de ser compreendida porque est eivada de ironia e stira, e fica difcil, ento, perceber o que
srio e o que no srio nas linhas e nos pargrafos escritos por Veblen.
Ora, parece claro que esta ltima posio provm de pessoas que no leram, de Veblen, nada mais
alm do que alguns pargrafos ou captulos de seu primeiro livro, The Theory of the Leisure Class
(1899), que contm, certo, algumas passagens claramente irnicas. Os que afirmam esta ubqua
presena da ironia e da stira na obra de Veblen, concluo que no passaram, ento, na melhor das
hipteses, do primeiro dos onze livros de Veblen; no leram a maioria de seus 75 artigos; no leram
a maioria dos 54 book reviews que Veblen publicou; e complementaria: no leram, tambm, a
Introduo The Laxadaela Saga. S para exemplificar, o terceiro livro de Veblen, o livro que ele
considerava, inclusive, o seu mais importante livro, no contm, pelo menos em minhas anotaes,
assertivas irnicas ou satricas significativas. O seu segundo livro, um dos livros mais importantes
de economia do sculo XX, possui, unicamente, quatro pequenas construes irnicas, e, mesmo
assim, so frases irnicas, sim, mas que apenas esto presentes na construo para sustentar o
argumento central; logo, podemos claramente, se quisermos, ignorar as assertivas irnicas e
concordar (ou no) com a argumentao central, que normalmente est bem clara. Em suma, o meu
argumento neste pargrafo duplo: (i) a obra de Veblen, como um todo, no uma obra irnica ou
satrica; embora certas (poucas) passagens sejam efetivamente irnicas ou satricas; e (ii) estas
pequenssimas passagens irnicas ou satricas podem ser eliminadas dos argumentos centrais, pois
no os invalidam.
Mas h outro conjunto de comentrios sobre o estilo literrio de Veblen, e que um pouco mais
complicado de se avaliar, que provm de pessoas que parece que no entenderam bem o que
estavam lendo, e a soluo de contorno mais simples, ento, nestes casos, para estas pessoas, e para
no ficar claro que elas no estavam entendendo muito bem o que estavam lendo, afirmar que a
retrica de Veblen um dos obstculos para o entendimento do que Veblen estava explicando.
Normalmente, esta estratgia funciona bem, e se dissemina com eficcia, pois esta dificuldade
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
prescritiva e decretada por algum, ainda mais se este algum reputado, serve de bom argumento
para algumas pessoas continuarem contentes com o seu benchmark anortico de leitura, e poder
com isto, em certos crculos, repetir que Veblen muito complexo ou boring pois a sua retrica
insuportvel.
Por outro lado, para outras pessoas, curiosamente, a leitura de Veblen era um agradvel lazer e
passatempo. Albert Einstein, por exemplo, que, como todos sabemos, no era especialista em
sociologia ou em economia, (embora os economistas atuais, como um todo, estejam vivendo bem
prximos dos universos tericos e cosmolgicos de Einstein), no s conseguia ler Veblen
facilmente, como achava a sua prosa uma das poucas que valiam a pena para entret-lo.
Eu devo inumerveis horas felizes pela leitura dos trabalhos de Bertrand Russell, algo que no
posso dizer de nenhum outro escritor cientfico moderno, com exceo de Thorstein Veblen. (A.
Einstein, 1944, in Shupp P.A.)
O que me proponho neste item, entretanto, e em poucos pargrafos, algo mais construtivo.
Tentarei demonstrar, em geral, que a forma, o estilo, a retrica de Veblen, encontra-se
perfeitamente adequada e coerente com as suas teorias. E mais, tentarei demonstrar adiante que
somente aqueles que compreenderem corretamente o esquema central de Veblen, encontram-se
aptos a compreender as razes pelas quais Veblen exps as suas teorias e pensamentos da maneira
como o fez.
As teorias de Veblen so, muitas vezes, complexas, difceis e originais. E mais ainda, algumas
teorias de Veblen possuem tamanha complexidade, que uma das maneiras que Veblen encontrou
para tentar explic-las (linearmente, em prosa) seria format-las, precisamente, com uma linguagem
que pudesse, minimamente, explicar o contedo de seus argumentos sem perder a complexidade
dos mesmos. Porm, o fato de uma teoria social e econmica (ou de qualquer outra disciplina) ser
complexa, difcil e original, no deve invalidar a busca de sua compreenso plena; e, em minha
opinio, Veblen apresenta, com a sua linguagem ou com a sua retrica, perfeitamente os tpicos
relevantes de seus argumentos centrais, de seu esquema central, de suas proposies centrais.
Uma das dificuldades inerentes compreenso dos conceitos de Veblen diz respeito quantidade
significativa de fontes e temas que ele utiliza, quase que ao mesmo tempo. Como vimos acima, nas
palavras de Lerner
To agudamente sentiu Veblen a necessidade de construir um arete para derrubar os muros de
sua oposio, que ele tornou-se, cada vez mais, repetitivo e longnquo, e tentava, a todo o
momento, expor tudo de uma s vez. (Lerner, 1948, 31)
Outra caracterstica importantssima de sua obra e de sua esttica, e que est diretamente
relacionada s suas prprias teorias, o uso polissmico e cubista que ele faz, recorrentemente, de
certas palavras, expresses ou locues, ao longo de toda a narrativa. Esta uma das caractersticas
mais relevantes de sua esttica, e uma das caractersticas que mais dificuldade oferece a um
entendimento firme e no paradoxal de certos conceitos veblenianos. Mas Veblen no procede
assim por diletantismo, por diverso, ou para afetar os mais elevados centros cerebrais de algum
(como este algum certa vez afirmou); mas sim por necessidade; pois Veblen leva a srio a sua
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
orientao evolucionista e a sua viso biolgica e psicolgica complexa do homem e das
sociedades.
Veblen utiliza polissemicamente e sinedoquicamente certas palavras e expresses em suas obras
exatamente para tentar demonstrar para o leitor/pesquisador, que ele precisa renegar,
conspicuamente, os significados taxonmicos da linguagem moderna (fortemente influenciada pela
Gramtica de Port Royal, que busca sempre atribuir um significado nico e preciso, lgico e
racional para cada significante). Veblen no chega a ostentar em sua obra uma tendncia para o
simbolismo em suas assertivas e narrativas, mas pretende, claramente, em algumas passagens e
conceitos, mormente os mais importantes de suas teorias, deixar evidente que as palavras escritas,
como significantes de uma lngua, no podem ou no conseguem, obrigatoriamente, cobrir, com um
nico significado, o que a vida, o fato social, o comportamento ou a psique de um indivduo requer
para uma explicao avanada e coerente.
Veblen talvez tenha sido o primeiro terico social e economista (e talvez o nico at o momento)
que fez uso de certas palavras com sentido polissmico, sinedquico e cubista exatamente para
expressar uma complexidade conceitual que normalmente est associada, em sua obra, a
fundamentos biolgicos ou psicolgicos. As palavras para Veblen, assim, muitas vezes, parecem ser
expresses artsticas plsticas; especificamente expresses plsticas da corrente artstica cubista do
sculo XX. Para o cubismo, que entendido como a arte da simultaneidade, os objetos precisam
ser vistos de forma relativa, isto , sob vrios pontos de vista, sendo que nenhum deles possui
autoridade exclusiva de viso sobre os demais. E ao dissecar objetos, os v simultaneamente, por
todos os lados; por cima e por baixo; por dentro e por fora. Nenhum ngulo dominante ou superior
aos demais. O cubismo tambm a arte da sindoque, pois transmite ao apreciador somente parte
do todo que quer retratar, mas esta parte, para o espectador, suficiente, ou deve ser suficiente, para
a apreenso e compreenso do todo.
importante informar tambm, que Veblen empreendia este procedimento de abordar
sinedoquicamente ou cubisticamente uma srie de palavras e expresses, e com muita facilidade e
tranquilidade, pois ele conseguia ler, ao mesmo tempo, duas colunas de um livro ou de um jornal.
Ademais, as palavras para Veblen, alm do citado acima, possuam pesos semnticos. (ver captulo
3)
Por exemplo, quando Veblen explica o conceito de instinct of sportsmanship em sua obra, como
sendo uma variante do instinct of workmanship (q.v. captulo 4), o radical sport, sports, ou
sporty da expresso sportsmanship informa, para a sua teoria e para os leitores, uma srie de
significados, todos eles perfeitamente coerentes e necessrios para o que Veblen pretende
efetivamente explicar como sportsmanship. Neste caso, no mnimo, sete significados (ao mesmo
tempo) so importantes para Veblen, e em uma ordem que depende do que ele quer ressaltar em
cada frase ou ideia. Ou seja, em certos contextos ele utiliza um ou dois significados
preferencialmente, em outros momentos utiliza outros significados. Entretanto, no conjunto, todos
so relevantes. (ver com ateno Figura 1.1).
Apenas para um exemplo adicional, a palavra leisure (associada leisure class) em Veblen, to
importante e ubiquamente utilizada em sua obra, presente no ttulo de seu mais famoso livro,
normalmente traduzida, em vrias lnguas, com o sentido de ociosidade (portugus e espanhol
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
e.g.), ou lazer (em francs loisir), ou fina, delicada, elegante, distinta, esnobe (em alemo feinen),
ou confortvel, abastada, rica (em italiano agiata), ou livre do trabalho (como em noruegus Den
arbeitsfrie klasse), etc.
Na realidade, Veblen no intencionava conceituar estas pessoas ou classes como ociosas, pois se
assim quisesse, teria escrito idle Class, como est em toda a obra de Edward Bellamy, que tanto
influenciou Veblen, conforme vimos acima. Veblen foi inclusive bem claro, em 1899, ao afirmar
que leisure, para ele, no estava diretamente associado indolncia ou ociosidade tout court ...
... o termo cio (leisure) no significa, aqui, indolncia ou inatividade. Significa tempo
(despendido) em atividade no produtiva, tanto pelo sentimento de indignidade do trabalho;
quanto para demonstrar a capacidade pecuniria de viver uma vida inativa. (Veblen, 1899a, 24)
Para Veblen, leisure era uma destas palavras sinedquicas ou cubistas, cujo conjunto de
significados, para ele, cobria vrias caractersticas, sendo que as mais complexas e desconhecidas
eram as que, muitas vezes, mais lhe convinha. Por exemplo, leisure significa claramente lazer,
folga, no ocupao em trabalho de serventia, sem pressa, ocioso, livre de responsabilidades ou
deveres, etc. Entretanto, acredito que muitas pessoas no perceberam que leisure possui mais trs
significados importantssimos e que Veblen deu nfase, precisamente, nestes trs significados
adicionais: (1) pessoa(s) que vive(m) de rendas (que em outras partes de sua obra ele designou por
anonymous pensioners; (2.1) proveniente do latim licre, e do francs antigo leisir (pessoas que
podem fazer qualquer coisa porque tudo permitido); e (2.2) do latim tardio allaudre e do ingls
medieval allouren, (pessoas que so elogiadas e invejadas). Leisure se aplica tambm a coisas que
no tm utilidade. Os que possuem conhecimentos das teorias de Veblen, mesmo que nfimos,
podem aqui rapidamente concluir como estes ltimos trs significados so importantes para
compreender uma simples palavra e a sua prpria teoria.
Figura 1.1
Assim sendo, muitas palavras e expresses que Veblen utiliza em suas teorias precisam ser
decodificadas ou compreendidas com ateno; outras vezes, com muita ateno, pois a sua obra,
como um todo, extremamente workmanlike, ou seja, hbil e atenciosamente construda. Suas
pginas eram lidas e relidas, feitas e refeitas inmeras vezes por ele antes de irem para a publicao.
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
Outra caracterstica do uso de certas expresses e palavras por Veblen, e que tambm pouco
compreendido, a escolha dos significados das palavras que Veblen fazia. extremamente comum
na obra de Veblen o uso do(s) significado(s) mais longnquo(s) de certas palavras, dos
aparentemente mais simples e diretos. Os prprios alunos de Veblen, em muitas ocasies,
comentavam com Veblen que ele havia falado, em ingls, uma palavra que no existia. Veblen
sorria, e continuava. Dias depois este aluno voltava cabisbaixo aps ter descoberto que a tal palavra
que Veblen citou provinha do ingls medieval, que ningum mais utilizava.
Uma consequncia enorme do exposto acima para a obra de Veblen, sobre este uso polissmico,
sinedquico e cubista de certas palavras para expressar conceitos complexos, a idntica
dificuldade que muitas pessoas tm em entender que inmeras dicotomias e dualidades de sua
obra (e a sua obra est repleta destas dicotomias), no so dicotomias plenas e simples (A ou B).
So, de fato, antinomias. (A e B) (ao mesmo tempo). E por esta razo que inmeros intrpretes e
leitores apressados de Veblen, perdem-se, ou confundem-se com os muitos (aparentemente)
paradoxos ou contradies contidos na obra de Veblen. muito comum certos intrpretes
perceberem que Veblen afirma algo em uma frase com um sentido X, e logo adiante, afirma este
mesmo algo com um sentido `Y (parcialmente distinto de X); e acham que Veblen est
confuso ou contraditrio. No h nenhuma confuso ou contradio vebleniana, e nem sequer
Veblen deseja que as pessoas fiquem confusas. O que ocorre, simplesmente, que Veblen utiliza,
muitas vezes, antinomias, onde ns lemos apenas dicotomias. Alis, quem procede desta maneira,
em quase toda a sua obra, ou pelo menos em seus conceitos importantes, Immanuel Kant; e como
Veblen bebeu em fontes kantianas desde o seu doutorado, supe-se, portanto, que este uso de
antinomias de Veblen tenha sido herdado, tambm, de Kant.
Mas no sejamos apressados nesta concluso, pois o raciocnio antinmico de Veblen um pouco
mais complexo ainda. Ou seja, h uma complicao adicional. A complicao adicional que
Veblen utiliza suas dualidades como antinomias especiais retiradas de um pensamento
evolucionrio/biolgico. Algumas importantes antinomias de Veblen, inclusive a principal de sua
obra, conforme veremos, resolvem-se no como (A e B) (ao mesmo tempo), como nas antinomias
normais, mas resolve-se biologicamente como (A e B), sendo B derivado, muitas vezes, do
prprio A, ou seja, B sendo uma metamorfose, ou mutao, ou manifestao do prprio A em novas
circunstncias. como se (A e B) seja, na realidade, (A e ). por esta razo, por exemplo, que
muitos leitores de Veblen, at mesmo os mais bem intencionados, no conseguem concluir se na
teoria de Veblen os Instintos so mais importantes do que as Instituies, ou se so estas ltimas
mais importantes do que os Instintos. A explicao de Veblen sobre este impasse bem simples
e, ao mesmo tempo, pouco simples! (ou seja, igualmente uma explicao antinmica).
Finalmente, uma ltima observao sobre a obra de Veblen como um todo: existem vrios nveis de
compreenso de suas teorias e conceitos. Muitos de seus conceitos podem ser compreendidos em
um plano relativamente simples, como por exemplo o seu conceito de consumo conspcuo, que
relativamente fcil de compreender, isto , de compreender em um plano simples; mas este mesmo
conceito pode ser compreendido como algo mais complexo e sofisticado (ver captulo 2 por
exemplo). Esta caracterstica da obra de Veblen, de possuir vrios nveis de dificuldades, digamos
assim, facilita bastante a compreenso geral de suas ideias, mas, se esta compreenso verificar-se
unicamente na superfcie deste entendimento, muitos outros pontos so perdidos. Neste livro, tentei
alcanar todas as possibilidades de entendimento vislumbradas dos principais conceitos de Veblen.
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
Ncleo e a Estrutura da Obra de Veblen Correspondncias com os
Captulos deste Livro
A Figura 1.2 indica, detalhadamente, o ncleo importante da obra de Veblen (livros e artigos
principais), e as correspondncias com os captulos deste livro. Por exemplo, os temas tratados em
The Theory of the Leisure Class, conectados com os artigos Some Neglected Points in the Theory of
Socialism; The Theory of Womans Dress; The Instinct of Workmanship and the Irksomeness of
Labor, e The Barbarian Status of Women, esto tratados, neste livro, nos captulos 1,2,3,4 e 5. Isto
no significa, entretanto, que certos temas no estejam presentes, igualmente, em outros captulos
de livros ou artigos de Veblen, at mesmo pelo que foi exposto em pargrafo anterior, sobre o uso
sinedquico de alguns de seus conceitos principais. A Figura 1.2 deve ser compreendida, tambm,
como possuindo duas amplas colunas verticais e uma centralidade. Uma ampla coluna vertical
esquerda, que orienta o grande tema de Veblen Business; e uma ampla coluna vertical direita,
que orienta o seu outro grande tema, Industry, cuja sizgia encontra-se no centro da Figura, entre
Business e Industry, e que desgua em seu livro The Engineers and the Price System, de 1921.
A listagem da obra completa de Veblen, encontra-se no final deste livro.
Sumrio Biogrfico de Thorstein Veblen - De Tosten a Thorstein
Thorstein Bunde Veblen nasceu em 30 de julho de 1857, em Valders, Municpio de Cato, Distrito
de Manitowoc, Wisconsin, e tomou o nome de Tosten Bunde Anderson, embora no censo de
Manitowoc, Cato, WI, ele estivesse listado com o nome de Terson Anderson pgina 84, famlia
590, sexo M idade 3 anos. Tosten tomou o nome de seu av materno (Thorstein Bunde), que morreu
aos 35 anos deixando sua filha Kari rf de 5 anos. O primeiro nome de Veblen (Tosten) foi
germanizado para Thorstein em meados de 1870, um pouco antes de ele entrar para o Carleton
College; e faleceu em 3 de agosto de 1929, prximo a Menlo Park, Califrnia, em sua pequena casa
no bosque, com sua filha adotiva Becky, de sua segunda esposa, que o tratava carinhosamente por
Toyse.
Os primeiros 8 anos de idade Veblen passa, portanto, na fazenda de seus pais, em Valders,
Manitowoc, Wisconsin.
Em 1865, quando Tosten tinha 8 anos de idade, a famlia Veblen (Veflen) mudou-se de sua fazenda
em Cato, Wisconsin, mais para o oeste, indo para uma nova fazenda em Wheeling, perto de
Nerstrand, Rice County, Minnesota (adjacente ao que hoje Nerstrand Big Woods State Park).
Esta fazenda dos Veblens em Nerstrand existe at hoje, sendo que a casa sede um dos principais
locais tursticos do municpio.
Tosten Veblen viveu em Nerstrand dos 8 aos 17 anos, quando ento enviado por seu pai, junto
com a sua irm Emily, para estudar no Carleton College (Preparatory School) (Northfield), cerca de
10 milhas de sua fazenda. Thomas Veblen, seu pai, construiu, ele prprio, a casa/cabana prxima de
Carleton, onde os dois irmos iriam morar, estudar e descansar.
Veblen frequentou 6 anos o Carleton College. Dado a sua genialidade e precocidade intelectual,
Veblen completou os dois perodos de 4 anos normais, para cada ciclo, em apenas 3 anos, cada
ciclo, ganhando, inclusive, o prmio The Atkins (Athens) Prize de $80 pela melhor monografia de
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Thorstein Veblen O Terico da Economia Moderna Murillo Cruz
entrada para o College. (O seu irmo mais velho, Andrew, ganhou igualmente este prmio). Sua
monografia de graduao, em 1880, teve o ttulo de Mills Examination of Hamiltons Philosophy of
the Conditioned. Em Carleton, Veblen rapidamente sobressaiu-se, e foi considerado o mais
brilhante aluno que o College havia graduado. pelo menos, um de seus professores afirmou que
Veblen foi o mais brilhante aluno de Carleton College. (Joergensen, 1999, 21)
A partir de Carleton College, Thorstein segue seus estudos na John Hopkins e na Universidade de
Yale. Em John Hopkins Veblen possua, inicialmente, grande interesse por Filosofia e Lgica,
seguindo os cursos de filosofia grega, tica, Kant, e o curso de Lgica Elementar fornecido pelo
renomado Charles Peirce. Entretanto, aps um curso de economia poltica feito com o conhecido
Prof. Richard Ely, Veblen assumir interesse pela disciplina, tentando, inclusive, obter uma bolsa de
estudo com a monografia J.S.Mill Theory of the Taxation of Land. Veblen no consegue esta bolsa
de estudo, e segue ento para Yale, onde obteve o seu doutorado (Ph.D) em filosofia, em 1884, com
uma tese sobre Spencer e a terceira crtica de Kant, de 1790, A Crtica da Faculdade do Juzo, tese
intitulada