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www.terravista.pt/nazare/3790 Introdução à Ciência Política Apontamentos de: Clara Palma e Elisabete Barroso Email: [email protected] (Clara Palma) Data: 2001/02 A Sala de Convívio da Universidade Aberta é um site de apoio aos estudantes da Universidade Aberta, criado por um aluno e enriquecido por muitos. Este documento é um texto de apoio gentilmente disponibilizado pelo seu autor , para que possa auxiliar ao estudo dos colegas. O autor não pode, de forma alguma, ser responsabilizado por eventuais erros ou lacunas existentes neste documento. Este documento não pretende substituir de forma alguma o estudo dos manuais adoptados para a disciplina em questão. A Universidade Aberta não tem quaisquer responsabilidades no conteúdo, criação e distribuição deste documento, não sendo possivel imputar-lhe quaisquer responsabilidades. Copyright: O conteúdo deste documento é propriedade do seu autor, não podendo ser publicado e distribuido fora do site da Sala de Convívio da Universidade Aberta sem o seu consentimento prévio, expresso por escrito.

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Introdução àCiência Política

Apontamentos de: Clara Palma e Elisabete BarrosoEmail: [email protected] (Clara Palma)Data: 2001/02

A Sala de Convívio da Universidade Aberta é um site de apoio aos estudantes daUniversidade Aberta, criado por um aluno e enriquecido por muitos. Este documento é umtexto de apoio gentilmente disponibilizado pelo seu autor , para que possa auxiliar aoestudo dos colegas. O autor não pode, de forma alguma, ser responsabilizado por eventuaiserros ou lacunas existentes neste documento. Este documento não pretende substituir deforma alguma o estudo dos manuais adoptados para a disciplina em questão.

A Universidade Aberta não tem quaisquer responsabilidades no conteúdo, criação edistribuição deste documento, não sendo possivel imputar-lhe quaisquer responsabilidades.

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Política (definição)

Actividade humana que tem por objecto a conquista, a manutenção e o exercício do poder, no âmbito do Estado.

Ciência Política (definição)

Sinteticamente pode dizer-se que Ciência Política é o estudo científico da Política.

São ciências políticas os ramos do saber que directa ou indirectamente digam respeito ao Estado e aos fenómenos de poder que se produzam no Estado ou fora dele.

A ciência política é a disciplina que se ocupa de estudar os problemas do Estado e do poder político na actualidade, através da observação dos factos e da sua explicação

Ciência Política – Campo de Estudo

A Ciência Política tem um campo próprio de investigação, devidamente estabelecido, e um campo que partilha com outras ciências sociais.

Os estudos de Ciência Política nascem da necessidade de analisar os fenómenos políti-cos por um ângulo de visão diferente do da Ciência do Direito e do da Filosofia. O Di-reito permite-nos conhecer as normas, a Filosofia coloca-nos perante os valores. A Ciência Política revela-nos os factos, as situações, as realidades da vida quotidiana.

Em 1948 a UNESCO estabeleceu um quadro de rubricas como campo de estudo da Ciência Política:

1. A Teoria Política - distingue-se da filosofia política por não ser normativa. Re-cusa o juízo de valores mas faz questão de formular hipóteses sobre os factos. Insere-se também ao nível da Teoria Política a História das Ideias Políticas.

2. As Instituições Políticas - estudo monográfico do governo central e dos gover-nos locais, da administração pública. Consiste na observação e análise das diver-sas funções assumidas por essas instituições. O interesse do politista reside em conhecer as práticas concretas e os jogos das forças sociais que produzem essas práticas.

3. Partidos, Grupos e Opinião Pública - estuda e analisa os partidos políticos, os grupos e associações; a participação no governo e na administração; a opinião pública.

4. As Relações Internacionais – aqui se incluem a política externa dos Estados, o estudo das organizações internacionais e dos mecanismos a que estão sujeitas.

Perante a definição estabelecida, a Ciência política divide-se em 2 ramos:

Ciência Política Interna ou do Estado e Ciência Política Internacional

Apesar das delimitações referidas a Ciência Política é “necessariamente multidimensio-nal”, assemelhando-se quase a uma confederação de disciplinas com os seus investiga-dores a surgirem de áreas ligadas à História, Sociologia, Direito, Antropologia, Econo-mia, etc, sem que exista rigidez nas metodologias aplicadas.

No entanto, para encontrar a óptica própria da Ciência Política impõe-se distingui-la da visão normativa, jurídica, ética ou instrumental. A Ciência Política deve incluir sempre três dimensões de análise do estudo do poder ou sistema político:

Forma (como se apresenta); Sede (onde reside); Ideologia (forma de actuação)

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Ciência Política (um pouco de história)

Aristóteles (300 a.C.)

Considerado o fundador da Ciência Política, Aristóteles no seu tratado Política analisa a realidade dos regimes políticos e sistemas de governo, propõe uma tipologia das formas políticas que considera “sãs” (monarquia, aristocracia, república) e estuda os desvios que elas podem sofrer, transformando-se em formas políticas degeneradas (tirania, oli-garquia, demagogia).

Maquiavel (séc. XVI)

Estudou pela primeira vez o Estado e o poder em todas as suas dimensões. Foi este au-tor quem mais contribuiu para conferir à Ciência Política o estatuto de autonomia peran-te a filosofia, a moral e a metafísica. Para ele o estudo da Política é um estudo positivo, realista, sem juízos de valor nem considerações de carácter ético.

Maquiavel é ainda o primeiro a formular leis políticas (não no sentido jurídico), ao pro-curar detectar regularidades na ocorrência de determinados fenómenos políticos e de-terminar relações de causalidade entre certos factos e os respectivos efeitos.

Montesquieu (séc. XVIII)

Autor de “O Espírito da Lei”, livro onde apresenta a teoria da separação dos poderes. Montesquieu considera que para se conhecer as realidades políticas deve recorrer-se à observação atenta da geografia física, da situação e dimensão dos países, das suas incli-nações, do seu comércio, dos seus costumes. Considerava o Estado como um sistema global.

Actualidade Modernamente, os estudos de Ciência Política afirmaram-se no séc. XIX, sobretudo na Grã-Bretanha, que pelo facto de não possuir uma Constituição escrita despertou o inte-resse dos autores pelo estudo dos costumes e tradições, das práticas governamentais e parlamentares, da história e dos factos e instituições. Levou os estudiosos a inclinarem-se mais para a observação da realidade política do que para a interpretação de normas jurídicas.

Na primeira metade do séc. XX o desenvolvimento da Ciência Política conheceu uma enorme expansão e dividiu-se. Os alemães inclinaram-se mais para a exploração da li-nha da Teoria Geral do Estado (seguida pelos franceses e outros povos latinos); por ou-tro lado os ingleses e principalmente os norte-americanos inclinaram-se para a linha da Sociologia Política.

Definições de Poder e Autoridade

Poder Capacidade de estabelecer a conduta alheia, através de qualquer processo, impondo o que foi estabelecido, nomeadamente pela via coerciva.

Autoridade Capacidade de suscitar vontade de obedecer (organização e consentimento) acatando ordens e regras estabelecidas.

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Conceitos

De entre os conceitos utilizados na Ciência Política distinguem-se os nominais onde se organizam grupos de características directamente observáveis (descritivos) e os opera-cionais que assentam na abstracção da realidade e se justificam nas operações de classi-ficar, comparar e quantificar, desempenhando um papel essencial na aproximação à realidade e na compreensão científica.

Política/Político

Política (Politics)

A competição pelo poder (quer a conquista quer a sua manutenção) que se trava entre partidos políticos e candidatos.

Político (Policy)

Conjunto de medidas levada a cabo para atingir objectivos declarados e considerados de interesse comum. Ex. Política de Educação, Saúde, Ambiente, etc.

Nota: Os dois conceitos andam sempre juntos sendo, por vezes, difícil diferencia-los, na medida em que frequentemente a política se mascara de policy surgindo como estando acima da competição pelo poder e demonstrando querer apenas o bem estar de todos para tentar obter maior credibilidade.

Política e Administração Pública

“Governo dos Homens” e “Administração das Coisas”

Importa referir que o Governo é simultaneamente o órgão de exercício da função políti-ca e o órgão superior da Administração Pública do Estado, não lhes estando distingui-dos critérios de natureza jurídico-formal.

É difícil estabelecer uma fronteira entre estes dois conceitos. Ambos se caracterizam por uma grande permeabilidade e complexidade, sendo as funções pouco claras. Ex. cons-truir uma auto-estrada é um acto de administração, mas o acto político de inauguração e valorização junto da opinião pública, enquadra-se na luta pela conservação do poder.

Apesar da difícil distinção dos dois conceitos perante os factos, pode-se dizer que a po-lítica define os fins enquanto a administração se encarrega dos meios para os atingir, numa perspectiva convencional.

Para Max Weber o relacionamento ideal entre política e a Administração Pública seria que aos primeiros coubessem as grandes deliberações de fundo para o país e a sua con-cepção de vida e, aos segundos a sua execução. No entanto, na realidade, Weber afirma que por mais técnico que seja um problema pode sempre assumir um significado políti-co. Perante esta realidade, Weber fala em politização de actos de administração e poli-tização da burocracia a serviço da luta em torno do poder político.

Sobre esta distinção existe uma segunda tese de Deter Sela que, assentando na perspec-tiva convencional, considera que a administração está relacionada com a transposição para a prática de “decisões políticas independentes derivadas de outras fontes”.

Como terceira tese surge Herbert Simon que separa os elementos de facto e éticos nas decisões. Os primeiros seriam característicos da administração enquanto os segundos da contribuição política.

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Perante a impossibilidade quase total de separar na política os actos políticos dos de administração pública, Batista Machado avança com a hipótese “neocorporativa”, se-gundo a qual é sistemática a articulação da actividade dos titulares de cargos políticos com os interesses organizados. Face a esta teoria a articulação e negociação é sistemáti-ca com entidades sociais o que faz com que o Estado soberano se transforme em Esta-do-parceiro ou Estado-interlocutor, surgindo assim a “Democracia neocorporativa”. Face a esta “hipótese” impõe-se sublinhar 3 questões:

1. O Estado negociador não deixa de ser soberano (decide em última instância) 2. O facto de negociar não o remete para uma situação neutral e arbitral 3. A admissão de uma margem para governar mediante negociação não exclui a

conflitualidade social

Peter Self avança com outra tese que assenta no critério das “carreira e vocações”. Para este investigador a política está relacionada com as actividades dos representantes elei-tos ou não e com a daqueles que os elegem ou influenciam, enquanto que a administra-ção liga-se com as actividades dos funcionários e agentes administrativos profissionais e com os seus conselheiros.

Um outro critério de análise é a caracterização da política como o campo de actividade não racional, de mudança, da indeterminação e da instabilidade e a administração como o campo da estabilidade e da rotina.

A distinção pode ainda ser feita com base na ideia de que a política é essencialmente o campo da organização e definição de estratégias a nível institucional do domínio de homens sobre homens e das acções para a conservação desse domínio, bem como o campo das lutas para a sua alteração (Max Weber chama-lhe o “ monopólio da violência legítima). O campo administrativo aparece essencialmente como subordinado a essa estratégia situando-se ao nível da sua execução.

Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, o primeiro é a “inovação política essencial” e a fun-ção administrativa é “executar prévias escolhas políticas”.

Sistema Político

A expressão “Sistema Político” está conectada com algumas correntes da Ciência Polí-tica que é acusada de querer “suprimir tudo o que possa haver de político na política” numa expressão de François Châtelet e Evelyne Pisier-Kouchener. Esta corrente ini-ciou-se com Robert Darl, Karl Deutsch e David Easton entre outros adeptos do ameri-can way of thinking e assenta no estudo de comportamentos através da procura de regu-laridades e uniformidades, proclamando como sendo necessário à objectividade cientifi-ca a rejeição de valores.

De uma forma geral pode-se dizer que o conceito de sistema político refere-se a qual-quer conjunto de instituições, grupos ou processos políticos caracterizados por um certo grau de interdependência reciproca.

Partindo da noção geral de sistema, ou seja, de um conjunto de elementos interdepen-dentes que se relacionam e interagem entre si, quer seja em complementaridade, con-vergência ou conflito, há que ter sempre em linha de conta os inputs trazidos nas exi-gências de diferentes entidades dirigidas a quem produz as decisões. As decisões políti-cas são então os outputs que condicionam a vida das populações. Normalmente estes outputs dão origem a novas exigências criando um fluxo infindável de inputs-outputs-

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inputs.

Ao resultado de outputs com inputs chama-se efeito de retroacção (the feed-back loop).

O sistema político tem como centro o Estado. É este que produz a maioria dos outputs e é em seu torno que um conjunto de elementos estão organizados, quer seja para exercer o “poder político”, para o influenciar, participar, submeter ou para o combater. O Estado é, portanto, o elemento central de um sistema político.

Estado

Em termos jurídicos o Estado, dotado de soberania, na acepção lata configura-se como “a pessoa colectiva de direito internacional” e na acepção restrita é uma “pessoa colec-tiva de direito público interno”.

Diogo Freitas do Amaral, partindo desta definição, considera que o Estado não é uma pessoa colectiva, mas sim, “a comunidade constituída por um povo que, a fim de reali-zar os seus ideais de segurança, justiça e bem-estar, se assenhoria de um território e nele institui, por autoridade própria, o poder de dirigir os destinos nacionais e impor as nor-mas necessárias à vida colectiva”.

Marcelo Rebelo de Sousa aproxima-se desta definição considerando que o Estado é “um povo fixado num determinado território que institui, por autoridade própria, dentro des-se território, um poder político relativamente autónomo”. No entanto, se do ponto de vista jurídico esta abordagem é de discutível adequação, mais o é na perspectiva da ciência política, onde falta conjugar os conflitos, as contradições e a diferença entre o que está legislado e o que é efectivamente vivido.

A abordagem do Estado deve pois jogar com as perspectivas jurídica e sociológica, na medida em que o Estado é normativo regulado e produz normas e, igualmente, um facto social constituído por factos políticos. Dado que o Estado evoca e discute valores, justi-fica-se também uma abordagem filosófica. Aliás, em ciência política é essencial receber uma multiplicidade tão ampla quanto possível de contribuições de outras áreas científi-cas.

Em resumo, o Estado é um aparelho que exerce o poder e autoridade numa sociedade instalada num território com o objectivo de garantir um determinado modo de produzir bens e a resolução de problemas gerais, numa correlação de forças que assegura a continuidade do seu domínio evitando a desorganização/divisão do “bloco social” do-minado. Os estados podem classificar-se em função de vários critérios (conceitos):

- Sistema económico (feudal, capitalista, etc) - Nível de desenvolvimento - Designação dos órgãos superiores (PR, Rei, Parlamento, etc) - Forma de governo (poderes e relacionamento entre os vários órgãos) - Determinação autónoma de decisão - Regime político (autoritário, ditadura, democrático) - Estrutura do estado ou forma de unidade estatal (divisão de parcelas

territoriais, estado federal)

O Estado Português

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Actualmente pode ser classificado como correspondendo a um tipo dominante capitalis-ta, com uma forma de governo mista-parlamentar-presidencial aproximando-se, nos últimos anos, do presidencialismo do PM com uma estrutura centralizada mas, parcial-mente regionalizada (Açores e Madeira) e um regime democrático.

Partidos e Sistemas Partidários

Também sobre estes dois conceitos as propostas são abundantes.

Partidos Giovanni Sartori, numa definição “mínima” diz que “um partido é qualquer grupo polí-tico identificado por uma etiqueta oficial, que se apresenta a eleições e pode eleger em eleição (livres ou não) candidatos a cargos políticos”. Nesta definição é imediatamente possível observar falhas: por exemplo, o partido nazi nunca se submeteu a eleições; os partidos clandestinos ou de resistência não são reconhecidos pelo estado nem elegem membros, ou seja, esta definição circunscreve-se às eleições e apresentação de candida-tos.

O conceito avançado por Adriano Moreira diz que “partidos são organizações que lutam pela aquisição, manutenção e exercício do poder”. Neste caso, Adriano Moreira não estabelece uma fronteira com o que Norberto Bobio chama de “poderes invisíveis” , ou seja, aqueles que visam o mesmo fim embora neguem e ocultem a sua actividade, ac-tuando por interpostos “poderes”, incluindo partidos.

Marcelo Rebelo de Sousa, numa perspectiva jurídica, define partido como “uma entida-de dotada de personalidade jurídica, de tipo associativo; tem caracter duradouro; visa representar politicamente a colectividade e participar no funcionamento do sistema de governo institucionalmente instituído; para este efeito, dispõe da formalidade de candi-datura às eleições dos órgãos de poder político do Estado”.

Por outro lado, Jorge Bacelar Gouveia acrescenta que se trata de “pessoas colectivas do tipo associativo, com carácter de permanência, tendo por finalidade representar a colec-tividade ao nível dos órgãos do poder político, assim contribuindo como peças funda-mentais para o funcionamento do sistema de poder instituído”.

Estas duas últimas perspectivas, iminentemente jurídicas, exigem um aprofundamento na óptica da ciência política.

J. La Palombara e M. Weiner propõem 4 condições para a existência de um partido polí-tico:

1. Organização durável (duração de vida superior à dos seus dirigentes) 2. Organização local bem estabelecida (relação regular com escalão nacional) 3. Vontade dos dirigentes nacionais e locais de tomar e exercer o poder 4. Desejo de procurar apoio popular através de eleições ou outra forma

Sistemas Partidários Pode-se definir como o conjunto de partidos, as relações que estabelecem entre si e com o poder, as suas características, dimensão e funções que desempenham num determina-do sistema político.

A classificação tradicional distingue 3 tipos de sistemas (tendo em conta o nº de parti-

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dos e o seu peso no funcionamento do sistema):

1. Bipartidários (bipolares) 2. Multipartidários (multipolares) 3. de partido dominante

Jean Bondel propõe ainda a inclusão do conceito dos “2 partidos e meio”, nas situações em que, apesar da alternância de poder entre dois grandes partidos existe um terceiro com dimensão e características que o impedem de participar no governo, mas não de influenciar o seu exercício.

Segundo Sartori é condição para que um sistema seja multipartidário que nenhum parti-do se aproxime, ou que pelo menos mantenha, a maioria absoluta.

No sentido de qualificar os critérios qualitativos pode-se fazer a distinção entre sistemas de partido rígido e sistemas de partido maleável ou leve (souple):

- Rígido: forte coesão interna, desempenhando um papel central no fun-cionamento dos sistemas políticos

- Maleável: com uma estrutura menos coesa e mais débil, sendo frequente a não disciplina de voto, e não desempenhando por vezes um papel cen-tral no funcionamento dos sistemas políticos

Financiamento dos partidos políticos É uma questão que tem levantado várias polémicas, nomeadamente no que se refere ao financiamento privado que poderá conduzir à dependência dos partidos políticos em relação ao poder económico, bem como à verificação de desigualdades de meios entre os diversos partidos.

No caso português são estabelecidos limites máximos para donativos provenientes de pessoas singulares ou colectivas (empresas), sendo excluída a possibilidade de donativo de empresas públicas ou de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos.

Há, no entanto, um financiamento público dos partidos com representação na AR destinado a campanhas eleitorais.

Ao Tribunal Constitucional compete a verificação da regularidade das conta anuais dos partidos, cabendo, igualmente, à Comissão Nacional de Eleições analisar a legalidade das receitas e despesas.

Grupos de Pressão e de Interesse

Sobre esta análise destacam-se dois autores: Arthur Bentley, que chamou a atenção para as actividades informais desenvolvidas por vários grupos da sociedade e David Truman que realçou a importância dessas actividades no processo de decisão política, conside-rando mesmo que estas poderiam ter maior relevância do que as actividades, a quem do ponto de vista jurídico cabe decidir.

A definição de grupos de pressão e de interesse não é simples, no entanto, pode-se dizer que um grupo de interesse é um conjunto de indivíduos que estão estavelmente ligados ou organizados para acções concretas para prosseguir um ou mais objectivos comuns.

O grupo de pressão existe quando um conjunto de indivíduos estavelmente organizados procura prosseguir esses objectivos comuns através da tentativa de, por qualquer meio, intervir no processo de decisão política, de modo a influenciar a seu favor a decisão

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final do órgão do Estado.

A partir daqui pode-se concluir que todos os grupos de pressão são grupos de interesse mas, nem todos os grupos de interesse são grupos de pressão.

Os grupos de pressão são objecto de estudo privilegiado da C.P., sendo os grupos de interesse que não são grupos de pressão alvo de estudo por outras ciências sociais.

Como exemplos de grupos de pressão pode-se falar em sindicatos, associações patro-nais, de trabalhadores, de agricultores, ambientais, de consumidores, etc.

Quanto à sua classificação, poderão ser vários os critérios de acordo com os interesses que defende: económicos, sociais, culturais, ecológicos, religiosos, etc.

Hoje, em muitos casos, os grupos de pressão, grupos de interesse, lobby ou lobbying são encarados com naturalidade e como uma componente do próprio sistema político, falando-se mesmo na época do “corporativismo democrático ou liberal” ou em “neocor-porativismo”.

“Classe Política” e “Elite de Poder”

Classe Política A primeira tentativa para definir o conceito de “Classe Política” deve-se a Geatano Mosca. Um conceito acusado desde o início, por vários autores, de imprecisão por falta de clareza e de noção “elástica e ondulante” (Antonio Gramsci), englobando por um lado a classe média, a “parte culta” da sociedade ou o “pessoal político” referindo-se aos parlamentares.

Entre nós, José Miguel Judice insistiu que o conceito deve passar a abranger dirigentes de grupos de interesse, devido à crescente politização da vida social, bem como de ou-tras estruturas de representação sectorial ou não política no sentido clássico como os sindicatos e as associações patronais, entre outros.

Outras tentativas não podem caracterizar-se por grande precisão. Joseph Palombara identifica a classe política como “uma proporção relativamente diminuta da população, cujas opiniões e actos de participação têm mais importância, politicamente, do que o resto da população”.

Na ciência política, para além da delimitação pouco rigorosa do conceito de classe polí-tica, é pouco adequado aplicar o termo “classe”, que não coincide com o normalmente utilizado nas ciências sociais e, na sociologia em particular.

Elite de Poder Segundo João Bettencourt da Câmara “elites são grupos ou agregados sociais que, por deterem o poder e/ou autoridade, exercem influência criando, conservando, modificando ou extinguindo condutas sociais relevantes e/ou alterando as suas posições relativas no sistema de poder em que participam”.

Refira-se, igualmente, a posição de Guy Roche para quem a “elite compreende as pes-soas e os grupos que, graças ao poder que detêm ou à influência que exercem, contri-buem para a acção histórica de uma colectividade seja pelas decisões tomadas, seja pe-los ideais, sentimentos ou emoções que exprimem ou simbolizam”.

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A distinção entre as elites que correspondem a grupos e as que correspondem a agrega-dos sociais contempla o facto de poderem existir “elites” que não são grupos mas, me-ramente, “elites simbólicas” como é o caso, por ex., de desportistas que a aparecerem num tempo de antena de um determinado partido político ou movimento produzem efei-tos políticos.

Saliente-se ainda que existem elites em toda a classes sociais. A ideia de elite tem a ver com a superioridade dentro de um determinado grupo, um critério defendido por Pareto, para quem a elite se define pelo poder/autoridade e a influência que dai resulta.

Opinião Pública, Propaganda, Marketing e Persuasão Política

Opinião Pública A opinião pública é um fenómeno típico do estado moderno que se reclama de uma le-gitimidade assente na representação política democrática. Implica que a população te-nha informação ou possibilidade de a ter e possibilidade de intervir. Regra geral as questões relacionadas com a opinião pública só se colocam em sistemas onde existam direitos fundamentais e eleições competitivas, são pressupostos essenciais, a existência de um poder político baseado na soberania popular que emana de sufrágio, liberdade, OCS, centros de formação de opinião pública (como é o caso dos partidos, associações, etc).

A opinião pública, mais do que uma colecção de “opiniões individuais”, tem de ser qua-lificada de acordo com o seu objecto (assuntos sobre que versa) tendo em conta o(s) grupo(s) social(ais) que a(s) partilha(m).

A opinião pública não poderá ser nunca a opinião de um pequeno grupo, mas sim a opi-nião dominante, sendo caracterizada pelo anonimato e a natureza estatística da sua ma-nifestação. Há muito menos emissores de opinião do que receptores, o público é uma assembleia abstracta de cidadãos que recebem as suas impressões dos meios de comuni-cação de massa. A opinião pública não pode, no entanto, ser tomada como uma realida-de abstracta. Como diz Pierre Ansart “ela é sem cessar trabalhada, modelada, por essa gigantesca empresa de inculcação conduzida permanentemente por todos os órgãos de difusão”.

Para Habermas é incontestável que a autonomia na formação da opinião pela discussão é dificilmente preservada, tendendo a ser relegada para a esfera da “opinião quase pú-blica”, que circula ao nível das organizações políticas e sociais, de jornalistas, intelec-tuais, dirigentes políticos, não se transformando num ponto de vista dominante.

As opiniões individuais tendem a ser as mais integradas na opinião pública, por defini-ção passiva e não participativa.

Propaganda e Marketing Político Os vários “lideres de opinião”, os centros de poder e as entidades que estão interessadas em sê-lo ou em influência-lo, sabem que os seus objectivos serão tanto mais fáceis de alcançar quanto mais perto e a favor tiverem a opinião pública.

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Cada vez fala-se e pratica-se mais a propaganda política e técnicas de persuasão políti-ca, assim como em “marketing político”, conceito que já foi definido como “um conjun-to de teorias e de métodos de que podem servir-se as organizações políticas e os pode-res políticos, simultaneamente para definir os seus objectivos e os seus programas e para influenciar os comportamentos dos cidadãos”. Fala-se igualmente em marketing eleitoral que implica estratégias específicas e objectivos eleitorais.

Os inquéritos de opinião ou sondagem representam um dos métodos essenciais para o marketing político, sendo a forma mais usual de observação directa extensiva com apli-cação na investigação em ciências sociais.

A selecção da amostra é importante numa sondagem. Quanto maior é a amostra, maior é a probabilidade da sondagem reflectir a realidade, porque a sua margem de confiança aumenta. Chama-se intervalo técnico de confiança ao valor máximo e mínimo, entre o qual oscila uma determinada tendência da opinião pública.

Normalmente, o conhecimento dos resultados de uma sondagem, por um partido ou candidato, permite organizar posteriormente as campanhas, determinar comportamentos políticos e até mesmo adequar a linguagem política ao ‘consumidor’. As sondagens podem, no entanto, ter grande influência na opinião pública: procura-se votar em quem aparece na sondagem como sendo o vencedor, há quem opte pela abs-tenção porque os partidos ou candidatos em quem votariam não têm hipóteses de ven-cer, ou alteram o seu sentido de voto.

Ultimamente tem-se generalizado uma prática na comunicação social, que vai no senti-do de indicar números fixos em matéria de votações previsíveis, não revelando quais as percentagens máximas e mínimas que poderão ser obtidas. Uma sondagem não pode, do ponto de vista técnico, conduzir a mais do que percentagens de votações previsíveis, por menor que seja o intervalo de confiança existente. Este facto é tanto mais verdadeiro quando surgem, por vezes, entrevistados que declaram estar indecisos ou que não sa-bem/não respondem, sendo eles que muitas vezes decidem na última hora, o resultado de determinada votação.

O Problema da Legitimação do Poder

O poder político coloca invariavelmente a questão da sua legitimidade, ou seja, as ra-zões que são apresentadas como devendo levar a que seja aceite e que a sua vontade deva ser acatada.

Se, por um lado, há quem defenda que a comunidade deve delegar o poder em quem decida em nome dela, por outro, há quem defenda que as comunidades em vez de serem objecto de exercício do poder, o devem assumir directamente, nomeadamente pela via do referendo.

Todas as formas de governo assentam numa determinada justificação. Pretendem fun-damentar-se, legitimar-se em certos princípios. A sua legitimidade depende da confor-midade com critérios, objectivos e valores aceites na comunidade.

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Conceito e Formas de Legitimação do Poder

O problema da legitimidade do poder coloca-se na resposta à questão sobre se o poder político reúne ou não à sua volta consensos. Do ponto de vista jurídico o poder é legíti-mo desde que decorra de uma escolha efectuada nos termos da Constituição (eleições). Em termos sociais, a legitimidade do poder faz-se através da sua aceitação e não contes-tação pelo maior número de cidadãos.

Tripartição Weberiana 1. Legitimidade do Poder Tradicional – Crença de que se deve respeito ao poder

consagrado pela tradição e à pessoa(s) que o detêm. Existem variantes do Poder Tradicional no poder político, com legitimação religiosa, aristocrática ou a transmitida hereditariamente.

2. Legitimidade do Poder Legal – Crença que são legais as normas do regime esta-belecidas racionalmente. Esta forma de legitimação é a mais frequente, nomea-damente, através de eleições competitivas.

3. Legitimidade do Poder Carismático – Assenta nas qualidades reais ou imaginá-rias atribuídas a um chefe (este tipo de legitimidade tem, normalmente, uma existência efémera, que coincide com a própria existência do chefe/líder).

Existem ainda situações de legitimação revolucionária do poder, ou por via militar, sen-do frequente que se transformem em formas de poder carismático ou de poder legal.

A Teoria da Representação Política

O teoria de representação política está na base da construção do “estado representativo moderno” e no centro da polémica acerca da sua natureza, sentido e limites.

O parlamento é, formalmente, concebido como sendo o órgão representativo mais im-portante, a quem cabe a função de realizar a ligação entre a sociedade e o estado.

O presidente da república, o 1º. ministro ou o governo, exercem o poder na medida em que podem, igualmente, invocar uma representatividade obtida directa ou indirectamen-te. O mesmo acontece com os órgãos de entidades públicas, tais como as regiões autó-nomas, os municípios ou as freguesias.

Na base do conceito da representação política está, teoricamente, o reconhecimento da cidadania. O direito ao voto é o reconhecimento da qualidade do cidadão que elege quem irá exercer o poder, sendo este o momento da sua afirmação. A escolha dos repre-sentantes políticos é, resumidamente, o momento de afirmação de que existem os que governam e os que são governados e no qual são separadas as funções de uns e de ou-tros.

A representação política aparece simultaneamente como factor de legitimação do poder e de afirmação de autoridade, no complexo jogo de coerção e construção do consenso ou do consentimento da maioria e de envolvimento e neutralização da minoria.

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Representação Política e Sistemas Eleitorais A representação traduz aquele que está presente em vez do outro. É uma das caracterís-ticas marcantes da abstracção política e da institucionalização do poder. A CRP refere, no seu artº. 152º. Nº. 2 que “os deputados representam todo o país e não os círculos por que são eleitos”. A existência dos Parlamentos é tida como uma garantia contra o autoritarismo bem co-mo instrumento que controla o exercício do poder, sendo a expressão máxima da demo-cracia representativa. A importância destes não invalida, contudo, um certo declínio na medida em que, frequentemente, os sistemas parlamentares ou mistos parlamen-tar/presidenciais acabaram por se converter de acordo com Adriano Moreira, em «sis-temas de predominância governamental» ou de «presidencialismo de primeiro-ministro». A reforçar este declínio não é possível ignorar a supremacia do executivo.

Independentemente da importância que se possa atribuir ou tenha efectivamente o Parlamento, dele não se pode separar o princípio da representação política, que tem co-mo suporte eleições concorrenciais e directas.

A par da maior intervenção do poder executivo na sociedade e, consequentemente, a fuga dos grandes debates políticos para fora do Parlamento, há que ter em conta a alte-ração do estatuto de deputado. Isto é, do político livre, independente, que estava estri-tamente ligado ao círculo que o elegia, passou-se para um outro tipo de deputado sujeito a uma rígida disciplina partidária, dependente do partido por onde concorre e respectivo Grupo Parlamentar. Por outras palavras, os deputados que representam o partido políti-co no Parlamento «estão dependentes dos seus partidos de múltiplas facções e encon-tram-se subordinados senão a uma disciplina de voto, pelo menos a uma estrita solida-riedade » como analisou Friedrich Koja.

A partir daqui os Parlamentos passaram a ficar «dependentes» dos Grupos Parlamenta-res que se tornaram em autênticos «órgãos parlamentares». A este propósito referem Gomes Canotilho e Vital Moreira que os grupos «não são uma simples forma de organi-zação dos deputados sem poderes parlamentares autónomos. São verdadeiras entidades parlamentares, com poderes parlamentares próprios».

Para Adriano Moreira «O grupo parlamentar deixou de ser a expressão de uma opinião individual (...) para ser com frequência a expressão do acordo que as negociações entre os partidos, fora do Parlamento, conduziram (...) a disciplina de voto pode ser rígida ou flexível, mas é geral». A dependência dos deputados não permite negar a tendência para o mandato imperativo de partido. Serão os responsáveis pelo Grupo Parlamentar que vão deixar que os representantes do povo possam intervir de forma mais ou menos acentuada. A realidade e o poder dos Grupos Parlamentares nos Parlamentos vão co-locar-nos perante «a existência de deputados «empresários» e deputados «peões (...) senhores e vassalos» no dizer de Maria Rosa Rippollés Serrano.

Por tudo isto, o Governo tem grande poder no sentido de subalternizar o Parlamento, dando origem à governamentalização do sistema político, através do qual encontra su-porte estável na justificação dos seus actos. Sistemas Eleitorais - Conjunto de normas jurídicas que regulam a conversão dos votos em mandatos. O conceito deve ser entendido como o que define sistema eleitoral em sentido restrito.

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Em sentido amplo, quando se fala em sistema eleitoral tem-se em vista todas as normas jurídicas que regulam a eleição de representantes do povo. Deve desde já referir-se que aquele conjunto de normas não deveria ser mais do que o instrumento jurídico de medi-da e de conversão da vontade política dos eleitores, expressa em votos, em mandatos no poder político.

Os sistemas eleitorais dividem-se basicamente em sistemas maioritários, onde é eleito o candidato com maior número de votos e sistemas proporcionais, onde se verifica uma equivalência, maior ou menor consoante as variantes, entre a percentagem dos votos e a percentagem dos mandatos atribuídos a determinada força política. Características específicas Presidente da República O sistema eleitoral da eleição para Presidente da República é inevitavelmente o sistema maioritário, até pelo facto de se tratar de um órgão uninominal. Exige-se, no entanto, maioria absoluta, prevendo-se a realização de uma segunda volta entre os dois candida-tos mais votados no caso de nenhum deles obter maioria absoluta na primeira volta. É o chamado sistema de ballottage ou de duas voltas.

Assembleia da República A importância que o sistema eleitoral da eleição da Assembleia da República tem no ordenamento jurídico-político português pode ser aferida pelo facto de apenas um dos seus elementos constitutivos não ser definido constitucionalmente, a definição geográ-fica dos círculos, a qual não pode, no entanto, desvirtuar o sistema de representação proporcional consagrado em vários preceitos constitucionais e erigido como um dos limites materiais de revisão constitucional. Os deputados à Assembleia da República são assim eleitos segundo o sistema proporcional e o método da média mais alta de Hondt, com circunscrições plurinominais. A Constituição prevê a possibilidade, não concretizada na lei ordinária, de um círculo eleitoral nacional.

Autarquias Locais O sistema eleitoral dos órgãos autárquicos directamente eleitos, câmara municipal, as-sembleia municipal e assembleia de freguesia é, por imposição constitucional, o sistema de representação proporcional, sendo a conversão dos votos em mandatos, por opção do legislador ordinário, através do método da média mais alta de Hondt. O eleitor dispõe, também nestas eleições, de um voto singular de lista por cada órgão autárquico a ele-ger, sendo as listas plurinominais, fechadas e bloqueadas. O círculo eleitoral equivale à área territorial da autarquia correspondente ao órgão a eleger.

Parlamento Europeu O sistema eleitoral da eleição dos deputados ao Parlamento Europeu não é igual em todos os 15 Estados membros da União Europeia. Embora esteja previsto, inclusive nos tratados que instituíram as Comunidades, a adop-ção de um sistema e um processo eleitoral uniforme a todos os Estados membros, en-quanto tais procedimentos não são adoptados, a legislação comunitária manda aplicar as disposições nacionais em vigor nesses Estados, sem prejuízo de disposições comuni-tárias avulsas entretanto aprovadas e transpostas para a legislação interna. Em Portugal, o sistema eleitoral da eleição da sua quota de deputados é, por aplicação subsidiária, o sistema eleitoral da eleição da Assembleia da República. Notas 1. Autores como Duverger sempre afirmaram que não há sistema eleitoral perfeito, e

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que este serve para dar peso desigual aos sufrágios expressos pelos diferentes eleito-res. Talvez por isso se encontrem tantos sistemas eleitorais para além daquele que, pelo menos em teoria, seria o mais justo se se pretendesse apenas e tão-somente que o le-que de representantes correspondesse ao leque de opções politico-ideológicas do elei-torado - o sistema proporcional puro - sem divisão territorial alguma e sem imposição de qualquer cláusula barreira. Não é isso que acontece, e por isso constata-se que em variadíssimos países, quer te-nham sistemas maioritários ou proporcionais se desenvolvem adaptações ou mudan-ças do sistema.

2. Existem várias classificações de sistemas eleitorais, sendo a fundamental a distinção entre sistemas proporcionais e sistemas maioritários. Estes sistemas vão sofrendo arações à medida que se vão combinando sistemas vários, dando origem a sistemas mistos.

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Unicamaralismo e Bicamaralismo

De uma forma geral, os grandes países e os sistemas federais dispõem de parlamentos bicamarários.

São muitos os parlamentos do mundo que se dividem em duas câmaras, geralmente com as designações de “câmara alta” e “câmara baixa”, sendo a primeira geralmente não eleita de uma forma directa e a segunda eleita directamente (excepção: Holanda).

Uma das virtudes do bicamaralismo é permitir a dupla revisão “para efeitos de lograr decisões de maior qualidade e com maior ponderação”.

Lijphart propôs ainda a categoria “bicamaralismo assimétrico”, em que uma das câma-ras tem consideravelmente mais poderes que a outra. Nestes casos há mesmo quem fale em monocamaralismo de facto, para designar situações deste tipo.

Lijphart define ainda os “parlamentos híbridos” em que os cidadãos elegem os candi-datos que posteriormente se irão dividir pelas duas câmaras (exemplo: Noruega, Islân-dia). Neste caso não podemos considerar que exista um verdadeiro bicamaralismo, uma vez que se verifica um trabalho conjunto entre as duas câmaras.

Tendências para o Bicamaralismo Actual

A Câmara Baixa é mais numerosa na sua composição e tem um mandato temporal-mente menor;

Predominam situações em que a Câmara Baixa dispõe de maiores poderes;

Só as Câmaras Altas tendem a desempenhar um papel mais relevante;

Eleição de Deputados ou de Candidatos a 1º. Ministro

Em todas as eleições legislativas os candidatos são formalmente candidatos a deputados ou a membros das Câmaras. Se, à partida, os eleitores deveriam votar nos candidatos a deputados, a tendência é para se votar em partidos ou personalizar o voto nos líderes desses partidos.

No estado de partidos o Estado aparece personalizado em várias entidades, mas espe-cialmente na figura do líder do partido maioritário no parlamento.

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Representação Política e Democracia Directa

No séc. XX foram várias as experiências e cresceu o cepticismo em relação à capacida-de decisória real do eleitorado, em especial nas situações em que a decisão política e pública se alargou a domínios de uma crescente complexidade. Verificaram-se casos de abuso da figura do referendo com um consequente cansaço e alheamento crescente do eleitorado e predomínio dos apelos emocionais com simpatia pelos apologistas da de-magogia. A estas situações somam-se as concepções autoritárias ou totalitárias que ins-trumentalizaram uma figura aparentemente análoga, o plebiscito.

Pode-se caracterizar o referendo e o plebiscito como representando um apelo ao voto dos eleitores, mas sendo o primeiro no quadro de um sistema e de uma ordem constitu-cional vigente, enquanto o segundo tem carácter excepcional e rompe em geral com a ordem constitucional.

Formas e Sistemas de Governo

Existem várias conceitos de Formas e Sistemas de Governo, diferentes consoante os autores.

Forma de governo é a maneira com que os órgãos fundamentais do Estado se formam, assim como seus poderes e relações; ou seja , designa a organização política do Estado ou conjunto de indivíduos a quem é confiado o exercício dos poderes públicos.

Para Jorge Miranda “forma de governo é a forma de uma comunidade organizar o seu poder, o seu governo, ou estabelecer a diferenciação entre governantes e governados. Encontra-se a partir da resposta a quatro problemas fundamentais: o da legitimidade, o da participação dos cidadãos (representação política), o do pluralismo ou da liber-dade política e o da unidade ou divisão do poder.”

O sistema de governo, por sua vez seria “o sistema de órgãos da função política; ape-nas se reporta à organização interna do governo e aos poderes e estatuto dos gover-nantes”. A partir daqui estabelece 8 formas de governo modernas: monarquia absoluta, governo representativo classico-liberal, democracia jacobina ou democracia radical, governo cesarista, monarquia limitada, democracia representantiva, governo leninista e governo fascista.

Gomes Canotilho e Vital Moreira acentuam que a parte organizatória da Constituição “é tradicionalmente entendida como a parte onde se define a forma de governo.” A forma de estado será então o complexo de estruturas económicas, sociais e políticas que carac-terizam globalmente a articulação entre o poder político e a sociedade.

Por forma de estado entende-se, simultaneamente, o modo de designação de titulares de órgãos de soberania e a repartição e articulação de poderes entre eles.

O estudo das formas de governo, situa-se mais ao nivel de Direito Constitucional, en-quanto que o sistema de governo se coloca essencialmente ao nível da ciência política e não pode prescindir, no entanto, do confronto da forma com o sistema de direito real-mente existente.

Monarquia – É a forma de governo na qual a chefia do Estado é um cargo vitalício e hereditário. Dependendo da tradição histórica do país, o monarca pode ter o título de rei, príncipe, imperador, emir ou sultão. Actualmente existem monarquias no Reino da Ho-

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landa, no Principado de Mônaco e no Sultanato de Brunei, entre outros.

República – Distingue-se da monarquia pelo facto de os governantes não terem um cargo vitalício ou hereditário. De maneira geral, são eleitos pelos cidadãos para manda-tos com duração predeterminada.

Presidencialismo – Sistema de governo no qual o poder central cabe ao presidente da República, ficando o Poder Legislativo com a atribuição de fazer as leis e fiscalizar a administração pública. Parlamentares e presidente são, na maioria dos casos, eleitos por voto directo.

Parlamentarismo – É o sistema no qual o poder político e administrativo é exercido por um Gabinete de Ministros, escolhidos entre os membros do partido ou da coalizão que conquista a maioria do Parlamento. O primeiro-ministro chefia o governo. No par-lamentarismo, o chefe de Estado – monarca ou presidente – tem poderes limitados e está obrigado a convocar o líder da maioria para formar o governo. O Parlamentarismo e o Presidencialismo de 1º. Ministro (UK)

A forma de governo parlamentar pura, caracteriza-se pelo apagamento relativo do chefe de estado em relação ao parlamento, pelo condicionamento da nomeação do 1º. Ministro e do governo, pela composição parlamentar, pela inexistência do poder de dissolução do parlamento, pela responsabilidade do 1º. Ministro e do seu gabinete perante o parlamen-to, podendo ser destituídos por um voto de censura ou desconfiança e pela carência de capacidade de intervenção do governo, nomeadamente na fixação da ordem do dia do parlamento.

A primeira figura formal do Estado ou é monarca ou não é eleito directamente, e o go-verno não responde perante ele.

Na prática, esta forma de governo conduz a sistemas de governo de gabinete ou de pre-sidencialismo de 1º. Ministro, na medida em que este é o líder do colectivo maioritário do parlamento e a maioria parlamentar funde-se com o governo para efeitos de proces-sos de decisão.

Há que fazer, no entanto, a distinção entre forma de governo parlamentar e forma de governo parlamentar racionalizada, mitigada ou de gabinete, em função do grau de dependência do chefe de estado em relação ao parlamento.

Na distinção entre parlamentarismo clássico e o chamado parlamentarismo racionaliza-do, alguns autores introduzem neste último caso, a moção de censura construtiva, um mecanismo em vigor na Alemanha e Espanha que impede a aprovação de uma moção de censura e consequente destituição de um governo, sem indicação e perspectiva de uma solução alternativa.

A supremacia do parlamento traduz-se na formação de um governo a partir da composi-ção parlamentar e na capacidade de o destituir através de uma moção de desconfiança. Mas, dado que o governo é formado com o líder do partido maioritário como 1º. Minis-tro, sendo os ministros normalmente figuras desse mesmo partido, controlam a maioria parlamentar, impedindo assim o êxito de moções de censura e garantindo a aprovação de iniciativas legislativas.

Estas formas de governo tendem a ser atenuadas, uma tendência que é clara no modelo britânico e em geral no chamado “modelo westminster”: proclamação da soberania par-

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lamentar e enfatização da representatividade do parlamento com supremacia do gabine-te.

Ao contrário do sistema presidencial norte-americano, que pressupõe um governo e um parlamento independentes quanto ao seu funcionamento e à sua fonte de legitimidade, nas formas de governo parlamentares, a dependência do governo em relação ao parlamento, assenta no pressuposto de necessidade de colaboração, coordenação e interdependência entre os órgãos de soberania.

Forma de Governo Presidencial e o Presidencialismo (EUA)

O sistema presidencialista não é muito vulgar entre as democracias ocidentais. Num estudo realizado entre 21 democracias analisadas, apenas é claro o caso dos EUA.

A forma e o sistema de governo presidencial podem identificar-se, em primeiro lugar por uma eleição do presidente da república directamente pelo povo, mesmo quando as-sim não é do ponto de vista formal, como é o caso dos Estados Unidos, em que o Presi-dente é eleito por um colégio eleitoral cujos membros são directamente eleitos em fun-ção do seu apoio a um ou outro candidato, levando a que este sistema já tenha sido a-presentado como sendo de sufrágio universal “quase directo”.

O título de legitimidade directa explica que não seja possível a demissão do presidente por parte do parlamento, por razões de confiança política. Também o presidente não pode dissolver o Parlamento. O chefe de estado é o primeiro titular do poder executivo, a quem compete nomear e dirigir directamente o governo.

Uma das características do presidencialismo é o facto de corresponder a uma situação de “democracia com líder”, em que o presidente estabelece uma relação directa com a opinião pública.

Do ponto de vista das relações com o parlamento, o sistema presidencial norte-americano não exclui, apesar da separação de poderes, um controlo parlamentar dos actos do executivo e a relação entre o presidente e as duas câmaras. É perante elas que o presidente pronuncia o discurso sobre o estado da união. Por outro lado o Congresso tem a faculdade de adoptar ou não as iniciativas legislativas do presidente e cabe-lhe o poder orçamental.

O papel legislativo do congresso, em comparação com outros parlamentos, é maior do que noutros sistemas em que o parlamento se limita a aprovar as leis propostas pelo executivo.

Os Sistemas Mistos e as suas Tendências

A necessidade ou a vantagem de evitar a contradição entre a representação nacional e a representação de uma parte, foi um dos factores que contribuiu para que se tenha tenta-do conciliar diferentes formas de governo.

Partindo das formas de governo parlamentares e das presidenciais chegou-se a um sis-tema misto em que o chefe de estado aparece colocado acima dos conflitos e das lutas interpartidárias, não lhe cabendo a responsabilidade do governo que fica dependente do 1º. Ministro, verificando-se uma efectiva coordenação entre o executivo e a maioria parlamentar.

Estas formas de governo designadas de semipresidenciais ou mistas parlamentar-presidencial são as mais debatidas e estudadas em Portugal, não sendo no entanto as

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únicas categorias utilizadas para designar estas complexas formas de governo. Há quem opte por falar em parlamentarismo presidencial, em presidencialismo parlamentar, em regimes parlamentares com correctivo presidencial, em semiparlamentarismo e em par-lamentarismo dualista. Considera-se, no entanto, preferível utilizar a terminologia “sis-tema misto parlamentar-presidencial”, indicando que se trata de uma forma de governo misto de pendor parlamentar ou de pendor presidencial, de acordo com o peso da figura central, a quem cabe definir as grandes linhas do rumo político do país.

A tendência dos sistemas mistos pode ser diversa, consoante exista ou não a coincidên-cia da maioria com o governo e o presidente. No caso de não haver, pode reforçar-se a função arbitral do presidente da república e de garante da constituição, podendo mesmo verificar-se apelos directos à opinião pública, vetos políticos de diplomas, etc. No caso de haver consonância, a situação é inversa, podendo diminuir o papel de fiscalização e esvaziar-se a efectiva separação horizontal de poderes em favor do mesmo partido ou bloco de partidos, que podem estar por detrás dos vários poderes. Neste último caso o que se perde em fiscalização e balanceamento de poderes, ganha-se em harmonização e em evitar conflitos institucionais.

Influências dos Sistemas Partidários nos Sistemas de Governo

Na análise de como funciona a separação ou divisão de poderes, das tendências para a sua interdependência ou fusão do sentido dos sistemas de governo, é pertinente pergun-tar qual é a sede do poder do ponto de vista factual tendo em conta que a mesma forma pode corresponder a conteúdos diferentes do poder.

Neste sentido, para determinar qual a sede real do poder e a configuração do sistema de governo é fundamental analisar qual a influência dos partidos e do sistema partidário no sistema de governo e a sua relação com outras entidades públicas e privadas.

Há que ter sempre em linha de conta que por detrás do presidente da república, do par-lamento e do governo há sempre o partido.

Existe uma diferença importante entre a situação de sistemas em que existem partidos coesos e disciplinados, em que há campo para o “mandato imperativo do partido” (como tende a acontecer na europa), e as situações em que o deputado mais facilmente vota segundo a sua consciência e vontade individual ou segundo o aliciamento que é feito de várias formas (poder executivo; grupos de pressão, etc).

O sistema de governo pode tender a ser significativamente diverso no seu funcionamen-to consoante as maiorias parlamentares (de apoio ao governo e de apoio ao presidente da república). Se por detrás da assembleia da república, do governo e do presidente da república estiver a mesma maioria partidária, no quadro de partido dominante com maioria absoluta, a tendência será para um sistema de governo de presidencialismo de 1º ministro, sobretudo se este for o líder do partido maioritário.

Sobre o Parlamento

“O princípio da representação política assenta em eleições concorrenciais”

Ao parlamento são atribuídas várias funções: político-legislativas, fiscalização dos go-vernos e da administração; competência financeira; tribuna de debate político com eco na opinião pública e apresentação de alternativas e de exercício de direitos da oposição.

Na óptica da ciência política, o parlamento pode ser definido como uma assembleia, ou

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sistema de duas assembleias articuladas entre si, para o exercício das suas funções, as-sentando a sua legitimidade na representação política decorrente de eleições competiti-vas e que participa em processos de decisão política e com a qual o governo tem que manter uma relação de confiança. Ficam de fora (obviamente) deste conceito os regimes que não emergem de eleições concorrenciais onde não há oposição nem debate de alter-nativas de poder.

Nos actuais parlamentos têm especial importância os grupos parlamentares, afirmando-se mesmo que hoje os parlamentos funcionam mais como um conjunto de grupos do que como um conjunto de deputados. Expressão deste facto é a existência da chamada “Conferência de Líderes” ou Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamenta-res, a quem cabe a real direcção política do parlamento e fixar a ordem do dia.

Neste caso destaque ainda para a importância das comissões parlamentares do ponto de vista da produção legislativa e da fiscalização e acompanhamento da actividade do go-verno (comissão de agricultura, comissões de inquérito, comissão para o caso de Timor Leste, etc)

A questão do Governo, da Administração e da “Burocracia”

Hoje é cada vez mais claro que existem profundas ligações entre os vários campos e poderes (políticos e ditos administrativos) e que o governo passou a participar no exer-cício das várias funções.

Ligado ao governo está grande parte da administração e a burocracia, termos que muitos associam e cuja relação convém clarificar.

Alain Birrou assinala que a expressão “cracia” significa força, poder, e por isso refere em primeiro lugar o governo ou o poder das repartições públicas.

Quando Max Weber apresentou o seu modelo de organização científica do trabalho, muitos dirigentes das Administrações Públicas e gestores de empresas privadas julga-ram ter encontrado a fórmula mágica de administrar as grandes organizações, face à acepção científica e racional do referido modelo e que rompia com o empirismo e o tradicionalismo até então vigente.

Para a época, o modelo burocrático representou uma verdadeira revolução nas teorias de gestão, uma vez que privilegiava as normas e regulamentos, a disciplina formal das or-ganizações, o predomínio pelo cargo e pela especialização de funções e a profissionali-zação dos funcionários das organizações.

Hoje, a burocracia em sentido comum, corresponde a algo de incómodo, paralisante, negativo para a gestão e para os cidadãos e um modelo que afasta as organizações da eficácia e eficiência desejada e da resposta rápida que têm que dar a desafios constantes e mutáveis.

A burocracia, neste sentido, é particularmente sentida na Administração Pública e re-flecte-se, nomeadamente, na ausência de objectivos, na falta de preocupação pelos cus-tos, na ausência da qualidade, na falta do trabalho em equipa e na impossibilidade de desenvolver o potencial criativo das pessoas.

O desafio que hoje se coloca às administrações públicas europeias e em particular à por-tuguesa, é a passagem do modelo burocrático para um modelo de Qualidade Total, a-brangendo a gestão, a simplificação de processos, a inteligência emocional e a concilia-ção com a Sociedade.

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Liberdade e Poder

A evolução da história da humanidade traduz-se na transformação do ser humano, de súbdito do poder em cidadão, implicando que pertença a uma comunidade na qual o poder se exerce de forma a que seja titular de direitos fundamentais e de liberdades e garantias pessoais, dispondo de condições mínimas para as fazer valer.

Os Limites do Poder - Os Direitos Fundamentais

Entre as tentativas de limitar o poder conta-se, com um papel determinante, a definição dos Direitos do Homem e dos Direitos Fundamentais: os primeiros são concebidos co-mo inerentes à natureza humana, devendo ter um carácter inviolável, intemporal e uni-versal, enquanto os segundos seriam os direitos vigentes como tal, numa determinada ordem jurídica concreta.

Os Direitos Fundamentais podem ser concebidos como direitos de liberdade e de defesa dos cidadãos, face ao estado e ao poder político, no sentido de limitarem e condiciona-rem a acção do poder político. Em geral, os direitos fundamentais colocam hoje, perma-nentemente, o problema de nuns casos obrigarem o poder político a agir, noutros a abs-ter-se de agir, sendo este um dos pontos sobre os quais se levantam algumas das grandes controvérsias políticas da nossa época.

Os Direitos Fundamentais também podem ser concebidos como direito a prestações do Estado, designadamente em planos como o ensino, a saúde, a habitação, o ambiente, etc.

A Teoria da Separação dos Poderes

É inquestionável que a teoria da separação dos poderes tem sido considerada uma base essencial da teoria do governo: é a partir da identificação dos vários órgãos, da defini-ção dos seus poderes e da sua maior ou menor separação que se arquitecta a forma de governo, embora o sistema possa alterar e altere essa arquitectura.

Está associada a esta teoria, frequentemente, o objectivo de proceder a uma certa repar-tição política de poderes, mas também o objectivo de garantir uma certa repartição so-cial desses mesmos poderes. Esta ideia aparece com nitidez em textos como o de Mon-tesquieu, no séc. XVIII, mas já aparecia na “Politica” de Aristóteles.

Montesquieu distinguiu três espécies de poderes: poder legislativo e o poder executivo, dividindo este último em poder das coisas que dependem do direito das gentes e dos que dependem do direito civil.

No fundo, como afirma Norberto Bobbio, a teoria da separação de poderes pode ser considerada como a interpretação moderna da teoria clássica do governo misto. Há uma unidade de inspiração entre uma e outra, já que ambas derivam da convicção de que é preciso prevenir o abuso de poder, de que o poder deve ser distribuído de modo a que o poder supremo resulte de um sábio jogo de equilíbrio de diversos poderes parciais, em vez de ser o produto da sua concentração nas mãos de um só ou em poucas mãos.

Loewenstein afirma que a separação de poderes “não é senão a forma clássica de ex-pressar a necessidade de distribuir e controlar respectivamente o exercício do poder político”. Este facto leva-o a afirmar que é errada a designação de separação de poderes estatais quando na realidade apenas se distribuem determinadas funções estatais a dife-rentes órgãos do estado, o que o leva a preferir utilizar a expressão – separação de fun-

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ções.

Espaços de Exercício do Poder

O poder político e administrativo, exercia-se tradicionalmente num determinado espaço e em relação às pessoas que residiam nesse espaço, ou estavam ligados a ele. Esta situa-ção foi evoluindo, sobretudo em casos em que se verificaram fenómenos de integração económico-política e igualmente em face de tendências para a globalização de determi-nados poderes.

Atendendo a fenómenos como as deslocações de mão-de-obra e de investimento à esca-la planetária, à necessidade crescente de os regular, aos efeitos de fenómenos como a degradação do ambiente a escalas continentais e até globais, muitos sentem a necessida-de de uma reconsideração dos espaços tradicionais de exercício do poder, apelando ao papel de novas instituições internacionais ou ao reforço de outras já existentes (Organi-zação Mundial de Saúde, Organização Mundial do Comércio, etc.).

Os vários termos usados para designar os espaços de exercício do poder correspondem a uma realidade com aspectos comuns, mas também com aspectos diferenciados. Trata-se sempre de definir um espaço de exercício do poder, de dominação de homens sobre homens, mas a sua dimensão e características são diferentes, tendo em comum o serem aglomerados humanos a que correspondem diferentes realidades políticas, que vão des-de as cidades aos grandes impérios.

Os estados actuais continuam a ser a forma política dominante, mas já não têm um ca-rácter quase exclusivo. Há quem afirme que a União Europeia vai no futuro substituir o estado, tal como no passado o estado substituiu a cidade. Mas a tendência provável será no sentido de um quadro de grande complexidade, com coexistência de formas diversas, embora com o estatuto alterado, e não para a substituição de umas fórmulas por outras.

A “identidade” e a criação de “laços de pertença” entre os cidadãos e o espaço de exer-cício do poder, é um objectivo central do poder político. Por isso, no quadro da análise do poder, justifica-se procurar saber “quem pergunta pela identidade, em que condições, com que propósitos e com que resultados”. A ideia de que a afirmação de identidade é, geralmente, também um projecto do poder é verdadeira para o estado e para a unidade social que lhe está subjacente. Mas também o é para a União Europeia.

A distinção entre comunidade e sociedade, proposta por Tönnies, refere que a comuni-dade envolveria designadamente laços de sangue e de lugar (família, aldeia) e assentaria num sentimento afectivo e de pertença que conduzia à participação espontânea, por im-perativos profundos e não racionais numa “vontade orgânica”. A sociedade resultaria, pelo contrário, de conveniências, da racionalidade conscientemente assumida, de uma vontade deliberada e reflectida dos seus membros, sem que existam laços entre eles.

Também para Max Weber, que procura sistematizar e também relativizar estes concei-tos, a comunidade implicava o sentimento de pertença a um todo, enquanto “a acção societária, por sua vez, é orientada no sentido de um ajustamento de interesses racio-nalmente motivado”.

Os fenómenos sociais característicos da nossa época, em particular o fenómeno da ur-banização massiça, terão tido influência no sentido de atenuar o envolvimento das pes-soas com as comunidades que existiam. A comunidade definida à maneira de Tönnies já só abrange as aldeias ou pequenas comunidades rurais e determinados aglomerados ur-banos de pequena dimensão.

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A diluição destes laços, em muitos dos aglomerados urbanos, em que assentam os pró-prios órgãos autárquicos, provoca a falta de correspondência entre a autarquia e os mu-nícipes impossibilitando o surgimento de ideias fortes de pertença e vontade de partici-pação.

Há um conjunto de métodos políticos, no entanto, que procuram atenuar o desenraiza-mento e alheamento, que apelam à identificação da população com os representantes do poder (ou eles próprios procuram identificar-se com os eleitores), nomeadamente atra-vés de promessas que exaltam a identidade da realidade social onde se inserem. São ainda utilizados apelos à participação da população nas eleições, que assentam no estí-mulo de sentimentos de pertença dos cidadãos ao aglomerado humano em causa.

Relacionado com os espaços de exercício do poder estão sempre os conceitos de socie-dade, comunidade, povo, nação, população e território. Porém, o próprio poder político desempenha um papel essencial no aparecimento destas realidades (caso da regionaliza-ção) para assim justificar o exercício do poder sobre esses espaços.

A Nação como base do Estado e do Poder

A nação e os conceitos dela derivados baseiam-se em ideias que têm subjacente o prin-cípio da nacionalidade, segundo o qual todas as nações têm o direito de se constituírem em estados, ou pelo menos o direito de auto-determinação no sentido de optarem pelos seus destinos.

No fundamental a nação é o povo visto na sua permanência e na sua continuidade histó-rica. O povo, portanto, refere-se a uma “unidade social”, culturalmente diferenciada, que controla ou aspira controlar o poder de um estado, que dispõe de um sistema de comunicação, de um feixe de direitos e deveres e de um sistema simbólico comum con-siderado tal como existe em cada momento. A nação corresponde, em boa medida, à perspectivação temporal e continuada, historificada dessa unidade social.

O estado-nação é uma condição necessária mas não suficiente do direito e da liberdade. Segundo Michael Ignatieff as nações que assentam sobre uma alegada homogeneidade étnica e as que assentam sobre uma igualdade de direitos dos diversos grupos (nações cívicas) têm formas de poder diferenciadas. O estado nacional, pertensamente homogé-neo, é tentado a agredir as minorias e os vizinhos, enquanto o estado nacional heterogé-neo coloca-se perante o desafio da igualdade de direitos. Importa ter em linha de conta que homogeneidade étnica de muitos estados é uma fixação criada pelo poder e não uma realidade existente. Nação - Grupos ligados por tradições e lembranças, interesses e aspirações comuns, subordinados a um poder político central que mantém a unidade do grupo; naturalidade, origem.

Para muitos autores a nação não pode ser satisfatoriamente definida, porque, como afirma Sestan, ela ostenta "carácter fugaz, plurissignificante e até equívoco". Certo, po-rém, é que a nação não se confunde com o Estado, pois este envolve um conceito emi-nentemente jurídico, ao passo que aquela tem carácter tipicamente sociológico. Com efeito, o Estado pode surgir até abruptamente, mantendo-se graças à coacção exercida sobre cidadãos ou súbditos, mas a nação somente se forma mediante demorada gesta-ção.

Dizia Ernesto Renan (1823-1892): "Uma nação é uma alma, um princípio espiritual. Uma encontra-se no passado; a outra, no presente. Uma é a posse comum de um rico

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legado de tradição; a outra, o consenso actual, o desejo de viver junto, a vontade de prosseguir fazendo valer a herança por todos recebida. O homem não se improvisa. A nação - como o indivíduo - é consequência de longo passado de esforços, de sacrifícios e de desenvolvimento. O culto dos antepassados, dentre todos, é o mais legítimo. Nos-sos ancestrais nos moldaram o que hoje somos. Um passado heróico, de grandes ho-mens, de glória, eis o capital social em que se assenta a ideia nacional. Possuir glórias comuns no passado e vontade comum no presente; ter realizado grandes obras em con-junto e querer realizá-las ainda, eis a condição para se ser um povo!". E prossegue: "Ama-se a casa que se construiu e se transmite. O canto espartano: Somos o que fostes, seremos o que sois é, na sua simplicidade, o hino abreviado de toda a pátria. O homem não é escravo nem da sua raça, nem da sua língua, nem da sua religião, nem do curso dos rios, nem da direcção das cadeias de montanhas. Uma grande agregação de homens, sã de espírito e cálida de coração, cria uma consciência moral que se chama nação!". A nação é, pois, uma realidade eminentemente sociológica, que se forma com o passar do tempo, até que se sedimente aquele espírito nacional, oriundo das tradições e costumes comuns. Nação e Estado são duas realidades distintas e inconfundíveis. a) A Nação é uma realidade sociológica; o conceito de nação é subjectivo. A Nação é

anterior ao Estado e pode existir sem ele. b) O Estado é uma realidade jurídica, o conceito de Estado é objectivo. O Estado é a nação politicamente organizada.

Várias Nações podem formar um só Estado. Ex.: Suíça - Alemão, Francês e Italiano. E por outro lado uma Nação pode formar vários Estados como é o exemplo do Oriente Médio; Irão, Iraque, Arábia Saudita, Kuwait.

Nação: sentido objectivo e sentido subjectivo

Sentido subjectivo – neste sentido a nação é um produto da história assente na vontade directa dos povos e na adesão a princípios de convivência colectiva aceite por todos.

Sentido objectivo – parte-se do princípio que a nação (ou as diferentes nações) são “fruto da obra divina” correspondendo a raças, credos e culturas.

Em autores adeptos do nacionalismo totalitário (objectivo) surge um traço comum es-sencial: a xenofobia.

Poder e Território

O conceito de povo está, na teoria clássica do estado, ligado à territorialização do fenó-meno político, traduzida na correspondência entre a unidade do exercício do po-der/autoridade e o substrato humano sobre o qual se exerce.

O território é, aliás, um elemento essencial para constituir o que no direito se chama de “pessoas colectivas territoriais” para exprimir o facto de o exercício de poder e a comu-nidade humana sobre que exerce serem delimitados em função da residencia numa de-terminada área.

Também o conceito de população surge ligado ao conceito de território, mas com um sentido de carácter mais demográfico e económico, englobando os que residem no terri-tório de um certo estado independentemente da sua nacionalidade.

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Nesta relação poder/território, há que ter em atenção situações como o caso da UE em que se pode falar mesmo em “desterritorialização” do exercício do poder, traduzida na aplicação de normas no território de estados e na intervenção de representantes destes em decisões que ultrapassam os limites do território que, em princípio, lhes caberia ad-ministrar.

Federalismo e Regionalismo

A perda de poderes do estado-nação tem-se verificado por um lado para estruturas de integração, como é o caso da UE, por outro para estruturas de um nível inferior, tais como os estados federados, as regiões políticas ou as autarquias locais.

As razões que levam à regionalização são diversas e fundamentalmente de carácter in-terno, existindo diferentes modelos de regiões:

quando o objectivo é resolver problemas de coexistência de várias nacionalidades num estado unitário (Espanha)

quando se tem em conta realidades particulares de carácter cultural, étnico e linguís-tico (Bélgica)

quando existem interesses específicos decorrentes de particularidades geográficas e culturais que geram aspirações de autonomia (Açores e Madeira)

quando há necessidade de organizar a administração de forma descentralizada, ali-viando o Estado-Administração Central (França)

As razões que estão na base da regionalização também são diversas, consoante os países e até mesmo cada uma das regiões.

Luísa Torchia enumera quatro causas para a regionalização:

reequilibrar a responsabilidade entre eleitos e funcionários, garantindo mais órgãos eleitos;

existência de identidades culturais, étnicas, linguísticas e geográficas; aliviar a sobrecarga do estado-administração central procurar a melhor localização das decisões.

Diferenças entre estados federados e regiões:

os estados federados foram historicamente estado soberanos que decidiram criar o estado federal, enquanto as regiões são criadas ou reconhecidas por um estado unitá-rio;

os estados federados estão representados numa das câmaras do parlamento (senado-res), enquanto nos estados unitários podem existir segundas câmaras formadas a partir de órgãos regionais e locais sem que os representantes tenham assento por di-reito próprio;

os estados federados dispõem em geral de poder jurisdicional próprio, o que não se verifica nas regiões políticas ou administrativas;

o estado federado dispõe, em geral, de uma margem de auto-organização que as regiões não possuem, já que os aspectos essenciais relativos aos seus órgãos (forma de eleição e competências) são estabelecidos pela constituição do estado unitário e pelo estatuto aprovado pelo parlamento no exercício de um poder soberano.

Conceito de Região - “é a pessoa colectiva pública de população e território cujos

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órgãos são legitimados pelo sufrágio universal, cujo âmbito territorial corresponde ao maior espaço de exercício do poder abaixo do estado-administração central e cujos poderes e meios financeiros não resultam essencialmente de um poder de auto-organização, mas sim de normas e deliberações emanadas dos órgãos de soberania”.

Em relação às regiões há que fazer a distinção entre regiões políticas, com poderes le-gislativos e uma identidade forte subjacente, eventualmente de natureza próxima de nacionalidades, e as regiões administrativas que não dispõem desses poderes (dispõem apenas de competência meramente regulamentar) e têm subjacentes comunidades so-ciais de outro tipo.

Da política no interior das nações à crise das fronteiras

O estudo do “campo da política” tem-se concentrado essencialmente em entidades e nas relações entre si, as quais actuam predominantemente no interior de um território bem delimitado. Na expressão de Julien Freund, trata-se de tomar como objecto de investiga-ção “uma unidade particular” centrado essencialmente nas fronteiras de um país (esta-do soberano ou estado nacional).

Embora a ciência política ultimamente se tenha debruçado sobre a investigação do Esta-do, na época actual com as tendências para a integração europeia e mesmo para a globa-lização é cada vez mais difícil arriscar um conceito de estado tão abrangente que permi-ta incluir os fenómenos e realidades políticas subjacentes.

No caso específico dos estados membros da UE tem razão de ser a observação de Ober-dorff, segundo a qual precisamos de nos habituar a um modelo inovador construído a partir de uma interpenetração dos níveis de decisão da Europa. Neste caso, é desade-quado centrar o estudo da política nas fronteiras de um país e, em separado nas relações que os países estabelecem a nível internacional, devido à intensidade de inter-influências que o estado sofre e exerce no “sistema mundo”.

Os grupos de pressão, a economia, a força do trabalho e a comunicação social revelam uma forte tendência para a internacionalização, rompendo as tradicionais fronteiras e contribuindo para um sentimento de pertença a uma “aldeia global”.

Ao mesmo tempo, são os estados de maior dimensão a dizerem “a última palavra quanto ao exercício do poder internacional, quer se trate da paz ou de guerra, das relações com os indivíduos, do acolhimento aos investimentos estrangeiros ou das relações diplomáti-cas”.

Perante esta situação pode-se afirmar que não há “crise do estado-nação” mas sim “crise do estado soberano”. Esta hipótese justifica-se nos casos dos países da UE, aplicando-se também a outras zonas do globo, em que os sistemas políticos estão abertos a influên-cias de factores externos e a intersecção de sistemas políticos é muito acentuada, per-manecendo no entanto forte o sentimento de nação.

Sobre Ideologias Políticas Conceito de Ideologia - sistema mais ou menos coerente de ideias que um grupo social apresenta como uma exigência da razão, mas cujo fundamento se encontra nas aspira-ções desse grupo social; quando considerada sob um ponto de vista pejorativo a ideolo-

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gia é tida como um sistema racional baseado em abstracções preconceituosas, alheias às realidades sociais e espirituais mais profundas.

O termo ideologia surge associado à ciência, no quadro da Revolução Francesa. Subja-cente a ele estão os positivistas, entre os quais Augusto Comte, que defendiam a neces-sidade da observação empírica dos factos presidir ao funcionamento da sociedade, em vez de quimeras ou divagações.

Para Marx a ideologia é o simples reflexo das relações de classe: a moral, a religião, a metafísica são parte da ideologia e esta é uma forma de consciência; para Marx a ideo-logia é uma falsa crença.

Em oposição, as teorias elitistas afirmam que a ideologia é um sistema de pensamento com a função essencial de defender um grupo social.

Hoje, a expressão ideologia refere-se a um conjunto de ideias acerca do mundo, parti-lhada por um grupo social mais ou menos amplo.

A ideologia está normalmente associada ou próxima da teoria política, nos casos em que ela é partilhada por agentes políticos relevantes e assume peso social e político signifi-cativo. Entre as grandes correntes ideológicas encontram-se a democracia, o fascismo, o liberalismo, o conservadorismo, o socialismo; todas elas passíveis de variações, sendo difícil encontrar uma única definição para as mesmas.

Exemplo desta dificuldade é a democracia. Tendo o conceito de democracia, e bem as-sim o regime que o enforma, tido por berço a Grécia Antiga - embora a democracia ate-niense revestisse carácter restrito, uma vez que contemplava apenas quem dispunha de cidadania, o que, desde logo, excluía largos estratos da população -, o termo "democra-cia" (demos-povo + kratia-poder) é igualmente de origem grega e significa "o poder do povo". Ao longo dos tempos e consoante as épocas, os regimes e mesmo as doutrinas e os auto-res, várias foram as expressões, algumas das quais contraditórias entre si, usadas para definir o conceito de democracia. A mais conhecida, talvez por mais abrangente e extensiva, mas seguramente por revelar melhor capacidade de síntese e facultar perceptibilidade instantânea, é a fórmula usada pelo antigo presidente dos Estados Unidos da América, Abraham Lincoln, para quem "Democracia é o poder do povo, pelo povo e para o povo".

Dentro dos adeptos da democracia há os que entendem que o povo só estará em condi-ções plenas de exercer as suas escolhas se tiver assegurados os seus direitos fundamen-tais (económicos, sociais e culturais) devendo para isso contar-se com o apoio do Esta-do. Outros defendem que a intervenção do Estado é fonte de autoritarismo e burocracia (um entrave à democracia) considerando no entanto que a sua intervenção é necessária na medida em que é uma verdadeira salvaguarda dessa mesma democracia.

Há quem defenda a democracia directa, devendo as decisões políticas essenciais ser tomadas por via do referendo, e há quem se contraponha a esta posição alegando que os referendos são passíveis de manipulação por forças políticas e sociais dominantes.

Estes são apenas alguns exemplos das contradições de ideias dentro de uma mesma ideologia.

Critérios de Avaliação das Ideologias • A sua atitude face ao poder, no que respeita à adopção de posturas mais ou menos

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autoritárias e de admissão ou exclusão de outras ideologias.

A adopção de uma postura de transformação social através de rupturas políticas ou defesa da conservação/restauração das estruturas existentes.

A exigência da intervenção do Estado na realização de objectivos e resolução de problemas públicos/sociais ou, ao contrário, reclamam o máximo de abstenção do Estado nestas matérias.

Giovanni Sartori faz ainda uma distinção entre ideologia e pragmatismo. Segundo este autor, a ideologia de crenças seria caracterizada por uma mentalidade rígida e doutriná-ria, que fariam o apelo aos princípios e à argumentação dedutiva. A ideologia assumiria uma dimensão emotiva e mesmo passional, resultando em forte dedicação e activismo. Os fortes conflitos políticos tinham assim explicação nesta emotividade.

As rápidas mudanças do nosso tempo, e essencialmente as mudanças políticas que mar-caram a segunda metade do séc. XX, levaram ao declínio de muitas ideologias. Por ou-tro lado esse declínio dá-se também pelo cada vez maior afastamento dos cidadãos rela-tivamente à classe política e aos órgãos de poder, afastamento esse que se deve em grande medida à frustração e decepção que sentem em relação a essa classe. O povo recusa, cada vez mais, identificar-se com aqueles que dizem uma coisa e fazem outra completamente diferente (aqueles que não são coerentes com a ideologia que defen-dem). Poucos líderes têm o carisma e o condão de “contagiar” uma multidão. Os líderes de hoje, perderam a “paixão” pelos ideais.

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