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Revista SÍNTESE Direito Administrativo ANO XII – Nº 142 – OUTUBRO 2017 REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Tribunal Regional Federal da 1ª Região – 610‑2 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – 1999.02.01.057040‑0 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – 18/2010 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – 07/0042596‑9 Tribunal Regional Federal da 5ª Região – 10/07 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL Milena Sanches T. dos Santos COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Patrícia Rosa da Costa Ruiz CONSELHO EDITORIAL Alexandre de Moraes, Carlos Ari Sundfeld, Fernando Dantas Casillo Gonçalves, Ivan Barbosa Rigolin, Ives Gandra da Silva Martins, Kiyoshi Harada, Maria Garcia, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Misabel de Abreu Machado Derzi, Odete Medauar, Sidney Bittencourt, Toshio Mukai COMITÊ TÉCNICO Elisson Pereira da Costa, Elói Martins Senhoras, Hélio Rios Ferreira, Luís Rodolfo Cruz e Creuz COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Arnaldo Quirino de Almeida, Cândida Alzira Bentes de Magalhães, Carlos Eduardo de Mattos, Cassiano Silva Araujo, Elói Martins Senhoras, Emerson Garcia, Hebner Peres Soares, Roberta Lídice, Tauã Lima Verdan Rangel ISSN 2179-1651

ISSN 2179-1651 Revista SÍNTESE · 2017-10-25 · (UFRR); “Teoria da Reserva do Possível Versus Direito à Saúde: uma Reflexão à Luz do Paradigma da Dignidade da Pessoa Humana”,

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Revista SÍNTESEDireito Administrativo

Ano XII – nº 142 – outubro 2017

reposItórIo AutorIzAdo de JurIsprudêncIATribunal Regional Federal da 1ª Região – 610‑2

Tribunal Regional Federal da 2ª Região – 1999.02.01.057040‑0Tribunal Regional Federal da 3ª Região – 18/2010

Tribunal Regional Federal da 4ª Região – 07/0042596‑9Tribunal Regional Federal da 5ª Região – 10/07

dIretor eXecutIvo

Elton José Donato

Gerente edItorIAl

Milena Sanches T. dos Santos

coordenAdor edItorIAl

Cristiano Basaglia

edItorA

Patrícia Rosa da Costa Ruiz

conselho edItorIAl

Alexandre de Moraes, Carlos Ari Sundfeld, Fernando Dantas Casillo Gonçalves,Ivan Barbosa Rigolin, Ives Gandra da Silva Martins, Kiyoshi Harada, Maria Garcia,

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Misabel de Abreu Machado Derzi,Odete Medauar, Sidney Bittencourt, Toshio Mukai

comItê técnIco

Elisson Pereira da Costa, Elói Martins Senhoras, Hélio Rios Ferreira, Luís Rodolfo Cruz e Creuz

colAborAdores destA edIção

Arnaldo Quirino de Almeida, Cândida Alzira Bentes de Magalhães, Carlos Eduardo de Mattos, Cassiano Silva Araujo, Elói Martins Senhoras, Emerson Garcia, Hebner Peres Soares, Roberta Lídice, Tauã Lima Verdan Rangel

ISSN 2179-1651

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2006 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação mensal de doutrina, jurisprudência, legislação e outros assuntos de Direito Administrativo.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec‑tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e‑mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 5.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista Síntese Direito Administrativo – v. 1, nº 1 (jan. 2006) Nota: Continuação da REVISTA IOB de DIREITO ADMINISTRATIVO

São Paulo: IOB, 2006‑.

v. 12, nº 142; 16 x 23 cm

Mensal ISSN 2179‑1651

1. Direito administrativo.

CDU 342.9 CDD 341.3

Bibliotecária responsável: Helena Maria Maciel CRB 10/851

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.sage.com

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Caros leitores, para compor o Assunto Especial desta edição da Revista SÍNTESE Direito Administrativo escolhemos o tema “A Teoria da Reserva do Possível na Administração Pública”.

Para compor o Assunto Especial contamos com três artigos, quais sejam: “A Aplicação da Reserva do Possível pela Administração Pública Brasileira”, elaborado pelo Dr. Elói Martins Senhoras, Professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR), Especialista, Mestre, Doutor e Pós-Doutor em Ciências Jurídicas, e Dra. Cândida Alzira Bentes de Magalhães, Delegada da Polícia Civil do Esta-do de Roraima, Especialista em Direito Penal e Processo Penal e Mestranda em Desenvolvimento Regional da Amazônia pela Universidade Federal de Roraima (UFRR); “Teoria da Reserva do Possível Versus Direito à Saúde: uma Reflexão à Luz do Paradigma da Dignidade da Pessoa Humana”, elaborado pelo Dr. Tauã Lima Verdan Rangel, Professor Orientador, Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense, Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em So-ciologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (2013-2015), Especialista em Práticas Processuais – Prática Civil, Prática Penal e Pratica Trabalhista pelo Centro Universitário São Camilo-ES (2014-2015), Líder do Grupo de Pesquisa “Direito e Direitos Revisitados: Fundamentalidade e Interdisciplinaridade dos Di-reitos em pauta”, Cassiano Silva Araujo, Discente do Oitavo Período do Curso de Direito do Instituto de Ensino Superior do Espírito Santo (IESES) – Unidade Cacho-eiro de Itapemirim, e Hebner Peres Soares, Discente do Oitavo Período do Curso de Direito do Instituto de Ensino Superior do Espírito Santo (IESES) – Unidade Cachoeiro de Itapemirim; “Da Aplicabilidade da Teoria da Reserva do Possível em Prol dos Direitos e Garantias Fundamentais”, elaborado pela Dra. Roberta Lídice, Advogada atuante nas áreas do Direito Empresarial e Penal (Preventivo/Consultivo), Consultora em Business Intelligence, com MBA em Gestão Pública: Políticas e Gestão Governamental e Especialização em Direito Empresarial. Dire-tora Latin-Iuris/Brasil – Instituto Latinoamericano de Investigación y Capacitación Jurídica (Latin Iuris), Ouvidora, certificada pela Ouvidoria-Geral da União (OGU) e Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), para atuação em Ouvido-ria e Participação Social. (Profoco), Miembro del Comité Editorial de Ediciones Olejnik – Editorial Jurídica Chilena. Autora dos Livros “O Contrato de Adesão Como Instrumento Regulatório nas Relações Consumeristas e Empresariais” e “El Contrato de Adhesión” (Latinoamérica). Coautora do Livro “Ouvidorias de Justiça, Transparência e Lei de Acesso à Informação – Direito de Todos” (Ouvidoria do Conselho Nacional de Justiça – CNJ). Membro Efetivo da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP). Autora e coautora de obras e artigos jurídicos e sociais.

Ainda no Assunto Especial, publicamos também dois acórdãos na íntegra (STF e TRF 1ª R.) além do ementário com valores agregados.

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Na Parte Geral publicamos dois artigos com temas vinculados ao Direi-to Administrativo; o artigo “Improbidade Administrativa: Dever de Eficiência e Escusa de Incompetência”, elaborado pelo Dr. Emerson Garcia; e o artigo “Programa de Integridade (Compliance Program) na Lei Anticorrupção e Culpa-bilidade Empresarial”, elaborado pelo Dr. Arnaldo Quirino de Almeida.

Publicamos, também na Parte Geral, sete acórdãos na íntegra (STJ, TRF 1ª R., TRF 2ª R., TRF 3ª R., TRF 4ª R., TRF 5ª R. e TJMG) e o ementário com os valores agregados.

Já na Seção Especial “Estudos Jurídicos” contamos com um artigo intitu-lado “O Princípio da Autotutela Aplicado a Processo Administrativo sobre Imu-nidade de ITBI – Estudo de Caso”, elaborado pelo Dr. Carlos Eduardo de Mattos.

Tenham todos uma ótima leitura!

Milena Sanches Tayano dos Santos

Gerente Editorial

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ......................................................................7

Assunto Especial

A TeoriA dA reservA do Possível nA AdminisTrAção PúblicA

douTrinAs

1. A Aplicação da Reserva do Possível pela Administração Pública BrasileiraCândida Alzira Bentes de Magalhães e Elói Martins Senhoras ...................9

2. Teoria da Reserva do Possível Versus Direito à Saúde: uma Reflexão à Luz do Paradigma da Dignidade da Pessoa HumanaCassiano Silva Araujo, Hebner Peres Soares e Tauã Lima Verdan Rangel.........................................................................................15

3. Da Aplicabilidade da Teoria da Reserva do Possível em Prol dos Direitos e das Garantias FundamentaisRoberta Lídice .........................................................................................27

JurisPrudênciA

1. Acórdão na Íntegra (STF) .........................................................................32

2. Acórdão na Íntegra (TRF 1ª R.) ................................................................40

3. Ementário ................................................................................................45

Parte Geral

douTrinAs

1. Improbidade Administrativa: Dever de Eficiência e Escusa de IncompetênciaEmerson Garcia .......................................................................................57

2. Programa de Integridade (Compliance Program) na Lei Anticorrupção e Culpabilidade EmpresarialArnaldo Quirino de Almeida ...................................................................68

JurisPrudênciA

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça ..................................................................112

2. Tribunal Regional Federal da 1ª Região .................................................117

3. Tribunal Regional Federal da 2ª Região .................................................121

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4. Tribunal Regional Federal da 3ª Região .................................................128

5. Tribunal Regional Federal da 4ª Região .................................................138

6. Tribunal Regional Federal da 5ª Região .................................................148

7. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais ......................................162

ementário de JurisprudênciA

1. Ementário de Jurisprudência de Direito Administrativo .........................168

Seção Especial

esTudos Jurídicos

1. O Princípio da Autotutela Aplicado a Processo Administrativo sobre Imunidade de ITBI – Estudo de CasoCarlos Eduardo de Mattos .....................................................................211

Clipping Jurídico ..............................................................................................222

Resenha Legislativa ...........................................................................................241

Bibliografia Complementar ..................................................................................244

Índice Alfabético e Remissivo ...............................................................................245

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Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do

Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publi-cações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Re-vista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da SÍNTESE.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “arábi-

co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.a

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preencher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastrodeauto-res e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

A Teoria da Reserva do Possível na Administração Pública

A Aplicação da Reserva do Possível pela Administração Pública Brasileira

CÂNDIDA ALZIRA BENTES DE MAGALHÃES1

Delegada da Polícia Civil do Estado de Roraima, Especialista em Direito Penal e Processo Penal e Mestranda em Desenvolvimento Regional da Amazônia pela Universidade Federal de Roraima (UFRR).

ELÓI MARTINS SENHORAS2

Professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR), Especialista, Mestre, Doutor e Pós‑‑Doutor em Ciências Jurídicas.

A exigibilidade judicial, por parte dos cidadãos em relação ao Estado sobre determinadas políticas públicas que repercutam na garantia de direitos sociais, incorre muitas vezes em limitações, tanto fáticas, pautadas na depen-dência de recursos orçamentários, humanos e materiais, quanto jurídicas, re-lacionadas à ausência de dispositivos normativos que garantam a capacidade jurídica de ação do Estado. Essas limitações do Estado são identificadas pela doutrina e pela jurisprudência pelo termo reserva do possível!

A origem da teoria da jurisprudência e da própria consolidação da re-serva do possível como instituto jurídico é considerada relativamente recente, à medida que remonta a Alemanha da década de 1970, em um contexto in-ternacional de inflexão na Administração Pública, na qual o paradigma inter-vencionista do Estado de Bem-Estar Social (Welfare State) abriu espaço para a emergência de um paradigma neoliberal de Estado Mínimo.

A difusão internacional da reserva do possível aconteceu pelo transbor-damento direto da influência alemã nos ordenamentos jurídicos daqueles países que compartilhavam, tanto as diretrizes de uma agenda neoliberal quanto a lógica de funcionamento de um sistema jurídico romano-germânico, caracteri-zado pelo Direito Civil (Civil Law).

1 E-mail: [email protected] E-mail: [email protected]. Outros trabalhos do autor podem ser encontrados em www.eloisenhoras.

com.

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A fundamentação da teoria da reserva do possível em sua natureza on-tológica apresenta o objetivo de limitar a atuação do Estado ou justificar o seu silêncio administrativo quanto à materialização de determinadas políticas pú-bicas que efetivem direitos sociais e fundamentais em função de razões fáticas (disponibilidade de recursos) ou jurídicas (autorização legal).

Quadro 1 – CaraCterístiCas do prinCípio da reserva do possível

Disponibilidade fática de recursos

A reserva do possível legítima é passível de utilização como argumen-to jurídico naquelas situações em que a ausência de recursos orça-mentários, humanos e materiais é não apenas alegada, mas também comprovada pelo Estado.

Disponibilidade jurídica de recursos

A reserva do possível é utilizada, também, em situações em que exis-tem recursos orçamentários, humanos e materiais, porém indisponí-veis devido à ausência de previsão legal que garanta a capacidade jurídica do Estado de efetivar as políticas públicas.

Razoabilidade da demanda

A reserva do possível tem uso previsto quando existir razoabilidade de um pedido de direito frente aos interesses coletivos da sociedade, uma vez que o Poder Judiciário deve zelar pela efetivação dos direitos sociais com cautela, dado o problema da escassez de recursos.

Fonte: Elaboração própria. Baseada em Ávila (2013); Cunha (2015) e Sarlet (2015).

Se a fundamentação fática para o uso do princípio da reserva do possí-vel apresenta a justificativa de ausência de recursos orçamentários para que o Estado não faça a prestação de determinadas políticas públicas, por sua vez, a fundamentação jurídica introduz argumentos de ausência legiferante para auto-rizar o Estado a despender seus recursos orçamentários (Sarlet, 2015).

O caráter inovador do princípio da reserva do possível introduz condi-ções de razoabilidade, tanto ao cidadão, que só pode exigir direitos fundamen-tais e sociais caso haja razoabilidade em seu pleito para exigir ônus da socie-dade e sem comprometer os demais direitos da coletividade, quanto à ação do Estado, uma vez que o seu direito à prestação positiva de determinadas políticas públicas fica condicionado à existência de reserva do possível.

A teoria da “reserva do possível”, na sua origem, não se relaciona exclusivamente à existência de recursos materiais/financeiros, suficientes para a efetivação dos direitos sociais, mas, sim, à razoabilidade da pretensão proposta frente à sua concretização. (Ávila, 2013, [s.p.])

A natureza ontológica do princípio da reserva do possível fundamenta-se, portanto, na complementaridade de dois lados de uma mesma moeda, já que há uma necessária dimensão fática que prevê disponibilidade orçamentária do Estado para a materialização de determinados direitos fundamentais e sociais,

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simultaneamente a uma dimensão jurídica, na qual se exige razoabilidade por parte do cidadão demandante de direitos frente aos interesses da coletividade.

A natureza instrumental do instituto da reserva do possível é invocada geralmente em casos de ação civil pública, quando há uma demanda para que o Estado promova a prestação de serviços interligados ao princípio do mínimo existencial3; porém, deve-se ressaltar que a reserva do possível será observada quanto ao aspecto da essencialidade4 do bem jurídico objeto da demanda.

Internacionalmente, a aplicação da teoria da reserva do possível, bem como sua recepção jurídica, depende da espécie da necessidade coletiva em análise, demonstrando, assim, que tal princípio não pode ser invocado pelo Estado para o não cumprimento de necessidades sociais básicas e essenciais, já que estas são amparadas pelo princípio do mínimo existencial.

No Brasil, o instituto da reserva do possível teve seu advento no âmbito jurídico brasileiro na década de 1990, refletindo os desdobramentos consoli-dados na Alemanha e na Europa desde a década de 1970, muito embora tenha evoluído de modo sistemático a partir da década de 2000 juntamente e em diálogo direto com o princípio do mínimo existencial (Cunha, 2015).

A introdução do instituto da reserva do possível no País é fruto sincrô-nico de uma era, quando houve a promulgação da Constituição de 1988 e a passagem de um paradigma nacional-desenvolvimentista para um paradigma logístico (Santos; Senhoras, 2015), o que repercutiu na consolidação doutriná-ria e jurisprudencial de uma reserva do que é financeiramente possível5, cuja dimensão fática (condição orçamentária) prevalece em relação à dimensão ju-rídica (condição legal e razoável).

De um lado, a doutrina nacional não apresenta consenso quanto ao uso do princípio da reserva do possível, pois a fratura emerge com a cisão entre doutrinadores que veem positivamente a transplantação de um instituto jurídico externo dentro do ordenamento jurídico brasileiro vis-à-vis às leituras críticas existentes, dadas as especificidades da formação socio-histórica do País (Krell, 2003; Schwindt, 2011).

3 O princípio do mínimo existencial, também chamado de “mínimo vital”, “conteúdo mínimo”, “núcleo essen-cial”, é um conceito emprestado da dogmática constitucional alemã que traduz a proteção judicial dos direitos sociais indispensáveis para a dignidade humana (Souza, 2006).

4 O interesse coletivo pode estar presente em direitos e interesses essenciais e também em direitos e interesses secundários, ou seja, quando o interesse coletivo estiver relacionado com uma essencialidade, o Poder Público deverá prestá-lo na maior abrangência possível, devido ser esse interesse público essencial, e, não sendo o interesse coletivo essencial, se classificando como secundário, cabe ao Estado discricionariamente oferecê-lo com menor abrangência na sua prestação, pelo fato de não ser essencial, pois o Poder Público não tem como atender a todo e qualquer clamor social.

5 No caso brasileiro, é comum identificar a assertiva de que o Poder Público nas suas defesas judiciais habi-tualmente recorre à teoria da reserva do possível, alegando finanças limitadas, informando não poder atender a todas as demandas da sociedade, porque o seu orçamento é limitado e, portanto, sua prestação consequen-temente também será limitada.

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Em um primeiro plano, a doutrina favorável à reserva do possível no or-denamento jurídico nacional apresenta uma compreensão de que esse princípio independente do ordenamento jurídico incide positivamente de modo exógeno na eficácia alocativa dos direitos fundamentais sociais nas situações em que não há disponibilidade orçamentária, humana e material (Alexy, 2001).

Nesse sentido, o uso da reserva do possível por parte do Estado não tem como consequência a ineficácia de um direito, mas antes gera uma eficácia positiva de otimização de recursos quando um direito passa a ser ponderado frente ao interesse da coletividade, já que os direitos sociais e fundamentais não possuem conteúdo absoluto e aplicável a todos os casos de um modo definitivo, mas, antes, são delimitados pela colisão de interesses em cada caso concreto.

Em um segundo plano, a visão doutrinária crítica ao uso do princípio da reserva do possível no ordenamento jurídico brasileiro apresenta o argumento do contexto problemático nacional de transplantação de um instituto jurídico exógeno, haja vista que no Brasil o Estado de Bem-Estar Social (Welfare State) nunca foi consolidado plenamente tal como aconteceu na Europa6 (Cunha Jr., 2011; Krell, 2002).

De outro lado, a jurisprudência brasileira consolidada pelas decisões to-madas pelos Tribunais Superiores sobre o uso do instituto da reserva do possível não é pacífica, dependendo da especificidade de cada caso concreto, muito embora tenha predominantemente se posicionado de modo crítico, pois exige, nos processos contra a Administração Pública, a alegação discursiva da inexis-tência de recursos orçamentários, bem como a sua comprovação empírica, pois o Estado deve produzir prova suficiente para não prestar determinadas políticas públicas.

Conforme sistemática pesquisa de Wang (2008), na jurisprudência do Su-premo Tribunal Federal (STF) não existe pacificidade quanto à aceitação do uso do instituto jurídico da reserva do possível por parte da Administração Pública, a fim de se dirimir de ação executiva, uma vez que especificidade concreta de casos gerou decisões distintas por parte da corte.

Por um prisma, fica claro na jurisprudência do STF que tanto o direito à saúde quanto à educação são considerados direitos fundamentais jurisdicional-mente tuteláveis, não cabendo uso do instituto da reserva do possível por parte

6 “A chamada reserva do possível foi desenvolvida na Alemanha, num contexto jurídico e social totalmente distinto da realidade histórico-concreta brasileira. Apesar das grandes contribuições que a doutrina estrangeira tem dado ao direito brasileiro, proporcionando indiscutivelmente consideráveis avanços na literatura jurídica nacional, é preciso deixar bem claro, contudo, que é extremamente discutível e de duvidosa pertinência o traslado de teorias jurídicas desenvolvidas em países de bases cultural, econômica, social e histórica próprias, para outros países cujos modelos jurídicos estão sujeitos a condicionamentos socioeconômicos e políticos completamente diferentes.” (Cunha Jr., 2011, p. 761)

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da Administração Pública, devendo esses direitos clássicos de segunda geração ser efetivados de modo “pleno” e “universal”.

Por outro prisma, a jurisprudência do STF é suscetível quanto à aceitação da reserva do possível em casos como intervenção federal pelo não pagamento de precatórios, casos esses em que a escassez de recursos orçamentários e a razão custo-benefício acabam repercutindo em um padrão de decisão distinta em relação aos temas clássicos de direitos de segunda geração.

A jurisprudência consolidada pelas decisões do STF demonstra o quão problemática é a interpretação do uso do instituto da reserva do possível, haja vista que resultam dos julgamentos uma espécie de hierarquia em alguns di-reitos de segunda geração, entre temas clássicos e não clássicos, que acabam gerando posicionamentos jurisdicionais distintos para os casos.

Com base na doutrina e na jurisprudência nacional, observa-se no Brasil que o instituto da reserva do possível incorre em uma concepção minimalista, cujo fundamento se apresenta por uma predominante visão de uma reserva do que é financeiramente possível para ser efetivado com o orçamento público, repercutindo, assim, em limites à efetivação dos direitos fundamentais e sociais previstos na Carta Magna de 1988.

Conclui-se que, independente da doutrina ou da jurisprudência, o ins-tituto da reserva do possível impõe limitações à materialização de direitos de segunda geração, sendo sua materialização dependente de critérios de razoa-bilidade da demanda de um cidadão em face do Poder Público e de disponibi-lidade fática e jurídica de recursos, razão pela qual o seu uso deve sempre ser cauteloso e julgado à luz de sua contrapartida, que é o princípio do mínimo existencial.

REFERÊNCIAS

ALEXY, R. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001.

ÁVILA, K. C. A. Teoria da reserva do possível. Revista Jus Navigandi, ano 18, n. 3558, mar. 2013.

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Assunto Especial – Doutrina

A Teoria da Reserva do Possível na Administração Pública

Teoria da Reserva do Possível Versus Direito à Saúde: uma Reflexão à Luz do Paradigma da Dignidade da Pessoa Humana1

CASSIANO SILVA ARAUJO2

Discente do Oitavo Período do Curso de Direito do Instituto de Ensino Superior do Espírito Santo (IESES) – Unidade Cachoeiro de Itapemirim.

HEBNER PERES SOARES3

Discente do Oitavo Período do Curso de Direito do Instituto de Ensino Superior do Espírito Santo (IESES) – Unidade Cachoeiro de Itapemirim.

TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL4

Professor Orientador, Doutorando vinculado ao Programa de Pós‑Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense,. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pelo Programa de Pós‑Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (2013‑2015), Especialista em Práticas Processuais – Prática Civil, Prática Penal e Prática Tra‑balhista pelo Centro Universitário São Camilo/ES (2014‑2015), Líder do Grupo de Pesquisa “Di‑reito e Direitos Revisitados: Fundamentalidade e Interdisciplinaridade dos Direitos em Pauta”.

RESUMO: A teoria da reserva do possível originou‑se na Alemanha no ano de 1970, por meio de uma causa apresentada perante a Corte alemã, e, neste caso, ficou decidido pela Suprema Corte alemã que somente se pode exigir do Estado a prestação em benefício do interessado, desde que obser‑vados os limites de razoabilidade. Portanto, o princípio da reserva do possível foi aderido também ao Direito brasileiro por meio do direito constitucional comparado. No entanto, a Administração Pública, por meio do Poder Executivo, tem se orientado por meio do princípio da reserva do possível de forma errônea e, consequentemente, se encontra fazendo uma má interpretação e aplicação dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Em razão disto, há um vasto número de ações ajuizadas perante o Poder Judiciário, tendo alguns casos especiais, como, por exemplo, dos remédios órfãos, tratamento terapêutico com valores muito onerosos; portanto, a Administração Pública utiliza‑se da reserva do possível com objetivo de se esquivar de suas obrigações. Salienta‑se que o direito à saúde está intrinsecamente ligado aos direitos e às garantias sociais, de modo que é dever do Estado custeá‑

1 Artigo vinculado ao Projeto de Iniciação Científica “Hipertrofia do Poder Judiciário e Judicialização do Direito à Saúde: Desafios para a Concreção dos Direitos Fundamentais Programáticos”.

2 E-mail: [email protected] E-mail: [email protected] E-mail: [email protected].

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‑lo, garantido o “mínimo existencial” para a sobrevivência do ser humano. Dessa forma, quando se depara com um quadro clínico em que o assunto seja tratamentos ou medicamentos, com intuito de garantir a sobrevivência humana, se esbarra no princípio da dignidade da pessoa humana, no qual o Estado terá que dar para todos os seus cidadãos uma vida digna e justa. Por fim, abordará no presente a teoria da reserva do possível versus direito à saúde: uma análise à luz do STF. Conforme mencionado na epígrafe, o direto a saúde está elencado dentro do rol das políticas sociais; assim, caberá à Suprema Corte defender tal matéria e resguardar a sua aplicação dentro do ordenamento jurídico brasileiro.

PALAVRAS‑CHAVE: Direito à saúde; direito social; princípio da reserva do possível; direito à saúde à luz do STF.

ABSTRACT: The theory of the reservation of the possible originated in Germany in the year 1970, by means of a case brought before the German Court, in this case, it was decided by the German Supre‑me Court that only the State can be demanded to the benefit for the interested party, provided that the limits of reasonability are observed. Therefore, the principle of reserving the possible was also adhered to Brazilian law by comparative constitutional law. However, public administration through the Executive Power has been guided by the principle of reserving the possible of erroneous form and, with this, is making a misinterpretation and application within the Brazilian legal system, while it has vast Number of lawsuits filed before the Judiciary, having some special cases that are dealt with for examples of orphan drugs, therapeutic treatment with very expensive values, therefore, public admi‑nistration uses the reserve of the possible with the purpose of evading their obligations. It should be noted that the right to health is intrinsically linked to social rights and guarantees, so it is the State’s duty to pay for this right, guaranteeing the “existential minimum” for the survival of the human being. In this way, when faced with a clinical situation where the subject is treatments or medicines, with the purpose of guaranteeing human survival, we run into the principle of the dignity of the human person, in which the State will have to give all its citizens a dignified and just life. Finally, we will cover the theory of the reserve of the possible versus right to health: an analysis in the light of the STF, as mentioned above, the direct health is listed within the roll of social policies, so it will be up to the Supreme Court to defend such matter, and Safeguard its application within the Brazilian legal system.

KEYWORDS: Right to health; social right; principle of possible reserve; right to health in the light of the Supreme Court.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A teoria da reserva do possível em exame; 2 Teoria da reserva do possível sob a ótica do Direito Administrativo; 3 Teoria da reserva do possível versus direito à saúde; Conclu‑são; Referências;

INTRODUÇÃO

O presente artigo abordará algumas problemáticas que tem sido foco de assuntos, discursões doutrinárias e jurisprudências nos dias atuais, tendo como escopo a teoria da reserva do possível. Oriunda do Direito alemão, no ano de 1970, um julgamento conduzido à Corte apreciou uma temática sobre o acesso ao ensino universitário público, a qual proferiu sua decisão embasada no prin-cípio da reserva do possível, alegando que direito era coerente, porém o Estado

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não tinha recursos suficientes devido à grande crise que estava vivenciando no momento; portanto, não tinha recurso para prover tal direito.

Outro ponto de destaque é sobre o direito à saúde, que é o reconheci-mento fundamental do direito social, positivado nos arts. 6º e 196 da CF/1988. O direito à saúde se encontra dentro do rol das políticas sociais; além disso, o art. 196 da CF/1988 diz que “o direito à saúde é direito de todos e dever do Es-tado”, ou seja, a responsabilidade em promover e custear as necessidades refe-rentes à saúde no Brasil é exclusivamente do Estado. Portando, o direito à saúde está elencado no rol dos direitos sociais, sendo um marco muito importante que o constituinte de 1988 deu para sociedade brasileira, o qual responsabilizou de forma direta o Estado no custeio com todo esse benefício.

Por fim, o tema “a teoria da reserva do possível versus o direito à saúde: uma análise à luz da STF”, assim como relatado à Suprema Corte, tem tratado de tal tema com grande afinco, defendendo os direitos e as garantias fundamen-tais agregados na Carta Maior de 1988. Cabe observar que a Administração Pú-blica utiliza-se da reserva do possível para se esquivar de sua obrigação; porém, o Poder Judiciário tem agido de forma esplendorosa em seu posicionamento quando a matéria é saúde, dando para a sociedade os seus direitos à luz da Constituição Federativa da República do Brasil de 1988.

1 A TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL EM EXAME

A teoria da reserva do possível advém da doutrina germânica, em espe-cial da Alemanha, manifestando-se no ano de 1970, sendo globalmente conhe-cida como reserva do financeiramente possível. Originou-se por meio de um julgamento conduzido à Corte Constitucional alemã ao tratar de uma proble-mática a respeito do acesso ao ensino universitário público, solicitado por um aluno daquele país quando havia apenas universidades públicas na Alemanha. Dessa forma, foi decidido que há “limitação fáticas para o atendimento de todas as demandas de acesso a um direito” (Jacob, 2013, p. 250).

Portanto, tal limite fático consiste na garantia dos direitos já previstos em Constituição Federal; porém, para dar cumprimento à determinada obrigação, faz-se necessário que o Estado tenha recursos públicos suficientes para cumprir com a sua obrigação e dar seguimentos ao seu equilíbrio financeiro. Nas pala-vras do Professor Leny Pereira Silva:

[...] o princípio da reserve do possível regula a possibilidade e a extensão da atua-ção estatal no que se refere à efetivação de alguns direitos sociais e fundamentais, tais como o direito à saúde, condicionando a prestação do Estado à existência de recursos públicos disponíveis. (Silva, [s.d.], p. 26)

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A teoria da reserva do possível é definida como “limite ao poder do Esta-do de concretizar efetivamente direitos fundamentais a prestação” (Sarlet, 2010, p. 180), ou seja, uma vez que o Estado for acionado de forma administrativa ou judicial, ele terá que custear com determinados direitos previsto em sua Carta Maior, mas sempre respeitando a sua reserva financeira, vez que o Estado só será responsabilizado por suas obrigações quando estiver com dinheiro em cai-xa. No Brasil, o princípio da reserva do possível se manifestou por meio de uma falácia derivada de um Direito Constitucional Comparado equivocadamente, pois a situação social brasileira não poderia ser comparada àquela vivenciada nos Países-membros da União Europeia. Nesses termos, esclarece o Professor alemão Andreas Krell:

Não podemos isolar instrumentos, institutos ou até doutrinas jurídicas do seu ma-nancial político, econômico, social e cultural de origem. Devemos nos lembrar também que os integrantes do sistema jurídico alemão não desenvolveram seus posicionamentos para com os direitos sociais num Estado de permanente crise social e milhões de cidadãos socialmente excluídos. Na Alemanha como nos outros países centrais – não há um grande contingente de pessoas que não acham uma vaga nos hospitais mal equipados da rede pública; não há a necessidade de organizar a produção e distribuição da alimentação básica a milhões de indiví-duos para evitar sua subnutrição ou morte; não há altos números de crianças e jovens fora da escola; não há pessoas que não conseguem sobreviver fisicamente com o montante pecuniário de “assistência social” que recebem etc. Temos cer-teza de que quase todos os doutrinadores do Direito Constitucional alemão, se fossem inseridos na mesma situação sócio-econômica de exclusão social com a falta das condições mínimas de uma existência digna para uma boa parte do povo, passariam a exigir com veemência a interferência do Poder Judiciário, visto que este é obrigado de agir onde os outros Poderes não cumprem as exigências básicas da constituição direito à vida, dignidade humana, Estado Social. (Krell, 2002, p. 107-109)

Com isso, fica evidente que a situação atual brasileira não poderia ser comparada com a aquela vivenciada em um passado remoto na Alemanha, pois o Brasil é um dos países que atualmente tem uma alta carga de tributação, chegando ao equivalente há 35,13% do PIB, ou seja, há grande quantidade de dinheiro nos cofres públicos. Em razão disso, não poderia, de forma alguma, alegar o princípio da reserva do possível como justificativa para o não cumpri-mento de uma obrigação. No entanto, quando nasceu o princípio da reserva do possível na Alemanha, foi oriundo do momento de uma grande crise financeira, ou seja, não havia verbas nos cofres públicos nem para manter suas receitas originárias.

Portanto, sendo bem diferente do que está ocorrendo nos dias atuais no Brasil, pois o que ocorre de fato com a economia brasileira é uma má adminis-tração das verbas públicas, além de grandes desvios de dinheiro dos cofres pú-

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blicos, resultando em prejuízos na aplicação das políticas sociais. Desse modo, o Poder Executivo não consegue dar efetivação nas políticas públicas consa-gradas pela Constituição de 1988. A partir daí, ocorre um conflito entre Poder Judiciário e o Poder Executivo, vez que o Poder Judiciário é constantemente demandado a proporcionalizar a aplicação dos direitos e das garantias para que seja cumprido com fulcro no princípio da segurança jurídica, porque, uma vez positivado tal direito pelo Poder Legislativo, o Poder Executivo terá que promo-ver e executar, de forma consensual, tal ação, ou de forma coercitiva por meio do Poder Judicial com base nos dizeres constitucional.

Ressalta-se, ainda, que o princípio da reserva do possível está ligada a duas vertentes, sendo a primeira relacionada com a existência de uma deter-minada situação econômica e a segunda passou a ser acatada no sentido de negar competência ao Poder Judiciário para julgar sobre matéria que implique gastos orçamentários (Mendes; Coelho; Branco, 2000, p. 146). Essa reprimenda configura, sem sobra de dúvida, uma objeção à viabilidade de judiciabilidade dos direitos sociais, entre eles os mínimos existenciais.

Apesar disso, não há como se aceitar que a reserva do possível seja vá-lida, seja tida como uma justificativa a obstar a viabilidade da exigibilidade judicial dos mínimos existenciais, particularmente a saúde, pois, como sobre-dito, com fulcro no art. 196 da CRFB/1988,“a saúde é direito de todos e dever do Estado [...]”, sendo configurado como o mais importante direito previsto no art. 6º da CRFB/1988.

É notório que as alegações de negativa de efetivação de um direito so-cial por motivo da reserva do possível devem ser analisadas com cautela pelo Poder Judiciário, de modo que não cabe ao Poder Executivo alegar que não há possibilidade de cumprir uma ordem judicial por motivo da reserva do possível, terá que comprová-la materialmente, pelo fato de que a reserva do possível converteria: “em verdadeira razão de Estado econômico, num AI-5 econômico que opera, na verdade, como uma anti-Constituição, contra tudo que a Carta em matéria de direitos sociais” (Farena, 1997, p. 12).

Por fim, judicialização da saúde é o único meio que a sociedade bra-sileira tem encontrado para efetivação do seu direito. Graças ao princípio do acesso à justiça, que permite a qualquer um do povo pleitear o seu direito em juízo, desta forma coíbe o Estado na pessoa dos seus entes federativos por meio da ação de obrigação de fazer, em custear os seus tratamentos e medicamentos. O princípio da dignidade da pessoa humana garante, sem sobra de dúvida, que o Estado forneça o “mínimo existencial” para sobrevivência da sociedade brasileira. Assim, não cabe o Estado alegar a reserva do possível, pelo fato de que o direito da saúde é uma das suas principais obrigações garantidas pela Constituição de 1988.

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2 TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL SOB A ÓTICA DO DIREITO ADMINISTRATIVO

O Direito Administrativo inicia sua formação com supedâneo no art. 37 da Carta Magna de 1988, o qual preleciona que “a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, mora-lidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte” (Brasil, 1988). Logo, os princípios gerais do Direito Administrativo que lubrificam as suas engrenagens, sendo os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publi-cidade e da eficiência e outros princípios que emanam do mesmo artigo. Assim, o Direito Administrativo é definido segundo o entendimento dos Professores Ronny Lopes e Fernando Baltar Neto como

o Direito Administrativo se apresenta como o ramo do Direito Público que envol-ve normas jurídicas disciplinadoras da Administração Pública em seus dois sen-tidos, enquanto atividade administrativa propriamente dita e enquanto órgãos, entes e agentes que possuem a atribuição de executá-la. Enquanto arcabouço de regras disciplinadoras da Administração Pública, o Direito Administrativo é um conjunto de princípios e normas que limitam os poderes do Estado. (Baltar Neto; Torres, 2012, p. 30)

Diante o exposto, cabe salientar que o Direito Administrativo engloba normas forenses que dispõem acerca da Administração Pública em seus dois aspectos, sendo no aspecto administrativo e no aspecto de órgãos. A Adminis-tração Pública é classificada como a Administração direta e indireta, de modo que a criação do Direito Administrativo é essencial por colocar limites aos po-deres do Estado.

Imperioso destacar que dentro da Administração Pública existe um insti-tuto que tem tomado palco de grande discursão sobre a sua aplicação no orde-namento jurídico brasileiro, de maneira que o instituto da reserva do possível está intrinsicamente ligado nos atos e nas gestões da Administração Pública. Assim, para que as políticas públicas sejam inseridas dentro do nosso Estado, é necessária a análise do Poder Executivo, desde sua iniciativa até a execução das normas orçamentárias. Calha-se que a triagem a respeito da conceituação das políticas públicas transfere do Executivo para o Judiciário o desrespeito do delineamento da igualdade, uma vez que o grupo social que procurou a colabo-ração com o Poder Judiciário se justaporá àqueles que não o realizaram.

Na ótica de Marcos Maselli Gouvêa, salienta-se que, “em situações ex-tremas, as despesas realizadas em função de direitos prestacionais judicialmen-te impostos inviabilizariam outros projetos estatais, eventualmente até projetos relacionados a outros direitos fundamentais” (Gouvêa, 2000, p. 19). A par de complementar o alegado em epígrafe, ressaltam-se as palavras do Professor Felipe de Melo Fonte:

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[...] relatos de que em alguns hospitais e escolas da rede pública só se consegue admissão mediante ordem judicial, fato que representa grave distorção no acesso aos bens e serviços públicos, que se espera seja feito sem discriminação entre os cidadãos e de acordo com critério bem definido [...]. (Melo, 2013, p. 14)

Portanto, tal discricionariedade do Poder Executivo é moderada cons-titucionalmente, ao determinar que as essencialidades orçamentárias impõem barreiras à intercessão do Poder Judiciário quanto à formação da política orça-mentária. Nesse intuito, averiguamos muitas definições jurisprudenciais, como a inframencionada:

[...] Dessa forma, com fulcro no princípio da discricionariedade, a municipa-lidade tem liberdade para, com a finalidade de assegurar o interesse público, escolher onde devem ser aplicadas as verbas orçamentárias e em quais obras deve investir. Não cabe, assim, ao Poder Judiciário interferir nas prioridades or-çamentárias do Município e determinar a construção de obra especificada [...].

(STJ, REsp 208893/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 22.03.2004)

Todavia, observa-se que há limites na atuação do Poder Executivo para a atribuição do Poder Judiciário, de modo que, na seara jurisprudencial, há mui-tos conflitantes e controversos, como as profundas transformações de perspec-tivas frente à demanda pela máxima concretização dos direitos fundamentais, principalmente os sociais. Dentro dessa mesma ótica ressaltam-se as palavras do ilustríssimo doutrinador Régis Oliveira:

[...] descabe ao Judiciário decisão de tal quilate. No entanto, se o fizer, determi-nando, por exemplo, a construção de moradias, creches, etc., e transitada em julgado a decisão, coisa não cabe ao Prefeito que cumprir a ordem. Para tanto, deverá incluir, no orçamento do próximo exercício, a previsão financeira. Es-clarecerá à autoridade judicial a impossibilidade de cumprimento imediato da decisão com trânsito em julgado, diante da falta de previsão orçamentária, e obrigar-se-á a incluir na futura lei orçamentária recursos para o cumprimento da decisão [...]. (Oliveira, 2006, p. 404)

Vislumbra-se, ainda, a Ação de Arguição de Descumprimento de Precei-to Fundamental nº 45/DF, tendo como Ministro o Relator Celso de Mello, o qual tratou o caso com muita seriedade e abordou com grande magnitude e clareza a respeito da reserva do possível, compreendendo ser viável a intervenção foren-se em relação às políticas públicas; contudo, realçou a implantação da cláusula da reserva do possível, sui generis na execução dos direitos sociais, culturais e econômicos, apesar de esses reivindicar amortizações estatais positivas do País. Nesta posição, decidiu o Supremo Tribunal Federa, in verbis:

[...] É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende,

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em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possi-bilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamen-te, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efe-tivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, des-se modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente usando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nu-lificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. [...]. (STF, ADPF 45, Rel. Min. Celso de Mello, J. 29.04.2004)

Esse posicionamento tem esteio na ciência econômica, devendo ser agre-gado à conceituação das políticas públicas, sendo que, na instância das de-cisões judiciais, todavia, nestes casos, é necessário comprovar a ausência de recurso. Desse modo, o instituo da reserva do possível é aplicado dentro do or-denamento jurídico brasileiro de maneira ponderada, ou seja, é necessário fazer um juízo de admissibilidade, de modo que tal instituto só poderá ser aplicado como ultima ratio, e, quando for aplicado, será necessário fundamentar de ma-neira clara e objetiva a insuficiência de recursos financeiros. Abordou o doutri-nador Felipe de Melo Fonte que “reserva do possível não é presunção absoluta (ou mesmo relativa) de inexistência de dinheiro, nem fundamento autônomo de discricionariedade administrativa e/ou legislativa capaz de justificar a omissão ou adimplemento defeituoso de direitos fundamentais” (Fonte, 2013, p. 92).

Por fim, o sentido primordial da teoria da reserva do possível deve ser depreendido sob o olhar dos delineamentos da proporcionalidade e da razoabi-lidade entre a presunção pleiteada, de modo que o instituto da responsabilidade objetiva do Estado adveio com muito luta, de maneira que não seria salutar que, em pleno o século XXI, a sociedade brasileira tenha seus direitos e suas garantias fundamentais exauridos devido a esse instituto. Logo, é necessário ter uma justificativa plausível e fundamentada para utilizar-se da reserva do pos-sível, para que essa prática não caia nas mãos da Administração Pública e seja utilizada a bel-prazer.

3 TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL VERSUS DIREITO À SAÚDE

Com fulcro na Constituição de 1988, em seus arts. 6º, 196 a 200, chega--se ao entendimento de que o direito à saúde é reconhecido como direito fun-

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damental, vez que é oxigenada pelo princípio da dignidade da pessoa humana; assim, tal direito se encontra em comum concordância entre o direito vigente, as leis internacionais e com a moralidade comum. Dessa forma, acredita-se que entre o direito à saúde e a vida forma-se um elo comum, isto é, não existe saúde sem vida e nem vida sem saúde, assim, integram as obrigações morais e legais e terá que ser custeado pelo Estado. Portanto, conforme o entendimento dos direitos humanos, o direito à vida é absoluto. No entanto, a Carta Magna de 1988 estrutura o direito à vida como um direito relativo, mais sendo nítida a obrigação do Estado em resguardar e zelar a “vida” e garantir o “mínimo exis-tencial” para a “saúde humana” (Bobbio, 1992, p. 04-06).

Imperioso salientar que não cabe ao Estado alegar a insuficiência dos re-cursos financeiros quando o assunto pleiteado envolve o “mínimo existencial”, de modo que a insuficiência alegada pelo Estado nas ações de saúde tem toma-do palco de uma grande discursão entre a doutrina, jurisprudência e até mesmo no senário do STF, pelo fato que o direito à saúde é uma garantia constitucional; porém, na seara daquilo que se convencionou constituir “reserva do possível”, quando confronta a possibilidade financeira do Estado, consolida a liberdade de recursos materiais para consumação de eventual de condenação do Poder Público na prestação de assistência farmacêutico, medicamentos órfãos ou tra-tamentos terapêuticos.

Duciran Van Marsen Farena assevera que

as alegações de negativa de efetivação de um direito social com base no argu-mento da reserva do possível devem ser sempre analisadas com desconfiança. Não basta simplesmente alegar que não há possibilidades financeiras de se cum-prir a ordem judicial; é preciso demonstrá-la. O que não se pode a evocação da reserva do possível converta-se “em verdadeira razão de Estado econômica, num AI-5 econômico que opera, na verdade, como uma anti-Constituição, contra tudo o que a Carta consagrada em matéria de direitos sociais. (Farena, 1997, p. 12)

Diante o exposto, salienta-se que o Poder Judiciário tem recebido várias críticas no decorre dos tempos por parte do Poder Público em geral, pelo fato que todos os órgãos que compõem a estrutura do Poder Público são dotados de competências; porém, importa destacar que o direito à saúde comporta--se como um direito híbrido, ou seja, a saúde é um direito público subjetivo e fundamental para a manutenção da vida do ser humano. Dessa forma, quando o direito à saúde for lecionado, terá que ser apreciado pelo Poder Judiciário, de modo que o direito à saúde é pertencente ao direito fundamental. Assim, o Poder Judiciário terá que garantir de forma plena os direitos fundamentais do homem (Schwartz, 2001, p. 163).

Salientou o ínclito Jurista e Ministro Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal:

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Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da Re-pública (art. 5º, caput e art. 196) ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões de ética jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e saúde humanas.

Em outro giro, uma temática até então nova analisada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 195.192/RS, no ano 2000, foi a apreciação de um mandado de segurança na instância a quo. Cuidava-se de um direito pleiteado por um infante, portador de rara enfermi-dade metabólica diagnosticada como fenilcetonuria, para que seja fornecido pelo Estado do Rio Grande do Sul medicamento que deveria ser importado dos Estados Unidos. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul havia concedido a segurança, entendendo-se que havia tal direito. Destaca-se que a Fazenda Pública Estadual do referente Estado alegou a inaplicabilidade do art. 196 da CRFB/1988, que teria natureza programática. Dessa forma, o recurso não chegou a ser conhecido pelo STF; no entanto, o egrégio Jurista e Ministro Marco Aurélio, Relator do feito, teceu considerações cruciais sobre a matéria pleiteada:

No caso, restou constatada enfermidade rara e que alcança cerca de vinte crian-ças em todo o Estado do Rio Grande do Sul com sérios riscos para a saúde e desenvolvimento das mesmas. O Estado deve assumir as funções que lhe são próprias, sendo certo, ainda, que problemas orçamentários não podem obsta-culizar o implemento do que previsto constitucionalmente. (STF, RE 195192/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, J. 22.02.2000, DJ 31.03.2000, p. 60)

Ressalta-se que, nesse caso, o STF não fala no “mínimo existencial” ou “reserva do possível”, porém destaca o entendimento de que os “problemas or-çamentários não podem obstaculizar o implemento do que previsto constitucio-nalmente”. O STF tem se posicionado com muita clareza a respeito do direito à saúde. A seguir, demonstra-se parecer dos atuais ministros da Suprema Corte:

Direito à saúde. Portador de doença grave. Determinação para que o Estado for-neça fraldas descartáveis. Possibilidade. Caracterização da necessidade. [...] O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a adminis-tração pública adote medidas concretas, assecuratórias de direitos constitucio-nalmente reconhecidos como essenciais, como é o caso da saúde. A Corte de origem consignou ser necessária a aquisição das fraldas descartáveis, em razão da condição de saúde do agravado e da impossibilidade de seu representante legal de fazê-lo às suas expensas. [RE 668.722-AgRg, 1ª T., Rel. Min. Dias Toffoli, J. 27.08.2013, DJe 25.10.2013; Vide RE 271.286-AgRg, 2ª T., Rel. Min. Celso de Mello, J. 12.09.2000, DJ 24.11.2000]

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No entendimento do Relator Ministro Celso de Mello, o qual se posicio-nou com afinco a respeito do direito à saúde, sobre os portadores de doenças graves que necessitam de uso diário de fraldas descartáveis, alega que o Poder Judiciário em situações excepcionais pode determinar que a Administração Pú-blica cria medidas concretas para atender às necessidades de tais demandas que estão elencadas dentro do âmbito da saúde. Imperioso abordar o entendimento do Ministro Relator Ricardo Lewandowski:

O serviço público de saúde é essencial, jamais pode-se caracterizar como tempo-rário, razão pela qual não assiste razão à administração estadual [...] ao contra-tar temporariamente servidores para exercer tais funções. [ADI 3.430, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, J. 12.08.2009, DJe 23.10.2009]

Por fim, mediante essa afirmação que se encontra em consonância com a Lei Maior, destaca-se a obviedade, ou seja, que o direito à saúde deve ser promovido pelo Estado por suas políticas sociais, o qual deverá dar manuten-ção e atendimento contínuo à sociedade, não podendo em nenhum momento se eximir de sua obrigação. Assim, o princípio da reserva do possível não terá alegações suficientes por parte da Administração Pública, deixando de cumprir com suas obrigações, tendo em vista que tal direito tem amparo constitucional e pertence ao princípio da dignidade da pessoa humana, e, uma vez lecionado, poderá ser apreciado até na Suprema Corte.

CONCLUSÃO

O princípio da reserva do possível agregou-se no Direito brasileiro por meio do direito constitucional comparado, tendo seu limite estipulado por meio do direito financeiro. Assim, para o Estado custear determinados direitos que faz parte de sua seara obrigacional, terá que ser embasado em tal princípio, pelo fato de que norteará as aplicações das verbas públicas. Importa destacar que, nos últimos tempos, a Administração Pública tem utilizado da reserva do possível de forma errônea para eximir de suas obrigações, dando significado diferente quando surgiu na Alemanha em 1970.

Com fulcro na Marga Carta de 1988, ficou evidente que o direito à saúde faz parte dos direitos fundamentais e sociais, e deverá ser promovido pelo Es-tado; dessa forma, não cabe à Administração Pública, quando se deparar com matérias referentes à saúde, alegar “reserva do possível”, de modo que o direito à saúde está atrelado ao princípio da dignidade da pessoa humana, e garantido por via constitucional o “mínimo existencial” para sobrevivência humana.

De fato, cabe salientar que o instituto da reserva do possível tem se agre-gado de forma favorável para ordenamento jurídico brasileiro, de tal modo que, nesse momento de crise financeira, tem se influenciado para a manutenção do equilíbrio da economia em nosso País. Assim, a Administração Pública é

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responsável direta e indiretamente para administrar e gerir o nosso Estado, utili-zando-se desse instituto para se guiar no meio de caos financeiro.

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FARENA, Duciran Van Marsen. A saúde na Constituição Federal. Boletim do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública, n. 4, 1997.

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Assunto Especial – Doutrina

A Teoria da Reserva do Possível na Administração Pública

Da Aplicabilidade da Teoria da Reserva do Possível em Prol dos Direitos e das Garantias Fundamentais

ROBERTA LÍDICEAdvogada atuante nas áreas do Direito Empresarial e Penal (Preventivo/Consultivo), Consulto‑ra em Business Intelligence, com MBA em Gestão Pública: Políticas e Gestão Governamental e Especialização em Direito Empresarial. Diretora Latin‑Iuris/Brasil – Instituto Latinoamericano de Investigación y Capacitación Jurídica (Latin Iuris). Ouvidora, certificada pela Ouvidoria‑‑Geral da União (OGU) e Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), para atuação em Ouvidoria e Participação Social (Profoco). Miembro del Comité Editorial de Ediciones Olejnik – Editorial Jurídica Chilena. Membro Efetivo da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB‑SP). Autora dos Livros O Contrato de Adesão Como Instrumento Regulatório nas Relações Consumeristas e Empresariais e El Contrato de Adhesión (Latinoa‑mérica). Coautora do Livro Ouvidorias de Justiça, Transparência e Lei de Acesso à Informação – Direito de Todos (Ouvidoria do Conselho Nacional de Justiça – CNJ). Autora e coautora de obras e artigos jurídicos e sociais.

RESUMO: Este texto visa demonstrar a importância da consolidação dos direitos civis e sociais, bem como a conquista dos direitos humanos que ocorre ao longo dos anos. Por outra parte, verifica‑se a teoria da reserva do possível como um instrumento para efetivação dos direitos e das garantias fundamentais inerentes aos cidadãos, condição sine qua non para um Estado Democrático de Direito.

PALAVRAS‑CHAVE: Direitos sociais; direito fundamental; reserva do possível; garantias constitu‑cionais.

INTRODUÇÃO

A efetivação dos direitos humanos e sociais inerentes a todos os cidadãos tem se tornado prioridade, dentro de uma sociedade que busca a igualdade, fraternidade, inclusão e justiça, sendo possível pela aplicabilidade da teoria da reserva do possível a efetivação dos direitos e das garantias constitucionais, enfrentando a realidade de cada localidade e os problemas atuais mediante a crise política e econômica existente.

Faz-se necessário um esforço conjunto entre o Poder Público e os cida-dãos, na busca de soluções efetivas, no que tange ao suprimento das necessi-dades individuais e coletivas em prol do bem-estar e da segurança de toda a população.

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DOS DIREITOS SOCIAIS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS

Ao longo dos anos, a conquista dos direitos humanos se estabelece, com o objetivo de consolidar os direitos civis e sociais, valendo-se da teoria da re-serva do possível como um instrumento para a efetivação dos direitos e das garantias fundamentais inerentes aos cidadãos, condição sine qua non para um Estado Democrático de Direito.

No que tange à cidadania, o sociólogo Betinho, importante lutador dos direitos humanos no Brasil, assim conceituou:

Cidadão é o indivíduo que tem consciência de seus direitos e deveres e participa ativamente de todas as questões da sociedade. Tudo o que acontece no mundo, acontece comigo. Então eu preciso participar das decisões que interferem na mi-nha vida. Um cidadão com um sentimento ético forte e consciência de cidadania não deixa passar nada, não abre mão desse poder de participação [...]. A ideia de cidadania ativa é ser alguém que cobra, propõe e pressiona o tempo todo. O cidadão precisa ter consciência de seu poder.

Em 1932, pela primeira vez na história do Brasil as mulheres tiveram direito ao voto, sendo esta uma grande conquista da cidadania, alcançada me-diante muitas lutas. A partir de um decreto do então presidente Getúlio Vargas, foi concedido tal direito às mulheres, porém com muitas restrições. Somente em 1946 o voto feminino passou a ser obrigatório, ficando, assim, em total igual-dade com o voto masculino. Nesse período, a Advogada Mietta Santiago, uma mineira que havia estudado na Europa, teve um papel preponderante nesse pro-cesso. Depois de voltar da Europa, profundamente influenciada pelos ideais de cidadania modernos, Mietta descobriu que o veto ao voto feminino contrariava um artigo da Constituição brasileira de 1891, e, depois de muita luta e pressão social, conseguiu tal direito, votando em si própria para deputada federal.

Outra conquista importante faz parte dos direitos dos trabalhadores, ad-quiridos a partir de muitas greves e mobilizações sociais. A jornada de trabalho de 8 horas diárias só foi conquistada pela primeira vez em 1919, na França. O símbolo dessa luta, historicamente, se localiza nas manifestações do primeiro de maio em todo o mundo. Em 1886, em Chicago, realizou-se, pela primeira vez, uma grande manifestação de trabalhadores nessa data, acompanhada de uma greve geral em todos os Estados Unidos. A partir de então, todas as mani-festações trabalhistas de reivindicações de direitos era convocada nessa mesma data. Em 1919, o senado francês adotou a jornada de trabalho de 8 horas e proclamou o dia 1º de Maio como feriado nacional. Em 1920, a Rússia também adota a mesma data como feriado nacional, e, a partir de então, nos anos que se seguiram, diversos outros países seguiram esse mesmo exemplo.

Os direitos sociais foram resultado de muitas lutas e conquistas ao longo da história. No entanto, a plena igualdade entre todos os cidadãos somente foi

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garantida no século XX. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, na França, garantia na Constituição o direito a todos, mas, na prática, assim como na democracia grega, excluía grande parte da população.

O pensador Jaime Pinsky assim definiu: “Cidadania é a expressão concre-ta do exercício da democracia”.

A construção da cidadania diz respeito à relação das pessoas com o Es-tado, ou seja, ser cidadão é ter uma identidade nacional. No entanto, a noção de cidadania passa por intensas contradições no que tange à esfera pública. Nem sempre o que está previsto na Constituição e nas leis é cumprido de forma ampla a todos os cidadãos.

Nesse diapasão, verifica-se que existe certa defasagem entre o que é pre-visto na cidadania legal e o que se realiza efetivamente na vida dos habitantes.

Nessa contradição inerente ao desenvolvimento dos direitos sociais, po-líticos e civis, talvez a mais intensa esteja na defasagem do papel da cidadania entre aqueles que são considerados cidadãos e dos que não são em uma de-terminada sociedade. Como exemplo, a cidadania grega, que estava condicio-nada ao sistema de trabalho escravista para sua existência, e, no entanto, esses próprios escravos mantenedores do sistema produtivo da democracia estavam absolutamente excluídos de qualquer exercício livre e de cidadania.

Os direitos sociais estão vinculados ao princípio da dignidade da pessoa humana, com fulcro na Constituição Federal de 1988, sendo que não há que se proteger apenas a dignidade de uma determinada pessoa, mas a dignidade de toda e qualquer pessoa, de forma isonômica, coibindo qualquer espécie de discriminação. Nenhum ser humano é superior ao outro. Somos todos iguais perante a lei, conforme dispõe o art. 5º da nossa Carta Magna: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liber-dade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Ainda nesse sentido, assim dispõe a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948:

Art. I: Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dota-das de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.

Art. II: Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabe-lecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

A negação de que o preconceito racial existe no Brasil é ainda mais vexa-tória do que a própria discriminação, uma vez que não é aceitável ocultar esse

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grave problema que temos no País, o qual traz algumas consequências, como conflitos, violência, pobreza, sofrimento e desigualdades.

O preconceito é um crime de ódio que atenta à dignidade humana, afe-tando não somente as vítimas, mas a todo um grupo a que elas pertencem, con-tribuindo de forma negativa para o retrocesso social, devendo este ser combati-do veementemente pelo Poder Público, com ações efetivas, eficientes e eficazes em prol de uma sociedade fraterna, igualitária e inclusiva.

DA TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL

O instituto da reserva do possível originou-se da jurisprudência consti-tucional alemã, com intuito de limitar a atuação do Estado, no âmbito da efe-tivação de direitos sociais e fundamentais, preservando os direitos e as garan-tias constitucionais de todos os cidadãos. Os juristas e especialistas em Direito Comparado afirmam que conceitos constitucionais devem ser aplicados dentro de um contexto cultural, social e econômico, sendo de suma importância a aplicabilidade da teoria supramencionada, a fim de solucionar conflitos entre âmbitos normativos distintos, em prol da defesa dos direitos sociais.

A atuação efetiva do Estado na defesa dos direitos sociais tem amparo na reserva do possível, objetivando atender às necessidades de uma sociedade, promovendo a mais lídima justiça.

Cumpre salientar que, quando os Poderes Legislativo e Executivo não atuam de acordo com as suas atribuições, poderá o Judiciário intervir, a fim de garantir a implementação de políticas públicas, respeitando o princípio da dignidade humana.

A aplicabilidade da teoria da reserva do possível permite à Administração Pública atuar em benefício da sociedade como um todo, dentro das possibilida-des do Erário, ou seja, dentro do orçamento público, obrigando o Poder Público a efetivar os direitos e as garantias em favor de um bem comum.

O Estado tem o dever de atender à sociedade, enfrentado a realidade de cada localidade do País, dentro das possibilidades existentes, porém respeitan-do a dignidade de todo e qualquer ser humano, sem distinção ou privilégios de alguns, em detrimento de outros, sendo esta uma postura fundamental de nossas autoridades, para que se estabeleça o Estado Democrático de Direito.

CONCLUSÃO

Isso posto, conclui-se que a teoria da reserva do possível é um instru-mento indispensável para o exercício pleno da cidadania, atuando de forma efetiva para a obtenção e garantia de direitos civis, sociais e políticos de uma sociedade.

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As políticas públicas correspondem aos direitos assegurados em nossa Carta Magna, reconhecidos pela sociedade e pelos Poderes Públicos. Elas po-dem ser propostas por iniciativa dos Poderes Executivo e Legislativo, em con-junto ou separadamente, de acordo com as demandas da sociedade, principal-mente em prol das minorias e dos menos favorecidos.

A partir da década de 90 foram realizadas tentativas para criar políticas públicas universais e estáveis. Foram propostas e implementadas leis como:

Lei Maria da Penha – Lei nº 11.340/2006;

Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/1990;

Estatuto do Idoso – Lei nº 10.471/2003.

Os programas sociais também foram implementados como benefício para a população carente, sendo esses de grande relevância social, podendo ser citados alguns exemplos: bolsa família e bolsa escola.

Essas conquistas são resultado de um esforço conjunto entre sociedade, organizações e autoridades, que lutam para que todos vivam com dignidade.

O Estado desenvolvendo um papel de maior proximidade com a socieda-de torna a administração da política pública mais democrática.

A realização de uma política menos centralizada, em que a população tem uma atuação participativa, torna possível o avanço de políticas públicas efetivas, que serão fundamentais para a solução de um problema de ordem pú-blica, seja para um determinado setor ou grupo, refletindo para o bem de toda a sociedade brasileira.

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PINSKY, J. História da cidadania. Contexto, 2003.

PORTAL BRASIL. Declaração Universal dos Direitos Humanos garante igualdade social. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2009/11/declaracao-universal-dos-direitos-humanos-garante-igualdade-social>.

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

A Teoria da Reserva do Possível na Administração Pública

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Supremo Tribunal Federal05.02.2013 Primeira TurmaAgRg no Recurso Extraordinário nº 642.536 AmapáRelator: Min. Luiz FuxAgte.(s): Estado do AmapáProc.(a/s)(es): Procurador‑Geral do Estado do AmapáAgdo.(a/s): Ministério Público do Estado do AmapáProc.(a/s)(es): Procurador‑Geral de Justiça do Estado do Amapá

eMentaAGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO – ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – REPERCUSSÃO GERAL PRESUMIDA – SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE LOCAL – PODER JUDICIÁRIO – DETERMINAÇÃO DE ADOÇÃO DE MEDIDAS PARA A MELHORIA DO SISTEMA – POSSIBILIDADE – PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DA RESERVA DO POSSÍVEL – VIOLAÇÃO – INOCORRÊNCIA – AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO

1. A repercussão geral é presumida quando o recurso versar questão cuja repercussão já houver sido reconhecida pelo Tribunal, ou quando im-pugnar decisão contrária a súmula ou a jurisprudência dominante desta Corte (art. 323, § 1º, do RISTF).

2. A controvérsia objeto destes autos – possibilidade, ou não, de o Poder Judiciário determinar ao Poder Executivo a adoção de providências ad-ministrativas visando a melhoria da qualidade da prestação do serviço de saúde por hospital da rede pública – foi submetida à apreciação do Pleno do Supremo Tribunal Federal na SL 47-AgR, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 30.04.2010.

3. Naquele julgamento, esta Corte, ponderando os princípios do “míni-mo existencial” e da “reserva do possível”, decidiu que, em se tratando de direito à saúde, a intervenção judicial é possível em hipóteses como a dos autos, nas quais o Poder Judiciário não está inovando na ordem jurí-dica, mas apenas determinando que o Poder Executivo cumpra políticas públicas previamente estabelecidas.

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4. Agravo regimental a que se nega provimento.

aCÓrdÃo

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Pri-meira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Senhor Minis-tro Luiz Fux, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 05 de fevereiro de 2013.

Luiz Fux – Relator Documento assinado digitalmente

relatÓrio

O Senhor Ministro Luiz Fux (Relator): Trata-se de agravo regimental inter-posto pelo Estado do Amapá em face de decisão de minha lavra, assim emen-tada (fl. 655):

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL PRESUMIDA – SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE LOCAL – PODER JUDICIÁRIO – DETERMINAÇÃO DE ADOÇÃO DE MEDIDAS PARA A MELHORIA DO SISTEMA – POSSIBILIDADE – PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DA RESERVA DO POSSÍVEL – VIOLAÇÃO – INOCORRÊNCIA – RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE DÁ PROVIMENTO

1. A repercussão geral é presumida quando o recurso versar questão cuja reper-cussão já houver sido reconhecida pelo Tribunal, ou quando impugnar decisão contrária a súmula ou a jurisprudência dominante desta Corte (art. 323, § 1º, do RISTF).

2. A controvérsia objeto destes autos – possibilidade, ou não, de o Poder Judi-ciário determinar ao Poder Executivo a adoção de providências administrativas visando a melhoria da qualidade da prestação do serviço de saúde por hospital da rede pública – foi submetida à apreciação do Pleno do Supremo Tribunal Fe-deral na SL 47-AgR, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 30.04.2010.

3. Naquele julgamento, esta Corte, ponderando os princípios do ‘mínimo existen-cial’ e da ‘reserva do possível’, decidiu que, em se tratando de direito à saúde, a intervenção judicial é possível em hipóteses como a dos autos, nas quais o Poder Judiciário não está inovando na ordem jurídica, mas apenas determinando que o Poder Executivo cumpra políticas públicas previamente estabelecidas.

4. Recurso extraordinário a que se dá provimento.”

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34 ��������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 142 – Outubro/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Em suas razões recursais, o agravante sustenta que o recurso extraordi-nário interposto pelo Ministério Público não preenche um dos requisitos de admissibilidades indispensáveis ao seu conhecimento: o prequestionamento. Alega, ainda, que a análise da controvérsia objeto destes autos dependeria do revolvimento do conjunto fático-probatório, inviável na via extraordinária.

Ao final, requer a reconsideração da decisão hostilizada, com o conse-quente não provimento do apelo extremo interposto pelo Parquet.

É o relatório.

voto

O Senhor Ministro Luiz Fux (Relator): Não assiste razão ao agravante.

Em suma, os fundamentos da decisão agravada restaram assim consigna-dos (fls. 655/663):

“Cuida-se de recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público do Estado do Amapá, com fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal de 1988, contra acórdão do TJ/AP assim ementado (fl. 585):

‘CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – REMESSA EX OFFICIO – AGRAVO RETIDO E APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTRA O ESTADO E MU-NICÍPIO – OBRIGAÇÃO DE FAZER – INVESTIMENTO E MANUTENÇÃO DE UNIDADE DE SAÚDE ESTADUAL – EXCLUSÃO DO MUNICÍPIO DA LIDE – INADMISSÃO DA UNIÃO COMO LITISCONSORTE PASSIVA NECESSÁRIA – AUTONOMIA ADMINISTRATIVA E FINANCEIRA DO ESTADO FEDERA-DO – PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA ENTRE OS PODERES – IMPOSSIBI-LIDADE DE CONDENAÇÃO EM OBRIGAÇÃO DE FAZER QUE ENVOLVA INVESTIMENTO ESTATAL – 1. Em face ao disposto no art. 475, II, do CPC, está sujeita ao duplo grau de jurisdição a sentença proferida contra o Esta-do, máxime quando o valor da causa é superior a sessenta salários mínimos. 2. Versando a ação civil pública sobre obrigação de fazer vinculada à Uni-dade Mista de Saúde Estadual, confirma-se a exclusão do Município da lide, por ilegitimidade. 3. Decorrência da autonomia administrativa e financeira de que goza cada Estado Federado (CF, arts. 18 e 25), e, especialmente, em decorrência do princípio da independência e harmonia entre os poderes (CF, art. 2º), não pode o Poder Judiciário, substituindo a Administração Pública do Estado, em sua apreciação de conveniência e oportunidade quanto à gestão e aplicação dos recursos públicos, estabelecer onde e como deverão ser aplica-dos tais recursos e feitos os investimentos necessários à prestação satisfatória e eficiente de qualquer serviço, inclusive aquele vinculado à Unidade Mista de Saúde instalada em determinado Município do Estado. 4. Provimento da Remessa Oficial. Prejudicialidade dos recursos de agravo retido e apelação interpostos.’

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Noticiam os autos que o recorrente ajuizou ação civil pública, com pedido de antecipação de tutela, contra o Estado do Amapá, ora recorrido, e contra o Muni-cípio do Amapá, pleiteando a condenação dos entes públicos em obrigações de fazer que implicassem na adoção de medidas necessárias à melhoria da qualida-de do sistema público de saúde local.

Narra a inicial que a Unidade Mista de Saúde – UMSA, ‘único hospital de refe-rência do Município, [...] vem padecendo de uma falência progressiva por falta de manutenção e renovação de equipamentos médicos-hospitalares e de suas instalações, carência de renovação do quadro de pessoal, contratação de pro-fissionais técnicos para a chefia de farmácia do laboratório clínico, e outros. Re-sultando, assim, no colapso geral das ações e serviços de saúde, dando ensejo à violação cotidiana, sistemática e reiterada do direito universal à saúde’ (fl. 7).

O magistrado singular reconheceu a ilegitimidade passiva do Município e, no mérito, julgou parcialmente procedente o pedido ‘para impor ao Estado do Ama-pá a obrigação de fazer consistente na prestação adequada e contínua dos ser-viços de saúde no âmbito do município de Amapá, promovendo, em caráter emergencial, dentro do prazo de 90 (noventa) dias, a reforma e manutenção geral da UMSA; pintura de toda a unidade; aquisição de condicionadores de ar; rea-tivação das salas de cirurgia e de parto; reforma na rede elétrica; aquisição de extintores de incêndio e mangueiras; contratação efetiva de 1 (um) farmacêutico ou bioquímico’ (fl. 510).

Pleiteando a complementação do julgado, o Parquet opôs embargos de declara-ção. Alegou que a sentença foi omissa quanto à antecipação de tutela pleiteada e quanto à ‘fixação do termo final para o cumprimento das providências objeto da condenação, já que restou somente a fixação de prazo para início das “primeiras” providências, qual seja 90 (noventa) dias’ (fl. 513-v).

Os embargos foram acolhidos nos seguintes termos (fls. 515/516):

‘[...] evidente que a situação constatada nos relatórios do Crea de outubro de 2006 e de janeiro de 2008, não se alterou significativamente, o que justifica a antecipação dos efeitos da tutela, para dar efeito meramente devolutivo em caso da interposição de apelação.

Outro ponto que também merece acolhida é o fato de ter estabelecido apenas o prazo de 90 dias para as primeiras providências. É certo que não tendo data para a conclusão, restaria inócua a possível execução do julgado.

Dessa sorte determino que as primeiras medidas sejam tomadas em 90 dias, e que toda a execução dos serviços se dê nos 180 dias seguintes, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00.’

Irresignado, o Estado do Amapá interpôs apelação, requerendo, preliminarmen-te, a inclusão da União e do Município do Amapá no polo passivo da lide, com respaldo no art. 23, inciso II, da CF/1988, verbis:

‘Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

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[...]

II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;’

No mérito, sustentou que ‘o princípio da reserva do possível torna inviável a con-denação da Fazenda Pública no feito sub examine’, destacando que ‘o princípio em pauta determina que a Administração Pública só tem o dever de atuar quando presentes os requisitos idôneos à atividade administrativa. Inexistindo meios ma-teriais, como recursos financeiros aptos a arrostar as despesas solicitadas, queda inviável a providência desejada’ (fls. 521/522).

O TJ/AP deu provimento à remessa oficial, julgando prejudicada a apelação do Estado.

Nas razões do apelo extremo, o Ministério Público afirma que ‘a ilicitude gerada pelo não cumprimento injustificado do dever da administração pública em im-plementar políticas de governo acarreta a desarmonia da ordem jurídica, o que faz merecer correção judicial, sob pena de transformar em letra morta os direitos sociais. Assim, pode-se dizer que o princípio da separação dos poderes – inicial-mente formulado em sentido forte, até porque assim o exigiam as circunstâncias históricas – nos dias atuais, para ser compreendido de modo constitucionalmente adequado, exige temperamentos e ajustes à luz de diferentes realidades consti-tucionais’ (fl. 607).

Ressalta ainda que o princípio da reserva do possível não pode ser aplicado quando não há comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira do Estado, bem como não pode ser empecilho à garantia da dignidade da pessoa humana.

Alega, por fim, violação do art. 196 da CF/1988, segundo o qual, ‘a saúde é direi-to de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação’.

Requer o provimento do recurso a fim de restabelecer a sentença.

É o relatório. Decido.

Ab initio, deixo de apreciar a existência da repercussão geral, uma vez que o art. 323, § 1º, do RISTF dispõe que ‘tal procedimento não terá lugar, quando o re-curso versar questão cuja repercussão já houver sido reconhecida pelo Tribunal, ou quando impugnar decisão contrária a súmula ou a jurisprudência dominante, casos em que se presume a existência de repercussão geral’.

A controvérsia objeto destes autos – possibilidade, ou não, de o Poder Judiciário determinar ao Poder Executivo a adoção de providências administrativas visando a melhoria da qualidade da prestação do serviço de saúde por hospital da rede pública – foi submetida à apreciação do Pleno do Supremo Tribunal Federal na SL 47-AgR, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 30.04.2010.

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Naquele julgamento, esta Corte, ponderando os princípios do ‘mínimo existen-cial’ e da ‘reserva do possível’, decidiu que, em se tratando de direito à saúde, a intervenção judicial é possível em hipóteses como a dos autos, nas quais o Poder Judiciário não está inovando na ordem jurídica, mas apenas determinando que o Poder Executivo cumpra políticas públicas previamente estabelecidas. Eis a ementa do julgado:

‘EMENTA: Suspensão de Liminar. Agravo Regimental. Saúde pública. Direitos fundamentais sociais. Art. 196 da Constituição. Audiência Pública. Sistema Único de Saúde – SUS. Políticas públicas. Judicialização do direito à saúde. Separação de poderes. Parâmetros para solução judicial dos casos concretos que envolvem direito à saúde. Responsabilidade solidária dos entes da Fede-ração em matéria de saúde. Ordem de regularização dos serviços prestados em hospital público. Não comprovação de grave lesão à ordem, à economia, à saúde e à segurança pública. Possibilidade de ocorrência de dano inverso. Agravo regimental a que se nega provimento.’

Destaco o seguinte trecho do voto condutor do julgamento:

‘[...]

A doutrina constitucional brasileira há muito se dedica à interpretação do art. 196 da Constituição. Teses, muitas vezes antagônicas, proliferam-se em todas as instâncias do Poder Judiciário e na seara acadêmica. Tais teses bus-cam definir se, como e em que medida o direito constitucional à saúde se tra-duz em um direito subjetivo público a prestações positivas do Estado, passível de garantia pela via judicial.

As divergências doutrinárias quanto ao efetivo âmbito de proteção da nor-ma constitucional do direito à saúde decorrem, especialmente, da nature-za prestacional desse direito e da necessidade de compatibilização do que se convencionou denominar “mínimo existencial” e “reserva do possível”’ (Vorbehalt des Móglichen).

[...]

Ressalto, nessa perspectiva, as contribuições de Stepnhen Holmes e Cass Suns-tein para o reconhecimento de que todas as dimensões dos direitos fundamentais têm custos públicos, dando significativo relevo ao tema da ‘reserva do possível’, especialmente ao evidenciar a ‘escassez dos recursos’ e a necessidade de se fa-zerem escolhas alocativas, concluindo, a partir das perspectivas das finanças pú-blicas, que ‘levar a sério os direitos significa levar a sério a escassez’ (HOLMES, Stepnhen; SUNSTEIN, Cass. The Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes. W. W. Norton & Company: Nova Iorque, 1999).

[...]

A dependência de recursos econômicos para a efetivação dos direitos de caráter social leva parte da doutrina a defender que as normas que consagram tais direi-tos assumem a feição de normas programáticas, dependentes, portanto, da for-mulação de políticas públicas para se tornarem exigíveis. Nesse sentido, também

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se defende que a intervenção do Poder Judiciário, ante a omissão estatal quanto à construção satisfatória dessas políticas, violaria o princípio da separação dos poderes e o princípio da reserva do financeiramente possível.

[...] argumenta-se que o Poder Judiciário, o qual estaria vocacionado a concre-tizar a justiça do caso concreto (macrojustiça), muitas vezes não teria condições de, ao examinar determinada pretensão à prestação de um direito social, analisar as consequências globais da destinação de recursos públicos em benefício da parte, com invariável prejuízo para o todo (AMARAL, Gustavo. Direito, escassez e escolha. Renovar: Rio de Janeiro, 2001).

Por outro lado, defensores da atuação do Poder Judiciário na concretização dos direitos sociais, em especial do direito à saúde, argumentam que tais direitos são indispensáveis para a realização da dignidade da pessoa humana. Assim, ao menos o ‘mínimo existencial’ de cada um dos direitos – exigência lógica do princípio da dignidade da pessoa humana – não poderia deixar de ser objeto de apreciação judicial.

[...]

Após ouvir os depoimentos prestados pelos representantes dos diversos setores envolvidos, ficou constatada a necessidade de se redimensionar a questão da judicialização do direito à saúde no Brasil. Isso porque, na maioria dos casos, a intervenção judicial não ocorre em razão de uma omissão absoluta em matéria de políticas públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas tendo em vista uma necessária determinação judicial para o cumprimento de políticas já estabe-lecidas. Portanto, não se cogita do problema da interferência judicial em âmbitos de livre apreciação ou de ampla discricionariedade de outros Poderes quanto à formulação de políticas públicas.

[...]

Assim, também como base no que ficou esclarecido na Audiência Pública, o primeiro dado a ser considerado é a existência, ou não, de política estatal que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte. Ao deferir uma prestação de saúde incluída entre as políticas e econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Judiciário não está criando política pública, mas apenas deter-minando o seu cumprimento. Nesses casos, a existência de um direito subjetivo público a determinada política pública de saúde parece ser evidente.

[...]

A decisão em apreço convocou os entes da federação a cumprir as obrigações que lhes são constitucionalmente determinadas, diante da constatação de defi-ciências concretas na prestação dos serviços por uma unidade de saúde espe-cífica, entre as quais cito: ausência de médicos de plantão na UTI; falta de me-dicamentos materiais e estruturas para exames básicos para realização de uma intervenção cirúrgica; deficiência no atendimento das especialidades de neurolo-gia, traumatologia e ortopedia; e número insuficiente de leitos.

[...]

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Conforme relatado na decisão objeto da presente suspensão, a ordem liminar determina, apenas, que os réus tomem providências inseridas no âmbito das suas competências. [...]

Ao deferir uma prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e econômi-cas formuladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Judiciário não está criando política pública, mas apenas determinando o seu cumprimento. Em casos como o presente, a existência de um direito subjetivo público a determinada política pública parece ser evidente.

Pelo exposto, dou provimento ao recurso extraordinário com fundamento no dis-posto no art. 557, § 1º-A, do CPC.”

Assim sendo, em que pesem os argumentos expendidos nas razões de agravar, resta evidenciado que o agravante não trouxe nenhum argumento ca-paz de infirmar a decisão hostilizada, razão pela qual a mesma deve ser manti-da por seus próprios fundamentos.

Ex positis, nego provimento ao agravo regimental.

É como voto.

priMeira turMa eXtrato de ata

AgRg no Recurso Extraordinário nº 642.536

Proced.: Amapá

Relator: Min. Luiz Fux

Agte.(s): Estado do Amapá

Proc.(a/s)(es): Procurador-Geral do Estado do Amapá

Agdo.(a/s): Ministério Público do Estado do Amapá

Proc.(a/s)(es): Procurador-Geral de Justiça do Estado do Amapá

Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidência do Senhor Ministro Luiz Fux. 1ª Tur-ma, 05.02.2013.

Presidência do Senhor Ministro Luiz Fux. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli e Rosa Weber.

Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas.

Carmen Lilian Oliveira de Souza Secretária de Primeira Turma

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

A Teoria da Reserva do Possível na Administração Pública

8481

Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoAgravo de Instrumento nº 0007841‑85.2017.4.01.0000/MA (d)Relator: Desembargador Federal Daniel Paes RibeiroAgravante: Município de São Luis/MAProcurador: MA00013633 – Luisa Rocha DuarteAgravado: Ministério Público FederalProcurador: Alexandre Silva Soares

eMentaPROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – MUNICÍPIO DE SÃO LUÍS (MA) – MANUTENÇÃO E PRESERVAÇÃO DE BEM TOMBADO – FONTE DAS PEDRAS E FONTE DO RIBEIRÃO – ANTECIPAÇÃO DA TUTELA DEFERIDA – DESCUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL – INVOCAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL – DESCABIMENTO – AS-TREINTES – LEGITIMIDADE – REDUÇÃO DO VALOR – AGRAVO DE INSTRUMENTO – PROVI-MENTO PARCIAL

1. À míngua de comprovação objetiva da incapacidade econômico-fi-nanceira do ente público, não se afigura legítimo que o Município se exima do cumprimento de decisão judicial, proferida há quase 3 (três) anos, referente à sua responsabilidade pela manutenção e preservação de bens tombados, invocando, de forma genérica, o princípio da reserva do possível.

2. Havendo recalcitrância do ente público no cumprimento da deter-minação judicial por tão longo período, não se mostra desarrazoado o arbitramento de multa cominatória, inclusive de natureza pessoal, a qual, entretanto, fica reduzida para R$ 1.000,00 (mil reais) por dia de descum-primento, nos termos do art. 537 do novo Código de Processo Civil.

3. Agravo de instrumento parcialmente provido.

aCÓrdÃo

Decide a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao agravo de instrumento.

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Brasília, 10 de julho de 2017.

Des. Federal Daniel Paes Ribeiro Relator

relatÓrio

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro:

O Município de São Luís (MA) interpõe agravo de decisão que, nos au-tos de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, ratificando decisão anterior, determinou-lhe que, no prazo de 3 (três) meses, comprove o cumprimento da decisão liminar que lhe impôs o controle nos usos da Fonte das Pedras e na Fonte do Ribeirão, por meio da implementação de vigilância na área, de modo que seja evitada a fixação de ocupações irregulares, proce-dendo às medidas necessárias para a relocação daqueles que já se encontram no local, observando as condições necessárias ao respeito à integridade física e psicológica das pessoas que ali se encontram, bem como a realização das obras urgentes e necessárias à conservação/reparo da Fonte das Pedras e da Fonte do Ribeirão, compatíveis com a natureza do tombamento, sob pena de execução da multa já arbitrada, além da imposição de multa pessoal ao prefeito.

O agravante alega a impossibilidade de manutenção da decisão agrava-da, uma vez que esgota, no todo ou em parte, o objeto da demanda.

Aduz que não existem recursos financeiros, considerando a grave crise financeira, para que seja possível o cumprimento da medida liminar, bem como apela para a reserva do possível.

Por fim, pede a redução do valor da multa já fixada, que, segundo afirma, ultrapassaria três milhões de reais.

Pugna, pois, pelo provimento do agravo.

O pedido de efeito suspensivo foi indeferido, conforme decisão constan-te das fls. 255-256.

A parte agravada apresentou contrarrazões (fls. 261-275).

O Ministério Público Federal opina pelo desprovimento do recurso (fls. 277-281).

É o relatório.

Des. Federal Daniel Paes Ribeiro Relator

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42 ��������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 142 – Outubro/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

voto

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro:

Cuida-se de agravo de instrumento interposto pelo Município de São Luís (MA), em face de decisão que, ratificando decisão anterior, determinou-lhe que, no prazo de 3 (três) meses, comprove o cumprimento da decisão liminar que lhe impôs o controle nos usos da Fonte das Pedras e na Fonte do Ribeirão, por meio da implementação de vigilância na área, de modo que seja evitada a fixação de ocupações irregulares, procedendo às medidas necessárias para a relocação daqueles que já se encontram no local, observando as condições necessárias ao respeito à integridade física e psicológica das pessoas que ali se encontram, bem como a realização das obras urgentes e necessárias à conservação/reparo da Fonte das Pedras e da Fonte do Ribeirão, compatíveis com a natureza do tombamento, sob pena de execução da multa já arbitrada, além da imposição de multa pessoal ao prefeito.

A decisão agravada foi assim fundamentada (fls. 30-32):

Longe de evidenciar o cumprimento da decisão de antecipação de tutela (fls. 88/93), a manifestação do Município de São Luis ratifica a conclusão de que houve o descumprimento das obrigações contra si dirigidas (fls. 222-232).

Com efeito, a decisão anterior registrara a insuficiência das ações de vigilância na Fonte das Pedras e na Fonte do Ribeirão, bem como o descumprimento da obrigação de promover obras urgentes e necessárias à conservação desses bens tombados, razão por que houve a determinação de reiteração da intimação do ente público, com ciência ao Prefeito Municipal, com a advertência de que a rei-teração do descumprimento poderia ensejar a fixação de multa de caráter pessoal (fls. 210/211).

Contudo, em sua última manifestação o Município nada mais fez do que corro-borar a alegação de descumprimento da decisão. Nesse sentido, o ente público apresentou ofício encaminhado pela Fundação Municipal de Patrimônio Históri-co – FUMPH, no qual foi registrado o seguinte:

1. Que houve a realização de intervenções (reforma/pintura/manutenção) na Fonte das Pedras e na Fonte do Ribeirão, no ano de 2012 (portanto antes mesmo da data da propositura desta ação civil pública, do que se conclui que o Município. Ignora completamente a determinação contida na decisão de realizar intervenções atuais, contemporâneas, nesses bens tombados);

2. Que tanto a fonte das Pedras quanto a do Ribeirão necessitam de ações para sua revitalização/conservação e que a Fundação Municipal de Patrimô-nio Histórico – FUMPH não dispõe de recursos financeiros e/ou pessoal para tal (em relação à Fonte das Pedras, aduz que está buscando recursos financei-ros) (mais uma vez, evidencia o descumprimento da decisão de antecipação de tutela, prolatada há mais de 2 anos);

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3. Que ambos os bens tombados necessitam, de forma urgente, de serviços de vigilância armada, para que as benfeitorias a serem realizadas ao fiquem sujeitas à ação de vândalos, o que não poderá ser contratada pela FUMPH (aqui também fica evidenciado o descumprimento da decisão).

Nessa perspectiva, sem prejuízo da multa já fixada contra o ente público e que incide desde o momento em que constatado o descumprimento – cuja quantia, segundo o Ministério Público Federal, já atinge o valor de R$ 3.175.000,00 (três milhões e cento e setenta e cinco mil reais), que poderá ser oportunamente exe-cutada e posteriormente cobrada, no plano do regresso, do agente público que deu causa ao prejuízo ao erário – determino a reiteração da intimação do Muni-cípio de são Luis para comprovar, no prazo de até 3 (três) meses, o cumprimento da decisão de antecipação de tutela.

Intimem-se, inclusive o Prefeito Municipal de São Luis, pessoalmente, com a ad-vertência de que o descumprimento desta decisão ensejará a fixação de multa de caráter pessoal em seu desfavor, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais).

Quando da apreciação do pedido de efeito suspensivo, a Juíza Federal Hind Ghassan Kayath, Relatora (Convocada), indeferiu-o, nestes termos:

Na decisão agravada (fls. 30-31) estão expostos os fundamentos, baseados nas informações prestadas pelo Município, que apontam, ao menos neste momento de cognição sumária, para o não cumprimento da medida liminar que lhe foi direcionada.

A manutenção e preservação dos bens tombados é de sua responsabilidade, e, quanto a isso, não houve qualquer impugnação por parte do Município agravante.

A invocação do princípio da reserva do possível deve vir, no mínimo, acompa-nhada de elementos que apontem nesse sentido, não sendo suficiente a mera alegação ou a argumentação genérica no sentido de que existe uma crise eco-nômica.

Por fim, entendo que, se há recalcitrância no cumprimento de manifestação judi-cial, não existe motivos que justifiquem a reforma da decisão que impõe multa, inclusive de natureza pessoal, ao agente público, dada a sua voluntária omissão.

Ademais, a multa cominada visa garantir o adimplemento da obrigação de fazer tendo natureza meramente coercitiva, podendo ser revista a qualquer tempo para ajustá-la às necessidades do caso concreto, nos termos do art. 537 do NCPC.

Ante o exposto, indefiro o pedido de atribuição de efeito suspensivo.

Na hipótese, registre-se, de início, que a apreciação do recurso cinge--se ao cumprimento da decisão que deferiu a antecipação da tutela, proferida em 25.07.2014, não encontrando espaço para discussão, no presente recurso, qualquer insurgência quanto ao mérito daquela decisão, proferida há quase 3 (três) anos.

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Ademais, conforme consignado na decisão liminar, em nenhum momen-to a parte agravante se insurge acerca da sua responsabilidade pela manutenção e preservação dos bens tombados, limitando-se a justificar o descumprimento da decisão judicial na impossibilidade financeira e orçamentária de executar a medida.

Nesse contexto, não merece prosperar o agravo.

Com efeito, à míngua de comprovação objetiva da incapacidade eco-nômico-financeira do ente público, não se afigura legítimo que o Município se exima do cumprimento da determinação judicial, referente à sua responsabili-dade pela manutenção e preservação dos bens tombados, invocando, de forma genérica, o princípio da reserva do possível.

Registre-se, por outro lado, que não há que se falar em “imediatismo im-posto pela autoridade julgadora do feito”, que “não permite que a Administra-ção Pública haja com prudência própria da discricionariedade administrativa, na escolha e adoção da alternativa mais vantajosa” (sic – fl. 23), sendo certo que a Administração já teve prazo mais que razoável, desde a data em que foi intimada da decisão que deferiu a antecipação da tutela, para a execução das medidas ali determinadas.

Por fim, entendo que, diante da recalcitrância do ente público no cum-primento da determinação judicial por tão longo período, não se afigura desar-razoada a cominação de multa, a qual, entretanto, conforme já registrado na decisão liminar, poderá ser revista a qualquer tempo, havendo elementos que justifiquem a sua modificação, razão por que a reduzo para R$ 1.000,00 (mil reais) por dia de descumprimento.

Ante o exposto, dou parcial provimento ao agravo de instrumento.

É o meu voto.

Des. Federal Daniel Paes Ribeiro Relator

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Assunto Especial – Ementário

A Teoria da Reserva do Possível na Administração Pública

8482 – Reserva do possível – afastamento – direito à saúde – construção de posto de saúde em comunidade indígena – interesse de agir – caracterização

“Processo civil. Administrativo. Ação civil pública. Controle judicial de políticas públicas. Possibi-lidade em casos excepcionais. Inexistência de violação de separação dos poderes. Direito à saúde. Construção de posto de saúde em comunidade indígena. Inépcia da inicial. Inexistência. Interesse de agir demonstrado. Impossibilidade jurídica do pedido. Inocorrência. Afastada a reserva do possí-vel diante da efetivação do mínimo existencial. Remessa necessária e recurso de apelação despro-vidos. 1. Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal postulando a condenação da União para dotar a terra indígena Tapyi, em Cananéia/SP, de estabelecimento de saúde projetado de acordo com as diretrizes estabelecidas na Portaria Funasa nº 840/2007. Pedido julgado procedente. 2. Os fatos e pedidos formulados pelo Parquet estão suficientemente descritos, embasados em do-cumentos, e possibilitaram o pleno exercício do direito de defesa pela ré e a prolação de decisão de mérito pelo juízo a quo, não sendo cabível a alegação de inépcia da inicial. Aliás, não se trata de pedidos genéricos, mas sim de pedidos alternativos, sendo certo que a cumulação alternativa é admitida pelo ordenamento jurídico e que a incompatibilidade dos pedidos não afasta a coerência da pretensão do autor, uma vez que o acolhimento de um excluirá o outro. Preliminar de inépcia da inicial afastada. 3. O órgão ministerial atribui ao Poder Público uma conduta omissa no tocante à assistência à saúde de comunidade indígena, demonstrando, em tese, a necessidade de provoca-ção do Poder Judiciário. Interesse processual presente. 4. Descabida a alegação de impossibilidade jurídica do pedido, sendo certo que é admitido o controle de políticas públicas na via judicial quando imputada ao Poder Público uma abstenção de implementar políticas definidas pela própria Constituição Federal, voltadas à efetivação de direitos fundamentais. 5. Preliminares rejeitadas. 6. A saúde encontra-se no rol de direitos sociais, previsto no art. 6º da Carta Maior, e deve ser garantido a todos mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, na forma do art. 196 do Texto Constitucional. Outrossim, a Constituição Federal conferiu tratamento especial aos índios, atribuindo à União o dever de preservar as populações indígenas, conforme o art. 231. 7. A reserva do possível não pode ser utilizada como um escudo para a não efetivação das políticas públicas de forma devida, descumprindo preceitos normativos da Constitui-ção Federal. 8. Tratando-se a saúde de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, não existe empecilho jurídico para que o Judiciário determine a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, haja vista que não houve comprovação objeti-va da incapacidade econômico-financeira da União. 9. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça possuem jurisprudência sedimentada no sentido que é possível o controle ju-dicial de políticas públicas, não configurando isso violação à separação de poderes, sendo, pelo contrário, essencial o controle judicial das escolhas dos administradores, podendo determinar a implementação de políticas públicas já resguardadas na Constituição. 10. Sentença de procedência mantida. 11. Remessa necessária e recurso de apelação desprovidos.” (TRF 3ª R. – Ap-RN 0001609-68.2010.4.03.6104/SP – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Marcelo Saraiva – DJe 28.07.2017 – p. 703)

Destaque Editorial SÍNTESEDo voto do Relator destacamos:

“[...]

Conforme destacado na exordial e na r. sentença, a própria Funasa reconheceu, extrajudicial-mente, que as condições atuais não garantem pleno atendimento aos indígenas, nos termos

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dos ofícios da Coordenação Regional de São Paulo, às fls. 48 (datado de 27.07.2009) e 42 (datado de 02.09.2009):

‘1. Não foram construídos Postos de Saúde na Terra Indígena Tapyi, em Cananéia/SP e Pindoty, em Pariquera-Açú;

2. A Associação Rondon Brasil, disponibilizou materiais para as comunidades pudessem cons-truir locais provisórios para o atendimento da EMSI;

3. Permanece em vigor a Portaria Funasa nº 840/2007, na qual um dos pré-requisitos para a construção de Postos de Saúde é a apresentação de copia do documento de homologação da terra indígena (cópia do item da Portaria mencionado em anexo);

4. As estruturas construídas, por não se tratar inclusive de Postos de Saúde, por si só, não oferecem e nem tão pouco garantem o pleno atendimento nos locais à saúde da comunidades, porém, amenizam a ausência de Postos de Saúde’.

‘Em resposta ao ofício nº 189/12009, referente às representações acima citadas, informo que os motivos que levam a conclusão de que as citadas construções não garantem aos indígenas o pleno atendimento à saúde são:

1. As construções não seguem os padrões técnicos definidos pelo SENSP de uma unidade de saúde (posto de saúde), são locais improvisados para que o atendimento seja feito dentro da aldeia pela Equipe Multidisciplinar de Saúde Indígena – EMSI em local abrigado e que ofereça alguma privacidade durante o atendimento;

2. Por não ser um Posto de Saúde, não há condições técnicas e sanitárias para a instalação de consultório odontológico, consultório de enfermagem, consultório médico, sala de expurgo, e outras instalações próprias de uma unidade de saúde e que permitiriam o pleno atendimento por parte da EMSI da demanda por atendimento básico da comunidade indígena dentro da respectiva aldeia;

3. Por exemplo, na ausência de consultórios odontológicos, muitos procedimentos são realiza-dos em unidades de saúde dos municípios aumentando o tempo para a finalização de alguns tratamentos e um maior custo devido ao freqüente deslocamento de pacientes das aldeias até a sede dos municípios;

4. Portanto, essas construções não garantem o pleno atendimento “médico” entendido não só no sentido restrito, mas como do atendimento da EMSI.’”

8483 – Reserva do possível – atendimento a gestantes – maternidades estaduais – inaplicabili­dade

“Atendimento a gestantes. Omissão constitucional. Inaplicabilidade da teoria da reserva do possí-vel. ‘Ampliação e melhoria no atendimento de gestantes em maternidades estaduais. Dever estatal de assistência materno-infantil resultante de norma constitucional. Obrigação jurídico-constitucio-nal que se impõe ao Poder Público, inclusive aos Estados-membros. Configuração, no caso, de típi-ca hipótese de omissão inconstitucional imputável ao Estado-membro. Desrespeito à Constituição provocado por inércia estatal (RTJ 183/818-819). Comportamento que transgride a autoridade da Lei fundamental da República (RTJ 185/794-796). A questão da reserva do possível: reconhecimen-to de sua inaplicabilidade, sempre que a invocação dessa cláusula puder comprometer o núcleo básico que qualifica o mínimo existencial (RTJ 200/191-197). O papel do Poder Judiciário na im-plementação de políticas públicas instituídas pela Constituição e não efetivadas pelo Poder Público. A fórmula da reserva do possível na perspectiva da teoria dos custos dos direitos: impossibilidade de sua invocação para legitimar o injusto inadimplemento de deveres estatais de prestação consti-tucionalmente impostos ao Estado. A teoria da ‘restrição das restrições’ (ou da ‘limitação das limi-tações’). Caráter cogente e vinculante das normas constitucionais, inclusive daquelas de conteúdo programático, que veiculam diretrizes de políticas públicas, especialmente na área da saúde (CF, arts. 196, 197 e 227). A questão das ‘escolhas trágicas’. A colmatação de omissões inconstitucionais como necessidade institucional fundada em comportamento afirmativo dos juízes e tribunais e de que resulta uma positiva criação jurisprudencial do direito. Controle jurisdicional de legitimidade da omissão do Estado: atividade de fiscalização judicial que se justifica pela necessidade de obser-

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vância de certos parâmetros constitucionais (proibição de retrocesso social, proteção ao mínimo existencial, vedação da proteção insuficiente e proibição de excesso). Doutrina. Precedentes do Supremo Tribunal Federal em tema de implementação de políticas públicas delineadas na Consti-tuição da República (RTJ 174/687, RTJ 175/1212-1213, RTJ 199/1219-1220). Possibilidade jurídico--processual de utilização das astreintes (CPC, art. 461, § 5º) como meio coercitivo indireto. Exis-tência, no caso em exame, de relevante interesse social. Ação civil pública: instrumento processual adequado à proteção jurisdicional de direitos revestidos de metaindividualidade. Legitimação ativa do Ministério Público (CF, art. 129, III). A função institucional do Ministério Público como ‘defensor do povo’ (CF, art. 129, II). Doutrina. Precedentes. Recurso de agravo improvido.” (STF – RE 581352-AgRg – Rel. Min. Celso de Mello – 2ª T. – J. 29.10.2013)

8484 – Reserva do possível – descabimento – manutenção e preservação de bem tombado – astreintes

“Processual civil. Agravo de instrumento. Ação civil pública. Município de São Luís (MA). Manu-tenção e preservação de bem tombado. Fonte das pedras e fonte do ribeirão. Antecipação da tutela deferida. Descumprimento da ordem judicial. Invocação do princípio da reserva do possível. Des-cabimento. Astreintes. Legitimidade. Redução do valor. Agravo de instrumento. Provimento parcial. 1. À míngua de comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira do ente público, não se afigura legítimo que o Município se exima do cumprimento de decisão judicial, proferida há quase 3 (três) anos, referente à sua responsabilidade pela manutenção e preservação de bens tom-bados, invocando, de forma genérica, o princípio da reserva do possível. 2. Havendo recalcitrância do ente público no cumprimento da determinação judicial por tão longo período, não se mostra desarrazoado o arbitramento de multa cominatória, inclusive de natureza pessoal, a qual, entretan-to, fica reduzida para R$ 1.000,00 (mil reais) por dia de descumprimento, nos termos do art. 537 do novo Código de Processo Civil. 3. Agravo de instrumento parcialmente provido.” (TRF 1ª R. – Proc. 00078418520174010000 – 6ª T. – Rel. Des. Daniel Paes Ribeiro – J. 10.07.2017)

8485 – Reserva do possível – fornecimento de medicamento – grave estado de doença – SUS – pessoa desprovida de recursos financeiros – configuração

“Processo civil e administrativo. Fornecimento de medicamento. Grave estado de doença. SUS. Pessoa desprovida de recursos financeiros. Art. 196 da CF/1988 e Lei nº 8.080/1990. Legitimidade. Medicamento não padronizado. Reserva do possível. Honorários majorados. 1. Trata-se de remessa necessária e de recurso de apelação interposto pela União Federal, nos autos da ação ordinária ajuizada por Elenir de Souza Lima, objetivando a condenação da Ré a fornecer o medicamento Soliris (Eculizumab), por tempo indeterminado. 2. O cumprimento do dever político-constitucional de proteção à saúde, consagrado no art. 196 do Texto Básico, obriga o Estado (gênero) em regime de responsabilidade solidária entre as pessoas políticas que o compõem, dada a unicidade do Sistema (art. 198, CF/1988), a par de restar incluso, nas atividades voltadas a assegurar tal direito fundamen-tal, o fornecimento gratuito de medicamentos e congêneres, bem como de atendimento médico, a pessoas desprovidas de recursos financeiros para a cura, controle ou atenuação de enfermidades. 3. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são partes legítimas para figurar no polo passivo nas demandas cuja pretensão é o fornecimento de medicamentos/tratamento médico im-prescindível à saúde de pessoa carente. 4. Igualmente, cumpre rechaçar a arguição de impossibili-dade de fornecimento de medicamento não padronizado/autorizado, haja vista que os documentos irrefutados de fls. 328/334 demonstram a necessidade do medicamento para o tratamento da doen-ça específica da Apelada. 5. No que toca ao argumento de inexistência de previsão orçamentária, impõe-se a incidência do princípio da cedência recíproca, pelo que, conflitando a oneração finan-ceira do ente político e pronto atendimento do paciente, há que se resolver em favor da manutenção

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da saúde e, consequentemente, da vida deste. 6. Honorários advocatícios majorados em 10%, nos termos do art. 85, § 11, do CPC. 7 Remessa necessária e recurso desprovidos.” (TRF 2ª R. – AC-RN 0057006-83.2016.4.02.5117 – 6ª T.Esp. – Rel. Poul Erik Dyrlund – DJe 26.07.2017 – p. 469)

Transcrição Editorial SÍNTESEConstituição Federal:

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

8486 – Reserva do possível – fornecimento gratuito de medicamentos – responsabilidade solidá­ria – configuração

“Administrativo. Fornecimento gratuito de medicamentos. Responsabilidade solidária. Legitimidade passiva dos entes da federação. Reserva do possível. Do ressarcimento. Honorários de sucumbên-cia. A legitimidade passiva de todos os entes federativos para ações que envolvem o fornecimento ou o custeio de medicamento resulta da atribuição de competência comum a eles, em matéria de direito à saúde, e da responsabilidade solidária decorrente da gestão tripartite do Sistema Único de Saúde (arts. 24, inciso II, e 198, inciso I, da Constituição Federal). O direito fundamental à saúde é assegurado nos arts. 6º e 196 da Constituição Federal e compreende a assistência farmacêutica (art. 6º, inc. I, alínea d, da Lei nº 8.080/1990), cuja finalidade é garantir a todos o acesso aos me-dicamentos necessários para a promoção e tratamento da saúde. A interferência judicial na área da saúde não pode desconsiderar as políticas estabelecidas pelo legislador e pela Administração. Todavia, o Poder Público não pode invocar a cláusula da ‘reserva do possível’, para exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, sem demonstrar, concretamente, a impossibilida-de de fazê-lo. A questão relativa ao reembolso e/ou cobrança dos custos suportados por determina-do ente federativo em decorrência do fornecimento do medicamento pleiteado, trata-se de medida a ser resolvida no âmbito administrativo, sem necessidade de intervenção judicial. Tratando-se de causa relacionada à garantia do direito à saúde, cujo valor material é inestimável, correta a aplicação do § 8º do art. 85 do Novo CPC, que remete à apreciação equitativa considerando os incisos do § 2º do artigo citado (grau de zelo profissional, lugar da prestação do serviço, natureza e importância da causa, trabalho realizado pelo advogado e tempo exigido para o seu serviço).” (TRF 4ª R. – Ap-RN 5069673-07.2014.4.04.7000 – 4ª T. – Relª Desª Fed. Vivian Josete Pantaleão Caminha – J. 05.07.2017)

Transcrição Editorial SÍNTESEConstituição Federal:

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Lei nº 8.080/1990:

“Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):

I – a execução de ações:

[...]

d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica.”

8487 – Reserva do possível – inaplicabilidade – bem tombado – patrimônio histórico – conser­vação e preservação – necessidade

Ação civil pública. Igreja de São Benedito em Laranjeiras/SE. Patrimônio histórico. Bem tombado. Preliminar de legitimidade. Competência comum. Necessidade de conservação e preservação do

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patrimônio histórico. Impossibilidade de aplicação do princípio da reserva do possível. Possibilida-de de aplicação de astreintes à Fazenda Pública em caso de descumprimento. Redução da multa em atenção aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 1- Remessa e apelações interpostas pelo Município de Laranjeiras/SE, Iphan, União e Arquidiocese de Aracaju em face da sentença que julgou procedente Ação Civil Pública. A sentença condenou: a) o Município de Laranjeiras/SE a executar o projeto de drenagem, com o objetivo de evitar o acúmulo de água junto à edificação, o projeto de contenção de terras na área externa localizada atrás da edificação, e o projeto de pre-venção de incêndios; b) o Iphan a promover a completa e definitiva restauração da Igreja de São Benedito, com base em projeto devidamente aprovado por ele apresentado e aprovado; c) a Arqui-diocese de Aracaju, a União/Iphan e o Município de Laranjeiras/SE, a arcarem com os custos da restauração da Igreja São Benedito devidamente atualizados, 1/3 (um terço) para cada um. Ainda, determinou multa diária de R$ 2.000,00 em caso de não cumprimento. 2. De acordo com a Cons-tituição Federal , a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são responsáveis também pela proteção e manutenção do patrimônio histórico nacional. Competência comum. Preliminar de legitimidade da União e do Município não acolhida. 3. A responsabilidade primária de conservação e de reparação do patrimônio do bem tombado é do proprietário, desde que o mesmo disponha de recursos econômicos para realizá-las, cabendo ao Iphan o dever subsidiário de reparar o imóvel à custa da União, somente quando o proprietário do bem não pode arcar com as despesas necessá-rias, nos termos do art. 19, do Decreto-Lei nº 25/1937. 4. Não há nos autos controvérsia quanto à necessidade de preservação e conservação da Igreja de São Benedito. Embora haja documentos que informe tentativas de sua recuperação, até a data da sentença não havia provas sobre a execução do projeto de restauração, mesmo porque os procedimentos licitatórios promovidos, segundo consta nos autos, não obtiveram sucesso na contratação de empresa para a restauração da Igreja São Be-nedito. Tampouco há, nas apelações dos réus, informação no sentido de que a obra de restauração encontrar-se-ia em andamento. Assim, faz-se mister a recuperação da igreja de São Benedito, tom-bada pelo Iphan desde 18.06.1996, por integrar o patrimônio cultural da cidade de Laranjeiras/SE pela sua importância histórica, artística e cultural. 5. Não aplicável o princípio da reserva do possí-vel uma vez que o STF já se manifestou no sentido de que tal princípio não pode ser invocado pelo Poder Público para fraudar, frustrar e inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria constituição (ADPF 45/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Informativo/STF nº 345/2004). 6. ‘O entendimento pacífico desta Corte Superior é no sentido de ser possível ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, fixar multa diária cominatória (astreintes), ainda que seja contra a Fazenda Pública, em caso de descumprimento de obrigação de fazer’ (EDcl-AgRg-REsp 1367081/RS, 2ª T., Rel. Humberto Martins, DJe 28.05.2013). 7. O valor da multa de R$ 2.000,00 (dois mil reais) fixado na sentença não está em consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, ante o valor da reforma do patrimônio histórico protegido, avaliada em R$ 167.210,99 (cento e sessenta e sete mil, duzentos e dez reais e noventa e nove centavos). Diante desse quadro, deve ser reduzido o valor da multa para R$ 300,00 (trezentos reais) por dia, em caso de descumprimento. 8. Remessa e apelações parcialmente providas.” (TRF 5ª R. – Ap-Reex 0004062-98.2012.4.05.8500 – (32739/SE) – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Conv. Manuel Maia de Vasconcelos Neto – DJe 03.12.2015 – p. 174)

8488 – Reserva do possível – invocação – impossibilidade – precedentes

Agravo regimental no agravo de instrumento. Constitucional. Legitimidade do Ministério Público. Ação civil pública. Implementação de políticas públicas. Possibilidade. Violação do princípio da separação dos poderes. Não ocorrência. Reserva do possível. Invocação. Impossibilidade. Prece-dentes. 1. Esta corte já firmou a orientação de que o ministério público detém legitimidade para requerer, em juízo, a implementação de políticas públicas por parte do poder executivo de molde a assegurar a concretização de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos garantidos pela constituição federal, como é o caso do acesso à saúde. 2. O Poder Judiciário, em situações excep-cionais, pode determinar que a administração pública adote medidas assecuratórias de direitos

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constitucionalmente reconhecidos como essenciais sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes. 3. A administração não pode invocar a cláusula da ‘reserva do possível’ a fim de justificar a frustração de direitos previstos na constituição da república, voltados à garantia da dignidade da pessoa humana, sob o fundamento de insuficiência orçamentária. 4. Agravo regi-mental não provido.” (STF – AgRg-AI 674.764 – Rel. Min. Dias Toffoli – DJe 25.10.2011 – p. 23)

8489 – Reserva do possível – não violação – tratamento médico – fornecimento de fármaco – comprovação

“Administrativo, constitucional e processual civil. Ação civil pública. Saúde. Tratamento médico. Leucemia mielóide aguda. Fornecimento de fármaco. Comprovação. Prova documental. Preli-minares. Inadequação da via eleita, ilegitimidade ativa do MPF e passiva da União e do Estado. Cacons. Princípio da descentralização do SUS. Responsabilidade solidária. Princípios da reserva do possível e da separação dos poderes. Não violação. Sentença mantida. 1. ‘A Ação Civil Pú-blica é o meio adequado para que o Ministério Público Federal promova a proteção de direitos individuais indisponíveis, como, no caso, em que se busca resguardar o direito à saúde e à vida de pessoa enferma e carente de recursos financeiros para o custeio de tratamento médico (CF, art. 127, caput)’ (AC 0000896-66.2010.4.01.3803/MG, Rel. Des. Fed. Souza Prudente, 5ª T., e-DJF1 p. 1466 de 11.05.2012). 2. A legitimidade ativa do órgão ministerial para defesa dos direitos individuais indisponíveis decorre de expressa disposição constitucional, a teor do art. 127 da Carta Magna, na qual se inclui a tutela de pessoa individualmente considerada. A indisponibilidade do direito à vida é suficiente para fundamentar a legitimidade ativa do Ministério Público Federal. 3. Nos termos do art. 196 da Constituição da República, incumbe ao Estado, em todas as suas esferas, prestar assis-tência à saúde da população, configurando essa obrigação, consoante entendimento pacificado do Supremo Tribunal Federal, responsabilidade solidária entre os entes da Federação. Portanto, é possível o ajuizamento da ação contra um, alguns ou todos os entes estatais. 4. Consoante se extrai da Constituição Federal de 1988, à Saúde foi dispensado o status de direito social fundamental (art. 6º), atrelado ao direito à vida e à dignidade da pessoa humana, consubstanciando-se em ‘direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redu-ção do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação’ (art. 196). 5. É responsabilidade do Poder Público, independentemente de qual seja o ente público em questão, garantir a saúde ao cidadão. No caso em análise, a obrigação de fazer consistiu em condenar os requeridos, União e Estado de Minas Gerais, em fornecer, enquanto se fizer necessário, mediante apresentação de receituários, a me-dicação Decitabina 175 mg (Dacogen), conforme indicação técnica, na quantidade necessária ao tratamento integral e de forma ininterrupta, até o final do tratamento, à paciente Regina Aparecida Martins Feliciano, por ser portadora de Leucemia Mielóide Aguda (LMA) com alterações relaciona-das a Mielodisplasia. 6. A cláusula da reserva do possível ‘[...]. Não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, ani-quilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade’. Precedente do Excelso Supremo Tribunal Federal na APDF nº 45, da qual foi relator o eminente Ministro Celso de Mello. 7. ‘Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais’ Precedente do Colendo Superior Tribunal de Justiça: AgRg-REsp 1136549/RS, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Julgado em 08.06.2010, DJe 21.06.2010. 8. Recursos de apelação conhecidos e não providos.” (TRF 1ª R. – AC 0012918-23.2014.4.01.3802 – Rel. Des. Kassio Nunes Marques – J. 15.05.2017)

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Transcrição Editorial SÍNTESEConstituição Federal:

“Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

[...]

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

8490 – Reserva do possível – não violação – tratamento médico – procedimentos cirúrgicos – descentralização do SUS – responsabilidade solidária – configuração

“Constitucional, administrativo e processual civil. Saúde. Tratamento médico. Procedimentos ci-rúrgicos. Amigdalectomia e adenoidectomia. Preliminares. Agravo retido e ilegitimidade passiva dos entes públicos. Descentralização do SUS. Responsabilidade solidária. Princípios da isonomia, separação dos poderes e reserva do possível. Não violação. Sentença mantida. 1. Proferida sentença de mérito na ação principal, opera-se a perda de objeto do agravo retido interposto de decisão que deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, posto que já não mais subsistiria tal decisão, sendo integralmente substituída pela sentença concessiva da ordem. Assim sendo, rejeito a prelimi-nar e julgo prejudicados os agravos retidos interpostos pela União e pelo Estado de Minas Gerais. 2. Nos termos do art. 196 da Constituição da República, incumbe ao Estado, em todas as suas esfe-ras, prestar assistência à saúde da população, configurando essa obrigação, consoante entendimen-to pacificado do Supremo Tribunal Federal, responsabilidade solidária entre os entes da Federação. Portanto, é possível o ajuizamento da ação contra um, alguns ou todos os entes estatais. Ilegitimi-dade passivas dos entes públicos afastada. 3. Consoante se extrai da Constituição Federal de 1988, à Saúde foi dispensado o status de direito social fundamental (art. 6º), atrelado ao direito à vida e à dignidade da pessoa humana, consubstanciando-se em ‘direito de todos e dever do Estado, garan-tido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recu-peração’ (art. 196). 4. É responsabilidade do Poder Público, independentemente de qual seja o ente publico em questão, garantir a saúde ao cidadão. No caso em análise, a obrigação de fazer consistiu em reconhecer a responsabilidade solidária dos requeridos quanto à realização e ao custeio do tratamento disponibilizado à autora, com todos os cuidados pré e pós-cirúrgicos (internação, etc.) dele decorrentes, a teor dos serviços médicos descritos nas notas fiscais, por ter sido diagnosticada com hipertrofia de amígdala e adenoides. 5. O Poder Judiciário não pode se furtar de garantir direito fundamental a cidadão desprovido de recursos financeiros para custear medicamentos e tratamen-tos médicos indispensáveis à garantia de sua vida e saúde, não havendo que se falar em violação ao princípio da isonomia, em relação aos que se encontram em fila de espera, nas hipóteses em que comprovado o agravamento do quadro clínico do paciente que busca o provimento jurisdicional. 6. ‘Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais’. Precedente do Colendo Superior Tribunal de Justiça: AgRg-REsp 1136549/RS, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Julgado em 08.06.2010, DJe 21.06.2010. 7. A cláusula da reserva do possível ‘[...]. Não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, ani-quilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade’. Precedente do Excelso Supremo Tribunal Federal na APDF 45, da qual foi relator o eminente Mi-

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nistro Celso de Mello. 8. Tendo o Estado, em seu sentido amplo, dado causa ao ajuizamento da ação, já que negado o custeio do tratamento médico vindicado pela parte autora, deve ele arcar com os honorários de sucumbência. Incidência do princípio da causalidade. 9. A possibilidade de a Defensoria Pública da União receber honorários de sucumbência em decorrência de sua atuação está expressamente prevista no art. 4º, inciso XXI, da Lei Complementar nº 80/1994, com a redação dada pela Lei Complementar nº 132/2009. A jurisprudencial deste egrégio Tribunal (AC 0013140-23.2006.4.01.3300/BA, Rel. Des. Fed. Daniel Paes Ribeiro, 6ª T., e-DJF1 p.118 de 07.02.2012) é nesse sentido. 10. Recursos de apelação conhecidos e não providos.” (TRF 1ª R. – AC 0037858-49.2014.4.01.3803 – Rel. Juiz Leão Aparecido Alves – J. 24.07.2017)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de recursos de apelação interpostos pelo Estado de Minas Gerais e União, contra r. sentença em ação de rito ordinário com pedido de antecipação de tutela.

Consta dos autos que a sentença confirmou os termos da decisão que antecipou os efeitos da tutela e julgou procedente o pedido, para reconhecer a responsabilidade solidária dos reque-ridos quanto à realização e ao custeio do tratamento disponibilizado à autora, com todos os cuidados pré e pós-cirúrgicos (internação, etc.) dele decorrentes, a teor dos serviços médicos descritos nas notas fiscais.

O Estado de Minas Gerais apelou. Discorreu sobre a cirurgia pleiteada “realização no âmbito do SUS – Central de Regulação Assistencial – SUSfácil – princípios da impessoalidade e isonomia – lista de espera reconhecida pelo TJMG em precedentes, separação dos poderes (art. 2º da CF); responsabilidade exclusiva do Município pelo tratamento e atendimento do paciente (prin-cípio da descentralização do SUS – art. 198, I, da CF e art. 7º, IX da Lei nº 8.080/1990)”, e insurgiu sobre os honorários de sucumbência.

A União também recorreu, alegou “[...] preliminarmente a apreciação do agravo retido de fls. 63/66. Alega ainda a sua ilegitimidade passiva (Lei nº 8.080/1990, arts. 16,17 e 18); negativa de vigência de dispositivos de Lei Federal nº 8.080/1990 e afronta direta a disposi-tivos da Constituição Federal: art. 198; art. 196; art. 2º; art. 165 e ss. (prequestionamento); da responsabilidade do Município de Uberlândia; da violação aos princípios da universalidade orçamentária, da reserva do possível, da igualdade e da separação dos poderes e inegável existência do furo de fila que está sendo chancelado pela decisão ora apelada – ofensa ao princípio da igualdade”.

Dessa forma, o nobre Relator em seu voto entendeu:

“[...]

O entendimento jurisprudencial predominante neste colegiado é de que a União, os Estados--membros e os Municípios são partes legítimas e solidárias para figurar no polo passivo de causas, como a presente, onde se objetiva a realização de procedimento cirúrgico e/ou medica-mentoso através do Sistema Único de Saúde. Assim, pode ser demandada qualquer uma, visto que lhe compete garantir, por meio de políticas públicas que visem à proteção e recuperação da saúde, a plena observância do direito à saúde, independente do custo, aos hipossuficientes, em situação de risco à saúde.

[...]

Quanto à alegação da reserva do possível, em caso tais ‘O Estado não pode, a pretexto do descumprimento de seus deveres institucionais, esconder-se sob o manto da “reserva do pos-sível”, pois essa não se presta como justificativa para que o Poder Público se exonere do cumprimento de obrigações constitucionais, principalmente aquelas que se referem aos di-reitos fundamentais da pessoa humana’ (AGRSLT 14174-68.2008.4.01.0000, Des. Fed. Presidente Jirair Aram Meguerian, Corte Especial, DJ de 26.02.2010).

A cláusula da reserva do possível ‘[...]. não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquila-ção de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade’. Precedente do Excelso Supremo Tribunal Federal na APDF 45, da qual foi relator o eminente Ministro Celso de Mello.

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[...]

Não resta dúvida de que quem deu causa à ação foram os Réus, que não comprovaram a disponibilização do tratamento médico requerido antes da concessão da tutela de urgência e ainda resistiram ao pleito judicial.

Além disso, a antecipação de tutela revela a inclinação do juiz ao deferimento do pedido em definitivo, o que imporia aos Réus os ônus da sucumbência.

Com relação aos entes federados (Estados-membros e Municípios), é perfeitamente admissível que haja sucumbência em honorários advocatícios em favor da Defensoria Pública da União, uma vez que estes valores são revertidos em prol do fundo gerido pela DPU, não existindo confusão, vez que a Defensoria somente se vincula à União, enquanto órgão público associado a tal ente federativo.

No presente caso, a Defensoria Pública da União – DPU atuou em favor da requerida em ação proposta contra o Estado de Minas Gerais e o Município de Uberlândia, que têm a natureza jurídica própria, razão pela qual não se confunde com a União, possuindo personalidade ju-rídica e patrimônio próprios. Dessa forma, são devidos honorários advocatícios por parte dos recorrentes em favor da recorrida.

A possibilidade de a Defensoria Pública da União receber honorários de sucumbência em decorrência de sua atuação está expressamente prevista no art. 4º, inciso XXI, da Lei Comple-mentar nº 80/1994, com a redação dada pela Lei Complementar nº 132/2009. A jurispru-dencial deste egrégio Tribunal (AC 0013140-23.2006.4.01.3300/BA, Rel. Des. Fed. Daniel Paes Ribeiro, 6ª T., e-DJF1 p. 118 de 07.02.2012) é nesse sentido.

Não se aplica aos entes estaduais e municipais o Enunciado nº 421 da Súmula do Colendo Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual ‘os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença’, tendo em vista que a parte autora é representada pela Defensoria Pública da União.

A fixação dos honorários advocatícios em R$ 200,00 (duzentos reais), a ser partilhado igual-mente entre os réus (Estado de Minas Gerais e Município de Uberlândia) se coaduna com o quanto disposto no § 4º do art. 20 do Código de Processo Civil/1973, porquanto de baixa complexidade a matéria controvertida posta à apreciação do Judiciário, não havendo que se falar em exclusão da condenação ou redução do valor.

Assim sendo, não merece prosperar a irresignação do apelante Estado de Minas Gerais nessa parte.

Dispositivo

Ante o exposto, conheço dos recursos de apelação e lhes nego provimento.

É como voto.”

Por todo exposto, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, negou provimento aos recursos de apelação.

8491 – Reserva do possível – Sistema único de saúde – fornecimento de medicamento – risco alto de infecções e consequente óbito – tratamento isonômico – necessidade

“Processual civil. Administrativo. Apelações. União. Município de Guarulhos. Direito à saúde. So-lidariedade dos entes federativos. Sistema único de saúde. Fornecimento de medicamento. Imuno-deficiência comum variável. Imunodeficiência primária. Defeito genético do sistema imunológico. Risco alto de infecções e consequente óbito. Medicamento da marca Tegeline. Reações alérgicas graves na autora. Impossibilidade de manutenção do tratamento com essa marca. Pedido médico no sentido da mudança. Ilegitimidade da União. Reserva do possível. Necessidade de tratamento isonômico. Falta de interesse. Medicamento de não responsabilidade do município. Apelações des-providas. 1. Trata-se de recurso de apelação interposto pela União Federal em face de r. sentença de fls. 124/126 que, em autos de ação de obrigação de fazer com pedido de tutela antecipada, julgou procedente o pedido da autora Josefa Aurisnir de Oliveira Souza, nos termos do art. 269, inciso I, do revogado Código de Processo Civil de 1973, vigente à época da decisão, para determinar que os réus, União, Estado de São Paulo e Município de Guarulhos, tomem as providencias cabíveis para

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o fornecimento, no prazo de 05 dias e a partir daí mensalmente, por meio do SUS, da medicação imunoglobulina humana endovenosa 5,0g/100ml de marca diversa da Tegeline (7 frascos por mês), confirmando a decisão que concedeu a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional. Houve a condenação dos réus em honorários advocatícios, fixados sobre o valor da causa. 2. Preliminarmen-te, sob a alegação de ilegitimidade ad causam da União, sem razão, eis que a Constituição Federal de 1988 determina, em seu art. 196, que o direito fundamental à saúde é dever de todos os entes federativos, respondendo eles de forma solidária pela prestação de tal serviço público. Ou seja, a divisão de tarefas entre os entes federados na promoção, proteção e gestão do sistema de saúde visa tão somente otimizar o serviço, não podendo ser oposta como excludente de responsabilidade do ente, seja ele a União, o Estado ou o Município. 3. Em relação ao mérito, tendo-se em vista que a Carta de 1988, ao constitucionalizar o direito à saúde como direito fundamental, inovou a ordem jurídica nacional, na medida em que nas Constituições anteriores tal direito se restringia à salvaguarda específica de direitos dos trabalhadores, além de disposições sobre regras de compe-tência que não tinham, todavia, o condão de garantir o acesso universal à saúde. 4. É de se notar que a constituição, ao dispor do direito à saúde, não se limita a aspectos de natureza curativa, mas estabelece que as ações devem ser amplas no sentido de garantir um tratamento curativo, mas de determinar também que as políticas públicas devem ter como o escopo a profilaxia de doenças. 5. Observe-se que os direitos e valores munidos de fundamentalidade na ordem constitucional não tem completude a menos que se garantam as condições necessárias para sua efetivação. Continuan-do-se o raciocínio, a garantia do direito fundamental de acesso à saúde é, sim, uma garantia de toda a sociedade, gerando um dever por parte do poder público de implementar políticas públicas que visem ao bem-estar geral da população. 6. A guarda dos direitos fundamentais, especialmente no que concerne ao chamado mínimo existencial, pode ser argumento válido no sentido de justificar intervenção judicial quando não houver, por parte do poder público, o devido suprimento às neces-sidades básicas do indivíduo. Bem assim, ainda que, no campo da definição de políticas públicas, seja possível priorizar a tutela das necessidades coletivas, não se pode, com esse raciocínio, supor que há qualquer legitimidade em se negar em sua plenitude a condição de titularidade do direito pelo indivíduo. Prosseguindo-se o juízo, na medida em que o direito à saúde se consubstancia, também, como direito subjetivo do indivíduo, não me parecem legítimas as afirmações segundo as quais a tutela individual trataria uma inaceitável intervenção do Poder Judiciário sobre o Executivo e as políticas públicas que este leva a cabo. 7. Sabendo-se que, como já afirmado, o direito à saúde, além aspecto coletivo, constrói-se como direito fundamental subjetivo de cada indivíduo; Verifican-do-se, outrossim, a ausência ou deficiência do poder público em promover as necessárias políticas que garantam ao indivíduo condições de saúde dignas, não é razoável supor se pudesse negar ao indivíduo a tutela jurisdicional, uma vez que é obrigação do Estado zelar pela saúde de todos, mas também pela de cada um dos indivíduos do país. 8. Assim tem se posicionado majoritariamente a jurisprudência pátria, no sentido de que se protejam tanto aquelas hipóteses de iminente risco para a vida humana, quanto aquelas em que caiba restabelecer a noção de mínimo existencial, que es-tabelece o parâmetro intangível e nuclear da dignidade da pessoa humana, sem o que toda a base principiológica do Texto Constitucional estaria mortalmente comprometida. 9. In casu, a autora Jo-sefa Aurisnir de Oliveira Souza foi diagnosticada com quadro de imunodeficiência comum variável, imunodeficiência primária, que cursa com infecções de repetição por defeito genético do sistema imunológico, fazendo uso, desde 2003, do medicamento Imunoglobulina Humana endovenosa, fornecido pela rede pública de saúde através do Hospital São Paulo, entidade ligada à Universidade Federal de São Paulo – Unifesp. Ocorre que, a partir de 2015, o Poder Público passou a conceder o mesmo medicamento, mas com alteração da marca anteriormente fornecida pela Tegeline. No entanto, ao fazer uso pela primeira vez da medicação Tegeline, a autora sofreu grave reação alér-gica (anafilaxia), motivo pelo qual seu médico (fls. ...) solicitou o uso da Imunoglobulina Humana endovenosa pertencente às marcas dispensadas anteriormente e que não lhe provocavam quaisquer

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efeitos colaterais ou reações alérgicas. O pedido foi negado, uma vez que o medicamento constante da lista do SUS é a Imunoglobulina Humana pertencente à marca Tegeline, o que fez agravar o qua-dro clínico da autora, eis que impossibilitada de fazer uso do medicamento da supramencionada marca. 10. Na r sentença de fls. 124/126, o juiz a quo julgou procedente o pedido da autora Josefa Aurisnir de Oliveira Souza, nos termos do art. 269, inciso I, do revogado Código de Processo Civil de 1973, vigente à época da decisão, para determinar que os réus, União, Estado de São Paulo e Município de Guarulhos, tomem as providencias cabíveis para o fornecimento, no prazo de 05 dias e a partir daí mensalmente, por meio do SUS, da medicação imunoglobulina humana endovenosa 5,0g/100ml de marca diversa da Tegeline (7 frascos por mês), confirmando a decisão que concedeu a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional. Houve a condenação dos réus em honorários ad-vocatícios, fixados sobre o valor da causa. 11. Uma leitura constitucional do caso demonstra que o postulado da dignidade da pessoa humana não permite, em nenhuma hipótese, o estabelecimento rígido do fornecimento de determinado medicamento/tratamento, sem chances de modificação, ainda que gere efeitos mais danosos ao paciente, somente para que assim se onere menos o Estado. Todos, sem exceção, devem ter acesso a tratamento médico digno e eficaz, mormente quando não se possuam recursos para custeá-lo. Nesse universo se insere inclusive medicamentos que não constam da lista do SUS e não podem ser substituídos com a mesma eficácia pelo poder públi-co. 12. Apelações a que se nega provimento.” (TRF 3ª R. – AC 0006187-53.2015.4.03.6119/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho – DJe 24.02.2017 – p. 898)

8492 – Reserva do possível – vaga em creche – direito individual indisponível – cabimento

“Direito processual civil, constitucional e administrativo. Vaga em creche. Ação civil pública. Di-reito individual indisponível. Cabimento. Direito à educação infantil. Exigibilidade judicial. Reserva do possível. Alegação genérica. Inadmissibilidade. 1. Consoante pacífico entendimento do Supre-mo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça: ‘é legítima a determinação de obrigação de fazer pelo Judiciário, com o objetivo de tutelar direito subjetivo de menor à assistência educacional, não havendo que se falar em discricionariedade da Administração Pública. Tanto a Lei de Dire-trizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/1996, art. 4º, II e IV) quanto o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990, arts. 53, V, 54, IV), impõem que o Estado ofereça às crianças [...] atendimento público educacional em creche e pré-escola. Estando o Estado subsumido ao princípio da legalidade, é seu dever assegurar que os serviços supramencionados sejam prestados [...] A de-terminação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência do Judiciário na esfera da administração’ (STJ, AgRg-AREsp 587.140/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., Julgado em 09.12.2014, DJe 15.12.2014). 2. Inadmissibilidade de alegação genérica da tese da reserva do possível em detrimento da garantia do núcleo essencial do direito à educação infantil que assiste a criança substituída. Inexistência de interesse público prevalecente. Reconhecida a inconstitucio-nalidade da omissão estatal à luz da proibição de proteção insuficiente. 3. Apelo desprovido. Ree-xame necessário julgado improcedente.” (TJAC – Ap-RN 0800005-14.2015.8.01.0081 – (17.925) – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Laudivon Nogueira – DJe 01.08.2017 – p. 3)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 9.394/1996:

“Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:

[...]

II – educação infantil gratuita às crianças de até 5 (cinco) anos de idade;

[...]

IV – acesso público e gratuito aos ensinos fundamental e médio para todos os que não os concluíram na idade própria.”

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8493 – Reserva do possível – violação – acessibilidade em prédio público – sujeição à lei orça­mentária – não ocorrência

“Administrativo. Embargos de declaração. ação civil pública. Obrigação de fazer. Acessibilidade em prédio público. Violação do princípio da separação dos poderes. Reserva do possível. Sujeição à lei orçamentária. Não ocorrência. Legitimidade do Ministério Público. Inexistência de omissão, contradição ou obscuridade. Não provimento. 1. Embargos de declaração opostos pela União em face de Acórdão prolatado pela Primeira Turma desta Corte que, por unanimidade, negou provi-mento à apelação interposta pela ora embargante e manteve a sentença que julgou procedente a Ação Civil Pública , condenando o ente político à obrigação de fazer, consistente na promoção de adaptações que suprimam todas as barreiras arquitetônicas que impossibilitem o pleno acesso às pessoas com necessidades especiais, mediante realização de reforma no prédio sede do 3º Distri-to de Meteorologia/Recife. 2. Não há que se falar em violação à submissão do Poder Público ao que determina a lei orçamentária e à independência dos Poderes em razão da determinação, pelo Poder Judiciário, de implantação de política pública quando relacionada a direito ou garantia fun-damental, como no presente caso, não sendo suficiente para afastar a obrigação a mera alegação de ausência de recursos (reserva do possível). Precedentes do STF. 3. Também não há que se falar em substituição indevida do administrador pelo Ministério Público, o qual possui legitimidade para propor Ação Civil Pública na defesa dos interesses das pessoas portadoras de deficiência. Trecho do Acórdão. 4. Na verdade, a embargante demonstra inconformismo com o não acolhimento de sua pretensão na demanda e tenta rediscutir a matéria, o que se mostra incabível diante do caráter meramente integrativo dos embargos de declaração. 5. Não provimento dos embargos de declara-ção.” (TRF 5ª R. – AC 0005548-05.2013.4.05.8300/01 – (581294/PE) – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Élio Wanderley de Siqueira Filho – DJe 14.09.2016 – p. 45)

8494 – Reserva do possível – violação – inocorrência – Sistema público de saúde local – Poder Judiciário – determinação de adoção de medidas para a melhoria do sistema – possibili­dade

“Agravo regimental no recurso extraordinário. Administrativo e processual civil. Repercussão geral presumida. Sistema público de saúde local. Poder Judiciário. Determinação de adoção de medidas para a melhoria do sistema. Possibilidade. Princípios da separação dos poderes e da reserva do possível. Violação. Inocorrência. Agravo regimental a que se nega provimento. 1. A repercussão geral é presumida quando o recurso versar questão cuja repercussão já houver sido reconhecida pelo Tribunal, ou quando impugnar decisão contrária a Súmula ou a jurisprudência dominante desta Corte (art. 323, § 1º, do RISTF). 2. A controvérsia objeto destes autos – possibilidade, ou não, de o Poder Judiciário determinar ao Poder Executivo a adoção de providências administrativas vi-sando a melhoria da qualidade da prestação do serviço de saúde por hospital da rede pública – foi submetida à apreciação do Pleno do Supremo Tribunal Federal na SL 47-AgR, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 30.04.2010. 3. Naquele julgamento, esta Corte, ponderando os princípios do ‘mínimo existencial’ e da ‘reserva do possível’, decidiu que, em se tratando de direito à saúde, a intervenção judicial é possível em hipóteses como a dos autos, nas quais o Poder Judiciário não está inovando na ordem jurídica, mas apenas determinando que o Poder Executivo cumpra políticas públicas previamente estabelecidas. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF – AgRg--RE 642536 – 1ª T. – Rel. Min. Luiz Fux – DJ 27.02.2013)

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Parte Geral – Doutrina

Improbidade Administrativa: Dever de Eficiência e Escusa de Incompetência

EMERSON GARCIA1

Doutor e Mestre em Ciências Jurídico‑Políticas pela Universidade de Lisboa, Especialis‑ta em Education Law and Policy pela European Association for Education Law and Policy (Antuérpia – Bélgica) e em Ciências Políticas e Internacionais pela Universidade de Lisboa, Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Consultor Jurídico da Procurado‑ria‑Geral de Justiça e Diretor da Revista de Direito, Consultor Jurídico da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp). Publicou, como autor, coautor, coordenador ou tradutor, mais de quatro dezenas de obras jurídicas. Foi examinador em quase uma centena de concursos públicos, sendo Coordenador da Banca de Direito Constitucional em diversos exames nacionais da Ordem dos Advogados do Brasil. Membro Honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), participando, ainda, da American Society of International Law e da International Association of Prosecutors.

RESUMO: O princípio da eficiência, apesar da sua estatura constitucional, tende a passar por um inevitável processo de erosão normativa, na medida em que aumente a tendência em se encampar a denominada escusa de incompetência. Essa escusa apregoa que a inépcia do agente público não justificaria o enquadramento de sua conduta no âmbito da Lei nº 8.429/1992, pois não seria uma demonstração de desonestidade. O objetivo dessas breves considerações é o de demonstrar a in‑sustentabilidade dogmática dessa construção e o risco que oferece para a própria subsistência do dever de eficiência.

PALAVRAS‑CHAVE: Desonestidade; eficiência; incompetência; improbidade administrativa.

ABSTRACT: The principle of efficiency, despite its constitutional foundation, tends to suffer an inevi‑table normative erosion process in that it increases the tendency to encompass the known excuse of incompetence. Under this pretext, the ineptitude of public servant not justify the incidence of Law 8.429/1992, because that would not be a demonstration of dishonesty this not being an indicator of dishonesty. The purpose of these brief considerations is to demonstrate the dogmatic unsustainability of this construction and the risk offering for the subsistence of efficiency duty.

KEYWORDS: Dishonesty; efficiency; incompetence; administrative misconduct.

SUMÁRIO: 1 O dever de eficiência dos agentes públicos; 2 A escusa de incompetência; 3 Epílogo; Referências.

1 Facebook: emersongarcia. Fanpage: professoremersongarcia. Instagram: professoremersongarcia.

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58 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 142 – Outubro/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

1 O DEVER DE EFICIÊNCIA DOS AGENTES PÚBLICOS

Eficiência, do latim efficientia, tanto denota o poder de produzir um efei-to, no que se assemelha à eficácia, como a possibilidade de produzi-lo da me-lhor maneira possível, indicando a qualidade de uma dada ação, que se mostra eficiente. Ainda que não sejam poucas as exceções, a busca incessante pela eficiência pode ser vista, sob certa ótica, como um padrão de racionalidade do agir humano.

A racionalidade, em seus contornos mais amplos, indica a aptidão de conhecer e entender, a partir de relações lógicas e de inferência, aspectos abs-tratos ou concretos das ideias universais objeto de apreciação. Sob uma pers-pectiva mais estrita, reflete um especial modo de conhecer e entender, que se ajusta a certos standards adotados em determinados círculos de convivência humana. Esses standards consubstanciam padrões de correção ou de preferi-bilidade comportamental amplamente difundidos no locus analisado, estando incorporados à sua base cultural de sustentação. Esse aspecto é bem nítido em Von Wright (1993: 173), ao defender que a racionalidade é orientada aos obje-tivos, denotando a correção dos raciocínios, da eficiência dos meios em relação aos fins escolhidos, da confirmação e da prova das crenças seguidas.

Em seu sentido amplo, a racionalidade indica uma característica inata do ser humano, assumindo contornos essencialmente instrumentais em relação às suas ações e ao modo de obter os resultados pretendidos. No plano estrito, é compreendida como o atributo do iter percorrido e do resultado alcançado, conferindo-lhe uma qualificação positiva.

Todo agir humano voluntariamente direcionado à realização de um re-sultado sempre tem a pretensão de alcançar esse objetivo, de ser eficaz. Mesmo que o ato seja direcionado, de modo voluntário, ao fracasso, vale dizer, a um resultado diverso daquele que ordinariamente deveria alcançar, a pretensão de eficácia continuará a estar presente. In casu, o agente almeja o insucesso e o perseguirá com os instrumentos de que dispõe.

Se a pretensão de eficácia é um elemento indissociável do voluntarismo do agir, o mesmo não pode ser dito em relação à adequação do resultado, obtido ou simplesmente almejado, a certos standards colhidos no ambiente so-ciopolítico. Quando essa adequação não se faz presente, é factível a maior di-ficuldade em se generalizar um sentimento de aceitação em relação à conduta e ao resultado que lhe é correlato. A consequência inevitável será atribuir-lhe uma qualificação negativa.

Enquanto a racionalidade lato sensu assume feições de natureza onto-lógica, sendo inerente ao agir voluntário, a racionalidade stricto sensu possui contornos axiológicos, demandando juízos valorativos quanto à aceitabilidade

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da conduta e do resultado à luz de uma determinada base de valores, que, longe de ser estática, é essencialmente dinâmica, variando conforme os circunstancia-lismos de ordem espacial e temporal.

Como a racionalidade stricto sensu está situada no plano axiológico, é factível que nem sempre o atuar individual, ainda que premente o risco de re-provação, ajustar-se-á aos standards adotados no plano coletivo. No entanto, caso isso ocorra, haverá uma nítida fratura entre o individual e o coletivo, do que pode resultar uma reprovabilidade de natureza exclusivamente moral ou, a depender da relevância do comportamento no ambiente sociopolítico, a sua caracterização como um ato ilícito, isso por destoar dos padrões de juridicidade ali adotados.

Com os olhos voltados à atuação dos agentes públicos, é possível afir-mar que a eficiência deve estar necessariamente presente tanto no plano da racionalidade lato sensu quanto no da racionalidade stricto sensu. Observa-se, de imediato, que os contornos ontológicos da primeira não oferecem espaço para maiores dúvidas. Afinal, o objetivo de realizar o resultado está ínsito no voluntarismo da ação. Já, em relação à segunda, cuja base axiológica melhor se ajusta a um padrão não vinculativo, tem-se uma evidente alteração de perspec-tiva quando a sua análise é realizada sob o prisma dos atos administrativos. E assim ocorre por uma razão muito simples. No direito constitucional brasileiro, aquilo que, na origem, apresentava contornos puramente axiológicos, a partir da Emenda Constitucional nº 19/1998, que alterou a redação do art. 37, caput, da Constituição de 1988, ingressou no plano jurígeno, isso porque, entre os princípios expressos da Administração Pública, foi inserido o da “eficiência”.

Quando a racionalidade stricto sensu utiliza a juridicidade como paradig-ma de análise, é possível concluir pela imperativa adstrição do agente público aos seus contornos, sob pena de atuar à margem dos balizamentos estabeleci-dos pela ordem jurídica e sofrer as sanções por ela cominadas. O caráter prin-cipiológico da eficiência em nada compromete a sua força normativa. Indica, apenas, uma maior generalidade quando cotejada com as regras específicas que buscam conferir-lhe concretude e o fato de ostentar um peso, daí decorrendo o uso de técnicas próprias para solucionar as possíveis situações de colisão com outros princípios igualmente amparados pela ordem jurídica (Cf. Garcia, 2015: 217 e ss.).

Especificamente em relação às normas constitucionais que conferem maior concretude à eficiência, podemos mencionar os deveres de (1) realizar concurso público, investindo na função pública aqueles que apresentem me-lhor preparo (art. 37, II); (2) conferir precedência à administração fazendária e aos fiscais dentro de sua área de competência (art. 37, XVIII), permitindo o au-mento da arrecadação; (3) licitar, de modo a selecionar as melhores propostas

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(art. 37, XXI); (4) garantir, com prioridade, recursos financeiros para que a ad-ministração tributária realize suas atividades (art. 37, XXII); (5) observar, na ges-tão financeira e orçamentária, a legalidade, a legitimidade e a economicidade (art. 70, caput), indicativo de que o agente deve cumprir os fins determinados pela lei despendendo o menor quantitativo possível de recursos. A análise des-sas normas evidencia que a ratio essendi da eficiência é, realmente, a de alcan-çar os melhores resultados.

O dever de alcançar o melhor resultado deve ser devidamente compre-endido ao ser cotejado com a liberdade valorativa que a lei costuma outorgar aos agentes públicos, formando o que se convencionou denominar de “poder discricionário”. Essa liberdade decorre da impossibilidade de a lei definir, a priori, a melhor solução a ser adotada, sendo preferível permitir, à autorida-de competente, uma melhor valoração das circunstâncias subjacentes ao caso concreto e a escolha, entre dois ou mais comportamentos possíveis, todos am-parados pela ordem jurídica, daquele que se mostre mais consentâneo com a satisfação do interesse público. A escolha desses comportamentos projetar-se-á de distintas maneiras sobre os elementos do ato administrativo, podendo, regra geral, recair sobre qualquer deles, isso com a única exceção da competência, cuja definição necessariamente antecede o exercício do poder.

Como ressaltado por Maurer (2009: 138), “o poder discricionário destina--se, acima de tudo, à justiça no caso particular” (Das Ermessen dient vor allem der Einzelfallgerechtigkeit). E, para tanto, de acordo com Gianini (1993: 49), a autoridade deve proceder à “ponderação comparativa dos vários interesses secundários (públicos, coletivos ou privados), em vista a um interesse primário”.

Na medida em que discricionariedade não se identifica com arbitrarieda-de, é factível que só se oferecem ao poder de escolha do agente público aquelas opções que se mostrem consentâneas com a ordem jurídica, não aquelas que dela destoem. E aqui surge um pequeno complicador em relação à eficiência. Caso ela seja contextualizada no âmbito das próprias escolhas que se abrem ao agente, será inevitável a constatação de que, no extremo, ela transmudará em vinculado aquilo que, na essência, é discricionário, isso ao tornar imperativa a opção por aquela que é considerada a melhor escolha. E, como a melhor es-colha será mera projeção da juridicidade, será possível que o Poder Judiciário, sempre que provocado, se substitua ao agente democraticamente legitimado, de modo a indicar, ele próprio, a melhor escolha. Como esse entendimento re-dundaria na desconstrução dos próprios alicerces do sistema democrático, não nos parece seja ele o melhor.

A eficiência, em verdade, deve ser primordialmente aferida no momento da execução do ato, decorrente da escolha realizada pelo agente público com base no seu poder discricionário. Com isso, o resultado pretendido deve ser al-

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cançado da melhor maneira possível. Se a Administração Pública, por exemplo, necessita de papel de distintas medidas, mas só dispõe de recursos para adquirir uma parte deles, cabe ao administrador decidir a qual deles dará prioridade. Mas, uma vez realizada a escolha, deve proceder à aquisição com estrita ob-servância do princípio da eficiência, o que significa dizer que, ressalvadas as exceções legais, deve realizar o processo licitatório e adquirir o melhor papel possível pelo menor preço. O mesmo ocorrerá nos distintos contratos adminis-trativos, não se devendo excluir, obviamente, a possibilidade de certos para-digmas de ordem jurídica influírem na limitação das escolhas possíveis (v.g.: a prioridade que, por força do art. 227, caput, da Constituição de 1988, deve ser assegurada às crianças e aos adolescentes, não permite que o administrador relegue os seus interesses a plano secundário).

Ao reconhecermos a existência do dever jurídico de eficiência, parte in-tegrante e indissociável do referencial mais amplo de juridicidade, que reflete uma espécie de legalidade substancial, haveremos de reconhecer, também, que a sua violação, em linha de princípio, pode consubstanciar o ato de improbi-dade previsto no art. 11 da Lei nº 8.429/1992. Diz-se em linha de princípio por três razões básicas (Cf. Garcia, 2017: 445 e ss.). De acordo com a primeira, para a configuração da improbidade administrativa, além do enquadramento formal da conduta na tipologia legal, é preciso seja observado um critério de proporcionalidade, de modo a excluir condutas que tenham pouco ou nenhum potencial lesivo (v.g.: jogar ao lixo uma caneta esferográfica que ainda pos-sui um pouco de tinta). É sob a ótica da proporcionalidade que serão aferidos aspectos como a boa ou a má-fé do agente, a satisfação ou não do interesse público, a violação ou não a direitos individuais, etc. A segunda razão decorre da possibilidade de a violação à eficiência estar associada à prática de um ato de improbidade de maior gravidade, como é o caso do enriquecimento ilícito e do dano ao patrimônio público, previstos, respectivamente, nos arts. 9º e 10 da Lei nº 8.429/1992. Por fim, a terceira razão decorre da imprescindibilidade do dolo para a caracterização do ato de improbidade previsto no art. 11 da Lei nº 8.429/1992, o que exige reflexões quanto à denominada “escusa de incom-petência”, que busca afastar o referido elemento subjetivo e, em consequência, atrair a figura da culpa, somente compatível com a tipologia do art. 10. É dessa temática que trataremos a seguir, de modo bem similar, aliás, ao que fizemos em monografia dedicada ao estudo da improbidade administrativa (Cf. Garcia, 2017: 592 e ss.).

2 A ESCUSA DE INCOMPETÊNCIA

Como dissemos, o agir humano, quando voluntariamente direcionado à realização de um objetivo, sempre tem a pretensão de ser eficaz. Afinal, a própria existência da conduta decorre do objetivo de alcançar um resultado,

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bom ou ruim, conforme ou não às regras de convivência social. Com os olhos voltados à dogmática do direito sancionador, é possível afirmar que esse vo-luntarismo, como é intuitivo, está ajustado à concepção de dolo. Quando a vontade visa à consecução do resultado, sendo a conduta direcionada a ele, diz-se que o dolo é direto (teoria da vontade), o qual será tão mais grave quanto mais vencível era o impulso que direcionou o agente ao ilícito. Nos casos em que a vontade prevê a provável consecução do resultado, mas, apesar disso, a conduta é praticada, consentindo o agente com o advento daquele, fala-se em dolo eventual (teoria do consentimento).

A culpa, por sua vez, é caracterizada pela prática voluntária de um ato sem a atenção ou o cuidado normalmente empregados para prever ou evitar o resultado ilícito. Enquanto o voluntarismo, no dolo, alcança a ação ou a omis-são e o resultado, na culpa, ele costuma permanecer adstrito à ação ou à omis-são. Como afirmado por Wolf, lembrado por Carrara (1956: 83), “[a] incorreção representada pelo dolo provém da fraqueza da vontade, e a incorreção que a culpa representa provém da debilidade do intelecto”, tendo esse último Mestre acrescido que “[o] não ter previsto a consequência ofensiva distingue a culpa do dolo. O não havê-la podido prever separa o caso fortuito da culpa” (1956: 92).

Ainda é relevante distinguir o dolo eventual da denominada culpa cons-ciente. No primeiro, o agente prevê o resultado provável de sua conduta e con-sente com a sua ocorrência; na segunda, o resultado é igualmente previsto, mas o agente espera sinceramente que ele não ocorra, confiando na eficácia de uma habilidade que será utilizada na prática do ato.

A partir dos lineamentos básicos do dolo e da culpa, é possível analisar o enquadramento teórico da denominada escusa de incompetência. De início, cumpre observar que a incompetência aqui referida diz respeito à inépcia do agente público no exercício de sua função, o que pode decorrer de pura limi-tação intelectiva ou da falta de conhecimento, técnico ou não, para a correta prática de um determinado ato. Nesse particular, verifica-se que o mais comum é a alegação de desconhecimento das normas legais.

A incompetência, como se percebe, não se identifica com o referencial de imperícia. Essa assertiva decorre da constatação de que o agente não chega a fazer mal uso de uma regra técnica, ignorando o resultado a ser alcançado. Ele age voluntariamente e almeja o resultado a ser alcançado. O dolo, portanto, está caracterizado.

Apesar de o dolo estar caracterizado, é preciso aferir se o alegado des-conhecimento dos padrões de juridicidade que deveriam ser observados pelo agente é suficiente para afastar a sua responsabilidade pelo ato praticado. O desconhecimento, em linha de princípio, poderia caracterizar o erro de direito,

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que configura uma excludente de responsabilidade a ser necessariamente reco-nhecida em qualquer sistema sancionador. Afinal, o objetivo da sanção é o de restabelecer a juridicidade e impor restrições à esfera jurídica do responsável pela sua violação. Isso, à evidência, pressupõe a presença do voluntarismo não só quanto à ação ou omissão, como, também, em relação à própria violação à juridicidade. É preciso que o agente, voluntariamente, viole a juridicidade.

Quando analisada sob a ótica do erro de direito, a escusa de incompe-tência apresenta algumas especificidades que distinguem a situação do agente público daquela afeta aos demais indivíduos que integram o ambiente sociopo-lítico. Enquanto os indivíduos em geral são alcançados pela presunção de que todos conhecem a lei, o que impede venham a invocar o seu desconhecimento para eximir-se de cumpri-la2, os agentes públicos, além desse dever genérico, possuem o dever específico de observar as normas regentes da Administração Pública, entre as quais se insere o princípio da eficiência. Outro aspecto digno de nota é que, diversamente ao vínculo existente com um determinado Estado de Direito, somente passível de ser dissolvido em situações pontuais e que não chega a ser propriamente uma opção para o homo medius, a maior parte dos agentes públicos, ressalvadas as exceções contempladas pela ordem jurídica (v.g.: jurados e mesários são convocados a exercer a sua função), desempenha a função pública de modo voluntário.

É factível, portanto, que o erro de direito apresenta uma configuração distinta quando invocado por um indivíduo comum ou quando seja suscitado por um agente público. O primeiro está sujeito às normas gerais de direito san-cionador pelo só fato de estar no território do Estado, enquanto o agente públi-co submeter-se-á a um conjunto de normas específicas, como é o caso da Lei nº 8.429/1992, pelo fato de ter voluntariamente (regra geral) adquirido esse status. Se o indivíduo se habilita, voluntariamente, a desempenhar o munus de agente público, é fácil concluir que a força argumentativa da escusa de in-competência, que já não é grande em relação aos indivíduos em geral, isso sob pena de o referencial de juridicidade e a própria subsistência do agregado social estarem sob risco, somente poderá ser aceita em situações excepcionalíssimas.

No Direito norte-americano, merece referência a willful blindness doctrine (doutrina da cegueira deliberada), invocada nas situações em que o agente procura evitar a sua responsabilização por um ato ilícito, mantendo--se deliberadamente distante dos fatos que possam acarretar a sua responsa-bilização. Nesse caso, o distanciamento costuma ter o propósito de permitir a obtenção de vantagens indevidas, mas dificultar a formação da cadeia de cau-salidade. A Suprema Corte norte-americana aplicou essa teoria no caso Global Tech Applicances, Inc. v. Seb S.A. (563 U.S. ___, 2011), em que se discutia

2 Vide Decreto-Lei nº 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), art. 3º.

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a inobservância da legislação de patentes, máxime do dever jurídico de veri-ficar se determinada ação colidia com patente pré-concedida (Cf. Werhane, Hartman, Pinius, Archer, Englehardt e Pritchard, 2013: 122-123).

Cremos que deva haver certa parcimônia em relação aos indivíduos que foram convocados a exercer a função pública. Afinal, o fato de não terem de-sejado assumir esse status enfraquece a presunção de que estavam plenamente qualificados a desempenhar o respectivo munus. Em relação aos agentes pú-blicos voluntários, a regra deve ser a inadmissibilidade da escusa de incompe-tência. No entanto, não é de excluir-se a possibilidade de as circunstâncias do caso justificarem o surgimento, no agente público, da crença de estar atuando em harmonia com a juridicidade. É factível, no entanto, que essa crença tende a ser inversamente proporcional ao potencial lesivo da conduta para o interes-se público. E isso por uma razão muito simples: quanto mais relevantes forem os interesses tutelados pela juridicidade, mais intenso é o dever jurídico de o agente público conhecê-los. É o que ocorre, por exemplo, em relação ao dever de realizar concurso público, de licitar, de respeitar os balizamentos oferecidos pelas leis orçamentárias, de prestar contas, etc. Situação diversa ocorrerá em relação à inobservância de pormenores de ordem formal, os quais, em razão de práticas administrativas reiteradas, podem vir a ser repetidos de modo acrítico, ou, mesmo, em relação ao cumprimento de lei flagrantemente inconstitucional, que destoa de qualquer referencial de eficiência, genérico ou específico, mas que está em vigor há vários anos e jamais teve a sua eficácia contestada.

O que se nos afigura absolutamente inconcebível é que a escusa de in-competência seja simplesmente acolhida como se fosse algo natural e, mes-mo, inerente ao ambiente administrativo. Entendimento dessa natureza, além de afastar a imperatividade das normas constitucionais e legais, simplesmente inviabilizaria a subsistência de qualquer sistema sancionador.

Um verdadeiro símbolo da incompreensão dos contornos dogmáticos e dos efeitos perversos decorrentes da escusa de incompetência é o acórdão pro-ferido pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 17 de agosto de 1999, no julgamento do Recurso Especial nº 213.994. Esse acórdão contou com a seguinte ementa:

Administrativo. Responsabilidade de Prefeito. Contratação de pessoal sem con-curso público. Ausência de prejuízo. Não havendo enriquecimento ilícito e nem prejuízo ao erário municipal, mas inabilidade do administrador, não cabem as punições previstas na Lei nº 8.429/1992. A lei alcança o administrador desones-to, não o inábil. Recurso improvido.

Desde então, o bordão “a lei alcança o administrador desonesto, não o inábil” tem sido repetido de modo acrítico por diversos segmentos da doutrina e da jurisprudência, inclusive do próprio Superior Tribunal de Justiça. O mais

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curioso é que as proposições oferecidas por esse bordão não passam de puras exortações retóricas, sem qualquer densidade para ultrapassar o imaginário in-dividual e encontrar receptividade na ordem jurídica.

Em primeiro lugar, é simplesmente errada a afirmação de que a Lei nº 8.429/1992 só alcança o “administrador desonesto”.

Consoante o art. 37, § 4º, da Constituição de 1988, “[o]s atos de impro-bidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. Caberia à norma infraconstitucional associar os atos de improbidade às sanções corres-pondentes, estabelecendo, ainda, um escalonamento entre eles, consoante a sua gravidade, daí decorrendo a cominação de sanções mais severas ou mais brandas. Acresça-se, ainda, que o art. 37 da Constituição de 1988 veicula uma série de regras e princípios regentes da atividade estatal, todos vinculantes para os agentes públicos.

No plano infraconstitucional, o § 4º do art. 37 foi regulamentado pela Lei nº 8.429/1992, que delineou três espécies distintas de atos de improbidade, que são (1) o enriquecimento ilícito, (2) o dano ao patrimônio público e (3) a violação aos princípios regentes da atividade estatal, sendo sabido por todos que estes últimos podem veicular diversos conteúdos distintos (v.g.: princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da eficiência, etc.). Portanto, é possível concluir que a própria lei, partindo de um comando constitucional, indicou o que se deveria entender por atos de improbidade. Com isso, o sig-nificado dessa expressão se desprendeu da linguagem ordinária e adentrou no domínio da linguagem jurídica.

Com os olhos voltados às três espécies de atos de improbidade, constata--se que a noção de desonestidade, recorrente em relação ao enriquecimento ilícito, regra geral, não estará presente quando o ato simplesmente causar dano ao patrimônio público ou violar os princípios regentes da atividade estatal. Não é demais lembrar, aliás, que a própria tipologia do art. 11 evidencia que a desonestidade não é o fator único a ser considerado pelo operador do Direito, isso ao dispor que “[c]onstitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às insti-tuições...”.

A prescindibilidade da desonestidade para a configuração do ato de im-probidade torna-se nítida com um exemplo bem singelo, que já mencionamos em outras oportunidades. É o caso de um Prefeito Municipal que, em razão de sua origem humilde, valoriza o trabalho e a família e pouca importância dá ao estudo, o qual, aliás, jamais esteve ao seu alcance. Por ver na educação não

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mais que uma frívola vaidade, utiliza recursos vinculados, do Fundo de Manu-tenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissio-nais da Educação (Fundeb), instituído pela Emenda Constitucional nº 53/2006 e regulamentado pela Lei nº 11.494/2007, para a construção de um monumento à família. A aplicação dos recursos em finalidade diversa da legal impossibilita a aquisição de merenda para as crianças e o pagamento dos docentes, que paralisam suas atividades. Por desconsiderar a prioridade absoluta de que go-zam as crianças e os adolescentes (CR/1988, art. 227, caput), afrontar a ordem constitucional e infraconstitucional, bem como por realizar um ato nitidamente ineficiente, de pouca importância quando cotejado com o bem jurídico viola-do, afigura-se evidente a prática do ato de improbidade administrativa descrito no art. 11, I, da Lei nº 8.429/1992: “Praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência”. Conquanto esteja evidenciada a vontade de descumprir a lei, não há propriamente má-fé ou desonestidade na conduta do agente público, o que em nada ameniza a ex-trema lesividade de sua conduta.

Avançando na análise das proposições oferecidas pelo acórdão do Superior Tribunal de Justiça, é igualmente errada a assertiva de que a Lei nº 8.429/1992 não visa a punir o administrador “inábil”. A inabilidade cami-nha em norte contrário à eficiência, que tanto consubstancia um dever jurídico de natureza genérica, veiculado no princípio homônimo consagrado no tex-to constitucional, como uma pluralidade de deveres específicos. Portanto, o ato administrativo inábil encontrará imediato enquadramento na tipologia do art. 11. Por outro lado, é plenamente possível que, apesar dessa adequação de ordem tipológica, a incidência da Lei nº 8.429/1992 seja afastada a partir da análise do critério de proporcionalidade ou, mesmo, em razão de um erro de direito plenamente escusável, possibilidade extremamente rara em se tratando de indivíduos que voluntariamente adquiriram o status de agentes públicos.

3 EPÍLOGO

Em razão da própria funcionalidade da ordem jurídica, que não des-toa de referenciais de justiça e ordenação, deve o intérprete partir da premis-sa de que os enunciados normativos possuem objetivos lógicos e racionais (Cf. Falcon, 1991: 19), dando origem a normas igualmente lógicas e racionais. Ao atribuir força normativa ao referencial de eficiência e dispor que a legislação infraconstitucional deveria delinear os atos de improbidade administrativa, a Constituição de 1988 estabeleceu a base de desenvolvimento do contraponto à injuridicidade, que recebeu a devida integração pela Lei nº 8.429/1992.

Vulgarizar a escusa de incompetência significa, em última ratio, compro-meter a própria organicidade da ordem jurídica. Dever desconectado de sanção

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somente é considerado como tal no plano idealístico-formal, sendo vítima inde-fesa da erosão dos valores do ambiente sociopolítico.

A escusa de incompetência, enquanto fator de caracterização do erro de direito, somente deve ser reconhecida em situações excepcionalíssimas, não vulgarizada ao ponto de suprimir a eficácia do aparato sancionador e tornar o dever de eficiência não mais que um frívolo adorno.

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Parte Geral – Doutrina

Programa de Integridade (Compliance Program) na Lei Anticorrupção e Culpabilidade Empresarial

ARNALDO QUIRINO DE ALMEIDAPós‑Graduado em Direito Penal Econômico e Europeu (UniCoimbra, PT), Pós‑Graduado em Direi‑to e Processo Penal (UniMackenzie, SP), Pós‑Graduando em Direito Corporativo e Compliance (EPD, SP), Pós‑Graduado em Direito Processual Constitucional, Extensão em Compliance e Gestão de Riscos (Saint Paul, SP), Extensão em Improbidade Administrativa (Ceajud, CNJ), Extensão em Lei Anticorrupção, Sociedade e Judiciário (Emag, TRF da 3ª Região), Membro convidado da Comunidade de Juristas de Língua Portuguesa – CJLP, Associado ao Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu – IDPEE.

RESUMO: O Estado brasileiro consagrou o princípio republicano e outros que dele são naturalmente decorrentes, tais como os seguintes princípios: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Os valores fundamentais representados em seus enunciados deverão ser rigorosamente observados pela Administração Pública, por seus agentes públicos e todos que, direta ou indireta‑mente, mantêm negócios, contratos ou alguma relação jurídica com o ente estatal. A chamada Lei Anticorrupção foi editada para conferir maior higidez à tutela da probidade administrativa e ao pa‑trimônio da Administração Púbica, somando‑se ao microssistema formado pela Lei de Improbidade Administrativa, Lei da Ação Popular e Lei da Ação Civil Pública. A Lei Anticorrupção, tal como redi‑gida, está fundada em quatro importantes pilares: (a) responsabilidade objetiva da pessoa jurídica; (b) responsabilidade subjetiva da pessoa física; (c) Programas de Integridade (ou Compliance Programs); (d) efeito sancionatório e efeito reparatório. A norma anticorrupção integra formalmente o Direito Administrativo sancionador. Entretanto, sob o aspecto punitivo, é lei materialmente penal por incorporar nuances que são próprias de norma com forte conotação dissuasória e intimidatória.

PALAVRAS‑CHAVE: Direito Administrativo sancionador; microssistema de tutela da Administração Pública; Lei Anticorrupção; Lei de Improbidade Administrativa; responsabilidade objetiva; responsa‑bilidade subjetiva; princípio da culpabilidade; princípio da razoabilidade e proporcionalidade; culpa‑bilidade empresarial; culpa pela dupla imputação do ilícito; conceito construtivista de culpabilidade empresarial; conceito de culpabilidade por defeito de organização; dosimetria da pena; Programa de Integridade; Sistema de Gestão de Compliance; Código de Conduta; gestão de riscos e controles internos; cultura organizacional.

ABSTRACT: The brazilian State has consecrated the republican principle and others that are naturally derived, such as the following principles: legality, impersonality, morality, publicity and efficiency. The fundamental values represented in their statements must be strictly observed by the public adminis‑tration, its public agents and by all those who directly or indirectly carry on business, contracts or any legal relationship with the state entity. The so‑called Anti‑Corruption Law confers greater protection of administrative probity and the assets of the public administration, adding to the microsystem formed by the Law of Administrative Improbity, Law of Popular Action and Law of Public Civil Action. The Anti‑Corruption Law, as drafted, is based on four important pillars: (a) objective liability of the legal entity; (b) subjective responsibility of the individual; (c) Compliance Programs; (d) sanctioning

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effect and repairing effect. The anti‑corruption law formally integrates the Administrative Sanction Law. However, under the punitive aspect, it is a materially criminal law and incorporates nuances that are characteristic of a norm with strong connotations of deterrence and intimidation.

KEYWORDS: Administrative Law sanctioning; microsystem of guardianship of the Public Adminis‑tration; anti‑corruption law; law of administrative improbity; objective responsibility; subjective res‑ponsibility; principle of guilt; principle of reasonableness and proportionality; corporate blame; blame for the double imputation of the wrongdoing; constructivist concept of corporate guilt; concept of culpability by default of organization; dosimetry of the penality; Integrity Program; Compliance Ma‑nagement System; Code of Conduct; risk management and internal controls; organizational culture.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A Lei nº 12.846/2013: sua origem e suas características; 2 Direito admi‑nistrativo sancionador: a culpabilidade da pessoa jurídica; 3 Culpabilidade empresarial pela dupla imputação do ilícito; 4 Critérios próprios de culpabilidade empresarial; 5 O conceito construtivista de culpabilidade empresarial; 6 O conceito de culpabilidade por defeito de organização; 7 A Lei Anticorrupção e seu objeto: a tutela da moralidade e do patrimônio público; 8 O Programa de Inte‑gridade na Lei Anticorrupção; 9 O conteúdo do Programa de Integridade no Decreto nº 8.420/2015; 10 Culpa empresarial e responsabilidade subjetiva; 11 A exclusão da culpa da pessoa jurídica no direito comparado; 12 A responsabilidade objetiva da pessoa jurídica na Lei Anticorrupção: uma opção controvertida; 13 O efeito sancionatório e reparatório como finalidade da Lei Anticorrupção; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Por suposto, a tutela da probidade administrativa é imanente ao princípio republicano como valor fundamental do Estado brasileiro, inserto nos arts. 1º e seguintes da Constituição Federal. A leitura desse princípio tão caro à socie-dade é explicitada, pode-se dizer, pelo conteúdo principiológico essencial de estrita e obrigatória observância pela Administração Pública e seus respectivos agentes, positivado no art. 37, § 4º, da Constituição Federal, que tem a seguinte redação:

Art. 37. A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princí-pios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, tam-bém, ao seguinte:

[...]

§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressar-cimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Não é tarefa exclusiva da Carta Magna regular a matéria devido ao seu caráter de compor os valores, os direitos e as garantias fundamentais dos cida-dãos e seus deveres em face das relações destes com a Administração Pública.

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Ao legislador infraconstitucional é reservado o foro apropriado para do-tar o sistema de proteção da moralidade administrativa de aparato normativo adequado e suficiente à tutela da probidade administrativa, sob os mais diversos matizes, prevendo duras e severas sanções àqueles que, violando a carta de princípios republicanos, causem prejuízos ao Erário público.

É nesse contexto sistemático que temos como normas de tutela desses valores, entre outros diplomas legais: Lei de Improbidade Administrativa, Lei da Ação Popular, Lei da Ação Civil Pública e agora, compondo o conjunto da obra, a Lei Anticorrupção, que nasce com a mesma missão de conferir higidez aos valores republicanos e democráticos, em repúdio aos atos fraudulentos, de malversação e de corrupção cometidos, ao final e ao cabo, contra o patrimônio não somente do Estado, mas verdadeiramente do cidadão cumpridor dos seus deveres e pagador contumaz dos seus tributos.

A violação dos valores republicanos em prejuízo do Erário público, é certo, sempre foi caracterizada com o invólucro da corrupção e da malversação do patrimônio público de qualquer espécie.

O ato de corrupção, por seu turno, sempre foi concebido como ilicitude cometida com o fim de obtenção de vantagem indevida, para si ou para ou-trem, valendo-se do exercício da função pública ou de quem nela esteja direta ou indiretamente investido. Atualmente, são inúmeras as situações que podem trazer grave prejuízo à Administração Pública, que desbordam da noção de enriquecimento ilícito.

A amplitude conferida à tipificação expressa na Lei de Improbidade Ad-ministrativa e agora na Lei Anticorrupção bem demonstra a assertiva, que con-fere novos horizontes e contornos ao debate da matéria.

A Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) foi editada para atender a uma necessidade política e social de mais firmemente combater fraudes e atos de corrupção cometidos pelas empresas. A norma anticorrupção tem na sua ma-triz institucional criar instrumentos de prevenção (programas de integridade) e repressão em face dos atos de improbidade ou fraudes praticados por pessoas jurídicas, precipuamente.

Todavia, a conduta da pessoa física (sócio, gerente, dirigente, represen-tante legal, empregado e colaborador direto ou indireto) continua passível de ser punida juntamente com a pessoa jurídica. Entretanto, a pessoa física sujeitar--se-á, entre outros ordenamentos (administrativos e penais), às punições previs-tas na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), consoante regra expressa do art. 30, inciso I, da Lei Anticorrupção.

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Não obstante a veiculação da norma de prevenção e repressão aos atos de improbidade empresarial, como lei que possibilitará a atuação diretamente sobre as fraudes e os ilícitos cometidos pela pessoa jurídica (ou praticados em seu nome e no seu interesse pela pessoa física) em prejuízo da Administração Pública, o dado relevante é que se trata de equívoco a afirmação que antes da Lei nº 12.846/2013 não havia regras anticorrupção que pudessem ser aplicadas às pessoas jurídicas, definidas no seu art. 1º, parágrafo único.

No ordenamento pátrio podemos citar como normas que são capazes de alcançar ilicitudes praticadas por pessoas jurídicas: a Lei de Licitações (Lei nº 8.666/1993), a Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 12.529/2011) e a Lei Am-biental (Lei nº 9.605/1998), além do poder sancionatório atribuído às agências reguladoras. Esses outros instrumentos de persecução da infração administrativa continuarão atuando sobre a atividade empresarial, no exercício do poder regu-lamentador dos diversos entes estatais.

Nesse particular, a Lei Anticorrupção contém ressalva ao preceituar que: permanece a competência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, do Ministério da Justiça e do Ministério da Fazenda para processar e julgar fato que constitua infração à ordem econômica (art. 29) ou às normas de licitações e contratos da Administração Pública (art. 30, inciso II).

A norma anticorrupção, nesse sentido, soma-se às demais leis que com-põem aquele que podemos seguramente denominar de microssistema de tu-tela da moralidade e do patrimônio público, composto por alguns daqueles diplomas legais repressores supramencionados, mas principalmente pela Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985), Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992) e Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/1965).

SISTEMA DE RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVA, CI­VIL E PENAL POR ATOS DE CORRUPÇÃO NO BRASIL

• Responsabilidade administrativa: Lei nº 8.112/1990, Lei nº 8.666/1993, Lei nº 10.520/2002, Lei nº 12.846/2013;

• Responsabilidade civil: Lei nº 4.717/1965, Lei nº 7.347/1985, Lei nº 8.429/1992, Lei nº 12.813/2013, Lei nº 12.846/2013;

• Responsabilidade penal: Código Penal, arts. 312 a 337-D, Lei nº 8.666/1993 (arts. 89 a 99).

A Lei de Improbidade Administrativa, até então, chegou a ser reconhe-cida pela jurisprudência com abrangência suficiente para punir a pessoa jurí-dica que de modo direto ou indireto se beneficiasse do ato ímprobo cometi-do por seu dirigente ou gestor (STJ, REsp 1127143/RS, Rel. Min. Castro Meira, J. 22.06.2010, DJe 03.08.2010), apesar da polêmica que a afirmação encerra, considerando-se que a Lei nº 8.429/1992 não admite a responsabilidade obje-

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tiva, doravante admitida como regra (em tese, como analisaremos a seguir) no art. 2º da Lei nº 12.846/2013.

Para ilustrar o debate, sob a égide da Lei nº 8.429/1992 o colendo Supe-rior Tribunal de Justiça decidiu que: a) não figurando no polo passivo qualquer agente público, não há como o particular figurar sozinho como réu em ação de improbidade administrativa; b) na hipótese, todavia, se tratando da pessoa jurí-dica beneficiada, poderá ser proposta ação civil pública comum objetivando o ressarcimento dos danos causados ao patrimônio público (REsp 1.155.992/PA, Rel. Min. Herman Benjamin, J. 23.03.2010, DJe 01.07.2010).

O fundamento determinante deste último julgado bem evidencia que os instrumentos de tutela do patrimônio público possuem em sua gênese duas fi-nalidades bem distintas, não necessariamente objetivadas pela mesma via pro-cessual, como previsto nas duas normas de regência: a Lei nº 8.429/1992 e a Lei nº 12.846/2013. Ambas tem por escopo primeiro o efeito sancionatório. A configuração da ilicitude ensejará, de regra, o efeito secundário, igualmente re-levante: a obrigação de reparar integralmente o dano causado à Administração Pública.

Esse escopo repressivo primordial e reparatório secundário é expressa-mente reconhecido na Lei Anticorrupção, ao pontuar o texto normativo que: a) a aplicação das sanções nela previstas não exclui, em qualquer hipótese, a obrigação da reparação integral do dano causado (art. 6º, § 3º); b) a instauração do processo administrativo específico de reparação integral do dano não pre-judica a aplicação imediata das sanções estabelecidas na lei; c) a condenação torna certa a obrigação de reparar, integralmente, o dano causado pelo ilícito, cujo valor será apurado em posterior liquidação, se não constar expressamente da sentença (art. 21, parágrafo único).

Os diversos conflitos de interesse entre a pessoa jurídica e seus repre-sentantes legais, dirigentes, colaboradores internos e externos, etc., somado a dispersão de ordens e comandos pelos vários órgãos ou departamentos quando em face de uma estrutura organizacional complexa, são fatores que contribuem para dificultar a persecução da responsabilidade do ente empresarial e da pes-soa natural envolvidos em atos fraudulentos e de corrupção nos seus negócios e contratos com a Administração Pública.

A Lei nº 12.846/2013 pretende romper tais obstáculos técnico-jurídicos ao criar arsenal capaz de suprir essa lacuna de punibilidade, apostando o legis-lador na eficácia da lei muito em consideração à implantação de mecanismos de prevenção através dos programas de integridade (art. 7º, inciso VIII, da Lei Anticorrupção e arts. 41 e 42 do Decreto nº 8.420/2015) e de repressão com a possibilidade de aplicação de sanção e condenação à reparação dos danos com

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fundamento na responsabilidade objetiva da pessoa jurídica e independente-mente da responsabilização individual (subjetiva) das pessoas naturais referidas naquela lei (art. 3º, § 1º).

Podemos afirmar, assim, que o legislador aposta, sobretudo, nesses dois importantes pilares da Lei de Improbidade Empresarial: responsabilidade objeti-va da pessoa jurídica (independentemente da responsabilização – subjetiva – da pessoa física, autora imediata do fato) e programa de integridade, sobre os quais passamos a tecer comentários, sem a pretensão de esgotar a matéria.

1 A LEI Nº 12.846/2013: SUA ORIGEM E SUAS CARACTERÍSTICAS

A Lei Anticorrupção, no seu desiderato de responsabilizar a pessoa jurí-dica por atos lesivos praticados em face da Administração Pública, foi editada somente após anos de o Brasil se comprometer com organismos internacionais.

Deles, o mais notório é a Organização para a Cooperação e o Desenvol-vimento Econômico – OCDE, por meio de sua Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais In-ternacionais, de 1997 (ratificado no Brasil pelo Decreto nº 3.678/2000). Cite-se, ainda, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, de 2003 (ratificado no Brasil pelo Decreto nº 5.687/2006).

Antes mesmo dessas convenções, o tema já havia sido debatido e objeto do Colóquio da Associação Internacional de Direito Penal – AIDP, edição de setembro de 1982, em Freiburg, Alemanha, sob a Presidência do insigne Jurista alemão Klaus Tiedemann.

Na ocasião, entre outros temas, deliberou-se que nos sistemas legais em que a responsabilidade penal da pessoa jurídica não era reconhecida como forma adequada para o controle de ilícitos praticados contra a economia, então os países poderiam considerar a possibilidade de aplicação de sanções admi-nistrativas, como “uma adequada alternativa ao sistema criminal como via de prevenção e repressão da criminalidade econômica”, mas com previsão de ga-rantias suficientes de defesa1.

De modo que sobressai daqueles instrumentos a seguinte orientação: é de suma relevância editar legislação para punir não somente pessoas físicas, mas nomeadamente as pessoas jurídicas por meio de procedimentos eficazes e persuasivos, inclusive criminais.

1 PODVAL, Roberto (Org.). Temas de direito penal econômico: sobre a concepção e os princípios do direito penal econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 119/120.

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PRINCIPAIS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS DE COMBATE À CORRUPÇÃO QUE INSPIRARAM A LEI Nº 12.846/2013

• FCPA – Foreign Corrupt Practices Act (EUA, 1997): prevê sanções a pessoas físicas e jurídicas norte-americanas pela prática de atos de corrupção dentro ou fora do território americano;

• International Anti-Bribery Act (EUA, 1998): prevê medidas anticorrupção no ambiente de negócios norte-americano e no comércio internacional;

• UK Bribery Act (Reino Unido, 2010): medidas de combate à corrupção ativa de agentes públicos ou privados, à corrupção passiva dos agentes púbicos e privados, à corrupção dos agentes públicos estrangeiros e às falhas existentes nas pessoas jurídicas no tocante à prevenção de atos de corrupção;

• Sarbannes-Oxley Act (EUA, 2002): dirigida a empresas de capital aberto, prevê mecanis-mos de auditoria e segurança das operações financeiras;

• Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da Organização para a Cooperação e o Desenvol-vimento Econômico – OCDE (1997) – Ratificado pelo Brasil – Decreto nº 3.678/2000;

• Convenção Interamericana contra a Corrupção (1996) – Ratificado pelo Brasil – Decreto nº 4.410/2002;

• Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (2003) – Ratificado pelo Brasil – De-creto nº 5.687/2006.

Como é antiga a problemática sobre a questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica em diversos países, principalmente naqueles adeptos do civil law, os acordos ou tratados internacionais que versam sobre a matéria contêm orientação para que os sistemas legais prevejam “instrumentos de responsabi-lização não penais”, porém de efeitos igualmente dissuasórios e intimidatórios devido à gravidade dos atos de corrupção e praticados contra a economia, que extrapolam em muito os limites objetivos do mero descumprimento de nor-mas ou regulamentos administrativos sobre posturas estatais, sancionados no exercício do poder de polícia e fiscalização do Estado, via de regra, com penas mais brandas e procedimentos de persecução menos rígidos ou formais, menos garantidas portanto.

Essa importante observação é necessária muito em consideração, é preci-so reafirmar, ao fato de que é inerente à atividade administrativa geral o poder--dever de impor multas de mesma natureza decorrente da inobservância das posturas cotidianas impostas aos administrados (manifestação do poder de po-lícia), consoante a lição que se colhe da obra do Professor Marçal Justen Filho2.

Nações como o Brasil que não adotam largamente a responsabilidade penal da pessoa jurídica, exceção feita ao Direito Ambiental como sabemos, optaram por regular e criar mecanismo de combate à corrupção por meio do Direito Administrativo sancionador, editando aparato legal que, entretanto, substancialmente tem natureza penal, como analisaremos, pois preveem con-

2 Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 405.

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dutas ilícitas que extrapolam em muito os limites objetivos do descumprimento das medidas de polícia administrativa.

Não obstante a matriz constitucional do sistema de tutela da probidade administrativa, não se pode afirmar conclusivamente que o aparato legislativo infraconstitucional seja uniforme e coerente.

Sua eficiência e eficácia ao propósito para o qual se destina está muito na dependência da construção doutrinária e jurisprudencial e não será diferente no que tange à Lei Anticorrupção brasileira.

O alcance do instituto e das sanções será submetido, inevitavelmente, à interpretação dos Tribunais Pátrios, consequência de sua ambivalência, princi-palmente no tocante:

a) ao caráter qualitativa e substancialmente penal da norma anticor-rupção e sobre quais são os princípios garantistas aplicáveis à pes-soa jurídica na persecução administrativa ou judicial;

b) a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica e subjetiva da pessoa física;

c) a independência da responsabilidade da pessoa jurídica em relação à pessoa física;

d) a influência do Programa de Integridade na culpabilidade ou puni-bilidade da pessoa jurídica e também da pessoa física, dirigente ou representante legal da empresa (e, eventualmente, do denominado Compliance Officer);

e) ao regime jurídico da responsabilidade civil-administrativa: culpa fundada na teoria da dupla imputação (sistema vicarial ou da re-presentação), culpa fundada na teoria do defeito da organização ou fundada na teoria (ou modelo) construtivista da culpa empresarial;

f) ao conteúdo (causa de pedir) e ao alcance (legitimação) da ação civil púbica em relação à conduta da pessoa jurídica e do infrator pessoa física e a possibilidade de cumulação de pedidos, e sua re-lação com o Processo Administrativo de Responsabilização – PAR, etc.

2 DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR: A CULPABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA

O Direito Administrativo sancionador (assim como o Direito Penal con-temporâneo) em diversos quadrantes tem envidado esforços para solucionar a celeuma em torno da culpabilidade da pessoa jurídica.

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Fundamentalmente, a razão pela busca da sistematização da responsa-bilidade empresarial decorre da dificuldade de assimilação da culpa aos entes morais, posto não possuírem capacidade de avaliar seu comportamento e, con-sequentemente, em face de determinada situação de fato, avaliar ou mesmo sa-ber se seria exigível se comportar conforme o Direito, evitando o cometimento de ato ilícito por meio de seus empregados ou representantes legais ou de fato.

Não merece maior ressonância qualquer entendimento que reconhece a impossibilidade de se atribuir responsabilidade administrativa à pessoa jurídica.

Atualmente, a doutrina se volta ao debate sobre o fundamento dogmático da referida responsabilidade, buscando construir um conceito de ação e culpa-bilidade que seja adequado à pessoa jurídica – tanto em matéria administrativa quanto penal.

3 CULPABILIDADE EMPRESARIAL PELA DUPLA IMPUTAÇÃO DO ILÍCITO

Encontram-se já positivado ou com forte tendência nessa direção siste-mas de imputação de responsabilidade (administrativa ou penal) à pessoa jurí-dica, de que são exemplos França, Espanha e Portugal.

Ressalte-se que, nesses países, a solução inicialmente encontrada foi ad-mitir a responsabilidade da pessoa jurídica, mas, de qualquer modo, “em co-nexão com a responsabilização da pessoa física – seus sócios, gerentes ou seus representantes de maneira geral –, ou dependente de uma atuação concreta de quem ocupe uma posição de liderança e nessa condição pratique o ilícito em nome e no interesse da sociedade” (os White-collar criminals).

A admissibilidade da responsabilidade empresarial, nesses termos, se-gundo a doutrina, encontra-se centrada na culpa atribuível à pessoa física ou de órgão de gestão, que também é a culpa da pessoa jurídica – culpabilidade pela dupla imputação do ilícito ou pelo fato em conexão.

A teoria da dupla imputação (ou responsabilidade vicariante, por supor responsabilidade por ato de terceiro) se aproxima, é bem verdade, da respon-sabilidade da pessoa jurídica derivada da teoria da representação conhecida do Direito Privado, sede na qual é perfeitamente possível responsabilizar (ob-jetivamente) a empresa, independentemente da responsabilização dos sócios e dirigentes (ressalvados os atos praticados com excesso ou abuso de poder), noção que o legislador da Lei Anticorrupção parecer ter tomado de empréstimo para o regime por ela consagrado.

Entretanto, a imputação de culpa assim considerada se aproxima de uma “culpabilidade por fato alheio” (ou pelo fato de outrem), que, no Brasil, à luz da Constituição Federal, seria inadmissível em face do princípio da pessoalidade da pena – cujo reflexo autoriza sua incidência em todo o direito sancionador

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– administrativo ou penal. Segundo a dicção do art. 5º, inciso XLV, da Consti-tuição Federal e art. 18 do Código Penal, é vedada a imputação de responsabi-lidade objetiva ou sem culpa (presumida).

A doutrina e os sistemas legais em direito comparado têm superado a teoria da dupla imputação necessária do ilícito como método de atribuição de culpa à empresa, por entendê-la inadequada, ao fundamento de que não se trata de uma verdadeira responsabilidade por fato próprio.

Pretender considerar a autonomia da responsabilidade da pessoa jurídica em direito sancionador (administrativo e penal), mas sem um sistema de im-putação próprio, responsabilizando-a pelo fato conexo da pessoa física (dupla imputação), implica, na verdade, em inobservância do princípio da responsabi-lidade por fato próprio.

Teríamos, então, uma persecução administrativa ou penal dirigida à pes-soa física, na qual, provada a sua culpabilidade, também a pessoa jurídica seria alvo de sanção “por um fato alheio”, porque a conduta da própria empresa e sua culpabilidade não seria objeto de investigação.

CONCEITO DE CULPABILIDADE EMPRESARIAL PELA DUPLA IMPUTAÇÃO DA CULPA

• Responsabilidade empresarial: conduta ilícita praticada pela pessoa física em nome e no interesse da pessoa jurídica;

• Culpabilidade empresarial: culpa da pessoa física – dirigente, sócio, representante legal (ou de fato) ou órgão colegiado;

• Persecução administrativa ou penal concomitante: necessária conexão dos fatos entre pessoa física e pessoa jurídica;

• Conduta inexistente ou exclusão da culpa da pessoa física: culpabilidade da pessoa jurí-dica descaracterizada.

4 CRITÉRIOS PRÓPRIOS DE CULPABILIDADE EMPRESARIAL

A dogmática em direito comparado tem se encaminhado para o aprimo-ramento no tocante à adoção de critérios próprios da culpabilidade da pessoa jurídica, destacando-se o conceito construtivista de culpabilidade empresarial e o conceito de culpabilidade por defeito de organização.

5 O CONCEITO CONSTRUTIVISTA DE CULPABILIDADE EMPRESARIAL

Em breve introdução, segundo o conceito construtivista de culpabilida-de, é característica do delito empresarial que o fato seja cometido por pessoas jurídicas complexas: a complexidade de uma organização empresarial sobres-sai quando apresenta “autorreferencialidade”, “autocondução” e “autodetermi-nação”.

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Apresentando à pessoa jurídica determinado grau de “auto-organização e liberdade auto-organizativa”, é legítimo responsabilizá-la diretamente pelos ilícitos e pelas infrações cometidos no exercício de sua atividade. A capacidade de auto-organizar-se verificável na pessoa jurídica equivale funcionalmente (e normativamente) à capacidade de ação da pessoa física.

Nesse aspecto, a imputabilidade da pessoa jurídica (elemento essencial ao conceito construtivista) está associada a sua “complexidade interna mínima (suficiente)”, aferida, entre outros fatores: pelo número de empregados e quanti-dade de órgãos que compõem a pessoa jurídica e pela estrutura organizacional da empresa.

É de suma importância para essa teoria perscrutar a capacidade de au-torregulação e qualidade da governança corporativa praticada pela pessoa ju-rídica.

No ambiente empresarial, o dolo ou a culpa (imprudência) se revela pela capacidade que a pessoa jurídica tem de conhecer o risco empresarial de sua atividade (conhecimento organizacional do risco empresarial), avaliado segun-do as relações e os modelos de vinculação dos elementos de conhecimento (independente e coletivo) da organização.

Em síntese, essa é a base da teoria construtivista com maestria minucio-samente estudada pelo eminente Professor Carlos Gómez-Jara Díez3, que, em outro de seus primorosos textos acerca da teoria aqui mencionada, sustenta: “A culpabilidade empresarial consiste em déficit de fidelidade ao Direito que se manifesta em uma cultura empresarial de não cumprimento com o Direito”.

Reporta o ilustre mestre que um dos modelos paradigmáticos de culpa-bilidade empresarial é o norte-americano que tem na sua base os chamados “Programas de Cumprimento Corporativo” (Corporate Compliance Programs), sistema no qual “considera-se que tais programas constituem um reflexo da cul-tura empresarial da pessoa jurídica e, portanto, servem para determinar o índice de culpabilidade especificamente empresarial”4.

Em outra oportunidade, o Professor Carlos Gómez-Jara Díez, em análise de recentes julgados espanhóis que consagraram a teoria construtivista da cul-pa empresarial, escreveu que, para essa construção dogmática “el delito de la persona física es el pressuposto, no el fundamento de la responsabilidad penal

3 Fundamentos modernos de la Responsabilidad Penal de las Personas Jurídicas. Montevideo-Buenos Aires: Editorial B de F, 2010. passim.

4 A responsabilidade penal da pessoa jurídica e o dano ambiental: a aplicação do modelo construtivista de autorresponsabilidade à Lei nº 9.605/1998. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 54.

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de la persona jurídica”, critério que, ademais, evita se incorra na vedada res-ponsabilidade por fato alheio5.

Para referida teoria, ainda, a culpabilidade é caracterizada quando os órgãos de controle do Estado reúnam elementos de que a pessoa jurídica man-tém uma “cultura empresarial de ‘infidelidade’ ao Direito, de não cumprimento do ordenamento jurídico”. Todavia, critérios de imputabilidade e culpabilidade empresarial, para se revelarem legítimos e em estrita obediência ao princípio da legalidade, devem ser estabelecidos normativamente.

CONCEITO CONSTRUTIVISTA DE CULPABILIDADE EMPRESARIAL

• Imputabilidade da pessoa jurídica: complexidade interna mínima (autorregulação e go-vernança corporativa);

• Pessoas jurídicas complexas – elementos: número de empregados, quantidade de órgãos, estrutura organizacional complexa;

• Capacidade de autodeterminação da pessoa jurídica: autorreferencialidade, autocondu-ção e autodeterminação;

• Critérios de imputabilidade e culpabilidade empresarial: cultura organizacional de des-conformidade com a ética, as normas e as leis.

6 O CONCEITO DE CULPABILIDADE POR DEFEITO DE ORGANIZAÇÃO

Mas, de modo geral, na atualidade, a legislação internacional em matéria de combate à fraude e à corrupção, além de outras infrações ou ilícitos prati-cados no âmbito da pessoa jurídica, tem construído um conceito próprio de culpabilidade empresarial, principalmente em consideração à constatação da existência do que se convencionou denominar de “culpa por déficit (ou defeito) de organização”: países como Alemanha, Espanha e França, por exemplo, em certa medida, têm adotado a teoria da responsabilidade da pessoa jurídica ba-seada no conceito de culpabilidade por defeito de organização.

Está no cerne da concepção do “conceito de culpabilidade por defeito de organização” a possibilidade de se estabelecer um critério de responsabilidade em direito sancionador – administrativo e penal – pela culpa do próprio ente empresarial, desde que uma dada persecução demonstre que o cometimento da infração ou do ilícito deveu-se à omissão em seu dever de adotar medidas de vigilância, controle e organização da atividade da pessoa jurídica.

No conceito de “culpabilidade por defeito de organização”, portanto, a doutrina pretende convergir todo o fundamento dogmático legitimador da res-ponsabilidade administrativa ou penal da pessoa jurídica.

5 El Tribunal Supremo ante la responsabilidade penal de las personas jurídicas. Navarra: Editorial Aranzadi, 2017. p. 56/57.

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A noção de culpabilidade empresarial ganhou contornos mais definidos por meio do Professor alemão Klaus Tiedemann em diversos de seus trabalhos6, referenciado pelos renomados Professores Miguel Bajo Fernandéz e Silvina Bacigalupo Saggese. Para Bajo Fernandéz e Bacigalupo Saggese, foi a constru-ção doutrinária do jurista alemão que abriu a possibilidade de imputar a ação de uma pessoa física como uma ação própria da pessoa jurídica, escrevendo os mestres que “es decir, la existencia de una norma de imputación permite acep-tar la existencia de una acción de la persona jurídica, aunque ésta tenga que ser realizada en efecto por un órgano (u otra persona) en nombre de la misma, es decir, aunque se trate de la imputación de una acción ajena”7.

O Professor Manuel Gómes Tomillo, também tal como o Professor Tiedemann, se mostra adepto da teoria da culpabilidade empresarial “por defei-to de organização”, assinalando de sua parte que,

Como es conocido, conforme a tal criterio debe hablarse de culpabilidad de las personas jurídicas por defecto de organización, lo que, entiende el citado autor, guarda relación con el fenómeno de las actiones liberae in causa, donde se san-ciona por la falta de cuidado, no cuando acaece el hecho, sino en un momento anterior.

E prossegue o Professor Tomillo:

Desde tal punto de vista, entendemos que la culpabilidad implicaría un juicio de reproche que se formula frente a una persona jurídica porque ha omitido la adopción de las medidas que le son exigibles para garantizar un desarrollo or-denado y no inferior de la actividad relativa al hecho de la empresa. Como en el caso de las personas físicas, la culpabilidad de las entidades colectivas implicaría un juicio complejo, toda vez que en él se deben considerar una multiplicidad de elementos diversos.

Ressalta mais o mestre (porém discordando do Professor Tiedemann), que é possível liberar-se a empresa de sanção quando haja prova de tratar-se de uma organização eficiente:

Afirmado el concepto de culpabilidad, en los términos expuestos, como defecto de organización, entendemos que se trata de un juicio que no está presente de forma automática en los casos en los que se verifique la realización de los ele-mentos objetivos del tipo. Muy al contrario, puede excluirse la responsabilidad sancionatoria cuando la persona jurídica acredite una correcta organización de cara a la evitación de delitos, o infracciones administrativas.8

6 Responsabilidad penal de las personas jurídicas. Anuario de Derecho Penal, 1996. Disponível em: <http://perso.unifr.ch/derechopenal/assets/files/anuario/an_1996_07.pdf>.

7 Derecho Penal Económico. Madri: Editora Universitaria Ramón Areces, 2010. p. 156-157.8 Introducción a la responsabilidad penal de las personas jurídicas en el sistema español. Valladolid: Lex

Nova, 2010. p. 104-105 e 131.

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Porém, deve ser mencionado que no Direito alemão a responsabilidade das pessoas jurídicas encontra-se limitada a uma sorte de ilícitos e contraven-ções e restringe-se ao pagamento de multas e, consoante ensina o Professor Klaus Tiedemann, sem as consequências típicas do Direito Penal, muito embora reconheça que não existe óbice para que empresas sejam destinatárias de nor-mas penais, não obstante opiniões em sentindo contrário fundadas no fato da pessoa jurídica não atender ao requisito da capacidade de culpabilidade – em sentindo ético-social9.

Mas o certo é que, assim como a Alemanha, outros países europeus, de um modo ou de outro, têm admitido que a pessoa jurídica possui capacidade de culpabilidade, divergindo, porém, quanto ao método de imputação e sua abrangência: responsabilidade administrativa e penal, ou somente aquela.

Sob a influência do Direito alemão, na Espanha a culpabilidade em-presarial tem sido entendida como culpa da pessoa jurídica por defeito de organização, ainda que com alguma controvérsia. Analisando a matéria na-quele ordenamento, merece destaque a observação feita pelo Professor Carlos Martínez-Buján Péres: “O defeito de organização deve anteceder ao cometi-mento do fato delituoso, para só então justificar um juízo de culpabilidade so-bre a conduta da pessoa jurídica”10.

A ideia de culpabilidade que se quer emprestar ao referido conceito trata--se de um juízo de reprovabilidade que decorre da ausência de medidas exi-gíveis para que a pessoa jurídica exerça suas atividades negociais com estrito cumprimento do ordenamento jurídico.

A ausência de uma política de boa governança com apego à ética e ao respeito aos princípios da Administração Pública é fator relevante que supõe a culpa empresarial.

Passando em análise ao sistema espanhol de responsabilidade da pessoa jurídica por fato próprio, fundado do déficit organizacional, o Professor Renato de Mello Jorge Silveira escreve que as pessoas jurídicas respondem por seu próprio injusto, que encontra supedâneo no defeito de organização e culpabi-lidade própria que se revela no modelo de “cultura empresarial desconforme com a legalidade”. Finaliza o jurista por concluir que esse sistema de responsa-bilização, por fato próprio, rompe com o sistema vicariante (dupla imputação) e se apresenta como mais garantista e mais respeitoso com os “fundamentos sistêmicos penais”11.

9 Manual de Derecho Penal Económico. Valencia: Tirant lo Blanch, 2010. p. 178.10 Derecho Penal Económico y de la empresa. Valencia: Tirant lo Blanch, 2011. p. 519.11 Compliance, direito penal e Lei Anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 111.

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É necessário destacarmos que as graves sanções impostas pela Lei An-ticorrupção impõem que esse importante marco legislativo para a tutela da administração e do patrimônio público seja colocado em relevo como norma substancialmente de caráter penal (ou quase penal), de modo a concluirmos ser imperioso à persecução (administrativa ou judicial) e à punição correspondente que sejam antecedidas de um hígido sistema de garantias e imputação que se afirme na presença de justa causa substancial não meramente formal.

Nesse contexto dogmático, a responsabilidade da pessoa jurídica por dé-ficit de organização vai despontando como modelo melhor aparelhado e mais consentâneo com a realidade dos complexos núcleos empresariais, nos quais é imprescindível a implantação de Programas de Integridade (Compliance Progra-ms) e a promoção contínua de uma cultura de fidelidade e integridade de leis, normas e regras de conduta.

CONCEITO DE CULPABILIDADE EMPRESARIAL POR DEFEITO DE ORGANIZAÇÃO

• Reprovabilidade da conduta: descumprimento do ordenamento jurídico pela ausência de me-didas de prevenção exigíveis à atividade empresarial (política de boa governança corporativa);

• Defeito de organização: ausência de medidas de prevenção e repressão deve anteceder o fato ilícito;

• Culpabilidade empresarial: falta de vigilância ou regular orientação da pessoa física – emprega-dos, sócios, dirigentes, etc.

7 A LEI ANTICORRUPÇÃO E SEU OBJETO: A TUTELA DA MORALIDADE E DO PATRIMÔNIO PÚBLICO

A Lei Anticorrupção exige que o ente empresarial tenha atitude proba e respeitosa no trato da coisa pública: tem por objeto a tutela da moralidade e do patrimônio público contra atos lesivos que atentem contra o patrimônio público (nacional ou estrangeiro).

A proteção vai além. Alcança inclusive os atos atentatórios que maculam princípios ínsitos à Administração Pública. A explicitação do modus operandi constante do art. 5º da Lei Anticorrupção, em larga medida, se identifica com condutas também previstas na Lei de Improbidade Administrativa: arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/199212.

Tanto em um diploma legal quanto em outro as infrações ou os ilícitos que lhe são subjacentes decorrem de atos qualificados de ímprobos que bem podem ser classificados em:

12 ALMEIDA, Arnaldo Quirino de. Improbidade Administrativa e a atuação do Ministério Público. Revista IOB de Direito Administrativo, n. 46, p. 7-41, out. 2009.

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a) atos que importam em enriquecimento ilícito (ou vantagem in-devida);

b) atos que importam em prejuízo ao Erário público;

c) atos que importam em violação dos princípios da Administração Pública.

A finalidade perseguida pelo legislador quando da edição da Lei de Im-probidade Administrativa é a mesma que levou à edição da Lei Anticorrupção: resguardar o princípio da moralidade (permeado pela probidade administrati-va), manutenção da higidez da Administração Pública e respeito à legalidade, moralidade, obediência à ética, honestidade, lealdade e boa-fé.

É insofismável, destarte, a identidade de escopo sobre o qual se encontra estruturada a Lei Anticorrupção e a Lei de Improbidade Administrativa, tanto que aquela já foi inclusive rotulada de Lei da Improbidade Empresarial: ambas possuem uma pauta axiológica mínima e comum.

Há entre os diplomas legais valores e princípios comunicantes: identifica--se nas leis uma verdadeira simbiose na definição de improbidade empresarial e improbidade administrativa, é inegável.

SÍNTESE ILUSTRATIVA

Pauta axiológica mínima e comum entre a Lei Anticorrupção e a Lei de Improbidade Administrativa: valores e princípios comunicantes en-

tre a Lei Anticorrupção e a Lei de Improbidade Administrativa(I)

ÉTICA EMPRESARIAL + INTEGRIDADE EMPRESARIAL = PROBIDADE EMPRESARIALÉTICA FUNCIONAL + INTEGRIDADE FUNCIONAL = PROBIDADE ADMINISTRATIVA

(II)Simbiose na definição de Probidade Empresarial e Probidade Administrativa

ÉTICA (boa conduta)PROBIDADE (integridade, honradez)

INTEGRIDADE (reputação ilibada, reta)RESPEITO À LEI E À ORDEM (cumprimento dos princípios da Administração Pública)

Os diplomas normativos de repressão à improbidade administrativa e à improbidade empresarial decorrem, essencialmente, de um mesmo fundamento constitucional: a imprescindibilidade da tutela e controle da moralidade admi-nistrativa.

Na verdade, a Lei de Improbidade Administrativa e a Lei Anticorrupção derivam da mesma matriz de natureza constitucional, o art. 37, §§ 4º, 5º e 6º, da Constituição Federal, o que sugere estarmos em face de um sistema de “respon-sabilidade constitucional” – sancionatório e reparatório – por atos contrários ao princípio republicano, aos deveres de lealdade, impessoalidade e atuação ética em face da Administração Pública.

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8 O PROGRAMA DE INTEGRIDADE NA LEI ANTICORRUPÇÃO

A Lei Anticorrupção – e o Programa de Integridade que lhe serve de supedâneo – tem em mira, tanto quanto a Lei de Improbidade Administrativa, provocar uma atitude proativa constante das empresas na forma como nego-ciam e atuam junto à Administração Pública: a norma exige respeito à ética, à probidade e aos princípios da Administração Pública.

Não é despropositado afirmar que a culpabilidade por defeito de organi-zação tem implícita a noção, a contrario sensu, que a pessoa jurídica, no intento de evitar o cometimento de ilícitos e danos ao patrimônio da Administração Pública, deverá implantar uma rígida política de boa governança corporativa, com a imposição de valores éticos e o modo de proceder na sua atividade negocial, avaliando e minimizando riscos, evitando danos sociais, a denotar seu comprometimento no cumprimento das regras impostas pelo ordenamento jurídico, de conformidade com o modo como se organiza internamente: aqui temos também um elemento informador importante do conceito construtivista de culpabilidade empresarial.

Tal atitude, para além de demonstrar a prática de gestão eficaz, é revela-dora da capacidade de “autorresponsabilidade empresarial” da pessoa jurídica, fundamento bastante para responsabilizá-la pelo cometimento de ilícitos em seu nome e interesse, como bem escrevem em profundidade os Professores Carlos Gómes-Jara Díez13 e Bernardo Feijoo Sánchez14. Trata-se, na verdade – como informa o renomado Jurista e Professor Carlos Gómez-Jara Díez, a partir da experiência dos EUA –, da “cultura empresarial” institucionalizada na orga-nização interna da pessoa jurídica.

A culpabilidade por defeito de organização pode restar evidenciada não somente pela conduta individual da pessoa física – representante, empregado ou dirigente do ente coletivo ou empresarial –, mas, também, desde que de-monstrado que o ilícito deriva de um “acúmulo de orientações indevidas ou operações individuais inadequadas de pessoas físicas” que compõem a estrutu-ra social do ente coletivo.

A culpabilidade, diz-se, poderia decorrer também da falta de vigilância ou regular orientação da pessoa física que deveria praticar a conduta de modo adequado. É nesse contexto que se pode afirmar ser de crucial relevância a existência (ou não) de um Programa de Integridade, como modo de aferir a res-ponsabilidade empresarial pelos ilícitos praticados por empregados e dirigentes, em nome e no interesse da pessoa jurídica.

13 Fundamentos modernos de la Responsabilidad Penal de las Personas Jurídicas. Montevideo-Buenos Aires: Editorial B de F, 2010. passim.

14 Cuestiones actuales de Derecho Penal económico. Montevideo-Buenos Aires: Editorial B de F, 2009. passim.

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A ausência de um Programa de Integridade efetivo e eficaz pode se con-verter em importante elemento ou indício de responsabilidade da pessoa jurí-dica por atos fraudulentos ou de corrupção cometidos por seus empregados e dirigentes (ou mesmo terceiros que com ela mantenham negócios).

Klaus Tiedemann, já de longa data, estuda o fenômeno da pessoa jurí-dica como “centro de imputação de responsabilidade”, capaz de cometer in-frações e ilícitos tanto quanto a pessoa física que lhe representa, sustentando que o defeito de organização é o que fundamenta e legitima a culpabilidade (administrativa ou penal) do ente empresarial, fazendo alusão aos programas de compliance com relevante papel também como instrumento de investigação do “comportamento ilícito da pessoa jurídica”15.

Novamente, é pertinente mencionar o Professor Carlos Gómez-Jara Díez16, para quem o mencionado Programa de Integridade constitui um reflexo da cultura empresarial adotada pela pessoa jurídica no âmbito de sua organi-zação, sendo importante subsídio para determinar o “índice de culpabilidade empresarial”.

A propósito do conteúdo que deve conter um autêntico programa de integridade, o Professor Jesús-María Silva Sánchez assim se pronuncia:

Una vez establecido el Código ético o Código de conducta de la empresa, en el que lo normal es que se incluyan tanto aspectos relativos al compliance como otros referentes al buen gobierno y la responsabilidad social corporativa de la empresa, corresponde proseguir en la implantación de las herramientas de la prevención de delitos. Éstos son el mapa de riesgos, los manuales de prevención y los manuales de detección, realización de investigaciones internas y colabora-ción con las autoridades.17

O “Compliance Program” ou “Programa de Integridade” converte-se em importante mecanismo de prevenção e, inclusive, punição aos empregados e dirigentes (ou terceiros) no âmbito da pessoa jurídica, pelo cometimento de atos fraudulentos ou de corrupção em face da Administração Pública.

O Professor Marcos Assi pontua que “estar em compliance é estar em conformidade com leis e regulamentos internos e externos, e é, acima de tudo, uma obrigação de cada colaborador dentro da instituição”18.

15 El derecho comparado en el desarrollo del derecho penal económico. Artigo de conferência: El derecho penal económico en la era compliance. Org. Adán Nieto Martín e Luis Arroyo Zapatero. Valencia: Editorial Tirant lo Blanch, 2013. p. 37-42.

16 Fundamentos modernos de la Responsabilidad Penal de las Personas Jurídicas, p. 492-493.17 Fundamentos del Derecho penal de la Empresa. 2. ed. Montevideo-Buenos Aires: Editorial B de F, 2016.

p. 374-375.18 Gestão de compliance e seus desafios. São Paulo: Saint Paul, 2013. p. 19.

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A eficácia e efetividade do Programa de Integridade estão estreitamente vinculadas ao nível de comprometimento de dirigentes, gestores e empregados da empresa.

É salutar e imprescindível que, sobretudo, presidentes, diretores e con-selheiros estejam atentos à necessidade de estar à frente da consecução dos processos de gestão de riscos e controles internos, treinando, motivando, in-centivando e persuadindo constantemente os colaboradores da empresa para a estrita observância:

– da política de integridade;

– dos valores éticos;

– da cultura organizacional.

Sobre a definição de cultura organizacional, digna de nota a assertiva do Professor Marcos Assi, que a define nos seguintes termos: “Também conhecida como cultura corporativa, ela é o conjunto de hábitos e crenças estabelecido por meio de políticas, normas, valores, procedimentos e expectativas comparti-lhadas por todos os membros da organização”19.

Uma correta gestão de compliance com ampla divulgação, conscienti-zação e cientificação de empregados, colaboradores internos e externos, legi-timará a empresa a utilizar-se de instrumentos de punição adequados em face daqueles, quando afrontando o Programa de Integridade e contrariando sua orientação expressa forem surpreendidos cometendo infrações e ilícitos.

Mas, por óbvio, frise-se: no âmbito dos atos interna corporis do ente empresarial, a punição deverá atender aos limites impostos pela legislação do trabalho; permite-se, ainda, outras medidas e punições contratualmente esta-belecidas quando se tratar de ilícitos praticados por terceiros; e, em ambas as hipóteses, sem prejuízo das demais sanções específicas previstas na Lei Anticor-rupção e na Lei de Improbidade Administrativa.

Na verdade, ao que parece, é o Estado transferindo parte de seu ônus persecutório às empresas, devido, em regra, à complexidade de algumas es-truturas empresariais, o que dificulta sobremaneira a implantação de políticas públicas diretas de prevenção e persecução à fraude ou à corrupção contra a Administração Pública.

Autorizada doutrina em direito comparado afirma que os mecanismos de autorregulação (regulada) em empresas com estruturas complexas são especial-mente importantes no tratamento de ilícitos empresariais. A regulação própria desenvolvida internamente pela pessoa jurídica poderá resultar em instrumen-

19 Gestão de riscos com controles internos. São Paulo: Saint Paul, 2012. p. 138.

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tos de prevenção (ou mesmo repressão) mais eficazes que a regulação admi-nistrativa ou penal do Estado, circunstância muito creditada à complexidade econômica e técnica da atividade empresarial, normalmente desconhecida do aparato persecutório do Estado20.

A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade in-dividual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito, conforme o art. 3º da Lei Anticor-rupção, que, não obstante endereçada à pessoa jurídica, prevê expressamente a extensão dos seus efeitos à pessoa física (que será responsabilizada subjetiva-mente).

Aparentemente, a lei limita o círculo de sujeitos ativos – pessoas natu-rais – aos dirigentes ou administradores do ente coletivo, ou seja, aqueles que efetivamente são investidos na função de direção e comando – os White-collar criminals –, normalmente situados no alto escalão de poder nas sociedades e entes coletivos.

Na acepção própria da Lei Anticorrupção, mesmo não textualmente, es-ses altos dirigentes e administradores são naturalmente investidos do dever de garante pela implantação, manutenção e efetividade do Programa de Integrida-de, com todos os desdobramentos daí decorrentes no sistema de imputação de responsabilidade por atos de corrupção ou ímprobos, inclusive na seara penal, é importante frisar.

Mas a restrição somente se faz em aparência, pois logo trata de dizer a dicção do art. 3º que poderão ser responsabilizados quaisquer pessoas na con-dição de autor, coautor ou partícipe do ato ilícito, e todos, é de se supor, como expressamente consagra a norma, “na medida de sua culpabilidade” (§ 2º).

A Lei Anticorrupção não é peremptória ou explícita acerca da respon-sabilidade da empresa por atos de corrupção quando praticados por terceiros – prestadores de serviços contratados, por exemplo –, atuando em seu nome e interesse.

Não há dúvida de que a empresa contratante poderá certamente ser san-cionada caso não tenha sido adequadamente diligente na escolha do contra-tado, averiguando se, além de idoneidade, capacidade econômica e técnica, também possui Programa de Integridade ou cultura organizacional e ética ali-nhados aos seus propósitos e a sua missão institucional.

De modo que é um engodo a empresa contratante pretender transferir responsabilidade (exclusiva) a terceiros no ambiente empresarial, por atos de

20 Por todos: SIEBER, Ulrich. Programas de compliance en el derecho penal de la empresa. Una nueva concep-ción para controlar la criminalidad económica: El derecho penal económico en la era compliance. Org. Adán Nieto Martín e Luis Arroyo Zapatero. Valencia: Tirant lo Blanch, 2013. p. 96-99.

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corrupção ou ilícitos praticados contra a Lei nº 12.846/2013: esta é a correta dicção que deriva da leitura dos arts. 2º e 3º, §§ 1º e 2º, desta Lei.

9 O CONTEÚDO DO PROGRAMA DE INTEGRIDADE NO DECRETO Nº 8.420/2015

Cabe ressaltar outra vez: o compliance é um relevante instrumento de prevenção e, inclusive, punição no âmbito da pessoa jurídica. A assertiva de-corre também do Decreto nº 8.420/2015, que regulamenta e fornece os parâ-metros necessários dos denominados “Programas de Integridade”:

Art. 41. Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos prati-cados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

Parágrafo único. O programa de integridade deve ser estruturado, aplicado e atualizado de acordo com as características e riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica, a qual por sua vez deve garantir o constante aprimoramento e adaptação do referido programa, visando garantir sua efetividade.

A propósito do conteúdo essencial do Programa de Integridade, leia-se o art. 42 do mencionado Decreto, nomeadamente os incisos XI e XII, que pos-sibilitam à empresa a adoção de medidas punitivas e reparatórias em relação aos infratores:

Art. 42. Para fins do disposto no § 4º do art. 5º, o programa de integridade será avaliado, quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâ-metros:

[...]

XI – medidas disciplinares em caso de violação do programa de integridade;

XII – procedimentos que assegurem a pronta interrupção de irregularidades ou infrações detectadas e a tempestiva remediação dos danos gerados;

[...].

No tocante à política de integridade e sua relação com a responsabilida-de da pessoa jurídica ou sua influência como causa de atenuação ou diminui-ção de pena, uma advertência é de primordial relevância.

A literatura, de modo geral, ao analisar a Lei Anticorrupção, notadamente após a vigência do seu decreto regulamentador, fala na necessidade da exis-tência de um Programa de Integridade que atenda aos pressupostos e parâme-tros expressamente catalogados nos arts. 41 e 42, incisos I a XVI, do Decreto nº 8.420/2015.

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Realmente. Sob a égide desses dispositivos legais será possível à empresa propor a redução da multa, consoante o art. 18, desde que mantenha um Pro-grama de Compliance.

Entretanto, não é suficiente ao desiderato da norma anticorrupção e ao seu decreto regulamentador somente a formalização de protocolos de intenção, cartilhas, manuais, elaboração de códigos de ética e sua distribuição aos empre-gados e colaboradores, a pretexto de sua ampla divulgação.

O Professor Marcos Assi21, acerca da gestão de compliance, nos ensina:

Não se deve ter nada contra os manuais de compliance, pelo contrário, eles podem auxiliar o exercício da função, mas a gestão de compliance vai além de normas e manuais [...]. A área de compliance tem como base de seu trabalho apoiar todos os gestores da área e suas respectivas equipes na disseminação do programa de compliance em suas diversas unidades, quando existir mais de uma, assim como a imediata sinalização de possíveis mudanças e atualizações dos processos mapeados e inseridos nas ferramentas utilizadas na organização.

Na avaliação dos Programas de Compliance para os fins da Lei Anticor-rupção, é preciso ir além, portanto.

Programas de Integridade, Códigos de Ética, Carta de Intenções sobre a missão e a cultura empresarial devem estar inseridos em um contexto mais am-plo se o real propósito é torná-los efetivos, eficazes e perenes.

É indissociável à cultura empresarial de integridade que haja um verda-deiro sistema de gestão de compliance vinculado a um departamento, uma ge-rência ou uma diretoria com autonomia e independência, com quadro próprio de colaboradores especializados que conheçam com profundidade a atividade empresarial (qual é o negócio da empresa) e tenham aptidão para controles internos e gestão de riscos.

Principalmente as corporações que mantém ou pretendem manter negó-cios com o Poder Público precisam ser receptivas, proativas e contundentes no que concerne à implantação, manutenção e revitalização constante dos Progra-mas de Compliance.

Nesse aspecto, o descomprometimento dos dirigentes do alto escalão da administração da empresa nos autorizam os seguintes prognósticos:

a) é um equívoco despropositado a alta direção da empresa preten-der transferir responsabilidades para terceiros, sejam colaboradores internos ou externos, sob a justificativa que mantém Programa de Integridade e que tais pessoas tinham conhecimento do seu teor;

21 Gestão de compliance e seus desafios. São Paulo: Saint Paul, 2013. p. 50-54.

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b) o comprometimento com “cultura ética e de integridade” é mais do que simplesmente implantar um Programa de Compliance me-ramente formal ou protocolar; é preciso treinamento constante, feedback dos colaboradores, engajamento da alta direção, monito-ramento, investigação, canais de denúncia realmente operativos e Compliance Officer independente;

c) a distribuição de manuais de procedimentos internos ou de inte-gridade e códigos de ética, por si só, não exime a responsabilidade da empresa e dos seus gestores; por outro lado, pretender transferir essa responsabilidade exclusivamente ao Compliance Officer é um equívoco que pode custar caro à empresa e aos seus dirigentes, sob a perspectiva da Lei Anticorrupção, ainda que não haja menção expressa no texto legal, mas que dependerá da apuração dos fatos, em concreto, no respectivo processo administrativo ou judicial.

Escrevendo sobre o assunto, Sandra Guerra teve a oportunidade de ana-lisar o comportamento de parte do segmento empresarial quando o assunto é Governança Corporativa. Menciona a autora que é comum a opção por práticas de governança do “parecer ser”: “Aquela adotada por obrigação como mero cumprimento de regras ou até mesmo de forma oportunista”, que “é incapaz de gerar valor sustentável, mas é capaz até mesmo de destruir o valor”.

Assevera a autora, ainda, que, “quando isso acontece, cria-se uma dico-tomia entre o que acontece de fato na empresa e o que seus relatórios e docu-mentos divulgam”, concluindo que essa falta de comprometimento com boas práticas de governança efetivas – a governança do ser – é o fato primordial que tem levado muitas empresas a experimentarem sucessivos prejuízos de toda ordem: “Destrói o valor, minando a atração e a retenção de administradores e expondo a empresa a riscos, no mínimo, de reputação”22.

Portanto, a fragilidade ou inconsistência das práticas de Governança Cor-porativa e do Programa de Integridade, ou o cumprimento de ritual meramente protocolar, pouco serão levados em conta na investigação administrativa ou judicial.

O grave erro que deve ser evitado a todo custo pela alta direção da empresa e, consequentemente, também pelo Compliance Officer diz respei-to à implantação de Compliance meramente formal, o que equivale ao “não Compliance”, legitimando a responsabilização desses atores; ademais, não será considerado pela Lei Anticorrupção para fins de atenuação da sanção imposta.

Esta a dicção da Portaria CGU nº 909/2015, apresentada a seguir, que dispõe sobre a avaliação de Programas de Integridade. O art. 5º, § 2º, assim

22 A caixa-preta da governança. Rio de Janeiro: Best Business, 2017. p. 21-27.

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dispõe: “O Programa de Integridade meramente formal e que se mostre ab-solutamente ineficaz para mitigar o risco de ocorrência de atos lesivos da Lei nº 12.846, de 2013, não será considerado para fins de aplicação do percentual de redução de que trata o caput”.

A persecução dos ilícitos tem por base fatos circunstanciais efetivamente demonstrados por prova documental e oral também, uma em complemento da outra.

A contradição de conteúdo entre os protocolos de Compliance (fictícios) e declarações ou testemunhos de envolvidos poderá conduzir a sérias dúvidas quanto à existência, eficácia e efetividade da cultura de integridade da empresa, que certamente poderá ocasionar em condenação, pois na Lei Anticorrupção vige a “responsabilidade objetiva da pessoa jurídica”.

Sobre o conteúdo fundamental do Programa de Integridade, a Controla-doria-Geral da União23 fez editar atos normativos e manuais com a finalidade precípua de orientar as empresas no desiderato de melhor se adequarem a essa nova realidade e às exigências da Lei Anticorrupção:

Portaria nº 909/2015 – define critérios para avaliação dos Programas de Integri-dade (Compliance) das empresas como requisito para concessão de redução no valor da multa24;

Portaria Conjunta nº 2.279/2015 – define normas de integridade com menor rigor formal, segundo a CGU, adaptadas as peculiaridades das empresas de pequeno porte e microempresas25.

Poderá, igualmente, como orientação, ser consultado:

Guia de Integridade (Programa de Integridade: diretrizes para empresas privadas) lançado pela Controladoria-Geral da União, cuja finalidade é auxiliar as empre-sas no aperfeiçoamento de políticas de prevenção e persecução dos atos lesivos de que trata a Lei Anticorrupção26.

Cartilha de Integridade para Pequenos Negócios: também editado pela Controla-doria-Geral da União, com o objetivo de orientar pequenos empresários sobre a importância da integridade na realização de seus negócios, oferecendo soluções para que seja estruturado um Programa de Integridade27.

Outra iniciativa governamental importante que deve ser mencionada é o Guia da Controladoria-Geral do Município de São Paulo, que tem a pretensão

23 Disponível em: <http://zip.net/bgtJcM>.24 Disponível em: <http://zip.net/bvtJFy>.25 Disponível em: <http://zip.net/bdtJKr>.26 Disponível em: <http://zip.net/bytJFY>.27 Disponível em: <http://zip.net/bntJdV>.

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de balizar as diretrizes para verificação da efetividade e eficácia dos Programas de Integridade das pessoas jurídicas que mantêm negócios e contratos com a Administração Pública municipal: a empresa submetida ao processo adminis-trativo sancionador terá seu programa de integridade avaliado; a análise verifi-cará a funcionalidade e aptidão (ou não) para o combate efetivo à corrupção. O guia está estreitamente sintonizado com as orientações do Decreto Federal nº 8.420/201528.

CASOS DE PROGRAMAS DE INTEGRIDADE (COMPLIANCE CASES)29

• Compliance IESA O&G S/A: Código de Conduta Anticorrupção30;• Compliance Brookfield Incorporações: Código de Conduta e Ética Profissional31;• Compliance Itaú-Unibanco: Política de Prevenção à Corrupção32;• Compliance Santander Brasil: Código de Ética e Condutas de Anticorrupção33;• Compliance Brasil Kirin: Código de Conduta e Anticorrupção (vide Guia de Combate à

Corrupção)34;• Compliance Siemens: Guia de Compliance sobre Anticorrupção35.

Mais recentemente, a International Organization for Standardization (ISO) publicou a Norma ISO 37001:2016 – Anti-bribery management systems – Requirements with guidance for use.29303132333435

A iniciativa objetiva orientar organizações, governos, ONGs, empresas públicas e privadas, por meio da implantação de um conjunto de regras e reco-mendações para o combate ao suborno, fomentando uma cultura de integrida-de, transparência e conformidade com as leis e normas existentes: suas orien-tações são dirigidas à prevenção, investigação e repressão ao suborno, dando cumprimento às determinações previstas nas Leis Antissuborno (anticorrupção).

A ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas – a incorporou na denominada Norma ABNT NBR ISO 37001 – Sistemas de Gestão Antissuborno –, cujo conteúdo abrange os seguintes itens: a) suborno nos setores público, privado e sem fins lucrativos; b) suborno pela organização; c) suborno pelo pessoal da organização atuando em nome da organização ou para seu benefí-cio; d) suborno pelos parceiros de negócio da organização atuando em nome da organização ou para seu benefício; e) suborno da organização; f) suborno do pessoal da organização em relação às atividades da organização; g) suborno

28 Disponível em: <http://zip.net/bmtH47>.29 Disponível em: <https://www.google.com.br>.30 Disponível em: <http://zip.net/bjtH70>.31 Disponível em: <http://zip.net/bttJWp>.32 Disponível em: <http://zip.net/bltHJx>.33 Disponível em: <http://zip.net/brtJcQ>.34 Disponível em: <http://zip.net/bjtH74>.35 Disponível em: <http://zip.net/bltHJz>.

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dos parceiros de negócio da organização em relação às atividades da organi-zação; h) suborno direto ou indireto (por exemplo, um suborno oferecido ou aceito por meio ou por uma terceira parte).

A Norma ISO 37001:2016, que adota padrões internacionais de integrida-de e de governança corporativa, sugere que o Sistema de Gestão de Compliance seja orientado para as seguintes missões: comprometimento da liderança com o sistema de gestão antissuborno; estabelecimento de regras antissuborno/anti-corrupção; planejamento e ações para mitigar riscos de corrupção ou suborno; recursos, competência e área responsável pelo sistema de gestão antissuborno; treinamento e comunicação do sistema de gestão antissuborno; controles in-ternos e financeiros para todas as entidades controladas; due diligence; regras claras para oferecimento de presentes, hospitalidade, doações e outros bene-fícios sensíveis que possam ser suborno; mecanismos de canal de denúncias e investigação interna; revisão e melhorias no sistema de gestão antissuborno.

No concernente à Lei Anticorrupção, essa normativa é sumamente rele-vante, por certo. Porém, há outra normativa mais abrangente que vai além de orientações e recomendações antissuborno.

Trata-se da denominada DSC 10.000 (Diretrizes para o Sistema de Compliance)36, elaborada por inúmeros profissionais com expertise no tema. É um importante instrumento que se presta a orientar instituições e empresas na obtenção de integridade corporativa e servir de referência para a certificação por meio de organismos especializados e independentes.

Diferentemente da Normativa ISO 37001:2016, a DSC 10.000 é mais abrangente, como dissemos. Seu objetivo vai além de recomendações antissu-borno. Para implantar um Programa de Integridade eficiente, empresas e insti-tuições deverão, entre outras medidas: a) determinar os processos apropriados para o Sistema de Compliance e sua aplicação por toda a organização; b) deter-minar critérios e métodos necessários para assegurar que a gestão, a operação e o monitoramento desses processos sejam eficazes; c) assegurar a disponibi-lidade de recursos e informações necessários para apoiar a gestão, a operação e o monitoramento desses processos; d) conscientizar os empregados sobre a importância de um Sistema de Compliance e a necessidade de sua efetiva apli-cação.

10 CULPA EMPRESARIAL E RESPONSABILIDADE SUBJETIVA

Embora a Lei Anticorrupção somente confira relevância ao Programa de Integridade no concernente à aplicação (dosimetria) da sanção imposta (art. 7º da Lei nº 12.846/2013), a princípio a regra não atende à melhor exegese e aos

36 Disponível em: <http://www.ebanc.com.br>.

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princípios da isonomia, da razoabilidade e da proporcionalidade, entre outros, quando desconsidera a eficácia e efetividade do Programa de Integridade como elemento de exclusão da responsabilidade da pessoa jurídica, muito em razão da opção de política legislativa adotada que considera, ex lege, ser objetiva a culpa empresarial.

Em tese, não haveria óbice à exclusão da culpa do ente empresarial, se provado que foram adotadas todas as medidas de prevenção e controle, e que o cometimento do ilícito deu-se em flagrante contrariedade à política de boa go-vernança e às determinações expressas, sem prejuízo de eventual condenação da pessoa jurídica na reparação dos danos causados à Administração Pública.

Note-se que a previsão de “responsabilidade objetiva” da pessoa jurídi-ca pelo ilícito cometido por empregados e dirigentes, em seu nome e no seu interesse (art. 2º da Lei Anticorrupção), deve ser interpretada, sob o aspecto instrumental, como regra de inversão do ônus da prova, nunca autorizando presunção absoluta de culpa, sob pena de violação do direito de defesa e do fundamento irrenunciável do devido processo legal.

De outra parte, não sendo juris et de jure, ou seja, absoluta, a presun-ção poderá ser contrastada como se afirmou: admite, pois, prova em contrário, inclusive no tocante ao elemento subjetivo ou sobre a existência de causa de exclusão de responsabilidade que favoreça ao administrado. A supressão dessa garantia converteria a atuação estatal em arbítrio e subverteria as bases em que edificado o Estado Democrático de Direito.

A assertiva equivale ao seguinte: apesar da Lei Anticorrupção consagrar expressamente a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica, para eventual condenação não poderá a autoridade administrativa ou judicial contentar-se com um juízo de probabilidade ou presumido da culpa empresarial.

A Lei Anticorrupção não se trata de norma de polícia administrativa, sim-plesmente. É lei que, prevendo graves penas à pessoa jurídica, possui caráter de norma repressora de Direito Administrativo sancionador, consoante a distinção informada pela doutrina.

O Direito Administrativo sancionador, por sua parte, não pode admitir qualquer desprezo às garantias individuais. Mesmo em relação à pessoa ju-rídica, somente é autorizada a imposição das graves sanções previstas na Lei Anticorrupção desde que apurada a sua culpa em regular procedimento, com estrita observância do devido processo legal.

O mesmo fundamento garantista, conjugado aos princípios da razoabi-lidade e proporcionalidade, sugere ser possível à autoridade administrativa ou judicial adequar a opção da Lei Anticorrupção pela responsabilização objetiva, interpretando a norma anticorrupção de molde a autorizar não somente ate-

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nuação da pena, mas eventualmente até mesmo permitindo que seja excluída a culpa da pessoa jurídica que demonstre a higidez e eficácia do Programa de Integridade – e da cultura organizacional de cumprimento de leis e normas – implantado anteriormente ao cometimento da ilicitude.

De qualquer modo, o Professor Alejandro Nieto García, jurista de reno-me, em obra clássica e de referência sobre o assunto37, entende que é possível se estabelecer uma culpabilidade própria da pessoa jurídica, em parâmetro si-milar ao que, em essência, se identifica com a culpabilidade por “déficit de or-ganização”. O autor pontua duas ordens de pressupostos por meio dos quais se poderá inferir a responsabilidade (subjetiva) administrativa da pessoa jurídica:

a) ausência do devido controle em concreto – caracterizado pela cul-pa in elegendo quando subordinados comentem ilícitos em nome e no interesse da empresa, em circunstância na qual não tenha exer-cido sobre eles o devido controle;

b) ausência do devido controle genérico – caracterizado quando a em-presa não tenha adotado medidas internas de precaução em relação a sua atividade (serviço de controle e procedimento de fiscaliza-ção), a fim de evitar a prática de condutas ilícitas.

Presentes tais pressupostos, não há óbice à imputação de responsabilida-de administrativa fundada em culpabilidade própria da pessoa jurídica. Segun-do aquele autor, o que justifica a imposição de sanção, nesse caso, é o fato de a empresa não ter adotado medidas de precaução, favorecendo, em certa medi-da, o cometimento do ilícito. O jurista, acerca do tema, propõe ainda que, em matéria de culpabilidade empresarial, é relevante colocar em ênfase especial o dever societário de estabelecer medidas de controle interno, e não somente como pressuposto de responsabilidade administrativa por infrações concretas, senão que a ausência de tais controles supõe por si mesma uma infração sub-jetiva38.

Em arremate, o Professor Carlos Gomez-Jara Díez, uma vez mais, em sua detalhada obra sobre o assunto, menciona que a culpabilidade da pessoa jurídica não deve estar necessariamente atrelada a uma concepção psicológica, esgotando seu conteúdo na acepção clássica de dolo ou culpa. Em tempos de criminalidade empresarial é preciso associar esses elementos clássicos segundo um conceito normativo de culpabilidade (conceito ético-normativo), permitin-do dar-lhes alcance mais consentâneo com a realidade da pessoa jurídica.

Daí que, conforme o jurista, as abordagens mais modernas sobre esse tema específico apontam que a culpabilidade é reflexo da cultura empresa-

37 Derecho Administrativo Sancionador. 5. ed. Madri: Editorial Tecnos, 2012. p. 406-407.38 Idem, ibidem.

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rial de violação à lei, levando-o a concluir que os Programas de Integridade (Compliance Programs) são verdadeiros indicadores de uma cultura empresa-rial: por meio desses instrumentos a pessoa jurídica expressa sua intenção de atuar conforme o direito39.

Concebida a culpabilidade nesses termos, não seria razoável trazer à consideração um Programa de Integridade somente para fins de atenuação da responsabilidade do ente empresarial, com redução da sanção, notadamente nas hipóteses em que restar comprovada a higidez de conteúdo com o propósi-to de manter-se “fiel ao cumprimento do direito”, e, ainda assim, sobressair do caso concreto que a pessoa jurídica, na verdade, foi vítima de ação inescrupu-losa e fraudulenta de seus sócios e representantes legais, empregados, colabo-radores ou terceiros, não obstante a existência de mecanismos sérios e efetivos de prevenção e investigação de ilícitos relacionados à atividade empresarial.

11 A EXCLUSÃO DA CULPA DA PESSOA JURÍDICA NO DIREITO COMPARADO

No direito comparado há notícia de países cuja legislação prevê não somente atenuação da sanção imposta à pessoa jurídica, permitindo também a exclusão da culpa quando, sopesadas as vicissitudes do caso concreto, restar provado:

a) que a empresa mantém uma política de boa governança;

b) cumpre fielmente com o ordenamento vigente;

c) foi diligente na adoção de medidas de prevenção do ilícito prati-cado;

d) que o Programa de Integridade implantado com anterioridade ao fato era adequado e eficaz;

e) que o empregado (ou dirigente) cometeu o ilícito contrariando or-dens e normas explícitas da empresa, cujo conteúdo tinha conheci-mento.

A razão de considerar a adequação e eficácia do Programa de Integri-dade como fator de exclusão da culpa (além de redução da sanção) reside na “natureza preventiva” do “Compliance Program”, o que mais se coaduna com princípios de justiça, equidade, razoabilidade e proporcionalidade.

O Professor Carlos Gomez-Jara Díez, sobre esse aspecto do debate, aduz: “A fortiori, si dichas medidas se han establecido con anteriodad a la comisión de los hechos, deberá considerarse una causa de exclusión de su responsabili-

39 Fundamentos modernos de la Responsabilidad Penal de las Personas Jurídicas, p. 492-493.

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dad por no haber sido culpable la persona jurídica de la actuación delictiva de sus representantes o empleados”40.

O Professor Jesús-María Silva Sánchez, novamente dissertando acerca da possibilidade de exclusão da responsabilidade da pessoa jurídica por infrações ou ilícitos supostamente cometidos em seu nome e no seu interesse, por pessoa física, escreve com a cátedra que lhe é peculiar: “En el caso de la existencia de un Compliance Program realmente operativo, el juicio de pasado y, en particu-lar, su sub-juicio ex ante deben conducir a la conclusión de que el delito de la persona física no es objetivamente imputable a ningún estado de cosas existente en la persona jurídica”41.

O Código Penal espanhol, por meio da Lei Orgânica nº 1/2015, revisou o art. 31 bis e ss., que havia implantado, em 2010, um verdadeiro sistema de responsabilidade (penal) da pessoa jurídica. A reforma fez prever: a) causa de exclusão de culpa ou de atenuação da pena, quando o ente empresarial tenha um Programa de Integridade efetivo e eficaz; b) requisitos essenciais de conte-údo dos Compliance Programs, sem os quais sua validade e eficácia poderão ser questionadas.

Com as alterações de 2015, o sistema sancionador espanhol passou a, declaradamente, tomar em consideração a existência (ou não) de um Programa de Integridade (Compliance Program), agora não somente em reforço à evidên-cia de culpabilidade, mas também como causa de exclusão ou de isenção da responsabilidade do ente empresarial, desde que tenha implantado e executado com eficácia um Programa de Integridade antes do cometimento do ilícito, in-troduzindo modelos de organização e gestão de riscos, vigilância e controles idôneos para preveni-los ou para reduzir, de forma significativa, o risco de seu cometimento.

Entre outros condicionamentos à exclusão da responsabilidade, merece destaque que a norma penal espanhola passa a considerar as hipóteses nas quais o “autor individual” tenha cometido o ilícito “iludindo fraudulentamente” as diretrizes do Compliance Program.

De qualquer sorte, é ônus da empresa demonstrar que não houve omis-são alguma ou exercício insuficiente dos métodos de supervisão, vigilância e controle em relação aos modelos de organização e prevenção de ilícitos, ou seja: deverá provar que não se caracteriza, no caso, déficit organizacional sufi-ciente para torná-la culpável pelo ilícito cometido.

Em Jesús-María Silva Sánchez encontra-se referência informando-nos que a reforma penal na Espanha foi influenciada pela legislação italiana e chi-

40 Fundamentos modernos de la Responsabilidad Penal de las Personas Jurídicas, p. 493. 41 Fundamentos del Derecho penal de la Empresa, ob. cit., p. 362.

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lena42. Mas o debate relativamente à influência dos Programas de Integridade sobre a responsabilidade penal (ou administrativa) da pessoa jurídica transcen-de aqueles países.

Há considerações na doutrina, mesmo na Espanha, que nos EUA tal ques-tão é fortemente debatida, tendo influenciado, por certo, também as discussões que antecederam a revisão do art. 31 bis do Código Penal espanhol, consoante menciona o Professor Carlos Gómez-Jara Díez43.

Ainda sobre a influência do Programa de Integridade na culpa empresa-rial, os Professores Renato de Melo Jorge Silveira e Eduardo Saad-Diniz, de sua parte, em pesquisa no direito comparado, nos informam que é possível a exclu-são ou a atenuação da responsabilidade da pessoa jurídica. Entretanto adver-tem: para tal desiderato é necessário que seja demonstrado que o Compliance Program se converteu em “ferramenta exitosa de direção e gestão, que, de fato, demonstre a capacidade para prevenir, detectar e remediar descumprimentos que podem se dar no dia a dia empresarial”44.

12 A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA PESSOA JURÍDICA NA LEI ANTICORRUPÇÃO: UMA OPÇÃO CONTROVERTIDA

A Lei Anticorrupção pressupõe a culpa da pessoa jurídica que, por ne-gligenciar os deveres da boa governança corporativa fundamentada na ética e cultura de integridade, enseja ou favorece o cometimento de ilícitos em seu nome e no seu interesse.

Para a norma anticorrupção são elementos da responsabilidade da pes-soa jurídica:

(a) que os ilícitos sejam praticados em seu nome, interesse ou bene-fício;

(b) a constatação da existência de nexo de causalidade entre a ação ou omissão e dano efetivo ou presumido – in re ipsa (AgRg-EDcl-AREsp 419.769/SC, J. 18.10.2016, DJe 25.10.2016, no qual restou decidi-do que “a fraude à licitação tem como consequência o chamado dano in re ipsa, reconhecido em julgados que bem se amoldam à espécie”);

(c) a norma anticorrupção, em sua literalidade, não exige a presença do elemento subjetivo.

42 Idem, p. 380.43 Fundamentos modernos de la Responsabilidad Penal de las Personas Jurídicas, p. 321 e ss.44 Compliance, direito penal e Lei Anticorrupção, ob. cit., p. 158-159.

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O legislador não pretendeu considerar a hipótese de a empresa possuir um consistente Programa de Integridade e, ainda assim, ser vítima de um em-pregado ou colaborador mal-intencionado que, fraudulentamente, consegue superar os sistemas de integridade e controle para (presumivelmente) em seu nome e no seu interesse cometer ilícitos. É situação que, na dinâmica das ativi-dades empresariais, pode bem ocorrer.

Daí a indagação corrente: Em que medida é funcionalmente justo e razo-ável responsabilizar objetivamente a empresa em casos como esse? A legislação espanhola, por exemplo, como mencionado, considera a possibilidade de isen-ção ou atenuação da responsabilidade da empresa.

Um sistema mais coerente e consentâneo com o que podemos denomi-nar de direito sancionador, administrativo ou penal, não pode desconsiderar a possibilidade de ampla defesa da empresa, inclusive prevendo a possibilidade de exclusão de pena: o princípio democrático e os demais valores constitu-cionais inerentes ao devido processo legal (formal e substancial) exigem um tratamento da matéria melhor sintonizado com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Em matéria de Direito Administrativo sancionador, não tem sido opção longe de controvérsias a adoção (ou não) da responsabilidade subjetiva da pes-soa jurídica, tanto que a Lei nº 12.846/2013, em sua redação original (§ 2º do art. 19), fez menção à necessidade de “comprovação de culpa ou dolo” da pessoa jurídica nas situações que mencionava.

Todavia, a opção do legislador foi afastada por efeito de veto presiden-cial, ao argumento de que a técnica ofertada era contrária à lógica do projeto de lei, centrado na responsabilidade objetiva e, ainda, em razão da impossibili-dade de mensuração da culpabilidade da pessoa jurídica.

Porém, como demonstrado pelos argumentos supramencionados, ao contrário da conclusão das razões do veto presidencial, é possível a construção de uma teoria da responsabilidade subjetiva da pessoa jurídica.

Ainda que consagrado expressamente pela Lei Anticorrupção a respon-sabilidade objetiva da pessoa jurídica, princípios constitucionais e aqueles que norteiam o Direito Administrativo sancionador impedem que sejam impostos obstáculos ao direito à ampla defesa da empresa: a pessoa jurídica poderá sem-pre carrear provas de que não se descurou de promover o devido controle de suas atividades e de seus empregados e adotou medidas de precaução e preven-ção, inclusive, consubstanciado em Programa de Integridade efetivo e eficaz, de maneira a afastar qualquer presunção de culpa.

O Professor Marçal Justen Filho assevera que a imposição de sanção pela Administração Pública também exige seja observado o princípio da culpabili-

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dade, inclusive em face de condutas ilícitas cometidas pela pessoa jurídica, ao argumento de tratar-se de princípio fundamental do Direito Administrativo, à semelhança do que ocorre no âmbito do Direito Penal e do Direito Civil:

O Estado Democrático de Direito exclui o sancionamento punitivo dissociado da comprovação de culpabilidade. Não se pode admitir a punição apenas em virtu-de da concretização de uma ocorrência danosa material. Pune-se porque alguém agiu mal, de modo reprovável, em termos antissociais.45

Como bem destaca o Professor Alejandro Nieto García, impende assina-lar o caráter unitário do ius puniendi estatal (“potestas puniendi pública global y única en su raíz”). Não há razão ontológica que diferencie o direito sanciona-dor: a exceção da natureza de ultima ratio (intervenção mínima) reservada ao Direito Penal, qualitativa e quantitativamente, às sanções previstas pelo Direito Administrativo sancionador pode corresponder os mesmos efeitos persuasivos inerentes à norma penal46. Nesse sentido, no Brasil, inclusive, são as graves sanções previstas na Lei Anticorrupção.

Em outro ponto de sua obra, o Professor Alejandro Nieto fala da existên-cia de um direito punitivo comum, com a comunicação ou extensão normativa entre Direito Penal e Direito Administrativo sancionador, muito em razão do núcleo de princípios mais progressistas e garantistas de índole constitucional creditados ao ordenamento penal, aduzindo mais que:

El Derecho Administrativo Sancionador y el Derecho Penal convencional forman parte de una unidad superior – el Derecho punitivo del Estado –, que hasta aho-ra venía identificándose con el Derecho Penal en sentido estricto. En rigor, por tanto, cuando se imponen al Derecho Administrativo Sancionador los principios del Derecho Penal no es porque se considere a éste de naturaleza superior, sino porque tales principios son los únicos que se conocen – hasta ahora – como ex-presión del Derecho punitivo del Estado.47

Esse o fundamento pelo qual doutrina autorizada admite a existência de um núcleo comum de princípios em matéria de direito sancionador: penal e administrativo (ordinário e disciplinar), entre os quais tem relevo o princípio da culpabilidade (como requisito imprescindível da sanção), embora se reconheça que não há unanimidade acerca do tema, é preciso ressaltar.

O Professor Manuel Gómez Tomillo entende que não há necessidade de estabelecer categorias diversas – Direito Penal e Direito Administrativo san-cionador – para explicar dois fenômenos que, em essência, são coincidentes.

45 Curso de direito administrativo, ob. cit., p. 400-401.46 Derecho Administrativo Sancionador, ob. cit., p. 124-160.47 Idem, p. 134-135.

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A consequência: a maior parte dos princípios e das garantias de Direito Penal poderiam também aplicar-se às infrações e sanções administrativas48.

Parte também dessas premissas as assertivas do eminente Jurista Modesto Carvalhosa, ao pontuar que a norma anticorrupção em tela possui nuances niti-damente de natureza penal: é suficiente considerar, por exemplo, que os crimes contra a Administração Pública previstos pela legislação penal codificada ou esparsa possuem a mesma correspondência com os ilícitos previstos no art. 5º da Lei nº 12.846/2013; some-se a isso a gravidade das sanções impostas pela Lei Anticorrupção49.

Em sua obra, o Professor Modesto Carvalhosa destaca ainda que a norma anticorrupção “somente se distingue da lei penal quanto ao processo e não quanto à sua substância”, concluindo que nesse tema devem rigorosamente ser observadas as garantias penais50.

O Superior Tribunal de Justiça, debruçando-se sobre a matéria, pronun-ciou que “a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade” (Recurso Especial nº 1.251.697/PR, J. 12.04.2012, DJe 17.04.2012).

Esse o mesmo entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

É certo que o Direito Administrativo sancionador não se confunde materialmente com o Direito Penal, em cujo âmbito a culpabilidade (reprovabilidade social da conduta) figura como elemento do conceito analítico de crime. Porém, não há como negar o transporte axiológico de conceitos deste ramo das ciências jurídi-cas àquele, mormente quando em discussão critérios de sancionamento. Sobre o tema, Marçal Justen Filho (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Adminis-trativos. 11. ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 614/615) explica que “a doutrina nacional e estrangeira concorda, em termos pacíficos, que as penalidades admi-nistrativas apresentam configuração similar às de natureza penal, sujeitando-se a regime jurídico senão idêntico, ao menos similar”. (TRF 4ª R., AC 5002069-45.2013.404.7200/SC, 3ª Turma, Rel. p/o Ac. Des. Fed. Fernando Quadros da Silva, J. 11.12.2013, DJ 16.12.2013)

Decorre das assertivas outro dado de suma importância para o debate do tema: a legitimidade que é inerente à atuação estatal não desautoriza a in-cidência do princípio do estado de inocência, ainda que na seara do Direito Administrativo sancionador.

48 Introducción a la responsabilidad penal de las personas jurídicas en el sistema español, ob. cit., p. 29-34.49 Considerações sobre a Lei Anticorrupção das pessoas jurídicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

p. 32-34.50 Idem.

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A presunção de certeza e legitimidade das manifestações da Administra-ção Pública (ou a “veracidade de conteúdo material” dos atos administrativos) sofre limitação de efeito sempre que submetida à discussão em regular processo administrativo ou judicial. A consequência lógica: ao administrado não pode ser subtraído o direito de fazer prova suficiente para afastar a responsabilidade pelo ilícito que lhe é imputado.

A propósito, é nesse sentido que reside outro aspecto importante do Pro-grama de Integridade: somente estaria legitimada a imposição de sanção caso demonstrado que a pessoa jurídica não se desonerou por completo de sua obri-gação de manter “o devido controle” sobre seus empregados e dirigentes (ou terceiros), o que seria fundamento suficiente para caracterizar, ademais, que houve déficit de organização, autorizando a imputação de responsabilidade autônoma ao ente empresarial, ou seja, por culpa própria.

Em sentido oposto, a constatação da ausência de defeito da organização poderia afastar a responsabilidade do ente empresarial ou isentá-la de culpa, sem que esse juízo negativo de culpa implique, necessariamente, na impossibi-lidade de responsabilizá-lo pelos danos efetivamente causados à Administração Pública.

Uma norma anticorrupção que não se queira seja reducionista deve asse-gurar a possibilidade de coexistir com um regime de “exclusão de responsabi-lidade”, desde que a empresa evidencie que mantém eficazmente instrumentos de gestão adequados à prevenção e à persecução de ilícitos cometidos em seu nome e no seu proveito, o que é típico de um Programa de Integridade. Assim tem sido considerado por alguns ordenamentos em direito comparado, conso-ante ensina o Professor Carlos Gómes-Jara Díez51.

O ilustre Jurista e Professor Pierpaolo Bottini, em artigo sobre o tema, anotou que a Lei Anticorrupção merece elogios,

mas se há algo que merece reparos em seus dispositivos, é a responsabilidade objetiva. A nosso ver, o intérprete deverá ajustar tal preceito, que não importa em grandes exercícios. Basta conferir uma abrangência maior ao § 1º do art. 6º, ad-mitindo que o compliance efetivo, completo e funcional possa, em determinados casos, exonerar a empresa de pena. Com isso, incentiva-se a adoção de políticas comprometidas com a integridade e ajusta-se a punição ao princípio constitucio-nal da culpabilidade.52

Da exposição que se procedeu até aqui, observo que a doutrina em di-reito comparado nos fornece importante subsídio ao propósito de conferir in-

51 Fundamentos modernos de la Responsabilidad Penal de las Personas Jurídicas, p. 493.52 A controversa responsabilidade objetiva na Lei Anticorrupção. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 9 dez.

2014. Disponível em: <http://zip.net/bgtJcX>.

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terpretação coerente e harmônica com os cânones constitucionais garantistas, nomeadamente o princípio da culpabilidade, senão com o rigor que dele se espera em sede de matéria penal, ao menos com as nuances que são próprias do Direito Administrativo sancionador e a finalidade específica atribuída à Lei Anticorrupção: responsabilizar a pessoa jurídica por atos de corrupção, fraudu-lentos e de malversação do patrimônio público cometidos em seu nome e no seu interesse, exclusivo ou não.

Assim delimitado o problema, o que se nos apresenta é que a norma anticorrupção ao implicitamente reconhecer a importância do Programa de In-tegridade, a priori, como causa que poderá influenciar decisivamente na pu-nibilidade da pessoa jurídica, confere fundamento a partir do qual, nessa sea-ra específica, poderá ser constatada sua responsabilidade civil-administrativa: ausência do devido controle sobre suas atividades e sobre a atuação de seus gestores, empregados, colaboradores e terceiros com quem contrata.

A falta do devido controle que enseja, favorece ou de alguma forma con-tribui para o cometimento dos ilícitos catalogados na norma anticorrupção indi-ca, ainda, a presença de déficit de cultura organizacional (elemento central dos programas de integridade) e revela o índice de culpabilidade da pessoa jurídica para fins de incidência das sanções da lei. Somente estruturada nestes termos é que, s.m.j., a culpa da pessoa jurídica se legitima, independentemente da res-ponsabilização da pessoa física.

O Professor Carlos Gómez-Jara Díez, em mais um de seus excelentes trabalhos, objetivamente pontua qual é o fundamento legitimador da respon-sabilidade da pessoa jurídica: falta de medidas de controle somada à falta de cultura de cumprimento da legalidade. Corrobora esse entendimento o seguinte trecho de suas lições: “Núcleo de la responsabilidad de la persona jurídica que, como venimos diciendo, no es otro que el de la ausencia de las medidas de control adecuadas para la evitación de la comisión de delitos, que evidencien una voluntad seria de reforzar la virtualidad de la norma”53.

Para o enfrentamento da questão em torno da responsabilidade da pessoa jurídica por atos de corrupção e de fraude cometidos contra o patrimônio pú-blico, é salutar que tenhamos nossa atenção voltada para o direito comparado, que há décadas se debruçou sobre a matéria, produzindo pesquisas e estudos significativos na tentativa de encontrar método de imputação dogmaticamente aceitável: aqui destacamos a teoria da culpabilidade por déficit organizacional e o conceito construtivista da culpabilidade empresarial, anteriormente anali-sados.

53 El Tribunal Supremo ante la responsabilidad penal de las personas jurídicas. Navarra: Editorial Aranzadi, 2017. p. 70.

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Destarte, no Brasil é importante que não sejam desconsiderados os va-liosos subsídios já amplamente desenvolvidos em direito comparado, que mo-dernamente tem reconhecido estar na base da culpa da pessoa jurídica a inexis-tência de uma cultura de integridade e de avaliação de riscos de sua atividade, acrescido da ausência de um efetivo e eficaz Programa de Compliance que confira suporte fático e jurídico à política de respeito à ética e ao cumprimento de leis54.

Deveras, não é equivocado concluirmos que a responsabilidade da pes-soa jurídica, sob a perspectiva da Lei Anticorrupção, poderá ser esquematizada consoante segue logo a seguir, a partir dos elementos propostos pelo Professor Carlos Gómes-Jara Diez55, perfeitamente válidos à realidade brasileira, desde que observadas as especificidades do Direito Administrativo sancionador no tratamento da culpa empresarial:

CULPA DA PESSOA JURÍDICA

Organização empresarial defeituosa ou inexistente ® imputação objetiva(+)

Cultura empresarial de não cumprimento de normas ® imputação pessoal=

Culpabilidade empresarial

Esse critério de subsunção e responsabilização da pessoa jurídica permite que adequadamente se possa dirimir a controvérsia sem malferir importantes princípios constitucionais também pensados para o Direito Administrativo san-cionador, material e formal.

O método apresentado de subsunção e responsabilização da pessoa jurí-dica, inclusive, autoriza que em sua defesa sejam apresentadas dirimentes capa-zes de afastar sua responsabilidade ou isentá-la de pena, exigindo solução mais consentânea com o princípio da culpabilidade e o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, com sede constitucional.

13 O EFEITO SANCIONATÓRIO E REPARATÓRIO COMO FINALIDADE DA LEI ANTICORRUPÇÃO

Para ilustrar um pouco mais o debate sobre as finalidades da Lei Anticor-rupção, convém uma pequena digressão a fim de melhor esclarecer a dicotomia presente na Lei nº 12.846/2013, que, objetivando a tutela da moralidade e do patrimônio da Administração Pública, prevê duas consequências (mas distintas)

54 Idem, p. 72-73.55 A responsabilidade penal da pessoa jurídica e o dano ambiental: a aplicação do modelo construtivista de

autorresponsabilidade à Lei nº 9.605/1998. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 42-50.

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decorrentes do cometimento dos ilícitos referenciados no diploma legal: a) o efeito sancionatório; b) o efeito reparatório.

A Lei Anticorrupção, assim como já constava da Lei de Improbidade Ad-ministrativa, tipifica, sobretudo, condutas que afrontam a “moralidade adminis-trativa”, consubstanciadas em desvios éticos, “atos de corrupção ou fraude” de toda ordem que afrontem os princípios da Administração Pública e causem (ou não) prejuízo patrimonial, podendo, inclusive, e em tese, ser detectado dano moral derivado da conduta empresarial ímproba.

De um modo ou de outro, tanto a Lei de Improbidade Empresarial (arts. 6º, § 3º, 13 e 21 da Lei nº 12.846/2013) quanto a Lei de Improbidade Ad-ministrativa (arts. 12, parágrafo único, e 18 da Lei nº 8.429/1992) consagram “o dever de indenizar o dano”; todavia, como decorrência lógica da “condenação pela prática do ilícito”, como de regra é imposição da “teoria geral do direito”: a condenação pelo cometimento do crime ou do ilícito impõe como consectário natural o “dever de indenizar”.

Esse o entendimento de Fábio Medida Osório, para quem o ressarcimen-to ao Erário “se aproxima mais da teoria da responsabilidade civil do que penal ou das sanções administrativas, pelo que não se submete ao conceito de sanção administrativa nos mesmos termos em que ocorre com outras medidas, até por-que a obrigação de ressarcir é uma restituição ao estado anterior”56.

Conclui o renomado administrativista que o ressarcimento do dano não se trata de sanção administrativa, ainda que a legislação específica assim o denomine, submetendo-se, na verdade, a princípios próprios do Direito Civil57.

Ao tratar do direito conferido à Administração Pública de ser integral-mente reparada – por danos materiais e morais –, devido ao cometimento dos ilícitos ímprobos, o ilustre Jurista Modesto Carvalhosa é categórico ao afirmar que nessa matéria aplica-se a teoria objetiva do risco criado, na hipótese, fun-dada na inobservância do dever genérico de não lesar a outrem58.

É imprescindível destacar, portanto, dois aspectos da tutela do patrimô-nio público e da manutenção da higidez da moralidade administrativa, con-soante aqueles diplomas legais:

a) efeito sancionatório: é o efeito primordial imanente aos dois diplo-mas legais, a responsabilidade pelo ilícito administrativo sujeita sempre o infrator à sanção administrativa prevista naquelas leis;

56 Direito administrativo sancionador. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 114-116.57 Idem, ibidem.58 Considerações sobre a Lei Anticorrupção das pessoas jurídicas, ob. cit., p. 407.

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b) efeito reparatório: integral ressarcimento do dano, seja devido ao prejuízo causado ao patrimônio público, seja em razão do acrésci-mo patrimonial indevido ao patrimônio do agente público, empresa ou terceiro relacionado ao ato de improbidade praticado (enrique-cimento sem causa).

É relevante dar destaque que a Lei nº 12.846/2013, na verdade, institui um sistema sancionatório e outro reparatório decorrente de fato comum, qual seja: o ato ilícito praticado contra a Administração Pública na forma da referida lei.

Assim, com respeito a opiniões em contrário, é equivocado rotular de objetiva a responsabilidade da pessoa jurídica no que respeita às graves san-ções da Lei Anticorrupção, sem qualquer ressalva, o que equivale a legitimar a presunção absoluta de culpa, violando, s.m.j., preceitos constitucionais já sobejamente anunciados anteriormente.

O direito comparado, com forte tendência em admitir a culpa fundada em um conceito normativo-ético (com exclusão da culpa normativo-psicológi-ca, portanto) da pessoa jurídica, já não mais se coaduna com um regime de res-ponsabilidade sem culpa no Direito Administrativo sancionador, a fim de evitar excesso de pena, afronta à isonomia, à correta individualização da sanção, en-tre outros cânones constitucionais, que normalmente são fragilizados quando em face de um regime de responsabilidade civil e administrativo gravado na presunção de culpa.

Coisa diversa é o efeito patrimonial ou reparatório do ilícito, como faz prever a mesma lei, situação que, em tese, poderá ensejar a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica; todavia, segundo pensamos, desde que a questão seja analisada à luz da teoria da responsabilidade civil do ente empresarial, mas a partir da regulação constante do Código Civil, pois, ao que parece, a Lei nº 12.846/2013 não esgota a matéria.

Em decisão recente, o colendo Superior Tribunal de Justiça, reafir-mando entendimento já esposado em julgado anterior (REsp 1.251.697/PR, DJe 17.04.2012), corroborou a tese de que o ilícito ou a infração administra-tiva poderá ensejar esses dois efeitos, o sancionatório e o reparatório; todavia, o primeiro com fulcro na responsabilidade subjetiva e o segundo baseado na responsabilidade objetiva do causador do dano.

Da leitura do acórdão, proferido no REsp 1.401.500/PR (J. 16.08.2016, DJe 13.09.2016), destaca-se o enunciado do fundamento determinante do decisum:

A aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsa-bilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve

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obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjeti-vo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.

O art. 21, parágrafo único, da Lei Anticorrupção parece evidenciar a distinção e dissociação do efeito sancionatório (principal) do efeito reparatório (secundário), ao determinar que a condenação torna certa a obrigação de re-parar, integralmente, o dano causado pelo ilícito, cujo valor será apurado em posterior liquidação, se não constar expressamente da sentença.

Portanto, quando a lei fala que a responsabilidade é objetiva, imprescin-dível que se dê destaque que sua repercussão jurídica é diversa quanto ao seu efeito sancionatório e o outro de natureza reparatório.

CONCLUSÃO

O microssistema de tutela da Administração Pública orientado pela Lei Anticorrupção e pela Lei de Improbidade Administrativa, embora sem precisão técnica em alguns de seus aspectos, não pode se descurar do fato de que o modelo dogmático conferido à “responsabilidade civil” (efeito reparatório), de um lado, e à “responsabilidade administrativa” (efeito sancionatório), de outro, atende a finalidades diversas.

O mais importante: diversamente da Lei de Improbidade Administrativa, a Lei Anticorrupção pretendeu consagrar a “responsabilidade objetiva”, sem fazer qualquer distinção no tocante ao seu alcance.

Segundo o texto legal, tanto a responsabilidade civil (efeito reparatório) quanto a responsabilidade administrativa (efeito sancionatório) estariam sub-metidas a um mesmo regime jurídico de persecução fundado na “presunção de culpa” da pessoa jurídica.

Nesse aspecto é que a lei merece correção metodológica, ou interpre-tação, de molde a adequá-la ao regime jurídico específico para a integral re-paração dos danos causados ao ente público e ao regime próprio do Direito Administrativo sancionador.

A Lei Anticorrupção, sob o viés sancionatório, é norma que formalmente se integra ao Direito Administrativo. Todavia, sob esse aspecto punitivo, mate-rialmente é lei de natureza penal por incorporar as nuances que são caracterís-ticas de norma com forte conotação dissuasória e intimidatória.

Sob o aspecto quantitativo, prevê graves sanções com a evidente missão de prevenção geral e de provocar o reforço de efetividade dos valores republi-canos e democráticos.

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Por conseguinte, ao reconhecer sua natureza como lei substancialmente e materialmente penal, é imperioso que sua aplicação seja antecedida de um sistema de garantias processuais não meramente formais: o princípio do devido processo legal (substancial), com os meios de defesa que lhe são inerentes, é orientação segura a ser observada sempre no processo administrativo ou judi-cial instaurado para apurar condutas previstas na Lei Anticorrupção (e na Lei de Improbidade Administrativa, por corolário lógico).

Deveras, não pode a responsabilidade administrativa ser amparada em “presunção absoluta de culpa”, a determinar que, cometido o ato de improbi-dade ou lesivo à Administração Pública, em qualquer circunstância a pessoa jurídica seja condenada às graves sanções da Lei Anticorrupção, sem que lhe seja franqueado o direito ao contraditório e à ampla defesa, mormente se consi-derada a relevância dos “programas de integridade”, ainda que somente levado em conta como “critério de delimitação (dosimetria) da sanção”.

Por óbvio que, na análise do caso concreto, não será incomum se eviden-ciar situação na qual um dado programa de integridade seja eficiente e eficaz; que a empresa adotou todas as medidas de prevenção e precaução no desidera-to de evitar qualquer lesão à Administração Pública; que seu empregado, gestor ou dirigente, muito embora plenamente consciente, devidamente orientado e treinado quanto à postura ética e aos procedimentos de integridade, utilize-se de ardil ou fraude para o cometimento de ilícitos, muitas vezes em benefício próprio.

São hipóteses nas quais o Direito Administrativo sancionador, com seus instrumentos de tutela e suas garantias contra o arbítrio do Estado, não pode quedar-se inerte desconsiderando a boa-fé da empresa, qualidade e eficácia intrínseca do Programa de Integridade para autorizar isenção de pena. Já foi mencionado que modelos de responsabilidade da pessoa jurídica (administra-tivo ou penal) em direito comparado veiculam a possibilidade não somente de redução da pena, como também autorizam a exclusão da culpa ou se referem à causa eximente de responsabilidade.

A assertiva não implica, por certo, em afastar a responsabilidade civil da empresa. E aqui outro interessante aspecto da questão deve ser esclarecido. No âmbito da reparação integral dos danos, de que responsabilidade estamos tratando?

A Lei Anticorrupção, por tudo, leva ao atendimento de que se trata da responsabilidade fundada no “risco da atividade” inerente aos negócios em-presariais (art. 927, parágrafo único, do Código Civil), que autoriza, inclusive, seja a pessoa jurídica responsabilizada objetivamente pelos danos causados a terceiros pelos seus empregados ou prepostos (arts. 932, inciso III, e 933, ambos também do Código Civil).

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Ainda que seja excluída a culpa da empresa no âmbito administrativo, por influência do Programa de Integridade (por exemplo), a afirmação não im-plica em afastar a responsabilidade civil nesse exato alcance e sentido da in-terpretação que nos parece a melhor e mais consentânea com os fundamentos que norteiam o Estado Democrático de Direito, regime no qual se tem em alta conta os princípios da boa-fé, da segurança jurídica, do devido processo legal (substancial), da adequação e da proporcionalidade.

O debate poderá dar-se à luz dos princípios da isonomia, da razoabili-dade e da proporcionalidade e, inclusive, em face do princípio da culpabilida-de, muito em consideração a característica marcadamente punitiva revelada no texto legal e a gravidade da ilicitude (pontuada por atos fraudulentos e de corrupção) e das sanções as quais estão submetidas a pessoa jurídica por atos ilícitos praticados em seu nome e no seu interesse, “com conotação reflexamen-te penal”.

Se, no âmbito do Direito Administrativo sancionador, não se pretende admitir uma responsabilidade subjetiva da pessoa jurídica por não poder atri-buir-lhe culpa no sentido ético-psicológico, nada obsta a atribuição de culpa no sentindo ético-normativo com supedâneo nos critérios supramencionados: déficit organizacional ou cultura organizacional em desconformidade com o Direito.

A atribuição da culpa ético-normativa à pessoa jurídica, ademais, autori-za a conclusão de que a ausência de um Programa de Integridade válido e efi-caz é indício de antijuridicidade suficiente à atuação sancionatória do Estado.

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

8495

Superior Tribunal de JustiçaAgInt no Recurso Especial nº 1.306.773 – GO (2012/0013613‑6)Relator: Ministro Og FernandesAgravante: Ministério Público FederalAgravado: José Batista GomidesAdvogado: Claudiney Washington Alves – GO011023

eMentaADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL – IMPRO-BIDADE ADMINISTRATIVA – PRESTAÇÃO DE CONTAS FORA DO PRAZO – ATO DE IMPROBIDADE NÃO CONFIGURADO – NECESSIDADE DE MÁ-FÉ OU DOLO GENÉRICO

1. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, para a configuração do ato de improbidade previsto no art. 11, VI, da Lei nº 8.429/1992, não basta o mero atraso na prestação de contas, sendo necessário demonstrar a má-fé ou o dolo genérico na prática de ato tipi-ficado no aludido preceito normativo. Precedentes.

2. Agravo interno a que se nega provimento.

aCÓrdÃo

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indi-cadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justi-ça, por unanimidade, negar provimento ao agravo interno, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães (Presidente), Francisco Falcão e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 15 de agosto de 2017 (data do Julgamento).

Ministro Og Fernandes Relator

relatÓrio

O Sr. Ministro Og Fernandes: Trata-se de agravo interno manejado pelo Ministério Público Federal contra decisão de e-STJ, fls. 259/262, que negou provimento ao recurso especial.

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O agravante alega que a decisão recorrida não está em harmonia com a jurisprudência do STJ.

É o relatório.

voto

O Sr. Ministro Og Fernandes (Relator): O agravante não trouxe tese jurí-dica capaz de modificar o posicionamento anteriormente firmado.

Com efeito, o Tribunal de origem entendeu que não houve a tipificação de ato de improbidade administrativa, pois, mesmo o gestor tendo apresentado as contas de seu governo fora do prazo legalmente previsto, elas foram aprova-das pelo Ministério da Saúde; portanto, não há que se falar em extensão na in-terpretação do art. 11, VI, da Lei nº 8.429/1992, conforme se extrai do acórdão recorrido (e-STJ, fl. 203):

No entanto, em conformidade com as provas constantes do processo, o réu, mes-mo que de forma tardia, prestou as contas devidas, relativas às verbas federais repassadas, ao Município, pelo Fundo Nacional de Saúde.

Na hipótese dos autos, como se vê às fls. 138/141 do Apenso, a prestação de contas foi apresentada pelo réu, ex-Prefeito, ainda que a destempo, e foram elas aprovadas, pelo Ministério da Saúde, em 22.02.2008, que concluiu que o objeto do Convênio foi executado integralmente e que “as impropriedades ocorreram mais por inobservância de exigências formais, que não comprometeram o obje-tivo pretendido pela administração, pois não restou configurada malversação na aplicação dos recursos públicos, nem tampouco prejuízo ao Erário, merecendo, portanto, parecer favorável à aprovação da prestação de contas” (fls. 140/141) – grifos acrescidos.

É de se observar que o entendimento esposado pelo Tribunal de origem se coaduna com a jurisprudência do STJ firmada no sentido de que, para a con-figuração do ato de improbidade previsto no art. 11, VI, da Lei nº 8.429/1992, não basta o mero atraso na prestação de contas, sendo necessário demonstrar a má-fé ou o dolo genérico na prática de ato tipificado no aludido normativo.

No ponto:

ADMINISTRATIVO – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – IM-PROBIDADE ADMINISTRATIVA – PREFEITO – IRREGULARIDADES NA EXECU-ÇÃO DO PROGRAMA DE ATENDIMENTO ASSISTENCIAL BÁSICO, REFERENTE À PARTE FIXA DO PISO DE ATENÇÃO BÁSICA (PAB-FIXO) – INTEMPESTIVA PRESTAÇÃO DE CONTAS – ACÓRDÃO RECORRIDO QUE, À LUZ DA PROVA DOS AUTOS, CONCLUIU PELA NÃO COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO SUB-JETIVO E PELA AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO – ATO DE IMPROBIDADE

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ADMINISTRATIVA NÃO CONFIGURADO – AGRAVO REGIMENTAL IMPRO-VIDO

I – Agravo Regimental interposto contra decisão publicada na vigência do CPC/1973.

II – No acórdão objeto do Recurso Especial, o Tribunal de origem manteve a procedência parcial do pedido, em Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, na qual postula a condenação do ex-Prefeito e da ex-Secretária de Saúde do Município Lucena/PB, pela prática de atos de improbidade adminis-trativa consubstanciados em irregularidades na execução do Programa de Aten-dimento Assistencial Básico, referente à Parte Fixa do Piso de Atenção Básica (PAB-Fixo) e em convênios firmados, pelo Município, com a Funasa. A sentença – parcialmente confirmada pelo acórdão recorrido, que a alterou apenas para reduzir a pena de suspensão de direitos políticos do réu a cinco anos – julgou a ação improcedente, quanto à ex-Secretária Municipal de Saúde, e condenou o ex-Prefeito por ato de improbidade previsto no art. 10, XI, da Lei nº 8.429/1992, em face de pagamento integral e antecipado de contrato, sem que a obra estives-se concluída. Quanto às demais irregularidades mencionadas na inicial da ação, o acórdão recorrido, à luz das provas trazidas aos autos, assentou não terem sido configurados atos de improbidade administrativa, sob o fundamento de que não ficou demonstrada a má-fé, tendo sido caracterizadas irregularidades adminis-trativas, na linha de inabilidade ou desídia do administrador, tampouco provado dano ao Erário.

III – Quanto ao alegado desvio de R$ 22.782,52, para a aquisição de gêneros ali-mentícios e “quentinhas”, destinados à alimentação dos profissionais e funcioná-rios da Secretaria Municipal de Saúde, sustentou o autor da ação de improbidade administrativa que deveriam tais despesas ser custeadas pelo próprio Município, e não pelo Programa de Atendimento Assistencial Básico, referente à Parte Fixa do Piso de Atenção Básica, salvo se houvesse previsão, no Plano Municipal de Saúde, de utilização dos recursos federais para tais gastos. Concluiu o acórdão impugnado, em face das provas dos autos, que, “embora aquele pagamento pos-sa ter sido irregular, em momento algum restou evidenciado que os recursos federais foram utilizados de forma desonesta. Os gêneros alimentícios foram uti-lizados para a alimentação dos profissionais da saúde, funcionários e pacientes da Unidade mista de Referência do Município, a qual funciona em regime de plantão de 24h (fls. 161/164). Logo, conclui-se que os gastos em questão rever-teram-se em proveito do próprio programa, possibilitando a melhor prestação do serviço. Além disso, nenhum dos órgãos pôs em dúvida a justificativa apre-sentada pelo ex-Prefeito para os referidos gastos. O ato em foco constitui uma irregularidade formal que não representa por si só ato de improbidade ensejador da aplicação das penalidades previstas na Lei nº 8.429/1992”.

IV – Concluiu o acórdão recorrido, ainda, em face do conjunto probatório, que, “no caso, mesmo havendo atraso na prestação de contas, elas foram apresenta-das, comprovando-se que o valor repassado foi devidamente aplicado no ob-jeto previsto. Assim, não se pode concluir pela ocorrência de improbidade ad-

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ministrativa. [...] o atraso na prestação de contas não se confunde com a falta do cumprimento da obrigação, não cabendo a aplicação do art. 11, VI, da Lei nº 8.429/1992, que é expresso ao estabelecer a configuração do ato ímprobo para quem ‘deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo’, não po-dendo sofrer interpretação extensiva. Para que seja caracterizado o ato como de improbidade administrativa é forçoso que se vislumbre violação dos princípios da administração, aliada à má-fé do agente público, o que não ocorreu no caso em tela”.

V – Nos pontos em que afastado, pelo acórdão recorrido, o reconhecimento da prática de ato de improbidade administrativa, o acórdão recorrido está em con-formidade com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que “a improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subje-tivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos arts. 9º e 11 da Lei nº 8.429/1992, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do art. 10” (STJ, AIA 30/AM, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Corte Especial, DJe de 28.09.2011). Em igual sentido: STJ, REsp 1.420.979/CE, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe de 10.10.2014; REsp 1.273.583/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., DJe de 02.09.2014.

VI – Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, “para a confi-guração do ato de improbidade previsto no art. 11, inc. VI, da Lei nº 8.429/1992, não basta o mero atraso na prestação de contas, sendo necessário demonstrar a má-fé ou o dolo genérico na prática de ato tipificado no aludido preceito normativo” (STJ, AgRg-REsp 1.223.106/RN, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª T., DJe de 20.11.2014). Nesse sentido: STJ, AgRg-AREsp 488.007/RN, Rel. Min. Mau-ro Campbell Marques, 2ª T., DJe de 14.05.2014; AgRg-AREsp 526.507/PE, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe de 19.08.2014; AgRg-REsp 1.420.875/MG, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., DJe de 09.06.2015; REsp 1.161.215/MG, Relª Min. Marga Tessler (Desembargadora Federal Convocada do TRF/4ª Região), 1ª T., DJe de 12.12.2014.

VII – No caso, o acolhimento da pretensão do agravante – para reconhecer a existência de improbidade administrativa, nos demais atos indicados na inicial (à exceção daquele em que enquadrada a conduta do réu no art. 10, XI, da Lei nº 8.429/1992), do elemento subjetivo doloso e da ocorrência de dano ao Erário – demandaria o reexame de matéria fática, o que é vedado, em Recurso Especial, nos termos da Súmula nº 7/STJ.

VIII – Agravo Regimental improvido.

(AgRg-REsp 1.504.147/PB, Relª Min. Assusete Magalhães, 2ª T., DJe 27.03.2017) – grifos acrescidos.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno.

É como voto.

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CertidÃo de JulGaMento seGunda turMa

Número Registro: 2012/0013613-6 AgInt-REsp 1.306.773/GO

Números Origem: 184493620084013500 200835000186195

Pauta: 15.08.2017 Julgado: 15.08.2017

Relator: Exmo. Sr. Ministro Og Fernandes

Presidente da Sessão: Exma. Sra. Ministra Assusete Magalhães

Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Denise Vinci Tulio

Secretária: Belª Samara Daphne Bertin

autuaÇÃo

Recorrente: Ministério Público Federal

Recorrido: José Batista Gomides

Advogado: Claudiney Washington Alves – GO011023

Assunto: Direito administrativo e outras matérias de direito público – Atos administrativos – Improbidade administrativa

aGravo interno

Agravante: Ministério Público Federal

Agravado: José Batista Gomides

Advogado: Claudiney Washington Alves – GO011023

CertidÃo

Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães (Pre-sidente), Francisco Falcão e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoApelação/Reexame Necessário nº 0003268‑12.2015.4.01.3803/MG (d)

Relator: Desembargador Federal Souza Prudente

Apelante: Universidade Federal de Uberlândia – UFU

Procurador: DF00025372 – Adriana Maia Venturini

Apelado: Natalia Gondim Borges

Advogado: MG00155735 – Thais Coelho Avila

Advogado: MG00156775 – Polyanna Francis Antao

Advogado: MG00154950 – Ardnaeg Eugenio Pires

Advogado: MG00156847 – Constancia da Silva Rocha Caetano

Remetente: Juízo Federal da 1ª Vara da Subseção Judiciária de Uberlândia/MG

eMenta

ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – CURSO UNIVERSITÁRIO – GRADUAÇÃO – APROVAÇÃO NO PROCESSO SELETIVO – INGRESSO EM VAGA OCIOSA – DOCUMENTAÇÃO – MATRÍCULA – DIPLOMA DA GRADUAÇÃO – NÃO EMITIDO – CERTIFICADO DE CONCLUSÃO – APRESENTAÇÃO – SUFICIÊNCIA

I – Tendo sido apresentado o certificado de conclusão de curso de nível superior, não se afigura razoável a exigência, para que se concretize a matrícula de aluno aprovado em processo seletivo para o preenchimento de vagas ociosas na graduação, quanto à apresentação do diploma de conclusão de curso superior. Precedentes.

II – Remessa oficial e recurso de apelação desprovidos.

aCÓrdÃo

Decide a Turma, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial e ao recurso de apelação, nos termos do voto do Relator.

Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Em 02.08.2017.

Desembargador Federal Souza Prudente Relator

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relatÓrio

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Souza Prudente (Relator):

Cuida-se de remessa oficial e de recurso de apelação interposto de sen-tença da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Uberlândia, que, nos autos do mandado de segurança impetrado por Natalia Gondim Borges contra ato do Pró-Reitor de Graduação Substituto da Universidade Federal de Uberlândia, concedeu a segurança para determinar à autoridade impetrada que proceda à matrícula da impetrante no curso de Ciências Econômicas.

Nas razões recursais, argumenta a universidade impetrada que a desclas-sificação no certame não se deu por nenhuma causa a si imputada. Destaca, em argumentação acerca da vinculação ao edital, que o impetrante não apresentou a documentação exigida. Acrescenta que a concessão em questão afeta direito de terceiro, que deve compor a presente relação jurídica processual. Refere-se, ademais, à questão do mérito administrativo e à autonomia universitária, para concluir pela impossibilidade de interferência do Poder Judiciário em casos tais. Vislumbra o esgotamento do mérito, em função de liminar concessiva do di-reito vindicado. Pede, assim, o provimento recursal com a reforma integral da sentença.

Com as contrarrazões, e também por força da remessa oficial, vieram os autos a este egrégio Tribunal, tendo o ilustre Parquet se recusado a emitir ma-nifestação sobre o caso concreto, reportando-se aos termos da Recomendação nº 34 do Conamp.

Este é o relatório.

voto

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Souza Prudente (Relator):

A autora almeja matricular-se em uma segunda graduação (Ciências Eco-nômicas) na Universidade Federal de Uberlândia. Foi, contudo, impedida, ten-do em vista que, por ocasião da matrícula, ainda não era portadora do diploma referente à primeira graduação (Tecnologia em Comércio Exterior).

Saliente-se, de início, que, no presente caso, a concessão da ordem se deu sob a condição de que fosse preservado o direito dos demais candidatos aprovados. Desse modo, resulta esvaziada a alegação da universidade ré acerca da intervenção de terceiros na lide.

Destaque-se, ainda, que o exame da pretensa legalidade e/ou abusivi-dade dos atos administrativos pelo Poder Judiciário não resulta em violação

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ao princípio da separação dos poderes, tendo em vista que não se trata, em circunstâncias tais, de análise de aspectos que gravitam ao redor do mérito administrativo (ARE 866620-AgR, Relator(a): Min. Roberto Barroso, 1ª T., Julga-do em 19.04.2016, Processo Eletrônico DJe-089, Divulg. 03.05.2016, Public. 04.05.2016).

Pois bem, no caso concreto, a impetrante, na fase correspondente à en-trega da documentação, dispunha apenas do certificado de conclusão do curso de graduação, haja vista que, tendo colado grau em 14.10.2014, a instituição de ensino anterior não lhe informou a data em que ocorreria a entrega do di-ploma.

Ora, conforme entendimento jurisprudencial já pacificado por esta egré-gia Corte Federal, não obstante se reconheça a legitimidade da adoção, pela instituição de ensino, de critérios de seleção para preenchimento de vagas nos respectivos cursos de graduação, tais regras não são absolutas, e devem obser-var certa flexibilidade, bem como devem revestir-se de razoabilidade e propor-cionalidade.

Importa acrescentar que o diploma foi apresentado, conforme se constata às fls. 98/101, com data de emissão em 20.02.2015, antes, inclusive, da data marcada para o início do curso, qual seja, 23.03.2015.

Nesse sentido, não se afigura razoável impedir a matrícula do graduado apenas e tão somente por que não dispõe do diploma de graduação, portando apenas o certificado de conclusão de curso superior.

Em tal rumo, veja-se a seguinte ementa de julgado deste Regional, verbis:

ADMINISTRATIVO – ENSINO SUPERIOR – UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA (UFU) – CANDIDATO A VAGA DESTINADA A PORTADOR DE DIPLOMA SUPERIOR – ESCOLARIDADE – APRESENTAÇÃO DE CERTIFICADO EMITIDO PELA PRÓPRIA UFU – INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE MATRÍCU-LA – EXIGÊNCIA DO DIPLOMA – FALTA DE RAZOABILIDADE – SEGURANÇA CONCEDIDA – ORDEM JUDICIAL INTEGRALMENTE CUMPRIDA – SENTENÇA MANTIDA – APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL, DESPROVIDAS – 1. Carece de razoabilidade a conduta da instituição de ensino superior que deixa de efetivar a matrícula do estudante aprovado em processo seletivo destinado ao preenchi-mento de vaga ociosa oferecida a portador de curso superior, sob a alegação de que não foi apresentado o respectivo diploma de graduação, tendo sido descon-siderado o certificado de conclusão de curso emitido pela própria UFU. 2. Ao apreciar questões idênticas, este Tribunal tem manifestado o entendimento de que a tardia emissão de diploma, por razão alheia à vontade do candidato, não pode constituir óbice à matrícula no curso superior para o qual foi aprovado. 3. Ademais, consta dos autos a notícia de que, em cumprimento à ordem de natu-reza liminar, o impetrante foi regularmente matriculado no curso para o qual foi

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aprovado. 4. Apelação e remessa oficial, desprovidas. 5. Sentença confirmada. (AC 0024247-29.2014.4.01.3803/MG, Rel. Des. Fed. Daniel Paes Ribeiro, 6ª T., e-DJF1 de 05.10.2016)

Assim, não há reparos a se empreender em relação à sentença recorrida, notadamente quando pontua que não há “medida de mora que possa ser impu-tada à impetrante. A documentação exigida não se achava em seu poder, por razões procedimentais na quais não pôde interferir”.

Ante o exposto, nego provimento à remessa oficial e ao recurso de ape-lação.

Este é meu voto.

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoApelação Cível – Turma Espec. III – Administrativo e CívelNº CNJ: 0502923‑45.2015.4.02.5101 (2015.51.01.502923‑3)Relator: Desembargador(a) Federal Alcides MartinsApelante: União FederalProcurador: Advogado da UniãoParte ré: Jacira Ruffo da Silva e outrosAdvogado: RJ133760 – Janaina de Almeida Lima e outrosOrigem: 20ª Vara Federal do Rio de Janeiro (05029234520154025101)

eMentaADMINISTRATIVO – MILITAR – PENSÃO POR MORTE – LEI Nº 3.765/1960 COM AS ALTERA-ÇÕES ADVINDAS DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.215-10, DE 31.08.2001 – COMPANHEIRA – COMPROVAÇÃO ANIMUS – REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO INDEFERIDO – INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO QUE VOLTA A CORRER PELA METADE DO PRAZO

1. Apelação cível em face da sentença que julgou parcialmente proce-dente o pedido de companheira que objetivava a concessão da pensão por morte de servidor militar, ao fundamento de que a união estável res-tou configurada nos autos.

2. A decisão administrativa que indeferiu o pleito autoral data de 05.09.2008. Nesse contexto, o requerimento administrativo indeferido interrompeu a prescrição que voltou a correr pela metade do prazo, nos termos do art. 9º do Decreto nº 20.910/1932 e do art. 3º do Decreto--Lei nº 4.597/1942. Tendo sido a demanda ajuizada em 16.08.2010, não ocorreu o lapso prescricional.

3. Está assentado na jurisprudência dos Tribunais Superiores que o direito à pensão é regido pelas normas legais em vigor à data do evento morte do instituidor. Esse entendimento é maciçamente adotado como linha de fundamentação para todos os casos em que se discute a aquisição do di-reito à pensão e as condições para o seu exercício (MS 21707-3/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, maioria, DJ 22.05.1995, p. 30590).

4. Tendo em vista que o óbito do instituidor ocorreu em 19.06.2008, o di-reito à pensão militar no presente caso é regulado pela Lei nº 3.765/1960, com as alterações advindas pela Medida Provisória nº 2.215-10, de 31.08.2001, vigente à época do óbito do instituidor da pensão.

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5. Verifica-se, de forma inconteste, o relacionamento havido entre o de cujus e a apelada, o que pode ser observado pelos documentos juntados aos autos, em especial pela escritura pública declaratória de união está-vel realizada no Hospital Marcílio Dias no dia 17.06.2008, bem como pelos depoimentos das 03 (três) testemunhas arroladas pela apelada que confirmaram, sem margem de dúvidas, a existência da união estável mantida pela mesma com o militar falecido, com todos os traços que a qualificam como verdadeira entidade familiar.

6. Observa-se, ainda, que as providências para a translação cadavérica dos restos mortais do instituidor do Rio de Janeiro para Salvador foram tomadas pela apelada, bem como que a mesma foi a declarante do óbito do instituidor.

7. Ainda que o instituidor tenha falecido na condição ainda de casado, ficou constatado que o mesmo estava separado de fato de sua esposa desde o ano de 1999 e com a autora, ora apelada, vivia desde então até sua morte.

6. Diante da comprovação de que a apelada conviveu em união estável com o militar falecido, deve ser mantida, na íntegra, a sentença proferida.

8. Apelação desprovida.

aCÓrdÃo

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indi-cadas: Decidem os membros da 5ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, na forma do voto do Relator.

Rio de Janeiro, ______de _____________de 2017 (data do Julgamento).

Alcides Martins Desembargador Federal Relator

relatÓrio

Trata-se de apelação interposta pela União Federal em face da sentença prolatada às fls. 321/333, nos autos da ação ordinária em epígrafe, que julgou parcialmente procedente o pedido de concessão de pensão por morte à autora,

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ora apelada, na qualidade de companheira do militar reformado da Marinha, Ângelo Ferreira da Silva, falecido em 19.06.2008 (fl. 17).

Em suas razões recursais (fls. 336/341), sustenta, inicialmente, a ocorrên-cia da prescrição do fundo de direito. No mérito, aduz, em suma, que a parte autora não logrou êxito em comprovar a relação more uxorio, de forma que se faz incabível a concessão do benefício previdenciário de pensão por morte.

Contrarrazões apresentadas às fls. 343/347, pugnando pela manutenção, in totum, da sentença.

Manifestação do Ministério Público Federal, às fls. 353/355, opinando pelo conhecimento e provimento do recurso interposto pela União Federal, para reconhecer a prescrição quinquenal do fundo de direito.

É o relatório. Peço dia.

Alcides Martins Desembargador Federal Relator

voto

Conheço do recurso eis que presentes os pressupostos de admissibili-dade.

Na presente ação objetiva Marise dos Santos Bastos a implantação da pensão por morte na condição de companheira de servidor militar, em decor-rência de seu óbito, passado em 19.06.2008 (fl. 17), correspondente a 91% (noventa e um por cento) dos rendimentos auferidos pelo de cujus, cabendo à ex-cônjuge somente o percentual de 9% (nove por cento), bem como os valores retroativos desde a data do requerimento administrativo (05.09.2008). O pe-dido foi julgado parcialmente procedente para condenar a União “a conceder à autora, Marise dos Santos Bastos, a cota de pensão por morte que lhe cabe em razão do falecimento de seu ex-companheiro Ângelo Ferreira da Silva, na proporção de 25% (vinte e cinco por cento), com o pagamento retroativo do benefício desde a data do pedido administrativo (5 de setembro de 2008, fl. 21), corrigido monetariamente, na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal, e acrescidos de juros de mora aplicáveis à caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, alterado pela Lei nº 11.960/2009) a partir da citação”.

Inicialmente, rejeito a alegação de ocorrência da prescrição.

Com efeito, compulsando os autos verifica-se que a decisão administrati-va que indeferiu o pleito autoral data de 05.09.2008 (fl. 21).

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Nesse contexto, o requerimento administrativo indeferido interrompeu a prescrição que voltou a correr pela metade do prazo, nos termos do art. 9º do Decreto nº 20.910/1932 e do art. 3º do Decreto-Lei nº 4.597/1942, in verbis:

“Art. 9º A prescrição interrompida recomeça a correr, pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu ou do último ato ou termo do respectivo pro-cesso.”

“Art. 3º A prescrição das dívidas, direitos e ações a que se refere o Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932, somente pode ser interrompida uma vez, e recomeça a correr, pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu, ou do último do processo para a interromper; consumar-se-á a prescrição no curso da lide sempre que a partir do último ato ou termo da mesma, inclusive da sen-tença nela proferida, embora passada em julgado, decorrer o prazo de dois anos e meio.”

Assim, posto que a demanda foi ajuizada em 16.08.2010 (fl. 03), não ocorreu o lapso prescricional.

Saliente-se, por oportuno, que inicialmente a presente ação foi distri-buída perante o Juízo da 4ª Vara Federal de Salvador, sendo posteriormente declarada a incompetência relativa do mencionado Juízo, diante da Exceção de Incompetência oferecida por Cristiane Ferreira Neto, incapaz, representada por sua genitora, Jacira Rufo da Silva, ora segunda ré (fls. 239/243).

Nesse sentido, destaco o seguinte julgado desta Corte, mutatis mutandis:

ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – REMESSA NECESSÁRIA – APELA-ÇÃO CÍVEL – CONCESSÃO DE PENSÃO MILITAR – UNIÃO ESTÁVEL – INDE-FERIMENTO DO PEDIDO ADMINISTRATIVO – PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO – SÚMULA Nº 85 DO STJ – DECRETO Nº 20.910/1932 E DECRETO Nº 4.597/1942 – 1. O indeferimento do requerimento administrativo interrompe a prescrição, que volta a correr pela metade do prazo, ex vi do art. 9º do Decreto nº 20.910/1932 e art. 3º do Decreto nº 4.597/1942, e, nos termos do expresso no art. 8º do mencionado Decreto nº 20.910/1932, a prescrição somente poderá ser interrompida uma única vez. 2. Proposta demanda judicial após o decur-so de mais de 5 (cinco) anos do indeferimento administrativo, resta fulminada pela prescrição a pretensão de concessão de pensão militar, em favor de suposta companheira de militar. 3. Precedentes do Colendo Superior Tribunal de Justiça e desta Egrégia Corte. 4. Remessa necessária e apelação provida. (TRF 2ª R., Ap-Reex 00059613020124025101, Des. Fed. Marcelo Pereira da Silva, 8ª T.Esp., Data da Decisão: 11.03.2016)

No mérito, não merece reforma o julgado recorrido.

Está assentado na jurisprudência dos Tribunais Superiores que o direito à pensão é regido pelas normas legais em vigor à data do evento morte do institui-dor. Esse entendimento é maciçamente adotado como linha de fundamentação

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para todos os casos em que se discute a aquisição do direito à pensão e as con-dições para o seu exercício (MS 21707-3/DF. Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, maioria, DJ 22.05.1995, p. 30590).

Com efeito, o art. 7º, da Lei nº 3.765/1960, com as alterações advindas pela Medida Provisória nº 2.215-10, de 31.08.2001, vigente à época do óbito do instituidor da pensão, ocorrido em 19.06.2008 (fl. 17) dispunha:

“Art. 7º A pensão militar é deferida em processo de habilitação, tomando-se por base a declaração de beneficiários preenchida em vida pelo contribuinte, na or-dem de prioridade e condições a seguir:

I – primeira ordem de prioridade:

a) cônjuge;

b) companheiro ou companheira designada ou que comprove união estável como entidade familiar;

c) pessoa desquitada, separada judicialmente, divorciada do instituidor ou a ex--convivente, desde que percebam pensão alimentícia;

d) filhos ou enteados até vinte e um anos de idade ou até vinte e quatro anos de idade, se estudantes universitários ou, se inválidos, enquanto durar a invalidez; e

e) menor sob guarda ou tutela até vinte e um anos de idade ou, se estudante uni-versitário, até vinte e quatro anos de idade ou, se inválido, enquanto durar a invalidez. [...]” (grifo inexistente no original)

No caso em exame, diante da existência de uma esposa tem-se que a comprovação da relação more uxorio, suscetível de ser amparada pela legisla-ção pátria, ou seja, sem caráter de relação extraconjugal, deve ser de tal pro-porção que viabilize afastar-se a presunção de regularidade da relação familiar advinda de uma certidão de casamento.

Compulsando os autos verifica-se, de forma inconteste, o relacionamento havido entre o de cujus e Marise dos Santos Bastos, ora apelada, o que pode ser observado pelos documentos juntados aos autos, em especial pela escritura pública declaratória de união estável realizada no Hospital Marcílio Dias no dia 17.06.2008 (fls. 18/19), bem como pelos depoimentos das 03 (três) testemunhas arroladas pela mesma que confirmaram, sem margem de dúvidas, a existência da união estável mantida pela autora com o militar falecido, com todos os tra-ços que a qualificam como verdadeira entidade familiar (fls. 311/314 e 330).

Observa-se, ainda, que as providências para a translação cadavérica dos restos mortais do Sr. Ângelo Ferreira da Silva do Rio de Janeiro para Salvador foram tomadas pela autora (fls. 29/30), bem como que a mesma foi a declarante do óbito do instituidor (fl. 17).

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Acresça-se, que mesmo que o instituidor tenha falecido na condição ain-da de casado, ficou constatado que o mesmo estava separado de fato de sua esposa desde o ano de 1999 (fls. 231/233) e com a autora Marise, ora apelada, vivia desde então até sua morte.

Saliente-se, por oportuno, que a despeito de a esposa Jacira afirmar, por ocasião de sua contestação (fls. 69/76), que “...separam-se (sic) de fato sim, no entanto, o de cujus e a Ré voltaram a viver maritalmente por um longo perío-do...”, não trouxe aos autos qualquer indicação nesse sentido, sendo certo, ain-da, que não interpôs recurso objetivando modificar a sentença que reconheceu a união estável havida entre a autora e o militar.

Nesse contexto, diante da comprovação de que a apelada conviveu em união estável com o militar falecido, deve ser mantida, na íntegra, a sentença proferida.

Pelo exposto, nego provimento à apelação da União, na forma da funda-mentação supra.

É como voto.

Alcides Martins Desembargador Federal Relator

5ª turMa espeCialiZada

Nº Pauta: 240

0502923-45.2015.4.02.5101 (2015.51.01.502923-3)

Apelação Cível – Turma Espec. III – Administrativo e Cível

Originário: 20ª Vara Federal do Rio de Janeiro (05029234520154025101)

Pauta: 01.08.2017 Julgado: 01.08.2017

Relator: Des. Fed. Alcides Martins

Presidente da Sessão: Aluisio Gonçalves de Castro Mendes

Procurador da República: Anaiva Oberst Cordovil

autuaÇÃo

Apte.: União Federal

Procdor.: Advogado da União

P. ré: Jacira Ruffo da Silva

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Advogado: Janaina de Almeida Lima e outro

Apdo.: Cristiane Ruffo Ferreira da Silva – Representada

Repres.: Jacira Ruffo da Silva

Advogado: Janaina de Almeida Lima e outro

Apdo.: Marise dos Santos Bastos

Def.Pub.: Defensoria Pública da União

CertidÃo

Certifico que a Egrégia 5ª Turma Especializada ao apreciar o processo eletrônico em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte de-cisão:

Por unanimidade, negou-se provimento à apelação, na forma do voto do Relator.

Votou o(a) ou Votaram os(as) Des. Fed. Alcides Martins, Des. Fed. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes e Des. Fed. Ricardo Perlingeiro.

Acacio Henrique de Aguiar Secretário(a)

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoApelação/Remessa Necessária nº 0002134‑13.2006.4.03.6000/MS2006.60.00.002134‑0/MSRelatora: Juíza Federal em Auxílio Noemi MartinsApelante: Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – FUFMSProcurador: MS004230 Luiza ConciApelado(a): Benedita Pardim de OliveiraAdvogado: MS006858 Ricardo Curvo de Araujo e outro(a)Remetente: Juízo Federal da 2ª Vara de Campo Grande > 1ª SSJ > MSNº Orig.: 00021341320064036000 2ª Vr. Campo Grande/MS

eMentaADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO – JULGAMENTO EXTRA PETITA – FUNDAMENTO EM FATO SUPERVENIENTE AOS NARRADOS NA INICIAL – ARTS. 128 E 460 DO CPC – NULIDADE DA SENTENÇA – CAUSA MADURA – ART. 515, § 1º, CPC – REVISÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ – ACIDENTE DE TRABALHO COMPROVADO – PROVENTOS INTEGRAIS – ISENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA – ILEGITIMIDADE PASSIVA DE PARTE DA FUFMS

Em face do disposto no art. 14 da Lei nº 13.105/2015, aplica-se a esse processo o CPC/1973.

A autora foi aposentada em 03.09.2004, por invalidez, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição à razão de 19/30 avos (fls. 110), de acordo com laudo da junta médica oficial que atestou a incapacidade definitiva para o trabalho, em razão de estenose da coluna vertebral – CID X: M 48.0 (fls. 114).

Alega a ré que a sentença de procedência do pedido baseou-se em ma-téria diversa daquela exposta na exordial, ampliando os limites objetivos da lide, hipótese vedada pelo art. 128 do Código de Processo Civil.

Na petição inicial, a autora narrou os fatos e expôs a causa de pedir e o pedido, no sentido de que, em razão de lesão irreversível na coluna ver-tebral, oriunda de acidente em serviço, ocorrido em 03.05.1987, foi-lhe concedida aposentadoria por invalidez proporcional, em 03.09.2004 (fl. 3). Na sentença, o pedido de concessão da aposentadoria por invali-dez com proventos integrais foi julgado procedente, com fundamento em doença adquirida posteriormente à sua aposentadoria (fls. 334/339), qual

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seja, neoplasia maligna da mama, cujo diagnóstico sobreveio no curso da ação, em 17.04.2007.

Como corolário do princípio da adstrição da sentença ao pedido ou da congruência, previsto nos arts. 128 e 460 do Código de Processo Civil, deverá haver, necessariamente, estrita vinculação entre o pedido, a causa de pedir e o provimento jurisdicional, sob pena de nulidade do julga-mento. Precedentes.

Impõe-se a anulação da sentença. Estando a causa plenamente instruída e madura, cabível o julgamento do feito, nos termos do art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil/1973 (atual art. 1013, § 3º, I do CPC).

A aposentadoria por invalidez do servidor público foi prevista nos arts. 40, § 1º, I, da Constituição Federal e 186, I, da Lei nº 8.112/1990. Nos presentes autos, a autora narrou que, em 03.05.1987, sofreu aci-dente em serviço, ficando afastada para tratamento de saúde até a sua aposentadoria por invalidez, em 03.09.2004.

Restou comprovado nos autos que a incapacidade da autora teve origem no acidente de trabalho relatado na exordial e comprovado nos autos, por meio dos laudos periciais e dos documentos de fls. 21 a 23, consubs-tanciados na Comunicação de Acidente do Trabalho – CAT, Cartão de Consulta do Acidentado, emitido pelo Inamps e Parecer da Junta Médica da Fundação da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – FUFMS.

Estão presentes os requisitos legais da verossimilhança das alegações, conforme demonstrado na fundamentação, e do risco de dano irrepará-vel à autora, eis que ela depende de tal benefício para prover a sua sub-sistência, concedo a antecipação dos efeitos da tutela, para que a autora passe a receber seus proventos integrais, no prazo de 30 (trinta) dias da publicação do acórdão.

Em relação ao pedido de isenção do Imposto de Renda, dada a sua na-tureza tributária, deverá ser objeto de pedido administrativo e/ou ação própria, em face da União Federal, parte legítima para figurar na relação processual respectiva.

As parcelas em atraso deverão ser pagas com correção monetária e acres-cidas de juros moratórios.

A correção monetária deve incidir, desde a data em que devidas as par-celas, conforme os índices previstos no Manual de Orientação de Proce-dimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267/2013 do Conselho da Justiça Federal.

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Tendo em vista a repercussão geral reconhecida no AI 842063, bem como o julgamento, nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil, do REsp 1.205.946, a incidência dos juros moratórios nas condena-ções impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remunerató-rias a servidores e empregados públicos, deverão incidir da seguinte for-ma: a) até a vigência da Medida Provisória nº 2.180-35, de 24.08.2001, que acrescentou o art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, percentual de 12% a.a.; b) de 27.08.2001, data da vigência da Medida Provisória nº 2.180-35/2001, a 29.06.2009, data da Lei nº 11.960/2009, percentual de 6% a.a.; c) a partir de 30.06.2009, data da vigência da Lei nº 11.960/2009, a remune-ração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. (STF, AI 842063, Rel. Min. Cezar Peluso, J. 16.06.2011; STJ, REsp 1.205.946, Rel. Min. Benedito Gonçalves, J. 19.10.2011, TRF 3ª R., 1ª S., AR 97.03.026538-3, Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho, J. 16.08.2012).

Considerando que não se trata de causa de elevada complexidade e ten-do em vista a quantidade de atos processuais praticados e o tempo decor-rido, com fundamento no art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil/1973, condeno a FUFMS ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais).

Reexame necessário e apelação providos, para anular a sentença e pros-seguindo no julgamento, com fundamento no art. 515, § 1º, do Código de Processo Civil de 1973, julgar parcialmente procedente o pedido ini-cial, formulado pela autora, para condenar a ré ao pagamento de proven-tos integrais da aposentadoria por invalidez, e extinguir o processo sem resolução de mérito, em relação ao pedido de isenção do imposto de renda, em face da ilegitimidade passiva de parte da FUFMS.

aCÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Re-gião, por unanimidade, dar provimento ao reexame necessário e ao recurso de apelação da FUFMS, para anular a sentença e, prosseguindo no julgamento, com fundamento no art. 515, § 1º, do Código de Processo Civil de 1973, julgar parcialmente procedente o pedido inicial formulado pela autora para conde-nar a ré ao pagamento de proventos integrais da aposentadoria por invalidez, ficando extinto o processo sem resolução de mérito, em relação ao pedido de isenção do imposto de renda, em face da ilegitimidade passiva de parte da FUFMS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

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São Paulo, 08 de agosto de 2017.

Noemi Martins Juíza Federal em Auxílio

relatÓrio

Trata-se de reexame necessário e apelação interposta pela Fundação Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – FUFMS, em face da sentença, em que julgado:

– extinto o processo, sem resolução de mérito, em relação ao pedido de isenção do imposto de renda, em face da ilegitimidade passiva da FUFMS, e por falta de prévio requerimento administrativo, com fundamento no art. 267, inciso VI do CPC, ficando revogada a antecipação da tutela referente a isenção de tal tributo; e

– parcialmente procedente o pedido de condenação da ré ao pagamento de aposentadoria por invalidez à autora, com proventos integrais, a partir de 22.12.2008, data em que foi emitido o laudo pericial, ficando, nessa parte, confirmada a antecipação da tutela.

Ficou determinado que os valores atrasados, descontando-se as quantias já recebidas em antecipação da tutela, deverão ser atualizados monetariamente e acrescidos de juros de mora à taxa de 6% (seis por cento) ao ano, a partir da sentença.

Os honorários advocatícios foram fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.

Opostos embargos de declaração pela Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – FUFMS, foram parcialmente acolhidos somente para declarar o seguinte:

“O art. 190 da Lei nº 8.112/1990 tinha a seguinte redação original:

Art. 190. O servidor aposentado com provento proporcional ao tempo de serviço, se acometido de qualquer das moléstias especificadas no art. 186, § 1º, passará a perceber provento integral.

Posteriormente, a Lei nº 11.907, de 02.02.2009, trouxe a seguinte modificação:

Art. 316. Os arts. 81, 83, 102, 190, 203 e 204 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, passam a vigorar com a seguinte redação:

[...]

Art. 190. O servidor aposentado com provento proporcional ao tempo de serviço se acometido de qualquer das moléstias especificadas no § 1º do art. 186 desta

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Lei e, por esse motivo, for considerado inválido por junta médica oficial passará a perceber provento integral, calculado com base no fundamento legal de con-cessão da aposentadoria. (NR).

Dessa forma, mesmo antes da modificação do artigo em questão, pela Lei nº 11.907/2009, havia previsão legal para o recebimento da aposentadoria inte-gral, conforme foi exposto na decisão que antecipou os efeitos da tutela (fl. 236). Assim, este juízo, na sentença recorrida, fundamentando-se no mencionado art. 190, mesmo sem sua modificação posterior (Lei nº 11.907), determinou à Ré que passe a pagar proventos integrais para a autora a partir da data do laudo pericial judicial (22.12.2008).

Diante do exposto, acolho parcialmente os presentes embargos de declaração apresentados pela Ré, para o fim de tornar, esta decisão, parte integrante da sen-tença proferida às fls. 334-339, mantendo os demais termos dela constantes.”

Em suas razões recursais, a Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – FUFMS sustentou que houve julgamento extra petita, uma vez que, ao conceder aposentadoria integral em decorrência de a autora ser porta-dora de neoplasia maligna da mama, a sentença concedeu prestação jurisdi-cional diversa daquela constante da petição inicial, devendo ser reconhecida a nulidade do julgamento.

A parte autora não apresentou contrarrazões.

É o relatório.

voto

Consigno que as situações jurídicas consolidadas e os atos processuais impugnados pela parte recorrente serão apreciados, em conformidade com as normas do Código de Processo Civil de 1973 e consoante determina o art. 14 da Lei nº 13.105/2015.

Preliminarmente, conheço da remessa oficial, nos termos do disposto no art. 475, § 2º, do Código de Processo Civil de 1973.

Cinge-se a controvérsia ao direito da autora à revisão da sua aposenta-doria por invalidez, para proventos integrais, em decorrência de acidente em serviço e/ou moléstia profissional, com fundamento no art. 40, § 1º, I, da Cons-tituição Federal e no art. 186 da Lei nº 8.112/1990.

A autora foi aposentada em 03.09.2004, por invalidez, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição à razão de 19/30 avos (fl. 110), de acordo com laudo da junta médica oficial que atestou a incapacidade definiti-va para o trabalho, em razão de estenose da coluna vertebral – CID X: M 48.0 (fl. 114).

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Insurge-se a ré contra a sentença, alegando que a procedência do pedido baseou-se em matéria não pleiteada na exordial, ampliando os limites objetivos da lide, hipótese vedada pelo art. 128 do Código de Processo Civil.

Verifica-se que, na petição inicial, a autora narrou os fatos e expôs a causa de pedir e o pedido, no sentido de que, em razão de lesão irreversível na coluna vertebral, oriunda de acidente em serviço, ocorrido em 03.05.1987, foi--lhe concedida aposentadoria por invalidez proporcional, em 03.09.2004 (fl. 3). Na sentença, o pedido de concessão da aposentadoria por invalidez com pro-ventos integrais foi julgado procedente, com fundamento em doença adquirida posteriormente à sua aposentadoria (fls. 334/339), qual seja, neoplasia maligna da mama, cujo diagnóstico sobreveio no curso da ação, em 17.04.2007.

Consoante disciplina veiculada nos arts. 128 e 460 do Código de Proces-so Civil, “o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões não suscitadas, a cujo respeito à lei exige a iniciativa da parte”, e ainda “não poderá proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”.

Como corolário do princípio da adstrição da sentença ao pedido ou da congruência, deverá haver, necessariamente, estrita vinculação entre o pedido, a causa de pedir e o provimento jurisdicional, sob pena de nulidade do julga-mento.

Nesse sentido, colacionam-se os seguintes julgados:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – OFENSA AO ART. 535 DO CPC – NÃO OCORRÊNCIA – JULGAMENTO ULTRA PETITA NÃO CARACTERIZADO – AU-SÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – SÚMULA Nº 282/STF – 1. Não há vio-lação do art. 535 do Código de Processo Civil quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida. 2. Não ocorre julgamento ultra petita quando o juiz permanece adstrito aos limites impostos no pedido. 3. O Tribunal de origem não analisou a questão à luz dos demais dispositivos legais apontados como violados. Incide no caso a Súmula nº 282 do Supremo Tribunal Federal. TRIBUTÁRIO – COMPENSAÇÃO – JUROS E MULTA MORATÓRIA – NECESSI-DADE DE INFORMAR AO FISCO SOBRE O PROCEDIMENTO – SUCUMBÊN-CIA RECÍPROCA MANTIDA – 1. Da análise dos autos, verifica-se que a infração tributária antecede qualquer manifestação relacionada à compensação. Não é suficiente ter valores a receber para se abster do recolhimento de tributo. 2. Ven-cida a recorrente, no que se refere à integral procedência do pedido, era de rigor o reconhecimento da sucumbência recíproca. Ademais, aferir se houve distribui-ção proporcional na sucumbência recíproca envolve ampla análise de questões de fato, o que é inadequado na via especial, nos termos do Enunciado nº 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial da Fazenda Nacional parcialmente conhecido e improvido. Recurso especial da empresa improvido. (STJ, REsp 200500296312, Humberto Martins, 2ª T., DJe Data: 07.12.2009)

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CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – RESPONSABILIDADE CI-VIL – CLÍNICA MÉDICA – SÓCIOS – JULGAMENTO EXTRA PETITA – CAUSA DE PEDIR – ALTERAÇÃO – PRINCÍPIO DA ADSTRIÇÃO OU DA CONGRUÊNCIA – NEXO DE CAUSALIDADE – EXCLUSÃO – RECURSOS ESPECIAIS PROVIDOS – 1. Segundo o princípio da adstrição ou da congruência, deve haver necessária correlação entre o pedido/causa de pedir e o provimento judicial (arts. 128 e 460 do Código de Processo Civil), sob pena de nulidade por julgamento citra, extra ou ultra petita. 2. O provimento judicial está adstrito, não somente ao pedido formulado pela parte na inicial, mas também à causa de pedir, que, segundo a teoria da substanciação, adotada pela nossa legislação processual, é delimitada pelos fatos narrados na petição inicial. 3. Incide em vício de nulidade por julga-mento extra petita a decisão que julga procedente o pedido com base em fato diverso daquele narrado pelo autor na inicial como fundamento do seu pedido. 4. Se a causa de pedir veio fundada no sofrimento dos autores em função da morte do paciente, imputada aos maus-tratos sofridos durante a internação, era defeso ao Tribunal de origem condenar os réus com base nas más condições de atendimento da clínica, não relacionadas com o óbito. 5. Excluído pelo acórdão recorrido, com base na prova dos autos, o nexo causal entre o resultado morte e o tratamento recebido pelo paciente, ao consignar que se tratava de paciente em estado terminal, a improcedência da ação é solução que se impõe. 6. Recursos especiais providos. (STJ, REsp 200902391200, Vasco Della Giustina (Desembar-gador Convocado do TJ/RS), 3ª T., DJe Data: 26.05.2010)

Desta forma, impõe-se a anulação da sentença. Estando a causa plena-mente instruída e madura, passo ao julgamento, nos termos do art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil/1973 (atual art. 1.013, § 3º, I do CPC).

A aposentadoria por invalidez do servidor público foi prevista na Consti-tuição Federal nos seguintes termos:

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é as-segurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atua-rial e o disposto neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este ar-tigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixa-dos na forma dos §§ 3º e 17: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

I – por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

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[...]

A Lei nº 8.112/1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das Autarquias e das Fundações Públicas Federais, também tratou da aposentadoria por invalidez:

Art. 186. O servidor será aposentado:

I – por invalidez permanente, sendo os proventos integrais quando decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei, e proporcionais nos demais casos;

[...]

Nos presentes autos, a autora narrou que, em 03.05.1987, sofreu aciden-te em serviço, ficando afastada para tratamento de saúde até a sua aposentado-ria por invalidez, em 03.09.2004.

Deveras, consta que a incapacidade total e permanente da apelada de-correu da enfermidade denominada Lombociatologia Intensa, resultante de uma queda no ambiente de trabalho.

O médico perito respondeu aos quesitos, concluindo o seguinte (fls. 286/289):

“3. Qual a origem da doença que causou incapacidade da autora e levou à sua aposentadoria por invalidez? Não sendo possível afirmá-la, qual a sua origem mais comum: congênita, viral, decorrente de acidente, esforço repetitivo, etc.?

A aposentadoria foi causada por lesão da coluna vertebral. O detalhamento acer-ca da origem de tal doença necessita avaliação especializada por neurologista. Certamente não existe relação entre esta e o câncer de mama.”

No segundo laudo pericial elaborado nos autos (fls. 307/309), constou o seguinte:

“3. Qual a origem da doença que causa a incapacidade da autora e levou à sua aposentadoria por invalidez? Não sendo possível afirmá-la, qual a sua origem mais comum: congênita, viral, decorrente de acidente, esforço repetitivo, etc.?

A causa que levou a aposentadoria da paciente foi a lombociatalgia intensa que pode ter relação com os sforços (sic) repetitivos e/ou acidente, sendo que em 2007 descobriu um câncer de mama que foi operada e tratada com quimiotera-pia e radioterapia (sic).

4. Há relação de causa e efeito entre a doença em questão e a atividade desen-volvida pela autora em seu serviço?

A paciente está aposentada desde 2005 devido a patologia da coluna e em 2007 está se tratando de ca (sic) da mama.

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5. Qual o tipo de doença acomete atualmente a requerente, relacionada a cirur-gia de mastectomia a que foi submetida?

Paciente encontra-se em tratamento de mastectomia parcial devido a um ca (sic) de mama; e está em acompanhamento ambulatorial após radioterapia e quimio-terapia semestralmente desde março de 2007; e ainda a lombocialtalgia que a limita de efetuar suas atividades laborais.” (g.n.)

Concluiu o médico, na segunda perícia judicial, que a incapacidade da autora que levou à sua aposentadoria por invalidez, decorreu da lombociatalgia intensa, relacionada a esforços repetitivos e/ou acidente em serviço.

Restou comprovado nos autos que a incapacidade da autora teve origem no acidente de trabalho relatado na exordial e comprovado nos autos, por meio dos laudos periciais e dos documentos de fls. 21 a 23, consubstanciados na Co-municação de Acidente do Trabalho – CAT, Cartão de Consulta do Acidentado, emitido pelo Inamps e Parecer da Junta Médica da Fundação da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – FUFMS.

Posto isso, estão presentes os requisitos legais necessários para a con-cessão da aposentadoria por invalidez integral, com fundamento nos arts. 40, § 1º, I, da Constituição Federal e 186, I, da Lei nº 8.112/1990, tendo em vista a incapacidade total e permanente da autora oriunda de acidente de trabalho.

Tendo em vista tratar-se de benefício de natureza alimentar e presentes os requisitos legais da verossimilhança das alegações, conforme demonstrado na fundamentação, e do risco de dano irreparável à autora, eis que ela depen-de de tal benefício para prover a sua subsistência, concedo a antecipação dos efeitos da tutela, para que a autora passe a receber seus proventos integrais, no prazo de 30 (trinta) dias da publicação desta decisão.

Em relação ao pedido de isenção do Imposto de Renda, dada a sua na-tureza tributária, deverá ser objeto de pedido administrativo e/ou ação própria, em face da União Federal, parte legítima para figurar na relação processual respectiva.

As parcelas em atraso deverão ser pagas com correção monetária e acres-cidas de juros moratórios.

Quanto à correção monetária, deve incidir desde a data em que devi-das as parcelas, conforme os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267/2013 do Conselho da Justiça Federal.

Tendo em vista a repercussão geral reconhecida no AI 842063, bem como o julgamento, nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil, do REsp 1.205.946, a incidência dos juros moratórios nas condenações impos-

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tas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias a servidores e empregados públicos, deverão incidir da seguinte forma: a) até a vigência da Medida Provisória nº 2.180-35, de 24.08.2001, que acrescentou o art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, percentual de 12% a.a.; b) de 27.08.2001, data da vi-gência da Medida Provisória nº 2.180-35/2001, a 29.06.2009, data da Lei nº 11.960/2009, percentual de 6% a.a.; c) a partir de 30.06.2009, data da vi-gência da Lei nº 11.960/2009, a remuneração básica e juros aplicados à cader-neta de poupança. (STF, AI 842063, Rel. Min. Cezar Peluso, J. 16.06.2011; STJ, REsp 1.205.946, Rel. Min. Benedito Gonçalves, J. 19.10.2011, TRF 3ª R., 1ª S., AR 97.03.026538-3, Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho, J. 16.08.2012).

O art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil/1973 estabelece a aprecia-ção equitativa do juiz, com obediência aos critérios estabelecidos no § 3º do mesmo artigo citado, concernentes ao grau de zelo profissional, o lugar da pres-tação de serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo representante processual da parte e o tempo exigido para o seu serviço.

Considerando que não se trata de causa de elevada complexidade e ten-do em vista a quantidade de atos processuais praticados e o tempo decorri-do, condeno a FUFMS ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), em perfeita consonância com os dis-positivos legais supramencionados.

Ante o exposto, dou provimento ao reexame necessário e à apelação da FUFMS, para anular a sentença e, prosseguindo no julgamento, com fundamen-to no art. 515, § 1º, do Código de Processo Civil de 1973, julgar parcialmente procedente o pedido inicial formulado pela autora para condenar a ré ao paga-mento de proventos integrais da aposentadoria por invalidez, ficando extinto o processo sem resolução de mérito, em relação ao pedido de isenção do imposto de renda, em face da ilegitimidade passiva de parte da FUFMS, nos termos da fundamentação.

Oficie-se, com urgência, para o cumprimento da tutela antecipada con-cedida.

É o voto.

Noemi Martins Juíza Federal em Auxílio

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoApelação Cível nº 5005136‑94.2017.4.04.7000/PRRelator: Juiz Federal Artur César de SouzaApelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSApelado: Hamilton Zanon

eMentaPREVIDENCIÁRIO – DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE – IMPRESCRITI-BILIDADE DAS AÇÕES DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO – RESTRIÇÃO A ILÍCITO PENAL E POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE – DISPENSABILIDADE DA MANIFESTAÇÃO PRÉVIA DA FAZENDA PÚBLICA

1. A imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário, prevista no art. 37, § 5º, da Constituição Federal, deve ser compreendida res-tritivamente (ilícitos penais e improbidade administrativa), sob pena de insegurança jurídica.

2. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.105.442/RJ (representativo da controvérsia), consolidou o entendimen-to no sentido de que, em se tratando de execução fiscal para cobrança de débito de natureza não tributária, aplica-se o prazo prescricional de cinco anos, previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/1932.

3. Por sua natureza processual, a Lei nº 11.051/2004 (que acrescentou o § 4º ao art. 40 da Lei de Execuções Fiscais), ao autorizar a decretação de ofício da prescrição intercorrente, aplica-se aos processos suspensos e arquivados antes da sua vigência (AgRg-REsp 1211420/ES, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 16.03.2011).

4. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça “é despi-cienda a intimação da Fazenda Pública da suspensão por ela mesma requerida, bem como do arquivamento, pois este último decorre automa-ticamente do transcurso do prazo de um ano, conforme dispõe a Súmula nº 314 do STJ” (AgRg-AgRg-Ag 1308349/CE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., DJe 09.12.2010).

5. In casu, passados mais de cinco anos desde a data do arquivamento dos autos sem a ocorrência de nenhum evento capaz de interromper

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o prazo prescricional, afigura-se manifesta a ocorrência da prescrição intercorrente.

aCÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unani-midade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 26 de julho de 2017.

Artur César de Souza Relator

relatÓrio

Trata-se de apelação interposta contra sentença que reconheceu a ocor-rência da prescrição intercorrente, declarando extinta a execução fiscal pro-posta pelo INSS, com base nos arts. 487, II e 925, ambos do CPC. Sem custas e honorários.

O apelante pugna pela reforma da sentença, para que seja afastada a prescrição e determinado o regular prosseguimento da execução fiscal, susten-tando a imprescritibilidade do crédito, decorrente de fraude.

Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.

É o relatório.

voto

A controvérsia trazida a deslinde cinge-se à prescritibilidade ou não da ação de ressarcimento de dano ao erário decorrente de alegado ato ilícito. O crédito em execução refere-se a benefício previdenciário (aposentadoria por tempo de serviço/contribuição) pago indevidamente.

Nesse passo, a discussão envolve, necessariamente, o alcance da impres-critibilidade das ações de ressarcimento de danos ao erário, conforme previsto no art. 37, § 5º, da Constituição Federal:

Art. 37. [...]

§ 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qual-quer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

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O Supremo Tribunal Federal já se manifestara no sentido de que a im-prescritibilidade da ação de ressarcimento por dano ao erário seria ampla, abrangendo inclusive ilícitos administrativos e alcançando tanto agentes pú-blicos quanto particulares (MS 26210, Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, Julgado em 04.09.2008, DJe-192, Divulg, 09.10.2008, Public. 10.10.2008).

No entanto, em 26.08.2013, a Corte Suprema reconheceu que a matéria tem repercussão geral, nos seguintes termos:

ADMINISTRATIVO – PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO – PRES-CRIÇÃO – INTERPRETAÇÃO DA RESSALVA FINAL PREVISTA NO ART. 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL – Apresenta repercussão geral o recurso extraordinário no qual se discute o alcance da imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário prevista no art. 37, § 5º, da Constituição Federal.

(RE 669069-RG, Relator(a): Min. Teori Zavascki, Julgado em 02.08.2013, Acór-dão Eletrônico DJe-166, Divulg. 23.08.2013, Public. 26.08.2013)

O relator, Ministro Teori Zavascki, sintetizou as posições quanto ao tema, do seguinte modo:

A questão transcende os limites subjetivos da causa, havendo, no plano doutri-nário e jurisprudencial, acirrada divergência de entendimentos, fundamentados, basicamente, em três linhas interpretativas: (a) a imprescritibilidade aludida no dispositivo constitucional alcança qualquer tipo de ação de ressarcimento ao erário; (b) a imprescritibilidade alcança apenas as ações por danos ao erário de-correntes de ilícito penal ou de improbidade administrativa; (c) o dispositivo não contém norma apta a consagrar imprescritibilidade alguma.

Cabe assinalar que o referido RE 669.069 já teve seu julgamento ini-ciado; além do relator, já se manifestaram os Ministros Luiz Fux, Luis Roberto Barroso e Rosa Weber, prevalecendo a posição de que “a imprescritibilidade alcança apenas as ações por danos ao erário decorrentes de ilícito penal ou de improbidade administrativa”. A respeito, o Informativo nº 767:

“Ação de ressarcimento e imprescritibilidade – 1

O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a imprescritibilidade das ações de ressarcimento intentadas em favor do erário. No caso, o Tribunal de origem considerara prescrita a ação de ressarcimento de danos materiais promovida com fundamento em acidente de trânsito, proposta em 2008, por dano ocorrido em 1997. O Ministro Teori Zavascki (relator) negou provimento ao recurso, no que foi acompanhado pelos Ministros Rosa Weber e Luiz Fux. Mencionou que a controvérsia jurídica diria respeito ao alcance do disposto na parte final do art. 37, § 5º, da CF (‘§ 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que

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causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento’). Afirmou não haver dúvidas de que a parte final do dispositivo constitucional em comento veicularia, sob a forma da imprescritibilidade, uma ordem de bloqueio destinada a conter eventuais iniciativas legislativas displicentes com o patrimônio público. Todavia, não seria adequado embutir na norma de imprescritibilidade um alcance ilimitado, ou limitado apenas pelo conteúdo material da pretensão a ser exercida – o ressarcimento – ou pela causa remota que dera origem ao des-falque no erário – um ato ilícito em sentido amplo. Frisou que, de acordo com o sistema constitucional, o qual reconheceria a prescritibilidade como princípio, se deveria atribuir um sentido estrito aos ilícitos previstos no § 5º do art. 37 da CF. (RE 669069/MG, Rel. Min. Teori Zavascki, 12.11.2014)”

“Ação de ressarcimento e imprescritibilidade – 2

O relator fixou tese de repercussão geral no sentido de que a imprescritibilidade a que se refere a aludida norma diria respeito apenas a ações de ressarcimento de danos decorrentes de ilícitos tipificados como de improbidade administrativa e como ilícitos penais. Recordou que, no caso concreto, a pretensão de ressarci-mento estaria fundamentada em suposto ilícito civil que, embora tivesse causado prejuízo material ao patrimônio público, não revelaria conduta revestida de grau de reprovabilidade mais pronunciado, nem se mostraria especialmente atentató-ria aos princípios constitucionais aplicáveis à Administração Pública. Por essa ra-zão, não seria admissível reconhecer a regra excepcional de imprescritibilidade. Observou que se deveria aplicar o prazo prescricional comum para as ações de indenização por responsabilidade civil em que a Fazenda figurasse como autora. Recordou que, ao tempo do fato, o prazo prescricional seria de 20 anos de acor-do como o CC/1916 (art. 177). Porém, com o advento do CC/2002, o prazo pas-sara para três anos e tivera sua aplicação imediata, em razão da regra de transição do art. 2.028, que preconizara a imediata incidência dos prazos prescricionais reduzidos pela nova lei nas hipóteses em que ainda não houvesse transcorrido mais da metade do tempo estabelecido no diploma revogado. O Ministro Rober-to Barroso acompanhou o relator quanto à negativa de provimento ao recurso, no que concerne à demanda posta. Entretanto, restringiu a tese de repercussão geral para assentar que seria prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil. Pontuou que o caso em exame não trataria da imprescritibilidade em matéria de improbidade nem tampouco de matéria crimi-nal. Assim, na ausência de contraditório, não seria possível o pronunciamento do STF de matéria não ventilada nos autos. Em seguida, pediu vista o Ministro Dias Toffoli. RE 669069/MG, Rel. Min. Teori Zavascki, 12.11.2014)”

Neste contexto, tenho que a posição que melhor se harmoniza com o sis-tema constitucional é a de que a imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário, prevista no art. 37, § 5º, da Lei Fundamental, deve ser compreendida restritivamente.

Com efeito, a prescrição, instituto que tem íntima relação com a noção de segurança jurídica, é a regra no ordenamento, de forma que as exceções a

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142 ��������������������������������������������������������RSDA Nº 142 – Outubro/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

ela devem ser expressas e interpretadas de modo restritivo. Atentaria contra a segurança jurídica exegese do art. 37, § 5º, que consagrasse a imprescritibi-lidade de ação de ressarcimento ao erário decorrente de qualquer ato ilícito. Aludido dispositivo constitucional deve ser lido em conjunto com o parágrafo que o antecede (art. 37, § 4º), o qual dispõe sobre os atos de improbidade ad-ministrativa. É dizer, somente diante de ilícitos especialmente graves é possível concluir pela condição imprescritível da respectiva ação de ressarcimento.

Tal orientação já vinha sendo sustentada, doutrinariamente, por Teori Zavascki, in verbis:

“O instituto da prescrição, importante para a segurança e estabilidade das rela-ções jurídicas e da convivência social, está consagrado como regra em nosso sis-tema de direito. São raríssimas as hipóteses de imprescritibilidade. Nas palavras de Pontes de Miranda, ‘a prescrição, em princípio, atinge a todas as pretensões e ações, quer se trate de direitos pessoais, quer de direitos reais, privados ou pú-blicos. A imprescritibilidade é excepcional’. [...] Se a prescritibilidade das ações é a regra – pode-se até dizer, o princípio –, a imprescritibilidade é a exceção e, por isso mesmo, a norma que a contempla deve ser interpretada restritivamente.

Nessa linha de entendimento, merece interpretação restritiva a excepcional hipóte-se de imprescritibilidade prevista no citado § 5º do art. 37 da Constituição Federal. O alcance desse dispositivo deve ser buscado mediante sua associação com o do parágrafo anterior, que trata das sanções por ato de improbidade administrati-va. Ambos estão se referindo a um mesmo conjunto de bens e valores jurídicos, que são os da preservação da idoneidade da gestão pública e da penalização dos agentes administrativos ímprobos. Assim, ao ressalvar da prescritibilidade ‘as res-pectivas ações de ressarcimento’, o dispositivo constitucional certamente está se referindo não a qualquer ação, mas apenas às que busquem ressarcir danos de-correntes de atos de improbidade administrativa de que trata o § 4º do mesmo art. 37 (ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, 6. ed. p. 71).”

Na mesma linha, recente julgado desta Corte Regional Federal:

“DIREITO ADMINISTRATIVO – AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE DANOS AO ERÁRIO – PRESCRIÇÃO – CF/1988, ART. 37, § 5º – DANO QUE NÃO DECOR-RE DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – PRAZO QUINQUENAL – 1. A redação do art. 37, § 5º, da Constituição da República (‘A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarci-mento’) sugere a imprescritibilidade da ação de ressarcimento de danos ao erário causados por ato ilícito praticado por qualquer agente, servidor ou não. 2. Contu-do, a regra não deve ser interpretada no sentido de ser aplicável a todo e qualquer ato ilícito danoso cometido por qualquer agente em desfavor dos cofres públicos. Tamanha é a gama de atos ilícitos (civis, criminais, administrativos, tributários, aduaneiros, de trânsito, etc.) que, quando praticados por um agente qualquer,

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podem resultar em prejuízo ao erário, que tal interpretação extensiva daquele preceito constitucional erigiria a imprescritibilidade, que sabemos constituir-se em exceção no sistema jurídico, a regra geral quando se trata de responsabilidade civil do particular frente ao Estado. 3. A imprescritibilidade da ação de ressarci-mento prevista no texto da Constituição dirige-se exatamente àqueles atos ilícitos prejudiciais ao erário para os quais o constituinte, no mencionado art. 37, § 5º, determinou ao legislador ordinário que definisse os prazos prescricionais. Isso ocorreu com a edição da Lei nº 8.429/1992, na qual o legislador ordinário tipi-ficou os atos de improbidade administrativa e estabeleceu os respectivos prazos prescricionais. Nessa perspectiva, é para as ações que visem o ressarcimento dos prejuízos ao erário provocados por esses atos ilícitos, qualificados pelo legisla-dor como atos de improbidade administrativa, que a Constituição estabeleceu a imprescritibilidade. 4. No caso dos autos, não estando configurado ato de im-probidade administrativa, e inexistindo prazo específico definido em lei, o prazo prescricional aplicável é o de cinco anos, de largo emprego no Direito Adminis-trativo, e em respeito aos princípios da isonomia e simetria. 5. Execução fiscal extinta em face da ocorrência da prescrição intercorrente. (TRF 4ª R., Agravo de Instrumento nº 5008970-61.2014.404.0000, 4ª T., Des. Fed. Candido Alfredo Silva Leal Junior, por maioria, vencido o relator, juntado aos autos em 01.12.2014)

Em voto-vista lapidar, assim se manifestou o Desembargador Federal Candido Alfredo Silva Leal Junior:

“Com efeito, atos ilícitos capazes de produzir danos ao erário existem nos mais diversos ramos da atividade humana e social, podendo ser ilícitos civis, criminais, administrativos, ambientais, eleitorais, aduaneiros, de trânsito, etc. Atribuir aque-le alcance extensivo à norma constitucional significaria admitir como imprescri-tíveis praticamente todas as ações de ressarcimento movidas pelo Poder Público. Excetuados os casos fundados na responsabilidade objetiva, a imprescritibilidade abarcaria desde os casos mais singelos, como, v.g., danos produzidos à sinali-zação de trânsito provocados por uma colisão de automóveis, ou a danificação culposa da pintura de um prédio público, até os mais graves, como os ‘rombos’ nos cofres públicos produzidos pela macrocriminalidade econômica. Ou seja, a imprescritibilidade passaria a ser a regra, provocando a formação de um imenso estoque de litígios em potencial, que poderiam eclodir a qualquer momento. Sem dúvida, isso comprometeria a função da pacificação social proporcionada pelo instituto da prescrição e obrigaria o cidadão (e, talvez, as gerações que o suce-derem) a manter em seu poder verdadeiro arsenal de provas relativas aos eventos em que se viu envolvido e que possam vir a ser futuramente entendidos como danosos ao erário, de forma a poder exercer oportunamente sua defesa, caso o litígio renasça das cinzas.

É preciso que se balize que, como nos demais ramos do Direito, a prescritibi-lidade das ações é a regra nas relações entre administração e seus agentes e a administração e os administrados. Como bem salienta o doutrinador José Afonso da Silva,

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‘A prescritibilidade como forma de perda da exigibilidade de direito, pela inércia de seu titular, é um princípio geral de direito. Não será, pois, de se estranhar que ocorram prescrições administrativas sob vários aspectos, quer quanto às pretensões de interessados em face da Administração, quer quanto às desta em face da Administração.’ (Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 673)

Nessa perspectiva, julgo que a regra do art. 37, § 5º, da Constituição de 1988, ao prever hipótese de imprescritibilidade, tem em vista não quaisquer atos danosos ao erário, mas atos ilícitos especialmente qualificados – tanto que mereceram tra-tamento em sede constitucional – e que correspondem àqueles que vieram a ser tipificados como ‘atos de improbidade administrativa’ pelo legislador ordinário na Lei nº 8.429/1992, em atendimento ao comando constitucional.

Assim, é imprescritível a ação tendente a ressarcir o dano ao erário produzi-do pelo ato de improbidade administrativa, configurado a partir do balizamento contido na Lei nº 8.429/1992, e não por outro ato danoso qualquer. Consequên-cia disso é que, na interpretação da regra do art. 23 da Lei da Improbidade, que dispõe sobre prazo prescricional para a aplicação das sanções previstas na lei, deve ser excluído o ressarcimento do dano ao erário.

Portanto, a imprescritibilidade da ação de ressarcimento do dano depende do reconhecimento do ato de improbidade que o originou, em ação própria. Inexis-tindo tal declaração do caráter de improbidade administrativa do ilícito causador do dano, a prescrição incidirá conforme as regras ordinárias relativas à matéria.”

Em suma, a imprescritibilidade inscrita no art. 37, § 5º, da Constituição Federal deve abranger apenas as ações por danos decorrentes de ilícito penal ou de improbidade administrativa, o que não é o caso, pois na inicial do executivo fiscal, o INSS faz alusão apenas a “ilícito ao erário” com origem em ato fraudu-lento, não tendo sido instaurado inquérito policial nem tampouco sido proposta ação penal contra o beneficiário/executado, pelo que o indébito foi apurado apenas na esfera administrativa, sem ressonância na esfera criminal.

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.105.442/RJ (representativo da controvérsia), consolidou o entendimento no sentido de que, em se tratando de execução fiscal para cobrança de débito de natureza não tributária, aplica-se o prazo prescricional de cinco anos, previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/1932. Eis a ementa do julgado:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA – RITO DO ART. 543-C DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA – MULTA ADMINISTRATIVA – EXECUÇÃO FISCAL – PRAZO PRES-CRICIONAL – INCIDÊNCIA DO DECRETO Nº 20.910/1932 – PRINCÍPIO DA ISONOMIA

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1. É de cinco anos o prazo prescricional para o ajuizamento da execução fiscal de cobrança de multa de natureza administrativa, contado do momento em que se torna exigível o crédito (art. 1º do Decreto nº 20.910/1932).

2. Recurso especial provido.

(REsp 1.105.442/RJ, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 1ª S., DJe de 22.02.2011)

A Lei nº 6.830/1980, por sua vez, no seu art. 40, estabelece a possibili-dade de suspensão dos processos por ela regulados, quando não forem locali-zados o devedor ou bens passíveis de constrição judicial, não correndo, nesses casos, o prazo de prescrição:

“Art. 40. O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.

§ 1º Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública.

§ 2º Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.

§ 3º Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão de-sarquivados os autos para prosseguimento da execução.

§ 4º Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescri-cional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.”

Em 30 de dezembro de 2004, foi editada a Lei nº 11.051, que acrescen-tou o § 4º ao art. 40 da Lei de Execuções Fiscais, autorizando a decretação de ofício da prescrição intercorrente, nos seguintes termos:

Art. 6º O art. 40 da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 40 [...] § 4º Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.

O Superior Tribunal de Justiça assentou que a regra prevista no art. 40, § 4º, da Lei nº 6.830/1980, tem natureza processual e, por isso, aplica-se ime-diatamente às execuções fiscais em curso. A propósito, o seguinte julgado:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – EXECUÇÃO FISCAL – PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE – DECRETA-ÇÃO DE OFÍCIO – POSSIBILIDADE – INTELIGÊNCIA DO DISPOSTO NO § 4º DO ART. 40 DA LEI Nº 6.830/1980, ACRESCIDO PELA LEI Nº 11.051/2004

1. A jurisprudência desta Corte pacificou-se no sentido de que a Lei nº 11.051/2004 é norma de direito processual e, por conseguinte, tem aplicação imediata, alcan-

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çando inclusive os processos em curso. Precedentes: REsp 1.015.258/PE, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., DJe 22.09.2008; REsp 891.589/PE, 1ª T., Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 02.04.2007; REsp 911.637/SC, 1ª T., Rel. Min. Francis-co Falcão, DJ 30.04.2007.

2. Agravo regimental não provido.

(AgRg-REsp 1221452/AM, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., DJe 02.05.2011)

De conseguinte, é possível a decretação de ofício da prescrição intercorrente nos processos em que a suspensão e o arquivamento se deram antes da vigência da Lei nº 11.051/2004 (STJ, AgRg-REsp 1211420/ES, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª T., J. em 03.03.2011, DJe 16.03.2011)”

Em relação à ausência de intimação, a jurisprudência do Superior Tri-bunal de Justiça pacificou-se no sentido de que “é despicienda a intimação da Fazenda Pública da suspensão por ela mesma requerida, bem como do arquiva-mento, pois este último decorre automaticamente do transcurso do prazo de um ano, conforme dispõe a Súmula nº 314 do STJ” (AgRg-AgRg-Ag 1308349/CE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., DJe 09.12.2010). No mesmo viés de deci-dir, destaco os seguintes precedentes: REsp 1.190.292/MG, Min. Luiz Fux, 1ª T., DJe de 18.08.2010; REsp 1.195.019/AP, Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe de 10.09.2010.

Importa salientar que não foram requeridas pelo exequente, dentro do quinquênio legal, quaisquer diligências, pelo que não houve a interrupção do curso do prazo prescricional, tampouco foram formulados novos pedidos de “suspensão”.

Assim, passados mais de cinco anos desde a data do arquivamento dos autos sem a ocorrência de nenhum evento capaz de interromper o prazo pres-cricional, afigura-se manifesta a ocorrência da prescrição intercorrente, deven-do ser integralmente mantida a sentença.

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS.

Juiz Federal Artur César de Souza Relator

eXtrato de ata da sessÃo de 21.06.2017

Apelação Cível nº 5005136-94.2017.4.04.7000/PR

Origem: PR 50051369420174047000

Relator: Desª Federal Vânia Hack de Almeida

Presidente: Desª Federal Vânia Hack de Almeida

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Procurador: Procurador Regional da República Eduardo Kurtz Lorenzoni

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS

Apelado: Hamilton Zanon

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 21.06.2017, na sequência 292, disponibilizada no DE de 09.06.2017, da qual foi intimado(a) Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, o Ministério Público Federal e as demais Procuradorias Federais.

Certifico que o(a) 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígra-fe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Retirado de pauta.

Gilberto Flores do Nascimento Diretor de Secretaria

eXtrato de ata da sessÃo de 26.07.2017

Apelação Cível nº 5005136-94.2017.4.04.7000/PR

Origem: PR 50051369420174047000

Relator: Juiz Federal Artur César de Souza

Presidente: Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira

Procurador: Dra. Adriana Zawada Melo

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS

Apelado: Hamilton Zanon

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 26.07.2017, na sequência 309, disponibilizada no DE de 11.07.2017, da qual foi intimado(a) Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, o Ministério Público Federal, a De-fensoria Pública e as demais Procuradorias Federais.

Certifico que o(a) 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígra-fe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS.

Relator Acórdão: Juiz Federal Artur César de Souza

Votante(s): Juiz Federal Artur César de Souza Juíza Federal Taís Schilling Ferraz Des. Federal João Batista Pinto Silveira

Lídice Peña Thomaz Secretária de Turma

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

8500

Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoGabinete do Desembargador Federal Carlos Rebêlo JúniorApelação Cível nº 586092/CE (0000115‑98.2014.4.05.8101)Apte.: G&C Transportes e Construções Ltda.Adv./Proc.: Geraldo Pinheiro Silva Neto e outroApte.: Expedito Ferreira da CostaAdv./Proc.: Cicero Charles Sousa SoaresApte.: Ana Maria Albuquerque MenesesAdv./Proc.: Deborah Costa Sobreira DantasApdo.: Ministério Público FederalOrigem: 15ª Vara Federal do CearáJuiz(a): Ciro Benigno PortoRelator: Desembargador Federal Carlos Rebêlo JúniorTurma: Terceira

eMentaCONSTITUCIONAL – ADMINISTRATIVO – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – LEGITIMIDADE PASSIVA – EX-PREFEITO – SECRETÁRIA MUNICIPAL – EMPRESA CONTRATADA – VERBA RE-PASSADA PELO FUNDEF – FISCALIZAÇÃO PELA UNIÃO – DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO – NÃO COMPROVAÇÃO DAS HIPÓTESES LEGAIS DE DISPENSA – CONLUIO – FRAUDE – RECO-NHECIMENTO – RECURSOS IMPROVIDOS

1. Recursos contra sentença que julgou procedente o pedido em ação ci-vil pública por ato de improbidade administrativa, para condenar os réus, ex-gestores públicos do Município de Aracati (CE), pela prática de atos de improbidade descritos no art. 10, V, VIII, XI e XII da Lei nº 8.429/1992.

2. Entendeu-se na sentença recorrida que houve montagem de procedi-mento de dispensa de licitação e consequente favorecimento à empresa contratada, através de dispensa emergencial realizada mediante fraude através de conluio entre as partes.

3. Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, “a Lei nº 8.429/1992 regulamenta o art. 37, § 4º da Constituição, que traduz uma concretização do princípio da moralidade administrativa inscrito no caput do mesmo dispositivo constitucional. As condutas descritas na lei de improbidade administrativa, quando imputadas a autorida-des detentoras de prerrogativa de foro, não se convertem em crimes de

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responsabilidade” (STF, PET 4.497-5, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 03.03.2009).

4. O gestor municipal, à época, era responsável pela atuação dos Secre-tários Municipais nomeados para compor sua equipe de trabalho. Não se está falando em responsabilidade objetiva do Réu, mas em responsabili-dade do administrador municipal no exercício do seu mister, inclusive, encampando os atos ilegais praticados.

5. O julgamento antecipado da lide foi procedido nos termos da faculda-de processual que atribui ao Juiz, destinatário das provas a serem produ-zidas, a prerrogativa de indeferir as provas que não se mostrem pertinen-tes. Inexiste vício no procedimento adotado pelo Magistrado condutor do feito, que entendeu ser descabido o requerimento de oitiva de corréus em processo, vez que o depoimento pessoal se destina à parte contrária que figura no outro polo da demanda.

6. Apesar de se suscitar nulidade processual em função de ausência de intimação da decisão que pronunciou o julgamento antecipado da lide, cuja demanda comportava tal entendimento, em nenhum momento foi demonstrado o prejuízo decorrente. Precedentes: AC 200981000128143, Des. Fed. Manoel Erhardt, TRF5 – 1ª T., DJe: 16.04.2015 e STJ, REsp 977.013/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 30.09.2010).

7. Imputada a montagem do processo de dispensa de licitação, mediante ajuste entre os gestores e a empresa vencedora beneficiada com o con-trato correspondente a R$ 279.495,54 (duzentos e setenta e nove mil, quatrocentos e noventa e cinco reais e cinquenta e quatro centavos).

8. O prefeito, como titular do cargo de chefe do executivo municipal, possui conhecimento dos trâmites necessários para realização das con-tratações entre a Administração Pública e particulares, bem como da necessária observância do princípio da legalidade ao qual os poderes públicos encontram-se submetidos.

9. Não demonstrado nos autos qualquer situação de emergência que le-gitime a dispensa de licitação realizada em tempo exíguo, mais exata-mente em apenas um dia, mediante a oferta de preços aproximados entre empresas que possuíam vínculo recente e familiar.

10. O ex-prefeito agiu de forma inequívoca e com plena consciência de que a realização das contratações sem a observação do procedimento licitatório e sem observar a hipótese de dispensa legal do mesmo encon-tra-se eivada de ilegalidades, o que demonstra claramente o dolo na sua

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ação. Mantida a sua condenação quanto à prática do ato de improbidade consistente em dispensa irregular de licitação.

11. A responsabilidade da então Secretária Municipal de Educação evi-dencia-se à medida que era a responsável direta pela prática de muitos dos atos praticados.

12. Praticados, ainda, atos de gestão, conforme destacado no parecer mi-nisterial, através do qual se procedeu à movimentação extraorçamentá-ria de valores destinados à remuneração do pessoal da educação, sendo utilizado em fim diverso da manutenção e desenvolvimento do ensino.

13. A empresa contratada, por sua vez, mediante os ajustes entre os gesto-res municipais, foi beneficiada através da celebração de contrato de pres-tação de serviços de transporte escolar no montante de R$ 279.495,54 (duzentos e setenta e nove mil quatrocentos e noventa e cinco reais e cinquenta e quatro centavos).

14. Comprovou-se que membro do quadro societário da empresa G&C Transportes e Construções Ltda. foi sócio de outra concorrente, que tinha como sócio parente próximo (primo) até quase um ano antes da contrata-ção municipal, proximidade utilizada para ajuste de preços na simulação de concorrência.

15. Evidenciada a realização de conluio entre as partes envolvidas, su-ficiente a embasar a responsabilização dos envolvidos, com base nos dispositivos do art. 10 e incisos V, VIII, IX, XI e XII da Lei nº 8.429/1992.

16. A malversação de recursos públicos constitui prática extremamente grave, notadamente envolvendo os parcos recursos destinados à Educa-ção e em afronta aos patamares legais, mostrando-se a sanção adequada e suficiente para a punição do ato ímprobo, não se mostrando exagerada e nem aquém do devido, guardando obediência aos princípios da razoa-bilidade e proporcionalidade.

17. Apelações conhecidas mas não providas.

aCÓrdÃo

Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações, na forma do relatório e voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Recife/PE, 10 de agosto de 2017.

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Desembargador Federal Carlos Rebêlo Júnior Relator

i – relatÓrio

Hipótese de apelação contra sentença que, nos autos de ação de impro-bidade administrativa, julgou procedente o pedido condenando solidariamente Expedito Ferreira da Costa, Ana Maria Albuquerque Meneses e G&C Transpor-tes e Construções Ltda., ex-gestores municipais de Aracati (CE), pela prática de conduta ímproba consistente na contratação irregular de prestação de serviço de transporte escolar, utilizando recursos do Fundeb.

Entendeu-se na sentença recorrida que houve montagem de procedimen-to de dispensa de licitação e consequente favorecimento à empresa contratada, através de dispensa emergencial realizada mediante fraude através de conluio entre as partes.

A empresa G&C Transportes e Construções Ltda. alegou, em suas razões recursais, cerceamento de defesa e legalidade dos atos praticados que não ca-racterizaram ato de improbidade.

Expedito Ferreira apelou da sentença condenatória alegando, em síntese: a) impossibilidade de enquadramento dos agentes políticos à Lei de Improbi-dade Administrativa nº 8.429/1992; b) ilegitimidade passiva; c) cerceamento de defesa e ausência de intimação da decisão sobre o julgamento antecipado da lide; d) ter agido apenas com culpa in vigilando, ao contratar a Secretaria da pasta que utilizou os recursos do Fundeb; f) desproporcionalidade das sanções aplicadas.

Ana Maria Meneses alegou, em síntese: a) cerceamento de defesa; b) falta de intimação sobre a decisão do julgamento antecipado da lide; c) ausência de irregularidade no processo de dispensa de licitação; d) desproporcionalidade na aplicação das sanções.

Ofertadas as respectivas contrarrazões recursais, pugnando pela manu-tenção da sentença, tendo em vista a comprovação de atos ímprobos na gestão da coisa pública, mediante o favorecimento da empresa contratada, mediante a simulação de procedimento de dispensa de licitação.

Instado a se manifestar o Ministério Público Federal, através de sua Pro-curadoria Regional da República, atuante perante esta Corte Regional, opinou pelo improvimento total das apelações.

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ii – FundaMentaÇÃo

Inicialmente, nos termos do art. 1.009, § 3º do CPC/2015, tratando-se de recursos de apelação interpostos pelos réus contra sentença prolatada nos autos de ação civil pública, que julgou procedente o pedido, presente a admissibilida-de dos instrumentos recursais referentes ao cabimento, adequação, legitimidade e interesse recursal.

A sentença foi no Diário Oficial Eletrônico da Justiça Federal, disponi-bilizado no dia 05.05.2015 e considerado publicado no dia 06.05.2015, nos termos da Resolução nº 29, de 26.10.2011 deste TRF da 5ª Região, tendo sido interpostas as apelações nos dias 11 e 21 de maio e 05 de junho daquele ano de 2015.

Tratando-se, pois, de litisconsortes passivos com advogados de escritó-rios de advocacia diversos, é de se proceder à contagem do prazo recursal em dobro nos termos do art. 229 do CPC, reconhecida, pois, a tempestividade recursal.

2.1 APLICABILIDADE DA LEI Nº 8.429/1992 AOS PREFEITOS. LEGITIMIDADE DE EXPEDITO FERREIRA DA COSTA

Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, “a Lei nº 8.429/1992 regulamenta o art. 37, § 4º da Constituição, que traduz uma concretização do princípio da moralidade administrativa inscrito no caput do mesmo dispositi-vo constitucional. As condutas descritas na lei de improbidade administrativa, quando imputadas a autoridades detentoras de prerrogativa de foro, não se con-vertem em crimes de responsabilidade” (STF, PET 4.497-5, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 03.03.2009).

As sanções previstas na Lei nº 8.429/1992 não podem deixar de ser aplicáveis aos prefeitos apenas em razão dos fatos imputados serem também tipificados como crime de responsabilidade, não havendo o que se falar em litispendência ou prejudicialidade entre tais ações, devido à independência das instâncias.

Interpretar de forma diferente é ignorar a redação clara do § 4º do art. 37 da Constituição Federal. Confira-se o seu teor:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princí-pios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, tam-bém, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

[...]

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§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressar-cimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. (g. n.)

Nesse diapasão decidiu o STF:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AÇÃO PENAL CONDENATÓRIA – INEXISTÊNCIA DE LITISPENDÊNCIA – POSSIBILIDADE DE SIMULTÂNEA TRAMITAÇÃO

A natureza da ação civil pública – que constitui instrumento de tutela jurisdicio-nal dos direitos e interesses metaindividuais – não permite seja ela confundida, em seus objetivos (Lei nº 7.347/1985), com a ação penal condenatória, que se destina, considerada a finalidade que lhe é exclusivamente peculiar, a promover a responsabilidade criminal do infrator pela prática de fatos delituosos, inexistin-do, sob tal aspecto, qualquer situação de litispendência ou de prejudicialidade entre as ações judiciais em causa.

(HC 72.506/MG, Rel. Min. Celso de Mello, RTJ 167/167)

Assim, não há que se falar em ilegitimidade passiva do Réu, ora apelante, Expedito Ferreira da Costa, pelo simples fato de exercer à época dos fatos impu-tados a gestão municipal.

Enquanto gestor municipal, o Sr. Expedito Ferreira da Costa era responsá-vel pela atuação dos Secretários Municipais nomeados para compor sua equipe de trabalho, devendo ser sancionado por eventuais faltas cometidas por tais subordinados, em relação àqueles atos administrativos que estavam também sob sua responsabilidade.

Não se está falando em responsabilidade objetiva do Réu, mas em res-ponsabilidade do administrador municipal no exercício do seu mister, inclusi-ve, encampando os atos ilegais praticados.

2.2 CERCEAMENTO DE DEFESA

Antes de adentrar no mérito propriamente dito do presente caso, cabe examinar as alegações de nulidade de atos processuais e provas.

Alegado o cerceamento de defesa com base no julgamento antecipado da lide, apesar de ter se requerido o depoimento de corréus para que denotas-sem a ausência de má-fé ou dolo do Réu Expedito Ferreira da Costa, enquanto gestor municipal.

O julgamento antecipado da lide foi procedido nos termos da faculdade processual que atribui ao Juiz, destinatário das provas a serem produzidas, de indeferir as provas que não se mostrem pertinentes.

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Inexiste vício no procedimento adotado pelo Magistrado condutor do feito que entendeu ser descabido o requerimento de oitiva de corréus em pro-cesso, vez que o depoimento pessoal se destina à parte contrária que figura no outro polo da demanda.

Nesse sentido, há precedente desta Corte:

CIVIL E ADMINISTRATIVO – APELAÇÃO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBI-DADE ADMINISTRATIVA – POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL – SENTENÇA CONDENATÓRIA – PRELIMINARES – REJEIÇÃO – ATOS DE IMPROBIDADE PREVISTOS NO ART. 9º, I, V E X E ART. 11, I E II, AMBOS DA LEI Nº 8.429/1992 – CONFIGURAÇÃO – SANÇÕES PREVISTAS NO ART. 12, CAPUT, I e III, DA LIA – MANUTENÇÃO – EXCLUSÃO DA CASSAÇÃO DE EVENTUAL APOSENTA-DORIA – PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL – 1. Em Processo Civil, o depoimento pessoal só pode ser requerido pela parte contrária ou determinado de ofício pelo juiz do feito. Assim, correta a decisão que indeferiu a realização de depoimento pessoal requerido pela própria parte. Intelecção do art. 343, do antigo CPC, cujo enunciado continua previsto no art. 385 do Código de Processo Civil de 2015. 2. Por outro lado, ainda que fossem levadas em consideração as peculiaridades da Ação de Improbidade, em que as sanções previstas são bastantes severas, constata-se que o apelante, em momento algum pleiteou a produção de seu de-poimento em juízo, a não ser na audiência de oitiva das suas testemunhas de defesa., sem apresentar, todavia, qualquer razão plausível que pudesse justificar o pleito. 3. Ademais, em sede de agravo retido, o qual foi provido, anteriormente, por este Tribunal, o demandado/apelante só se insurgiu contra o indeferimento da produção de sua prova testemunhal, razão pela qual o julgador a quo, em cumprimento ao acórdão lavrado nestes autos, só estava obrigado a realizar a oitiva das testemunhas de defesa. 4. É de afastar-se, portanto, a preliminar de cerceamento de defesa suscitada pelo apelante, sob o argumento de que fora in-deferido a realização do mencionado ato processual por ele requerido. 5. Cons-tatando-se que a legalidade das interceptações telefônicas, que serviram de prova para demonstrar a prática e a autoria dos atos de improbidade administrativa apontados nesta ação, já foi objeto de apreciação pelo Juízo de 1º Grau, através da decisão de fls. 460/463 (vol. 2), como também por esta 2ª Instância, através do AGTR 112.924/SE, é de ser rejeitada a preliminar de nulidade processual com base na alegação de inidoneidade da referida prova. 6. In casu, o demandado/apelante, no exercício do cargo de policial rodoviário federal, não só violou os deveres funcionais que lhe eram impostos, bem como praticou atos proibidos em lei por lei, ao deixar de fiscalizar veículos irregulares e de aplicar as sanções pecuniárias cabíveis, inclusive, cedendo a pedido de outrem; oferecer vantagem indevida, para que outros policiais rodoviários federais deixassem de fiscalizar veículos irregulares e de aplicar as sanções pecuniárias cabíveis; e violar o sigilo funcional, ao divulgar as escalas de plantão dos policiais rodoviários federais, sobretudo para atender a fins escusos. 7. Restou, igualmente, comprovado nos autos que o demandado/apelante, em decorrência de suas ações ímprobas, além de auferir vantagens patrimoniais indevidas, causou danos ao erário e malferiu os princípios da honestidade, da legalidade da moralidade públicas. 8. Inexistindo

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dúvidas de que o demandado/apelante tinha a consciência de que os atos por ele praticados eram ilícitos, bem como não há provas de que a sua vontade se encontrava viciada no momento em que os praticou, não há como ser afastado o dolo. 9. Uma vez configuradas a prática e a autoria dos atos de improbidade previstos no art. 9º, incisos I, V e X, e art. 11, caput, incisos I e II, todos da Lei nº 8.429/1992, as sanções a serem impostas ao demandado/apelante são aquelas descritas no art. 12, I e III, da mesma lei de regência, podendo ser aplicadas isola-da ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato. 10. Verificando-se, todavia, que, inexistindo na Lei nº 8.429/1992 a previsão da sanção de cassação de aposentadoria, em caso de o demandado/apelante já se encontrar na inativi-dade, dita penalidade não pode persistir na condenação que lhe imposta pelo julgador a quo, sob pena de malferimento ao princípio da reserva legal. Prece-dentes. 11. Apresentando-se exacerbado o valor atribuído à multa civil imposta ao demandado/apelante, reduz-se o seu valor 40 (quarenta) vezes para 05 (cinco) vezes o valor de seus provimentos. 12. Preliminares Rejeitadas. Apelação provi-da, em parte.

(TRF 5ª R., AC 00002025420104058502, Des. Fed. Lazaro Guimarães, 4ª T., DJe – Data: 10.06.2016, p. 103)

O referido entendimento merece acolhida, portanto, encontrando respal-do em precedente desta Corte.

Suscitada também nulidade processual em virtude da ausência de intima-ção das partes acerca da decisão que pronunciou o julgamento antecipado da lide, já que não oportunizada a imprescindível dilação probatória.

A hipótese tratada nos autos não comporta dilação probatória, tratando--se de matéria que se encontra devidamente comprovada documentalmente nos autos, em face do que a realização de dilação probatória em nada acresceria à solução da lide.

Ademais, apesar de se suscitar nulidade processual em função de au-sência de intimação da decisão que pronunciou o julgamento antecipado da lide, cuja demanda comportava tal entendimento, em qualquer momento foi demonstrado o prejuízo decorrente.

Assim, é de se afastar quaisquer prejuízos pertinentes ao alegado cerce-amento de defesa.

Na esteira deste entendimento, colacionamos precedente deste Tribunal, in verbis:

No tocante a preliminar arguida pelo apelante, convém confirmar o entendimen-to pacífico no sentido de que é cabível o julgamento antecipado da lide em sede de ação de civil pública, sem que haja, com isso, o cerceamento de defesa. E, dada a similaridade da ação de improbidade administrativa com a seara criminal, faz-se oportuno orientar-se pelo teor da Súmula nº 523 do STF, que estabelece

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que ainda que se considerasse cerceamento de defesa pela falta de intimação para alegações finais, não caberia suscitar a nulidade absoluta se não restasse demonstrado que a referida deficiência acarretou em prejuízo para o réu. Por-tanto, não tendo sido apresentado o efetivo prejuízo do réu decorrente da falta de alegações finais em relação às conclusões da sentença atacada, tem-se como afastada a preliminar levantada no apelo. (TRF 5ª R., AC 200981000128143, Des. Fed. Manoel Erhardt, 1ª T., DJe: 16.04.2015)

A jurisprudência já assentou que até mesmo na esfera penal, que lida, no que se refere aos réus, com um dos bens jurídicos mais caros ao ordenamento jurídico – a liberdade –, se reconhece que a não-abertura para apresentação de alegações finais só macula de nulidade a sentença caso venha a ser demonstra-do de forma cabal o prejuízo suportado pela parte interessada em sua apresen-tação (nulidade relativa). Precedente: (STJ, REsp 977.013/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 30.09.2010).

O mesmo se pode dizer, assim, no âmbito do processo civil, que se rege pelos princípios da instrumentalidade das formas e do pas de nullité sans grief.

O recorrente não demonstrou de que forma a intimação a cerca da de-cisão saneadora teria o condão de afastar as conclusões da sentença e do acór-dão. Precedente: (STJ, REsp 977.013/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 30.09.2010).

No caso, conclui-se que não há qualquer nulidade processual.

2.3 DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO

A Lei nº 8.666/1993 estabelece rol taxativo de hipóteses em que será dispensável a realização de licitação, em seu art. 24, que dispõe o seguinte:

“Art. 24. É dispensável a licitação:

[...]

IV – nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracteriza-da urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou com-prometer a segurança das pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias conse-cutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;”

Nota-se que o ex-prefeito, como titular do cargo de chefe do executivo municipal, possui conhecimento dos trâmites necessários para realização das contratações entre a Administração Pública e particulares, bem como da ne-

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cessária observância do princípio da legalidade ao qual os poderes públicos encontram-se submetidos.

Restou devidamente comprovada a ocorrência de conluio entre as em-presas concorrentes, que possuíam vínculo recente em suas composições socie-tárias, o que denota a combinação das ofertas, a fim de legitimar a escolha da empresa vencedora.

No mesmo dia em que publicada a dispensa de licitação referente à con-tratação de serviços de transporte escolar, no dia 27.01.2009, foram praticados todos os atos burocráticos necessários (autorização, autuação do procedimento, pesquisa de preços, parecer jurídico e declaração de dispensa).

As empresas participantes, por sua vez, emitiram suas propostas para to-das as consideráveis 89 rotas possíveis para a prestação do serviço de transporte com preços bastante aproximados.

Evidencia-se, pois, que ocorreu ajuste prévio entre os licitantes e a admi-nistração contratante.

Conclui-se, assim, que o ex-prefeito agiu de forma inequívoca e com plena consciência no sentido de permitir a realização das contratações sem a observação do procedimento licitatório e sem a sua dispensa dentro das hipó-teses previstas, estando eivada de ilegalidades, o que demonstra fundamenta a sua responsabilidade.

Muita embora o ex-gestor municipal tente se furtar da responsabilização, os atos de dispensa irregular foram todos públicos, em face do que a alegação de desconhecimento se mostra tão inverossímil.

A responsabilidade da Sra. Ana Maria Meneses se evidencia à medida que era a Secretária Municipal de Educação, responsável diretamente pela prá-tica de muitos dos atos inquinados de vício.

No que pertine aos atos de gestão, conforme destacado no parecer minis-terial, procedeu-se à movimentação extraorçamentária de valores que deveriam ter sido destinados à remuneração do pessoal da educação, sendo utilizados em fim diverso da manutenção e desenvolvimento do ensino.

O referido ato de realocação dos recursos foi executado por Ana Maria Albuquerque Meneses e encampado pelo gestor municipal e ex-prefeito Expe-dito Ferreira da Costa.

Assim, deve ser mantida a condenação do réu Expedito Ferreira da Costa e de Ana Maria Meneses quanto à prática de improbidade consistente em dis-pensa irregular de licitação.

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A empresa contratada, por sua vez, foi contratada mediante os ajustes entre os gestores municipais e beneficiada através da celebração de contrato de prestação de serviços de transporte escolar no montante de R$ 279.495,54 (duzentos e setenta e nove mil, quatrocentos e noventa e cinco reais e cinquenta e quatro centavos).

Comprovou-se que membro do quadro societário da G&C Transportes e Construções Ltda. foi sócio de outra concorrente, que tinha como sócio parente próximo (primo) até quase um ano antes da contratação, proximidade esta utili-zada para ajuste de preços na simulação de concorrência.

Direcionou-se, portanto, o resultado do procedimento de licitação, me-diante a atuação dos gestores e o beneficiamento da empresa contratada, sob um fundamento de urgência não demonstrado.

Evidenciada, portanto, a realização de conluio entre as partes envolvidas, suficiente a embasar a responsabilização dos envolvidos, com base nos disposi-tivos do art. 10 e incisos V, VIII, IX, XI e XII da Lei nº 8.429/1992:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

[...]

V – permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;

[...]

VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para cele-bração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevida-mente; (Redação dada pela Lei nº 13.019, de 2014) (Vigência)

[...]

XI – liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular

XII – permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

2.4 SANÇÕES

O art. 12, II, da Lei nº 8.429/1992 estabelece quais as penas aplicáveis nos casos em que os atos de improbidade administrativa que importam enrique-cimento ilícito. Eis o teor da regra citada:

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às

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seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

[...]

II – na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

[...]

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

As sanções do art. 12 da Lei nº 8.429/1992 não são necessariamente cumulativas e cabe ao juiz a sua dosimetria, considerando os critérios do pará-grafo único do citado dispositivo, que são “a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente”.

Assim, a cominação das penalidades pode ocorrer de maneira cumulati-va ou não, com base na razoabilidade e a proporcionalidade.

Nesse sentido, transcrevo julgado do col. STJ:

ADMINISTRATIVO – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – EXAME DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL – IMPOSSIBILIDADE – COMPETÊNCIA DA CORTE EXCEL-SA – DOSIMETRIA DAS SANÇÕES APLICADAS POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – REEXAME DE FATOS E PROVAS – SÚMULA Nº 7/STJ – 1. A aplicação das penalidades previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/1992 exige que o magistrado considere, no caso concreto, “a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente”, (conforme previsão ex-pressa contida no parágrafo único do referido artigo). Assim, é preciso analisar a razoabilidade e a proporcionalidade em relação à gravidade do ato ímprobo e à cominação das penalidades, as quais podem ocorrer de maneira cumulati-va ou não. (Precedente: AgRg-REsp 1242939/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., Julgado em 24.05.2011, DJe 30.05.2011.) 2. A sanção de suspensão dos direitos políticos é a mais drástica das penalidades estabelecidas no art. 12 da Lei nº 8.429/1992, devendo ser aplicada tão somente em casos graves. (Prece-dente: AgRg-AREsp 11.146/RS, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Julgado em 16.08.2011, DJe 22.08.2011). 3. “A condenação foi devidamente motivada e se encontra dentro dos limites do art. 12 da Lei nº 8.429/1992, estando dosa-da segundo a avaliação razoável do Tribunal de origem. Portanto, não merece reforma em Recurso Especial, ante o óbice da Súmula nº 7/STJ.” (Precedente: REsp 1173845/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., Julgado em 08.06.2010,

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DJe 27.04.2011.) Agravo regimental improvido. (STJ, AgREsp 201002175028, Humberto Martins, 2ª T., DJe Data: 19.04.2012)

A sentença acertadamente aquilatou as penas aplicáveis, ao condenar os demandados nas seguintes sanções:

A) Expedito Ferreira da Costa pela prática do ato de improbidade administrativa previsto no art. 10, incisos VIII e XI, da Lei nº 8.429/1992, pelo que aplico as sanções com base no art. 12, inciso II, da referida Lei:

1) ressarcimento integral do dano, no valor de R$ 17.941,46 (dezessete mil, novecentos e quarenta e um reais e quarenta e seis centavos), valor cor-respondente a metade dos recursos transferidos em favor da Prefeitura de Aracati;

2) suspensão de direitos políticos por 6 (seis) anos, considerando que o ato de improbidade praticado foi realizado utilizando-se das funções do cargo ocupado à época dos fatos;

3) pagamento de multa civil correspondente a 2 (duas) vezes o valor da última remuneração que recebeu enquanto ocupante do cargo de prefeito;

4) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou in-centivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por in-termédio de pessoas jurídicas da qual seja sócia majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos.

B) Ana Maria Albuquerque Meneses pela prática do ato de improbidade admi-nistrativa previsto no art. 10, incisos VIII e XI, da Lei nº 8.429/1992, pelo que aplico as sanções com base no art. 12, inciso II, da referida Lei:

1) ressarcimento integral do dano, no valor de R$ 17.941,46 (dezessete mil, novecentos e quarenta e um reais e quarenta e seis centavos), valor cor-respondente a metade dos recursos transferidos em favor da Prefeitura de Aracati;

2) suspensão de direitos políticos por 6 (seis) anos, considerando que o ato de improbidade praticado foi realizado utilizando-se das funções do cargo ocupado à época dos fatos;

3) pagamento de multa civil correspondente a 2 (duas) vezes o valor da últi-ma remuneração que recebeu enquanto ocupante do cargo de Secretária Municipal de Educação;

4) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou in-centivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por in-termédio de pessoas jurídicas da qual seja sócia majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos.

C) G&C Transportes e Construções Ltda. pela prática do ato de improbidade ad-ministrativa previsto no art. 10, inciso VIII, da Lei nº 8.429/1992, pelo que aplico as sanções com base no art. 12, inciso II, da referida Lei:

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1) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou in-centivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por in-termédio de pessoas jurídicas da qual seja sócia majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos;

A malversação de recursos públicos constitui prática extremamente gra-ve, notadamente envolvendo os parcos recursos destinados à Educação e nos patamares apresentados nos presentes autos.

Vale dizer que a sentença, ao nosso juízo, mostra-se adequada e suficien-te para a punição do ato ímprobo, não se mostrando exagerada e nem aquém do devido. A aplicação da sanção guardou obediência aos princípios da razoa-bilidade e proporcionalidade.

Na verdade, a sanção aplicada, de acordo com a análise fática e jurídica aqui formulada, é apropriada para restaurar o prejuízo causado e a dignidade que se exige do cargo exercido pelos demandados.

Esta Corte também já decidiu que como o desvio de recursos foi realiza-do em conluio pelos apelantes, e não havendo como aquilatar em que medida cada um se beneficiou dos valores desviados, são ambos solidários na obri-gação de devolver. Precedente: (TRF 5ª R., 4ª T., AC 200984000010217, DJe 17.05.2012).

Assim, impõe-se a manutenção da sentença em todos os seus termos.

iii – dispositivo

Nega-se provimento às apelações, mantendo a sentença em sua integra-lidade.

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

8501

Tribunal de Justiça do Estado de Minas GeraisApelação Cível nº 1.0637.10.004375‑0/001146000773781Comarca de São LourençoApelante: Jose Antonio AlvesApelados: Estado de Minas Gerais e Jean Michel Costa do AmaralÓrgão Julgador: 1ª C.Cív.Relator(a): Rel. Alberto Vilas BoasData de Publicação: 16.08.2017

eMentaADMINISTRATIVO – CIVIL – PROCESSO CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANO MORAL – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – SERVIDOR PÚBLICO – ILEGITIMIDADE PASSIVA – IN-QUÉRITO POLICIAL, AÇÃO PENAL E POSTERIOR ABSOLVIÇÃO – AUSÊNCIA DE ILÍCITO – DANO MORAL – PROVA – AUSÊNCIA – IMPROCEDÊNCIA – SENTENÇA MANTIDA

O servidor público que, no exercício de suas funções e em tese, cause dano a terceiro, é parte passiva ilegítima para figurar em ação indenizató-ria também movida contra o poder público. Precedente do STF.

Não constitui ato ilícito da Administração instaurar inquérito policial, com base em depoimento de suposta vítima e testemunha, em face de policial militar, ainda que este venha a ser absolvido em ação penal, quando não comprovada conduta ilícita do agente policial que instaurou o inquérito e nem ter o autor comprovado ter suportado dano moral.

aCÓrdÃoVistos etc., acorda, em Turma, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça

do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em de ofício, julgar parcialmente extinto o processo sem resolução do mérito, e, no mais, negar provimento ao apelo.

Des. Alberto Vilas Boas Relator

votoConheço do recurso.

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1 A ESPÉCIE EM JULGAMENTO

Cuida-se de ação ordinária ajuizada por José Antônio Alves em desfavor do Estado de Minas Gerais e de Jean Michel do Amaral objetivando a condena-ção dos réus por dano moral.

Alegou o autor que foi injusta e infundadamente acusado pelo segundo réu, o que ensejou a instauração de processo criminal cuja denúncia foi julga-da improcedente por insuficiência de prova. Segundo narrou na inicial, esta situa ção causou-lhe constrangimentos, vexame e dissabores na cidade onde era destacado, sobretudo porque era, na época, policial militar e responsável pelo cumprimento de leis.

Após regular contraditório, o pedido foi julgado improcedente sob o fun-damento de não estar caracterizado ato ilícito, má-fé ou abuso de autoridade dos réus (fls. 225/227).

Inconformado, o autor sustenta que, em virtude das acusações feitas pelo segundo réu, passou por situações vexatórias, dissabores e constrangimentos, pois os fatos eram de conhecimento de todos, mormente porque era policial militar no local.

Alega que o segundo réu, ao agir na condição de policial militar, re-presentava o primeiro requerido, que é responsável por atos de seus agentes, independente da comprovação de dolo ou culpa, conforme art. 37, § 6º, da CR.

Salienta não se tratar do fato de ter o segundo réu agido no exercício de sua função, mas, sim, que ele era sabedor da inverdade da acusação, agindo, assim, de forma equivocada e infundada, extrapolando os limites ao tecer co-mentários sobre o ocorrido com terceiros, somente pelo sabor de ver a honra do apelante manchada.

Enfatiza o dolo na conduta do referido réu, ao ter escrito texto ofensivo no relatório, com a simples intenção de enxovalhar a reputação e a honra do apelante.

Conquanto intimados, apenas o primeiro réu apresentou as contrarrazões recursais (fls. 236/245 e 248).

2 A ILEGITIMIDADE PASSIVA DO SERVIDOR PÚBLICO

De início, saliento haver intimado as partes, nos termos do art. 10, do CPC, sobre a questão relativa à ilegitimidade passiva do servidor públi-co (fl. 253), e, é certo que somente o Estado de Minas Gerais se manifestou (fls. 260/262).

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Dentro da ótica do art. 37, § 6º, CR, a ação indenizatória deve ser mo-vida pelo particular somente contra a administração pública, cabendo ao réu, em ação própria a ser movida contra seu servidor público, obter o reembolso daquilo que eventual pagou na primeira demanda.

Por certo, a regra constitucional diz caber às pessoas jurídicas de direito público a responsabilidade pelos danos que seus agentes, nessa condição, cau-sarem a terceiros, e, dessa forma, não é lícito admitir que, aforada a ação contra o Estado de Minas Gerais, seja ainda possível incluir o servidor público no polo passivo da causa.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que:

O § 6º do art. 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo dispositivo constitucional consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular. (RE 327.904, Rel. Min. Ayres Britto, DJ 08.09.2006)

Em suma, se o servidor público causou dano a terceiro no exercício de suas funções, a incumbência primeira de indenizar é do poder público, não sen-do possível estabelecer a responsabilidade per saltum daquele que, no entanto, poderá ser acionado de forma regressiva.

No âmbito do citado acórdão, decidiu-se que:

Vê-se, então, que o § 6º do art. 37 da Constituição Federal consagra uma dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória con-tra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente, perante a pessoa jurí-dica a cujo quadro funcional se vincular.

Logo, não assiste razão ao apelado ao defender a tese de que o servidor deve permanecer no polo passivo da demanda, sobretudo porque o precedente por ele citado – REsp 1.325.862 –, malgrado seja posterior ao julgado do STF, é contrário ao entendimento da Suprema Corte, órgão a que compete pacificar a inteligência da Constituição da República, e, in casu, especificamente do art. 37, § 6º.

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Sendo assim, de ofício, reconheço a ilegitimidade passiva do réu Jean Michel Costa do Amaral. E, em consequência, atribuo ao autor a incumbência de pagar honorários advocatícios no valor de R$ 2.000,00, observada a justiça gratuita.

3 MÉRITO

A pretensão recursal não merece ser acolhida, data venia.

Enfatizo, inicialmente, que é dever da Policial Militar do Estado de Minas Gerais zelar pela preservação da ordem pública, bem como exercer as ativida-des de prevenção e repressão criminal, ainda que seja em desfavor de um de seus próprios agentes, conforme era o autor quando dos fatos sub judice.

Inclui-se, nesse dever, o de analisar as notícias de crimes apresentadas por particulares e de contribuir para a instauração de inquérito policial para apurar os fatos, abordar suspeitos, e, quando necessário, efetuar a prisão em fla-grante de quem esteja cometendo conduta equivalente à infração penal, dentre outras situações.

In casu, o que se verifica, após examinar as provas efetivamente produzi-das na espécie, é que o segundo réu agiu no estrito cumprimento de seu dever legal.

Isso, porque, ele procedeu à averiguação de uma denúncia de conduta ilícita por parte do apelante, efetuada por terceiro, a suposta vítima, conforme se vê do Termo de Declarações de fls. 12/13, sendo certo, ainda, que houve a coleta de declarações de uma suposta testemunha (fls. 14/15).

Diante disso, ele determinou a instauração do inquérito policial militar com a oitiva das partes e testemunhas (fls. 16/28), sendo certo, ainda, que o inquérito foi encaminhado ao Ministério Público que ofereceu a denúncia em desfavor do apelante, tendo sido a ação penal julgada improcedente por insu-ficiência de prova.

Também é certo que não há evidência alguma de qualquer abuso, ex-cesso ou má-fé por parte do segundo réu no exercício de suas funções ou na condução dos trabalhos do inquérito.

Assim como é igualmente certo não existir sequer indício de prova do alegado dano moral ou exposição à situação vexatória perante a comunidade onde estava destacado, embora compreenda que o fato de ser investigado e processado possa causar algum incômodo e dissabor, mas não, repita-se, ne-cessariamente o suficiente para configurar dano moral, ônus processual que competia ao apelante e do qual não se desincumbiu.

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Dessa forma, considero que os agentes públicos envolvidos nos fatos re-lativos à causa agiram em estrita observância do dever legal, razão pela qual não há falar em responsabilização do Estado, sobretudo ante a ausência de prova da configuração de dano moral.

Portanto, no caso em comento, sem a demonstração da ilegalidade da instauração de inquérito e ação penal, nem tampouco de abuso, excesso e má--fé por parte do segundo réu, a sentença deve ser mantida para julgar improce-dente o pedido inicial.

4 OS HONORÁRIOS RECURSAIS

Outrossim, na medida em que a sentença foi publicada na vigência da nova lei processual civil – julho de 2016 (fl. 227) –, é necessário que seja ar-bitrada nova verba de sucumbência, nos termos do art. 85, §§ 1º, 2º, 6º, e 11, NCPC.

Dentro desse novo contexto normativo, o vencido no âmbito deste recur-so e da própria causa é a parte autora, e, assim, sob a perspectiva do § 11 do art. 85, NCPC, é necessário observar os §§ 2º a 6º do mesmo artigo.

O cômputo geral dos honorários advocatícios – da sentença e da fase recursal – não pode superar os parâmetros fixados no § 2º do art. 85, NCPC, quando a vencida não é a Fazenda Pública (§ 11).

Na espécie em exame, não houve condenação, pois o pedido inicial foi julgado improcedente e o Juiz a quo fixou a verba honorária da instância de origem em R$ 880,00 (fl. 227).

Assim, como não há valor de condenação e nem proveito econômico obtido, deve-se considerar o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º), cujo valor histórico é de R$ 100.000,00 (fl. 2v).

Assim, atento aos parâmetros dos incisos do citado art. 87, § 2º, fixo os honorários recursais no patamar de 10% do valor atualizado da causa, pois esse é o menor percentual menor possível.

Se a somatória das verbas honorárias ultrapassar o limite do § 2º, o ex-cesso será decotado.

Os valores de ambas as verbas honorárias serão corrigidos pela TR a partir da sentença e do julgamento deste recurso, sendo certo que os juros de mora incidirão pelos índices da caderneta de poupança nos termos da Lei nº 1.960/2009 a contar da citação na execução ou pedido de cumprimento da sentença (art. 85, § 16, NCPC).

Fica, no entanto, observada a suspensão da exigibilidade da referida ver-ba em razão do autor litigar pela justiça gratuita.

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5 CONCLUSÃO

Fundado nessas considerações, de ofício, julgo extinto o processo sem resolução do mérito para reconhecer a ilegitimidade passiva do segundo réu e, no mais, nego provimento ao recurso.

Custas recursais, pelo apelante, observada a justiça gratuita.

Des. Bitencourt Marcondes – De acordo com o(a) Relator(a).

Des. Washington Ferreira – De acordo com o(a) Relator(a).

Súmula: “De ofício, julgaram extinto parcialmente o processo, e, no mais, negaram provimento ao apelo.”

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência8502 – Agente político – vereador – improbidade administrativa – funcionários fantasmas – au­

sência de provas – configuração

“Apelações cíveis. Ação civil pública por ato de improbidade administrativa. Vereador. Assessores parlamentares. Funcionários fantasmas. Ausência de provas de conduta ímproba. Ônus do Ministé-rio Público Estadual. Pedidos iniciais improcedentes. I – Na exegese da Lei nº 8.429/1992 o julgador deve observar as circunstâncias fáticas e probatórias da causa de forma atenciosa, prudente, com bom-senso, porquanto de sua aplicação podem resultar suspensão de direitos políticos, perda de função pública e condenação a ressarcimento ao erário (TJES, Apelação Cível nº 11130168559). II – O ônus da prova recai sobre o órgão de acusação, que deve demonstrar, inequivocamente, que do comportamento ilegal do agente público houve o recebimento de indevida vantagem. III – Con-siderando que a prova dos autos se resume a declarações no âmbito administrativo e depoimen-tos dos envolvidos que nada revelam, encontrando-se desacompanhados de provas outras de ato ímprobo, não há viabilidade jurídica de se caracterizar improbidade administrativa na conduta do vereador e de seus assessores, seja por designação e exercício em trabalho externo, seja tê-lo feito para determinadas regiões específicas do Município, seja porque nada nos autos permite concluir com a robusteza necessária tratarem-se de ‘funcionários fantasmas’. IV – As provas produzidas pelo MPES não se mostram aptas a permitir uma condenação, mormente se considerado que toda a ação está integralmente baseada em depoimentos pessoais que manifestamente não são conclusivos a respeito dos fatos alegados e se não há nos autos qualquer outra prova capaz de reforçar, tampouco de sustentar as alegações iniciais, inviabiliza-se a pretensão condenatória ante a ausência de prova, não desincumbido-se o Ministério Público de seu ônus, pois, repita-se, seu espectro probatório encontra-se extremamente restrito neste caso.” (TJES – Ap 0000158-87.2013.8.08.0006 – Rel. Des. Jorge Henrique Valle dos Santos – DJe 08.08.2017)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RSDA nº 65, maio/2011, ementa nº 4105 do TJRS.

8503 – Anatel – poder regulamentar – ausência de divulgação de novo produto – vício de ra­ zoabilidade ou proporcionalidade – inexistência

“Direito administrativo e processual civil. Telefonia. Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel. Poder regulamentar. Ausência de divulgação de novo produto no modo e prazo adequa-dos. 1. Em face do poder regulamentar atribuído às agências reguladoras, exsurge a possibilida-de de que a Anatel elabore normas regulamentares do setor de telecomunicações, observados os preceitos legais que regem a matéria, e aplique sanções pelo seu descumprimento. 2. No PADO 53500023785/2006, foi imposto à autora multa no valor histórico de R$ 2.615.961,48, por violação aos arts. 3º, IV, da Lei nº 9.472/1997, cláusula 15.1, IV, do contrato de concessão e art. 11, IV e X e art. 41 da Res. 426/2015, por ter deixado de dar ampla publicidade, com antecedência mínima de dois dias, na comercialização, iniciada em 01.07.2006, do plano de acesso individual classe espe-cial. 3. O plano de Acesso Individual Classe Especial – Aice do Serviço de Telefonia Fixo Comutado – STFC é o chamado telefone popular, por meio do qual as famílias inscritas no Cadastro Único dos Programas Sociais do Governo Federal podem ter acesso ao serviço de telefonia fixa, em condições especiais. 4. Em que pese a autora ter veiculado o novo serviço no Jornal Gazeta Mercantil e no seu sítio eletrônico, manifesta a violação do dever de dar plena divulgação ao plano de telefonia popu-lar, vez que o jornal Gazeta Mercantil, com foco em assuntos econômicos e empresariais, era desti-nado a um público absolutamente diverso do usuário de telefonia a baixo custo, além da divulgação somente ter ocorrido em 07.08.2006. 5. A divulgação no sítio eletrônico também ocorreu somente após a comercialização do produto, conforme reconhecido pela própria autora em sua defesa ad-ministrativa. 6. Não cabe ao Judiciário adentrar no mérito administrativo e adotar critério diverso para o cálculo da penalidade, ressaltando que o valor final da multa se encontra dentro dos limites

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previstos na cláusula 26.1 do contrato de concessão, no art. 179 da Lei nº 9.472/1997 e art. 14 da Resolução Anatel nº 344/2003, mais próximo ao mínimo, tendo em vista que a pena pode chegar a R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais), inexistindo, portanto, qualquer vício de razoabilidade ou proporcionalidade. 7. Apelação desprovida.” (TRF 2ª R. – AC 0007594-76.2012.4.02.5101 – 7ª T.Esp. – Relª Juíza Fed. Conv. Edna Carvalho Kleemann – DJe 03.08.2017 – p. 488)

8504 – Aneel – produção de energia – necessidade de sobretarifa – violação dos princípios da eficiência e da isonomia – não configuração

“Apelação. Administrativo. Energia Elétrica. Aneel. Decreto nº 8.401/2015. Produção de energia. Necessidade de sobretarifa. Bandeiras tarifárias. Constitucionalidade. Violação dos princípios da eficiência e da isonomia. Não configuração. Recurso desprovido. 1. A controvérsia cinge-se em perquirir se i) o Decreto nº 8.401/2015, que dispôs sobre a criação de Conta Centralizadora dos Re-cursos de Bandeiras Tarifárias, seria inconstitucional, de modo a haver a interrupção das cobranças relativas às bandeiras tarifárias nas contas de energia elétrica de todos os consumidores do território nacional, e a devolução dos valores cobrados a tal título; e ii) se cabível a condenação da ré ao pa-gamento de indenização por danos morais coletivos. 2. Conforme preceitua a Lei nº 9.427/1996, a Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel tem atribuição e legitimidade para regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal. 3. O Sistema de Bandeiras Tarifárias objetiva informar aos consumidores sobre o aumento nos custos de geração de energia elétrica, a fim de que o consu-midor possua maior controle sobre a sua conta de energia elétrica e adapte seu consumo ao tipo de bandeira referente ao mês. 4. Registra-se que o art. 175, III, da Constituição Federal de 1988 atribuiu à legislação ordinária dispor sobre política tarifária, sendo possível a fixação por lei de sobretarifa com natureza de tarifa, para criar metas de consumo e de um regime especial de tarifação para ges-tão da crise de energia elétrica. 5. Impende ressaltar que a geração, a transmissão e a distribuição de energia elétrica compreendem etapas da cadeia energética remuneradas pela tarifa cobrada dos usuários finais, de modo que qualquer alteração de custos atinentes a qualquer fase dessa cadeia deverá ser remunerada pelos usuários, eis que inerente ao serviço público. 6. Não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade no Decreto nº 8.401/2015, porquanto em perfeita harmonia com o ordenamento jurídico brasileiro, visto que tal Decreto não extrapola os limites da Constituição Federal de 1988, tampouco da Lei nº 9.427/1996 e está consoante com a ideia de prestação ou de continuidade de oferecimento do serviço de energia elétrica. 7. Melhor sorte não assiste à autora quando invoca a violação ao Princípio da Eficiência em razão da escolha pela energia produzida pelas usinas termoelétricas como alternativa à produção insuficiente das usinas hidroelétricas. Isso porque tal atividade compete à Administração Pública, dentro do seu poder discricionário e aten-dendo aos seus interesses. 8. Ademais, também não encontra guarida a alegação do apelante de que teria havido violação ao Princípio da Isonomia em virtude da tarifação diferenciada entre os usuá-rios. 9. O Sistema de Bandeiras Tarifárias deve ser interpretado à luz do Princípio da Igualdade ma-terial, em que se pretende onerar de forma proporcional os consumidores que se utilizam do serviço público de energia elétrica, visto que corresponde a uma nova forma de ser feita a cobrança, e não a mais um ônus para o consumidor. 10. Além disso, rechaçam-se quaisquer violações ao Código de Defesa do Consumidor, uma vez que as cobranças referentes às bandeiras tarifárias se relacio-nam com os serviços prestados, não havendo abusividade na cobrança. 11. Apelação desprovida.” (TRF 2ª R. – AC 0106784-07.2015.4.02.5101 – 5ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes – DJe 18.07.2017 – p. 618)

8505 – Aneel – sistema de iluminação pública – registrado como ativo imobilizado em serviço – ato normativo – abuso do poder regulamentar – princípio da legalidade – cabimento

“Administrativo. Apelação. Serviço de iluminação pública. Aneel. Resoluções nºs 414/2010 e 479/2012. Transferência aos municípios do sistema de iluminação pública registrado como ativo

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imobilizado em serviço. Ato normativo. Abuso do poder regulamentar. Princípio da legalidade. recurso provido. 1. A Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, que institui a Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel e disciplinou o regime das concessões de serviços públicos de ener-gia elétrica, dispôs, em seu art. 2º, serem atribuições da agência reguladora ‘regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal’. Porém, o poder regulador, inerente às atribuições da agência reguladora, circunda os aspectos técnicos da área, não podendo inovar na ordem jurídica. 2. No exercício de seu poder regulamentar, a Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel editou a Resolução Normativa nº 414/2010, alterada pela Resolução Normativa nº 479/2012, que, em seu art. 218, determina que a distribuidora deve transferir o sistema de iluminação pública registrado como Ativo Imobilizado em Serviço – AIS aos municípios. Referida norma, na prática, tem como finalidade transferir aos municípios a responsabilidade das empresas distribuidoras de energia elé-trica no que tange à manutenção, ampliação e modernização dos pontos de iluminação pública da cidade, acabando por regulamentar a transferência de bens (ativo imobilizado em serviço) da concessionária para a Municipalidade. 3. É certo que o art. 30, V, da Constituição Federal, estabe-lece que compete aos municípios ‘organizar e prestar, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local’. Nesse contexto, não há dúvidas de que o serviço de iluminação pública se inclui na competência do município. Contudo, ao estabelecer referida transferência de deveres, a Aneel violou a autonomia municipal assegurada no art. 18, da Constituição Federal, uma vez que, a princípio, estabeleceu nova obrigação ao município. 4. O fato de o município poder instituir contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública, nos termos do art. 149-A, da Constituição Federal, não lhe obriga a aceitar a transferência compulsória do Ativo Imobilizado em Serviço, tampouco afasta a observância do princípio da legalidade (art. 5º, II, CF). E o art. 175, da Constituição Federal, estabelece que a prestação de serviços públicos deve ocorrer, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, ‘na forma da lei’. Assim, não é pos-sível que uma resolução – ato normativo inferior à lei – trate dessa questão. 5. A transferência dos ativos necessários à prestação do serviço de iluminação pública deveria ter sido disciplinada por lei, e, portanto, verifica-se que a Aneel desbordou de seu poder regulamentar ao editar a Resolução nº 414/2010. 6. Apelação provida.” (TRF 3ª R. – AC 0005808-88.2014.4.03.6106/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho – DJe 09.08.2017 – p. 689)

8506 – Bem público – reintegração de posse – ocupação de próprio nacional – esbulho – mera detenção – indenização – descabimento

“Processual civil. Administrativo. Reintegração de posse. Bem público. Ocupação de próprio na-cional. Esbulho. Mera detenção. Descabimento de indenização. E de perdas e danos. 1. Trata-se de ação de reintegração de posse ajuizada pela União Federal, com vistas a obter: a) o deferimento de reintegração liminar, na posse do imóvel situado na Rua Coelho Cintra, casa 475, Vila Militar da Babilônia, Copacabana, Rio de Janeiro/RJ, cominada com multa diária a ser arbitrada, nos termos do art. 461 do CPC, até que a ré e todos os demais ocupantes liberem o imóvel de propriedade da autora; b) julgamento procedente para que se efetive a reintegração de posse do imóvel em comento; c) condenação no pagamento de perdas e danos decorrentes da ocupação indevida do próprio nacional, equivalentes ao valor do aluguel do imóvel, por mês de ocupação irregular do imóvel, a contar da caracterização do esbulho, tomando-se como referência valores de merca-do; d) condenação em custas e honorários sucumbenciais, no valor de 20% sobre a condenação. 2. Informa que a parte ré ocupa, ilegalmente, imóvel de propriedade da União Federal, afetado ao Comando do Exército, cuja ocupação foi consentida à servidora Maria Lúcia Oliveira Santos, em 30 de abril de 1981. A referida servidora veio a falecer em 05.04.1989, razão pela qual, a Prefei-tura Militar da Zona Sul encaminhou à parte apelante, em 25.04.1989, comunicado requerendo a desocupação do imóvel, no prazo de 60 (sessenta) dias, expirando-se o prazo no dia 03.06.1989. 3. Destaque-se que se trata de quatro ações de reintegração de posse com relação a um único imó-

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vel, habitado pelos réus e que fazem parte de uma mesma família, o que evidencia a identidade de pedido e causa de pedir, justificando a reunião, por conexão, desses feitos, a fim de que não haja possibilidade de decisões contraditórias. 4. Acertada a ação proposta pela União Federal, uma vez que caracterizado o esbulho por parte dos réus, eis que permaneceram no imóvel, mesmo após a notificação para que o desocupassem, viciando aquela posse como precária, em razão da deten-ção indevida do próprio nacional que deveria ter sido restituído ao seu legítimo proprietário, em 04.08.1989, prazo derradeiro, após outras tentativas anteriores realizadas com a mesma finalidade. 5. A ocupação de um próprio nacional residencial por servidor público possui como fundamento o interesse público e, como consectário lógico, tal fundamento persiste enquanto existir vínculo para com a administração pública, a qual deve fiscalizar e controlar a correta utilização desses bens públicos por particulares, estando inserida neste rol de atribuições a verificação de eventual extinção da permissão de uso, quando então, deverá fazer cessar os efeitos do ato administrativo. 6. Os bens públicos só cumprem a função social a que se destinam quando adequadamente utili-zados em proveito da coletividade, sendo certo, que sua utilização exclusiva é uma exceção e só poderá ser considerada compatível com os preceitos constitucionais, quando exercida nos estreitos limites legais. Assinala outrossim, que aquele que se apossa de um bem público fora dos limites legais deve ser considerado posseiro de má-fé, passível da perda daquilo que tiver feito aceder ao bem. 7. Improcedente a pretensão de indenização em perdas e danos requerida pela União Federal, uma vez que ela não faz prova do prejuízo patrimonial sofrido. 8. Improcedente o pedido de indeni-zação pelas benfeitorias realizadas no imóvel, nos termos do art. 71 do Decreto-Lei nº 9.760/1946. Ademais, os réus não comprovaram nos autos terem realizado tais benfeitorias, não servindo de prova o documento de fls. 50/57, do Processo nº 2005.51020248-8 (002024842.2005.4.02.5101). Inexiste qualquer possibilidade de proteção legal e retenção de benfeitorias para a hipótese de ocupação ilegal, ressaltando-se que os réus, há mais de duas décadas já se beneficiaram, indevida-mente, de bem público, não lhes cabendo receber qualquer reembolso. 9. Não merecer provimento o pedido de danos morais, não havendo que se falar em humilhação, angústia, tristeza e dor inten-sa, uma vez que restou reconhecido, pelo juízo, que a detenção do imóvel pelos réus é irregular, inexistindo danos morais a serem indenizados. 10. Inexistindo a figura possessória, mas sim, mera detenção (STJ, REsp 146367), uma vez reclamado, o bem deve ser objeto de devolução imediata, sendo incogitável a retenção do próprio nacional por particulares, entendimento consagrado pelo STJ: O particular jamais exerce poderes de propriedade (art. 1.196 do CC) sobre bem público, impassível de usucapião (art. 183, § 3º, da CF). 11. Remessa conhecida e não provida. Recurso conhecido e não provido.” (TRF 2ª R. – AC-RN 0002310-63.2007.4.02.5101 – 5ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Alcides Martins Ribeiro Filho – DJe 12.07.2017 – p. 212)

8507 – Bem público – usucapião extraordinário – reconhecimento por lei municipal – prescri­ção aquisitiva – impossibilidade

“Constitucional, administrativo e civil. Ação de usucapião extraordinário. Apelação cível. Bem pú-blico. Reconhecimento por lei municipal. Prescrição aquisitiva. Impossibilidade. Inteligência dos art. 183, § 3º da CF e art. 102 do Código Civil. Aplicação da Súmula nº 340 do STF. Manutenção da sentença. Precedentes dos tribunais pátrios e desta Corte de justiça. Conhecimento e desprovimento do apelo.” (TJRN – AC 2014.025600-2 – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Cornélio Alves – DJe 19.07.2017 – p. 51)

Transcrição Editorial SÍNTESESúmula do Supremo Tribunal Federal:

“340 – Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião.”

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8508 – Concurso público – aprovação dentro do número de vagas – contratação de servidor em caráter temporário – mesma função do cargo definitivo – preterição – configuração

“Administrativo. Concurso público. Aprovação dentro do número de vagas do edital. Nomeação dentro da validade do concurso. Direito líquido e certo, salvo situações excepcionais. Contrata-ção de servidor em caráter temporário. Mesma função do cargo definitivo. Preterição configurada. 1. Trata-se de Mandado de Segurança impetrado, com fundamento no art. 105, I, b, da Constituição da República, contra o Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão e o Ministro de Estado da Saúde, que não teriam nomeado e empossado Nilton César Mendes Pereira no cargo de Analista de Gestão em Pesquisa e Investigação Biomédica em Saúde Pública. 2. O impetrante foi aprovado em primeiro lugar para o cargo de Analista de Gestão em Pesquisa e Investigação Biomédica em Saúde Pública, área de atuação específica Processamento Técnico, Disseminação da Informação, Editoração e Impacto da Produção Científica (fl. 93), tendo o Edital nº 68/2010 pre-visto cinco vagas para o referido cargo (fl. 23). 3. Não obstante deva ser considerado que ocorreu a nomeação dos candidatos menos bem classificados um ano após a nomeação do impetrante por medida liminar no presente processo, há necessidade do pronunciamento judicial para legitimação da nomeação precária, sob pena de o ingresso do impetrante no cargo carecer de base jurídica. 4. O Supremo Tribunal Federal decidiu, em julgado exarado sob o rito da Repercussão Geral, que os candidatos aprovados dentro do número de vagas previstas no Edital de abertura de concurso público para provimento de cargos têm direito subjetivo à nomeação e que a Administração tem o dever de nomear até o prazo final de validade do concurso, salvo situações excepcionais devida-mente motivadas. A propósito: RE 598.099 (Repercussão Geral), Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 03.10.2011. 5. Na presente hipótese, o impetrante foi aprovado dentro de número de vagas, mas o Mandado de Segurança foi impetrado no curso de validade do concurso público, o que afasta o direito líquido e certo à nomeação com base no entendimento exarado pelo STF. 6. Por outro lado, o STJ possui entendimento sedimentado de que a contratação de servidor em caráter temporário em detrimento de candidato aprovado em concurso público para provimento de-finitivo gera o direito líquido e certo à nomeação deste. Nesse sentido: MS 20.658/DF, Rel. Min. Og Fernandes, 1ª S., DJe 30.09.2015; MS 17.413/DF, Relª Min. Eliana Calmon, Rel. p/ Ac. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª S., DJe 18.12.2015; MS 18.881/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª S., DJe 05.12.2012; e MS 19.227/DF. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª S., DJe 30.04.2013. 7. O impetrante comprovou que ele próprio está exercendo, como terceirizado, as mesmas funções do cargo para o qual foi aprovado em primeiro lugar (fls. 96 e seguintes). 8. Segurança Concedida. Agravo Regimental da União prejudicado.” (STJ – MS 18.685 – (2012/0119204-3) – 1ª S. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 09.08.2017 – p. 3153)

8509 – Concurso público – aprovação fora do número de vagas – ilegalidade na matrícula do candidato antecedente – não caracterização

“Apelação cível. Concurso público. Aprovação fora do número de vagas. Ilegalidade na matrícula do candidato antecedente. Não caracterização. Certificado conclusão do curso. Utilização até a expedição do certificado ou diploma. Princípio da razoabilidade. Improvimento. 1. A questão a ser enfrentada refere-se a aferir se deve ser desclassificado candidato por descumprimento de pra-zo para entrega de documentos, e consequentemente convocado o candidato subsequente para prosseguir nas fases do certame. 2. O candidato aprovado em concurso público fora do número de vagas tem, via de regra, mera expectativa de direito à nomeação, eis que a Administração Pública detém a discricionariedade de convocar os candidatos de acordo com sua conveniência e opor-tunidade. 3. A fundamentação da sentença assevera que o segundo réu atendeu aos requisitos do edital do concurso no tempo e modo fixados, haja vista que, em que pese ter deixado de apresentar certificado de conclusão do curso de especialização em prótese dentária na fase de demonstração de documentos, concluiu o curso respectivo, mas não logrou ter o certificado a tempo por força de ‘trâmites administrativos’ da UERJ, consoante informado pelo coordenador da faculdade, vindo a fazê-lo no ato de sua matrícula no curso de formação de oficiais do quadro complementar e do

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serviço de saúde, considerado ato de ingresso na Força Armada respectiva, equiparando-se à posse no serviço público civil, constituindo, assim, o marco final para entrega dos documentos exigidos pelo edital, a teor do contido no verbete de Súmula nº 266, do E. STJ, bem como que a ausência de registro do segundo réu como especialista em prótese dentária perante o Conselho Federal de Odontologia não parece constituir em óbice ao concurso, que exige apenas o credenciamento da profissão (art. 4º). 4. Ainda que se viesse a considerar que a apresentação de documentos compro-batórios dos requisitos quanto a escolaridade do candidato deveria se dar impreterivelmente na fase de ‘verificação documental e comprovação dos requisitos biográficos’, como alegado pelo ora ape-lante, e não, como ponderado pelo magistrado, no ato de sua matrícula no curso de formação, em interpretação análoga, no caso de militares, a que considera a posse o momento para comprovação do preenchimento do grau de escolaridade nos cargos civis, em observância ao princípio da razo-abilidade não se afigura legítima a recusa em aceitar a certidão de conclusão de curso apresentada pelo candidato, uma vez cumpridas todas as etapas para a sua obtenção, expedida pela instituição de ensino cursado, quando não se possa atribuir ao candidato a demora na expedição do certifi-cado, mas à burocracia nos trâmites administrativos. 5. A morosidade da expedição do diploma, alheia à vontade da agravante, não pode resultar em prejuízos ao exercício da profissão para a qual se encontra legalmente habilitado, sob pena de afronta ao art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal, que garante o livre exercício de qualquer profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Enquanto pendente a emissão do diploma ou certificado, deve ser aceita a certidão de conclusão de curso superior. 6. No art. 4º do Edital, inciso I, item 2, há previsão de que é requisito comum aos candidatos de todas as áreas e especialidades o registro profissional expedido pelo órgão fiscalizador da profissão, quando existir, o que foi suficientemente atendido pelo candidato. Tal como assinalado na sentença impugnada, a exigência do Edital refere-se ao seu credenciamento no Conselho Profissional, inexistindo exigência de registro como Especialista em Prótese Dentária no órgão profissional. 7. Não houve demonstração de ilegalidade da matrícula do segundo impetrado no posto militar em comento, motivo pelo qual deve ser mantida a sentença que julgou improcedente o pedido autoral. 8. Apelação cível conhecida e não provida.” (TRF 2ª R. – AC 0003376-34.2014.4.02.5101 – 6ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Guilherme Calmon Nogueira da Gama – DJe 09.08.2017 – p. 827)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RSDA nº 128, ago./2016, ementa nº 7934 do STJ.

8510 – Concurso público – EBCT – inaptidão física – não constatação – laudo pericial judicial – reconhecimento

“Administrativo. Concurso público. EBCT. Inaptidão física. Não constatação. Laudo pericial judi-cial. Reconhecimento. Prevalência sobre os exames médicos pré-admissionais. Inversão dos hono-rários de sucumbência. 1. Destoa do razoável a exclusão do candidato do certame, tomando-se por base exame médico admissional, quando comprovado por laudo pericial que inexiste incapacidade laborativa. 2. Indevido o ato de exclusão do autor do certame, visto que, as anomalias existentes não o impedem de realizar as funções inerentes ao cargo pretendido, consoante comprovação da perícia realizada em Juízo que reconheceu que o grau de escoliose detectada não inviabiliza o exercício de qualquer atividade laborativa de Atendente Comercial. 3. Apelação parcialmente provida para determinar a continuidade no processo de contratação do autor. Inversão dos ônus da sucumbência.” (TRF 3ª R. – AC 0009300-87.2006.4.03.6100/SP – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Marcelo Saraiva – DJe 10.08.2017 – p. 309)

8511 – Contrato administrativo – cobrança – prestação de serviços financeiros e outras avenças – rescisão unilateral pela municipalidade – restituição dos valores – possibilidade

“Contrato administrativo. Cobrança. Prestação de serviços financeiros e outras avenças. Adianta-mento de numerário. Rescisão unilateral pela municipalidade. Restituição dos valores. Possibilida-

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de. A rescisão antecipada do contrato obriga a restituição proporcional dos valores antecipados, sob pena de enriquecimento sem causa da Administração. Honorários. Redução. Equidade. Pos-sibilidade. Verba honorária deve ser readequada, de acordo com o trabalho e tempo exigidos do advogado.” (TJSP – Ap 0014038-03.2010.8.26.0152 – Cotia – 10ª CDPúb. – Relª Teresa Ramos Marques – DJe 25.07.2017)

8512 – Contrato administrativo – exclusividade – dispositivos legais tidos por violados – falta de prequestionamento – Súmula nº 211/STJ – reexame de prova – necessidade

“Processual civil. Contrato administrativo. Inadimplemento. Exclusividade. Dispositivos legais tidos por violados. Falta de prequestionamento. Súmula nº 211/STJ. Necessidade de reexame de prova. Súmula nº 7/STJ. Análise de cláusulas contratuais. Súmula nº 5/STJ. Efeitos materiais da revelia não aplicáveis à Fazenda Pública. 1. O Enunciado Administrativo nº 2, aprovado pelo Plenário do Superior Tribunal de Justiça em 09.03.2016, dispõe: ‘Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requi-sitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela juris-prudência do Superior Tribunal de Justiça’. 2. Na espécie, o recurso impugna decisum proferido na vigência do CPC de 1973, sendo exigidos, pois, os requisitos de admissibilidade na forma prevista naquele código de ritos, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do STJ. Sendo assim, incabível a incidência do novo CPC ao caso dos autos. 3. Não se pode conhecer da insur-gência contra a ofensa aos arts. 3º e 54 da Lei nº 8.666/1993, pois os referidos dispositivos legais não foram analisados pela instância de origem. O Superior Tribunal de Justiça entende ser inviável o conhecimento do Recurso Especial quando os artigos tidos por violados não foram apreciados pelo Tribunal a quo, a despeito da oposição de Embargos de Declaração, haja vista a ausência do requisito do prequestionamento. 4. Nesse contexto, caberia à parte recorrente, nas razões do apelo especial, indicar ofensa ao art. 535 do CPC/1973, alegando a existência de possível omissão, pro-vidência da qual não se desincumbiu. Incide, pois, o óbice da Súmula nº 211 /STJ: ‘Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo’. 5. Ainda que seja superado tal óbice, no mérito a irresignação não merece acolhida. Sob esse aspecto, a análise da pretensão recursal concernente à exclusividade demanda a análise de cláusulas contratuais e do contexto fático-probatório dos autos, inalcançáveis pelo STJ, ante o óbice erigido pelas Súmulas nºs 5 e 7 desta Corte. 6. É orientação pacífica deste Superior Tribunal de Justiça segundo a qual não se aplica à Fazenda Pública o efeito material da revelia, nem é admissível, quanto aos fatos que lhe dizem respeito, a confissão, pois os bens e direi-tos são considerados indisponíveis (AgInt-REsp 1358556/SP, Relª Min. Regina Helena Costa, 1ª T., DJe 18.11.2016; AgRg-REsp 117.0170/RJ, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª T., DJe 09.10.2013 e AgRg--EDcl-REsp 1.288.560/MT, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., DJe 03.08.2012). 7. Recurso Especial par-cialmente conhecido e, nessa parte, improvido.” (STJ – REsp 1.666.289 – (2017/0061064-9) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 30.06.2017 – p. 1704)

Transcrição Editorial SÍNTESESúmula do Superior Tribunal de Justiça:

“211 – Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embar-gos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo.”

8513 – Contrato temporário – ação de cobrança – verba remuneratória – ausência de prova do pagamento – configuração

“Direito constitucional. Direito administrativo. Apelação. Ação de cobrança. Contrato administra-tivo temporário. Município de Barbacena. Verba remuneratória. Ausência de prova do pagamento. Ônus do réu. Art. 373, inciso II, do Código de Processo Civil. Honorários advocatícios. Manuten-

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ção. Recurso desprovido. Comprovado o vínculo funcional e a prestação de serviços, o pagamento de verba remuneratória constitui obrigação primária da Municipalidade, sob pena de configurar enriquecimento ilícito do ente público em detrimento do particular. É ônus do Município, para afastar a cobrança, demonstrar o pagamento das verbas pleiteadas pela autora, pois constitui fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do apelado, nos termos do disposto no art. 373, inciso II, do Código de Processo Civil. A ausência de previsão orçamentária não tem o condão de impedir o recebimento dos valores devidos em virtude dos serviços prestados. Não há como reduzir o valor dos honorários advocatícios, quando este não representa ônus excessivo para a Fazenda Pública, e não contraria o disposto no art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil.” (TJMG – AC 1.0056.14.018612-5/001 – 4ª C.Cív. – Rel. Moreira Diniz – DJe 25.07.2017)

8514 – Contrato temporário – servidor público – insuficiência de elementos na análise da regu­laridade – ausência de provas – configuração

“Reexame necessário e apelação cível. Servidor público. Contrato temporário. Insuficiência de ele-mentos que permitam a análise da regularidade da contratação. Ausência de prova do fato constitu-tivo do direito. 1. Na esfera estadual e municipal, diferentes leis regulamentam o assunto da relação contratual, do regime jurídico e os regramentos, sendo imprescindível à análise da situação de fato e de direito o conhecimento da legislação de regência. 2. A regularidade ou o reconhecimento da nulidade do contrato administrativo direciona ao próprio fato constitutivo do direito, já que, aos contratos temporários celebrados pela Administração Pública, quando regulares, aplicam-se as regras dos contratos de direito administrativo, de forma que os direitos salariais dos contratados temporariamente são aqueles estabelecidos no contrato firmado entre as partes, assim como aqueles previstos no art. 7º da Constituição Federal, quando reconhecidos no seu art. 39, § 3º. Por outro lado, havendo irregularidade na contratação, o contratado fará jus, tão somente, ao saldo de salá-rio e ao valor correspondente ao FGTS (precedente do STF). 3. Incumbe ao autor o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do seu direito, sob pena de ser julgado improcedente o pedido.” (TJMG – AC-RN 1.0481.12.010795-0/001 – 4ª C.Cív. – Rel. Renato Dresch – DJe 18.07.2017)

8515 – Desvio de função no serviço público – questão de fato – prova testemunhal – neces­sidade

“Agravo de instrumento. Desvio de função no serviço público. Questão de fato. Prova testemunhal. Necessidade. Recurso provido. 1. Cabe ao magistrado julgar de acordo com seu livre convenci-mento e, para a formação de sua convicção, o juiz apreciará livremente as provas produzidas, motivando, contudo, as decisões proferidas (art. 370, CPC), sob pena de nulidade (art. 93, IX, CF), o que dá ao Magistrado um grande poder de atuação no âmbito da obtenção dos meios de prova. 2. No presente caso, a agravante pretende produzir prova testemunhal a fim de comprovar a ocor-rência de desvio de função em serviço público. 3. Entretanto, neste caso, não se trata de questão eminentemente de direito, cuja solução prescinda da produção de prova testemunhal, uma vez que será necessário atestar o efetivo exercício de função diversa para a qual a agravante foi contratada. 4. Agravo de instrumento a que se dá provimento.” (TRF 3ª R. – AI 0017510-45.2016.4.03.0000/SP – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Valdeci dos Santos – DJe 05.07.2017 – p. 320)

Transcrição Editorial SÍNTESEConstituição Federal:

“Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatu-to da Magistratura, observados os seguintes princípios:

[...]

IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a pre-

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servação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.”

Código de Processo Civil:

“Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas neces-sárias ao julgamento do mérito.

Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou mera-mente protelatórias.”

8516 – Dispensa de licitação – crime do art. 89 da Lei nº 8.666/1993 – demonstração de dolo específico – necessidade

“Apelação criminal. Penal e processual penal. Recurso do MP. Dispensa de licitação. Crime do art. 89 da Lei nº 8.666/1993. Absolvição. Pleito pela reforma da sentença de 1º grau e pela conde-nação da apelante. Impossibilidade. Crime que exige consequência patrimonial danosa à adminis-tração pública. Necessidade da demonstração de dolo específico do agente e de eventual prejuízo ao Erário. Questões não comprovadas. Crime não configurado. Precedentes. Recurso conhecido e desprovido. Consoante entendimento dominante do Superior Tribunal de Justiça consolidado por sua Corte Especial no julgamento da APN 480/MG, para que se configure o crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993, exige-se a comprovação do dolo específico do agente em causar dano à Administração Pública, bem como prejuízo ao Erário. Sendo assim, não tendo, in casu, restado comprovado qualquer consequência patrimonial danosa para o Erário público ou o dolo específico do agente, não se pode considerar praticado o delito de dispensa ou inexigibilidade de licitação fora das hipóteses previstas em lei. Por conseguinte, tal situação faz com que a absolvição da re-corrida seja de rigor, uma vez que o fato narrado evidentemente não constitui infração penal, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal. Absolvição confirmada. Recurso conhecido e desprovido.” (TJCE – Ap 0000146-43.2010.8.06.0165 – Relª Ligia Andrade de Alencar Magalhães – DJe 03.03.2017 – p. 191)

Destaque Editorial SÍNTESEDo voto do Relator destacamos:

“[...]

Destaque-se que tal entendimento é capitaneado pelo que restou decidido pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça no julgamento da APn 480/MG, senão vejamos os julgados abaixo colacionados:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS – DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICI-TAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI – INÉPCIA DA DENÚNCIA – PEÇA INAU-GURAL QUE NÃO DESCREVE OS PREJUÍZOS AO ERÁRIO DECORRENTES DA CONDUTA IMPUTADA AO RECORRENTE – PEÇA VESTIBULAR QUE NÃO ATENDE AOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – MÁCULA CARACTERIZADA – PROVIMENTO DO RECLAMO – 1. O devido processo legal constitucionalmente garantido deve ser iniciado com a formulação de uma acusação que permita ao acusado o exercício do seu direito de defesa, para que eventual cerceamento não macule a prestação jurisdicional recla-mada. 2. Ao interpretar o art. 89 da Lei nº 8.666/1993, esta Corte Superior de Justiça conso-lidou o entendimento de que no sentido de que para a configuração do crime de dispensa ou inexigibilidade de licitação fora das hipóteses previstas em lei é indispensável a comprovação do dolo específico do agente em causar dano ao Erário, bem como do prejuízo à Administração Pública. 3. No caso dos autos, o órgão ministerial consignou apenas que o recorrente, na quali-dade de Prefeito, com a vontade livre e consciente e a intenção de praticar o ato de ilegalidade, teria dispensado licitação sem observar os requisitos legais, a fim de contratar diretamente determinada empresa para que realizasse procedimento licitatório com a finalidade de escolher a instituição financeira mais adequada para prestar serviços financeiros e bancários ao Mu-nicípio, deixando de descrever o efetivo prejuízo ao erário decorrente de sua conduta. 4. Não havendo peça vestibular qualquer menção à ocorrência de danos aos cofres públicos em razão

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da dispensa ilegal de licitação imputada ao recorrente, constata-se a inaptidão da exordial con-tra ele ofertada. Precedentes. 5. Recurso provido para declarar a inépcia da denúncia ofertada contra o recorrente nos autos da Ação Penal nº 0000516-22.2011.8.19.0069.

(STJ, RHC 57222 RJ 2015/0048383-4, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo (Desembar-gador Convocado do TJ/PE), Data de Julgamento: 18.06.2015, T5 – Quinta Turma, Data de Publicação: DJe 25.06.2015)

AGRAVO REGIMENTAL – RECURSO ESPECIAL – PENAL – DISPENSA DE LICITAÇÃO – DE-MONSTRAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO E DE PREJUÍZO AO ERÁRIO – NECESSIDADE – EN-TENDIMENTO FIRMADO PELA CORTE ESPECIAL – RESSALVA DA RELATORA – 1. A Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça, no julgamento da APn 480/MG, acolheu, por maioria, a tese de que é exigível a presença do dolo específico de causar dano ao Erário e a caracterização do efetivo prejuízo para que tipificado o crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993. 2. Agravo regimental improvido.

(STJ, AgRg-REsp 1283987/TO, 2011/0235821-4, Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, Data de Julgamento: 08.10.2013, T6 – Sexta Turma, Data de Publicação: DJe 17.10.2013)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – CRIME DE LICITAÇÃO – DISPENSA DE LICITAÇÃO – DEMONSTRAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO E DE PREJUÍZO AO ERÁRIO – NECESSIDADE DE CARACTERIZAÇÃO – ENTENDIMENTO FIRMA-DO PELA CORTE ESPECIAL – AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO – 1. A Corte Especial deste Tribunal, quando do julgamento da APN 480/MG, em 29.03.2012, acompanhando o entendimento do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal (Inq 2.482/MG, Julgado em 15.09.2011), manifestou-se no sentido de que, para a caracterização do crime previsto no art. 89, da Lei nº 8.666/1993, é imprescindível a comprovação do dolo específico de causar dano à Administração Pública, bem como o efetivo prejuízo ao erário, não sendo suficiente apenas o dolo de desobedecer as normas legais do procedimento licitatório. 2. Na espécie, as informações contidas na inicial acusatória demonstram, em tese, o cometimento de irregula-ridades administrativas, a serem eventualmente apuradas em esfera própria. Entretanto, não vislumbro elementos mínimos aptos a atrair a incidência do tipo penal, não se justificando a condenação do recorrente pelas sanções do art. 89, da Lei nº 8.666/1993. 3. Agravo regi-mental não provido.

(STJ, AgRg-AgRg-REsp 1374278/SP, 2012/0086721-8, Rel. Min. Moura Ribeiro, Data de Julgamento: 18.03.2014, T5 – Quinta Turma, Data de Publicação: DJe 24.03.2014)”

8517 – Dispensa de licitação – improbidade administrativa – fracionamento de valor da obra – imposição de penalidade – configuração

“Apelação cível. Ação civil pública. Improbidade administrativa. Dispensa indevida de licitação. Fracionamento de valor da obra. Ilícito manifesto e típico. Imposição de penalidade. A ação ad-ministrativa de fracionar valor de uma obra como meio para alcançar as condições de dispensa de licitação que gerou contratação direta é ilícito administrativo manifesto, atentatório à condição típica descrita no art. 10, VIII, da Lei Federal nº 8.429/1992, sendo presumido o dano à Administra-ção pela só ausência de seleção pelo regular processo licitatório e privação de seleção de propostas mais favoráveis, daí porque ‘a indevida dispensa de licitação, por impedir que a administração pública contrate a melhor proposta, causa dano in re ipsa, descabendo exigir do autor da Ação Civil Pública prova a respeito do tema’ (STJ, REsp 817.921/SP, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., DJe de 06.12.2012). A imposição penal que teve por base as condições do art. 11, I, c/c art. 12, III, da Lei Federal nº 8.429/1992 quando a penalidade deveria ser superior e baseada no art. 10, VII c/c art. 12, II, da mesma legislação, não pode ser taxada de desproporcional, pelo contrário, a imposi-ção é mesmo leniente. Não provido.” (TJMG – AC-RN 1.0432.13.000261-6/001 – 3ª C.Cív. – Rel. Judimar Biber – DJe 21.02.2017)

Comentário Editorial SÍNTESEPassamos a comentar o acórdão em epígrafe que trata de recursos de apelação cível interpos-tos contra r. sentença.

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A referida sentença julgou parcialmente procedente o pedido inicial, condenado os requeridos nas sanções do art. 12, III, da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), in verbis:

“Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legisla-ção específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

[...]

III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função públi-ca, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Pú-blico ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.”

Assim, sobreveio as apelações.

Em suas razões recursais sustentou:

“[...] em síntese, a primeira apelante, que não houve improbidade administrativa, visto que cada serviço contratado teve diferente objeto e que os contratos foram feitos com dispensa de licitação sob os ditames da Lei Federal nº 8.666/1993.

Aduz, ademais, que os serviços de calçamento realizados eram prestados em continuidade ao iniciado na gestão anterior, não podendo a recorrente não continuar obra iniciada, sob pena de deficiência na prestação do serviço da municipalidade aos seus munícipes, pautando-se no princípio da Continuidade do Serviço Público.

Assevera, outrossim, que restou demonstrado nos autos que não possui conduta desonesta com o bem público, bem como não agiu com dolo ou, até mesmo, culpa, não havendo qual-quer tipo de falha”.

Diante do exposto, o nobre Relator entendeu:

“[...]

E é evidente que a só forma de ação adotada por ambos os administradores na contratação direta de determinados indivíduos para a realização de obra que objetivamente não seria passível de dispensa de licitação, traz, em seu próprio bojo, o dano ao patrimônio público que se viu privado da oportunidade de obtenção de propostas mais vantajosas, além de se fazer tábula rasa do princípio da isonomia e da condição republicana das coisas pertencentes à Administração, e não há dúvida de tal condição, se não vejamos a posição do Superior Tribunal de Justiça sobre a questão:

ADMINISTRATIVO – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – IM-PROBIDADE ADMINISTRATIVA – DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO – ART. 10, VIII, DA LEI Nº 8.429/1992 – ACÓRDÃO QUE, EM FACE DOS ELEMENTOS DE PROVA DOS ATOS, CONCLUIU PELA COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO E PELA CONFIGURAÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – SÚMULA Nº 7/STJ – PREJUÍZO AO ERÁRIO, NA HIPÓTESE – DANO IN RE IPSA – PRECEDENTES DO STJ – AGRAVO REGIMENTAL IMPRO-VIDO – I – Agravo Regimental interposto contra decisão publicada na vigência do CPC/1973. II – No acórdão objeto do Recurso Especial, o Tribunal de origem julgou parcialmente pro-cedente o pedido em Ação Civil Pública, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, na qual postula a condenação dos agravantes, ex-Prefeito e ex-Diretor de Administração do Município de Alumínio/SP, e de outros réus, pela prática de ato de improbidade adminis-trativa, consubstanciado na contratação, sem prévio processo de licitação, de empresa para a realização de Curso de Planejamento Estratégico. Concluiu o acórdão recorrido, em face das provas dos autos, que ‘o fracionamento dos pagamentos foi o artifício utilizado pelos réus para violar o art. 24, II, da Lei nº 8.666/1993, que autoriza a dispensa da licitação apenas nas hipóteses de prestação de serviços de valor reduzido. Configurado o ato ímprobo e a lesão ao erário já que a dispensa indevida da licitação privou o Estado de selecionar a proposta mais vantajosa e/ou econômica aos munícipes de Alumínio’. III – Em se tratando de improbidade administrativa, é firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que ‘a improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das

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condutas descritas nos arts. 9º e 11 da Lei nº 8.429/1992, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do art. 10’ (STJ, AIA 30/AM, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Corte Especial, DJe de 28.09.2011). IV – No caso, o acórdão recorrido, mediante exame do conjunto probatório dos autos, concluiu que ‘foi demonstrado o dolo na prática do ato ímprobo já que “os valores pagos são todos iguais e, ‘coincidentemente’, no exato limite de dispensabilidade da realização de licitação quando foram emitidos”’. V – Nos termos em que a causa foi decidida, infirmar os fundamentos do acórdão recorrido, para acolher a pretensão dos agravantes e afastar sua condenação pela prática de ato de improbidade administrativa, por não ter sido comprovado o dolo, demandaria o reexame de matéria fática, o que é vedado, em Recurso Especial, nos termos da Súmula nº 7/STJ. Nesse sentido: STJ, AgRg-AREsp 210.361/PE, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe de 01.06.2016; AgRg-AREsp 666.459/SP, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª T., DJe de 30.06.2015; AgRg-AREsp 535.720/ES, Rel. Min. Gurgel de Faria, 1ª T., DJe de 06.04.2016. VI – Quanto à alegada ausência de dano ao Erário, o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência no sentido de que ‘a indevida dispensa de licitação, por impedir que a administração pública contrate a melhor proposta, causa dano in re ipsa, descabendo exigir do autor da ação civil pública prova a respeito do tema’ (STJ, REsp 817.921/SP, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., DJe de 06.12.2012). Com efeito, ‘a contratação de serviços advocatícios sem procedimento licitatório, quando não caracterizada situação de inexigibilidade de licita-ção, gera lesividade ao erário, na medida em que o Poder Público deixa de contratar a melhor proposta, dando ensejo ao chamado dano in re ipsa, decorrente da própria ilegalidade do ato praticado, conforme entendimento adotado por esta Corte. Não cabe exigir a devolução dos valores recebidos pelos serviços efetivamente prestados, ainda que decorrente de contratação ilegal, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração Pública, circunstância que não afasta (ipso facto) as sanções típicas da suspensão dos direitos políticos e da proibição de contratar com o poder público. A vedação de restituição não desqualifica a infração inserida no art. 10, VIII, da Lei nº 8.429/1992 como dispensa indevida de licitação. Não fica afastada a possibilidade de que o ente público praticasse desembolsos menores, na eventualidade de uma proposta mais vantajosa, se tivesse havido o processo licitatório (Lei nº 8.429/1992 – art. 10, VIII)’ (STJ, AgRg-AgRg-REsp 1.288.585/RJ, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembar-gador convocado do TRF/1ª Região), 1ª T., DJe de 09.03.2016). Nesse mesmo sentido: STJ, AgRg-REsp 1.512.393/SP, Rel. Min. Mauro Cambell Marques, 2ª T., DJe de 27.11.2015. VII – Agravo Regimental improvido. (AgRg-AREsp 617.563/SP, Relª Min. Assusete Magalhães, 2ª T., J. 04.10.2016, DJe 14.10.2016)

[...]

Na verdade, tivesse o digno Juízo aplicado a pena segundo a ótica das condições típicas do art. 10, VIII, c/c art. 12, II, da Lei Federal nº 8.429/1992, a penalidade mínima seria multa no valor de ate duas vezes o valor dos contratos firmados, cinco anos de proibição de contratação ou recebimento de benefício fiscal ou creditício por cinco anos e perda dos direitos políticos de cinco a oito anos, o que revela que a pena aplicada para cada um dos impetrantes, pelo digno Juízo, seria mesmo leniente em relação àquela que poderia ser imposta, de modo que o valor só não será modificado nesta instância em face da impossibilidade de reforma em prejuízo dos recorrentes, na ausência de recurso voluntária da parte contrária.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso.”

Dessa forma, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais negou provimento ao recurso.

8518 – Ensino superior – cumulação de bolsa de estudos – doutorado com o exercício de ativi­dade remunerada de magistério – possibilidade

“Administrativo. Mandado de segurança. Ensino superior. Possibilidade de cumulação de bolsa de estudos em doutorado com o exercício de atividade remunerada de magistério. Portaria Conjunta Capes/CNPQ nº 01/2010. Reexame necessário improvido. 1. Trata-se de reexame necessário da r. sentença proferida em 07.12.2015 em mandado de segurança (fls. 154/162) que concedeu a ordem, confirmando a medida liminar deferida (fls. 98/104), para assegurar ao impetrante, doutorando em Química pela FUFMS, a manutenção e recebimento integral da bolsa de estudos mantida pela Capes. 2. O impetrante é doutorando em Química pela FUFMS e recebe bolsa de estudos mantida pela Capes, sendo que no decorrer do curso de Doutorado, logrou aprovação no concurso público

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do Estado de Mato Grosso do Sul para exercer a função de professor de Química da rede pública de ensino. Ainda, o impetrante apresentou uma carta de anuência assinada pelo professor orientador, que atestou que as atividades a serem desempenhadas por Alex Fonseca Souza estão de acordo com a área de atuação e de interesse para a formação acadêmica, científica e tecnológica do discente. 3. Perfeito alinhamento entre a r. sentença e a Portaria Conjunta Capes/CNPq nº 01/2010 (que dispõe sobre o recebimento da complementação financeira dos bolsistas da Capes e do CNPq matri-culados em programas de pós-graduação no país), arts. 1º e 2º. 4. Precedentes das Cortes Regionais: TRF 1ª R., Apelação nº 00722246220144013400, 5ª T., Rel. Des. Fed. Néviton Guedes, e-DJF1 03.06.2016; TRF 5ª R., Ap-Reex 00054604420114058200, 1ª T., Rel. Des. Fed. José Maria Lucena, DJe 15.08.2013. 5. Remessa oficial desprovida.” (TRF 3ª R. – RNC 0010080-55.2014.4.03.6000/MS – 6ª T. – Rel. Des. Fed. Johonsom Di Salvo – DJe 18.07.2017 – p. 115)

8519 – Ensino superior – servidor público estadual – remoção ex officio – aplicabilidade da norma inserta no art. 1º da Lei nº 9.536/1997 – possibilidade

“Embargos de declaração no agravo interno no recurso especial. Administrativo. Ensino superior. Servidor público estadual. Remoção ex officio. Aplicabilidade da norma inserta no art. 1º da Lei nº 9.536/1997. Possibilidade. Ausência de omissão no julgado. Embargos de declaração da insti-tuição de ensino rejeitados. 1. Os Embargos de Declaração destinam-se a suprir omissão, afastar obscuridade, eliminar contradição ou corrigir erro material existente no julgado. 2. No caso em apreço, não se constata a presença de qualquer eiva a macular o acórdão embargado que, de forma clara e fundamentada, reconheceu que a prerrogativa inserta no art. 1º da Lei nº 9.536/1997 se estende aos Servidores Públicos Estaduais, de modo a garantir a transferência do aluno a Insti-tuição de Ensino congênere na hipótese de remoção de ofício. 3. Assim, não havendo a presença de quaisquer dos vícios elencados no art. 1.022 do CPC/2015; a discordância da parte quanto ao conteúdo da decisão não autoriza o pedido de declaração, que tem pressupostos específicos, e não podem ser ampliados. 4. Embargos de Declaração da Instituição de Ensino rejeitados.” (STJ – EDcl-AgInt-REsp 1.330.614 – (2012/0129878-2) – 1ª T. – Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho – DJe 28.06.2017 – p. 1081)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 9.536/1997:

“Art. 1º A transferência ex officio a que se refere o parágrafo único do art. 49 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, será efetivada, entre instituições vinculadas a qualquer siste-ma de ensino, em qualquer época do ano e independente da existência de vaga, quando se tratar de servidor público federal civil ou militar estudante, ou seu dependente estudante, se requerida em razão de comprovada remoção ou transferência de ofício, que acarrete mudança de domicílio para o município onde se situe a instituição recebedora, ou para localidade mais próxima desta.”

8520 – Fraude em licitação – autoria e materialidade – demonstração – absolvição – não cabi­mento

“Direito penal e processual penal. Fraude à licitação. Art. 96, inciso IV, da Lei nº 8.666/1993. Autoria e materialidade. Dolo específico. Alteração da qualidade de produtos. Inobservância de edital licitatório. Prejuízo à Fazenda Pública. Condenação mantida. 1. Havendo demonstração de autoria e de materialidade, descabe o pedido de absolvição do réu. 2. Afigura-se dolosa a conduta do réu que frauda licitação, entregando produtos com qualidade inferior à exigida no edital do certame e auferindo proveito econômico indevido. 3. Não há falar em negligência ainda que a Administração Pública tenha aprovado previamente os materiais divergentes da previsão editalícia, uma vez que evidenciado o dolo do agente. 4. Recurso conhecido e desprovido.” (TJDFT – Proc. 20110110804134APR – (994009) – 3ª T.Crim. – Rel. Waldir Leôncio Lopes Júnior – J. 17.02.2017)

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Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de recurso de apelação interposto contra r. sentença, que nos autos da ação penal, julgou procedente a pretensão punitiva do Estado e condenou-o como incurso nas penas do art. 96, IV, Lei nº 8.666/1993, a 3 (três) anos de detenção e 10 (dez) dias-multa, à razão de 5 (cinco) vezes o valor do salário mínimo, substituída por duas penas restritivas de direitos.

Em suas razões recursais o apelante requer: “[...] o reconhecimento da atipicidade da conduta, uma vez que o edital licitatório não foi expresso quanto ao diâmetro do material, exigido em pa-drões diversos dos habituais de mercado, nem em relação à quantidade. Também argumenta ausência de dolo específico na conduta. Alega que o réu foi negligente, ao agir culposamente para a produção do resultado. Razões pelas quais pretende sua absolvição”.

O Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios apresentou contrarrazões, “[...] Refu-tou a tese defensiva ao argumento de que os danos foram consideráveis; a conduta foi dolosa e reconhecida pelo réu no interrogatório, inclusive; e se, havia falhas no edital licitatório, quanto às especificações do objeto licitado, o recorrente deveria ter contatado a Administração Pública para esclarecimentos e correções, tempestivamente”.

Diante do exposto, o nobre Relator entendeu:

“[...]

Não merece prosperar a tese defensiva de que a conduta praticada foi atípica, uma vez que o recorrente teria atendido regularmente as determinações da Administração Pública, ao entre-gar produtos idênticos ao previamente aprovado pelos responsáveis pelo certame.

Conforme consignado na sentença apelada (fls. 776-776v): ‘[...] dos elementos coligidos aos autos, é possível observar ter sido realizado, pela Administração Pública, o Pregão Eletrônico nº 823/2008 (fls. 470/511), no qual se visava a obtenção de diversos itens para instalação de placas de sinalização de trânsito, de responsabilidade da Secretaria de Transporte do Distrito Federal.

[...]

O objeto licitado apresentou descrição pormenorizada dos materiais os quais deveriam ser entregues, sendo sagrada vencedora a empresa New Sol, de propriedade do acusado. Todavia, constatou-se cabalmente que, apesar da entrega de materiais, estes não o foram em sua tota-lidade e da maneira especificada.

Notou-se, consoante o laudo pericial (fls. 600/623), a ausência de alguns itens como, trava roscas de alta resistência e da peça denominada “chumbador”. As tampas plásticas pequenas não encaixavam na extremidade dos suportes. Além disto, observou-se a diferença de 0,74 mm, a menos, na espessura das pelas entregues. Por fim, notou-se que os tubos de aço foram entregues sem passar pelo processo de galvanização’.

Ademais, conforme ressaltado nas contrarrazões do MP, eventuais inconsistências no edital deveriam ter sido questionadas durante o processo licitatório.

Não cabe ao réu, neste momento, tentar furtar-se de sua responsabilidade, apontando du-biedades e tentando justificar seu deliberado intento de fraudar licitação, no fato de ter apre-sentado objetos desconformes com o edital para ‘avaliação prévia’, com resultado positivo da Administração Pública.

[...]

Assim sendo, comprovada a materialidade e autoria delitiva, não há falar em absolvição do acusado” (fls. 783-783v).

O dolo é elemento subjetivo extraído das circunstâncias do fato criminoso e não necessária e unicamente da mente do agente. O decreto condenatório fundamentou que o apelante agiu com consciência e vontade de praticar o tipo penal imputado e auferiu proveito econômico indevido, como decorrência do crime.

Dessa forma, não há razão na tese de que a conduta praticada pelo réu foi meramente culposa e, portanto, atípica, por ausência de previsão do tipo culposo, o elemento subjetivo doloso está devidamente demonstrado nos elementos processuais, e o pedido de absolvição é descabido.

Para corroborar, colaciona-se julgado desta Casa que, em crime diverso, mas também previsto na lei de licitações, concluiu do seguinte modo:

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“RECURSOS DE APELAÇÃO CRIMINAL – FRAUDE À LICITAÇÃO (ART. 96, INCISO II, DA LEI Nº 8.666/1993) – SENTENÇA CONDENATÓRIA – RECURSOS DA DEFESA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO – PRELIMINAR – NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO ACOLHI-MENTO – PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – MATERIALIDADE E AUTORIA DO CRIME DEVIDAMENTE DEMONSTRADAS – DOLO NA CONDUTA – APLICAÇÃO DA PENA – PEDIDO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA MAJORAÇÃO DA PENA – PARCIAL ACOLHI-MENTO – AVALIAÇÃO DESFAVORÁVEL DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME – PEDIDO DA DEFESA DE AFASTAMENTO DA AVALIAÇÃO NEGATIVA DAS CONSEQUÊNCIAS DO CRIME INVIABILIDADE – DECRETAÇÃO DA PERDA DOS VALORES AUFERIDOS COM A PRÁTICA DELITUOSA – AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO – RECURSOS CONHECIDOS, PRELIMINAR REJEITADA E, NO MÉRITO, PARCIALMENTE PROVIDO O RECURSO MINISTERIAL E NÃO PROVIDO O RECURSO DA DEFESA

[...]

2. O acervo probatório dos autos não permite acolher o pedido de absolvição formulado pelo recorrente. Ficou demonstrado que a conduta do réu ajustou-se ao tipo penal descrito no art. 96, inciso II, da Lei de Licitações, na medida em que, como dono e representante da em-presa, ofereceu um produto como perfeito, ciente de que sua empresa não atendia aos padrões mínimos de funcionamento, atuando com consciência e vontade de fraudar a Fazenda Públi-ca, causando-lhe prejuízo, consistente no pagamento do valor contratado para aquisição do café. Devidamente configurado, pois, o crime de fraude à licitação.

[...]

(Acórdão nº 831963, 20110110616760APR, Relator: Roberval Casemiro Belinati 2ª T.Crim., Data de Julgamento: 06.11.2014, Publicado no DJe 27.11.2014, p. 129) – destaquei.

[...]

Ante o exposto, conheço do recurso interposto [...] e a ele nego provimento, prestigiando inteiramente a sentença condenatória, que o condenou com o incurso nas penas do art. 96, inciso IV, da Lei nº 8.666/1993.

É o meu voto.”

Assim, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios conheceu o recurso e negou-lhe provimento.

8521 – Improbidade administrativa – concurso público – cargos do corpo de bombeiros militar – indiciamento ou procedimento a atribuir ao agente ato criminoso – inexistência

“Processual civil e administrativo. Ação civil pública. Improbidade administrativa. Concurso públi-co para provimento de cargos do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro realizado em 1998. Prescrição da pretensão punitiva. Art. 23 da Lei nº 8.429/1992 (LIA). Inexistência de mero indiciamento ou procedimento a atribuir ao agente ato criminoso. Tese não analisada pelo tribunal de origem. Ausência de prequestionamento. Súmula nº 211/STJ. Exame de matéria de direito local. Lei estadual nº 427/1981. Súmula nº 280/STF. Elemento subjetivo. Dolo. Reconhecimento pelo tribunal de origem. Dosimetria. Sanção. Matéria fático-probatória. Súmula nº 7/STJ. Art. 11 da Lei nº 8.429/1992. A ofensa a princípios administrativos, em regra, independe da ocorrência de dano ou lesão ao erário. Não conhecimento do recurso pela alínea a. Dissídio pretoriano prejudicado. 1. Cuida-se, na origem, de Ação de Improbidade Administrativa proposta pelo Ministério Público estadual contra os ora recorrentes, objetivando a condenação destes pela prática de atos ímprobos, em razão dos seguintes fatos apurados: esquema de fraudes ocorrido no concurso público realiza-do no ano de 1998 visando ao provimento de diversos cargos do Corpo de Bombeiros Militar do Estado Rio de Janeiro. 2. No tocante à tese de que não se poderiam amoldar os supostos atos de improbidade aos tipos penais previstos no Código Penal Militar, porquanto ‘é fato incontroverso nos autos a ausência de mero indiciamento ou procedimento a incutir no agente ato criminoso’, constata-se ausente o indispensável prequestionamento. 3. Assente no STJ o entendimento de que é condição sine qua non para que se conheça do Especial que tenham sido ventiladas, no do acórdão objurgado, as questões indicadas como imprescindíveis à solução da controvérsia. 4. Nesse contex-to, caberia aos recorrentes, nas razões do apelo especial, indicar ofensa ao art. 535 do CPC/1973,

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alegando a existência de possível omissão, providência da qual não se desincumbiram. Incide, pois, o óbice da Súmula nº 211/STJ: ‘Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despei-to da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo’. 5. Ademais, o art. 23, inciso II, da LIA prevê a propositura da Ação no ‘prazo prescricional previsto em lei es-pecífica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público [...]’. 6. A lei específica seria a Lei Estadual nº 427/1981, que estabelece o prazo prescricional de 6 (seis) anos, em caso de infração administrativa que configure ilícito penal (art. 17, parágrafo único), mas prevê ainda que, nos casos também previstos no Código Penal Militar (CPM) como crime, prescreve nos prazos nele estabelecidos (arts. 251, 311, 312 e 315). Assim, nos termos do art. 125, inciso IV, do CPM, o prazo, neste caso, seria de 12 anos. 7. Para impugnar essa construção, não basta o exame do dispositivo da LIA, mas sim do sistema de coordenação de normas, o que, ao contrário do que afirmado pelos recorrentes, passa por preceito infralegal e exige sua interpretação. Por isso, incide o obstáculo da Súmula nº 280/STF. 8. O entendimento do STJ é de que, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas prescrições da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previs-tos nos arts. 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do art. 10. 9. É pacífico nesta Corte que o ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da Lei nº 8.429/1992 exige a demonstração de dolo, o qual, contudo, não precisa ser específico, sendo suficiente o dolo genérico. 10. Assim, para a correta fundamentação da condenação por improbidade administrativa, é imprescindível, além da subsunção do fato à norma, estar caracterizada a presença do elemento subjetivo. A razão para tanto é que a Lei de Improbidade Administrativa não visa punir o inábil, mas sim o deso-nesto, o corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé. Precedentes: AgRg-REsp 1.500.812/SE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 28.05.2015; REsp 1.512.047/PE, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 30.06.2015; AgRg-REsp 1.397.590/CE, Relª Min. Assusete Magalhães, 2ª T., DJe 05.03.2015; AgRg-AREsp 532.421/PE, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe 28.08.2014. 11. O Tribunal de origem, ao analisar a controvérsia, concluiu expressamente que está presen-te o elemento subjetivo necessário à configuração do ato ímprobo previsto no art. 11 da Lei nº 8.429/1992. A revisão desse entendimento demanda o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que não é possível em Recurso Especial, em face do óbice da Súmula nº 7/STJ. Nesse sentido: AgRg-AREsp 473.878/SP, Relª Min. Marga Tessler (Juíza convocada do TRF 4ª Região), 1ª T., DJe 09.03.2015, e REsp 1.285.160/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 12.06.2013. 12. Esclareça-se que o entendimento firmado na jurisprudência do STJ é de que, como regra geral, modificar o alcance da sanção aplicada pela instância de origem exige reapreciação dos fatos e da prova, obstada nesta instância especial. Nesse sentido: AgRg-AREsp 435.657/SP, Rel. Min. Humber-to Martins, 2ª T., DJe 22.05.2014; REsp 1.252.917/PB, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 27.02.2012; AgRg-AREsp 403.839/MG, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª T., DJe 11.03.2014; REsp 1.203.149/RS, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., DJe 07.02.2014; e REsp 1.326.762/SE, Rel. Min. Her-man Benjamin, 2ª T., DJe 17.09.2013. 13. Cabe esclarecer, quanto ao art. 11 da Lei nº 8.429/1992, que a jurisprudência do STJ, com relação ao resultado ato, firmou-se no sentido de que configura ato de improbidade a lesão a princípios administrativos, o que, em regra, independe da ocorrência de dano ou lesão ao Erário. Nesse sentido: REsp 1.320.315/DF, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., DJe 20.11.2013; AgRg-REsp 1.500.812/SE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 28.05.2015; REsp 1.275.469/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Ac. Min. Sérgio Kukina, 1ª T., DJe 09.03.2015, e AgRg-REsp 1.508.206/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 05.08.2015. 14. A análise da pretensão recursal de demonstrar que as sanções aplicadas não observaram os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, com a consequente modificação do entendimento manifestado pelo Tribunal de origem, exige o reexame de matéria fático-probató-ria dos autos, o que é vedado em Recurso Especial, nos termos da Súmula nº 7/STJ. 15. Assinale-se, por fim, que fica prejudicada a análise da divergência jurisprudencial quando a tese sustentada já foi afastada no exame do Recurso Especial pela alínea a do permissivo constitucional. 16. O STJ en-tende que é indevido o ressarcimento ao Erário dos valores gastos com contratações, sem concurso público, pelo agente público responsável quando efetivamente houve contraprestação dos serviços,

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para não configurar enriquecimento ilícito da Administração (EREsp 575.551/SP, Relª Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, DJe 30.04.2009). A sanção de ressarcimento, prevista no art. 12, III, da Lei nº 8.429/1992, só é admitida na hipótese de ficar efetivamente comprovado o prejuízo patrimonial ao erário. Enfatizou-se no referido julgado a possibilidade de responsabilizar o agente público nas esferas administrativa, cível e criminal. 17. Precedentes: AgRg-AREsp 488.608/RN, Relª Min. Marga Tessler (Juíza Federal Convocada do TRF 4ª Região), 1ª T., DJe 19.12.2014; REsp 1200379/MG, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., DJe 23.10.2013; REsp 1214605/SP, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., DJe 13.06.2013; REsp 878.506/SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T., DJe 14.09.2009. 18. Recurso Espe-cial de Paulo Gomes dos Santos Filho, Vadeir Dias Pinna parcialmente conhecidos e, nessa parte, não providos. Recurso do Ministério Público do Estado Rio de Janeiro não provido.” (STJ – REsp 1.659.553 – (2016/0077871-6) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 30.06.2017 – p. 1627)

Destaque Editorial SÍNTESEDo voto do Relator destacamos os seguintes julgados:

“[...]

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – RECURSO ESPECIAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – SERVIDOR PÚBLICO – MUNICÍPIO DE ERECHIM – AQUISIÇÃO DE IMÓVEIS PELA PREFEITURA MUNICIPAL – EXPROPRIAÇÃO AMIGÁVEL – APROPRIAÇÃO ILEGAL DE PARTE DO VALOR POR SERVIDOR PÚBLICO E TERCEIRO – INCIDÊNCIA DOS ARTS. 1º E 3º DA LEI Nº 8.429/1992 – ART. 535 DO CPC – VIOLAÇÃO NÃO CARACTERIZADA – DOSIMETRIA – ART. 12 DA LIA – PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE – SÚMULA Nº 7/STJ – DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DE-MONSTRADO

1. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamen-te, as questões essenciais ao julgamento da lide.

2. Os arts. 1º e 3º da Lei nº 8.429/1992 são expressos ao prever a responsabilização de to-dos, agentes públicos ou não, que induzam ou concorram para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficiem sob qualquer forma, direta ou indireta.

3. Diante do óbice da Súmula nº 7/STJ, a verificação da proporcionalidade e da razoabilidade da sanção aplicada pelo Tribunal de origem não pode ser feita em recurso especial.

4. Não havendo violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, modificar o quantitativo da sanção aplicada pela instância de origem, no caso concreto, enseja reaprecia-ção dos fatos e provas, obstado nesta instância especial (Súmula nº 7/STJ).

5. Recursos especiais conhecidos em parte e não providos.

(REsp 1203149/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª T., J. 17.12.2013, DJe 07.02.2014)

ADMINISTRATIVO – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – PENALIDADES – CUMULAÇÃO – POSSIBILIDADE – ART. 12 DA LEI Nº 8.429/1992, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 12.120/2009 – PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE – REEXAME DE FATOS E PROVAS – IMPOSSIBILIDADE – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7/STJ

1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental em obediência aos princípios da economia processual e da fungibilidade.

2. Nos termos da jurisprudência do STJ, cada inciso do art. 12 da Lei nº 8.429/1992 traz uma pluralidade de sanções, que podem ser aplicadas cumulativamente, cabendo ao magistrado a sua dosimetria, como bem assegura o seu parágrafo único.

3. Hipótese em que as penalidades foram aplicadas de forma razoável e proporcional ao ato praticado não merecendo reforma o acórdão recorrido. Ademais, modificar o posicionamento adotado pela instância ordinária envolve o reexame de provas, o que é inviável em recurso especial, ante o óbice da Súmula nº 7/STJ. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, mas improvido.”

(EDcl-AREsp 360.707/PR, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., J. 05.12.2013, DJe 16.12.2013)

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8522 – Improbidade administrativa – contradição – prova – autoria incerta da adulteração – dano ao erário – reconhecimento

“Improbidade administrativa. Aplicação de severas penalidades. Ausência de fundamentação. Con-tradição. Prova. Autoria incerta da adulteração. Dano ao erário. Valor pouco significativo. Recurso especial parcialmente provido. 1. Cuida-se, na origem, de Ação de Improbidade Administrativa proposta pelo Ministério Público estadual contra o ora recorrente, Prefeito do Município de São Simão, objetivando a condenação deste pela prática de ato ímprobo, consistente na adulteração de Nota Fiscal com objetivo de enriquecer ilicitamente, causando dano ao Erário. 2. O Juiz de 1º grau julgou procedente o pedido. 3. O Tribunal a quo negou provimento à Apelação do ora recorrente. 4. Verifica-se que não há no v. acórdão recorrido, fundamentação para a aplicação das severas penalidades, quais sejam: o ressarcimento integral do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos por oito anos, pagamento de multa civil equivalente a três vezes o proveito patrimonial auferido (R$ 540,00) e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos. 5. Reconheceu o Tribunal a quo que não foi possível confirmar a autoria das adulterações e que o prejuízo causado ao Erário é pouco significativo: R$ 180,00 (cento e oitenta reais). Contudo, manteve as severas penas aplicadas pela sentença, sem fundamentá-las. As sanções in casu até podem ser mantidas, mas desde que o Tribunal de origem apresente os fundamentos que as justificam. 6. Constata-se, ainda, que o v. acórdão recorrido é contraditório, no momento em que afirma que as penas são razoáveis ‘visto à gravidade dos atos ímprobos’, mas, por outro lado, consigna que não tem como comprovar que o réu, ora recorrente, foi o autor das adulterações e que o dano causado ao Erário é de ‘valor pouco significativo’, isto é, de R$ 180,00 (cento e oitenta reais). 7. Assim, além da ausência de fundamen-tação no decisum para justificar as graves penas aplicadas, o acórdão recorrido parece ser contra-ditório com a prova produzida. Realço que falsificar documentos é ilícito grave, mesmo quando o valor em questão não seja elevado. 8. Nesse sentido, reconhece-se a ofensa ao art. 458, inciso II, do CPC/1973. 9. Recurso Especial parcialmente provido para anular o acórdão e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que profira novo julgamento.” (STJ – REsp 1.591.461 – (2015/0244965-7) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 01.08.2017 – p. 3787)

8523 – Improbidade administrativa – contratação de empresa – fornecimento de mão de obra – ausência de concurso – configuração

“Apelação cível. Ação civil pública. Improbidade administrativa. Contratação de empresa para for-necer mão de obra para desempenhar função típica da administração pública. Ausência de concur-so público para preenchimento dos cargos. Controvérsia que versa sobre o valor da multa civil apli-cada na sentença. Parte autora que não nega a contratação feita através de licitação, na modalidade de pregão presencial. Alegação da 1ª apelante, de que agiu de boa-fé e que não houve prejuízo ao erário público, ou enriquecimento ilícito, tendo o Tribunal de Contas concordado com os preços praticados, que não são suficientes para justificar a conduta ilícita. Tipo de mão de obra contratado que se encontra inserido no quadro de pessoal permanente do Município, com funções típicas de servidor público. Indispensável o preenchimento do cargo por via de concurso público, sob pena de violação ao disposto no art. 37, II e IX da CF/1988 e aos princípios da legalidade, moralidade impessoalidade que devem nortear os atos da Administração Pública. Ato ímprobo praticado que se enquadra no descrito no art. 11, caput e inciso I da Lei nº 8.429/1992. O fato de não ter havido dano ao Erário ou enriquecimento sem causa da 1ª apelante não a exime de responsabilidade pela violação aos deveres constitucionais inerentes ao cargo que ocupa, e também pela lesão ao inte-resse público. Conduta lesiva deve ser punida com rigor, a fim de garantir a força normativa da Lei. Aplicação de multa pelo Tribunal de Contas e na Ação Civil Pública que não configura bis in idem. Condenação imputada pelo Tribunal de Contas, na esfera administrativa que não se confunde com a sanção pelo cometimento de ato de improbidade administrativa, uma vez que esta última deriva

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de um ilícito civil, enquanto que a 1ª se motiva por irregularidade administrativa. Art. 12 da Lei nº 8.429/1992. Valor da condenação fixada de forma razoável e proporcional ao ato lesivo pratica-do, uma vez que não houve dano ao Erário ou enriquecimento ilícito, levando-se em consideração o disposto no inciso III do art. 12 da Lei nº 8.429/1992. Negado provimento a ambos os recursos.” (TJRJ – Ap 0027105-76.2013.8.19.0038 – 21ª C.Cív. – Relª Márcia Cunha Silva Araújo de Carvalho – DJe 09.03.2017)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, visando a condenação da ré, de acordo com art. 12 da Lei nº 8.429/1992, em virtude do ato de improbidade administrativa por ela praticado.

A causa de pedir consiste na contratação efetuada pela ré, na condição de Secretária de Edu-cação do Município de Nova Iguaçu, para fornecimento de mão de obra para exercer função típica da Administração Pública, de monitores de creche, sem o devido concurso público.

Insurgiu os apelantes contra sentença de index 000378.

Dessa forma, o d. Relator em seu voto entendeu:

“[...]

A Lei nº 8.429/1992, descreve os atos praticados pelos agentes públicos considerados ímpro-bos e especifica as sanções cabíveis.

São eles: Atos de Improbidade Administrativa que Importam Enriquecimento Ilícito (art. 9º); Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário (art. 10), e Atos de Impro-bidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública.

O caso em comento se enquadra naquele ato descrito no art. 11, caput e inciso I, in verbis:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da admi-nistração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparciali-dade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência Como visto, o fato de não ter havido dano ao Erário ou enriquecimento sem causa da 1ª apelante não a exime de responsabilidade pela violação aos deveres constitu-cionais inerentes ao cargo que ocupa, e também pela lesão ao interesse público.

Desse modo, a conduta lesiva deve ser punida com rigor, a fim de garantir a força normativa da Lei.

Nesse sentido:

APELAÇÃO – ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – CONTRATAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS COM DISPENSA DE LICITAÇÃO – INA-PLICABILIDADE DO ART. 25, III DA LEI Nº 8.666/1993 – DELIBERADA VIOLAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL QUE EXIGEM A REALIZAÇÃO DE LICITAÇÃO PELO PODER PÚBLICO, BEM COMO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚ-BLICA – CONDUTA QUE SE INSERE NO ART. 10, VIII, DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINIS-TRATIVA – LESÃO IN RE IPSA AO ERÁRIO PÚBLICO – CARACTERIZAÇÃO DAS CONDUTAS DOS ARTS. 10 E 11 DA LEI Nº 8.429/1992 – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA – ACERTO – A Lei de Improbidade Administrativa tipifica condutas dos agentes políticos que, por ensejarem enriquecimento ilícito, lesão ao Erário ou violação aos princípios da administração pública, levam a imposição de sanções, em nome da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência que devem pautar a conduta dos agentes ao zelar pela res publica. Sem a licitação, evitou-se, de forma ilícita, a saudável, necessária e indispensável competição. Com efeito, nominar o contrato de prestação de serviços de “autorização de uso” não tem o condão de afastar a conduta do administrador das iras do art. 10, VIII da Lei de Improbidade Administrativa. Recurso das partes a que se nega provimento. Lindolpho Morais Marinho, 16ª C.Cív., data de julgamento: 24.01.2017, data de publicação: 27.01.2017.

[...]

Todavia, a condenação imputada pelo Tribunal de Contas, na esfera administrativa, não se confunde com a sanção pelo cometimento de ato de improbidade administrativa, uma vez

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que esta última deriva de um ilícito civil, enquanto que a 1ª se motiva por irregularidade administrativa.

É o que se observa pelo teor do art. 12 da Lei nº 8.429/1992:

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato.

[...]

Pelo exposto, direciono meu voto no sentido de negar provimento a ambos os recursos, man-tendo a sentença tal como lançada.”

Diante do exposto o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro negou provimento aos recursos.

8524 – Improbidade administrativa – contrato de construção não concluído – condenação – art. 10, caput e art. 11, caput e inciso II, da Lei nº 8.429/1992 – descabimento

“Apelação cível. Direito público. Ação civil pública por ato de improbidade administrativa. Inova-ção recursal. Objeto de contrato de construção não concluído. Condenação nos termos do art. 10, caput e art. 11, caput e inciso II, da Lei nº 8.429/1992. Descabimento. Ausência de dano ao erário. Inocorrência de ofensa aos princípios da administração pública. Ausência de dolo. Sentença de improcedência da ação mantida. 1. Descabe o conhecimento de recurso na parte que, em flagrante inovação recursal, trata de matéria que não foi submetida à apreciação do juízo a quo, sendo co-locada em discussão somente no apelo. 2. A inexistência de prova inequívoca nos autos a amparar o juízo de procedência por ato de improbidade administrativa, uma vez não demonstrado o dano efetivo ao erário público, afasta a hipótese de aplicação do art. 10, da Lei nº 8.429/1992. 3. Para a configuração de ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da Administra-ção Pública, é indispensável a comprovação de ato doloso, consubstanciada na demonstração da desonestidade ou má-fé do agente público ímprobo, que engendre a malversação dos princípios da Administração Pública. 4. Apelo desprovido.” (TJAC – Ap 0009860-35.2011.8.01.0002 – (4.478) – 2ª C.Cív. – Relª Desª Regina Ferrari – DJe 25.07.2017 – p. 12)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 8.429/1992:

“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbara-tamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente.

[...]

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da admi-nistração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparciali-dade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:

[...]

II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício.”

8525 – Improbidade administrativa – ex­prefeito – dever de prestar contas – documentação incompleta – dolo – não configuração

“Processual civil. Improbidade administrativa. Ex-prefeito. Dever de prestar contas. Documentação incompleta. Dolo não configurado. Inexistência de ato de improbidade administrativa. Litigância de má-fé afastada. Pagamento de honorários advocatícios pela parte autora. Isenção. Sentença re-formada. Apelação parcialmente provida. 1. Não ficou comprovada nos autos a prática do ato de improbidade descrito no inciso VI do art. 11 da Lei nº 8.429/1992, considerando que, ainda houve a prestação de contas pelo requerido, aprovados com ressalvas. 2. Inexistindo prova de dolo ou

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culpa na conduta imputada ao demandado, sobretudo em razão da não comprovação do dano ao Erário ou de qualquer enriquecimento ilícito, além de não demonstrado que agiu com o propósito de burlar a lei ou prejudicar a Administração Pública, ele não pode ser apenado de forma objetiva. O dolo ou a má-fé não podem ser presumidos. 3. Afastada a condenação do Município por litigân-cia de má-fé, uma vez que a pretensão deduzida na inicial não se mostrou infundada, até porque havia indícios de ato de improbidade, os quais, todavia, não foram confirmados. Também não se revelou propósito fundado em sentimento pessoal de causar dano à parte ré, não havendo nenhuma demonstração convincente de que o Município tenha agido de má-fé ao ajuizar a presente ação. 4. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, por força do art. 5º, LXXIII e LXXXVII, da Cons-tituição Federal e do art. 18 da Lei nº 7.347/1985, tem aplicado a isenção da sucumbência tanto na Ação Civil Pública como na Ação de Improbidade Administrativa (REsp 577.804/RS, Rel. Min. Teori Zavascki, DJU 14.02.2006). 5. Apelação parcialmente provida.” (TRF 1ª R. – AC 0000291-85.2012.4.01.3307 – 3ª T. – Rel. Juiz Guilherme Mendonça Doehler – J. 28.06.2017)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 8.429/1992:

“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da admi-nistração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparciali-dade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:

[...]

VI – deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo.”

8526 – Improbidade administrativa – indisponibilidade de bens – periculum in mora – dilapida­ção patrimonial – desnecessidade

“Administrativo. Agravo de instrumento. Ato de improbidade administrativa. Indisponibilidade de bens. Tutela de evidência. Periculum in mora. Desnecessidade de dilapidação patrimonial. Decre-tação. 1. A medida cautelar de indisponibilidade de bens consiste em tutela de evidência, pois para sua concessão dispensa-se a demonstração do risco de dilapidação patrimonial pelos requeridos com a finalidade de frustrar o ressarcimento do dano ou o cumprimento de sanções de cunho pa-trimonial, decorrentes de eventual condenação, ou seja, o periculum in mora decorre da própria gravidade dos atos e do valor dos danos causados ao erário, razão pela qual ele está implícito na própria conduta tida como ímproba. 2. No presente caso, a petição inicial da ação de improbidade administrativa encontra-se lastreada em diversos documentos, expondo, de maneira pormenoriza e individualizada, os supostos atos de improbidade administrativa praticados, inclusive, pelo então Secretário Municipal de Saúde, o qual deveria ter tomado medidas para impedir o descumprimento da obrigação por parte da beneficiária dos recursos públicos. 3. Somente após a fase de instrução é que poderá ser avaliada a efetiva concorrência do agravante nos atos de improbidade administrativa imputados pelo Ministério Público, de modo que, nesta fase inicial do processo, incide o princípio in dubio pro societate. 4. A eventual ausência de dolo na omissão do agravante, além de poder ser demonstrado apenas na fase instrutória, não afasta sua responsabilidade por atos de improbidade administrativa, haja vista que aqueles que causem prejuízo ao erário podem ser imputados a título de dolo ou culpa, conforme infere-se do caput, do art. 10, da Lei nº 8.429/1992. 5. Não restam dúvidas acerca do preenchimento do requisito relativo ao fumus boni iuris para o Decreto cautelar pleiteado, uma vez que presentes fundados indícios da prática de atos de improbidade adminis-trativa pelo ora agravado. 6. A alegação de que a indisponibilidade acarreta danos irreversíveis ao agravante não merece acolhida, seja porque não há qualquer indício nesse sentido, seja porque a indisponibilidade não equivale à expropriação ou penhora do bem, já que se limita a impedir even-tual alienação. 7. Agravo improvido.” (TRF 3ª R. – AI 0020578-03.2016.4.03.0000/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho – DJe 26.07.2017 – p. 356)

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Comentário Editorial SÍNTESEO acórdão em epígrafe trata de agravo de instrumento com efeito suspensivo, interposto em face da decisão prolatada nos autos da ação de improbidade administrativa.

Pugnou o agravante pelo desbloqueio de seus bens, pelo fato de não ter cometido nenhum ato de improbidade administrativa.

Sustentou que a indisponibilidade pode lhe causar lesão grave e de difícil reparação.

Assim, foi indeferido o pedido de efeito suspensivo.

O Ministério Público Federal, pela Procuradoria Regional da República, apresentou contrami-nuta, requerendo o improvimento do recurso.

O agravante, por sua vez, juntou petição, acompanhada de documentos, alegando ausência do exercício do direito de ação.

Novamente o Ministério Público Federal reiterou integralmente os termos da contraminuta ao agravo de instrumento.

Dessa forma, o d. Relator entendeu:

“[...]

Nesse sentido:

ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – MEDIDA CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS – ART. 7º DA LEI Nº 8.429/1992 – TUTELA DE EVIDÊNCIA – COGNIÇÃO SUMÁRIA – PERICULUM IN MORA – EXCEPCIONAL PRESUN-ÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO NECESSÁRIA – FUMUS BONI IURIS – NECESSIDADE DE COM-PROVAÇÃO – CONSTRIÇÃO PATRIMONIAL PROPORCIONAL À LESÃO E AO ENRIQUECI-MENTO ILÍCITO RESPECTIVO – BENS IMPENHORÁVEIS – EXCLUSÃO

1. Trata-se de recurso especial em que se discute a possibilidade de se decretar a indisponi-bilidade de bens na Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 7º da Lei nº 8.429/1992, sem a demonstração do risco de dano (periculum in mora), ou seja, do perigo de dilapidação do patrimônio de bens do acionado.

2. Na busca da garantia da reparação total do dano, a Lei nº 8.429/1992 traz em seu bojo medidas cautelares para a garantia da efetividade da execução, que, como sabemos, não são exaustivas. Dentre elas, a indisponibilidade de bens, prevista no art. 7º do referido diploma legal.

3. As medidas cautelares, em regra, como tutelas emergenciais, exigem, para a sua concessão, o cumprimento de dois requisitos: o fumus boni juris (plausibilidade do direito alegado) e o periculum in mora (fundado receio de que a outra parte, antes do julgamento da lide, cause ao seu direito lesão grave ou de difícil reparação).

4. No caso da medida cautelar de indisponibilidade, prevista no art. 7º da LIA, não se vislum-bra uma típica tutela de urgência, como descrito acima, mas sim uma tutela de evidência, uma vez que o periculum in mora não é oriundo da intenção do agente dilapidar seu patrimônio e, sim, da gravidade dos fatos e do montante do prejuízo causado ao erário, o que atinge toda a coletividade. O próprio legislador dispensa a demonstração do perigo de dano, em vista da redação imperativa da Constituição Federal (art. 37, § 4º) e da própria Lei de Improbidade (art. 7º).

5. A referida medida cautelar constritiva de bens, por ser uma tutela sumária fundada em evidência, não possui caráter sancionador nem antecipa a culpabilidade do agente, até mesmo em razão da perene reversibilidade do provimento judicial que a deferir.

6. Verifica-se no comando do art. 7º da Lei nº 8.429/1992 que a indisponibilidade dos bens é cabível quando o julgador entender presentes fortes indícios de responsabilidade na prática de ato de improbidade que cause dano ao Erário, estando o periculum in mora implícito no re-ferido dispositivo, atendendo determinação contida no art. 37, § 4º, da Constituição, segundo a qual ‘os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível’.

7. O periculum in mora, em verdade, milita em favor da sociedade, representada pelo reque-rente da medida de bloqueio de bens, porquanto esta Corte Superior já apontou pelo entendi-

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mento segundo o qual, em casos de indisponibilidade patrimonial por imputação de conduta ímproba lesiva ao erário, esse requisito é implícito ao comando normativo do art. 7º da Lei nº 8.429/1992. Precedentes: (REsp 1315092/RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Ac. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª T., Julgado em 05.06.2012, DJe 14.06.2012; AgRg-AREsp 133.243/MT, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., Julgado em 15.05.2012, DJe 24.05.2012; MC 9.675/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., Julgado em 28.06.2011, DJe 03.08.2011; EDcl-REsp 1211986/MT, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., Julgado em 24.05.2011, DJe 09.06.2011.

8. A Lei de Improbidade Administrativa, diante dos velozes tráfegos, ocultamento ou dilapi-dação patrimoniais, possibilitados por instrumentos tecnológicos de comunicação de dados que tornaria irreversível o ressarcimento ao erário e devolução do produto do enriquecimento ilícito por prática de ato ímprobo, buscou dar efetividade à norma afastando o requisito da de-monstração do periculum in mora (art. 823 do CPC), este, intrínseco a toda medida cautelar sumária (art. 789 do CPC), admitindo que tal requisito seja presumido à preambular garantia de recuperação do patrimônio do público, da coletividade, bem assim do acréscimo patrimo-nial ilegalmente auferido.

9. A decretação da indisponibilidade de bens, apesar da excepcionalidade legal expressa da desnecessidade da demonstração do risco de dilapidação do patrimônio, não é uma medi-da de adoção automática, devendo ser adequadamente fundamentada pelo magistrado, sob pena de nulidade (art. 93, IX, da Constituição Federal), sobretudo por se tratar de constrição patrimonial.

10. Oportuno notar que é pacífico nesta Corte Superior entendimento segundo o qual a indis-ponibilidade de bens deve recair sobre o patrimônio dos réus em ação de improbidade admi-nistrativa de modo suficiente a garantir o integral ressarcimento de eventual prejuízo ao erário, levando-se em consideração, ainda, o valor de possível multa civil como sanção autônoma.

11. Deixe-se claro, entretanto, que ao juiz responsável pela condução do processo cabe guar-dar atenção, entre outros, aos preceitos legais que resguardam certas espécies patrimoniais contra a indisponibilidade, mediante atuação processual dos interessados – a quem caberá, p. ex., fazer prova que determinadas quantias estão destinadas a seu mínimo existencial.

12. A constrição patrimonial deve alcançar o valor da totalidade da lesão ao erário, bem como sua repercussão no enriquecimento ilícito do agente, decorrente do ato de improbidade que se imputa, excluídos os bens impenhoráveis assim definidos por lei, salvo quando estes tenham sido, comprovadamente, adquiridos também com produto da empreitada ímproba, resguarda-do, como já dito, o essencial para sua subsistência.

13. Na espécie, o Ministério Público Federal quantifica inicialmente o prejuízo total ao erário na esfera de, aproximadamente, R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais), sendo o ora recorrente responsabilizado solidariamente aos demais agentes no valor de R$ 5.250.000,00 (cinco milhões e duzentos e cinquenta mil reais). Esta é, portanto, a quantia a ser levada em conta na decretação de indisponibilidade dos bens, não esquecendo o valor do pedido de condenação em multa civil, se houver (vedação ao excesso de cautela).

14. Assim, como a medida cautelar de indisponibilidade de bens, prevista na LIA, trata de uma tutela de evidência, basta a comprovação da verossimilhança das alegações, pois, como visto, pela própria natureza do bem protegido, o legislador dispensou o requisito do perigo da demora. No presente caso, o Tribunal a quo concluiu pela existência do fumus boni iuris, uma vez que o acervo probatório que instruiu a petição inicial demonstrou fortes indícios da ilicitude das licitações, que foram supostamente realizadas de forma fraudulenta. Ora, estando presente o fumus boni juris, como constatado pela Corte de origem, e sendo dispensada a de-monstração do risco de dano (periculum in mora), que é presumido pela norma, em razão da gravidade do ato e a necessidade de garantir o ressarcimento do patrimônio público, conclui-se pela legalidade da decretação da indisponibilidade dos bens.

15. Recurso especial não provido.

(REsp 1319515/ES, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Ac. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª S., Julgado em 22.08.2012, DJe 21.09.2012)

Infere-se dos comandos dos arts. 37, § 4º, da Lei Maior e 7º da Lei nº 8.429/1992 que a medida cautelar de indisponibilidade de bens consiste em tutela de evidência, pois para sua concessão dispensa-se a demonstração do risco de dilapidação patrimonial pelos requeridos

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com a finalidade de frustrar o ressarcimento do dano ou o cumprimento de sanções de cunho patrimonial, decorrentes de eventual condenação, ou seja, o periculum in mora decorre da própria gravidade dos atos e do valor dos danos causados ao erário, razão pela qual ele está implícito na própria conduta tida como ímproba.

[...]

Ainda que a comprovação inequívoca quanto à prática do ato de improbidade administrativa venha a ser feita apenas no decorrer do processo, após a realizada da fase de instrução, certo é que neste momento, diante do apresentado pelo Ministério Público Federal, entendo viável o acolhimento da medida cautelar pleiteada para garantia da efetividade da execução.

A corroborar os indícios de efetiva existência da prática de atos de improbidade administrativa e da responsabilidade do réu, cabe transcrever decisão, disponibilizada no Diário Eletrônico da Justiça Federal em 17.03.2017, prolatada pelo MM. Juízo a quo, que, após apresentação de defesa prévia, recebeu a petição inicial:

‘Vistos.

As defesas preliminares não demonstram, com objetividade e certeza necessárias, a inexis-tência dos fatos controvertidos ou qualquer inadequação de índole processual a justificar o encerramento prévio da ação (art. 17, 8º da Lei nº 8.429/1992).

Ao contrário, tudo indica que os eventuais atos de improbidade relacionados a má utilização ou desvio de verbas federais (recursos destinados à implantação de Unidade de Acolhimento de Adulto) devam ser muito bem examinados, respeitando-se o contraditório, com ampla oportunidade de defesa para todos os envolvidos.

A instrução permitirá, ademais, o pleno resguardo de interesse público e a colheita de novos elementos para o julgamento de mérito, sem prejuízo de ulterior reapreciação da medida de constrição inicial (indisponibilidade de bens), se for o caso.

Ante o exposto, recebo a petição inicial e determino a citação dos réus (art. 17, 9º da Lei nº 8.429/1992). [...]’

Somente após a fase de instrução é que poderá ser avaliada a efetiva concorrência do agravan-te nos atos de improbidade administrativa imputados pelo Ministério Público, de modo que, nesta fase inicial do processo, incide o princípio in dubio pro societate.

[...]

Conclui-se, portanto, que não restam dúvidas acerca do preenchimento do requisito relativo ao fumus boni iuris para o decreto cautelar pleiteado, uma vez que presentes fundados indícios da prática de atos de improbidade administrativa pelo ora agravado.

Assim, bastando para a concessão da indisponibilidade de bens apenas a demonstração da presença de fundados indícios de que o requerido praticou ato de improbidade que tenha im-portado enriquecimento ilícito, causando prejuízo ao erário, ensejando enriquecimento ilícito ou atentando contra os princípios da administração pública, é de rigor manter a indisponibili-dade sobre os bens do agravado.

A alegação de que a indisponibilidade acarreta danos irreversíveis ao agravante não merece acolhida, seja porque não há qualquer indício nesse sentido, seja porque a indisponibilidade não equivale à expropriação ou penhora do bem, já que se limita a impedir eventual alienação.

Por fim, as matérias jornalísticas constantes em revista e jornal juntados pelo agravante, no sentido de que o corréu Gilberto Kasper goza de prestígio perante a comunidade, são irrele-vantes para a solução do caso em tela, haja vista que o presente recurso impugna decisão que decretou a indisponibilidade de bens, não sendo apto a trancar a ação de improbidade administrativa por ausência de conduta dolosa como pretende o recorrente.

Diante do exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.

É o voto.”

Por todo exposto, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região negou provimento ao agravo de instrumento.

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8527 – Improbidade administrativa – malversação de recursos públicos federais repassados – utilização em assistência farmacêutica básica – aquisição superfaturada de medicamen­tos – não comprovação

“Administrativo. Improbidade administrativa. Art. 10, incisos V, X e XI, da Lei nº 8.429/1992. Mal-versação de recursos públicos federais repassados para utilização em assistência farmacêutica bási-ca do município de Nilópolis. Aquisição superfaturada de medicamentos. Negligência na conserva-ção dos medicamentos. Aplicação de verba federal em finalidade diversa de sua atuação. Ausência de comprovação da prática de atos de improbidade administrativa. Improcedência do pedido de condenação. 1. De acordo com entendimento da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, em relação à ação de improbidade administrativa, ‘por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/1965, as sentenças de improcedência de Ação Civil Pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário’ (STJ, 2ª T., REsp 1556576/PE, Rel. Min. Herman Benjamin, publicado em 31.05.2016). Deve ser conhecida de ofício, portanto, a remessa necessária, quanto à análise acerca da improcedência do pedido de condenação pela prática de ato de improbidade administrativa decorrente da suposta aquisição superfaturada de medicamentos. 2. Não devem ser conhecidos os agravos retidos interpostos contra a decisão que recebeu a petição inicial, uma vez que não houve, nas razões de apelação, requerimento expresso de sua apreciação por esta Corte, nos termos do disposto no art. 523, § 1º, do Código de Processo Civil de 1973. 3. Segundo a petição inicial, teria havido, no ano de 2003, malversação de recursos públicos federais repassados para uti-lização em Assistência Farmacêutica Básica do Município de Nilópolis, no Estado do Rio de Janeiro, tendo sido apurada a existência das seguintes irregularidades: a) os medicamentos foram adquiridos por valores superiores aos valores de mercado, não tendo sido consultados aqueles divulgados pelo Banco de Preços do Ministério da Saúde; b) falta de organização do estoque e descaso na conser-vação dos medicamentos, o que ocasionou a perda de diversos remédios em razão do vencimento do prazo de validade, perfazendo um prejuízo no valor de R$ 6.382,90 (seis mil, trezentos e oitenta e dois reais e noventa centavos); e c) pagamento de pessoal, no valor de R$ 301.271,97 (trezentos e um mil, duzentos e setenta e um reais e noventa e sete centavos), com recursos da Programa-ção Pactuada Integrada de Epidemiologia e Controle de Doenças – PPI/ECD, quando deveriam ter sido utilizados em objetivos diretamente vinculados à prevenção de doenças infecto-contagiosas, contrariando o que dispunha a Portaria Ministerial nº 1.399/1999, em vigor na época dos fatos, a caracterizar desvio de finalidade. 4. Para a configuração do ato de improbidade administrativa lesivo ao erário, não basta o prejuízo causado pelo agente público por simples erro de interpretação legal ou de inabilidade administrativa, sendo necessária a existência de indício sério de que ele tenha conduzido sua conduta com dolo ou com culpa denotativa de má-fé, tendo em vista que a lei de improbidade administrativa visa a punir o agente público desonesto ou imoral e não aquele imperito ou inábil. 5. Da detida análise dos elementos probatórios carreados aos autos, constata-se que não restou comprovado que os medicamentos tenham sido adquiridos de forma superfaturada pelo Município de Nilópolis. No bojo dos procedimentos licitatórios objeto da presente demanda, foram juntados pela administração pública impressos do catálogo de pesquisa de preços por ataca-do obtido junto ao Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro – TCE/RJ, de forma que os preços dos medicamentos adquiridos pelo Município de Nilópolis tiveram como estimativa a lista oficial de preços disponibilizada pela Corte Estadual de Contas, que era elaborada, na época, com base em pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas – FGV. 6. A aquisição dos medicamentos foi pautada em uma lista elaborada por uma instituição séria e conhecida no mercado, de maneira que a diferença nos preços, se comparados com os valores constantes do Banco de Preços do Ministério da Saúde, não configura, por si só, a prática de ato de improbidade administrativa, sobretudo por-que a lista publicada pelo Ministério da Saúde leva em consideração a aquisição de medicamentos em proporções muito maiores em relação à quantidade adquirida pelo Município de Nilópolis. 7. O fato de os demandados ocuparem a Chefia do Poder Executivo e da Secretaria de Saúde do Municí-pio, quando do vencimento do prazo de validade de parte dos medicamentos estocados na Central

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de Abastecimento Farmacêutico, não se revela suficiente a embasar o pedido de condenação pela prática de ato improbidade administrativa, especialmente porque não eram responsáveis pela orga-nização e controle do estoque dos medicamentos. 8. Não se sustenta a alegação genérica de que os gestores da administração pública municipal possuem o dever de evitar a prática de ilegalidades no manuseio das verbas públicas, principalmente porque não há prova nos autos de que teriam se omitido de forma consciente e voluntária, sendo insuficiente a simples referência de que ocupavam a Chefia do Poder Executivo e a Secretaria de Saúde do Município no período em que teria ocorrido o desperdício de medicamentos. Não há como conceber que o Prefeito e o Secretário de Saúde de um Município tenham total conhecimento, controle e responsabilidade sobre todos os atos prati-cados durante sua gestão, por quaisquer dos servidores da administração pública. 9. O Município de Nilópolis, ao contratar agentes de saúde para auxílio no combate ao mosquito transmissor da dengue, agiu amparado pelas orientações constantes da Cartilha da Programação Pactuada Inte-grada de Epidemiologia e Controle de Doenças – PPI/ECD, elaborada em conjunto pela Fundação Nacional de Saúde – Funasa e pela Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro, no sentido de que a verba poderia ser aplicada para contratação de agentes para desenvolver as ações previstas na Programação Pactuada Integrada de Epidemiologia e Controle de Doenças – PPI/ECD. 10. Deve ser dado provimento aos recursos de apelação interpostos pelos demandados, para julgar improcedente o pedido de condenação pela prática de atos de improbidade administrativa decorrentes da suposta negligência na conservação dos medicamentos e da suposta aplicação de verba federal em finalida-de diversa de sua destinação. 11. Agravos retidos não conhecidos, remessa necessária desprovida e recursos de apelação providos.” (TRF 2ª R. – AC-RN 0006963-81.2007.4.02.5110 – 5ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes – DJe 27.07.2017 – p. 535)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 8.429/1992:

“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbara-tamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:

[...]

V – permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;

[...]

X – agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;

[...]

XI – liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qual-quer forma para a sua aplicação irregular.”

8528 – Licitação – contratação de serviços de vigilância – previsão editalícia de apresentação de autorização para funcionamento – violação art. 3º, § 1º, I, Lei nº 8.666/1993 – configu­ração

“Ação de mandado de segurança. Administrativo. Licitação. Contratação de serviços de vigilância pela Caixa Econômica Federal. Previsão editalícia de apresentação de autorização para funciona-mento no Estado de São Paulo, regra que viola o art. 3º, § 1º, I, Lei nº 8.666/1993, por restringir o caráter competitivo do certame, em função de preferência da sede/domicílio dos licitantes. Conces-são da segurança. Improvimento à apelação e à remessa oficial. 1. Realizado o processo licitatório (amplo senso), ambiente onde deve prevalecer a mais vantajosa proposta ao Poder Público, logran-do o interessado cumprir os requisitos editalícios e acolhida a melhor oferta, firma-se o contrato administrativo, passando então os pactuantes a serem portadores de deveres e direitos, consoante

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as cláusulas estatuídas, que necessariamente devem ser observadas, sob pena das aplicações de penalidades e incursões legalmente previstas, nos termos da Lei nº 8.666/1991. 2. É verdade que o Edital tem efeito Vinculante e os participantes do certame a ele devem obediência; porém, tal não significa que suas cláusulas não estejam revestidas de ilegalidade, o que passível de discussão, tal como ocorrido no caso vertente, por isso sem qualquer sentido a tese de impossibilidade jurídica do pedido. 3. O ato coator vem representado pelo documento de fl. 102, que inabilitou a parte impetrante ao pregão eletrônico nº 037/7062-2011, por deixar a empresa impetrante de comprovar/possuir autorização de funcionamento no Estado de São Paulo, descumprindo a exigência editalícia prevista no subitem 8.4.2. 4. A cláusula do Edital tem a seguinte redação, fl. 49: ‘documento de au-torização de funcionamento e respectiva revisão anual, emitido pelo órgão competente, de acordo com o disposto nas Leis nºs 7.102/1983 e 9.017/1995, Decretos nºs 89.056/1983 e 1.592/1995, Portaria nº 387/2006-DPF e respectivas alterações que comprove estar o licitante habilitado a pres-tar os serviços de vigilância ostensiva e ASPP no Estado de São Paulo’. 5. O inciso I, do § 1º, do art. 3º, da Lei nº 8.666/1993, veda ao Poder Público o estabelecimento de ‘cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de socie-dades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato’. 6. O objeto que a Caixa Econômica Federal almejava contratar con-sistia em serviços de vigilância, fl. 38, item 1, portanto se afigura desarrazoada a restrição imposta no Edital, exigindo que as empresas comprovem, para participação/habilitação, autorização para trabalhar no Estado de São Paulo. 7. Evidente que esta cláusula restringe acesso apenas às empresas que possuem matriz ou filial no território paulista, sendo que outras pessoas jurídicas, do mesmo ramo de atuação, podem ter a mesma capacidade e qualificação técnica para a prestação de ser-viço. 8. Isso não significa que as empresas possam descumprir os demais regramentos atinentes à prestação de serviço de vigilância, ficando o mais, evidente, ao interesse da empresa participante, pois deverá obedecer aos outros regramentos que a habilitem a trabalhar, o que refoge ao objeto deste mandamus. 9. Registre-se que o próprio Edital possui tópico específico sobre a homologação da contratação, prevendo o subitem 12.3 prazo de até cinco dias úteis para assinatura de contrato, a contar da convocação, ao passo que o subitem 12.4 permite a convocação dos demais remanes-centes, observada a ordem de classificação, se não assinado o contrato, fl. 53. 10. Se a empresa não lograr obter regularização de sua documentação (aquelas exigidas para o seu funcionamento) dentro dos prazos e conforme a necessidade e o interesse do contratante, poderá perder o direito então concedido. 11. Uma coisa não se confunde com a outra: não é lícita a delimitação territorial imposta no Edital, para o objeto contratado analisado, situação que não permite (nem chancela) o funcionamento da empresa interessada sem observância das demais regras inerentes à espécie. 12. Se a empresa não tiver condições regulares de funcionamento nos termos da legislação per-tinente (outras que apregoam, por exemplo, registro e licença da Polícia Federal), estará em si-tuação irregular, o que, por consequência, automaticamente a eliminará da assunção do objeto contratado, sem a impedir, entretanto, de participar e ser habilitada no certame: trata-se de coisas distintas, como se observa. 13. Improvimento à apelação e à remessa oficial. Concessão da segu-rança.” (TRF 3ª R. – Ap-RN 0017637-89.2011.4.03.6100/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Nery Junior – DJe 30.06.2017 – p. 395)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 8.666/1993:

“Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

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§ 1º É vedado aos agentes públicos:

I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que com-prometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5º a 12 deste artigo e no art. 3º da Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991.”

8529 – Licitação – fraude – corrupção passiva, fraude processual e lavagem de dinheiro – exces­so de prazo na formação da culpa – inocorrência

“Habeas corpus. Concussão, fraude à licitação, corrupção passiva, fraude processual e lavagem de dinheiro. Alegado excesso de prazo na formação da culpa. Inocorrência. Período de prisão cautelar que não ultrapassa o prazo estabelecido na lei de organização criminosa. Complexidade da causa e multiplicidade de réus. Instrução concluída. Incidência da Súmula nº 52, do STJ. Constrangi-mento ilegal não evidenciado. Ordem denegada. Inviável o reconhecimento de eventual excesso de prazo se comprovado que a manutenção da custódia cautelar respeita o prazo definido na Lei das Organizações Criminosas, mormente na hipótese que envolve fatos complexos e pluralidade de réus, sobretudo quando a instrução criminal já se encerrou, ensejando a incidência da Súmula nº 52 do Superior Tribunal de Justiça.” (TJMT – HC 179000/2016 – Rel. Des. Pedro Sakamoto – DJe 14.02.2017 – p. 205)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de Habeas Corpus com pedido de liminar.

O paciente responde ação penal pela prática, em tese, dos crimes de concussão, corrupção passiva, fraude processual, fraude à licitação e lavagem de dinheiro.

Sustenta o impetrante que: “[...] beneficiário estaria suportando inequívoco constrangimento ilegal por excesso de prazo para a formação da culpa, visto que permanece preso há mais de 270 dias, aguardando a efetiva prestação jurisdicional, embora a instrução processual já tenha se encerrado em 31.08.2016”.

Aduziu pela concessão da ordem de habeas corpus para “colocar fim a segregação social abusiva por que passa o paciente, concedendo-o chamado ‘salvo conduto’ e revogando o mandado de prisão”.

Assim, entendeu o d. Relator:

“[...]

Nesse sentido, colaciono recentes julgados oriundos do Superior Tribunal de Justiça:

‘HABEAS CORPUS – TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O NARCOTRÁFICO – ART. 312 DO CPP – PERICULUM LIBERTATIS – FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA – EXCESSO DE PRAZO – NÃO OCORRÊNCIA – ORDEM DENEGADA – [...] 3. A complexidade da causa, a pluralidade de réus (21 ao todo) – com advogados distintos e recolhidos em estabelecimentos prisionais em diferentes unidades da federação – e a realização de diversas diligências, tais como busca e apreensão domiciliar, quebra de sigilo bancário, bloqueio de contas bancá-rias, interceptações telefônicas de diversos terminais, não evidenciam a ocorrência de excesso de prazo a consubstanciar flagrante ilegalidade que justifique o relaxamento da custódia do paciente, máxime quando verificado que o Juízo singular tem impulsionado regularmente o prosseguimento do feito. 4. Ordem denegada’ (STJ, HC 355.926/RJ, 6ª T., Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe 19.12.2016) – destaquei.

‘PROCESSUAL PENAL – RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS – TRÁFICO DE DRO-GAS E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA – PRISÃO PREVENTIVA – GRAVIDADE DO CRIME – MODUS OPERANDI DELITIVO – AMEAÇA ÀS TESTEMUNHAS – GARANTIA DA ORDEM PÚ-BLICA – CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL – ELEMENTOS CONCRETOS A JUSTI-FICAR A CONSTRIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA – EXCESSO DE PRAZO – NÃO OCOR-RÊNCIA – RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO – [...] 2. Não há constrangimento ilegal se o excesso de prazo para o encerramento do processo é justificado pela complexidade

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do feito, em razão da pluralidade de réus, de crimes, de testemunhas, de procuradores e da necessidade de expedição de cartas precatórias, mormente quando a defesa de alguns réus contribuiu para o atraso e a instrução se encontra bastante próxima de se encerrar, estando o feito no aguardo da juntada das alegações finais defensiva. 3. Recurso a que se nega provimento’ (STJ, RHC 76.540/MG, 6ª T., Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 15.12.2016) – grifei.

Por todo o exposto, conheço da ação constitucional impetrada, e, no mérito, em consonância com o parecer ministerial, denego a ordem vindicada, devendo ser mantida, por conseguinte, a prisão preventiva [...].

É como voto.”

Diante do exposto, o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso denegou a ordem vindica-da, mantendo a prisão preventiva.

8530 – Licitação – inexecução de contrato – multa – descredenciamento do Sicaf – não aplica­bilidade

“Apelação. Administrativo. Licitação. Inexecução do contrato. Multa. Devido processo. Penalidade de descredenciamento do Sicaf não aplicada. 1. Apelação interposta em face de sentença que, nos autos de mandado de segurança por ela impetrado contra ato do Diretor da Secretaria-Geral do Tri-bunal Regional Federal da 2ª Região objetivando a suspensão do ato administrativo que impôs a pe-nalidade de multa, denegou a segurança. 2. Trata-se de discussão acerca de contrato que tem como objeto a prestação de serviços referentes à conversão de fitas K7 contendo os registros sonoros das sessões de julgamento e eventos do Tribunal Regional Federal da 2ª Região para meio digital. 3. A legislação de regência (Lei nº 8.666, de 21.06.1993), prevê em seu art. 86 que o atraso injustificado do contrato sujeitará o contratado à multa de mora, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato. 4. Conforme Despacho nº T2-DES-2011/07408, ter-se-ia configurado a inexecução total do contrato haja vista as informações do gestor de que as fitas entregues não atenderam às especificações, comprometendo as informações nelas contidas, e trazendo transtornos e prejuízos a esta Corte, não tendo sido considerada procedente a defesa apresentada pelo ora apelante. 5. O apelante não logrou êxito em comprovar o cerceamento à defesa, pois o mesmo teve oportunidade de apresentar defesa, antes da rescisão contratual da Nota de Empenho nº 2010NE001733 e apli-cação da penalidade de multa, conforme comunicado por meio do Ofício nº T2-OFI-2011/20842. 6. Não se verifica, no caso, a aplicação de penalidade de descredenciamento do Sicaf. 7. Apelação não provida.” (TRF 2ª R. – AC 0000088-49.2012.4.02.5101 – 5ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Ricardo Perlingeiro – DJe 27.07.2017 – p. 579)

8531 – Licitação – irregularidade do aditamento – regularidade da alteração unilateral do con­trato – revisão – impossibilidade

“Administrativo e processual civil. Agravo de instrumento. Licitação. Acórdão de origem que re-conheceu a irregularidade do aditamento, bem como a regularidade da alteração unilateral do contrato por parte da administração pública. Impossibilidade de revisão (Súmulas nºs 5 e 7 do STJ). Agravo regimental da construtora desprovido. 1. O Tribunal de origem, com base na análise de cláusulas contratuais e provas constantes nos autos, reconheceu a irregularidade do aditamento, bem como a regularidade da alteração unilateral do contrato por parte da Administração Pública. 2. Desse modo, para alterar a conclusão a que chegou a Corte de origem seria necessário o reexame do contexto fático-probatório dos autos, bem como das cláusulas do contrato firmado pelas partes, circunstância que redundaria na formação de novo juízo acerca dos fatos, e não de valoração dos critérios jurídicos concernentes à utilização da prova e à formação da convicção. 3. Quanto à in-terposição pela alínea c, este Tribunal entende que a incidência do óbice acima exposto impede, inclusive, o exame de dissídio jurisprudencial. Nesse sentido: AgInt-AREsp 793.457/PR, Rel. Min.

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Humberto Martins, DJe 30.08.2016. 4. Agravo Regimental da construtora desprovido.” (STJ – AgRg--AI 1.408.714 – (2011/0101481-3) – 1ª T. – Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho – DJe 03.08.2017 – p. 6232)

Comentário Editorial SÍNTESEO acórdão em comento trata de agravo regimental contra decisão que negou provimento ao Agravo de Instrumento nos termos da seguinte ementa:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – AGRAVO DE INSTRUMENTO – LICITAÇÃO – ACÓRDÃO IMPUGNADO QUE RECONHECEU A IRREGULARIDADE DO ADITAMENTO, BEM COMO A REGULARIDADE DA ALTERAÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO POR PARTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO (SUMULAS NºS 5 E 7 DO STJ) AGRAVO DESPROVIDO (fl. 784).”

A referida decisão Essa decisão manteve o entendimento firmado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Nas razões do agravo regimental, a parte sustenta “[...] (a) omissão quanto ao dissídio juris-prudencial apontado em relação a julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro; (b) o prequestionamento do art. 40, XI da Lei nº 8.666/1993; (c) contrariedade aos arts. 3º da Lei nº 10.192/2001 e 40, XI da Lei nº 8.666/1993, defendendo que, ao contrário do decidido no acórdão recorrido, o recorrente não busca o reajustamento do contrato, mas a devida correção monetária da proposta, por meio de um aditamento contratual; (d) ofensa ao art. 65, I, alíneas a e b da Lei nº 8.666/1993, por ter, o acórdão combatido, anulado o Termo de Aditamento Contratual nº 36/2004; e (e) a inaplicabilidade das Súmulas nºs 5 e 7 do STJ”.

Dessa forma, nobre Relator entendeu:

“[...]

Nesse contexto:

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC – AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATE-RIAIS – CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL – VIOLAÇÃO A CLÁUSULAS ACORDADAS ENTRE AS PARTES – RESCISÃO CONTRATUAL – APLICAÇÃO PRÉVIA DE PENALIDADES DE FORMA PROGRESSIVA – NOTIFICAÇÃO E ADVERTÊNCIA – ANTECEDENTES – OCORRÊN-CIA – REGULARIDADE DO PROCEDIMENTO – ALTERAÇÃO – NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO – INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS NºS 5 E 7 DO STJ – AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO COM APLICAÇÃO DE MULTA

1. Aplicabilidade do NCPC a este recurso ante os termos no Enunciado Administrativo nº 3 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 09.03.2016: Aos recursos interpostos com funda-mento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.

2. A Corte estadual, a partir da análise da avença firmada entre as partes e provas coligidas nos autos, entendeu pela regularidade da rescisão pela recorrida do contrato de concessão comercial, considerando que, diante de infrações contratuais cometidas pela concessionária de veículos, foi observada a aplicação de penalidades gradativas previamente ao término do acor-do. A revisão desse entendimento, na via especial, é obstada pelas Súmulas nºs 5 e 7 do STJ.

3. Em razão da improcedência do presente recurso, e da anterior advertência em relação à incidência do NCPC, incide ao caso a multa prevista no art. 1.021, § 4º do NCPC, no percen-tual de 3% sobre o valor atualizado da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito da respectiva quantia, nos termos do § 5º daquele artigo de lei.

4. Agravo interno não provido, com imposição de multa (AgInt-AREsp. 894.390/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJe 26.05.2017).

[...]

PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – LICITAÇÃO E CONTRATO – EQUILÍBRIO ECO-NÔMICO-FINANCEIRO – ADITAMENTO DO CONTRATO – SÚMULAS NºS 05 E 07 DO STJ

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1. O recurso especial foi interposto nos autos de ação ordinária que objetiva a cobrança de valores relativos ao alegado aumento de custo de contrato administrativo de prestação de serviços.

2. O acórdão recorrido, com base no exame das cláusulas contratuais e do contexto fático-pro-batório engendrado nos autos, não reconheceu o alegado desequilíbrio econômico-financeiro do contrato entabulado entre as partes.

3. A análise da pretensão esbarra no impedimento das Súmulas nºs 5 e 7/STJ, pois a revisão do aresto impugnado demandaria revolver as cláusulas contratuais, provas e fatos, o que se mostra vedado nos estreitos limites do recurso especial. Precedentes de ambas as Turmas de Direito Público.

4. Recurso especial não conhecido (REsp 1.168.036/MG, Rel. Min. Castro Meira, DJe 13.05.2010).

6. Quanto à interposição pela alínea c, este Tribunal entende que a incidência dos óbices aci-ma expostos impedem, inclusive, o exame de dissídio jurisprudencial. A propósito:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/1973 – INEXISTÊNCIA – DEVIDO ENFRENTAMENTO DAS QUESTÕES RECURSAIS – SÚMULA Nº 568/STJ – PRORROGAÇÃO DA COMPETÊNCIA INTERNA – NATUREZA RELATIVA – ALE-GAÇÃO TARDIA – PRECLUSÃO – EXECUÇÃO – CERCEAMENTO DE DEFESA, INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA E CERTEZA E LIQUIDEZ DO TÍTULO EXECUTIVO – ANÁLISE COM BASE NAS PROVAS DOS AUTOS – REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO – IMPOSSIBI-LIDADE – SÚMULA Nº 7/STJ – COBRANÇA PELO USO DE FAIXA DE DOMÍNIO – ART. 11 DA LEI Nº 8.987/1995 – POSSÍVEL DESDE QUE PREVISTA NO CONTRATO – CASO SOB ANÁ-LISE – PREVALÊNCIA DA DISPOSIÇÃO LEGAL – INSTRUMENTO PARTICULAR – PRAZO DE PRESCRIÇÃO QUINQUENAL – MULTA EM EMBARGOS DECLARATÓRIOS – ART. 538, PARÁ-GRAFO ÚNICO, DO CPC/1973 – REITERAÇÃO – CARÁTER PROTELATÓRIO – MANUTENÇÃO

[...].

10. Quanto à interposição pela alínea c, este Tribunal tem entendimento no sentido de que a incidência da Súmula nº 7 desta Corte impede o exame de dissídio jurisprudencial, uma vez que falta identidade entre os paradigmas apresentados e os fundamentos do acórdão, tendo em vista a situação fática do caso concreto, com base na qual o Tribunal de origem deu solução à causa.

[...].

Agravo interno improvido (AgInt-AREsp 793.457/PR, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 30.08.2016).

7. Diante dessas considerações, nega-se provimento ao Agravo Regimental interposto [...].

8. É o voto.”

Por todo exposto, o Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao agravo Regimental.

8532 – Militar – concurso público – inaptidão – tatuagem aparente – configuração

“Apelação. Administrativo. Concurso público. Militar. Inaptidão do candidato por possuir tatuagem aparente com o uso dos uniformes de serviço. Art. 11-A da Lei nº 11.279/2006. Previsão editalícia que extrapola a restrição legal. 1. Trata-se de apelação interposta em face de sentença que julgou improcedente o pedido formulado na exordial, que consistia no afastamento da exigência contida no edital relacionado ao concurso para Soldado Fuzileiro Naval da Marinha do Brasil, relativa à proibição de tatuagem visível com o uso de farda, possibilitando a realização das demais etapas do concurso. 2. O edital é a lei do certame e os candidatos a ele se submetem durante todo o concurso. Suas normas são estabelecidas pela Administração Pública responsável pelo processo seletivo, esta-belecendo critérios adequados para seleção de candidatos aptos a realizar as atividades inerentes ao cargo. 3. A Lei nº 6.880/1980, em seu art. 10, prevê que o ingresso nas Forças Armadas é facultado, mediante incorporação, matrícula ou nomeação, a todos os brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei e nos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. 4. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário 600.885, de Relatoria da Ministra Carmen

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Lúcia, pelo Tribunal Pleno, publicado em 01.07.2011, concluiu que não foi recepcionada pela Constituição Federal a expressão nos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, pre-sente no art. 10 do Estatuto dos Militares, tendo em vista a necessidade de lei formal prevista no art. 142, § 3º, inciso X, da Constituição Federal. 5. Após a decisão do STF, foi editada a Lei nº 12.704/2012, que acrescentou o art. 11-A na Lei nº 11.279/2006, estabelecendo os requisitos necessários para a matrícula em curso de formação com o intuito de ingressar na carreira da Mari-nha, ressaltando que para tal matrícula é necessária a prévia aprovação em concurso público. 6. No que tange à tatuagem, restou estabelecido no art. 11-A, inciso XII, da Lei nº 11.279/2006, que não pode apresentar, nos termos de detalhamento constante de normas do Comando da Marinha, alusão a ideologia terrorista ou extremista contrária às instituições democráticas, a violência, a criminali-dade, a ideia ou ato libidinoso, a discriminação ou preconceito de raça, credo, sexo ou origem ou, ainda, a ideia ou ato ofensivo às Forças Armadas. 7. O Supremo Tribunal Federal, em sessão plená-ria de 17.08.2016, por maioria de seus membros e nos termos do voto do Relator, Min. Luiz Fux, apreciando o Tema nº 838 da Repercussão Geral (Constitucionalidade da proibição, contida em edital de concurso público, de ingresso em cargo, emprego ou função pública para candidatos que tenham certos tipos de tatuagem em seu corpo), deu provimento ao RE 898.450, ficando vencido o Ministro Marco Aurélio, para fixar a seguinte tese: ‘Editais de concurso público não podem estabele-cer restrição a pessoas com tatuagem, salvo situações excepcionais em razão de conteúdo que viole valores constitucionais’. 8. O item ‘f’, do Anexo B, do edital em questão na presente demanda, pu-blicado em 14 de janeiro de 2014, impede o ingresso de candidatos com ‘tatuagens aparentes com o uso dos uniformes de serviço, ou com desenhos ofensivos ou incompatíveis com o perfil militar’. Tal previsão, no que concerne às tatuagens aparentes com o uso dos uniformes de serviço, incorre em ilegalidade, uma vez que extrapola o estipulado em lei, pois inexiste previsão legal para inap-tidão de candidato pelo motivo apresentado pela Administração. Precedentes: TRF 2ª R., 7ª T.Esp., AI 201500000073587, Rel. Juiz Fed. Conv. Mauro Luís Rocha Lopes, e-DJF2 05.08.2015; TRF 2ª R., 8ª T.Esp., AC 201551010590858, Rel. Des. Fed. Marcelo Pereira da Silva, e-DJF2R 30.08.2016; TRF 2ª R., 5ª T.Esp., Ap-Reex 00053325620124025101, e-DJF2R 10.07.2015. 9. Limitando-se a lide apresentada pelo demandante ao direito de permanecer em certame público, ao ser considerado apto na etapa de Inspeção de Saúde em razão do uso de tatuagens, nenhum outro efeito jurisdicio-nal coercitivo e automático do julgado pode ser extraído em favor do interessado, isto é, o direito de permanecer em uma fase do certame não implica necessariamente proibição do candidato ser reprovado (por outro motivo que não o do uso de tatuagens) e tampouco de ser aproveitado, nome-ado ou empossado. 10. Tendo havido o reconhecimento judicial do direito de permanecer em uma das fases do certame, que, contudo, foi concluído e consumado, tal como consta do edital supra, e do qual o candidato não participara efetivamente das fases subsequentes. Os desdobramentos cor-respondentes na esfera extrajudicial de uma decisão judicial com tais características são de respon-sabilidade das autoridades administrativas, observados os seus poderes vinculados e discricionários, ressalvando-se, entretanto, ao interessado o direito de buscar outras vias de impugnação judicial e extrajudicial, que poderia compreender o direito a uma compensação financeira pela perda de uma chance. 11. Recurso parcialmente provido para explicitar que o direito de permanecer no certame é unicamente pelo fato de a tatuagem do recorrente não se enquadrar no disposto no art. 11-A, XII da Lei nº 11.279/2006.” (TRF 2ª R. – AC 0086607-22.2015.4.02.5101 – 5ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Ricardo Perlingeiro – DJe 28.07.2017 – p. 515)

8533 – Militar – ingresso no corpo auxiliar de praças da marinha – altura mínima – previsão legal – precedentes

“Processual civil e administrativo. Concurso público. Militar. Ingresso no corpo auxiliar de praças da marinha. Altura mínima. Previsão legal. I – Não se vislumbra, in casu, qualquer ilegalidade por parte da Administração Militar, haja vista que a causa de eliminação da candidata do Concurso Público de Admissão ao Curso de Formação para Ingresso no Corpo Auxiliar de Praças da Marinha

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(CP-CAP) em 2014 se deu conforme as regras do Edital do Concurso, elaborado em estrita conso-nância com a Lei nº 11.279/2006 (com a redação dada pela Lei nº 12.704/2012), que, amparada no Estatuto dos Militares (Lei nº 6.880/1980), impõe como requisito à matrícula nos cursos que per-mitem o ingresso nas Carreiras da Marinha que o interessado seja aprovado em inspeção de saúde; realizada por Agentes Médico-Periciais da Marinha, segundo critérios e padrões definidos pelo Co-mando da Marinha, observando-se os índices mínimos exigidos, que, relativamente à Altura, signi-fica possuir a altura mínima de 1,54m, índice este em que não se enquadra a Autora, que apresenta altura de 1,52m. II – Na mesma direção, pacificou-se a jurisprudência dos Eg. Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que é possível a exigência editalícia de altura mínima, para o ingresso na carreira militar, desde que prevista em lei. Precedentes: ARE 906295-AgR e RE 593198-AgR (STF); e RMS 46.243/MS e AgRg-RMS 45.887/GO (STJ). III – Ressalte-se que, ademais de se tratar de critério genérico, aplicável a todos os candidatos, ainda deve a Administra-ção observar o princípio da legalidade, ao qual está sujeita, por força do disposto no art. 37, caput, da Constituição Federal. IV – Nem se olvide que não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, atuar como legislador positivo para afastar comando expresso de lei. V – Apelação e remessa necessária providas. Sentença reformada.” (TRF 2ª R. – AC 0057806-57.2015.4.02.5114 – 7ª T.Esp. – Rel. Sergio Schwaitzer – DJe 09.08.2017 – p. 931)

8534 – Militar – promoção especial por ressarcimento de preterição – requisitos necessários – não comprovação

“Apelação cível. Administrativo. Servidor público. Militar. Promoção especial por ressarcimento de preterição. Tese de violação ao disposto no art. 22, inciso XXI da Constituição Federal, art. 24 do Decreto-Lei nº 667/1969 e no art. 62 da Lei Federal nº 6.880/1980 afastada. Competência dos estados para legislar acerca das disposições relativas aos seus respectivos militares. Inteligência dos arts. 42, § 1º e 142, § 3º, inciso X da Constituição Federal. Ausência de comprovação do preen-chimento dos requisitos necessários à ascensão pretendida. Inteligência do art. 7º, inciso II da Lei estadual nº 6.544/2004. Sentença reformada. Recurso conhecido e provido. Decisão unânime.” (TJAL – Ap-RN 0711840-10.2015.8.02.0001 – Rel. Des. Fernando Tourinho de Omena Souza – DJe 31.07.2017 – p. 20)

8535 – Militar – temporário – licenciamento ex officio – possibilidade

“Administrativo. Militar. Temporário. Possibilidade de licenciamento ex officio. Arts. 50 e 121, da Lei nº 6.880/1980. Não possui nenhuma enfermidade. Ausência de incapacidade total e per-manente para qualquer trabalho ou para o serviço militar. Danos morais. 1. Remessa necessária e apelações interpostas em face da sentença que julga parcialmente procedente o pedido, a fim de condenar a União ao pagamento de R$ 3.000,00 a título de danos morais. Os pedidos de reintegra-ção ao Exército ou, subsidiariamente, de estabelecimento de pensão vitalícia de três salários míni-mos foram julgados improcedentes. 2. Ao militar não estável, sujeito a reengajamentos por tempo limitado segundo critérios de conveniência e oportunidade da administração militar, aplica-se a Lei nº 4.375/1964 (lei do serviço militar), regulamentada pelo Decreto nº 57.654/1966, e, subsi-diariamente, as disposições da Lei nº 6.880/1980 (Estatuto dos Militares). 2. O militar temporário pode ser licenciado ex officio por conclusão de tempo de serviço ou de estágio; por conveniência do serviço ou a bem da disciplina, desde que não seja alcançada a estabilidade advinda da sua permanência nas forças armadas por 10 anos ou mais, nos moldes dos arts. 50, IV, a e 121, I e § 3º, da Lei nº 6.880/1980. Os atos de licenciamento dos militares, como também os de prorrogação do tempo de serviço, são atos discricionários da Administração Militar, editados de acordo com o interesse de cada Força, não cabendo ao Judiciário analisar o seu mérito a pretexto de verificar a conveniência e oportunidade. Cabe apenas apreciar a sua legalidade. 3. O militar temporário ou de carreira, caso seja considerado incapaz definitivamente para o serviço ativo das forças ar-madas terá direito à reforma, nos termos do art. 106, II; art. 108, III, IV e VI; art. 109 e art. 111, I

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e II, da Lei nº 6.880/1980. 4. Infere-se dos respectivos dispositivos que no caso da incapacidade definitiva ser decorrente de acidente ou doença, com relação de causa e efeito com o serviço, o militar será reformado com qualquer tempo de serviço. Acrescenta-se que, se essa incapacidade o tornar inválido total e permanentemente para qualquer trabalho, o militar deverá ser reformado, com a remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao que possuía na ativa, nos termos do art. 110, § 1º, da Lei nº 6.880/1980. 5. Por outro lado, se a enfermidade ou acidente não guardar nenhuma correlação com a atividade militar, haverá duas possibilidades de reforma: (a) oficial ou praça, que possuir estabilidade, será reformado com a remuneração proporcional ao tempo de serviço; ou (b) militar da ativa, temporário ou estável, considerado inválido definitivamente para a prática de qualquer atividade laboral, será reformado com remuneração integral do posto ou graduação. Precedentes: STJ, 2ª T., AgRg-REsp 1.510.095, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 14.04.2015; TRF 2ª R., 5ª T.Esp., AC 200951010233053, Rel. Des. Fed. Aluisio Goncalves de Castro Mendes, e-DJF2R 09.04.2015; TRF 2ª R., 5ª T.Esp., Ap--Reex 201051010057680, Rel. Des. Fed. Marcus Abraham, e-DJF2R 08.04.2015. 6. Caso em que ficou comprovado que o demandante não possui nenhuma sequela física ou mental decorrente do acidente em serviço sofrido, não ficando incapacitado para nenhuma atividade, nem mesmo para o serviço militar. Acrescenta-se que, conforme ressaltado na sentença, o desligamento do militar ocorreu mediante anulação de sua incorporação às fileiras do exército, por ter sido constatada omis-são na prestação de informações, por ocasião do alistamento. A referida hipótese de exclusão do serviço ativo encontra amparo normativo no art. 124 da Lei nº 6.880/1980 e no art. 139 do Decreto nº 57.654/1966. Dessa forma, não faz jus à concessão da reintegração e reforma, ou pagamento de pensão, pois não foi considerado inválido, isto é, impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho, nem mesmo para o serviço militar, o que seria exigido pelos arts. 108, 109, 110 e 111 da Lei nº 6.880/1980. 7. Nos termos do disposto no art. 37, § 6º, da CR/1988, a União é responsável pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, não pelos danos que infligirem-se a si mesmos ou uns aos outros, pois os militares e demais servidores, na condição de agentes públicos, não se qualificam como terceiros, não sendo hipótese de aplicação da teoria da responsabilidade objetiva. 8. Portanto, em regra, na relação de Direito Administrativo peculiar dos integrantes das forças armadas, em caso de acidente, o infortúnio será assumido pelo Estado com a concessão da reforma remunerada, que irá recompor a situação de dificuldade financeira suportada pelo militar, baseado nas normas estatutárias. 9. No entanto, caso o dano suportado pelo agente público exceda o esperado em razão dos riscos inerentes ao exercício do seu cargo público e não mantenha correlação com as atividades decorrentes de sua função, o ente público poderá ser responsabilizado com base na teoria da responsabilidade civil subjetiva. Para isso, basta que a ação ou omissão perpetrada pela União, a título de dolo ou culpa, tenha nexo de causalidade com o dano sofrido. 10. Constata-se que o demandante sofreu um trote dentro do quartel militar, deno-minado manta, na qual vários colegas da mesma unidade da vítima o cobrem com um lençol e, em seguida, agridem-no com empurrões, tapas, socos e chutes. 11. Frise-se que mesmo o demandante tendo conhecimento dos riscos inerentes ao desempenho da atividade militar, fica patente a obriga-ção do Estado de preservar a integridade física de seus soldados enquanto estes se encontrarem sob seu comando, evitando, sempre que possível, a ocorrência de acidentes como o dos autos. 12. O nexo de causalidade está configurado na medida em que o evento danoso somente veio a ocorrer em virtude da conduta omissiva perpetrada pela União, que foi negligente ao não garantir a segu-rança suficiente para impedir que o ex-militar fosse agredido dentro de um estabelecimento militar. 13. Embora não haja critérios objetivos na fixação dos valores para as indenizações por danos mo-rais, é possível estipular certos parâmetros, devendo observar a proporcionalidade de acordo com a extensão do dano, a situação econômica das partes e o grau de reprovabilidade da conduta do agente, de forma que não se demonstre inexpressiva e nem resulte em enriquecimento sem causa. 14. Pelo alto grau de reprovabilidade da conduta da União, que ao não impedir que o demandan-te sofresse o ato de violência apurado, tornou-se responsável por lesões sofridas, não há excesso

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e nem desproporcionalidade no valor da indenização por danos morais, fixados pela sentença em R$ 3.000,00. 15. Remessa necessária e apelações não providas.” (TRF 2ª R. – AC 0000833-78.2012.4.02.5117 – 5ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Ricardo Perlingeiro – DJe 28.07.2017 – p. 533)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 6.880/1980:

“Art. 50. São direitos dos militares:

I – a garantia da patente em toda a sua plenitude, com as vantagens, prerrogativas e deveres a ela inerentes, quando oficial, nos termos da Constituição;

II – o provento calculado com base no soldo integral do posto ou graduação que possuía quando da transferência para a inatividade remunerada, se contar com mais de trinta anos de serviço;

III – o provento calculado com base no soldo integral do posto ou graduação quando, não contando trinta anos de serviço, for transferido para a reserva remunerada, ex officio, por ter atingido a idade-limite de permanência em atividade no posto ou na graduação, ou ter sido abrangido pela quota compulsória; e

IV – nas condições ou nas limitações impostas na legislação e regulamentação específicas:

a) a estabilidade, quando praça com 10 (dez) ou mais anos de tempo de efetivo serviço;

b) o uso das designações hierárquicas;

c) a ocupação de cargo correspondente ao posto ou à graduação;

d) a percepção de remuneração;

e) a assistência médico-hospitalar para si e seus dependentes, assim entendida como o con-junto de atividades relacionadas com a prevenção, conservação ou recuperação da saúde, abrangendo serviços profissionais médicos, farmacêuticos e odontológicos, bem como o for-necimento, a aplicação de meios e os cuidados e demais atos médicos e paramédicos neces-sários;

f) o funeral para si e seus dependentes, constituindo-se no conjunto de medidas tomadas pelo Estado, quando solicitado, desde o óbito até o sepultamento condigno;

g) a alimentação, assim entendida como as refeições fornecidas aos militares em atividade;

h) o fardamento, constituindo-se no conjunto de uniformes, roupa branca e roupa de cama, fornecido ao militar na ativa de graduação inferior a terceiro-sargento e, em casos especiais, a outros militares;

i) a moradia para o militar em atividade, compreendendo:

1 – alojamento em organização militar, quando aquartelado ou embarcado; e

2 – habitação para si e seus dependentes; em imóvel sob a responsabilidade da União, de acordo com a disponibilidade existente.

j) (Revogada pela Medida Provisória nº 2.215-10, de 31.08.2001, DOU 01.09.2001 – Ed. Extra, em vigor conforme o art. 2º da EC 32/2001)

Nota: Assim dispunha a alínea revogada:

“j) o transporte, assim entendido como os meios fornecidos ao militar para seu deslocamento por interesse do serviço; quando o deslocamento implicar em mudança de sede ou de mora-dia, compreende também as passagens para seus dependentes e a translação das respectivas bagagens, de residência a residência;”

l) a constituição de pensão militar;

m) a promoção;

n) a transferência a pedido para a reserva remunerada;

o) as férias, os afastamentos temporários do serviço e as licenças;

p) a demissão e o licenciamento voluntários;

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q) o porte de arma quando oficial em serviço ativo ou em inatividade, salvo caso de inatividade por alienação mental ou condenação por crimes contra a segurança do Estado ou por ativida-des que desaconselhem aquele porte;

r) o porte de arma, pelas praças, com as restrições impostas pela respectiva Força Armada; e

s) outros direitos previstos em leis específicas.

§ 1º (Revogado pela Medida Provisória nº 2.215-10, de 31.08.2001, DOU 01.09.2001 – Ed. Extra, em vigor conforme o art. 2º da EC 32/2001)

§ 2º São considerados dependentes do militar:

I – a esposa;

II – o filho menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou interdito;

III – a filha solteira, desde que não receba remuneração;

IV – o filho estudante, menor de 24 (vinte e quatro) anos, desde que não receba remuneração;

V – a mãe viúva, desde que não receba remuneração;

VI – o enteado, o filho adotivo e o tutelado, nas mesmas condições dos itens II, III e IV;

VII – a viúva do militar, enquanto permanecer neste estado, e os demais dependentes men-cionados nos itens II, III, IV, V e VI deste parágrafo, desde que vivam sob a responsabilidade da viúva;

VIII – a ex-esposa com direito à pensão alimentícia estabelecida por sentença transitada em julgado, enquanto não contrair novo matrimônio.

§ 3º São, ainda, considerados dependentes do militar, desde que vivam sob sua dependência econômica, sob o mesmo teto, e quando expressamente declarados na organização militar competente:

a) a filha, a enteada e a tutelada, nas condições de viúvas, separadas judicialmente ou divor-ciadas, desde que não recebam remuneração;

b) a mãe solteira, a madrasta viúva, a sogra viúva ou solteira, bem como separadas judicial-mente ou divorciadas, desde que, em qualquer dessas situações, não recebam remuneração;

c) os avós e os pais, quando inválidos ou interditos, e respectivos cônjuges, estes desde que não recebam remuneração;

d) o pai maior de 60 (sessenta) anos e seu respectivo cônjuge, desde que ambos não recebam remuneração;

e) o irmão, o cunhado e o sobrinho, quando menores ou inválidos ou interditos, sem outro arrimo;

f) a irmã, a cunhada e a sobrinha, solteiras, viúvas, separadas judicialmente ou divorciadas, desde que não recebam remuneração;

g) o neto, órfão, menor inválido ou interdito;

h) a pessoa que viva, no mínimo há 5 (cinco) anos, sob a sua exclusiva dependência econômi-ca, comprovada mediante justificação judicial;

i) a companheira, desde que viva em sua companhia há mais de 5 (cinco) anos, comprovada por justificação judicial; e

j) o menor que esteja sob sua guarda, sustento e responsabilidade, mediante autorização judicial.

§ 4º Para efeito do disposto nos §§ 2º e 3º deste artigo, não serão considerados como remu-neração os rendimentos não-provenientes de trabalho assalariado, ainda que recebidos dos cofres públicos, ou a remuneração que, mesmo resultante de relação de trabalho, não enseje ao dependente do militar qualquer direito à assistência previdenciária oficial.

[...]

Art. 121. O licenciamento do serviço ativo se efetua:

I – a pedido; e

II – ex officio.

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§ 1º O licenciamento a pedido poderá ser concedido, desde que não haja prejuízo para o serviço:

a) ao oficial da reserva convocado, após prestação do serviço ativo durante 6 (seis) meses; e

b) à praça engajada ou reengajada, desde que conte, no mínimo, a metade do tempo de serviço a que se obrigou.

§ 2º A praça com estabilidade assegurada, quando licenciada para fins de matrícula em Esta-belecimento de Ensino de Formação ou Preparatório de outra Força Singular ou Auxiliar, caso não conclua o curso onde foi matriculada, poderá ser reincluída na Força de origem, mediante requerimento ao respectivo Ministro.

§ 3º O licenciamento ex officio será feito na forma da legislação que trata do serviço militar e dos regulamentos específicos de cada Força Armada:

a) por conclusão de tempo de serviço ou de estágio;

b) por conveniência do serviço; e

c) a bem da disciplina.

§ 4º O militar licenciado não tem direito a qualquer remuneração e, exceto o licenciado ex officio a bem da disciplina, deve ser incluído ou reincluído na reserva.

§ 5º O licenciado ex officio a bem da disciplina receberá o certificado de isenção do serviço militar, previsto na legislação que trata do serviço militar.”

8536 – Nepotismo – improbidade administrativa – prefeitura municipal – dosimetria da pena­lidade imposta – prestação do serviço pelo servidor – prejuízo ao erário – não compro­vação

“Apelações cíveis. Ação civil pública. Improbidade administrativa. Nepotismo cruzado envolvendo a prefeitura municipal e câmara municipal de Selvíria/MS. Súmula Vinculante nº 13. Manutenção da suspensão dos direitos políticos e do pagamento da multa civil. Dosimetria da penalidade im-posta. Ressarcimento do dano ao erário. Prestação do serviço pelo servidor. Prejuízo ao erário. Não comprovado. Obrigação de ressarcimento afastada. Recurso parcialmente improvido. Mantém-se a condenação dos agentes públicos por ato de improbidade que atenta contra os princípios da administração pública, na forma do art. 11 da Lei nº 8.429/1992. Tendo em vista a necessidade de dosimetria das penalidades previstas na Lei nº 8.429/1992, a suspensão dos direitos políticos so-mada ao pagamento de multa civil são medidas suficientes e proporcionais ao ato de improbidade imputado aos Requeridos. O ressarcimento ao erário público previsto no art. 10 da lei de impro-bidade administrativa depende da prova do prejuízo. Apelação parcialmente provida para afastar o ressarcimento/ devolução do valor percebido no cargo de Assessor de Gabinete II da Prefeitura Municipal de Selvíria.” (TJMS – Ap 0800080-67.2014.8.12.0021 – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Sérgio Fernandes Martins – DJe 31.07.2017)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 8.429/1992:

“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da admi-nistração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparciali-dade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:

I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência;

II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

III – revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;

IV – negar publicidade aos atos oficiais;

V – frustrar a licitude de concurso público;

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VI – deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;

VII – revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divul-gação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço;

VIII – descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas; (Inciso acrescentado pela Lei nº 13.019, de 31.07.2014, DOU de 01.08.2014, com efeitos após decorridos 540 (quinhentos e quarenta) dias de sua publicação oficial)

IX – deixar de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na legislação.”

8537 – Poder de polícia – infestação de plantação – cancro cítrico – dever jurídico de indenizar – inexistência

“Direito administrativo. Exercício do poder de polícia. Infestação de plantação. Cancro cítrico. Ine-xistência de dever jurídico de indenizar. Apelação do autor improvida. A responsabilidade civil do Estado diz respeito à obrigação a este imposta de reparar danos causados a terceiros em decorrência de suas atividades ou omissões. O art. 37, § 6º, da CF/1988 consagra a responsabilidade objetiva do Estado, cujo reconhecimento condiciona-se à comprovação dos seguintes requisitos: conduta lesiva imputável a um de seus agentes, dano indenizável e nexo de causalidade entre a conduta impugna-da, restando dispensada a configuração de culpa. Resta pacífico na jurisprudência que, em casos de alegado direito à indenização decorrente de exercício de poder de polícia, essa somente é cabível se comprovado o excesso ou abuso do Poder Público. In casu, tal abuso teria ocorrido quando do exercício do poder de polícia de defesa sanitária vegetal, previsto para atendimento a interesse público. Consta dos autos que a fiscalização foi exercida no âmbito da Campanha Nacional de Erra-dicação do Cancro Cítrico – Canecc, instaurada por meio da Portaria nº 291/1997 e promovida pelo Ministério da Agricultura, em consonância com o Decreto nº 24.114/1934, que prevê a possibilida-de de destruição parcial ou total das lavouras contaminadas ou passíveis de contaminação. Quanto ao cancro cítrico, por sua vez, embora não tenha sido demonstrado que o consumo de frutos de árvores contaminadas cause quaisquer lesões ao ser humano, restou suficientemente esclarecido que se trata de doença altamente contagiosa que atinge diversas variedades de citros, afetando a produtividade e a qualidade da lavoura, levando, inclusive, à morte do vegetal contaminado. Além disso, restou salientado que a patologia é incurável e demanda, como medida profilática, a erradi-cação dos vegetais contaminados. No presente caso, foram erradicadas 35.653 (trinta e cinco mil, seiscentos e cinquenta e três) plantas cítricas das propriedades ‘Sítio São Luiz’, ‘Sítio Dois Irmãos’ e ‘Sítio Triângulo’ (vide documentos de folhas 19/25). As plantas eliminadas foram as que estavam contaminas e as suspeitas de estarem – porque ausente na erradicação efetivada qualquer exercício irregular ou uso excessivo do poder de polícia sanitária em prejuízo ao direito de propriedade, incabível a indenização pleiteada pelo autor, em todas as suas formas – de se destacar, também, que em conformidade com o entendimento consolidado por esta Corte, inviável a indenização com espeque na Lei nº 3.780-A/1960 e no Decreto nº 51.207/1961, porquanto constituem normas de vigência temporária, inaplicável à hipótese dos autos. Recurso do autor improvido.” (TRF 3ª R. – AC 0003368-32.2008.4.03.6106/SP – 4ª T. – Relª Desª Fed. Mônica Nobre – DJe 17.07.2017 – p. 105)

8538 – Pregão – Infraero – contrato de concessão de uso – possibilidade

“Direito constitucional e administrativo. Infraero. Contrato de concessão de uso. Pregão. Possibi-lidade. Prorrogação. Recurso desprovido. 1. O pregão é modalidade autorizada para a concessão de direito real de uso de área aeroportuária, nos termos da Lei nº 10.520/2002. 2. A prorrogação do uso da área, sem previsão no contrato ou em termo aditivo, viola os princípios reguladores da licitação e da contratação de bens e serviços pela Administração Pública. 3. Mesmo quando exis-tente previsão contratual de renovação, não se trata de direito unilateral, exercitável no exclusivo interesse do particular, mas de possibilidade com a qual pode ou não assentir a Administração,

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mediante juízo discricionário de conveniência e de oportunidade, na defesa do interesse público. 4. Apelação desprovida.” (TRF 3ª R. – AC 0011860-66.2011.4.03.6119/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Carlos Muta – DJe 21.07.2017 – p. 134)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de apelação à denegação da ordem, em mandado de segurança impetrado com o objetivo de prorrogação do contrato por mais 24 (vinte e quatro) meses, nos termos da IN 357/MD, proibindo-se abertura de licitação para concessão de uso da área aeroportuária.

O impetrante alegou: “[...] (1) a sentença apelada não analisou o pedido de suspensão da modalidade licitatória na forma de pregão presencial, que contraria os dispositivos da Lei nº 8.666/1993, uma vez que o pregão ‘somente pode ser utilizado para contratação de bem ou serviço comum, sendo impossível adotar a modalidade de pregão, uma vez que sua fina-lidade deverá ser a do menor preço, e não a de maior preço’; e (2) a IN 357/MD, vigente à época do último aditamento, ampliou o prazo de prorrogação de concessão para 120 meses, ou seja, até dezembro de 2013”.

Assim, o nobre Relator, em seu voto entendeu:

“[...]

Com efeito, firme a jurisprudência a autorizar o uso da modalidade pregão, presencial ou ele-trônico, para concessão de direito real de uso, na forma da Lei nº 10.520/2002:

AMS 000223313.2011.4.01.3300, Rel. Des. Fed. Néviton Guedes, e-DJF: 03.11.2015: “ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – LICITAÇÃO – CONCESSÃO DE USO DE ÁREA COMERCIAL EM AEROPORTO – INFRAERO – MODALIDADE – PREGÃO – LEI Nº 8.666/1993 – LEI Nº 10.520/2002 – LEI Nº 9.636/1998 – DECRETO Nº 3.725/2001 – LEGALIDADE – 1. A Lei nº 8.666/1993, em seu art. 45, § 1º, inciso IV, estipulou como tipo de licitação, nos casos de alienação de bens ou concessão de direito real de uso, a de maior lance ou oferta, mas não estabeleceu qual a modalidade de licitação que deveria ser adotada, não havendo que se aplicar, à espécie, o disposto no art. 17, caput e inciso I, do mesmo diploma legal, que trata da alienação de bens da Administração Pública, que estabelece exigências ab-solutamente incompatíveis com a locação e a concessão de uso. 2. A Lei nº 10.520/2002 não veda a utilização da licitação denominada pregão na hipótese de concessão de direito real de uso, evidenciando a existência de lacuna legislativa no que se refere à modalidade de licitação a ser adotada em casos de concessão de uso de área pública em aeroporto administrado pela Infraero. 3. O Regulamento de Licitações e Contratos da Infraero não extrapolou os limites de sua competência, uma vez que há previsão legal estabelecendo a utilização da modalidade pregão, do tipo maior lance, para a alienação de bens em leilão judicial, Lei nº 11.101/2005, a qual pode ser invocada, para a formalização do mencionado regulamento, como suplemento analógico, bem como por haver previsão na Lei nº 8.666/1993. 4. O Decreto nº 3.725/2001, que regulamentou a Lei nº 9.636/1998, que dispõe sobre a regularização, administração, afo-ramento e alienação de bens imóveis da União, embora preveja a realização de procedimento licitatório, não elegeu nenhuma modalidade específica. 5. O Tribunal de Contas da União, no julgamento do Acórdão nº 11.355/2010, concluiu que, ‘a atividade da Infraero, ao estabelecer o pregão, para a licitação de concessões de uso de áreas comerciais nos aeroportos brasileiros, encontra pleno respaldo na legislação e atende plenamente o interesse público. Nada há, pois, que objetar à sua atuação na esfera da concessão dos espaços comerciais’. 6. Apelação a que se nega provimento.”

Ademais, não existe, como salientado, direito adquirido da parte à prorrogação do contrato administrativo, mesmo quando prevista a possibilidade, quando isto não convenha ao inte-resse público.

[...]

Ademais, mesmo existindo previsão contratual de renovação, não se trata de direito unilateral, exercitável no exclusivo interesse do particular, mas de possibilidade com a qual pode ou não assentir a Administração Pública, à luz de juízo discricionário de conveniência e oportunidade, na defesa do interesse público.

Ante o exposto, nego provimento à apelação.”

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Dessa forma, com base no exposto, o Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região negou provimento à apelação.

8539 – Responsabilidade civil do Estado – indenização por danos morais – farmácia pública – alegação de fornecimento de medicamento equivocado – não caracterização

“Direito constitucional. Direito administrativo. Ação de indenização por danos morais e materiais. Responsabilidade civil do Estado. Farmácia Pública do Município de Lavras. Alegação de forneci-mento de medicamento equivocado. Problemas de saúde decorrentes da ingestão do medicamento. Ausência de prova do ato. Recurso provido. Em se tratando de pedido de indenização por danos morais e materiais decorrentes dos problemas de saúde apresentados por paciente que alega ter re-cebido, em farmácia pública, medicamento diverso do constante da receita, a responsabilidade do ente público é objetiva, cabendo ao autor a prova do ato do agente público, do dano, e da relação de causa e efeito entre ambos, o que não ocorreu no presente caso, pois a entrega do medicamento equivocado não restou demonstrada.” (TJMG – AC 1.0382.14.016050-0/001 – 4ª C.Cív. – Rel. Moreira Diniz – DJe 25.07.2017)

8540 – Servidor público – auxiliar administrativo – cedido para exercer funções em delegacia federal – desvio de função – não ocorrência

“Constitucional. Administrativo. Processual civil. Apelação. Servidor público. Auxiliar administrati-vo de prefeitura municipal cedido para exercer funções em delegacia da polícia federal. Desvio de função não ocorrida. Exercício de atividade meramente burocrática e administrativa. Indevida inde-nização. Apelação desprovida. 1. Apelação interposta pelo autor contra sentença que julgou impro-cedente o pedido inicial de indenização equivalente ao exercício de atividades próprias de Agente da Polícia Federal, diferentemente do cargo de auxiliar administrativo que ocupava, nos termos do art. 487, I CPC/2015, condenado este ao pagamento de honorários advocatícios de um mil reais. 2. Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, os cargos públicos, com exceção dos cargos em comissão, passaram a ser providos por concurso público de provas ou provas e títulos, restando abolida qualquer forma indireta de ingresso no serviço público. 3. Matéria pacificada pela jurisprudência do STF por meio da Súmula nº 685, corroborada pela Súmula Vinculante nº 43, as-sim concebida: É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir--se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido. 4. No caso concreto, o autor era servidor munici-pal, cedido para exercer função administrativa na Delegacia da Polícia Federal em Ponta Porã/MS. 5. Ao ser questionado em juízo sobre suas tarefas perante a Delegacia da Polícia Federal em Ponta Porã/MS, o autor afirmou que não cumpria ordem judicial de busca e apreensão, não realizava investigação, não efetuava o cumprimento de mandados de prisão, não elaborava laudo de impres-sões digitais ou atividades de vigilância. 6. Disse ainda o autor que sempre esteve acompanhado de Agentes da Polícia Federal nas diligências realizadas em residências de estrangeiros, para verificar o preenchimento de requisitos legais para o setor de imigração. 7. Afirmou o autor que quanto à colheita de impressões digitais, não realizava laudo ou análise do material colhido. 8. E sobre a direção de veículos oficiais, disse que conduzia os automóveis para manutenção (mecânica), e, no tocante aos veículos apreendidos e armazenados no pátio, eram manobrados e conduzidos para manutenção. Levava as chaves dos veículos apreendidos no local dos leilões. 9. Os relatos das tes-temunhas não destoam da narrativa do autor, acima delineada, a corroborar o desempenho de mera atividade burocrática. 10. Apelação desprovida.” (TRF 3ª R. – AC 0001060-59.2013.4.03.6005/MS – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira – DJe 19.07.2017 – p. 93)

Comentário Editorial SÍNTESEO acórdão em comento é oriundo de apelação interposta contra sentença que julgou improce-dente o pedido inicial.

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O pedido tratava de indenização equivalente aos exercícios de atividades próprias de Agente da Polícia Federal, diferentemente do cargo de auxiliar administrativo que ocupava, nos termos do art. 487, I, CPC/2015, condenado este ao pagamento de honorários advocatícios de um mil reais.

Em suas razões recursais, o autor defende que: “[...] 1) realizava diligências em residência de estrangeiros para verificar o preenchimento dos requisitos legais para o setor de imigração; 2) realizava a colheita de impressões digitais, junto ao papiloscopista; 3) tinha acesso ao sistema informatizado da Polícia Federal, e, inclusive, incluía mandados de prisão; emitia pas-saportes; além de emitir os documentos de permanência, fronteiriço, até aplicação de multa aos estrangeiros irregulares no País; 4) dirigia veículos oficiais; 5) encarregado da manutenção de viaturas, dos veículos apreendidos, acompanhando todos os procedimentos dos leilões, fazendo vistorias, dentre outros atinentes aos procedimentos prévios dos leilões; 6) jornada de trabalho própria de agentes, pois permanecia de sobreaviso, sendo chamado quando ocorria apreensões de veículos”.

Assim, o nobre Relator em seu voto entendeu:

“[...]

Cumpre registrar que os cargos públicos no Brasil estão submetidos à rígida disciplina cons-titucional, segundo a qual a investidura ‘depende de prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei’ (art. 37, II, da CRFB).

Nesse passo, se a lei contemplasse a previsão de reenquadramento funcional certamente o texto normativo não passaria pelo crivo da constitucionalidade, pois estaria criando hipótese de ascensão funcional, forma de provimento que não é compatível com a Constituição da República, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucio-nalidade nº 231-7.

A Constituição vedou praticamente toda forma de transposição de cargos, exceção feita àque-las excepcionais hipóteses em que determinada carreira tenha sido extinta, devendo ser pro-movida a reclassificação dos servidores que a ocupavam. Repito que sequer o art. 19, do ADCT da CF/1988, teve o condão de promover dita equiparação para todos os fins jurídicos.

A respeito do tema, atente-se para os seguintes julgados do STF:

A exigência de concurso público para a investidura em cargo garante o respeito a vários princí-pios constitucionais de direito administrativo, entre eles, o da impessoalidade e o da isonomia.

O constituinte, todavia, inseriu no art. 19 do ADCT norma transitória criando uma estabilidade excepcional para servidores não concursados da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que, quando da promulgação da CF, contassem com, no mínimo, cinco anos ininterruptos de serviço público.

A jurisprudência desta Corte tem considerado inconstitucionais normas estaduais que ampliam a exceção à regra da exigência de concurso para o ingresso no serviço público já estabelecida no ADCT Federal. Precedentes: ADI 498, Rel. Min. Carlos Velloso (DJ de 09.08.1996) e ADI 208, Rel. Min. Moreira Alves (DJ de 19.12.2002), entre outros. (ADI 100, Relª Min. Ellen Gracie, julgamento em 09.09.2004, Plenário, DJ de 01.10.2004).

Constitucional. Servidor público: provimento derivado: inconstitucionalidade: efeito ex nunc. Princípios da boa-fé e da segurança jurídica. I – A Constituição de 1988 instituiu o concurso público como forma de acesso aos cargos públicos. CF, art. 37, II. Pedido de desconstitui-ção de ato administrativo que deferiu, mediante concurso interno, a progressão de servidores públicos. Acontece que, à época dos fatos – 1987 a 1992 –, o entendimento a respeito do tema não era pacífico, certo que, apenas em 17.02.1993, o Supremo Tribunal Federal suspendeu, com efeito ex nunc, a eficácia do art. 8º, III; do art. 10, parágrafo único; do art. 13, § 4º; do art. 17 e do art. 33, IV, da Lei nº 8.112, de 1990, dispositivos esses que foram declarados inconstitucionais em 27.08.1998: ADI 837/DF, Relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 25.06.1999. II – Os princípios da boa-fé e da segurança jurídica autorizam a adoção do efeito ex nunc para a decisão que decreta a inconstitucionalidade. Ademais, os prejuízos que adviriam para a Administração seriam maiores que eventuais vantagens do

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desfazimento dos atos administrativos. III – Precedentes do Supremo Tribunal Federal. IV – RE conhecido, mas não provido.

(RE 442.683, Rel. Min. Carlos Velloso, J. 13.12.2005)

MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA A PORTARIA Nº 286/2007, DO PROCURADOR-GE-RAL DA REPÚBLICA – ALTERAÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DO CARGO DE TÉCNICO DE APOIO ESPECIALIZADO – EXERCÍCIO DE ATIVIDADES DE SEGURANÇA – DIREITO À PERCEPÇÃO DA GRATIFICAÇÃO INSTITUÍDA PELO ART. 15 DA LEI Nº 11.415/2006 – 1. Os cargos pú-blicos, que consistem num ‘conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor’ (art. 3º da Lei nº 8.112/1990), são criados por lei e providos, se em caráter efetivo, após a indispensável realização de concurso público específico. 2. A Portaria PGR/MPU nº 286/2007 operou verdadeira transposição in-constitucional de cargos. Inconstitucional porque: a) a portaria é ‘meio juridicamente impróprio para veicular norma definidora das atribuições inerentes a cargo público’ (MS 26.955, Relª Min. Cármen Lúcia); b) houve alteração substancial das atribuições dos cargos titularizados pelos impetrantes. 3. Têm os autores direito à percepção da Gratificação de Atividade de Segurança (GAS), instituída pelo art. 15 da Lei nº 11.415/2006, pois exercem funções de segurança. 4. Segurança concedida.

(MS 26740, Rel. Min. Ayres Britto)

[...]

O desvio de função se caracteriza pela realização de atividades diversas daquelas que são ine-rentes ao cargo no qual o servidor foi empossado, realizando trabalho devido a cargo diferente do que ocupa.

No caso concreto, o autor era servidor municipal, cedido para exercer função administrativa na Delegacia da Polícia Federal em Ponta Porã/MS.

Assim, não se cogita de reenquadramento, porquanto o autor era estranho ao quadro funcional da Polícia Federal.

[...]

Nesse sentido, a jurisprudência do STF:

DESVIO DE FUNÇÃO – ENQUADRAMENTO – O fato de ocorrer o desvio de função não autoriza o enquadramento do servidor público em cargo diverso daquele em que foi inicialmente inves-tido, mormente quando não estão compreendidos em uma mesma carreira. O deferimento do pedido formulado, passando o servidor de Motorista Diarista a Detetive de Terceira Classe sem o concurso público, vulnera o inciso II do art. 37 da Constituição Federal de 1988.

(RE 165128/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio)

[...]

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

É como voto.”

Dessa forma o Tribunal Regional Federal da 3ª Região negou provimento à apelação.

8541 – Servidor público – inativo – gratificação de desempenho de atividade de ciência e tecno­logia – omissão – inexistência

“Administrativo. Servidor público inativo. Gratificação de Desempenho de Atividade de Ciência e Tecnologia – GDACT. Omissão. Inexistência. Prequestionamento. Ausência. Súmula nº 282/STF. Reexame de matéria fático-probatória. Impossibilidade. Óbice da Súmula nº 7/STJ. 1. O acórdão recorrido não apreciou as matérias versadas nos arts. 373, II e 374, III, do CPC, tampouco foram opostos embargos declaratórios para suprir eventual omissão. Portanto, ante a falta do necessário prequestionamento, incide o óbice da Súmula nº 282/STF. 2. A alteração das conclusões adotadas pela Corte de origem acerca do termo inicial do prazo decadencial, tal como colocada a questão nas razões recursais, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório cons-tante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula

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nº 7/STJ, o que impede, também, o conhecimento pelo dissídio jurisprudencial. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-EDcl-Ag-REsp 976.619 – (2016/0231412-1) – 1ª T. – Rel. Min. Sérgio Kukina – DJe 03.08.2017 – p. 6150)

Transcrição Editorial SÍNTESESúmula do Superior Tribunal de Justiça:

“7 – Pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.”

8542 – Servidor público federal – pensão por morte e aposentadoria – Regime Geral de Previ­dência Social – impossibilidade

“Administrativo. Servidor público federal. Pensão por morte. Filha maior inválida. Cumulação com pensão por morte e aposentadoria oriundas do regime geral de previdência social. Impossibilidade. Alegação de dependência econômica. Reexame de matéria fática. Inviabilidade. Súmula nº 7/STJ. 1. A redação do art. 217, II, a, do Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei nº 8.112/1990), à época do falecimento do pai da autora, cuida de presunção relativa da dependência econômica do filho inválido, sendo admitida, entretanto, prova em sentido contrário, tal como ocorre nestes autos, em que ficou evidenciado que a autora, na data do óbito do servidor falecido, percebia aposenta-doria por invalidez e pensão por morte oriundas do Regime Geral da Previdência Social. 2. Para fazer jus à pensão mensal de que cuida o art. 215 do referido diploma legal, consoante os próprios dizeres do dispositivo (Por morte do servidor, os dependentes fazem jus a uma pensão...), a autora deveria se enquadrar como dependente do servidor público falecido, o que, repita-se, na hipótese dos autos, não pode ser admitido, tendo em vista que a condição de beneficiária da pensão (ou seja, de dependente do pai) já havia sido por ela perdida em razão de ter exercido atividade remunerada e de inclusive haver contraído núpcias, tendo, em tal contexto e de forma desenganada, se desliga-do da condição de dependente de seu genitor, mesmo coabitando sob o mesmo teto. 3. O acolhi-mento da tese subsidiária aduzida no apelo especial, no sentido de que ‘a dependência econômica da autora restou demonstrada às escâncaras’, exigiria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência que se sabe vedada em recurso especial, a teor do óbice previsto na Súmula nº 7/STJ. 4. Recurso especial a que se nega provimento.” (STJ – REsp 1.449.938 – (2012/0193035-9) – 1ª T. – Rel. Min. Benedito Gonçalves – DJe 02.08.2017 – p. 6133),

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Seção Especial – Estudos Jurídicos

O Princípio da Autotutela Aplicado a Processo Administrativo sobre Imunidade de ITBI – Estudo de Caso

CARLOS EDUARDO DE MATTOSGraduação em Engenharia de Minas pela UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais, Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera/SP, Direito Tributário e Direito Ambiental pela UNIP – Universidade Paulista/SP, Mestre em Ciências da Engenharia Ambiental pela USP – Universidade de São Paulo/SP, Auditor Fiscal Tributário. Possui expe‑riência nas áreas do meio ambiente e administração tributária. Atua no setor público há mais de 17 anos no campo da administração tributária, como servidor público municipal concursa‑do. No setor privado, possui mais de 27 anos de experiência integralizados em gerência de produção, assessoria técnica ambiental e atividades profissionais docentes em instituições universitárias.

RESUMO: O presente artigo discute a importância e as consequências da aplicação do princípio constitucional da autotutela administrativa em caso hipotético de vício de ilegalidade em processo administrativo sobre reconhecimento de imunidade de ITBI – Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis, considerando uma operação de integralização de bens imóveis ao capital social da empresa.

PALAVRAS‑CHAVE: Autotutela administrativa; Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis; vício de ilegalidade; imunidade tributária.

ABSTRACT: The aim of this article is to discuss the application of the constitutional principle of self‑‑tutelage of public administrative law, its importance and consequences, on a hypothetical case of illegality on the administrative process that granted immunity of ITBI – property transfer tax – on real estate contributions to the capital of a company.

KEYWORDS: Self‑tutelage of public administrative law; property transfer tax; illegality; tax immunity.

A Administração Pública é dotada de princípios próprios, explícitos e implícitos. Esses princípios são regras gerais de observância permanente e obri-gatória para o administrador, gestor público. Sabe-se que, na Administração Pública, os agentes públicos devem agir em razão do direito, ou seja, em con-formidade com as regras, as normas e os princípios, e que qualquer descumpri-mento direto e frontal a um princípio pode gerar uma sanção estabelecida em lei.

Entre os princípios implícitos da Administração Pública na Constituição Federal de 1988 está o princípio da autotutela administrativa. Consiste no dever da Administração de anular um ato administrativo eivado de vício, quando esse se afasta da lei e do direito. É por meio desse princípio que a Administração controla seus próprios atos, revendo-os e anulando-os quando praticados com alguma ilegalidade, e reexaminando-os quanto aos aspectos da conveniência e

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oportunidade, sempre considerando a preservação dos direitos e das garantias fundamentais.

A autotutela tem como base outro princípio: o da legalidade. Isso signi-fica que a Administração Pública só pode agir dentro da legalidade, e, sendo assim, atos administrativos eivados de ilegalidade devem ser revistos e anulados sob pena de afronta ao ordenamento jurídico.

Importante mencionar que o principio da autotutela administrativa esteve presente na jurisprudência do STF – Supremo Tribunal Federal desde a década de 60, e a doutrina também tem legitimado esse axioma com alto grau de rele-vância na condução de processos administrativos, sempre voltados ao interesse público.

As Súmulas nºs 346 e 473 do STF embasam o princípio da autotutela, conforme demonstrado a seguir:

Súmula nº 346 – A Administração Pública pode declarar a nulidade de seus pró-prios atos.

Súmula nº 473 – A Administração pode anular seus próprios atos, quando eiva-dos de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivos de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

O verbo “poder” aqui mencionado no texto da Súmula nº 473 é entendi-do como “dever”. Sendo assim, não haveria opção da Administração diante de um ato ilegal, senão o dever de ajustá-lo ao Direito. A própria Lei do Processo Administrativo no âmbito federal já positivou o referido axioma, utilizando-se do termo modernizado, no sentido do “dever de anular” pela Administração Pública. É o que prevê o art. 53 da Lei Federal nº 9.784/1999: “A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos”.

De acordo com Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o princípio da au-totutela é referencial ao Direito Administrativo. A Administração pode anular seus próprios atos no exercício do controle interno da legalidade, legitimidade e moralidade, e ainda revogá-los avaliando a oportunidade e a conveniência:

Este princípio exprime o dever da Administração Pública de fiscalizar seus pró-prios atos quanto à juridicidade, o que envolve a adequação dos processos de-senvolvidos e, sobretudo, dos resultados alcançados ao interesse publico, o que corresponde aos controles que lhe incumbem: 1) de legalidade, de legitimidade, e de licitude, que são vinculados; 2) de mérito, que é discricionário [...].1

1 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. 16. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

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José dos Santos Carvalho Filho acompanha o mesmo pensamento:

A Administração Pública comete equívocos no exercício de sua atividade, o que não é nem um pouco estranhável em vista das múltiplas tarefas a seu cargo. De-frontando-se com esses erros, no entanto, pode ela mesma revê-los para restaurar a situação de regularidade. Não se trata apenas de uma faculdade, mas também de um dever, pois que não se pode admitir que, diante de situações irregulares, permaneça inerte e desinteressada.2

A doutrina vem consolidando o entendimento que os efeitos da anulação de um ato viciado retroagem a sua edição, quando surge para a Administração o dever de anular um ato administrativo, considerando que do ato inválido, nulo, não decorre efeitos jurídicos. Nesse caso ocorre o efeito ex tunc, sendo que da anulação pode surgir eventual indenização ao particular pelos desvios de conduta administrativa.

Já, com relação à faculdade de revogação do ato administrativo inoportu-no ou inconveniente, e também por não haver qualquer desvio de conduta ou ilegalidade reconhecida, a regra é que não retroajam os efeitos da revogação, ou seja, ex nunc, bem como por conta da precariedade e discricionariedade da medida, em regra, a doutrina aponta para impossibilidade de indenização ao particular.

Outro aspecto importante é o instituto da decadência, previsto no art. 54, caput, combinado com os respectivos §§ 1º e 2º da Lei nº 9.784/1999:

Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que de-corram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

§ 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se--á da percepção do primeiro pagamento.

§ 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.

Diante da positivação do instituto da decadência na referida lei, o limite normativo temporal de cinco anos foi estabelecido para a Administração Públi-ca federal rever seus atos eivados de vícios, salvo comprovada má-fé.

Já a convalidação mantém os atos ilegais em situação de “validade”, pois consiste no aproveitamento do ato administrativo cuja incidência do vício não possui a aptidão de fulminá-lo do mundo jurídico. Trata-se de ato administrati-vo anulável, isto é, que possui vício sanável.

2 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lummen Iuris Editora, 2010.

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De acordo com José dos Santos Carvalho Filho, com relação à convalida-ção: “É o processo que se vale a administração para aproveitar atos administra-tivos com vícios superáveis, de forma a confirmá-los no todo ou em parte. Só é admissível o instituto da convalidação para a doutrina dualista, que aceita que possam os atos administrativos ser nulos ou anuláveis”3.

O mesmo autor defende que ato que convalida tem efeitos ex tunc, uma vez que retroage ao momento em que foi praticado o ato originário.

Rafael Carvalho Rezende Oliveira entende que não é possível a conva-lidação nos seguintes casos: “Não será possível a convalidação por vontade da Administração nas seguintes hipóteses: a) má-fé do administrado; b) vícios insanáveis; c) lesão ao interesse público; d) prejuízos a terceiros”4.

Em geral, existem limites para a convalidação do ato administrativo. Não podem ser convalidados os atos que possuam vícios insanáveis, aqueles que possuam conteúdo uno e tenham vícios de objeto, motivo e finalidade, quando houver impugnação do administrado ou quando já tiver decaído o direito da Administração em rever seus atos inválidos.

Passamos, então, a discorrer sobre situações de invalidação do ato admi-nistrativo, objeto desse estudo.

Entende-se que a invalidação do ato administrativo é a retirada do ato viciado do mundo jurídico pela Administração, por meio da autotutela adminis-trativa, tendo enfoque em uma atuação de controle interno. Sendo assim, uma vez contrariado o Direito, surge para a Administração Pública o dever de inva-lidar o ato administrativo. Fica claro que o motivo é a contrariedade ao Direito.

Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, em seus ensinamentos, destaca a previsão de atos nulos e anuláveis:

Será nulo quanto à capacidade da pessoa se praticado o ato por pessoa jurídica sem atribuição, por órgão absolutamente incompetente, ou por agente usurpador da função pública. Será nulo quanto ao objeto, se ilícito ou impossível, por ofen-sa frontal à lei, ou nele se verifique o exercício de direito de modo abusivo. Será nulo, ainda, se deixar de respeitar forma externa prescrita em lei ou preterir so-lenidade essencial para sua validade. Ao contrário, será simplesmente anulável, quanto à capacidade da pessoa, se praticado por agente incompetente, dentro do mesmo órgão especializado, uma vez o ato cabia, na hierarquia, ao superior. Ou-trossim, será tão somente anulável o que padeça de vício de vontade decorrente de erro, dolo, coação moral ou simulação.5

3 Idem.4 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Princípios do direito administrativo. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:

Forense, 2013.5 MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais do direito administrativo. 1. ed. Rio de Janeiro:

Forense, v. I, 1979. p. 579.

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No mesmo campo de invalidade do ato administrativo, Celso Antônio Bandeira de Mello expõe o seguinte:

A) Alguns entendem que o vício acarreta sempre a nulidade do ato. É a posição de Hely Lopes Meirelles, por exemplo. B) Outros, como Tito Prates da Fonseca e Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, sustentam que a tradicional distinção entre atos nulos e anuláveis aplica-se ao Direito Administrativo. De acordo com este último autor, as espécies mencionadas se contrapõem em que: a) os atos nulos não são convalidáveis, ao passo que os anuláveis o são. Vale dizer: conhecido o vício, há maneiras de corrigi-lo retroativamente; b) os atos nulos, em juízo, podem ser fulminados sob provocação do Ministério Público quando lhe caiba intervir no feito, ou ex officio pelo juiz, ao passo que os anuláveis dependem desta arguição pelos interessados para serem fulmináveis; c) os atos nulos só prescrevem longis temporis, enquanto os anuláveis prescrevem brevi temporis. C) Seabra Fagundes defende uma visão tricotômica: nulos, anuláveis e irregula-res; ressalvando, todavia, que as duas primeiras espécies não correspondem às do Código Civil, nem quanto aos tipos de vícios nem quanto aos efeitos deles. Todos negam relevância jurídica à espécie atos inexistentes, indicando que, de direito, equivalem aos atos nulos.6

Em regra, os efeitos da invalidação do ato administrativo são ex tunc. Entretanto, a doutrina reconhece também a modulação dos efeitos na invali-dação do ato administrativo, pois é sabido que mesmo atos inválidos podem gerar efeitos enquanto perduram no mundo jurídico, e esses podem atingir ter-ceiros de boa-fé, inclusive constituir direitos adquiridos. Nesse sentido, torna-se interessante a avaliação da modulação dos efeitos no âmbito da invalidação do ato administrativo, em decorrência de alguns princípios, como a segurança jurídica, a boa-fé, o interesse público predominante, a confiança legítima, entre outros valores fundamentais, incluindo o da dignidade da pessoa humana, valor essencial no atual Estado Democrático de Direito. A Administração deve ainda operar pela razoabilidade e proporcionalidade, ponderando valores em debate.

A seguir, passamos a analisar um caso específico que envolve decisão administrativa sobre reconhecimento de imunidade quanto ao imposto munici-pal sobre transmissão de bens imóveis, o ITBI.

Normalmente a Fazenda Municipal, por meio do seu setor de adminis-tração tributária, avalia pedidos de reconhecimento de imunidade tributária de ITBI. É o que ocorre quando há uma operação de integralização de bens imó-veis ao capital social da empresa. Por exemplo, quando o sócio em uma socie-dade empresarial quer integralizar seu imóvel particular ao capital da empresa e solicita a Fazenda Municipal o reconhecimento de “isenção” ou de “imuni-

6 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 475.

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dade” nessa operação para não recolher o imposto, com base no art. 156 da Constituição Federal.

De acordo com o art. 156, § 2º, inciso I, da Carta Magna, não há incidên-cia do Imposto de Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis (ITBI) nas hipóteses de integralização de bens imóveis ao capital social da empresa:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

[...]

II – transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

[...]

§ 2º O imposto previsto no inciso II:

I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mer-cantil;

[...].

No mesmo sentido, os arts. 36 e 37 do CTN – Código Tributário Na-cional:

Art. 36. Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior:

I – quando efetuada para sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito;

II – quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por outra ou com outra.

Parágrafo único. O imposto não incide sobre a transmissão aos mesmos alie-nantes, dos bens e direitos adquiridos na forma do inciso I deste artigo, em de-corrência da sua desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos.

Art. 37. O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de proprie-dade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.

§ 1º Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinqüenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subseqüentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo.

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§ 2º Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 2 (dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior levando em conta os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição.

§ 3º Verificada a preponderância referida neste artigo, tornar-se-á devido o im-posto, nos termos da lei vigente à data da aquisição, sobre o valor do bem ou direito nessa data.

§ 4º O disposto neste artigo não se aplica à transmissão de bens ou direitos, quan-do realizada em conjunto com a da totalidade do patrimônio da pessoa jurídica alienante.

Trata-se de caso de imunidade constitucional específica e condicionada, que estabelece a retirada do ITBI de seu campo de incidência em operações nas quais imóveis são incorporados ao patrimônio de pessoas jurídicas em decor-rência de integralização de capital social. A exceção a essa regra se materializa quando a pessoa jurídica adquirente possui atividade preponderante de compra, venda, aluguel ou arrendamento mercantil de imóveis nos termos previstos nos §§ 1º, 2º e 3º do art. 37 do CTN. Para isso, o Fisco Municipal deve apurar, em momento futuro, a atividade preponderante da empresa, tendo como elemento essencial a data da aquisição do imóvel, ou seja, a data do registro em cartório.

Assim, a princípio, quem integraliza bens imóveis é imune ao pagamen-to de ITBI, salvo nos casos expressos na Constituição Federal. Portanto, quan-do ocorre um pedido à Fazenda Municipal de reconhecimento de imunidade constitucional tendo como objeto a operação de integralização de bens dos sócios ao capital social da empresa, a regra geral deveria ser a de deferimento do pedido com decisão condicionada à futura avaliação sobre a atividade pre-ponderante da empresa.

Ocorre que a Administração Pública comete equívocos no exercício de sua atividade e, defrontando-se com esses erros, pode ela mesma rever seus atos e restaurar a situação de regularidade. Como já explanado anteriormente, não se pode admitir que a Administração Pública, diante de situações irregulares, permaneça inerte e desinteressada.

Consideramos, então, o seguinte caso hipotético:

Um contribuinte protocola requerimento à Fazenda Municipal, em 15 de maio de 2006, solicitando imunidade tributária referente ao ITBI sobre ope-ração de integralização de imóvel particular de sócio ao capital social da sua empresa, informando que essa exerce atividade (registrada na junta comercial competente) diferente das elencadas no art. 156, § 2º, inciso I, da Carta Magna, ou seja, “compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”. O pedido é, então, encaminhado ao órgão jul-

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gador fazendário de primeira instância administrativa, que, após análise dos documentos, inclusive cadastrais, profere decisão, datada em 1º de junho de 2006, reconhecendo imunidade tributária nessa operação. Entretanto, a deci-são é emitida constando em sua redação: “O contribuinte não desenvolve as atividades previstas no art. 156, § 2º, inciso I, da CF, e com base nisso tem sua imunidade reconhecida”. Na mesma data o requerente toma ciência da decisão e, posteriormente, registra a aquisição (transmissão) em cartório na data de 30 de junho de 2006.

Verifica-se aqui que a decisão foi tomada com base apenas em elemento contratual, e também foi redigida de forma “genérica e incondicional”, ou seja, sem haver qualquer menção de que se trata de imunidade tributária deferida à pessoa jurídica sob condição resolutiva, provisória, condicionada a verificação futura da atividade preponderante da empresa beneficiada pelo não pagamento do tributo.

Entende-se que o Fisco Municipal deveria atentar pela “realidade fática” relativa à atividade exercida pela empresa, em conformidade com o entendi-mento predominante dos Tribunais, como, por exemplo, a posição do Superior Tribunal de Justiça, expressa no relatório do eminente Ministro Luiz Fux, nos autos do Recurso Especial nº 448.527/SP.

[...] Demais disso, [...], é imprescindível que, para fins de reconhecimento da imunidade tributária, a realidade fática prevaleça sobre a previsão contratual, relativamente ao objeto social das pessoas jurídicas; ou seja, o que importa, para fins tributários, não é a atividade descrita como objeto social das pessoas jurídi-cas, em seus respectivos contratos sociais, mas sim a atividade que tais pessoas jurídicas efetivamente desenvolverem. Isso porque a pessoa jurídica será imuni-zada, não pela atividade que pretendeu desenvolver, consubstanciada em seu contrato social, mas pela que efetivamente exercitou [...].

Segundo Aires Barreto7, a “realidade fática” haverá de prevalecer à pre-visão contratual sobre o objeto social das pessoas jurídicas, ou seja, o que vale para fins tributários não é a atividade descrita como objeto social das pessoas jurídicas em seus respectivos contratos sociais, e sim a atividade que elas efeti-vamente desenvolvem.

A mera declaração formal do objeto social da empresa, para fins de re-conhecimento de imunidade, é um dado considerado precário. A regra básica é que, quando se trata de imunidade do ITBI, a forma (objeto social) não pode se sobrepor ao conteúdo (preponderância da atividade).

7 BARRETO, Aires Fernandino. ITBI – Transmissão de Bens Imóveis da Empresa A para as Empresas B e C – Conceito de atividades preponderantes. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, n. 166, p. 311, jul. 2009.

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Além disso, a decisão administrativa de reconhecimento da imunidade, de forma “genérica e incondicional”, estaria caracterizada por vício de ilegali-dade, já que afronta o direito, pois se trata de caso em que o ato deveria estar condicionado a análise futura, ou seja, a avaliação da atividade preponderante da empresa, tendo como base o art. 156 da Constituição Federal e seus pará-grafos, surgindo para a Administração o dever de invalidar o ato e proferir nova decisão, em conformidade com a lei. Portanto, o motivo aqui é a contrariedade ao direito.

Considerando os equívocos cometidos pela Administração Pública e a aplicação do princípio da autotutela administrativa, dois aspectos importantes devem ser mencionados:

– O primeiro é que a Fazenda Municipal deveria anular a decisão sobre o reco-nhecimento de imunidade dentro do período decadencial, aplicando o principio da autotutela administrativa. Como o limite normativo temporal é de 5 (cinco) anos para rever o ato eivado de vício, salvo comprovada má-fé, a Administração deveria rever a decisão no período de 1º de junho de 2006 a 31 de maio de 2011, proferin-do outra de caráter específico, sob condição resolutiva, apontando para futura aná-lise de atividade preponderante da empresa. Os efeitos da anulação seriam ex tunc, ou seja, retroativos à edição do ato viciado. A ciência desta nova decisão seria dada ao contribuinte, na forma da lei, restabelecendo o seu direito à ampla defesa.

Para o caso de má-fé, tanto do administrador quanto do destinatário da medida viciada, ou de ambos, o entendimento preponderante que decorre da Lei nº 9.784/1999 é pela não aplicação do prazo decadencial de 5 (cinco) anos vigente por meio do art. 54. Ressalta-se que não há prazo decadencial nor-matizado para casos de má-fé, mas entende-se que deveria existir em prol da segurança jurídica para que a Administração Pública possa anular atos eivados de nulidade.

O retorno à legalidade não deveria ser realizado de qualquer forma, e sim com o devido processo administrativo invalidador, com parecer técnico da Fazenda Municipal respeitando o direito. Com isso, a Administração Pública consagraria os princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido proces-so legal, direitos adquiridos do destinatário relativos aos efeitos de uma ordem invalidadora gerada pela Administração Pública.

– O segundo é que, diante do princípio da segurança jurídica, não ha-vendo má-fé entre as partes e passado o período decadencial sem a citada revisão da decisão administrativa ou qualquer manifestação por parte da administração, o Fisco perderia o direito à avaliação futura da atividade preponderante da empresa, ficando impedido de lançar o tributo. O decurso do tempo, aliado à boa-fé das partes, inviabilizaria o dever de invalidar da Administração, pois essa inva-

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lidação poderia ocasionar prejuízos irreversíveis ao particular, além de afrontar o princípio da segurança jurídica, que tem por função assegurar estabilidade às relações jurídicas já consolidadas. Com a regra da segurança jurídica, protegem-se justamente os direitos adquiridos consolidados por intermédio de ações ou omissões da Administração Pública.

Concluindo, entende-se que a autotutela administrativa abrange o con-trole interno, legal e político, dos atos administrativos, respectivamente, vicia-dos ou inoportunos. É fator de estabilidade jurídica para a Administração Públi-ca que possui um campo autônomo de apreciação da legalidade e legitimidade de suas condutas administrativas.

É fundamental que se assegure o bom funcionamento da Administração Pública por meio de atividades administrativas alinhadas às normas vigentes do nosso ordenamento jurídico, ficando evidente que a aplicação do principio da autotutela, por meio do controle dos atos administrativos, se torna de suma importância no exercício da gestão pública.

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Clipping Jurídico

Teto remuneratório incide sobre a remuneração de cada cargo

A remuneração de cargos públicos cumulados de forma legítima deve ser considerada isoladamente, sem ser submetida ao teto constitucional. Esse foi o entendimento da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) ao julgar agravo de instrumen-to interposto contra decisão que negou seguimento ao agravo em ação interposta pelo Sindicato dos Médicos do Distrito Federal (Sindmédico/DF), que objetivava impedir a aplicação de teto remuneratório sobre a soma dos salários de cargos cumulados. Na apelação, o agravante sustenta que a aplicação de teto constitucional sobre o somatório das verbas é suscetível de contestação, já que a Constituição Federal não prevê a inci-dência do teto remuneratório sobre a soma das verbas. Pretende que seja reconhecida como ilícita a conduta da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), em promover a soma das remunerações e/ou dos proventos para efeito de aplicação do teto remuneratório. A relatora, desembargadora federal Gilda Sigmaringa Seixas, acentuou em seu voto que a tese da parte autora também se ampara no entendimento do STJ, que frisa que a finali-dade de teto constitucional é evitar abusos e salários descomunais no serviço público. Não se visa impedir que aqueles que de fato cumulam cargos percebam os respectivos vencimentos. Segundo a magistrada, havendo permissivo constitucional para a acumu-lação remunerada de cargos públicos nas hipóteses previstas na Constituição Federal, absolutamente incoerente se apresentaria a necessidade de consideração cumulativa das respectivas remunerações para a finalidade de limitação ao teto constitucional. Desse modo, o Colegiado, acompanhando o voto da relatora, deu provimento ao agravo de ins-trumento para reformar a decisão agravada (Processo nº 0036662-07.2014.4.01.0000). (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

Candidatos com mais de 30 anos não podem se inscrever no concurso da PM, de­cide TJ

O desembargador Celyrio Adamastor Accioly, do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL), suspendeu as liminares que autorizavam que candidatos com mais de 30 anos se ins-crevessem no concurso da Polícia Militar do Estado. A decisão foi proferida. De acordo com o desembargador, a decisão de 1º grau que concedeu as liminares se amparou em lei estadual que se encontra com sua eficácia suspensa por determinação exarada em ação direta de inconstitucionalidade. “Em que pese a decisão proferida ter consignado a existência da Lei Estadual nº 7.657/2014, a qual altera o limite de idade para ingresso de soldados de 30 para 40 anos, esta não pode ser aplicada ao caso em questão, uma vez que se encontra com seus efeitos suspensos pelo Pleno deste Tribunal de Justiça”, afir-mou Celyrio Adamastor. Ainda segundo o desembargador, as liminares concedidas cau-sam grave lesão à ordem pública. “A medida enérgica ora tomada visa também abortar o indesejado efeito multiplicador que decisões como a que por ora se suspende traz em seu bojo, evitando, por exemplo, que outros candidatos que não preenchem o requisito etário no momento da inscrição possam se valer da mesma medida na tentativa de obter idêntico pronunciamento judicial, o qual, como visto, causa e vem causando grave lesão à ordem pública’, destacou. A suspensão das liminares, concedidas pela 17ª Vara Cível de Maceió, atendeu a pedido da Procuradoria-Geral do Estado. Para o órgão estadual, o candidato que no momento da inscrição não tem a idade limite não passará a tê-la com a passagem do tempo (Processo nº 0803739-24.2017.8.02.0000). (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas)

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Justiça determina que candidato com deficiência eliminado de concurso público volte ao certame

A juíza Ana Cláudia Secundo da Luz e Lemos, da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comar-ca de Natal, determinou que um candidato com deficiência física excluído de concurso público após perícia médica seja reinserido ao certame. De acordo com a decisão, a eliminação do candidato pelo motivo alegado só poderia ocorrer durante o estágio pro-batório. Com a decisão, que tem caráter liminar, o candidato está autorizado a realizar as próximas fases do concurso de agente penitenciário. O candidato, que concorria a uma das vagas destinadas a deficientes físicos em concurso público para o cargo de agente penitenciário realizado pela Secretaria de Administração e dos Recursos Huma-nos (SEARH), ingressou com mandado de segurança depois de ser eliminado do certame após uma perícia médica atestar que a sua deficiência seria incompatível com o cargo pretendido. O autor do MS alega que a exclusão do concurso ocorreu a partir de um ato ilegal, atribuído ao presidente do Instituto de Desenvolvimento Educacional, Cultural e Assistencial Nacional (Idecan), banca responsável pelo concurso. De acordo com o candidato, a compatibilidade da deficiência com o cargo só deve ser avaliada durante o estágio probatório. Na decisão, a juíza considerou jurisprudência consolidada pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que coaduna com a tese defendida pelo can-didato, e determinou a suspensão do ato que eliminou o candidato do concurso público, garantindo-lhe a participação nas demais fases do certame. Segundo a jurisprudência citada, o Decreto nº 3.298/1999, que regulamentou a Lei nº 7.853/1989 e instituiu a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, assegura ao candidato aprovado em vaga destinada aos portadores de deficiência física que o exame da compatibilidade no desempenho das atribuições do cargo seja realizada por equipe multiprofissional, durante o estágio probatório. “Logo, não se afigura legítima a elimina-ção de candidato antes do estágio probatório sob a justificativa de incompatibilidade da deficiência com as atribuições do cargo”, observa a juíza Ana Cláudia Secundo Lemos (Processo nº 0836942-08.2017.8.20.5001). (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Rio Grande do Norte)

ADPF pede que orçamentos de universidades do RJ deixem de ser geridos pelo go­verno estadual

O partido Rede Sustentabilidade ajuizou arguição de descumprimento de preceito fun-damental (ADPF 474) na qual pede que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheça que a concentração no Governo do Estado da gestão financeira e orçamentária das uni-versidades públicas fluminenses – Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) e Fundação Centro Universitário Estadual Zona Oeste (UEZO) – viola preceitos da Constituição Federal de 1988. A relatora da ADPF é a ministra Rosa Weber. Na ação, a Rede narra o quadro de abandono em que se encontram essas universidades, que atravessam a maior crise de sua história, com professores, servidores e funcionários terceirizados há vários meses sem receber qualquer remuneração, além de sucessivas interrupções, por falta de paga-mento, de serviços essenciais, como limpeza e coleta de lixo, manutenção de elevado-res, segurança e funcionamento dos restaurantes universitários. O partido argumenta que a concentração da gestão financeira e orçamentária pelo governo vem sendo promovida de forma progressiva, desde a implantação, no Estado, do Caixa Único do Tesouro, que passou a abarcar, também, as entidades da administração indireta, entre elas as universi-dades públicas. A medida, segundo a Rede, retirou das universidades estaduais o poder

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de pagar suas próprias despesas. A situação, conforme a argumentação do partido, se agravou depois de 2014, com a edição de decreto que unificou os recursos financei-ros estaduais, transferindo as verbas depositadas nas contas das universidades (inclusive recursos gerados por elas próprias) para o Caixa Único do Tesouro. “Na prática, esse modelo significa que as universidades não têm nenhuma liberdade para gerir seus re-cursos orçamentários, passando a depender integralmente do Governo para pagar suas próprias despesas. E, infelizmente, o governo tem decidido sistematicamente não pagar nenhuma despesa – mesmo aquelas indispensáveis para manter o funcionamento de tais instituições”, sustenta. Para o partido, esse sistema é incompatível com a autonomia uni-versitária garantida pelo art. 207 da Constituição Federal e viola, também, as normas ge-rais sobre educação editadas pela União. O modelo, alega, vem sendo empregado pelo Governo do Estado para matar por inanição as universidades públicas estaduais. A Rede entende que deve ser aplicável ao caso o sistema previsto no art. 168 da Constituição da República, segundo o qual os recursos correspondentes às dotações orçamentárias desti-nados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defen-soria Pública deverão ser repassados até o dia 20 de cada mês, em duodécimos. Sustenta a viabilidade da analogia constitucional, de modo a conferir efetividade à garantia cons-titucional de autonomia financeira para as universidades fluminenses. O partido pede a concessão de liminar para determinar, até o julgamento do mérito da ADPF, que seja realizado o repasse mensal dos duodécimos orçamentários às universidades públicas fluminenses. A legenda explica que deve ser ressalvada, no entanto, a possibilidade de contingenciamento de despesas discricionárias das universidades, realizado pelas pró-prias instituições de ensino, nas hipóteses, nos termos e nos limites estabelecidos pela Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal). Pede ainda que a liminar determine a liberação dos duodécimos dos meses anteriores deste ano ou, no mínimo, de recursos orçamentários suficientes para a quitação dos valores atrasados relativos aos vencimentos de seus professores e servidores, à bolsa permanência de alunos cotistas carentes e às dívidas ligadas ao pagamento de despesas de custeio com fornecedores e funcionários terceirizados. No mérito, pede que seja reconhecido que as universidades públicas fluminenses fazem jus ao recebimento de duodécimos mensais dos valores a elas atribuídos pelo orçamento do Estado do Rio de Janeiro, nos termos do art. 168 da Constituição Federal. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

Câmara aprova projeto que reforça proibição de promoção automática em escolas

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania aprovou, em caráter conclusivo, o Projeto de Lei nº 8.200/2014, do deputado Alexandre Leite, que reforça a proibição de alunos se classificarem para qualquer série ou módulo da educação básica (ensino mé-dio e fundamental) por meio de promoção automática. A proposta segue para o Senado, caso não haja recurso para análise pelo Plenário da Câmara. Hoje, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB – Lei nº 9.394/1996) diz que a classificação em qualquer série, exceto na primeira do ensino fundamental, será feita por promoção (para alunos que cur-saram, com aproveitamento, a série anterior na própria escola), mediante transferência (para candidatos procedentes de outras escolas) ou por meio de avaliação elaborada pela escola. O projeto altera a lei, acrescentado que será proibida, em qualquer hipótese, a promoção automática. O parecer do relator, deputado Marcos Rogério, foi pela consti-tucionalidade, juridicidade e técnica legislativa do projeto e da emenda da Comissão de Educação, com subemenda de técnica legislativa. A emenda estabelece que a proibição não valerá para a educação infantil e ressalva a autonomia dos sistemas de ensino para

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a organização do ensino em ciclos, conhecidos como progressão continuada. Nesse sistema, há um alargamento do conceito de período escolar, baseando-se em ciclos em vez de anos, sendo possível, por exemplo, um ciclo letivo que ultrapasse os 200 dias letivos previstos na legislação de regência da educação. O deputado Luiz Couto consi-dera o projeto de lei desnecessário, pois, segundo ele, a chamada promoção automática já contraria diversos dispositivos da LDB. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Concedido afastamento de cargo público federal a servidor para participar de curso de formação

Servidor público federal, ainda que em estágio probatório, tem direito a afastamento para participar de curso de formação resultante de aprovação em concurso público para outro cargo federal, estadual ou municipal, sem prejuízo da remuneração. Esse foi o entendi-mento da 1ª Seção, composta pelas 1ª e 2ª Turmas do TRF da 1ª Região, ao analisar man-dado de segurança impetrado por uma servidora pública que postulava licença do cargo federal para participar de programa de formação, sem prejuízo em sua remuneração. O caput e o § 1º do art. 14 da Lei nº 9.624/1998 dispõem, respectivamente, que os candi-datos aprovados em concurso público, durante o curso de formação, farão jus, a título de auxílio financeiro, a cinquenta por cento de remuneração da classe inicial do cargo a que estiver concorrendo e, no caso de o candidato ser servidor da Administração Públi-ca Federal, ser-lhe-á facultado optar pela percepção do vencimento e das vantagens de seu cargo efetivo. Tomando como base o artigo supracitado, a desembargadora federal Gilda Sigmaringa Seixas considerou que impedir servidor público federal de receber sua remuneração habitual, em função de afastamento para eventual curso de formação, fere sua dignidade, pois obrigaria a parte impetrante a se submeter a desnecessário e árduo período de penúria no curso do procedimento, reduzindo suas chances de aprovação. Em concordância com o voto da relatora, o Colegiado concedeu, de forma unânime, à impetrante o afastamento de cargo efetivo federal, sem dano à remuneração (Processo nº 0058117-62.2013.4.01.0000). (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Fede-ral da 1ª Região)

A não aplicação de recursos públicos no mercado financeiro não configura ato de improbidade administrativa

A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) não constatou a ocor-rência de dolo ou culpa na conduta do réu, ex-prefeito de Capitão Andrade/MG, que deixou de aplicar recursos públicos disponíveis para auferir rendimentos no mercado financeiro. Diante disso, reformou sentença que o havia condenado pela prática de ato de improbidade administrativa que teria causado prejuízo ao Erário, em razão de ter deixado de aplicar recursos no mercado financeiro e por infringência a normas que regem procedimento licitatório. O réu e o Ministério Público Federal (MPF) recorreram ao TRF1 contra a sentença. O primeiro alegou não haver prova nos autos de que tenha agido com dolo e que não houve dano ao Erário, nem enriquecimento ilícito. Também sustentou que quaisquer erros na condução do procedimento licitatório ocorreram por desconhecimento técnico ou negligência. O MPF, por sua vez, requer que o réu seja condenado à perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos e a proibição de contratar com o Poder Público e dele receber incentivos fiscais. O Colegiado acatou os argumentos trazidos pelo réu e rejeitou o pedido do MPF, nos termos do voto do

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relator, desembargador federal Néviton Guedes. “A omissão do requerido em aplicar, no mercado financeiro, os recursos empenhados, enquanto não utilizados, embora com-provado, não tem o condão de caracterizar, por si só, ato de improbidade administrativa, previsto na Lei nº 8.429/1992, se dela não decorre a demonstração da existência de dolo ou culpa na conduta do agente”, destacou. Além disso, segundo o magistrado, o MPF não demonstrou na denúncia que a conduta do réu, caracterizada na frustração de procedimento licitatório, importou em lesão ao Erário. “Não se desconhece o entendi-mento jurisprudencial adotado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a dispensa indevida de licitação dá ensejo ao chamado dano in re ipsa, na medida em que o Poder Público teria deixado de contratar a melhor proposta. Porém, o suposto dano presumido decorrente da ausência de licitação não deve ser considerado diante da conclusão de que não vislumbrou a ocorrência de dano ao Erário”, fundamentou. Nesse sentido, para o relator, não está configurado ato de improbidade administrativa, mas mera irregularidade ou inabilidade do agente público. Ante o exposto, dou provimento à apelação do réu, julgando prejudicada a apelação do Ministério Público Federal (Pro-cesso nº 0001169-83.2008.4.01.3813). (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

Pleno do TJ declara perda do posto e patente de policial militar

O Pleno do Tribunal de Justiça da Paraíba ratificou o parecer do Conselho de Justificação da Polícia Militar, para declarar a perda do posto e patente do policial Ednaldo Adolfo de Souza, declarando a sua impossibilidade de permanecer na Corporação. A decisão ocorreu na sessão com relatoria do desembargador Saulo Henriques de Sá e Benevides, que, sobre a conduta do investigado, afirmou: “Vai de encontro aos deveres de ética, honradez e decoro profissionais”. De acordo com a portaria de instauração do Conse-lho, o procedimento administrativo foi instaurado em decorrência do indiciamento em inquérito policial de Ednaldo de Souza, investigado pela Operação Squadre da Polícia Federal – que apurou o envolvimento de policiais civis, militares, agentes de investiga-ção, agentes penitenciários, delegados, entre outros, em grupos de milícias e organiza-ção criminosa armada com reflexo interestadual. O policial figura como denunciado na Ação Penal nº 2002010037826-0. O relator afirma, no voto, que, conforme inquérito da Polícia Federal, a partir de interceptações telefônicas autorizadas judicialmente, consta-tou-se que Ednaldo participava de um grupo que, além das práticas de milícias, também estaria envolvido com porte e comércio ilegal de armas e munições, violação de domicí-lio, cárcere privado, roubo e outros delitos. O desembargador relator observou, também, que, embora testemunhas de defesa aleguem desconhecimento acerca de negociações ilícitas captadas em uma das interceptações telefônicas, não apresentaram provas ca-pazes de desconstituir o teor do conteúdo das ligações. Em um dos diálogos, Ednaldo conversa com outra pessoa, fazendo referências a uma paraguaia e 762, que eles teriam para vender, apontando dados de uma arma específica, um fuzil, que não seria tão fa-cilmente adquirida. Em outro telefonema, Ednaldo teria sido alertado por outro militar a não falar, na frente da guarnição, sobre a explosão de um caixa eletrônico, pois ninguém poderia saber. Ainda sobre a investigação particular de crime, há transcrições nas quais um homem solicita a presença de Ednaldo para auxiliá-lo a cobrar uma dívida particular a terceiro e marcam um encontro para ajustar como ocorrerá. “Conclui-se, portanto, que o Militar não observou seu dever profissional e moral de zelar pela imagem da Polícia Militar que representa, bem como de não compactuar com situações de ilegalidade ou

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irregularidade, como as que foram retratadas no caso em tela”, declarou o relator. A defesa de Ednaldo alegou que não existem provas dos fatos narrados pelo Conselho de Justificação e que a exclusão do policial da Corporação dependeria de condenação criminal transitada em julgada, que lhe atribuísse pena privativa de liberdade superior a dois anos. No entanto, o relator argumentou que o objeto do Conselho de Justificação não é o afastamento do Militar decorrente de sentença criminal, mas, sim, o exame de condutas praticadas por ele, incompatíveis com o exercício da função de Policial. (Con-teúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Paraíba)

Companhia energética não pode suspender fornecimento de energia elétrica

É ilegítima a suspensão do fornecimento de energia elétrica por parte da companhia energética, como forma de obrigar que um município quite débitos. Esse foi o enten-dimento da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), ao analisar apelação interposta pela Companhia Energética do Piauí (Cepisa) contra sentença que impedia qualquer ato tendente a suspender o fornecimento de energia elétrica do Mu-nicípio de Teresina/PI. Em suas alegações recursais, a companhia energética afirma que a sentença apelada carece de fundamentação acerca dos motivos que levaram à proce-dência da demanda, devendo, por tal razão, ser considerada nula e defende, ainda, que a legalidade da suspensão do fornecimento de energia elétrica possui previsão legal e normativa do Poder Público para o corte de energia por falta de pagamento. Analisando o caso, o relator, juiz federal convocado Roberto Carlos de Oliveira, destacou que a ameaça de suspensão do fornecimento de energia elétrica deu-se em razão da ausência de pagamento das faturas mensais. Porém, o débito gerado pelo inadimplemento está sendo discutido na ação principal, na qual é questionado, inclusive, possível pagamento a maior. Desse modo, é indiscutível o periculum in mora diante da ameaça iminente do corte no fornecimento de energia elétrica. O magistrado relembrou, ainda, precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que considerava ilegítima a suspensão do forneci-mento de energia elétrica como forma de obrigar o município ao pagamento de dívidas, em prejuízo do interesse da coletividade. Diante do exposto, o Colegiado, nos termos do voto do relator, negou provimento à apelação da Companhia Energética do Piauí (Cepisa) (Processo nº 0004201-59.2004.4.01.4000). (Conteúdo extraído do site do Tri-bunal Regional Federal da 1ª Região)

Tribunal determina a matrícula de estudante que concorreu por engano a vagas destinadas a cotistas

Candidata foi aprovada em 10º lugar nas vagas de ampla concorrência, mas teve a ma-trícula impedida pela instituição de ensino por erro na inscrição A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) determinou a matrícula de uma estudante em uma das vagas destinadas a ampla concorrência, ou seja, fora das cotas para pessoas negras ou pardas, pois ela foi aprovada em 10º lugar para o curso técnico de informática inte-grado ao ensino médio do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), no Município de Cubatão, no litoral sul do Estado. A estudante havia se ins-crito por engano no regime de cotas para pessoas negras ou de cor parda, sem perceber que deveria ter cursado ensino fundamental integralmente em escola pública para con-correr a essas vagas. Mesmo assim, ela foi aprovada em 10º lugar no certame, o que daria a ela o direito a uma das 40 vagas destinadas à ampla concorrência. Porém, a matrícula dela foi impedida pela instituição de ensino sob a alegação de que não foi observada a

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exigência de ensino fundamental em rede pública e que o preenchimento do formulário de inscrição é de inteira responsabilidade da candidata. A instituição argumentou, ainda, que o edital prevê, inclusive, que a declaração falsa ou a não comprovação de qualquer informação acarreta a desclassificação e a perda da vaga. No TRF3, o desembargador federal Marcelo Saraiva observou que a ficha de inscrição não faz menção expressa à exigência de que o candidato, para disputar a vaga do sistema de cotas, tenha cursado, integralmente, o ensino fundamental em escola pública, mesmo que conste do edital. Para ele, por mais que a impetrante tenha se equivocado no preenchimento da ficha de inscrição, não se mostra razoável indeferir seu pedido de matrícula, considerando que obteve a 10º classificação no certame que previa o preenchimento de 40 vagas no sistema de livre concorrência. Segundo o desembargador, “ainda que a impetrante tenha tido a oportunidade para retificar os dados, deve-se observar que a mesma assim não procedeu por não ter percebido o erro cometido, uma vez que a mera informação constante do edital, por si só, não é suficiente para afastar o equívoco levado pela im-petrante na ficha de inscrição, por omissão da apelante em fiscalizar a regularidade na prestação do serviço relativo à execução do concurso em referência por empresa terceirizada”, afirmou. Assim, devido à peculiaridade do caso em questão e em obser-vação ao princípio da razoabilidade, o desembargador entendeu que o equívoco pela falta de clareza da ficha de inscrição não deve obstaculizar a matrícula da impetrante. Ele ainda destacou o princípio geral da presunção de boa-fé, sendo, portanto, adequa-do o acolhimento da tese da inexistência de má-fé por parte da impetrante, que não deve restar prejudicada por equívoco no preenchimento da ficha da matrícula Processo nº 0000803-57.2015.4.03.6104). (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Fede-ral da 3ª Região)

Extinta ação contra normas que permitem cassação de aposentadorias de servidores públicos

Por falta de legitimidade e pertinência temática na ação, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), julgou extinta a Arguição de Descumpri-mento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 418, na qual associações de magistrados questionam normas que preveem cassação de aposentadoria de servidores públicos. A ação foi ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e pela Associação dos Juí-zes Federais do Brasil (Ajufe). Citando jurisprudência do Tribunal, o ministro Alexandre de Moraes sustenta que a Anamatra e a Ajufe agregaram a defesa de interesses de ape-nas parte dos magistrados, e não a categoria em âmbito nacional. Segundo o relator, as associações de classe, embora constem do art. 103, inciso V, da Constituição Federal, não são legitimadas universais para a propositura das ações do controle concentrado de constitucionalidade, incumbindo-lhes a demonstração da pertinência temática, con-forme entendimento pacífico no Supremo Tribunal Federal. “No caso, as associações autoras não demonstraram, de forma adequada e suficiente, a existência desse vínculo de pertinência temática em relação ao objeto da arguição, na qual se questiona aspecto geral do regime jurídico de todos os servidores públicos federais, não sendo possível encontrar referibilidade direta entre as normas contestadas e os objetos sociais das re-querentes”, disse em sua decisão. Além da pertinência temática, na avaliação do relator a legitimidade para o ajuizamento das ações do controle concentrado de constituciona-lidade por parte de confederações sindicais e entidades de classe também pressupõe a

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abrangência ampla desse vínculo de representação, exigindo-se que a entidade repre-sente toda a respectiva categoria, e não apenas fração dela, entre outros pressupostos. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

Terceira Turma reforma decisão que exigiu fornecimento de remédio importado não registrado na Anvisa

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento parcial ao recurso de uma operadora de plano de saúde para isentá-la da obrigação de fornecer medica-mento importado sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O produto se destinaria ao tratamento de câncer de uma segurada do plano. Na ação, a autora narrou que precisava fazer tratamento com Lenalidomida (Revlimid) por nove meses, mas a operadora do plano de saúde se negou a fornecer o produto. Para não ficar sem o medicamento, ela começou a importá-lo por conta própria e ajuizou a ação para conseguir o custeio do tratamento ou o respectivo ressarcimento. Previsão legal: A paciente teve decisão favorável nas instâncias ordinárias, que consideraram que os procedimentos de saúde cobertos pelos planos não podem sofrer limitações durante o tratamento, em virtude da proteção do direito à vida garantida pela Constituição. No recurso especial apresentado ao STJ, a operadora argumentou que não estaria obrigada a cumprir a decisão, pois a Lei dos Planos de Saúde dispõe acerca da exclusão de cober-tura quanto a medicamentos importados não registrados no Brasil. Segundo a operadora, o próprio contrato firmado entre as partes prevê a exclusão de materiais e medicamen-tos importados não nacionalizados ou não regularizados ou registrados pela Anvisa. Infração: A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, votou pelo provimento parcial do recurso. Ela reconheceu que a prestadora de serviços de plano de saúde está, em princípio, obrigada ao fornecimento de tratamento de saúde a que se comprometeu por contrato, pelo que deve fornecer os medicamentos necessários à recuperação da saúde do contratante. No entanto, segundo a ministra, não se pode exigir da operadora que cometa uma infração sanitária, ou seja, essa obrigação não se impõe na hipótese em que o medicamento recomendado seja de importação e comercialização vetada pelos órgãos governamentais. Por unanimidade, o recurso foi acolhido em parte para reformar a decisão de segunda instância e afastar a obrigação da operadora de fornecer remédio importado sem registro no País (Processo nº 1663141). (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Compensação de horário especial para servidor com deficiência não é obrigatória

O Plenário do Conselho da Justiça Federal (CJF) aprovou, por maioria, a atualização do texto da Resolução nº 5/2008, do próprio CJF, que trata de concessão de horário especial aos servidores com deficiência ou que tenham cônjuge, filho ou dependente em tal situação. O tema foi retomado no voto-vista do vice-presidente do Conselho, ministro Humberto Martins, que acompanhou o entendimento do relator do processo, desembargador federal Hilton Queiroz, presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). O ministro lembrou que o relator proferiu voto no sentido de ofertar uma minuta de alteração da resolução, de modo a torná-la compatível e alinhada com a nova redação da Lei nº 8.112/1990 (Regime Jurídico Único – RJU), após o advento da Lei nº 13.370/2016. Ele destacou que a grande alteração trazida pela nova lei fe-deral foi a dispensa da necessidade de compensação de horário especial quando se tratar de servidor que seja pessoa com deficiência ou, ainda, em razão de que, com tal

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benefício, o servidor auxilie cônjuge, filho ou dependente. Humberto Martins também ressalvou o apontamento feito pelo conselheiro Hilton Queiroz sobre a necessidade de que a terminologia da resolução seja alterada para designar os destinatários do art. 98, § 3º, do RJU como pessoas com deficiência, em razão do Decreto nº 6.949/2009 e da Resolução nº 230/2016 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O vice-presidente registrou, ainda, em seu voto, a divergência aberta pelo conselheiro André Fontes, pre-sidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), que propôs que o processo fosse baixado em diligência para que as várias unidades administrativas relacionadas ao CJF pudessem oferecer informações sobre a atribuição de limites prévios para o eventual deferimento do benefício. No entanto, entendeu que, apesar da complexida-de dos problemas gerenciais aludidos pela divergência, existia um problema premente de ordem administrativa, que é a adequação do atual diploma regulamentar aos novos termos trazidos, por força de lei, ao Regime Jurídico Único, o que determinava a ne-cessidade de alinhamento do normativo do CJF à Lei nº 13.370/2016. “Não obstante, considero que os pontos de debate – limite diário, detalhamento sobre o potencial exercício de funções e cargos em comissão e obrigações de substância aos laudos das juntas médicas – trazidos pelo conselheiro André Fontes poderão exigir uma futura atenção do Conselho da Justiça Federal. Porém, o momento atual trata apenas de rea-lizar uma adaptação aos novos termos trazidos pela Lei nº 13.370/2016”, concluiu o ministro Humberto Martins (Processo nº CJF-PPN-2017/00005). (Conteúdo extraído do site do Conselho da Justiça Federal)

Carga horária não pode ultrapassar 60 horas semanais nos casos de acumulação legal de cargos

A 6ª Turma do TRF da 1ª Região negou provimento à apelação interposta pela autora do processo, uma nutricionista, contra a sentença do Juízo da 14ª Vara da Seção Judiciária da Bahia, que negou seu pedido para tomar posse no cargo de nutricionista da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), afastando o limite de carga horária esta-belecido pelo Parecer da Advocacia Geral da União (AGU), de 60 horas semanais. Em seu recurso, a apelante, que já exerce o mesmo cargo público na Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, com carga horária de 30 horas semanais, sustenta que o Supremo Tribunal Federal (STF), apreciando a questão, fixou entendimento vinculante, segundo o qual, havendo compatibilidade de horários, não é possível a restrição da acumulação de cargos, seja por norma legal, seja por interpretação da Administração. Ao analisar o fato, o relator, desembargador federal Daniel Paes Ribeiro, destacou que realmente, conforme alegado pela autora, a Constituição Federal, assim como o art. 118, § 2º, da Lei nº 8.112/1990, condicionam a acumulação de cargos à compatibilidade de horários, não fazendo referência à carga horária, o que impossibilitaria a Administração de fazê--lo, por falta de previsão legal. Mas, segundo o magistrado, o entendimento sobre o tema foi modificado, em julgamentos recentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ). “A esse propósito, vale lembrar que, no julgamento do Mandado de Segurança nº 19.356/DF, relator ministro Mauro Campbell Marques, o STJ firmou o entendimento de que a acu-mulação remunerada de cargos públicos deve atender ao princípio constitucional da eficiência, e que merece relevo o entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU) no sentido da coerência do limite de 60 (sessenta) horas semanais – uma vez que cada dia útil comporta onze horas consecutivas de descanso interjornada, dois turnos de seis horas (um para cada cargo) e um intervalo de uma hora entre esses dois turnos (desti-

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nado à alimentação e deslocamento), fato que não decorre de mera coincidência, mas da preocupação em se otimizarem os serviços públicos, que dependem de adequado descanso dos servidores públicos”, explicou o desembargador Daniel Paes Ribeiro. Para o relator, esse precedente do STJ se aplica como luva ao caso analisado, no qual a carga horária dos dois cargos pretendidos pela autora chega a 70 (setenta) horas semanais, bem superior ao limite que se tem por razoável, de 60 (sessenta) horas semanais. Diante do exposto, o Colegiado, por unanimidade, negou provimento ao recurso de apelação, nos termos do voto do relator (Processo nº 0035842-45.2015.4.01.3300). (Conteúdo extraí-do do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

Determinada expedição de diploma de curso superior sem apresentação de certifi­cado de conclusão

A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) acatou apelação em man-dado de segurança, com pedido de liminar, e determinou que a Universidade Paulista (Unip) emita o diploma de conclusão de curso em Ciência da Computação a um es-tudante mesmo sem apresentação do Certificado de Conclusão de Ensino Médio. O universitário ingressou com o pedido no Judiciário requerendo a expedição do diploma, mediante a validação da declaração de conclusão de Ensino Médio emitida pelo Centro Educacional Futura, independentemente da apresentação de certificado de conclusão de Ensino Médio, pois a instituição encerrou as atividades na modalidade Estudos de Jovens Adultos (EJA) a distância que ele havia cursado. Argumentou que ingressou no curso ministrado pela Unip, colando grau na data de 29 de agosto de 2014. Ao requerer a expedição do diploma, com objetivo de inscrição em pós-graduação, foi informado de que a declaração de conclusão de ensino médio apresentada no ato da matrícula não foi considerada válida. A universidade se recusou a emitir o diploma, com o argu-mento de que o aluno deixou de apresentar certificado de conclusão de ensino médio no momento da matrícula, restando tal falto comprovado pela assinatura de termo de compromisso. Assim, segundo a instituição, ele tinha prévio conhecimento de que sua matrícula somente seria referendada após a entrega de cópia autenticada do certificado. Inicialmente, o pedido do estudante havia sido negado em liminar e na primeira instân-cia. Após as decisões, ele apelou ao TRF3, alegando que a universidade foi omissa e permitiu a participação dele no curso superior por quatro anos, sem o cancelamento da matrícula, ficando afastado o disposto no termo de compromisso. Ao analisar a questão, a relatora do processo no TRF3, desembargadora federal Conseulo Yoshida, determinou que o diploma fosse emitido mesmo sem o certificado de conclusão do ensino médio. Em que pese a assinatura de termo de compromisso pelo apelante, com imputação de apresentação do referido certificado, deve ser reconhecida a omissão da apelada ao permitir que o discente em situação irregular realizasse todas as atividades acadêmicas, com o pagamento das mensalidades e efetivação da colação de grau. Segundo a magis-trada, também ficou caracterizada a inexistência de fiscalização do Poder Público na situação concreta, especialmente em relação ao funcionamento do Centro Educacional Futura, onde o estudante cursou o ensino médio. “A averiguação das irregularidades da instituição de ensino médio só ocorreu em momento posterior à conclusão do curso pelo apelante, não podendo este sofrer as consequências de ato ao qual não deu causa”, fina-lizou (Processo nº 0002475-78.2016.4.03.6100). (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 3ª Região)

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União não deve efetuar desconto na remuneração de servidora licenciada para exercer atividade política

A 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) manteve sentença que determinou à União não efetuar descontos em folha de pagamento de uma servidora pública federal referentes a período de licença remunerada para atividade política. Os magistrados entenderam que o ato do gerente regional de Administração Fazendária de Mato Grosso do Sul (MS) foi ilegal, porque durante o período houve efetiva prestação do serviço entre os dias 03.07.2006 (data do pedido de licença) e o dia 16.07.2006. “Ilegais os descontos realizados pelo impetrado quanto a tal período, fato reconhecido até pela União, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração Pública”, ressaltou o desembargador federal Peixoto Junior, relator do processo. A servidora havia impetra-do, em 2009, mandado de segurança na 2ª Vara de Campo Grande/MS contra o ato do gerente regional da Receita Federal. A sentença do juízo federal havia concedido par-cialmente a segurança para determinar que autoridade impetrada abstivesse de efetuar os descontos sobre a remuneração da impetrante, no que se referia ao período de 3 a 16 de julho de 2006. O processo chegou ao TRF3, submetendo-se o julgamento ao reexame necessário, independente da interposição de recurso voluntário, nos termos do art. 14, § 1º, da Lei nº 12016/2009. Parecer do Ministério Público Federal (MPF) opinou pela manutenção da sentença. Ao negar provimento à remessa oficial, a 2ª Turma, por unani-midade, reafirmou que o desconto ilegal recaiu sob parcelas das remunerações em que a União reconheceu o trabalho realizado pela servidora. Eles concluíram que os descontos em folha de pagamento foram correspondentes a período em que efetivamente houve a prestação do serviço (Processo nº 0008607-10.2009.4.03.6000). (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 3ª Região)

Negada matrícula a estudante que não se inscreveu no prazo assinalado pela insti­tuição de ensino

A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), por unanimidade, negou provimento à apelação interposta por uma estudante contra a sentença, do Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Picos/PI, que julgou improcedente o pedido da autora que objetivava realizar a matrícula na Universidade Federal do Piauí (UFPI), fora do prazo assinalado pela instituição. Ao recorrer, a apelante alegou que, ao se dirigir à instituição de ensino dentro do prazo estipulado para a efetivação de matrícu-la, deparou-se com o aviso de greve afixado nas portas das salas da UFPI e, buscando informações com servidores da Universidade, esses relataram que as datas de matrícula seriam prorrogadas. Analisando o caso, o relator, juiz federal convocado Roberto Carlos de Oliveira, destacou que a alegação da requerente de que a greve deflagrada pelos servidores técnico-administrativos teria gerado prejuízo para matrícula na IFES não me-rece prosperar, visto que a paralisação não atingiu a categoria dos docentes, que foram designados pela administração para realização das matrículas. O magistrado ressaltou, ainda, que consta dos autos o relatório de convocados por chamada, bem como de re-querimento de matrícula institucional e comprovante de cadastro realizados por vários candidatos aprovados no mesmo certame e nas datas estipuladas em edital. Diante do exposto, o Colegiado, nos termos do voto do relator, negou provimento à apelação por entender ser incabível a prorrogação da matrícula, diante da ausência de violação ao princípio da publicidade, visto que todos os requisitos, documentos necessários e prazos

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para atender às exigências editalícias foram previamente publicados em veículo hábil (Processo nº 0001347-06.2015.4.01.4001). (Conteúdo extraído do site do Tribunal Re-gional Federal da 1ª Região)

Falta de registro de produtos na Anvisa não é suficiente para caracterizar o crime de falsificação

Por unanimidade, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) absolveu o ora apelante da prática do crime de falsificação, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, previsto no art. 273 do Código Penal. A decisão reforma sentença que o havia condenado a 10 anos de reclusão, em regime fe-chado, e 30 dias-multa. Consta da denúncia que, no dia 06.02.2015, o réu teria vendido anabolizante de procedência ignorada e sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por intermédio de um site na Internet. Um comprador foi ouvido pela Polícia Federal, ocasião em que confirmou o recebimento, em 14.12.2015, de ampola contendo o produto Decaland, adquirida mediante pagamento em caixa rápido, no site de propriedade do réu, após prévio cadastro. A denúncia também narra que policias federais, se passando por clientes, entraram em contato via Whatsapp, tendo o réu con-firmado que dispunha para venda diversos produtos, bastando, para a efetivação da compra, prévio cadastro em seu site. No recurso apresentado ao TRF1, a defesa do réu pondera que o fato em questão não justifica a incidência do Direito Penal, sobretudo diante do desatino do legislador ao cominar pena de prisão mínima de 10 anos para o delito. Argumentou ser inconcebível a mesma punição para quem falsifica determinado produto a ser utilizado para fins terapêuticos e para quem simplesmente expõe a ven-da produto sem sinais de falsificação, mas sem registro na Anvisa. “A defesa também destacou que a tentativa de flagrante preparada pela Polícia Federal para a compra de anabolizante não se consumou, uma vez que não houve venda nem entrega do produto. Além disso, o crime não se consumou – teria ocorrido tentativa –, pois, em que pese ter sido realizada a aquisição pelo site, a mercadoria não foi entregue, de modo que a venda/negociação não se consumou, não havendo a entrega, nem mesmo o uso da referida substância”, concluiu. O relator, desembargador federal Ney Bello, acatou os ar-gumentos apresentados pelo apelante. “Ora, não pode o aplicador da lei ampliar a base de incidência da norma penal para incluir situações nela não previstas, como se todo e qualquer produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais sem registro na Anvisa, quando exigível, caracterizasse a infração penal”, explicou. O magistrado ainda escla-receu que somente produtos falsos, corrompidos, adulterados ou alterados, destinados a fins terapêuticos ou medicinais, podem ser alcançados pela norma regulamentadora. “Além disso, esse delito só se configurará quando houver a efetiva comprovação da nocividade à saúde de indeterminado número de pessoas ou da real redução do valor terapêutico ou medicinal do produto”, afirmou. O desembargador finalizou seu voto destacando que a simples ausência de registro destes produtos na Anvisa é insuficiente para caracterizar o crime. Logo, a conduta imputada ao réu, a meu juízo, é atípica por ausência de materialidade delitiva, razão pela qual dou provimento à apelação para absolvê-lo da acusação da prática do crime tipificado no art. 273 do Código Penal (Pro-cesso nº 0002228-49.2016.4.01.3806). (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

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Comissão permite que candidato dispute mais de um cargo na mesma eleição

A comissão especial da Câmara que analisa mudanças no sistema eleitoral brasileiro (PEC 77/2003) manteve no texto a possibilidade de um candidato disputar mais de um cargo no mesmo pleito – um cargo majoritário e outro proporcional, por meio das listas preordenadas. O colegiado rejeitou destaque do PP para retirar essa possibilidade do substitutivo do deputado Vicente Candido (PT-SP), já aprovado na semana passada. A comissão também confirmou a supressão do substitutivo do artigo que estabelece que o suplente de senador seja o deputado federal mais votado do partido. Fica mantido, por-tanto, o sistema atual, em que os dois suplentes não disputam diretamente as eleições e apenas integram a chapa encabeçada pelo candidato a senador. Com essas votações, foi concluída a votação da matéria. A PEC também fixa mandato de dez anos para ministros de Tribunais Superiores. Além disso, estabelece novas datas para a posse de presidente (7 de janeiro) e para governadores e prefeitos (9 de janeiro). Hoje, todos são empossa-dos em 1º de janeiro. O substitutivo aprovado estabelece o financiamento público de campanhas, por meio da criação do Fundo Especial para Financiamento da Democracia. Pela proposta, esse fundo contará com 0,5% da Receita Corrente Líquida da União nos 12 meses encerrados em junho último – o equivalente a cerca de 3,6 bilhões de reais. Além disso, o texto fixa o voto majoritário para deputados federais, estaduais e distritais, em 2018, e vereadores, em 2020 – sistema conhecido como distritão, pelo qual é eleito o candidato que recebe mais votos. A partir de 2022, passará a valer o sistema distrital misto, em que cada eleitor vota duas vezes. Metade das vagas será ocupada por eleitos por meio de listas fechadas, elaboradas previamente pelos partidos, e a outra metade é definida pelo voto majoritário em distritos menores que os atuais Estados. O sistema atual é chamado de proporcional – para ser eleito, o candidato conta com os seus votos e com aqueles dados ao partido ou à coligação. A proposta é o primeiro passo da reforma política em discussão na Câmara e altera a Constituição. O texto deverá ser discutido e votado no Plenário da Câmara ainda no mês de agosto, segundo previsão do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Depois, seguirá para o Plenário. Também, outra co-missão especial reuniu, no Plenário 8, para analisar mais um conjunto de mudanças na legislação eleitoral. Alguns deputados defendem que, primeiro, ocorra a votação da PEC 77/2003 no Plenário e, depois, seja feita a análise das outras mudanças na legislação. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Mudança na lei torna prejudicada ADI contra resolução do TSE sobre prestação de contas

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), julgou prejudicada a Ação Direta de Constitucionalidade (ADI) nº 5362, ajuizada em 2015 pelo Partido De-mocrático Trabalhista (PDT) contra resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que regulamentava as finanças e a contabilidade dos partidos políticos. Após a propositu-ra da ação, a Lei nº 13.165/2015 alterou a norma da Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/1995) que dava fundamento à resolução questionada, levando à perda super-veniente do objeto da ADI. Na ação, o PDT sustentava que a Resolução nº 23.432/2014 (art. 47, § 2º), do TSE, excedia a previsão da norma legal e violava disposições constitu-cionais, ao permitir que a pessoa física dos dirigentes fosse atingida por falhas nas contas dos partidos e ao prever a suspensão de registro, quando a lei proibia apenas o recebi-mento de verbas do fundo partidário. Ao determinar o arquivamento da ADI, o ministro explicou que a alteração do art. 37 da Lei dos Partidos Políticos introduzida pela norma

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de 2015 passou a prever como sanção exclusiva para a desaprovação das contas do par-tido a devolução da importância apontada acrescida de multa de até 20%, sem possibili-dade de extensão às pessoas físicas responsáveis. “Logo, além de derrogar o fundamento de validade do ato editado pelo TSE, a nova lei instituiu disciplina expressamente oposta à constante da resolução”, afirmou. Assim, percebe-se que ocorreu a revogação tácita da norma questionada. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

Juíza declara ilegalidade de decreto que aumentou tarifas do transporte público do DF

A juíza substituta da 1ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal, em julgamento simultâneo de três ações, julgou: parcialmente procedente o pedido do Ministério Pú-blico, no Processo nº 0702911-25.2017.8.07.0018; procedentes os pedidos dos autores populares, no Processo nº 0700429-07.2017.8.07.0018; e, do Instituto Autonomia, no Processo nº 0700611-90.2017.8.07.0018, declarou a ilegalidade do Decreto Executivo nº 37.940/2016, que aumentou as tarifas dos modos rodoviário e metroviário do Serviço Básico de Transporte Público Coletivo do Distrito Federal – STPC/DF, e determinou que o valor das tarifas deve observar o que foi definido no Decreto Executivo nº 36.762/2015. Nas três ações, os autores argumentam a ilegalidade do mencionado decreto por: violar os princípios da legalidade, do devido processo legal, da motivação do ato administra-tivo e da modicidade tarifária; ofender o art. 17 da Lei nº 4.011/2007 e o art. 12 da Lei nº 239/1992; e não ser baseado em estudos técnicos prévios, capazes de identificar da-dos concretos de variação de preços dos insumos do transporte público, comportamento da demanda, remuneração dos operadores dos serviços, do custo por passageiro, entre outros. A magistrada entendeu que o decreto não cumpriu os requisitos exigidos pelo art. 17 da Lei nº 4.011/2007, pois não realizou estudos técnicos, nem consultou o Conse-lho de Transporte Público Coletivo do Distrito Federal, e registrou: “Assim, embora não desconsidere a possibilidade de, de fato, ser necessário o reajuste de tarifa; fato é que as formalidades que asseguram a legalidade do ato executivo que revise as tarifas não foram atendidas no caso sob análise. Não se pode olvidar que o transporte público coletivo é uma política pública e, em um sistema republicano, deve ser tratado como tal. Não há como transpor a ilegalidade do decreto que ultraja o devido processo legal e majora a tarifa de transporte com apoio, exclusivamente, na necessidade orçamentária do Go-verno. A realização de estudos prévios não pode ter sido suprimida. Sequer ingresso na análise meritória quanto à necessidade e razoabilidade da majoração aplicada e possível violação ao princípio da modicidade das tarifas; considero, inclusive, a possibilidade de os valores empregados serem razoáveis. Contudo, essa razoabilidade somente poderia ser aferida em procedimento próprio e prévio, nos termos do que dispõe a lei, com a realização dos estudos técnicos exigidos e após consulta ao CTPC”. A falta dos estudos técnicos e da consulta ao CTPC aproxima o decreto impugnado da arbitrariedade, que não é tolerável em uma república e nem condiz com o regime democrático. Nesse con-texto, os autores têm razão em sua pretensão, no que diz respeito à declaração de ilega-lidade do Decreto Executivo nº 37.940/2016. O Decreto Executivo nº 37.940/2016, que aumentou as mencionadas tarifas, expedido pelo atual governador do DF, foi afastado pelo Decreto Legislativo nº 2.115, de 12.01.2017, elaborado por deputados da Câmara Legislativa do DF, que, por sua vez, foi alvo da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 2017.00.2.000200-6, na qual o Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, por maioria, entendeu por suspender a eficácia do decreto legislativo, determinando a validade do decreto que reajustou as mencionadas tarifas.

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Cabe ressaltar que a decisão do Conselho Especial, na mencionada ação direta de in-constitucionalidade, foi, especificamente, a legalidade do decreto legislativo, e não se confunde com o objeto da sentença proferida nas ações relacionadas anteriormente, que declarou a ilegalidade do decreto executivo. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Distrito Federal)

Servidor público tem direito a horário especial em razão de ter filho deficiente

A 1ª Turma do TRF 1ª Região, por unanimidade, negou provimento ao agravo de instru-mento interposto pela União contra a decisão do Juízo Federal da 1ª Vara da Subseção Judiciária de Montes Claros/MG, que deferiu o pedido de concessão de horário especial de trabalho à parte autora, servidora pública federal, sem a obrigatoriedade de com-pensação de horário e sem redução da remuneração, em razão de a requerente ter filho dependente, diagnosticado com transtorno do espectro autista. A servidora busca a redu-ção de sua jornada de trabalho de 35 horas para 20 horas semanais, limitadas a quatro horas diárias, independentemente de compensação posterior e sem redução remunera-tória, para cuidar do filho com deficiência – autismo. A recorrente alega que seu filho necessita de constante assistência familiar para o desempenho das atividades diárias. A parte ré questiona a redução do horário de trabalho sem a realização da devida perícia médica. Também assevera que a Lei nº 8.112, de 1990, prevê a compensação dos horá-rios da jornada de trabalho não exercida. Ao analisar o caso, o relator, desembargador federal Jamil Rosa de Jesus, destacou que o Brasil ratificou, em 01.08.2008, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009, norma que diz respeito ao primeiro tratado internacional de direitos humanos aprovado com força de emenda constitucional, conferindo aos deficientes os direitos previstos na convenção status de direitos fundamentais. Para o magistrado, a convenção em questão tem por finalidade de proteger e de assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais às pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade. O relator assinalou que os §§ 2º e 3º do art. 98 da Lei nº 13.370/2016, editada para ratificar o disposto na convenção, estende o direito a ho-rário especial ao servidor público federal que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência de qualquer natureza, revogando a exigência de compensação de horário. Esclareceu o desembargador que não há mais a exigência de compensação de horário, mas permanece a necessidade, para o reconhecimento do benefício, de comprovação da deficiência por junta médica ou perito judicial, o que deve ser verificado no juízo de origem. Assim, o Colegiado, nos termos do voto do relator, negou provimento ao agravo de instrumento (Processo nº 0002471-28.2017.4.01.0000). (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

Tribunal declara inconstitucionalidade de leis que tratam de concursos públicos no DF

O Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, por unani-midade, julgou procedente a ação movida pelo MPDFT e declarou a inconstitucionali-dade das Leis Distritais nº 5.450/2015 e nº 5.769/2014, que incluíram dispositivos na Lei Distrital nº 4.949/2012, que estabelece normas gerais para realização de concurso público pela administração direta, autárquica e fundacional do Distrito Federal. A Lei nº 5.450/2015 inseriu, no art. 10 da Lei nº 4.949/2012, a possibilidade de a Admi-nistração Pública realizar nomeações além do número de vagas inicialmente previsto

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no cadastro de reserva, observada a comprovada necessidade do serviço público e a disponibilidade orçamentária, e respeitada a ordem de classificação. Por sua vez, a Lei nº 5.769/2014 incluiu também na Lei nº 4.949/2012 o art. 52-A, que assegura aos candi-datos moradores da mesma residência a realização das provas na mesma instituição. Na ação, o MPDFT alegou, em breve resumo, que as normas impugnadas são formalmente inconstitucionais, pois tiveram iniciativa parlamentar e tratam de provimento de cargos públicos e de organização e funcionamento da Administração Pública do DF, temas que são de competência privativa do Chefe do Poder Executivo Distrital. A Câmara Le-gislativa do Distrito Federal se manifestou em defesa da constitucionalidade das leis. O Governador do DF, bem como a Procuradoria-Geral do Distrito Federal, opinaram em sentido contrário, em concordância com o pedido do MPDFT, pela procedência do pedido. Os desembargadores entenderam pela presença do vício e declararam a incons-titucionalidade da norma, com incidência de efeitos retroativos à sua data de publicação (Processo nº 2017.00.2.008970-7). (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Distrito Federal)

Questionada lei catarinense que institui programa de estágio para estudantes de pós­graduação

Por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5752, a Associação Nacional dos Servidores do Ministério Público (Ansemp) questiona no Supremo Tribunal Fede-ral (STF) dispositivo da Lei Complementar nº 197/2000, de Santa Catarina, que institui estágio para estudantes de pós-graduação, denominado MP Residência, no âmbito do Ministério Público daquele Estado. A autora da ação alega que o programa de estágio de pós-graduados praticado no âmbito do MP catarinense não encontra parâmetro na Lei do Estágio (Lei nº 11.788/2008), tampouco na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), e ofende o art. 37, inciso II, da Constituição Federal, por constituir mecanismo de arregimentação de mão de obra barata, sem concurso público. A associação explica que não se pode confundir o MP Residente com o conceito de re-sidência médica. Esta, esclarece, constitui curso de pós-graduação em nível de especia-lização, sendo o estágio obrigatório espécie de componente curricular do referido curso. Já o MP Residente constitui-se de programa de estágio de pós-graduação. “Tem-se por claro que a utilização dos termos MP Residência (programa) e MP Residente (estagiário) tem por objetivo causar confusão com conceitos já pacificados no que diz respeito à residência médica e assim conferir aparência de legitimidade ao recrutamento de mão de obra boa e barata em manifesto desacordo com a Constituição Federal”, alega. Além disso, para a Ansemp, a norma catarinense padece também de vício de inconstitucio-nalidade formal, por usurpar a competência da União para legislar sobre Direito do Trabalho, nos termos do art. 22, inciso I, da Constituição Federal. Alega a entidade que as características do programa se aproximam mais de uma relação de trabalho do que de um estágio. Não resta qualquer espécie de dúvida de que se trata de uma situação de prestação de trabalho transvertida de estágio estudantil. A criação de espécie de es-tágio com características do MP Residente reclama a atuação legislativa da União. A entidade pede, assim, a concessão de liminar para suspender a eficácia do inciso IV do art. 63-A da Lei Complementar nº 197/2000, do Estado de Santa Catarina. No mérito, que a norma seja declarada inconstitucional. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

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Curso superior pode ser reduzido a aluno que obtenha desempenho excepcional nos estudos

Estudante com aproveitamento extraordinário tem a possibilidade de abreviar o curso superior, antecipando a colação de grau e a expedição do certificado de conclusão de curso. Esse foi o entendimento da 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região ao analisar mandado de segurança impetrado por um estudante que pleiteava tomar posse em cargo público que exigia comprovante de conclusão de nível superior. O juiz sentenciante apontou que, em caso de excepcional aproveitamento nos estudos, a con-clusão do curso pode ser abreviada, nos termos do § 2º do art. 47 da Lei nº 9.394/1996, que dispõe que os alunos que tenham extraordinário aproveitamento nos estudos, de-monstrado por meio de provas e outros instrumentos de avaliação específicos, aplica-dos por banca examinadora especial, poderão ter abreviada a duração dos seus cursos, de acordo com as normas dos sistemas de ensino. Tendo em vista que a pretensão do impetrante em abreviar o curso superior se deu em razão de nomeação e posse em concurso público, o relator, desembargador federal Daniel Paes Ribeiro, considerou que a aprovação do estudante em primeiro lugar no concurso certifica que o aluno obteve extraordinário aproveitamento nos estudos. Sendo assim, o Colegiado, acompanhando o voto do relator, manteve a sentença que assegurou a formação de banca examinadora especial para reduzir o tempo do curso superior do impetrante (Processo nº 0001829-36.2015.4.01.4200). (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

Administração Pública não pode determinar desconto de valores recebidos de boa­­fé por servidora

A 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), por unanimi-dade, seguiu o voto do relator, juiz substituto em 2º grau Wilson Safatle Faiad, con-cedendo segurança a Arleth Faria de Araújo Braz, para que não seja descontado do seu salário valores pagos sob a rubrica de abono de permanência. Servidora pú-blica, a impetrante narrou que a Administração Pública determinou a devolu-ção de valores que lhe foram pagos a títulos de abono de permanência, totalizando R$ 18.314,88. Aduziu que o Poder Público foi responsável pelo pagamento do nume-rário indevido, que se encontra de boa-fé, não podendo ser compelida a devolver os valores indevidos. O magistrado explicou que a Administração Pública está obrigada a anular os atos quando eivados de vício de legalidade. Contudo, o poder da Administra-ção não pode ser exercido de forma arbitrária, devendo respeitar os ditames constitu-cionais e garantir aos atingidos o contraditório, a ampla defesa e a segurança judiciária. No caso, o órgão interpretou erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido à servidora, criando uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e de-finitivos, impedindo que ocorra o seu desconto, devido à boa-fé do servidor público. “Assim, embora não se negue o direito da Administração de anular seus atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais, certo é que não pode a mesma impor aos servi-dores que arquem com um ônus a que não deram causa”, afirmou Wilson Safatle Faiad. O juiz substituto informou que o Poder Público não comprovou nenhuma situação que imputasse à autora a responsabilidade de ter percebido os valores em seu salário depois de ter efetivado o pleito de abono de permanência. Portanto, disse que a servidora não pode ser penalizada, uma vez que ela não concorreu para o erro administrativo do qual foi beneficiada. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás)

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Transferência de militar está vinculada à conveniência da Administração

O ato de movimentação de militares dentro do território nacional e para o exterior está inserido no campo da discricionariedade da Administração Militar, cuja avaliação de-verá ser pautada nos critérios de conveniência e oportunidade, atendendo ao interesse público. Com base nesse entendimento, a 8ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) decidiu, por unanimidade, confirmar a sentença que inde-feriu o pedido do militar S. M. G., de que fosse anulado o ato administrativo que negou sua transferência da Cidade de Canoas/RS para São José dos Campos/SP. O autor – que atualmente ocupa o posto de 1º Tenente Médico Radiologista e exerce suas funções no Hospital de Aeronáutica de Canoas, após ter prestado Concurso Público Camar 2014 – é natural da Cidade de São José dos Campos, onde moram seus pais idosos e sua noiva e, por isso, solicitou a transferência. O médico alegou, ainda, que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, confere especial proteção à família, uma vez que se trata da base da sociedade. Entretanto, o relator do processo no TRF2, desembargador federal Marcelo Pereira da Silva, considerou que, no caso concreto, o autor não trouxe aos autos qualquer elemento apto a caracterizar sua situação como excepcional, uma vez que a carreira militar, pelas suas próprias características, pressupõe a possibilidade de realocação de acordo com os interesses da Força a que o servidor esteja subordinado, bem como os imperativos de segurança nacional. O magistrado ressaltou, ainda, que, em se tratando de ato vinculado à conveniência da Administração Pública, como é o caso da transferência de servidor militar, não cabe ao Judiciário, sob pena de ofensa à separação dos poderes, adentrar ao mérito administrativo, somente sendo permitida a análise de eventual transgressão de diploma legal, o que, no caso, não ocorreu. “Dessa forma, inexistindo demonstrativo de qualquer conduta eivada de ilegalidade no ato da transferência, não há que se falar em suspensão do mesmo”, concluiu o relator (Processo nº 0011313-04.2016.4.02.0000). (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Fede-ral da 2ª Região)

Tribunal garante reinclusão de candidata em curso de formação de sargentos

A 8ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) decidiu, por unanimidade, confirmar a sentença que garantiu o direito da autora B. S. à reinclusão no Curso de Formação de Sargentos 2016/2017 (Área Saúde – Técnico em Enfermagem) do Exército do Brasil. Ela havia sido eliminada do Curso sob a alegação de que não teria a altura mínima exigida como requisito pela Administração Militar. O relator do processo no TRF2, desembargador federal Marcelo Pereira da Silva, reconheceu que, de fato, consta no item 10 da letra a do número 3 do Manual do Candidato que o candidato deverá comprovar, até a data da matrícula, “[...] 10) medir, no mínimo, 1,60m [...] de altura, para o sexo masculino, [...], ou 1,55m (um metro e cinquenta e cinco centíme-tros), para o sexo feminino”. Uma exigência considerada legal pelo magistrado. “Em que pese o posicionamento amplamente adotado na jurisprudência de que a ausência de lei específica é efetivo empecilho à imposição de requisitos que não guardem pertinência com a função a ser exercida pelo candidato, entre os quais se insere a previsão de altura mínima para o ingresso nas Forças Armadas, imperioso reconhecer que, ao menos no que tange às carreiras do Exército, a edição da Lei nº 12.705, de 8 de agosto de 2012, alterou o panorama jurídico de abordagem da matéria, fixando como requisito para ma-trícula nos cursos de formação de oficiais a altura mínima de 1,60m [...] para homens e de 1,55m [...] para mulheres”, pontuou o relator. Acontece que, a partir da análise dos

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documentos apresentados, constata-se que, em verdade, a candidata preenche o requisi-to da altura mínima exigida em lei e no edital do Curso de Formação, segundo atestado pela própria inspeção de saúde do Exército, da qual consta a altura de 1,55m. Como não foi apresentado outro motivo para a exclusão da autora do Curso de Formação de Sargentos, e como a justificativa da União não corresponde de fato com a prova da ins-peção do Exército, o desembargador Marcelo Pereira da Silva decidiu manter a sentença, negando a apelação da União (Processo nº 0057673-20.2016.4.02.5101). (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 2ª Região)

Ex­prefeito de Palmácia é condenado por improbidade e perde direitos políticos por três anos

O juiz Alfredo Rolim Pereira, da Comarca de Palmácia, distante 68 km de Fortaleza, condenou o ex-prefeito daquele município, Antônio Cláudio Mota Martins, por improbi-dade administrativa. Com a decisão, o ex-gestor teve os direitos políticos suspensos por três anos e terá de pagar multa relativa a cinco vezes o valor da remuneração recebida à época quando exercia o cargo público. De acordo com o processo, o Ministério Público do Ceará (MP-CE) denunciou o ex-prefeito em virtude do descumprimento de obrigações relativas à transição da gestão do executivo municipal entre os anos 2012 e 2013. Ainda segundo o MP, entre as irregularidades está a supressão de informações e documentos necessários à continuação da gestão. Em contestação, o ex-prefeito negou as acusações. Disse que designou servidores para o processo de transição, os quais eram responsáveis pela confecção de atas, documentos e demais atos necessários. Sob esses argumentos, pediu a improcedência da ação. Ao julgar o caso, o juiz disse que nos autos há provas de que a transição não ocorreu da forma como deveria. O que se nota, portanto, é que a desordem com que foi procedida a transição teve o condão de prejudicar o bom anda-mento dos serviços públicos. Ainda segundo o magistrado, os defeitos apresentados na transição de governo não constituíram apenas meras irregularidades. “Ainda, entendo que os pedidos de documentos realizados pela equipe que assumiria não foram mani-festação de mero capricho, mas decorreram da necessidade de preparar a nova gestão para a tarefa que assumiria”. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Ceará)

Fechamento da Edição: 03�10�2017

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Resenha Legislativa

DECRETOS

deCreto nº 9.146, de 24.08.2017 – publiCado no dou de 25.08.2017Regulamenta a outorga da Medalha “Eduardo Gomes Aplicação e Estudo” e al-tera o Decreto nº 40.556, de 17 de dezembro de 1956, que regula o uso das condecorações nos uniformes militares.

deCreto nº 9.144, de 22.08.2017 – publiCado no dou de 23.08.2017Dispõe sobre as cessões e as requisições de pessoal em que a administração pú-blica federal, direta e indireta, seja parte.

deCreto nº 9.143, de 22.08.2017 – publiCado no dou de 23.08.2017Regulamenta o § 4º do art. 27 da Lei nº 10.438, de 26 de abril de 2002, e o § 13 do art. 4º da Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, altera o Decreto nº 5.081, de 14 de maio de 2004, o Decreto nº 5.163, de 30 de julho de 2004, o Decreto nº 7.246, de 28 de julho de 2010, o Decreto nº 7.805, de 14 de setembro de 2012, e o Decreto nº 9.022, de 31 de março de 2017, para dispor sobre a conces-são e a comercialização de energia elétrica, e dá outras providências.

deCreto nº 9.137, de 21.08.2017 – publiCado no dou de 22.08.2017Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Co-missão e das Funções de Confiança da Secretaria de Governo da Presidência da República e remaneja cargos em comissão.

deCreto nº 9.136, de 21.08.2017 – publiCado no dou de 22.08.2017Altera o Decreto nº 40.556, de 17 de dezembro de 1956, que regula o uso das condecorações nos uniformes militares.

deCreto nº 9.129, de 17.08.2017 – publiCado no dou de 18.08.2017Altera o Decreto nº 3.998, de 5 de outubro de 2001, que regulamenta, para o Exército, a Lei nº 5.821, de 10 de novembro de 1972, que dispõe sobre as pro-moções dos Oficiais da Ativa das Forças Armadas.

deCreto nº 9.128, de 17.08.2017 – publiCado no dou de 18.08.2017Altera o Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009, que regulamenta a admi-nistração das atividades aduaneiras, e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior.

deCreto nº 9.125, de 14.08.2017 – publiCado no dou de 15.08.2017Remaneja, em caráter temporário, cargo em comissão do Grupo-Direção e As-sessoramento Superiores – DAS da Secretaria de Gestão do Ministério do Pla-nejamento, Desenvolvimento e Gestão para a Fundação Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea.

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242 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 142 – Outubro/2017 – RESENHA LEGISLATIVA

deCreto nº 9.122, de 09.08.2017 – publiCado no dou de 10.08.2017Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comis-são e das Funções de Confiança do Ministério dos Direitos Humanos, remaneja cargos em comissão e funções de confiança e substitui cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS por Funções Comissionadas do Poder Executivo – FCPE.

deCreto nº 9.121, de 09.08.2017 – publiCado no dou de 10.08.2017Remaneja, em caráter temporário, cargos em comissão do Grupo-Direção e As-sessoramento Superiores – DAS para a Casa Civil da Presidência da República.

deCreto nº 9.120, de 09.08.2017 – publiCado no dou de 10.08.2017Fixa, para a Aeronáutica, os quantitativos de vagas para promoções obrigatórias de Oficiais, para os Quadros que menciona, no ano-base de 2017.

deCreto nº 9.119, de 09.08.2017 – publiCado no dou de 10.08.2017Fixa, para a Marinha, os quantitativos de vagas para promoções obrigatórias de Oficiais, para os Corpos e Quadros que menciona, no ano-base de 2017.

deCreto nº 9.118, de 09.08.2017 – publiCado no dou de 10.08.2017Fixa, para o Exército, os quantitativos de vagas para promoções obrigatórias de Oficiais das Armas, Quadros e Serviços que menciona, no ano-base de 2017.

deCreto nº 9.114, de 28.07.2017 – publiCado no dou de 31.07.2017Altera o Decreto nº 8.156, de 18 de dezembro de 2013, que dispõe sobre o re-manejamento, em caráter temporário, de cargos em comissão para o Ministério da Fazenda.

deCreto nº 9.110, de 27.07.2017 – publiCado no dou de 28.07.2017Remaneja, em caráter temporário, cargos em comissão do Grupo-Direção e As-sessoramento Superiores – DAS para o Ministério das Relações Exteriores e altera o Decreto nº 8.817, de 21 de julho de 2016, que aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança do Ministério das Relações Exteriores.

deCreto nº 9.106, de 26.07.2017 – publiCado no dou de 27.07.2017Altera o Decreto nº 8.947, de 28 de dezembro de 2016, que dispõe sobre a ex-tinção de cargos em comissão, funções de confiança e Gratificações Temporárias de Atividade em Escola de Governo.

deCreto nº 9.103, de 24.07.2017 – publiCado no dou de 25.07.2017Dispõe sobre a qualificação de empreendimentos públicos federais de instala-ções de transmissão de energia elétrica, no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República.

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RSDA Nº 142 – Outubro/2017 – RESENHA LEGISLATIVA ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������243

DECRETOS NÃO NUMERADOS

deCreto de 28.07.2017 – publiCado no dou de 28.07.2017 – ediÇÃo eXtra

Autoriza o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem no Estado do Rio de Janeiro.

deCreto de 24.07.2017 – publiCado no dou de 25.07.2017Autoriza o emprego das Forças Armadas para a garantia da votação e da apura-ção das eleições suplementares no Estado do Amazonas.

MEDIDAS PROVISÓRIAS

Medida provisÓria nº 792, de 26.07.2017 – publiCada no dou de 27.07.2017 – eXposiÇÃo de Motivos

Institui, no âmbito do Poder Executivo federal, o Programa de Desligamento Vo-luntário, a jornada de trabalho reduzida com remuneração proporcional e a li-cença sem remuneração com pagamento de incentivo em pecúnia, destinados ao servidor da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

Medida provisÓria nº 788, de 24.07.2017 – publiCada no dou de 25.07.2017 – eXposiÇÃo de Motivos

Dispõe sobre a restituição de valores creditados em instituição financeira por ente público em favor de pessoa falecida.

Medida provisÓria nº 787, de 24.07.2017 – publiCada no dou de 25.07.2017 – eXposiÇÃo de Motivos

Autoriza a desapropriação, em favor da União, do imóvel que especifica, locali-zado no Município de João Neiva, Estado do Espírito Santo.

Fechamento da Edição: 28�08�2017

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição os seguintes conteúdos:

ARTIGOS DOUTRINÁRIOS

• ONovoViésConstitucionaldoPoderJudiciárionaEfetivaçãodasPolíticas Públicas e o Confronto Entre a Teoria da Separação dos Poderes, Reserva do Possível e o Mínimo Existencial

Thiago Felipe Cardoso Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponíveis em: online.sintese.com

• ODireitoàSaúdeeo“Dogma”daReservadoPossível Cícero Martins de Macedo Filho Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponíveis em: online.sintese.com

• AplicaçãodosPrincípiosdaReservadoPossíveledoMínimoExis-tencial no Fornecimento de Medicamentos

Ivana Ganem Costa Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponíveis em: online.sintese.com

• OControledaAdministraçãoPúblicaeaCláusulada“ReservadoPossível”

Luiz Nunes Pegoraro Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponíveis em: online.sintese.com

• Controle JudicialdasPolíticasPúblicas:aQuestãodaReservadoPossível, da Legitimação e do Princípio da Separação dos Poderes

Nicole Mazzoleni Facchini Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINAS

Assunto

A TeoriA dA reservA do Possível nA AdminisTrAção PúblicA

• A Aplicação da Reserva do Possível pela Admi-nistração Pública Brasileira (Cândida Alzira Ben-tes de Magalhães e Elói Martins Senhoras) ................... 9

•Da Aplicabilidade da Teoria da Reserva do Pos-sível em Prol dos Direitos e das Garantias Fun-damentais (Roberta Lídice) ........................................ 27

• Teoria da Reserva do Possível Versus Direito à Saúde: uma Reflexão à Luz do Paradigma da Dig-nidade da Pessoa Humana (Cassiano Silva Araujo,Hebner Peres Soares e Tauã Lima Verdan Rangel) ..... 15

Autor

cândidA AlzirA benTes de mAgAlhães e elói mArTins senhorAs

• A Aplicação da Reserva do Possível pela Admi-nistração Pública Brasileira.......................................... 9

cAssiAno silvA ArAuJo, hebner Peres soAres e TAuã limA verdAn rAngel

• Teoria da Reserva do Possível Versus Direito à Saúde: uma Reflexão à Luz do Paradigma da Digni-dade da Pessoa Humana ........................................... 15

roberTA lídice

•Da Aplicabilidade da Teoria da Reserva do Pos-sível em Prol dos Direitos e das Garantias Funda-mentais ...................................................................... 27

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Assunto

A TeoriA dA reservA do Possível nA AdminisTrAção PúblicA

• Agravo regimental no recurso extraordinário – Administrativo e processual civil – Repercussão geral presumida – Sistema público de saúde local – Poder Judiciário – Determinação de adoção de medidas para a melhoria do sistema – Possibili-dade – Princípios da separação dos poderes e da reserva do possível – Violação – Inocorrência – Agravo regimental a que se nega provimento (STF) ........................................................................ 8480, 32

• Processual civil – Agravo de instrumento – Ação civil pública – Município de São Luís (MA) – Ma-nutenção e preservação de bem tombado – fonte das pedras e fonte do ribeirão – Antecipação da tutela deferida – Descumprimento da ordem ju-dicial – Invocação do princípio da reserva do possível – Descabimento – Astreintes – Legitimi-dade – Redução do valor – Agravo de Instrumento – Provimento parcial (TRF 1ª R.) ......................8481, 40

EMENTÁRIO

Assunto

A TeoriA dA reservA do Possível nA AdminisTrAção PúblicA

• Reserva do possível – afastamento – direito à saú-de – construção de posto de saúde em comuni- dade indígena – interesse de agir – caracterização ........................................................................ 8482, 45

• Reserva do possível – atendimento a gestantes– maternidades estaduais – inaplicabilidade ....8483, 46

• Reserva do possível – descabimento – manuten-ção e preservação de bem tombado – astreintes ........................................................................ 8484, 47

• Reserva do possível – fornecimento de medica-mento – grave estado de doença – SUS – pessoa desprovida de recursos financeiros – configuração ........................................................................ 8485, 47

• Reserva do possível – fornecimento gratuito de medicamentos – responsabilidade solidária – con-figuração .........................................................8486, 48

• Reserva do possível – inaplicabilidade – bem tom-bado – patrimônio histórico – conservação e pre-servação – necessidade ...................................8487, 48

• Reserva do possível – invocação – impossibilida-de – precedentes .............................................8488, 49

• Reserva do possível – não violação – tratamento médico – fornecimento de fármaco – compro-vação .............................................................. 8489, 50

• Reserva do possível – não violação – tratamento médico – procedimentos cirúrgicos – descentra-lização do SUS – responsabilidade solidária –configuração ...................................................8490, 51

• Reserva do possível – Sistema único de saúde – fornecimento de medicamento – risco alto de infecções e consequente óbito – tratamento iso-nômico – necessidade .....................................8491, 53

• Reserva do possível – vaga em creche – direito indi-vidual indisponível – cabimento ......................8192, 55

• Reserva do possível – violação – acessibilidade em prédio público – sujeição à lei orçamentária – não ocorrência ......................................................8493, 56

• Reserva do possível – violação – inocorrência – Sistema público de saúde local – Poder Judiciá-rio – determinação de adoção de medidas para amelhoria do sistema – possibilidade ................8494, 56

Índice Geral

DOUTRINAS

Assunto

imProbidAde AdminisTrATivA

• Improbidade Administrativa: Dever de Eficiênciae Escusa de Incompetência (Emerson Garcia) ............ 57

lei AnTicorruPção

• Programa de Integridade (Compliance Program) na Lei Anticorrupção e Culpabilidade Empresarial(Arnaldo Quirino de Almeida) ................................... 68

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246 ����������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 142 – Outubro/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

Autor

ArnAldo Quirino de AlmeidA

• Programa de Integridade (Compliance Program)na Lei Anticorrupção e Culpabilidade Empresarial .... 68

emerson gArciA

• Improbidade Administrativa: Dever de Eficiênciae Escusa de Incompetência ........................................ 57

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Assunto

ensino suPerior

• Administrativo – Mandado de segurança – Curso universitário – Graduação – Aprovação no pro-cesso seletivo – Ingresso em vaga ociosa – Docu-mentação – Matrícula – Diploma da graduação – Não emitido – Certificado de conclusão – Apre-sentação – suficiência (TRF 1ª R.) ..................8496, 117

imProbidAde AdminisTrATivA

• Administrativo e processual civil – Agravo interno no recurso especial – Improbidade administrativa – Prestação de contas fora do prazo – Ato de im-probidade não configurado – Necessidade de má--fé ou dolo genérico (STJ) ..............................8495, 112

• Previdenciário – Devolução de valores recebidos indevidamente – Imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário – Restrição a ilícito penal e por improbidade administrativa – Reconheci-mento da prescrição intercorrente – Dispensa-bilidade da manifestação prévia da Fazenda Pú-blica (TRF 4ª R.) .............................................8499, 138

liciTAção

• Constitucional – Administrativo – Improbidade administrativa – Legitimidade passiva – Ex-prefeito – Secretária municipal – Empresa contratada – Verba repassada pelo Fundef – Fiscalização pela União – Dispensa indevida de licitação – Não comprovação das hipóteses legais de dispensa – Conluio – Fraude – Reconhecimento – Recursosimprovidos (TRF 5ª R.) ...................................8500, 148

miliTAr

• Administrativo – Militar – Pensão por morte – Lei nº 3.765/1960 com as alterações advindas da Medida Provisória nº 2.215-10, de 31.08.2001 – Companheira – Comprovação animus – Reque-rimento administrativo indeferido – Interrupção da prescrição que volta a correr pela metade doprazo (TRF 2ª R.) ...........................................8497, 121

servidor Público

• Administrativo – Civil – Processo civil – Ação de indenização – Dano moral – Responsabilidade civil do estado – Servidor público – Ilegitimidade passiva – Inquérito policial, ação penal e poste-rior absolvição – Ausência de ilícito – Dano mo-ral – Prova – ausência – Improcedência – Sentençamantida (TJMG) .............................................8501, 162

• Administrativo – Servidor público – Julgamen-to extra petita – Fundamento em fato superve-niente aos narrados na inicial – Arts. 128 e 460 do CPC – Nulidade da sentença – Causa madura

– Art. 515, § 1º, CPC – Revisão de aposentadoria por invalidez – Acidente de trabalho comprova-do – Proventos integrais – Isenção do imposto de renda – Ilegitimidade passiva de parte da FUFMS(TRF 3ª R.) .....................................................8498, 128

EMENTÁRIO

Assunto

AgenTe PolíTico

• Agente político – vereador – improbidade admi-nistrativa – funcionários fantasmas – ausência deprovas – configuração ...................................8502, 168

AnATel

• Anatel – poder regulamentar – ausência de divul-gação de novo produto – vício de razoabilidadeou proporcionalidade – inexistência ..............8503, 168

Aneel

• Aneel – produção de energia – necessidade de so-bretarifa – violação dos princípios da eficiência e da isonomia – não configuração ....................8504, 169

• Aneel – sistema de iluminação pública – regis-trado como ativo imobilizado em serviço – ato normativo – abuso do poder regulamentar – prin-cípio da legalidade – cabimento ....................8505, 169

bem Público

• Bem público – reintegração de posse – ocupação de próprio nacional – esbulho – mera detenção – indenização – descabimento ......................8506, 170

• Bem público – usucapião extraordinário – reco-nhecimento por lei municipal – prescrição aqui-sitiva – impossibilidade .................................8507, 171

concurso Público

• Concurso público – aprovação dentro do núme-ro de vagas – contratação de servidor em caráter temporário – mesma função do cargo definitivo – preterição – configuração ...........................8508, 172

• Concurso público – aprovação fora do número de vagas – ilegalidade na matrícula do candidato an-tecedente – não caracterização .....................8509, 172

• Concurso público – EBCT – inaptidão física – não constatação – laudo pericial judicial – reconhe-cimento .........................................................8510, 173

conTrATo AdminisTrATivo

• Contrato administrativo – cobrança – prestação de serviços financeiros e outras avenças – resci-são unilateral pela municipalidade – restituiçãodos valores – possibilidade ............................8511, 173

• Contrato administrativo – exclusividade – disposi-tivos legais tidos por violados – falta de preques-tionamento – Súmula nº 211/STJ – reexame deprova – necessidade ......................................8512, 174

conTrATo TemPorário

• Contrato temporário – ação de cobrança – ver-ba remuneratória – ausência de prova do paga-mento – configuração ....................................8512, 174

• Contrato temporário – servidor público – insufi-ciência de elementos na análise da regularidade– ausência de provas – configuração .............8513, 175

Page 247: ISSN 2179-1651 Revista SÍNTESE · 2017-10-25 · (UFRR); “Teoria da Reserva do Possível Versus Direito à Saúde: uma Reflexão à Luz do Paradigma da Dignidade da Pessoa Humana”,

RSDA Nº 142 – Outubro/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ����������������������������������������������������������������������������������������������������247 desvio de função

•Desvio de função no serviço público – questãode fato – prova testemunhal – necessidade ....8514, 175

•Dispensa de licitação – crime do art. 89 da Lei nº 8.666/1993 – demonstração de dolo específico– necessidade ................................................8515, 176

disPensA de liciTAção

•Dispensa de licitação – improbidade administrati-va – fracionamento de valor da obra – imposição de penalidade – configuração .......................8516, 177

ensino suPerior

• Ensino superior – cumulação de bolsa de estu-dos – doutorado com o exercício de atividade re-munerada de magistério – possibilidade ........8517, 179

• Ensino superior – servidor público estadual – re-moção ex officio – aplicabilidade da norma in-serta no art. 1º da Lei nº 9.536/1997 – possibili-dade ..............................................................8518, 180

frAude em liciTAção

• Fraude em licitação – autoria e materialidade – demonstração – absolvição – não cabimento ......................................................................8519, 180

imProbidAde AdminisTrATivA

• Improbidade administrativa – concurso público – cargos do corpo de bombeiros militar – indi-ciamento ou procedimento a atribuir ao agenteato criminoso – inexistência ..........................8520, 180

• Improbidade administrativa – contradição – prova – autoria incerta da adulteração – dano ao erário– reconhecimento..........................................8521, 182

• Improbidade administrativa – contratação de em-presa – fornecimento de mão de obra – ausênciade concurso – configuração ..........................8522, 185

• Improbidade administrativa – contrato de cons-trução não concluído – condenação – art. 10, caput e art. 11, caput e inciso II, da Leinº 8.429/1992 – descabimento ......................8523, 185

• Improbidade administrativa – ex-prefeito – de-ver de prestar contas – documentação incomple-ta – dolo – não configuração .........................8524, 187

• Improbidade administrativa – indisponibilidade de bens – periculum in mora – dilapidação patri-monial – desnecessidade ...............................8525, 187

• Improbidade administrativa – malversação de re-cursos públicos federais repassados – utilização em assistência farmacêutica básica – aquisição su-perfaturada de medicamentos – não comprovação ......................................................................8526, 188

liciTAção

• Licitação – contratação de serviços de vigilân-cia – previsão editalícia de apresentação de au-torização para funcionamento – violação art. 3º,§ 1º, I, Lei nº 8.666/1993 – configuração .......8527, 192

• Licitação – fraude – corrupção passiva, fraude processual e lavagem de dinheiro – excesso deprazo na formação da culpa – inocorrência ..8528, 193

• Licitação – inexecução de contrato – multa – descredenciamento do Sicaf – não aplicabilidade ......................................................................8529, 195

• Licitação – irregularidade do aditamento – regula-ridade da alteração unilateral do contrato – revi-são – impossibilidade ....................................8530, 196

miliTAr

•Militar – concurso público – inaptidão – tatua-gem aparente – configuração.........................8531, 196

•Militar – ingresso no corpo auxiliar de praças da marinha – altura mínima – previsão legal – pre-cedentes ........................................................8532, 198

•Militar – promoção especial por ressarcimento de preterição – requisitos necessários – não com-provação .......................................................8533, 199

•Militar – temporário – licenciamento ex officio –possibilidade .................................................8534, 200

nePoTismo

•Nepotismo – improbidade administrativa – pre-feitura municipal – dosimetria da penalidade im-posta – prestação do serviço pelo servidor – pre-juízo ao erário – não comprovação ...............8535, 200

Poder de PolíciA

• Poder de polícia – infestação de plantação – can-cro cítrico – dever jurídico de indenizar – ine-xistência ........................................................8536, 204

Pregão

• Pregão – Infraero – contrato de concessão de uso – possibilidade .................................................8537, 205

resPonsAbilidAde civil do esTAdo

• Responsabilidade civil do Estado – indenização por danos morais – farmácia pública – alegação de fornecimento de medicamento equivocado –não caracterização ........................................8538, 205

servidor Público

• Servidor público – auxiliar administrativo – ce-dido para exercer funções em delegacia federal –desvio de função – não ocorrência ................8539, 207

• Servidor público – inativo – gratificação de de-sempenho de atividade de ciência e tecnologia –omissão – inexistência ...................................8540, 207

servidor Público federAl

• Servidor público federal – pensão por morte e apo-sentadoria – Regime Geral de Previdência Social– impossibilidade ..........................................8541, 209

Seção EspecialESTUDOS JURÍDICOS

Assunto

Processo AdminisTrATivo

•O Princípio da Autotutela Aplicado a Processo Administrativo sobre Imunidade de ITBI – Estudode Caso (Carlos Eduardo de Mattos) ....................... 211

Autor

cArlos eduArdo de mATTos

•O Princípio da Autotutela Aplicado a Processo Administrativo sobre Imunidade de ITBI – Estudode Caso (Carlos Eduardo de Mattos) ....................... 211

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248 ����������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 142 – Outubro/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

CLIPPING JURÍDICO

• A não aplicação de recursos públicos no merca-do financeiro não configura ato de improbidadeadministrativa .......................................................... 225

• Administração Pública não pode determinar des-conto de valores recebidos de boa-fé por servidora ... 238

• ADPF pede que orçamentos de universidades doRJ deixem de ser geridos pelo governo estadual ...... 223

• Câmara aprova projeto que reforça proibição depromoção automática em escolas ........................... 224

• Candidatos com mais de 30 anos não podem seinscrever no concurso da PM, decide TJ .................. 222

• Carga horária não pode ultrapassar 60 horas sema-nais nos casos de acumulação legal de cargos ........ 230

• Comissão permite que candidato dispute mais deum cargo na mesma eleição .................................... 237

• Companhia energética não pode suspender for-necimento de energia elétrica.................................. 227

• Compensação de horário especial para servidor com deficiência não é obrigatória ........................... 229

• Concedido afastamento de cargo público federal aservidor para participar de curso de formação ......... 225

• Curso superior pode ser reduzido a aluno que obtenha desempenho excepcional nos estudos ....... 238

•Determinada expedição de diploma de curso supe-rior sem apresentação de certificado de conclusão ..231

• Ex-prefeito de Palmácia é condenado por impro-bidade e perde direitos políticos por três anos ......... 240

• Extinta ação contra normas que permitem cassaçãode aposentadorias de servidores públicos ................ 228

• Falta de registro de produtos na Anvisa não é su-ficiente para caracterizar o crime de falsificação ..... 233

• Juíza declara ilegalidade de decreto que aumentoutarifas do transporte público do DF ......................... 235

• Justiça determina que candidato com deficiênciaeliminado de concurso público volte ao certame .... 223

•Mudança na lei torna prejudicada ADI contra re-solução do TSE sobre prestação de contas ............... 234

• Negada matrícula a estudante que não se inscre-veu no prazo assinalado pela instituição de ensino ... 232

• Pleno do TJ declara perda do posto e patente depolicial militar ......................................................... 226

•Questionada lei catarinense que institui programade estágio para estudantes de pós-graduação .......... 237

• Servidor público tem direito a horário especial emrazão de ter filho deficiente ..................................... 236

• Terceira Turma reforma decisão que exigiu forne-cimento de remédio importado não registrado naAnvisa ..................................................................... 229

• Teto remuneratório incide sobre a remuneração decada cargo ............................................................... 222

• Transferência de militar está vinculada à conve-niência da Administração ........................................ 239

• Tribunal declara inconstitucionalidade de leis quetratam de concursos públicos no DF ....................... 236

• Tribunal determina a matrícula de estudante que concorreu por engano a vagas destinadas a cotistas .. 227

• Tribunal garante reinclusão de candidata em cur-so de formação de sargentos.................................... 239

•União não deve efetuar desconto na remunera-ção de servidora licenciada para exercer atividadepolítica .................................................................... 232

RESENHA LEGISLATIVA

decreTos

•Decreto nº 9.146, de 24.08.2017 – Publicado no DOU de 25.08.2017 ............................................... 241

•Decreto nº 9.144, de 22.08.2017 – Publicado no DOU de 23.08.2017 ............................................... 241

•Decreto nº 9.143, de 22.08.2017 – Publicado no DOU de 23.08.2017 ............................................... 241

•Decreto nº 9.137, de 21.08.2017 – Publicado no DOU de 22.08.2017 ............................................... 241

•Decreto nº 9.136, de 21.08.2017 – Publicado no DOU de 22.08.2017 ............................................... 241

•Decreto nº 9.129, de 17.08.2017 – Publicado no DOU de 18.08.2017 ............................................... 241

•Decreto nº 9.128, de 17.08.2017 – Publicado no DOU de 18.08.2017 ............................................... 241

•Decreto nº 9.125, de 14.08.2017 – Publicado no DOU de 15.08.2017 ............................................... 241

•Decreto nº 9.122, de 09.08.2017 – Publicado no DOU de 10.08.2017 ............................................... 242

•Decreto nº 9.121, de 09.08.2017 – Publicado noDOU de 10.08.2017 ............................................... 242

•Decreto nº 9.120, de 09.08.2017 – Publicado no DOU de 10.08.2017 ............................................... 242

•Decreto nº 9.119, de 09.08.2017 – Publicado no DOU de 10.08.2017 ............................................... 242

•Decreto nº 9.118, de 09.08.2017 – Publicado no DOU de 10.08.2017 ............................................... 242

•Decreto nº 9.114, de 28.07.2017 – Publicado no DOU de 31.07.2017 ............................................... 242

•Decreto nº 9.110, de 27.07.2017 – Publicado no DOU de 28.07.2017 ............................................... 242

•Decreto nº 9.106, de 26.07.2017 – Publicado no DOU de 27.07.2017 ............................................... 242

•Decreto nº 9.103, de 24.07.2017 – Publicado noDOU de 25.07.2017 ............................................... 242

decreTos não numerAdos

•Decreto de 28.07.2017 – Publicado no DOU de 28.07.2017 – Edição extra ....................................... 243

•Decreto de 24.07.2017 – Publicado no DOU de25.07.2017.............................................................. 243

medidAs ProvisóriAs

•Medida Provisória nº 792, de 26.07.2017 – Publi-cada no DOU de 27.07.2017 – Exposição de mo-tivos ........................................................................ 243

•Medida Provisória nº 788, de 24.07.2017 – Publi-cada no DOU de 25.07.2017 – Exposição de mo-tivos ........................................................................ 243

•Medida Provisória nº 787, de 24.07.2017 – Publi-cada no DOU de 25.07.2017 – Exposição de mo-tivos ........................................................................ 243