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Ano I - Nº07 Cadernos do ILP Ciência Política Cadernos do ILP

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Ciência Política

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  • Ano I - N07

    Cadernos do ILP

    Cincia Poltica

    Cadernos do ILP

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    Assembleia Legislativa do Estado de So Paulo

    cincia poltica

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    conselho Editorial:Roberto Eduardo LamariDesire Sepe de Marco

    Maurlio MaldonadoMrcia de Carvalho Stamato

    Fernando CoelhoHumberto Dantas

    Jorge BoueriMarco Aurlio Nogueira

    Milton LauhertaPatrcia Rosset

    Wagner Iglecias

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    Sumrio

    Introduo .........................................................................................................................................................5

    O Poder Legislativo no Brasil: nota introdutria ..........................................................................................6

    Partidos Polticos no Brasil ..............................................................................................................................9

    ticas da poltica .........................................................................................................................................12

    Mudanas no Macroambiente da Gesto e das Polticas Pblicas no Brasil Contemporneo ................14

    Democracia: questes essenciais ....................................................................................................................18

    Panorama da Poltica Brasileira ....................................................................................................................20

    Legislativo comparado ....................................................................................................................................22

    O letramento poltico como misso educativa do Parlamento ....................................................................24

    Uma Introduo Teoria do Estado e sua organizao ..............................................................................26

    Mdia e Poltica no Brasil ...............................................................................................................................29

    Sistemas Eleitorais Partidrios ......................................................................................................................31

    Relacionamento Executivo e Legislativo no Brasil ......................................................................................34

    Lobby e Democracia no Brasil .......................................................................................................................36

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    introduo

    O curso de Cincia Poltica do Instituto do Legislativo Paulista (ILP) nasceu em 2007, quando notamos a necessidade de aprofundarmos a discusso de conceitos essenciais da poltica. Efetivamente, trata-se de uma derivao mais tcnica do Curso Bsico de Formao Poltica, uma das primeiras iniciativas da histria do ILP, nascida em agosto de 2003. Desde ento, foram formadas 10 turmas compostas em mdia por 50 alunos.

    Em 2007 o curso de Formao Poltica cedeu espao s atividades de Cincia Poltica, oferecido semestralmente. Os temas foram alterados e a equipe de professores recebeu novos valores, que tiveram como principal objetivo oferecer ao pblico presente o contato com temas especficos de seus estudos. O programa priorizou a mescla entre questes tico-tericas e aspectos prticos de nossa poltica. No toa, so discutidos conceitos como Democracia, Diviso dos Poderes e tica, assim como o conceito de Lobby, o sistema poltico brasileiro, as reformas estruturais de nosso Estado e a conjuntura nacional.

    Importante destacar que apresentamos aqui um breve resumo dos principais contedos. Por se tratar de um curso que aborda temas dinmicos e trabalha com extensa equipe de docentes que se revezam nas fileiras do ILP, destacamos que temas inditos podem ser tratados, assim como algumas das aulas aqui apresentadas podem deixar a programao. Alm disso, a ordem da programao tambm tem carter secundrio, sendo importante que todos os temas sejam acompanhados. Enfatizamos que o curso tem compromisso indissocivel com a tica suprapartidria, ou seja, o objetivo da atividade formar cidados crticos capazes de promoverem suas prprias anlises e escolhas partidrias.

    Com relao participao dos alunos, destacamos que essa mais uma das atividades que o ILP oferece gratuitamente sociedade, reforando o compromisso da Assemblia Legislativa do Estado de So Paulo com a educao e a disseminao da informao essenciais democracia. Lembramos, entretanto, que o recurso investido nas atividades requerem comprometimento dos cidados inscritos, que certamente tomaro contato com o que h de mais recente na Cincia Poltica brasileira, orientados por um corpo docente de currculo significativo e atuao em empresas, rgos pblicos e universidades renomados.

    Seja bem-vindo

    Roberto Eduardo Lamari Diretor-Presidente do ILP

    Solange Gibran coordenadora do curso de Cincia Poltica

    Humberto Dantas coordenador do curso de Cincia Poltica

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    Os temas apresentados a seguir esto ordenados pelos nomes dos professores/autores, em ordem alfabtica.

    o poder legislativo no Brasil: nota introdutria

    Antonio J. BarbosaProfessor de Histria na Universidade de Braslia

    Consultor Legislativo do Senado Federal.

    No Brasil, conquanto se possa falar em instituies legislativas desde o incio da colonizao, como seria o exemplo sempre lembrado das Cmaras Municipais, a existncia efetiva do Parlamento somente se d com a independncia, formalizada em 1822. Os primeiros anos do Parlamento brasileiro traduzem os embates que se travavam, naquele contexto, entre os projetos possveis de Estado nacional e entre posies absolutistas e liberais. A maneira como se deu a independncia, conduzida pelo prncipe regente portugus, indica, naquelas circunstncias, as dificuldades intransponveis para a implantao de um Estado nacional brasileiro de feies liberais.

    Isso explica, por exemplo, a dissoluo da primeira Assemblia Constituinte, substituda por um grupo de pessoas a quem foi dada a incumbncia de propor um projeto de Carta Magna que fosse digno do Brasil e de mim, conforme as palavras do imperador. Surge, ento, a Constituio de 1824, instituindo um Estado monrquico unitrio, o que, a princpio, garantiria a unidade territorial e poltica do pas, dele afastando o perigo da fragmentao que tanto atingira a antiga rea americana de colonizao espanhola. Instituindo o Poder Moderador, a Carta confere ao monarca um papel de ascendncia poltica que, inevitavelmente, redundaria em alguma forma de subtrao de poder ao Parlamento.

    Entre os prprios representantes das elites polticas nacionais no havia consenso acerca do modelo de Estado a ser adotado, indo da monarquia constitucional (como advogava Jos Bonifcio) ao regime republicano (defendido por Gonalves Ledo). O confronto entre posies liberais e absolutistas marcou a maior parte do Primeiro Reinado (18221831). medida que assume atitudes consideradas centralizadoras, d. Pedro I vai perdendo apoio poltico. O regime no resiste ao impacto das revolues de 1830, que, varrendo boa parte da Europa, se insurgiam contra o retorno de regimes despticos e influenciavam, no Brasil, os defensores das teses liberais (de que o jornalista Lbero Badar seria expoente e vtima).

    A queda de D. Pedro I possibilita a emergncia do poder parlamentar. A menoridade de seu sucessor leva ao intervalo regencial, perodo de extrema turbulncia, de confronto entre as faces das elites e, sobretudo, do choque entre centralismo e localismo. O Ato Adicional de 1834, que abranda o carter centralizador da Constituio e confere poderes s provncias, exemplo disso, como tambm o sero os diversos embates armados que explodem pelo pas afora (a exemplo, entre outros, da Balaiada, Sabinada, Cabanagem e Farroupilha).

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    A soluo pelo alto para a crise veio do Parlamento. A antecipao da maioridade de d. Pedro II, acompanhada de uma estranha lei de interpretao do Ato Adicional, em 1840, so acontecimentos que buscam recolocar o pas nos eixos, ou seja, no caminho da ordem. Sufocados sero os prximos movimentos de rebeldia armada, como as revolues liberais de 1842 (So Paulo e Minas) e, principalmente, a pernambucana Revoluo Praieira de 1848, com suas preocupantes idias de cunho social.

    A partir de 1847, o Parlamento do Imprio assume crescente relevncia. A adoo do regime parlamentar, ainda que s avessas se comparado ao modelo ingls que lhe serviu de inspirao, consolida a fora poltica das elites. A ausncia de maiores diferenas doutrinrias e ideolgicas entre os dois grupos partidrios dominantes, o Conservador e o Liberal, facilita determinadas composies, a expressar clara convergncia de interesses. Exemplo mais emblemtico disso foi a existncia do clebre Gabinete da Conciliao, na dcada de 1850, quando liberais e conservadores dividem as cadeiras do ministrio.

    As duas ltimas dcadas do regime monrquico foram de crise intensa, que acabaram por decretar o seu fim. Todavia, tambm o momento em que ele avana em termos de reformas polticas, que ampliaram o direito de voto, as quais, curiosamente, retrocedem nos primeiros anos da Repblica. O golpe republicano de 15 de novembro de 1889 no atende aos propsitos dos setores das elites que ansiavam pela substituio do regime. Isso ajuda a explicar o quadro de permanente crise que caracteriza os dois governos militares (Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto).

    Em que medida a proclamao da Repblica afetou a composio e a atuao do Parlamento questo cuja primeira resposta , aparentemente, simples. Calcada no modelo norte-americano, a primeira Constituio republicana essencialmente federalista, o que representa golpe considervel na estrutura unitria do Imprio. Com isso, ela confere s elites estaduais um campo de manobra bastante amplo, algo que contribuir para a hegemonia dos Estados economicamente mais poderosos (o que a Poltica dos Estados ou dos Governadores, esboada por Prudente de Morais e consolidada por Campos Sales, se encarregaria de materializar, dando origem Poltica do Caf-com-Leite).

    A experincia republicana brasileira foi marcada, em larga medida, pela crescente prevalncia do Executivo, situao que chegou ao limite extremo na Era Vargas (particularmente sob o Estado Novo) e, de maneira formalmente bem mais atenuada, no regime militar (19641985). Relativamente a essa situao, vale destacar que a Constituio de 1891, repetindo o que dispunha a de 1824, foi a nica do perodo republicano a conferir ao Parlamento a responsabilidade de elaborar o oramento do pas. A partir de 1934, todas as demais constituies brasileiras transferiram ao Executivo essa fundamental prerrogativa.

    Em termos de fora poltica, o perodo compreendido entre a queda da ditadura de Vargas e o colapso institucional de 1964, ou seja, a fase correspondente vigncia da Constituio de 1946, aquele em que o Parlamento republicano atinge sua mxima expresso, somente comparvel com a que ter aps o fim do regime militar. Em um cenrio de rpida transformao da fisionomia da sociedade brasileira, quando o pas tradicionalmente agrrio se industrializa e, catica e muito rapidamente, se urbaniza, o Congresso Nacional se constituiu no palco privilegiado do grande debate nacional. O embate em torno dos caminhos a serem percorridos pelo Brasil, que ocorria em clima de pesada passionalidade, sob dramtica presso ideolgica, teve no Parlamento seu grande plo de referncia, que desaguou no golpe que deps Joo Goulart.

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    Ao longo das duas dcadas de regime militar, ainda que em funcionamento na maior parte do tempo, o Congresso Nacional viu subtradas suas principais prerrogativas. O processo constituinte de 19871988, que culmina na promulgao da Carta de 1988, reflete e retrata as novas circunstncias histricas nas quais o Parlamento brasileiro passa a atuar.

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    partidos polticos no Brasil

    Cludio G. CoutoCientista Poltico

    professor da FGV-SP e da PUC-SP

    OBrasil j contou, ao longo de sua histria, com seis sistemas partidrios. Durante o Imprio, tnhamos Liberais e Conservadores, que se alternavam no poder de acordo com as convenincias e a vontade do Imperador. Chegando ao Poder, agiam de forma muito similar, justificando a mxima segunda a qual nada mais similar a um Saquarema, do que um Luzia no poder (por referncia aos apelidos de Conservadores e Liberais, respectivamente.

    Proclamada a Repblica e estabelecido no Brasil o federalismo, o bipartidarismo monrquico cedeu lugar a um multipartidarismo de bases estaduais: cada Estado tinha ao menos um partido, que era exclusivamente estadual. Durante esse perodo tivemos o predomnio de paulistas e mineiros no poder, com destaque para os partidos republicanos de cada um desses Estados: PRP e PRM. Mas havia outros partidos estaduais importantes, como o Partido Libertador no Rio Grande do Sul, ou o Partido Democrata, j no perodo final da Repblica Velha (por volta dos anos 20) em So Paulo.

    Com a Revoluo de 1930 e a chegada de Vargas ao poder, desapareceram os partidos estaduais, que cederam espao a duas grandes frentes de atuao nacional e que congregavam, cada uma delas, outras agremiaes em seu interior. Eram a Ao Nacional Libertadora (ANL), que reunia dentre outros o Partido Comunista Brasileiro (PCB) em seu interior; e a Aliana Integralista Brasileira (AIB), que esposava idias fascistas e apoiava a Vargas. Esse sistema partidrio, contudo, durou pouco: a ANL foi extinta em 1935, aps a Intentona Comunista; e a AIB foi tornada ilegal em 1938, aps um levante contra o Palcio Guanabara, j em plena vigncia da ditadura varguista do Estado Novo. Com isto, o Brasil ficou sem partidos at o retorno democracia, em 1945.

    Os partidos surgidos no ps-1945 se estruturaram em torno da figura de Vargas. Dois deles configuraram o que Lcia Hipplito denominou como a mo direita e a mo esquerda de Vargas, respectivamente o Partido Social Democrtico (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). O terceiro partido mais importante desse perodo surgiu como uma oposio a Vargas; trata-se da Unio Democrtica Nacional (UDN). Enquanto o PSD congregava sobretudo ex-apoiadores conservadores do varguismo, membros da mquina oficial nos Estados e integrantes das elites regionais que apoiavam o governo central, o PTB se compunha principalmente dos varguistas vinculados mquina sindical, ao sistema previdencirio e ao ministrio do trabalho. PSD e PTB, no casualmente, foram parceiros constantes durante o regime democrtico que vigorou entre 1946 e 1964, elegendo todos os presidentes do perodo, com a exceo apenas de Jnio Quadros, eleito por um inexpressivo PTN (Partido Trabalhista Nacional) com o apoio da UDN. Nessa lista figuraram Eurico Gaspar Dutra (PSD, 1945), Getlio Vargas (PTB, 1950), Juscelino Kubitschek (PSD, 1955) e Joo Goulart (PTB, 1960), como vice-presidente eleito, assumindo aps a renncia de Jnio, em 1961. Alm desses trs principais partidos, figuravam outros, de menor expresso, como o Partido Democrata Cristo (PDC), o Partido Socialista Brasileiro (PSB), o Movimento Trabalhista Renovador (MTR) e at mesmo o Partido Comunista Brasileiro (PCB), que teve um incio promissor, mas foi posto na ilegalidade em 1947, apenas dois anos aps sua refundao.

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    Com o golpe de estado civil-militar de 1964, o sistema partidrio sofreu um forte baque, com cassaes e restries, at ser formalmente extinto com o Ato Institucional n 2 (AI-2) no final de 1965. Um novo sistema, com assim chamadas organizaes provisrias, foi criado em 1966, forando-se um bipartidarismo. A existncia de apenas dois partidos foi o resultado das regras de criao das organizaes provisrias, que exigiam terem elas no mnimo um tero de Cmara dos Deputados e do Senado Federal. Com isto, surgindo uma primeira agremiao que ultrapassasse esse umbral, apenas uma segunda teria matematicamente condies de aparecer. Foi assim que se originaram a Aliana Renovadora Nacional (ARENA), de apoio ao regime autoritrio, e o Movimento Democrtico Brasileiro (MDB), de oposio. Os militares e seus apoiadores civis tentaram converter a ARENA num partido hegemnico do regime, ou seja, numa agremiao que inviabilizasse o surgimento de concorrentes efetivos, mesmo na vigncia de eleies formalmente livres. Isto pareceu funcionar bem at as eleies de 1974 ao ponto dos emedebistas cogitarem a dissoluo do partido, no o fazendo pela ameaa dos militares de cassar seus direitos polticos se assim procedessem.

    Mas, em 1974, um clima de relativa abertura permitiu ao MDB elevar sobremaneira sua votao para a Cmara e, principalmente, para o Senado, quando elegeu 16 senadores em 22 possveis. O susto serviu para os militares iniciarem um processo de arrocho nas regras eleitorais, por meio de procedimentos casusticos que dificultavam a competio poltica em favor da ARENA ou distorciam os resultados eleitorais na transformao de votos em cadeiras, sempre em benefcio do partido do governo nos lugares em que ele era eleitoralmente mais forte. Curiosamente, os militares no cogitaram instituir a fraude eleitoral generalizada, como era o caso, por exemplo, do que fizeram os regimes autoritrios camuflados do Mxico e do Paraguai.

    Todavia, a votao do MDB cresceu paulatinamente, tornando as eleies um instrumento de plebiscitao do regime: votava-se no MDB para rechaar o regime e seu governo. Diante disto, os militares optaram por dissolver o sistema bipartidrio, de modo a eliminar a bipolarizao que lhes prejudicava. O sistema das organizaes provisrias foi extinto em 1979, 14 anos aps sua criao, dando origem no ano seguinte a um sistema multipartidrio com cinco partidos: o Partido Democrtico Social (PDS), sucedneo da ARENA; o Partido do Movimento Democrtico Brasileiro (PMDB), principal sucessor do MDB; o Partido Democrtico Trabalhista (PDT), herdeiro da tradio de esquerda do velho PTB, sobretudo por meio de seu lder, Leonel Brizola; um novo PTB, que herdou a sigla do velho PTB, mas era na realidade uma organizao conservadora razoavelmente afinada com o regime autoritrio; e o Partido dos Trabalhadores, o PT, surgido a partir da congregao de diversas organizaes sindicais e da sociedade civil, alm de diversos grupos esquerdistas at ento clandestinos.

    Esse novo sistema partidrio de fato pulverizou a competio poltica, mas o partido do regime continuou a declinar e o principal golpe que sofreu foi a defeco de uma ala importante de suas lideranas em 1984, criando a assim chamada Frente Liberal para dar apoio a um candidato presidencial de oposio, Tancredo Neves, no Colgio Eleitoral. Essa dissidncia, que daria depois origem ao Partido da Frente Liberal (PFL, hoje Democratas, DEM), foi crucial para a eleio do candidato oposicionista, derrotando o situacionista Paulo Maluf, e elegendo o vice-presidente, que acabou por ser o empossado, Jos Sarney.

    O sistema partidrio teria um novo impulso multiplicador em 1985, com a legalizao dos partidos comunistas (PCB e PC do B) e o surgimento de uma srie de

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    novas agremiaes, algumas delas hoje j no existindo mais (ao menos com o mesmo nome): Partido Liberal (PL, hoje PR); Partido Humanista (PH, extinto); Partido Socialista Brasileiro (PSB), dentre tantos outros. Um novo momento importante dessa nova fase foi o surgimento de uma dissidncia no PMDB em 1988, ainda durante a Assemblia Nacional Constituinte. Essa dissidncia, congregando parte do MDB histrico, parte de sua ala esquerda e um significativo grupo paulista, deu origem ao Partido da Social-Democracia Brasileira, o PSDB.

    Hoje, so 28 os partidos polticos com registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sendo que 20 tm representao na Cmara dos Deputados. Pode-se afirmar, com isto, que o Brasil conta no apenas com um sistema multipartidrio, mas com um sistema partidrio bastante fragmentado (isto , de poder dividido). Tanto assim que nenhum partido dispe de mais do que 18% dos deputados uma parcela muito distante da maioria absoluta de 50% +1 que permitira a qualquer bancada aprovar sozinha qualquer deciso legislativa importante.

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    ticas da poltica

    Clvis de Barros Filho Livre-docente em comunicao e professor da USP

    Srgio PraaMestre e doutorando em cincia poltica

    Portadora de um histrico invejvel, repleto de golpes, manobras, conchavos e casos de peculato (apropriao indevida de dinheiro pblico), a poltica brasileira provavelmente merece a desconfiana pblica que tem. O Congresso e os polticos em geral costumam ser os ltimos colocados em pesquisas que medem a confiana da populao. No obstante esse quadro, nossas instituies polticas tm se mantido estveis desde o fim da ditadura militar. Legislativos legislam, Executivos gastam (e legislam), Judicirios julgam (e legislam e gastam). Ora, ento o que falta ao sistema poltico? tica, berra o senso comum.

    A tica a cincia da moral. A moral a valorao da prpria ao. Moralismo valorar a ao de outros de acordo com seu critrio. Ao pedir tica na poltica, a populao brasileira est sendo moralista? No exatamente. Podemos aferir que as pessoas simplesmente desejam que alguns polticos no se apropriem indevidamente do dinheiro do Estado. Ou ento: descontentes com o funcionamento, mesmo que honesto, das instituies, o povo clama por uma tica especfica para a poltica. Em vez de tica, o termo correto a usar no caso seria moral, porque os polticos obedeceriam a regras prprias de conduta, invlidas para o resto da sociedade.

    Ora, a distncia entre representantes e representados um dos problemas mais graves das democracias representativas e um dos fatores que certamente contribui para a desconfiana nas instituies. Permite a convivncia dos polticos longe do escrutnio popular. Assim, regras internas ao campo poltico surgiram ao longo do tempo e no nos referimos apenas aos regimentos internos que regulamentam (ou deveriam regulamentar) os procedimentos das casas legislativas. So regras que definem o dizvel e indizvel nos debates pblicos, os temas que merecem deliberao etc.

    Em uma palestra na Universidade de Munique, em janeiro de 1919, o socilogo alemo Max Weber (1864-1920) definiu quais seriam os dois principais modos de agir dos polticos: a tica da convico e a tica da responsabilidade. Quando age de acordo com a primeira, o poltico leva em conta, prioritariamente, seus princpios, ideologia etc. Isso no significa, adverte Weber, que ele age de modo irresponsvel. Se escolhe a tica da responsabilidade, o representante considera, antes de tudo, as conseqncias de seus atos. Formulado de outro modo: o poltico pode usar meios heterodoxos para perseguir objetivos que o satisfaro (ou os objetivos de seus eleitores, como seria o desejvel).

    Weber no se atreve a determinar qual tica deve ser seguida pelos polticos. Explica que as ticas da convico e da responsabilidade no so opostos absolutos. So complementares. Apenas quando misturadas produzem o sujeito que tem vocao para a poltica. Intricada, dona de jargo tcnico prprio, a poltica no se permite ser esmiuada a ponto de sabermos as reais intenes de seus sujeitos. O que temos so discursos. Convictos, polticos em campanha alardeiam a superioridade em relao aos concorrentes dizendo-se donos de princpios impecveis. Responsveis, os vencedores das eleies so freqentemente acusados de trarem as promessas de campanha.

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    Defendem-se afirmando que no h como fazer tudo. sociedade cabe, em vez de berrar, avaliar de maneira equilibrada o desempenho de seus representantes especialmente nos legislativos. Mais tica ser a conseqncia natural.

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    Mudanas no Macroambiente da Gesto e das polticas pblicas no Brasil contemporneo

    Fernando de S. CoelhoDoutor em Administrao Pblica e Governo pela EAESP-FGV

    Professor da EACH-USP

    Desde o limiar dos anos oitenta com a crise da dvida (e de interveno estatal) e o processo de redemocratizao no pas, passando pela Constituio de 1988, e, principalmente, a partir dos anos noventa com a agenda de reforma do Estado, a administrao pblica brasileira est em transformao; na dimenso econmico-financeira, o ajuste/equilbrio fiscal, a desregulamentao, a privatizao e as parcerias pblico-privadas alteram o papel/funo do Estado, de interventor para regulador (ou catalisador); na dimenso institucional-administrativa, as inovaes gerenciais, a descentralizao de polticas/recursos, o foco no cidado-usurio e a profissionalizao da burocracia so intenes e/ou aes que, gradativamente, impactam na gesto pblica, desfocalizando-a dos processos e (re)orientando-a para resultados; e na dimenso sociopoltica, a transparncia, a accountability, a intersetorialidade e a participao so os mecanismos que rearranjam as relaes entre Estado e sociedade, diminuindo a centralizao/insulamento governamental e aumentando a governana/controle social.

    Neste contexto em que o papel/funo do Estado, o modelo de gesto pblica e a relao Estado-sociedade se redefinem no Brasil nos trs nveis de governo , a democratizao e o gerencialismo so, respectivamente, os vetores poltico e tcnico que se imbricam na reforma da administrao pblica no pas, como se constata na literatura:

    No modelo em construo [no Brasil] pode-se perceber duas vertentes de onde emerge esta nova forma de organizar o setor pblico: uma vertente gerencial identificada com as modernas tcnicas de gesto, centrada no aumento da eficincia e da eficcia, e outra [poltica], focada na participao cidad e no controle social voltada para a realizao de experincias inovadoras e pela busca, principalmente, da efetividade. Estas duas vertentes alm de serem no-excludentes aparecem conjuntamente nas experincias que procuram se contrapor ao modelo burocrtico, embora, normalmente, uma delas enfatizada. Iniciativas provenientes das comunidades normalmente tm contedo poltico mais explcito e, por razes bvias, aquelas que partem do Estado acentuam o carter tcnico. Alguns traos comuns garantem seu entrelaamento a descentralizao, a defesa da res pblica, a responsabilizao social (...). (MEZZOMO KEINERT, 1998, p. 111).

    O processo de mudana pelo qual passa a gesto pblica brasileira a partir da dcada de 1980 influenciada por um conjunto de fatores de presso, que podem ser divididos em duas agendas a democrtica e a neoliberal [gerencial] exigindo dos governos, ao mesmo tempo, mais democracia e mais eficincia. Por um lado, a agenda democrtica reivindica novos direitos sociais e polticos, equidade nos resultados das polticas pblicas e democratizao dos processos decisrios, pela diviso de poder do governo federal com estados e municpios e por meio da construo de canais de participao da sociedade civil. A agenda

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    neoliberal [gerencial], por outro lado, ganhou fora em funo da crise financeira (...). Pregava a reduo do tamanho do Estado e cobra mais eficincia, eficcia e qualidade na prestao dos servios pblicos. (SCHOMMER, 2003, p. 105, grifo nosso).

    Nas ltimas duas dcadas, os brasileiros estiveram engajados no processo de redemocratizao do pas, buscando reformar o Estado e construir um modelo de gesto pblica capaz de torn-lo mais aberto s necessidades dos cidados brasileiros, mais voltado para o interesse pblico e mais eficiente na coordenao da economia e dos servios pblicos. Ao analisar esse contexto histrico, identificamos dois projetos polticos em disputa: um de vertente gerencial e outro de vertente societal. (...). A vertente gerencial, que est relacionada com o projeto poltico do ajuste estrutural e do gerencialismo, baseia-se nas recomendaes dessas correntes para reorganizar o aparelho do Estado e reestruturar a sua gesto, focalizando as questes administrativas. A vertente societal, por sua vez, enfatiza a participao social e procura estruturar um projeto poltico que repense o modelo de desenvolvimento local e reforce a democracia substantiva. (PAES DE PAULA, 2005, p. 37 e 41, grifo nosso).

    Ainda que essas transformaes ocorram desde os anos oitenta, no ps-95 que a gesto econmico-fiscal, a modernizao institucional-administrativa e a governana social entram definitivamente na agenda do setor pblico-estatal no pas, intensificando suas adoes/prticas na Unio, nos estados e nos municpios.

    Na Unio, concomitante estabilizao monetria e ao (re)ordenamento fiscal no esteio do Plano Real, o marco o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995), o qual avolumou os debates em torno da reforma do Estado no pas e norteou os projetos de reforma administrativa no governo Fernando Henrique Cardoso. As principais discusses/iniciativas, a partir deste documento, orientaram-se para a reviso do arcabouo legal (Emenda Constitucional n. 19), para a proposio de uma nova arquitetura organizacional (agncias executivas, agncias reguladoras e organizaes sociais), para a adoo de instrumentos gerenciais (contratos de gesto, programas de inovao e governo eletrnico) e para a revitalizao da poltica de recursos humanos (retomada dos concursos pblicos, fortalecimento de carreiras estratgicas, reviso da poltica de remunerao e intensificao dos programas de capacitao de funcionrios).

    Em linhas gerais, essa agenda de reforma da administrao pblica no ente federal, sob a gide do paradigma da new public management, introduziu as idias/valores da administrao pblica gerencial no pas, a qual, gradualmente, permeia a prestao dos servios pblicos (e a proviso das polticas pblicas), inclusive nos governos subnacionais. Para Abrucio (2005),

    (...) a descentralizao e a redemocratizao no pas, iniciadas na dcada de 1980, aumentaram a importncia dos governos subnacionais. Hoje, os cidados tm nos poderes locais sua maior referncia estatal, uma vez que a maioria das funes bsicas do Estado e das polticas sociais, como a educao, a sade e a segurana pblica, so plenamente executadas por estados e/ou municpios, quando no formuladas e financiadas por eles. Com esta profunda modificao, que ganhou contorno mais preciso com a Constituio de 1988, a modernizao administrativa dos governos subnacionais tornou-se ou deveria ter se tornado agenda prioritria no pas. (p. 405).

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    Nos estados, o desequilbrio das contas pblicas motivou (e motiva), alm do ajuste estrutural, alteraes na gesto pblica visando economia de recursos e um upgrade de eficincia, desde a rea de compras como o uso prego eletrnico at a rea de apoio/suporte administrativo com a reengenharia de processos. Tambm, imbudas pela dimenso gerencial e pela perspectiva democrtica, as administraes pblicas estaduais esto, incrementalmente, aprimorando a infra-estrutura (e as tecnologias) de gerenciamento e interpenetrando poder pblico e sociedade civil na governabilidade; assim, ao sentido de eficincia econmica das reformas de primeira gerao agregam-se as orientaes de eficcia administrativa melhoria da qualidade dos servios pblicos, por exemplo e de efetividade das polticas pblicas que caracterizam as reformas de segunda gerao.

    No mbito municipal, por seu turno, o incremento do leque de competncias deste nvel de governo tem sido acompanhado tambm pela emergncia de inovaes no nvel das instituies e das prticas governamentais. Para Farah (2005), as mudanas na esfera local no so originrias de uma nica fonte: (...) ora nascem no prprio municpio, diante dos novos desafios [novos papis/funes, novos processos polticos e novos ditames administrativos]; ora chegam ao municpio por iniciativa de nveis mais abrangentes de governo, sob forma de programas federais [e estaduais] ou de regras para acesso a financiamento em determinadas reas; ora so introduzidas por partidos polticos, movimentos sociais (...) e, por vezes, resultado da ao conjunta de diversos atores governamentais e no-governamentais. (p. 73).

    Ainda que o estmulo maior e mais duradouro no sentido de modernizar a administrao pblica brasileira historicamente sempre coube ao governo central, a inflexo da Constituio de 1988 em direo a um federalismo mais descentralizado, em um ambiente de restrio oramentria (intensificada pela Lei de Responsabilidade Fiscal), competio poltico-eleitoral e agenda democrtica, tem colocado aos governos subnacionais o imperativo de construo de uma nova gesto pblica; grosso modo, um esforo equivalente ao ocorrido a partir da dcada de trinta na Unio para a edificao de um Estado administrativo (e, posteriormente, desenvolvimentista) est em curso atualmente nos entes estadual e municipal.

    Afora essas transformaes ou, pelo menos, macrotendncias no setor pblico-estatal brasileiro, a administrao pblica nacional se transfigura, tambm, com o crescimento do setor pblico no-estatal nas polticas pblicas e o aumento da interface entre a iniciativa privada e a gesto pblica, ampliando seu locus, antes circunscrito ao aparelho estatal, para um continuum entre Estado, terceiro setor e mercado, interconectado pelo interesse pblico. O terceiro setor cuja definio varivel identificado, lato sensu, por instituies (ONGs, OSs, OSCIPs, Fundaes, etc.) que se mobilizam em torno da defesa, produo e/ou distribuio de servios pblicos (e direitos sociais). Em crescimento no pas e acumulando expertises em nossas questes pblicas, essas organizaes tanto empreendem seus projetos sociais como atuam como interlocutoras e/ou parceiras das polticas governamentais. Igualmente, o mercado est, cada vez mais, se aproximando de espaos pblicos que tradicionalmente competiam ao Estado:

    seja pela abertura a que se exps a organizao pblico-estatal por meio da desregulamentao de atividades e da privatizao de servios;

    seja pelos benefcios imagem organizacional e, portanto, s condies de lucratividade o chamado marketing social; e

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    seja pela compreenso do papel/funo que pode (e deve) desempenhar no zelo (e promoo) do interesse pblico, a partir das noes de governana corporativa, desenvolvimento sustentvel e responsabilidade social. (Coelho e Olenscki, 2005).

    Em suma, nesse panorama/cenrio de mudanas no setor pblico estatal e no-estatal que se redefine o processo de gesto/polticas pblicas no Brasil, influenciando, gradativamente, a praxis do ciclo das polticas pblicas (agenda, formulao, implementao e avaliao) no pas. Contudo, para alm desta compreenso tcnica das polticas pblicas, segundo Bolvar Lamounier, deve-se reconhecer que toda poltica pblica uma forma de interveno nas relaes sociais em que o processo decisrio condiciona e condicionado por interesses (e expectativas) sociais.

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    Democracia: questes essenciais

    Humberto DantasDoutor em Cincia Poltica

    Coordenador de Cursos no Instituto do Legislativo Paulista

    No se arrisque a procurar um dicionrio quando quiser compreender o significado do termo democracia. A palavra no permite uma definio to exata, rpida e resumida em um simples verbete. O governo do povo, pelo povo e para o povo frase to complexa que se esvazia de significado. Sartori, pensador italiano, afirmava ser a democracia uma questo que varia ao longo da histria e pode ser diferente em um mesmo momento histrico. O que os atenienses chamavam de democracia faz 25 sculos bastante diferente do que entendemos como tal no incio do sculo XXI. O que os americanos de hoje chamam de democracia bem diferente do que os cubanos acreditam ser. A despeito de equvocos nesse debate e na necessidade de estabelecermos critrios muito claros para as definies que pretendemos, o objetivo desse encontro compreender trs questes fundamentais da democracia sob o ponto de vista poltico que muito chamam de liberal:

    1. A democracia direta

    2. A democracia representativa, e o que se chama de representativa moderna

    3. A democracia participativa

    Os trs conceitos variam bastante, e no podem ser compreendidos de forma linear ao longo da histria. A falncia do sistema direto no gera como desdobramento imediato a forma representativa. No assim que a histria da democracia se desenvolve. O mundo, inclusive, assiste cerca de um milnio de regimes autocrticos ou aristocrticos ao longo de sua histria sem sinais claros de sistemas democrticos.

    Alm da questo das mudanas ao longo do tempo, importante salientar que precisamos aferir nossos olhares sobre o que se chamou e se chama de democracia em momentos diferentes e culturas diversas. A democracia direta vivida em Atenas, muito criticada e vista com ressalvas por muitos historiadores, convivia com escravido, aspectos censitrios, afastamento das mulheres etc. Em contrapartida, os cidados, ou seja, aqueles que estavam aptos a participar, se envolviam diretamente nos problemas da cidade e se sentiam absolutamente responsveis pelo destino e pelas decises relacionadas ao cotidiano. Cargos pblicos eram sorteados, pois se partia do pressuposto que todo cidado estava capacitado para o exerccio de determinadas funes. Voc j imaginou isso em nosso cotidiano?

    Na democracia que nasce representativa depois de sculos de regimes pouco preocupados com a participao da sociedade, os princpios envolvidos so diferentes. O Estado no era o que entendemos hoje, suas responsabilidades eram menos representativas. Os direitos sociais como oferta universal fenmeno do sculo XX, de acordo com Theodor Marshall. Assim, o que se entende por partio dos poderes e formao de um parlamento capaz de constituir as regras sob as quais desejamos viver, sem os intempries de aes absolutistas, resultado dos interesses de uma classe burguesa que, em asceno econmica, no via mais limites para a expropriao que sofria. Estamos no sculo XVII,

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    talvez um pouco antes, quem sabe um pouco depois.

    O voto e a escolha de representantes para o Poder Legislativo o mais fundamental dos poderes de acordo com pensadores como Locke e Montesquieu costumava ocorrer baseado em critrios de renda e posse, assim como a possibilidade de apresentao de candidaturas. o sculo XIX que vai permitir a entrada dos homens de uma maneira geral nas escolhas polticas: compreende-se que todos tinham algo a perder ou ganhar nas definies de representantes. A formao dos partidos polticos, afastados da ilicitude que lhes era imputada em outrora, data de meados do sculo XIX, segundo Maurice Duverger. A extenso do sufrgio, no entanto, ainda no atingiu as mulheres e a escravido continua existindo. O ingresso da mulher ocorre apenas entre o fim do sculo XIX e todo o XX. Diferentes pases a inclui em momentos distintos no rol de cidads.

    Esse o grande diferencial das democracia representativas. O sufrgio universal passa a determinar o que chamamos de democracia representativa moderna. Mas no basta. Liberdades essenciais como a de imprensa, expresso, adeso e formao de grupos so essenciais. A formao de organismos neutros para a organizao de eleies, o respeito aos resultados e as datas pr-determinadas para os pleitos tambm so fenmenos fundamentais. A complexidade e os cuidados com a escolha dos representantes passa a ser algo vital.

    Mas mesmo diante de tal questo, eleitores e eleitos tm dificuldades em manter relao de reconhecimento. Sobretudo no que diz respeito percepo dos cidados em relao utilidade e relevncia do voto. Ferramentas que transcendem essa escolha passam a ser utilizadas com maior ou menor nfase em diversos pases. O objetivo oferecer a sensao de maior poder e participao nas decises aos eleitores. Mecanismos consagrados e novidades so verificadas mundo a fora. As democracias em crise se oxigenam com a participao, mas importante salientar que tais resultados no representam uma volta forma direta, algo absolutamente impossvel de ocorrer atualmente. Mesmo assim, o intuito maior o envolvimento, pertencimento e deciso conjunta. O ser humano que constri a realidade sob a qual deseja viver se aproxima da liberdade social, j afirmava Rousseau.

    Estaramos preparados para tamanho desafio? Certamente no. A democracia no sinnimo apenas de participao e sim de educao, informao e compreenso. Isso estava escrito em Aristteles e caminhou ao longo dos sculos, j nos apontou o professor Rildo Cosson na aula inaugural. Mas se a filosofia j prega isso a tanto tempo, porque no somos politicamente educados? Estamos diante do que John Stuart Mill chama de passividade do cidado, caracterstica fundamental ao sucesso de parcelas de representantes. E quem seria o responsvel por essa educao? Esses mesmos representantes. A democracia dbil, mundo a fora, porque os cidados so levados a acreditar e a participar de algo que no entendem. As pesquisas mostram que a democracia, valor cultural e essencial ao ser humano, valor que deveria estar presente em nosso cotidiano social palavras de Norberto Bobbio no fazem parte das crenas, ou da compreenso dos indivduos. Estamos diante de um dilema e por isso que estamos aqui, educando para a democracia.

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    panorama da poltica Brasileira

    Jos Paulo Martins Jr.Doutor em Cincia Poltica

    Professor e coordenador de ps graduao na Escola de Sociologia e Poltica

    Humberto Eco j disse que muito mais indicado escrever um trabalho monogrfico do que um panormico. ainda mais difcil ser panormico em poucas linhas, como o caso deste texto. No obstante, vou tentar focar no ponto que considero principal.

    A poltica brasileira atual tem como grande mote a estabilidade. Em que pesem os escndalos polticos por que todos os governos passam, desde a primeira metade da dcada de 1990, as sucessivas presidncias de Itamar Franco, Fernando Henrique e Lula lograram xito em estabilizar o pas. A estabilidade poltica foi conseguida, em grande medida, pela e em conjunto com a estabilidade econmica e social.

    Aps toda a instabilidade econmica, poltica e social do final dos anos 80 e comeo dos 90, com diversos planos de estabilizao econmica fracassados, greves nacionais, impeachment de Fernando Collor, etc, a emergncia de Itamar Franco presidncia da repblica trouxe consigo a costura de uma ampla base de apoio e criou uma espcie de governo de unio nacional composto por polticos desde a esquerda at a direita. Sobre essa base de sustentao poltica, ameaada pela liderana de Lula nas pesquisas eleitorais, surgem o plano de estabilizao econmica que criou o Real e a aliana do PSDB e do PFL em torno de Fernando Henrique Cardoso.

    A vitria de FHC no primeiro turno e o sucesso da aliana permitiu consolidar o plano e criar uma coalizo governista grande o suficiente para aprovar emendas constitucionais e emitir medidas provisrias. Na oposio ao governo, o PT atuou vigorosamente, combinando crtica poltica econmica e discurso moralizante contra a corrupo. A ampla maioria fernandista permitiu abafar quase todos os escndalos polticos, mas no impediu a entrada do pas em ciclo de estagnao econmica e desemprego aps a reeleio em 1998.

    O cenrio eleitoral de 2002, todo o clima que antecedeu o pleito, jogou a poltica brasileira em uma situao de incerteza. Era o fim do governo Fernando Henrique, Lula novamente liderava as pesquisas, mas durante toda a campanha foi ameaado por Rosaena, Ciro e Serra. Este ltimo defendeu em poucos momentos no horrio gratuito de propaganda eleitoral o governo de Fernando Henrique, posicionando-se quase como um oposicionista

    A vitria de Lula deve ser creditada lenta caminhada do atual presidente e de seu partido rumo ao centro da poltica brasileira. Esse o espao que costuma ser ocupado pelo presidente da repblica e por seu governo. Quem acompanhou todas as campanhas de Lula pode perceber claramente sua transformao de candidato operrio de um partido eivado de radicalismos para candidato da massa trabalhadora, perseverante, capaz de resolver o desemprego e manter a estabilidade, alm de apoiado por uma aliana ampla desde o PC do B at o PL.

    O governo Lula tem mritos econmicos, polticos e sociais na conquista da

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    estabilidade. A chegada do PT ao poder nunca suscitou qualquer tentativa de romper com a legalidade. Seja pela esquerda ou pela direita, os atores polticos relevantes do pas sempre buscaram atuar dentro das regras do jogo que preservam a normalidade democrtica com ampla participao dos grupos organizados e sufrgio universal.

    Se esse aspecto no configura especialmente um mrito do atual governo, pode-se dizer que ele tem sido bem sucedido em realizar suas promessas de campanha. O pas est se desenvolvendo e buscando ampliar e consolidar seu papel de ator relevante no cenrio internacional, empregos esto sendo criados, a desigualdade est diminuindo e os radicalismos da sociedade, em grande medida, so contidos sem recurso violncia.

    O cenrio para 2010 muito interessante. Ainda que exista um certo rudo com relao a um possvel terceiro mandato de Lula, acredito que seja muito improvvel que isso ocorra. Provavelmente o presidente, que goza atualmente (maio/2008) de amplo prestgio junto aos eleitores, vai apoiar ostensivamente algum candidato, que pode no ser o candidato preferido do PT. O PSDB, principal adversrio, vai ter que superar a diviso aparente entre suas lideranas com apetites presidenciais como Serra, Acio e Alckmin. Outros nomes e partidos correm por fora. Sem um candidato reeleio a tendncia do pleito uma maior disperso dos votos e incerteza quanto aos resultados. Se Lula e o PT tiverem o mesmo candidato e mantiverem a aliana com a esquerda e a direita e o PSDB e os Democratas caminharem unidos em torno de algum tucano, a briga, mais uma vez ser em torno de dois candidatos. Caso isso no ocorra, fica aberto o espao para mais candidaturas governistas e oposicionistas.

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    legislativo comparado

    Pedro B. A. DallariProfessor da Faculdade de Direito da USP

    Oestudo comparado do Poder Legislativo compreende o cotejo entre as diferentes modalidades de estruturao das instituies parlamentares no mbito planetrio, tanto no plano dos Estados, como, fenmeno mais recente, no interior das Organizaes Internacionais, em que exemplo o Parlamento Europeu.

    Uma primeira abordagem, esta fundada em elementos de Direito Constitucional, deve se voltar para a verificao da funo institucional da casa ou casas legislativas no sistema poltico do Estado. De forma esquemtica, cabe considerar os parlamentos em conformidade com o sistema de governo se presidencialista ou parlamentarista e com a estrutura orgnica do Estado se federativa ou centralizada.

    Em um segundo enfoque, este lastreado em elementos fornecidos pela Cincia Poltica, deve se ter em conta as diferentes possibilidades quanto s caractersticas de que se reveste o parlamento no exerccio de sua funo institucional, especialmente no tocante sua efetiva participao na atividade de elaborao legislativa. Aqui, a doutrina costuma diferenciar o legislativo transformativo, no qual o parlamento tem forte ascendncia sobre a produo legislativa, das figuras de legislativo arena ou legislativo reativo, em que o parlamento abriga e at mesmo concentra o debate poltico, mas a iniciativa legislativa repousa essencialmente no Executivo.

    Ainda nesse diapaso classificatrio, cabe, por fim, identificar as diferentes realidades levando-se em conta a estrutura interna de poder no parlamento, distinguindo-se a alternativa que concede primazia s comisses temticas daquela em que o centro de gravidade se encontra nas bancadas e lideranas partidrias.

    Com base nesses critrios e respectivas alternativas, verifica-se na doutrina poltica a tentativa de identificao de dois modelos abrangentes e integradores: o primeiro associando ao sistema parlamentarista de governo a figura do legislativo arena, no qual o controle reside nas lideranas partidrias, sendo exemplo maior o parlamento britnico; o segundo associando o sistema presidencialista de governo ao legislativo do tipo transformador, onde so fortes as comisses temticas, emergindo como ilustrao o Congresso norte-americano.

    Tais associaes, embora vlidas, no so passveis de generalizao, como demonstra a prpria realidade brasileira, que no se encaixa em qualquer desses modelos abrangentes, j que abriga um sistema de governo presidencialista que, no entanto, se associa a um parlamento que, definitivamente, foge ao padro transformador. De todo modo, o leque de critrios e alternativas aqui exposto bem como uma abordagem metodolgica que os considere de forma integrada podem se constituir em ferramentas extremamente teis para a compreenso do papel que o parlamento exerce em cada sociedade, inclusive na sociedade brasileira.

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    Como texto bsico de apoio a esta 10 aula do Curso ser adotado o artigo intitulado Modelos de Legislativo: o Legislativo Brasileiro em Perspectiva Comparada, de autoria de FERNANDO LIMONGI e ARGELINA CHEIBUD FIGUEIREDO e publicado na revista Plenarium, n 1, novembro de 2004, Braslia: Cmara dos Deputados, pgs. 41 a 56. Nesse artigo, seus autores apresentam de forma sucinta, mas bastante acurada, o quadro de referncia mencionado neste sumrio e sua prvia leitura ser muito til para um melhor aproveitamento da aula.

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    o letramento poltico como misso educativa do parlamento

    Rildo CossonPs doutorado em Educao

    Coordenador do Programa de Ps-Graduao do Cefor/Cmara dos Deputados

    Opressuposto de que a educao poltica essencial para se manter um regime democrtico j se faz presente na Poltica de Aristteles. Dos gregos antigos aos nossos dias, no foram poucos os pensadores que destacaram a necessidade de um projeto de educao para a democracia como condio de manuteno das instituies e prticas democrticas, como fez John Dewey em vrios de seus escritos. Tambm no faltam aqueles que, como Norberto Bobbio, em O futuro da Democracia (1986), alertam sobre a urgncia de fortalecimento da educao poltica sob o risco de se fragilizar os avanos sociais to duramente conquistados nos pases democrticos. Nesse sentido, soa como um consenso a advertncia de Wolfgang Kersting sobre a relao de interdependncia entre educao poltica e regime democrtico. Nas palavras do autor, quem lamentar a desmotivao poltica, a crescente falta de senso comunitrio e a desertificao social do sistema de vida, no deveria calar a respeito da educao poltica. E quem quiser calar a respeito da educao poltica, no deveria fazer exigncias de democratizao, pleitear por engajamento da sociedade civil e cobrar mais oportunidade de participao (Kersting, 2003, p.111).

    Todavia, se h um consenso sobre a importncia e a necessidade de se promover a educao para a democracia, o mesmo no acontece em relao aos contedos e s metodologias dessa educao. Na mirade de propostas que envolvem termos de significados prximos, tais como competncia cvica e educao para a cidadania, mas tambm campos de reflexo e atuao bem determinados, vamos destacar aqui o que se tem denominado como letramento poltico (political literacy). A expresso tem livre curso nos pases de lngua inglesa e se refere competncia de compreender e participar conscientemente da vida poltica. Naturalmente, o conceito de vida poltica compreende bem mais do que relaes partidrias ou engajamento em alguma causa especfica. Trata-se, na verdade, das relaes de poder que se fazem presente em toda comunidade e como comportamentos e crenas so determinadas por elas ao mesmo tempo que as determinam. Nesse sentido, letramento poltico diz respeito a conhecimentos, habilidades, valores e prticas que traduzem o viver em comunidade. Nos pases democrticos, essa vida em comunidade deve ser entendida, como nos ensina Dewey (1939), como a prpria democracia. De tal forma que o letramento poltico expressa o desenvolvimento de competncias fundamentais para a manuteno e aprimoramento das sociedades democrticas.

    Dentro dessa perspectiva, o letramento poltico interessa a todos que se preocupam com a democracia. Nessa lista, entra uma srie de instituies que vo desde organizaes e redes internacionais, como The World Movement for Democracy (http://www.wmd.org/), at a escola do bairro que est interessada em engajar seus alunos na discusso dos problemas locais. Nesse vasto horizonte de atuao, que compreende fundaes pblicas e privadas, organizaes no governamentais, institutos poltico-partidrios, disciplinas escolares e programas oficiais de governo, qual o espao a ser ocupado pelo Poder Legislativo?

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    Em primeiro lugar, preciso que se tenha claro que o fortalecimento das prticas e das instituies democrticas uma questo determinante para a prpria existncia do Parlamento. A equao simples: o Legislativo, mais que qualquer outro poder, precisa de democracia para funcionar, para existir enquanto um poder independente. Sem democracia, o Parlamento apenas um aparato formal que homologa as decises tomadas em outro lugar. Logo, defender e promover a democracia deve ser uma das suas funes primordiais, pois quanto mais consolidada for a democracia em uma sociedade, mais forte ser o seu Parlamento. Por isso, o Legislativo, seja no nvel municipal, estadual ou federal, tem no apenas a legitimidade de promover o letramento poltico, mas tambm e, sobretudo, a necessidade de faz-lo, se no quiser ser considerado por muitos como uma instituio ineficaz e, no seu limite, dispensvel.

    Depois, faz-se necessrio que se amplie e ao mesmo tempo se aprofunde a concepo de democracia no mbito do Legislativo. Normalmente, aqueles que se encontram diretamente envolvidos com o Parlamento tendem associar a democracia apenas ao regime poltico e, mais estreitamente, a suas formalidades como eleies, partidos e funcionamento das Casas, exemplarmente colocado na expresso processo legislativo. Esquece-se que as instituies so feitas de pessoas e que uma sociedade para ser verdadeiramente democrtica precisa bem mais do que aes pontuais, como a cerimnia do voto, do que representao organizada em agremiaes polticas para o exerccio do poder como so os partidos polticos e regras internas de ordenamento do exerccio parlamentar. Ela precisa incorporar a democracia como um processo de aprendizado do viver em sociedade, ou seja, ela precisa experienciar a democracia em seu cotidiano, como um valor e uma prtica social. Tal aprendizagem, tal experincia no acontece sem educao, sem um processo educativo voltado para a capacitao poltica, para a formao de cidados, para o exerccio da cidadania poltica.

    Por fim, no basta a declarao de importncia, nem a compreenso da necessidade de promoo do letramento poltico por parte do Parlamento, fundamental que se constitua no mbito das casas legislativas um locus de produo de conhecimento sobre a democracia e de desenvolvimento de aes prprias e em conjunto com outras instituies e organizaes para os mais diferentes pblicos. Em vrios pases democrticos ao redor do mundo, os parlamentos j instituram seus programas ou rgos de educao para a democracia, a exemplo do Parliamentary Education Office (http://www.peo.gov.au/), da Austrlia, e a Fundao Jean-Charles-Bonenfant (http://www.assnat.qc.ca/FRA/fondation-jcb/), da Assemblia Nacional do Quebc, Canad. No Brasil, h escolas do legislativo na maior parte das assemblias legislativas e em algumas cmaras municipais. Todavia, a maioria delas est voltada quase que exclusivamente para a capacitao dos servidores. essencial, pois, que essas escolas revejam suas prioridades e assumam, como linha de frente de seu papel institucional, a promoo do letramento poltico como misso educativa do Parlamento.

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    Uma introduo teoria do Estado e sua organizao

    Roberto Eduardo LamariPs-graduado em Direito

    Presidente do Instituto do Legislativo Paulista da ALESP

    O ESTADO:-DEFINIES

    Escreveu Aristteles que, se o Estado uma criao da natureza, o homem um animal poltico, querendo, com isso dizer que o Estado necessrio existncia satisfatria do homem. Santo Agostinho encontrava a origem do Estado no pecado original, afirmando dever o homem viver sob autoridade a fim de serem restringidas suas tendncias para o mal. Trasmaco considerava-o apenas o domnio do mais forte. Hebert Spencer, em cuja opinio no havia Estado na poca do homem primitivo, cogitava de uma situao abenoada em que o Estado teria deixado de existir, uma eventualidade tambm prevista por Marx. Enquanto para Hegel o Estado era Deus a caminhar sobre a terra, o filsofo idealista britnico Bosanquet julgava-o a encarnao da ordem moral. O falecido Lorde Lindsay descrevia-o como o modo aceito de dirimir litgios.

    Seja como se procure definir o Estado ou perquirir-lhe as origens, no h dificuldade em reconhec-lo no mundo em que vivemos. Cerca de oitenta de suas manifestaes tem hoje assento na Organizao das Naes Unidas. Aparentemente, o Estado compartilha a caracterstica de formar grupos que vivem ou exercem controle sobre territrio bem definido. Divide-se em governo e sditos. Cada um deles representa um ou outro sistema de ordem. So estabelecidas normas de direito e, em alguns, tomadas medidas e exercida coero, reconhecidas pelos membros do grupo e pelo mundo externo como direitos. Evidentemente, por conseguinte, o Estado uma forma de associao com certas caractersticas especiais, sobretudo no que tange conexo territorial e ao emprego da fora.. H.R.G. Greaves-Fundamentos da Teoria Poltica -Zahar Editores- Rio de Janeiro- 2 Edio-pgina. 21

    A CRISE DO ESTADO CONTEMPORNEO E A DECADNCIA DA NORMA ESTATAL

    I- De maneira geral existem trs grandes mtodos de estudo e descrio do fenmeno Estado :

    1- Georg Jellinek, pai da teoria jurdica do Estado enquanto disciplina, considerava a antinomia Estado sociolgico / Estado jurdico com realidades que no podiam ser apreendidas de uma s vez. O Estado sociolgico referia-se ao poder social enquanto fato. Os fenmenos administrativos e governativos seriam por excelncia objeto do estudo da sociologia das organizaes complexas. O estudo do Estado enquanto relao e norma jurdica cabia aos juristas. A teoria geral do Estado seria, pois, esta disciplina apta a estudar o Estado enquanto fenmeno jurdico.

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    2- Hans Kelsen radicalizou esta posio; para ele Estado o repositrio da normatividade existente em determinado momento da histria, deste modo, s pode ser estudado como fenmeno jurdico. Segundo ele a situao revela-se mais simples quando o Estado discutido a partir de um ponto de vista puramente jurdico. O Estado, ento, tomado em considerao apenas como fenmeno jurdico, como uma pessoa jurdica, ou seja, como uma corporao 1

    3-A terceira maneira clssica de estudar-se o Estado foi desenvolvida por Frederic Engels a partir de textos esparsos de Karl Marx. Para os socialistas alemes cada ciclo histrico-econmico demandava uma superestrutura especfica: ao escravismo correspondia o Estado escravocrata e imperial, ao feudalismo o Estado senhorial e ao capitalismo o Estado burgus. Engels e Marx entendem o Estado como fenmeno passageiro, originrio do aparecimento da luta de classes na sociedade a partir da apropriao individual dos meios de produo.

    Todos os mtodos acima padecem de carter reducionista. Norberto Bobbio utilizando-se de vrios elementos originrios de tais mtodos prope uma metodologia que, em sendo sociologia, histrica, deontolgica e jurdica, possam abarcar o Estado como um todo, dando uma perfeita noo desta formao especfica ocorrente na vida social.

    II- Atribui-se Nicolau Maquiavel a criao da denominao Estado para descrever o organismo poltico superior a sociedade. preciso, no entanto, lembrar que na Idade Mdia tal rgo era freqentemente denominado Status rei publicae como aparece na correspondncia papalina e em documentos de diversos senhorios.Antes mesmo, Marco Tllio Ccero no seu tratado Da Repblica utiliza a mesma denominao para designar o Senatus Populus Quo Romanus. Enfim, Maquiavel, apenas utilizou com mais freqncia e propriedade uma palavra que j havia sido inventada.

    Em suas consideraes sobre a natureza humana ele conclui sobre a necessidade de um poder externo. A esse poder ele chama de Estado, que cuidava sobretudo da administrao das terras comunais e da administrao da justia.

    Outra definio de Estado a do professor Dalmo de Abreu Dallari, em sua obra O Futuro do Estado, nela o autor ressalta que este uma ordem jurdica, mas soberana, sendo seu objetivo principal o bem comum de um povo. O conceito de Estado que o autor adota o seguinte: ordem jurdica soberana, que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado territrio.

    Observadas as devidas caractersticas histricas e culturais de cada poca, no diferente a funo atual do Estado. Cuidar do que comum todos: propriedades e servios, e administrar a vida jurdica. Quanto a primeira funo, os sistemas tributrios existentes tm se mostrado crescentemente insuficientes para suprir todas as necessidades da administrao dos bens coletivos. Quanto a segunda, todo o sistema jurdico ressente-se de possibilidades de efetivao.

    1 Kelsen,Hans-Teoria Geral do Direito e do Estado-So Paulo, Martins Fontes,2000, p.261

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    O processo legislativo enfraqueceu- se enquanto monoplio do Estado. A existncia real de novas poliarquias, superpondo diversas legislaes, acabaram por determinar que as normas cogentes editadas pelo Estado se reduzissem em peso social s normas particulares. Temos, como exemplo, a organizao legislativa da Unio Europia em relao s diversas legislaes nacionais ou, ainda, a que superpe normas federais, estaduais e municipais no mbito dos pases federados. H inmeras legislaes derivadas da regulamentao estatutria de macro-entidades privadas e de regulamentos de pequenos grupos societrios locais, como os clubes de servios ou as entidades filantrpicas

    A reinveno de macro-estruturas de poder, baseadas em um conjunto de tratados e acordos econmicos regionais, como a Unio Europia e a Comunidade de Estados Independentes, no passam de um efeito previsvel desta situao poliarquica atual. Se observarmos as estruturas do Saco Imprio Romano Germnico e do Imprio de Todas as Rssias da poca medieval e as estruturas da Unio Europia e da CEI veremos que so bastante assemelhadas.

    No diferente a situao da America Latina em relao ao Mercosul.

    Jos Eduardo Faria, em Sociologia Jurdica-Crise do Direito e Praxis Poltica, aponta o desafio do poder poltico no processo de formao das leis: A identificao dos pontos comuns entre a poltica e o direito entreabre dois caminhos no excludentes de discusso.O primeiro deles conduz questo da representatividade das instituies legiferantes.Como a sociedade contempornea caracteriza-se pela polarizao do debate poltico e pela tentativa de atuao hegemnica de grupos e classes conflitantes, a maior ou menor representatividade dessas instituies pode ser medida pelo espectro de proposies normativas a elas encaminhado.

    Esta questo, portanto, est associada ao tema da democracia e do autoritarismo.Neste, onde o acesso ao poder limitado, predominam os canais informais para a obteno dos objetivos, cuja consecuo que legitima, a posteriori, os meios utilizados.Naquela, ao menos teoricamente, prevalecem os mecanismos formais de articulao poltica, a institucionalizao dos conflitos pelos rgos legislativos, a neutralizao dos problemas concretos por vias judicirias e os mecanismos de lealdade capazes de fornecer aos cidados certeza, segurana, liberdade e igualdade.

    Nota-se no s a decadncia do processo legislativo estatal, do poder de coero da normal estatal, como da capacidade jurisdicional do Estado. As casas de justia no do conta de seus trabalhos. Os julgamentos so postergados por anos por falta de estruturas fsicas e econmicas para a rpida tramitao dos feitos. Em seu lugar, instala-se a ideologia da justia privada que resulta na criao dos juizados de pequenas causas e arbitragens particulares como panacia para resolver os problemas de atravancamento da justia estatal.

    Se a legislao estatal est nitidamente perdendo seu poder de imprio e coao, se a jurisdio est deslocando- se para mos particulares, se os Estados nacionais esto sendo absorvidas externamente por macro formaes polticas e internamente fragmentados pelas associaes particulares, sociedades econmicas e sindicatos, no h como escapar-se da nica concluso possvel: o Estado como formao poltica especifica no est morto, mas est agnico.

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    Mdia e poltica no Brasil

    Rubens FigueiredoCientista polticoDiretor do CEPAC

    Acompreenso sobre a relao entre a mdia e a poltica no Brasil pode ser compreendida sob diversos aspectos. Tendo em vista o curto perodo de tempo que temos nesse curso, abordarei o conceito de Marketing Poltico, tornando possvel a percepo sobre o tema de hoje sob uma de suas possveis ticas.

    O marketing poltico surge como uma racionalizao do processo eleitoral: uma atividade baseada em um planejamento estratgico, com vistas a maximizar os meios disponveis para alcanar o nmero de votos necessrios para eleger um candidato. O desenvolvimento dessa atividade est associado ao uso das modernas e eficientes tcnicas de comunicao e, principalmente, do uso adequado dos resultados de opinio pblica, que permitem traar estratgias de divulgao e o posicionamento do poltico de acordo com os anseios e expectativas do eleitorado.

    A atividade desenvolvida pelos profissionais de marketing poltico fundamentalmente estratgica, definida com antecedncia por uma equipe de especialistas em diversas reas, que analisam as pesquisas, estudam o quadro poltico, verificam os recursos disponveis e traam o rumo da campanha. Alm disso, definem smbolos, o discurso, a imagem a ser transmitida, entre outros aspectos fundamentais. Essa atividade desenvolvida na seguinte seqncia:

    1. Anlise do clima da opinio, do quadro poltico e dos adversrios;

    2. Planejamento e realizao de pesquisas;

    3. Anlise das pesquisas e elaborao da estratgia, com a definio dos melhores meios de comunicao para atingir os fins desejados;

    4. Novas pesquisas para aferir a eficincia do caminho escolhido e, caso necessrio, correo de eventuais erros.

    O profissional de marketing poltico deve orientar o poltico de acordo com os resultados das pesquisas de opinio, procurando descobrir o que pensam e desejam os eleitores e sintonizando o discurso e a imagem do candidato aos anseios da populao. Para isso, de vital importncia uma interpretao adequada das sondagens, sendo necessrio contar com profissionais qualificados e experientes para a execuo do trabalho.

    preciso fazer uma distino importante entre marketing poltico e eleitoral. O primeiro uma atividade permanente de administrao da imagem pblica do poltico-cliente junto populao e se realiza atravs de pesquisas de opinio, da assessoria de imprensa (que tem a funo de divulgar as aes positivas referentes ao cliente e neutralizar os acontecimentos negativos vinculados sua imagem) e de publicidade dirigida, entre outros. Portanto, um trabalho de longo prazo, que facilita a tarefa do marketing eleitoral, este dependente de resultados de curto prazo, mais especificamente, na eleio.

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    O marketing poltico adota o referencial tcnico e terico do marketing comercial, definindo o posicionamento estratgico do produto, utilizando como meio de divulgao os canais da mdia e adequando a mensagem publicitria a cada um. O profissional desta rea tem que entender o que os eleitores querem no momento da eleio e posicionar seu candidato sem que seu discurso soe artificial ou falso.

    Nos ltimos anos, a mdia tem endeusado a atividade, atribuindo-lhe um poder que ela no tem. Os profissionais de marketing poltico muitas vezes ganham mais destaque do que os prprios candidatos, sendo chamados de bruxos, que teriam poderes geniais capazes de fazer qualquer poltico vencer uma eleio.

    Vale lembrar: os benefcios que podem ser obtidos com o marketing poltico dependem do contexto e de como o candidato se enquadra nele. Caso a imagem projetada no corresponda s expectativas existentes na sociedade, por melhor que seja o profissional e sua estratgia, no possvel modificar a opinio dos eleitores sobre seus anseios mais profundos.

    Destaca-se a relao direta entre essas estratgias e a utilizao dos mais diferentes meios de comunicao. A mdia passa a ser pautada por essas estratgias? Essa uma questo complexa na cincia poltica. Quem so os verdadeiros responsveis pelas pautas dos principais meios de comunicao? Como os canais so utilizados pelos polticos e suas estratgias? Feitas as leituras das pesquisas, a anlise e a formulao de estratgias, de que maneira so utilizados os eventos, os meios de comunicao, a TV, os jornais, a rdio, as assessorias de imprensa e uma srie de veculos fundamentais relao entre a poltica e a mdia? Essa apenas uma forma de pensarmos essa questo, sendo possvel estabelecer inmeros outros meios para basearmos esse debate.

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    Sistemas Eleitorais partidrios

    Srgio Praa Mestre e doutorando em Cincia Poltica

    Nenhum sistema eleitoral perfeito. Todos tm vantagens e desvantagens que no podem ser ignoradas quando os polticos definem o tipo de sistema a vigorar em certo pas. O objetivo principal da aula discutir, focando principalmente o caso brasileiro, o que os principais tipos de sistema eleitoral (majoritrio, representao proporcional de lista aberta, representao proporcional de lista fechada, misto) tm a oferecer de bom e de ruim.

    H muita confuso na populao brasileira sobre como funcionam as eleies legislativas no pas. Ganha quem recebe mais votos? Por que alguns candidatos no conseguem vaga na Cmara dos Deputados mesmo com uma votao expressiva? No de espantar que muita gente no saiba como o sistema eleitoral funciona no Brasil. Nosso sistema, de representao proporcional, de menor inteligibilidade do que o sistema norte-americano, majoritrio. Para explicar o nosso, vamos primeiro visitar o dos nossos colegas de continente.

    Nos Estados Unidos, o sistema eleitoral para eleies legislativas majoritrio. Isso significa, como o prprio nome diz, que vence a eleio o candidato que obtiver a maioria dos votos. Os Estados Unidos so divididos em 450 distritos eleitorais. Cada distrito elege um representante para a Cmara dos Deputados (House of Representatives). J que os principais partidos polticos dos EUA so o Partido Democrata e o Partido Republicano, cada um deles costuma apresentar um candidato por distrito. Suponhamos que o candidato democrata obtenha 40% dos votos, contra 38% do oponente republicano e 22% dos demais participantes. Como o sistema majoritrio, o representante eleito o democrata. Esse sistema, tambm chamado de distrital, leva a uma grande proximidade do representante com seus eleitores, simplesmente porque o deputado eleito representa claramente os interesses de um distrito especfico. Quando isso acontece no Brasil, chamam de clientelismo, coronelismo... Uma outra conseqncia do sistema majoritrio que vale a pena anotar a tendncia de esse sistema ser bipartidrio, ou seja, ter apenas dois partidos relevantes disputando cargos. Por que isso ocorre? Ora, porque ter 40% ou mais das intenes de voto em um certo distrito exige boa reputao, trabalho, organizao etc. E tudo isso s feito por partidos polticos bem-estruturados. Partidos sem muita estrutura evitam entrar na disputa para no desperdiarem tempo e dinheiro, pois sabem que tm poucas chances de xito.

    Ento acontece no Brasil, devido ao sistema de representao proporcional utilizado por aqui, algo que dificilmente ocorrer nos Estados Unidos: a representao poltica de partidos pequenos. Por qu? Porque nosso sistema tende a dar as cadeiras em disputa de maneira proporcional aos votos dos partidos. Em outras palavras: se um partido obteve 10 % dos votos, ele tender a ter 10% das vagas na Cmara dos Deputados, e assim por diante. Nos Estados Unidos, um partido que obtm 10% dos votos em determinada eleio fica sem cadeira alguma. Mas os candidatos mais votados so os eleitos no Brasil? No necessariamente.

    As 513 cadeiras da Cmara dos Deputados do Brasil so distribudas entre partidos e coligaes. Quando votamos em um candidato, escolhemos um representante dentro de

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    uma lista apresentada pelo partido/coligao. Ele s ser eleito se estiver em um partido que consiga ultrapassar o quociente eleitoral (nmero de votos vlidos dividido pelo nmero de cadeiras em disputa) e se ele obtiver melhor votao do que a maioria de seus colegas. Suponhamos uma eleio em que o quociente eleitoral seja 80 mil votos. O partido X, de Joo da Silva, conseguiu 240 mil votos no total (somando os votos dados na legenda e em todos os candidatos do partido X). Ou seja, 3 vezes o quociente eleitoral: tem direito, portanto, a 3 cadeiras no Legislativo. Joo da Silva foi o segundo mais votado do partido, com 50 mil votos. Ele ser, portanto, um dos eleitos. Se ele tivesse sido o quarto mais votado do partido, no teria direito a uma vaga.

    O sistema eleitoral brasileiro de lista aberta. Isso significa que quem escolhe a posio de Joo da Silva na lista do partido X o eleitor, e no o partido. Se o sistema fosse de lista fechada, a ordem dos concorrentes seria definida em uma conveno partidria. Assim, se Joo da Silva fosse o principal dirigente (ou amigo dos principais dirigentes...) do partido X, provavelmente ocuparia o primeiro lugar na lista - e no haveria votao em candidatos individuais, pois em sistemas de lista fechada s permitido o voto na legenda. Nosso sistema eleitoral permite grande liberdade ao eleitor.

    Como explicar, ento, que um candidato bem votado no seja eleito? Vamos pegar dois exemplos extremos: primeiro um candidato bem votado que no se elegeu, e depois alguns candidatos que se elegeram com pouqussimos votos. O poltico matogrossense Dante de Oliveira costuma ser lembrado pela emenda constitucional que levava seu nome e implementaria eleies diretas para presidente da Repblica em 1985. Fracassou. O que poucos sabem que Dante de Oliveira tentou se eleger deputado federal pelo PDT em Mato Grosso em 1990. Obteve 49.886 votos. A maior votao do estado. No entanto, seu partido conseguiu, ao todo, 69.216 votos. O quociente eleitoral naquela eleio foi cerca de 90 mil votos. O PDT, portanto, ficou sem representao. Dante de Oliveira, o mais votado, sem cadeira. Injustia procedimental!

    O extremo oposto ocorreu com o Prona, partido do histrinico Enas Carneiro, em 2002. Trs vezes candidato presidncia da Repblica, com campanhas de altssima visibilidade, Enas obteve 1 milho e 573 mil votos. Ultrapassou por muito o quociente eleitoral daquela eleio: 280 mil votos. O Prona, portanto, teve direito a seis vagas na Cmara dos Deputados. Elegeram-se, assim, os ilustres desconhecidos Amauri Robledo Gasques (18.417 votos), Irapuan Teixeira (673 votos), Elimar Mximo Damasceno (484 votos), Ildeu Arajo (382 votos) e Vanderlei Assis de Souza (275 votos). Entre os derrotados de outros partidos, tivemos seis candidatos com mais de 100 mil votos, seis com mais de 80 mil votos, e cinco com mais de 70 mil votos. Como se v, nem sempre quem tem mais votos vence...

    O deputado sem voto

    Um candidato a deputado federal obtm 3.775 votos e outro candidato, seu colega de partido, no recebe votos porque se encontrava fora do estado na poca da eleio. Qual dos dois foi eleito? Quem tentar seguir alguma lgica fracassar: ambos os candidatos foram eleitos deputados. Isso mesmo: um deputado que obteve ZERO votos! Foi este o caso de Hermelindo Castelo Branco, candidato a deputado federal no Acre pelo Partido Social Democrtico (PSD) em dezembro de 1945, conforme relata o especialista em direito constitucional Walter Costa Porto (professor da Universidade de Braslia) em seu livro A mentirosa urna (Ed. Martins Fontes, 2004). Naquela poca, elegiam-se dois deputados federais pelo Acre. O PSD apresentou dois candidatos apenas e foi o partido

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    que obteve mais votos. No total, os eleitores do Acre registraram 5.359 votos vlidos. A quem caberiam as cadeiras? Isso determinado pelo quociente eleitoral, que nada mais do que o mnimo de votos necessrio para que um partido eleja um candidato. O quociente medido atravs da diviso do nmero de votos vlidos pela quantidade de cadeiras legislativas em disputa. Partidos com votao inferior ao quociente ficam excludos da representao poltica no Legislativo. No caso do Acre em 1945, o quociente eleitoral foi de 2.698 votos (5.359/2). A lei eleitoral da poca dizia que, no caso de haver sobras de votos, a cadeira remanescente iria para o partido mais votado. Foi isso que aconteceu com o PSD. Hugo Carneiro, o candidato mais votado, conseguiu 3.775 votos. Ou seja: o necessrio para o quociente + 1.077 votos. Com isso, Hermelindo Castelo Branco foi o beneficiado. Assumiu vaga na Cmara dos Deputados sem obter um nico voto. Aps esse desastre para a representao, a lei eleitoral foi mudada. Passou-se a destinar as vagas remanescentes aos partidos/coligaes que apresentarem as maiores mdias de votao.

    O presidente que foi vice nas urnas

    Responda rpido: um candidato presidncia norte-americana que consegue 51 milhes e 3 mil votos tem mais chance de ser eleito do que um que obtm 50 milhes e 460 mil sufrgios? Graas ao complicadssimo sistema eleitoral para eleies presidenciais nos Estados Unidos, depende! Essa diferena de cerca de 500 mil votos do primeiro para o segundo colocado ocorreu em 2000, quando disputaram Al Gore (Partido Democrata) e George W. Bush (Partido Republicano). O candidato democrata venceu o republicano no voto popular. Mas no no voto do colgio eleitoral. Quando um americano qualquer vai s urnas para escolher o presidente, ele sabe quem so os candidatos disputando o cargo. Mas no vota diretamente nem em Gore nem em Bush: vota em um representante ou do partido democrata ou do partido republicano. E, aps as eleies, esses representantes estaduais (chamados delegados) se renem em Washington D.C. e votam formalmente para eleger o presidente. O colgio eleitoral composto por 538 delegados, pois cada um dos 50 estados (mais o distrito de Washington D.C.) tem direito ao nmero de delegados equivalente ao nmero de deputados federais e senadores que o representam. A maioria necessria para eleger o presidente 270 votos no colgio eleitoral.

    Qual a caracterstica do sistema que permite que um candidato com menos votos populares vena no colgio eleitoral e se eleja presidente? O fato de que, em 48 dos 50 estados, o candidato que conseguir 50%+1 dos votos da populao leva TODOS os votos do colgio eleitoral naquele estado: ou seja, 100%! o sistema do vencedor-leva-tudo. Vamos supor que o candidato Bush tenha conseguido, na Califrnia, 1 milho de votos contra 900 mil votos do seu oponente, Al Gore. (So nmeros fictcios!) Uma diferena de 100 mil votos: Bush teria obtido 52.6% dos votos populares, mas levaria todos os 55 votos do colgio eleitoral pois conseguiu maioria no estado. S nos pequenos estados de Maine e Nebraska no funciona assim. E esses 55 delegados californianos no teriam, necessariamente, que votar no Bush, mas assim o fazem por respeito s regras constitucionais vigentes no pas. (No caso da Carolina do Norte, tambm ajuda o fato de que o delegado infiel multado em 10 mil dlares.) Em 2000, Bush ganhou em 30 estados e Gore foi o vencedor em 20, com populao em mdia maior do que os que Bush venceu. Graas a uma suposta fraude ocorrida no estado da Flrida, estado ento governado pelo irmo de George W. Bush, o candidato republicano obteve os 27 votos do colgio eleitoral daquele estado e sagrou-se vencedor. Foi a quarta vez na histria norte-americana que o presidente eleito ficou em segundo lugar na preferncia popular. A ltima vez havia sido em 1888.

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    Relacionamento Executivo e legislativo no Brasil

    Simone DinizDoutora em Cincia Poltica pela USP

    Professora de Poltica da Universidade Federal de So Carlos

    Apalestra tem por objetivo apresentar como a cincia poltica brasileira tem analisado a relao entre os poderes Executivo e Legislativo, na esfera federal, ps Constituio de 1988. Perguntas que orientam as anlises:

    1. quo concentrado ou disperso est o poder governamental para tomar decises?

    2. qual a efetiva capacidade do governo para tomar decises?

    3. o que de fato gera cooperao dos parlamentares com as lideranas partidrias, e em ltima anlise com o Executivo?

    4. A estrutura institucional do presidencialismo condiciona de forma fixa o comportamento dos atores polticos, ou ficamos na dependncia das habilidades individuais do ocupante do cargo de presidente?

    A palestra est organizada da seguinte forma:

    Apresentao da anlise realizada por Juan Linz Parlamentarismo ou Presidencialismo: Faz Alguma Diferena?;

    Discusso da definio de presidencialismo;

    A especificidade do presidencialismo latino-americano

    O Presidencialismo no Brasil

    No ltimo tpico ser abordado:

    os poderes institucionais do Presidente da Repblica no Brasil em perspectiva comparada (1946-1964 e ps 1988)

    o debate sobre os poderes constitucionais da presidncia no decorrer da Assemblia Nacional Constituinte

    o debate acadmico contemporneo sobre os termos em que se d a relao entre os Poderes Executivo e Legislativo.

    O debate sobre a relao entre os poderes pode ser agrupada em torno de trs grandes temas:

    1- Disperso do Poder Decisrio e Problemas de Governabilidade

    Indica que o Brasil tem um desenho institucional de baixa eficcia quanto deciso

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    de poltica;

    O poder est disperso, combinando alta fragmentao partidria com baixa disciplina dos partidos na arena parlamentar isto , dificuldade para a tomada de deciso;

    Partidos so sensveis s demandas locais;

    As coalizes so instveis, mantm e reproduzem o conflito;

    Para governar usa-se MPs e as reformas constitucionais custam muito;

    O congresso o universo do parlamentar individual. Deputados trocam apoio por recursos oramentrios;

    O QUE GERA A COOPERAO? poltica clientelstica ou poltica distributiva.

    2- Concentrao de Poder Decisrio e Ingovernabilidade

    Prevalece uma pauta conflitiva na interao dos poderes, s que para superar os riscos extremos de paralisia decisria o presidente se vales das prerrogativas que desfruta;

    O presidente concentra poder, excluindo outros atores do processo decisrio.

    Esta uma soluo temporria. Mais cedo ou mais tarde os excludos servem ao presidente o prato frio da vingana. O resultado ingovernabilidade.

    3- Concentrao de Poder Decisrio e Governabilidade

    No h conflito estrutural insolvel.

    O congresso no visto como um ator que limita a ao governamental

    O pas governvel, tendo como eixo a concentrao de poder sobre uma base essencialmente institucional:

    formao de coalizo

    uso de mecanismos para forar a cooperao

    As regras neutralizam os efeitos da legislao eleitoral.

    Os poderes do presidente foram a cooperao.

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    lobby e Democracia no Brasil

    Wagner Pralon MancusoDoutor em Cincia Poltica

    Professor do curso de gesto de polticas pblicas da USP

    Oconjunto de decises polticas capazes de interferir sobre a atividade de qualquer ator social muito abrangente. De fato, a atividade dos atores sociais regida por uma mirade de decises tomadas por indivduos que ocupam posies de autoridade nos poderes executivo, legislativo e judicirio em mbito local, estadual e federal. A percepo de que as decises tomadas nestas instncias so relevantes para o desempenho de suas atividades o motivo que leva os atores sociais a desenvolverem aes polticas durante os processos decisrios, com a inteno de promover os seus interesses. A palavra lobby, de origem inglesa, foi incorporada ao nosso vocabulrio justamente para designar todas estas aes polticas de defesa de interesses.

    Neste artigo focalizo o lobby que realizado sem violar as leis do pas. Esta ressalva importante, porque a interao dos atores sociais com os atores do poder pblico durante processos decisrios pode assumir uma forma degenerada, criminosa a corrupo. o que ocorre quando est em jogo a obteno de vantagens ilcitas para ambas as partes; por exemplo, quando atores sociais oferecem dinheiro e/ou outros benefcios aos tomadores de deciso, em troca de diversos tipos de recompensas ilegais. Naturalmente, detectar e investigar os episdios de corrupo, assim como punir os culpados, so atitudes da maior importncia para a defesa do interesse pblico. A mdia brasileira tem oferecido uma contribuio muito valiosa neste sentido, ao denunciar e acompanhar diariamente numerosos eventos de corrupo. Este artigo, no entanto, destaca a parcela do lobby que no feita de forma ilegal. Esta parte do lobby tambm um objeto importante para a anlise poltica. Alm disso, como irei argumentar em seguida, esta parcela das atividades de defesa de interesses pode e deve ser submetida a mecanismos que a tornem mais transparente e acessvel aos diversos segmentos sociais portanto, que a tornem mais compatvel com valores democrticos.

    Mais especificamente, quero destacar neste artigo o lobby realizado pelos atores sociais durante a produo legislativa de nvel federal. O lobby, ou presso poltica em defesa de determinado interesse, geralmente a ao em que culmina todo um processo de envolvimento do ator social com a produo legislativa, processo cujas etapas anteriores so o monitoramento dos projetos apresentados, a anlise tcnica das propostas e a tomada de posio diante das proposies mais relevantes.

    A produo legislativa de nvel federal se desdobra em diferentes estgios:

    (i) a formulao das proposies analisadas pelo parlamento;

    (ii) a discusso das proposies no mbito das comisses e/ou do plenrio da Cmara dos Deputados, do Senado Federal, ou do Congresso Nacional;

    (iii) a votao das proposies discutidas;

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    (iv) o pronunciamento do presidente da repblica sobre o texto aprovado2 ; e

    (v) a votao dos parlamentares sobre vetos eventualmente interpostos pelo presidente. O lobby pode ocorrer em qualquer um destes estgios da produo legislativa.

    Por exemplo, o lobby remonta ao estgio em que a proposio est sendo formulada. O lobby neste estgio precoce da produo legislativa acontece de muitas maneiras. H casos em que os atores sociais so oficialmente convidados a participar de colegiados que iro preparar anteprojetos de lei, que posteriormente sero apresentados por parlamentares ou pelo poder executivo. Tambm h casos em que o autor de uma proposta, ciente do impacto daquela proposta sobre determinado segmento social, toma a iniciativa de ouvir os representantes daquele segmento antes de definir o contedo final do projeto. H casos ainda em que os parlamentares so ligados a certos grupos de interesse, e optam por adotar projetos elaborados pelo corpo tcnico daqueles grupos. Em todos esses casos, os interesses do ator social so promovidos antes mesmo que se inicie a tramitao da proposio legislativa.

    O lobby tambm ocorre nos estgios de discusso e votao das proposies legislativas, seja nas comisses, seja no plenrio.

    De fato, uma parte significativa do trabalho legislativo realizada nas comisses da Cmara dos Deputados, do Senado Federal e nas comisses mistas. Naturalmente, grande parte do lobby dirigida para este frum. No espao das comisses, o lobby freqentemente acontece em eventos tais como audincias pblicas, seminrios e reunies de trabalho, que so convocados para proporcionar aos representantes de um segmento social a oportunidade de ficar face a face com os tomadores de deciso, debater com eles a proposio legislativa em anlise e manifestar, diante deles, as suas demandas. Contudo, o lobby no nvel das comisses no se restringe aos eventos de carter oficial. Em inmeras situaes, a iniciativa do contato no tomada pelos parlamentares, mas pelos prprios atores sociais. O relator do projeto na comisso usualmente torna-se o alvo privilegiado do lobby, enquanto no conclui seu parecer. A idia garantir de antemo que o contedo do parecer do relator espelhe os interesses do ator social. Aps a apresentao do parecer, o foco do lobby se desloca para os membros da comisso em geral, para que eles aprovem, rejeitem ou modifiquem o parecer do relator, em funo dos interesses defendidos.

    O trabalho de presso poltica continua quando as proposies tramitam no plenrio da Cmara