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1 Aula Nº 14 – 11/12/2006 Biopatologia Introdução à patologia inflamatória do rim 12 páginas Introdução No rim temos vários tipos de doenças: Doenças glomerulares Doenças túbulo-intesticiais (Em regra, o processo inflamatório envolve o túbulo e o interstício) Doenças Vasculares (Mas não vamos falar delas hoje...) As doenças glomerulares e túbulo-intersticiais estão interligadas. Esta separação é um pouco falsa, porque quando há atingimento glomerular crónico pode haver alterações dos túbulos e fibrose intersticial. A própria proteinúria, de causa glomerular, pode danificar o epitélio tubular. Portanto há uma relação estrita entre estes eventos. Ora bem, os glomérulos podem ser lesionados no decurso de várias doenças sistémicas: Doenças imunológicas/auto-imunes (LES) Doenças vasculares (HTA – geralmente sustentada; Vaculites) Doenças metabólicas (Diabetes Mellitus) Doenças hereditárias (Síndrome de Alport) Neste contexto, de doenças sistémicas, nós chamamos glomerulonefrites secundárias. Quando não há doenças sistémicas, os glomérulos são alvo de doenças inflamatórias chamadas glomerulonefrites primárias. Temos vários síndromes renais, ou glomerulares – (destacam-se dois grandes síndromes, os dois primeiros): Síndrome nefrítica aguda (SNA) Síndrome nefrótica Glomerulonefrite rapidamente progressiva Insuficiência Renal Crónica (IRA) Hematúria/Proteinúria assintomática A SNA apresenta hematúria, proteinúria, oligúria, azotemia, edema, Hipertensão arterial e subida da creatinina. Da progressão destas características podemos ter um Glomerulonofrite (GN) rapidamente progressiva – Uma Nefrite aguda, com proteinúria e Insuficência Renal Aguda (IRA) A outra grande síndrome, a Síndrome Nefrótica tem proteínas na urina, mas numa quantidade superior a 3,5 gramas por dia. Esta proteinúria tem como consequência hipoalbuminemia. Por outro lado, há perda de Lipoproteinas na urina – Lipidúria – e aumento da sua síntese hepática – Hiperlipidemia.

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Aula Nº 14 – 11/12/2006 Biopatologia

Introdução à patologia inflamatória do rim

12 páginas

Introdução No rim temos vários tipos de doenças:

• Doenças glomerulares • Doenças túbulo-intesticiais (Em regra, o processo inflamatório

envolve o túbulo e o interstício) • Doenças Vasculares (Mas não vamos falar delas hoje...)

As doenças glomerulares e túbulo-intersticiais estão interligadas. Esta

separação é um pouco falsa, porque quando há atingimento glomerular crónico pode haver alterações dos túbulos e fibrose intersticial. A própria proteinúria, de causa glomerular, pode danificar o epitélio tubular. Portanto há uma relação estrita entre estes eventos.

Ora bem, os glomérulos podem ser lesionados no decurso de várias doenças

sistémicas: • Doenças imunológicas/auto-imunes (LES) • Doenças vasculares (HTA – geralmente sustentada; Vaculites) • Doenças metabólicas (Diabetes Mellitus) • Doenças hereditárias (Síndrome de Alport)

Neste contexto, de doenças sistémicas, nós chamamos glomerulonefrites

secundárias. Quando não há doenças sistémicas, os glomérulos são alvo de doenças inflamatórias chamadas glomerulonefrites primárias.

Temos vários síndromes renais, ou glomerulares – (destacam-se dois

grandes síndromes, os dois primeiros): • Síndrome nefrítica aguda (SNA)

• Síndrome nefrótica

• Glomerulonefrite rapidamente progressiva

• Insuficiência Renal Crónica (IRA)

• Hematúria/Proteinúria assintomática

A SNA apresenta hematúria, proteinúria, oligúria, azotemia, edema, Hipertensão arterial e subida da creatinina. Da progressão destas características podemos ter um Glomerulonofrite (GN) rapidamente progressiva – Uma Nefrite aguda, com proteinúria e Insuficência Renal Aguda (IRA)

A outra grande síndrome, a Síndrome Nefrótica tem proteínas na urina, mas numa quantidade superior a 3,5 gramas por dia. Esta proteinúria tem como consequência hipoalbuminemia. Por outro lado, há perda de Lipoproteinas na urina – Lipidúria – e aumento da sua síntese hepática – Hiperlipidemia.

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Uma outra Síndrome, a Insuficiência Renal Crónica (IRC), em que a azotemia evolui para uremia ao longo dos anos (mais de 10 anos). Se o doente não é tratado – diálise – acaba por falecer.

Ainda outro síndrome, a Hematúria, que pode ser sintomática, ou pode ser

uma proteinúria assintomática. A proteinúria nestes casos é sempre sub-nefrótica (ligeira).

Aqui temos as doenças e as suas manifestações mais comuns

Doença glomerular Manifestação clínica mais frequente

• GN pós-estreptocócica Síndrome nefrítica

• S. de Goodpsture GN rapidamente progressiva/IRA (instalação rápida)

• Glomerulonefrite membranosa

Síndrome nefrótica

• Lesões mínimas Síndrome nefrótica • Glomeruloesclerose focal e

segmentar Síndrome nefrótica ou proteinúria subnefrótica

• GN membrano-proliferativa • Tipo I Síndrome nefrótica • Tipo II Hematúria/IRC

• Nefropatia por IgA Hematúria recorrente e/ou proteinúria (ligeiramente subnefrótica)

• GN crónica IRC Dentro das Glomerulopatias nefróticas, vamos ver a:

1. Glomerulopatia membranosa 2. GN membrano-proliferativa

Glomerulopatia Membranosa

A Glomerulopatia membranosa (a causa mais frequente de S. Nefrótica no

adulto), apresenta-se clinicamente como uma Síndrome nefrótica de doentes com proteinúria superior a 3,5 gramas por dia e Hipoalbuminemia, albuminúria, lipidúria, edemas e tem 2 formas:

• Idiopática: Doença auto-imune causada por anticorpos dirigidos a um auto-antigénio renal

• Secundária: 20 a 40% dos casos – os antigénios podem ser endógenos ou exógenos

Quanto à forma secundário, quais são as condições associadas? – Nestes

casos os antigénios são conhecidos: 1. Doenças auto-imunes (LES, Artrite reumatóide, S. de Sjögren,

Doença de Crohn, outras...) 2. Doenças infecciosas (Hepatites B e C, Sífilis, Schistossomiase,

outras...) – antigénios são exógenos 3. Fármacos (Sais de ouro, penincilina, captopril, etc...) – com

capacidade de despertar uma resposta imune

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4. Neoplasias (Carcinomas, Melanoma, Linfoma)

5. Outros – Sarcoidose, Anemia falciforme, Doença de Castleman

Vejam agora esta Histologia da GN membranosa

(Há quem lhe chame Glomerulopatia para distinguir da GN dado que aqui não temos um infiltrado celular. Não há infiltração de células).

O que há é um espessamento hialino das paredes capilares. Um espessamento uniforme e difuso.

Em ME o que se vê são depósitos electrodensos

subepiteliais. Estes depósitos estão em contacto íntimo com as células epiteliais viscerais e dão alteração da função e permeabilidade desta membrana.

Vejam agora esta imunoflurescência. Os

depósitos são granulares e há a presença de IgG. Em esquema, aqui os Imunocomplexos

atravessam o Endotélio fenestrado e vão ficar de localização sub-epitelial.

Esta deposição de complexos vai levar a uma activação do complemento com formação do complexo C5a-C9. Vai haver destacamento das células do epitélio visceral da Membrana glomerular e alteração da permeabilidade. Assim há lesão glomerular com aumento de permeabilidade para proteínas plasmáticas e desenvolver uma proteinúria.

Portanto, em resumo, estes glomérulos:

• Não apresentam um aumento significativo de celularidade (há alguns autores que preferem glomerulopatia a GN)

• Espessamento uniforme das ansas capilares • Depósitos densos subepiteliais (em ME) e junção dos pedicelos. Estes

depósitos levam à activação do complemento – Aumento da permeabilidade e proteinúria nefrótica (muito marcada)

Glomerulonefrite Membrano-Proliferativa É uma entidade morfológica, o próprio termo é um termo descritivo.

Temos por um lado proliferação de células mesangiais e endoteliais e por vezes infiltrado de Polimorfonucleares. Temos espessamento das ansas

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capilares por interposição mesangial (expansão da matriz e células) e duplicação (parcial) da membrana basal.

Como é que é a apresentação clínica? • 2/3 dos doentes apresentam-se com síndrome nefrótica • 1/3 é variável

o Mista (nefrítica e nefrótica) o Nefrítica aguda (como vimos na GN pós-estreptocócica) o Proteinúria subnefrótica o Hematúria macroscópica (episódios recorrentes)

Na maioria dos casos estas alterações glomerulares ocorrem em resposta à deposição de complexos imunes nas ansas capilares.

Também aqui temos: • Forma primária/idiopática – antigénio é desconhecido • Forma secundária – doenças associadas são muitas:

o Infecciosas – Hepatite B, Malária, etc... o Doenças auto-imunes – LES, Artrite reumatóide o Etc...

Com base em estudos de ME e Imunofluorescência (IF) podemos classificar

a GN membrano proliferativa em 2 tipos: • Tipo 1 – Grande maioria dos casos

o Identificamos na ME depósitos subendoteliais o E na IF depósitos granulares de C3, IgG e às vezes também C4 o Patogénese: Evidência de complexos imunes e activação de

complemento • Tipo 2 – Mais rara

o Depósitos intra-membranares, isto é, na lâmina densa – esta é uma doença que também se chama Doença dos depósitos densos.

o Presença de C3 (via IF), granular ou linear, não nos depósitos. Está a laqueá-los e está muitas vezes no mesângio

o Patogénese: Maioria dos doentes apresenta alterações que sugerem a activação da via alternativa do complemento. Em cerca de 70% dos doentes é possível detectar no sangue um auto-anticorpo que se chama “factor C3 nefrítico” (C3NeF), este auto-anticorpo tem a capacidade de se ligar à convertase do C3 e destabilizá-lo.

Vemos um glomérulo volumoso com aumento da sua

celularidade. Aumento de células mesangiais, também de células endoteliais e há aqui Polimorfonucleares Vejam que as ansas capilares têm o lúmen muito estreito devido à expansão do mesângio e interposição na membrana basal.

E já na coloração pela prata, vemos que a MB adquire este contorno, semelhante a uma linha de cabo eléctrica dupla, devido à hiper-deposição de células mesangiais entre a membrana basal

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Em IF dizemos que há depósitos lineares ou granulares, por exemplo, e na ME vemos aquilo que já víamos pela coloração pela prata, ou seja, nós temos aqui uma ansa capilar. Vejam, que é difícil ver a membrana basal, mas evidencia-se a duplicação (setas). Identificam-se também os depósitos electrodensos subendoteliais (asterisco).

Ou seja, as células mesangiais, e matriz mesangial, entraram por aqui dentro e geraram duplicação desta membrana basal.

GN membranoproliferativa tipo 2, o que é que se

passa? [3 imagens mais inferiores] De novo um glomérulo com hipercelularidade, mas é

uma hipercelularidade moderada, vemos que há um aumento do número de células mesangiais, vemos também que há um espessamento das ansas capilares considerável.

Vamos ver em ME e IF. Cá está, o C3. Temos depósitos granulares do C3 no mesângio e que às vezes formam uma configuração anelar muito típica – os tais anéis de C3.

E na ME, temos os tais depósitos densos no mesângio. O lúmen capilar é muito estreito e agora temos aqui a MB com depósitos em banda (seta branca) e também depósitos anelares no mesângio.

Toda esta dinâmica, pode-se apresentar de forma

clínica variável. O mais frequente é síndrome nefrótico, pode também ser mista ou desenvolver uma hematúria ou proteinúria subnefrótica.

O que é que acontece com estas glomerulonefrites,

como é que elas evoluem?

Vimos que a GN pós-estreptocócia, claro que tende a ser resolver, os depósitos são reabsorvidos e o glomérulo volta a adquirir a sua arquitectura normal e a função renal. Já não acontece isto na GN rapidamente progressiva em que há destruição rápida do glomérulo. A GN membranosa é também variável; há casos que respondem ao tratamento, há casos que não.

Glomerulonefrite Crónica Estes vão evoluindo, ao longo de anos, para uma situação terminal que é a

glomerulonefrite crónica. Vejam que é principalmente esta GN rapidamente progressiva, a Glomeruloesclerosa focal e segmentar e a GN membrano-proliferativa que têm mais probabilidades de evoluir para glomerulonefrite crónica.

*

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O que é a GN crónica? Os rins, são chamados rins do tipo “end-stage”. São rins:

• Com atrofia simétrica; • O córtex tem diminuição

da espessura; • Apresenta glomérulos

esclerosados ou hialinizados. Isto significa o quê? Que há matriz mesangial em excesso, há deposição de colagénio e proteínas plasmáticas que ficaram retidas.

• Espessamento das artérias e arteríolas – claro que vocês sabem que esta situação cursa com HTA e a HTA crónica ou sustentada induz alterações nas paredes dos vasos; alterações proliferativas.

• Atrofia tubular • Fibrose intersticial e infiltrado inflamatório linfo-plasmocitário.

Temos, um doente com insuficiência renal

crónica (IRC), com hipertensão arterial. Esta situação vai progredir durante 10 ou mais anos de forma variável; com manifestação de uremia (aumento marcado de ureia e creatinina) e eventualmente para a morte. A uremia pode levar a certas complicações extra-renais: Pericardite urémica, pneumonite urémica, etc...

Estes doentes têm de obrigatoriamente fazer diálise, senão vão ter complicações muito graves, ou um transplante renal. A diálise permite um aumento considerável da sobrevida destes doentes.

Esta coloração é um tricrómio de Masson que

permite salientar a azul a fibrose. E vejam, tudo isto são glomérulos esclerosados. Há aqui muito tecido fibroso. Aqui este (asterisco) ainda está conservado mas há fibrose periglomerular (seta).

Vejam que há atrofia dos túbulos, infiltrado inflamatório no interstício mononuclear, e aqui mais uma arteríola (ponta de seta) com espessamento da parede e redução do lúmen vascular.

Vamos ainda ver outro detalhe. Aquilo são túbulos atróficos com material proteinaceo – cilindros hialinos. Fibrose interticial extensa e infiltrado inflamatório.

HTA + IRC

Uremia

Morte

Pro

gre

ssão variável

10 ou mais anos

*

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Patologia tubulo-intersticial Depois de descrever estes 2 grandes síndromes: nefrítico e nefrótico,

vamos ver agora patologia tubular e intesticial. Temos: 1. Doenças dos túbulos renais – doença atinge sobretudo o epitélio

dos túbulos renais, poupa o interstício 2. Nefrites tubulo-intersticiais infecciosas 3. Nefrites tubulo-intersticiais não infecciosas

Doenças dos túbulos renais Temos assim 3 grandes grupos. Vamos ver primeiro doenças dos túbulos

renais. Nestes temos 2 grupos de processos, um isquémico e o outro tóxico. Ambos podem levar a necrose tubular aguda que se manifesta clinicamente como insuficiência renal aguda (IRA).

O que é a necrose tubular aguda? É uma entidade clínico-morfológica, em

que há destruição das células do epitélio e há diminuição aguda ou mesmo perda da função renal, tem oligúria, HTA, ou mesmo anúria. E esta é a causa mais frequente de IRA. 50% das situações de NTA são devidas a processos isquémicos geralmente associados com:

• perfusão renal inadequada – o doente tem uma pancreatite aguda, ou teve um enfarte de miocárdio, tem hipotensão, tem um choque hipovolémico, o rim deixa de ser irrigado, a pressão renal baixa abruptamente e há NTA. E perguntam vocês, “o que é que se passa com os glomérulos?”. Os glomérulos são muito mais resistentes à isquemia. Conseguem sobreviver muito mais tempo do que os túbulos.

• HTA maligna – Como viram, aquelas artérias espessadíssimas, e com diminuição do calibre e portanto há redução do fluxo urinário e redução da perfusão renal

• Vasculites e outras lesões que destruam as paredes dos vasos, como por exemplo a PAN

• Outras situações Menos frequente a toxicidade directa sobre os túbulos renais,

nefrotoxicidade (35%) e ainda outras situações (15%). As nefrotoxinas podem ser :

• Endógenas – Mieloma Múltiplo em que há excesso de produção de cadeias leves de Ig. Quando há traumatismos musculares graves e extensos com rabdomiólise, a mioglobina é tóxica. Em situações de

2 grupos de processos

Isquémico Tóxico Necrose tubular aguda (NTA)

Insuficiência Renal Aguda

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transfusão sanguínea a Hb e pigmentos do ferro também podem ser tóxicos.

• Exógenas – Vale a pena salientar os aminoglicosídeos, como a gentamicina. Agentes de contraste radiológico. Pergunta-se ao doente se ele tem problemas de rim, porque devido à toxicidade renal destes agentes é preciso muita cautela. Citostáticos e outros agentes utilizados no tratamento de cancro.

Como é que isto acontece? Quer a isquemia, quer as nefrotoxinas vão lesar

o epitélio tubular (1), vai haver vasoconstrição, ou seja, há activação do eixo renina-angiotensina, produção de endotelina e outros vasoconstritores e diminuição da PGI2 e do NO que são vasodilatadores.

Depois, com a destruição dos túbulos, as células epiteliais necrosadas descamam para dentro do túbulo (2). Por outro lado, se os túbulos não estão a funcionar, o filtrado glomerular vai fugir para o interstício que vai fazer edema. Vão aumentar a pressão intratubular.

Todos estes factores vão condicionar uma diminuição muito marcada da taxa de filtração glomerular que vai levar a oligúria ou anúria.

Aa Necrose tubular aguda por razões isquémicas apresenta-se com:

• Necrose tubular em múltiplos focos ao longo do nefrónio; • “Skip areas” presentes – áreas poupadas • Ruptura da membrana basal tubular – tubulorréxis –

importante depois para a regeneração. Desde que a membrana basal esteja integra é possível a regeneração das células do epitélio tubular.

• Oclusão do lúmen tubular por cilindros (subretudo nos túbulos contornados distais)

o Cilindros hialinos o Cilindros granulares – aglomerados de glicoproteinas

tubulares, proteínas de Tamm-Horsfall, são proteínas

Isquemia Nefrotoxinas

Lesão tubular (túbulo proximal e porção espessa ascendente)

Vasoconstrição Renina-angiotensina Endotelina ↓ PGI2 ↓ NO

Obstrução por cilindros (células descamadas)

Bloqueio tubular

Pressão intratubular

↓ GFR Oligúria Efeito glomerular directo

(1) (2) (2)

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secretadas pelo epitélio tubular. E outras, Hb, Mioglobina, etc...

Na Necrose tubular aguda de índole tóxica é sobretudo o túbulo

contornado proximal que vai necrosar. Vamos ver em esquema, No tipo isquémico, a necrose é

multifocal e tem áreas poupadas, que estão em branco. Vejam que a necrose ocorre no Túbulo contornado proximal e também no segmento ascendente da Ansa de Henle.

No tipo tóxico é sobretudo o tubo contornado proximal que está necrosado. As toxinas ao serem filtradas/secretadas vão destruir esta porção e vão depois poupar a porção distal da Ansa de Henle.

Esta macroscopia é um rim edemaciado e ao corte vemos palidez do córtex e uma congestão muito acentuada da medular. Portanto há aqui uma transição cortico-medular muito nítida. Chama-se a isto rins de choque.

Na histologia, tudo isto são túbulos e dentro dos

túbulos há os tais cilindros granulares (ver acima a constituição). Vejam o edema no interstício e o infiltrado inflamatório também embora pouco exuberante.

Aqui um caso de nefropatia tóxica secundária à

utilização de aminoglicosídeos. Já não se vêem as células do epitélio tubular. As células descolaram e caíram para dentro do lúmen tubular.

Como disse, é possível haver regeneração. Se

for identificada a causa, por exemplo aminoglicosídeos, tem de ser parada imediatamente a medicação e substituída por outra, para permitir a regeneração do epitélio tubular. Vejam, há aqui uma arquitectura muito estranha (acreditem que ela existe na figura), com células apresentando atipia, que representa a atipia da regeneração. É uma lesão que pode ser reversível.

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Patologia tubulo-intersticial infecciosa Temos a pielonefrite aguda que pode ser bacteriana (a mais frequente),

vírica ou fúngica. E temos 2 grandes vias: Via ascendente (a mais frequente). Estas

infeccções são predispostas por: • Situações de cateterismo da bexiga,

instrumentação • Situações que envolvam estase vesical

(como a Hiperplasia nodular da prostata, tumores, cálculos, bexiga neurogénica – disfunções do SNA como, por exemplo, na Diabetes Mellitus)

• Refluxo vesico-ureteral por alterações anatómicas

Na via hematogénea podemos ter situações de: • Sépsis – bactérias na corrente sanguínea

que vão infectar o rim • Endocardite bacteriana

Este esquema é do Robbins. Quais são os

agentes mais frequentes? São as enterobacteriaceas, bactérias que habitam normalmente o cólon. A mais frequente é a E. coli mas temos outras. O Proteus também muitas vezes se associa com uma pielonefrite crónica do tipo xantogranulomatoso. Há uma infecção da bexiga, e há alterações do esfíncter vesico-ureteral, e depois também um refluxo intrarenal.

Na hematogenea, os agentes mais frequentes os Staphylococcus e também a E. coli. Há bacteremia e atingimento do rim com múltiplos focos.

Vejam um rim, com muita congestão e edema e

depois múltiplas áreas de supuração ou abcedação. Vejam, todo este parênquima renal está como que uma sementeira. Bactérias que vieram por via ascendente e desencadearam uma inflamação aguda supurativa. Todas estas áreas amareladas são colecções de pus.

Na histologia o que temos é isto. Tubos, cheios

de polimorfonucleares necrosados – piócitos. Estas colecções é que formam pus.

Na pielonefrite aguda nós podemos ter 3

grandes tipos de complicações: • Papilite necrosante – que acontece em doentes imunodeprimidos

assim como diabéticos.

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• Pionefrose – quando a drenagem purulenta não pode ser feita, ocorre acumulação na arvore pielocalicial de grande quantidade de pus

• Abcesso perinéfrico – atingimento dos tecidos peri-renais com formação de um abcesso peri-renal. Destruição da cápsula renal e de todos aqueles tecidos.

Vejam aqui imagens de necrose papilar. As

papilas renais estão aqui com estas áreas esbranquiçadas. Isto é muito frequente, ou mais frequente, nos diabéticos.

Na pielonefrite crónica, nós temos uma

inflamação tubulo-intersticial crónica, ou seja, linfócitos e plasmócitos, temos cicatrizes corticais, e temos envolvimento dos cálices e da pelve renal no processo inflamatório crónico.

Há 2 variantes, a Forma obstrutiva e a Forma não obstrutiva: Forma obstrutiva:

• Estenose ureteral • Cálculos renais, pelve, pielocaliceais, ureterais, etc • Outras causas, como a fibrose retroperitoneal

Forma não obstrutiva:

• Refluxo vesico-ureteral – assume um papel muito importante e prende-se com a estrutura da parede da bexiga. Quando a bexiga se contrai, não há oclusão do uréter

• Refluxo intra-renal Vejam aqui, glomerulos esclerosados, túbulos

atróficos, fibrose intersticial, espessamento de vasos, e infiltrado inflamatório linfo-plasmocitário.

Aqui temos uma cicatriz, uma área de fibrose

intersticial, com espessamento das arteriolas, fibrose, infiltrado e estes túbulos dilatados com material hialino chama-se pseudo-tiroidização. Aqui há hiperplasia dos túbulos na tentativa de compensar a relativa perda de função.

A pielonefrite crónica xantogranulomatosa, é

uma forma de pielonefrite crónica que muitas vezes se associa a infecção bacteriana por Proteus e em que há áreas de destruição do parênquima renal com acumulação de células macrofágicas.

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Temos, infiltrado de macrófagos, linfócitos, plasmócitos e polimorfonucleares e tem esta cor amarelada (daí o nome xanto). Granulomatoso porque tem a forma de grânulos.

Patologia tubulo-intersticial não infecciosa A nefrite intersticial aguda alergia induzida por fármacos. Uma situação

frequente da clínica, causada sobretudo por estes medicamentos: • Penincilinas sintéticas (principalmente a meticiclina) • AINE’s • Diuréticos • Outros

O que é que acontece? O dente apresenta um conjunto de características,

uma tríade: Pirexia (febre), um rash cutâneo e eosinófilia. Podendo apresentar alterações urinárias. Tem hematúria, uma proteinúria ligeira, tem leucocitúria abacteriana e também pode haver oligúria.

Qual é o mecanismo provável? O fármaco tem secreção tubular normal e

actua como o hapteno, ou seja, tem capacidade de ligação covalente a componentes proteicos citoplasmáticos das células tubulares e torna-se um fármaco imunogénico, capaz de desencadear uma reacção de Hipersensibilidade tipo I, quando há mediação por IgE, ou tipo IV com mediação celular.

Vamos ver uma imagem do que acontece. Aqui é tipo IgE. Temos Edema e infiltrado intersticial por linfócitos, plasmócitos e eosinófilos. E há destruição tubular, claro.

Portanto, vejam uma forma de hipersensibilidade quando temos formação de granulomas epitelióides na biopsia renal do doente estamos perante uma HS tipo IV com células gigantes multinucleadas.

Nunca se esqueçam que, apesar de nós termos dividido estas patologias em

compartimentos glomerulares, tubulo-intersticiais e vasculares, eles estão interligado entre si e podem sempre evoluir para a cronicidade. Se um evolui para a cronicidade, acaba por afectar os restantes e o resultado são rins disfuncionais.

Chegou ao fim a aula mais fraquita do Universo. Em primeiro lugar queria agradecer aos

senhores e senhoras que apoiam as obras que ocorrem na ala nascente do HSJ! SIMPLESMENTE MUITO OBRIGADO. À Ana Penas pelo gravador e à Paula pelos apontamentos que me permitiram perceber minimamente o que o homem dizia (ele e os 3,4 décibeis de voz)...

As imagens foram baseadas nas da aula e tiradas da net, portanto, a probabilidade de serem as mesmas é baixa, mas dá para perceber a ideia (I hope). Ah! E a desgravação está mais ou menos literal (bem... dentro dos possíveis)

Queria apenas deixar uns links que podem ser interessantes (ou não) para quem quiser ver umas glomerulonefritezitas e outras doencitas:

http://pathweb.uchc.edu/ e http://library.med.utah.edu/WebPath/webpath.html

Marcelo Sousa T. 3 (desgrava uma aula, vais ver que não dói nada... E quando a desgravares, lembra-te de a entregares num prazo de 3 semanas)