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Direito Público ANO XI – Nº 61 – JAN-FEV 2015 I NDEXADA POR Index Copernicus Internacional Sumário de Revistas Brasileiras Latindex REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 610/2009 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040‑0 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 17/2010 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 35/2008 Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/2009 DIRETORES Elton José Donato Dalide Correa EDITOR-CHEFE Paulo Gustavo Gonet Branco (IDP/DF) EDITORA-ADJUNTA Ana Carolina Figueiró Longo (IDP/DF) CONSELHO EDITORIAL Aline Sueli de Salles Santos (UFTO), Alvaro Ricardo de Souza Cruz (PUC‑MG), Alvaro Sanchez Bravo (Univ. de Sevilha), Ana Paula Barcelos (UERJ), Augusto Aguilar Calohrro (Univ. de Granada‑ES), Daniel Antonio de Moraes Sarmento (UERJ), Fernando Araújo (Univ. de Lisboa‑PT), Francisco Balaguer Callejón (Univ. de Granada‑ES), Francisco Fernandez Segado (Universidad Complutense de Madrid), Gilmar Ferreira Mendes (IDP e UnB), Ingo Wolfgang Sarlet (PUCRS), Joaquim Brage Camazano (Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio Lavocat Galvão (USP), Julia Maurmann Ximenes (IDP‑DF), Lauro Gama Jr. (PUC‑RJ), Luciano Mariz Maia (UFPB), Marinella Araujo (PUC‑MG), Pierdomenico Logroscino (Università degli Studi di Bari), Vladmir Oliveira da Silveira (PUC‑SP) CORPO ADMINISTRATIVO EDITORIAL Adriana da Fontoura Alves, Anna Carolina Carneiro, Bruno Degrazia, Carlos Maurício Lociks de Araújo, Eder Pereira Assis, Everaldo Magalhães Andrade Júnior, Fernanda Almeida Abud Castro, Francisco Valle Brum, Guido Cerqueira Café Mendes, Hugo Souto Kalil, Ivete Oliveira Alves, Janete Ricken Lopes de Barros, José dos Santos Carvalho Filho, Micaela Dominguez Dutra, Odilon Cavallari de Oliveira, Rodrigo Chaves de Freitas, Virginia Borges Silva COMITÊ TÉCNICO Edevaldo Siqueira Gaudencio COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Adir Ubaldo Rech, Diego Luis Alonso Massa, Dietmar Von Der Pfordten, Humberto Fernandes de Moura, Julia Maurmann Ximenes, Luiza Ferreira Odorissi, Mônia Clarissa Hennig Leal, Peter Häberle, Valerio de Oliveira Mazzuoli ISSN impresso 1806‑8200 ISSN digital 2236‑1766 Revista Oficial do Programa de Mestrado em Constituição e Sociedade da Escola de Direito do IDP

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Direito PúblicoAno XI – nº 61 – JAn-Fev 2015

IndeXAdA porIndex Copernicus InternacionalSumário de Revistas Brasileiras

Latindex

reposItórIo AutorIzAdo de JurIsprudêncIATribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 610/2009

Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040‑0Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 17/2010Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 35/2008Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/2009

dIretoresElton José Donato

Dalide Correa

edItor-cheFePaulo Gustavo Gonet Branco (IDP/DF)

edItorA-AdJuntAAna Carolina Figueiró Longo (IDP/DF)

conselho edItorIAlAline Sueli de Salles Santos (UFTO), Alvaro Ricardo de Souza Cruz (PUC‑MG), Alvaro Sanchez Bravo (Univ. de Sevilha),

Ana Paula Barcelos (UERJ), Augusto Aguilar Calohrro (Univ. de Granada‑ES), Daniel Antonio de Moraes Sarmento (UERJ), Fernando Araújo (Univ. de Lisboa‑PT),

Francisco Balaguer Callejón (Univ. de Granada‑ES), Francisco Fernandez Segado (Universidad Complutense de Madrid), Gilmar Ferreira Mendes (IDP e UnB), Ingo Wolfgang Sarlet (PUCRS),

Joaquim Brage Camazano (Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio Lavocat Galvão (USP), Julia Maurmann Ximenes (IDP‑DF), Lauro Gama Jr. (PUC‑RJ), Luciano Mariz Maia (UFPB),

Marinella Araujo (PUC‑MG), Pierdomenico Logroscino (Università degli Studi di Bari), Vladmir Oliveira da Silveira (PUC‑SP)

corpo AdmInIstrAtIvo edItorIAlAdriana da Fontoura Alves, Anna Carolina Carneiro, Bruno Degrazia, Carlos Maurício Lociks de Araújo, Eder Pereira Assis,

Everaldo Magalhães Andrade Júnior, Fernanda Almeida Abud Castro, Francisco Valle Brum, Guido Cerqueira Café Mendes, Hugo Souto Kalil, Ivete Oliveira Alves, Janete Ricken Lopes de Barros, José dos Santos Carvalho Filho, Micaela Dominguez Dutra, Odilon Cavallari de Oliveira, Rodrigo Chaves de Freitas, Virginia Borges Silva

comItê técnIcoEdevaldo Siqueira Gaudencio

colAborAdores destA edIção

Adir Ubaldo Rech, Diego Luis Alonso Massa, Dietmar Von Der Pfordten, Humberto Fernandes de Moura, Julia Maurmann Ximenes, Luiza Ferreira Odorissi, Mônia Clarissa Hennig Leal, Peter Häberle, Valerio de Oliveira Mazzuoli

ISSN impresso 1806‑8200ISSN digital 2236‑1766

Revista Oficial do Programa de Mestrado em Constituição e Sociedade da Escola de Direito do IDP

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2003 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE e do IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público.Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Público.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respectivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e‑mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 3.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação devem ser encaminhados exclusivamente por meio do Portal de Periódicos do IDP (www.direitopublico.idp.edu.br), com o prévio cadastramento do Autor.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

D598 Direito Público. – v. 1, n. 1 (jul./set. 2003)‑

Porto Alegre: Síntese; Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Público, 2005‑v. 11, n. 61; 15,5 x 22,5 cmBimestral

ISSN: 1806‑82001. Direito público

CDU 342CDD 341

(Bibliotecária responsável: Nádia Tanaka – CRB 10/855)

IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público

www.idp.edu.br

SGAS 607 – Módulo 49 – Av. L2 Sul – Asa Sul70200‑670 – Brasília – DFFone/Fax: (61) 3535.6565

E‑mail: [email protected]

Solicita‑se permuta.Pídese canje.

On demande l’échange.Si richiede lo scambio.We ask for exchange.

Wir bitten um austausch.

Permuta com as Instituições:Escola Nacional de Administração Pública. Biblioteca Graciliano Ramos.

Escola Superior da Magistratura. Ajuris. Biblioteca.Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Contagem. Biblioteca.

Senado Federal. Biblioteca Acadêmico Luiz Viana Filho.Universidade de Brasília. Biblioteca Central.

Universidade de Lisboa. Biblioteca.Universidade de Santa Cruz do Sul. Biblioteca Central.

Universidade Federal de Santa Catarina. Biblioteca Universitária.Universidade do Vale do Itajaí. Biblioteca Central Comunitária.

Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Biblioteca.Universidade Federal do Paraná. Biblioteca Central.

Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Biblioteca.

Uma coedição de:

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.sage.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Muito se tem escrito sobre o direito civil constitucional e sobre as in-junções do direito constitucional no direito processual e das modulações que exerce no direito penal. Não menos relevante é considerar as inflexões que as normas constitucionais exercem sobre institutos do direito administrativo. Este número adotou como tema central precisamente este ponto, a ele dedicando, além de achados doutrinários, um apanhado de precedentes jurisprudenciais que, estimamos, poderá interessar ao leitor.

Dando seguimento à publicação de textos que ganharam a aura de clás-sicos, quer pelo seu caráter precursor, quer por refletirem a razão do prestígio alcançado pelos seus autores, sugerimos a leitura do ensaio de Peter Häberle sobre a presença do tema “Europa” em diplomas constitucionais recentes.

Boa leitura!

Paulo Gustavo Gonet Branco

Editor

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ....................................................................7

Assunto Especial

Direito ADministrAtivo ConstituCionAl

DoutrinA

1. A Justiça Administrativa em Resposta a: Perspectiva ComparadaFabriccio Quixadá Steindorfer Proença ......................................................9

2. Administração Contratual, Nova Contratualidade Administrativa e Contratos de Parcerias: Breves Considerações acerca de Alguns Conceitos Que Integram uma Nova Terminologia Trazida pela Doutrina Administrativista ContemporâneaMurilo Ferro .............................................................................................25

textos ClássiCos

1. Programas sobre Europa em Constituições e Projetos Constitucionais Recentes. O Desenvolvimento do “Direito Constitucional Nacional sobre a Europa”Peter Häberle ...........................................................................................44

JurispruDênCiA

1. Acórdão na Íntegra (STF) ..........................................................................69

2. Ementário .................................................................................................81

Parte GeralDoutrinAs

1. Aspectos Gerais da Democracia Participativa e a Ordem Democrática NacionalHamilton Cunha Iribure Júnior .................................................................95

JurispruDênCiA

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Tribunal Regional Federal da 1ª Região ..................................................115

2. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................118

3. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ..................................................122

4. Tribunal Regional Federal da 4ª Região ..................................................127

5. Tribunal Regional Federal da 5ª Região ..................................................138

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ementário

1. Administrativo ........................................................................................1412. Ambiental ..............................................................................................1463. Constitucional ........................................................................................1564. Penal / Processo Penal............................................................................1585. Processo Civil e Civil ..............................................................................1646. Trabalhista/Previdenciário ......................................................................1707. Tributário ...............................................................................................176

Seção EspecialDoutrinA estrAngeirA

1. ¡Codificado Para la Exportación! La Dimensión Contextual del Marco Civil de Internet en BrasilOsvaldo Saldías ......................................................................................189

teoriAs e estuDos CientífiCos 1. Peculato de Uso: Um Paralelo entre o Código Penal Brasileiro e a

Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa)Dione Micheli de Freitas Pedroso Immich, Thais Silva Righi e Vladimir Haag Medeiros ........................................................................208

Clipping Jurídico ..............................................................................................228

Resenha Legislativa ..........................................................................................232

Bibliografia Complementar .................................................................................233

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................234

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Normas Editoriais para Envio de Artigos

A Direito Público é uma publicação conjunta da Escola de Direito do IDP e a IOB, e é a revista oficial do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da EDB/IDP e objetiva ser um espaço de atualização bibliográfica constante para a comunidade acadêmica, bem como de divulgação dos trabalhos publicados pelo corpo discente do Instituto. O programa de Mestrado do IDP e a linha edi-torial da revista contemplam as seguintes linhas de pesquisa: a) Constituição: Articulações e Relações Constitucionais; e b) Direitos Fundamentais e Processos Constitucionais.

A revista publica artigos originais e inéditos de pesquisa e reflexão acadê-mica, estudos analíticos e resenhas na área do Direito Público, consignando-se que as opiniões emitidas pelo autor em seus artigos são de sua exclusiva respon-sabilidade. A publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunida-de da Revista, sendo reservado à mesma o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido, e, também, o direito de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor. À editora fica reservado o direito de publicar os arti-gos enviados em outros produtos jurídicos da IOB.

A publicação dos artigos enviados não implicará remuneração a seus autores, tendo como contraprestação o envio de um exemplar da edição da Revista onde o artigo foi publicado.

Os trabalhos devem ser encaminhados exclusivamente por meio do Por-tal de Periódicos do IDP, com o prévio cadastramento do Autor, no endereço eletrônico www.direitopublico.idp.edu.br, com as seguintes especificações:

– Arquivo formato Word, ou em formato compatível com o pacote Office;

– Fonte Times New Roman, tamanho 12;

– Espaçamento entre linhas de 1,5;

– Títulos e subtítulos em caixa alta, alinhados à esquerda e em negrito em português e inglês;

– Resumo informativo no idioma do texto e em língua estrangeira;

– Palavras-chave/descritores em português e inglês;

– Referências à bibliografia consultada;

– O autor deverá cadastrar-se no Portal da Revista Direito Público do IDP (www.direitopublico.idp.edu.br), indicando o resumo de sua biografia e seu endereço de correspondência;

– O arquivo contendo o texto não deverá conter nenhuma referência à qualificação do autor, sob pena de rejeição.

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PROCEDIMENTO DE AVALIAÇÃO DE ARTIGOS – BLIND PEER REVIEW

Todos os artigos passam por uma avaliação prévia realizada pelo Corpo Administrativo Editorial, verificando sua adequação à linha editorial da Revista. Após essa avaliação, os artigos são remetidos a dois pareceristas anônimos – Professores Doutores membros do Conselho Editorial – para a avaliação qua-litativa de sua forma e conteúdo, de acordo com o processo conhecido como duplo blind review. Excepcionalmente, haverá convites para publicação, não excedendo tais casos 25% dos artigos publicados em determinado ano. Os convites serão formulados exclusivamente pelo Editor Chefe da revista Direito Público.

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Assunto Especial – Doutrina

Direito Administrativo Constitucional

A Justiça Administrativa em Resposta a: Perspectiva Comparada

FABRICCIO QUIXADÁ STEINDORFER PROENÇADoutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Mestre em Direito (Direito e Desenvolvimento) pela Universidade Federal do Ceará, Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará, Advogado da União, lotado na Consultoria Jurídica do Ministério de Minas e Energia. Tem ênfase em Direito Comercial e Administrativo, atuando principalmente nos seguintes temas: Direito Falimentar, Direito Marítimo, Direito Societário, Direito Internacional Privado, Direito de Energia Elétrica, Direito de Petróleo e Gás e Direito Minerário. Lecionou na Universidade Federal do Ceará (UFC), na Universidade de Fortaleza (Unifor), no Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), entre outros. Atuou na construção dos marcos regulatórios do Pré‑Sal e da mineração. Autor da obra A Licitação na Sociedade Economia Mista (Rio de Janeiro, 2003).

Submissão: 01.08.2014Decisão Editorial: 31.10.2014Comunicação ao Autor: 31.10.2014

RESUMO: O presente trabalho tem por desiderato investigar a sistemática da justiça administrativa no mundo e no Brasil. Para tanto, foi realizado um estudo comparativo entre os sistemas brasileiro, francês, italiano, alemão, português e anglo‑americano. São abordados tópicos relevantes para a compreensão do tema apresentado, especialmente a dualidade e a unicidade de jurisdição. Fez‑se uso da análise legal e doutrinária no direito comparado, na busca do melhor entendimento dos desa‑fios jurídicos e inerentes ao assunto.

PALAVRAS‑CHAVE: Justiça administrativa; contencioso administrativo; jurisdição una; direito com‑parado.

ABSTRACT: The present study aims to investigate the systematic of administrative justice in the world and in Brazil. Thus, a comparative study between the Brazilian, Anglo‑American, French, Italian, German and Portuguese systems was conducted. We address topics relevant to the understanding of the theme presented, especially the duality and oneness of jurisdiction. We used the legal and doc‑trinal analysis in comparative law, in pursuit of the better understanding of the legal and challenges inherent to the subject.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Justiça administrativa e modelos de jurisdição administrativa; 2 Origem da justiça administrativa: o Direito francês; 3 O Direito alemão; 4 O Direito italiano; 4.1 Breves conside‑rações sobre o Direito romano; 4.2 A Itália; 5 O Direito português; 6 O Direito anglo‑americano; 7 A justiça administrativa do Brasil; 7.1 A Justiça especializada; 7.2 Tribunal Marítimo; 7.3 Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal; Conclusão; Referências.

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10 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 61 – Jan-Fev/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

INTRODUÇÃO

A pesquisa aqui apresentada pretende realizar um estudo comparado dos sistemas jurisdicionais unitário e dualista, com vistas a demonstrar as peculiari-dades da jurisdição administrativa, especialmente no que concerne aos efeitos das decisões proferidas pelas Cortes administrativas.

O tema assume especial importância, haja vista que pretende trazer ele-mentos capazes de determinar as hipóteses em que a decisão proferida pelos órgãos de “contencioso administrativo” podem ou não ser revistas pelo Poder Judiciário nos países que adotam os sistemas dual e unitário.

Realizou-se pesquisa legal e doutrinária, com foco nas obras de direito comparado, direito administrativo e Direito romano. A multidisciplinaridade inerente à matéria possibilitou o enfoque diversificado, abrindo caminho para um debate maior acerca do âmbito de aplicação das decisões proferidas pelos órgãos da Administração Pública.

1 JUSTIÇA ADMINISTRATIVA E MODELOS DE JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA

O termo “justiça administrativa” remonta à análise das duas palavras que compõem a expressão e que necessitam de melhor compreensão conceitual: a) “justiça”; e b) “administrativa”, havendo acepções de cunho formal e material que necessitam de maiores elucidações antes de adentrarmos no tema propria-mente dito1.

Conceituar justiça ou jurisdição respeita à questão de que o vocábulo en-cerra significados distintos. Araújo2 assevera a existência de, pelo menos, quatro sentidos diferentes, em especial nos países latinos: a) âmbito territorial; b) sinô-nimo de competência; c) conjunto de poderes ou autoridade de determinado órgão do Poder Público; e d) função pública de dizer o direito, de distribuir a justiça.

O que aqui importa é a justiça como instituição estatal cuja atribuição primordial é a aplicação do Direito. Note-se que a justiça como parte das fun-ções inerentes ao Estado é una, não sendo possível, mesmo no caso do conten-cioso administrativo, falar-se em uma atividade jurisdicional completamente dissociada do Poder Judiciário, posto que, formalmente, sempre o será.

A definição de administração pública traz problemas similares, na medi-da em que o termo também encerra distintos sentidos, que consideram aspectos relevantes para o interesse dos administrados, especialmente na realização do desiderato maior do Estado: o bem-estar comum.

1 Gualazzi, 1986, p. 20-21.2 Araújo, 2010, p. 1276.

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Carvalho Filho relata os sentidos objetivo e subjetivo da Administração Pública:

O sentido objetivo, pois, da expressão – que aqui deve ser grafada como iniciais minúsculas – deve consistir na própria atividade administrativa exercida pelo Estado por seus órgãos e agentes, caracterizando, enfim, a função administrativa.3

Sobre o sentido subjetivo da expressão “Administração Pública”, o autor contextualiza da seguinte forma:

A expressão pode também significar o conjunto de agentes, órgãos e pessoas jurídicas que tenham a incumbência de executar as atividades administrativas. Toma-se aqui em consideração o sujeito da função administrativa, ou seja, quem a exerce de fato. Para diferenciar esse sentido da noção anterior, deve a expres-são conter as iniciais maiúsculas: Administração Pública.4

Aqui será tomada a expressão “Administração Pública” em seu sentido objetivo, significando o conjunto específico de funções do Estado realizadas no exercício da atividade estatal.

Quanto aos modelos de jurisdição administrativa, identificam-se dois de maior relevância: a) o modelo de jurisdição una (anglo-americano); e b) o mo-delo de jurisdição dualista (francês).

Na jurisdição unitária, o Poder Judiciário guarda competência para a so-lução de litígios de toda natureza, inclusive aqueles em que há interesse direto da Administração Pública. É o modelo adotado pelo Brasil, por comando ex-presso do art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal ao dispor que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

O sistema da jurisdição dualista, de origem francesa, caracteriza-se “pela existência de Tribunais administrativos ou órgãos assemelhados, a Administra-ção, realmente, julga os litígios decorrentes de seus atos e relações com os administrados, emitindo decisões que, a exemplo do Poder Judiciário, também possuem autoridade de coisa julgada”5.

Em suma, nos países que adotam o sistema de jurisdição unitária, como é o caso do Brasil, apenas as decisões emanadas do Judiciário têm o condão de formar coisa julgada. Tribunais administrativos, mesmo quando existentes, sempre poderão ter suas decisões alteradas pelos juízes. No sistema dual, há uma cisão na função judicante, sendo que cabe ao contencioso administrativo resolver as matérias em que haja interesse da Administração, sem possibilidade de revisão por órgão ou Tribunal estranho ao Poder Executivo.

3 Carvalho Filho, 2013, p. 11.4 Idem, p. 11-12.5 Araújo, 2010, p. 1277.

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2 ORIGEM DA JUSTIÇA ADMINISTRATIVA: O DIREITO FRANCÊS

Como berço do direito administrativo e precursora de ideias e teorias revolucionárias na organização do Estado, a França foi igualmente importante na formação do conceito de “contencioso administrativo”, expressão inúmeras vezes alvo de críticas, ante o aparente oxímoro que encerra.

A história do Contentieux Administratif remonta ao Ancien Régime com Tribunais especializados em matérias administrativas e delegação direta do rei, mas foi com a Revolução Francesa que iniciou a assumir os contornos hodier-nos, especialmente a partir da Lei de 16-24 de agosto de 1790, que estatui a separação entre as funções judiciária e executiva no Título III, art. 13, ao dispor que:

Les fonctions judiciaires sont distinctes et demeureront toujours séparées des fonctions administratives. Les juges ne pourront, à peine de forfaiture, troubler de quelque manière que ce soit, les opérations des corps administratifs ni citer devant eux, les administrateurs pour raison de leurs fonctions.

O sistema então inaugurado foi denominado de justiça administrativa retida, na qual o Conselho de Estado emitia pareceres meramente opinativos, vigorou até 1872, quando foi instalado o sistema da justiça delegada, e o Con-selho de Estado firmou-se como ente autônomo. Necessária a menção que, não obstante, em tese, o chefe do Executivo pudesse alterar o teor dos pareceres, não há registro de tal ocorrência durante o sistema de justiça delegada6.

A partir de 1872 o Conselho de Estado assumiu outra feição. Facchini Neto ressalta que:

Il passaggio della “giustizia ritenuta” (ritenuta nelle mani del Ministro) alla “gius-tizia delegata” è frutto di una conquista laboriosamente strappata alla teoria del ministro-giudice.” Questo iter si conclude nel 1872, quando il Consiglio di Stato si afferma come giurisdizione autonoma. Infatti, la l. del 24 maggio 1872 procla-ma la natura giurisdizionale del Conseil d’Etat, affidandogli il ruolo di juge de droit commun in materia amministrativa.7

Até 1953, o Conselho de Estado era o único órgão da justiça administrati-va. De lá para cá, a instituição passou por diversas remodelações que conduzi-ram ao atual modelo, digno de confiança e respeitabilidade em todo o território francês. Naquele ano, houve uma remodelação do sistema com a criação de vinte e seis Tribunais administrativos (1ª instância) e extinção dos conselhos de prefeitura, sendo que, atualmente, existe um total de trinta e cinco Tribunais

6 Gualazzi, p. 33.7 R. Perrot, Giudice collegiale e giudice unico..., cit., p. 390 e D. Amirante e F. Rosi, La giustizia amministrativa

in Francia. In: G. Recchia (a cura di), Ordinamenti europei di giustizia amministrativa (v. XXV del Trattato di diritto amministrativo), p. 136 e ss. apud Fachhini Neto, obra ainda não publicada.

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administrativos, sendo vinte e sete em Paris8. Em 1987, foram criados cinco Tribunais administrativos9 de apelação, sendo sete na atualidade10.

O Conselho de Estado tem o status mais elevado na organização do con-tencioso administrativo francês, e, caso haja dúvida acerca da competência para julgar determinado caso em concreto, o conflito deverá ser dirimido pelo Tribunal de Conflitos, que dá a última palavra em matéria de competência.

É pertinente ainda a menção ao órgão de “autogoverno”11, o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e das Cortes Administrativas de Apela-ção:

Tra le cui funzioni v’è quella di elaborare un quadro di progressione in carrie-ra, sulla base del quale sono fatte le proposte di promozione. È anche dotato di ampi poteri in materia di organizzazione dei concorsi per l’assunzione, oltre che di funzioni di carattere disciplinare. Il consiglio è composto da giudici eletti dai loro pari, da rappresentanti dell’amministrazione e da tre membri laici, scel-ti dal Presidente della Repubblica, dal Presidente del Senato e dal Presidente dell’Assemblea Nazionale.12

Assim, a dualidade de jurisdição na França assumiu caracteres inconfun-díveis e, hoje, é indissociável da tradição do direito administrativo daquele país. Debbasch13 esclarece:

O contencioso administrativo engloba o conjunto de regras aplicáveis à solução jurisdicional dos litígios suscitados pela atividade administrativa [...] O conten-cioso administrativo é um ramo particular do direito administrativo. Ele não com-porta, pois, o estudo do fundo de Direito aplicável, a reiteração do conjunto de regras a que a Administração está sujeita, mas unicamente o exame das regras relativas à organização da função jurisdicional e a seu exercício.

Portanto, todo o arcabouço que embasa o sistema de dualidade de juris-dição no mundo reflete a construção francesa, na medida em que a atividade judicante exercida no âmbito da própria Administração imbricou-se no direito administrativo e dele não mais se dissociou. Adiante, veremos o eco do sis-tema dual como hoje se posta na Alemanha, Itália e Portugal, bem como seu antagonista: o sistema unitário, de origem inglesa e hoje adotado no Brasil por disposição inserta no Texto Constitucional.

8 OLIVEIRA, A organização judiciária administrativa e fiscal, 2011, p. 25.9 Facchini Neto, op. cit.10 Oliveira, op. cit., p. 25.11 Idem, ibidem.12 Facchini Neto, op. cit.13 Apud Gualazzi, 1986, p. 110.

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3 O DIREITO ALEMÃO

A Alemanha guarda uma longa história na tentativa de aprimorar as bases conceituais e metodológicas da justiça administrativa, que pareceu andar sem-pre atrelada à constituição do Estado de Direito.

Citando Fleiner, Gualazzi14, em passagem necessária ao correto entendi-mento do tema, especificamente no que refere à problemática do surgimento da justiça administrativa e dos cuidados inolvidáveis na sua construção, aponta que:

Na Alemanha, O Estado de Direito teve sua origem na aplicação das instituições de justiça à Administração. A Administração chegou a ser uma atividade subme-tida ao Direito. A realização do direito administrativo incumbe às autoridades administrativas; estas, porém, à diferença do juiz, não adotam uma atitude impar-cial em face do Direito; e como em todas as situações o funcionário administra-tivo há de representar o interesse público em face do cidadão, corre-se o perigo de que as leis sejam interpretadas de modo parcial e em favor do Estado. Este perigo não se obvia com a instituição de recursos administrativos, porque sempre são as mesmas autoridades administrativas que decidem. Por esta razão, erigido o Estado Constitucional, sentiu-se imediatamente a necessidade de instituir uma instância autônoma de proteção jurídica, na esfera do direito administrativo. A estes reparos de caráter objetivo somam-se também considerações políticas con-tra o exercício exclusivo do direito administrativo pelas autoridades administra-tivas. As Cartas Constitucionais, ao distribuir as diversas funções públicas entre os diferentes órgãos do Estado, reservaram a Administração aos Soberanos, mas obrigando-os a uma colaboração com os Ministros, os quais se tornaram respon-sáveis ante as Cortes. Então, surgiu o temor de que as autoridades administrativas, dependentes da vontade do Soberano, pudessem exercer com parcialidade suas faculdades administrativas e interpretar o direito administrativo no interesse dos fins políticos do seu partido.

Na Alemanha, portanto, houve sempre uma preocupação maior de ga-rantir a imparcialidade da justiça administrativa, isolando-a da vontade do So-berano e a cercando de garantias que a mantenham alijada da influência interna corporis.

A cronologia da evolução da justiça administrativa iniciou no século XIX com a unificação do Estado alemão até a queda do segundo Reich em 1933. Ali, houve um período de pouca evolução institucional, marcado pelo Estado de Direito Democrático implementado pelo Partido Nacional Socialista no ter-ceiro Reich, correspondente aos doze anos compreendidos entre 1933 e 1945.

Com a ocupação do lado ocidental da Alemanha por franceses, norte--americanos e britânicos, houve grande diversidade de ideias sobre a justiça

14 Op. cit., p. 59.

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administrativa, destacando-se, no pedaço norte-americano, o projeto de lei de autoria de uma comissão de juristas presidida por Georg Jellinek que terminou por ser adotado em vários Estados em forma de lei15.

Forsthoff16 ressalta que

a característica comum da organização dos Tribunais administrativos (na Ale-manha) é a sua separação da Administração ativa. São única e exclusivamente Tribunais. Não só estes, como tais, senão também seus membros titulares não podem ser chamados aos negócios da Administração.

Dali para adiante, a justiça administrativa (mais justiça que administra-ção) alemã experimentou grande evolução, sempre focada na ideia de indepen-dência e imparcialidade, o que fez com que obtivesse grande reconhecimento em patamar internacional.

O Tribunal Administrativo Federal (Bundesverwaltungsgericht), com sede em Leipzig, um dos cinco Supremos Tribunais Federais na Alemanha, é, nos dias de hoje, a mais Alta Corte em matéria administrativa. O sistema de justiça administrativa é atualmente composto de cinquenta e dois Tribunais adminis-trativos de primeira instância, dezesseis Altas Cortes administrativas com com-petência recursal e o Tribunal Administrativo Federal (no topo); contando com aproximadamente dois mil e quatrocentos juízes17.

4 O DIREITO ITALIANO

4.1 breves consIderAções sobre o dIreIto romAno

A preocupação com a dicotomia direito público e direito privado já exis-tia entre os romanos, sendo que o primeiro tinha por finalidade a organização da república romana e o segundo o que diz respeito ao interesse dos parti-culares. Na lição de Justiniano18, “hujus studi duae sunt positiones: publicum et privatum. Publicum jus est statum rei romanae spectat; privatum quod ad singulorum utilitatem”.

Na seara processual, não obstante a distinção entre o processo das legis actiones, o processo formular e o processo extraordinário, por seu turno, não havia, no Direito romano, preocupação com a definição e um rito ou competên-cia próprios para a instrução e julgamento dos assuntos de interesse do Estado.

15 Gualazzi, 1986, p. 62.16 FORSTHOF, Ernst apud Gualazzi, op. cit., p. 65-66.17 Disponível em: <http://www.bverwg.de/informationen/english/federal_administrative_court.php>.18 Apud Cretella Júnior, 1993, p. 25.

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Com o passar dos séculos, após a queda do Império Romano do ociden-te em 476 d.C., no qual ficava situado o atual território italiano, um pequeno apêndice de sua grandiosidade, e até a unificação da Itália, no século XIX, as diversas Regiões italianas trataram da justiça administrativa de forma diferente, por meio de inúmeros ordenamentos jurídicos.

4.2 A ItálIA

No período pré-unificação, a Itália experimentava uma rígida separação de poderes, excluindo o controle da atividade administrativa pelo Judiciário. Na segunda metade do século XIX, houve uma atenuação desse princípio com a publicação da Lei nº 2.248, de 20 de março de 1865. Na lição de Facchini Neto19:

Questa legge ha previsto che qualsiasi atto amministrativo che violasse un diritto soggettivo pubblico o privato dei cittadini, poteva essere sottomesso alla giurisdi-zione delle corti ordinarie. La tutela degli interessi legittimi, rimasti sprovvisti di protezione giurisdizionale, poteva essere cercata tramite i ricorsi amministrativi.

Una grave limitazione, però, rimaneva: l’autorità giudiziaria non poteva invalidare l’atto illegittimo. Il suo potere si limitava alla possibilità di condanna pecuniaria della pubblica amministrazione al risarcimento dei danni eventual-mente arrecati.

A partir de 1889, a justiça administrativa toma uma nova feição, bus-cando proteger o legítimo interesse dos cidadãos que fossem violados por um ato administrativo. Nessa fase, pouco restou de competência à Justiça Co-mum. A Constituição atual, promulgada em 27 de dezembro de 1947, dispõe sobre a justiça administrativa em diferentes dispositivos, especificamente nos arts. 10020, 102, 103 e 11321.

Merece menção a criação, em 1971, dos Tribunais administrativos re-gionais, e sobre a organização da justiça administrativa italiana na atualidade complementa Fachini Neto22:

Il sistema italiano in questo momento si compone di tribunali amministrativi re-gionali distribuiti sul territorio e un organo di vertice, il Consiglio di stato. Il re-clutamento dei magistrati amministrativi è fatto attraverso concorsi pubblici di

19 Op. cit.20 “Art. 100 Il Consiglio di Stato e’ organo di consulenza giuridico-amministrativa e di tutela della giustizia

nell’amministrazione.”21 “Art. 113 Contro gli atti della pubblica amministrazione è sempre ammessa la tutela giurisdizionale dei

diritti e degli interessi legittimi dinanzi agli organi di giurisdizione ordinaria o amministrativa. Tale tutela giurisdizionale non può essere esclusa o limitata a particolari mezzi di impugnazione o per determinate categorie di atti. La legge determina quali organi di giurisdizione possono annullare gli atti della pubblica amministrazione nei casi e con gli effetti previsti dalla legge stessa.”

22 Op. cit.

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secondo grado, per partecipare ai quali è necessario far parte, a diverso titolo, dell’amministrazione dello stato, o aver svolto pratica legale. Metà dei posti di consigliere di stato è però riservato a persone nominate dal governo, anche senza possedere alcun requisito formale. Le promozioni avvengono nella maggior parte dei casi, e nella totalità delle posizioni più importanti, ad opera del governo.

Assim, a composição da justiça administrativa dá-se pelos Tribunais ad-ministrativos regionais e pelo Conselho de Estado italiano. O provimento dos cargos dá-se por concurso público, no qual pode concorrer qualquer servidor da Administração que detenha conhecimentos legais. Metade dos cargos do Conselho de Estado é reservada a nomeações do Governo.

5 O DIREITO PORTUGUÊS

Marcello Caetano23 divisou a atividade administrativa, do ponto de vista processual, em processo gracioso e processo contencioso. Sua explanação é deveras ilustrativa:

O processo administrativo será contencioso quando disciplinar o funcionamento de um órgão independente com competência para decidir, a instância dos inte-ressados e com força de caso julgado, as contestações surgidas acerca da legali-dade de actos jurídicos anteriormente praticados pela Administração.

Será gracioso quando disciplinar o funcionamento e actuação dos órgãos da Ad-ministração que para prosseguirem o interesses postos por lei a seu cargo devam praticar ou executar actos jurídicos.

O processo contencioso, portanto, decide o conflito posto que em entre as partes (particular e administração) com força de coisa julgada e tendo como órgão de maior hierarquia o Supremo Tribunal Administrativo, cuja compe-tência consiste, basicamente, no conhecimento dos recursos de apelação e de agravo interpostos das sentenças e despacho dos auditores e dos recursos di-retos de anulação interpostos contra ato dos Ministros, Secretários de Estado, Subsecretários e agentes públicos que ajam por delegação expressa, nos casos permitidos em lei24.

Além do Supremo Tribunal Administrativo e das Auditorias, há um sem--número de órgãos com competência especializada para dirimir as questões apresentadas, ressaltando que não existe um Tribunal de Conflitos e que even-tuais conflitos de competência são dirimidos pelos próprios Tribunais Adminis-trativos25.

23 Op. cit., 1970, p. 1178-1179.24 Caetano, 1970, v. II, p. 1268.25 Gualazzi, 1986, p. 75-76.

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De 1976 a 2002, diversos atos alteraram a feição da justiça administrati-va portuguesa, integrando as auditorias administrativas ao Ministério da Justiça e mantendo os Tribunais tributários e aduaneiros vinculados ao Ministério das Finanças. De mais relevante tem-se, em 1984, a publicação do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais – ETAF, que não sofreu alterações com a reforma constitucional de 1989.

Em 2002, por seu turno, Portugal experimentou a maior reforma já regis-trada na organização judiciária, administrativa e tributária, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 2004. Oliveira26 relata que:

A estrutura organizativa que temos hoje, depois das significativas alterações ao ETAF de 2002 introduzidas pela Lei nº 107-D/2003, de 31 de dezembro, e da pu-blicação da Portaria nº 1418/2003, de 30 de dezembro, passou a ser a seguinte:

i) 16 Tribunais administrativos e fiscais (Braga, Porto, Penafiel, Mirandela, Viseu, Coimbra, Leiria, Lisboa, Loures, Sintra, Almada, Castelo Branco, Beja, Loule, Funchal, Ponta Delgada);

ii) 2 Tribunais centrais administrativos: Norte, com sede no Porto, e Sul, com sede em Lisboa, ambos com 2 secções;

iii) Supremo Tribunal Administrativo (Lisboa), com duas secções.

Aos Tribunais administrativos compete conhecer todos os conflitos do âmbito da jurisdição administrativa, à exceção daquela reservada aos Tribunais Superiores, sendo, nesse caso, competente a seção de contencioso do Superior Tribunal Administrativo.

6 O DIREITO ANGLO-AMERICANO

O sistema jurisdicional inglês, copiado com algumas adaptações nos pa-íses da common law e em diversos outros na América Latina (tais como Brasil, Chile e México) em razão da influência norte-americana, adotou a máxima una lex, una jurisdictio, cabendo ao Poder Judiciário a última palavra tanto em assuntos de natureza privada como naqueles em que há a presença do interesse da Administração Pública.

Debbasch27 faz um apanhado geral acerca do sistema inglês, ressaltando suas principais características:

O controle jurisdicional da Administração é entregue, na Inglaterra, aos Tribunais de direto comum. A independência do magistrados e os recursos muito amplos que lhes oferece o sistema da common law explicam que não se tenha sentido a necessidade de jurisdição especializada. Este controle repousa na ficção de que

26 Op. cit., 35.27 Apud Gualazzi, op. cit., p. 77.

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os atos administrativos, depois de um processo, são quase jurisdicionais. O siste-ma de controle vinculado revela, entretanto, lacunas, quando um ato é tomado no exercício de um poder puramente administrativo. Por outro lado, o interven-cionismo provocou uma dificuldade para o juiz de direito comum: a de adaptar--se a domínios muito técnicos. Eis por que surgiram jurisdições administrativas especializadas. A unidade do sistema jurisdicional fica, no entanto, íntegra. Estes Tribunais são controlados graças ao jogo das vias de recurso pelas jurisdições de direito comum.

É fato que até existem no sistema inglês Tribunais ou Cortes de natureza administrativa, podendo, inclusive, ser denominados, algumas vezes, de Tribu-nais administrativos. Entretanto, é certo que suas decisões, por mais especiali-zadas que se apresentem, sempre podem ser revistas pelo Poder Judiciário por intermédio de diferentes remédios estatuídos ou não em lei.

O Direito norte-americano, por seu turno, trabalha com a perspectiva de uma função quase judicial da Administração Pública. O procedimento admi-nistrativo é judiciariforme, sendo qualificado como atividade de natureza admi-nistrativa desenvolvida segundo a ótica de um procedimento judicial, seguindo princípios semelhantes com um juízo equitativo, distanciado das partes28.

Sobre o sistema americano importa a menção à Chevron Doctrine e à Hard Look Doctrine em matéria administrativa. No primeiro caso, relata-se li-tígio instalado entre a Chevron (International Oil Company) e o Conselho de Defesa dos Recursos Naturais (órgão equivalente ao Ibama), em que, em 1984, a Suprema Corte decidiu que o Judiciário deve acatar as interpretações da agên-cia quanto à sua área de atuação, à exceção daquelas visivelmente atentatórias ao estatuto legal29.

A Hard Look Doctrine constitui-se em um princípio do direito adminis-trativo norte-americano segundo o qual o Judiciário deve assegurar-se de que as decisões proferidas pelas agências reguladoras foram proferidas segundo um olhar profundo nos fundamentos aplicáveis e que a justiça deve afastar decisões “arbitrárias” ou “caprichosas” com forma de disciplinar as decisões tomadas pelas agências30.

O modelo de jurisdição una ou unitária teve grande receptividade, espe-cialmente em países que sofreram influência política britânica ou norte-ameri-cana, como é o caso do Brasil, que adotou o modelo com relativo sucesso, sem se distanciar de suas tradições romanistas.

28 Gualazzi, op. cit., p. 80.29 Disponível em: <http://www.law.cornell.edu/wex/chevron_deference>.30 Disponível em: <http://definitions.uslegal.com/h/hard-look-doctrine/>.

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7 A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA DO BRASIL

No Brasil, por comando constitucional contido no art. 5º, inciso XXXV (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direi-to”), adotou-se o sistema da jurisdição una. Conforme explanado no capítulo anterior, a opção deu-se por influência norte-americana e se tem mostrado exi-tosa mesmo em um País de tradição romanista.

Apesar de ser frequente o uso da expressão “contencioso administrativo”, não existe aqui uma justiça administrativa no sentido técnico da expressão, pos-to que todas as decisões proferidas no âmbito da Administração Pública podem ser levadas a conhecimento do Poder Judiciário (sistema unitário ou uno), que poderá alterar-lhe o teor de acordo com as normas vigentes.

Tratar-se-á, a seguir, dos meandros do sistema jurisdicional brasileiro, es-pecialmente a justiça especializada e os órgãos incumbidos de exercer funções semelhantes à jurisdicional no Poder Executivo e no Poder Judiciário.

7.1 A JustIçA especIAlIzAdA

Como consequência do sistema una lex, una jurisdictio tem-se que a jus-tiça deve tratar de todos os assuntos, inclusive daqueles afetos à Administração Pública. Isso gera de início um problema a ser enfrentado, qual seja, a neces-sidade de especialização dos juízes nos assuntos correlatos à Administração.

Assim, o constituinte de 1988 preocupou-se em setorizar a justiça. O art. 92 estatui que são órgãos do Poder Judiciário: a) o Supremo Tribunal Fede-ral; b) o Conselho Nacional de Justiça; c) o Superior Tribunal de Justiça; d) os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; e) os Tribunais e Juízes do Tra-balho; f) os Tribunais e Juízes Eleitorais; g) os Tribunais e Juízes Militares; h) os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.

Por não ser da ordem de abordagem do tema proposto, adentraremos na análise do que é pertinente, sob pena de fugir do nosso objetivo. Dessa forma, nos itens “d” (Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais) e “h” (Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios), percebe-se a aposição de um sistema voltado à solução das lides comuns (não especializadas) que, no entanto, terminaram por abarcar os assuntos de interesse da Administração, ora de forma abrangente, como é o caso da Justiça Federal, ora em Varas Especia-lizadas, como é o caso das Varas da Fazenda Pública na Justiça Comum dos Estados.

Nesse último caso, por comando inserto no art. 125, § 1º, da Constitui-ção, a respectiva Constituição Estadual disporá sobre a competência do Tribu-nal de Justiça, que tem a prerrogativa de iniciativa para a propositura da lei de organização judiciária, a qual poderá dispor sobre a criação de Varas Especia-

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lizadas da Fazenda Pública para dirimir conflitos dessa natureza. Esse modelo tem sido amplamente adotado nas Justiças Estaduais, buscando uma melhora no provimento jurisdicional e possibilitando aos juízes um contato mais próximo com a matéria administrativa.

Quanto à Justiça Federal, cuja competência está estabelecida no art. 109 da Constituição, resvala no tema aqui tratado o texto do inciso I, dispondo que compete aos juízes federais processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal for interessada na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.

Naquela esfera de competência, portanto, há expressa previsão constitu-cional (não de forma residual como ocorre na Justiça Comum dos Estados) para processar e julgar os assuntos de interesse da Administração Pública federal, não havendo Varas Especializadas, mas uma Justiça Especializada como um todo, com as exceções previstas na parte final do inciso supratranscrito.

7.2 trIbunAl mArítImo

O Tribunal Marítimo – TM, na lógica do art. 1º da Lei nº 2.180, de 5 de fevereiro de 1954 (Lei Orgânica do Tribunal Marítimo – LOTM), tem jurisdição em todo o território nacional, é órgão autônomo, auxiliar do Poder Judiciário, vinculado ao Ministério da Marinha (hoje Comando da Marinha, que é vin-culado ao Ministério da Defesa) no que se refere ao provimento de pessoal militar e de recursos orçamentários para pessoal e material destinados ao seu funcionamento e tem como atribuições julgar os acidentes e fatos da navegação marítima, fluvial e lacustre e as questões relacionadas com tal atividade, espe-cificadas em lei.

A composição do TM é heterogênea, sendo de sete juízes, dos quais três são militares da Marinha, entre eles o Presidente, e quatro são civis, sendo dois bacharéis em Direito, um especialista em armação de navios e navegação co-mercial e um Capitão de Longo Curso da Marinha Mercante.

A competência do Tribunal consiste em julgar os acidentes e fatos da navegação definindo-lhes a natureza e determinando-lhes as causas, circuns-tâncias e extensão, indicando os responsáveis e aplicando-lhes as penas esta-belecidas em lei e propondo medidas preventivas e de segurança da navegação (art. 13).

A lei orgânica do TM trata minuciosamente do iter processual prevendo forma de instrução, decisão e recursos, o que confere às suas decisões uma natureza quase judicial. Entrementes, apesar de todas as garantias de uma deci-são imparcial e condizente com os princípios norteadores do processo civil, as

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sentenças ali proferidas não geram coisa julgada, podendo o Poder Judiciário revê-las e alterá-las.

7.3 câmArA de concIlIAção e ArbItrAgem dA AdmInIstrAção FederAl

O Decreto nº 7.392, de 13 de dezembro de 2010, introduziu, na estru-tura organizacional da Advocacia-Geral da União, a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal – CCAF, cuja competência foi estatuída no seu art. 18 e consiste em: a) avaliar a admissibilidade dos pedidos de reso-lução de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da Advocacia-Geral da União; b) requisitar aos órgãos e entidades da Administração Pública Federal informações para subsidiar sua atuação; c) dirimir, por meio de conciliação, as controvérsias entre órgãos e entidades da Administração Pública Federal, bem como entre esses e a Administração Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; d) buscar a solução de conflitos judicializados, nos casos reme-tidos pelos Ministros dos Tribunais Superiores e demais membros do Judiciário, ou por proposta dos órgãos de direção superior que atuam no contencioso ju-dicial; e) promover, quando couber, a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta nos casos submetidos a procedimento conciliatório; f) propor, quando couber, ao Consultor-Geral da União o arbitramento das controvérsias não so-lucionadas por conciliação; e g) orientar e supervisionar as atividades concilia-tórias no âmbito das Consultorias Jurídicas nos Estados.

A função primordial da CCAF consiste em promover a conciliação entre os órgãos ou entidades da Administração Federal, ou entre esta e a Administra-ção Pública dos Estados, Distrito Federal e Municípios, e, quando infrutífera a tentativa de conciliação, propor o arbitramento das controvérsias, judicializa-das ou não, ao Consultor-Geral da União, nos casos de conflitos que envolvam exclusivamente entes da Administração Federal.

Inobstante não tratar-se propriamente de uma espécie de contencioso administrativo, a CCAF representou um avanço em termos de solução de confli-tos entre entes públicos, com a grande vantagem de prevenir o ajuizamento de ações ou implicar a extinção daquelas já propostas, proporcionando economia de tempo e dinheiro para a Administração.

Essa experiência ainda incipiente pode permitir, em um futuro próximo, a introdução de inovações no âmbito da resolução de conflitos entre particulares e a Administração Pública.

CONCLUSÃO

Na análise comparativa aqui tratada, verificou-se a presença de dois sis-temas de jurisdição, guardadas algumas peculiaridades em cada país, sendo o

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primeiro o dual ou dualista (justiça administrativa), de origem francesa e adota-do em diversos países da Europa continental, dos quais destacam-se Alemanha, Itália e Portugal. O contencioso administrativo caracteriza-se pela presença de dois patamares jurisdicionais: a) a Justiça Comum, destinada a julgar as lides ordinárias entre particulares; b) a Justiça Administrativa, desvinculada do Poder Judiciário, cuja função consiste em decidir as causas onde seja identificado o interesse do Estado, tendo suas decisões força de coisa julgada, não podendo ser alterada pelas cortes do Judiciário.

De origem inglesa, o sistema uno ou unitário de jurisdição caracteriza-se pelo monopólio na resolução das lides pelo Poder Judiciário, havendo ou não interesse da Administração Pública. Nesse sistema, adotado principalmente nos países da common law e tendo irradiado-se por diversos outros na América La-tina, como México, Chile e Brasil, é comum a existência de órgãos de jurisdição administrativa. Entretanto, suas decisões não fazem coisa julgada, podendo ser revistas pelo Poder Judiciário.

No Brasil, ante a influência norte-americana, adotou-se o sistema uno de jurisdição (una lex, una jurisdictio) por comando constitucional expresso no art. 5º, inciso XXXV, havendo Varas Especializadas em lides de interesse da Administração Pública na Justiça Comum dos Estados e na Justiça Federal. Iden-tificam-se órgãos destinados à solução de litígios, como é o caso do Tribunal Marítimo e da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal, que, seguindo o modelo unitário, poderão ter suas decisões revistas pela justiça.

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Assunto Especial – Doutrina

Direito Administrativo Constitucional

Administração Contratual, Nova Contratualidade Administrativa e Contratos de Parcerias: Breves Considerações acerca de Alguns Conceitos Que Integram uma Nova Terminologia Trazida pela Doutrina Administrativista Contemporânea

MURILO FERROBacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (2006), Mestrando em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Exerce a Advocacia na área do Direito Administrativo e possui publicações também em outras áreas, além da jurídica.

Submissão: 12.08.2014Decisão Editorial: 02.12.2014Comunicação ao autor: 02.12.2014

RESUMO: Verificadas as polêmicas decorrentes de uma nova terminologia que surge ora para de‑signar institutos potencialmente inéditos, ora para manejar outros que já existem, este ensaio pro‑cura – por uma linha de raciocínio desenvolvida paralelamente à noção teórica de interesses públi‑cos – encontrar parâmetros conceituais adequados para as expressões doutrinárias “administração contra tual”, “nova contratualidade administrativa” e “contratos de parceria”, buscando traçar suas distinções conceituais e também – ainda que de forma sucinta – suas utilizações na prática da Ad‑ministração Pública brasileira.

PALAVRAS‑CHAVE: Administração contratual; nova contratualidade administrativa; contratos de par‑ceria; interesses públicos.

ABSTRACT: This paper aims to find conceptual parameters to expressions such as “public contract administration”, “new contract administration” and “partnership agreements” after analyzing the controversy from the new terminology used either to define new institutes or to be used in existing instruments. The line of reasoning is parallel to the notion of public interest and the paper also intends to demonstrate the utilization of these concepts in the Brazilian public administration.

KEYWORDS: Public contract administration; new contract administration; partnership agreements; public interests.

SUMÁRIO: Considerações iniciais; 1 Interesses públicos e administração contratual: uma relação inata ao chamado direito administrativo pós‑moderno; 2 Nova contratualidade administrativa: os con‑tratos de parceria como manifestações características da administração contratual; 3 Os contratos

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de parceria como instrumentos para a realização dos interesses públicos; 4 Resumo da linha de raciocínio proposta e balanço doutrinário; Considerações finais; Referências.

CONSIDERAÇÕES INICIAISEste trabalho parte basicamente da observação de que um dos problemas

correlatos ao processo de evolução do direito administrativo – pelo menos, em seu plano teórico – tem sido a própria maturação do seu específico instrumental dogmático, sobretudo a partir do surgimento de uma nova terminologia utiliza-da tanto para designar institutos potencialmente inéditos quanto para manejar outros que, em verdade, já existem. Neste passo, cabe atentar para o registro de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

E isto tudo traz princípios novos, institutos novos e, especialmente, traz nova ter-minologia; muitas vezes são apenas vocábulos novos que surgem para designar fórmulas antigas que voltam impregnadas de nova ideologia.

[...]

Ora são institutos velhos que renascem com nova força e sob novo impulso, como a concessão de serviço público; ora são institutos velhos que aparecem com nova roupagem.1

De fato, nota-se que diversas formulações teóricas começam a ser utiliza-das de forma bastante corrente pela dogmática administrativista pós-moderna, isto é, por toda a produção doutrinária de direito administrativo desenvolvida a partir da segunda metade do século XX2. Algumas destas fórmulas, inéditas ou não, podem se apresentar influenciadas por conceitos ideológicos próprios, de modo que, terminologicamente, passem a comportar certa pluralidade de significados. Parece ser o caso das expressões administração contratual, nova contratualidade administrativa e contratos de parceria3.

Por isso, o objetivo deste ensaio consiste na perquirição de parâmetros conceituais adequados para os termos doutrinários anteriormente menciona-dos. Afinal, trata-se de expressões que, malgrado estejam entrelaçadas dentro de um mesmo contexto jurídico, não devem ser tecnicamente confundidas umas com as outras.

1 Di Pietro, 2008: 01.2 Registre-se que aqui não será aprofundada a questão da “quebra de paradigmas” ou do “rompimento do

pensamento científico moderno, para a construção do pensamento científico pós-moderno, como o faz, de maneira sólida e detalhada, aliás, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, em seu Quatro paradigmas do direito administrativo pós-moderno: legitimidade – Finalidade – Eficiência – Resultados (Moreira Neto, 2008).

3 Maria Sylvia Zanella Di Pietro adverte, com efeito, que a instituição parceria público-privada gerou certa “confusão terminológica”. Não por acaso, em sua obra Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas, dedicou o primeiro tópico do capítulo que trata da “Concessão e parceria público-privada” à “questão da terminologia” (Di Pietro, 2008: 63-65).

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Metodologicamente, o raciocínio doravante desenvolvido, para que alu-didos parâmetros conceituais adequados sejam desvendados, poderia ser de-senhado por uma linha cujos pontos inicial e final coincidem com a noção – também teórica – de interesses públicos. Essa iniciativa decorre do pressupos-to adotado de que o estudo propositivo do direito administrativo jamais deve separá-lo daquilo que, em essência, presta-se a atingir: a sua finalidade.

Desta feita, para que o presente trabalho cumpra o objetivo ora anun-ciado, pretende-se, primeiramente, traçar alguns apontamentos sobre interesses públicos e administração contratual. Visa-se, pois, com base nestas duas expres-sões, a construir uma tela de análise que, à luz do chamado direito administra-tivo pós-moderno, servirá de suporte coerente para a projeção concatenada das ideias posteriores.

Em seguida, foca-se na descrição do fenômeno contratual da Administra-ção Pública que tem recebido o nome de nova contratualidade administrativa, para demonstrar que os contratos de parceria são, naturalmente, manifestações características da administração contratual.

Em complemento à sequência proposta, parte-se de uma delimitação conceitual da expressão contratos de parcerias para demonstrar a aptidão ins-trumental deste instituto para a consecução dos interesses públicos no contexto do Estado Pós-Moderno.

Caminhando para o final, apresenta-se um resumo do raciocínio que ao longo deste ensaio fora entabulado, sem prejuízo, também, da apresentação de um breve apanhado das manifestações doutrinárias que são pertinentes à rela-ção dos contratos de parceria vis-à-vis os interesses públicos.

Por derradeiro, já em sede de considerações finais, intenta-se, com base em todo o exposto, estabelecer as diferenças conceituais das expressões admi-nistração contratual, nova contratualidade administrativa e contratos de parce-rias, aclarando, possivelmente, os parâmetros conceituais adequados de cada um destes conceitos, bem como buscando demonstrar também – embora de modo geral e perfunctório, é verdade – como esses conceitos vêm sendo utili-zados na prática da Administração Pública brasileira.

1 INTERESSES PÚBLICOS E ADMINISTRAÇÃO CONTRATUAL: UMA RELAÇÃO INATA AO CHAMADO DIREITO ADMINISTRATIVO PÓS-MODERNO

O direito administrativo é o ramo do direito público que, regendo os órgãos, os agentes e as entidades integrantes da Administração Pública, tem a finalidade precípua de proteger o interesse público. No entanto, tratar da noção de interesse público não é tarefa fácil4, principalmente quando alocada dentro

4 Sobre as dificuldades referentes ao conceito de interesse público, ver o livro Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988 (Di Pietro, 2007: 219-222) e o artigo “Interesse público na contratação das

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do contexto da dogmática administrativista pós-moderna, em que esta discipli-na sofre – sob influência, obviamente, da pós-modernidade – um processo de releitura de seus mais caros pressupostos e institutos5.

O Estado Pós-Moderno faz que os interesses públicos sejam, no sentido exarado por Alessandro Pizzorusso, meras finalidades concretas a serem efeti-vadas pelos órgãos ou entes públicos, pois, em sociedades pluralistas, como na que vivemos, há tantos interesses públicos quantas forem as comunidades nela coexistentes – e, por consequência, os interesses passam a ser plúrimos6. Anote--se que esta acepção encontra ressonância no pensamento de Luís Filipe Colaço Antunes, ao lecionar que “não existe um interesse público, mas uma pluralida-de de interesses públicos”, de forma que “quase podíamos afirmar que nunca o interesse público foi tão privado, em consequência dos modelos de concertação social, impostos atualmente pela administração contratual”7 (grifos nossos).

A chamada pluralização dos interesses públicos contempla, por decor-rência lógica, uma maior complexidade de situações em que o Estado é compe-lido a agir em favor da coletividade, cada vez mais buscando encontrar novas formas de pactuação – arranjos contratuais, possivelmente, mais adaptáveis às diversas e novas circunstâncias da atuação estatal – com o particular para a consecução da finalidade pública8, o que acaba por evidenciar também um contexto de aumento da complexidade do fenômeno contratual – ou de sua tendência evolutiva – na Administração Pública.

Essa busca por novas formas de pactuação também é oriunda da expe-riência que a Administração Pública vai acumulando na celebração de atos e negócios jurídicos para/com o administrado, melhorando o processo de gestão pública. O efeito do learning by doing passa a ser uma constante nesses novos desenhos institucionais, experimentados e aprimorados ao longo do tempo pe-

entidades da administração centralizada” (Dallari, 1985: 17-26). 5 No Brasil, uma das mais incisivas propostas de releitura teórica do direito administrativo é expressa na obra

Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização, de Gustavo Binenbojm (Binenbojm, 2006).

6 Pizzorusso, 1972: 72. No âmbito doutrinário brasileiro, pensamento semelhante é sustentado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, para quem “[...] a sociedade pluralista faz multiplicarem-se os interesses a serem protegidos; não se fala mais em interesse público de que é titular o Estado, mas de vários interesses públicos, representativos dos vários setores da sociedade civil” (Di Pietro, 2008: 19).

7 Antunes, 1989: 36. Com efeito, é preciso registrar que a brilhante concatenação entre as ideias formuladas pelos juristas Alessandro Pizzorusso e Luís Filipe Colaço Antunes – supracitados – é de autoria de Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto (Marques Neto, 2002: 152), cuja obra Regulação estatal e interesses públicos apresenta uma minuciosa descrição da noção de “interesse público” em seu aspecto histórico-evolutivo. De seus ensinamentos, sem embargo, embora proveniente de outra passagem, é possível extrair uma ilação que complementa o todo supratranscrito: “Estou convicto que a Administração Pública, hoje, é muito menos uma adjudicadora de direitos previstos na lei e muito mais um árbitro de interesses públicos legítimos colidentes em cada situação concreta [...]”. Concluindo com a seguinte preocupação: “[...] A questão que se põe é como, nesse contexto, conviver ou evitar que estar margem de arbitramento entre esses interesses colidentes seja a porta de entrada dos interesses particularísticos, de prevalência de interesses menores em detrimento dos interesses da coletividade” (Marques Neto, 2003: 194).

8 Cf. Marques Neto, 2009: 79.

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las diversas Administrações Públicas. Nesse contexto, nunca o fator experiência (o chamado track record utilizado no mundo empresarial) do setor privado fora tão prestigiado pelo setor público, justamente a fim de apropriar as novas tec-nologias regulatórias contratuais existentes. O País, com efeito, observou isso recentemente em complexas modelagens no setor aeroportuário9 e na tentativa de projeto do Trem de Alta Velocidade – TAV pelo Governo Federal, o que demonstrou a relevância que se imprimiu à experiência dos atores privados estrangeiros naquele processo de contratação10.

Ilustra esta constatação o magistério de Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto a seguir transcrito:

[A]ssistimos na prática da Administração a mudanças relevantes. Há inegável au-mento na complexidade das relações contratuais de que participa o Poder Públi-co. A busca por soluções de financiamento das utilidades públicas (decorrência menos da crise fiscal, e mais da crescente demanda pelo provimento de direitos fundamentais) leva a uma busca de arranjos contratuais criativos e inovadores, o que pressiona por novas formas de relacionamento contratual.11

Sem embargo, com arrimo no pensamento de Sabino Cassese, Fernando Dias Menezes de Almeida aponta que o problema do aumento da complexida-de do fenômeno contratual não consiste apenas na necessidade de inovar, com a busca de novas formas contratuais, mas também em verificar as gradações de intensidade com as quais a atividade contratual tem se manifestado na Admi-nistração Pública12. O que fora anteriormente exposto acerca do track record, vale dizer, demonstra realmente que a Administração Pública, muito mais do que inovar na administração contratual, deseja apropriar experiências bem-su-cedidas próprias, de outros entes federativos ou de outros países, adaptando-as à realidade específica atual. Essa seria, aliás, uma das facetas características da chamada nova Administração Pública e que pode ser verificada da seguinte forma: se no passado a experiência da Administração Pública era apropriada, principalmente, por meio de reformas normativas, hoje em dia esta mesma ex-periência exsurge também absorvida mediante todo o processo de execução dos contratos administrativos celebrados e percebidos na esfera regulatória das infraestruturas e dos serviços públicos.

9 Nessas modelagens, exigia-se uma experiência prévia no setor, além de uma joint venture com uma empresa estatal do setor, o que acarretou complexos arranjos societários nos consórcios a fim de que fossem atingidos os requisitos básicos do edital.

10 Aqui, uma das exigências editalícias era que o parceiro privado tivesse já operado um sistema de trem de alta velocidade, o que é, atualmente, inexistente no Brasil – exigindo-se, portanto, a participação de atores estrangeiros no processo, à semelhança do que ocorreu no setor aeroportuário.

11 Marques Neto, 2009: 79.12 Cf. Almeida, 2012: 340.

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Outrossim, o sentido de apropriação ora aventado não se dá no tocante à eficiência adquirida pelo setor privado durante a execução do contrato, mas sim no sentido de como os contratos administrativos servem de aprendizado ao Poder Público, que, por sua vez, passa a adquirir uma expertise cada vez maior ao longo da execução contratual de cada atividade prestada pelo setor priva-do, permitindo futuramente que seus próximos contratos sejam celebrados com maior grau de sofisticação e de potencialidade de satisfação dos interesses pú-blicos perseguidos. Trata-se, pois, de uma preocupação que ultrapassa o ponto da transição – em termos de paradigmas teóricos – da negação para a aceitação de que a Administração possa se relacionar contratualmente no desempenho da função administrativa, e chega à questão que concerne à possibilidade da Administração dispor de arranjos contratuais testados e adequados para a satis-fação dos interesses públicos13.

Neste passo, vale ainda destacar a locução “administração contratual”, anteriormente mencionada, verificando sua sintonia com o entendimento ex-presso nas palavras de Gaspar Ariño Ortiz, quando assinala que “[a]ssim, fala--se de uma das características mais importantes do Estado atual: sua condi-ção de Estado Contratual, apontando a utilização pelo Estado de organizações privadas, com ou sem fins lucrativos, para alcançar os seus fins públicos”14 (grifo nosso).

2 NOVA CONTRATUALIDADE ADMINISTRATIVA: OS CONTRATOS DE PARCERIAS COMO MANIFESTAÇÕES CARACTERíSTICAS DA ADMINISTRAÇÃO CONTRATUAL

O tópico anterior partiu da premissa de que o Estado Pós-Moderno é ne-cessariamente um Estado Pluriclasse e que, por isso, possui interesses públicos pluralizados15, por vezes colidentes diante das situações concretas, razão pela qual o Poder Público coloca-se na posição de árbitro diante destes inevitáveis conflitos16.

Pelo caminho até aqui trilhado, restou-se destacada a expressão “Ad-ministração contratual”. Outras, tais como “Estado contratual”, “Estado nego-ciador”, “Estado contratante”, etc., também são nomenclaturas utilizadas para designar a mediação estatal dos interesses públicos conflitivos mediante o uso de técnicas negociais que abrem margem à participação do particular nos pro-

13 Cf. Almeida, 2012: 376-377.14 Ariño Ortiz, 1999: 26 (tradução livre do original).15 Consoante posição adotada e solidamente justificada por Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto em seu

já mencionado – vide nota de rodapé n. 8 retro – Regulação estatal e interesses públicos (Marques Neto, 2002).

16 Já que os conflitos tendem a ocorrer seguindo a proporção do crescimento da complexidade das demandas sociais e das consequentes postulações de seus respectivos grupos de pessoas – fenômeno que pode ser chamado de fragmentação social – perante as autoridades estatais.

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cedimentos de negociação e que evidenciam propriamente a existência de um novo fenômeno contratual, conforme também já destacado no tópico anterior, na Administração Pública.

Destarte, isso é bem sintetizado por Odete Medauar, quando, em uma de suas passagens, explica que:

O clima de aproximação entre Estado e sociedade foi se acentuando no curso das últimas décadas, a ponto de surgir a denominação Estado reflexivo. Da ouvida de indivíduos, isolados ou em grupo, emergiram as práticas de negociação, acor-do, busca de consenso, mediação de conflitos, ponderação de vários interesses existentes numa situação. Alguns nomes dados ao Estado expressam tais práticas: Estado negociador, Estado mediador, Estado incentivador, Estado cooperativo.

Os vínculos mais estreitos entre público e privado, a atuação menos imperial da Administração, as práticas de negociação e a busca de consenso propiciaram in-tenso uso de técnicas contratuais na ação administrativa, daí também qualificar--se o estado como Estado contratante.17 (destaques do original)

Nota-se que esta linha de Estado Negociador exsurge representada por conceitos que estão sendo paulatinamente desenvolvidos na Administração Pú-blica brasileira. Um bom destaque neste sentido pode ser extraído dos chama-dos Procedimentos de Manifestação de Interesse – PMIs, bem como das Mani-festações de Interesse da Iniciativa Privada – MIPs18, além de técnicas – ainda iniciais – de diálogo competitivo vislumbradas pelo Regime Diferenciado de Contratações – RDC19.

Prosseguindo, nota-se também que inerente ao conceito de administra-ção contratual é – e parece mesmo óbvio que assim seja – a ideia de se governar

17 Medauar, 2009: 151. Sem embargo, a autora ainda traz a citação de Jean-Pierre Gaudin: “Preconiza-se uma nova ação pública, debatida e negociada, menos longe dos cidadãos. Negociação, parceria e mediação são, assim, palavras estreitamente associadas pelos autores de um número crescente de políticas públicas” (Gaudin, 1999: 10) (tradução livre).

18 “Com a multiplicidade de regulamentações, originou-se o que se convencionou a chamar de Manifestação de Interesse da Iniciativa Privada – MIP e Procedimento de Manifestação de Interesse – PMI.

O primeiro visa a descrever uma atividade proativa da sociedade, na qual eventuais interessados em que um projeto de infraestrutura seja analisado e efetivamente concretizado pelo ente federativo apresentam uma ideia ‘do zero’, de forma inaugural: seria como apresentar um projeto para uma ponte entre duas margens, nunca antes concebida pelo setor público. Já no caso dos PMIs, é a Administração Pública que ‘planta a semente’ para que interessados possam apresentar projetos: seria como o poder público dizer que quer receber projetos de uma ponte entre essas duas margens, mas não especifica onde, como e nem com qual material ela será construída. Ademais, cumpre ressaltar que o surgimento da Lei das PPPs também fez com que alguns entes federativos regulamentassem essa hipótese apenas para os casos de PPPs (as ‘concessões patrocinadas’ ou ‘concessões administrativas’), e não para o caso das ‘concessões comuns’ (as que ocorrem por conta e risco do investidor)” (Carvalho, 2012).

19 Vide o art. 26 da Lei nº 12.462, de 2011, a qual instituiu o RDC: “Art. 26. Definido o resultado do julgamento, a administração pública poderá negociar condições mais vantajosas com o primeiro colocado.

Parágrafo único. A negociação poderá ser feita com os demais licitantes, segundo a ordem de classificação inicialmente estabelecida, quando o preço do primeiro colocado, mesmo após a negociação, for desclassificado por sua proposta permanecer acima do orçamento estimado.”

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por contrato. Esta afirmação não despreza a importância do papel desempenha-do pelo ato administrativo dentro do contexto de atividade administrativa como um todo. Contudo, realça, de acordo com tudo o que já fora explicado, o fato do crescimento de situações em que o advento de novos arranjos contratuais proporciona, pelo menos em tese, uma gama de soluções mais eficientes para a satisfação dos mais diversos interesses públicos que perfazem uma socieda-de pluriclasse20. Governar por contrato, com efeito, no exato sentido colocado por Jean-Pierre Gaudin21, ou seja, atenuando as situações de verticalidade22 nas relações contratuais entre o Poder Público e o particular, significa conceber, por meio da expressão (nova) contratualidade administrativa23, que, conforme a dicção de Massimo Severo Giannini, “o direito que regula a atividade das Administrações Públicas tende, portanto, a compor-se de uma parte fortemente autoritária – direito administrativo em sentido estrito – e, de outra, em que se tem como válida, ainda que com certas adaptações, a normativa privada”24.

O trecho supracitado aponta, obviamente, para uma tendência evoluti-va no exercício da atividade administrativa, tendência esta marcada pela “[...] evolução de um modelo centrado no ato administrativo (unilateralidade) para um modelo que passa a contemplar acordos administrativos (bilateralidade e multilateralidade)”25 e consequentemente incrementa as possibilidades contra-tuais para a instrumentalização de parcerias entre o Estado e o particular.

Nada obstante, as Parcerias Público-Privadas corroboram justamente re-ferida multilateralidade, de acordo com o que tem sido constantemente testa-do nos modelos de competições por projetos trazidos junto às modelagens de PMIs, nos quais diversos particulares dialogam com a Administração Pública a fim de demonstrar uma determinada visão que melhor se coadune aos interes-

20 Nas palavras de Fernando Dias Menezes de Almeida, “[...] a maior complexidade das possibilidades de relação da Administração com parceiros privados evidencia que não necessariamente a via unilateral é a melhor para se garantir a consecução da função administrativa” (Almeida, 2012: 377).

21 Citado, repise-se, por Odete Medauar (Medauar, 2009: 151).22 O termo “verticalidade” é aqui entendido nos termos postos por Celso Antônio Bandeira de Mello: “A posição

de supremacia, extremamente importante, é muitas vezes metaforicamente expressada através da afirmação de que vigora a verticalidade nas relações entre Administração e particulares; ao contrário da horizontalidade, típica das relações entre estes últimos” (Bandeira De Mello, 2011: 70).

23 Para aprofundamento do que é pertinente às novas configurações da “contratualidade administrativa”, ver os artigos “Do contrato administrativo à administração contratual” (Marques Neto, 2009: 74-81), “O futuro das cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos” (Moreira Neto, 2008: 571-592) e a obra “Contrato administrativo” (Almeida, 2012).

24 Giannini, 1980: 83-84 (tradução livre).25 Oliveira; Schwanka, 2010: 229. Sem prejuízo, acrescenta-se que este novo modelo, pautado pela

bilateralidade e multilateralidade, naturalmente prestigia a comunicação entre Administração e administrado, no sentido explanado por Thiago Marrara: “[...] A comunicação entre Administração e administrado é o que permite cooperação, coordenação, transparência e democratização decisória, ampliando as chances de aceitabilidade das medidas tomadas pelo administrador público e, por conseguinte, a obediência social” (Marrara, 2012: 281).

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ses públicos26. Assim, é interessante observar como Gustavo Justino de Oliveira posiciona as parcerias entre o público e o privado dentro da nova contratualida-de administrativa mencionada por Giannini, nos seguintes termos:

As PPP encaixam-se nessa nova fase de contratualização administrativa ou sim-plesmente nova contratualização administrativa (ainda em evolução), em que:

a) privilegia-se sobremaneira a cultura do diálogo entre o parceiro público e pri-vado;

b) confere-se maior atenção às negociações preliminares ao ajuste que devem ser transparentes);

c) abrem-se espaços para trocas e concessões mútuas entre os parceiros, visando a um balanceamento dos interesses envolvidos;

d) diminui-se a imposição unilateral de cláusulas por parte da Administração, com o proporcional aumento da interação entre os parceiros para o delinea-mento e fixação das cláusulas que integrarão o contrato; e

e) institui-se uma maior interdependência entre as prestações correspondentes ao parceiro público e ao parceiro privado, inclusive com a atribuição de garantias a esse último, tidas como não usuais nos contratos tradicionais firmados pela Administração.27

Tal consolidação – a da nova contratualidade administrativa como ten-dência evolutiva e marca registrada da chamada administração contratual – também pode ser abordada por outra perspectiva, posta a qualificá-la como matriz ideológica pela qual o Estado Moderno transformou-se em Estado Pós--Moderno. Este pensamento é proposital para a aproximação da perspicaz per-cepção de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

O direito administrativo vem sofrendo paulatinas alterações no decurso do tem-po. Ou poderíamos dizer que todo o Direito vem sofrendo alterações como de-corrência da própria mudança na forma de conceber-se o Estado.

Fala-se, em toda parte, em reforma do Estado, em reforma da Constituição, em reforma da Administração Pública.

[...]

O que muda na realidade?

Parece que o que muda é principalmente a ideologia, é a forma de conceber o Estado e a Administração Pública. Não se quer mais o Estado prestador de servi-ços; quer-se o Estado que estimula, que ajuda, que subsidia a iniciativa privada; quer-se a democratização da Administração Pública pela participação dos cida-

26 O caso do PMI da Linha 18 do Metrô de São Paulo é salutar nesse sentido, o qual, sendo originalmente um PMI para coletar subsídios ao Estado, originou posteriormente uma PPP a partir das contribuições trazidas por dois grupos empresariais na área de infraestrutura de transportes.

27 Oliveira, 2010: 93-94.

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dãos nos órgãos de deliberação e consulta e pela colaboração entre o público e privado na realização das atividades administrativas do Estado; quer-se a dimi-nuição do tamanho do Estado para que a atuação do particular ganhe espaço; quer-se a flexibilização dos rígidos modos de atuação da Administração Pública, para permitir maior eficiência; quer-se a parceria entre público e privado para substituir-se a Administração Pública dos atos unilaterais, a Administração Públi-ca autoritária, verticalizada, hierarquizada.28 (destacado no original)

Da lição ora colacionada, depreende-se, por parte da autora, o uso dos termos “colaboração entre o público e privado na realização das atividades administrativas do Estado” e “parceria entre público-privado para substituir-se a Administração Pública dos atos unilaterais”. É que os contratos de parceria público-privada constituem verdadeiros mecanismos instrumentais da nova contratualidade administrativa, sobretudo se considerados como parte do re-cente programa de reforma do Estado no Brasil, iniciado na década de 199029, porquanto alocados dentro dos campos de manifestações da administração contratual.

Embora não se negue o caráter adesivo ainda bastante forte dos contratos administrativos – e isso não pode ser perdido de vista, já que as parcerias entre público-privado não existem sem esta instrumentalização jurídica –, é de se no-tar uma dependência cada vez maior do Estado não só em relação aos recursos provenientes do parceiro privado, como também em relação à expertise que muitas vezes ele apresenta na prestação de determinados serviços públicos30.

Para aproximar, dogmaticamente, a ideia de atuação do Estado à no-ção de manifestações da administração contratual, em termos mais específicos e mediante brevíssima síntese da classificação elaborada por Floriano Peixo-to de Azevedo Marques Neto, pode-se dizer que a administração contratual manifesta-se dentro de diferentes áreas, basicamente resumidas pela a atividade de polícia, pelo campo dos serviços públicos, pela a função de fomento, pela a atividade de regulação e pela a função de intervenção na economia31. De seu turno, com diferente abordagem terminológica, mas não fora do debatido aumento de complexidade do fenômeno contratual da Administração Pública, Fernando Dias Menezes de Almeida propõe uma detalhada sistematização da matéria, dividindo em módulos convencionais necessários para a criação de situação jurídica, o que aqui tem sido tratado – conforme se depreende do ante-riormente entabulado, bem como do título do tópico presente – como tipos de

28 Di Pietro, 2008: 1-2.29 E cujo ápice deu-se, como lembra Carlos Ari Sundfeld, a partir de 1994, com as medidas de privatização

das grandes empresas federais, de flexibilização de monopólios de alguns serviços públicos, de estímulo ao terceiro setor, etc., tomadas pelo Governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), bem como pela edição, acontecida durante o Governo Lula (2003-2010), da Lei nº 11.079/2004, a chamada leis das PPPs (Sundfeld, 2007: 15-44).

30 Cf. Modesto, 2005: 29.31 Marques Neto, 2009: 80-81.

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manifestações da administração contratual32. Nesta esteira, o seu estudo agrupa os principais tipos de módulos convencionais em quatro categorias, a saber: “módulos convencionais de cooperação, módulos convencionais de conces-são, módulos convencionais instrumentais – esses três configurando hipóteses em que a convenção é indispensável para a criação de situação jurídica – e módulos convencionais substitutivos de decisão unilateral da Administração”33.

Sobre em quais campos e com qual intensidade os contratos de parceria entre público e privado se manifestam, isso irá depender da acepção utilizada para conceituar esta manifestação da administração contratual. A rigor, quando se utiliza o termo parceria de forma isolada, isto é, sem o complemento público--privada, o entendimento recai sobre uma acepção ampla ou até “amplíssima”34 do termo, de modo a permitir que os referidos contratos sejam localizados em praticamente todos os campos anteriormente mencionados.

3 OS CONTRATOS DE PARCERIA COMO INSTRUMENTOS PARA A REALIZAÇÃO DOS INTERESSES PÚBLICOS

Por opção metodológica, a delimitação conceitual ora utilizada para defi-nir contratos de parcerias é a mesma proposta apresentada por Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto para conceituar as PPPs (parcerias público-privadas):

[...] PPP é o ajuste firmado entre Administração Pública e iniciativa privada, ten-do por objeto a implantação e a oferta de empreendimento destinado à fruição direta ou indireta da coletividade, incumbindo-se à iniciativa privada da sua con-cepção, estruturação, financiamento, execução, conservação e operação, duran-te todo o prazo para ela estipulado, e cumprindo ao Poder Público assegurar as condições de exploração e remuneração pela parceria privada, nos termos do que for ajustado, e respeitada a parcela de risco assumida por uma e outra das partes.35

Referida opção justifica-se – para os fins do presente trabalho – porque nela podem ser enquadradas diversas formas de parcerias, excluindo a necessi-dade de manter-se preso aos ditames da Lei nº 11.079/200436.

32 Cf. Almeida, 2012: 236-316.33 Almeida, 2012: 356.34 “Há várias formas de se entender ‘parceria público-privada’. De uma maneira geral, sempre que o Poder

Público se socorre de um ente privado, fora da relação de compra de força de trabalho (primado da relação laboral submetida ao direito público), temos uma espécie de parceria. Nesta acepção ampla – diria eu, amplíssima – estariam compreendidas todas as formas de vínculo obrigacional entre os entes públicos e pessoas privadas, envolvendo desde convênios até os instrumentos de delegação da prestação de serviços públicos (por concessão ou permissão).” (Marques Neto, 2005: 280)

35 Marques Neto, 2005: 287-288.36 “Nesta definição cabem infinitas hipóteses de parceria. Nela estariam compreendidas hipóteses de delegação

de serviços econômicos (via concessão, com tarifa e receitas complementares; ou via permissão, com receitas alternativas); o cometimento de atividades que não caracterizam serviços públicos econômicos; a delegação de serviços públicos indivisíveis; a concessão de bem ou de obra pública sem delegação do serviço (mas com incumbência de operação da infra-estrutura concedida); o cometimento do ônus de recuperação e manutenção

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Posta a demonstração – construída por uma linha de pensamento exposta pelos argumentos delineados na sequência dos tópicos anteriores – de que os contratos de parceria são verdadeiros instrumentos da nova contratualidade ad-ministrativa, dado o seu enquadramento na categoria de típica manifestação da administração contratual, cumpre, nesse momento, tratar desta própria aptidão instrumental para a consecução dos interesses públicos presentes na sociedade.

Aludida aptidão é percebida, em verdade, por mero desdobramento ló-gico do raciocínio até aqui entabulado, a partir da formulação de uma tela de análise das noções de interesses públicos e administração contratual, preservan-do o entendimento de que a nova contratualidade administrativa é, ao mesmo tempo, tendência evolutiva da atuação estatal e marca característica da referida administração contratual, que aproxima Estado e sociedade, colocando-os em uma relação dialógica própria do contexto do Estado Pós-Moderno e que que-bra os paradigmas da Modernidade, deixando claro que o Poder Público não pode ser mais considerado como responsável exclusivo pela realização dos in-teresses públicos37, o que redunda na irrefutável constatação da necessidade de pactos, ou seja, de instrumentos de pactuação entre as esferas pública e privada, quando elas se ajustam para a busca da satisfação das demandas da coletivida-de – função instrumental desempenhada dentro deste quadro, por óbvio, pelos chamados contratos de parcerias38.

Em paralelo, contudo, por uma abordagem restrita aos contratos de par-ceria público-privada disciplinados pela Lei nº 11.079/2004, não é demais destacar as ideias apresentadas por Gustavo Justino de Oliveira, para quem o Estado brasileiro, mesmo na hipótese de não dispor de recursos públicos sufi-cientes, não pode eximir-se da obrigação constitucional de garantir o desenvol-

de um bem público, sem cobrança do usuário, mas com possibilidades de receitas ancilares; a construção de prédios públicos para posterior arrendamento à Administração Pública; a execução de empreendimentos habitacionais para aquisição por população de baixa renda – entre outras modalidades que certamente surgiriam no devir da implantação do instituto.” (Marques Neto, 2005: 288)

37 Falando sobre “o mito da exclusividade estatal na consecução do interesse público”, Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto aduz: “O mito se contradiz diariamente pelos fatos. Não é só na esfera pública que ocorre a consagração dos interesses da coletividade. Ninguém duvida que fornecer alimentos para as populações seja de interesse público. E em nossas sociedades ocidentais, exceto raríssimas e discutíveis exceções, os encarregados desta função são os agentes econômicos privados: produtores de alimentos, distribuidores, comerciantes, etc. Tampouco se discute que a educação seja uma necessidade de interesse coletivo. Na grande maioria dos países a educação é provida pela combinação das ações estatais e de outras entidades, empresariais, religiosas ou beneméritas. O mesmo podemos dizer nos campos da assistência social, da saúde, do transporte ou da comunicação e da imprensa [...]” (Marques Neto, 2011: 1087) (tradução livre).

38 Em sentido semelhante, novamente, Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto: “[...] A busca dos interesses gerais (mesmo a tutela das hipossuficiências), hodiernamente há de se dar conjugando as ações privadas e públicas. Em algumas oportunidades com o Estado regulando proativamente (não meramente mediante regulação econômica coibidora das falhas de mercado) a atuação dos agentes privados; em outras induzindo e fomentando esses agentes. Neste segundo plano, assume forte importância o mecanismo de parcerias” (grifos nossos) (Marques Neto, 2008: 57).

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vimento nacional39 (decorrência direta do art. 3º, inciso II, e art. 5º, § 2º, ambos da CF), que, por extensão, acaba por promover o fundamento republicano da dignidade da pessoa humana (decorrência direta do art. 1º, inciso III, da CF)40. Por conseguinte, defende o autor que, diferentemente do que acontece com os contratos regrados pelas Leis nºs 8.666/1993 e 8.987/1995, os contratos de PPP possuem regime jurídico específico, o que faz atenuar a presença abundante das denominadas cláusulas exorbitantes nas relações contratuais desta nature-za, ampliando as “[...] bases de negociação das cláusulas contratuais que irão estabelecer a regulamentação dos interesses parceiros, sem o enfraquecimento da (imanente) bilateralidade desse negócio jurídico”41 e “sinalizando um maior equilíbrio nas posições assumidas por ambas as partes”42.

Logicamente, os aspectos anteriormente mencionados constituiriam van-tagens suficientes para – de acordo com o seu pensar – legitimar a categoria de contratos que por ela estejam regidos à condição de instrumento mais adequa-do para a consecução dos interesses públicos, sobretudo por estarem inseridos em um “[...] cenário de escassez de recursos orçamentários para a execução de projetos de altos custos, em que existe um grave déficit de projetos estruturantes em áreas como transportes, saneamento básico e saúde”43. Infere-se daí, por-tanto, a importância impressa ao tema da nova contratualidade administrativa, como um dos mais instigantes tópicos de análise doutrinária da última década.

Ainda nessa linha de maior diálogo e multilateralidade, conforme até aqui explorado, é de se esperar que referidas condutas colaborativas (no pre-sente ensaio, foram explorados os exemplos dos PMIs e MIPs) tendam a bem designar os principais instrumentos contratuais da Administração Pública, res-tando como desafio futuro, efetivamente, a grande questão da chamada parida-de informacional. Difícil, pois, cumpre dizer, é evitar que esse diálogo não seja permeado por assimetrias de informações, de tal sorte que o setor público não venha a sofrer com a contingência de maiores óbices na captura dos interesses públicos adjacentes a esse diálogo com os parceiros privados.

4 RESUMO DA LINHA DE RACIOCíNIO PROPOSTA E BALANÇO DOUTRINÁRIO

As ideias enunciadas ao longo do presente trabalho podem ser condensa-das pela linha de raciocínio exposta no tópico anterior, repise-se, basicamente, a partir da formulação de uma tela de análise das noções de interesses públicos e administração contratual.

39 “Considerando o processo evolutivo dos direitos fundamentais, o direito ao desenvolvimento insere-se no segmento dos denominados direitos fundamentais de terceira dimensão.” (Oliveira, 2005: 97)

40 Idem, p. 93-100.41 Idem, p. 112.42 Idem, p. 114.43 Idem, p. 111.

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Por essa linha, impossível tratar do conceito de administração contratual isolando-o da tendência evolutiva de atividade administrativa que o caracteriza, a chamada nova contratualidade administrativa.

Institutos novos, notadamente os da PMIs e o das MIPs, também foram abordados nos sentido de demonstrar como a Administração Pública contem-porânea vem observando outros valores e conceitos na relação jurídico-admi-nistrativa (cooperação, consensualidade, diálogo competitivo) em conjunção ao que já se observava tradicionalmente, no decorrer da história (formalismo, ato administrativo, interesse público, etc.).

Ainda, pela mesma linha e conforme todo o até aqui demonstrado, en-tende-se que essa tendência evolutiva aproxima Estado e sociedade e os coloca dentro de uma relação dialógica inerente ao contexto do Estado Pós-Moderno, deixando claro que o Poder Público não pode ser mais tido como responsável exclusivo pela consecução dos interesses públicos. Tal fato impõe constatar a necessidade de pactos, isto é, de instrumentos de pactuação entre as esferas pública e privada para a busca da satisfação das demandas da coletividade – função instrumental desempenhada dentro desse quadro, obviamente, pelos chamados contratos de parceria.

Já em síntese conceitual, verifica-se que os contratos de parcerias apre-sentam-se como manifestações características do modelo de administração contratual, porque instrumentalizam todas as situações jurídicas referentes à nova contratualidade administrativa.

Sob o ponto de vista restrito às parcerias regulamentadas pela Lei nº 11.079/2004 – os chamados contratos de PPP –, parece assente que referidos contratos, conquanto disciplinados por um regime jurídico específico, consti-tuem instrumentos potencialmente mais viáveis para a consecução de interesses públicos entranhados em um cenário de infraestrutura deficiente44, sobretudo nos setores de saneamento, aeroportos e rodovias45; e que revela, conforme adverte Adílson Abreu Dallari, “[...] dois pontos fundamentais: a absoluta ne-cessidade de uma atuação eficaz e urgente para a solução de problemas que não comportam adiamento e a impossibilidade de solução pelos meios tradi-cionalmente utilizados”46. A junção desses dois fatores provoca a Administra-ção Pública a tomar “[...] providências imediatas e, ao mesmo tempo” com “o

44 “Um dos principais problemas que se enfrentam hoje no Brasil é a infraestrutura deficiente. Não existem condições – eis um dos poucos consensos entre os economistas – de crescer sustentadamente sem investimentos em infraestrutura. Para destravar o potencial de crescimento da atividade econômica, é muito importante evitar os gargalos de infraestrutura que o País enfrenta hoje.” (Pinto, 2005: 28-29)

45 Werneck de Oliveira, 2005: 44.46 Dallari, 2005: 365.

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desembolso de recursos públicos apenas no futuro”47. Por isso, “[...] as PPPs podem ser uma forma de solução para tais problemas”48.

Em contrabalanço, contudo, e apenas a título ilustrativo, destaca-se uma importante advertência, por parte da doutrina, em relação ao futuro dos con-tratos de PPP (Lei nº 11.079/2004), cabendo como alerta o apelo a algumas citações doutrinárias, como ao próprio Adílson Abreu Dallari: “Não se pode, entretanto, entender as PPPs como uma solução mágica, totalmente segura e isenta de dificuldades e até mesmo de contradições”49; corroborado pelo discur-so de Gustavo Justino de Oliveira: “No entanto, importa esclarecer que a PPP não é uma poção milagrosa para a viabilização do crescimento econômico e a promoção do desenvolvimento, nem um antídoto infalível à estagnação social que assola o país”50; bem como pela preocupação – para desfecho – de Dinorá Adelaide Musetti Grotti: “Não nutramos, porém, ilusões quanto a ser a PPP verdadeira panacéia, a legitimar, por sua só existência, a solução para todos os problemas nacionais”51.

Tais advertências, não obstante possam parecer genéricas, guardam a importância da preocupação de se conter um otimismo possivelmente exacer-bado na tentativa de sistematizar novas – e mais eficientes – formas de solução para os problemas sociais que demandam uma atuação do Estado, cumprindo justamente o seu papel doutrinário, isto é, propositivo e inovador na formulação das diretrizes de atuação daqueles que são operadores do Direito ou adminis-tradores da coisa pública52.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em consonância com o inicialmente proposto, o objetivo de distinguir as expressões administração contratual, nova contratualidade administrativa e contratos de parcerias, a fim de que sejam estabelecidos parâmetros conceituais adequados para cada um destes conceitos, resulta, pela linha de raciocínio até aqui exposta, nas derradeiras considerações abaixo delineadas.

Primeiramente, é de se constatar que a leitura da expressão “contratos de parcerias” demanda relativa matização conceitual, eis que, a rigor, a utilização do termo “parcerias”, feita de forma isolada, corresponde a uma acepção ampla deste instituto, ao passo que o uso do complemento “público-privada”, ou até mesmo de sua costumeira abreviação – PPP –, segue associado às concessões

47 Idem, ibidem.48 Idem, ibidem.49 Idem, 366.50 Oliveira, 2005: 119.51 Grotti, 2005: 231.52 Cf. Marrara, 2010: 256.

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especificamente regradas pela Lei nº 11.079/2004. Por esta acepção ampla, o conceito de contratos de parcerias compreende, basicamente, “todas as formas de vínculo obrigacional entre os entes públicos e pessoas privadas, envolvendo desde convênios até os instrumentos de delegação da prestação de serviços públicos (por concessão ou permissão)”53.

Ademais, uma das principais simbologias desses contratos de parcerias é o fato de, atualmente, o próprio particular estar contribuindo com a adminis-tração pública na construção da relação jurídico-administrativa, notadamente mediante os PMIs e MIPs, já que as diversas formas de vínculo obrigacional existentes entre os entes públicos e pessoas privadas constituem, em verdade, frutos de uma tendência evolutiva marcada pelo aumento da complexidade do fenômeno contratual na Administração Pública. A essa tendência, que de certa maneira também é marca da passagem do Estado Moderno para o Estado Pós--Moderno, dá-se o nome de nova contratualidade administrativa.

Por fim, entende-se por administração contratual o conceito que defi-ne o modelo de administração pública que evidentemente age em resposta ao aumento da complexidade de seu fenômeno contratual e, por isso, resulta da nova contratualidade administrativa, sendo pautado pela mediação estatal dos interesses públicos conflitivos por meio do uso, cada vez maior e constante, de técnicas negociais instrumentalizadas pelos contratos de parcerias, segundo a proposta conceitual defendida neste trabalho.

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53 Marques Neto, 2005: 280.

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Assunto Especial – Textos Clássicos

Programas sobre Europa em Constituições e Projetos Constitucionais Recentes� O Desenvolvimento do “Direito Constitucional Nacional sobre a Europa”1

SUMÁRIO: Introdução, problema: Europa “no” Direito Constitucional; Primeira parte: Elementos de um inventário tipológico: a questão europeia nas constituições e projetos constitucionais de Estados europeus. I – Uma tipologia de cláusulas europeias. 1) Referências à Europa nos preâmbulos e nos artigos fundamentais – A Europa como objetivo do Estado; 2) Referências à Europa nas cláusulas regionalistas; 3) Europa como objetivo educativo; 4) A recepção dos direitos fundamentais europeus, p. ex., o CEDH; 5) Referências à Europa nas constituições de Estados federados; 1) As Constituições dos Länder alemães; 2) As Constituições dos cantões suíços; 6) Referências à Europa nas Consti‑tuições da Europa Oriental; 7) Outras formas de manifestação das referências à Europa; Incursões: “Fontes” dos textos constitucionais referentes à Europa; 1) Programas políticos; 2) Tratados Euro‑peus; 3) A grande literatura científica sobre o Direito europeu; II – Resultado provisório; Segunda parte: Consequências teóricas e práticas (um esboço); I – Conteúdo normativo dos textos sobre a Europa; II – Princípios da interpretação constitucional dos artigos relativos à Europa (“Direito Consti‑tucional interno sobre a Europa”); 1) O Direito Constitucional sobre a Europa no âmbito da “unidade da Constituição”; 2) Artigos europeus como “referências abertas”; 3) Os artigos europeus no contexto da “hermenêutica comum europeia”; III – O desenvolvimento do Direito Constitucional nacional sobre a Europa; Perspectiva: Política constitucional em relação à Europa, cultura jurídica europeia, o “jurista europeu”

INTRODUÇÃO, PROBLEMA: EUROPA “NO” DIREITO CONSTITUCIONAL

“Europa” está na boca de todo mundo. A política, a ciência e a publici-dade geral dedicam-se a ela em todos os foros imagináveis, em todos os meios e em todos os gêneros literários. As ciências jurídicas tratam o tema “Europa” tanto na investigação sobre os fundamentos quanto também em suas discipli-nas particulares. A “europeização” dos âmbitos jurídicos particulares é já um “lugar comum”, e os grandes Tribunais Constitucionais dos Estados europeus da Itália à Espanha, da França à Grã-Bretanha2 e Alemanha se ocupam do tema

1 Título original: Europaprogramme neuerer Verfassungen und Verfassugsentwürfe – der Ausbau von nationalism “Europaverfassungsrecht”. Publicado O. Due/M. Lutter/J. Schwerze (eds.), in FS für Ulrich Everling. Nomos, Baden-Baden, 1995, p. 161-173.

2 De Maastricht se ocuparam: o Conselho Constitucional, EuGRZ 1993, p. 187, 193, 196, o Tribunal Constitucional espanhol, EuGRZ 1993, p. 285 e a Alta Corte londrina, EuGRZ 1993, p. 525. da lit.: Ch. Walter, Die drei Entscheldungen des französchen Verfassungsrates zum Vertrag von Maastricht über die Europäische Union, EuGRZ 1993, p, 183 ss.; A. López Castilho/J. Poladiewicz, Verfassung und Gemeinschaftsrecht in Spanien. Zur Maastricht-Erklärung des Spanischen Verfassungsgerichts, EuGRZ 1993, p. 277 ss.; R Hoffman, Der Vertrag von Maastricht vor den Verfassungsgerichten Frankreichs und Spaniens, FS Mahrenholz, 1994, p. 943 ss.

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europeu em forma de Maastricht3-4. Por último, as eleições europeias, de junho de 1994, proporcionaram slogans e palavras-chave da futura Europa e geraram muita literatura político-partidária e de artigos de fundo. A literatura geral sobre o tema Europa já é quase imensa5, e a própria disciplina do Direito europeu está representada na jurisprudência, tanto por contribuições pioneiras quanto por detalhadas pesquisas de alto quilate6. A Associação de Professores alemães de Direito Público tem-se ocupado uma vez ou outra do tema7.

Tendo em vista a inflação de literatura sobre a “Europa”, pode ser sen-sato refletir sobre esse tipo de textos que devem redigir sua matéria de forma altamente concentrada e intensa em declarações materiais e com um discurso formal: os textos constitucionais. Deve presumir-se que (também) as funções programáticas de muitos textos constitucionais produziram e criaram para o futuro textos sobre a Europa que – analisados segundo uma tipologia compara-tiva – proporcionam mais que meros “materiais” para o entendimento da Euro-pa, a imagem e sua concepção de si mesma. As Constituições atuais são “seu tempo expresso em ideias”, variando a conhecida citação de Hegel. Levam o “importante” para uma comunidade política a palavras e conceitos precisos; e,

3 Da lit. alemã sobre Maastricht: I. Pemice, Maastricht, Staat und Demokratie, Die Verwaltung 26 (1993) p. 440 ss.; P. Lerche, Die Europäische Staatlichkeit und die Identität de GG, in FS Redeker, 1993, p. 131 ss.; H. H. Rupp, Maastricht – Eine neue Verfassun?, ZRP 1993, p. 211 ss.; P. M. Huber, Maastricht – Ein Staatsstreich?, 1993; H.-J. Blanke, Der Unionvertrag von Maastricht – Ein Schritt auf dem Weg zu einem europäischen Bundesstaat, DöV 1993, p. 412 ss. Sobre a sentença relativa a Maastricht Del TFC (BVerlGE 89, 155): C. Tomuschat, Die Europäische Union unter der Aufschit des BVerfG, EuGRrZ 1993, p. 489 ss.; V. Götz, Das Maastricht-Urteil des BVerfG, JZ 1993, p, 1081 ss.; C. O. Lenz, Der Vertrag von Maastricht in Kraft, EuZW 1993, p. 649; A. Weber, Die Wirtschafts – und Währungsunion nach dem Maastricht-Urteil des BVerfG, JZ 1994, p. 53 ss.; M. Schröder, Des BVerfG als Hüter des Staates im Prozeβ der europäichen Integration, DVBl 1994, p. 316 ss.; H. P. Ipsen, Zehn Glossen zum Maastricht-Urteil, EuR 29 (1994), p. 1 ss.; J. Schwarze, Europapolitik unter deutschen Verfassungsrichtervorbehalt, NJ 1994, p. 1 ss.; R. Steinz, Das Maastricht-Urteil das BVerfG, EuZW 1994, p. 239 ss.

4 Maastricht ou Mastrique é uma cidade neerlandesa, capital da Província de Limburgo. Lá, em 1992, foi assinado um tratado (Tratado de Maastricht), que veio para emendar tratados anteriores sobre a Comunidade Econômica Europeia, cujo protótipo é o Tratado de Roma de 1957. Maastricht substituiu “Comunidade Econômica Europeia” pela nova denominação “União Europeia”, introduzindo princípios como o da união econômica e monetária (o Euro), o fortalecimento do Parlamento Europeu e o conceito de cidadania da União. Foi, por sua vez, emendado pelos Tratados de Amsterdam, Nice, Lisboa e pela Constituição Europeia. Disponível em: www.europeanlawmonitor.org/treaties/eu-treaties-treaty-on-European-Union-maastricht-treaty-of-nice-lisbon-treaty.html. Acesso em: 12 dez. 2012). (NTb.)

5 Lit. geral sobre a Europa, por exemplo, B. Beutler (ed.), Reflexões sobre a Europa, 1993; J. Isensee (ed.), Europa als polistiche Idee und als rechtliche Form, 1993; B. A. Ackerman, Ein neuer Anfang für Europa, 1993; R. Wildenmann (ed.), Staatswerdung Europas?, 1991; R. Schulze (ed.), Europäische Rechts – und Verfassungsgerichte, 1991; R. Lassahn/B. Offenbach (eds.), Bildung in Europa, 1994; M. Brunner (ed.), Kartenhaus Europa?, 1994; E. L. Jones, Das Wunder Europa, 1991; H. Haltenhauer, Europäische Rechtsgeschichte, 1992; J. Delors, Das neue Europa, 1993; Europa, Analysen und Visionen der Romantikee, editado e introduzido por P. M. Lützeler, 1982. Por último, G. F, Schuppert, Zur Staatswerdung Europas. In: Staatswissenschften und Staatspraxis, 1994, p. 35 ss.; M. Zuleeg, Die Verfassung der Europäischen Gemeinschaft in der Rechtsprechung des EuGH, BB 1994, p. 581 ss.

6 Comp. da lit. geral só, por exemplo, H. P. Ipsen, Europäisches Gemeinschaftsrecht, 1972; J. Schwarze, Europäisches Verwaltunsrecht, 1988; W. von Simon/J. Schwarze, Europäische Integration und GG, 1992; T. Opermann, Europarecht, 1991; A. Bleckmann, Europarecht, 5. ed., 1990.

7 Por último, H. Steinberger/E. Klein/D. Thürer, Der Varfassunsstaat als Glied einer europäischen Gemeischaft, WDStRL 50 (1991), p. 9 ss.; M. Hilf/T. Stein/M. Schweltzer/H.-W. Rengenling, WDStRL 53 (1994), p. 7 ss.

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assim, como a análise dos níveis textuais em temas como preâmbulos, direitos fundamentais, cláusulas de eternidade, garantias de dias festivos resultou frutí-fero8, também poderiam obter-se conhecimentos sobre o “assunto Europa” de uma comparação dos textos constitucionais sobre a Europa que se desenvolva no espaço e no tempo. Mas também deveria merecer ter presentes os elementos comuns e as diferenças da – cambiante – “imagem da Europa” a partir dos textos constitucionais nacionais com a vista voltada na “Constituição, em gestação, da Europa”. A “política constitucional para a Europa” oferece, assim, dois aspec-tos: o estatal nacional e o “europeu”. E o futuro constituinte da Europa faz bem em perguntar-se o que pensam os reformadores nacionais (nos Estados federais também dos Estados federados) da Constituição e como querem saber o que se negocia pela Europa. De que formas, portanto, se representa até agora a Europa “no” Estado constitucional, a ”Europa no Direito constitucional”?

prImeIrA pArte

ELEMENTOS DE UM INVENTÁRIO TIPOLÓGICO: A QUESTÃO EUROPEIA NAS CONSTITUIÇÕES E PROJETOS CONSTITUCIONAIS DOS ESTADOS EUROPEUS

O seguinte inventário persegue localizações e formas de aparição típicos da ideia de Europa. Nele se incluíram as Constituições – surpreendentemente ricas em declarações – dos Estados alemães, sobretudo, orientais, bem como das nações da Europa Oriental. Também foram valorados meros projetos cons-titucionais e estágios anteriores de Constituições posteriormente promulgadas ou modificadas. Os projetos proporcionam mais que um mero “material”. A causa de seu alto grau de concentração e de sua possível eficácia no processo constituinte pluralista merece não só o interesse do historiador constitucional. Toda teoria da Constituição que opere comparativamente no tempo e no espa-ço deveria demonstrar renovadamente o interesse específico da ciência pelos projetos constitucionais9.

Na continuação, somente se exporão os textos com referências expres-sas à Europa. Contudo, não se deverão perder de vista os artigos constitucio-nais que, de fato, encerram em seu seio uma relação (amiúde já vívida) com a Europa, por exemplo, as normas de transferência de soberania nacional a

8 A respeito, com provas, meus escritos: Rechtsvergleischung im Kraftfeld des Verfassungsstaates, 1992, p. 3 ss., 176 ss. 360 ss. 597 ss.; Feiertagsgarantien als kulturelle identitätselemente des Verfassungsstaates, 1987.

9 A respeito, em detalhe, minha exposição in: Neuere Verfassungen und Verfassungsvorhaben in der Schweiz..., JöR 34 (1985), p. 303 (331 ss.) e o comentário do projeto constitucional de Kölz/Müller, AöR 117 (1992), p. 319 ss.

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organizações internacionais segundo o modelo do art. 11, cláusulas 2 e 3, da Constituição italiana10.

I – UMA TIPOLOGIA DE CLÁUSULAS EUROPEIAS

1) reFerêncIAs à europA nos preâmbulos e nos ArtIgos FundAmentAIs – europA como obJetIvo do estAdo

Já a Lei Fundamental de 1949 se atreveu a declarar, em seu Preâmbulo, a grande fórmula: “membro em igualdade de direitos em uma Europa unida”. Uma cláusula europeia de forte conteúdo se encontra posteriormente no art. 7, cláusula 5, da Constituição do Portugal de 1976/1989: “Portugal compromete--se a reforçar a identidade europeia e a fortalecer a ação dos Estados europeus em favor da paz, do progresso econômico e da justiça nas relações entre os povos”.

Essa elevada “cláusula de identidade e de ação” europeia referida a va-lores básicos mostra a profundidade das raízes da ideia europeia na instauração do Estado constitucional Portugal depois dos anos da ditadura e sua evolução até hoje.

Com posteridade (1992), promulgou-se o art. 23, cláusulas 1 a 7, da nova versão da Lei Fundamental11. A cláusula 1, primeira frase, contém uma disposi-ção de abertura à integração europeia, bem como cláusula de desenvolvimento (“Europa unida”), com elementos jurídicos da entidade europeia que aspira a (“princípios democrático, de Estado de Direito, social e federal”, “subsidiarie-dade”, e com uma “proteção equivalente dos direitos fundamentais”), que se acoplam, ao mesmo tempo, com princípios processuais (remissão ao art. 79.2) e de proteção do conteúdo estrutural e identidade (remissão ao art. 79.3). A isso se acrescentam direitos escalonados de participação do Parlamento federal e dos Estados federados (cláusulas 2 a 7).

Rememore-se a passagem clássica do art. 24,2 da Lei Fundamental: “or-dem pacífica e duradoura na Europa”, bem como as novas referências à Europa no artigo 16, cláusulas 2 e 5, artigo 28, 1, 3ª frase, art. 45, art. 50, art. 52, 3ª e art. 88, 2ª frase.

10 Comp. o art. 28.3 C. grega, art. 49 bis C. luxemburguesa.11 Sobre o novo art. 23 LF: U di Fabio, Der neue Artikel 23 des Grundsgesetzes, Der Staat 32 (1993), p. 191

ss.; U. Everling, Überlegungen zur Struktur der Eurpäischen Union und zum neuen Europa-Artikel des GG, DVBl, 1993, p. 936 ss.; C. D. Classen, Maastricht und die Verfassung – Kritische Überlegungen zum neuen “Europa” – Artikel 23 GG, ZRP, 1993, p. 57 ss.; K-P. Sommermann, Staatsziel “Europäische Union”, DöV 1994, p. 596 ss. Uma explicação de todas as modificações da Lei Fundamental em relação à Europa se encontra no informe da Comissão Constitucional Conjunta, Bundesrat Drucksachen 800/93, de 5 de novembro de 1993, p. 1 (19 ss.).

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O projeto constitucional do curatorio12 para uma Federação de Estados Alemães democraticamente articulada (maio 1991) dispõe, em seu art. 19ª, cláusula 2, relativo às finalidades do Estado:

A Federação tem por finalidade promover o bem-estar de seus membros, velar pelas liberdades e direitos de todas as cidadãs e cidadãos, cooperar na criação de um Estado federal democrático europeu e advogar, ativamente, por uma con-vivência pacífica dos povos.

2) reFerêncIAs à europA nAs cláusulAs regIonAlIstAs

São um marco indicativo da “Europa das regiões”. As Constituições dos Estados federados, sobretudo do Leste da Alemanha (v. infra: nº 5) proporcio-nam exemplos, em especial, o novo art. 24, 1ª, da Lei Fundamental (“institui-ções transfronteiriças”)13.

3) A europA como obJetIvo educAtIvo

Ainda não foi formulado como tal, pelo menos de forma manifesta, po-rém, surte efeito indiretamente ali onde a Europa é um objetivo estatal” (como nas Constituições dos Estados alemães orientais) ou onde aparece o objetivo educativo “participação na vida cultural dos povos estrangeiros” (art. 26.4 C. Bremen de 1947).

4) A recepção dos dIreItos FundAmentAIs europeus, p. eX., o cedh

Encontra-se, por exemplo, na Constituição do cantão de Jura (1977) e nos textos alemães orientais (compare-se infra: nº 5). A expressão-chave provisória é a “Europa dos cidadãos”.

5) reFerêncIAs à europA nAs constItuIções de estAdos FederAdos

Especial consideração merece o “programa europeu” das Constituições de Estados federados. Pode surpreender que, ainda estando no âmbito de um Es-tado federal, se refiram diretamente à Europa. Observando mais de perto, vê-se que, provavelmente, queiram relativizá-lo (ainda mais) intensamente median-te suas referências à Europa. O seguinte inventário poderia ter sido elaborado tipologicamente como o panorama apresentado anteriormente, estruturou-se, no entanto, histórica e nacionalmente, como contraste. Dessa forma, se pode produzir melhor o processo histórico de crescimento da ideia de Europa e das

12 Consulta ao dicionário da Real Academia Española não encontrou o vocábulo curatorio, mas o análogo juratorio – que se abona com juramento; instrumento em que constava o juramento prestado (v. tb. Dicionário General de la Lengua Española. Barcelona: Vox, 1999) (NTb).

13 A respeito, S. Grotefels, Die Novellierung des Art. 24 GG, DVBl, 1994, p. 785 ss.

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influências recíprocas dos textos. Como até agora somente são Estados fede-rais, na União Europeia, Alemanha e Bélgica, como a Áustria não decidiu, por referendum até junho de 1994, sua adesão à Europa, e a Suíça, nesse ínterim, vacila sobre sua adesão, só se levam em conta esses Estados constitucionais com seus Estados federados.

1) As Constituições dos Länder alemães

As primeiras Constituições de Länder alemães ocidentais, posteriores a 1945, não são fecundas. Nelas, pode-se, no entanto, fazer frutífera a “Europa”, mediante interpretação, por exemplo, pela fórmula “Alemanha como membro vivo da comunidade de nações” (Preâmbulo C. Renânia-Palatinado de 1947) ou educação “no espírito da conciliação dos povos” (art. 33 ibidem (de forma similar art. 30 C. Sarre de 1947)). Nos anos 1990, a ideia europeia desperta, entrementes, a atenção também dos constituintes dos Länder ocidentais. O arti-go fundamental 1.2 da Constituição da Baixa Saxônia (1993) assim dispõe: “O Land Baixa Saxônia é... parte da comunidade europeia de nações”.

O Sarre atreveu-se, com anterioridade (1992), a uma revisão constitucio-nal pontual, que teve como efeito um importante impulso textual em relação ao Direito Constitucional sobre a Europa, sobretudo no Direito Constitucional sobre o regionalismo.

Art. 60:

O Sarre promove a unificação europeia e advoga pela participação das regiões autônomas na formação da vontade das Comunidades Europeias e da Europa uni-da. Colabora com outras regiões europeias e promove relações transfronteiriças entre entes territoriais e instituições vizinhas.

A “Europa das regiões” encontrou com isso expressão no texto consti-tucional. Ao movimento constitucional alemão oriental, em primeiro lugar em seus projetos, se lhe reserva realizar um trabalho pioneiro a esse respeito14. Co-meça com o preâmbulo do projeto constitucional da “Mesa Redonda” central de Berlim Leste (1990):

[...] dispostos a viver como sócios pacíficos e iguais em direitos na comunidade de nações, comprometidos no processo de unificação europeia, no curso da qual também o povo alemão poderá realizar sua unidade estatal [...]

Os arts. 41 e 44.2 falam de uma “ordem pacífica para toda a Europa”. O preâmbulo de um projeto de Constituição para o Land Brandemburgo (primave-ra de 1990) dispõe: “[...] obrigados a criar uma Alemanha unida, pacífica para sempre, a serviço da ideia europeia e de vínculo entre os povos”.

14 A respeito, em geral, meu comentário e documentação em JöR 39 (1990), p. 319 ss.; 40 (1991/1992), p. 291 ss.; 41 (1993), p. 69 ss. 42 (1994), p. 149 ss.; 43 (1995), p. 105-205.

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No projeto de Gohr para uma Constituição do Land Saxônia (1990), dis-põe o art. 12: “O Land aspira uma cooperação regional transfronteiriça no sen-tido da unificação europeia”.

Esse é um exemplo, já cedo, de artigo referente ao regionalismo europeu. Um projeto constitucional para o Land Turíngia formula igualmente, já em seu preâmbulo, de 1990, o objetivo “de que o Land Turíngia, como parte integrante do Estado federal alemão, se familiarize com uma Europa unida”.

Mais concretamente predisposto no sentido da Europa é um segundo projeto para Brandemburgo (outono de 1990). No preâmbulo, se fala da von-tade “de realizar a unidade cultural, econômica e política da Europa...”. Se um projeto constitucional de 1991 fala, no preâmbulo, de “Europa que se unifica”, isso há de apontar no sentido dos objetivos educativos, quando ali se fala do “espírito conciliador na convivência de culturas e povos” (art. 30). Teria, assim, sido fixado esse “efeito a distância” do objetivo estatal Europa nos objetivos educativos.

O art. 12 do projeto de Gohr para a Saxônia (segunda versão 1990) pro-põe uma ligeira variante da promoção da cooperação regional: “O Land aspira uma cooperação regional transfronteiriça, em especial no sentido da União pro-gressiva da Europa”.

O projeto do FDP para a Turíngia (1991) conserva as constantes turíngias da abertura europeia, ao dispor, no preâmbulo: “Na convicção de que a Alema-nha somente como uma comunidade democrática pode ter um presente e um futuro em uma Europa unida”.

Também o projeto do CDU para a Turíngia (1991) consagra, no seu pre-âmbulo, uma “Europa que se unifica”.

Novos horizontes abrem um projeto de Constituição de Brandemburgo (1991). Adere-se no artigo de princípios 2º aos direitos humanos e liberdades básicas do CEDHG e da CSE (cláusula 3) e regula (cláusula 6): “O Land atuará no sentido de participar nos regulamentos da Federação e das Comunidades Europeias que afetem Brandemburgo”.

Com isso se antecipou a ideia do art. 23 na versão revisada da Lei Funda-mental. Embora um projeto posterior de diversos grupos parlamentares (dezem-bro de 1991) reitere a fórmula da Europa que se unifica, e também a referência ao CEDH e à CSE (art. 2.3), a cláusula de participações nas Comunidades Euro-peias desapareceu. Observa-se o grau de experimentação, como em um labo-ratório, com que os constituintes se ocupam do tema Europa e que prudência demonstram em não sendo concretas essas participações.

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Na pré-história constitucional da Saxônia-Anhalt, dois projetos do ano de 1991 invocam, já no preâmbulo, a “comunidade europeia de nações”15. Chama a atenção, no entanto, a nova fórmula do projeto constitucional do grupo par-lamentar NF/GR/DJ, de agosto de 199116: “No caminho para uma Europa unida prosseguido com participação constante”.

Na Turíngia, um projeto igualmente da esquerda (1991) imagina, em re-lação à Europa, novas mudanças linguísticas e de matéria. Dispõe-se no preâm-bulo: “Oxalá esta Constituição democrática contribua para que o Land Turíngia como membro em pé de igualdade de uma Federação de Estados alemães fami-liarize-se com uma Europa unida política, social, cultural e economicamente, e aberta ao mundo”.

O art. 5.2 aventura até um mandato para uma política de direitos huma-nos referida à Comunidade Europeia (“O Land Turíngia atua na República Fede-ral e na Comunidade Europeia em prol de um reconhecimento geral progressivo deste princípio” (“Os direitos humanos são indivisíveis”)).

As Constituições do leste da Alemanha que entraram em vigor “corrigem” tais audácias, mas permanecem fiéis, no entanto, a um certo padrão do progra-ma europeu. A Constituição de Brandemburgo (1992) fala, em seu preâmbulo, desse Land como “membro vivo da República Federal da Alemanha em uma Europa que se unifica” (o art. 2.1 concretiza a cooperação “especialmente em relação ao vizinho polaco”). A Constituição da Saxônia (1992) realiza, em seu art. 12, relativo ao regionalismo, uma espécie de suma no sentido de um artigo europeu geral: “O Land aspira uma cooperação regional transfronteiriça, orien-tada para a intensificação das relações de vizinhança, a fusão da Europa e um desenvolvimento pacífico no mundo”.

Em contraposição à Constituição da Saxônia-Anhalt (1992), abandona, de novo, em parte, a ideia europeia. No preâmbulo, fala-se da “comunidade de todos os povos”. No entanto, define-se, no art. 1.1, como um Estado da República Federal e “parte da comunidade europeia de nações”. Ao contrário, Turíngia permanece fiel àquela ideia. Em sua Constituição de 1993, adere, no preâmbulo, ao objetivo: “Superar o separador na Europa e no mundo”.

Umas palavras sobre a Constituição do “desgarrado” Mecklemburgo--Antepomerânia. No informe provisório de sua comissão constitucional (1992), diz-se, no preâmbulo, para a própria autocompreensão: “Um membro vivo e em pé de igualdade da República Federal da Alemanha na comunidade euro-peia de povos” – essa localização simultânea no Estado federal e na Europa é notável. A Constituição finalmente aprovada por referendum em 1994 confirma

15 Veja-se JöR 41 (1993), p. 219 (220) e p. 245.16 Citado segundo JöR 41 (1993), p. 272 ss.

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essa fórmula geral e dispõe especialmente ademais sob a expressão-chave “in-tegração europeia, cooperação transfronteiriça” no art. 11: “O Land Mecklem-burgo-Antepomerânia atua, no âmbito de sua competência, com o objetivo de realizar a integração europeia e de promover a cooperação transfronteiriça, em especial no âmbito do Mar Báltico”.

2) As Constituições dos cantões suíços

Muitas novidades caracterizam as constituições dos cantões suíços nos movimentos de revisão total a partir dos anos sessenta17. Inicialmente tinham-se comprometido pouco com respeito à Europa. Digna de atenção é, no entanto, a Constituição do novo cantão Jura (1977). Seu preâmbulo remete à declaração de direitos humanos de 1789, de 1948 e ao CEDH, de 1950. Uma cláusula cooperativa refere-se aos “vizinhos” (art. 4.2) e a todo o mundo: “Elle (o cantão Jura) est ouverte au monde et coopere avec les peuples soucieux de solidarité”.

Particularmente fecunda é a recente Constituição do cantão de Ber-na (1993). Sob a epígrafe “Cooperação e ajuda internacional”, dispõe-se no art. 54.1: “O cantão contribui para a cooperação das regiões da Europa”.

Em absoluto se pode sobrevalorizar este artigo de cooperação referido às regiões. Porque, no fundo, se declara partidário da ideia de “Europa das regi-ões”, que tanta literatura e textos originaram18; os projetos constitucionais mais recentes falam mais convencionalmente de cooperação “com o estrangeiro pró-ximo” (art. 1.2 projeto Appenzel A. Rh., maio de 1993). A europeização dos Estados federados na Europa se fez com Berna e, nela, com um texto clássico. Na medida em que a Europa se regionaliza (ou se federaliza um dia), tais textos relativos à Europa serão provavelmente mais numerosos – e consequentes – nas Constituições de Estado federados. Inversamente, o programa europeu dos Esta-dos federados proporciona avanço à futura Europa completa19.

17 Veja-se meu informe: Neuere Verfassungen und Verfassungsvorhaben in der Schweiz..., JöR 4 (1985), p. 303 ss.

18 Da lit.: F. Esterbauer, Regionalismus, 1978; J. Bauer (ed.), Europa der Regionen, 1992, meu artigo: Der Regionalismus als werdendes Strukturprinzip des Verfassungsstaates und als europarechtspolitische Máxime, AöR 118 (1993), p. 1 ss. [versão castelhana: El regionalismo como principio estructural naciente del Estado constitucional y como máxima de la política del derecho europeo, neste volume, NT para o espanhol]. Veja-se infra nota nº 23.

19 Os Estados federados se fazem também uma “imagem” da Europa, porque dela podem ganhar e perder. A respeito, por exemplo, M. Schröder, Bundesstaatliche Erosionen im Prozeβ der europäischen Einigung, JöR 35 (1986), p. 83 ss.; S. Magiera/D. Merten (ed.), Bundesländer und Europäische Gemeinschaften, 1988; M. Schweltzer, ZG 1992, p. 128 ss.; mais genérico: H. J. Blanke, Föderalismus und Integrationsgewalt, 1991; W. Rudolf, Das akzeptierte Grundgesetz, Europa und die Länder, FS Dürig, 1990, p. 145 ss.; D. Merten (ed.), Föderalismus und Europäische Gemeinschaft, FS H. Heimrich, 1994, p. 379 ss. Finalmente: R. Marawitz/W. Kaiser, Die Zusammenarbeit von Bund und Ländem bei der Europäishen Union, 1994.

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6) reFerêncIAs à europA nAs constItuIções dA europA orIentAl

Entre os textos constitucionais da Europa Oriental, sobressai o da Moldá-via (março de 1993). Seu preâmbulo dispõe, entre outras coisas: “Being aware of... the creation of states with the Rule of Law in Europe and the world…in conformity to the… Helsinki final Act...”.

A Constituição da Federação da Bósnia e Herzegovína, de março de 1994, literalmente, no entanto, “em suspenso”, incorpora, em seu “anexo”, en-tre outras coisas, o CEDH, a CSE, a Carta de Copenhague sobre a dimensão humana (1990), bem como a Resolução do Conselho da Europa em relação às minorias e à Carta Europeia de línguas regionais e minoritárias, de 1992. Transpõe, dessa forma, em Direito Constitucional interno, o programa europeu das instituições europeias, também provavelmente para encontrar assim uma parte da própria identidade. Pode ser que se tenha ido demasiado longe e se tenha carregado em excesso o futuro texto constitucional: essa incorporação do Direito europeu (em sentido amplo) representa, por sua tendência, um caminho estimável. Os Estados constitucionais estabelecidos da Europa deveriam incluir desde logo somente princípios de Direito Constitucional relativo à Europa, e nos detalhes (técnicos).

Em geral, surpreende o rendimento bem mais exíguo, o que seria natu-ral, com que os constituintes da Europa Oriental documentam seu “retorno à Europa” nos textos programáticos. Claro está que buscam sua identidade, sobre-tudo, na herança nacional (redescoberta). O possível – e necessário – “Direito Constitucional nacional relativo à Europa” pode centrar mais intensamente sua atenção em um posterior estágio de crescimento.

A Constituição da República Tcheca (1992) integra um fragmento eu-ropeu no mesmo preâmbulo com as palavras: “[...] decididos, [...] a construir, proteger e desenvolver a República Tcheca [...] como Estado livre e democráti-co fundado no respeito dos direitos humanos e nos princípios da comunidade de cidadãos e como parte integrante da família das democracias europeias do mundo [...]”.

O artigo transitório e final 112 define como “ordenamento constitucio-nal” esta Constituição e “a Convenção Europeia para a proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais”20. Essa recepção do CEDH, em nível constitucional, merece respeito, embora o “nível constitucional” do CEDH, em cada Estado da Europa (ocidental), siga sendo discutido21.

20 A Croácia faz remissão em sua Constitutional Law of Human Rights and Freedoms, de 1991, no art. 1º, entre outras coisas, ao CEDH.

21 A respeito: A. Bieckmann, Verfassungsrang der Europäichen Menscherecht skonvention?, EuGRZ 1994, p. 149 ss.

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7) outrAs FormAs de mAnIFestAção dAs reFerêncIAs à europA

É de se acrescentarem disposições muito heterogêneas, como, p. ex., o art. 168 da Constituição belga (1994): “Dès l’ouverture des negociations en vue de tout révision des traités constituants des Communautés européennes et des traités et actes qui les ont modifiés ou complétés, les Chambres en sont infor-mées. Elles ont connaissance du projet de traités avant sa signature; [...]” e o art. 29.4.3 da Constituição irlandesa (1937/1987), que faz referência aos Tratados de Roma, à Ata Única Europeia, etc.; bem como à Constituição austríaca22: em várias passagens se fala da “integração europeia”, com consequências para a relação entre a Federação e os Länder (art. 10, cláusulas 4 e 5 e art. 16.6). Esse “Direito Constitucional nacional em relação à Europa” deveria aumentar no curso da adesão da Áustria à União Europeia.

INCURSÕES: “FONTES” DOS TEXTOS CONSTITUCIONAIS REFERENTES À EUROPA

Trataram-se alguns aspectos da “pré-história” dos programas europeus constitucionais de modo indicativo e somente em seus termos-chave. A literatu-ra sobre a história da ideia europeia23 é copiosa e não necessita ser reproduzida aqui. Mas se devem citar alguns textos necessários que precederam formal e materialmente aos “artigos europeus” escritos das Constituições dos Estados eu-ropeus ou que, no entanto, mostram, em relação a esses, uma afinidade eletiva. Mencionaram-se exemplos dos programas de partidos alemães (1), de tratados europeus (2) e da literatura especializada (3).

1) progrAmAs polítIcos

Os programas políticos atuam como “materiais” e propiciadores de ter-mos-chave imprescindíveis para as questões constitucionais. Isso se compro-vou em numerosas ocasiões24. Já que os partidos (na Alemanha) foram adiante na ideia europeia e até hoje se entregam a ela com eficácia, trataremos aqui de alguns exemplos25. O CDU reivindicou, em seu “manifesto de Hamburgo” (1957), a “união econômica e política dos povos da Europa em liberdade e au-todeterminação”. Seu programa berlinense (2ª versão 1971) contém uma cláu-sula própria “Política europeia” (pontos 11 a 15) com frases como:

22 Sem demora em 1993, citado por H. R. Klecatsky/S. Morscher (ed.), B-VG, 6. ed., 1993.23 A respeito, T. Oppermann, 1991, p. 1 ss.; O. Kimminich, Europa als geistesgeschichtliche Erfahrung, in:

Essener Gespräche, v. 27 (1993), p. 6 ss; B. Beutler/R. Bieber/J. Pipmom/J. Strell, Die europäische Union, 4. ed., 1993, p. 30 ss.

24 Veja-se deste autor, para as cláusulas do interesse público in: Rechtstheorie 14 (1973), p. 257 ss.; para o princípio de subsidiariedade in: AöR 119 (1994), p. 169 (192 ss.).

25 Citado por R. Kunz/H. Maier/T. Stammen (eds.), Programme der Politische Partein in der Bundesrepublik Deutschland, v. I e II, 3. ed., 1979, vol. suplementar 1983.

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Nosso objetivo é a pronta criação de um Estado federal europeu com uma cons-tituição liberal e democrática; somente este assegura a identidade historicamente formada das nações europeias e garante simultaneamente a unidade de atuação política da Europa. Esse objetivo só pode ser alcançado por etapas. As soluções provisórias têm de orientar-se conforme isso. Fundamento e alma dessa decisão são as Comunidades Europeias.

A “declaração de Mannheim” do CDU (1975) determina, em sua cláusu-la “Política Europeia”, entre outras coisas: “Nossa contribuição para a unifica-ção da Europa se encontra no âmbito material como no espiritual-ideal [...] A participação dos grupos sociais, igual a nossa própria ordem liberal, é impres-cindível também para a ordem liberal de uma Europa unida”.

No “programa de princípios” do CDU (1978), dispõe-se, aprofundando (ponto 135):

A Europa é mais do que um conceito geográfico. Os valores básicos de liberdade, justiça e solidariedade cresceram no solo intelectual e político da Europa. Os elementos comuns da tradição e do futuro são maiores do que o que ainda hoje separa os povos europeus. Trata-se de levar a cabo convincentemente a cultura europeia na diversidade de seus povos [...]

Logo se distinguiu em relação à Europa o CSU. Em seu “programa de princípios de 1946”, dispõe-se (no VI):

A Europa é, no âmbito da família internacional, uma comunidade de vida supra-nacional.

Nós advogamos a criação de uma confederação europeia para a conservação e desenvolvimento da cultura cristã-ocidental.

Nós aspiramos à pacificação eficaz da Europa como contribuição duradoura para a paz no mundo!

Nenhum país da Europa pode subsistir somente por si mesmo. Nós advogamos a criação de uma união econômica e monetária europeia!

No programa de princípios do CSU, de 1968, encontram-se frases como: “Devem-se criar os Estados Unidos da Europa; uma Europa unida em uma or-dem federal, fundada na liberdade, no Direito e na independência, está também aberta aos países da Europa Oriental”. O programa de princípios do CSU, de 1976, representa uma nova etapa com as palavras: “Uma Europa livre politica-mente unida tem de realizar a ideia do Estado constitucional liberal, democráti-co e social em um novo âmbito”. O CSU exige, para isso, o “desenvolvimento da Comunidade Europeia para um Estado federal europeu. No caminho para esse objetivo a União Cristã-Social reivindica a formação de um centro europeu de decisão, do qual deve surgir um governo europeu; [...] a formação de uma câmara dos Estados, na qual as nações e as regiões da Europa participem na configuração da unificação; o desenvolvimento do Tribunal de Justiça das Co-

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munidades Europeias no sentido de um Tribunal Constitucional e um Supremo Federal”.

Finalmente se reivindica: “Uma Europa unida tem de obter uma Consti-tuição europeia, na qual se determinem os direitos fundamentais de liberdade de seus cidadãos”. No programa eleitoral do CDU/CSU, de 1983, diz-se (ponto 4): “O cidadão tem de poder viver a Comunidade Europeia em completa liber-dade de circulação”.

Igualmente pronto, o SPD põe acentos europeus, desde já, em princípio, com outra orientação. Em seus “Princípios políticos orientadores”, de maio de 1946, diz-se, entre outras coisas: “Não se devem institucionalizar partes da Ale-manha, e sim toda a Europa tem de ser institucionalizada. A social-democracia alemã aspira aos Estados Unidos da Europa, uma Federação democrática e so-cialista de Estados europeus”.

No programa de ação do SPD, de 1954, encontra-se, sob a epígrafe “Po-lítica europeia”, a frase: “Objetivo da política europeia é a elevação do nível de vida dos povos da Europa”. No “programa de Godesberg”, de 1959, dispõe-se (ponto 2.1.4): “A necessidade de soluções europeias existe também com res-peito à configuração justa do sistema social interno no sentido do socialismo democrático”.

No programa eleitoral do SPD, de 1980, encontra-se sobre a Unificação Europeia a frase (ponto 6): “Europa não são só os Estados da Comunidade, são também os Estados que se agruparam no Conselho da Europa e que desen-volveram um sistema especialmente eficaz de proteção dos direitos humanos. Queremos que também a Comunidade europeia adira a esse sistema”.

O FDP formula, em suas “Diretivas programáticas”, de 1946: “Os Estados Unidos da Europa devem ser o mais firme apoio dos Estados Unidos da Terra”.

Em seu programa eleitoral, de outubro de 1980, pode-se ler, na passagem final, sobre a política cultural: “A política cultural liberal não deve isolar-se no Estado nacional. Exige uma política cultural europeia que formula o futuro eu-ropeu no respeito das peculiaridades regionais e históricas”.

2) trAtAdos europeus

Uma segunda “fonte” concebível conformam-na os textos jurídicos eu-ropeus do Conselho da Europa e da Comunidade Europeia e das instituições da União Europeia. Aqui, caberia uma seleção de citações, sobretudo, do CEDH e da Convenção Europeia da Cultura, também os textos da Comunidade Euro-peia até Maastricht. Quanto mais antigos sejam esses textos ou mais recentes os textos constitucionais nacionais ou de Estados federados, tanto mais se deve presumir que estes foram influenciados por aqueles. Em todo caso, o Direito eu-ropeu sem sentido estrito (relativo à Comunidade Europeia) ou amplo (relativo

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ao Conselho da Europa) forma uma espécie de reserva de textos para o consti-tuinte interno. Pode resultar, então, um “metabolismo progressivo” entre os ní-veis textuais, bem como se comprova que ambos os níveis se fundem cada vez mais com mais intensidade com respeito ao regionalismo26. Como indicativo, sirva aqui só uma pequena seleção: do Tratado CECA, de 1951, (preâmbulo): “Decididos a manter e consolidar, mediante a reunião de suas forças econômi-cas, a paz e a liberdade”; da Declaração de Copenhague sobre a “identidade europeia”, de 1973, este conceito (comp. o art. 7.5 C. portuguesa, de 1989); do “Informe Tindermans”, de 1974, a “Europa dos cidadãos” ou bem a “solida-riedade europeia”; do que, de 1986, a convicção de que a ideia europeia, os resultados alcançados nos âmbitos da integração econômica e da cooperação política, bem como a necessidade de novos desenvolvimentos, respondem ao desejo dos povos democráticos europeus”.

3) A grAnde lIterAturA cIentíFIcA sobre o dIreIto europeu

Pode converter-se em outra “fonte” do Direito Constitucional relativo à Europa dentro do Direito Constitucional interno. Aqui, se inclui a obra de uma vida de W. Hallstein (Der unvollendete Bundesstaat [El Estado federal inacabado], 1969; Die Europäische Gemeinschaft [A comunidade Europeia Europäische Reden – Discursos europeus], 1979), bem como H. Coing (ulti-mamente: Von Bologna bis Brüssel – Europäische Gemeinsamleiten in Ver-gangenheit, Gegenwart und Zukunft [De Bolonha a Bruxelas – Elementos comuns europeus passados, presentes e futuros], 1989; igualmente, a litera-tura revolucionária do Direito europeu, por exemplo, a obra de H. P. Ipsen (Europäisches Gemeinschaftsrecht [Direito comunitário europeu], 1984), o concentrado da obra pioneira de J. Schwarze sobre o Direito Administrati-vo europeu (1982/1989), bem como o escrito pioneiro de P.-C. Muller-Graff (Privatrecht und Europäisches Gemeinschaftsrecht [Direito privado e Direito co-munitário europeu], 1987, 2ª ed., 1989)27.

II – RESULTADO PROVISÓRIOO resultado provisório indica: as Constituições e projetos constitucionais

dos Estados europeus intensificaram cada vez mais seu programa europeu e o enriqueceram.

26 A respeito, meu artigo: Der Regionalismus als werdendes Strukturprinzip des Verrassungstaates und als europarechtspolitische Maxime, AöR 118 (1993), p. 1 ss., agora também em: id., Europäische Rechtskultur, 1994, p. 209 ss. [Veja-se nota 15, NT.] Sobre o tema da “Europa das regiões”: H.-W. Rengeling, Europa der Regionen, FS Thieme, 1993, p. 445 ss.; T. Stein, Europäische Union..., WDStRL 53 (1994), p. 26 (41 ss.).

27 Sua história de influência pode-se ler em id., Europäisches Gemeinschaftsrecht und Privatrecht, NJW 1993, p. 13 ss.; id. (ed.), Gemeinsames Privatrecht in der Europäischen Gemaisschaft, 1993.

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Artigos europeus gerais (p. ex., art. 23.1 n.v. LF) encontram-se junto a cláusulas de identidade e de ação europeias (art. 7.5 C. portuguesa); aspectos especiais da ideia europeia (p. ex., com respeito ao regionalismo) existem junto a direitos de informação ou de participação dos órgãos internos com respeito aos Tratados europeus (art. 168 C belga, de 1994, art. 23, cláusulas 2 a 7 n.v. LF). No desenvolvimento de níveis textuais, a ideia europeia ganha terreno em al-gumas Constituições dos Estados federados. O último merece especial atenção a partir da teoria do Estado federal. O dinamismo e a pluralidade de manifesta-ções dos artigos europeus gerais e especiais, seja como adesão programática, seja de forma jurídica ou técnico-jurídica, alcançam uma qualidade especial.

Algumas nações parecem querer conquistar uma parte de sua própria identidade também a partir da Europa. E isso poderia alterar a identidade da velha Europa Ocidental. A “positividade” dos textos europeus, sua força jurídica é muito diferente. Vai desde a eficácia que pode revelar um preâmbulo com referências à Europa e das cláusulas de objetivos estatais, ao valor estrito dos (demasiados!) princípios do novo art. 23 da Lei Fundamental. A fecundidade de alguns novos textos constitucionais cantonais suíços chama tanto mais a atenção quanto à Suíça lhe resulte surpreendentemente difícil definir no nível federal seu lugar na Europa28.

Em conjunto, se pode apreciar a “programática constitucional” nacional sobre a Europa, apesar de sua necessidade e capacidade de desenvolvimento. Os diferentes países não inundaram suas Constituições com mera retórica euro-peia, mas incorporaram bem, de modo dosado, elementos muito diferenciados de sua imagem europeia. Em tempos de certa tristeza ou ceticismo com respeito à Europa, dever-se-ia levar científica e politicamente isso em conta. A Europa referendada textualmente está também no caminho “para” o Estado constitucio-nal: converte-se a um – novo – tema constitucional.

segundA pArte CONSEQUÊNCIAS TEÓRICAS E PRÁTICAS (UM ESBOÇO)

I – CONTEÚDO NORMATIVO DOS TEXTOS SOBRE A EUROPA

Os textos sobre a Europa do Direito Constitucional interno se caracteri-zam já por uma notável diversidade de formas e temas. Embora alguns cons-

28 Veja-se sobre “o work-shop Suíça” meu artigo: Werkstaat Schweiz, JöR 40 (1991/92), p. 167 ss. A ciência na Suíça encontra-se, como se pode imaginar, aberta à ideia europeia, p. ex., D. Thürer, Der Verfassugsstaat als Glied einer europäischen Gemeinschaft, WDStRL 50 (1991), p. 97 ss.; R. J. Schweltzer, Die Schweizerischen Gericht und das europäische Recht, ZSR 112, 1993, II, p. 577 ss.; D. Schindler, Europäische Union..., WDStRL 53 (1994), p. 70 ss. Da perspectiva da ciência política: R. Langjürgen, Die Die Eiggenossenschaft zwischen Rütli und EWR, 1993; veja-se também as contribuições europeístas in: W.R. Schluep et alii. (eds.), Recht, Staat und Politik am Ende des zweiten Jahrtausends, Fs A. Koller, 1993, p. 581 ss.

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tituintes tenham renunciado até agora as genuínas declarações em relação à Europa (por exemplo, Países Baixos, Noruega, Suécia, Finlândia), na medida em que a Europa ganha forma e que avança o processo de europeização, não faltarão repercussões sobre as Constituições nacionais. Um forte direcionamen-to textual poderia partir da abertura e boa disposição para com a Europa das futuras Constituições da Europa Oriental; a Europa e o mundo mesmo estão desde o annus mirabilis, 1989, em uma relação de produção e de recepção intensificada. Uma valoração teórica das disposições gerais e especiais sobre a Europa conduz às seguintes problemáticas e formas de regulação:

(1) A Europa como programa de objetivo estatal – até como objetivo educativo (abertura geral no sentido da Europa).

(2) A Europa das regiões, incluído o regionalismo transfronteiriço e, ligado a isso, a relativização do Estado nacional no sentido da vizi-nhança europeia, p. ex., com a Polônia.

(3) Determinações materiais de objetivos, agressivas e defensivas, para a nascente Constituição da Europa, ligadas à proteção do indivíduo. Aqui, a Alemanha é a que avançou mais, quiçá demasiado (art. 23.1 n. v. Lei Fundamental).

(4) A Europa dos cidadãos, isto é, graças às cláusulas sobre a cidada-nia europeia, incluído o direito de sufrágio nas eleições munici-pais para os estrangeiros comunitários (cfr. art. 13.2 CE, art. 28.1, 1ª frase n. v. Lei Fundamental).

(5) A aproximação da Europa Oriental à Europa em sentido estrito e amplo (evolução do conceito de Europa).

(6) Confederação (Verbund) europeia com repercussões em alguns pro-jetos de reestruturação federal (e regional) no sentido do art. 29 LF (art. 132 C. italiana29).

(7) “Work Shop Estado Federal”: efeitos recíprocos entre Federação e Estados federados em matérias europeias e da política constitucio-nal europeia (garantias estruturais recíprocas).

(8) Habilitações genéricas para a transferência de soberania – deveriam ser expressamente especificadas com respeito à Europa e regiões fronteiriças (cfr. art. 28, 1 a e 2 LF).

Chama a atenção que nenhuma das disposições sobre a Europa se mani-feste sobre a extensão territorial da “Europa”. O conceito de Europa segue dessa forma, em aberto, e é bom que seja assim. As fronteiras geográficas da Europa

29 Sobre a “europeização” do art. 29.1 LF meu artigo: Ein Zwischenruf zur Neugllederungsdiskussion in Deutschland – Gegen die Entleerung von Ar. 29 Abs. 1 GG, FS Gitter, 1995, no prelo.

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foram e são, por exemplo, com relação à Rússia e à Turquia, também Israel, abertas e flexíveis. Os constituintes internos não deveriam comprometer-se nes-se ponto30. Mais decisivos são os conteúdos, os princípios normativos, em torno dos quais essa Europa deve ser configurada. Esses princípios “buscarão”, então, seus âmbitos e fronteiras territoriais, como se vê no “regresso” à Europa, por exemplo, dos países bálticos ou da Polônia.

Do material constitucional das disposições internas relativas à Europa, reconhecem-se os seguintes princípios como os elementos materiais da Europa que se unifica e “que se dota de uma Constituição”:

– identidade nacional e europeia em conexão com a “abertura à Eu-ropa”;

– justiça;

– direitos fundamentais;

– Estado Social de Direito;

– subsidiariedade31;

– cooperação em âmbitos parciais;

– regionalismo e federalismo;

– demarcação de fronteiras em diferentes níveis (federal, regional, lo-cal);

– direitos de informação e de participação nos Estados federais ou regionais.

As formas de regulação e os conteúdos não se encontram todos de uma só vez, cumulativamente, em Constituição nacional (ou de Estado federado) alguma, mas sim em concretas traduções em cada caso. A ciência, no entanto, pode “lê-las” conjuntamente, nelas se refletem contribuições para esta Europa de Direito constitucional. Amiúde se fala de “unificação europeia”, de “cresci-mento unido da Europa”, da “comunidade europeia de nações”; no entanto, ne-nhum Estado constitucional se compromete com a intensidade dessa integração

30 Sobre o problema: P. Häberle, Europäische Rechtkultur, REDP/ERPL, 1994, p. 287 ss. O conceito – aberto – de Europa, por exemplo, da Lei Fundamental tem de ser deduzido de suas muitas capas e de suas transformações desde 1949. Começando com o Preâmbulo de 1949 e o art. 24.2 é de se perguntar pela Europa territorial-geograficamente (também já Europa Oriental?); aparte isso, devem-se buscar intelectual, cultural, econômica e juridicamente e desde 1989 também politicamente seus elementos e dimensões. Os sete (!) novos (frente ao preâmbulo e o art. 24.2 Lei Fundamental) artigos especiais sobre a Europa verificados desde 1992 (veja-se no texto) dificultam a tarefa da interpretação constitucional, a qual deve realizar-se, em última instância, como ciência cultural. Referem-se agora também à Europa Oriental, embora o processo de unificação aqui necessite ainda tempo.

31 A respeito, meu artigo ultimamente: Das Prinzip der Subsidiarität aus der Sicht der vergleichenden Verfassungslehre, AöR 119 (1994), p. 169 ss.

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ou uma forma concreta. Isso também está bem assim. Os constituintes nacionais se excederiam se estabelecessem um programa europeu completo e rígido.

II – PRINCíPIOS DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL DOS ARTIGOS RELATIVOS À EUROPA (“DIREITO CONSTITUCIONAL INTERNO SOBRE A EUROPA”)

A quantidade e a qualidade dos artigos relativos à Europa, em aumento nas Constituições, sugerem a questão de máximas interpretativas específicas. O “Direito Constitucional interno sobre a Europa” tem seus âmbitos materiais “especiais”, próprios, à semelhança de, por exemplo, o “Direito Constitucional cultural” ou o “Direito Constitucional religioso”. Isso requer que se vá mais adiante do introvertido Estado Constitucional interno e que se constitua pre-cisamente a família dos “Estados constitucionais europeus”: o tipo do “Estado constitucional comum europeu”.

1) o dIreIto constItucIonAl sobre A europA no âmbIto dA “unIdAde dA constItuIção”

A “unidade da Constituição” forma um princípio já clássico da interpre-tação constitucional32. No Direito Constitucional interno sobre a Europa das diferentes nações europeias, produz efeitos especialmente em duas vertentes: as normas constitucionais concretas com referência à Europa hão de ser “lidas umas com as outras”; na Lei Fundamental se pratica isso desde muito tem-po, com o elemento europeu no Preâmbulo, também arts. 24 a 26, entendido aquele como “alavanca da integração” (H. P. Ipsen)33. Mas os diferentes artigos europeus devem ser postos também em “concordância prática” (K. Hesse) com o conjunto da Constituição. Assim, algumas declarações sobre a cooperação re-gional transfronteiriça repercutem também no Direito Constitucional dos entes locais. Assim, o “objetivo estatal Europa” cresce também no cânon dos obje-tivos educativos das escolas. E, assim, deveria haver outros âmbitos nos quais tenha consequências práticas o princípio de interpretação favorável à Europa do Direito Constitucional interno (por exemplo, no art. 29 LF – Reestruturação do território federal). Unidade da Constituição e abertura à Europa dessa Constitui-ção vão juntos34. Esses novos artigos europeus da Lei Fundamental fortalecem

32 A respeito, K. Hesse, Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland, 19. ed., 1993, p. 10 s.

33 Da lit., por exemplo, H. P. Ipsen, Die Bundesrepublik Deutschland in den Europäischen Gemeinschaften, HdBStr, v. VII. 1992, p. 767 (770); C. Tomuschat, Die staatsrechtliche Entscheidung für die internationale Offenheit, ibidem, p. 483 (484 s.); W. von Simon/J. Schwarze, Europäische Integration und GG, Handbuch des Verfassungsrechts, 2. ed., 1994. Também o TCF contempla conjuntamente o Preâmbulo e os “arts. 24 a 26”; compare-se BVerfGE 63, 343 (370); 75, 1 (17). Sua forma, já cedo, da “boa disposição para com o Direito Internacional” (Völkerrechtsfreundlichkeit da Lei Fundamental (BVerfGE 6, 309 (362 s.); 31, 56 (75); 41, 88 (120)) haveria de aperfeiçoá-la, não em última instância graças ao novo artigo europeu, mediante o princípio da “boa disposição com (o Direito da) Europa”.

34 A tão citada “identidade” do Estado constitucional nacional (p. ex., P. Lerche, Europäische Staatlichkeit und die Identität des GG, FS K. Redeker, 1993, p. 131 ss.; P. Kirchhof, Der deutsch Staat im Prozeβ der

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o princípio constitucional já vigente até agora da “disposição para a integração europeia”35. A “boa disposição para com (o Direito de) a Europa” converte-se em princípio interpretativo.

2) ArtIgos europeus como “reFerêncIAs AbertAs”

Como se demonstrou, os diferentes exemplos de artigos europeus refe-rem-se já ao conjunto do processo de unificação europeia (como no Preâmbulo da Lei Fundamental: “membro com os mesmos direitos em uma Europa unida”), já em parte a elementos concretos dessa Europa como, por exemplo, as regiões transfronteiriças e vizinhas. Aos conceitos internos do Direito Constitucional se lhes transmite um especial caráter aberto à vista do dinamismo e do progres-so do processo de unificação europeia. Por exemplo, o Estado constitucional singular já não determina isoladamente o que é “cooperação transfronteiriça”. A Europa, como objetivo educativo, já, não se apoia somente sobre o enten-dimento da Europa de cada Estado nacional em questão. Em outras palavras: os artigos europeus das Constituições estatais se caracterizam por conteúdos flexíveis, o Estado constitucional nacional perdeu seu monopólio interpretativo a esse respeito. Certamente a Alemanha pode e deve transmitir, por exemplo, na escola, “sua” imagem da Europa como “uma”, mas a partir de um princípio, somente com “uma voz” e indicando os entendimentos sobre a Europa em com-petência que devem ser integrados.

3) os ArtIgos europeus no conteXto dA “hermenêutIcA comum europeIA”

Os concretos artigos europeus formam a base para a interpretação em uma “hermenêutica comum europeia”36. Como artigos de tipo especificamente “transcendentes à Constituição”, não podem ser interpretados por mais tem-po imanentemente “a partir de si mesmos”. O “caráter aberto à Europa” exige que todos os intérpretes potenciais da Europa possam e devam determinar con-juntamente essa Europa. “Europa” não se corresponde genericamente, nem na forma de manifestação dos Direitos Constitucionais nacionais sobre a Europa, exclusivamente com uma única nação ou com um único Estado constitucional. A Europa é como conjunto uma sociedade aberta – nascente – dos constituintes

europäischen Integration, HdBStR, v. VII, 1992, p. 855 (882 ss.)), deve ser lida a partir de um princípio no contexto da “identidade europeia”!

35 M. Sulleg, Alternativkommentar zum Grundgesetz, 2. ed., 1989, art. 24 Abs. 1 NM. 23. Cfr. também T. Oppermann, Europäische Integration und des deutsche GG, in: T. Berberich et al. (eds.), Neue Entiwicklungen im öffentilichen Recht, 1979, p. 85 (93): “Esta declaração fundamental do Preâmbulo (pela integração europeia) é importante para a interpretação particular das demais disposições constitucionais referentes à Europa ‘dá’ de certo modo o tomo ‘para essa interpretação’. Uma vez mais se mostra a ‘potência’ dos preâmbulos, também no eixo temporal (1949 a 1992!)”.

36 A respeito, já minha participação na discussão em WDStRL 53 (1994), p. l15 s.

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e intérpretes da Europa: no horizonte de uma cultura jurídica europeia37. Pode suceder que a contribuição interpretativa de um Tribunal Constitucional nacio-nal “estrangeiro” como a Corte Costituzionale de Roma se converta inesperada-mente em um elemento do horizonte interpretativo de que necessite o Tribunal Constitucional Federal alemão para um artigo europeu do Direito Constitucio-nal alemão. Precisamente aqui incide a expressão da “europeização das teorias do Estado e dos Tribunais Constitucionais nacionais”38. O Direito Comparado europeu converte-se no veículo natural desses processos.

III – O DESENVOLVIMENTO DO DIREITO CONSTITUCIONAL NACIONAL SOBRE A EUROPA

Como se demonstrou, um novo nível textual se desenvolve no nível in-terno em alguns países da Europa: alguns artigos sobre a Europa começam a ir crescendo e a ganhar em diferenciações de uma forma tal que resulta visível o contorno de um específico Direito Constitucional sobre a Europa. Tendo em vis-ta as tarefas pendentes no âmbito supranacional europeu, a situação do Direito Constitucional interno sobre a Europa é, ainda, insuficiente. Seu desenvolvi-mento ulterior deveria ser tanto mais importante quanto que a ideia europeia se encontra a partir de Maastricht em uma crise. A meu juízo, a Europa do futuro há de ser construída de novo mais intensamente a partir de “dentro” e a partir de “baixo”, isto é, a Europa tem de ser vivida mais intensamente pelo cidadão a partir de sua Constituição nacional, só assim surgirá a tão citada “Europa dos cidadãos”, a “Europa das regiões e dos entes locais”. Em outras palavras: o Direito Constitucional sobre a Europa deve desenvolver-se no nível interno em forma de todas as manifestações que, isoladamente, já se encontram aqui e alhures. A Europa tem de converter-se em tema constitucional em um duplo sentido: no Estado constitucional, também no federal (como tendentemente em algumas Constituições alemãs orientais) e de modo supraestatal no sentido da Constituição “nascente” da União Europeia. Só essa forma de proceder em mão dupla pode fazer avançar a Europa. Se se observa, em parte com razão, a fal-ta de uma “publicidade europeia”39, aos constituintes nacionais correspondem tarefas especiais a esse respeito: têm de tematizar a Europa internamente em

37 Sobre a problemática “Europa e cultura”, meu trabalho: Europa in kulturverfassungsrechtlicher Perspectiva, JöR 32 (1983), p. 9 ss., expressões-chave como “publicidade cultural da Europa”, “Direito comum europeu dos direitos fundamentais”, “pluralidade e unidade”, “caráter aberto e identidade da Europa como cultura”, “estruturas organizativas descentralizadas”. Para a discussão posterior mais especial: H.-P. Ipsen, Der “Kulturbereich” im Zugriff der Europäische Gemeinschaft, Ged.-Schrift für Geck, 1989, p. 339 ss.; W. Weidenfeld et. al., Europäische Kultur: das Zukunftsgut des Kontinents, 1990; G. Ress, Kultur und Europäischer Binnenmarkt, 1991, id., Die neue Kulturkompetenz der EG, DöV, 1992, p. 944 ss.; K. Bohr/H. Albert, Die Europäische Union – des Ende der eigenständigen Kulturpolitik der deustchen Bundesländer?, ZRP 199, p. 61 ss.

38 A respeito, meu artigo Gemeineuropäisches Verfassungsrecht, EuGRZ, 1991, p. 261 ss., agora também in: Europäische Rechtskultur, 1994, p. 33 ss. [versão castelhana, Direito Constitucional comum europeu, Revista de Estudos Políticos, nº 79, 1993, p. 7 ss., NTe].

39 D. Grimm, Der Mangel an europäischer Demokratie, Der Spiegel nº 43, de 19 de outubro de 1992, p. 57 s.

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seus próprios âmbitos de regulação e ser “imaginativos”, por exemplo, median-te a diferenciação do objetivo estatal Europa, mediante a regulação do objetivo educativo “Europa”, mediante referências aos direitos fundamentais (bem os escritos do CEDH40, bem os nos escritos do TJCE como princípios gerais do Di-reito41, mediante referência à associação europeia de regiões e entes locais ou mediante cláusulas para o fomento cultural europeu. Reclama-se uma “política para o Direito Constitucional sobre a Europa”. Acima de tudo, os preâmbulos e artigos sobre os fundamentos são o marco no que podem e devem ser colocados eficazmente os programas europeus. Os paralelismos entre os artigos internos sobre a Europa e o nascente Direito europeu supranacional não se devem evitar, mas sim ser até buscados no sentido de uma convergência de ambos os âmbitos.

Como reserva de textos existem muitos conjuntos de normas:

– elementos do texto do Estatuto do Conselho da Europa, de 1948 (“desenvolvimento dos direitos humanos e das liberdades básicas”)

– elementos do Preâmbulo do CEDH, de 1950 (“herança comum de bens espirituais”) e a CSE, de 1961 (“progresso econômico e social”)

– elementos do texto da Convenção Europeia da Cultura, de 1954 (fomento da “cultura comum”, proteção da “herança cultural co-mum”, da “cultura europeia”)

– elementos de textos da Ata Final da CSCE, de 1975 (cesto 3): Fo-mento do interesse pelo bem cultural dos outros Estados partes, “tendo em vista os méritos e valores de cada cultura”

– citação do Preâmbulo do Projeto de Tratado para a criação da União Europeia (Parlamento Europeu), de 1984: “anelo de continu-ar a obra da unificação democrática da Europa”

– elementos do Preâmbulo da Declaração de Direitos Fundamentais e Liberdades Básicas do Parlamento Europeu (1989), com “que a Europa afirma a existência de uma comunidade de Direito”

40 O CEDH teria de converter-se em tema interno do Estado constitucional comum europeu. Com isso, estaria, ao mesmo tempo, respaldado, o que realiza o TCF com o CEDH como apoio interpretativo dos direitos fundamentais (p. ex., BVerfGE 74, 358 (370)); a respeito J. A. Froweln, Das BVerfG und die Europäische Menschenrechtskonvention, FS W. Zeidler, v. 2 (1987), p. 1763 ss.; P. Häberle, Die Wesensgehaltsgarantie des Art. 19 Abs. 2 GG, 3. ed., 1983, p. 410. Mais genericamente: J. Illopoulos-Strangas (ed.), Grundrechtschultz im europäischen Raum, Der Beitritt der Europäischen Gemeinschaften zur EMRK, 1993; P. Kirchhof, Verfassungsrechtlicher Schultz und internationaler Schutz der Menschenrecht: Konkurenz oder Ergänzung?, EuGRZ 1994, p. 16 ss. Sobre a relação TJCE/CEDH: R. Streiz, Bundesverfassungsrechtlicher Grundrechtsschutz und Europäisches Gemeinschaftsrecht, 1989, p. 400 ss.

41 Sobre a proteção europeia dos direitos fundamentais: J. Schwarze, Europäischer Grundrechtsschutz, Zeitschrift für die Verwaltung, 1993, p. 1 ss.; I. Pernice, Gemeinschaftsverfassungs und Grunderechtsschutz, NJW 1990, p. 2409 ss.; veja-se também J. Schwarze, Der Beitrag des Europarates zur Entwicklung von Rechtsschulz und Verfahrensgarantien im Verwaltungsrecht, EuGRZ 1993, p. 377 ss.

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– elementos do texto para o fundamento da “nova Europa” no sentido da Carta da CSCE de Paris (1990): proteção da “identidade étnica, cultural, lingüística e religiosa” das minorias nacionais (proteção dos grupos étnicos), bem como “proteção do meio ambiente” em solidária responsabilidade de todas as nossas nações da Europa

– textos de regionalismo (por exemplo, art. 1º da “Carta comunitária da regionalização”, de 1988)

– elementos do texto do Simpósio de Cracóvia sobre a herança cul-tural dos Estados partes na CSCE, de 1991: aspectos regionais da cultura como “fator de conciliação entre os povos”

– elementos do Preâmbulo de Maastricht (1992): Europa “próxima do cidadão”

– de igual modo, os textos “para a proteção do meio ambiente no âmbito internacional” (projeto de um uniforme constitucional para a União Europeia, setembro de 1993, proponente F. Herman)

– finalmente, da Carta europeia da Autonomia local (1985), a frase de “que a existência de entes territoriais locais com verdadeiras com-petências possibilita, ao mesmo tempo, uma administração eficaz e próxima do cidadão”; e o “fortalecimento dos entes locais nos dife-rentes Estados europeus representa uma importante contribuição à construção de uma Europa, que se baseia nos princípios de demo-cracia e de descentralização do poder”42 – isso poderia fomentar a abertura recíproca dos municípios e da União Europeia.

O projeto de um artigo para a Constituição Europeia de J. Hoffmann an-tecipa no fundo para um âmbito singular o “metabolismo” aqui proposto entre “Direito Constitucional sobre a Europa” supraestatal europeu e interno43:

(1) Garante-se aos entes territoriais locais e regionais dos Estados da União o direito à autonomia e à autonomia financeira, no âmbito das leis e em virtude do princípio de subsidiariedade.

(2) Os entes territoriais gozam do direito de informação e consulta em todas as decisões, da União e dos Estados da União, que lhes afetem. Seu exercício cor-responderá às comissões que serão constituídas pelos entes territoriais.

(3) [...]

Mas, por outro lado, é de se também buscar com a vista onde se podem descobrir elementos constitutivos do Direito Constitucional interno sobre a Eu-

42 Citado por F.-L. Knemeyer, Die Europäische Charta der kommunalen Selbstwerwaltung, 1989, p. 273.43 Citado segundo Knemeyer, op. cit., p. 283.

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ropa44. Os artigos europeus internos – diferenciados – também integram hoje a tão invocada “arquitetura europeia”45. Indicam a tão invocada “europeização” do Direito (Constitucional)46. Os artigos nacionais relativos à Europa poderiam levar em conta ao mesmo tempo a estendida observação de que a Europa tem hoje a obrigação de motivar-se. A Europa ganharia das nações uma nova-velha dimensão motivadora.

PERSPECTIVA: POLíTICA CONSTITUCIONAL EM RELAÇÃO À EUROPA, CULTURA JURíDICA EUROPEIA, O “JURISTA EUROPEU”

Os textos tipificados com referências à Europa não existem por si mes-mos. Devem-se ler no contexto comum europeu e em alusão a toda a Europa. Se se reúnem na diversidade de suas formas e conteúdos, vê-se que a ideia europeia está “a caminho” na medida em que “adornam” o “Estado constitu-cional comum europeu” como tal, também em seus textos constitucionais. A europeização do Estado constitucional, a abertura para a Europa dos Estados nacionais, inclusive de seus Estados federados, avançou também textualmente mais do que a dogmática, que ainda, amiúde, opera, introvertidamente, sujeita ao Estado nacional, quer-se admitir47.

Toda “boa política constitucional” há de considerar hoje a localização sistemática que outorga ao tema europeu dentro da Constituição: como objetivo de Estado48 (com consequências, por exemplo, para a política meio-ambiental),

44 Compare-se, por exemplo, o já cedo projeto de uma Constituição federal europeia de 1951 (citada em P. C. Mayer-Tasch (ed.), Die Verfassungen Europas, 2. ed., 1975, p. 832 ss.: “conscientes de nossa comunidade cultural”). Ademais, M. Imboden, Die Verfassung einer europäischen Gemeinschaft, Festgabe zum Schweizerischen Juristentag, 1963, p. 127 ss.: “Os povos europeus, levados pelo desejo de assegurar-se covardia e paz, conscientes de sua grande herença [...]” – art. X/6 de um projeto da Comissão Europeia em relação à União política (maio de 1991): “cada cidadão da União tem o direito ao livre desenvolvimento de sua cultura. Tem a obrigação de respeitar o desenvolvimento da cultura do outro”. Preâmbulo do projeto constitucional da União Europeia (fevereiro de 1993): “[...] que a União respeita a identidade dos Estados membros [...] sobre a base dos princípios da solidariedade, do progresso econômico e social, da subsidiariedade e da participação ativa dos entes territoriais regionais e locais”.

45 Tais artigos europeus são conformes com o juízo da Comissão Europeia de Estruturas e seu programa de reforma (citados segundo FAZ, de 14 de julho de 1994, p. 8): “as experiências políticas essenciais seguem interpretando-se como antes em contextos de significação nacional-estatais e histórico-nacionais e, também, regionais e locais. Por isso, também no futuro uma parte considerável da carga legitimadora terá de ser suportada pelos Estados-membros”.

46 Sobrea“europeizaçãodoDireito”ultimamente:E.Schmidt-Aβmann,Zur Europäisierung des allgemeinen Verwaltungsrechts, FS Lerche, 1993, p. 514 ss.; cfr. também idem, Deutsches und Europäisches Verwaltungsrecht, DVBl. 1993, p. 924 ss. Sobre o “Direito Constitucional comum europeu”, meu artigo: Gemeineuropäisches Verfassungsrecht, EuGRZ 1991, p. 291 ss. [veja-se nota 35, NTe.].

47 Veja-se a crítica de J. SChwarze, loc. cit., NJ 1994, p. 1 (3) à Sentença do TCF, BVerfGe 89, 155: “interpretação introvertida da Constituição”.

48 Não é de se rechaçar a criação de artigos europeus porque o art. 23, cláusulas 3 a 7 LF revisada em concreto mereça crítica: é “Direito Administrativo no Direito Constitucional. Sobre a crítica, por exemplo: C. Starck, WDStRL 53 (1994), p. 127 ss. e o autor, ibidem, p. 147 (discussão), U. Everling, Überlegungen zur Struktur der Europäischen Union..., loc. cit., DVBl. 1993, p. 936 (945 s.); J. Schwarze, Das Staatsrecht in Europa, JZ 1993, p. 585 (595); R. Breuer, Die Sackgasse des neuen Europaartikels (Art. 23 GG), NVwZ 1994, p. 417 ss.

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como objetivo educativo, sob a perspectiva dos direitos fundamentais, como preâmbulo ou de outra maneira. A “Europa dos cidadãos” e a “Europa das regi-ões” ganham se a Europa partir de baixo, isto é, de dentro dos textos nacionais e dos Estados federados, e, paralelamente, da dimensão supranacional. Assim, do ponto de vista político-constitucional, pode-se pensar no contexto da auto-nomia local, por exemplo, em textos europeus – “eco” na Carta europeia da Autonomia local49; em outras palavras: a “política constitucional para a Euro-pa” deve realizar-se a partir da dimensão interna e da supraestatal. Com efeito, no plano interno, o constituinte deve permanecer genérico, não pode formular demasiado concretamente seu programa europeu para não restringir a partir do Estado nacional a margem de configuração. O compromisso europeu deve-ria, no entanto, pronunciar-se constitucionalmente em cada lugar necessário de forma sistemática, gradual e verossímil. Diferenciados artigos europeus devem converter-se em uma área temática normal do constituinte democrático. O tema da Europa é hoje demasiado importante. Dito de outro modo: o “Estado cons-titucional comum europeu” se converterá em tal graças aos artigos europeus “interiorizados”, escritos (ou não). A “Europa” se converterá em seu tema, é ób-vio – como se converteram através dos séculos a dignidade humana e os direitos humanos, a democracia, o Estado social de Direito e a divisão de poderes50.

A defesa em favor de mais artigos europeus gerais e especiais nas Consti-tuições internas no sentido da “Europa no Estado constitucional” não quer ads-tringir a futura política europeia, mas sim legitimaria a partir da proximidade ao cidadão, regional e nacionalmente, mais a partir de baixo. Precisamente porque atualmente ameaça uma fase de “renacionalização” e porque a “europeização” das nações foi detida, pode-se servir, assim, com novas forças à causa euro-peia. O ideal seriam artigos europeus, concertados reciprocamente, dos Estados constitucionais que pertencem à Europa em sentido estrito (comunitário), mas também dos que pertencem à Europa em sentido amplo (isto é, ao Conselho da Europa). Os programas estatais podem diferir de modo absoluto: assim, so-bra espaço para uma competência frutífera em matéria política constitucional para a Europa. Somente é decisivo que os Estados constitucionais se atrevam a criar mais Direito Constitucional relativo para a Europa no sentido expresso, e que, com isso, façam avançar a “Europa dos cidadãos” (mediante remissões ao CEDH) ou à “Europa das regiões” (artigos sobre o regionalismo europeu) e a “Europa dos entes locais” (“Europa dos municípios” no sentido de A. Gasser). No âmbito dos direitos fundamentais, poder-se-ia fazer referência, de modo absoluto, aos direitos fundamentais comunitários como “princípios gerais de Direito” no sentido do TJCE (cfr. art. F, cláusula 2 TUE ), também seria possível

49 A respeito, F.-L. Knemeyer, loc. cit., 1989 (nota 39) e minha recessão em AöR 116 (1991), p. 324 s.; id., Europa der Regionen und Europa der Kommunen, 1994.

50 Cfr. também J. Schwarze, Das Staatsrecht in Europa, JZ 1993, p. 585 (594): “abertura do direito estatal para a Europa”.

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recepções de “princípios de ordre public” que o TEDH começou a desenvolver. A Europa poderia conhecer, assim, novos impulsos “a partir de baixo” e fazer--se ao cidadão compreensível, accessível e experimentável no espelho de sua própria Constituição.

Um tema próprio é a questão de se os elementos fundamentais da “Cons-tituição da Europa”51, já formada, ou ainda nascente, devem ser observados expressamente nas Constituições nacionais, especialmente Maastricht. Uma tal “repetição” do conteúdo (melhorado na condição de texto) é, a meu juízo, ur-gente na medida em que não existe nenhum “documento constitucional” da União Europeia; e isso tanto mais quanto que, por exemplo, Maastricht é, em muitos aspectos, desafortunado no que diz respeito à sua redação e se manteve longe do cidadão.

Refletir a cultura jurídica europeia em geral e em particular (e desen-volvê-la) é uma tarefa “eterna” e suficientemente difícil52. A meu ver, a ela já pertence agora o artigo europeu da Constituição interna, tenha forma genérica ou especial. Esse se converte crescentemente em um elemento da identidade de cada Estado singular e um fragmento da “identidade europeia” no sentido do art. 7,5 da C. portuguesa. O “jurista europeu”, em qualquer caso53 – e o ho-menageado U. Everling o há sido antecipadamente na prática, e, na teoria, lhe foi dado perfil54 – deveria lutar pela diversidade e pela intensidade dos artigos europeus aqui apresentados tanto politicamente quanto, também, na interpre-tação científica. O futuro dos programas europeus dos Estados constitucionais começou agora. A “casa europeia” constrói-se também com esses elementos.

51 A respeito: H. P. Ipsen, Europäische Verfassung – Nationale Verfassung. In: Bitburger Gespräche, Jahrbuch 1987, p. 37 ss.; id., Über Verfassungshomogenität in der Europäischen Gemeinschaft, FS G. Dürig, 1990, p. 159 ss.; J. Schwarze/R.Bieber (eds.), Eine Verfassung für Europa, 1984; J. A. Frowein, Die Herausbildung europäischer Verfassungsprinzipien, FS W. Malhofer, 1988, p. 149 ss.; H. Steinberger, Der Verfassungsstaat als Glied einer europäischen Gemeinschaft, WDStRL 50 (1991), p. 9 (18 ss.); M. Hilf, Europäische Union..., WDStRL 53 (1994), p. 7 (20 ss.).

52 Alguns intentos em meu volume: Europäische Rechtskultur, 1994.53 H. Coing, Europäisierung der Rechtswissenchaft, NJW 1990, p. 937 ss.; C.-D. Ehlermann, Die Europäische

Gemeinschaft, das Recht und die Juristen,NJW1992,p.1856ss.;B.Groβfeld,Europäisches Recht und Rechtsstudium, JuS 1993, p. 710 ss.

54 Veja-se dele, por exemplo, Das Europäische Gemeinschaftsrecht im Spannungsfeld zwissen Politik und Wrrtschaft, 1985; Gestaltungsbedarf des Europäischen Rechts, Bitburger Gespräche, Jahrbuch 1987, p. 65 ss.; Auf dem Weg zu einem europäischen Verwaltungsrecht, NVwZ 1987, p. 1 ss.; Der Beitrag des deutschen Rechts zur europäischen Grundrechtsgemainschaft, In: K. Stern (ed.), 40 Jahre Grundgesetz, 1990, p. 167 ss.; Die Stellung des Bürgers in der Europäischen Gemeinschaft, ZRVgl., 1992, p. 241 ss.; Überlegungen zur Struktur der Europäischen Union und zum neuen Europa-Artikel des GG., DVBl. 1993, p. 9936 ss.; Zur Funktion des Gerichtshofs der Europäischen Gemeinschaften als Verwaltungsgericht, FS Redeker, 1993, p. 293 ss.

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

Direito Administrativo Constitucional

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Supremo Tribunal Federal12.06.2012 Segunda TurmaAgRg no Recurso Ord. em Mandado de Segurança nº 25.849Distrito FederalRelator: Min. Celso de MelloAgte.(s): Antônio Bernardo de OliveiraAdv.(a/s): André Francisco Neves Silva da CunhaAdv.(a/s): Marcus Tonnae Dantas Silva e outro(a/s)Agdo.(a/s): UniãoAdv.(a/s): Advogado‑Geral da União

ementA

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – BENEFíCIO CONSTITUCIONAL DA ANISTIA – PORTARIA Nº 594/2004 DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA – INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE REVISÃO DOS ATOS EM QUE RECONHECIDA A CONDIÇÃO DE ANISTIADO POLíTICO – PRETENDIDA VIOLAÇÃO A DIREITO INDIVIDUAL – INEXISTÊNCIA – SIMPLES EXERCíCIO, PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, DE SEU PODER DE AUTOTUTELA – AUSÊNCIA DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À CONCESSÃO DE ANISTIA – INCORPORAÇÃO AO SERVIÇO MILITAR APÓS A EDIÇÃO DA PORTARIA Nº 1.104-GM3/1964 – CONSEQUENTE RECONHECIMENTO DE QUE OS MILITARES EM QUESTÃO NÃO FORAM ATINGIDOS POR QUALQUER ATO DE EXCEÇÃO – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO

O Estado, com apoio no princípio da autotutela, dispõe da prerrogati-va institucional de rever, em sede administrativa, os seus atos e deci-sões, podendo, em consequência, invalidá-los, quer mediante revogação (quando presentes motivos de conveniência, oportunidade ou utilidade), quer mediante anulação (quando ocorrente situação de ilegalidade), res-salvada, sempre, em qualquer dessas hipóteses, a possibilidade de con-trole jurisdicional. Doutrina. Precedentes.

A mera instauração de procedimento de revisão dos atos concessivos de reparação econômica a que se referem o art. 8º do ADCT e a Lei nº 10.559/2002 não caracteriza, só por si, violação a direito individual daqueles que já tiveram reconhecida sua condição de anistiado políti-

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co, revelando-se legítima, em consequência, a possibilidade de reexame, pela Pública Administração, do ato de anistia praticado com apoio na Lei nº 10.559/2002. Precedentes.

Eventual invalidação do ato concessivo de anistia deverá ser precedida, nos termos do art. 17 da Lei nº 10.559/2002, de procedimento adminis-trativo em cujo âmbito impor-se-á, ao Poder Público, o respeito à garan-tia constitucional do due process of law. Precedentes.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supre-mo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator.

Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa.

Brasília, 12 de junho de 2012.

Celso de Mello – Relator

relAtórIo

O Senhor Ministro Celso de Mello (Relator): Trata-se de recurso de agravo interposto contra decisão que, por mim proferida, negou provimento ao recurso ordinário deduzido em face de acórdão denegatório de mandado de segurança, emanado do E. Superior Tribunal de Justiça.

Como já tive o ensejo de destacar quando da prolação da decisão ora agravada, o acórdão objeto do presente recurso ordinário acha-se consubstan-ciada em julgamento assim ementado (fl. 406):

“MANDADO DE SEGURANÇA – MILITAR ANISTIADO – REVISÃO DE ATO DE CONCESSÃO DE ANISTIA – LEGALIDADE – AUSÊNCIA DE DIREITO SUBJETI-VO AO REENGAJAMENTO – LICENCIAMENTO POR MOTIVAÇÃO POLÍTICA – INOCORRÊNCIA – ERRO PASSÍVEL DE REVISÃO

1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça firmou entendimento no sen-tido de que a desconstituição da eficácia de qualquer ato administrativo, que repercuta no âmbito dos interesses individuais dos servidores ou administrados, deve ser precedida de instauração de processo administrativo, em obediência aos princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa, com todos os recursos a ela inerentes, observados na espécie.

2. A Lei do Serviço Militar, como então vigente, não apenas remeteu à sua re-gulamentação a disciplina dos prazos e das condições dos engajamentos e dos

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reengajamentos, mas também submeteu-os ao poder discricionário da autoridade competente, cabendo-lhe decidir sobre a sua conveniência e oportunidade.

3. Não titularizavam os praças qualquer direito subjetivo ao engajamento ou ao reengajamento, não se cuidando a Portaria nº 1.104/GM3 de ato formalmente excepcional, natureza que só a alcançava na sua eficácia e incidência em relação aos cabos que, ao tempo de sua edição, eram praças da Força Aérea Brasileira, não havendo como invocar motivação política relativamente aos praças poste-riormente incorporados à Aeronáutica.

4. Afastada a motivação política do licenciamento, era mesmo de se anular o ato de concessão de anistia, não em decorrência de falsidade de motivos, mas de efetivo erro do Poder Público na aplicação da lei de regência, à luz do disposto no art. 2º da Lei de Anistia, Lei nº 10.559/2002 e com fundamento no art. 53 da Lei nº 9.784/99.

5. Ordem denegada.”

(MS 10.319/DF, Rel. Min. Hamilton Carvalhido – grifei)

A parte ora agravante alegou, em síntese, no recurso ordinário em ques-tão, para efeito da pretendida reforma da decisão emanada daquela Alta Corte judiciária, que o eminente Senhor Ministro de Estado da Defesa teria incidido em comportamento omissivo, eis que, supostamente, deixou de cumprir a obri-gação legal inscrita no parágrafo único do art. 18 da Lei nº 10.559/2002, con-sistente em efetuar, no prazo de 60 (sessenta) dias, as reparações econômicas referentes a militares cuja condição de anistiados políticos fora reconhecida por Portaria do Ministério da Justiça e formalmente comunicada ao Ministério da Defesa.

A União Federal, em contrarrazões, ao impugnar o recurso ordinário in-terposto pelo ora agravante, aduziu que os recorrentes não preencheriam os requisitos necessários à concessão da anistia, uma vez que foram incorporados ao serviço militar após a edição da Portaria nº 1.104/GM3-64, a significar, com isso, que não teriam sido atingidos por qualquer ato de exceção, razão por que o Ministro de Estado da Justiça editou a Portaria nº 594, de 12.02.2004, subme-tendo os benefícios em questão a procedimento de reexame.

Eis o teor da Portaria nº 596/2004, que, elaborada pelo Ministro de Es-tado da Justiça no exercício do poder de autotutela da Administração Pública, possui o seguinte conteúdo:

“O MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA, no uso de suas atribuições legais, com fulcro no art. 5º da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, e art. 17 da Lei nº 10.559, de 13 de novembro de 2002, que regulamenta o art. 8º do Ato das Dis-posições Constitucionais Transitórias e dá outras providências, resolve:

Art. 1º Instaurar, ex officio, processos de anulação das portarias em que foi reco-nhecida a condição de anistiados políticos e concedidas as conseqUentes repa-rações econômicas, em favor das pessoas relacionadas no Anexo I desta portaria,

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consoante os respectivos Requerimentos de Anistia, sob o fundamento de que, à época da edição da Portaria nº 1.104/1964 do Ministério da Aeronáutica, os abaixo nominados não ostentavam status de cabo. Assim, diversamente do que se dera com os cabos então em serviço, a referida portaria não os atingiu como ato de exceção de natureza política, mas, sim, como mero regulamento administra-tivo das prorrogações do Serviço Militar, do qual tinham prévio conhecimento.” (grifei)

O Ministério Público Federal, em promoção da lavra do eminente Sub-procurador-Geral da República Dr. Francisco Adalberto Nóbrega, opinou pelo improvimento do presente recurso ordinário (fls. 495/500).

Com fundamento nos poderes de que dispõe o Ministro Relator (RTJ 139/53 – RTJ 168/174-175) e tendo em consideração a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal sobre a matéria versada nesta causa, neguei provimento ao mencionado recurso ordinário (fls. 502/509).

Inconformada com esse ato decisório, a parte ora agravante interpõe o presente recurso, postulando o provimento do que deduziu (fls. 513/520).

Por não me convencer das razões expostas, submeto, à apreciação desta colenda Turma, o presente recurso de agravo.

É o relatório.

voto

O Senhor Ministro Celso de Mello (Relator): Entendo não assistir razão à parte recorrente, eis que a decisão agravada ajusta-se, com integral fidelidade, à diretriz jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria ora em exame, inexistindo, por isso mesmo, motivo que justifique o acolhimento da postulação recursal em causa.

Com efeito, em situações idênticas à que se verifica nesta causa, a ju-risprudência do Supremo Tribunal Federal, fundada em decisões colegiadas de ambas as Turmas desta Corte, tem ressaltado que os militares que foram incorporados às Forças Armadas após a edição da Portaria nº 1.104/GM3-64 não foram atingidos pelos efeitos desse ato por motivos de caráter político ou ideológico, mas, apenas, como consequência de mero regulamento adminis-trativo pré-existente, situação diversa daqueles que já haviam ingressado no serviço militar antes das alterações instituídas por referida Portaria, em relação aos quais foi reconhecida a violação de direitos subjetivos por ato de exce-ção (RMS 25.581/DF, Rel. Min. Carlos Velloso – RMS 25.596/DF, Rel. p/ o Ac. Min. Ricardo Lewandowski – RMS 25.692/DF, Relª Min. Cármen Lúcia – RMS 25.833/DF, Rel. p/ o Ac. Min. Marco Aurélio – RMS 25.851-AgR/DF, Rel. Min. Menezes Direito – RMS 25.852/DF, Rel. Min. Marco Aurélio – RMS 25.988/DF, Rel. Min. Eros Grau, v.g.):

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“Agravo regimental. Recurso ordinário em mandado de segurança. Anistia. Anu-lação.

1. O ingresso do recorrente na Aeronáutica ocorreu quando já vigorava a nova regência para engajamento e reengajamento e prazos para a permanência no serviço militar instituídos pela Portaria nº 1.104/1964. Assim, a situação do im-petrante não se assemelha aos militares ingressos antes da edição da referida Portaria, os quais tiveram direitos constituídos violados. Nessa hipótese, não pro-cede a tese defendida pelo ora agravante de que o ato do Ministro da Justiça, que anulou a portaria concessiva da anistia política, estaria fundado em mudança superveniente da interpretação da norma ou da orientação administrativa. Na mesma linha, o RMS 25.833 e o RMS 25.596/DF.

2. Agravo regimental desprovido.”

(RMS 25.851-AgR/DF, Rel. Min. Menezes Direito – grifei)

“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – ADMINISTRATI-VO – INCORPORAÇÃO NO SERVIÇO ATIVO DA AERONÁUTICA APÓS A EDI-ÇÃO DA PORTARIA Nº 1.104/GM3-1964 – AUSÊNCIA DO DIREITO À ANISTIA – PODER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – TEMPESTIVIDA-DE – RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO

I – Em razão do poder de autotutela, a Administração Pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos, quando eivados de vícios que tornem ilegais, ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade.

II – Agravo regimental improvido.”

(RMS 25.596/DF, Rel. p/ o Ac. Min. Ricardo Lewandowski)

“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – ANISTIA POLÍTI-CA – AERONÁUTICA – ANULAÇÃO DAS PORTARIAS – 1. HÁ evidências nos autos de que foi instaurado processo administrativo para anulação das porta-rias dos recorrentes, tendo sido observadas as regras procedimentais previstas na Lei nº 10.559/2002 e no regimento interno da comissão de anistia (Portaria/MJ nº 893/2004). 2. desnecessidade da comissão de anistia se manifestar previamen-te à anulação de ato de concessão de anistia. 3. Aplicação das Súmulas nºs 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal. 4. Não comprovação de que os recorrentes eram cabos que foram vítimas de ato de exceção à época da edição da Portaria nº 1.104/1964. 5. Ausência de direito líquido e certo. Impossibilidade de dilação probatória. Precedentes. 6. Recurso ordinário em mandado de segurança ao qual se nega provimento.”

(RMS 26.133/DF, Relª Min. Cármen Lúcia)

Impende destacar, no ponto, que tal orientação tem sido observada em su-cessivas decisões proferidas por eminentes Juízes desta Corte (RMS 25.640/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski – RMS 25.693/DF, Relª Min. Ellen Gracie – RMS 25.815/DF, Rel. Min. Ayres Britto – RMS 25.929/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa – RMS 26.368/DF, Rel. Min. Cezar Peluso – RMS 26.370/DF, Rel. Min. Ricardo

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Lewandowski – RMS 26.635/DF, Rel. Min. Cezar Peluso – RMS 26.636/DF, Relª Min. Ellen Gracie – RMS 27.036/DF, Relª Min. Ellen Gracie, v.g.).

Nem se diga, por outro lado, que a instauração de procedimento de re-exame dos pressupostos de concessão da anistia estaria violando direito indi-vidual dos ora recorrentes, pois a eventual invalidação do ato concessivo de anistia será sempre antecedida, nos termos do art. 17 da Lei nº 10.559/2002, de procedimento administrativo em cujo âmbito restará assegurada a plenitude do direito de defesa, a significar que a possibilidade de vir a ser revisto o bene-fício em questão não configura, só por si, situação de ilegalidade, apta a justi-ficar a impetração de mandado de segurança pelo pretenso anistiado político, conforme bem acentuou o eminente Ministro Marco Aurélio no julgamento do RMS 31.042/DF, valendo transcrever, por relevante, trecho de seu douto voto:

“A cassação do ato de concessão individual, segundo a norma, dependerá da instauração de procedimento próprio, no qual será assegurada a ampla defesa e o contraditório. O simples temor de ser afetado não justifica a providência requerida, no sentido de obstar a atividade de controle interno de legalidade da Administração Pública. Caso iniciado processo em relação à situação individual do recorrente, considerada outra causa de pedir, nada impedirá o acesso ao Po-der Judiciário.” (grifei)

É por isso que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sob tal es-pecífico aspecto, tem assinalado, em diversos precedentes, que a mera instaura-ção de procedimento de revisão dos atos concessivos da reparação econômica a que se referem o art. 8º do ADCT e a Lei nº 10.559/2002 não caracteriza, só por si, violação a direito individual daqueles que já tiveram reconhecida sua condição de anistiado político (RMS 30.975/DF, Relª Min. Cármen Lúcia – RMS 31.042/DF, Rel. Min. Marco Aurélio – RMS 31.111/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, v.g.):

“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – PORTARIA IN-TERMINISTERIAL Nº 134/2011 – INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO DE REVISÃO DE ANISTIA – FASE PRELIMINAR DE APURAÇÃO – INEXISTÊNCIA DE AFRONTA A DIREITO LÍQUIDO E CERTO – AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO – RECURSO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.”

(RMS 30.973/DF, Relª Min. Cármen Lúcia – grifei)

“AGRAVO REGIMENTAL – RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGU-RANÇA – ANISTIA POLÍTICA – LEI Nº 10.559/2002 – REVOGAÇÃO – POSSIBI-LIDADE – AGRAVO DESPROVIDO

I – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido da possibilidade de revisão, pela Administração Pública, de anistia concedida com fundamento na Lei nº 10.559/2002.

II – Agravo a que se nega provimento.”

(RMS 31.181-AgR/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski – grifei)

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Cumpre ressaltar, por oportuno, que esta colenda Segunda Turma veio a reafirmar esse mesmo entendimento, em recentíssimos julgamentos (RMS 30.964-ED/DF – RMS 30.993-ED/DF – RMS 31.008-ED/DF, dos quais sou Rela-tor), ocasião em que foi mantida a decisão recorrida, que havia negado provi-mento a recurso ordinário, em cujo âmbito foi suscitada controvérsia idêntica à ora veiculada nesta causa:

“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – BENEFÍCIO CONS-TITUCIONAL DA ANISTIA – PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 134/2011 – INS-TAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE REVISÃO DOS ATOS EM QUE RECONHECIDA A CONDIÇÃO DE ANISTIADO POLÍTICO – PRETEN-DIDA VIOLAÇÃO A DIREITO INDIVIDUAL – INEXISTÊNCIA – SIMPLES EXER-CÍCIO, PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, DO SEU PODER DE AUTOTUTELA – ALEGADA CONSUMAÇÃO DE PRAZO DECADENCIAL (LEI Nº 9.784/1999, ART. 54) – INOCORRÊNCIA – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO

O Estado, com apoio no princípio da autotutela, dispõe da prerrogativa institu-cional de rever, em sede administrativa, os seus atos e decisões, podendo, em consequência, invalidá-los, quer mediante revogação (quando presentes motivos de conveniência, oportunidade ou utilidade), quer mediante anulação (quando ocorrente situação de ilegalidade), ressalvada, sempre, em qualquer dessas hipó-teses, a possibilidade de controle jurisdicional. Doutrina. Precedentes.

A mera instauração de procedimento de revisão dos atos concessivos de repa-ração econômica a que se referem o art. 8º do ADCT e a Lei nº 10.559/2002 não caracteriza, só por si, violação a direito individual daqueles que já tiveram reconhecida sua condição de anistiado político, revelando-se legítima, em con-sequência, a possibilidade de reexame, pela Pública Administração, da anistia concedida com apoio na Lei nº 10.559/2002. Precedentes.

Eventual invalidação do ato concessivo de anistia, fundada no art. 17 da Lei nº 10.559/2002, deverá ser precedida, sempre, de procedimento administrativo em cujo âmbito seja respeitada a garantia constitucional do due process of law. Precedentes.” (RMS 31.011-ED/DF, Rel. Min. Celso de Mello)

Cabe acentuar, no ponto, que o Estado, com apoio no princípio da au-totutela, dispõe da prerrogativa institucional de rever, em sede administrativa, os seus atos e decisões (MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo, p. 59/60, item n. 3.15, 5. ed., 2011, Impetus; CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ma-nual de Direito Administrativo, p. 33/34, item n. 2.2, 25. ed., 2012, Atlas; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, p. 69/70, item n. 3.3.7, 22. ed., 2009, Atlas; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasilei-ro, p. 202/211, item n. 6, 36. ed., atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, 2010, Malheiros, v.g.), podendo, em consequência, invalidá-los, quer mediante revogação (quando presentes motivos de conveniência, oportunidade ou utilidade), quer mediante anulação (quando ocorrente situação de ilegalidade), ressalvada, sempre, em qualquer dessas hipóteses, a possibilidade de controle jurisdicional.

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Essa faculdade da Administração Pública, embora autorizada pelo pos-tulado da autotutela administrativa, depende, para exercer-se legitimamente, da estrita observância, pelo Poder Público, da cláusula constitucional do due process of law, sob pena de nulidade da deliberação estatal, especialmente nas hipóteses em que a invalidação afetar a situação jurídica do administrado ou da pessoa interessada.

Com efeito, impõe-se reconhecer, mesmo em se tratando de procedi-mento administrativo, que ninguém pode ser privado de sua liberdade, de seus bens ou de seus direitos sem o devido processo legal, notadamente naqueles casos em que se estabelece uma relação de polaridade conflitante entre o Esta-do, de um lado, e o indivíduo, de outro.

Vale assinalar, na linha dessa orientação, que o Estado, em tema de res-trição à esfera jurídica de qualquer cidadão (ou pessoa), não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois – cabe enfatizar – o re-conhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida imposta pelo Poder Público, de que resultem consequências gravosas no plano dos direitos e garantias individuais, exige a fiel observância do princípio do devido proces-so legal (CF, art. 5º, LV), consoante adverte autorizado magistério doutrinário (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988, v. 1/68-69, 1990, Saraiva; PINTO FERREIRA. Comentários à Constituição Brasileira, v. 1/176 e 180, 1989, Saraiva; PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. O Direito à Defesa na Constituição de 1988, p. 71/73, item n. 17, 1991, Renovar; BUENO FILHO, Edgard Silveira. O Direito à Defesa na Constituição, p. 47/49, 1994, Saraiva; SANTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil, v. 2/268-269, 1989, Saraiva; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Adminis-trativo, p. 401/402, 5. ed., 1995, Atlas; FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Di-reito Administrativo, p. 290 e 293/294, 2. ed., 1995, Malheiros; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, p. 588, 17. ed., 1992, Malheiros, v.g.).

A jurisprudência dos Tribunais, notadamente a do Supremo Tribunal Fe-deral, tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade da própria medida restritiva de direitos, revestida, ou não, de caráter punitivo (RDA 97/110 – RDA 114/142 – RDA 118/99 – RTJ 163/790, Rel. Min. Carlos Velloso – AI 306.626/MT, Rel. Min. Celso de Mello, in Informativo/STF nº 253/2002 – RE 140.195/SC, Rel. Min. Ilmar Galvão – RE 191.480/SC, Rel. Min. Marco Aurélio – RE 199.800/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, v.g.):

“RESTRIÇÃO DE DIREITOS E GARANTIA DO DUE PROCESS OF LAW

O Estado, em tema de punições disciplinares ou de restrição a direitos, qualquer que seja o destinatário de tais medidas, não pode exercer a sua autoridade de

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maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois o reconhecimento da legitimidade ético--jurídica de qualquer medida estatal – que importe em punição disciplinar ou em limitação de direitos – exige, ainda que se cuide de procedimento meramente administrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel observância do princípio do devido processo legal.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos. Pre-cedentes. Doutrina.” (RTJ 183/371-372, Rel. Min. Celso de Mello)

Isso significa, portanto, que assiste, ao cidadão (e ao administrado), mes-mo em procedimentos de índole administrativa, a prerrogativa indisponível do contraditório e da plenitude de defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, consoante prescreve a Constituição da República, em seu art. 5º, inciso LV.

O respeito efetivo à garantia constitucional do due process of law, ainda que se trate de procedimento administrativo, condiciona, de modo estrito, o exercício dos poderes de que se acha investida a Pública Administração, sob pena de descaracterizar-se, com grave ofensa aos postulados que informam a própria concepção do Estado democrático de Direito, a legitimidade jurídica dos atos e resoluções emanados do Estado, especialmente quando tais delibera-ções importarem em invalidação, por anulação, de típicas situações subjetivas de vantagem.

Esse entendimento – que valoriza a perspectiva constitucional que deve orientar o exame do tema em causa – tem o beneplácito do autorizado magis-tério expendido pela eminente Professora Ada Pellegrini Grinover (O Processo em Evolução, p. 82/85, itens ns. 1.3, 1.4, 2.1 e 2.2, 1996, Forense Universitá-ria), como pude assinalar em decisão por mim proferida, como Relator, no MS 26.200-MC/DF:

“O coroamento do caminho evolutivo da interpretação da cláusula do ‘devido processo legal’ ocorreu, no Brasil, com a Constituição de 1988, pelo art. 5º, inc. LV, que reza:

‘Art. 5º, LV. Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acu-sados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.’

Assim, as garantias do contraditório e da ampla defesa desdobram-se hoje em três planos: a) no plano jurisdicional, em que elas passam a ser expressamente reconhecidas, diretamente como tais, para o processo penal e para o não-penal; b) no plano das acusações em geral, em que a garantia explicitamente abrange as pessoas objeto de acusação; c) no processo administrativo sempre que haja litigantes. [...]

É esta a grande inovação da Constituição de 1988.

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Com efeito, as garantias do contraditório e da ampla defesa, para o processo não-penal e para os acusados em geral, em processos administrativos, já eram ex-traídas, pela doutrina e pela jurisprudência, dos textos constitucionais anteriores, tendo a explicitação da Lei Maior em vigor natureza didática, afeiçoada à boa técnica, sem apresentar conteúdo inovador. Mas agora a Constituição também resguarda as referidas garantias aos litigantes, em processo administrativo.

E isso não é casual nem aleatório, mas obedece à profunda transformação que a Constituição operou no tocante à função da administração pública.

Acolhendo as tendências contemporâneas do direito administrativo, tanto em sua finalidade de limitação ao poder e garantia dos direitos individuais perante o po-der, como na assimilação da nova realidade do relacionamento Estado-sociedade e de abertura para o cenário sociopolítico-econômico em que se situa, a Consti-tuição pátria de 1988 trata de parte considerável da atividade administrativa, no pressuposto de que o caráter democrático do Estado deve influir na configuração da administração, pois os princípios da democracia não podem se limitar a re-ger as funções legislativa e jurisdicional, mas devem também informar a função administrativa.

Nessa linha, dá-se grande ênfase, no direito administrativo contemporâneo, à nova concepção da processualidade no âmbito da função administrativa, seja para transpor para a atuação administrativa os princípios do ‘devido processo legal’, seja para fixar imposições mínimas quanto ao modo de atuar da adminis-tração.

Na concepção mais recente sobre a processualidade administrativa, firma-se o princípio de que a extensão das formas processuais ao exercício da função ad-ministrativa está de acordo com a mais alta concepção da administração: o agir a serviço da comunidade.

O procedimento administrativo configura, assim, meio de atendimento a requi-sitos da validade do ato administrativo. Propicia o conhecimento do que ocorre antes que o ato faça repercutir seus efeitos sobre os indivíduos, e permite verificar como se realiza a tomada de decisões.

Assim, o caráter processual da formação do ato administrativo contrapõe-se a operações internas e secretas, à concepção dos arcana imperii dominantes nos governos absolutos e lembrados por Bobbio ao discorrer sobre a publicidade e o poder invisível, considerando essencial à democracia um grau elevado de visibilidade do poder.

[...]

Assim, a Constituição não mais limita o contraditório e a ampla defesa aos pro-cessos administrativos (punitivos) em que haja acusados, mas estende as garan-tias a todos os processos administrativos, não-punitivos e punitivos, ainda que neles não haja acusados, mas simplesmente litigantes.

Litigantes existem sempre que, num procedimento qualquer, surja um conflito de interesses. Não é preciso que o conflito seja qualificado pela pretensão resistida, pois neste caso surgirão a lide e o processo jurisdicional. Basta que os partícipes do processo administrativo se anteponham face a face, numa posição contrapos-ta. Litígio equivale à controvérsia, à contenda, e não à lide. Pode haver litigantes – e os há – sem acusação alguma, em qualquer lide.” (grifei)

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Impende enfatizar, consideradas as premissas que venho de referir, que o ato alegadamente coator não transgrediu qualquer dos postulados constitucio-nais mencionados, valendo asseverar que a mera instauração de procedimento de averiguação preliminar da portaria veiculadora da concessão de anistia não vulnerou nem afetou a esfera jurídica da parte ora recorrente.

Cabe ter presente, bem por isso, o teor das informações prestadas pelo Senhor Ministro de Estado da Justiça ao E. Superior Tribunal de Justiça (fls. 238/251), que revela ter sido assegurado, ao ora recorrente, no âmbito do procedimento de reexame, o exercício pleno do direito de defesa.

Não constitui demasia rememorar, no ponto, que as informações oficiais prestadas por autoridades públicas, em sede de mandado de segurança, reves-tem-se de presunção juris tantum de veracidade.

E a razão é uma só: precisamente porque constantes de documento subscrito por agente estatal, tais informações devem prevalecer, pois, como se sabe, as declarações emanadas de servidores públicos gozam, quanto ao seu conteúdo, da presunção de veracidade, salvo quando desautorizadas por pro-va idônea em sentido contrário, consoante assinala o magistério da doutrina (DE MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo, p. 373, item n. 59, 13. ed., 2001, Malheiros; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, p. 182/184, item n. 7.6.1, 20. ed., 2007, Atlas; GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo, p. 63, item n. 7.1, 1989, Saraiva; CRETELLA JÚNIOR, José. Direito Administrativo Brasileiro, p. 54, item n. 43, 1999, Fo-rense; CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, p. 116, item n. 2, 12. ed., 2005, Lumen Juris).

Esse entendimento – que põe em evidência o atributo de veracidade inerente aos atos emanados do Poder Público e de seus agentes – tem o be-neplácito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 86/212 – RTJ 133/1235-1236 – RTJ 161/572-573, v.g.), notadamente quando tais declarações compuserem e instruírem, como na espécie, as informações prestadas pela pró-pria autoridade apontada como coatora:

“As informações prestadas em mandado de segurança pela autoridade apontada como coatora gozam da presunção juris tantum de veracidade.” (MS 20.882/DF, Rel. Min. Celso de Mello)

Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, nego provi-mento ao presente recurso de agravo, mantendo, em consequência, por seus próprios fundamentos, a decisão ora recorrida.

É o meu voto.

segundA turmA eXtrAto de AtA

AgRg no Recurso Ord. em Mandado de Segurança nº 25.849

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80 ��������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 61 – Jan-Fev/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Proced.: Distrito Federal

Relator: Min. Celso de Mello

Agte.(s): Antônio Bernardo de Oliveira

Adv.(a/s): André Francisco Neves Silva da Cunha

Adv.(a/s): Marcus Tonnae Dantas Silva e outro(a/s)

Agdo.(a/s): União

Adv.(a/s): Advogado-Geral da União

Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo re-gimental, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. 2ª Turma, 12.06.2012.

Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes e Cezar Peluso. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa.

Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco de Assis Vieira Sanseverino.

p/ Fabiane Duarte Secretária

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Assunto Especial – Ementário

Direito Administrativo Constitucional

2842 – Concurso público – vício de legalidade – análise pelo Poder Judiciário – conteúdo das questões da prova aplicada

“Administrativo. Agravos regimentais no agravo em recurso especial. Concurso da Polícia Ro-doviária Federal. Evidente erro material na formulação da questão impugnada. Possibilidade de anulação pelo Poder Judiciário de questão objetiva maculada com vício de ilegalidade. Prece-dentes desta Corte superior de justiça. Impossibilidade de análise do pedido de nomeação e posse no cargo por ausência de pedido na petição inicial e de elementos suficientes a aferir a classifi-cação do agravante no certame. Agravos regimentais da União e Luciano de Albuquerque Leal desprovidos. 1. Firmou-se no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que, em regra, não compete ao Poder Judiciário apreciar critérios na formulação e correção das provas, tendo em vista que, em respeito ao princípio da separação de poderes consagrado na Constituição Federal, é da banca examinadora desses certames a responsabilidade pelo seu exame. (EREsp 338.055/DF, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU 15.12.2003). 2. Excepcionalmente, contudo, havendo flagrante ilegalidade de questão objetiva de prova de concurso público, bem como ausência de observância às regras previstas no edital, tem-se admitido sua anulação pelo Judiciário por ofensa ao princípio da legalidade e da vinculação ao edital. 3. No caso em apreço, a questão nº 2 da Prova de Língua Portuguesa, Caderno 36, do Concurso da Polícia Rodoviária Federal, regulado pelo Edital nº 1/2009, está contaminada pelo vício de ilegalidade, que a macula de forma in-sofismável, tornando-se, assim, suscetível de invalidação na via judicial. É importante ressaltar que aqui não se cuida de controle de mérito, nem de substituição da valoração reservada ao administrador; cuida-se, isto sim, de controle de legalidade, sendo, pois, permitido ao Judiciário exercê-lo em toda a sua plenitude. 4. O Recurso Especial do candidato foi provido para acolher integralmente os pedidos formulados na petição inicial do Mandado de Segurança, quais sejam, anulação da questão nº 2 da prova de Língua Portuguesa e a reclassificação do agravante na lista de aprovados, sendo incabível a análise do pedido de nomeação e posse no cargo, sob pena de se incorrer em julgamento ultra petita. 5. Não há nos autos elementos suficientes a aferir se o proveito obtido com a anulação da questão seria suficiente a garantir a participação do agravante nas de-mais etapas do concurso e, tampouco, sua imediata nomeação no cargo. 6. Agravos Regimentais da União e Luciano de Albuquerque Leal desprovidos.” (STJ – AgRg-EDcl-AREsp 244.839/PE – 1ª T. – Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho – J. 06.11.2014 – DJe 11.11.2014)

2843 – Conflito de atribuições – Poder Judiciário – Conselho Nacional de Justiça

“Mandado de segurança. Medida liminar deferida. Ato do Corregedor Nacional de Justiça que suspende a eficácia de decisão de tribunal de justiça concessiva de mandado de segurança. Inad-missibilidade. Atuação ultra vires do Corregedor Nacional de Justiça, porque excedente dos estritos limites das atribuições meramente administrativas por ele titularizadas. Incompetência absoluta do Conselho Nacional de Justiça, não obstante órgão de controle interno do Poder Judiciário, para intervir em processos de natureza jurisdicional. Impossibilidade constitucional de o Conselho Na-cional de Justiça (que se qualifica como órgão de caráter eminentemente administrativo) fiscalizar, reexaminar e suspender os efeitos decorrentes de ato de conteúdo jurisdicional, como aquele que concede mandado de segurança. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Magistério da doutrina. Recurso de agravo a que se nega provimento. O Conselho Nacional de Justiça, embora integrando a estrutura constitucional do Poder Judiciário como órgão interno de controle admi-nistrativo, financeiro e disciplinar da magistratura – excluídos, no entanto, do alcance de referida competência, o próprio Supremo Tribunal Federal e seus Ministros (ADI 3.367/DF) –, qualifica-se como instituição de caráter eminentemente administrativo, não dispondo de atribuições funcionais

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que lhe permitam, quer colegialmente, quer mediante atuação monocrática de seus Conselheiros ou, ainda, do Corregedor Nacional de Justiça, fiscalizar, reexaminar e suspender os efeitos decor-rentes de atos de conteúdo jurisdicional emanados de magistrados e Tribunais em geral, razão pela qual mostra-se arbitrária e destituída de legitimidade jurídico-constitucional a deliberação do Cor-regedor Nacional de Justiça que, agindo ultra vires, paralise a eficácia de decisão que tenha con-cedido mandado de segurança. Doutrina. Precedentes (MS 28.598-MC-AgR/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, v.g.).” (STF – MS 28611-MC-AgR – Rel. Min. Celso de Mello – TP – J. 14.10.2010, DJe-026, Divulg. 08.02.2011, Public. 09.02.2011, Republicação: DJe-062, Divulg. 31.03.2011, Public. 01.04.2011, Ement. v. 02494-01, p. 00010)

2844 – Controle de legalidade de ato administrativo – candidata nomeada dentro do número de vagas previstas no edital – direito à nomeação

“Agravo regimental no recurso extraordinário. Administrativo. Concurso público. Ato adminis-trativo ilegal. Controle judicial. Possibilidade. Candidata aprovada dentro do número de vagas previstas no edital. Direito à nomeação. Análise de cláusulas de edital. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Precedentes. 1. Não viola o princípio da separação dos poderes o controle de legalidade exercido pelo Poder Judiciário sobre os atos administrativos. 2. O Plenário da Corte, ao apreciar o mérito do RE 598.099/MS-RG, Relator o Ministro Gilmar Mendes, concluiu que o can-didato aprovado em concurso público dentro do número de vagas previstas no edital tem direito subjetivo à nomeação. 3. Inadmissível, em recurso extraordinário, a análise das cláusulas de edital de concurso público e o reexame dos fatos e das provas dos autos. Incidência das Súmulas nºs 454 e 279. 4. Agravo regimental não provido.” (STF – RE 733110-AgR – Rel. Min. Dias Toffoli – 1ª T. – J. 17.09.2013 – Processo Eletrônico DJe-226, Divulg. 14.11.2013, Public. 18.11.2013)

2845 – Controle do mérito administrativo – impossibilidade – instalação de plantão judiciário da defensoria pública – decisão em que não pode haver interferência jurisdicional

“Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Direito Administrativo. 3. Defensoria pública. Implantação de plantão permanente na cidade de Erechim. Mérito administrativo. Impossibilidade de ingerência do Poder Judiciário ante a ausência de ilegalidade ou abuso de poder. Princípio da separação dos poderes. Precedentes. Inexistência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF – RE 636686-AgR – Rel. Min. Gilmar Mendes – 2ª T. – J. 25.06.2013 – Acórdão Eletrônico DJe-160, Divulg. 15.08.2013, Public. 16.08.2013)

2846 – Controle do mérito administrativo vedado ao Poder Judiciário – análise de pontuação de títulos em concurso público

“Mandado de segurança. Concurso público para a outorga de delegações de notas e registros do Estado de São Paulo. Procedimento de controle administrativo instaurado pelo impetrante para análise da pontuação de seus títulos e oferta das serventias vagas, não constantes do edital. Revisão dos atos administrativos praticados pela comissão examinadora do concurso. Direito líquido e cer-to não configurado. Mandado de segurança conhecido em parte, e, na parte conhecida, denegada a segurança. 1. No pedido de revisão administrativa da pontuação de títulos obtida pelo Impetran-te, o Conselho Nacional de Justiça entendeu que nada havia a decidir, porque a questão fora apre-ciada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Deliberação negativa do Conselho Nacional de Justiça que não substituiu o ato originalmente questionado. Ausência de abuso ou ilegalidade na decisão do Conselho Nacional de Justiça. 2. Não conhecimento desse pedido por incompetência do Supre-mo Tribunal Federal para processar e julgar mandado de segurança que tem por ato coator decisão do Tribunal de Justiça Estadual. 3. Impossibilidade de se transformar o Supremo Tribunal Federal em instância revisora das decisões administrativas do Conselho Nacional de Justiça. 4. Ausência de direito líquido e certo do Impetrante para a oferta de serventias vagas, não constantes no edital.

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5. Na parte conhecida, segurança denegada.” (STF – MS 27026 – Relª Min. Cármen Lúcia – TP – J. 03.11.2010 – DJe-034 Divulg. 18.02.2011, Public. 21.02.2011, Ement. v. 02467-01, p. 00143)

2847 – Interferência do Judiciário – execução de políticas públicas – possibilidade – custos dos direitos – direitos fundamentais

“Defensoria pública. Direito das pessoas necessitadas ao atendimento integral, na comarca em que residem, pela defensoria pública. Prerrogativa fundamental comprometida por razões admi-nistrativas que impõem, às pessoas carentes, no caso, a necessidade de custoso deslocamento para comarca próxima onde a defensoria pública se acha mais bem estruturada. Ônus financeiro, resultante desse deslocamento, que não pode, nem deve, ser suportado pela população desas-sistida. Imprescindibilidade de o Estado prover a defensoria pública local com melhor estrutura administrativa. Medida que se impõe para conferir efetividade à cláusula constitucional inscrita no art. 5º, inciso LXXIV, da Lei Fundamental da República. Omissão estatal que compromete e frustra direitos fundamentais de pessoas necessitadas. Situação constitucionalmente intolerável. O reconhecimento, em favor de populações carentes e desassistidas, postas à margem do sistema jurídico, do ‘direito a ter direitos’ como pressuposto de acesso aos demais direitos, liberdades e garantias. Intervenção jurisdicional concretizadora de programa constitucional destinado a viabili-zar o acesso dos necessitados à orientação jurídica integral e à assistência judiciária gratuitas (CF, art. 5º, inciso LXXIV, e art. 134). Legitimidade dessa atuação dos juízes e tribunais. O papel do poder judiciário na implementação de políticas públicas instituídas pela Constituição e não efe-tivadas pelo Poder Público. A fórmula da reserva do possível na perspectiva da teoria dos custos dos direitos: impossibilidade de sua invocação para legitimar o injusto inadimplemento de deveres estatais de prestação constitucionalmente impostos ao estado. A teoria da ‘restrição das restri-ções’ (ou da ‘limitação das limitações’). Controle jurisdicional de legitimidade sobre a omissão do estado: atividade de fiscalização judicial que se justifica pela necessidade de observância de certos parâmetros constitucionais (proibição de retrocesso social, proteção ao mínimo existencial, vedação da proteção insuficiente e proibição de excesso). Doutrina. Precedentes. A função consti-tucional da defensoria pública e a essencialidade dessa instituição da república. Recurso de agravo improvido.” (STF – RE 763667-AgR – Rel. Min. Celso de Mello – 2ª T. – J. 22.10.2013 – Processo eletrônico DJe-246, Divulg. 12.12.2013, Public. 13.12.2013)

2848 – Processo administrativo disciplinar – controle jurisdicional – separação de poderes – limitação à análise de vícios de legalidade

“Processual civil e direito administrativo. Processo administrativo disciplinar. Demissão de servi-dor público. Análise do conjunto probatório constante do processo administrativo. Impossibilida-de. Exame do mérito administrativo. Impossibilidade. 1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 2. Não ocorre nulidade do processo administrativo disciplinar que ensejou a demissão do agente penitenciário sem que hou-vesse instauração prévia de sindicância ou de processo investigativo, porque o STJ possui entendi-mento no sentido de que a sindicância é dispensável quando existirem elementos suficientes para a instauração do processo administrativo disciplinar, como ocorre no caso dos autos, em que o agente penitenciário foi flagrado adentrando unidade prisional com aparelho, bateria e carregador de celular, contrariando proibição. 3. Por fim, em relação à proporcionalidade da pena aplicada, a atuação do Poder Judiciário no controle do processo administrativo restringe-se à verificação de vícios capazes de ensejar sua nulidade, sendo-lhe defeso qualquer incursão no mérito administra-tivo. Assim, considerando que a penalidade de demissão é uma das medidas cabíveis no caso em questão, não se pode, em Mandado de Segurança, rever o acerto ou desacerto da decisão tomada em processo administrativo disciplinar que observou os princípios do contraditório e da ampla defesa. 4. Agravo Regimental não provido.” (STJ – AgRg-RMS 44.286/PR – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – J. 18.11.2014 – DJe 26.11.2014)

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2849 – Seguro de acidente da empresa – reenquadramento – possibilidade pelo Poder Judiciá-rio – inexistência de afronta à separação de poderes

“Tributário e processual civil. Recurso especial. (I) Ofensa ao art. 535 do CPC. Inocorrência. (II) Seguro de Acidente de Trabalho – SAT. Art. 22, II e § 3º, da Lei nº 8.212/1991. Grau de peri-culosidade e alíquotas fixadas por decreto. Reenquadramento da empresa recorrente pelo Decreto nº 6.957/2009. Majoração da alíquota de 2% para 3%. Ausência de demonstração de dados es-tatísticos que justificassem alteração de tal natureza. Abuso do exercício do poder regulamentar. Princípio da legalidade. Restabelecimento da sentença. Recurso especial provido. 1. Inexiste ofen-sa ao art. 535, I, do CPC, quando o Tribunal de origem aprecia fundamentadamente a controvérsia, sem incorrer em qualquer omissão, contradição ou obscuridade. 2. O financiamento do Seguro de Acidente de Trabalho – SAT vem disciplinado pelo art. 22 da Lei nº 8.212/1991, cuja redação atual fixa alíquotas variáveis de 1%, 2% e 3%, conforme o risco de acidentalidade (leve, médio ou grave) da atividade preponderante desenvolvida pela empresa empregadora. Nesse diapasão, a fixação das alíquotas deve levar em consideração os índices de frequência, gravidade e custo dos benefícios acidentários, conforme critérios metodológicos disciplinados nas Resoluções CNPS nºs 1308 e 1309. 3. O § 3º do art. 22 da Lei nº 8.212/1991 permite que o Poder Executivo, median-te o exercício do poder regulamentador, altere o enquadramento de empresas nos graus de risco definidos no inciso II do art. 22, desde que fundamentado em inspeção que apure estatisticamente os acidentes do trabalho, objetivando o estímulo de investimentos em prevenção de acidentes. 4. Neste caso, intimada a União, pelo Juízo Sentenciante, para apresentar documentos que com-provassem a avaliação estatística atinente à frequência, à gravidade e ao custo dos acidentes de trabalho que justificasse a majoração do grau de risco da atividade da recorrente, o ente estatal limitou-se a trazer manifestações insuficientes para tanto. O Magistrado destacou, ainda, que as informações trazidas à baila pela própria União apontam que, em termos absolutos, houve a re-dução do número de acidentes de trabalho (fl. 265). 5. Compete ao Poder Judiciário analisar os fundamentos que ensejam o reenquadramento da empresa, decorrente da alteração promovida no Anexo V do Decreto nº 3.048/1999 pelo Decreto nº 6.957/2009, pois tal matéria não diz respeito ao mérito administrativo, mas, sim, ao controle de legalidade do exercício do poder regulamentar pelo Poder Executivo, já que a lei taxativamente impõe critérios a serem observados pela Admi-nistração, para fins de alteração do grau de risco das empresas empregadoras (art. 22, § 3º, da Lei nº 8.212/1991). 6. No presente caso, o reenquadramento oneroso da empresa (aumento da alíquo-ta de 2% para 3%), com esteio em documentos que, paradoxalmente, atestam a redução dos aci-dentes de trabalho, configura alteração pesada e imotivada da condição da Empresa e, consequen-temente, abuso do exercício do poder regulamentar – ofensa ao princípio da legalidade formal ou sistêmica – portanto induvidosa e plenamente sindicável pelo Poder Judiciário, para aquilatar da sua legitimidade substantiva. 7. Recurso Especial provido, para restabelecer os termos da Sentença que desconsiderou a reclassificação da atividade da empresa para 3%, mantendo, destarte, seu enquadramento no grau de risco anterior (médio, com a cobrança da alíquota de 2%).” (STJ – REsp 1425090/PR – 1ª T. – Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho – J. 16.09.2014 – DJe 09.10.2014)

2850 – Suprema Corte EUA – Controle do Judiciário – Decisões das Agências Administrativas

“Citizens to Preserve Overton Park v. Volpe, 401 U.S. 402 (1971) 401 U.S. 402 Citizens to Preserve Overton Park, Inc., et al. v. Volpe, Secretary of Transportation, et al. Certiorari to the United States Court of Appeals for the Sixth Circuit No. 1066. Argued January 11, 1971 Decided March 2, 1971

Under 4 (f) of the Department of Transportation Act of 1966 and 138 of the Federal-Aid Highway Act of 1968, the Secretary of Transportation may not authorize use of federal funds to finance construction of highways through public parks if a ‘feasible and prudent’ alternative route exists. If no such route is available, he may approve construction only if there has been ‘all possible planning to minimize harm’ to the park. Petitioners contend that the Secretary has violated these statutes by authorizing a six-lane interstate highway through a Memphis public park. In April 1968 the Secretary announced that he agreed with the local officials that the highway go through the

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park; in September 1969 the State acquired the right-of-way inside the park; and in November 1969 the Secretary announced final approval, including the design, of the road. Neither announcement of the Secretary was accompanied by factual findings. Respondents introduced affidavits in the District Court, indicating that the Secretary had made the decision and that it was supportable. Petitioners filed counter affidavits and sought to take the deposition of a former federal highway administrator. The District Court and the Court of Appeals found that formal findings were not required and refused to order the deposition of the former administrator. Both courts held that the affidavits afforded no basis for determining that the Secretary exceeded his authority. Held:

1. The Secretary’s action is subject to judicial review pursuant to 701 of the Administrative Procedure Act. Pp. 409-413.

(a) There is no indication here that Congress sought to limit or prohibit judicial review. P. 410.

(b) The exemption for action ‘committed to agency discretion’ does not apply as the Secretary does have ‘law to apply’, rather than wide-ranging discretion. Pp. 410-413.

2. Although under 706 of the Act de novo review is not required here and the Secretary’s approval of the route need not [401 U.S. 402, 403] meet the substantial-evidence test, the reviewing court must conduct a substantial inquiry and determine whether the Secretary acted within the scope of his authority, whether his decision was within the small range of available choices, and whether he could have reasonably believed that there were no feasible alternatives. The court must find that the actual choice was not ‘arbitrary, capricious, an abuse of discretion, or otherwise not in accordance with law’, and that the Secretary followed the necessary procedural requirements. Pp. 413-416.

3. Formal findings by the Secretary are not required in this case. Pp. 417-419.

(a) The relevant statutes do not require formal findings, and there is no ambiguity in the Secretary’s action. P. 417.

(b) Although a regulation requiring formal findings was issued after the Secretary had approved the route, a remand to him is not necessary as there is an administrative record facilitating full and prompt review of the Secretary’s action. Pp. 417-419.

4. The case is remanded to the District Court for plenary review of the Secretary’s decision. Pp. 419-420.

(a) The lower court’s review was based on litigation affidavits, which are not the whole record and are an inadequate basis for review. P. 419.

(b) In view of the lack of formal findings, the court may require the administrative officials who participated in the decision to give testimony explaining their action or require the Secretary to make formal findings. P. 420.

432 F.2d 1307, reversed and remanded.

MARSHALL, J., wrote the opinion of the Court, in which BURGER, C. J., and HARLAN, STEWART, WHITE, and BLACKMUN, J. J., joined. BLACK, J., filed a separate opinion, in which BRENNAN, J., joined, post, p. 421. BLACKMUN, J., filed a separate statement, post, p. 422. DOUGLAS, J., took no part in the consideration or decision of this case.

John W. Vardaman, Jr., argued the cause for petitioners. With him on the briefs was Edward Bennett Williams.

Solicitor General Griswold argued the cause for respondent Volpe. With him on the brief were Assistant [401 U.S. 402, 404] Attorney General Gray, Alan S. Rosenthal, and Daniel Joseph. J. Alan Hanover argued the cause for respondent Speight. With him on the brief were David M. Pack, Attorney General of Tennessee, Lurton C. Goodpasture, Assistant Attorney General, and James B. Jalenak.

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Briefs of amici curiae were filed by James M. Manire and Jack Petree for the city of Memphis et al., and by Roberts B. Owen and Gerald P. Norton for the Committee of 100 on the Federal City, Inc., et al.

Opinion of the Court by MR. JUSTICE MARSHALL, announced by MR. JUSTICE STEWART.

The growing public concern about the quality of our natural environment has prompted Congress in recent years to enact legislation1 designed to curb the accelerating destruction of our country’s natural beauty. We are concerned in this case with 4 (f) of the Department of Transportation Act of 1966, as amended2, and 18 (a) of [401 U.S. 402, 405] the Federal-Aid Highway Act of 1968, 82 Stat. 823, 23 U.S.C. 138 (1964 ed., Supp. V) (hereafter 138)3. These statutes prohibit the Secretary of Transportation from authorizing the use of federal funds to finance the construction of highways through public parks if a ‘feasible and prudent’4 alternative route exists. If no such route is available, the statutes allow him to approve construction through parks only if there has been ‘all possible planning to minimize harm’5 to the park. [401 U.S. 402, 406]

Petitioners, private citizens as well as local and national conservation organizations, contend that the Secretary has violated these statutes by authorizing the expenditure of federal funds6 for the construction of a six-lane interstate highway through a public park in Memphis, Tennessee. Their claim was rejected by the District Court7, http://caselaw.lp.findlaw.com/scripts/getcase.pl?court=US&vol=401&invol=402 - f7which granted the Secretary’s motion for summary judgment, and the Court of Appeals for the Sixth Circuit affirmed88. After oral argument, this Court granted a stay that halted construction and, treating the application for the stay as a petition for

1 See, e. g., The National Environmental Policy Act of 1969, 83 Stat. 852, 42 U.S.C. 4321 et seq. (1964 ed., Supp. V); Environmental Education Act, 84 Stat. 1312, 20 U.S.C. 1531 et seq. (1970 ed.); Air Quality Act of 1967, 81 Stat. 485, 42 U.S.C. 1857 et seq. (1964 ed., Supp. V); Environmental Quality Improvement Act of 1970, 84 Stat. 114, 42 U.S.C. 4371-4374 (1970 ed.).

2 “It is hereby declared to be the national policy that special effort should be made to preserve the natural beauty of the countryside and public park and recreation lands, wildlife and waterfowl refuges, and historic sites. The Secretary of Transportation shall cooperate and consult with the Secretaries of the Interior, Housing and Urban Development, and Agriculture, and with the States in developing transportation plans and programs that include measures to maintain or enhance the natural beauty of the lands traversed. After August 23, 1968, the Secretary shall not approve any program or project which requires the use of any publicly owned land from a public park, recreation area, or wildlife and waterfowl refuge of national, State, or local significance as determined by the Federal, State, or [401 U.S. 402, 405] local officials having jurisdiction thereof, or any land from an historic site of national, State, or local significance as so determined by such officials unless (1) there is no feasible and prudent alternative to the use of such land, and (2) such program includes all possible planning to minimize harm to such park, recreational area, wildlife and waterfowl refuge, or historic site resulting from such use.” 82 Stat. 824, 49 U.S.C. 1653 (f) (1964 ed., Supp. V).

3 “It is hereby declared to be the national policy that special effort should be made to preserve the natural beauty of the countryside and public park and recreation lands, wildlife and waterfowl refuges, and historic sites. The Secretary of Transportation shall cooperate and consult with the Secretaries of the Interior, Housing and Urban Development, and Agriculture, and with the States in developing transportation plans and programs that include measures to maintain or enhance the natural beauty of the lands traversed. After the effective date of the Federal-Aid Highway Act of 1968, the Secretary shall not approve any program or project which requires the use of any publicly owned land from a public park, recreation area, or wildlife and waterfowl refuge of national, State, or local significance as determined by the Federal, State, or local officials having jurisdiction thereof, or any land from an historic site of national, State, or local significance as so determined by such officials unless (1) there is no feasible and prudent alternative to the use of such land, and (2) such program includes all possible planning to minimize harm to such park, recreational area, wildlife and waterfowl refuge, or historic site resulting from such use.” 23 U.S.C. 138 (1964 ed., Supp. V).

4 49 U.S.C. 1653 (f) (1964 ed., Supp. V); 23 U.S.C. 138 (1964 ed., Supp. V).5 Ibid.6 See 23 U.S.C. 103.7 The case originated in the United States District Court for the District of Columbia. On application of the

Secretary of Transportation it was transferred to the United States District Court for the Western District of Tennessee, which entered the summary judgment.

8 432 F.2d 1307 (CA6 1970).

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certiorari, granted review9. 400 U.S. 939. We now reverse the judgment below and remand for further proceedings in the District Court.

Overton Park is a 342-acre city park located near the center of Memphis. The park contains a zoo, a nine-hole municipal golf course, an outdoor theater, nature trails, a bridle path, an art academy, picnic areas, and 170 acres of forest. The proposed highway, which is to be a six-lane, high-speed, expressway10, will sever the zoo from the rest of the park. Although the roadway will be depressed below ground level except where it crosses a small creek, 26 acres of the park will be destroyed. The highway is to be a segment of Interstate Highway I-40, part of the National System of Interstate and [401 U.S. 402, 407] Defense Highways11. I-40 will provide Memphis with a major east-west expressway which will allow easier access to downtown Memphis from the residential areas on the eastern edge of the city12.

Although the route through the park was approved by the Bureau of Public Roads in 195613 and by the Federal Highway Administrator in 1966, the enactment of 4 (f) of the Department of Transportation Act prevented distribution of federal funds for the section of the highway designated to go through Overton Park until the Secretary of Transportation determined whether the requirements of 4 (f) had been met. Federal funding for the rest of the project was, however, available; and the state acquired a right-of-way on both sides of the park14. In April 1968, the Secretary announced that he concurred in the judgment of local officials that I-40 should be built through the park. And in September 1969 the State acquired the right-of-way inside Overton Park from the city15. Final approval for the project – the route as well as the design – was not announced until November 1969, after Congress had reiterated in 138 of the Federal-Aid Highway Act [401 U.S. 402, 408] that highway construction through public parks was to be restricted. Neither announcement approving the route and design of I-40 was accompanied by a statement of the Secretary’s factual findings. He did not indicate why he believed there were no feasible and prudent alternative routes or why design changes could not be made to reduce the harm to the park.

Petitioners contend that the Secretary’s action is invalid without such formal findings16 and that the Secretary did not make an independent determination but merely relied on the judgment of the Memphis City Council17. They also contend that it would be ‘feasible and prudent’ to route I-40 around Overton Park either to the north or to the south. And they argue that if these alternative routes are not ‘feasible and prudent’, the present plan does not include ‘all possible’ methods for reducing harm to the park. Petitioners claim that I-40 could be built under the park by using either

9 This Court ordered the case to be heard on an expedited schedule.10 The proposed right-of-way will be 250 to 450 feet wide and will follow the route of a presently existing,

nonaccess bus route, which carries occasional bus traffic along a 40-to 50-foot right-of-way.11 See 23 U.S.C. 103 (d) (1964 ed., Supp. V).12 I-40 will also provide an express bypass for east-west traffic through Memphis.13 At that time the Bureau of Public Roads was a part of the Department of Commerce. The Department of

Transportation Act, 49 U.S.C. 1651 et seq. (1964 ed., Supp. V), which became effective on April 1, 1967, transferred the Bureau to the new Department of Transportation.

14 The Secretary approved these acquisitions in 1967 shortly after the effective date of 4 (f).15 The State paid the City $2,000,000 for the 26-acre right-of-way and $206,000 to the Memphis Park

Commission to replace park facilities that were to be destroyed by the highway. The city of Memphis has used $1,000,000 of these funds to pay for a new 160-acre park and it is anticipated that additional parkland will be acquired with the remaining money.

16 Respondents argue that the only issue raised by petitioners’ pleadings is the failure of the Secretary to make formal findings. But when petitioners’ complaint is read in the revealing light of Conley v. Gibson, 355 U.S. 41 (1957), it is clear that petitioners have also challenged the merits of the Secretary’s decision.

17 Petitioners contend that former Federal Highway Administrator Bridwell’s account of an April 3, 1968, meeting with the Memphis City Council given to the Senate Subcommittee on Roads of the Senate Committee on Public Works supports this charge. See Hearings on Urban Highway Planning, Location, and Design before the Subcommittee on Roads of the Senate Committee on Public Works, 90th Cong., 1st and 2d Sess., pt. 2, pp. 478-480 (1968).

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of two possible tunneling methods18, and they claim that, at a [401 U.S. 402, 409] minimum, by using advanced drainage techniques19 the expressway could be depressed below ground level along the entire route through the park including the section that crosses the small creek.

Respondents argue that it was unnecessary for the Secretary to make formal findings, and that he did, in fact, exercise his own independent judgment which was supported by the facts. In the District Court, respondents introduced affidavits, prepared specifically for this litigation, which indicated that the Secretary had made the decision and that the decision was supportable. These affidavits were contradicted by affidavits introduced by petitioners, who also sought to take the deposition of a former Federal Highway Administrator20 who had participated in the decision to route I-40 through Overton Park.

The District Court and the Court of Appeals found that formal findings by the Secretary were not necessary and refused to order the deposition of the former Federal Highway Administrator because those courts believed that probing of the mental processes of an administrative decisionmaker was prohibited. And, believing that the Secretary’s authority was wide and reviewing courts’ authority narrow in the approval of highway routes, the lower courts held that the affidavits contained no basis for a determination that the Secretary had exceeded his authority.

We agree that formal findings were not required. But we do not believe that in this case judicial review based solely on litigation affidavits was adequate. [401 U.S. 402, 410]

A threshold question – whether petitioners are entitled to any judicial review – is easily answered. Section 701 of the Administrative Procedure Act, 5 U.S.C. 701 (1964 ed., Supp. V), provides that the action of ‘each authority of the Government of the United States’, which includes the Department of Transportation21, is subject to judicial review except where there is a statutory prohibition on review or where ‘agency action is committed to agency discretion by law’. In this case, there is no indication that Congress sought to prohibit judicial review and there is most certainly no ‘showing of “clear and convincing evidence” of a [...] legislative intent’ to restrict access to judicial review. Abbott Laboratories v. Gardner, 387 U.S. 136, 141 (1967). Brownell v. We Shung, 352 U.S. 180, 185 (1956)22.

Similarly, the Secretary’s decision here does not fall within the exception for action ‘committed to agency discretion’. This is a very narrow exception23. Berger, Administrative Arbitrariness and Judicial Review, 65 Col. L. Rev. 55 (1965). The legislative history of the Administrative Procedure Act indicates that it is applicable in those rare instances where ‘statutes are drawn in such broad terms that in a given case there is no law to apply’. S. Rep. No. 752, 79th Cong., 1st Sess., 26 (1945). [401 U.S. 402, 411]

Section 4 (f) of the Department of Transportation Act and 138 of the Federal-Aid Highway Act are clear and specific directives. Both the Department of Transportation Act and the Federal-Aid

18 Petitioners argue that either a bored tunnel or a cut-and-cover tunnel, which is a fully depressed route covered after construction, could be built. Respondents contend that the construction of a tunnel by either method would greatly increase the cost of the project, would create safety hazards, and because of increases in air pollution would not reduce harm to the park.

19 Petitioners contend that adequate drainage could be provided by using mechanical pumps or some form of inverted siphon. They claim that such devices are often used in expressway construction.

20 Petitioners wanted to question former Highway Administrator Bridwell. See n. 17, supra.21 In addition, the Department of Transportation Act makes the Administrative Procedure Act applicable to

proceedings of the Department of Transportation. 49 U.S.C. 1655 (h) (1964 ed., Supp. V).22 See also Rusk v. Cort, 369 U.S. 367, 379 -380 (1962).23 The scope of this exception has been the subject of extensive commentary. See, e. g., Berger, Administrative

Arbitrariness: A Synthesis, 78 Yale L. J. 965 (1969); Saferstein, Nonreviewability: A Functional Analysis of “Committed to Agency Discretion,” 82 Harv. L. Rev. 367 (1968); Davis, Administrative Arbitrariness is Not Always Reviewable, 51 Minn. L. Rev. 643 (1967); Berger, Administrative Arbitrariness: A Sequel, 51 Minn. L. Rev. 601 (1967).

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Highway Act provide that the Secretary ‘shall not approve any program or project’ that requires the use of any public parkland ‘unless (1) there is no feasible and prudent alternative to the use of such land, and (2) such program includes all possible planning to minimize harm to such park. [...]’ 23 U.S.C. 138 (1964 ed., Supp. V); 49 U.S.C. 1653 (f) (1964 ed., Supp. V). This language is a plain and explicit bar to the use of federal funds for construction of highways through parks – only the most unusual situations are exempted.

Despite the clarity of the statutory language, respondents argue that the Secretary has wide discretion. They recognize that the requirement that there be no ‘feasible’ alternative route admits of little administrative discretion. For this exemption to apply the Secretary must find that as a matter of sound engineering it would not be feasible to build the highway along any other route24. Respondents argue, however, that the requirement that there be no other ‘prudent’ route requires the Secretary to engage in a wide-ranging balancing of competing interests. They contend that the Secretary should weigh the detriment resulting from the destruction of parkland against the cost of other routes, safety considerations, and other factors, and determine on the basis of the importance that he attaches to these other factors whether, on balance, alternative feasible routes would be ‘prudent’.

But no such wide-ranging endeavor was intended. It is obvious that in most cases considerations of cost, directness of route, and community disruption will indicate that parkland should be used for highway construction [401 U.S. 402, 412] whenever possible. Although it may be necessary to transfer funds from one jurisdiction to another25, there will always be a smaller outlay required from the public purse26 when parkland is used since the public already owns the land and there will be no need to pay for right-of-way. And since people do not live or work in parks, if a highway is built on parkland no one will have to leave his home or give up his business. Such factors are common to substantially all highway construction. Thus, if Congress intended these factors to be on an equal footing with preservation of parkland there would have been no need for the statutes.

Congress clearly did not intend that cost and disruption of the community were to be ignored27 by the Secretary28. But the very existence of the statutes29 indicates that protection of parkland was to be given paramount [401 U.S. 402, 413] importance. The few green havens that are public parks were not to be lost unless there were truly unusual factors present in a particular case or the cost or community disruption resulting from alternative routes reached extraordinary magnitudes. If the statutes are to have any meaning, the Secretary cannot approve the destruction of parkland unless he finds that alternative routes present unique problems.

Plainly, there is ‘law to apply’ and thus the exemption for action ‘committed to agency discretion’ is inapplicable. But the existence of judicial review is only the start: the standard for review must

24 See 114 Cong. Rec. 19915 (statement by Rep. Holifield).25 See n. 15, supra.26 See 114 Cong. Rec. 24037 (statement by Sen. Yarborough).27 See, e. g., S. Rep. No. 1340, 90th Cong., 2d Sess., 18-19; H. R. Rep. No. 1584, 90th Cong., 2d Sess., 12.28 The legislative history indicates that the Secretary is not to limit his consideration to information supplied by

state and local officials but is to go beyond this information and reach his own independent decision. 114 Cong. Rec. 24036-24037.

29 The legislative history of both 4 (f) of the Department of Transportation Act, 49 U.S.C. 1653 (f) (1964 ed., Supp. V), and 138 of the Federal-Aid Highway Act, 23 U.S.C. 138 (1964 ed., Supp. V), is ambiguous. The legislative committee reports tend to support respondents’ view that the statutes are merely general directives to the Secretary requiring him to consider the importance of parkland as well as cost, community disruption, and other factors. See, e. g., S. Rep. No. 1340, 90th Cong., 2d Sess., 19; H. R. Rep. No. 1584, 90th Cong., 2d Sess., 12. Statements by proponents of the statutes as well as the Senate committee report on 4 (f) indicate, however, that the Secretary was to have limited authority. See, e. g., 114 Cong. Rec. 24033-24037; S. Rep. No. 1659, 89th Cong., 2d Sess., 22. See also H. R. Conf. Rep. No. 2236, 89th Cong., 2d Sess., 25. Because of this ambiguity it is clear that we must look primarily to the statutes themselves to find the legislative intent.

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also be determined. For that we must look to 706 of the Administrative Procedure Act, 5 U.S.C. 706 (1964 ed., Supp. V), which provides that a ‘reviewing court shall [...] hold unlawful and set aside agency action, findings, and conclusions found’ not to meet six separate standards30. In all cases [401 U.S. 402, 414] agency action must be set aside if the action was ‘arbitrary, capricious, an abuse of discretion, or otherwise not in accordance with law’ or if the action failed to meet statutory, procedural, or constitutional requirements. 5 U.S.C. 706 (2) (A), (B), (C), (D) (1964 ed., Supp. V). In certain narrow, specifically limited situations, the agency action is to be set aside if the action was not supported by ‘substantial evidence’. And in other equally narrow circumstances the reviewing court is to engage in a de novo review of the action and set it aside if it was ‘unwarranted by the facts’. 5 U.S.C. 706 (2) (E), (F) (1964 ed., Supp. V).

Petitioners argue that the Secretary’s approval of the construction of I-40 through Overton Park is subject to one or the other of these latter two standards of limited applicability. First, they contend that the ‘substantial evidence’ standard of 706 (2) (E) must be applied. In the alternative, they claim that 706 (2) (F) applies and that there must be a de novo review to determine if the Secretary’s action was ‘unwarranted by the facts’. Neither of these standards is, however, applicable.

Review under the substantial-evidence test is authorized only when the agency action is taken pursuant to a rulemaking provision of the Administrative Procedure Act itself, 5 U.S.C. 553 (1964 ed., Supp. V), or when the agency action is based on a public adjudicatory hearing. See 5 U.S.C. 556, 557 (1964 ed., Supp. V). The Secretary’s decision to allow the expenditure of federal funds to build I-40 through Overton Park was plainly not an exercise of a rulemaking function. See 1 K. Davis, Administrative Law Treatise 5.01 (1958). And the only hearing that is required by either the Administrative Procedure Act or the statutes regulating the distribution [401 U.S. 402, 415] of federal funds for highway construction is a public hearing conducted by local officials for the purpose of informing the community about the proposed project and eliciting community views on the design and route. 23 U.S.C. 128 (1964 ed., Supp. V). The hearing is nonadjudicatory, quasi-legislative in nature. It is not designed to produce a record that is to be the basis of agency action – the basic requirement for substantial – evidence review. See H. R. Rep. No. 1980, 79th Cong., 2d Sess.

Petitioners’ alternative argument also fails. De novo review of whether the Secretary’s decision was ‘unwarranted by the facts’ is authorized by 706 (2) (F) in only two circumstances. First, such de novo review is authorized when the action is adjudicatory in nature and the agency factfinding procedures are inadequate. And, there may be independent judicial factfinding when issues that were not before the agency are raised in a proceeding to enforce nonadjudicatory agency action. H. R. Rep. No. 1980, 79th Cong., 2d Sess. Neither situation exists here.

Even though there is no de novo review in this case and the Secretary’s approval of the route of I-40 does not have ultimately to meet the substantial-evidence test, the generally applicable standards of 706 require the reviewing court to engage in a substantial inquiry. Certainly, the Secretary’s decision is entitled to a presumption of regularity. See, e. g., Pacific States Box & Basket Co. v.

30 “To the extent necessary to decision and when presented, the reviewing court shall decide all relevant questions of law, interpret constitutional and statutory provisions, and determine the meaning or applicability of the terms of an agency action. The reviewing court shall – ‘(1) compel agency action unlawfully withheld or unreasonably delayed; and (2) hold unlawful and set aside agency action, findings, and conclusions found to be – (A) arbitrary, capricious, an abuse of discretion, or otherwise not in accordance with law; (B) contrary to constitutional right, power, privilege, or immunity; (C) in excess of statutory jurisdiction, authority, or limitations, or short of statutory right; (D) without observance of procedure required by law; (E) unsupported by substantial evidence in a case subject to sections 556 and 557 of this title or otherwise reviewed on the record of an agency hearing provided by statute; or (F) unwarranted by the facts to the extent that the facts are subject to trial de novo by the reviewing court.’ In making the foregoing determinations, the court shall review the [401 U.S. 402, 414] whole record or those parts of it cited by a party, and due account shall be taken of the rule of prejudicial error.” 5 U.S.C. 706 (1964 ed., Supp. V).

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White, 296 U.S. 176, 185 (1935); United States v. Chemical Foundation, 272 U.S. 1, 14 -15 (1926). But that presumption is not to shield his action from a thorough, probing, in-depth review.

The court is first required to decide whether the Secretary acted within the scope of his authority. Schilling v. Rogers, 363 U.S. 666, 676 -677 (1960). This determination naturally begins with a delineation of the scope of[401 U.S. 402, 416] the Secretary’s authority and discretion. L. Jaffe, Judicial Control of Administrative Action 359 (1965). As has been shown, Congress has specified only a small range of choices that the Secretary can make. Also involved in this initial inquiry is a determination of whether on the facts the Secretary’s decision can reasonably be said to be within that range. The reviewing court must consider whether the Secretary properly construed his authority to approve the use of parkland as limited to situations where there are no feasible alternative routes or where feasible alternative routes involve uniquely difficult problems. And the reviewing court must be able to find that the Secretary could have reasonably believed that in this case there are no feasible alternatives or that alternatives do involve unique problems.

Scrutiny of the facts does not end, however, with the determination that the Secretary has acted within the scope of his statutory authority. Section 706 (2) (A) requires a finding that the actual choice made was not ‘arbitrary, capricious, an abuse of discretion, or otherwise not in accordance with law’. 5 U.S.C. 706 (2) (A) (1964 ed., Supp. V). To make this finding the court must consider whether the decision was based on a consideration of the relevant factors and whether there has been a clear error of judgment. Jaffe, supra, at 182. See McBee v. Bomar, 296 F.2d 235, 237 (CA6 1961); In re Josephson, 218 F.2d 174, 182 (CA1 1954); Western Addition Community Organization v. Weaver, 294 F. Supp. 433 (ND Cal. 1968). See also Wong Wing Hang v. Immigration and Naturalization Serv., 360 F.2d 715, 719 (CA2 1966). Although this inquiry into the facts is to be searching and careful, the ultimate standard of review is a narrow one. The court is not empowered to substitute its judgment for that of the agency. [401 U.S. 402, 417]

The final inquiry is whether the Secretary’s action followed the necessary procedural requirements. Here the only procedural error alleged is the failure of the Secretary to make formal findings and state his reason for allowing the highway to be built through the park.

Undoubtedly, review of the Secretary’s action is hampered by his failure to make such findings, but the absence of formal findings does not necessarily require that the case be remanded to the Secretary. Neither the Department of Transportation Act nor the Federal-Aid Highway Act requires such formal findings. Moreover, the Administrative Procedure Act requirements that there be formal findings in certain rulemaking and adjudicatory proceedings do not apply to the Secretary’s action here. See 5 U.S.C. 553 (a) (2), 554 (a) (1964 ed., Supp. V). And, although formal findings may be required in some cases in the absence of statutory directives when the nature of the agency action is ambiguous, those situations are rare. See City of Yonkers v. United States, 320 U.S. 685 (1944); American Trucking Assns. v. United States, 344 U.S. 298, 320 (1953). Plainly, there is no ambiguity here; the Secretary has approved the construction of I-40 through Overton Park and has approved a specific design for the project.

Petitioners contend that although there may not be a statutory requirement that the Secretary make formal findings and even though this may not be a case for the reviewing court to impose a requirement that findings be made, Department of Transportation regulations require them. This argument is based on DOT Order 5610.131, which requires the Secretary to make formal [401 U.S. 402, 418] findings when he approves the use of parkland for highway construction but which was issued after the route for I-40 was approved32. Petitioners argue that even though the order was not in effect at the time approval was given to the Overton Park project and even though the order

31 The regulation was promulgated pursuant to Executive Order 11514, dated March 5, 1970, 35 Fed. Reg. 4247, which instructed all federal agencies to initiate procedures needed to direct their policies and programs toward meeting national environmental goals.

32 DOT Order 5610.1 was issued on October 7, 1970.

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was not intended to have retrospective effect the order represents the law at the time of this Court’s decision and under Thorpe v. Housing Authority, 393 U.S. 268, 281-282 (1969), should be applied to this case.

The Thorpe litigation resulted from an attempt to evict a tenant from a federally funded housing project under circumstances that suggested that the eviction was prompted by the tenant’s objections to the management of the project. Despite repeated requests, the Housing Authority would not give an explanation for its action. The tenant claimed that the eviction interfered with her exercise of First Amendment rights and that the failure to state the reasons for the eviction and to afford her a hearing denied her due process. After denial of relief in the state courts, this Court granted certiorari ‘to consider whether [the tenant] was denied due process by the Housing Authority’s refusal to state the reasons for her eviction and to afford her a hearing at which she could contest the sufficiency of those reasons’. 393 U.S., at 272.

While the case was pending in this Court, the Department of Housing and Urban Development issued regulations requiring Housing Authority officials to inform tenants of the reasons for an eviction and to give a tenant the opportunity to reply. The case was then remanded to the state courts to determine if the HUD regulations were applicable to that case. The state court held them not to be applicable and this Court reversed on the [401 U.S. 402, 419] ground that the general rule is ‘that an appellate court must apply the law in effect at the time it renders its decision’. 393 U.S., at 281.

While we do not question that DOT Order 5610.1 constitutes the law in effect at the time of our decision, we do not believe that Thorpe compels us to remand for the Secretary to make formal findings33. Here, unlike the situation in Thorpe, there has been a change in circumstances – additional right-of-way has been cleared and the 26-acre right-of-way inside Overton Park has been purchased by the State. Moreover, there is an administrative record that allows the full, prompt review of the Secretary’s action that is sought without additional delay which would result from having a remand to the Secretary.

That administrative record is not, however, before us. The lower courts based their review on the litigation affidavits that were presented. These affidavits were merely ‘post hoc’ rationalizations, Burlington Truck Lines v. United States, 371 U.S. 156, 168-169 (1962), which have traditionally been found to be an inadequate basis for review. Burlington Truck Lines v. United States, supra; SEC v. Chenery Corp., 318 U.S. 80, 87 (1943). And they clearly do not constitute the ‘whole record’ compiled by the agency: the basis for review required by 706 of the Administrative Procedure Act. See n. 30, supra. [401 U.S. 402, 420]

Thus it is necessary to remand this case to the District Court for plenary review of the Secretary’s decision. That review is to be based on the full administrative record that was before the Secretary at the time he made his decision34. But since the bare record may not disclose the factors that were

33 Even if formal findings by the Secretary were mandatory, the proper course would be to remand the case to the District Court directing that court to order the Secretary to make formal findings. See R. Robertson & F. Kirkham, Jurisdiction of the Supreme Court of the United States 446, p. 929 (R. Wolfson & P. Kurland ed. 1951). Of course, the District Court is not prohibited from remanding the case to the Secretary. See infra, at 420.

34 The Solicitor General now urges that in order to avoid additional delay the proper course is to remand the case to the District Court for review of the full administrative record.

Separate opinion of MR. JUSTICE BLACK, with whom MR. JUSTICE BRENNAN joins.

I agree with the Court that the judgment of the Court of Appeals is wrong and that its action should be reversed. I do not agree that the whole matter should be remanded to the District Court. I think the case should be sent back to the Secretary of Transportation. It is apparent from the Court’s opinion today that the Secretary of Transportation completely failed to comply with the duty imposed upon him by Congress not to permit a federally financed public highway to run through a public park “unless (1) there is no feasible and prudent alternative to the use of such land, and (2) such program includes all possible planning to minimize harm to such park [...]” 23 U.S.C. 138 (1964 ed., Supp. V); 49 U.S.C. 1653 (f) (1964 ed., Supp. V). That

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considered or the Secretary’s construction of the evidence it may be necessary for the District Court to require some explanation in order to determine if the Secretary acted within the scope of his authority and if the Secretary’s action was justifiable under the applicable standard.

The court may require the administrative officials who participated in the decision to give testimony explaining their action. Of course, such inquiry into the mental processes of administrative decisionmakers is usually to be avoided. United States v. Morgan, 313 U.S. 409, 422 (1941). And where there are administrative findings that were made at the same time as the decision, as was the case in Morgan, there must be a strong showing of bad faith or improper behavior before such inquiry may be made. But here there are no such formal findings and it may be that the only way there can be effective judicial review is by examining the decisionmakers themselves. See Shaughnessy v. Accardi, 349 U.S. 280 (1955).

The District Court is not, however, required to make such an inquiry. It may be that the Secretary can prepare formal findings including the information required by DOT Order 5610.1 that will provide an adequate explanation for his action. Such an explanation will, to some extent, be a ‘post hoc rationalization’ and thus must be viewed critically. If the District Court decides [401 U.S. 402, 421] that additional explanation is necessary, that court should consider which method will prove the most expeditious so that full review may be had as soon as possible.

Reversed and remanded.

MR. JUSTICE DOUGLAS took no part in the consideration or decision of this case.

Footnotes

[Footnote 1] See 23 U.S.C. 128 (1964 ed., Supp. V) and regulations promulgated thereunder, 34 Fed. Reg. 727-730 (1969).

[Footnote 2] See also Named Individual Members of the San Antonio Conservation Society v. Texas Highway Department, 400 U.S. 968, 972 (1970) (dissents from the denial of certiorari).

MR. JUSTICE BLACKMUN.

I fully join the Court in its opinion and in its judgment. I merely wish to state the obvious: (1) The case comes to this Court as the end product of more than a decade of endeavor to solve the interstate highway problem at Memphis. (2) The administrative decisions under attack here are not those of a single Secretary; some were made by the present Secretary’s predecessor and, before him, by the Department of Commerce’s Bureau of Public [401 U.S. 402, 423] Roads. (3) The 1966 Act and the 1968 Act have cut across former methods and here have imposed new standards and conditions upon a situation that already was largely developed.

This undoubtedly is why the record is sketchy and less than one would expect if the project were one which had been instituted after the passage of the 1966 Act. [401 U.S. 402, 424]”

congressional command should not be taken lightly by the Secretary or by this Court. It represents a solemn determination of the highest law-making body of this Nation that the beauty and health-giving facilities of our parks are not to be taken away for public roads without hearings, factfindings, and policy determinations under the supervision of a Cabinet officer – the Secretary of Transportation. The Act of Congress in connection with other federal highway aid legislation, 1 it seems to me, [401 U.S. 402, 422] calls for hearings – hearings that a court can review, hearings that demonstrate more than mere arbitrary defiance by the Secretary. Whether the findings growing out of such hearings are labeled “formal” or “informal” appears to me to be no more than an exercise in semantics. Whatever the hearing requirements might be, the Department of Transportation failed to meet them in this case. I regret that I am compelled to conclude for myself that, except for some too-late formulations, apparently coming from the Solicitor General’s office, this record contains not one word to indicate that the Secretary raised even a finger to comply with the command of Congress. It is our duty, I believe, to remand this whole matter back to the Secretary of Transportation for him to give this matter the hearing it deserves in full good-faith obedience to the Act of Congress. That Act was obviously passed to protect our public parks from forays by road builders except in the most extraordinary and imperative circumstances. 2 This record does not demonstrate the existence of such circumstances. I dissent from the Court’s failure to send the case back to the Secretary, whose duty has not yet been performed.

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Comentário IDPA decisão da Suprema Corte em Citizens to Preserve Overton Park v. Volpe ampliou o papel do Judiciário, permitindo-lhe adentrar em questões que antes eram tidas como inerentes à discri-cionariedade administrativa.A decisão obrigou as autoridades competentes a definir uma nova rota para uma rodovia, que no traçado original passaria pelo meio do Parque Overton. A Corte concluiu que o projeto original não esgotou outras alternativas que fossem factíveis e menos danosas.A partir deste caso a Corte desenhou um guia judicial de revisão de atos administrativos, que consiste no seguinte: se o ato administrativo é passível de revisão; se a autoridade administrativa agiu de acordo com a legislação; e se a autoridade agiu de forma arbitrária ou extravagante.A decisão se tornou importante especialmente para questões que envolvem uma ampla gama de conceitos indeterminados, como é o caso da legislação ambiental, restringindo a discricionarie-dade das agências envolvidas.Marcos Abreu Torres

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Parte Geral – Doutrina

Aspectos Gerais da Democracia Participativa e a Ordem Democrática Nacional

General Aspects of Participatory Democracy and National Democratic Order

HAMILTON CUNHA IRIBURE JÚNIORDoutor e Mestre em Direito pela PUC/SP, Professor da Graduação e do Mestrado da Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM), Membro do IBCCrim, Avaliador do INEP, Advogado.

Submissão: 14.02.2014Decisão Editorial: 31.10.2014Comunicação ao Autor: 31.10.2014

RESUMO: Os direitos fundamentais são parâmetros que limitam a atuação estatal quando do trato com o indivíduo. São construídos, historicamente, a partir de um contexto de lutas e narrativas de dominações. Os pactos sociais registrados pelas Cartas Políticas democráticas inserem em seu bojo tais direitos, costumeiramente associados a certas garantias fundamentais. A partir desse objeto de estudo, o presente ensaio analisa algumas das principais características associadas à questão da interpretação da norma jurídica e os seus possíveis efeitos delimitadores quando se tratar da veiculação de um conteúdo de direito fundamental. Demonstra‑se que tal conteúdo se associa ao fundamento republicano da dignidade da pessoa humana e a opção feita pelo Brasil por uma demo‑cracia deliberativa. Uma das conclusões esperadas é a de que a função do aplicador da norma é a de nortear a atividade interpretativa que ocorre a partir dos limites impostos pelos preceitos fundamen‑tais advindos da ordem garantista constitucional. A partir dos quadrantes estabelecidos pela teoria da democracia deliberativa é que se constrói o entendimento acerca da igualdade material como um dos instrumentos para a inclusão social.

PALAVRAS‑CHAVE: Direitos fundamentais; norma jurídica; democracia.

ABSTRACT: Fundamental rights are parameters that limit the performance of the state when dealing with the individual. They are constructed, historically, from a context of historical struggles and domination. Social pacts recorded by Letters democratic policies fall within it those rights customarily associated with certain fundamental guarantees. From this object of study, this essay examines some of the main characteristics associated to the issue of interpretation of the rule of law and its possible effects delimiters when dealing with the placement of a fundamental right content. It demonstrates that such content is associated with the foundation of republican dignity of the human person and the option taken by Brazil for a deliberative democracy. One of the conclusions expected is that the role of the enforcer rule is to guide the interpretive activity that occurs from the limits imposed by fundamental precepts arising garantista constitutional order. From the quadrants established by the theory of deliberative democracy is that it builds the understanding of material equality as an instrument for social inclusion.

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KEYWORDS: Fundamental rights; rule of law; democracy.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Os direitos fundamentais em uma perspectiva democrática; 2 Um consenso mínimo ético; 3 A questão da dignidade humana em uma perspectiva histórica; 4 Aspectos da teoria constitucional de democracia deliberativa; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

A conquista dos direitos fundamentais, bem como da democracia, insur-ge como uma das maiores conquistas da moralidade política, em que os ideais que tiveram maior repercussão e destaque como valores basilares da civilização ocidental foram a liberdade, a igualdade, os direitos fundamentais e a democra-cia, que se apresentam, simultaneamente, como fundamentos de legitimidade e elementos estruturantes do Estado Democrático de Direito.

A partir da denominada virada kantiana1, verifica-se uma reaproximação entre ética e Direito, com o ressurgimento da razão prática, da fundamentação moral dos direitos fundamentais e do debate sobre a teoria da justiça, fundado em um imperativo categórico jurídico.

Fundamenta-se tal imperativo por meio da aplicação do movimento de-nominado neopositivista, como seu principal precursor Hans Kelsen, e mais recentemente a partir da denominada virada linguística proposta por Wittgens-tein e com os pós-positivistas, cujo intuito é reatribuir valores morais às deci-sões jurídicas. Ensina Gustavo Binenbojim2 que “a ideia de dignidade da pessoa humana, traduzida no postulado kantiano de que cada homem é um fim em si mesmo, eleva-se à condição de princípio jurídico, origem e fundamento de todos os direitos fundamentais”.

Insurge com o movimento constitucionalista um desejo cada vez maior de aproximar o direito positivado aos valores e garantias fundamentais conquis-tadas ao longo dos anos, de forma a alcançar o ideal denominado democra-cia. Esta consiste em um projeto moral de autogoverno coletivo, que pressupõe cidadãos que sejam não apenas os destinatários, mas também os autores das normas gerais de conduta e das estruturas jurídico-políticas do Estado.

Nesse sentido, o referido autor destaca que “a democracia representa a projeção política da autonomia pública e privada dos cidadãos, alicerçada em um conjunto básico de direitos fundamentais” 3.

Verifica-se que a própria regra da maioria apenas é moralmente justifi-cável em um contexto no qual todos os membros são capacitados ativa e passi-

1 Torres, 1999, p. 248-249.2 Binenbojim, 2008, p. 50.3 Idem, ibidem.

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vamente, sendo tratados com igual respeito e consideração, tendo como pres-suposto o direito fundamental à igualdade, transubstanciado, juridicamente, no princípio da maioria como técnica de deliberação coletiva ou plural.

A partir de tal análise, pode-se verificar a estreita relação existente entre direitos fundamentais e democracia, valendo afirmar que há uma relação de interdependência e reciprocidade. Conjugando-se esses dois elementos é que, segundo Gustavo Binenbojm, surge “o Estado democrático de direito, estrutura-do como conjunto de instituições jurídico-políticas erigidas sob o fundamento e para a finalidade de proteger e promover a dignidade da pessoa humana”4.

Da corrente denominada liberal do pensamento filosófico, o pensamento de John Rawls5 teve proeminência ao realçar o debate pós-positivista no campo da filosofia política e do Direito. Dessa forma, a noção kantiana de uso público da razão – que pressupõe uma comunidade de sujeitos livres e iguais – foi em-pregada para definir o que se convencionou denominar “elementos constitucio-nais essenciais”, classificando-os em dois tipos, quais sejam:

i. os princípios fundamentais que especificam a estrutura geral do Estado e do processo político: as competências do Legislativo, do Executivo e do Judiciário; o alcance da regra da maioria; e

ii. os direitos e liberdades fundamentais e iguais de cidadania que as maiorias legislativas devem respeitar, tais como o direito ao voto e à participação na política, a liberdade de consciência, a liberdade de pensamento e de associação, assim como as garantias do império da lei.

Ao vislumbrar tal classificação, Rawls conclui que “os direitos e liberda-des fundamentais têm caráter inalienável e um status especial em relação aos demais valores políticos”6, sustentando, ainda, que tais liberdades fundamentais não podem ser encaradas como absolutas, sendo que sua limitação ou nega-ção somente se faz tendo em vista outras liberdades fundamentais, de modo a formar um sistema que seja coerente e que venha a garantir a igualdade aos indivíduos.

Inegável daí é a constatação de que a Carta Política deve assumir um viés liberal, adotar um padrão “Constituição-garantia”, que especifica um procedi-mento político justo e incorpora as restrições que protegem as liberdades funda-mentais, ao mesmo tempo em que asseguram a sua prioridade. Dessa natureza advém que tais diplomas albergam uma denominada ordem garantista, contem-plando eficientes instrumentos destinados à proteção dos direitos fundamentais.

4 Binenbojim, 2008, p. 50-515 Rawls, 2000, p. 277.6 Idem, p. 348-349.

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1 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS EM UMA PERSPECTIVA DEMOCRÁTICA

À guisa de registro rasteiro acerca de um mínimo conteúdo que possa entender-se a democracia inerente a um sistema político garantista de direitos individuais, é adequado assegurá-la como um núcleo essencial desse sistema.

A democracia é o núcleo de um sistema de direitos fundamentais. Seu esquema de direitos fundamentais é todo ele deduzido logicamente do princípio discur-sivo, institucionalizado sob a forma do princípio democrático. Desta forma, os direitos fundamentais podem ser agrupados da seguinte forma: (1) direitos funda-mentais que resultam da configuração política autônoma de direito à maior me-dida possível de iguais liberdades subjetivas de ação; esses direitos exigem como correlatos necessários; (2) direitos fundamentais que resultam da configuração politicamente autônoma do status de um membro numa associação voluntária de parceiros do direito; (3) direitos fundamentais que resultam imediatamente da possibilidade de postulação judicial de direitos e da configuração politicamente autônoma da proteção jurídica individual; (4) direitos fundamentais à participa-ção, em igualdade de chances, em processos de formação da opinião e da vonta-de, nos quais os civis exercitam sua autonomia política e por meio dos quais eles criam direito legítimo; (5) direitos fundamentais a condições de vida garantidas social, técnica e ecologicamente, na medida em que isso for necessário para um aproveitamento, em igualdade de chances, dos direitos mencionados de (1) até (4)7.

Dessa forma, relacionar a ordem constitucional com os ideais democrá-ticos é missão que passa por importante etapa referente à criação da norma jurídica. Esta, ao ser elaborada, deve contemplar um padrão mínimo de me-canismos que possam garantir a efetividade prática dos direitos fundamentais.

Estudando essa questão, Ralws chama a atenção para a tarefa legislativa em estabelecer tal padrão, sempre associado à ideia de democracia, ao asseve-rar que “uma constituição desse tipo está em conformidade com a ideia tradi-cional de governo democrático, ao mesmo tempo em que abre um espaço para a instituição da revisão judicial”8.

Confirmando o que se apõe nesse raciocínio, Ronald Dworkin expõe a profunda relação existente entre direitos mínimos fundamentais e comandos democráticos estabelecidos por meio de um Pacto Social, sendo que “uma co-munidade verdadeiramente democrática não apenas admite como pressupõe a salvaguarda de posições contramajoritárias (os direitos fundamentais), cuja força advém de princípios exigidos pela moralidade política”9.

7 Habermans, 2010, p. 345.8 Rawls, 2000, p. 277.9 Dworkin, 1990, p. 324-346.

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A aplicação de princípios constitucionais democráticos soa como uma separação entre o Direito e a moral, tendo por base o positivismo jurídico, ou seja, parâmetros que expressam a norma de Direito em sua inteireza de efeitos e eficácia, assegurando àqueles a sua efetividade na ordem social.

Daí a importância de que os membros de uma determinada coletivida-de venham a atuar crendo que são regidos por um sistema de princípios que são moralmente relevantes, efetivamente aceitos, e não por regras que sejam forjadas a partir de apenas um compromisso político dissociado dos valores democráticos.

Assegura-se aos direitos fundamentais o núcleo de serem, essencialmen-te, direitos morais, reconhecidos no seio de uma comunidade política (comuni-dade de princípios) cujos integrantes são tratados com igual respeito e conside-ração. Desta forma, assegura-se a aplicação de um importante viés democrático – isonomia – ao Estado de Direito, prisma irretocável de boa parte das socieda-des modernas que adotam a forma republicana de seus Estados.

Na esteira desse pensamento, pontua Gisele Cittadino ressaltando que

esta igualdade, que pressupõe os indivíduos como agentes morais independen-tes, exige que direitos fundamentais lhes sejam atribuídos para que tenham a oportunidade de influenciar a vida política, realizar os seus projetos pessoais e assumir as responsabilidades pelas decisões que sua autonomia lhes assegura10.

O posicionamento aqui defendido infere que uma democracia apenas pode ser verdadeiramente considerada como uma premissa governamental caso os cidadãos sejam tratados de forma equânime, com igual respeito e con-sideração, logicamente, sendo-lhes assegurada a desigualação, admitida como uma forma de manter o equilíbrio e a justiça na aplicação da norma jurídica.

Os direitos fundamentais, portanto, podem ser entendidos como “con-dições democráticas”, reconhecidos pela comunidade política sob a forma de princípios, sem os quais não há cidadania em sentido pleno, nem verdadeiro processo político deliberativo. Os direitos fundamentais tornam-se, antes, uma exigência mínima democrática, para, somente se necessário e a posterior, servi-rem de balizas limitadoras de outros direitos.

Referindo-se aos contornos do denominado ideal democrático do gover-no, exercido em nome do povo, ensina Gustavo Binenbojm que tal preceito seja atingido quando o princípio majoritário seja respeitado, de forma que, “nada obstante, o princípio majoritário não assegura o governo pelo povo senão quan-

10 Cittadino, 1999, p. 156.

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do todos os membros da comunidade são concebidos e igualmente respeitados como agentes morais independentes”11.

2 UM CONSENSO MíNIMO ÉTICO

Importante destaque jusfilosófico quanto ao pensamento nuclear que en-volve a relação entre os direitos fundamentais e democracia ocorre no movi-mento pós-positivista e se baseia na teoria do discurso e no procedimentalismo ético de Jurgen Habermas, por meio do qual se analisa a possibilidade de haver consensos morais materiais acerca de qual deve ser o conteúdo justo do Direito.

Em linha diversa do que se estabelece em Dworkin, Jurgen Habermas12 assenta que a formação democrática da vontade não subtrai a força legitimadora da “convergência preliminar em relação a convicções éticas consuetudinárias, mas sim de pressupostos comunicativos e procedimentos, os quais permitem que, durante o processo deliberativo, venham à tona os melhores argumentos”.

Por intermédio dessa perspectiva, os direitos fundamentais não são pro-duto de uma revelação transcendente – como o que ocorre na corrente jusnatu-ralista –, nem tampouco de princípios morais racionalmente endossados pelos cidadãos, mas consequência da decisão recíproca de cidadãos livres e iguais, que podem legitimamente regular suas vidas por intermédio do direito positivo.

Das relações apostas pela teoria do discurso e, ainda, tendo por base a democracia e os direitos fundamentais, Habermas assegura que

a ideia de autolegislação de cidadãos não pode, pois, ser deduzida da autolegis-lação moral de pessoas singulares. A autonomia tem que ser entendida de modo mais geral e neutro. Por isso introduzi um princípio do discurso, que é indiferente em relação à moral e ao Direito. Esse princípio deve assumir – pela via da insti-tucionalização jurídica – a figura de um princípio da democracia, o qual passa a conferir força legitimadora ao processo de normatização. A ideia básica é a seguinte: o princípio da democracia resulta da interligação que existe entre o princípio do discurso e a forma jurídica. Eu vejo esse entrelaçamento como uma gênese lógica de direitos, a qual pode ser reconstruída passo a passo. Ela come-ça com a aplicação do princípio do discurso ao direito a liberdades subjetivas de ação em geral – constitutivo para a forma jurídica enquanto tal – e termina quando acontece a institucionalização jurídica de condições para um exercício discursivo da autonomia privada, inicialmente abstrata, com a forma jurídica. Por isso, o princípio da democracia só pode aparecer como núcleo de um sistema de direitos. A gênese lógica desses direitos forma um processo circular, no qual o código do direito e o mecanismo para a produção de direito legítimo, portanto o princípio da democracia, se constituem de modo co-originário.13

11 Binenbojim, 2008, p. 55.12 Habermas, 2010, p. 345.13 Idem, p. 158.

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Decorrência lógica dessa análise realizada por Habermas faz-se ao ta-lante de levar a cabo, como essencial ao viés democrático de tais direitos, a substituição dos fundamentos moral e transcendental dos direitos individuais – próprios da tradição liberal – por um fundamento procedimental, extraído de sua teoria democrática. O princípio do discurso, elevado à condição de ideia--força da democracia, pressupõe uma igualdade entre os cidadãos, como pedra angular de um novo contrato social.

Paulo Ferreira da Cunha, em análise lapidar da questão, adverte que “a razão adquire o seu máximo expoente na comunicação plena, no pleno diálo-go; logo, para tal, há que ter sujeitos iguais, que para isso darão as mãos numa sociedade com direitos fundamentais”14, fazendo associar direitos fundamentais no entorno de valores mínimos de consenso social.

Ao se estabelecer um vértice no pórtico que une direitos fundamentais a um mínimo irredutível de valor ético, Habermas compatibiliza a soberania popular com os direitos humanos, tendo em vista que tais são admitidos como condições necessárias que tão somente possibilitam

o exercício da autonomia política; como condições possibilitadoras, eles não po-dem circunscrever a soberania do legislador, mesmo que estejam à sua disposi-ção. Condições possibilitadoras não impõem limitações àquilo que constituem.15

Independentemente de qual aporte teórico se eleja para tal fundamenta-ção, verificado está certo consenso hodierno acerca dos resultados aguardados quando se invoca a tutela dos direitos fundamentais em uma ordem democráti-ca, tendo, nestes, tanto um aspecto legitimador quanto elementos constitutivos do Estado Democrático de Direito, de onde se nota que suas influências vascu-larizam todas as instituições políticas e jurídicas sociais.

3 A QUESTÃO DA DIGNIDADE HUMANA EM UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA

Uma imensidade de degraus foi palmilhada até que se fizesse constar em um Texto Constitucional um abrangente e eficiente sistema de garantias. Este mecanismo está arraigado no bojo da Carta Política de 1988, de onde emite um feixe de princípios orientadores da aplicabilidade das regras constantes do ordenamento jurídico nacional visando à harmonia do Estado Democrático de Direito.

A harmonização das regras processuais ao núcleo desse sistema de ga-rantias16 representa, na prática, a efetivação dos princípios constitucionais em todos os níveis em que se trava a relação entre Estado e indivíduo. Destarte,

14 Cunha, 1996, p. 433.15 Habermas, 2010, p. 165.16 Ferrajoli, 2002, p. 683-687.

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cumpre-se a tão badalada adequação das regras constantes da norma jurídica infraconstitucional aos padrões normativos estabelecidos pela Constituição da República de 1988.

Esta Carta Política estabelece princípios e regras para a sistematização de qualquer atividade processual, repita-se, que deve pautar-se no sentido de que sejam respeitados os direitos fundamentais individuais17, sob o risco de ver-se anulada a prestação jurisdicional que não observar a mínima ordem garantista, núcleo do Estado Democrático de Direito.

Para tanto, a referida Carta Política, em seu frontispício, consagra como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil a “dignidade da pessoa humana”, preceito inerente ao ser humano, presente desde sua concepção, pos-tulado inato e reconhecido como essência e fundamento da sociedade, sem o qual, aliás, não se justificaria18. Talvez a grande problemática esteja na confor-mação do seu conteúdo.

Em primeira via, para fins de análise do presente ensaio, destaca-se que invocar o fundamento constitucional da dignidade humana pressupõe reconhe-cer a pessoa como ser humano diferenciado dos demais seres devido a sua ra-cionalidade e sociabilidade, devendo se desenvolver em meio apropriado para atender às suas necessidades.

É reconhecer-se na pessoa sua autodeterminação em relação ao Estado e a todos os outros seres. Daí a se enaltecer a dignidade humana como valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do ser humano, desde o direito à vida19.

Conceituar em toda sua extensão o princípio da dignidade da pessoa humana é missão tormentosa na qual se incorre no risco de fomentá-la com expressões de conteúdo subjetivamente indeterminado. A etimologia da palavra dignidade tem origem no remoto latim dignus20, que era utilizado para referir--se a todo indivíduo que fazia jus à estima, era honrado e, por consequência, merecedor de importância no meio em que vivia.

Concebido como categoria espiritual, o vocábulo pessoa assume impor-tância com o advento do Cristianismo21. Como herança de um dos insuperáveis mandamentos de Jesus Cristo, o vocábulo é utilizado para representar a ideia da unidade do ser humano22, este que passa a ser detentor de direitos fundamen-

17 Garcia, 2004, p. 140.18 Silva, 2008, p. 224.19 Miranda, 1990, p. 165-171.20 Moraes, 2003, p. 77-79.21 Nalini, 2008, p. 192.22 Araújo; Nunes Júnior, 2007, p. 119.

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tais23, criado à imagem e semelhança de Deus e que, em consequência desse pensamento, distanciava-se dos demais animais por possuir dignidade24. Dessa nova concepção do ser humano decorre o necessário reconhecimento de sua individualidade, contrastada com a necessidade social do Estado.

Da origem do princípio, assente em um valor de ordem moral, obser - va-se aos poucos a sua introdução nos ordenamentos constitucionais25, fazendo com que fosse aceito em uma dimensão jurídica como norma positivada, muito embora houvesse resistência em admiti-lo como um preceito estatal porque não cabia ao Estado imiscuir-se na vida do cidadão26.

Immanuel Kant vislumbrou o princípio como um imperativo categórico cujo valor na cultura dos povos beira a noção do absoluto. Defendia o filósofo que o ser humano tinha um valor peculiar, intrínseco, existente por si só, e, pelo fato de existir, já possuía dignidade. Asseverava, no entanto, que qualquer ten-tativa de excepcionar ou relativizar esse princípio seria infundada pela própria razão de ser deste, a qual se confundia com a existência humana.

Construiu-se, a partir de então, a noção de que o homem é um fim em si mesmo e não meio para os demais seres. Por conseguinte, é pessoa dotada de dignidade por sua racionalidade27. O ser humano nasce com o atributo da dig-nidade porque esta é parte essencial da personalidade e isso traduz, na prática, a obrigação genérica de respeito à liberdade individual, refletindo na aceitação da igualdade entre todos os integrantes da raça humana28.

Em síntese apertada, tem-se que do imperativo kantiano de que cada ho-mem é um fim em si mesmo infere-se que a dignidade da pessoa humana é um valor único29. Conforme aduzido, a Carta Política de 1988 estatui a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Bra-sil30, o centro de convergência de todos os direitos individuais.

Esse mandamento indica que a razão de ser do Estado é o ser humano, o indivíduo em toda a sua completude. Esse fato é comprovado também pela alu-são da temática referente aos direitos e garantias fundamentais estar posiciona-da antes da que faz referência à organização do Estado no Texto Constitucional, permitindo inferir-se nesse sentido.

23 Tobeñas, 1992, p. 38-41.24 Benda, 1996, p. 118-119.25 Nunes, 2002, p. 46-47.26 Reale, 1997, p. 3-4.27 Abbanano, 2003, p. 276.28 Queiroz, 2002, p. 17-19.29 Sarlet, 2001, p. 38-39.30 Tavares, 2007, p. 508.

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De antemão, cumpre destacar que o legislador constituinte na elabo-ração da Carta Política de 1988 fez uso de dois vocábulos distintos: direitos e garantias fundamentais, assegurando que os direitos possuem o caráter decla-ratório, ao passo que as garantias instrumentalizam tais direitos. Dessa forma, a inferir-se que os direitos fundamentais têm por fim a proteção da dignidade humana.

No Texto Constitucional de 1988, a positivação da dignidade da pessoa humana como um fundamento da República Federativa representa a elevação desse preceito à categoria de princípio maior do Estado brasileiro. Isso faz con-cluir que todos os demais direitos fundamentais lhe dão suporte e, por via oblí-qua, são considerados como valores fundamentais para que então assegurem a dignidade do ser humano31.

Corolário lógico dessa posição topográfica da dignidade é que toda atuação do Poder Público tem que ser avaliada tendo em vista sempre o respeito ao indivíduo, sob o risco de ser transgredida a dignidade da pessoa humana. Nesse diapasão é que se infere que a pessoa é o caro valor da democracia, o núcleo das atenções do Estado, este que deve agir comprometido em sustentar, sob quaisquer penas, a integridade do indivíduo.

A afirmação dos direitos específicos do homem é a consequência do preceito da dignidade da pessoa humana, esta que é o coração dos direitos fun-damentais. Situado no interior da Carta Política, esse princípio assume a função de fonte inspiradora positivada dos direitos basilares, atestando uma unidade de observância obrigatória ao sistema jurídico brasileiro32.

Estruturalmente, além de garantir a integração das normas jurídicas, o princípio da dignidade da pessoa humana assume duas outras importantes mis-sões no ordenamento jurídico, quais sejam: orientar a interpretação constitu-cional na aplicabilidade das normas jurídicas e servir de fundamento para a sustentação do próprio ordenamento nacional33.

As normas de direito fundamental, por sua alta posição na ordem jurídi-ca, são concebidas como balizas que vinculam a atuação do poder estatal e não podem ser modificadas por meio de processos legislativos comuns. Daí porque a interpretação e aplicação das demais normas constantes do ordenamento ju-rídico devem ser realizadas à luz do que estatuem as primeiras.

Do exposto aqui, nota-se que no Texto Constitucional a formulação do princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Fe-

31 Arnau, 1998, p. 49-50.32 Pérez Luño, 1990, p. 317-320.33 Martinez, 1996, p. 64-67.

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derativa do Brasil o faz ser apreendido com intocável magnitude dentro de seu limite intransponível, de natureza absoluta, portanto34.

No entanto, para a efetividade desse fundamento, há necessidade de que ele seja amparado por um sistema de direito com poder de coação, uma vez que o Estado tem por missão garantir a pessoa humana em sua inteireza, ressal-tando-se sempre que a dignidade decorre da própria existência do ser humano, é congênita deste35.

Ao se admitir a dignidade da pessoa humana como princípio maior, ab-soluto para o qual todos os demais princípios devem observância irrestrita e invariável, roga-se que as regras e princípios de um ordenamento jurídico sejam elaborados e aplicados para garantir o valor da pessoa, sua unicidade, sua au-todeterminação, sua afirmação frente ao Estado.

Entendendo pela inexistência de um princípio de valor absoluto na sis-temática jurídica – valor que fosse supremo aos demais –, Ingo Sarlet preceitua no sentido de que a dignidade da pessoa humana seja desdobrada em duas porções: uma como regra e outra como princípio36.

A implicância disso está na razão de que o adequado enquadramento da modulação dos efeitos pretendidos por uma norma que expresse um valor de direito fundamental, frente ao preceito da dignidade humana, depende di-retamente da vontade do intérprete da norma, de uma construção de sentido cultural e socialmente vinculada. Daí a admitir-se a ponderação da dignidade humana quando confrontada com os demais princípios, exigindo do intérprete a equalização e a extensão do sentido que deve prevalecer no caso concreto.

Por seu turno, e importante se faz o registro, a referência à natureza ab-soluta da dignidade da pessoa humana diz respeito à desnecessidade de haver qualquer inserção de cláusulas ou limitações em sua estrutura semântica. O que se afirma é que o referido princípio conta com uma série de fatores condi-cionantes que o faz anteceder todos os demais princípios e regras existentes no ordenamento jurídico, de forma que é possível observar em cada direito funda-mental um traço do princípio da dignidade da pessoa humana.

Em linhas gerais, partilhando da relativização do conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana, ou sua limitabilidade, nota-se que, mesmo que inexistisse sua positivação na ordem jurídica nacional, ainda assim, seria possível apreender seu sentido devido sua natureza absoluta a grassar sobre as demais regras e princípios existentes no ordenamento.

34 Piovesan, 1996, p. 59.35 Perelman, 1999, p. 400.36 Sarlet, 2001, p. 131-134.

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4 ASPECTOS DA TEORIA CONSTITUCIONAL DE DEMOCRACIA DELIBERATIVA

O desenvolvimento das teorias acerca dos direitos fundamentais e da democracia deliberativa alterou, sucessivamente na História da Civilização, a noção e a estrutura acerca do papel do Estado frente às liberdades individuais. A democracia deliberativa tem por uma de suas características mais importan-tes a de buscar conciliação entre as duas principais matrizes da teoria política moderna: a matriz político-liberal e a matriz democrática.

Claudio Pereira Souza Neto, ao analisar tais formulações, adverte que a tentativa de conciliar o liberalismo político com a democracia “não é uma constante nas reflexões sobre a política e o direito. [...] tanto no mundo dos fatos quanto no plano teórico, a soberania popular foi vista como uma ameaça a liberdade individual” 37.

A matriz político-liberal tem como objetivo precípuo o de garantir a li-berdade individual contra os eventuais abusos das autoridades estatais, onde, pode ser ressaltado, o liberalismo político como a garantia de direitos e das liberdades fundamentais. Nessa esteira, preleciona Norberto Bobbio que

o liberalismo é uma doutrina do Estado limitado tanto com respeito aos seus poderes quanto às suas funções. A noção corrente que serve para representar o primeiro é Estado de direito; a noção corrente para representar o segundo é Esta-do mínimo. Embora o liberalismo conceba o Estado tanto como Estado de direito quanto como Estado mínimo, pode ocorrer um Estado de direito que não seja mínimo (por exemplo, o Estado social contemporâneo) e pode-se também con-ceber um Estado mínimo que não seja um Estado de direito (tal como, a respeito da esfera econômica, o Leviatã hobbesiano, que é ao mesmo tempo absoluto no mais pleno sentido da palavra e liberal em economia).38

O liberalismo político surge em um contexto em que se passa a propug-nar pela limitação do Estado absolutista, caracterizado, fundamentalmente, pela centralização do poder político e pela monopolização da produção normativa. A democracia, por seu turno, preocupa-se não com a limitação do poder do Estado em favor das liberdades individuais, como ocorre no liberalismo, mas com a participação dos cidadãos no processo de tomada de decisões políticas. A vontade geral que é formada segundo preceitos da maioria

não é manifesta sob a forma de uma diktat imposto pela maioria a minoria, mas como resultado da influência mútua exercida pelos dois grupos, como resulta-do do embate de orientações políticas de suas vontades [...] De fato, todo o procedimento parlamentar, com sua técnica dialético-contraditória, baseada em discursos e réplicas, em argumentos e contra-argumentos, tende a chegar a um

37 Neto, 2006, p. 19.38 Bobbio, 1994, p. 17.

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compromisso. Este é o verdadeiro significado do princípio da maioria na demo-cracia real.39

A democracia deliberativa surge como forma de oposição às teorias de liberdade positiva e negativa, como forma de conciliar essas duas tradições em que está baseado o pensamento político moderno, e o faz de modo a sustentar a sua co-originalidade. Ensina Claudio Pereira de Souza Neto que “o estado de direito é entendido como condição de possibilidade da democracia. Sem liber-dade de expressão, sem liberdade de pensamento, sem garantia do pluralismo político, não há democracia”40.

Estes são direitos fundamentais que exercem uma função imediata no processo deliberativo democrático. A noção de Estado de direito de que se vale a democracia deliberativa não se restringe à concepção liberal clássica, mas incorpora também as expectativas igualitárias que tradicionalmente têm sido vinculadas ao Estado social, onde esta igualdade material razoável é uma con-dição fundamental para a efetivação do Estado Democrático de Direito.

A democracia deliberativa pressupõe a igualdade de “possibilidades” de participação política, em que, sob o prisma formal, já foi consolidado como elemento inquestionável da estrutura institucional das democracias constitu-cionais. Nisso reside um grande viés crítico pelo fato de que a democracia tem se limitado ao reconhecimento, por meio da norma jurídica, de determinados parâmetros da feição democrática do Estado sem que tal reconhecimento legal tenha resultado na conformação de sociedades que sejam verdadeiramente de-mocráticas.

A igualdade requerida pela democracia deliberativa, tal qual ocorre com a liberdade, também deve ser entendida como aquela necessária à instauração de um contexto propício para a interação cooperativa, com a distribuição justa dos recursos sociais. Só há deliberação sobre o bem comum se os participantes do processo político perceberem que, para além das diferenças, existe também um “nós”, porque todos têm interesse na manutenção da estabilidade demo-crática.

A igualdade econômica razoável torna-se requisito fundamental para que, em um contexto de pluralismo, todos (grupos e indivíduos) se vejam mo-tivados a cooperar no processo político democrático, compreendendo o ou-tro com quem se dialoga como um parceiro na empreitada democrática e não como um inimigo que se busca eliminar.

39 Kelsen, 2000, p. 69-70.40 Neto, 2006, p. 57.

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Esse ponto de vista é compartilhado por Herman Heller41, que pontua como o Estado democrático se caracteriza por meio de uma unidade na multi-plicidade de opiniões, sendo que “um certo grau de homogeneidade econômi-ca deve ser garantido justamente para possibilitar essa unidade, já que é capaz de gerar uma consciência de sentimento do ‘nós’, uma vontade comunitária que se atualiza”.

Há de se perceber que a linha caracterizadora da democracia não é o fato de haver uma discussão pública, mas, sim, a existência de um fundamento comum, de uma pauta mínima, adotada para a discussão social acerca dos valores que devem nortear a norma jurídica. Aduz-se aqui importante ensina-mento de que “o remédio jurídico é aplicação da justiça (norma legal) com equidade, por ser essencialmente justo, mas não o justo segundo a norma legal, mas como um corretivo da justiça (norma legal)42”.

O modelo deliberativo implica não só a igualdade no que tange ao aces-so ao procedimento democrático, mas, também, a igualdade quanto à capaci-dade de exercer a real influência na vida política, estando diretamente atrelada à ideia da capacidade igual de participar publicamente, com reais possibilida-des de alterar os rumos decisórios do Estado.

Para Nancy Fraser43, a inclusão exibe, “além da dimensão econômica, também uma dimensão cultural. Por isso as políticas inclusivas englobam não só redistribuição de recursos, mas também reconhecimento das diferenças”. O reconhecimento em conjunto com a redistribuição é fundamental para instau-rar um contexto de igualdade de capacidades para atuar em público. Em geral, enquanto a redistribuição é a solução adequada para as diferenças econômicas, o reconhecimento o é para as desigualdades de gênero e etnia.

A teoria constitucional de democracia deliberativa pretende “reconstruir” a normatividade constitucional em vigor, fornecendo-lhe “coerência” e “integri-dade”. Desta forma, tal teoria é, ao mesmo tempo, descritiva e racionalizadora. Descritiva por entender que não seja mais viável, em face do fato de o pluralis-mo sustentar metafisicamente um sistema de princípios. Racionalizadora por-que, ao buscar reconstruir as tradições políticas que de fato informam ao núcleo material da Constituição, consubstancia-se em princípios que são objeto de um “consenso” entre as diversas doutrinas abrangentes razoáveis.

Ao destaque da influência exercida pela real dimensão da democracia deliberativa, tem-se que

41 Heller, 2001, p. 205 apud Neto, 2006, p. 168.42 Aristóteles, 1999, p. 109.43 Fraser, 2001, p. 245.

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a compreensão da constituição só ganha sentido teórico-prático quando referida a uma situação constitucional concreta, historicamente existente num determina-do país, i.e., uma teoria da constituição, se quiser ser de alguma utilidade para a metodologia geral do direito constitucional, deve revelar-se como uma teoria da constituição constitucionalmente adequada.44

Os elementos nucleares da democracia deliberativa surgem do processo de desenvolvimento de seus principais ideais, a começar pela “racional-norma-tiva”, que preponderou durante o constitucionalismo clássico, que tinha como preocupação principal estabelecer limites à atividade estatal, cuja formulação mais conhecida está presente na Declaração dos Direitos do Homem e do Ci-dadão.

A crise desse modelo clássico surge da relativização histórica do con-teúdo constitucional e da elisão da justificação normativa, o que fez surgir inú-meras teorias da constituição, tanto de cunho formal-normativo quanto político--sociológico. A teoria formal-normativa de Kelsen apresenta-se como exemplo do corolário de sua cruzada para “purificar a ciência do Direito de qualquer reflexão de caráter sociológico, psicológico ou político”45.

O “reconstrutivismo” é a via seguida pela democracia deliberativa para superar o conflito entre a perspectiva descritiva e a prescritiva, cuja função é for-necer coerência ao sistema constitucional, e não de uma tentativa de identificar os princípios intrinsecamente válidos, como ocorria na antiga teoria racional--normativa, nem, tampouco, de uma descrição acrítica do direito constitucional positivo, como se dava na teoria positivista da constituição.

Em visão semelhante, ensina Ricardo Lobo Torres que “a constituição da democracia deliberativa pode ser entendida como uma constituição complexa, resultante da interação entre a constituição ideal e a constituição histórica”46.

Para a democracia deliberativa, a teoria constitucional não pode servir de álibi para que o intérprete deixe de aplicar os ditames constitucionais, conside-rando os fundamentos que alicerçam a República Federativa. A função do apli-cador da norma, ao contrário, é a de apenas nortear a atividade interpretativa, a qual deve se dar a partir e nos limites do Texto Constitucional. É nesse contexto que se entende a democracia deliberativa.

Os fundamentos que servem de substrato para a democracia deliberativa indicam-na como um sistema aberto, cuja inferência se opera pelo repositó-rio das tradições políticas que suportam o Estado Democrático de Direito. Ao compreendê-la dessa forma, se aceita a cooperação livre e isonômica de todos

44 Canotilho, 1994, p. 79 e 154.45 Kelsen, 1998, p. 1/5.46 Torres, 2002, p. 23/25.

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os indivíduos integrantes da sociedade, em uma determinada época de sua his-tória e desenvolvimento.

Portanto, em contexto apertado, é plausível verificar-se que o núcleo da democracia deliberativa consiste na aferição de igualdade material, não só eco-nômica, mas também a capacidade de atuar publicamente, fomentando-se a inclusão de todos por meio do reconhecimento das diferenças, o que gerou uma transformação da teoria constitucional, exigindo para sua legitimação uma reconstrução democrática, discursiva e coerente, a fim de se garantir a eficácia dos direitos fundamentais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No pórtico do vertente trabalho, se analisam as decorrências de alguns aspectos de interpretação da norma jurídica, tendo em vista a questão dos direi-tos fundamentais tomados à luz do que se entende por democracia deliberativa. Tal pretensão tem se mostrado uma tarefa escarpada ao longo do desenvol-vimento da civilização humana, tendo esse desafio fomentado uma profunda reflexão em várias linhas do pensamento jusfilosófico.

A importância desse debate aqui trazido se mostra atual no sentido de se notar que a mais alta Corte de Justiça brasileira tem se expressado com veemên-cia nestes últimos tempos, no sentido de acolher teses garantidoras da aplicação de direitos fundamentais, em sentido amplo, alterando inclusive conceitos e naturezas jurídicas de institutos albergados na Carta Política vigente, ao mesmo tempo em que encontra, em certos momentos, grandes dificuldades em estabe-lecer o que seja, então, um patamar mínimo aceito para citados direitos.

Mostra-se, no presente ensaio, que essa tônica atravessa a história e de-safia não somente o aplicador do Direito, como desperta grande interesse em outras áreas do conhecimento – como a filosofia – e da fé. O vértice de toda a discussão parece convergir para o indivíduo. A ele destinam-se a norma e seus efeitos. Como lidar com um Estado que transgride e avança os quadrantes de respeito ao indivíduo?

A resposta está na convenção coletiva que se estabelece dentro de um pacto social, concebido e plasmado em valores propostos na valorização e pro-moção de direitos fundamentais mínimos, associados a garantias que possam assegurá-los em caso de lesão ou ameaça.

Daí a se ressaltar a dignidade da pessoa humana como um fundamento republicano, pilastra central de todo o ordenamento jurídico e de onde se irra-diam luzes para que sejam elaborados e aceitos princípios e normas de direi-to. Qualquer atividade estatal tem nesse preceito seu ponto de arranque e de

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chegada. Demonstra-se aqui que estabelecer os contornos desse mandamento fundamental torna-se o grande desafio para o aplicador da norma de direito.

Os direitos fundamentais são concebidos na órbita do valor da dignidade humana. Não poderia ser diferente. O Estado não pode agir sem limites e freios, seja qual for o seu campo de ação. Na questão específica da atividade de inter-pretação da norma de direito, cabe ao julgador sopesar valores fundamentais estampados na Carta Constitucional para efetivar o comando jurídico expresso através da norma a ser aplicada.

A Carta Política de 1988 albergou em seu conteúdo um feixe de prin-cípios fundamentais, inspirados na altivez de propósitos que libertaram o ser humano de toda dominação e escravidão, ao longo de sua existência. Isso fez convergir para um modelo de sistema constitucional pautado em uma ordem garantidora de direitos individuais fundamentais, cravados nesse diploma que passe para a história como a Carta Política Cidadã.

Ainda que se tenha esse sistema garantidor constitucional, há que se res-saltar que a norma de direito, embora concebida por meio de um processo legislativo democrático, carece de um procedimento de aferição e modulação dos seus efeitos, tendo em vista o caso prático. Daí a importante e árdua tarefa do julgador, operador do direito, ator social responsável por dar fôlego de vida à, até então, letra da lei.

Ao aplicar o comando da norma de direito ao caso prático, o julgador pode fazer efetivar restrições a direitos fundamentais. Nesse segundo campo aqui avaliado, busca-se assentar algumas premissas essenciais para essa tarefa de interpretação da norma jurídica, tendo por base um sistema constitucional de direitos fundamentais.

Daí a se invocar a teoria constitucional da democracia deliberativa como um dos possíveis instrumentos hábeis para se aferir em que condições é que da atividade estatal possa se produzir resultados satisfatórios e justos, reduzindo--se os efeitos de uma exclusão social gerada constantemente por violação de direitos fundamentais.

No contexto de um determinado direito material, a efetividade da norma pode ser expressa por intermédio da isonomia e da paridade entre as partes, ga-rantia de que a aplicação da norma pelo julgador depende tão somente do mé-rito jurídico das partes, sem haver conexões com diferenças que sejam alheias aos direitos individuais postos, estranhas ao que se analisa, portanto.

Ao se sustentar neste trabalho a ideia de invocar a democracia deliberati-va como lastro seguro para provocar uma atividade interpretativa da norma ju-rídica com maior equidade, minimizando-se as violações a direitos fundamen-tais, quer-se que seja compreendido que os ideais da democracia deliberativa

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não fiquem em um plano abstrato, mas que sejam efetivamente uma realidade. A participação cívica na formação dos valores do Estado é a base para o acesso à justiça e para o combate das liberdades negativas.

Do aporte jusfilosófico aposto no vertente trabalho, resta claro que so-mente é possível atingir um nível de justiça na interpretação da norma de direi-to, se houver uma real compreensão do conteúdo expresso pela equidade. Uma das funções aguardadas do aplicador da norma é a de nortear sua atividade interpretativa à luz dos preceitos fundamentais advindos da ordem garantista constitucional.

A interpretação da norma deve abstrair conteúdos que sejam estranhos aos valores expressos pelos direitos fundamentais, cujo conteúdo central se faz pela dignidade da pessoa humana. E isso se faz possível somente se o aplicador da norma, operador do direito, eleger a equidade como valor caro à democra-cia, rumo inafastável por onde deve seguir a esteira da justiça.

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Parte Geral – Jurisprudência

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Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoApelação Cível nº 0050210‑50.2014.4.01.9199/MTProcesso Orig.: 0001313‑24.2002.8.11.0008Relator: Juiz Federal Rafael Paulo Soares Pinto (Conv.)Apelante: Fazenda NacionalProcurador: Cristina Luisa HedlerApelado: Marli Natalina NocaAdvogado: Michele Juliana Noca e outro(a)

ementA

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – REMISSÃO DA LEI Nº 11.941/2009 (R$ 10.000,00) – PRONUNCIAMENTO DE OFíCIO – IMPOSSIBILIDADE – JURISPRUDÊNCIA DO STJ

1. Consoante se extrai do acórdão do REsp 1208935/AM, julgado em 02.05.2011 pelo STJ sob o regime do art. 543-C do CPC, a remissão prevista no art. 14 da Lei nº 11.941/2009 deve ser considerada pela tota-lidade dos débitos do sujeito passivo, não pelo valor isolado de cada Exe-cução Fiscal: “Não pode o magistrado, de ofício, pronunciar a remissão, analisando isoladamente o valor cobrado em uma Execução Fiscal, sem questionar a Fazenda sobre a existência de outros débitos que somados impediriam o contribuinte de gozar do benefício.”

2. Apelação provida.

3. Peças liberadas pelo Relator, em Brasília, 21 de outubro de 2014. para publicação do acórdão.

Acórdão

Decide a 7ª Turma dar provimento à apelação por unanimidade.

7ª Turma do TRF 1ª Região.

Brasília, 21 de outubro de 2014.

Juiz Federal Rafael Paulo Soares Pinto Relator

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116 ����������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 61 – Jan-Fev/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

relAtórIo

Exmo. Sr. Juiz Federal Rafael Paulo Soares Pinto (Relator):

A FN apela da sentença que extinguiu a EF porque o débito cobrado foi remitido pelo art. 14 da Lei nº 11.941/2009.

Alega que o valor consolidado ultrapassa R$ 10.000,00.

É o relatório.

voto

O STJ, em julgamento sob o rito do art. 543-C do CPC, entendeu que a remissão prevista no art. 14 da Lei nº 11.941/2009 deve ser considerada pela totalidade dos débitos do sujeito passivo:

“TRIBUTÁRIO – RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ART. 543-C, § 1º, DO CPC) – ART. 14, DA LEI Nº 11.941/2009 – REMISSÃO – IMPOSSIBILIDADE DE PRONUNCIAMENTO DE OFÍCIO PELO MAGISTRADO – LIMITE DE R$ 10.000,00 CONSIDERADO POR SUJEITO PASSIVO, E NÃO POR DÉBITO ISOLADO

1. A Lei nº 11.941/2008 remite os débitos para com a Fazenda Nacional vencidos há cinco anos ou mais cujo valor total consolidado seja igual ou inferior a 10 mil reais.

2. O valor-limite acima referido deve ser considerado por sujeito passivo, e sepa-radamente apenas em relação à natureza dos créditos, nos termos dos incisos I a IV do art. 14. Traduzindo de forma didática, foram concedidas quatro remissões distintas que ficaram assim estabelecidas:

2.1 Remissão para todos os débitos de um mesmo sujeito passivo, vencidos a cinco anos ou mais em 31 de dezembro de 2007, somente quando o somatório de todos atinja valor igual ou inferior a R$ 10.000,00, considerando-se apenas os débitos decorrentes das contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei nº 8.212, de 1991, das contribuições instituídas a título de substituição e das contribuições devidas a terceiros, assim entendi-das outras entidades e fundos, inscritos em Dívida Ativa da União no âmbito da PGFN;

2.2 Remissão para todos os débitos de um mesmo sujeito passivo, vencidos a cinco anos ou mais em 31 de dezembro de 2007, somente quando o somatório de todos atinja valor igual ou inferior a R$ 10.000,00, considerando-se apenas os débitos inscritos em Dívida Ativa da União, no âmbito da PGFN que não aqueles elencados em “2.1”;

[...]

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DPU Nº 61 – Jan-Fev/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������117

3. Não pode o magistrado, de ofício, pronunciar a remissão, analisando isolada-mente o valor cobrado em uma Execução Fiscal, sem questionar a Fazenda sobre a existência de outros débitos que somados impediriam o contribuinte de gozar do benefício. Precedente: REsp 1.207.095/MG, 2ª T., Rel. Min. Herman Benja-min, Julgado em 18.11.2010.

4. Superado o precedente em sentido contrário (REsp 1.179.872/MT, 2ª T., Relª Min. Eliana Calmon, DJe de 22.06.2010).

5. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, e da Resolução STJ nº 8/2008.”

(STJ, REsp 1208935/AM, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, S1, DJe 02.05.2011)

Pelo exposto, dou provimento à apelação.

É como voto.

Juiz Federal Rafael Paulo Soares Pinto Relator

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Parte Geral – Jurisprudência

2852

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoIV – Apelação/Reexame Necessário nº 5659432011.51.01.017770‑6Nº CNJ: 0017770‑51.2011.4.02.5101Relator: Desembargador Federal Guilherme DiefenthaelerJuíza Federal Convocada Maria Amélia Almeida Senos de CarvalhoApelante: União FederalApelado: Areal Telurio Ltda.Advogado: Priscila Ferreira da Silva e outroRemetente: Juízo Federal da 4ª Vara/RJOrigem: Quarta Vara Federal do Rio de Janeiro (201151010177706)Juiz Federal Substituto Marcello Enes Figueira

ementA

ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – AMBIENTAL – IBAMA – SANÇÃO ADMINISTRATIVA – SUSPENSÃO DAS ATIVIDADES – AUSÊNCIA DO CONTRADITÓRIO – APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDAS

1. Trata-se de Remessa Necessária e Apelação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama contra sen-tença que concedeu a ordem pleiteada no presente Mandado de Segu-rança com pedido de liminar, visando à retirada do lacre de seu estabe-lecimento comercial e o retorno de suas atividades.

2. Compete à União e aos órgãos ambientais, no exercício de seu Poder de Polícia, o dever de fiscalização da atividade de extração de areia, intervindo na atividade individual em prol de um interesse coletivo e podendo aplicar sanções administrativas, tais como a multa, interdição de atividade, demolição de construção, entre outras.

3. O exercício do Poder de Polícia não pode ir em confronto com os di-reitos fundamentais do fiscalizado, devendo a aplicação dos instrumentos repressivos observar o Princípio do Devido Processo Legal, Contraditório e da Ampla Defesa, não ultrapassando os limites do seu dever de agir.

4. O lacre do estabelecimento não é medida acautelatória, mas sim es-pécie de pena restritiva de direitos, conforme se verifica na redação dos arts. 21 e 22, II, da Lei nº 9.605/1998, sendo indispensável a garantida do direito de ampla defesa e do contraditório para sua aplicação, consoante disposição do § 4º do art. 70 da referida lei.

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DPU Nº 61 – Jan-Fev/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������119

5. Essencial a prévia manifestação do interessado antes da aplicação da sanção imposta, uma vez que a atuação da Autoridade se submete ao Devido Processo Legal, sendo de rigor a cassação do ato que lacrou a sede, bem como a liberação para o exercício de suas atividades.

6. Apelação e Remessa Necessária desprovidas.

Acórdão

Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas:

Decide a Oitava Turma Especializada do Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, em conhecer e negar provimento ao recurso e à Remessa Necessária, nos termos do voto da Relatora, constante dos autos e que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, de de 2014.

Maria Amélia Almeida Senos de Carvalho, Juíza Federal Convocada

relAtórIo

Trata-se de Remessa Necessária e Apelação Cível interposta pela União contra sentença de fls. 261/264, que concedeu a segurança requerida nos autos do presente Mandado de Segurança impetrado por Areal Telúrio Ltda., determinou que a Apelante retirasse o lacre colocado na sede da Impetrante, permitindo-lhe o exercício de suas atividades, ressalvada a existência de deci-são em sentido contrário proferida pela autoridade judicial ou administrativa competente.

Em suas razões recursais, às fls. 269/274, a Apelante alegou que à empre-sa foi aplicada medida acautelatória de interdição e paralisação das atividades pela constatação de ato ilegal, em operação realizada em conjunto pela Polícia Federal, o Batalhão de Polícia Florestal e pelo Inea. Disse que a situação de emergência/risco iminente verificada justificou a adoção de providências acau-teladoras, sem a prévia manifestação do interessado, ante o flagrante de dano ambiental e outros ilícitos perpetrados pela Impetrante. Discorreu sobre o poder de polícia da polícia federal.

Contrarrazões às fls. 281/286.

Parecer do Ministério Público Federal opinando pelo desprovimento do recurso, conforme fls. 09/10 dos autos físicos.

É o relatório. Peço dia para julgamento.

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120 ����������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 61 – Jan-Fev/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

voto

A Exma. Juíza Federal Convocada Maria Amélia Almeida Senos de Carvalho:

Conheço da Remessa e do Recurso, eis que presentes os requisitos de admissibilidade.

Trata-se de Remessa Necessária e Apelação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama contra sentença que concedeu a ordem pleiteada no presente Mandado de Segurança com pe-dido de liminar, visando à retirada do lacre de seu estabelecimento comercial e o retorno de suas atividades.

O Ibama fundamenta a legalidade de sua conduta, em síntese, no Poder de Polícia a ele inerente, bem como sustenta a dispensa do contraditório no fato de terem sido aplicadas tão somente providências acautelatórias.

Como se sabe, compete à União e aos órgãos ambientais, no exercício de seu Poder de Polícia, o dever de fiscalização da atividade de extração de areia, intervindo na atividade individual em prol de um interesse coletivo e podendo aplicar sanções administrativas, tais como a multa, interdição de atividade, de-molição de construção, entre outras.

Todavia, esse exercício não pode ir em confronto com os direitos funda-mentais do fiscalizado, devendo a aplicação dos instrumentos repressivos ob-servar o Princípio do Devido Processo Legal, Contraditório e da Ampla Defesa, não ultrapassando os limites do seu dever de agir.

Diversamente do sustentado, o lacre do estabelecimento não é medida acautelatória, mas sim espécie de pena restritiva de direitos, conforme se veri-fica na redação dos arts. 21 e 22, II, da Lei nº 9.605/1998, sendo indispensável a garantia do direito de ampla defesa e do contraditório para sua aplicação, consoante disposição do § 4º do art. 70 da referida lei.

“Art. 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são:

I – multa;

II – restritivas de direitos;

III – prestação de serviços à comunidade.

Art. 22. As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são:

I – suspensão parcial ou total de atividades;

II – interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;

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DPU Nº 61 – Jan-Fev/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������121

III – proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.

[...]

Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.

[...]

§ 4º As infrações ambientais são apuradas em processo administrativo próprio, assegurado o direito de ampla defesa e o contraditório, observadas as disposições desta Lei.”

Assim, é essencial a prévia manifestação do interessado antes da aplica-ção da sanção imposta, uma vez que a atuação da Autoridade se submete ao Devido Processo Legal, sendo de rigor a cassação do ato que lacrou a sede, bem como a liberação para o exercício de suas atividades.

Ainda, cumpre salientar que, de acordo com a documentação probató-ria acostada às fls. 22/30, a empresa Apelada encontra-se em situação regular, possuindo válida licença, emitida pelo Órgão Ambiental competente, para o exercício de sua atividade.

Diante do exposto, conheço e nego provimento ao apelo do Ibama e à remessa necessária, mantendo na íntegra a sentença guerreada.

É como voto.

Maria Amélia Almeida Senos de Carvalho, Juíza Federal Convocada

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Parte Geral – Jurisprudência

2853

Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoDE publicado em 30.06.2014Agravo Legal em Apelação Cível nº 0001601‑80.2009.4.03.9999/SP2009.03.99.001601‑9/SPRelatora: Desembargadora Federal Therezinha CazertaApelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: SP008708 Roberto de Lima CamposSP000030 Hermes Arrais AlencarApelado(a): Maria de Lourdes SouzaAdvogado: SP066301 Pedro Ortiz JuniorAgravada: Decisão de folhasNº Orig.: 08.00.00050‑8 1ª Vr. Cardoso/SP

ementA

PROCESSO CIVIL – AGRAVO LEGAL – PREVIDENCIÁRIO – APOSENTADORIA POR IDADE – PESCADORA – EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE PESQUEIRA – IMPOS-SIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFíCIO

A atividade pesqueira, a exemplo da rural, rural deve ser comprovada por meio de início razoável de prova material aliada à prova testemunhal.

A prova oral produzida, inconsistente, é insuficiente para ensejar a con-cessão do benefício vindicado.

Agravo legal a que se nega provimento.

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 09 de junho de 2014.

Therezinha Cazerta Desembargadora Federal Relatora

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DPU Nº 61 – Jan-Fev/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������123

relAtórIo

A Senhora Desembargadora Federal Therezinha Cazerta (Relatora):

Cuida-se de agravo interposto pela autora contra decisão que, com fun-damento no art. 557, § 1º-A, do CPC, deu provimento à apelação do INSS, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido.

Aduz, a agravante, fazer jus ao benefício pleiteado, pois preencheu os requisitos necessários à sua concessão.

Requer a retratação da decisão para que seja julgado procedente o pedi-do ou, caso mantida, seja o feito levado em mesa para julgamento.

É o relatório.

voto

A Senhora Desembargadora Federal Therezinha Cazerta (Relatora):

Corolário do princípio da celeridade processual, os poderes conferidos ao relator, pelo art. 557, do Código de Processo Civil, permitem o julgamento singular do próprio mérito do recurso, in verbis:

“Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência do-minante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

§ 1º-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.”

In casu, cuida-se de agravo interposto pela autora contra decisão que, com fundamento no art. 557, §1º-A, do CPC, deu provimento à apelação do INSS, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido.

Às fls. 128-129, assim foi decidido:

“Demanda objetivando a concessão de aposentadoria por idade a trabalhadora rural.

O juízo a quo julgou procedente o pedido.

Apelou, o INSS, pleiteando a reforma integral da sentença.

A autora, por sua vez, interpôs recurso adesivo, visando a modificação do termo inicial do benefício.

Com contrarrazões.

É o relatório.

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124 ����������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 61 – Jan-Fev/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Decido.

O benefício de aposentadoria por idade ao trabalhador rural encontra-se discipli-nado nos arts. 39, inciso I, 48 e 143, da Lei nº 8.213/1991.

Além do requisito etário, deve-se comprovar o exercício de atividade rural, mes-mo que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do be-nefício, em número de meses idêntico à carência do benefício.

A norma citada deve ser analisada em consonância com o art. 142, que assim dispõe:

‘Art. 142. Para o segurado inscrito na Previdência Social urbana até 24 de ju-lho de 1991, bem como para o trabalhador e empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá a seguinte tabela, levando-se em conta o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício. [...].’

Não se exige, do trabalhador rural, o cumprimento de carência, como dever de verter contribuição por determinado número de meses, senão a comprovação do exercício laboral durante o período respectivo.

Ressalte-se, por fim, que a atividade de pescador profissional era enquadrada pela Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960 (LOPS – Leis Orgânica da Previdência Social), no seu art. 4º, letra d, e art. 5º, inciso V, que o define como trabalhador autônomo, sujeitando-se, portanto, ao recolhimento das contribuições sindicais.

Conforme classificação da Secretaria Especial da Agricultura e Pesca – SEAP, o pescador profissional é ‘aquele que faz da pesca sua profissão ou meio principal de vida, podendo atuar no setor pesqueiro artesanal ou industrial: o pescador profissional na pesca artesanal, que é aquele que, com meios de produção pró-prios, exerce sua atividade de forma autônoma, individualmente ou em regime de economia familiar ou, ainda, com auxilio eventual de outros parceiros, sem vínculo empregatício; e o pescador profissional na pesca industrial, sendo aquele que, com vínculo empregatício, exerce atividades relacionadas com a captura, coleta ou extração de recursos pesqueiros em embarcações pesqueiras de pro-priedade de pessoas físicas ou jurídicas inscritas no RGP na categoria de Armador de Pesca ou Indústria Pesqueira’ (Fonte: http://www.planalto.gov.br/seap/).

A Lei nº 8.213/1991, em seu art. 11, inciso VII, considera segurados especiais o pescador artesanal e assemelhados, o que resulta na dispensa de comprovação do recolhimento das contribuições sociais para efeito de concessão de aposen-tadoria por idade, e para efeito de contagem de tempo de serviço, mas não para cômputo da carência.

O Decreto nº 3.048, de 06.05.1999, que regulamentou a Lei nº 8.213/1991, em seu art. 9º, inciso VII, § 14, define o pescador artesanal da seguinte forma: ‘Considera-se pescador artesanal aquele que, individualmente ou em regime de economia familiar, faz da pesca sua profissão habitual ou meio principal de vida, desde que: I – não utilize embarcação; II – utilize embarcação de até seis tone-

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DPU Nº 61 – Jan-Fev/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������125

ladas de arqueação bruta, ainda que com auxílio de parceiro; III – na condição, exclusivamente, de parceiro outorgado, utilize embarcação de até dez toneladas de arqueação bruta.’

Passando à análise do presente feito, conforme entendimento da 8ª Turma, sufi-ciente a comprovação do efetivo exercício de atividade rural, mesmo que des-contínua, no período imediatamente anterior ao implemento etário, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefí-cio pleiteado, conforme interpretação dos supramencionados artigos.

A autora completou a idade mínima em 03.03.2000, devendo comprovar o exer-cício de atividade rural por 114 meses.

Nos termos da Súmula de nº 149 do Superior Tribunal de Justiça, é necessário que a prova testemunhal venha acompanhada de, pelo menos, um início razoá-vel de prova documental, in verbis:

‘A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário.’

A autora juntou, dentre outros, os seguintes documentos:

– carteiras de pescador profissional em nome da autora, emitida em 26.09.2005, constando, como primeiro registro, 29.08.2002;

– declaração de exercício de atividade rural, emitida pela Colônia de Pescadores Z-26, em 13.11.2007, em que a autora está qualificada como pescadora;

– ficha de admissão da autora na Colônia de Pescadores Z-26, localizada em Indiaporã/SP.

Tais documentos constituem início de prova material.

Ocorre, todavia, que as testemunhas ouvidas em audiência não foram aptas a comprovar a atividade pesqueira pelo período exigido em lei, na medida em que se limitaram a informar, de maneira demasiadamente vaga e imprecisa, que conheciam a autora há cinco anos e que sabiam, através de relato da própria interessada, que ela sempre desempenhou citada atividade, juntamente com o seu companheiro.

Dessa forma, embora os documentos juntados qualifiquem a autora como pesca-dora, constituindo início de prova material do exercício da atividade rural, não são suficientes à concessão do benefício vindicado, eis que não corroborados pela prova testemunhal.

Nesse sentido, colhe-se o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça:

‘PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ADMITIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL – TRABALHADOR RURAL – APOSENTADORIA POR IDADE – INÍCIO DE PROVA MATERIAL NÃO COR-ROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL – IMPOSSIBILIDADE – AGRA-VO REGIMENTAL IMPROVIDO

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126 ����������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 61 – Jan-Fev/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

[...]

2. A matéria dos autos não comporta maiores discussões no âmbito da Ter-ceira Seção deste Superior Tribunal, havendo entendimento dominante no sentido de que, na ausência de depoimentos testemunhais idôneos a comple-mentar o início de prova material, não há como reconhecer o direito da parte autora à concessão da aposentadoria por idade.

3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento.’

(AgRg-REsp 796.464/PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJU de 24.04.2006)

De rigor, portanto, a reforma da sentença.

Diante da concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, não se justifica a condenação da autora ao pagamento da verba honorária e cus-tas processuais, consoante entendimento firmado pela 3ª Seção desta Corte (AR 2002.03.00.014510-0/SP, Relª Desª Fed. Marisa Santos, v.u., J. 10.05.2006; AR 96.03.088643-2/SP, Relª Desª Fed. Vera Jucovsky, v.u., J. 24.05.2006).

Posto isso, nos termos do art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil, dou pro-vimento à apelação, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido. Julgo prejudicado o recurso adesivo da autora.”

Conforme exposto, a prova oral produzida, insuficiente, não corroborou o início de prova material acostado, impossibilitando a concessão do benefício.

Ante o exposto, mantendo as razões da decisão supra, nego provimento ao agravo interposto com fulcro no art. 557, § 1º, do Código de Processo Civil.

É o voto.

Therezinha Cazerta Desembargadora Federal Relatora

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Parte Geral – Jurisprudência

2854

Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoApelação Criminal nº 0001651‑93.2007.404.7010/PRRelatora: Desª Federal Claudia Cristina CristofaniApelante: Ministério Público FederalApelado: Andreia de Sousa MartinsAdvogado: Antonio Tarcisio Matte e outro

ementA

PENAL E PROCESSUAL – DESCAMINHO – ART. 334 DO CP – PRINCíPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – APLICABILIDADE – ENTENDIMENTO DO STF

1. Consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal, só há justa causa para processar e julgar acusado pela prática de descaminho quan-do o total dos impostos sonegados for superior ao parâmetro legalmente instituído na esfera administrativa que, atualmente, encontra-se no pa-tamar de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), conforme a Portaria nº 75 do Ministério da Fazenda.

2. Havendo posicionamento favorável do Supremo Tribunal Federal, além de possibilidade de que recurso da parte obtenha perante aquela Corte solução definitiva em seu favor, não há como não aplicar tal solu-ção desde já.

3. Observância dos princípios da segurança jurídica, da isonomia, e da celeridade processual.

4. Concedido habeas corpus de ofício para trancar a ação penal, em ra-zão da aplicabilidade do princípio da insignificância.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima in-dicadas, decide a Sétima Turma do Tribunal Federal da 4ª Região, por maioria, conceder, de ofício, ordem de habeas corpus, restando prejudicado o exame do apelo nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que integram o presente julgado.

Porto Alegre, 16 de setembro de 2014.

Cláudia Cristina Cristofani Relatora

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128 ����������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 61 – Jan-Fev/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

relAtórIo

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia (fls. 04/07) em desfavor de Silvia Périgo dos Santos e Andreia de Sousa Martins, dando-as como incursas nas sanções do art. 334, caput, c/c art. 29, ambos do Código Penal, pelos fatos assim descritos:

No dia 19 de setembro de 2007, por volta das 12h40min, na Rodovia PR 317, no município de Peabiru/PR, agentes da polícia Rodoviária Militar, em decorrência de operação realizada naquele local, abordaram o veículo GM Celta, cor prata, placas AOA 7187, ocupado por Sílvia Perígo dos Santos e Andréia de Sousa Martins.

Após vistoria realizada no veículo, os policiais constataram em seu interior gran-de quantidade de mercadoria de origem estrangeira, desacompanhada de qual-quer documentação legal. Diante da aludida constatação, a denunciada Sílvia Perigo dos Santos assumiu a responsabilidade pelo transporte das mercadorias em desacordo com a legislação vigente e sem prova da entrada regular no país, asseverando que a denunciada Andréia de Sousa Martins estava apenas dirigindo o veículo.

As denunciadas, juntamente com as mercadorias e o veículo apreendidos, foram conduzidas à Delegacia da Receita Federal em Maringá/PR para a lavratura do Auto de Infração com Apreensão de Mercadorias nº 722 (fl. 11), sendo após en-caminhadas à Delegacia de polícia Federal em Maringá/PR, onde foi lavrado o Auto de Flagrante Delito de fls. 02/07.

Interrogada (fl. 06), a denunciada Sílvia Perigo dos Santos negou-se a responder onde e quanto pagou pela mercadoria apreendida, relatando que receberia o valor de R$ 120,00 (cento e vinte reais) para transportar a referida mercadoria até Londrina/PR, negando-se, entretanto, a declarar a quem iria entregar.

Por sua vez, Andréia de Sousa Martins (fl. 07) asseverou ter revezado a condução do veículo com a denunciada Sílvia Perigo dos Santos de Medianeira/PR a Pea-biru/PR, tendo em vista que a última, além de não possuir Carteira Nacional de Habilitação, estava com dores derivadas de infecção na bexiga e nos rins.

As mercadorias apreendidas foram avaliadas em R$ 31.479,33 (trinta e um mil, quatrocentos e setenta e nove reais e trinta e três centavos), consoante Auto de Infração com Apreensão de Mercadorias nº 722 (fl. 11).

Os produtos apreendidos foram introduzidos irregularmente no território nacio-nal, porquanto desacompanhados de documentação a autorizar a importação e acima do limite legal da cota de isenção (US$ 300,00) de acordo com a legisla-ção vigente.

Em face do preenchimento dos requisitos, a suspensão condicional do processo foi oferecida apenas a Silvia Périgo dos Santos, tendo esta aceito o benefício (fl. 92).

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O feito foi cindido em relação a Silvia Perigo dos Santos, prosseguindo neste processo a persecução penal, relativamente a Andreia de Sousa Martins.

Concluída a instrução, sobreveio sentença (fls. 177/182) julgando proce-dente a pretensão punitiva do Estado para condenar Andreia de Sousa Martins a 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão, em regime aberto, pela prática da infração inscrita no art. 334, caput, c/c o art. 29, ambos do Código Penal. A privativa de liberdade foi substituída por restritiva de direitos, nas modalidades de prestação de serviços à comunidade e pecuniária. Imposta à ré também a penalidade de inabilitação para dirigir veículos.

Irresignado, o Parquet interpôs recurso. Nas razões (fls. 184/195) pos-tula o aumento da pena-base, tendo em vista o desvalor da personalidade da acusada e de sua conduta social. Ademais, alega que deve ser considerada a vetorial consequência devido à grande quantidade de mercadorias apreendidas. Aduz, outrossim, a impossibilidade da substituição da privativa de liberdade por restritiva de direito, em razão das circunstâncias desfavoráveis à ré. Requer a modificação do regime inicial para o semi-aberto.

Apresentadas contrarrazões (fls. 199/203) subiram os autos.

O Procurador Regional da República oficiando no feito (fls. 218/224) manifestou-se pelo desprovimento do apelo.

Foi absolvida a ré, e julgado prejudicado o exame da apelação, em 05.09.2012, nos seguintes termos (fls. 343/4):

DIREITO PENAL – DESNECESSIDADE DE INTERVENÇÃO – LIMITES – DESCA-MINHO – ART. 334 DO CP – ATIPICIDADE – CONFIGURAÇÃO – PORTARIA Nº 75 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA – NOVATIO LEGIS IN MELLIUS – VA-LOR CONSOLIDADO – CÔMPUTO DO PIS, COFINS E MULTAS – NÃO INCI-DÊNCIA – PERDIMENTO DAS MERCADORIAS NA ESFERA ADMINISTRATIVA – EXECUÇÃO FISCAL – INTERESSE NO AJUIZAMENTO – INVIABILIDADE – AB-SOLVIÇÃO – ART. 386, III DO CPP

1. Consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal, do STJ e desta Cor-te, só há justa causa para processar e julgar acusado pela prática de descami-nho quando o total dos impostos sonegados for superior a parâmetro legalmente instituído na esfera administrativa. 2. Em 26.03.2012, foi publicada a Portaria nº 75 do Ministério da Fazenda, alterando o patamar inscrito no art. 20 da Lei nº 10.522/2002 para R$ 20.000,00 (vinte mil reais). 3. A Portaria nº 75/2012 do Ministério da Fazenda deve ser utilizada no caso concreto, em observância ao princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica (art. 5º, inciso XL, da Magna Carta e art. 2º, parágrafo único do Código Penal). 4. As multas e as contri-buições sociais destinadas ao PIS e Cofins não podem ser computadas no cálculo do valor consolidado, porquanto nos casos de descaminho há perdimento das mercadorias (art. 2º, inciso III, da Lei nº 10.865/2003). 5. Quando se está diante da prática do descaminho (art. 334 do CP) o interesse do fisco em promover o

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ajuizamento das execuções fiscais fica prejudicado. 6. A possibilidade de reunião dos débitos para constituição definitiva do crédito e sua cobrança (§§ 4º e 6º do art. 1º da Portaria nº 75) também não interfere na esfera criminal, visto que se está diante de fato (conduta delituosa) que nada tem a ver com outros passados ou que venham, futuramente, ser praticados. 7. Se o valor dos tributos, em tese, incidentes sobre as mercadorias encontradas na posse do agente, resulta abaixo do limite que interessa ao Fisco, impõe-se considerar materialmente atípica a conduta na seara penal. 8. A acusada deve ser absolvida pelo fundamento inscri-to no art. 386, III do CPP, restando prejudicado o exame do apelo.

Insurgiu-se, novamente, o Ministério Público, interpondo recurso espe-cial (fls. 349/55), o qual foi inadmitido (fl. 405).

Contra a decisão que inadmitiu o recurso especial, o Parquet interpôs agravo (fls. 408/17).

Subiram os autos ao Superior Tribunal de Justiça. Foi conhecido o agravo para dar provimento ao recurso especial, aplicando o montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e afastando o princípio da insignificância (fls. 493/6).

Com o retorno dos autos, foram estes remetidos à origem. O magistrado a quo proferiu despacho (fl. 504) ordenando a remessa do feito a esta Corte, para análise da apelação anteriormente julgada prejudicada.

É o relatório.

Cláudia Cristina Cristofani Relatora

voto

O Ministério Público Federal obteve, perante o STJ, o afastamento do princípio da insignificância aplicado em relação ao delito de descaminho, pois aquela Corte entendeu que não deve ser utilizado o parâmetro de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), estabelecido na Portaria nº 75 do Ministério do Ministério da Fazenda.

Contudo, tal decisão colide com o atual entendimento do STF sobre a matéria. A discrepância, quando se trata de questão penal, está apta a constituir paradoxo, ante a extensibilidade da interpretação mais benéfica ao réu. Veja-mos.

1. Nos presentes autos, o demonstrativo de créditos tributários informa que a elisão tributária totaliza R$ 17.541,35 (dezessete mil, quinhentos e qua-renta e um reais e trinta e cinco centavos).

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Tem-se o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento pela inaplica-bilidade da Portaria nº 75/2012 em casos similares à espécie, conforme recentes julgados (REsp 1.409.973, REsp 1.392.164 e REsp 1.334.500). Foi esta, inclusi-ve, a solução dada por aquela Corte ao presente caso.

Contudo, ressalto que o Supremo Tribunal Federal recentemente firmou jurisprudência em sentido contrário, entendendo como aplicável o critério de R$ 20.000,00 inclusive para fatos ocorridos anteriormente à vigência da Porta-ria nº 75/2012:

PENAL – HABEAS CORPUS – CRIME DE CONTRABANDO – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – APLICAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – REITERAÇÃO DELITI-VA – ORDEM DENEGADA – I – Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, o princípio da insignificância deve ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei nº 10.522/2002, com as atualizações feitas pelas Portarias nºs 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda. II – No caso sob exame, o paciente detinha a posse, sem a docu-mentação legal necessária, de 22.500 (vinte e dois mil e quinhentos) maços de cigarro de origem estrangeira, que, como se sabe, é típica mercadoria trazida do exterior, sistematicamente, em pequenas quantidades, para abastecer um intenso comércio clandestino, extremamente nocivo para o País, seja do ponto de vista tributário, seja do ponto de vista da saúde pública. III – Os autos dão conta da rei-teração delitiva, o que impede a aplicação do princípio da insignificância em fa-vor do paciente em razão do alto grau de reprovabilidade do seu comportamen-to. IV – Ordem denegada. (HC 118000, Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, 2ª T., Julgado em 03.09.2013, Processo Eletrônico DJe-182, Divulg. 16.09.2013, Public. 17.09.2013)

HABEAS CORPUS – DIREITO PENAL – DESCAMINHO –. VALOR INFERIOR AO ESTIPULADO PELO ART. 20 DA LEI Nº 10.522/2002 – PORTARIAS NºS 75 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – APLICABILIDADE – ORDEM CONCEDIDA – 1. A pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada considerando-se todos os aspectos relevantes da conduta imputada. 2. Para crimes de descaminho, considera-se, para a ava-liação da insignificância, o patamar de R$ 20.000,00, previsto no art. 20 da Lei nº 10.522/2002, atualizado pelas Portarias nºs 75 e 130/2012 do Ministério da Fazenda. Precedentes. 3. Na espécie, aplica-se o princípio da insignificância, pois o descaminho envolveu elisão de tributos federais que perfazem quantia inferior ao previsto no referido diploma legal. 4. Ordem concedida. (HC 120617, Relator(a): Min. Rosa Weber, 1ª T., Julgado em 04.02.2014, Processo Eletrônico DJe-035, Divulg. 19.02.2014, Public. 20.02.2014)

Atente-se, ainda, ao julgamento do HC 118.067, de relatoria do Min. Luiz Fux, cujo inteiro teor foi publicado em 10.04.2014.

Em consulta ao acompanhamento processual do feito, percebe-se que foi levado à apreciação do Supremo o argumento de que “o novo limite, emanado

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de regra extrapenal, não pode ser aplicado retroativamente e nem desconside-rar, diante da passagem do tempo, a incidência dos acréscimos da correção monetária e dos juros de mora” pelo Subprocurador-Geral da República, o qual opinou pela denegação da ordem.

Diante da tese ministerial, o STF ainda assim decidiu que se considera, “para a avaliação da insignificância, o patamar de R$ 20.000,00, previsto no art. 20 da Lei nº 10.522/2002, atualizado pelas Portarias nºs 75 e 130/2012 do Ministério da Fazenda”.

Confira-se, ainda, a ementa do julgado:

PENAL E PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS IMPETRADO CONTRA ATO DE MINISTRO DE TRIBUNAL SUPERIOR – COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRI-BUNAL FEDERAL: ART. 102, I, I, DA CF – MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO. DES-CAMINHO – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – APLICABILIDADE – HABEAS CORPUS EXTINTO – ORDEM DEFERIDA DE OFÍCIO – 1. O princípio da in-significância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculo-sidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. A aplicação do princípio da insignificância deve, contudo, ser precedida de criteriosa análise de cada caso, a fim de evitar que sua adoção indiscriminada constitua verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos patrimoniais. 3. No crime de descaminho, o princí-pio da insignificância é aplicado quando o valor do tributo não recolhido aos cofres públicos for inferior ao limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), previsto no art. 20 da Lei nº 10.522/2002, com as alterações introduzidas pelas Portarias nºs 75 e 130 do Ministério da Fazenda. Precedentes: HC 120.617, 1ª T., Rela-tora a Ministra Rosa Weber, DJe de 20.02.2014, e HC 118.000, 2ª T., Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 17.09.2013. 4. In casu, o paciente foi de-nunciado como incurso nas sanções do art. 334, § 1º, alínea c, do Código Penal (descaminho), por ter, em tese, deixado de recolher aos cofres públicos a quantia de R$ 16.863,69 (dezesseis mil oitocentos e sessenta e três reais e sessenta e nove centavos) referente ao pagamento de tributos federais incidentes sobre mercado-rias estrangeiras irregularmente introduzidas no território nacional. 5. [...] 6. In casu, aponta-se como ato de constrangimento ilegal decisão monocrática profe-rida pelo Ministro Campos Marques, Desembargador Convocado do TJ/PR, que deu provimento ao recurso especial do Ministério Público. Verifica-se, contudo, que há, na hipótese sub examine, flagrante constrangimento ilegal que justifica a concessão da ordem ex officio. 7. Ordem de habeas corpus extinta, mas deferida de ofício a fim de reconhecer a atipicidade da conduta imputada ao paciente, determinando, por conseguinte, o trancamento da ação penal. (STF, HC 118067, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T., Julgado em 25.03.2014, Public. 10.04.2014)

2. Voltando à situação paradoxal, considere-se que, no caso concreto, basta que a parte prejudicada recorra ao STF para que seja conferida a mesma solução dada ao precedente supramencionado, trancando-se a ação penal.

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Com efeito, diante do conteúdo das decisões do STF, impõe-se a análise da questão à luz do princípio da segurança jurídica, crucial ao regular exercício da atividade jurisdicional. Havendo posicionamento favorável do Supremo Tri-bunal Federal, além de possibilidade de que recurso da parte obtenha perante aquela Corte solução definitiva em seu favor, não há, em respeito à segurança jurídica e celeridade processual, como não aplicar tal solução desde já.

A esse respeito, cito lição de Luís Roberto Barroso, hoje Ministro do Su-premo Tribunal Federal (BARROSO, Luís Roberto. Mudança da Jurisprudên-cia do Supremo Tribunal Federal em Matéria Tributária. Segurança Jurídica e Modulação dos Efeitos Temporais das Decisões Judiciais. Disponível em: http://is.gd/KYCnDw):

Se é o Poder Judiciário, e sobretudo o Supremo Tribunal Federal, no sistema bra-sileiro, o órgão que define em última análise qual é o direito, a modificação do entendimento consolidado da Corte sobre determinada matéria modifica o direi-to vigente e, sob a perspectiva do cidadão, isso equivale, em todos os elementos relevantes, à alteração do próprio texto legislado.

A decisão do Supremo acerca da aplicabilidade da Portaria nº 75/2012, ainda que não vinculante, vem determinando a solução de inúmeros casos, não sendo razoável, em observância aos princípios da segurança jurídica e da isonomia, que o réu, no caso concreto, tenha contra si aplicado critério dife-renciado.

Seguindo tal orientação, deve ser utilizado o critério de R$ 20.000,00, previsto na Portaria nº 75/2012, para aplicabilidade do princípio da insignifi-cância, na esteira dos julgados do Supremo Tribunal Federal.

Diante disso, e em observância aos princípios da isonomia, segurança ju-rídica e da celeridade processual, concedo, de ofício, ordem de habeas corpus para trancar o andamento da ação penal.

Ante o exposto, voto por conceder, de ofício, ordem de habeas corpus.

Cláudia Cristina Cristofani Relatora

voto dIvergente

Em face dos termos da decisão do Superior Tribunal de Justiça, arredan-do a aplicação do princípio da insignificância, tenho que não se faz possível a discussão acerca da (in)aplicabilidade da Portaria nº 75/2012, sob pena de descumprimento das determinações emanadas da Corte Superior.

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Nessa ordem de ideias, tenho como impositiva a análise da apelação, tal como delimitado no âmbito do Recurso Especial aviado pelo Parquet. Ao que passo.

A insurgência veiculada diz com a pena arbitrada, postulando a acusação o aumento da pena-base, mediante a negativação de duas vetoriais, quais sejam a personalidade da acusada e de sua conduta social. Ademais, alega que deve ser considerada desfavorável a vetorial consequência devido à grande quantida-de de mercadorias apreendidas. Ainda, referiu a impossibilidade da substituição da pena privativa de liberdade, em razão das circunstâncias desfavoráveis à ré, requerendo, por derradeiro, a modificação do regime inicial para o semi-aberto.

Ao tempo da dosimetria, assim consignou a sentença:

Da individualização da pena

Passo à dosimetria da pena, analisando as circunstâncias do art. 59 do Código Penal e observando as diretrizes do art. 68 do mesmo Codex.

Culpabilidade e dolo da agente normais à espécie; quanto aos antece-dentes, verifica-se que também figura no polo passivo das Ações Penais nº 2007.70.03.003187-1, em grau de recurso decorrente de sentença condenató-ria; nº 2008.70.02.007678-3, com sentença condenatória transitada em julgado em 22.11.2011; e 5002570-16.2010.404.7010, em fase de instrução (certidão de fls. 175-176 e consulta na Internet), todas pela prática de descaminho (art. 334, do CP). Em que pese haver sentença transitada em julgado, considerando que o fato apurado nesta ação penal (19.09.2007) é anterior ao fato (18.01.2008) e ao trânsito em julgado (22.11.2011) da referida sentença penal condenatória (cópia em anexo), não é possível o reconhecimento da reincidência, conforme disposto no art. 63 do CP, tampouco de maus antecedentes; nada há nos autos que a desfavoreça quanto à conduta social; não há nos autos indícios de que tenha tendência para a prática de crimes, refletindo, assim, favoravelmente em sua personalidade. Em seu interrogatório (CD fl. 156), declarou estar trabalhando como segurança e costureira e não ter praticado novamente a conduta descrita nestes autos; quanto aos motivos, auferir vantagem monetária com o transporte de mercadorias contrabandeadas; circunstâncias, sem prejuízos, pois normais à espécie; as consequências do crime consubstanciam-se no transporte de grande quantidade de cigarros, acarretando prejuízos ao Erário, à indústria, ao comércio nacional e à saúde pública, o que é ínsito ao tipo penal, não havendo se falar em majoração da pena, comportamento da vítima, sem provocação.

Assim, em consideração ao conjunto das circunstâncias judiciais acima analisa-do, fixo a pena-base no mínimo legal de 01 (um) ano de reclusão.

Recai sobre a ré a circunstância agravante prevista no art. 62, inciso IV, do CP, re-ferente à prática do delito mediante paga. As rés declararam perante a autoridade policial que receberiam R$ 120,00 e R$ 100,00 para o transporte das mercado-rias. Mesmo diante da negativa de autoria pela ré, não há que se descaracterizar

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esta agravante, uma vez que, conforme fundamento exposto, foi reconhecida autoria e tal conduta é somente realizada mediante paga.

Assim, majoro a pena-base e torno a pena definitiva em 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão, em face da ausência de outras agravantes ou atenuantes, bem como de qualquer causa especial ou geral de aumento/diminuição de pena.

Do regime de cumprimento da pena

O cumprimento da pena privativa de liberdade iniciar-se-á no regime aberto, conforme art. 33, § 2º, alínea c, do CP.

Da substituição da pena

Não sendo a condenada reincidente e sendo-lhe favoráveis a culpabilidade, a conduta social, indicando os motivos e as circunstâncias à substituição, bem como sua conduta não se apresentando incompatível com a vida em sociedade, máxime porque o crime cometido não afrontou a integridade física de outrem, substituo a pena privativa de liberdade por restritiva de direito (art. 44 e incisos do CP).

Sendo a pena superior a 01 (um) ano (art. 44, § 2º, 2ª parte, do CP), a conversão deve ser para duas penas restritivas de direito, consistente na prestação de servi-ços à comunidade e prestação pecuniária.

A pena de prestação de serviços à comunidade deverá ser cumprida à razão de 1 (uma) hora de tarefa por dia de condenação (art. 46, § 3º, do CP), pelo prazo mí-nimo de 9 (nove) meses (art. 46, § 4º, do CP). A entidade perante a qual prestará os serviços será estabelecida pelo Juízo da Execução. Fixo a pena substitutiva de prestação pecuniária no pagamento de 05 (cinco) vezes o salário mínimo vigente à época do fato delituoso (setembro/2007), levando em consideração a situação econômica da ré, valor esse que deverá ser atualizado monetariamente, até o efetivo pagamento (§ 2º do art. 49 do CP). A prestação pecuniária será destinada à vítima, ou à entidade pública ou privada, com destinação social, a critério do Juízo da Execução.

Advirto que o descumprimento injustificado da pena restritiva de direito ora im-posta ensejará a conversão da mesma em pena privativa de liberdade (art. 44, § 4º, do CP).

Pertinentemente à culpabilidade, motivos, circunstâncias e comporta-mento da vítima, não há qualquer irresignação, devendo ser mantida a sentença que a considerou normal à espécie.

Em relação aos antecedentes, personalidade e conduta social, tenho que não podem ser considerados desfavoráveis, haja vista que, malgrado haja duas ações penais ajuizadas em desfavor da ré, em uma delas, a Ação Penal nº 5002570-16.2010.404.7010, a instrução, à época da sentença, ainda estava em andamento. Já na Ação Penal nº 2008.70.02.007678-3, fora prolatada sentença condenatória transitada em julgado em 22.11.2011. Contudo, tal como consig-

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nado na decisão recorrida, o fato apurado na presente ação penal (19.09.2007) é anterior àquele atinente à Ação Penal nº 2008.70.02.007678-3, que remonta a 18.01.2008, bem assim ao seu trânsito em julgado (22.11.2011), não sendo possível o reconhecimento da reincidência, conforme disposto no art. 63 do CP, tampouco de maus antecedentes.

Quanto às consequências, tenho que somente seria possível sua negati-vação se houvesse pedido específico para que considerada a elevada monta de créditos tributários iludidos. Todavia, a insurgência busca a negativação tendo em conta a grande quantidade de mercadorias apreendidas, o que justificaria a negativação de outra vetorial, qual seja a das circunstâncias delitivas. Sendo assim, não é possível proceder-se, em prejuízo do réu, o escorreito enquadra-mento, motivo pelo qual, também quanto a esse pedido, nenhum reparo mere-ce o decisum.

Consequentemente, quanto à dosimetria da pena, nada há a prover.

Não havendo circunstâncias desfavoráveis à ré, também não há falar em impossibilidade de proceder-se à substituição das penas corporais, ou de mo-dificação do regime inicial fixado, eis porque o apelo ministerial não merece acolhida.

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.

Juiz Federal Convocado Altair Antonio Gregorio

eXtrAto de AtA dA sessão de 16.09.2014

Apelação Criminal nº 0001651-93.2007.404.7010/PR

Origem: PR 200770100016518

Relator: Desª Federal Cláudia Cristina Cristofani

Presidente: Desª Federal Cláudia Cristina Cristofani

Procurador: Dr. Ipojucan Corvello Borba

Apelante: Ministério Público Federal

Apelado: Andreia de Sousa Martins

Advogado: Antonio Tarcisio Matte e outro

Certifico que o(a) 7ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígra-fe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por maioria, decidiu conceder, de ofício, ordem de habeas corpus, ven-cido o Juiz Federal Altair Antonio Gregorio.

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Relator Acórdão: Desª Federal Cláudia Cristina Cristofani

Votante(s): Desª Federal Cláudia Cristina Cristofani Juiz Federal Altair Antonio Gregorio Des. Federal Márcio Antônio Rocha

Maria Alice Schiavon Diretora de Secretaria

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Parte Geral – Jurisprudência

2855

Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoPoder JudiciárioGabinete do Desembargador Federal Rogério Fialho MoreiraAC 572246‑CE 0002014‑08.2012.4.05.8100Apte.: Coren/CE – Conselho Regional de Enfermagem do CearáAdv./Proc.: Ernesto de Pinho Pessoa Junior e outroApdo.: Najla Maria Pinheiro GurgelAdv./Proc.: Expedito Dantas da Costa Júnior e outrosOrigem: 7ª Vara Federal do CearáJuíza Federal Karla de Almeida Miranda MaiaRelator: Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira

ementA

ADMINISTRATIVO – COREN/CE – NÃO RECOLHIMENTO DE FGTS DOS FUNCIONÁRIOS – MULTA E JUROS – RESPONSABILIDADE DO PRESIDENTE DO CONSELHO – NÃO COMPROVADA – APELAÇÃO IMPROVIDA

1. Apelação interposta contra sentença que julgou improcedente o pedi-do de condenação da presidente, à época, do Coren/CE ao pagamento de valor referente aos juros e multa pagos para a regularização de débito por não recolhimento do FGTS de seus funcionários na competência mensal de novembro de 2006.

2. À míngua de prova convincente a sustentar as circunstâncias fáticas descritas pelo Coren/CE, no sentido do dever/responsabilidade da de-mandada, na condição de presidente, e tão-só desta, para a efetivação do pagamento, não realizado a tempo, e ora discutido, ônus que lhe cabia e do qual não logrou se desincumbir a contento, nos termos do art. 333, I, do CPC, não há como se reconhecer o pleito inicial.

3. Os comandos dos arts. 34, XIII, do Regimento Interno do Coren/CE e 71, II, da CF/1988, suscitados nas razões de recurso, não consistem, por si sós, em fundamento legal para a caracterização da responsabilidade do presidente do Conselho pelo não recolhimento do FGTS, não podendo o incontestável dever de autorização de pagamentos das contas da Entida-de ser confundido com a atribuição da efetivação de pagamentos desta natureza, por não estar usualmente entre as atribuições do cargo reporta-do, competindo tal tarefa geralmente ao Setor responsável pelo recolhi-mento de encargos vinculados à folha de pagamento dos funcionários.

4. Apelação improvida.

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Acórdão

Vistos, etc.

Decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Recife, 29 de julho de 2014.

Des. Fed. Rogério Fialho Moreira Relator

relAtórIo

Trata-se de apelação interposta pelo Conselho Regional de Enfermagem do Ceará – Coren/CE contra sentença que julgou improcedente o pedido de condenação de Nadjla Maria Pinheiro Gurgel, na condição de presidente à épo-ca do Coren/CE, ao pagamento do valor de R$ 1.421,83 (um mil, quatrocentos e vinte e um reais e oitenta e três centavos), atualizados até setembro/2011, referente a juros e multa pagos para a regularização de débito por não recolhi-mento de FGTS.

Em suas razões de recurso, alega, em síntese, o Conselho apelante que o termo de posse acostado aos autos, por si só, já é suficiente para demonstrar que, à época dos não recolhimentos de FGTS, a apelada ocupava o cargo de presidente do Coren/CE, de modo que impõe-se a sua condenação ao paga-mento do valor perseguido, tendo em vista a expressa previsão no Regimento Interno do Conselho (art. 34, XIII) e na própria Constituição/1988 (art. 71, II) de responsabilidade do gestor do órgão pela autorização dos pagamentos adminis-trativos da Entidade.

Contrarrazões apresentadas às fls. 165/171.

É o que havia de relevante para relatar.

votoNo caso, há de ser reconhecido o acerto do Juízo de origem ao afastar

a pretensão deduzida, sob o argumento de inexistir nos autos prova suficiente para o reconhecimento da responsabilidade da autora, na condição de pre-sidente, à época, do Coren/CE, por encargos decorrentes do atraso no reco-lhimento do FGTS de seus funcionários, referente à competência mensal de novembro de 2006.

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140 ����������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 61 – Jan-Fev/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Transcrevo, por irreparáveis, trechos da sentença recorrida, que passam a fazer parte destas razões de decidir:

“[...]

A parte autora pretende ver-se ressarcida de valores pagos a título de juros e multa para regularização de débito por recolhimento de FGTS a destempo, ao fundamento de que esta omissão da promovida, presidente do conselho-autor à época, gerou prejuízos financeiros ao promovente.

A questão pertinente à existência de pagamento de juros e multa resta muito bem evidenciada, porém, em relação à responsabilidade, nem tanto.

No ponto, o conjunto probatório não conforta as alegações da exordial, no sen-tido de que a responsabilidade pelo pagamento recairia sobre o promovido, em que pese gestor à época dos fatos, merecendo registro que a parte autora sequer fez juntar o regimento interno do conselho, para que se pudesse averiguar os deveres e responsabilidades não só do presidente, mas de todos que formam a diretoria da instituição.

[...]

Desta feita, à míngua de uma prova convincente a sustentar as circunstâncias fáticas descritas pela parte autora, no sentido do dever/responsabilidade do presi-dente, e tão-só deste, para a efetivação do pagamento, não realizado a tempo, e ora discutido, ônus que lhe cabia e do qual não logrou se desincumbir a conten-to, nos termos do art. 333, I, do CPC, não há como prosperar o pleito.

[...]”

Ressalte-se que os comandos dos arts. 34, XIII, do Regimento Interno do Coren/CE e 71, II, da CF/1988, suscitados nas razões de recurso, não consistem, por si sós, em fundamento legal para a caracterização da responsabilidade do presidente do Conselho pelo não recolhimento do FGTS, não podendo o incon-testável dever de autorização de pagamentos das contas da Entidade ser con-fundido com a atribuição de efetivação de pagamentos desta natureza, por não estar usualmente entre as atribuições do cargo reportado, competindo tal tarefa geralmente ao Setor responsável pelo recolhimento de encargos vinculados à folha de pagamento dos funcionários.

Por essas razões, há de ser mantida a sentença recorrida, pelo que nego provimento à apelação.

É como voto.

Recife, 29 de julho de 2014.

Des. Fed. Rogério Fialho Moreira Relator

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Parte Geral – Ementário

Administrativo

2856 – Agência reguladora – Anvisa – estabelecimento – interdição – princípios da proporcio-nalidade e razoabilidade – violação

“Administrativo. Mandado de segurança. Agência nacional de vigilância sanitária – Anvisa. Lei nº 9.782/1999. Interdição de estabelecimento. Poder geral de cautela da administração pública. Violação aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. I – Embora a Anvisa tenha com-petência para ‘interditar, como medida de vigilância sanitária, os locais de fabricação, controle, importação, armazenamento, distribuição e venda de produtos e de prestação de serviços rela-tivos à saúde, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde’ (Lei nº 9.782/1999, art. 7º, XIV), inclusive, em sede de medida cautelar, como no caso, tal medida deve atender, além dos princípios do contraditório e da ampla defesa, aos princípios da pro-porcionalidade e da razoabilidade, devendo ser necessária e adequada ao caso concreto, o que não se vislumbra na hipótese dos autos. III – Apelação e à remessa oficial desprovidas. Sentença mantida.” (TRF 1ª R. – Ap-RN-MS 2008.34.00.023099-5/DF – Rel. Des. Fed. Souza Prudente – DJe 12.09.2014)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 9.782/1999:

“Art. 7º Compete à Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos incisos II a VII do art. 2º desta Lei, devendo:

[...]

XIV – interditar, como medida de vigilância sanitária, os locais de fabricação, controle, impor-tação, armazenamento, distribuição e venda de produtos e de prestação de serviços relativos à saúde, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde; [...]”

Agente público – auxiliar local – regime jurídico dos servidores públicos civil da União – enqua-dramento – possibilidade

“Administrativo. Agravo regimental. Recurso especial. Auxiliar local contratado na embaixada brasileira em Camberra. Enquadramento previsto no art. 243 da Lei nº 8.112/1990. Possibili-dade. Precedentes. 1. O art. 243 da Lei nº 8.112/1990 assegura aos auxiliares locais contra-tados por chefes de missões diplomáticas e repartições consulares o enquadramento no Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, desde que o contrato de trabalho tenha sido firmado por tempo indeterminado e anteriormente ao advento do diploma legal mencionado. 2. A submissão das relações trabalhistas e previdenciárias dos auxiliares locais à legislação estrangeira somente surgiu com a edição da Lei nº 8.745/1993. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.042.348 – (2008/0063373-8) – 5ª T. – Rel. Min. Jorge Mussi – DJe 04.09.2014)

Comentário Editorial SÍNTESE

A União interpôs o agravo regimental em tela contra decisão monocrática que deu provimento ao recurso especial da autora, ora agravada, por entender que esta fazia jus ao reconhecimento de que sua relação de trabalho, exercida na Embaixada do Brasil em Camberra na Austrália, teria vínculo estatutário.

Sustenta que a relação de trabalho da autora com a Embaixada do Brasil em Camberra não possui vínculo estatutário, devendo incidir a legislação local, não sendo hipótese, portanto, de incidência do art. 243 da Lei nº 8.112/1990, in verbis:

“Art. 243. Ficam submetidos ao regime jurídico instituído por esta Lei, na qualidade de servi-dores públicos, os servidores dos Poderes da União, dos ex-territórios, das autarquias, inclusive as em regime especial, e das fundações públicas, regidos pela Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952 – Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, ou pela Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, exceto os contratados por prazo determinado, cujos contratos não poderão ser prorrogados após o vencimento do prazo de prorrogação.”

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O Relator, ao analisar o agravo, ressaltou que há entendimento pacífico no STJ de que os au-xiliares locais que prestaram serviços para o Brasil no exterior, contratados na forma da Lei nº 3.917/1961 e admitidos antes de 11.12.1990, devem ter o vínculo estatutário reconhecido e estão sujeitos ao Regime Jurídico Único instituído pela Lei nº 8.112/1990, devendo, assim, serem enquadrados no art. 243 do referido diploma legal. Diante disso, a 5ª Turma do STJ negou provimento ao agravo regimental, concluindo que o acórdão recorrido está em harmonia com o entendimento do STJ.Em seu voto, o Relator citou os precedentes que segue:“[...] Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes:ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – AUXILIAR LOCAL CONTRATADO NO EX-TERIOR – ENQUADRAMENTO PREVISTO NO ART. 243 DA LEI Nº 8.112/1990 – POSSIBILI-DADE – PRECEDENTES – 1. O art. 243 da Lei nº 8.112/1990 assegura aos auxiliares locais contratados por chefes de missões diplomáticas e repartições consulares o enquadramento no Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, desde que o contrato de trabalho tenha sido firmado por tempo indeterminado e anteriormente ao advento do diploma legal menciona-do. 2. A submissão das relações trabalhistas e previdenciárias dos auxiliares locais à legislação estrangeira somente surgiu com a edição da Lei nº 8.745/1993. 3. Contando o impetrante – contratado em 1º de março de 1975 – com mais de quinze anos de serviço, dedicados a auxiliar o desenvolvimento da política externa do País, ao tempo da edição da Lei nº 8.112/1990, tem ele o direito de se enquadrar no Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União. 4. É impossível definir, no bojo da ação mandamental, notadamente por depender da comprovação de diversas circunstâncias fáticas não demonstradas mediante prova pré-constituída, em qual cargo, classe e padrão deverá o impetrante ser enquadrado. 5. Não constituindo o mandado de segurança substitutivo de ação de cobrança, resguarda-se a via ordinária para a reclamação de eventuais diferenças decorrentes do enquadramento autorizado. Aplicação das Súmulas nºs 269 e 271/STF. 6. Segurança parcialmente concedida. (MS 12.358/DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 3ª Seção, Julgado em 26.02.2014, DJe 05.03.2014)ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – AUXILIAR LOCAL – COMISSÃO MILITAR BRASILEIRA NO EXTERIOR – ENQUADRAMENTO – ART. 243 DA LEI nº 8.112/1990 – POSSI-BILIDADE – APOSENTADORIA – DILAÇÃO PROBATÓRIA – NECESSIDADE – 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que o auxiliar local de representação diplomática ou repartição consular brasileira no exterior, contratado anteriormente ao advento da Lei nº 8.112/1990, tem assegurado o enquadramento no regime jurídico dos servidores pú-blicos civis da União, em observância ao disposto no art. 243 do referido normativo. 2. ‘O fato de ter sido excluída a expressão ‘legislação brasileira’ do regime a ser aplicado ao auxiliar local, por força da redação conferida ao art. 67 da Lei nº 7.501/1986 pela Lei nº 8.028/1990, não excluiu dos auxiliares locais a aplicação do regime da CLT, uma vez que tão somente determinou a observância da ‘legislação que lhe for aplicável’’ (EDcl-MS 8.802/DF, Rel. Min. Arnaldo Este-ves Lima, 3ª Seção, julgado em 28.09.2005, DJ 07.11.2005). 3. No que tange ao pedido de aposentadoria, a impetrante não fez prova pré-constituída de ter satisfeito os requisitos legais, tornando inviável a apreciação de tal pleito em sede de ação mandamental, que não admite dilação probatória. Ressalte-se que, uma vez obtido o enquadramento na Lei nº 8.112/1990, poderá a servidora pleitear aposentadoria estatutária, no âmbito administrativo ou judiciário (vias ordinárias). 4. Segurança concedida, em parte, a fim de determinar o enquadramento da impetrante como servidora estatutária, nos termos do art. 243 da Lei nº 8.112/1990, com os consectários legais correspondentes. (MS 9.698/DF, Rel. Min. Og Fernandes, 3ª Seção, Julgado em 12.06.2013, DJe 26.06.2013) [...]”

2857 – Concurso público – dois cargos públicos – acumulação – professor e pedagogo – com-patibilidade de horários – não comprovação

“Constitucional e administrativo. Mandado de segurança. Concurso público. Acumulação de dois cargos públicos. Professor e pedagogo. Compatibilidade de horários não comprovada. 1. embora possível a acumulação de dois cargos públicos, sendo um de professor e outro de técnico, a teor art. 37, XVI, b, da Constituição Federal, somente haverá direito líquido e certo a essa acumula-ção quando constatada a compatibilidade de horários. 2. Ausência de prova pré-constituída para comprovação da compatibilização dos horários. 3. Nos termos da Lei nº 949/2005 a jornada de

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DPU Nº 61 – Jan-Fev/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������143

trabalho dos professores é composta de 60% (sessenta por cento) em sala de aula e 40% (quarenta por cento) de atividades complementares, na unidade escolar ao qual está vinculado. 4. Ordem de-negada.” (TJAP – MS 0000991-30.2014.8.03.0000 – TP – Rel. Des. Carlos Tork – DJe 03.09.2014)

Transcrição Editorial SÍNTESEConstituição Federal:“Art. 37. A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoa-lidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:[...]XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compati-bilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:[...]b) a de um cargo de professor com outro, técnico ou científico; [...]”

2858 – Convênio – Município – inadimplência – novos contratos – celebração – impossibilida-de – gestão anterior – responsabilidade – restrição – suspensão

“Mandado de segurança. Inadimplência. Município. Impossibilidade de celebração de novos convênios com o Estado. Responsabilidade da gestão anterior. Adoção das providências cabíveis pelo atual gestor. Suspensão da restrição. Segurança concedida. Precedentes do TJMA e do STJ. 1. Comprovando-se que a inadimplência foi deixada por gestão municipal anterior e que a atual gestão adotou as providências necessárias para regularizar a situação, deve ser excluído o nome do Município do cadastro de inadimplentes. Precedentes do TJMA e do STJ. 2. Segurança conce-dida.” (TJMA – Proc. 0003495-14.2014.8.10.0000 – (151463/2014) – Relª Angela Maria Moraes Salazar – DJe 21.08.2014)

2859 – Desapropriação – rodovia – duplicação da rodovia – indenização – convênio – DNER e DER/MG – solidariedade – indenização

“Administrativo. Desapropriação indireta. Duplicação da rodovia Fernão Dias. DNER. DER/MG. Convênio. Legitimidade passiva. Solidariedade. Faixa de domínio. Indenização. Juros compensató-rios. Juros moratórios. Correção monetária. Honorários advocatícios. 1. Com a extinção do DNER e simultânea criação do DNIT, por meio da Lei nº 10.233/2001, a União tornou-se parte legítima nos processos em curso, ajuizados até 05.06.2001, como sucessora da autarquia extinta em todos os seus direitos e obrigações, e o DNIT nas ações ajuizadas desde a data da publicação da lei que o criou. 2. Celebrando o DNER convênio com o DER/MG para a duplicação de estrada federal, e ocupando este área de terra para tal finalidade, devem os dois responder pela indenização, cuja causa foi o ato ilícito praticado pelo Departamento Estadual. Precedente do TRF 1ª Região. 3. A prova pericial demonstrou que a obra de duplicação da rodovia Fernão Dias – BR-381 absorveu parte do imóvel da parte autora, tornando certo o dever de indenizar por desapropriação indireta, em respeito ao direito de propriedade. 4. Incensurável a sentença a quo que teve como base para apurar o quantum indenizatório a perícia oficial produzida nos autos, equidistante dos interesses das partes e elaborada de acordo com os critérios técnicos e regramentos legais a respeito da ma-téria, tendo como referência valores obtidos mediante pesquisa mercadológica, relativa a outros imóveis com características semelhantes às do imóvel expropriado. 5. Na desapropriação indireta os juros compensatórios são devidos a partir da ocupação do imóvel à taxa de 6% (seis por cen-to) ao ano, no período compreendido entre 11.06.1997, quando foi editada a Medida Provisória nº 1.577/1997, até 13.09.2001, quando foi publicada a decisão liminar do STF na ADIn 2.332/DF, suspendendo a eficácia da expressão ‘de até seis por cento ao ano’, do caput do art. 15-A do De-creto-Lei nº 3.365/1941, introduzida pela referida MP. Nos demais períodos, a taxa dos juros com-pensatórios é de 12% (doze por cento) ao ano, como prevê a Súmula nº 618/STF (REsp 1.111.829/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 25.05.2009). 6. Juros moratórios no percentual de 6% (seis por cento) ao ano, a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento

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deveria ser feito. Art. 15-B do Decreto-Lei nº 3.365/1942, acrescentado pela Medida Provisória nº 1.577/1997, hoje Medida Provisória nº 2.183-56/2001. 7. Correção monetária devida desde a data do laudo de avaliação do perito. 8. Honorários advocatícios arbitrados em 5% (cinco por cento) sobre o valor total da condenação. 9. Apelações da União e do DER/MG não providas.” (TRF 1ª R. – AC 2006.38.08.001342-4/MG – Rel. Des. Fed. Ney Bello – DJe 22.08.2014)

2860 – Improbidade administrativa – médico da Santa Casa conveniada ao SUS – plano parti-cular – paciente gestante – adesão – coação – comprovação – ausência

“Ação civil pública. Improbidade administrativa. Médico da Santa Casa de Itararé, conveniada ao SUS, que teria coagido paciente gestante a aderir a plano particular (plano C) para realização de parto cesariana. Pagamento em duplicidade, uma vez que o médico réu teria recebido pagamento particular e pelo SUS para a realização do parto. Enriquecimento ilícito e lesão ao Erário. Desca-bimento. Elementos existentes nos autos que demonstram que o réu recebeu apenas o pagamento particular, não lhe sendo repassado ao valor relativo ao SUS, que foi repassado erroneamente para a Santa Casa. Ademais, conduta supostamente ilegal do réu que não restou efetivamente com-provada. Provas que indicam que a paciente gestante apenas aderiu ao plano particular porque desejava que a cirurgia fosse realizada pelo réu, que não estava em período como plantonista na Santa Casa. Sentença de improcedência confirmada. Recurso desprovido.” (TJSP – Ap 0002805-79.2011.8.26.0279 – 11ª CDPúb. – Rel. Oscild de Lima Júnior – DJe 16.09.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEA apelação foi interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido do Ministério Públi-co do Estado de São Paulo, nos autos de ação civil pública, o qual pretendia a condenação do réu, médico da Santa Casa de Itararé, que teria cobrado e recebido pagamento particular pela realização de partos em pacientes atendidas e custeadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O autor afirmou que configurou o ato de improbidade administrativa já que o réu recebeu em duplicidade, ocasionando enriquecimento ilícito em detrimento ao Erário.Em suas razões, o apelante sustenta que o pedido deve ser julgado procedente, pois, mesmo havendo condições de realizar o parto, que normalmente seria coberto pelo SUS, o apelado fez a paciente esperar, com todos os riscos inerentes à situação, apenas para receber honorários médicos particulares por serviço que, ao mesmo tempo, também era e foi custeado pelo SUS.O Relator afirmou que, de acordo com o conjunto probatório existente nos autos, o apelado não praticou ato de improbidade administrativa, pois o pagamento realizado pelo SUS à Santa Casa não foi repassado a ele.Além disso, ressaltou que a paciente tinha opção de realizar o parto com o médico plantonista, mas optou pelo apelado, situação esta que exigiria mesmo a adesão ao plano particular.Diante disso, a 11ª Câmara de Direito Público do TJSP negou provimento ao recurso, mantendo a sentença na íntegra.Em seu voto, o Relator assim se manifestou:“[...] Os elementos existentes nos autos permitem concluir, infensos de qualquer inquietação, que o réu não praticou ato de improbidade administrativa.Ao contrário do que foi aventado na petição inicial, o réu não recebeu em duplicidade. Na ver-dade, o pagamento feito pelo Sistema Único de Saúde à Santa Casa local não foi repassado ao réu, e a própria Santa Casa reconheceu o equívoco, uma vez que a gestante já havia aderido ao plano particular (vide, para tanto, a missiva elaborada pela Santa Casa, coligida a fls. 161/162 do inquérito civil autos em apenso).Logo, não há que se falar em enriquecimento ilícito ou dano ao Erário.Outrossim, não restou devidamente comprovada a existência de violação aos princípios nortea-dores da Administração Pública, porquanto ausente efetiva demonstração de que o réu coagiu a paciente custeada pelo Sistema Único de Saúde a aderir ao plano particular da Santa Casa.[...]Desta feita, devido ao fato de que o plantão do réu havia se encerrado, parece crível e razoável entender que a paciente optou pela contratação do plano particular para que o réu realizasse o parto cesárea, em razão da relação de confiança que haviam estabelecido (repita-se, a paciente

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já havia pago anteriormente uma consulta particular ao réu, vez que não queria passar pelo médico que estava de plantão).Vale dizer, a paciente poderia ser submetida ao parto cesárea pelo SUS com o médico que estivesse de plantão no momento correto para o procedimento cirúrgico, mas como queria fazer a aludida cirurgia com o réu fora de seu horário de plantão, nada mais natural de que tivesse de arcar com os custos, aderindo ao plano particular da Santa Casa (Plano C). E assim foi feito pelos seus familiares, que procuraram a administração da Santa Casa para as providências cabíveis no tocante à realização do parto (vide, nesse sentido, o depoimento da testemunha Shirley fls. 142 e ss.). [...].”

2861 – Militar – sanções administrativas – quadro de acesso à promoção – não inclusão – le-galidade

“Mandado de segurança. Policial militar. Não inclusão no quadro de acesso à promoção. Sanções administrativas. Ausência de prova do direito líquido e certo e ilegalidade. Segurança denegada. 1. Para que possa figurar no quadro de acesso à promoção além dos critérios objetivos do Decreto nº 2.468/2010, o servidor deve também ser considerado possuidor de idoneidade moral conforme avaliação da vida funcional pregressa. 2. É pacifico o entendimento neste Tribunal de Justiça, bem como nos Tribunais Superiores, de que não existe ilegalidade pela não inclusão no quadro de acesso a promoção quando o impetrante for considerado inapto pela Comissão de Promoção de Praças em virtude de sanções administrativas que lhe foram imputadas anteriormente. 3. Ordem denegada.” (TJMT – MS 134334/2013 – Relª Desª Maria Erotides Kneip Baranjak – DJe 03.09.2014)

Destaque Editorial SÍNTESEDo voto da Relatora, destacamos:“[...] Portanto, o fato de ter sido excluído do processo de promoção, não caracteriza punição alguma ao oficial pelas infrações que cometeu no transcorrer de sua vida funcional, mas apenas está se considerando a sua vida pregressa para formar um conceito de sua conduta moral.Partindo dessa premissa, da análise dos documentos carreados aos autos pelas partes, notada-mente os de p. 14/27, verifica-se que este teve imputado contra si diversas penalidades, razão pela qual obteve parecer desfavorável da Comissão de Promoção de Praças deixando de ser, via de consequência, incluído no Quadro de Acesso para Promoção. Destarte, ao contrário das argumentações do impetrante, entendo que pela análise dos do-cumentos carreados aos autos este não preencheu os requisitos para obtenção da promoção almejada, uma vez que em razão da existência de elementos que desabonam sua vida funcional, deixou, deste modo, de ser incluído no Quadro de Acesso para Promoções. Consequentemente, inexiste o direito líquido e certo alegado, tampouco, qualquer eiva de ilega-lidade ou arbitrariedade na conduta perpetrada pela autoridade indigitada de coatora que, tão somente fez cumprir os termos da legislação regulamentadora da matéria.Nesse escólio, em casos semelhantes ao da ação mandamental em mesa, este Sodalício con-cluiu pela denegação da segurança:MANDADO DE SEGURANÇA – POLICIAL MILITAR – PROMOÇÃO AO QUADRO DE ACESSO PARA CONCORRER AO POSTO DE 2º TENENTE APÓS CONCLUSÃO DO CURSO DE HABILITA-ÇÃO DE OFICIAIS ADMINISTRATIVOS – NÃO INCLUSÃO – AUSÊNCIA DE CONCEITO FAVORÁ-VEL SEGUNDO COMISSÃO DE PROMOÇÃO DE OFICIAIS – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIO-NÁRIO – AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA – ORDEM DENEGADA – Ausência de prova pré-constituída quanto ao seu direito líquido e certo, e a simples alegação de ofensa a seu direito líquido e certo, não lhe retira a obrigação de demonstrar de forma eficaz a ofensa do mesmo; ademais, a presença de critérios valorativos e subjetivos do ato não permitem ao judiciário en-trar o mérito do ato administrativo. (MS, 40519/2012, Dr. Sebastiao Barbosa Farias, Turma de Câmaras Cíveis Reunidas de Direito Público e Coletivo, Data do Julgamento 05.09.2013, Data da publicação no DJe 17.09.2013)MANDADO DE SEGURANÇA – PRAÇA – POLÍCIA MILITAR – PROMOÇÃO POR ANTIGUIDADE – EXCLUSÃO DO QUADRO DE ACESSO – SANÇÕES ADMINISTRATIVAS E AÇÃO JUDICIAL – OFENSA AO ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO – INEXISTENTE – AUSÊNCIA DE PROVA DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO E ILEGALIDADE – SEGURANÇA DENEGADA – É pacífico o entendimento neste tribunal, bem como nos Tribunais Superiores, que não existe ofensa ao prin-

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cípio da presunção de inocência a não inclusão ao quadro de acesso. Os critérios de avaliação são sopesados individualmente pela Comissão de Promoção Praças, que analisará, conforme estipulado no § 1º, art. 13, do Decreto nº 2.468/2010 a idoneidade moral do policial militar. (MS, 83307/2012, Dr. Sebastiao Barbosa Farias, Turma de Câmaras Cíveis Reunidas de Direito Público e Coletivo, Data do Julgamento 05.09.2013, Data da publicação no DJe 17.09.2013)Deste modo, inexiste ilegalidade a ser amparada pela ordem perquirida pelo impetrante, eis que é flagrante a inexistência de direito líquido e certo a amparar a pretensão, na medida em que o impetrante, não atendeu aos pressupostos necessários para a inclusão de seu nome na lista de promoção. [...]”

2862 – Políticas públicas – Programa “Minha Casa, Minha Vida” – obras – finalização – subs-tituição da construtora – prazo de 30 dias – CEF – responsabilidade – inexistência

“Administrativo. Agravo de instrumento. Programa ‘Minha Casa, Minha Vida’. Paralisação das obras. Substituição da construtora. Reinício das obras. Prazo de trinta dias. Multa diária. Decisão reformada. Revogação da tutela antecipada deferida. 1. Insurge-se a Caixa Econômica Federal contra decisão que antecipou os efeitos da tutela, para determinar-lhe o reinício de obras em em-preendimento imobiliário e substituir a construtora, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais). 2. A ação originária foi ajuizada em razão da paralisação das obras do empreendimento ‘Condomínio Residencial Villa Veneto’, no qual o agravado adquiriu uma unidade autônoma através de contrato de compra e venda de terreno e mútuo para a cons-trução de unidade habitacional no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV 11, e no qual figuram a Premax como vendedora, entidade organizadora e interveniente construtora, e a Caixa Econômica Federal como credora. 3. In casu, a Caixa Econômica Federal atua como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa ou bai-xíssima renda, e detém a responsabilidade de fiscalizar e averiguar a construção, com o intuito de liberar a verba remanescente na proporção do andamento das obras (conclusão das etapas), e de notificar eventual paralisação das obras à seguradora. 4. Consta do contrato que a engenharia da Caixa Econômica Federal é a responsável pela medição do andamento da obra e pela verificação da aplicação dos recursos, para fins de liberação da verba contratada (cláusula terceira), e pela substituição da construtora nos seguintes termos (cláusula décima terceira). 5. A Construtora foi devidamente notificada pela CEF para esclarecer o atraso das obras do Empreendimento Residen-cial Villa Veneto, sendo certo que a CEF também oficiou a seguradora comunicando o sinistro e solicitando a substituição da construtora. 6. Além da obrigação da CEF se restringir à substituição a construtora, a qual já havia sido devidamente notificada, o prazo de trinta dias é curto para atender todos os trâmites necessários impostos para tal substituição e, consequentemente, o reinício da construção do imóvel. 11 (fls. 87-118). 8. Não demonstrada a negligência da CEF, deve ser refor-mada a decisão agravada, revogando-se a tutela antecipada deferida. 9. Agravo de instrumento provido.” (TRF 2ª R. – AI 2014.02.01.005955-1 – 5ª T.Esp. – Rel. Des. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes – DJe 04.09.2014)

Ambiental

2863 – Ação civil pública – aterro sanitário localizado em área de segurança aeroportuária – ilegalidade – remoção – obrigatoriedade

“Constitucional e processual civil. Ação civil pública. Aterro sanitário. Área de segurança aeropor-tuária. Dano ambiental. Ilegalidade. Remessa oficial parcialmente provida. I – No caso dos autos, encontrando-se aterro sanitário em desacordo com a legislação ambiental de regência, bem como localizado em área de segurança aeroportuária, impõe-se a sua remoção, ante a sua manifesta ile-galidade. II – Ademais, a tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologi-

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camente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a consequente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada), exigindo-se, na espécie, a imediata implementação de medidas preventivas, a fim de evitar danos maiores e irrecuperáveis à área objeto da ação civil pública instaurada nos autos de origem. III – Remessa oficial parcialmente provida, para determinar o cum-primento das obrigações específicas constantes da sentença, a partir da intimação deste acórdão mandamental.” (TRF 1ª R. – RN-ACPúb 2004.32.00.005878-9/AM – Rel. Des. Fed. Souza Prudente – DJe 27.08.2014)

2864 – Ação civil pública – capina química em perímetro urbano – pratica não autorizada pela Anvisa – tutela específica – reconhecimento

“Agravo de instrumento. Ação civil pública. Capina química em perímetro urbano. Prática não autorizada pela Anvisa. Tutela específica. Requisitos presentes. Deferimento. Decisão reformada. A presença de prova inicial que revela a relevância dos fundamentos despendidos na Ação Civil Pública, aliada ao fundado receio de dano à saúde dos habitantes e ao meio ambiente, torna imperiosa a concessão liminar da tutela específica perseguida, a fim de vedar a realização do pro-cedimento conhecido como ‘capina química’, em qualquer espaço do perímetro urbano.” (TJMG – AI-Cv 1.0472.13.002486-3/001 – 3ª C.Cív. – Rel. Elias Camilo – DJe 20.08.2014)

2865 – Ação civil pública – instalação de terminal portuário em área de mata atlântica – con-cessão de licença prévia – análise anterior do impacto ambiental – necessidade

“Agravo de instrumento. Ação civil pública. Pretendida instalação de terminal portuário privado para movimentação de cargas próprias e de terceiros, em área de Mata Atlântica. Necessidade de perscrutar cumpridamente o impacto ambiental do empreendimento antes da concessão de licen-ça prévia. Caso em que os dados apresentados pelo Ministério Público Federal ao Juízo a quo reve-lam profundas incursões da empresa privada na fauna e na flora locais, as quais foram ignoradas ou desprezadas pelo Ibama quando a emissão de suas permissões. Princípio da precaução, que deve ser tutelado pelo Judiciário e favor da proteção ambiental. Presença de elementos suficientes para a concessão de tutela ambiental provisória, sem prejuízo de instrução regular do feito. Recurso ministerial provido. 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu o pedido de liminar formulado em ação civil pública ajuizada pelo Parquet com o objetivo de impedir a insta-lação de terminal portuário privado para movimentação de cargas próprias e de terceiros, em área de Mata Atlântica (preservação permanente) sob a proteção do art. 225 da Constituição Federal e da Lei nº 11.428/2006. 2. Embora a instalação do terminal portuário privado ainda esteja em fase de estudos de viabilidade do projeto, isso não retira a necessidade de se perscrutar o impacto do empreendimento no bioma Mata Atlântica, pois se a viabilidade do negócio for positiva, achando--se a empresa de posse da licença prévia poderá por mãos à obra, agindo sobre e contra a vege-tação que se considera de preservação permanente, e também em prejuízo da fauna típica e dos animais visitantes, do local, alguns já correndo o risco de extinção. 3. A tutela ambiental deve ser o mais possível preventiva, justo porque a reparação dos danos ao meio ambiente é sempre mais complicada do que impedir que eles aconteçam (precaução). 4. O trabalho pericial ofertado pelo Ministério Público Federal como subsídio inaugural da ação civil pública esclareceu que: (1) o em-preendimento deve ser feito integralmente em área de preservação permanente; (2) interromperá a conectividade entre o Parque Estadual da Serra do Mar (porção continental) e o estuário de Santos (área marítima), ‘interferindo nas áreas de alimentação de aves locais, visitantes e migratórias’; (3) haverá alteração paisagística de área já tombada pelo CONDEPHAAT; (4) o empreendimento vai destruir corredores de vegetação por onde transitam, em busca de alimentos, habitantes tra-dicionais da Mata Atlântica, e ainda vai inviabilizar o chamado Largo Santa Rita como área de

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biodiversidade reconhecida pelo Ministério do Meio Ambiente (Portaria nº 126/2004). 5. Caso em que cuidadoso parecer técnico ofertado pelo Parquet nos autos originários como subsídio para o início da ação civil pública, em contraposição a licença prévia do Ibama, escancara que o órgão federal subestimou grosseiramente o impacto ambiental que a obra poderia acarretar na região atingida, ressaltado o risco de destruição de 17 espécies animais e algumas vegetais, todas nativas da região, bem como o dano para espécies aquáticas. 6. Cenário processual enriquecido por tra-balho técnico ofertado pelo Ministério Público Federal, evidenciando que a atuação do Parquet está muito longe de ser apenas uma ‘aventura processual’; pelo contrário, é revelada uma profunda preocupação com a contínua e desmedida degradação do Estuário de Santos e da Serra do Mar, preocupação que deveria ser de todos e não apenas dos Ministérios Públicos Estadual e Federal. 7. É preciso que o Judiciário resolva sobre a possibilidade ou não de uma área sujeita a amplas res-trições ambientais suportar a grave intervenção que é planejada contra a integridade dela, quando se sabe que pela Constituição Federal e pela legislação ordinária vigentes, a regra é a preservação da vegetação do bioma Mata Atlântica. 8. Em sede de Direito Ambiental o norte é o princípio da precaução – que inclusive pressupõe a inversão do ônus da prova (STJ, AgRg-AREsp 206.748/SP, 3ª T., J. 21.02.2013) – de modo que a solução que mais contempla o valor constitucional escanca-rado no art. 225 da Magna Carta, um autêntico interesse público, é o Judiciário atuar como Poder de Estado e não como mero espectador; para esse fim deve-se dar provimento ao recurso minis-terial para suspender os efeitos da Licença Prévia nº 399/2011 – Ibama, determinando ao órgão que não emita mais nenhuma autorização ou licença para instalação do Terminal Portuário Brites até o desfecho final da ação, ficando a agravada proibida de qualquer intervenção degradadora da área sob pena de multa de R$ 50.000,00 por cada descumprimento (obviamente sem prejuízo da incidência da Lei nº 9.605/1998). 9. Agravo de instrumento provido. Agravo regimental preju-dicado.” (TRF 3ª R. – AI 0017069-06.2012.4.03.0000/SP – 6ª T. – Relª Desª Fed. Mairan Maia – DJe 22.08.2014)

Comentário Editorial SÍNTESE Cuida-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu o pedido de liminar, em ação civil pública ajuizada com o objetivo de impedir a instalação de terminal portuário pri-vado para movimentação de cargas próprias e de terceiros em área de Mata Atlântica.

Eis o relatório da decisão impugnada:

“O autor pretende seja declarada a impossibilidade jurídica da implantação do Terminal Por-tuário Brites, em face da extrema importância da área destinada ao empreendimento para a conservação da biodiversidade, que a coloca sob a proteção do art. 225 da Constituição Federal e da Lei nº 11.428/2006.

Argumenta que a construção do Terminal Portuário Brites na área de proteção do bioma Mata Atlântica não se enquadra nas exceções para autorização de supressão da vegetação previstas na Lei nº 11.428/2006, por não se tratar de serviço de utilidade pública, mas, sim, de projeto da iniciativa privada, com fins lucrativos, e, ainda que referido projeto se enquadrasse nas exceções previstas na referida Lei, a sucessiva concessão de autorizações para a supressão do Bioma, na forma prevista nos arts. 14 e 20 e seguintes, levaria, ao longo de gerações, à progressiva e completa fragmentação e extinção daquela mata.

A inicial veio instruída com documentos. A ré Santa Rita Terminais Portuários deu-se por citada e manifestou-se às fls. 950/1023. Notificado o representante do Ibama, este ofereceu manifesta-ção preliminar na qual informou o histórico e o estado atual do licenciamento do Terminal Brites, além de requer o indeferimento da liminar” – fl. 1.071 e verso.

Processado o recurso sem a concessão da medida pleiteada. O agravante pleiteou a reforma dessa decisão. Os agravados apresentaram resposta.

Segundo o voto da Relatora:

“Inicialmente, julgo prejudicado o pedido de reforma da decisão relativa ao efeito suspensivo, ante o julgamento do presente agravo de instrumento.

Ao apreciar o pedido de efeito suspensivo, assim decidiu o Relator:

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‘Insurge-se o agravante contra decisão que indeferiu o pedido de liminar, em ação civil pública ajuizada com o objetivo de impedir a instalação de terminal portuário privado para movimenta-ção de cargas próprias e de terceiros em área de Mata Atlântica.’Eis o relatório da decisão impugnada:‘O autor pretende seja declarada a impossibilidade jurídica da implantação do Terminal Portuário Brites, em face da extrema importância da área destinada ao empreendimento para a conser-vação da biodiversidade, que a coloca sob a proteção do art. 225 da Constituição Federal e da Lei nº 11.428/2006. Argumenta que a construção do Terminal Portuário Brites na área de proteção do Bioma Mata Atlântica não se enquadra nas exceções para autorização de supressão da vegetação previstas na Lei nº 11.428/2006, por não se tratar de serviço de utilidade pública, mas, sim, de projeto da iniciativa privada, com fins lucrativos, e, ainda que referido projeto se enquadrasse nas exceções previstas na referida lei, a sucessiva concessão de autorizações para a supressão do bioma, na forma prevista nos arts. 14 e 20 e seguintes, levaria, ao longo de gerações, à progressiva e completa fragmentação e extinção daquela mata. A inicial veio instruída com documentos. A ré Santa Rita Terminais Portuários deu-se por citada e manifestou-se às fls. 950/1023. Notificado o representante do Ibama, este ofereceu manifesta-ção preliminar na qual informou o histórico e o estado atual do licenciamento do Terminal Brites, além de requer o indeferimento da liminar’.Inconformado, requer a concessão da medida postulada e a reforma da decisão.Os agravados apresentaram resposta.Decido.Nos termos do art. 558 do CPC, a suspensão da eficácia de decisão agravada encontra-se condicionada à presença de dois fatores: a relevância da fundamentação e a configuração de situação que possa resultar lesão grave ou de difícil reparação, que, neste aspecto, deve ser certa e determinada, capaz de comprometer a eficácia da tutela jurisdicional.Por sua vez, o recurso interposto contra decisão que defere ou indefere o pedido de liminar devolve ao órgão julgador apenas o exame da presença ou ausência destes pressupostos legais ensejadores da concessão.Com efeito, na precisa lição de Hely Lopes Meirelles, a ação civil pública é o ‘instrumento pro-cessual adequado para reprimir ou impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e por infrações da ordem econômica (art. 1º), protegendo, assim, os interesses difusos da sociedade’.” (Mandado de segurança. 19. ed. Malheiros. p. 140)A Constituição Federal consagra a questão ambiental como direito social e difuso do homem e em seu art. 225 estabelece:“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.O foco principal da política ambiental é a preservação e a restauração do meio ambiente, por meio de políticas de prevenção e a precaução de qualquer tipo de dano, bem como a manuten-ção do desenvolvimento sustentável.Por sua vez, o Ibama – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis tem como principais atribuições exercer o poder de polícia ambiental; executar ações das polí-ticas nacionais de meio ambiente, referentes às atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental; e executar as ações supletivas de competência da União de conformidade com a legislação ambiental vigente.Nesse sentido, muito embora os argumentos desenvolvidos neste recurso, não vislumbro, primo ictu oculi, a presença dos elementos necessários ao deferimento do provimento requerido, na medida em que presente na decisão a análise dos pressupostos processuais envolvendo o pedido formulado, preserva-se neste momento processual a cognição desenvolvida pelo Juízo como instrumental analítico da situação fática posta. Destaco, por oportuno, excertos da decisão impugnada:‘Ao conceder a Licença Prévia nº 399/2011, fls. 969/972, 4º volume, o Ibama exerceu seu poder de polícia ambiental, com a finalidade de executar a política de preservação, conserva-ção e uso sustentável dos recursos naturais, visando o planejamento e fiscalização do uso dos

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recursos ambientais, bem assim, a proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas e proteção de áreas ameaçadas de degradação, buscando a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico. Portanto, não há verossimilhança para se declarar judicialmente, neste momento e em sede liminar, que todo o trabalho realizado pelo Ibama, inclusive o EIA/Rima – Estudo e Relatório de Impacto Ambiental – afrontam irremediavelmente o ordenamento jurídico vigente, ou mes-mo que as provas produzidas unilateralmente pelo Ministério Público Federal são irrefutáveis e levam às conclusões nelas contidas, mormente porque há presunção de legitimidade dos atos administrativos do Ibama, órgão encarregado de verificar a viabilidade jurídica e ambiental do projeto, além do que as alegações do Ministério Público Federal desconsideram o estudo e o relatório de impacto ambiental do projeto – fls. 31/99.No mais, com a licença prévia concedida não há efeitos concretos sobre a área em questão, eis que não se autorizou ocupação, supressão de vegetação ou início de obras, mas somente uma licença prévia para prosseguimento administrativo do empreendimento, segundo as condições estipuladas, buscando-se comprovar a viabilidade inicialmente proposta’ – fl. 1.072 e verso.Por fim, denota-se não estar configurado o periculum in mora na medida em que, proferida a de-cisão ora combatida em sede de cognição sumária, não se exclui a possibilidade de sua reforma por ocasião do julgamento da ação de origem num plano de cognição exauriente em que ocorra a apreciação do mérito da questão levada a juízo.Considerando a cognição sumária desenvolvida na via estreita do agravo de instrumento, mor-mente neste momento de apreciação de efeito suspensivo ao recurso, tenho que o agravante não demonstrou a presença dos requisitos ensejadores da concessão da medida pleiteada.Ante o exposto, indefiro o efeito suspensivo pleiteado.”Dessa forma, concluiu a Relatora que:“Não obstante as alegações expostas, não há nos autos alteração substancial capaz de influir na decisão proferida quando do exame do pedido de efeito suspensivo.Ante o exposto, voto por julgar prejudicado o agravo regimental e negar provimento ao agravo de instrumento.”

2866 – Ação civil pública – proteção ao meio ambiente cultural – teoria do fato consumado em tutela ambiental – inaplicabilidade

“Reexame necessário/apelações cíveis. Ação civil pública. Proteção ao meio ambiente cultural. Município de Pedro Leopoldo. Ausência de interesse processual. ‘Teoria do fato consumado’. Ina-plicabilidade na tutela ambiental. Cumulação de obrigações de fazer, não fazer e indenizar em sede de ação civil pública. Possibilidade. Jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Jus-tiça. Nulidade do inquérito civil público. Ofensa ao contraditório. Inexistência. Inventário cultural. Instrumento autônomo de proteção ao patrimônio cultural. Regulamentação infraconstitucional. Ir-relevância. Demolição de casarão sem prévio requerimento de alvará. Publicação e/ou notificação acerca da existência do inventário cultural. Ausência. Ato administrativo. Publicidade. Princípio constitucional da administração pública (art. 37, caput, CR) e requisito de eficácia do ato. Ausência de título jurídico a embasar a pretensão do parquet. Sentença reformada, em reexame necessário. Recurso de apelação interposto pelos réus conhecido e provido. Recurso de apelação interposto pelo Ministério Público conhecido e não provido. 1. Em se tratando de violação ao meio ambiente – no caso, em sua perspectiva cultural –, o interesse processual do legitimado ativo exsurge não só a partir da ameaça, mas, quando já ocorrido o dano, que, na espécie, é incontroverso e anterior ao ajuizamento da demanda. 2. A tutela pretendida consiste na reparação (integral) do dano, assim como a declaração, por sentença, do interesse cultural do imóvel, sendo certo que o sistema de responsabilização civil por dano ambiental – baseado nos princípios da precaução, prevenção, do poluidor-pagador e, sobretudo da reparação integral –, não admite a simples invocação da popu-larmente conhecida ‘teoria do fato consumado’, que, em linhas gerais, visa o reconhecimento da ‘possibilidade de consolidação e convalidação de situações fáticas originadas na ilegalidade e em prejuízo ao meio ambiente’. 3. Por outro lado, ‘a jurisprudência do STJ está firmada no sentido da viabilidade, no âmbito da Lei nº 7.347/1985 e da Lei nº 6.938/1981, de cumulação de obri-

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gações de fazer, de não fazer e de indenizar’ (REsp 1198727/MG, Rel. Min. Herman Benjamin). 4. O inquérito civil público, criado pela Lei nº 7.347/1985 e, posteriormente, consagrado no Texto Constitucional como função institucional do Ministério Público (art. 129, III, CR), constitui pro-cedimento de natureza investigativa, inquisitiva, destinado a colher elementos de convicção do órgão de execução do parquet para eventual propositura de Ação Civil Pública ou outra demanda a seu cargo. Assim, por não se tratar de processo ou mesmo contencioso perante a Administração Pública, mas, antes, procedimento investigatório, não exige a observância ao princípio constitucio-nal do contraditório (art. 5º, inciso LV, CR), embora não lhe seja vedado. 5. O inventário constitui instrumento constitucional autônomo de proteção ao patrimônio cultural brasileiro, consoante dispõe a norma inserta no art. 216, § 1º da Constituição da República. 6. Não obstante a ausência de regulamentação infraconstitucional do inventário, certo é que o constituinte originário, ao alçá--lo à categoria de instrumento autônomo de proteção ao patrimônio cultural brasileiro, reconheceu sua importância e relevância, devendo os bens inventariados, portanto, se sujeitarem ao regime jurídico especial dos bens culturais. 7. Ocorre que, para que possa produzir efeitos extra muros do órgão do qual emanou sua iniciativa, o inventário cultural – como qualquer ato administrativo –, deve ser publicado no órgão oficial, na medida em que a publicidade, além de princípio cons-titucional da administração pública (art. 37, caput, da CR), é requisito de eficácia do ato. 8. In casu, constitui fato incontroverso que o inventário cultural do casarão em tela não foi publicado, nem os proprietários notificados acerca de sua existência. 9. Em que pese a declaração de valor cultural procedida pela Administração Municipal, fato é que o ato administrativo do inventário não produziu efeitos em relação aos proprietários ou a terceiros, não sendo possível, portanto, se exigir por parte destes dever de abstenção no sentido de preservação do bem. 10. Não se olvida, ainda, que, para a demolição de qualquer imóvel – seja ele declarado cultural ou não –, se exige prévio alvará da Municipalidade, nos termos da Lei Municipal nº 2.893/2006 (Código de Obras do Município de Pedro Leopoldo), assim como o fato de que, tivessem os proprietários requerido, conforme determina a Lei local, licença para demolição do imóvel, certamente tomariam ciência de que fora inventariado como patrimônio cultural do Município e o pedido, certamente, lhes seria negado. 11. Contudo, no caso presente, a conduta dos proprietários em proceder à demolição do vetusto casarão sem obtenção do competente alvará, apenas configura infração administrativa ao Código de Obras, porquanto a Municipalidade não cuidou de dar publicidade ao inventário do imóvel por ela declarado como integrante do patrimônio cultural, de modo que somente a ela se poderia imputar atitude (omissiva) do dever constitucional de promoção e proteção ao patrimônio cultural, a teor das normas insertas nos arts. 23, inciso III, 216, §1º, e 225, caput, da Constituição da República. 12. Inexistindo título jurídico a amparar os pedidos do parquet, consistentes na reconstrução total/parcial do casarão, ao pagamento de danos morais coletivos, bem como na obrigação de o Município exercer, efetivamente, a vigilância sobre o imóvel a ser reconstruído, a improcedência da ação é medida que se impõe.” (TJMG – AC-RN 1.0210.11.006693-8/002 – 8ª C.Cív. – Rel. Bitencourt Marcondes – DJe 21.08.2014)

Comentário Editorial SÍNTESECuidam os autos de “ação civil pública em defesa de bem de valor cultural, com pedido liminar” ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais em face de Frederico Augusto Car-doso Martins, Marcela Cardoso Martins, Raul Augusto Cardoso Martins e do Município de Pedro Leopoldo, em que aduz que os três primeiros réus procederam, em um final de semana, à demo-lição quase que total do imóvel cultural inventariado pelo Município conhecido como “Casarão Belisário Filho”, de sua propriedade, sem prévio requerimento de alvará ao Município – como prevê a legislação local –, vindo a concluir os trabalhos nos três dias que se seguiram. Sustenta que o imóvel em questão possuía indiscutível relevância para a história e memória da comu-nidade, na medida em que foi erigido para moradia da família do Sr. Armando Belisário Filho, filho ilustre do Município, tendo sido outrora o segundo Vereador a presidir a Câmara Municipal e Prefeito, assim como liderou, ainda, a emancipação político-administrativa do Município. Dis-corre que o casarão se encontrava em bom estado de conservação e, “apesar dessa lamentável importância para história e para a cultura do Município de Pedro Leopoldo, a ‘perda’ da citada edificação para a comunidade e para a harmonia/estética do ambiente urbano é perceptível até

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mesmo para o leigo” (fl. 07). Argumenta que a conduta perpetrada pelos proprietários consistiu em ação voluntária e danosa ao patrimônio cultural local e, de acordo com informações oficio-sas, no nítido intuito de impedir o tombamento do bem e edificação de prédio de apartamento e lojas, bem como o Município teria se omitido ao não proceder ao tombamento do bem, assim como deixar de exercer a vigilância sobre o bem cultural, o que teria sido decisivo para o fim proposto pelos primeiros requeridos. Ao final, requereu a procedência da ação, nos seguintes termos: (i) o reconhecimento e decla-ração, por sentença, do valor cultural do imóvel conhecido como “Casarão Armando Belisário Filho”, com determinação de averbação da decisão à margem do CRI e também no indicador real; (ii) condenação dos três primeiros réus na “obrigação de fazer consistente na reconstrução integral do imóvel, observando-se todas as suas características originais, no prazo máximo de dez meses, de acordo com projeto previamente aprovado pelo Conselho Municipal do Patrimônio Natural e Cultural de Pedro Leopoldo ou pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artísti-co de Minas Gerais, a ser apresentado pelos requeridos no prazo de trinta dias a contar do trân-sito em julgado da decisão judicial”, ou, alternativamente, “que seja determinada a reconstrução da fachada, observando-se todas as suas características originais, no prazo máximo de três me-ses, de acordo com projeto previamente aprovado pelo Conselho Municipal do Patrimônio Natu-ral e Cultural de Pedro Leopoldo ou pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, a ser apresentado pelos requeridos no prazo de trinta dias a contar do trânsito em julgado da decisão judicial”, ou, ainda, eventualmente, “condenados ao pagamento de indeniza-ção a título de danos materiais, representativos do valor estimado para a reconstrução do imóvel de idênticas características às daquele que foi demolido indevidamente, cuja quantia deverá ser depositada à disposição do Fundo Estadual de Direitos Difusos ou outro equivalente, bem como não erigir outra construção em altimetria maior do que era o casarão, para não modificar a paisagem do local” (f. 30/31); (iii) condenação dos três primeiros réus, “sem prejuízo dos dois pedidos eventuais anteriores, ao pagamento de indenização a título de danos morais coletivos decorrentes do perecimento/demolição do imóvel original, cuja quantia deverá ser depositada à disposição do Fundo Estadual de Direitos Difusos ou outro equivalente” (f. 31); (iv) condenação dos três primeiros réus na obrigação de não fazer “consistente em não realizar qualquer obra após a reconstrução do casarão (ou fachada) sem prévia autorização do Conselho Municipal do Patrimônio Natural e Cultural de Pedro Leopoldo” (f. 32); e, (v) condenação do quarto réu na “obrigação de fazer consistente em fiscalizar para que o casarão reconstruído não seja destruído, demolido ou mutilado, sem prévia autorização do Conselho Municipal do Patrimônio Natural e Cultural de Pedro Leopoldo” (f. 31). O magistrado a quo, consoante sentença prolatada às fls. 351/368, integrada pela decisão de f. 385/394, julgou parcialmente procedente a ação, para declarar o valor cultural do bem, assim como condenar os três primeiros réus a reconstrução integral do casarão, nos termos em que pleiteado pelo autor, bem como na obrigação de não fazer constante a alínea “iv” acima transcrita. Com efeito, a Constituição da República, no art. 216, cunhou o conceito de patrimônio cultural brasileiro e criou, ao lado do tombamento – até então o único instituto de proteção aos bens culturais –, um leque de instrumentos de proteção, dentre eles o inventário: “Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à me-mória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão;II – os modos de criar, fazer e viver;III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleon-tológico, ecológico e científico.§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.[...]”

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O instrumento do inventário constitui forma das mais antigas utilizadas no reconhecimento do valor cultural de um bem para a comunidade no qual se encontra inserido, havendo notícias de seu manejo já no século XVIII.Não obstante a ausência de regulamentação infraconstitucional, o constituinte originário, ao alçá-lo à categoria de instrumento autônomo de proteção ao patrimônio cultural brasileiro, reco-nheceu sua importância e relevância, devendo os bens inventariados, portanto, se sujeitarem ao regime jurídico especial dos bens culturais.A propósito, cito Marcos Paulo de Souza Miranda:“Independentemente da ausência de lei regulamentadora acima referida, entendemos que os órgãos públicos responsáveis pela preservação do patrimônio cultural brasileiro podem realizar o inventário de bens de valor cultural e que, com a inventariação, consequências jurídicas advêm para o proprietário do bem (desde que cabalmente cientificado do ato) e para o próprio ente responsável pelo trabalho técnico.[...]Em assomo e uma vez que a Carta Magna reconheceu expressamente (art. 216, § 1º) o inventá-rio como instrumento de preservação do patrimônio cultural, não se concebe que os bens inven-tariados possam ser destruídos, inutilizados, deteriorados ou alterados sem prévia autorização do órgão responsável pelo ato protetivo. Por isso, entendemos que surgem ainda em decorrência do ato de inventariação pelo menos mais dois efeitos jurídicos imediatos:a) A submissão do bem inventariado ao regime jurídico específico dos bens culturais protegidos; b) A qualificação do bem inventariado como objeto material dos crimes previstos nos arts. 262 e 63 da Lei nº 9.605/1998.” (MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Tutela do patrimônio cultural brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 103-104)Nesse sentido vem se firmando a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LIMINAR – IMÓVEL DE VALOR HISTÓRICO E CULTURAL, LOCALIZADO NO ENTORNO DE BEM TOMBADO E/OU INVENTARIADO – MEDIDA DE PROTEÇÃO CONSTITUCIONALMENTE AUTORIZADA (ART. 216, § 1º, CF)Independentemente do tombamento, e apenas em virtude de estar inventariado, o patrimônio cultural e histórico merece proteção, e, neste caso, ainda que precária -- até definitiva solução da questão em exame – essa proteção, se não for deferida, inviabilizará qualquer ação futura, pois a demolição de bens já ocorreu. Todas as formas de acautelamento e preservação podem ser tomadas pelo Judiciário, na sua função geral de cautela (arts. 23, III e IV; 30, I e IX, e 216, § 1º, da Constituição Federal).O tombamento é uma das formas de proteção do patrimônio cultural, mas não é a única, como o enfatiza o próprio Texto Constitucional. No complexo de um leque de ações da Administração e ‘da comunidade’, como quer a Carta Magna, o inventário constitui hoje um relevante cadastro de bens de valor sociocultural que a sociedade não pode desprezar, devendo o Judiciário não ignorar as potencialidades de um instrumento assim valioso.” (TJMG, AC 1.0672.09.394312-0/001, Rel. Des. Wander Marotta, DJU 08.04.2011)Ocorre que, para que possa produzir efeitos extra muros do órgão do qual emanou, o inventário cultural, como qualquer ato administrativo, deve ser publicado no órgão oficial, na medida em que a publicidade, além de princípio constitucional da administração pública (art. 37, caput, da CR), é requisito de eficácia do ato.Por fim, concluiu o douto Relator:“Dessa forma, vislumbro plausibilidade nas alegações dos apelantes, haja vista constituir fato incontroverso nos autos que o inventário cultural do casarão em tela não foi publicado, nem os proprietários notificados acerca de sua existência, consoante se extrai, de forma inequívoca, do documento de fl. 210, emitido pela Gerência de Cultura do Município de Pedro Leopoldo, bem como do depoimento da testemunha arrolada pelo parquet às fls. 336/338.Assim, em que pese a declaração de valor cultural procedida pela Administração Municipal, fato é que o ato administrativo do inventário do imóvel não produziu efeitos em relação aos proprie-tários ou a terceiros, não sendo possível, portanto, se exigir dever de abstenção no sentido de preservarem o bem.De outro lado, não se olvida o fato de que, para a demolição de qualquer imóvel – seja ele declarado cultural ou não –, se exige prévio alvará, nos termos da Lei Municipal nº 2.893/2006 (Código de Obras do Município de Pedro Leopoldo), assim como, tivessem os proprietários

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requerido, conforme determina a Lei local, licença para demolição do imóvel, certamente to-mariam ciência de que fora inventariado como patrimônio cultural do Município e o pedido, certamente, lhes seria negado.Contudo, no caso presente, a conduta dos apelantes em proceder à demolição do vetusto ca-sarão sem obtenção do competente alvará, apenas configura infração administrativa ao Código de Obras, porquanto, repiso, a Municipalidade não cuidou de dar publicidade ao inventário do imóvel por ela declarado como integrante do patrimônio cultural, de modo que somente a ela se poderia imputar atitude (omissiva) do dever constitucional de promoção e proteção ao patri-mônio cultural, a teor das normas insertas nos arts. 23, inciso III, 216, § 1º, e 225, caput, da Constituição da República.Nesse contexto, inexistindo título jurídico a amparar o pedido do apelado, consistente na re-construção total/parcial do casarão, ao pagamento de danos morais coletivos, bem como na obrigação de o Município exercer, efetivamente, a vigilância sobre o imóvel a ser reconstruído, a improcedência da ação é medida que se impõe.”

2867 – Crime ambiental – desmatamento em área de preservação permanente – pequeno pro-dutor rural – princípio da insignificância – aplicabilidade

“Agravo regimental em recurso especial. Art. 40 da Lei nº 9.605/1998. Crime ambiental. Desma-tamento em área de preservação permanente. Princípio da insignificância. Reconhecimento na instância de origem. Pequeno produtor rural. Entendimento em sentido contrário. Incidência da Súmula nº 7/STJ. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido de ser possível a aplicação do princípio da insignificância em sede ambiental, exigindo, para tanto, a conjugação dos seguintes vetores: mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. No caso, o Tribunal Regional, ao analisar o conjunto fático-probatório dos autos, entendeu que a lesão ao bem jurídico tutelado se revelou praticamente inexpressiva, ressal-tando, ainda, que a área desmatada está se recuperando naturalmente. 3. Diante disso, concluiu que a intervenção do Poder Público por meio do Direito Penal é desnecessária, considerando que não restou demonstrada a degradação ou risco de degradação de toda a flora que compõe o ecos-sistema local – Parque Nacional da Serra do Divisor –, objeto de especial preservação. 4. Nesse contexto, em recurso especial, não há como afastar essa conclusão e acolher a tese de que, ‘embo-ra não tenha sido extensa a área lesionada, é inconteste que a conduta do ora agravado pode levar a um prejuízo muito mais elevado ao meio ambiente’, ante a impossibilidade de reexame de pro-vas (Súmula nº 7/STJ). 5. Cumpre registrar, ainda, tratar-se de pequeno produtor rural que utilizou a área desmatada para fins de sustento de sua família. Portanto, deve-se realizar, aqui, um juízo de ponderação entre o dano causado pelo agente e a pena que lhe seria imposta como consequência da intervenção penal do Estado. 6. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.366.185 – (2013/0041043-8) – 5ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 21.08.2014)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 9.605/1998:“Art. 40. Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localização:Pena – reclusão, de um a cinco anos.”

2868 – Crime ambiental – extração de gipsita – ausência de obtenção das licenças ambiental e mineral – presença do elemento subjetivo do dolo – reconhecimento

“Penal e processual penal. Extração de gipsita sem prévia obtenção das licenças ambiental e mine-ral. Art. 55 da Lei nº 9.605/1998 e art. 2º da Lei nº 8.176/1991, c/c art. 70, parte final, do Código Penal. Autoria e materialidade comprovadas. Presença do elemento subjetivo do tipo (dolo). Erro de tipo. Inaplicabilidade. Concurso formal impróprio. Reforma na dosimetria da pena. 1. Apela-ções criminais interpostas por F. G. S. e pelo Ministério Público Federal contra sentença que julgou procedente a pretensão punitiva estatal para condenar o réu à pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses

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de detenção, substituída por uma sanção restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade pelo prazo de 6 (seis) meses, e 10 (dez) dias-multa à razão de 1/30 do salário míni-mo vigente à época dos fatos, pela prática dos crimes previstos no art. 2º da Lei nº 8.176/1991 e art. 55 da Lei nº 9.605/1998, em concurso formal. 2. Materialidade e autoria delitiva contatadas com base no relatório de fiscalização (fls. 08/13 e 51/78 do IP) emitido pelo DNPM conforme a vistoria técnica realizada em 17.11.2010, assim como no laudo da perícia Criminal Federal nº 1984/2011-INC/DITEC/DPF (fls. 51/75), como também no depoimento de testemunha. 3. Acer-ca da alegação de ausência do elemento subjetivo do tipo, cabe observar o seguinte: ao sustentar que não teria agido com vontade livre e consciente de praticar a extração de granito em área não autorizada, isto é, que não teria atuado dolosamente ao promover a extração de minério sem as devidas licenças mineral e ambiental, o apelante se vale de um suposto erro incidente sobre ele-mento normativo do tipo (‘sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida’ – art. 55 da Lei nº 9.605/1998 e ‘sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo’ – art. 2º da Lei nº 8.176/1991). 4. Quanto ao argumento defensivo de que se configurou erro de tipo, o mesmo não merece ser acolhido, pois ninguém pode alegar desconhecimento da Lei para agir em desconformidade com esta. 5. Ambas as teses não merecem prosperar. Já foi amplamente demonstrado que o acusado tinha plena cons-ciência da necessidade de prévia obtenção das licenças ambiental e mineral, como condição para a extração de minérios. Prova disso é que o próprio réu requereu a concessão de licença para tal fim, o que demonstra a ciência da norma proibitiva. Ademais, ninguém pode alegar desconheci-mento da Lei para agir em desconformidade com esta. Anote-se, por fim, que o acusado, embora ciente do indeferimento da licença mineral, por falta da licença ambiental, ainda assim decidiu explorar economicamente a extração de minérios. 6. A conduta em questão conduta constitui concurso formal impróprio (Código Penal, art. 70, parte final) entre os crimes descritos no art. 2º, da Lei nº 8.176/1991, e no art. 55, da Lei nº 9.605/1998, cujos objetos de proteção são, respecti-vamente, o patrimônio da União e o meio ambiente. 7. Na dosimetria da pena está presente uma circunstância judicial, qual seja, a culpabilidade do agente. 8. Segunda fase. Ausentes atenuantes ou agravantes. Terceira fase. Ausentes causas de diminuição ou de aumento da pena. 9. Torno, destarte, a pena para o delito previsto no art. 2º da Lei nº 8.176/1991, definitiva em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção e 54 (cinquenta e quatro) dias-multa, cada um no valor de 3 (três) vezes o salário mínimo vigente à época dos fatos. Por sua vez, torno a pena para o delito do art. 55 da Lei nº 9.605/1998 definitiva em 6 (seis) meses e 22 (vinte e dois) dias de detenção e 18 (dezoito) dias-multa, cada um no valor de 3 (três) vezes o salário mínimo vigente à época dos fatos. 10. Com arrimo no art. 70 do CP, as penas devem ser aplicadas cumulativamente. Desse modo, condeno o réu definitivamente a 2 (dois) anos e 22 (vinte e dois) dias de detenção e ao pagamento de 76 (setenta e seis) dias-multa, cada um no valor de 3 (três) vezes o salário mínimo vigente à época dos fatos, a qual se torna definitiva, a ser cumprida inicialmente no regime aberto (art. 33, § 2º, c, do CP), substituída por duas sanções restritiva de direitos (art. 44 do CP). 11. Apelação de F. G. S. im-provida. Apelação do MPF provida para condenar F. G. S. à pena de 2 (dois) anos e 22 (vinte e dois) dias de detenção e ao pagamento de 76 (setenta e seis) dias-multa, cada um no valor de 3 (três) vezes o salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática dos delitos previstos no art. 2º da Lei nº 8.176/1991 e no art. 55 da Lei nº 9.605/1998.” (TRF 5ª R. – ACr 0000344-84.2012.4.05.8309 – (10771/PE) – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Francisco Cavalcanti – DJe 31.07.2014)

Transcrição Editorial SÍNTESE•Leinº9.605/1998:“Art. 55. Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autoriza-ção, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida:Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.”•Leinº8.176/1991:“Art. 2º Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo.Pena: detenção, de um a cinco anos e multa.”

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•CódigoPenal:“Art. 70. Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, en-tretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.07.1984)Parágrafo único. Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.07.1984)”

2869 – Parcelamento do solo – loteamento em área rural – fracionamento para fins urbanísti-cos – inadmissibilidade

“Ação civil pública. Apelação. Loteamento em área rural não passível de fracionamento para fins urbanísticos. Danos ao meio ambiente e ao urbanismo. Competência da Câmara Reserva-da ao Meio Ambiente. Resolução nº 512/2010 do Tribunal de Justiça. Recurso não conhecido.” (TJSP – AC 0029682-65.2005.8.26.0053 – São Paulo – 3ª CDPúb. – Rel. Ronaldo Andrade – DJe 29.08.2014)

Constitucional

2870 – Ação direta de inconstitucionalidade – lei municipal – atribuições a órgãos da Adminis-tração Pública – vício de iniciativa – existência

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 7.236/2014, do Município de Guarulhos que ‘dispõe sobre a utilização de papel reciclado, no âmbito de administração municipal e dá outras providên-cias’. Lei oriunda de projeto proposto por Vereador, que cuida de matéria administrativa, criando atribuições a órgãos da Administração Pública, sem indicação, ademais, de fonte específica de receita. Vício de iniciativa ocorrente, com violação ao princípio da separação de poderes, pro-priamente dos arts. 5º, 24, § 2º, n.2, 25, 47, incisos II, XIV e XIX, a, 144 e 176, I, da Constituição do Estado. Ação julgada procedente.” (TJSP – ADIn 2083980-20.2014.8.26.0000 – O.Esp. – Rel. Walter de Almeida Guilherme – DJe 10.09.2014)

2871 – Ação direta de inconstitucionalidade – projeto de lei – efetivação das normas dos arts. 30 e 70 da CF/1988 – aprovação da lei sob regime de urgência – pedido juridica-mente impossível

“Ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Projeto de lei apresentado pelo chefe do Exe-cutivo Municipal de Silves, visando efetivar as normas insculpidas nos art. 30 e 70 da Carta Magna e art. 49 da Constituição Estadual. Projeto rejeitado. Ação visando à aprovação da lei sob regime de urgência. Pedido juridicamente impossível. Possibilidade de reapresentação do projeto na ses-são legislativa seguinte. Ausência de interesse de agir. Preliminares acolhidas. Ação extinta sem resolução do mérito. I – Tem-se a impossibilidade jurídica do pedido, na medida em que o reque-rente postula no sentido de ser providenciada, em regime de urgência, a aprovação da referida lei que cria o órgão de controle interno. Ocorre que, de acordo com o art. 103, § 2º, da Carta Magna, não há possibilidade de fixação de um prazo rígido para a atuação legislativa; II – Ausência de inte-resse de agir na modalidade necessidade, vez que, segundo o art. 67 da Constituição da República, inexiste óbice para que o Prefeito Municipal de Silves reapresente o projeto na sessão legislativa seguinte; III – Ação extinta sem resolução do mérito, com base no art. 267, inciso VI, do CPC.” (TJAM – Proc. 4000928-75.2012.8.04.0000 – TP – Relª Desª Encarnação das Graças Sampaio Salgado – DJe 16.09.2014)

2872 – Ação popular – ato administrativo – Imposto de Renda – isenção – revogação – lança-mento – decadência – ocorrência

“Constitucional. Ação popular. Perda do objeto. Revogação de ato administrativo que concedia isenção de Imposto de Renda. Lançamento tributário. 1. A ação popular é constitucionalmente pre-

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vista no art. 5º, inciso LXXIII, e regulada pela Lei nº 4.717/1965, que nos termos do seu art. 1º pres-ta-se a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio. 2. A autoria pleiteia a revogação do Ato Declaratório nº 0840-196/77, emanado da Delegacia da Receita Federal em Ribeirão Preto, que concedeu isenção do Imposto de Renda, nos termos da previsão esculpida no art. 113 do Decreto nº 78.186/1975, à Sociedade Portuguesa de Beneficência em Ribeirão Preto, que foi expressamente revogado pelo Ato Declaratório DRF nº 0840-010/83, datado de 24.08.1983, alcançando os exercícios anteriores, como se isenção não houvesse. 3. Ausência da condição da ação ante a perda superveniente do interesse de agir. 4. O dano e respectivo quantum volvem-se ao tributo virtualmente devido e não recolhido pela entidade. O ato de re-vogação administrativa quanto a condição de entidade filantrópica da Sociedade Portuguesa de Beneficência de Ribeirão Preto, datado de 24.08.1983, está sujeito ao prazo decadencial para o lançamento do crédito tributário, nos termos do art. 173 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – CTN. Não houve, por parte da Receita Federal, qualquer ato que levasse a constituição de crédito previdenciário em desfavor da sociedade ré. 5. No tocante à condenação da sociedade ré em custas, despesas judiciais/extrajudiciais e honorários advocatícios, deve a r. sentença ser mantida, em atendimento ao princípio da causalidade, considerando a superveniente ausência do interesse de agir. 6. Apelo da Sociedade Portuguesa de Beneficência de Ribeirão Preto a que se da parcial provimento, nos termos do relatório e voto, que passam a fazer parte integrante do presente julgado.” (TRF 3ª R. – AC 0423538-23.1981.4.03.6100/SP – 3ª T. – Rel. Juiz Fed. Conv. Roberto Jeuken – DJe 09.09.2014)

Transcrição Editorial SÍNTESECódigo Tributário Nacional:“Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lança-mento anteriormente efetuado.Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.”

2873 – Reclamação – sucedâneo recursal – utilização – impossibilidade

“Reclamação. Utilização como sucedâneo recursal. Impossibilidade. 1. Reclamação propos-ta contra decisão monocrática proferida pelo Relator do Agravo de Instrumento nº 5011307-23.2014.404.0000/RS, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que, em sede de execução de sentença contra a Fazenda Pública, indeferiu a expedição de RPV autônoma visando o pagamento de honorários contratuais. 2. Alega a insurgente que o julgado em avilte afrontou a jurisprudência firmada a teor do art. 543-C do Código de Processo Civil pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.347.736/RS. 3. No entanto, a reclamação constitucional tem como fina-lidade preservar a competência do Superior Tribunal de Justiça ou garantir a autoridade de suas decisões, nos termos do art. 105, I, f, da Constituição Federal. 4. No caso, não se verifica qualquer dessas situações, pois o que se pretende, na verdade, é a reforma da decisão, que estaria em desconformidade com a jurisprudência pacífica desta Corte. 5. A inconformidade deveria ter sido manejada por meio da via recursal própria, no âmbito da execução em tela, mas não pelo uso da reclamação, que não se apresenta como sucedâneo de recurso. 6. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-RCL 18.454 – (2014/0129127-6) – 1ª S. – Rel. Min. Og Fernandes – DJe 21.08.2014)

Transcrição Editorial SÍNTESEConstituição Federal:

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“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:I – processar e julgar, originariamente:[...]f) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas de-cisões; [...]”

Penal / Processo Penal

2874 – Crime de peculato – Súmula nº 283 do STF – incidência

“Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Penal. Crime de peculato. Art. 312 do Código Penal. Agravo regimental que não ataca os fundamentos da decisão agravada. Súmula nº 283/STF. Incidência. 1. ‘É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida as-senta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles’ (Súmula nº 283/STF). Precedente: RE 505.028-AgRg, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª T., DJe de 12.09.2008. 2. In casu, o acórdão originariamente recorrido assentou: Penal e processual penal. Peculato contra a Caixa Econômica Federal. Art. 312 do Código Penal. Preliminares. Prova ilícita. Quebra de sigilo bancário pela CEF. Inexistência. Contraditório e ampla defesa. Observância. Mérito. Materialidade e autoria delitivas comprovadas. Dosimetria da pena privativa de liberdade e de multa. Observân-cia aos ditames legais. Regime inicial de cumprimento da pena – imposição de regime mais gravo-so. Fundamentação inidônea. substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Observância dos arts. 48 e 56 do CP. Beneficiário da assistência judiciária gratuita. Condenação ao pagamento de custas processuais. Possibilidade. Arts. 804 do CPP e 12 da Lei nº 1.060/1950. Apelação parcialmente provida. 3. Agravo regimental desprovido.” (STF – AgRg-RE-Ag 803.126 – Goiás – 1ª T. – Rel. Min. Luiz Fux – J. 05.08.2014)

2875 – Falso testemunho – comunicação feita por juiz do trabalho – potencialidade – prece-dentes

“Penal. Recurso em sentido estrito. Rejeição de denúncia. Crime de falso testemunho. Comunica-ção feita por juiz do trabalho. Decisão reformada pelo Tribunal Regional do Trabalho. Irrelevância. Justa causa. Potencialidade lesiva. Recurso provido. 1. Recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra a decisão que rejeitou a denúncia pela prática do crime do art. 342 do Código Penal. 2. O crime de falso testemunho é de natureza formal e se consuma com a simples prestação do depoimento falso, independente da produção do resultado lesivo, bastando a potencialidade deste. Precedentes. 3. Desnecessidade de o Juízo Trabalhista taxar a declaração da testemunha como falsa na sentença para que seja determinada a instauração de inquérito policial, por não ter competência para tanto. Precedentes. 4. Como dispõe o art. 40 do CPP, cabe ao Juízo do Trabalho remeter as cópias do processo ao Ministério Público Federal para que, assim enten-dendo, ofereça a denúncia. E compete ao Juízo Criminal ponderar se o depoimento tido como falso é suficiente para caracterizar a ocorrência de crime. 5. Embora na Justiça do Trabalho, em grau de recurso, não tenha sido acolhido o depoimento prestado pelas testemunhas como fundamento da sentença, é certo que as declarações das testemunhas eram potencialmente danosas, visto que relacionadas diretamente com a pretensão deduzida em juízo, qual seja, o reconhecimento do vín-culo trabalhista, tanto que este foi reconhecido na sentença de primeira instância, reformada pelo Tribunal Regional do Trabalho. 6. Irrelevante que o Tribunal Regional do Trabalho tenha reforma-do a sentença no ponto em que determinou a expedição de ofício à Polícia Federal para apuração de crime de falso testemunho. 7. Em razão da independência das instâncias, o fato de o Juízo Tra-balhista comunicar possível ocorrência de crime, não implica necessariamente em oferecimento de denúncia pelo MPF, nem tampouco, caso oferecida, na condenação pelo Juízo Criminal. Da

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mesma forma, o fato de o TRT não ter vislumbrado a ocorrência de crime, não vincula o MPF, nem tampouco o Juízo Criminal. 8. Recurso provido.” (TRF 3ª R. – RSE 0004935-91.2013.4.03.6181/SP – (2013.61.81.004935-8) – 1ª T. – Rel. Juiz Convocado Márcio Mesquita – J. 12.08.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEA Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região acolheu recurso do Ministério Pú-blico Federal para receber denúncia por crime de falso testemunho praticado perante a Justiça do Trabalho.Para o Tribunal, é suficiente a comunicação dos fatos ao Ministério Público, que analisa a possi-bilidade de determinar a instalação de inquérito e oferecer denúncia.Consta dos autos que os depoimentos das testemunhas foram prestados em ação trabalhista que buscava obter o reconhecimento do vínculo empregatício. A testemunha que depôs em favor do reclamante afirmou que trabalhara com esse em uma empresa transportadora, recebendo remuneração das mãos do administrador da empresa, e que costumavam trabalhar em todos os feriados, tendo sido demitidos por esse mesmo admi-nistrador. Já a testemunha da empresa reclamada declarou que os motoristas agregados, contratados pela empresa transportadora, não trabalhavam todos os dias da semana, não tendo horário certo para entrar em serviço, e que o expediente ia até às 19h30min. Na fase policial, ambos os depoimentos foram modificados. A testemunha do reclamante ad-mitiu que fez “bico” com ele durante três ou quatro meses, tendo recebido os pagamentos das mãos dele e não do administrador da empresa reclamada. Alegou, ainda, que não se recordava de ter trabalhado em feriados com o reclamante.A testemunha da empresa reclamada também alterou seu depoimento para admitir que os motoristas agregados trabalhavam todos os dias, que havia horário certo para estes chegarem na empresa, a saber, às 8 horas, e que era muito comum os motoristas retornarem à empresa depois das 20 horas. Constatada a disparidade entre os depoimentos, sendo certo que falsearam a verdade, o Juízo Trabalhista determinou a expedição de comunicação ao Ministério Público Federal para apura-ção da existência de crime.O juízo de primeiro grau não recebeu a denúncia ao argumento de que seria necessário ao ma-gistrado trabalhista tachar a declaração das testemunhas como falsa na sentença. A decisão do Colegiado entendeu que o crime de falso testemunho é de natureza formal e se consuma com a simples prestação do depoimento falso, independentemente da produção do resultado lesivo, bastando que exista a potencialidade deste.O art. 342 do Código Penal assim prevê:“Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, con-tador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.§ 1º As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta.§ 2º O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade.”A materialidade e a autoria do crime de falso testemunho ficou demonstrada nos depoimentos dos réus perante o Juízo Trabalhista e depois perante a autoridade policial, havendo, assim, elementos suficientes para a instauração da ação penal.O Tribunal Regional Federal da 3ª Região deu provimento ao recurso.Outrossim, recomendamos a leitura dos artigos intitulados “Competência: crimes de falso teste-munho prestado por precatória”, de Ronaldo Batista Pinto; “Da prova testemunhal no processo penal”, de Rômulo de Andrade Moreira; “Falso testemunho – Artigo 342 e §§ 1º e 2º do Código Penal – Lei nº 10.268/2001”, de Geraldo Batista de Siqueira, Benedito Xavier Torres, Marina da Silva Siqueira, Henrique Barbacena Neto e Alberto Carlos Aldrigo; “Roteiro prático do inquérito policial”, de Rodrigo Carneiro Gomes e “Suspeição de testemunha: breves comentários sobre o Enunciado nº 357 do TST”, de Fabio Empke Vianna. Disponível no site do SINTESENET Jurídico – www.iobonlinejuridico.com.br.

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2876 – Pena – cumprimento – imposição de prestação de serviços à comunidade como condi-ção especial – inadmissibilidade

“Habeas corpus substitutivo de recurso próprio. Condenação ao cumprimento da pena privativa de liberdade no regime aberto. Inadmissibilidade da imposição de prestação de serviços à comu-nidade como condição especial. Súmula nº 493/STJ. Constrangimento ilegal evidenciado. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício. Este Superior Tribunal de Justiça, na esteira do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, tem amoldado o cabimento do remédio heroico, adotando orientação no sentido de não mais admitir habeas corpus substitutivo de recurso ordinário/especial. ‘É inadmissível a fixação da pena substitutiva (art. 44 do CP) como condição especial ao regime aberto’ (Súmula nº 493/STJ). Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para afastar, como condição especial ao cumprimento da pena no regime aberto, a pres-tação de serviços à comunidade.” (STJ – HC 287.078/SP – (2014/0012703-3) – 6ª T. – Relª Min. Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJSE) – DJe 25.08.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEO vertente acórdão trata de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor da pa-ciente contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que indeferiu liminarmente a petição inicial da ordem anteriormente impetrada pela defesa.Consta dos autos que a paciente foi condenada à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicial aberto, tendo a reprimenda sido substituída por penas restritivas de direitos, consistente em prestação pecuniária e de serviços à comunidade.Apesar de não conhecer do habeas corpus por ser substitutivo de recurso ordinário, a nobre Relatora constatou flagrante ilegalidade na decisão e concedeu a ordem de ofício.Ainda destacou que a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça uniformizou o entendimento de que não é possível a fixação da prestação de serviços à comunidade como condição especial para o cumprimento da pena no regime aberto, tendo em vista que as penas restritivas de direi-tos constituem sanções autônomas e alternativas.No presente writ, a defesa sustenta não haver óbice ao deferimento do pleito em sede de habeas corpus, bem como ofensa à Súmula nº 493/STJ, a qual impede a fixação de pena substitutiva como condição especial ao regime aberto.Pugna, liminarmente, pela expedição de salvo conduto em favor da paciente, impedindo sua prisão até o julgamento do mérito do presente writ.A prestação de serviços à comunidade é sanção autônoma e não pode ser imposta como con-dição especial de cumprimento de pena no regime aberto. Esse entendimento foi aplicado pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça.Vale trazer trecho do voto do Relator:“O acórdão foi assim ementado:‘PENAL – RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA – REGIME ABERTO – CONDIÇÕES ESPECIAIS – ART. 115 DA LEP – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE – BIS IN IDEM – RECURSO DESPROVIDO – 1. É lícito ao juiz estabelecer condições especiais para a concessão do regime aberto, em complementação daquelas previstas na LEP (art. 115 da LEP), mas não poderá adotar a esse título nenhum efeito já classificado como pena substitutiva (art. 44 do CPB), porque aí ocorreria o indesejável bis in idem, importando na aplicação de dúplice sanção. 2. Recurso especial desprovido.’ (REsp 1.107.314/PR, 3ª S., Rel. p/o Ac. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 05.10.2011) Confiram-se, ainda, os seguintes precedentes:‘PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL – EXE-CUÇÃO PENAL – UTILIZAÇÃO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO – NÃO CONHECIMENTO DO WRIT – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – CONVERSÃO DA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS EM PRIVATIVA DE LIBERDADE – FIXAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE COMO CONDIÇÃO ESPECIAL DO REGIME ABERTO – ART. 115 DA LEI Nº 7.210/1984 – IMPOSSIBILIDADE – ENTENDIMENTO CONSOLIDADO PELA 3ª SEÇÃO DO STJ (RESP 1.107.314/PR) – CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO – MANIFESTA ILE-GALIDADE – HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO – CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS, DE

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OFÍCIO – I – Dispõe o art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal que será concedido habeas corpus ‘sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder’, não cabendo a sua utilização como substituto de recursos ordinários, tampouco de recursos extraordinário e especial, nem como sucedâneo da revisão criminal. II – A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar, recentemente, os HCs 109.956/PR (DJe de 11.09.2012) e 104.045/RJ (DJe de 06.09.2012), considerou ina-dequado o writ, para substituir recurso ordinário constitucional, em habeas corpus julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, reafirmando que o remédio constitucional não pode ser utilizado, indistintamente, sob pena de banalizar o seu precípuo objetivo e desordenar a lógica recursal. III – O Superior Tribunal de Justiça também tem reforçado a necessidade de se cumprir as regras do sistema recursal vigente, sob pena de torná-lo inócuo e desnecessário (art. 105, II, a, e III, da CF/1988), considerando o âmbito restrito do habeas corpus, previsto constitucionalmente, no que diz respeito ao STJ, sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, nas hipóteses do art. 105, I, c, e II, a, da Carta Magna. IV – Nada impede, contudo, que, na hipótese de habeas corpus substitutivo de recursos especial e ordinário ou de revisão criminal – que não merece co-nhecimento –, seja concedido habeas corpus, de ofício, em caso de flagrante ilegalidade, abuso de poder ou decisão teratológica. V – A Terceira Seção do STJ, em 13.12.2010, nos autos do REsp 1.107.314/PR, representativo da controvérsia (art. 543-C do CPC), firmou posicionamen-to segundo o qual não é cabível a fixação da prestação de serviços à comunidade como condição especial do regime aberto, nos termos do art. 115 da Lei nº 7.210/1984, por configurar afronta ao princípio do ne bis in idem. Informativo nº 460 desta Corte. VI – Habeas corpus não conhe-cido. VII – Concessão da ordem, de ofício, para, cassando o acórdão impugnado, restabelecer a decisão do Juízo das Execuções, que indeferira a fixação da prestação de serviços à comunidade como condição especial do regime aberto.’ (HC 145.589/SP, Relª Min. Assusete Magalhães, 6ª T., DJe 30.10.2012)‘AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – PENAL – CASA DE PROSTITUIÇÃO – PRIN-CÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL – INAPLICABILIDADE – FATO TÍPICO – IMPOSIÇÃO DE PRES-TAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE COMO CONDIÇÃO AO REGIME ABERTO – IMPOSSI-BILIDADE – NATUREZA DE PENA – PROIBIÇÃO DE CUMULAÇÃO DE SANÇÕES – MATÉRIA PACIFICADA – RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA Nº 1.107.314/PR – AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE PROVIDO – 1. A eventual tolerância da sociedade ou das autoridades públicas não implica na atipicidade da conduta relativa à prática do crime previsto no art. 229 do Código Penal (‘casa de prostituição’), valendo ressaltar que o alvará ex-pedido tinha por objeto autorizar o funcionamento de um bar e não de uma casa para encontros libidinosos, não havendo que se falar, portanto, em aplicação do princípio da adequação social. Precedentes. 2. Por ocasião do julgamento do Recurso Especial Representativo da Controvérsia nº 1.107.314/PR, as Turmas especializadas em direito penal desta Corte pacificaram o entendi-mento segundo o qual é lícito ao juiz estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto desde que elas não constituam pena autônoma, como é o caso da prestação de serviços à comunidade, sob pena de ilegal cumulação de sanções. 3. Agravo regimental parcialmente pro-vido para, reformando a decisão agravada, negar seguimento ao recurso especial do Ministério Público.’ (AgRg-REsp 1.045.907/PR, 5ª T., Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 02.10.2012)”O Superior Tribunal de Justiça não conheceu a ordem.

2877 – Prisão preventiva – homicídio – princípio da presunção da inocência – não violação

“Processual penal. Habeas corpus. Prisão preventiva. Não violação ao princípio constitucional da presunção da inocência. Requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal. Circunstâncias pessoais favoráveis. Excesso de prazo. Princípio da razoabilidade. Dilação probatória. Habeas corpus denegado. 1. A prisão preventiva não viola o princípio constitucional da presunção da inocência, desde que demonstrada existência dos pressupostos legais autorizadores da medida cautelar. 2. A d. autoridade judiciária, ao prolatar a r. decisão que decretou a prisão preventiva (fls. 650/657), assim como a decisão que indeferiu o pedido de revogação da prisão preventiva (fls. 658/661), evidenciou a necessidade da custódia cautelar do ora paciente, não havendo que se falar, portanto, na circunstância de a manutenção da prisão preventiva do acima mencionado paciente não encontrar justificativa nos requisitos do art. 312 do Código Processual Penal. 3. In

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casu, verifica-se que a manutenção da prisão do paciente se justifica em função das circunstâncias específicas demonstradas nos autos, pelo MM. Juízo Federal impetrado, ao proferir a decisão que decretou a prisão preventiva em discussão (fls. 650/657). 4. O fato de eventualmente o paciente apresentar circunstâncias pessoais favoráveis, tais como primariedade, bons antecedentes, traba-lho e residência fixos, além de família constituída, não impede a decretação da prisão preventiva, se presentes as condições e os requisitos que a tanto autorizem. Aplicação de precedente jurispru-dencial da Quarta Turma deste Tribunal Regional Federal. 5. No que se refere ao alegado excesso de prazo, deve ser apontado que o princípio da razoabilidade admite a flexibilização dos prazos estabelecidos pela Lei Processual Penal para a prática de atos em ações penais que envolvam réus presos, quando existente motivo que a tanto justifique. E, no caso, em face do princípio da razoa-bilidade, não se apresenta como juridicamente cabível, no atual momento processual, a concessão da ordem de habeas corpus postulada na petição inicial, sob o fundamento de excesso de prazo na instrução criminal, sobretudo quando se verifica que, nas informações prestadas às fls. 648/649, o MM. Juízo Federal impetrado esclareceu, em resumo, que, ‘considerando a complexidade da causa, considerando a condição de réus presos, considerando o número elevado de réus e teste-munhas (12 réus e 66 testemunhas), bem como considerando que somente 8 (oito) testemunhas serão inquiridas por meio de carta precatória, este juízo designou audiência de inquirição das testemunhas de acusação para o dia 07.05.2014, às 09h00min’ (fl. 649). 6. A análise do asseverado pelo impetrante, no sentido de que ‘[...] não existem requisitos para decretação da prisão provi-sória ou cautelar em função de que o paciente não participou do crime, somente por infelicidade chegou ao local no momento da manifestação popular’ (fl. 12), demanda a dilação probatória, o que não se apresenta possível de ocorrer na estreita via processual do habeas corpus. 7. Habeas corpus denegado.” (TRF 1ª R. – HC 0018711-97.2014.4.01.0000/RO – 4ª T. – Rel. Des. Fed. I’talo Fioravanti Sabo Mendes – J 05.08.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEPostulou-se o presente habeas corpus para que fosse revogada a prisão provisória do paciente.Consta dos autos que o Ministério Público Federal apresentou denúncia contra o paciente acu-sando-o da prática dos crimes de homicídio triplamente qualificado (art. 121, § 2º, I e IV, do Código Penal), homicídio tentado triplamente qualificado (art. 121, § 2º, I, III e IV, c/c art. 14, II, do CP), dano duplamente qualificado (art. 163, parágrafo único, I e III, do CP), resistência (art. 329 do CP) e quadrilha armada (art. 288 do CP).O Juiz a quo decretou a prisão preventiva do paciente diante da constatação da materialidade e de indícios suficientes de autoria.Inconformada, a defesa impetrou habeas corpus requerendo a revogação da prisão provisória argumentando que já havia se passado mais de 120 dias da prisão sem que até o momento houvesse o término da instrução criminal, “o que extrapola o limite legal, configurando-se em claro constrangimento”. Sustentou, ainda, que o réu possui todos os requisitos para responder ao processo em liberdade, pois se trata de pessoa trabalhadora, pai de família, que nunca participou de qualquer ato que pudesse desabonar a sua boa conduta.No que se refere ao alegado excesso de prazo, os Magistrados ressaltaram que o princípio da razoabilidade admite a flexibilização dos prazos estabelecidos pela Lei Processual Penal para a prática de atos em ações penais que envolvam réus presos, quando existe motivo que a justi-fique.Por unanimidade, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região manteve a prisão provisória do réu.Vale trazer trecho do voto do Relator:“E, in casu, verifica-se que a manutenção da prisão do paciente se justifica em função das circunstâncias específicas demonstradas nos autos, pelo MM. Juízo Federal impetrado, ao pro-ferir a decisão que decretou a prisão preventiva em discussão (fls. 650/657), não se podendo, inclusive, ignorar o por ele indicado, no sentido de que:“[...]Quanto à decretação da prisão preventiva, o CPP, ao regular o ponto, diz:

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‘Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão pre-ventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.[...]Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:I – nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos.[...].’No caso em apreço, a materialidade está inconteste pelos laudos juntados.No que diz respeito à autoria, o CPP, como visto, exige apenas a demonstração de seus indícios, indícios esses comprovados pela investigações relatadas acima pela autoridade policial, segundo as quais pessoas entrevistadas em Rio Pardo e testemunhas ouvidas pelo Delegado de Polícia (Informe nº 129/2013/SI/4ª CIA po/7º BPM e Informação s/nº) afirmaram ser o representado o autor do disparo que tirou a vida do Policial da Força Nacional.Além disso, o representado está sendo investigado pela prática de homicídio doloso, previsto no art. 121 do CP, cuja pena máxima privativa de liberdade supera os 4 (quatro) anos exigidos pelo inciso I do art. 313 do CPP.Quanto aos demais requisitos, a decretação da prisão preventiva no presente caso é necessária para garantir a ordem pública, tendo em vista que, pelos relatos dos entrevistados e pelas testemunhas ouvidas, o representado, demonstra ser agressivo, tendo, pois, a personalidade voltada para atividades delitivas, sendo, por isso, grande a probabilidade de voltar a delinquir, caso permaneça solto.Sem contar que, por ter o homicídio do Policial da Força Nacional sido cometido em um cenário de desocupação de terras públicas da União invadidas por um grupo de relativa organização para tal finalidade, o indeferimento da prisão preventiva do representado representaria um sentimento de impunidade nele e nos demais posseiros não apreendidos, o que, também, contribuiria para o aumento da probabilidade deles voltarem a cometer crimes da natureza do ora em apreço, já que, como dito mais de uma vez, o representado tem personalidade agressiva e incitou as pessoas a se exaltarem no ato de resistência ao cumprimento da desocupação pela Autoridade Pública.Nesses casos, não é outro o entendimento da jurisprudência:‘[...] 3. A despeito da declaração de inconstitucionalidade do art. 44 da Lei nº 11.343/2006, constata-se que, no caso em apreço, a prisão do paciente foi mantida também com funda-mento no art. 312 do Código de Processo Penal, mormente para garantia da ordem pública, considerando-se, sobretudo, a existência de indicativos nos autos no sentido de que a atividade delituosa era reiterada, o que evidencia a perniciosidade da ação ao meio social. [...]’ (STJ, HC 201201015484, 5ª T., Laurita Vaz, DJe Data: 14.09.2012 ..DTPB:.)‘[...] III – Com a evidenciação da periculosidade concreta do acusado, denotando ser sua perso-nalidade voltada para o cometimento de delitos, resta obstada a revogação da medida constritiva para garantia da ordem pública. Precedentes desta Corte. [...]’ (STJ, HC 201201166044, 5ª T., Gilson Dipp, DJe Data: 20.08.2012 ..DTPB:.)”

2878 – Uso de documento falso – fraude em licitação – Justiça Militar – incompetência

“Penal e processual penal militar. Competência. Uso de documento ideologicamente falso por civil. Fraude em licitação. Consunção. Recurso parcialmente provido. 1. A Justiça Militar da União é incompetente para julgar o crime de uso de documento ideologicamente falso cometido por civil quando não houver relação intrínseca da conduta com a atividade castrense. 2. O Supremo Tribunal Federal tem decidido, em casos análogos, pela incompetência da Justiça Militar da União para processar e julgar o uso de documento ideologicamente falso perante órgão das Forças Ar-madas (HC 108744, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª T., Julgado em 13.03.2012; HC 107731, Rel. Min. Ayres Britto, 2ª T., Julgado em 17.05.2011; HC 101471, Rel. Min. Ayres Britto, 2ª T., Julgado em 26.04.2011; HC 104837, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª T., Julgado em 28.09.2010).

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3. In casu, o paciente usou declaração de capacidade ideologicamente falsa com o objetivo de contratar com o Exército brasileiro. O Superior Tribunal Militar entendeu pela competência da Justiça Militar da União em razão da ofensa direta à moralidade castrense, aplicando o disposto no art. 9º, III, a, do Código Penal Militar: ‘Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: [...] III – os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as insti-tuições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos: contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar’. Razão pela qual pretende o reconhecimento da incompetência absoluta da Justiça Militar da União para processar e julgar crime de uso de documento falso perante a admi-nistração militar cometido por civil. 4. In casu, não há relação de necessariedade entre o crime de falso e o crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993. É dizer, não é indispensável para o tipo do art. 89 da Lei nº 8.666/1993 que se utilize de documento ideologicamente falso, o uso do docu-mento não perfaz elemento normativo do tipo descrito na Lei das Licitações, razão pela qual não há consunção entre os delitos. 5. Recurso ordinário a que se dá parcial provimento, para remeter os autos à Justiça Federal em Bagé/RS.” (STF – RO-HC 118.030 – Rio Grande do Sul – 1ª T. – Rel. Min. Luiz Fux – J. 19.08.2014)

Processo Civil e Civil

2879 – Ação de dano infecto – reiteração de fundamentos expendidos na contestação – de-monstração dos motivos

“Apelação cível. Ação de dano infecto. Agravo retido. Reiteração de fundamentos expendidos na contestação. Demonstração dos motivos da irresignação da parte com o possível desacerto da decisão. Ausência de afronta ao princípio da dialeticidade. Cerceamento de defesa. Intimação para manifestação sobre o laudo pericial na véspera da audiência designada. Renovação de intimação anterior. Cancelamento de audiência de instrução. Julgamento da lide no estado do processo. Cerceamento de defesa não verificado. Nulidade da sentença. Fundamentação concisa. Ausência de vício. Direito de vizinhança. Imóvel rural. Contenção de escoamento de águas decorrentes de precipitações pluviométricas em imóvel situado em plano superior a imóvel inferior. Responsabili-dade civil. Obrigação de fazer. Princípio da função social da propriedade. 1. ‘O princípio da dia-leticidade recursal deve ser compreendido como o ônus atribuído ao recorrente de evidenciar os motivos de fato e de direito para a reforma da decisão recorrida, segundo interpretação conferida ao art. 514, II, do CPC’, e assim a parte ‘não fica impedida de reiterar os fundamentos expendidos na inicial ou em outras peças processuais, desde quando estas forem suficientes para demonstrar os motivos da irresignação do insurgente, assim como o possível desacerto da decisão que se pretende desconstituir/modificar. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça (AgRg-AgRg-REsp 1.309.851, 4ª T.). 2. Em que pese as razões de apelação reiterem fundamentos expostos na contes-tação, apresentam arrazoado específico, demonstrando as razões pelas quais a decisão mereceria ser reformada, com suficiente fundamentação, a exemplo de cerceamento de defesa, da ausência de fundamentação e de desviar-se do alegado na contestação, invocando dispositivos legais equi-vocados, de modo a não ocorrer ofensa ao princípio da dialeticidade, impondo-se o conhecimento do recurso. 3. Constando anterior intimação da parte para se manifestar sobre o laudo pericial apresentado nos autos, a mera renovação de intimação para o mesmo fim na véspera da data designada para audiência de instrução e julgamento, sem se observar que essa providência já cons-tava dos autos, não implica violação ao art. 435/CPC, diante da preclusão operada (art. 183/CPC), não configurando cerceamento de defesa. 4. O cancelamento da audiência de instrução e julga-mento anteriormente designada, com dispensa da oitiva das testemunhas arroladas, na véspera da data designada, não configura cerceamento de defesa se a parte não demonstra quais fatos dependeriam de ser comprovados, em respeito ao princípio do livre convencimento do juiz e da

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livre apreciação das provas requeridas, quando se considera ser suficiente a prova documental e pericial constante dos autos. 5. Ainda quando de forma um tanto singela a sentença analisa os fatos arguidos pelas partes, concluindo, com base na prova pericial contida nos autos, ser proce-dente a pretensão, apontando os fatos que levaram à conclusão adotada, mesmo quando contrária aos interesses da parte requerida, não se verifica nulidade a ser pronunciada. 6. A Constituição Federal de 1988 garante o direito de propriedade como direito fundamental, assegurando a sua inviolabilidade (art. 5º, caput, e XXII), com da observância Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 1.013.245-5, 17ª C.Cív., fls. 2 de 22. Estado do Paraná de sua função social (art. 5º, XXIII), inclusive na órbita econômica (art. 170, II e III), impondo-se assim ao proprietário a obrigação de executar e manter as acessões físicas e técnicas adequadas na exploração da propriedade rural, de modo a garantir o correto escoamento das precipitações pluviométricas para imóvel vizinho situado em plano inferior, de modo a não agravar sua situação, consoante exegese dos arts. 1.228, §§ 1º e 2º, 1.288, segunda parte, 1.277 e 1.280/CCv.). 7. Comprovada a existência de obras arti-ficiais sobre a propriedade rural, mesmo que antes de sua aquisição pelo atual proprietário, e in-dependentemente delas, a omissão do proprietário na sua conservação ou implantação, conforme seja o caso, permitindo o acúmulo de águas causando degradação ao imóvel situado em plano inferior, caracteriza ato ilícito, dado ao abuso no exercício do direito de propriedade, suscetível de impor o dever de reparação civil, na forma do art. 187 c/c art. 927 do Código Civil. 8. Apelação cível e agravo retido a que se nega provimento.” (TJPR – AC 1013245-5 – 17ª C.Cív. – Rel. Juiz Subst. Francisco Jorge – DJe 10.09.2014 – p. 667)

2880 – Ação pauliana – reconhecimento de fraude – desconstituição das alienações

“Embargos de terceiro. Ação pauliana. Anterior reconhecimento de fraude. Desconstituição das alienações. Ajuizada, pelo exequente, ação pauliana anterior na qual foi reconhecida a fraude e determinada a anulação da alienação do imóvel, assim como todas as alienações posteriores. Se a adquirente ficou insatisfeita com a decisão proferida na ação pauliana da qual teve inegável ciên-cia depois do registro de seu resultado na matrícula do imóvel, deveria ter se utilizado dos meios processuais cabíveis contra aquela decisão, sendo descabida a veiculação de embargos de terceiro com o fim de desconstituir aquela determinação. Boa-fé não caracterizada, recebendo o imóvel a título de doação de seu próprio pai, que adquiriu o bem diretamente do fraudador. Recurso im-provido.” (TJSP – Ap 9165825-28.2009.8.26.0000 – São Paulo – 20ª CDPriv. – Relª Maria Lúcia Pizzotti – DJe 10.09.2014 – p. 1801)

2881 – Adjudicação compulsória – contrato de gaveta – anuência – ausência

“Adjudicação compulsória. Cadeia de contratos de gaveta sem a anuência da Cohab. Extinção do processo, sem exame de mérito. Inconformismo. Acolhimento. Apelantes que residem no imóvel há anos. Corrente contratual comprovada, com aparente quitação do preço. Extinção do feito que se releva precipitada. Sentença cassada. Recurso provido.” (TJSP – Ap 1005217-98.2014.8.26.0007 – São Paulo – 8ª CDPriv. – Rel. Grava Brazil – DJe 11.09.2014 – p. 1177)

2882 – Arras confirmatórias – caso fortuito – impossibilidade de retenção

“Apelação cível. Civil. Arras confirmatórias. Caso fortuito. Impossibilidade de retenção. Vedação ao enriquecimento sem causa. Inexecução que não derivou da conduta culposa do devedor. Re-curso conhecido e improvido.” (TJAM – Ap 0700587-10.2011.8.04.0001 – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Lafayette Carneiro Vieira Júnior – DJe 12.09.2014 – p. 39)

2883 – Condomínio – ação de cobrança – responsabilidade

“Despesas condominiais. Cobrança. Sentença de procedência mantida. 1. O fato de não haver convenção averbada no Cartório de Registro de Imóveis não impede a cobrança das parcelas de custeio dos serviços condominiais inadimplidas. 2. Ausência de qualquer documento que com-prove a efetiva quitação do débito condominial, sendo dever do condômino na proporção de sua

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parte concorrer com as despesas de conservação ou divisão da coisa e suportar os ônus a que esti-ver sujeito. 3. Negaram provimento ao recurso.” (TJSP – Ap 0010730-30.2012.8.26.0526 – Salto – 25ª CDPriv. – Rel. Vanderci Álvares – DJe 17.09.2014 – p. 1378)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de ação de cobrança de despesas condominiais visando ao recebimento das contas condominiais inadimplidas.O douto Magistrado presidente do feito julgou procedente a demanda, para o fim de condenar o réu ao pagamento, acrescido de multa convencional e parcelas que se vencerem até o efetivo pagamento, devidamente corrigidas a partir de cada vencimento, cumuladas de juros de mora desde a citação, nos termos do art. 406 do Código Civil. Condenou, ainda, ao pagamento das custas e despesas processuais, além dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor total do débito atualizado.Insurgiu-se o réu alegando, em síntese, que o condomínio réu encontra-se irregular diante da falta de registro de sua convenção e de suas atas perante o Cartório de Registro de Imóveis, em descumprimento aos requisitos legais, razão pela qual seriam indevidas a cobrança das taxas e as multas condominiais nos valores pleiteados na exordial.O apelante não nega estar em débito com as despesas condominiais, mas justifica o inadimple-mento pelo fato de estar passando por dificuldades financeiras, enfatizando que o condomínio encontra-se irregular diante da falta de registro de sua convenção e de suas atas perante o Cartório de Registro de Imóveis.O TJSP negou provimento ao recurso.Vale trazer trecho do voto do Relator:“O apelante não juntou aos autos nenhum comprovante de pagamento das despesas condomi-niais, nem explanou outro fato impeditivo ou modificativo do direito do autor, como lhe competia, nos termos do art. 33, inciso I, do Código de Processo Civil.Tivesse o apelante motivos palpáveis para se insurgir contra a cobrança, teria ele trazido recibos de pagamento dos meses correspondentes às cotas reclamadas.Ausente, portanto, qualquer documento que comprove a efetiva quitação do débito condominial perseguido pelo autor, encontra-se mesmo inadimplente o apelante, sendo dever do condômino, na proporção de sua parte, concorrer com as despesas de conservação ou divisão da coisa e suportar os ônus a que estiver sujeito.”O jurista Jacques Marcello Antunes Stefanes, analisando os juros aplicados nas taxas de con-domínio, assim elucida:“O novel Código Civil, segundo a redação do § 1º do art. 1.336, voltou a liberar a taxa de juros, não mais estando a prevalecer as disposições legais da Lei de Usura. Para o caso dos condo-mínios edilícios, é imperiosa a liberdade da convenção dos juros moratórios, pois terá o condão de elidir uma carga de inadimplência que coloque em risco a administração do condomínio em decorrência da redução da multa ao patamar de 2% (dois por cento).A sanção pecuniária para o condômino faltoso é a aplicação de multa e juros de mora, e, como visto, a multa, por infelicidade de nossos legisladores, a partir da vigência da Lei nº 10.406, será de dois por cento, e os juros serão os convencionais e, na falta, os legais.Os juros de mora têm por escopo compor uma indenização em virtude da falta de pagamento da obrigação principal no tempo e modo devido.” (A taxa de juros no condomínio edilício. Jornal Síntese, n. 76, p. 16, jun. 2003)O ilustre jurista Caio Mário da Silva Pereira, ao discursar sobre a Lei nº 4.591/1964, assim nos ensina:“A Lei nº 4.591/1964 estabelece, no art. 12, que cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, inclusive as com obras que visem a melhorar o edifício, aumentar-lhe a comodidade e o conforto, recolhendo, nos prazos previstos na convenção, a quota-parte que lhe couber em rateio. E ao mesmo tempo instituiu o critério de sua fixação, mandando em primeiro plano obser-var o disposto na convenção e, em segundo, ou seja, no silêncio desta, a proporcionalidade com a fração ideal de terreno de cada unidade. É ainda a mesma lei que atribui ao síndico a legitima-ção para arrecadar, amigável ou judicialmente, sujeitando-se os condôminos em atraso aos juros moratórios e à multa de até 20% sobre o débito. Pode este, ainda, ser atualizado com aplicação dos índices de correção monetária, se assim a convenção condominial dispuser a autorizar.

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Incorrendo o condômino em mora, pode-se-lhe ser judicialmente exigido o débito (principal e acessório), subordinado o exercício do direito de ação a certos requisitos. [...]O cumprimento das obrigações atinentes aos encargos condominiais, sujeitando o devedor às cominações previstas (juros moratórios, multa, correção monetária), todas exigíveis judicial-mente, constitui uma espécie peculiar de ônus real, gravando a própria unidade, uma vez que a lei lhe imprime poder de sequela. Com efeito, estabelece o art. 4º, parágrafo único, da Lei do Condomínio e Incorporações que o adquirente responde pelos débitos da unidade adquirida. O objetivo da norma é defender o condomínio contra a alegação de que o novo proprietário não pode responder pelos encargos correspondentes a tempo anterior a seu ingresso na comunidade. [...].” (Condomínio e incorporações. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 188-189)

2884 – Desapropriação indireta – indenização – perdas e danos – reforma agrária

“Processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Desapropriação indireta. In-denização. Perdas e danos. Reforma agrária. Juros compensatórios. Parcela disponível. Exclusão. Ausência de prequestionamento. Súmulas nºs 282/STF e 211/STJ. Ausência de comando normati-vo. Súmula nº 284/STF. 1. Não cumpre o requisito do prequestionamento o recurso especial para salvaguardar a higidez de norma de direito federal não examinada pela origem, que tampouco, à guisa de prequestionamento implícito, confrontou as respectivas teses jurídicas. Óbice das Súmu-las nºs 282/STF e 211/STJ. 2. É deficiente a argumentação do recurso especial quando nos disposi-tivos infraconstitucionais invocados não há comando normativo capaz de embasar a insurgência aduzida no apelo nobre. Aplicação da Súmula nº 284/STF. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 523.402 – (2014/0128609-1) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 16.09.2014 – p. 929)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de agravo regimental interposto pelo Incra contra decisão monocrática assim emen-tada:“Processual civil. Agravo em recurso especial. Desapropriação indireta. Indenização. Perdas e danos. Reforma agrária. Juros compensatórios. Parcela disponível. Exclusão. Ausência de pre-questionamento. Súmulas nºs 282/STF e 211/STJ. Ausência de comando normativo. Súmula nº 284/STF. Agravo conhecido para negar seguimento ao recurso especial.” Na peça recursal, o agravante argumentou estarem prequestionados os arts. 16 da Lei Comple-mentar nº 76/1993 e 15-A do Decreto-Lei nº 3.365/1941.Asseverou que a desapropriação indireta não tem regramento específico e que seu fundamento legal é o art. 35 do Decreto-Lei nº 3.365/1941.O STJ negou seguimento ao recurso.A Juíza Mônica Castro, discorrendo sobre a desapropriação, assim nos ensina:“Poucas foram as mudanças ocorridas no direito das coisas, em comparação com as demais matérias alinhadas na parte especial do novo Codex.Dentre as mais importantes destaca-se a atribuição prévia pelo legislador de um valor diferen-ciado à posse-trabalho em comparação à simples posse que se exerce como faculdade do direito de propriedade.Essa escolha legislativa pode ser bem compreendida quando cotejada com a doutrina adotada por Jan Schapp, para quem, no exame do caso concreto, em face da norma legal, não há que se cogitar em separação entre o geral e o particular através da analogia ou da síntese, haja vista que a lei já é o particular pelo fato de decidir caso concreto futuro, isto porque o que se entende por universal na lei seria seu conteúdo fático, enquanto a ordem de consequência jurídica, ao contrário, seria concebida como decisão concreta.A metodologia adotada pelo novo CC se apresenta inteiramente coadunada com essa decisão previamente realizada pelo legislador ao valorar a posse em relação à propriedade. Igualmente relevante a valoração maior concedida à posse em detrimento da propriedade quando se depara o jurista com nova regra concernente às acessões artificiais que não mais serão de propriedade exclusiva do titular da área como se dá no Código Civil, mas do construtor ou plantador, desde que as acessões realizadas sejam de valor consideravelmente maior que o do terreno, como se constata do comando expresso no art. 1.255, parágrafo único, do CC/2002.

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3 A desapropriação judicialVislumbra-se a disposição do art. 1.228 como a grande mola propulsora desse instituto. Diz o novo Código:‘Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê--la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.[...]§ 4º O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicando consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de 5 (cinco) anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.§ 5º No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.’Essa desapropriação realizada diretamente pelo Poder Judiciário, sem intervenção prévia de outros Poderes, é figura nova em nosso sistema positivo.Como lembra o eminente Supervisor da Comissão Elaboradora e Revisora do Código Civil, Pro-fessor Miguel Reale, surge uma nova via de desapropriação, instituto que não deve ser entendido como prerrogativa exclusiva dos Poderes Executivo ou Legislativo. Em um mesmo artigo – § 4º do art. 1.228 –, o legislador faz uso de vários conceitos jurídicos indeterminados: considerável para qualificar o número de pessoas; de interesse social e eco-nômico para adjetivar as obras e serviços e extensa para identificar a área. Abre-se, então, um aparente ‘leque’ de possibilidades para o preenchimento do conteúdo jurídico desses conceitos pelo Magistrado que, conforme relatado, será o artífice dessa desapropriação.Aparente porque um conceito jurídico indeterminado pode ser determinado pelo conhecimento técnico, pela experiência comum, pelos antecedentes históricos, dentre outros fatores. Ou, de forma mais exata, indeterminado por ser de fácil ou difícil determinação, nunca impos-sível.Assim, para preencher o conceito de considerável em relação ao número de pessoas, há de ficar entendido que devem elas pertencer a mais de um núcleo familiar. Uma única família, por mais numerosa que seja, não pode preencher o conteúdo jurídico indi-cado, porque o que parece pretender o legislador é que a desapropriação transcenda o interesse individual, refira-se à comunidade, e não a um interesse homogêneo limitado a uma entidade familiar.Igualmente, no que concerne a obras e serviços de interesse social e econômico, deve o Ma-gistrado ter presente o caráter altruístico da medida, a afastar qualquer significado egoístico e, portanto, a visar aos interesses de estabilidade social e não individuais dos ocupantes.No que concerne à extensão, deverá verificar no contexto de situação do imóvel a área comum de semelhantes prédios na região.” (A desapropriação judicial no novo Código Civil. Disponível em: online.sintese.com)

2885 – Desapropriação indireta – usucapião – inocorrência

“Processual civil e administrativo. Art. 535 do CPC. Violação não caracterizada. Devido enfren-tamento das questões recursais. Desapropriação indireta. Usucapião. Inocorrência. Reexame de provas e falta de prequestionamento. Súmulas nºs 7 e 211/STJ. Juros compensatórios. Adequação à Súmula nº 408/STJ. 1. Não há violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida, com enfrentamento e resolução das questões abordadas no recurso. 2. Em relação ao usucapião, além de o Tribunal de origem ter dirimido a questão com base nas provas dos autos, não houve o prequestionamento da tese trazida nas razões do recurso especial, não obstante a oposição de embargos de declaração. 3. A pretensão de simples reexame de provas, além de escapar da função constitucional deste Tribunal, encontra óbice nas Súmula nº 7 do STJ, cuja incidência é induvidosa no caso sob exame. 4. A Corte a quo não analisou, ainda que implicitamente, a tese em torno do art. 551 do Código Civil de 1916. Desse modo, impõe-se o não conhecimento do recurso especial por ausência de prequestionamento, entendido como o indispensável exame da questão pela decisão atacada, apto a viabilizar a pretensão recursal. Incide no caso o Enunciado da Súmula nº 211 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: ‘Inadmissível

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recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo’. 5. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que a aplicação do percentual dos juros compensatórios deve observar o princípio tempus regit actum, consoante consta da Súmula nº 408/STJ, verbis: ‘Nas ações de desapropriação, os juros compensa-tórios incidentes após a Medida Provisória nº 1.577, de 11.06.1997, devem ser fixados em 6% ao ano até 13.09.2001 e, a partir de então, em 12% ao ano, na forma da Súmula nº 618 do Supremo Tribunal Federal’. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-REsp 1.365.995 – (2011/0172786-9) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 09.09.2014 – p. 2997)

2886 – Direito de vizinhança – ação indenizatória – infiltrações – nexo causal – demonstração – indenização dos danos materiais – necessidade

“Direito de vizinhança. Ação indenizatória. Infiltrações. Nexo causal. Demonstração. Indeniza-ção dos danos materiais. Necessidade. Descaracterização de qualquer excludente de responsabi-lidade do requerido. Sentença mantida. Recurso do requerido improvido. O conjunto probatório acostado aos autos revela suficiente robustez em demonstrar a existência de danos no imóvel do requerente e o nexo causal com o comportamento do requerido. De rigor, assim, o pagamento de indenização requerida. Direito de vizinhança. Danos morais. Configuração. Meros dissabores cotidianos. Descaracterização. Ocorrência de dano, nexo causal e negligência do requerido a causar abalo de ordem imaterial ao requerente. Recurso do requerente provido. Tendo dado causa às infiltrações no imóvel do requerente, conforme demonstrado nos autos, tem o Requerida o dever de reparar os danos materiais causados, fato este que não o isenta de responder por danos morais acarretados ao requerente, em decorrência dos naturais aborrecimentos, chateações de situações como a enfrentada pelo requerente em razão da negligência do requerido.” (TJSP – Ap 0001443-29.2012.8.26.0369 – Monte Aprazível – 31ª CDPriv. – Rel. Armando Toledo – DJe 16.09.2014 – p. 1380)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de ação de indenização por danos materiais e morais ajuizada a objetivar a condenação do requerido ao pagamento de R$ 4.489,70, a título de danos materiais, e de quantia não inferior a 20 salários-mínimos, a título de danos morais.

A r. sentença julgou procedente, em parte, a ação, afastando o pedido de danos morais e conde-nando o requerido ao pagamento de R$ 8.021,59, por danos materiais, com correção monetária pela tabela prática do eg. TJSP a contar do ajuizamento da ação e com incidência de juros de mora de 1% a contar da citação. Em razão da sucumbência recíproca, determinou a divisão das custas igualmente entre as partes, as quais arcarão com os honorários de seus causídicos.

Irresignado, apela o autor, a pretender a reforma da sentença, para que seja o requerido também condenado em danos morais, sob a alegação de que teve e continua tendo grandes aborrecimen-tos, que, de qualquer forma, provocam perturbação de sua tranquilidade. Pleiteia, também, a condenação do requerido em honorários advocatícios.

Recorreu, também, o requerido a alegar que o autor não trouxe aos autos elementos convincen-tes e comprobatórios dos valores por ele apresentados para a comprovação dos danos materiais, uma vez que apresentou apenas um orçamento, quando a praxe consiste em apresentar três orçamentos, sendo certo que estes valores não poderiam ter sido acolhidos pelo d. Magistrado. Aduziu, ainda, que também não poderia ter sido adotado pela r. sentença o valor apontado pela Sra. Perita como necessário para a reforma do imóvel, pois desprovido de fundamentação. Por fim, sustenta que o laudo pericial não foi conclusivo em demonstrar o nexo causal entre os danos suportados pelo autor e qualquer ação ou omissão do requerido. Sendo assim, pretende a reforma da r. sentença, para que seja julgada totalmente improcedente.

Consta da inicial que o autor é proprietário de um imóvel que faz divisa com outro pertencente ao requerido. Informou o autor que no imóvel do requerido existem infiltrações que há tempos vem lhe causando transtornos e prejuízos, pois teve danificada sua parede, um jogo de armário de cozinha, além de parte do piso que está se soltando, sendo assim, pleiteou indenização por danos materiais e danos morais.

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O direito de vizinhança é distinguido pela proximidade, ou melhor, pela pouca distância que existe entre os proprietários dos imóveis ou condôminos. Diante disso, qualquer prejuízo que venha a ser causado ao outro tem que ser reparado de forma a não causar mais problemas ou perturbações no seu direito.Sobre este direito, vejamos os esclarecimentos de Eusébio Carvalho: “A propriedade é um direito fragmentado e a função social incide em cada regime proprietário. Contudo, é importante ficar claro que a intensidade da sua funcionalização pode até variar de propriedade para propriedade, mas nunca irá abandonar os princípios constitucionais garantido-res da dignidade da pessoa humana. A função social da propriedade não é uma limitação ao direito de propriedade, e sim um de seus elementos constitutivos, interagindo diretamente no conceito. Nesse sentido, André Osório Godinho, em brilhante trabalho doutrinário, assevera que: ‘Outra diferença reside no fato de que as limitações apenas atingem o exercício do direito, mas nunca sua substância, e que só se justificam se uma nova concepção do direito de propriedade é aceita. A função social atinge a própria essência do direito de propriedade, modificando o seu conteúdo e criando as condições propícias para a legitimidade das restrições impostas ao domínio. A função social também não representa um ônus para o proprietário, pois, na realidade, a mesma visa a simplesmente fazer com que a propriedade seja utilizada de maneira normal, cumprindo o fim a que se destina’.” (Direito à propriedade – Do discurso à realidade. Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil, n. 24, p. 19, jul./ago. 2003)

Trabalhista/Previdenciário

2887 – Ação civil pública – assédio e coação moral – presença dos pressupostos que autorizam o deferimento da antecipação da tutela – cabimento

“Recurso ordinário em mandado de segurança. Ação civil pública. Assédio e coação moral. Pre-sença dos pressupostos que autorizam o deferimento da antecipação da tutela. 1. A tutela provisó-ria deita suas raízes na efetividade do processo, pois, enquanto espécie de providência imediata e de urgência, afasta a possibilidade de dano decorrente da demora na prestação jurisdicional (CF, art. 5º, LXXVIII). 2. Funciona, portanto, como instrumento de harmonização entre a segurança jurídica e a efetividade do processo, na medida em que viabiliza a outorga de providências de natureza temporária, tendentes a frear situações de risco. 3. Nessa perspectiva e a teor do art. 273 do CPC, a concessão de tutela antecipada depende tanto da existência de prova inequívoca capaz de convencer o julgador da verossimilhança da alegação quanto do fundado receio de dano irre-parável ou de difícil reparação ou do abuso de direito ou o manifesto propósito protelatório do réu (incisos I e II do art. 273 do CPC). 4. A noção de urgência dá margem ao julgador para decidir sem a necessidade de aprofundar a cognição, desde que presentes os elementos que impulsionem a formação do seu convencimento quanto à existência do direito. 5. A presença dos requisitos do art. 273 do CPC aconselha o deferimento da antecipação da tutela. Recurso ordinário em mandado de segurança conhecido e desprovido.” (TST – RO 0004808-79.2012.5.01.0000 – Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira – DJe 23.05.2014 – p. 315)

2888 – Adicional de insalubridade – trabalho em lavoura de cana-de-açúcar – atividade a céu aberto – exposição ao sol e ao calor excessivo – pagamento devido

“Recurso de revista. Sucessão trabalhista. Ausência de responsabilidade da empresa sucedida (alegação de violação dos arts. 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho e Divergência Jurisprudencial). Não demonstrada violação à literalidade de dispositivo de lei federal ou a exis-tência de teses diversas na interpretação de um mesmo dispositivo legal, não há que se determinar o seguimento do recurso de revista com fundamento nas alíneas a e c do art. 896 da Consolidação

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DPU Nº 61 – Jan-Fev/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������171

das Leis do Trabalho. Recurso de revista não conhecido. Adicional de insalubridade. Trabalho em lavoura de cana-de-açúcar. Atividade a céu aberto exposição ao sol e ao calor excessivo. Tem direito ao adicional de insalubridade o trabalhador que exerce atividade exposto ao calor acima dos limites de tolerância, inclusive em ambiente externo com carga solar, nas condições previstas no Anexo 3 da NR 15 da Portaria nº 3.214/1978 do MTE (item II da Orientação Jurisprudencial da SBDI-1/TST nº 173). Recurso de revista não conhecido.” (TST – RR 0000537-65.2012.5.09.0562 – Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva – DJe 23.05.2014 – p. 611)

Comentário Editorial SÍNTESENo acórdão em destaque, o TST considerou ser devido o adicional de insalubridade ao emprega-do que desenvolve atividade a céu aberto em exposição ao sol e ao calor excessivo.Não obstante a vedação ao pagamento do adicional pela OJ 175 da SBDI do TST, nossos Tribu-nais já tem se manifestado em sentido diverso.A OJ tem a seguinte redação:“173. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. ATIVIDADE A CÉU ABERTO. EXPOSIÇÃO AO SOL E AO CALOR. (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012)I – Ausente previsão legal, indevido o adicional de insalubridade ao trabalhador em atividade a céu aberto, por sujeição à radiação solar (art. 195 da CLT e Anexo 7 da NR 15 da Portaria nº 3.214/1978 do MTE).II – Tem direito ao adicional de insalubridade o trabalhador que exerce atividade exposto ao calor acima dos limites de tolerância, inclusive em ambiente externo com carga solar, nas condições previstas no Anexo 3 da NR 15 da Portaria nº 3214/1978 do MTE.”Nesse sentido, o Dr. Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho explica:“A Orientação Jurisprudencial nº 173 da SDI-1 do col. Tribunal Superior do Trabalho, que dispõe que, ‘em face da ausência de previsão legal, indevido o adicional de insalubridade ao trabalhador em atividade a céu aberto’, vem sendo bastante utilizada pelos Tribunais para fundamentar o indeferimento de pleitos de adicional de insalubridade em razão do trabalho desempenhado no calor. Em rigor, porém, as situações são diferentes e não devem ser confundidas. A OJ apenas afasta o adicional pela exposição a raios solares, não a calor. É o que se conclui ao se analisar os precedentes que resultaram na sua edição. Daí, inclusive, a alusão, na parte final do verbete, ao Anexo 7 da NR 15, relativo a radiações ionizantes. Compreende-se. Pode haver exposição a raios solares sem que haja calor excessivo como, igualmente, pode haver calor excessivo sem que haja exposição a raios solares. O trabalho próximo de fornos é um bom exemplo. Outro, encontrado na jurisprudência, envolve trabalho de cobradores de ônibus.Em verdade, a distinção entre incidência dos raios solares e calor, enquanto fatores de insalu-bridade, emana do próprio texto da Consolidação das Leis do Trabalho, que, em seu art. 200, V, fala em ‘proteção contra insolação, calor, frio, umidade e ventos, sobretudo no trabalho a céu aberto’. Ora, tendo em mente a conhecida máxima de hermenêutica que apregoa que o legisla-dor não utiliza palavras inúteis, há de se reconhecer que, ao falar em insolação e em calor em momentos distintos, o legislador evidenciou que eles constituem dois fatores distintos, devendo a lei cuidar de proteger o trabalhador em face de ambos. A diferença foi bem percebida pelo TST, em julgado de que se extrai a seguinte proposição:A Orientação Jurisprudencial nº 173 afasta a percepção de adicional de insalubridade ao em-pregado que trabalha sob céu aberto, exposto aos raios solares, em face de ausência de previsão em lei. O acórdão do Regional registra situação fática diversa da descrita na referida orientação jurisprudencial, tendo em vista que a condenação ao pagamento de adicional de insalubridade, ao contrário do alegado pela reclamada, decorreu não de exposição aos raios solares, mas do extremo calor detectado no local de trabalho, encontrando respaldo no laudo pericial e no Anexo 3 da NR 15 da Portaria nº 3.214/1978. (TST, RR 7150/2002-906-06-00.3, 5ª T., Relª Min. Kátia Magalhães Arruda, J. 30.04.2008, DJ 16.05.2008)Não fosse isso o bastante, é imperioso perceber que, nos termos do item da NR 15, ‘são conside-radas atividades ou operações insalubres as que se desenvolvem acima dos limites de tolerância previstos nos Anexos 1, 2, 3, 5, 11 e 12’, e os limites de tolerância para exposição ao calor estão previstos no Anexo 3.Há de se concluir, outrossim, que, além da obrigatoriedade de concessão dos intervalos pre-vistos na NR 15, o trabalho rural em condições de calor excessivo também resulta no direito

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do trabalhador ao pagamento do adicional de insalubridade.” (Intervalos intrajornada para o trabalho rural em exposição ao calor excessivo. Disponível em: online.sintese.com. Acesso em: 18 jun. 2014)

2889 – Aposentadoria por invalidez – revisão – concessão por transformação de auxílio-doen-ça – ausência de período contributivo entre os benefícios – cálculo da RMI – efeitos

“Previdenciário. Revisão de benefício. Aposentadoria por invalidez concedida por transformação de auxílio-doença. Ausência de período contributivo entre os benefícios. Cálculo da renda mensal inicial nos termos do art. 36, § 7º, do Decreto nº 3.048/1999. Recurso desprovido. 1. A aplicação do art. 29, § 5º, da Lei nº 8.213/1991 ocorre somente quando os benefícios por incapacidade são permeados por períodos contributivos. 2. Se a aposentadoria por invalidez é decorrente da transformação do auxílio-doença, o cálculo da renda mensal inicial deverá observar o disposto no art. 36, § 7º, do Decreto nº 3.048/1999, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo eg. STF, sob o regime da repercussão geral (STF, RE 583.834, Rel. Min. Ayres Britto). 3. Recurso despro-vido, corrigindo-se de ofício a r. sentença para excluir a condenação da parte autora nos ônus sucumbenciais.” (TRF 3ª R. – AC 0000109-96.2012.4.03.6103/SP – 10ª T. – Rel. Des. Fed. Baptista Pereira – DJe 28.05.2014 – p. 2167)

2890 – Aposentadoria por tempo de contribuição – restabelecimento – tempo de serviço no exercício de mandato eletivo – efeitos

“Previdenciário. Aposentadoria por tempo de contribuição. Restabelecimento. Tempo de serviço no exercício de mandato eletivo. Evolução legislativa. Diferença entre servidor público e agente político. Necessidade de indenização para o cômputo do período. Antecipação de tutela. 1. Não se conhece de apelo quando inova o conteúdo da vestibular. 2. O titular de mandato eletivo só passou a ser considerado segurado obrigatório a partir da Lei nº 9.506/1997, que acrescentou ao art. 12 da Lei nº 8.212/1991 a alínea h. Entretanto, dispositivo idêntico inserido na Lei de Benefícios (alínea h do art. 11 da Lei nº 8.213/1991) pela Lei nº 9.506/1997 foi julgado inciden-talmente inconstitucional pelo STF no RE 351.717/PR. Mais recentemente, em consonância com a EC 20/1998, o titular de mandato eletivo passou a ser considerado segurado obrigatório pela Lei nº 10.887/2004. Na vigência da legislação anterior (LOPS/1960, RBPS/1979, CLPS/1984 e LBPS/1991 na redação original), os vereadores, assim como os titulares de mandatos congêneres, não eram obrigatoriamente filiados ao Regime Geral de Previdência, sendo que o art. 55, III, da Lei nº 8.213/1991 limitava-se a autorizar o cômputo do tempo de serviço exercido em dita qualidade para fins de obtenção de benefício, mediante o pagamento das contribuições respectivas ao pe-ríodo a ser somado (§ 1º do mesmo dispositivo). Inviável, portanto, presumir vínculo previdenciá-rio em época em que o autor sequer era considerado segurado obrigatório da Previdência Social. 3. A previsão do art. 7º, § 3º, d, da CLPS/1984, que enquadrava o servidor público como empre-gado (segurado obrigatório da Previdência), não se aplica ao titular de mandato eletivo, uma vez que este se trata de agente político, não de servidor. 4. Não havendo prova de que a dívida ativa do Município de Muçum/RS abrange as contribuições referentes ao demandante, e sendo estas relativas apenas ao período anterior a setembro de 1995, e ainda não se tratando o autor de segu-rado obrigatório do Regime Geral, o cômputo do interstício em que trabalhou como vice-prefeito e prefeito somente é possível mediante o pagamento das contribuições respectivas, cujo recolhimen-to não era de responsabilidade da prefeitura a que foi vinculado. 5. Comprovado o recolhimento das contribuições previdenciárias, na condição de segurado facultativo, referentes ao período de 01.01.1995 a 31.12.1998, deve o tempo de serviço em questão ser computado em favor do autor. 6. Nos termos do art. 25, inciso II, da Lei nº 8.213/1991, são necessárias, para a concessão da apo-sentadoria por tempo de contribuição, 180 contribuições previdenciárias. Contudo, para os traba-lhadores que já eram segurados da Previdência Social quando passou a viger a Lei nº 8.213/1991, como na hipótese dos autos, a carência a ser considerada para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição é aquela disposta no art. 142 da LBPS, que estabelece uma regra de transição. 7. Embora pagas as contribuições referentes ao período de 01.01.1993 a 31.12.1994

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DPU Nº 61 – Jan-Fev/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������173

no curso da demanda, tal tempo de serviço somente poderia ser considerado para a concessão do benefício a partir da data do pagamento das correspondentes contribuições, em 28.12.2009. Entretanto, mesmo se viesse a ser considerado como tempo de serviço, de qualquer sorte não pode ser computado para efeito de carência, haja vista o recolhimento em atraso das contribuições pre-videnciárias (art. 27, inciso II, da LBPS). E, em 2009, a carência não resta preenchida, porquanto totaliza o demandante apenas 159 recolhimentos, os quais são insuficientes para o deferimento do benefício naquela data. Assim, não tem o autor direito ao cômputo dos anos de 1993 e 1994 para efeito de benefício previdenciário. 8. Hipótese em que o autor totaliza, em 15.04.2008, data do requerimento administrativo, mesmo sem o período de 01.01.1993 a 31.12.1994, 37 anos e 09 dias de tempo de serviço, suficientes para o restabelecimento do benefício. Contudo, não imple-menta, em 2008, a carência mínima para a outorga do benefício. 9. Comprovado que em outubro de 2007 o requerente perfazia 156 recolhimentos, os quais são suficientes para a carência naquele ano de 2007, a teor do disposto no art. 142 da LBPS, assim como totalizava 36 anos, 06 meses e 24 dias de tempo de serviço, suficientes para a aposentadoria por tempo de contribuição integral, tem o demandante direito ao restabelecimento da aposentadoria por tempo de contribuição, desde a data do cancelamento administrativo, em novembro de 2009, com base no direito adquirido, em 2007. 10. O cálculo das prestações da aposentadoria a ser restabelecida deverá levar em con-ta o valor das contribuições vertidas pelo autor, como segurado facultativo, entre 01.01.1995 e 31.12.1998. Portanto, merecem provimento, no ponto, a apelação do INSS e a remessa oficial não só para determinar que o cálculo do valor do benefício leve em conta as contribuições vertidas na condição de segurado facultativo no período em questão, em detrimento dos valores considerados pelo Instituto Previdenciário quando da outorga da jubilação, bem como para reduzir o tempo considerado para a concessão do benefício, uma vez que o autor tem direito adquirido ao resta-belecimento do benefício com 36 anos, 06 meses e 24 dias de tempo de serviço, e não em face dos 39 anos e 09 dias apurados quando da efetiva outorga. 11. Preenchidos os requisitos exigidos pelo art. 273 do CPC – verossimilhança do direito alegado e fundado receio de dano irreparável –, deve ser mantida a antecipação dos efeitos da tutela, porém adequada aos termos do presente julgamento.” (TRF 4ª R. – AC 0000156-92.2012.404.9999/RS – 6ª T. – Rel. Des. Fed. Celso Kipper – DJe 28.05.2014 – p. 186)

2891 – Benefício assistencial – pessoa incapacitada de prover a própria manutenção ou tê-la provida de outra forma – comprovação – concessão

“Benefício assistencial. Pessoa incapacitada de prover a própria manutenção ou tê-la provida de outra forma. Comprovação. Concessão. Honorários advocatícios sucumbenciais. Defensoria Pú-blica da União. Cabimento. 1. Procede o pedido de concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da CF/1988 quando atendidos os requisitos previstos na Lei nº 8.742/1993. 2. São devidos honorários advocatícios à Defensoria Pública mesmo atuando contra pessoa jurídica de direito público que integra a mesma Fazenda Pública, a partir da edição da Lei Complementar nº 132/2009, objetivando o fortalecimento e autonomia administrativa e financeira da entidade, bem como o aparelhamento e capacitação de seus membros e servidores por meio das verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação. 3. Os precedentes contrários do Superior Tribunal de Justiça estão baseados na tese da confusão, ou seja, de que a Defensoria Pública é parte do Estado e com ele se confunde. Todavia, a Defensoria Pública da União não pertence à Autarquia Previdenciária, tratando-se de pessoas jurídicas distintas, com personalidade, patrimônio e receita própria, de modo que não há confusão possível entre as instituições. 4. Como a instituição possui personalidade jurídica própria e pode executar suas verbas sucumbenciais, pressupõe-se o direito de percepção dos honorários por ocasião da atuação judicial vitoriosa. 5. Entendimento no sentido contrário ensejaria a declaração de inconstitucionalidade do art. 4º, inciso XXI, da Lei Comple-mentar nº 80/1994, alterado pela Lei Complementar nº 132/2009, em vista da expressa previsão da execução e recebimento das verbas sucumbenciais decorrentes da atuação da Defensoria Pú-blica.” (TRF 4ª R. – ApRN 5054967-78.2012.404.7100/RS – 5ª T. – Rel. Des. Rogerio Favreto – DJe 12.06.2014)

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Comentário Editorial SÍNTESENo acórdão em destaque, o Tribunal determinou que o INSS pague honorários advocatícios à Defensoria Pública da União – DPU.

A 5ª Turma do TRF da 4ª Região decidiu que a DPU deve receber honorários advocatícios quan-do atua como procuradora da parte vencedora em ação ajuizada contra o INSS.

Conforme a decisão do Relator, o objetivo é promover o fortalecimento e a autonomia adminis-trativa e financeira da entidade, bem como o aparelhamento e a capacitação de seus membros e servidores por meio de verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação.

Ademais, ainda que a DPU atue contra pessoa jurídica de direito público que integra a mesma Fazenda Pública, a partir da edição da Lei Complementar nº 132/2009, tornou-se possível o pagamento dos honorários advocatícios.

A decisão de pagamento de honorários à DPU foi tomada em processo que concedeu benefício assistencial a uma maior incapaz portadora de retardo mental. O pagamento deverá retroagir à data do requerimento administrativo, fevereiro de 2006. A autora receberá um salário-mínimo mensal, acrescido de juros e correção monetária, da referida data até a efetiva implementação em folha de pagamento.

A DPU deverá receber o equivalente a 10% das parcelas vencidas até a data do acórdão.

O ilustre advogado Kiyoshi Harada comentou decisão já proferida pelo STF:

“Importante decisão foi proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do recurso extraordi-nário de que foi Relator o Ministro Marco Aurélio.

Abandonando a interpretação literal do § 1º-A do art. 100 da CF, que define os créditos de natureza alimentícia, o eminente Ministro, prolator do voto-condutor, classificou a verba hono-rária, resultante de sucumbência, como sendo de natureza alimentícia abrangida pelo caput do art. 100 da Carta Política.

O argumento invocado para assim decidir foi no sentido de que os salários, vencimentos, proven-tos etc., enumerados no § 1º-A referido, dizem respeito a relações jurídicas específicas, mas que não afastam outras relações que resultam, por exemplo, do vínculo liberal como os honorários advocatícios, que têm a mesma finalidade dos primeiros, ou sejam, destinam-se a prover a subsistência própria dos advogados e das respectivas famílias.

De fato, a enumeração do § 1º-A retromencionado não exaure o elenco de percepções de verbas alimentícias. Tivemos a oportunidade de escrever que ‘alimento, em sentido amplo, abarca toda a percepção em dinheiro ou in natura relativa às despesas ordinárias e extraordinárias a que tem direito o alimentado: habitação, transporte, vestuário, sustento, saúde, educação, instrução e lazer. Não se limita a salários e vencimentos’ (cf. nosso Desapropriação – Doutrina e prática. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 136).

[...]

A Corte de origem teve como exaustiva a definição de crédito de natureza alimentícia constante do art. 100, § 1º-A, da Constituição Federal, apenas tomando sob tal ângulo salário, vencimen-tos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenização por morte ou invalidez, fundada na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado. O enfoque não merece subsistir. Se por um aspecto verifica-se explicitação do que se en-tende como crédito de natureza alimentícia, por outro, cabe concluir pelo caráter simplesmente exemplificativo do preceito. É que há de prevalecer a regra básica da cabeça do art. 100 e, nesse sentido, constata-se a alusão ao gênero crédito de natureza alimentícia. O preceito remete ne-cessariamente ao objeto, em si, do crédito alimentar visado. Ora, salários e vencimentos dizem respeito a relações jurídicas específicas e ao lado destas tem-se a revelada pelo vínculo liberal. Os profissionais liberais não recebem salários, vencimentos, mas honorários, e a finalidade des-tes não é outra senão prover a subsistência própria e das respectivas famílias.

Conforme explicitado no voto do Relator no Tribunal Regional Federal, não sendo sufragado pela ilustrada maioria, o precatório, embora rotulado de comum, versa apenas os honorários advocatícios. Então, há de se concluir pelo caráter alimentar, ficando afastado o enquadramento até aqui prevalecente. Ao julgar, perante a 2ª Turma, o Recurso Extraordinário nº 170.220-6/SP em 19 de maio de 1998, cujo acórdão foi publicado no Diário da Justiça de 7 de agosto de 1998, tive a oportunidade de consignar que a jurisprudência consolidou-se no sentido de dar-se ordem especial de precatórios quando envolvida prestação alimentícia, em que pese o

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DPU Nº 61 – Jan-Fev/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������175

art. 100 da Constituição Federal conter expressão, em bom vernáculo, excluindo o hoje famige-rado sistema de execução.

Consoante o disposto na Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, os advogados têm direito não só aos honorários convencionados como também aos fixados por arbitramento e na definição da sucumbência – art. 22 –, sendo explícito o art. 23 ao estabelecer que os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido a seu favor. Repita mais uma vez que os honorários advocatícios consubstanciam, para os profissionais liberais do direito, prestação alimentícia. Daí se conside-rar infringido o art. 100 da Constituição Federal, valendo notar que, no recurso extraordinário, embora explorado em maior dimensão o vício de procedimento, revela-se inconformismo com o julgamento no que tomada a parcela como a indicar crédito comum.

Provejo o recurso extraordinário para conceder a segurança e determinar a retificação da classi-ficação do precatório, tomando-o como de natureza alimentícia com as conseqüências próprias (DJ 19.05.2006, Ata nº 13, de 09.05.2006).Com se vê, se a verba de sucumbência pertence ao advogado, nos termos do Estatuto da Advocacia, independentemente de essa verba representar uma retribuição aleatória e incerta, dependente do êxito da parte para a qual patrocina o advogado, não se pode negar a ela a na-tureza alimentícia, pois o profissional liberal não percebe salários, nem vencimentos, mas vive exclusivamente de honorários contratuais e sucumbenciais. Daí o absoluto acerto da decisão supratranscrita.” (Honorários advocatícios e sua natureza jurídica. Disponível em: online.sintese.com. Acesso em: 17 jun. 2014)

2892 – Cooperativa – posto de combustível – venda do insumo a cooperados e ao público em geral – enquadramento sindical do empregado frentista – observação

“Recurso de revista interposto pela reclamada. 1. Empregadora cooperativa. Posto de combustível. Venda do insumo a cooperados e ao público em geral. Enquadramento sindical do empregado frentista. O Tribunal Regional examinou a prova e constatou que, apesar de ser uma cooperativa, a reclamada mantinha postos de combustível e explorava o comércio desse insumo, vendendo-o para cooperados e também para o público em geral. Registrou que o reclamante trabalhava exclu-sivamente como frentista em um desses postos mantidos pela reclamada. Sob essas premissas, a Corte de origem decidiu enquadrar o autor como frentista e aplicar as normas coletivas destinadas a essa categoria de empregados. O aresto apresentado pela reclamada em seu recurso espelha a tese de que o enquadramento sindical do empregado deve ser feito de acordo com a atividade preponderante do empregador e acrescenta que o posto de combustível, mantido por cooperativa agropecuária, não é uma atividade independente dentro do complexo de atividades por esta de-senvolvida. Todavia, extrai-se do modelo que a cooperativa ali indicada comercializava combus-tível apenas para os cooperados, premissa fática diversa daquela consignada no acórdão regional, no sentido de que o posto de combustível atendia tanto aos cooperados da reclamada quanto ao público em geral. Ausente a necessária identidade fática entre o modelo e o caso concreto dos autos, conclui-se ser inespecífico o aresto apresentado, nos termos da Súmula nº 296, I, desta Corte. Em casos envolvendo a mesma reclamada e também análogos (como o dos hipermercados que comercializam também combustíveis), esta Corte Superior tem decidido que o enquadramento do empregado que atua como frentista deve ser feito na categoria que representa os trabalhadores do varejo de derivados de petróleo, porque a multiplicidade e autonomia dos empreendimentos econômicos explorados pelo empregador autorizam o enquadramento de acordo com o labor efetivamente executado pelo empregado. Consignado no acórdão que a reclamada possuía ativi-dades diversas e independentes entre si (cooperativismo e varejo de combustíveis para o mercado consumidor em geral), o enquadramento sindical na categoria dos empregados no comércio de derivados do petróleo não viola o art. 581, § 2º, da CLT (que define o conceito de atividade pre-ponderante da empresa), porque não havia conexão funcional entre as atividades exploradas pela

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reclamada, de modo que uma poderia ser destacada da outra sem prejuízo de nenhuma delas. Recurso de revista de que não se conhece.” (TST – RR 0066800-40.2007.5.15.0125 – Rel. Min. Fernando Eizo Ono – DJe 23.05.2014 – p. 1062)

2893 – Execução – fraude – ausência de prova de aquisição de bem antes de restrição em registro público – ineficácia da transação entre o devedor e o terceiro

“Fraude à execução. Ausência de prova de aquisição de bem antes de restrição em registro públi-co. Ineficácia da transação entre o devedor e o terceiro. Ainda que não se questione a má-fé do terceiro, configura-se em fraude à execução a inexistência de prova convincente de ele ter adquiri-do o bem antes de anotação de restrição judicial em registro público.” (TRT 12ª R. – AP 0001381-93.2012.5.12.0024 – 4ª C. – Rel. Roberto Luiz Guglielmetto – DJe 29.05.2014)

2894 – Médicos – convênio entre Município e entidades hospitalares privadas para serviço municipal de saúde – isonomia salarial – reconhecimento

“Médicos. Convênio entre Município e entidades hospitalares privadas para serviço municipal de saúde. Isonomia salarial. Convênio na área de saúde firmado entre o Poder Público e entidades hospitalares privadas com o objetivo de manter a continuidade das atividades ambulatoriais e hospitalares para a população do Município não permite que se estabeleça diferença de remune-ração entre os médicos contratados por estas últimas. Desde que não comprovada diferença de atividades exercidas pelos profissionais da saúde nas diversas unidades de atendimento (CMUNs) subsiste a isonomia salarial entre eles.A prestação de serviços de saúde é obrigação do Estado (art. 196 da CR), podendo-se considerar que este é o beneficiário dos convênios celebrados com as diversas pessoas jurídicas, pois se exime de prestar um serviço público e possibilita que a iniciativa privada o faça por meio da contratação de profissionais habilitados. Se a prestação dos serviços de saúde fosse executada diretamente pelo Município, sem a presença da iniciativa privada, não seria possível que o ente público remunerasse de forma distinta os médicos contratados. A trans-ferência para a iniciativa privada da prestação de um serviço de obrigação do Poder Público não pode implicar precarização das relações de trabalho e discriminação no tocante aos salários dos profissionais que participam da consecução da finalidade pública (promoção da saúde). Incidente à hipótese a Convenção nº 100 da OIT no tocante à igualdade de salários para trabalho de igual valor. Recurso da autora a que se dá provimento para reconhecer o seu direito à isonomia salarial com os demais médicos das entidades hospitalares contratadas e para condenar a ré no pagamento de diferenças salariais.” (TRT 9ª R. – RO 0000725-50.2012.5.09.0015 – Relª Marlene T. Fuverki Suguimatsu – DJe 23.05.2014 – p. 231)

Tributário

2895 – Certidão de dívida ativa – execução fiscal – incidência da Súmula nº 7 do STJ

“Tributário. Execução fiscal. Requisitos da CDA. Incidência da Súmula nº 7/STJ. Divergência juris-prudencial não conhecida. 1. O Tribunal de origem, soberano das circunstâncias fáticas e proba-tórias da causa, confirmou a sentença, que analisou a exceção de pré-executividade, e entendeu estarem presentes todos os requisitos essenciais para a validade da execução. 2. É pacífica a juris-prudência deste Tribunal no sentido de que a aferição da certeza e liquidez da Certidão da Dívida Ativa – CDA, bem como da presença dos requisitos essenciais à sua validade, conduz necessaria-mente ao reexame do conjunto fático-probatório dos autos, medida inexequível na via da instância especial. 3. Quanto à interposição pela alínea c, este Tribunal tem entendimento no sentido de que a incidência da Súmula nº 7 desta Corte impede o exame de dissídio jurisprudencial, uma vez que falta identidade entre os paradigmas apresentados e os fundamentos do acórdão, tendo em vista a

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situação fática do caso, com base na qual a Corte de origem deu solução à causa. Agravo regimen-tal improvido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 534.931 – (2014/0149283-5) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 09.09.2014 – p. 2994)

Comentário Editorial SÍNTESEA dívida ativa tributária está conceituada no art. 201 do Código Tributário Nacional, da seguinte forma: “Art. 201. Constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito tributário dessa natureza, re-gularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular.Parágrafo único. A fluência de juros de mora não exclui, para os efeitos deste artigo, a liquidez do crédito.”O caso em comento trata de um conflito envolvendo a CDA (Certidão da Dívida Ativa), na qual um agravo regimental foi interposto por uma construtora contra decisão monocrática que conheceu do agravo e negou seguimento ao recurso especial. Decisão com a seguinte ementa:“TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – REQUISITOS DA CDA – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7/STJ – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONHECIDA – AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.”Para melhor compreensão da demanda, eis o relatório elaborado no decisum agravado:“Vistos. Cuida-se de agravo apresentado pela Construtora Coter Ltda. contra decisão que obstou a subida de recurso especial interposto, com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região assim ementado (fl. 162, e-STJ):AGRAVO CONTRA DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – ART. 202 DO CTN – CDA – NULIDADE – NÃO COMPROVAÇÃOA dívida ativa regularmente inscrita é dotada de presunção juris tantum de certeza e liquidez, só podendo ser afastada por prova inequívoca. A CDA, ao indicar os fundamentos legais referentes ao débito exeqüendo, viabiliza ao executado o conhecimento da dívida, sua origem, sua natureza e a forma de calcular os encargos presentes, atendendo, assim, aos seus requisitos legais.”No recurso especial, alega a agravante violação dos arts. 202, II e III, e 203 do Código Tributário Nacional; e 2º, § 5º, da Lei nº 6.830/1980.Assevera em síntese que “a simples análise da CDA demonstra e comprova a falta de cumpri-mento dos requisitos do art. 2º, § 5º, da LEF, na medida em que junge em único sinal gráfico o valor de exações várias. Ademais, tais requisitos existem justamente para viabilizar a defesa do contribuinte e, na medida em que os mesmo não são cumpridos, presume-se a violação à ampla defesa, a qual resta indubitavelmente prejudicada na medida em que o contribuinte não pode identificar o quantum individualizado das obrigações tributárias em que figura no polo passivo. É uma falácia afirmar que os requisitos da CDA não estão rigidamente atendidos, mas ainda assim a defesa do executado não resta prejudicada” (fl. 173, e-STJ). Aponta divergência jurisprudencial.Apresentadas as contrarrazões (fls. 192/194, e-STJ), sobreveio o juízo de admissibilidade ne-gativo na instância de origem (fls. 197/198, e-STJ), o que ensejou a interposição do presente agravo.. Nas razões do agravo regimental, alega a recorrente que:“O recurso especial interposto não objetiva nova reapreciação da matéria fático-probatória, ape-nas requer a atribuição de novo entendimento aos fatos incontroversos referidos no acórdão recorrido. Não se pretende, portanto, o reexame de provas, vedado pelo Enunciado nº 7 da Súmula do STJ, mas tão somente a revaloração jurídica daquilo que está contextualizado no acórdão recorrido.”Asseverou, ainda, que:“Tenho que a indicação dos valores originários em cada competência, que corresponde à soma das contribuições devidas (folha de salários parte patronal, SAT e terceiros), é suficiente para atender o disposto nos incisos II e III do art. 2º da LEF, a decisão reconhece, de forma incontro-versa, a prova que a recorrente pretende atribuir nova valoração, qual seja a demonstração de que houve acréscimo da multa de mora em momento tardio. Ressalta-se: a matéria questionada não demanda reexame do complexo fático-probatório, requerendo apenas a leitura do acórdão

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recorrido, com a consequente revaloração jurídica do posicionamento adotado, que não condiz com o disposto nos arts. 202, II e III, CTN e art. 2º, § 5º, II e III, LEF” (fls. 234, e-STJ). Dis-pensada a oitiva da parte contrária.Este foi o conteúdo explanado no Relatório. A discussão subiu ao Superior Tribunal de Justiça, representado neste caso pelo Ilustre Ministro Humberto Martins que iniciou seu julgamento destacando que a irresignação não merece provi-mento, devendo a decisão agravada ser mantida. O Tribunal de origem, soberano das circunstâncias fáticas e probatórias da causa, confirmou a sentença, que analisou a exceção de pré-executividade, e entendeu estarem presentes todos os requisitos essenciais para a validade da execução. Tal entendimento foi consubstanciado na Súmula nº 7 do STJ, que assim determina:“Não é possível afastar o óbice da Súmula nº 7 desta Corte.”Destacou-se também que já é pacífica a jurisprudência deste Tribunal no sentido de que a aferição da certeza e liquidez da Certidão da Dívida Ativa – CDA, bem como da presença dos requisitos essenciais à sua validade, conduz necessariamente ao reexame do conjunto fático--probatório dos autos, medida inexequível na via da instância especial.No mesmo sentido:“TRIBUTÁRIO – PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS DA CDA – REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA Nº 7/STJ – DENÚNCIA ESPONTÂNEA – TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO – PAGAMENTO FORA DO PRAZO – SÚMULA Nº 360/STJ – ATUALIZAÇÃO DOS DÉBITOS TRIBUTÁRIOS – TAXA SELIC – MATÉRIA PACIFICADA NO STJ – RECURSO REPETITIVO – CABIMENTO – AGRAVO NÃO PROVIDO1. A revisão do conjunto fático dos autos, a fim de se alterar o entendimento proferido pelo tribunal de origem, de que in casu os requisitos da CDA foram preenchidos, demandaria o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, o que é inviável na estreita via do recurso especial, a teor do Enunciado Sumular nº 7/STJ.2. ‘O benefício da denúncia espontânea não se aplica aos tributos sujeitos a lançamento por homologação regularmente declarados, mas pagos a destempo’ (Súmula nº 360/STJ).3. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 879.844/MG, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Seção, representativo de controvérsia (art. 543-C do CPC), firmou o entendimento no sentido de que é legítima a aplicação da Taxa Selic como índice de correção monetária e juros moratórios na atualização dos débitos tributários.4. Agravo regimental não provido.” (AgRg-AREsp 460.395/SC, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª Turma, Julgado em 08.04.2014, DJe 25.04.2014)“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO ESPECIAL – EXE-CUÇÃO FISCAL – VERIFICAÇÃO DA LIQUIDEZ E CERTEZA DA CDA – REEXAME DE PROVA – SÚMULA Nº 7/STJ – PRECEDENTES DA 1ª SEÇÃO – AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO1. No caso dos autos, a recorrente pleiteia a nulidade da CDA, ao argumento de que o título não atendeu às determinações legais; no entanto, o Tribunal a quo, após a análise do conjunto fático e das alegações da executada, concluiu pela higidez do título executivo.2. Para se chegar à conclusão diversa da firmada pelas instâncias ordinárias seria necessário o reexame das provas carreadas aos autos, o que, entretanto, encontra óbice na Súmula nº 7 desta Corte, segundo a qual a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial, neste caso, a alegada nulidade do CDA não é daquelas que se pode ver a olho desarmado, mas a sua constatação demandaria rigorosa análise.3. Agravo regimental desprovido.” (AgRg-Ag 1.335.577/RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, Julgado em 15.12.2011, DJe 10.02.2012)Quanto à interposição pela alínea c, este tribunal tem entendimento no sentido de que a incidên-cia da Súmula nº 7 desta Corte impede o exame de dissídio jurisprudencial, uma vez que falta identidade entre os paradigmas apresentados e os fundamentos do acórdão, tendo em vista a situação fática do caso, com base na qual a Corte de origem deu solução à causa. Nesse sentido:“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – VIOLAÇÃO DO ART. 1º DA LEI Nº 1.533/1951 – EXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO – VERIFICAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA Nº 7/STJ – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL – NECESSIDA-DE DE REEXAME DE PROVA – SÚMULA Nº 7/STJ – IMPOSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE SIMI-LITUDE FÁTICA – AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL

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1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, em obediência aos Princípios da Economia Processual e da Fungibilidade. (EDcl-AgRg-REsp 1.208.878/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, DJe 30.05.2011)[...]6. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a análise da violação do art. 1º da Lei nº 1.533/519, a fim de aferir a existência de direito líquido e certo à concessão da segu-rança, demanda exceder os fundamentos colacionados no acórdão guerreado com a incursão no conteúdo fático-probatório dos autos, o que implica reexame de provas, inviável em sede de recurso especial, nos termos do Enunciado nº 7 da Súmula desta Corte de Justiça.7. Quanto à interposição pela alínea c, a jurisprudência pacífica desta Corte é no sentido de que a incidência da Súmula nº 7/STJ impede o exame de dissídio jurisprudencial, na medida em que falta identidade entre os paradigmas apresentados e os fundamentos do acórdão, tendo em vista a situação fática do caso concreto com base na qual deu solução à causa a Corte de origem.Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, mas improvido.” (EDcl-AREsp 263.124/SC, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, Julgado em 19.02.2013, DJe 25.02.2013)“TRIBUTÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL – EXECUÇÃO FISCAL – CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA – SUSPENSÃO DA EXIGIBILI-DADE – REEXAME DE PROVA – SÚMULA Nº 7/STJ1. A alteração do acórdão recorrido para se acolher a tese de que a impugnação do contribuinte se deu antes da inscrição do débito em dívida ativa, bem como modificar a natureza da petição apresentada ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, além de reconhecer que a mesma não foi protocolada tempestivamente, demandaria o reexame do contexto fático-probatório dos autos, inviável em sede de recurso especial, sob pena de violação da Súmula nº 7 do STJ.2. O Superior Tribunal de Justiça entende que a incidência da Súmula nº 7/STJ também impede o exame de dissídio jurisprudencial.3. Agravo regimental não provido.” (AgRg-EDcl-REsp 1.358.655/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, Julgado em 09.04.2013, DJe 16.04.2013)Assim, diante de todo o exposto, e principalmente com base na jurisprudência citada, o eg. Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao agravo regimental.

2896 – Crime contra a ordem tributária – omissão inexistente – prescrição – matéria de ordem pública

“Penal e processo penal. Embargos de declaração. Crime contra a ordem tributária. Art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/1990. Omissão inexistente. Prescrição. Matéria de ordem pública que pode ser apreciada a qualquer tempo. Nulidade da quebra do sigilo bancário. Alegação já apreciada. Efeito modificativo do julgado. Embargos a que se nega provimento. De ofício, afastada a prescrição. 1. O embargante aponta omissão no aresto no tocante à prescrição da pretensão punitiva. 2. A alegação de prescrição da pretensão punitiva não foi objeto da apelação da defesa. Tratando-se de matéria de ordem pública, deve ser apreciada em qualquer momento ou grau de jurisdição, inclusive em sede de embargos de declaração. 3. O prazo prescricional somente começa a correr quando da constituição definitiva do crédito tributário, já que não se tipifica o crime contra a ordem tributária antes do término do procedimento administrativo fiscal, nos termos da Súmula Vinculante nº 24. 4. Não há falar em prescrição da pretensão punitiva do Estado, pois que, nem entre a constituição do crédito tributário e o recebimento da denúncia, nem entre esta data e a da prolação da sentença condenatória transcorreu lapso temporal superior ao prazo prescricional. 5. A questão referente à nulidade processual em decorrência da quebra do sigilo bancário do réu foi apreciada e decidida motivadamente no aresto embargado. Constatada incompatibilidade entre a movimentação financeira do contribuinte e as informações constantes de sua declaração de Imposto de Renda, a autoridade fiscal deve instaurar o procedimento fiscal, de modo a apurar a existência de eventual crédito tributário. 6. Não tendo sido demonstrados os vícios supostamente existentes no acórdão, que não apresenta obscuridade, omissão ou contradição a sanar, revelam--se improcedentes os embargos. 7. Embargos de declaração a que se nega provimento. De ofício,

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afastada a prescrição.” (TRF 3ª R. – EDcl-ACr 0007407-49.2006.4.03.6104/SP – 11ª T. – Rel. Des. Fed. José Lunardelli – DJe 19.09.2014 – p. 2129)

Transcrição Editorial SÍNTESESúmula Vinculante do STF:“Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo.”

2897 – Execução fiscal – custas processuais – isenção à Fazenda Pública

“Tributário. Processo civil. Execução fiscal. Custas processuais. Fazenda Pública. Isenção. Proces-samento na Justiça Estadual. Segundo o entendimento predominante do STJ, a Fazenda Nacional é isenta do pagamento das custas processuais despendidas em feitos executivos fiscais, indepen-dentemente de seu ajuizamento ocorrer na Justiça Estadual ou Federal, conforme os arts. 39 da LEF e 27 do CPC.” (TRF 4ª R. – AC 0013032-11.2014.404.9999/PR – 1ª T. – Relª Desª Fed. Maria de Fátima Freitas Labarrère – DJe 24.09.2014 – p. 54)

Comentário Editorial SÍNTESEO conflito ora comentado cuidou de uma sentença que reconheceu a prescrição do crédito tribu-tário pela ausência de citação da devedora, extinguindo a execução fiscal relativa à FGTS inscrita em dívida ativa em 04.11.1982, no valor de atualizado de R$ 1.080,26.Deste imbróglio, a União acabou condenada ao pagamento das custas processuais.Inconformada, a União Federal apresentou recurso de apelação, insurgindo-se contra a sentença no que tange à condenação ao pagamento das custas. Em suma, a União sustentou que a decisão recorrida está em desacordo com o art. 39 da Lei nº 6.830/1980, a qual isenta a Fazenda Pública do pagamento de custas e emolumentos. A seguir transcrito:“Lei nº 6.830/1980:Art. 39. A Fazenda Pública não está sujeita ao pagamento de custas e emolumentos. A prática dos atos judiciais de seu interesse independerá de preparo ou de prévio depósito.Parágrafo único. Se vencida, a Fazenda Pública ressarcirá o valor das despesas feitas pela parte contrária.”Ao julgar, o eg. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, representado neste acórdão pela Desem-bargadora Federal Relatora Maria de Fátima Freitas Labarrère, frisou que, de fato, nos termos dos arts. 39 da Lei nº 6.830/1980 (já transcrito) e 27 do CPC (a seguir transcrito), a Fazenda Pública não está obrigada a arcar previamente com qualquer custa ou despesa processual, suportando, apenas, as verbas decorrentes de sua sucumbência.“Código de Processo Civil:Art. 27. As despesas dos atos processuais, efetuados a requerimento do Ministério Público ou da Fazenda Pública, serão pagas a final pelo vencido.”Importante se faz destacar que, de acordo com o entendimento predominante do STJ, essa isenção de custas se restringe às custas processuais despendidas em feitos executivos fiscais, independentemente de seu ajuizamento ocorrer na Justiça Estadual ou Federal, senão vejamos:“RECURSO ESPECIAL – EXECUÇÃO FISCAL – COMPETÊNCIA FEDERAL DELEGADA – JUSTIÇA ESTADUAL – FAZENDA NACIONAL – CUSTAS – ISENÇÃO1. O entendimento predominante deste Superior Tribunal de Justiça, a partir do julgamento do EREsp 43.192/RS, 1ª Seção, é no sentido de que a Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios é isenta do recolhimento de custas nas ações de execução fiscal, mesmo quando a demanda tem curso na Justiça Estadual.2. Recurso especial conhecido e provido.(REsp 1180437/RS, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, Julgado em 18.03.2010, DJe 26.03.2010)”e;“PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – ATUAÇÃO DA FAZENDA NACIONAL PERANTE A JUSTIÇA ESTADUAL – PAGAMENTO DE POSTAGEM DE CARTA CITATÓRIA PELA FAZENDA

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PÚBLICA – DESNECESSIDADE – ART. 39 DA LEI Nº 6.830/1980 – ART. 27 DO CPC – DIFE-RENÇAS ENTRE OS CONCEITOS DE CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS – PRECEDENTE DA COL. 1ª SEÇÃO – 1. A Fazenda Pública não está obrigada ao pagamento das custas pro-cessuais e, a fortiori, não há que se exigir o prévio adimplemento do quantum equivalente à postagem de carta citatória. Precedente: REsp 1028103/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ. 21.08.2008; EREsp 506.618/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 13.02.2006; REsp 546.069/RS, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 26.09.2005. 2. A 1ª Seção firmou recente enten-dimento no sentido de que a certidão requerida pela Fazenda Pública ao cartório extrajudicial dever ser deferida de imediato, diferindo-se o pagamento para o final da lide, a cargo do vencido. Exegese da 1ª Seção do eg. STJ aos arts. 27 do CPC e 39 da Lei nº 6.830/1980, no julga-mento do REsp 1.036.656/SP, Relª Min. Eliana Calmon, julgado no dia 16.02.2009, pendente de publicação. 3. O Sistema Processual desobriga a Fazenda Pública de arcar com quaisquer despesas, pro domo sua, quando litiga em juízo, suportando, apenas, as verbas decorrentes da sucumbência (arts. 27 e 1.212, parágrafo único, do CPC). Tratando-se de execução fiscal, é textual a lei quanto à exoneração, consoante se colhe dos arts. 7º e 39 da Lei nº 6.830/1980. Enquanto não declarada inconstitucional a lei, cumpre ao STJ velar pela sua aplicação. 4. É cediço em sede doutrinária que: ‘A União está isenta de custas, selos, taxas e emolumentos na execução fiscal. Os processos de execução fiscal para cobrança da dívida da União, ainda que em curso perante a justiça dos Estados, do Distrito Federal ou dos Territórios, estão isentos de qualquer pagamento, seja ele qual for, no que concerne a custas ou despesas judiciais. Não paga a taxa judiciária, não paga selo nas petições ou papéis juntos aos autos; não paga remu-neração aos cartórios ou órgãos auxiliares, tais como depositários, avaliadores, partidores, etc. Não há exigência de taxa judiciária, de selos ou estampilhas ou papel selado, de comissões, custas, emolumentos, dos serventuários, preparo, etc. Invoque-se o art. 150, IV, a, da CF, que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar imposto sobre serviço uns dos outros, e interprete-se o art. 1.212, parágrafo único, do CPC, amplamente. Não só os atos judiciais, nos processos em que autora é a União, estão isentos desses pagamentos. O privilégio e a isenção são recíprocos entre a União, Estados e Municípios’ (PACHECO, José da Silva. Co-mentários à lei de execução fiscal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2000). 5. Ressalte-se ainda que, de acordo com o disposto no parágrafo único art. 39 da Lei nº 6.830/1980, a Fazenda Pública, se vencida, é obrigada a ressarcir a parte vencedora no que houver adiantado a título de custas, o que se coaduna com o art. 27 do Código de Processo Civil, não havendo, desta forma, riscos de se criarem prejuízos à parte adversa com a concessão de tal benefício isencional. 6. Mutatis mutandis a exoneração participa da mesma ratio essendi da jurisprudência da Corte Especial que imputa a despesa extrajudicial da elaboração de planilha do cálculo aquele que pretende executar a Fazenda Pública. 7. Recurso especial provido. (REsp 1076914/SE, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, Julgado em 19.03.2009, DJe 22.04.2009)”Assim, com base em todo o exposto, o eg. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, decidiu que nos feitos executivos fiscais, independente se ajuizados na Justiça Estadual ou Federal, a Fazen-da Nacional é isenta do pagamento de custas processuais.

2898 – Execução fiscal – penhora – debêntures da Eletrobras – ausência de liquidez – recusa do Fisco – possibilidade

“Processual civil e tributário. Penhora. Debêntures da Eletrobras. Ausência de liquidez. Recusa do Fisco. Possibilidade. 1. ‘Nos termos da jurisprudência do STJ: (I) os títulos ao portador emitidos pela Eletrobras com base na Lei nº 4.162/1962 não têm natureza jurídica de debêntures, faltando-lhes, assim, a liquidez necessária para garantia do executivo fiscal; e (II) a Fazenda Pública não é obri-gada a aceitar referidos títulos em desacordo com a ordem legal de preferência para garantia da execução, inobstante o princípio da menor onerosidade ao devedor, uma vez que a execução é fei-ta no interesse do credor’ (AgRg-AREsp 349.884/SC, Rel. Min. Sérgio Kukina, 1ª T., J. 05.09.2013, DJe 12.09.2013). 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 533.541 – (2014/0145503-3) – 2ª T. – Rel. Min. Og Fernandes – DJe 30.09.2014)

Comentário Editorial SÍNTESENo caso que passamos a comentar, um determinado contribuinte, pessoa jurídica, ofereceu debêntures de empresa estatal como forma de garantir sua dívida com o Fisco.

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O contribuinte agravou contra decisão que negou provimento a agravo em recurso especial.No agravo, o agravante continuou insistindo na possibilidade de oferecimento de debêntures da Eletrobras para fins de garantia de débito tributário.O referido agravo foi julgado pelo eg. Superior Tribunal de Justiça, que teve como Relator o Ilustre Ministro Og Fernandes.O Ministro iniciou seu julgamento salientando que é entendimento assente no referido Tribunal de que a Fazenda Nacional pode recusar os títulos ao portador da Eletrobras em face da sua iliquidez, e para tanto colacionou dois julgados que seguem neste sentido, senão vejamos:“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ES-PECIAL – DISSÍDIO PRETORIANO NÃO DEMONSTRADO NOS MOLDES LEGAIS – EXECUÇÃO FISCAL – NOMEAÇÃO À PENHORA DE DEBÊNTURES DA ELETROBRAS – TÍTULOS DE BAIXA LIQUIDEZ – POSSIBILIDADE DE RECUSA PELA FAZENDA PÚBLICA – PRECEDENTES1. Não merece conhecimento o recurso especial no ponto em que o dissídio jurisprudencial não foi demonstrado na forma exigida pelos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ.2. Nos termos da jurisprudência do STJ: (I) os títulos ao portador emitidos pela Eletrobras com base na Lei nº 4.162/1962 não têm natureza jurídica de debêntures, faltando-lhes, assim, a liquidez necessária para garantia do executivo fiscal; e (II) a Fazenda Pública não é obrigada a aceitar referidos títulos em desacordo com a ordem legal de preferência para garantia da execu-ção, inobstante o princípio da menor onerosidade ao devedor, uma vez que a execução é feita no interesse do credor. Precedentes: AgRg-AREsp 227.631/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., Julgado em 21.02.2013, DJe 07.03.2013; REsp 1.334.633/SP, Rel. Min. Mauro Cam-pbell Marques, 2ª T., J. 14.08.2012, DJe 22.08.2012; e AgRg-REsp 1281900/BA, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª T., Julgado em 14.02.2012, DJe 01.03.2012.3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg-AREsp 349.884/SC, Rel. Min. Sérgio Kukina, 1ª T., J. 05.09.2013, DJe 12.09.2013)”“PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – NOME-AÇÃO À PENHORA DE OBRIGAÇÕES AO PORTADOR EMITIDAS PELA ELETROBRAS – POSSI-BILIDADE DE RECUSA – ILIQUIDEZ E DESOBEDIÊNCIA DA ORDEM LEGAL DE PREFERÊNCIA DOS BENS PENHORÁVEIS – INEFICÁCIA DA NOMEAÇÃO À PENHORA1. A 1ª Seção do STJ, ao julgar o REsp 1.050.199/RJ (Relª Min. Eliana Calmon, DJe 09.02.2009), de acordo com o procedimento de que trata o art. 543-C do CPC, deixou consig-nado que as obrigações ao portador emitidas pela Eletrobras em razão do empréstimo compul-sório instituído pela Lei nº 4.156/1962 não se confundem com as debêntures. O STJ também firmou sua jurisprudência no sentido de que as obrigações ao portador emitidas pela Eletrobrás não possuem liquidez capaz de garantir o juízo em execução fiscal. Precedentes citados. Por outro lado, a jurisprudência da 1ª Seção firmou-se no sentido de que a Fazenda Pública não é obrigada a aceitar bens nomeados à penhora fora da ordem legal de preferência dos bens penhoráveis, uma vez que, não obstante o princípio da menor onerosidade ao devedor, a exe-cução é feita no interesse do credor. Nesse sentido são os seguintes precedentes: AgRg-EREsp 1.052.347/RS, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe 01.10.2009; EREsp 1.116.070/ES, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 16.11.2010.2. Agravo regimental não provido.” (AgRg-AREsp 248.966/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., J. 04.12.2012, DJe 10.12.2012)Diante de seu posicionamento, anteriormente amparado pela jurisprudência dominante desta Corte, o Ministro continuou com seu entendimento de que aplica-se, portanto, o óbice constante da Súmula nº 83/STJ, extensível aos recursos interpostos com fundamento na alínea a, do permissivo constitucional:“Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.”Assim, com base em todo o exposto, o eg. Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao agravo regimental.

2899 – ICMS – ECT – serviços postais – imunidade recíproca – embargos de declaração

“Processual civil. Tributário. ICMS. ECT. Serviços postais. Imunidade recíproca. Embargos de de-claração. Ausência de omissão. Reexame. Prequestionamento. Embargos declaratórios desprovi-

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dos. 1. Ausência de omissão no acórdão embargado. 2. O acórdão adotou entendimento de que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos está abrangida pela imunidade tributária recíproca, em exercício de serviço público de natureza postal, definido pela Lei nº 6.538/1978. Concluiu que o serviço elencado no auto de infração (telegrama fonado) integra o conceito de telegrama – serviço público explorado pela União em regime de monopólio (art. 27 da Lei nº 6.538/1978) e, por essa razão, está fora do campo de incidência do ICMS. 3. Pretende o embargante, na realidade, que se decida novamente sobre questões já solucionadas, o que não se admite em sede de embargos de-claratórios, como é cediço. 4. O juiz não é obrigado a examinar todos os argumentos expendidos pelas partes, nem a se pronunciar sobre todos os artigos de lei, bastando que, no caso concreto, decline fundamentos suficientes para lastrear sua decisão. 5. O recurso interposto, ainda que com o fim de prequestionamento, deve observância ao art. 535, do CPC, o que não se verificou, in casu. 6. Efeitos modificativos aos embargos de declaração são admissíveis, excepcionalmente, quando manifesto o equívoco, o que não é o caso. Persistindo o inconformismo, deverá lançar mão do re-curso próprio. 7. Embargos de declaração desprovidos.” (TRF 2ª R. – Ap-RN 2005.51.01.506848-8 – 4ª T.Esp. – Rel. Des. Ferreira Neves – DJe 29.09.2014)

2900 – IPI – creditamento – aquisição de insumos e matérias-primas tributados aplicados na industrialização de produto final isento, não tributado ou favorecido com alíquota zero

“Processual civil e tributário. IPI. Creditamento. Aquisição de insumos e matérias-primas tributados aplicados na industrialização de produto final isento, não tributado ou favorecido com alíquota zero. Tema julgado pelo STF, em repercussão geral e pelo STJ, em recurso repetitivo. Art. 543-C e § 3º do art. 543-B do CPC. 1. Retorno dos autos para reapreciação dos presentes embargos de declaração, nos termos do § 3º do art. 543-B do Código de Processo Civil, em decorrência do re-conhecimento da repercussão geral, no Recurso Extraordinário nº 562.980/SC, da matéria atinente à inaplicabilidade do art. 11 da Lei nº 9.779/1999 às relações tributárias que antecederam referida lei, com o posterior provimento do recurso, em 06.05.2009, cuja decisão transitou em julgado. 2. A 1ª Seção, por ocasião do julgamento do Recurso Especial repetitivo nº 860.369/PE, albergan-do o entendimento do STF, assentou que o direito ao crédito de IPI, fundado no princípio da não cumulatividade, decorrente da aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem utilizados na fabricação de produtos isentos ou sujeitos ao regime de alíquota zero, exsurgiu apenas com a vigência do art. 11 da Lei nº 9.779/1999. 3. O art. 543-B do CPC prevê, em seu § 3º, a possibilidade de exercício do juízo de retratação pelo órgão julgador o que, de acordo com precedentes desta Corte, pode ser realizado em embargos de declaração, nos moldes do que ocorre em caso de julgamento da matéria pelo rito do art. 543-C do mesmo diploma. 4. Imperiosa a modificação do acórdão embargado que reconheceu o direito da contribuinte ao creditamento do IPI decorrente da aquisição de insumos, matérias-primas e produtos intermediários não tributa-dos e utilizados na industrialização de seu produto, com o consequente retorno dos autos à origem para exame das demais questões de mérito. Recurso especial improvido.” (STJ – REsp 1.044.790 – (2008/0067817-0) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 23.09.2014 – p. 707)

Comentário Editorial SÍNTESEO conflito jurídico que passamos a comentar cuidou de um recurso especial interposto por uma clínica dentária com fundamento no art. 105, III, alínea a, da Constituição Federal, contra acór-dão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região que decidiu pela impossibilidade de creditamento de IPI em relação à matéria-prima tributada e produto final sujeito à alíquota zero, em razão da impossibilidade de aplicação retroativa da Lei nº 9.779/1999.Em seu recurso especial, a recorrente arguiu a violação do art. 535 do CPC, arts. 1º, 4º, 161 e 168, todos do CTN, arts. 66, § 3º, da Lei nº 8.383/1991, 39, §1º, da Lei nº 9.250/1995 e 11 da Lei nº 9.779/1999. Sustentou, em resumo, a possibilidade de creditamento do IPI em razão da técnica da compen-sação plena, prescrição decenal e incidência de correção monetária.

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Ao julgar, o Exmo. Sr. Ministro Humberto Martins (Relator) iniciou suas considerações salien-tando que o presente recurso retornou a esta relatoria para ser reapreciado nos termos do § 3º do art. 543-B do Código de Processo Civil, em decorrência do reconhecimento da repercus-são geral, no Recurso Extraordinário nº 562.980/SC, da matéria atinente à inaplicabilidade do art. 11 da Lei nº 9.779/1999 às relações tributárias que antecederam referida lei, com o poste-rior provimento do recurso, em 06.05.2009, cuja decisão transitou em julgado.Destacou também que o referido diploma legal reconheceu o direito de o contribuinte creditar-se do IPI referente a insumos/materiais empregados na industrialização de produtos, sendo esses isentos ou gravados com alíquota zero. Para sustentar sua tese, citou julgado que segue transcrito:“IPI – CREDITAMENTO – ISENÇÃO – OPERAÇÃO ANTERIOR À LEI Nº 9.779/1999 – A ficção jurídica prevista no art. 11 da Lei nº 9.779/1999 não alcança situação reveladora de isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI que a antecedeu.” (RE 562980, Rel. Min. Ri-cardo Lewandowski, Rel. p/o Ac. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, Julgado em 06.05.2009, Repercussão Geral – Mérito DJe-167, Divulg. 03.09.2009; Public. 04.09.2009; Ement., v. 02372-03, p. 00626; LEXSTF, v. 31, n. 369, 2009, p. 285-306) Continuou do d. Ministro salientando que no acórdão anterior o entendimento desta Corte é o de que o direito ao creditamento do IPI relativo à aquisição de matéria prima, insumos ou material de embalagem utilizados na industrialização de produtos isentos, não tributados ou sujeitos à alíquota zero visa a preservar o princípio da não cumulatividade ínsito à sistemática do referido imposto. Dessa forma, ante expressa previsão constitucional (art. 153, § 3º, da CF/1988), garantia-se ao contribuinte o direito ao aproveitamento de tais créditos mesmo antes do início da vigência do art. 11 da Lei nº 9.779/1999.Todavia, como dito, o Plenário do STF, no julgamento do RE 562.980/SC, afastou o direito dos contribuintes ao aproveitamento de tais créditos antes do início da vigência do art. 11 da Lei nº 9.779/1999.Lembrou ao Ilustre Ministro que o referido entendimento foi albergado pela 1ª Seção, por ocasião do julgamento do Recurso Especial repetitivo nº 860369/PE, oportunidade em que o Colegiado assentou que o direito ao crédito de IPI, fundado no princípio da não cumulatividade, decorrente da aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem utilizados na fabricação de produtos isentos ou sujeitos ao regime de alíquota zero, exsurgiu apenas com a vigência do art. 11 da Lei nº 9.779/1999.Adiante o julgado:“PROCESSO CIVIL – RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA – ART. 543-C DO CPC – TRIBUTÁRIO – CREDITAMENTO DO IPI – PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE – AQUISIÇÃO DE MATÉRIA-PRIMA, PRODUTO INTERMEDIÁRIO E MATERIAL DE EMBALAGEM DESTINADOS À INDUSTRIALIZAÇÃO DE PRODUTOS ISENTOS OU SUJEITOS AO REGIME DE ALÍQUOTA ZERO – LEI Nº 9.779/1999 – NOVEL JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – 1. O direito ao crédito de IPI, fundado no princípio da não-cumulatividade, decor-rente da aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem utilizados na fabricação de produtos isentos ou sujeitos ao regime de alíquota zero, exsurgiu apenas com a vigência da Lei nº 9.779/1999, cujo art. 11 estabeleceu que: ‘Art. 11. O saldo credor do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, acumulado em cada trimestre-calendário, decor-rente de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, aplicados na industrialização, inclusive de produto isento ou tributado à alíquota zero, que o contribuinte não puder compensar com o IPI devido na saída de outros produtos, poderá ser utilizado de conformidade com o disposto nos arts. 73 e 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, observadas normas expedidas pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda’. 2. ‘A ficção jurídica prevista no art. 11 da Lei nº 9.779/1999, não alcança situação reveladora de isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI que a antecedeu’ (Precedentes do Supremo Tribunal Federal: RE 562.980/SC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Rel. p/o Ac. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, Julgado em 06.05.2009, DJe-167, Divulg. 03.09.2009, Public. 04.09.2009; e RE 460.785/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, Julgado em 06.05.2009, DJe-171, Divulg. 10.09.2009, Public. 11.09.2009).3. In casu, cuida-se de estabelecimento industrial que pretende o reconhecimento de direito de aproveitamento de créditos de IPI decorrentes da aquisição de matéria-prima, material de embalagem e insumos destinados à industrialização de produto sujeito à alíquota zero, apurados

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no período de janeiro de 1995 a dezembro de 1998, razão pela qual merece reforma o acórdão regional que deferiu o creditamento.

4. Recurso especial da Fazenda Nacional parcialmente provido, restando prejudicadas as preten-sões recursais encartadas nas aduzidas violações dos arts. 166 e 170-A, do CTN. Acórdão sub-metido ao regime do art. 543-C do CPC, e da Resolução STJ nº 08/2008. (REsp 860369/PE, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Seção, Julgado em 25.11.2009, DJe 18.12.2009)”

Acrescentou, ainda, o Ministro que o art. 543-B do CPC prevê, em seu § 3º, a possibilidade de exercício do juízo de retratação pelo órgão julgador.

Diante de tais explanações, o Ministro definiu:

“Imperiosa, pois, a modificação do acórdão embargado que reconheceu o direito da contribuinte ao creditamento do IPI decorrente da aquisição de insumos, matérias-primas e produtos inter-mediários não tributados e utilizados na industrialização de seu produto, com o consequente retorno dos autos à origem para exame das demais questões de mérito.”

Assim, diante de todo o exposto, deve ser restabelecido o entendimento firmado pelo Tribunal de origem e negado o provimento ao recurso especial.

2901 – Prescrição intercorrente – execução fiscal – redirecionamento ao sócio

“Processual civil. Agravo. Art. 557, § 1º, do CPC. Redirecionamento da execução fiscal ao sócio. Ocorrência de prescrição intercorrente. I – Manutenção da decisão monocrática que concluiu diante da citação válida da empresa executada ter ocorrido em 04.08.2005 e o pedido de redire-cionamento da execução contra o responsável tributário ter sido protocolizado em 13.04.2011, portanto após o transcurso do indigitado quinquênio, era de rigor o reconhecimento da ocorrên-cia da prescrição intercorrente. II – A jurisprudência do STJ não faz qualquer distinção quanto à causa de redirecionamento, devendo ser aplicada a orientação, inclusive, nos casos de dissolução irregular da pessoa jurídica. III – No caso dos autos, não há como se afastar o reconhecimento da prescrição contra os sócios sob pena de se manter indefinidamente em aberto a possibilida-de de redirecionamento, contrariando o princípio da segurança jurídica que deve nortear a rela-ção do Fisco com os contribuintes. IV – Mesmo tendo sido noticiada adesão a parcelamento em 29.04.2005, não fluindo a prescrição até 09.04.2006, quando tal acordo não foi mais cumprido, não se afasta a prescrição intercorrente, pois, após referido período não se demonstrou a ocorrên-cia de quaisquer outras causas interruptivas da prescrição legalmente previstas, sendo requerido o redirecionamento ao sócio apenas em 13.04.2011, pouco após o decurso do prazo quinquenal. V – O art. 125, inciso III, do CTN, que dispõe que a interrupção da prescrição contra ou a favor a um dos obrigados favorece ou prejudica os demais, deve ser afastado, não havendo que se falar em sua violação, pois não obstante a citação válida da pessoa jurídica interrompa a prescrição em relação aos responsáveis solidários, decorridos mais de 05 (cinco) anos após a citação da empresa, ocorre a prescrição intercorrente inclusive para os sócios, em conformidade ao decidido pelo eg. STJ, independente de inércia da Fazenda Nacional. VI – Agravo legal improvido.” (TRF 3ª R. – Ag--AI 0011550-79.2014.4.03.0000/SP – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Alda Basto – DJe 30.09.2014)

2902 – Prescrição intercorrente – execução fiscal – suspensão do feito a pedido

“Processual civil e tributário. Execução fiscal. Suspensão do feito a pedido. Prescrição intercorrente (art. 40, § 4º, Lei nº 6.830/1980, na redação da Lei nº 11.051/2004). Decretação de ofício. Senten-ça mantida. Apelação não provida. 1. Consoante disposição do art. 40, § 4º, da Lei nº 6.830/1980, na redação dada pela Lei nº 11.051/2004, pode o juiz, após a oitiva da Fazenda Pública, reconhe-cer, de ofício, a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato, desde que, da data do despacho que ordenou o arquivamento do feito, tenha transcorrido o prazo prescricional. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, por se tratar o dispositivo citado de norma de natureza processual, tem aplicação imediata, alcançando, inclusive, os processos em curso. 3. Comprovado o arquivamento do feito por mais de 5 (cinco) anos, sem que tenha ocorrido causa suspensiva ou interruptiva da prescrição, é de se manter a sentença que reconheceu a prescrição

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intercorrente, nos termos do art. 40, § 4º, da Lei nº 6.830/1980. 4. Apelação não provida.” (TRF 1ª R. – AC 1997.40.00.001997-0/PI – Rel. Des. Fed. Marcos Augusto de Sousa – DJe 26.09.2014)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 6.830/1980:

“Art. 40. O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.

§ 1º Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública.

§ 2º Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos.

§ 3º Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução.

§ 4º Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)

§ 5º A manifestação prévia da Fazenda Pública prevista no § 4º deste artigo será dispensada no caso de cobranças judiciais cujo valor seja inferior ao mínimo fixado por ato do Ministro de Estado da Fazenda. (Incluído pela Lei nº 11.960, de 2009)”

2903 – Taxa de serviços metrológicos – execução fiscal – fato gerador

“Tributário. Execução fiscal. Exceção de pré-executividade. Inmetro. Taxa de serviços metro-lógicos. Pessoa jurídica. Fato gerador. Efetivo exercício da atividade fiscalizada. Art. 5º da Lei nº 12.514/2011. Inaplicabilidade às anuidades anteriores à sua vigência. 1. A exceção de pré--executividade é aceita nas hipóteses em que a execução apresenta vício passível de ser verificado de plano, sem necessidade de dilação probatória. Nela apenas podem ser deduzidas matérias de ordem pública, passíveis de serem conhecidas de ofício pelo Magistrado. 2. A taxa de serviços metrológicos possui como fato gerador o exercício do poder de polícia, e tem por fundamento o art. 11 da Lei nº 9.933/1999, não sendo devida a partir do momento em que a empresa encerrou suas atividades. 3. Mantida a verba honorária, haja vista sua adequação aos parâmetros dos §§ 3º e 4º do art. 20 do CPC.” (TRF 4ª R. – AC 0012808-73.2014.404.9999/SC – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Otávio Roberto Pamplona – DJe 10.09.2014 – p. 88)

Comentário Editorial SÍNTESEO caso em comentou trouxe à baila um conflito onde Ernesto Seger & Cia Ltda., nos autos da execução fiscal proposta pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Indus-trial – Inmetro, ofertou exceção de pré-executividade, na qual insurgiu a excipiente, em síntese, que a taxa de serviços metrológicos deve ser cobrada em face das pessoas naturais ou jurídicas que estivessem no exercício de suas atividades.

Em suas alegações, afirmou ainda que os débitos cobrados nas certidões de dívida ativa seriam indevidos, pois a empresa estaria inativa no ano de 2007.

Finalizou seu questionamento requerendo a extinção da execução fiscal.

Quando da intimação, a parte excepta apresentou impugnação asseverando, em resumo, que a matéria ventilada deveria ter sido arguida em sede de embargos à execução, de forma que, por demandar dilação probatória, seria incabível o manejo de exceção da pré-executividade.

Quanto ao mérito, afirmou que não haveria provas da efetiva inatividade da empresa excipiente, devendo ser rejeitada a objeção de pré-executividade.

Posteriormente sobreveio sentença que, com fulcro no art. 267, inciso IV, do Código de Processo Civil, acolheu a exceção de pré-executividade e reconheceu a inexigibilidade dos créditos cobra-dos na presente execução, declarando-a extinta.

Com base no art. 20 do CPC, condenou a parte excepta ao pagamento das custas processuais, além de honorários advocatícios, que fixou em R$ 500,00.

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Diante de tal decisão, o Inmetro recorreu alegando que, à época da cobrança da Taxa de Serviços Metrológicos, a parte apelada encontrava-se em atividade, uma vez que não concluiu o encami-nhamento da Declaração de Inatividade junto à Receita Federal.Defendeu ainda que não há ilegalidade na autuação e a sua consequente penalização.Os autos chegaram ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região para julgamento e o Desem-bargador Federal Otávio Roberto Pamplona, responsável pela relatoria, iniciou seu julgamento reproduzindo a sentença:“[...]Adianto que, a teor do que estabelece a Súmula nº 393 do Superior Tribunal de Justiça, a exce-ção de pré-executividade não admite dilação probatória.Não obstante, verifico que os documentos carreados aos autos permitem o enfrentamento do mérito, tornando admissível o manejo da objeção de pré-executividade.Nesse sentido, extrai-se da jurisprudência do eg. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Cata-rina:Agravo de instrumento. Execução fiscal. Exceção de pré-executividade. Possibilidade. ilegitimi-dade passiva. Questão de ordem pública. Dilação probatória desnecessária. Questões fáticas arguidas bem verificadas com a documentação que instrui os autos. Redirecionamento indevido. Sócio-gerente excluído da sociedade comercial antes do encerramento das atividades da empre-sa. Mero inadimplemento das obrigações tributárias. Inocorrência das hipóteses do art. 135 do CTN. Recurso provido. (Agravo de Instrumento nº 2011.039262-2, de Papanduva, Rel. Des. Cesar Abreu, D.J. 09.04.2013)Pois bem.No mérito, a execução fiscal está embasada em certidões de dívida ativa lançadas pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – Inmetro.Verifica-se que o fundamento legal do débito consta no art. 11 da Lei nº 9.933/1999, que assim dispõe:Art. 11. É instituída a Taxa de Serviços Metrológicos, que tem como fato gerador o exercício do poder de polícia administrativa na área de Metrologia Legal pelo Inmetro e pelas entidades de direito público que detiverem delegação.§ 1º A Taxa de Serviços Metrológicos, cujos valores constam da tabela anexa a esta lei, tem como base de cálculo a apropriação dos custos diretos e indiretos inerentes às atividades de controle metrológico de instrumentos de medição.§ 2º As pessoas naturais e as pessoas jurídicas, nacionais ou estrangeiras, que estejam no exer-cício das atividades previstas no art. 5º desta lei, serão responsáveis pelo pagamento da Taxa de Serviços Metrológicos.O fato gerador da obrigação tributária é o exercício do poder de polícia no tocante às atividades descritas no art. 5º do referido diploma legal.Portanto, para fins de exigibilidade do crédito tributário, necessário perquirir-se acerca do efetivo exercício das atividades empresariais, que autorizariam a cobrança do tributo.A excipiente juntou cópia das declarações anuais de Imposto de Renda relativas aos exercícios 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009, constando nelas a informação de inatividade empresarial.Com efeito, referidos documentos foram apresentados à Receita Federal e possuem presunção de veracidade quanto às informações neles constantes.Mostra-se irrelevante o fato de que a empresa tenha sido posteriormente reativada, uma vez que o fato gerador do imposto, qual seja, o desenvolvimento das atividades empresariais, deva ser aferido em cada período isolado.Nesse sentido, extrai-se de recente julgado oriundo do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – IBAMA – TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIEN-TAL (TCFA) – CDA – REQUISITOS DO TÍTULO EXECUTIVO – EFEITO CONFISCATÓRIO – FATO GERADOR – 1. A CDA é título extrajudicial que goza de presunção de liquidez e certeza e deve conter o nome do devedor, seu endereço, o valor originário do débito, a forma de cálculo e a origem da dívida.2. A inexistência da menção do valor originário dos créditos e das datas de seus vencimentos trimestrais viola os requisitos exigidos pelos arts. 202 do CTN e 2º da Lei nº 6.830/1980, afasta a presunção de validade da CDA e determina a sua nulidade.

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3. O fato gerador da taxa é o exercício regular do poder de polícia conferido ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama.4. Havendo prova do não exercício da atividade empresarial é insubsistente a exigência tri-butária por inocorrência do fato gerador, sendo irrelevante o fato da empresa inativa não ter oportunamente dado baixa do CNPJ na Receita Federal. (Agravo de Instrumento nº 0013289-70.2013.404.9999, Rel. Des. Otávio Roberto Pamplona, D.J. 01.10.2013)Ainda:EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL – TCFA – ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES – INEXISTÊNCIA DE FATO GERADOR – SUCUM-BÊNCIA – 1. Ainda quando a pessoa jurídica deixa de comunicar ao Ibama o encerramento/cessação das atividades, não será devida a TCFA, pois seu fato gerador configura-se a partir do momento em que a empresa se dedica às atividades potencialmente perigosas ao meio am-biente, previstas no anexo da Lei nº 6.938/1981. Se a empresa não estava mais em atividade, impossível a exigência da TCFA.2. A jurisprudência também qualifica a resistência indevida da ré como causa à indenização das custas e do pagamento dos honorários advocatícios por conta do desenvolvimento de uma demanda que poderia ser obstada ab initio. (Apelação Cível nº 5004106-26.2010.404.7208, Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, D.J. 09.05.2013)Tendo havido cessação das atividades da excipiente e, considerando que o fato gerador da taxa de serviços metrológicos consiste no exercício regular do poder de polícia conferido ao Inmetro, resta patente a inexigibilidade da referida taxa em virtude da inatividade empresarial.Assim, reputo inexigíveis os débitos cobrados na presente execução fiscal, relativos às taxas de serviços metrológicos referentes aos exercícios de 2005 e 2007. [...]”Após a compilação da sentença questionada em forma de recurso, o Ilustre Desembargador Federal Otávio Roberto Pamplona destaca que não merece reparos o citado julgamento.E para tanto reforçou tal decisão observando que, em se tratando de taxa correspondente à atividade estatal que se realiza ao longo do tempo, a partir do encerramento das atividades da empresa, o que se verifica a partir da juntada das declarações de Imposto de Renda em que se constata a inatividade empresarial nos anos de 2007.Desta forma, nos termos em que fundada a sentença, entendeu o Nobre Desembargador que não há como subsistir a sua exação sobre o período objeto da cobrança.Desta forma, após explicitado seu entendimento o eg. Tribunal Regional Federal da 4ª Re-gião, representado aqui neste julgamento pelo ilustre Desembargador Federal Otávio Roberto Pamplona, negou provimento à apelação.

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Seção Especial – Doutrina Estrangeira

¡Codificado Para la Exportación! La Dimensión Contextual del Marco Civil de Internet en Brasil

OSVALDO SALDÍAS1

Instituto Alexander von Humboldt para Internet y Sociedad Berlín.

Submissão 13.11.2014Decisão editorial 02.12.2014Comunicação ao autor 02.12.2014

Durante el mes de abril de 2014, en el marco de la celebración de la conferencia internacional sobre internet governance RED Mundial (NET Mundial) en Sao Paulo, el parlamento de Brasil aprobó su Marco Civil de Internet.

Como marco jurídico que es, Marco Civil apunta a regular al menos tres áreas críticas en el campo del derecho y política de internet: protección de datos, neutralidad de la red y libertad de expresión. La razón para regularas en conjunto responde a la voluntad de asegurar tanto los derechos de los ciudadanos como también la coexistencia civil entre usuarios y proveedores. Tal enfoque holístico es inusual en el contexto global, y no sorprende que haya acaparado atención mundial. Adicionalmente, no tardó mucho tiempo hasta que actores claves del mundo político comenzaron a exigir que Marco Civil fuese usado como un modelo para la región, o incluso para el mundo. Para muchos políticos, legisladores y activistas Marco Civil es muy atractivo, ya sea por su enfoque comprehensivo, o porque no ha sido promovido por un país totalmente industrializado. Tal como demuestro en este trabajo, Marco Civil da la impresión de haber sido codificado genéticamente para la exportación a pesar de tener orígenes muy locales e idiosincráticos. Ésta vocación regional que Marco Civil pareciera tener nos obliga a preguntarnos si acaso este cuerpo está en condiciones de ser difundida y diseminada a través de Sudamérica. Con todo, y a pesar que la iniciativa comenzó en 2007, pareciera que no existe aún una reflexión sobre la dimensión transnacional o externa de Marco Civil. Para aquellos que creen que el contexto de un determinado cuerpo legal puede influir decisivamente el derecho, la cuestión de una dimensión externa

1 Este artículo nace de una conferencia dictada por el autor en el seminario internacional Marco Civil da Internet: Direito, Inovação e Tecnologia, impartida en el Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). El artículo se benefició de invaluables comentarios de los asistentes, así también como de los comentarios de Prof. Dr. Inglf Pernice, Rüdiger Schwarz, y de Dr. Ulrike Höppner. Cualquier error es imputable exclusivamente al autor.

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o comparativa del derecho es crucial. Por el contrario, algunos observadores no consideran el contexto demasiado relevante para que el derecho surta efectos. Éstos últimos suelen asumir que lo que realmente importa es el mero texto de las leyes. Muy cercano a esta perspectiva está la suposición que los problemas jurídicos son muy similares en cada región, y que suele haber una solución similar para problemas que son similares. Es la llamada praesumptio similitudinis, un supuesto que ha promovido soluciones legales funcionales a través del mundo.2

La perspectiva que este artículo quiere proponer supone que el contexto sí importa. El contexto determina mayormente la eficacia de las leyes, y la dimensión externa o transnacional de Marco Civil no puede ser entendida sin sus elementos contextuales. Así, el artículo hace un primero intento por esbozar la dimensión externa de Marco Civil, identificando los vínculos funcionales que harían Marco Civil tan apto para ser exportado. Entre éstos vínculos encontramos ideas y conversaciones (pilar de neutralidad de la red), una cierta idea de determinismo tecnológico (pilar de protección de datos), y de competencia entre sistemas (pilar de libertad de expresión).

LEYES CODIFICADAS GENÉTICAMENTE PARA LA EXPORTACIÓN

El impulso inicial para Marco Civil vino de la comunidad académica, y el enfoque hacia la regulación de internet puso el énfasis en formalizar los derechos subjetivos de los usuarios en vez de institucionalizar detalladamente los incumbentes modelos de negocio. Esto modelos dominaban el tráfico de internet de esos años y reforzaban la dimensión punitiva del derecho de internet. Los iniciadores de Marco Civil pertenecía predominantemente a la comunidad académica del derecho de propiedad intelectual y representaban una corriente refrescante que se articulaba a favor de un internet abierto y de fácil acceso. Sus reivindaciones perseguían racionalizar el derecho penal y trasladar la carga de la prueba del uso malicioso de contenido online desde el individuo hacia la industria. Adicionalmente, una sensibilidad creciente acerca de la vulnerabilidad de grupos sociales de bajos ingresos económicos influyó decisivamente en la iniciativa.3 La realidad social en Brasil indicaba que de implementarse las leyes penales en la forma que lo establecía la llamada Ley Azeredo,4 más del 60% de la población se habría tornado en perpetradores criminales de la noche a la mañana.

2 Zweigert, Konrad (1973) Die “Praesumptio Similitudinis” als Grundsatzvermutung rechtsvergleichender Methode, In M. Rotonda (ed.) Inchieste di Dirito Comparato-Scopi e Methodi di Dirito Comparato: Lepaulle.

3 Véase por ejemplo, el artículo de Ronaldo Lemos y Paula Martins sobre las casan LAN y el sector informal: Lemos, R. and Martin, P. (2010) LAN Houses: A New Wave of Digital Inclusion in Brazil. Information Technologies & International Development. Vol. 6 Special Edition.

4 Véase Projeto de Lei de Crimes Eletrônicos, PL Nr. 84/99, available at the Web Site of the Brazilian Lower Chamber, http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=15028.

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Los impulsores sostenían que las sanciones criminales debían ser solo medidas extremas para castigar las desviaciones de la coexistencia civil debidamente establecida, mientras que el predicamento brasileño era la falta de un marco civil – en oposición a lo criminal – previamente acordado que pudiese orientar a las personas en cómo debían comportarse en un ambiente digital. Las relaciones entre usuarios y actores de la economía digital que así emergían debían de regularse primero, estableciéndose derechos explícitos antes de penalizar las conductas violatorias más severas. Por lo tanto, el estado debiese de promulgar leyes penales sobre la base de un marco civil preexistente.5 De lo contrario se arriesgaría un severa desajuste entre el derecho en los libros (law in books) y el contexto social que no sólo amenazaría la aspiración de coherencia del sistema legal, sino que provocaría una aplicación de la ley altamente diferenciada. Dado que sería impensable encarcelar el 60% de la población, probablemente sólo una fracción menor sería juzgada criminalmente. Si consideramos las inequidades endémicas que afectan a las sociedades de América Latina podría especularse que los usuarios más pobres tendrían mayor probabilidad de ser perseguidas criminalmente, con motivo de un procesos de selección negativo que castiga a aquellos que tienen mayores dificultades para defenderse; un tipo de justicia de clases o Klassenjustiz. El jurista alemán Gustav Radbruch manifestaba en 1920 sus preocupaciones respecto del tratamiento penal asimétrico de los delitos contra la propiedad en comparación con el tratamiento de los delitos contra la integridad física. Los escritos de Radbruch durante la República de Weimar dan cuenta de su perplejidad frente al hecho que los casos de hurto eran investigados de oficio, mientras que los asaltos o delitos de lesiones corporales requerían una denuncia explícita de la víctima para ser investigados. La protección de bienes materiales, sostenía, es abundante comparada con la protección del único bien de los desposeídos: su fuerza de trabajo (Arbeitskraft).6 Klassenjustiz, entonces, no significa que un grupo particular tuerza la ley; más bien se refiere al uso discriminatorio de prejuicios, a pesar del hecho de que un juez tenga el convencimiento de esta actuando de buena fe.7

5 Lemos, R. (2007) Internet brasileira precisa de marco regulatorio civil. UOL Tecnología, 22 May 2007, disponible en <http://tecnologia.uol.com.br/ultnot/2007/05/22/ult4213u98.jhtm>

6 “Noch gilt das Ding dem Rechte vielfach mehr als der Mensch. Noch bedroht unser Strafgesetzbuch den Einbruchs- und Rückfallsdiebstahl mit derselben Höchststrafe, wie den, der einm anderen absichtlich beide Augen ausschlüge, noch wird einfache Körperverletzung nur auf Antrag des Verletzten, den Diebstahl oder Unterschlagung ungleich wahrscheinlcihe als bei Beleidigung oder Köperverletzung, noch genießt das Vermögen im Strafgesetzbch selber den vielfätigsten Schut, das einzige Vermögen des Unvermögenden aber: die Arbeitkraft, nur in zerstreuter Bestimmungen oder Sondergesetzen unvollständige und unzureichende Sicherung.” Radbruch, G. (1993). Justiz, Reform des Rechtsesens un der juristischen Ausbildung. Gesamtausgabe. Gustav Radbruch. Band 13, Politische Schriften aus der Weimarer Zeit. A. Kaufmann. Heidelberg, C.F. Müller.

7 Ibid.

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Si Marco Civil fue una respuesta concreta a un esquema jurídico que ignoro abiertamente la realidad social del uso de internet en Brasil, entonces ¿por qué debiésemos preocuparnos por su dimensión externa? No es acaso Marco Civil una reacción doméstica al derecho de internet doméstico?

Este artículo sugiere que aunque las leyes sean promulgadas localmente, a veces pareciera estás codificadas genéticamente para ser exportadas. No es una sorpresa que tan pronto como Marco Civil fue promulgada, aparecieron voces muy autorizadas exigiendo que fuese usada como modelo para América Latina y para el mundo.8-9-10 La explicación para esto tiene que ver más con vinculaciones funcionales a nivel global que con ingeniería genética. La vinculaciones transnacionales de ideas, como también la naturaleza penetrante de Internet11 son responsables de moldear la dimensión externa de as leyes que apunta a regular y dirigir la red.

Sin embargo, no es tarea fácil ponderar la dimensión externa de Marco Civil, especialmente cuando los orígenes son claramente locales. El potencial impacto de leyes codificadas para la exportación pueden ser valuado con la ayuda de la perspectiva comparativista. De hecho, la ciencia del derecho com-parativo provee algunas herramientas analíticas para entender la migración de derecho desde un sistema a otro. Así, cualquiera que sea el entendimiento que tengamos sobre la misión del derecho comparativo, se ha ducho que sirve di-versos propósitos: es primeramente una disciplina académica,12 sirve como una herramienta para reformar el derecho doméstico,13 como una herramienta de construcción para llenar lagunas legales,14 como una ayuda complementaria

8 Norberto Berner, admitió publicamente que el Marco Civil es un modelo para la Comisión Argenitna de Políticas de Internet: “Lo digo desde un sentido político. Yo quiero un marco civil de telecomunicaciones”. <http://www.lavoz.com.ar/ciudadanos/las-ensenanzas-que-deja-la-regulacion-brasilena-internet>.

9 El senador brasileño Lindbergh Farias sostuvo que el proyecto es un modelo, y como tal, explícitamente busca moldear la agenda internacional : <http://www.alliance-journalistes.net/article300.html>.

10 En una alocución después de su firma, Tim Berners-Lee se refirió a él como “a fantastic example of how governments can play a positive role in advancing web rights and keeping the web open” y llamó a a otros países a seguir el ejemplo: <http://www.theregister.co.uk/2014/04/23/new_bill_signed_in_brazil_guaranteeing_civil_rights_on_internet/>.

11 Schmidt, Eric (2013) Google in Europe: Innovations for a Digital Future, in Pernice, I. and Schwarz, R. (eds.) Europa in der Welt – Von der Finanzkrise zur Reform der Unión. Forum Constitutionis Europae- Band 12. Baden-Baden, Nomos.

12 Savigny, Carl F. (1814) Vom Beruf unserer Zeit für Gesetzgebung und Rechtswissenschaft. Heidelberg.13 Cf. Sacco, Rodolfo (1991) Legal Formants: A Dynamic Approach to Comparative Law, The American Journal

of Comparative Law, 39, 1, 1-34.14 Para una tipología interesante, véase Sitaraman, Ganesh (2008) The Use and Abuse of Foreign Law in

Constitucional Interpretation. Harvard Law Journal.

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para interpretar normas jurídicas,15 y como una herramienta de promoción de la unificación sistemática y armonización del derecho.16

La complejidad de los problemas que emergen de un mundo hiperconectado pareciera borrar los claros límites entre estos propósitos del derecho comparativo. Desafíos jurídicos urgentes, como acaso “regular internet” impacta sobre la totalidad del instrumentario disciplinario del derecho comparativo permeando los límites dentro de esta área. Por eso, al intentar elucidar Marco Civil desde la perspectiva comparado, será apropiado comenzar con tareas fundamentales como bosquejar el contorno de una dimensión externa o comparativa de la ley bajo examen. En esta caso no preguntamos sobre el significado concreto de la dimensión externa de Marco Civil. ¿Qué entendemos bajo aquello? Y ¿por qué importa?

Para iniciar el bosquejo del contorno de lo que debiese entenderse como la dimensión externa de Marco Civil, conviene comenzar el trabajo conceptual en el nivel abstracto, específicamente con la dicotomía textaualismo-contextualismo. Por una lado, el contextualismo sugiere que si vamos a estudiar un sistema jurídico foráneo, debiésemos poner atención al contexto en su sentido amplio, y especialmente a su función social. Esta aproximación se ha vinculado frecuentemente con el movimiento “derecho en acción (law in action).17 El ejemplo paradigmático de esta perspectiva es la exigencia hecha por Montesquieu, en el sentido que el estudio debía considerar incluso los elementos geográficos de los sistemas legales. En un pasaje muy popular, sugirió que las leyes “debiesen ser hechos tan a la medida de las personas a las que se aplicarán, que no sería sino una mera coincidencia si las leyes de una nación pudiesen saciar las necesidades de otra”.18 Similarmente, Lawrence Friedmann advirtió que no debía entenderse las leyes como meros accidentes históricos, ni tampoco de forma autónoma de la economía y la sociedad. El derecho – sostenía Friedmann – debía ser concebido como un “espejo de la sociedad” que reflejaba sus “deseos y sus necesidades”.19

15 Häberle, Peter (1989) Grundrechtsgeltung und Grundrechtsinterpretation im Verfassungsstaat – Zugleich zur Rechtsvergleichung als „fünfte“ Auslegungsmethode, Juristenzeitung, p. 913 ff.; véase también Frankenberg, Günter (1985) Critical Comparisons: Re-thinking Comparative Law, Harvard Internacional Law Journal, 26, 2, Spring, 411-56.

16 El derecho comparativo ha sido frecuentemente entendido como el estudio del derecho extranjero. Adicionalmente, esto ha servido propósitos relacionado con necesidades de la profesión jurídica más que con la lógica de la generalización y la formación de hipótesis de trabajo. Dado que los comparativistas son frecuentemente mandatados para informar sobre leyes extranjeras, las comparaciones legales han devenido en un mero apilamiento de datos sin guía teórica. Una tal “malaise” ha sido proclamada ya por William Ewald, quién hizo una analogía del derecho comparativo con la actividad de la trivia, en la que se coleccionan datos con esmero, pero sin consistencia metodológica alguna.Ewald, W. (1998). “The Jurisprudential Approach to Coparative Law: A Field Guide to ‘Rats’.” The American Journal of Comparative Law 46(4): 701-707.

17 Ewald 1998: 702.18 Montesquieu, Charles (1961) De l’Esprit des Lois. Book I, Ch. 3 (Des lois positives) Ed. Garnier Frères [1741].19 Friedmann, Lawrence (1973) A History of American Law. Simon and Schuster: New York.

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Compitiendo con el contextualismo encontramos el textualismo, principalmente basado en las ideas promovidas por Alan Watson, que argumentaba que el derecho es autónomo de la sociedad que lo rodea. Se basa en el hecho que el Corpus Juris Civilis fue trasplantado desde el derecho romano, esencialmente sin alteraciones de sociedad en sociedad. No pretendo arbitrar este antiguo debate, sino más bien examinar uno de los argumentos puestos sobre la mesa: la existencia del recurrente fenómeno de los “transplantes” o “transferencias”. Estas migraciones están contenidas en el término “derecho en los libros” (law in books).20

Con la ayudad de la dicotomía textualismo-contextualismo, el artículo examinará como los elementos contextualistas impactan y ejercen presión sobre el Marco Civil, influyendo en su interpretación, y anticipará posibles colisiones de políticas regulatorias con los vecinos de Brasil. Esta materia comienza por delinear lo que he llamado la dimensión externa o transnacional del Marco Civil; una dimensión que permanecería invisible sin no fuera por la perspectiva comparativa. No sostengo ser exhaustivo en ello. He seleccionado tan solo una norma de cada uno de los tres pilares del Marco Civil, esto es, protección de datos, neutralidad de la red y libertad de expresión.21 La selección de estos problemas jurídicos es intencionalmente exploratoria pues no tengo conocimiento sobre la existencia de eventuales trabajos científicos que a la fecha hayan hecho una reflexión del rol global de Marco Civil.

CUANDO EL CONTEXTO CAMBIA CON EL TRANSCURSO DEL TIEMPO: LA PROTECCIÓN DE DATOS.

Un de los pilares del Marco Civil es la protección de datos, regulado en su capítulo II. Al regular el tratamiento de datos personales, el cuerpo normativo exige a los controladores de dato contar con el consentimiento explícito de la persona afectada antes de procesar sus datos.22 La figura del consentimiento informado supone que el sujeto de datos ha entendido razonablemente las implicancias que se derivan del hecho de prestar el consentimiento. La figura se asemeja al la Einwilligung alemana. Empoderar a los ciudadanos para tener el control de la información sobre ellos no es algo nuevo en Brasil. Durante la dictadura (1964-1985), el estado acumuló secretamente información crítica sobre sus ciudadanos con el objeto de controlar la oposición política. Al

20 Watson, A. (1993). Legal Transplants. An Approach to Comparative Law. Athens and London, The University of Georgia Press.

21 El Marco Civil se hizo conocido por estos tres pilares. Sin embargo, hay otro aspecto que no ha logrado la misma notoriedad: la modernización de la administración pública.

22 Marco Civil de Internet: “Art. 7o O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:

VII – não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais, inclusive registros de conexão, e de acesso a aplicações de internet, salvo mediante consentimento livre, expresso e informado ou nas hipóteses previstas em lei;”. Disponible en <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L12965.htm>.

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restablecerse la democracia y desaparecer el Servicio Nacional de Información, las organizaciones civiles temieron que los datos y la información recolectada pudiera ser destruida en un intento por ocultar las acciones llevada adelante por órganos del estado. Así, y con el objeto de permitirle a los ciudadanos conocer la información sobre ellos contenida en las bases de datos del estado, es que la constitución de 1988 contiene la acción judicial Habeas Data. De acuerdo con esta figura jurídica, toda persona tiene el derecho de exigir acceso a los datos – previamente secretos – en poder del estado. Esta acción constitucional reforzó la noción colectiva que los datos e información sobre la persona afectan su esfera íntima y puede condicionar la autodeterminación individual.23 Por eso, de acuerdo con la norma, el individuo afectado tiene el derecho a conocer, corregir o complementar los datos existentes. A pesar de que fue originalmente concebido no como un derecho subjetivo sino que como una acción judicial, el Habeas Data promueve un entendimiento sistemático de la constitución de 1988. También influyó una porción de las legislación de América Latina, un hecho que no intencional pues el recurso nunca fue creado con la intención de transformarse en un modelo para la protección de datos en la región.24 Por lo tanto, podría decirse que la noción de “consentimiento informado” – aunque prestada desde Europa – es una figura que encontró un contexto local distintivo y que ha complementado una figura preexistente como el Habeas Data.

El desafío es entender el Marco Civil como un potencial donante de normas. Los estudios comparativos en derecho y política ofrecen un instrumental analítico para el estudio de la difusión de normas que es útil para ello. Las comparaciones no se restringen a criterios geográficos, es decir, comparar dos sistemas foráneos. Muy por el contrario, el comparativista está igualmente interesado en criterios de anacronismo como, por ejemplo, comparar un solo sistema en períodos distintos de su historia. Las comparaciones anacrónicas permiten el análisis de leyes que han regido un mismo lugar; pero es igualmente posible estudiar un mismo cuerpo jurídico a través del tiempo.25 Mientras el texto legal perdura, usualmente enfrentará un contexto socio-legal cambiante. Así, entender el cambio contextual puede ser crucial para comprender adecuadamente las instituciones jurídicas y políticas.26

El factor tiempo se torna especialmente relevante cuando se trata del avance tecnológico. Para el momento que el derecho se haya ocupado de

23 Mendes, Gilmar and Branco Paulo (2014) Curso de Direito Constitutional. 9th Edition. Saraiva: São Paulo, p. 449.

24 Doneda, Danilo. (2008). 5° Encontro Íbero-Latino-American de Governo Eletrônico e Inclusão Digital. Florinópolis. Disponible en <http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/livro_governo_eletronico_2.pdf#page=55>.

25 Djelic, Marie-Laure (2007) Sociological Studies of Diffusion: Is History Relevant?, en: Uppsala Lectures in Business Uppsala University, Department of Business Studies.

26 Nohlen, Dieter (2007) Ciencia Política. Teoría Institucional y relevancia del contexto. Ed. Universidad del Rosario: Bogotá, 2nd Ed.

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regular la tecnología, el estado del arte tecnológico probablemente habrá cambiado y avanzado. El Dilema de Collingridge probablemente mejor retrate esta dificultad. Douglas Collingridge formuló el famoso dilema consistente en la dificultad de regular o controlar la tecnología bajo condiciones de incertidumbre. Es incierto, sostenía Collingridge, hacia donde y cómo evoluciona la tecnología. Es virtualmente imposible predecir eventuales consecuencias no deseadas de las tecnologías en un estado temprano de desarrollo. Sin embargo, cuando las consecuencias problemáticas de una determinada tecnología se tornen visibles, será muy tarde para regularla dado su arraigo en la sociedad.27 Cuando las industrias vean que pueden beneficiarse tanto de la eficiencia de proveedores especializados de tecnologías de la información (TI), como también de las economías de escala que subyacen al mercado de la industria tecnológica, comenzarán a aceptar su dependencia de estos terceros proveedores. Lokke Morel sugiere que dado que esta lógica de competencia mercantil, la TI se está tornando en una función crítica para las compañías con la consecuencia que “ahora vemos los signos tempranos de la tecnología de la información transformándose en ‘servicio público’” (utility). Morel va incluso mas allá del dilema de Collingridge y suscribe al llamado imperativo tecnológico; la tecnología, según Morel, no puede ser detenida y avanzará alejándose del control de los reguladores.28 Nicolás Carr resumió este imperativo con la elocuente frase “the grid always wins”.29

En relación con la explosiva expansión de Internet, tan sólo unos años atrás habían nociones optimistas respecto del impacto inherentemente positivo sobre la sociedad. Entre los más connotados está Yochai Benkler, quien predijo una substancial mejora democrática de las redes.30 Hoy, la mayoría de los autores está reconociendo un sentimiento de desencanto.31 Entre las variadas sugerencias hechas por David Collingridge para tratar el dilema está el desarrollar tecnologías que permanezcan dentro del control de los tomadores de decisiones políticas. Nótese, eso sí, que esta sugerencia es una de un conjunto de soluciones propuestas por Collingridge. Si uno fuese totalmente justo con la tesis de “The Social Control of Technology” y quisiera escrutar el real impacto de sus aseveraciones, entonces estas aseveraciones debiesen de ser consideradas en su conjunto. Como quiera que fuese, mientras el estado del arte de la tecnología avanza, algunos autores han sugerido que no todas

27 Collingridge, David. (1980). The social control of technology. New York, St. Martin.28 Morel, Lokke (2014) Big Data Protection. How to Make the Drat EU Regulation on Data Protection Future

Proof. Appointment Lecture, Tilburg University, 14 February. p. 6. Available at <http://www.debrauw.com/wp-content/uploads/NEWS%20-%20PUBLICATIONS/Moerel_oratie.pdf>.

29 Nicholas Carr (2013) The Big Switch. Rewiring the world, from Edison to Google. W.W. Norton & Co.: New York.

30 Benkler, Yochai (2006), The Wealth of Network. How Social Production Transforms Markets and Freedom. Yale University Press: New Haven and London.

31 Moerel (2014).

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las premisas consideradas por Collingridge mantenga su validez en los tiempos que corren. Liebert and Schmidt sostienen que dado que hemos entrado en el periodo de la tecnociencia, muchos de los elementos contextuales han ido cambiando de forma dramática. Así, la cultura de la ciencia ha cambiado tornándose, en consecuencia, el conocimiento en “ubicuo a través de todo el proceso de innovación”.32

De la visión mencionada puede derivarse que la regulación de la tecnología (de la información) no sólo supone tomar decisiones bajo condiciones de ignorancia o incertidumbre, sino que también implica que dirigir la evolución tecnológica es un desafío para la toma de decisiones políticas. El proceso de dataficación (datafication) que está siendo desatado por la analítica big data parece confirmar esta visión determinística. Los informáticos están ahora en condiciones de derivar nuevos tipos de comprensión de sus datos gracias al volumen, la velocidad, y la variedad de sus fuentes. Nuevos patrones para inferir aparecen cuando estos océanos de datos comienzan a ser visualizados, y los observadores comienzan a identificar correlaciones entre fenómenos; correlaciones que pueden sonar totalmente contra intuitivas para todo aquél que está acostumbrado a pensar en términos consecuenciales. Por lo tanto, emergen nuevas nuevos usos potenciales para los datos; y para que esos usos secundarios puedan proporcionar tal perspicacia el analista requiere más que “muchos” datos. Requerirá “todos los datos”.33 Las inferencias y predicciones que se torna posibles ya están incorporadas en nuevos servicios y modelos de negocios disponibles tanto para el sector privado, como para el público. Deshacer big data ya parece impensable y comienza por confirmar el dilema de Collingridge. Observadores están advirtiendo progresivamente que el usuario no tiene medios para prever todos los usos posibles de los datos personales. En este escenario, los requerimientos de consentimiento informado a minimización de datos pierde toda su eficacia. Cuando el usuario marca el casillero al final de una página web las advertencia de exención de responsabilidades se torna cada vez más un acto banal.34

Con todo, hay algunos autores que rechazan cualquier tipo de determinismo tecnológico que pueda emerger de este debate. No obstante admitir ellos que es sólo una cuestión de tiempo hasta que la tecnología encuentre su camino, sostienen que no es verdad que la sociedad no pueda controlarla por medio de regulaciones. Francis Fukuyama sugería que “el pesimismo respecto de la

32 Liebert, W. and J. C. Schmidt (2010). “Collingridge’s dilemma and technoscience.” Poiesis Prax(7): 55-71. (traducción propia).

33 Mayer Schönbereger, Viktor and Cukier, Kenneth (2013) Big Data. A Revolution That Will Transform How We Live, Work, and Think. Houghton Mifflin Harcourt: Boston and New York.

34 Lokke Moerel lo llama „routinization of consent“, Moerel (2014) p. 24, también refiriéndose a Brownsword, Roger (2009) Consent in Data Protection Law, in Gutwirth, S. et al. (eds.) Reinventing Data Protection? Springer, p. 90.

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inevitabilidad del progreso tecnológico está errado, y podría convertirse en una profecía auto cumplida si fuese creída por demasiada gente. Pues simplemente no es el caso que la velocidad y el ámbito del desarrollo tecnológico no puedan ser controlado.”35

En este punto, el comparativista preguntaría si acaso no se vislumbra ya, que el contexto de los usos de los datos puedan influir decididamente la eficacia de la ley a través del tiempo. Comparando el estado del arte tecnológico en el año 2007 con el actual, podría decirse que si ha de exportarse el Marco Civil a la región, entonces sería aconsejable incluir una reflexión sobre la dataficación y los notables cambios que provocan al contexto en el que debe operar la ley. Big data está ejerciendo una fuerte presión sobre nuestros paradigmas de pesquisa informacional, nuestro razonamiento, como también, nuestro sentido de identidad.

CUANDO LAS CONVERSACIONES Y LAS IDEAS MOLDEAN EL CONTEXTO: NEUTRALIDAD DE LA RED

El Marco Civil zanjó la cuestión de la neutralidad de la red en Brasil. El Artículo 9 introduce la política formal de la neutralidad de la red, el segundo pilar. Neutralidad de la red es un principio, de acuerdo con el cual el acceso a la red, a sus aplicaciones, sus contenidos y páginas webs deben ser proporcionadas por sobre la base de la no-discriminación. Aquéllos que administran la red no deben dar prioridad a algunso usuarios por sobre otros en términos de calidad o velocidad.

Si aceptamos la tesis del Derecho en Contexto (law in context), podemos jugar con la idea que cuando las leyes y normas comienzan a diseminarse, enfrentan contextos históricos y sociales muy específicos a los que se adaptan y en los que se transforman.36 Esto es contextualización en acción. Cuando se trata de ideas y creencias, éstas deben ser traducidas “desde un tiempo histórico y marco cultural a otro. Estos procesos de traducción pueden incluir apropiación, resistencia y reinterpretación”.37 El enfoque Derecho en Contexto no se interesa tanto en las propiedades exegéticas de las leyes. Mas bien pregunta por el contacto, impacto o interacción entre el derecho y el contexto; lo que llamamos contextualización. Para que ese ejercicio sea significativo, se requiere considerar los elementos promotores de la importación y exportación de las leyes. Un elemento promotor importante puede ser, por ejemplo, una simple idea, especialmente cuando sea capaz de persuadir a legisladores de promulgar determinadas leyes. Por lo tanto, el proceso de traducción es muy determinante

35 Fukuyama, Francis. (2002). Our Posthuman Future. London, Profile Books. (traducción propia).36 Véase e.g. Djelic, Marie-Laure (2007) Sociological Studies of Diffusion: Is History Relevant?, in: Uppsala

Lectures in Business Uppsala University, Department of Business Studies.37 Börzel, Tanja and Risse, Thomas (2012) From Europeanisation to Diffusion: Introduction. West European

Politics, Vol. 35, Issue 1.

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para que las ideas puedan viajar, y para que éstas ideas puedan persuadir a los tomadores de decisión de adoptar determinados cuerpos regulatorios.

Así, a menos que suscribamos a la tesis textualista o Derecho en los Libros, podemos ver la función crítica de las ideas en las que se basan las leyes. Estas ideas viajan. Mas aún, están conectadas con el texto de las leyes que comienzan a ser adoptadas en el nuevo marco local. Esta conexión entre las ideas que viajan y las leyes que emergen sobre ellas son uno de los mayores determinantes de la contextualización del derecho; y la ciencia del derecho comparativo es la disciplina llamada a entender la interacción entre la ideas que viajan, su adaptación y, finalmente, su cristalización en una ley. La diseminación de leyes a través de territorios tendrá un mecanismo diferente dependiendo de si acaso la ley ha sido incorporado por motivos de mera imitación o por un proceso racional de socialización y persuasión. Esta herramienta analítica es aplicable a la diseminación de la ley que establece el principio de neutralidad de la red en Brasil. La búsqueda de la dimensión externa del Marco Civil nos conduce a observar las ideas y debates alrededor de la política pública de neutralidad de la red. ¿Cómo se difunden? ¿Cómo es el contexto que las recibe? ¿Cuáles son las implicancias más probables de importar ideas y promover leyes basadas en estas ideas?

Por el contrario, el enfoque Derecho en los Libros preguntaría inmediatamente si acaso no hay otros sistemas que hayan incorporado el texto de las leyes que regulan la neutralidad de la red. Así, los textualistas dirigirían la atención al caso de Chile, donde la neutralidad de la red ha sido establecida por ley ya en 2010, y asumirían que probablemente exista un vínculo entre estos casos. El enfoque contextualista, en cambio, se interesaría en comparar los contextos, suponiendo que existen nexos y funciones entre el texto y el contexto. Por eso, una pregunta contextualista sería la siguiente: Cuáles son, en términos de su relación con el respectivo contexto, las diferencias entre el caso chileno (o cualquier otro en Sudamérica) y el caso Brasileño? Existe un vínculo entre los ambientes jurídico-políticos de los sistemas Sudamericanos con el sistema de Brasil en particular? Si fuese así, cuál es el papel que juegan estos vínculos en el establecimiento del derecho de Internet en general, y neutralidad de la red en particular?

La literatura sobre difusión de normas e ideas – y en especial su instrumental analítico – son muy útiles para responder tales preguntas. Cuando ideas y debates son diseminadas, transmitidas y exportadas, conllevan el potencial de persuadir a otros para que actúen de determinada manera. Igualmente pueden provocar nuevas conversaciones; conversaciones que nutrirán el medio ambiente intelectual y político, así como también el contexto cultural en sentido amplio. Sin embargo, el investigador comparativista no solo se interesa por las particularidades idiosincráticas de un determinado sistema

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legal. Como sugiero mas arriba, la interacción resultante entre sistemas es lo que le interesa al científico. Al regular la neutralidad de la red, el Marco Civil de Internet hace contacto con el contexto jurídico de los distintos sistemas legales de Sudamérica; impacta en sus conversaciones, sus culturas jurídicas, como también en las convicciones subyacentes respecto de sus economías políticas. Mas aún, cuando se trata de la gobernanza de Internet, esas ideas y convicciones adquieren un rol fundamental. Justin Hurwitz lo explicitó en su crónica sobre la creación del Internet Governance Forum; sugirió que “controlar la gobernanza de Internet requiere que se controle la conversación sobre gobernanza de Internet”.38 La formulación de Hurwitz sugiere que en el caso de gobernanza de Internet el acto de deliberación y su contenido son muy importantes. En la medida que la conversación y las ideas sobre Internet sean traducidas al contexto, aquellas formarán parte de este último y podrán tener una influencia en el control de Internet incluso mayor que el proceso legislativo formal que encontramos actualmente en el derecho internacional público o en el derecho constitucional.

Así, delinear la dimensión externa del Marco Civil de Internet comprende, entre otros, analizar la conversación sobre neutralidad de la red en la región. El debate en Sudamérica no es cercanamente tan apasionado como lo son las actuales disputas sobre la política regulatoria en Europa o los Estados Unidos. Sin embargo, a pesar de la relativa apatía que rodea los debates sobre la gobernanza de Internet en América del Sur, tiene lugar interesantes controversias que fueron importadas desde los debates políticos de Estados Unidos. El análisis de estos debates sobre neutralidad de la red está también contenido predominantemente en escritos de académicos europeos o estadounidenses. Se ha sugerido también, que la mayor parte de estas discusiones que tienen lugar en la esfera pública consisten en trabajo de abogacía de parte de los diferentes stakeholders, independiente del hecho que adhieran o no al principio de neutralidad de la red. Interesantemente, gran parte de los debates son acuñados por patrones de suposiciones muy específicos, a saber, que la penetración progresiva en la sociedad de las tecnologías de la información, especialmente de Internet, gatillará mayor participación, mas inclusión y fomentará la democracia. La generalizada sensación positiva respecto de la llamada primavera árabe reforzó esta suposición. Ahora hemos caído en cuenta que este tecno-optimismo39 no era mas que eso, una suposición, o una actitud en el mejor de los casos.

38 Hurwitzs, Justin G. (2007) Whois WSIS; Whois IGF: The New Consensus- Based Internet Governance. Disponible en <SSRN: http://ssrn.com/abstract=954209>.

39 Brownsword, R. (2004). What the World Needs Now: Techno-Regulation, Human Rights and Human Dignity. Human Rights. Global Governance and the ques for justice. R. Brownsword. Oxford, Hart. 4: 203-234. Refiriéndose a Ridley, M. “We’ve never Had it so Good–and it’s all Thanks to Science” Guardian Life, 3 April 2003, p. 8.

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Douglas Kellner introdujo la noción de informacionismo, la que describe la torsión ideológica de dicha idea. Según Kellner, una teoría basada en el determinismo informacional “exagera el rol que cumple el conocimiento y la información. Tales conceptos promueven una visión idealista que privilegia excesivamente el papel jugado por el conocimiento y la información en la economía, en la política y sociedad, y en la vida cotidiana”.40

Cuando se aplica al debate de la regulación de internet, el informacionismo puede ser usado a voluntad para defender cualquier contenido de política pública. Brian Dolber retrata las características paradójicas del debate sobre la neutralidad de la reden los Estados Unidos. En ese país, dos industrias aseveran promover el fortalecimiento de la democracia, pero invocando argumentos que se contradicen mutuamente. Las compañías de telecomunicaciones enarbolaron la tesis que el acceso a las redes era esencial para una plena participación política. Según el argumento, esto era especialmente aplicable a las capas socioeconómicas más bajas y de menor educación. En la tienda contraria, se encontraba la “tesis de la producción cultural, que sostiene que la nuevas tecnologías de medios abren posibilidades de los contenidos generados por los usuarios, interrumpiendo el flujo informativo de arriba hacia abajo que caracterizó la era de la tele y radiodifusión.”41

Para los abogadores de ambas posiciones, el principio de la neutralidad de la red juega un papel crítico. Las empresas que provee contenidos online – y no de mero acceso a la red – tienen un interés en multiplicar la producción de contenidos digitales. Mientras más libertad tengan los usuarios para producir, subir, compartir y consumir contenidos online, mas crecerá el mercado para los proveedores de contenidos. Motores de búsqueda, medios sociales y agencias de noticias, todos usualmente cultivan un discurso público que asocia sus modelos de negocio con el mantenimiento y provisión de libertad de expresión. Parafraseando el argumento: en una Internet libre, tanto la economía digital como la libertad de expresión florecerán en conjunto. De acuerdo con este discurso, la neutralidad de la red puede salvaguardar la necesaria libertad de expresión dado que trataría a cada usuario de forma igualitaria por el hecho que los paquetes de datos enviados a través de la red serían transportados de forma igualitaria, sin consideración a si acaso corresponden a archivos de video, imágenes, sonidos, o meros textos de correo electrónico. Ningún dato que cruce la red puede, así, reclamar prioridad para pasar. Como consecuencia, ningún usuario gozará prioridad sobre otros. Así, la mantención de este principio hace

40 “Hence, in order to avoid the technological determinism and idealism of many forms of postindustrial theory, one should theorize the information or knowledge “revolution” as part and parcel of a new form of technocapitalism […]rather than merely obsessing about “new technologies” or “globalization,” without seeing the articulations of these phenomena.” Kellner, D. (2003). Media Spectacle. London, Routledge.

41 Dolber, B. (2013). Informationism as Ideology: Technical Myths in the Network Neutrality Debate. Regulating the Web. Network Neutrality and the Fate of the Open Internet. Z. Stiegler. Plymouth, Lexington Books.

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innecesaria cualquier inspección de datos en el nivel de la red. La consecuencia es que los usuarios no le temen a la censura. Los proveedores de contenidos se promueven a sí mismos como “[proveedores] de un servicio público a los entendidos en tecnología”.42

Desde el otro lado se escucha precisamente lo opuesto de los proveedores de telecomunicación, aunque de igual connotación democrática. Estas compañías proveen la infraestructura necesaria para que el usuario pueda acceder a la red. Ellas transportan los datos sin considerar si acaso se trata de un usuario intensivo, es decir, un power-user que origina una sobrecarga de tráfico, o un navegador ocasional. El principio de neutralidad de la red impide la generación de modelos de negocio basados en el tratamiento diferenciado de sus clientes dado que las compañías no pueden diferenciar el tráfico de datos. Por consiguiente, la compañías de telecomunicaciones no pueden cobrar precios diferenciados en base a los patrones de consumo. Aquí, el discurso afirma que esto sería una falla del mercado que impediría la expansión del alcance de sus servicios. Por lo tanto, si se dejara al mercado operar eficientemente – mediante el desarrollo de servicios a la medida del cliente – estas compañías podrían alcanzar nuevos usuarios que actualmente están impedidos de disfrutar acceso a Internet. Es notorio que no son precisamente los grupos más prósperos a los que les falta el acceso a Internet, sino las comunidades más desposeídas. En términos similares a la tesis de la producción cultural, al “tesis del acceso” reclama que la neutralidad de la red impide la inclusión de la población más segregada. Aumenta la brecha digital pues les mantiene alejados de toda posibilidad de captar cualquier beneficio de la comunicación online.43

La existencia de una conversación pública depende de la existencia de una esfera pública, sea digital, impresa o de radiodifusión.44 A su vez, cómo el público entienda los problemas en discusión está fuertemente determinado por cómo los medios plasman el debate.; “los hechos permanecen neutrales hasta que son acuñados”.45 Una cobertura de prensa libre y pluralista puede apoyar un debate público informado. Stiegler y Sprumont hicieron un mapa de los

42 Ibid.43 Se sostiene que esto sería especialmente el caso para las minorías raciales en los Estados Unidos, que

por lo demás ya están sub-representadas en la vida cultural, económica y política del país. De acuerdo con este discurso, el acceso puede combatir el déficit democrático al mejorar los niveles de participación e inclusión. Dolber muestra como las compañías estadounidenses de telecomunicaciones apuntaron su acción específicamente hacia líderes sociales afro-americanos, con el objeto de lograr apoyo para legislación que explícitamente no era neutral respecto de la red. Para reforzar la noción de acceso como equivalente a participación, el discurso describió la neutralidad de la red como un tema “blanco” que predominantemente beneficiaba a la población blanca de mayor nivel educaciones; Véase Dolber (2013), citado precedentemente.

44 Una esfera pública es crucial para darle voz a la gente. En la era digital, Internet puede proveer el espacio necesario para que el individuo pueda participar en procesos políticos que tengan un alcance global. Véase Pernice, Ingolf “Global Constitutionalism and the Internet. Taking People Seriously”, p. 21, (próximamente).

45 Del inglés „framed“, Kuypers, J. A. (2002). Press Bias and Politics: How the Media Frame Controversial Issues. Westport, Praeger.

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debates sobre neutralidad de la red sostenidos en los medios de Estados Unidos. En su trabajo, se percataron de varios intentos de algunos medios para acuñar o enmarcar como un problema estrecho, del tipo monotemático. Se trata de una maniobra comunicacional conocida como extensión de agenda, y que “ocurre cuando los medios van más allá de un estricto reporteo de eventos” y “acuñan y publican de manera de que sea interpretado de una manera específica”.46 A pesar del marcado cuño ideológico encontrado en algunos medios, Stiegler y Sprumont quedaron positivamente impresionados por la considerable cantidad de reportes neutrales y objetivos encontrados en la prensa, que balanceaban el debate.47 Pero junto con una cobertura balanceada de los medios, no debiese de olvidársele a nadie que son las instituciones democráticamente electas las que son finalmente responsables de sostener la democracia y no las elites corporativas. Por cierto, existen muchas formas innovativas de regulación, donde los actores privados pueden participar, incluyendo modos de autorregulación o, ¿por qué no? también corregulación. Sin embargo, permitirle a la ideología del informacionismo constreñir el debate jurídico no sólo será de poca ayuda, sino que puede minar una deliberación política informada.48

En términos de la dimensión externa del Marco Civil, el establecimiento de la neutralidad de la red puede tener inmensos efectos sobre los vecinos de Brasil. Si acaso esto es positivo o negativo es una cuestión normativa que va más allá del objetivo de este artículo. Sin embargo, interesa aquí el marco analítico del derecho comparativo en orden a delinear el impacto esperado que puede traer consigo la difusión del Marco Civil de Internet. Si la neutralidad de la red fuese exportada a otro sistema sudamericano mediante la simple copia del texto, probablemente captaría la atención de los juristas que utilizan el enfoque del Derecho en los Libros. Por el contrario, el enfoque Derecho en Contexto enfatiza las ideas, las convicciones y las conversaciones que rodean la ley. Esto es lo que impacta el núcleo de la gobernanza de Internet; controlar la conversación sobre Internet gobernanza conlleva controla la gobernanza misma de Internet. Así, observar cómo la conversación misma sobre neutralidad de la red se extiende a otros sistemas cobra aún más relevancia para entender el impacto del Marco Civil dentro de la región. Aún más, una información veraz y pluralista puede empoderar al ciudadano para unirse a diálogos constitutivos y participar en procesos políticos que actualmente están teniendo lugar en el nivel global.49 El enfoque contextualista esperaría que esas conversaciones se cristalizaran

46 Definición de Jim Kuyper, in Kuypers, J. A. (1997). Presidential crisis rhetoric and the press in the post-cold war world. Westport, Praeger.

47 “The value of the neutral stories in our sample is that they tend to provide audiences with the most information about net neutrality, presenting various aspects of the debate for audience members to evaluate”.

48 Mas aún, si se acepta la “tesis del acceso”, sería contradictoria con el artículo 7 del Marco Civil, que establece que el acceso a Internet es esencial para el ejercicio de la ciudadanía.

49 Pernice, Ingolf (próximamente) Global Constitutionalims and the Internet. Taking People Seriously. On file with the Author. Para Pernice, tomar a la gente en serio implica varios elementos constitutivos, entre ellos,

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eventualmente en leyes positivas correspondientes con la idiosincrasia de cada uno de los sistemas legales. Esto ocurriría, a menos que se produjera una mera repetición de argumentos ideológicos basados en el informacionismo. Esto correspondería a una guerra de slogans contra slogans.

Adicionalmente, mientras las ideas que subyacen al Marco Civil comienzan a difundirse a lo largo y ancho de la región, Derecho en Contexto comenzará a prestar atención a eventuales colisiones con los contextos moldeados por culturas legales diferentes. Un ejemplo de este escenario es la eventual y probable colisión de leyes con el sistema chileno, donde el debate de la neutralidad de la red comenzó como un asunto propio del derecho del consumidor en el año 2007. Durante ese año, inspirado en la propuesta esbozada previamente por la Comisión Federal de las Comunicaciones de Estados Unidos (FCC), el parlamento chileno comenzó a discutir los mismos asuntos, estos es, transparencia de los servicios prestados a los consumidores de Internet, no-discriminación, y acceso a contenidos. La propuesta legislativa fue acuñada inicialmente como una medida de protección a los consumidores. Durante el debate, la propuesta fue complementada con provisiones como “derecho al acceso a la información” o “libertad de expresión”; todos conceptos más cercanos al debate brasileño sobre el Marco Civil de Internet que el derecho chileno de protección al consumidor. Como quiera que sea, el proyecto legislativo mutó de una ley de protección al consumidor a una “ley marco” que regulaba las telecomunicaciones en general, y que fue aprobado por el Congreso de Chile en 2010. Hoy, la práctica regulatoria del gobierno sugiere que en Chile la neutralidad de la red es más bien un asunto jurídico anti-monopolios, y no un tópico promotor de la democracia.50

Claramente la difusión del derecho de Internet a través de Sudamérica es un tema sub investigado. Pero se deja prever ya, que la difusión de la norma brasileña de neutralidad de la red se encontrará con algunos contextos que han sido moldeados por convicciones y narrativas muy diferentes. El Marco Civil, en su dimensión externa, deberá hacerse cargo de estos contextos cultural y jurídicamente diferentes.

TEXTOS DE LEYES COLISIÓN: LA LIBERTAD DE EXPRESIÓN Y EL DERECHO DEL COMERCIO

La sección III, art. 18 y 19, es propiamente una norma sobre respon-sabilidad extracontractual. Exime a los proveedores de acceso a Internet de responsabilidad en caso de violación de algún derecho de propiedad perpetrada

conocimiento, educación e infomración. Todos ellos capacitan a la gente para participar en foros politicos relevantes. Véase p. 19, 20.

50 Hasta hoy, es mayormente la Subsecretaría de Telecomunicaciones, que continuado regulando la neutralidad de la red, interviniendo en el mercado digital con el objeto de evitar conductas monopolísticas. Véase http://www.subtel.gob.cl/transparencia/Perfiles/Transparencia20285/Normativas/Oficios/14oc_0040.pdf.

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por los usuarios,51 declara a los proveedores de contenidos responsables sólo si éstos han desacatado una orden judicial previa.52 Esta última norma le entrega a la judicatura el poder de autorizar el bloqueo y el retiro de contenido online. Aparentemente, la ímpetu de esta disposición se debe al impacto que la ley sobre crímenes electrónicos (Ley Azeredo) causó en los promotores del Marco Civil. El artículo 22 de dicho ley penal establecía el deber de los proveedores de servicios de Internet de alertar a las autoridades cuando hayan tomado noticias de un supuesto delito. Así, la norma habría creado “una obligación de vigilancia por parte de entidades privadas, desatendiendo los principios constitucionales, inclusive los que rigen el derecho penal, como la presunción de inocencia, la privacidad y el debido proceso legal”.53

En relación con la dimensión externa del Marco Civil, el esquema está en abierta contradicción con la regulación dominante en Sudamérica; al menos con el derecho del comercio internacional, en la forma propugnada por la estrategia comercial estadounidense. Esta estrategia ha cristalizado el marco denominado “notificación y bajada” (notice and takedown), un esquema regulatorio introducido por el Digital Millennium Act, por el que los proveedores no responden por el contenido que los usuarios finales le dan a los servicios de Internet. Esta exención de responsabilidad, sin embargo, está condicionada a la respuesta inmediata que debe darse a eventuales violaciones a derechos de propiedad intelectual, la que debe ser tan pronto como el proveedor sea notificado.54 En otras palabras, cualquier contenido que tenga ya la apariencia de contravenir el derecho de propiedad intelectual, deben ser removidas por los proveedores sin procedimiento judicial alguno.

Comenzando en 2004, el gobierno de los Estados Unidos comenzó a cambiar su aproximación general a las negociaciones para acuerdos de libre comercio con futuros países socios y requirió la inclusión de un set de normas relacionadas con Internet. El paquete de reglas para Internet fue introducida en los tratados de libre comercio que los Estados Unidos firmó con Chile,55

51 Marco Civil da Internet: “Art. 18. O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.” Disponible en <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L12965.htm>.

52 Marco Civil da Internet: “Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.”

53 Fundaçao Getulio Vargas (2008) Comentários Sugestões sobre o Projeto de Lei de Crimes Eletronicos. August 2008, p. 5 (Traducción propia).

54 Kurbalija, Jovan (2010) An Introduction to Internet Governance. Diplofoundation, Geneva.

55 En vigor desde 01.01.2004. Text available at http://www.ustr.gov/trade- agreements/free-trade- agreements/chile-fta.

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República Dominicana y CAFTA,56 Marruecos,57 Colombia,58 Australia,59 Bahréin,60 Perú,61 Corea,62 Panamá,63 y Omán.64 Todos estos tratados contienen las mismas cláusulas que obligan a las partes a adoptar les esquema “notificación y bajada”.65 Desde ese momento, se torna una obligación emanada del derecho internacional público, que los estados interesados introduzcan en sus legislaciones domésticas todo cambio necesario para conformarlos con los tratados.

Esta particular colisión sugiere la idea de que estamos enfrente de una competencia entre sistemas. La idea detrás de ello, es que el flujo transnacional de capital promoverá la unificación de las regulaciones nacionales y regionales.66 Sin embargo, existe aún muy poca investigación académica sobre estas fricciones y tensiones producidas por eventuales fuerzas unificadoras propulsadas por el capital o por Internet. La historia de los conflictos de leyes alrededor de la remoción y bajada de contenidos digitales protegidos jurídicamente está recién comenzando.

CONCLUSIÓN

Cuando se trata de la eficacia de leyes y políticas de Internet, los elementos contextuales son cruciales, especialmente cuando las leyes e proyecto regional o globalmente. Roger Brownsword lo verbalizó de la siguiente forma:

“Cuando regulaciones locales se regionalizan, estos problemas no ceden; y en tanto la regulación asuma aspiraciones globales las limitaciones

56 En vigor desde 05.08.2004, available at http://www.ustr.gov/trade-agreements/free- trade- agreements/cafta-dr-dominican-republic-central-america-fta.

57 En vigor desde 15.06.2004, available at http://www.ustr.gov/trade-agreements/free- trade- agreements/morocco-fta.

58 En vigor desde 22.11.2006 available at http://www.ustr.gov/trade-agreements/free-trade- agreements/colombia-fta/final-text.

59 En vigor desde 01.01.2005, available at http://www.ustr.gov/trade-agreements/free- trade- agreements/australian-fta.

60 En vigor desde 11.01.2006, available at http://www.ustr.gov/trade-agreements/free- trade- agreements/bahrain-fta.

61 En vigor desde 12.04.2006, available at http://www.ustr.gov/trade-agreements/free- trade-agreements/peru- tpa.

62 En vigor desde 30.06.2007, available at http://www.ustr.gov/trade-agreements/free- trade-agreements/korus- fta.

63 En vigor desde 28.06.2007, available at http://www.ustr.gov/trade-agreements/free- trade- agreements/panama-tpa.

64 En vigor desde 01.01.2009, available at http://www.ustr.gov/trade-agreements/free- trade-agreements/oman- fta.

65 Lo mismo se aplica a la inclusión de la ICANN’s Uniform Dispute Resolution Policy como condición para negociar estos acuerdos.

66 Sinn, Hans-Werner (2003) The New Systems Competition, London; Wilson, John (1999) Theories of Tax Competition. National Tax Journal 52: 2, 269-304, for an overview.

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son exacerbadas y, si acaso, se multiplican. Podemos decir, entonces, que el derecho global es limitación regulatoria local escritas en grande”67

El Marco Civil da la impresión de estar codificado genéticamente para la exportación. Esto se debe a las vinculaciones transnacionales y globales que están relacionadas con la naturaleza ubicua de Interne, como también la difusión de discursos, ideas y conversaciones. Por eso, muchos legisladores y tomadores de decisión sienten la urgencia por exportar o importar determinados tipos de legislación de Internet. Sin embargo, como he sugerido en este artículo, importar una conversación pluralista es preferible a importar el mero texto de una ley, tanto para la deliberación democrática, como también pata la eficacia de la ley. Y por supuesto también deberá dotarse al procedimiento para esta deliberación de una adecuada racionalidad.68 Este argumento debiese ser tomado en serio en tiempos de prevalencia de la praesumptio similitudinis esto eso, la suposición que similares problemas deben necesariamente tener soluciones similares.

Finalmente, la dimensión externa o transnacional del Marco Civil requiere que la gente le preste atención a las tensiones, contradicciones, y colisiones que este cuerpo legal tenga que enfrentar cuando cruce las fronteras. Para el contextualismo, estas tensiones son normales a incluso saludables; así, no debemos desatenderlas por desarticular un sistema. Lo que se requiere es que las colisiones, conflictos de leyes y tensiones sean tratadas y solucionadas dentro de las reglas de deliberación democrática, ya sea a través de la armonización legal o a través de reglas de conflicto, y por abogados, políticos, y usuarios que tengan un sentido favorable por el Derecho en Contexto.

67 Brownsword, R. (2004). What the World Needs Now: Techno-Regulation, Human Rights and Human Dignity. Human Rights. Global Governance and the quest for justice, in Brownsword, R. (ed.) Oxford, Hart. 203-234.

68 J Rawls “The Idea of Public Reason Revisited” (1997) 64 The University of Chicago Law Review 765.

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Seção Especial – Teorias e Estudos Científicos

Peculato de Uso: Um Paralelo entre o Código Penal Brasileiro e a Lei nº 8�429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa)

Peculation of Use: A Parallel Between the Brazilian Criminal Code and Law nº 8�429/1992 (Law Administrative Misconduct)

DIONE MICHELI DE FREITAS PEDROSO IMMICH Acadêmica do Curso de Direito, Licenciada em Matemática pela Universidade Regional Inte‑grada do Alto Uruguai e das Missões – URI‑Santiago e Empresária no ramo de Tecnologia da Informação.

THAIS SILVA RIGHIAcadêmica do Curso de Direito na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI‑Santiago.

VLADIMIR HAAG MEDEIROSProfessor das Disciplinas de Direito Penal e Direito Processual Penal da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI‑Santiago, Especialista em Direito Público e Doutorando em Direito Penal, além de Delegado de Polícia Civil no RS.

Submissão: 07.07.2014Decisão Editorial: 31.10.2014Comunicação ao autor: 31.10.2014

RESUMO: Este trabalho tem por objetivo realizar um estudo sobre o crime de peculato, crime este que se encontra nos arts. 312 e 313 do Código Penal brasileiro, no qual se falará mais especifi‑camente sobre o primeiro. Para tanto, buscou‑se preliminarmente falar sobre alguns princípios da Administração Pública, como o princípio da legalidade e da moralidade, considerados os princípios fundamentais que regulam os atos dos funcionários públicos, de modo que os mesmos encontram‑se previstos também na Constituição Federal de 1988. Posteriormente se fez um estudo sobre todas as características presentes no tipo penal do referido crime, no qual cada uma de suas classificações foram exemplificadas por meio de jurisprudências extraídas do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, proporcionando, assim, um melhor entendimento para o leitor. Na sequência, foi dada ênfase no delito de Peculato de Uso, não tipificado pelo Código Penal, mas pelo ordenamento que rege os Atos de Improbidade Administrativa, a Lei nº 8.429, de 1992, fazendo, assim, um paralelo desta com o Có‑digo Penal. Por fim, abordou‑se sobre a Inaplicabilidade do Princípio da Insignificância ou da Bagatela quanto aos crimes praticados contra a Administração Pública, para que, ao final, se pudesse realizar uma conclusão crítica sobre esse último.

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PALAVRAS‑CHAVE: Peculato de uso; Administração Pública; Direito Penal.

ABSTRACT: This paper aims to conduct a study on the crime of Peculation. Offence this seen in articles 312 and 313 of the Penal Code, where he will speak more specifically about the first. To this end, we sought to preliminarily discuss some principles of public administration, such as the principle of legality and morality, considered the main principles governing the actions of public officials, so that they also are provided in the Federal Constitution 1988. Later we did a study on all the features present in the said offence criminal type , where each of their ratings were exemplified through case law contained in the Court of Rio Grande do Sul, thus providing a better understanding for the reader . Following the emphasis was on the crime of Peculation of Use, not criminalized by the Penal Code, but the system governing Acts Administrative Misconduct, Law nº 8429 of 1992 thus making this a parallel with the penal code. Finally, if approached on the Non‑applicability of the Principle of Insigni‑ficance or trifle about the offences committed against the Administrative Misconduct, to the end to achieve a critical conclusion on the latter.

KEYWORDS: Embezzlement of use; Public Administration; Criminal Law.

SUMÁRIO: Considerações iniciais; 1 Peculato; 1.1 Peculato‑apropriação e peculato‑desvio; 1.2 Pe‑culato‑furto; 1.3 Peculato culposo; 2 Peculato de uso; 3 Como é tratado o peculato de uso na Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa); 4 A inaplicabilidade do princípio da insignificância para crimes praticados contra a Administração Pública; Considerações finais; Referências.

CONSIDERAÇÕES INICIAISO Estado, além de tutelar os interesses da coletividade para promover

a paz social, também regula a sua própria organização, bem como a de seus funcionários que prestam serviço em prol do interesse coletivo, tendo como principal objetivo preservar o patrimônio público.

Para tanto, a Administração Pública, direta e indireta, como se refere o art. 37 da Constituição Federal de 1988, traz, em sua redação, cinco princípios fundamentais, que são: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, formando, assim, a sigla LIMPE.

O Princípio da Legalidade, de forma geral, significa que “ninguém é obri-gado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Conceito este previsto na Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, inciso II. Dessa for-ma, um indivíduo que não é funcionário público ou que não se encontra no ato de suas atribuições, ou o particular, pode fazer tudo aquilo que a lei não proíbe.

No entanto, na Administração Pública não existe essa liberalidade, de-vendo o funcionário público somente praticar atos que estão previstos em lei que lhe autorize a praticá-los.

Inerente ao Estado de Direito, o princípio da legalidade representa a subordina-ção da Administração Pública à vontade popular. O exercício da função admi-nistrativa não pode ser pautado pela vontade da Administração ou dos agentes públicos, mas deve obrigatoriamente respeitar a vontade da lei. De acordo com

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o magistério de Hely Lopes Meirelles: “As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contêm verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos”. O princípio da legalidade é o mais importante princípio específico do Direito Administrativo. Dele derivam vários outros, tais como: finalidade, razoabilidade, isonomia e proporcionalidade.

Conceito: A Administração Pública só pode praticar as condutas autorizadas em lei. (Mazza, 2012, p. 84)

O Princípio da Moralidade, ao contrário do que parece, não está relacio-nado à moral propriamente dita, mas sim é referente à honestidade na prestação do serviço público.

Buscando-se, pois, uma formulação teórica que seja a mais adequada para tradu-zir a noção de moralidade administrativa, ainda que persista o problema de sua aplicação concreta, tem-se que a moralidade administrativa busca a obtenção de um estado de honestidade da Administração Pública, para o que opõe, em toas as suas relações jurídicas, deveres de boa-fé, probidade, lealdade, transparência, etc. É importante ser afirmado que a moralidade administrativa é figura que se apresenta funcionalizada e não se confunde, necessariamente, com a moral co-mum, embora desta se utilize para a construção das noções de honestidade fun-cional que são inerentes ao princípio jurídico em comento. (Maffini, 2006, p. 50)

A violação de qualquer desses princípios se configura como ato ilícito, e tem por nomenclatura “improbidade administrativa”. Tais atos são regulados tanto pela Constituição Federal de 1988 em seu art. 37, § 4º, quanto por leis específicas voltadas à Administração Pública. No entanto, as condutas mais graves e lesivas são reguladas pelo Direito Penal.

O Direito Penal, como ramo do direito subsidiário que regula os atos mais gravosos, atos estes que os outros ramos não possuem força para propor-cionalmente penalizar. Dessa forma, o Título XI deste ordenamento lista os cri-mes praticados contra a Administração Pública e que são tutelados pelo Direito Penal, o qual, sem seu Capítulo I em específico, traz os crimes funcionais, ou seja, crimes próprios, praticados por funcionários públicos.

No entanto, no referido capítulo, não estão previstos todos os atos ilícitos praticados por funcionários públicos, pois, tanto no Código Penal como nos ordenamentos que regulam as organizações Estatais, são listados vários outros delitos, porém alguns destes ordenamentos com sanções mais brandas.

No Capítulo I não estão esgotados todos os crimes praticados por funcionários públicos que, no exercício de suas funções, podem, responder por outros ilícitos (arts. 150, § 2º, 289, § 3º, 290, parágrafo único, 295, 296, § 2º, etc.). (Mirabete, 2009, p. 259)

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O crime de peculato está previsto no Código Penal brasileiro em seus arts. 312 e 313. Contudo, em razão da amplitude da temática, este trabalho limitar-se-á a explanar somente o art. 312.

O delito em questão tem por objeto material qualquer coisa móvel, di-nheiro ou valor (título, apólice, ações, etc.) de que o funcionário público tenha a posse em razão de seu cargo, aproveitando-se desta coisa tanto em proveito próprio quanto alheio.

O peculato tem como elementos subjetivos a forma dolosa e culposa, de acordo com o animus rem sibi habendi1, expressão esta que será claramente identificada no desenvolver deste trabalho.

É caracterizado por suas peculiaridades como, por exemplo, a admissibi-lidade da forma tentada, caracterizada pelo fato de o funcionário público não conseguir promover a consumação da conduta criminosa por motivos alheios à sua vontade.

O agente pode, ainda, facilitar em concurso para a apropriação de qual-quer patrimônio público, previsão esta trazida pelo § 1º do art. 312, devendo, por essa prática, ser aplicada a mesma pena prevista no caput do referido artigo.

Na sequência, serão abordados todos os tópicos de suma relevância quanto à temática, tendo em vista promover a informação de cada ponto do re-ferido crime, dando ênfase à referência feita ao “peculato de uso” para finalizar com uma conclusão crítica referente à este último.

1 PECULATO

O conceito de peculato encontra-se no próprio texto do art. 312 do Có-digo Penal brasileiro, no qual o verbo núcleo do tipo penal é “apropriar-se”, inserido na primeira parte do caput, ou “desviá-lo”, previsto na segunda parte do mesmo artigo.

Peculato

Art. 312. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.

Ao ler este dispositivo, fica claro que se trata de um crime próprio, pois somente o funcionário pú-blico pode cometer por meio da realização de duas condutas, quais sejam, apropriar-se ou desviar, no qual cada uma delas, mesmo incorrendo na mesma pena, são tratadas de formas diferentes, as-sim como uma terceira conduta prevista no § 1º do mesmo artigo, que é o chamado peculato-furto.

1 Significa a intenção de ter a coisa para si.

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1.1 peculAto-AproprIAção e peculAto-desvIo

De acordo com a primeira parte do art. 312 do Código Penal, esta con-duta se dá quando o funcionário público, no exercício de suas atribuições, tira vantagem de seu cargo para poder se apropriar de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular de que ele tenha a posse.

Esta posse deve ser legítima e lícita, na qual posteriormente o funcionário inverterá sua conduta, passando, assim, a agir como se dono fosse do bem.

A ação nuclear consiste em apropriar-se, isto é, tomar como seu, agindo como verdadeiro proprietário. O comportamento nuclear pode ser cometido por ação (apropriação propriamente dita) ou omissão (negativa de restituição). Pressupõe--se em ambos os casos que o sujeito legitimamente tenha a posse do objeto, em razão do cargo público que ocupa, e, a partir de um dado momento, passa a agir como se dono fosse (uti dominus).

Pode-se dizer, então, que são três os requisitos exigidos para a configuração típica do peculato (os dois primeiros oriundos da compreensão da elementar “apropria-ção” e o terceiro decorrente da natureza do fato, o qual constitui crime funcional. São eles: 1º) posse lícita e legítima; 2º) inversão do ânimo da posse (animus rem sibi habendi); 3º) posse decorrente do cargo público. (Estefan, 2011, p. 199)

Na segunda parte do art. 312, existe outra modalidade, chamada de pe-culato-desvio, que se caracteriza pelo fato de o funcionário público desviar o destino do objeto que detém em sua posse, seja em proveito próprio ou alheio.

Desviar significa alterar o destino do bem que está em seu poder. O funcionário público emprega o objeto em um fim diverso de sua destinação original, com o intuito de beneficiar-se ou beneficiar terceiro. Exs.: o funcionário público que paga alguém por serviço não prestado ou objeto não vendido à Administração Pública; o que empresta dinheiro público de que tem a guarda para ajudar ami-gos, etc.

O desvio deve ser em proveito próprio ou de terceiros, porque, se for em proveito da própria administração, haverá o crime do art. 315 do CP (emprego irregular de verbas ou rendas públicas).

O proveito pode ser material (patrimonial) ou moral – como a obtenção de pres-tígio ou vantagem política. (Gonçalves, 2011, p. 711)

Esta modalidade se apresenta de forma bem peculiar, sendo que são inúmeras as possibilidades para a prática da mesma. Desse modo, é possível elucidar esta afirmação a partir de uma breve análise entre as jurisprudências descritas logo a seguir.

Jurisprudência:

Número: 70050742063 Tribunal: Tribunal de Justiça do RS

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Seção: Crime Tipo de Processo: Apelação Crime

Órgão Julgador: Quarta Câmara Criminal Decisão: Acórdão

Relator: Marco Antônio Ribeiro de Oliveira Comarca de Origem: Comarca de Guaporé

Ementa: APELAÇÕES-CRIME – PECULATO-APROPRIAÇÃO – CONDENAÇÃO – RECURSO DE AMBAS AS PARTES – APELO DEFENSIVO – PLEITO DE AB-SOLVIÇÃO – INDEFERIMENTO – Materialidade e autoria delitivas devidamente comprovadas pelo lastro probatório. Ré que, na condição de professora públi-ca e diretora da escola, portanto em razão do cargo público desempenhado, apropriava-se de valores pagos pelos alunos em favor do Conselho de Pais e Mestres. RECURSO MINISTERIAL – REDIMENSIONAMENTO DA PENA – ACO-LHIMENTO APENAS EM RELAÇÃO À CONTINUIDADE DELITIVA – Penalidade aplicada em consonância com os ditames do Diploma Penal. Provido o apelo do Parquet, neste tópico, apenas para fins de reconhecer a continuidade delitiva. PERDA DO CARGO PÚBLICO – VIABILIDADE – Considerando as disposições do art. 129, caput e incisos X e XVII, da Lei Municipal nº 1.687/1993, bem como os mandamentos do art. 92 do Diploma Penal, decretou-se à ré a perda da função pública por ela desempenhada. Apelo defensivo improvido. Recurso ministerial parcialmente provido. (Apelação Crime nº 70050742063, 4ª Câmara Criminal, TJRS, Rel. Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, Julgado em 25.10.2012)

Número: 70014589865 Tribunal: Tribunal de Justiça do RS

Seção: CRIME Tipo de Processo: Processo Crime

Órgão Julgador: Quarta Câmara Criminal Decisão: Acórdão

Relator: Gaspar Marques Batista Comarca de Origem: Comarca de Seberi

Ementa: PREFEITO MUNICIPAL – PECULATO-DESVIO – FORNECIMENTO DE COMBUSTÍVEIS – PREFEITO QUE PROPÕE RECEBIMENTO DE COMISSÃO – FORNECEDOR QUE PROCURA O MINISTÉRIO PÚBLICO NARRANDO A AÇÃO CRIMINOSA, REPETINDO A VERSÃO ANOS DEPOIS, EM JUÍZO – 1. Pre-feito Municipal, que no exercício do cargo, convoca fornecedor de combustível e exige comissão de 0,13 centavos por litro de combustível, prometendo realizar licitação fraudulenta, com segura vitória do fornecedor convocado, o qual aceita a proposta, tudo se realizando como combinado, comete o crime de desvio de renda pública tipificado no art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201. Além da con-denação do prefeito, também se impõe a condenação do fornecedor, partícipe do desvio de renda pública. 2. Em se tratando de peculato, crime cujas tratativas sempre ocorrem na clandestinidade, é suficiente a declaração do partícipe do crime, que aquiesceu à proposta feita pela autoridade pública, se a versão foi sempre a mesma, desde o inquérito, tendo se renovado em juízo, vários anos depois, dando segura impressão de sinceridade nas declarações colhidas na fase judicial, além do Tribunal de Contas ter constatado aumento de preços pa-gos pelo combustível, durante o tempo em que vigorou o contrato fraudulento. 3. Ação penal julgada procedente em parte, para absolver os integrantes da co-

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missão de licitação e o assessor jurídico do município, condenando-se o prefeito e o fornecedor. (Processo Crime nº 70014589865, 4ª Câmara Criminal, TJRS, Rel. Gaspar Marques Batista, Julgado em 19.12.2013)

1.2 peculAto-Furto

O peculato-furto encontra-se implícito no § 1º do art. 312, trazendo a seguinte redação:

§ 1º Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

Esta redação traz o chamado peculato-furto, tendo em vista que o verbo núcleo do tipo é “subtrair”. Também é chamado de peculato impróprio em vir-tude de o funcionário público não ter a posse legítima e lícita do objeto. Nesse caso, existem duas condutas típicas:

a) Subtrair: furtar, tirar, desapossar com ânimo de assenhoreamento. Exs.: funcionário público abre o cofre da repartição em que trabalha e leva os valores que nele estavam guardados; policial subtrai rádio (ou toca-CD) de carro apreendido que está no pátio da delegacia. Caso um policial esteja no interior de uma casa fazendo uma in-vestigação e subtraia dinheiro de uma gaveta, responde por crime comum de furto (art. 155), porque o bem particular só pode ser objeto de peculato quando está sob a guarda ou custódia da admi-nistração.

b) Concorrer para que terceiro subtraia: o funcionário público colabo-ra dolosamente para a subtração. Ex.: intencionalmente o funcioná-rio deixa a porta aberta para que à noite alguém entre e furte. Há peculato-furto por parte do funcionário e do terceiro. Pouco impor-ta se o terceiro que efetiva a subtração também é funcionário pú-blico ou não. Trata-se de hipótese de concurso necessário, e ambos respondem pelo peculato, nos termos do art. 30 do Código Penal. (Gonçalves, 2011, p. 712)

Assim como as duas primeiras modalidades, o peculato-furto é crime doloso. O sujeito passivo é o Estado e eventualmente o particular, porém o dife-rencial encontra-se no sujeito ativo, que nas duas primeiras é crime próprio, ou seja, só pode ser cometido por funcionário público, podendo o particular agir em coautoria ou em participação, e, nesta última modalidade, o sujeito ativo é o funcionário público, podendo o particular agir em concurso com o mesmo e responder por peculato impróprio como prevê o art. 30 do Código Penal.

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Jurisprudência:

Número: 70017971292 Tribunal: Tribunal de Justiça do RS

Seção: Crime Tipo de Processo: Apelação Crime

Órgão Julgador: Quarta Câmara Criminal Decisão: Acórdão

Relator: José Eugênio Tedesco Comarca de Origem: Comarca de Pelotas

Ementa: CRIME – APELAÇÃO – PECULATO-FURTO – CARACTERIZAÇÃO – PENA – MÍNIMO LEGAL – ATENUNATES – APELO IMPROVIDO – Comprovado que a apelante, valendo-se da condição de funcionária pública, subtraiu para a si cheques de propriedade da escola onde trabalhava, caracterizado está o delito do art. 312, § 1º, do CP. Pena. A presença de atenuantes não pode levar a apli-cação abaixo do mínimo. Apelo improvido. (Apelação Crime nº 70017971292, 4ª Câmara Criminal, TJRS, Rel. José Eugênio Tedesco, Julgado em 15.03.2007)

1.3 peculAto culposo

A tipificação do peculato culposo é dada taxativamente pelos §§ 2º e 3º do art. 312 do Código Penal, o qual comporta o seguinte texto:

Peculato culposo

§ 2º Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem:

Pena – detenção, de três meses a um ano.

§ 3º No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.

Nesse caso, o funcionário público não pratica nem tampouco concorre para a tipicidade da conduta criminosa. Ele apenas, por negligência, imprudên-cia ou imperícia, cria, assim, oportunidade para que outrem consume o crime. Sendo assim, trata-se da forma culposa do delito de peculato.

Na realidade, criou-se neste dispositivo autêntica participação culposa em ação dolosa alheia (note-se que não se fala em participação culposa em crime doloso, o que é inviável pela teoria monística adotada no concurso de pessoas, conforme explicamos na nota 12 ao art. 29). O funcionário, para ser punido, insere-se na figura do garante, previsto no art. 13, § 2º, do Código Penal. Assim, tem ele o de-ver de agir, impedindo o resultado da ação delituosa de outrem. Não o fazendo, responde por peculato culposo. (Nucci, 2013, p. 1170)

Ainda de acordo com Estefan, é indispensável que se tenha nexo de cau-salidade entre a conduta culposa do funcionário público e a subtração realizada por outrem, assim como também, deve haver dano resultante de tal prática.

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Por fim, o § 3º traz a forma de extinção da punibilidade em caso de reparação do dano causado antes do trânsito em julgado, ou a redução pela me-tade da pena, se a reparação for posterior à mesma. Tal dispositivo é referente apenas na forma culposa, não sendo, assim, aplicada nos casos em que dispõe o caput e o § 1º.

Jurisprudência:

Número: 70026389593 Tribunal: Tribunal de Justiça do RS

Seção: Crime Tipo de Processo: Apelação Crime

Órgão Julgador: Quarta Câmara Criminal Decisão: Acórdão

Relator: José Eugênio Tedesco Comarca de Origem: Comarca de Carazinho

Ementa: CRIME – PECULATO CULPOSO – ABSOLVIÇÃO – APELO DO MP – IMPROVIMENTO – A mera falta de atenção do agente não tipifica o peculato culposo que exige algo mais a revelar negligência no trato da coisa pública. Ape-lo improvido. PECULATO – AUTORIA E MATERIALIDADE – COMPROVAÇÃO – PENA – REDUÇÃO – CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS – CAUSA DE AUMENTO DO ART. 327, § 2º, DO CP – APLICAÇÃO – A prova testemunhal e documen-tal não deixa qualquer dúvida de que os acusados apropriaram-se de dinheiro público, emitindo cheques pertencentes à Câmara Municipal sem a compro-vação de despesas. Condenação mantida. Pena-base. Circunstâncias judiciais que autorizam o afastamento do mínimo legal. A causa de aumento prevista no art. 327, § 2º, do CP, decorre da maior reprovabilidade que recai sobre o fun-cionário público que ocupa cargo de maior responsabilidade. Aplicação, no presente caso, a apenas um dos acusados. (Apelação Crime nº 70026389593, 4ª Câmara Criminal, TJRS, Rel. José Eugênio Tedesco, Julgado em 28.05.2009)

2 PECULATO DE USO

Assim como o furto de uso, o peculato de uso é considerado, pela gran-de maioria da doutrina e principalmente pela Jurisprudência, como conduta atípica em relação ao Código Penal, pois se caracteriza pela utilização de um bem público por funcionário que tem a simples intenção de uso do objeto, ou seja, com a intenção de devolvê-lo após tê-lo usado, desde que este objeto seja infungível.

O peculato de uso, que se tipificaria pelo uso momentâneo do objeto material do peculato, o qual se encontra na posse do funcionário em razão do cargo, sem animus domini, e a devolve intacta após sua utilização, não configura crime. (Bitencourt, 2010, p. 47)

Se o bem for fungível e/ou consumível, e o funcionário público não tiver autorização para utilizar do bem em benefício próprio ou de outrem, responde-rá por peculato na sua forma dolosa. É o que complementa Gonçalves:

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A jurisprudência diz que só há crime quando o uso não autorizado do bem pú-blico pelo funcionário referir-se a bem fungível. Ex.: o funcionário público usa dinheiro público para comprar uma casa. Nessa hipótese, houve consumação no momento da compra, e, assim, mesmo que ele posteriormente reponha o di-nheiro, irá responder pelo delito. Se o funcionário, porém, usa bem infungível e o devolve posteriormente, não responde pelo crime, pois a lei não pune o mero uso. Ex.: usar trator pertencente ao patrimônio público para arar suas terras parti-culares e depois o devolver. Nesse caso, entende-se que não há crime, exceto se o combustível for público e não for reposto, pois então o objeto material seria o combustível (que é fungível).

Por outro lado, mesmo que o uso seja de bem infungível, haverá crime específico se o funcionário público for prefeito (art. 1º, II, do Decreto-Lei nº 201/1967).

De qualquer forma, o uso de bem público por funcionário público para fins par-ticulares, qualquer que seja a hipótese, caracteriza ato de improbidade adminis-trativa, previsto no art. 9º, IV, da Lei nº 8.429/1992. (Gonçalves, 2011, p. 711)

Sendo assim, mesmo que o peculato de uso não deflagre como uma con-duta criminosa, o funcionário público que o praticou, se denunciado, certa-mente deverá prestar contas mediante um processo administrativo, podendo, inclusive, perder o cargo, emprego ou função.

Nesse caso, segundo Prado, também é possível a tentativa, em virtude de se tratar de crime plurissubsistente, pois, se o funcionário público tentou levar o objeto e por motivos alheios à sua vontade não o fez, responderá em processo administrativo, pela tentativa de peculato de uso.

Jurisprudência:

Número: 70037611134 Tribunal: Tribunal de Justiça do RS

Seção: Crime Tipo de Processo: Apelação Crime

Órgão Julgador: Quarta Câmara Criminal Decisão: Acórdão

Relator: Gaspar Marques Batista Comarca de Origem: Comarca de Sobradinho

Ementa: APELAÇÃO – ART. 312 DO CP – PEÇA DE VEÍCULO – PROPRIEDADE DA PREFEITURA MUNICIPAL – EMPRÉSTIMO E DEVOLUÇÃO – ÂNIMO DE APROPRIAÇÃO DEFINITIVA – AUSÊNCIA – Comprovado que a peça de proprie-dade da Prefeitura foi utilizada no veículo de forma transitória e logo devolvida, impositiva a absolvição, pois ausente o ânimo de apropriação definitiva, que caracteriza o delito do art. 312 do CP. A hipótese, coincidente com peculato de uso, não está tipificada no Código Penal, só podendo ser responsabilizados por fatos dessa natureza, os Prefeitos Municipais, em face do que dispõe o art. 1º, inciso II, do Decreto-Lei nº 201. Recurso do Ministério Público improvido. (Ape-lação Crime nº 70037611134, 4ª Câmara Criminal, TJRS, Rel. Gaspar Marques Batista, Julgado em 07.10.2010)

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3 COMO É TRATADO O PECULATO DE USO NA LEI Nº 8.429/1992 (LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA)

A Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa) traz, em seu texto, as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pública direta, indireta ou fundacional, bem como dá outras providências.

Como a Lei Penal brasileira não expressa punição para o Peculato de Uso, coube ao Estado providenciar uma lei especial para regular e punir certos atos de seus funcionários públicos, tanto da Administração Pública direta quan-to da indireta e em todas as áreas de atuação dos mesmos, e que são considera-dos em desacordo com as normas da Administração Pública.

Com relação ao Peculato de Uso, é possível identificar, no art. 9º da lei em questão, a previsão adequada para esta conduta.

Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exer-cício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades menciona-das no art. 1º desta lei, e notadamente:

[...]

XII – usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integran-tes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei. (Lei nº 8.429/1992).

Essa redação faz perceber que, para a Administração Pública, constitui ato ilícito o funcionário que utiliza qualquer bem público em proveito próprio, mesmo que sem a intenção de tê-lo para si em definitivo.

Enquanto no inciso anterior fala-se em incorporação, apropriação indébita, no XII, em mero uso abusivo, mesmo que por período efêmero, de bens, rendas, verbas ou valores públicos. E não desconfigura a improbidade sua reposição es-pontânea e integral. Caracteriza-se, pois, o enriquecimento ilícito pela utilização indevida pelo agente publico, em proveito próprio, sem intenção de incorpora-ção, de bens, rendas, verbas ou valores públicos de que tenha posse, detenção ou guarda em decorrência de sua atividade funcional. É o desfrute indevido, cons-ciente de sua antijuridicidade, de coisa pública (peculato de uso). (Pazzaglini Filho, 2009, p. 61)

Contudo, a mesma lei, independentemente de qualquer outro ramo do Direito, traz ainda as sanções cabíveis em cada caso de improbidade. Sendo as-sim, para o caso de Peculato de Uso, a Lei de Improbidade Administrativa traz a seguinte redação com sua respectiva sanção de acordo com um caso concreto:

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Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).

I – na hipótese do art. 9º, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos; (Lei nº 8.429/1992)

[...].

Essas sanções são também previstas no art. 37, § 4º, da Constituição Fe-deral de 1988, de modo que o art. 23 da Lei nº 8.429/1992 traz o prazo de prescrição para a aplicação das mesmas, que é de cinco anos após o término do exercício do mandato, de cargo em comissão ou função de confiança.

4 A INAPLICABILIDADE DO PRINCíPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PARA CRIMES PRATICADOS CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Os princípios são de uma extrema relevância para o ordenamento jurí-dico brasileiro. São as bases norteadoras que prestam auxílio ao aplicador da norma na hora de interpretá-la de acordo com um caso concreto.

No estágio atual da Ciência do Direito, converge-se para a ideia de que os prin-cípios não podem ser considerados apenas como meras aspirações ou vagas di-retrizes, pois contêm inegável força normativa.

Entende-se, nesse sentido, que o sistema jurídico, no que tange às normas que o compõem, compreende um conjunto de princípios e regras, equilibradamen-te distribuídos, sendo aqueles os núcleos e estas, os satélites que gravitam ao seu redor. Aos princípios, portanto, incumbe servir como a expressão primeira dos valores fundamentais incorporados em nossa sociedade por intermédio da Constituição, atuando como molde a exprimirem o ideal de justiça; e às regras corresponde a tarefa de propiciar certeza e conferir segurança jurídica na atuação cotidiana do sistema. Pode-se dizer que as normas jurídicas formam o gênero, do qual princípios e regras, enquanto comandos deônticos, são suas espécies. (Estefam, 2012, p. 78)

No Direito Penal, alguns destes princípios em virtude da preservação dos Direitos Humanos se aplicam a determinadas situações para que o peso do Poder Punitivo do Estado não se exceda, ferindo o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, e que está previsto no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988.

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Todos esses princípios, hoje insertos, explícita ou implicitamente, em nossa Constituição (art. 5º), têm a função de orientar o legislador ordinário para a ado-ção de um sistema de controle penal voltado para os direitos humanos, embasa-do em um Direito Penal da culpabilidade, um Direito Penal mínimo e garantista. (Bitencourt, 2008, p. 10)

Nesse sentido, o Direito Penal, assim como todos os outros ramos do Direito, se submete tanto aos Princípios Constitucionais como aos Princípios Penais, sendo que esses últimos estão encravados, muitas vezes, implicitamente no Código Penal.

São exemplos de princípios penais constitucionais específicos e da legalidade dos delitos e das penas (seja explicitamente na forma do postulado da reserva legal e da irretroatividade, seja implicitamente na forma do postulado da deter-minação taxativa das normas incriminadoras), da pessoalidade e da individuali-zação das penas, o da humanidade, e, ainda, os implícitos princípios relativos à intervenção mínima e aos fins da pena.

Os princípios atinentes da matéria penal e, pois, não exclusivamente criminais, permeiam a Carta Magna de 1988, [...]. (Luisi, 2003, p. 12)

O Direito Penal possui caráter subsidiário com relação aos outros ramos do Direito. Isso significa que, quando um agente comete uma conduta contrária ao ordenamento jurídico, preliminarmente essa conduta passa a ser avaliada, primeiro por todos os outros ramos, e, não tendo nenhum deles capacidade de retribuir tal conduta com uma proporcional sanção, faz-se necessário recorrer ao ordenamento penal.

Isso se dá em virtude do Princípio da Intervenção Mínima ou também chamado de Princípio da Subsidiariedade da Lei Penal.

A subsidiariedade é o reflexo imediato da intervenção mínima. O Direito Penal não deve atuar senão quando diante de um comportamento que produz grave lesão ou perigo a um bem jurídico fundamental para a paz e o convívio em so-ciedade.

Figurando esse ramo jurídico como o último a ser utilizado, daí decorre também que, se existir norma extrapenal isentando o sancionamento da conduta ou mes-mo sua persecução, este tratamento deverá obrigatoriamente refletir-se na esfera criminal. Afinal, uma atuação subsidiária pressupõe a ineficácia ou insuficiência das medidas principais. Sendo estas consideradas desnecessárias, injustificadas ou excessivas, o mesmo se dirá – e até com mais razão – das penas criminais. (Estefam, 2012, p. 107)

Contudo, o princípio anteriormente referido encontra-se, porque não dizer, “equiparado” ao Princípio da Insignificância ou Princípio da Bagatela, como também é chamado, e que tem por principal objetivo interceder por

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aquele que pratica uma conduta considerada moralmente de pouca gravidade lesiva.

Esse caráter subsidiário dado ao Direito Penal se deve ao fato de que as sanções penais são muito mais severas do que as sanções impostas pelos outros ramos do nosso ordenamento jurídico. Sendo assim, houve uma grande neces-sidade de se identificar quais crimes são passíveis desse rigor e quais podem ser dispensados de penas pelo fato de não terem um caráter tão lesivo quanto a pena imposta.

Para tanto, criou-se o Princípio da Insignificância ou Princípio da Bagate-la, e que, em comum acordo entre a grande maioria dos doutrinadores penalis-ta, originou-se do Direito romano.

No que concerne à origem do Princípio da Insignificância, entendimento ampla-mente majoritário afirma que este princípio originou-se do Direito romano. A este respeito importante mencionar os dizeres de José Henrique Guaracy Rebêlo: “A mencionada máxima jurídica anônima, da Idade Média, eventualmente usada na forma minimis non curat praetor, significa que um magistrado deve desprezar os casos insignificantes para cuidar das questões realmente inadiáveis”. De acordo, pois, com o brocardo romano, não é função do pretor cuidar dos delitos baga-telares, pois só deve ocupar-se das lesões significantes, as quais são capazes de comprometer a paz e a ordem da sociedade.

O Princípio da Insignificância foi reintroduzido na doutrina penal, no ano de 1964, por meio de Claus Roxin, na Alemanha. De acordo com o professor Odone Sanguiné, “o recente aspecto histórico do Princípio da Insignificância é inafasta-velmente, devido a Claus Roxin, que, no ano de 1964, o formulou como base de validez geral para a determinação do injusto, a partir de considerações sobre a máxima latina minima non curat praetor”. (Ribeiro, 2011)

Nesse contexto, percebe-se que, mesmo com a origem do princípio em análise provinda do Direito romano, quem o propôs efetivamente no âmbito do Direito Penal foi Claus Roxin, que, segundo Mirabete, tinha como ideia fazer com que se permitisse que, na maioria dos delitos, a possibilidade de excluir a tipicidade dos danos de pouca ou insignificante importância.

O Direito Penal tem por principal objetivo retribuir aos delitos cometidos com penas privativas de liberdade ou privativas de direitos. Por sua vez, uma conduta, para que seja considerada crime, deve possuir cumulativamente três características fundamentais respectivamente nessa ordem: deve ser típica, ilí-cita e culpável.

No entanto, mesmo que uma conduta, de acordo com um caso concreto, reúna todas essas características, deve ser analisada a grandeza do prejuízo so-frido com a violação de um bem tutelado pelo Direito Penal, pois o bem maior para ordenamento jurídico é a dignidade da pessoa humana e a sua liberdade.

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O Direito Penal, num ambiente jurídico fundado na dignidade da pessoa huma-na, em que a pena criminal não constitui instrumento de dominação política ou submissão cega ao poder estatal, mas um meio para a salvaguarda dos valores constitucionais expressos ou implícitos, não deve criminalizar comportamentos que produzam lesões insignificantes aos bens juridicamente tutelados.

Donde se conclui que condutas causadoras de danos ou perigos ínfimos aos bens penalmente protegidos são consideradas (materialmente) atípicas. (Estefan, 2012, p. 99)

Na mesma ideia, Gomes afirma que, para uma conduta ser típica, é pre-ciso analisar alguns aspectos de suma importância:

No atual estágio da ciência penal, não se admite uma incriminação de tipicidade apenas formal. Deve a tipicidade possuir também conteúdo material. A Consti-tuição exige ambas. A conduta, para ser crime, tanto deve estar abstratamente prevista em uma lei penal – tipicidade formal –, como, também, ser materialmen-te lesiva ao bem jurídico ali tutelado – tipicidade material. Esta exige um duplo juízo valorativo: desaprovação da conduta e desaprovação do resultado. (Gomes,

2009, p. 69)

Logo, percebe-se que é possível abrandar ou extinguir uma sanção pe-nal, mesmo quando, com a desaprovação de uma determinada conduta, se a desaprovação do seu resultado não oferecer grande lesividade ao bem jurídico tutelado, extinguindo, assim, uma penalidade desproporcional ao resultado do ato praticado.

É nesse momento que entra em ação o Princípio da Insignificância, en-contrado implicitamente no Código Penal, mas que está vinculado ao enten-dimento de toda a doutrina penalista e também da jurisprudência brasileira, na qual é considerado injusto descer o peso da mão do Estado sobre um fato delituoso que causou uma perda insignificante para o bem lesado.

A Constituição vigente no Brasil diz serem invioláveis os direitos à liberdade, à vida, à igualdade, à segurança e a propriedade (art. 5º, caput), e põe como funda-mento do nosso Estado democrático de direito, no art. 1º do inciso III, a dignidade da pessoa humana. Decorrem sem dúvidas, desses princípios constitucionais, como enfatizado pela doutrina italiana e alemã, que a restrição ou privação des-ses direitos invioláveis somente se legitima se estritamente necessária a sanção penal para a tutela de bens fundamentais do homem, e mesmo de bens instru-mentais indispensáveis a sua realização social. (Luisi, 2003, p. 40)

Com esse último exposto, reforça-se o que foi dito anteriormente, que o Princípio da Intervenção Mínima e o Princípio da Insignificância norteiam a aplicação da Lei Penal lado a lado com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Essa afirmação é confirmada pela conceituação feita a seguir:

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Intervenção mínima significa que o direito penal só deve cuidar de situações gra-ves, de modo que o juiz criminal só venha a ser acionado para solucionar fatos relevantes para a coletividade. É um princípio a ser observado prioritariamente pelo legislador na criação das leis penais. Na prática, uma decorrência do princí-pio da intervenção mínima foi o reconhecimento do princípio da insignificância, que considera atípico o fato quando a lesão ao bem jurídico tutelado pela lei penal é de tal forma irrisória que não justifica a movimentação da máquina ju-diciária. Tem sido aceito em crimes como furto (de uma bala, p. ex.), sonegação fiscal (de R$ 1,00, p. ex.), lesão corporal (uma alfinetada, p. ex.). É evidente que não há como se cogitar da aplicação desse princípio em crimes com ele incom-patíveis, como ocorre, dentre outros, com o homicídio ou o estupro. (Gonçalves, 2012, p. 22)

Nesse sentido, a doutrina traz alguns critérios para caracterizar se a con-duta produziu ou não resultado ínfimo de acordo com o comportamento reali-zado para a consumação do fato.

A jurisprudência nacional prestigia grandemente o princípio da insignificância ou bagatela, já tendo sido acolhido em inúmeras decisões de nossos tribunais, notadamente do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Este, inclusive, desenvolveu quatro vetores para sua aplicação, de tal modo que a apreciação concreta da insignificância do comportamento não fique adstrita à dimensão econômica do prejuízo sofrido pela vítima, mas seja pautada por uma análise global da conduta e do agente. Tais vetores são:

• a mínima ofensividade da conduta;

• a ausência de periculosidade social da ação;

• o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e,

• a inexpressividade da lesão jurídica provocada. (Estefam, 2012, p. 100)

Sendo assim, a jurisprudência é unânime quando se trata de conduta de insignificante potencial “lesivo”, limitando o Poder Punitivo do Estado para que não se cometam injustiças.

No entanto, se o crime for cometido contra a Administração Pública, não há de se falar em Princípio da Insignificância, mesmo que presente o desvalor da conduta, pois esta se submete a outros tantos princípios que se interligam entre si, como, por exemplo, os cinco principais: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência, de modo que a violação de um só deles caracteriza conduta reprovável.

Isso ocorre em função de que, na Administração Pública, tanto direta quanto indireta, só podem ser praticados atos previstos em lei, tendo em vista que, ao desempenhar um ato administrativo, o funcionário público tem o dever

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de observar e se submeter aos princípios previstos no art. 37 da Constituição Federal de 1988.

Jurisprudência:

Número: 70057478737 Tribunal: Tribunal de Justiça do RS

Seção: Crime Tipo de Processo: Apelação Crime

Órgão Julgador: Quinta Câmara Criminal Decisão: Acórdão

Relator: Francesco Conti Comarca de Origem: Comarca de Novo Hamburgo

Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL – ROUBO IMPRÓPRIO – GRAVE AMEAÇA NÃO COMPROVADA – DESCLASSIFICAÇÃO PARA FURTO – ATIPICIDADE POR AUSÊNCIA DE RESULTADO – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – AB-SOLVIÇÃO MANTIDA – 1. A elementar da grave ameaça exigida pelo tipo penal do roubo e descrita na denúncia exige a promessa de mal injusto e grave. Se a vítima apenas revela que o réu a mandou ficar quieta, sem fazer menção de lhe agredir ou simular estar armado, não está caracterizada a elementar. Desclassi-ficação para furto que se impunha. 2. A mera realização de atividade prevista como crime pela lei (tipicidade formal) não enseja condenação se ausente o re-sultado dessa ação (tipicidade material), sob pena de violação ao princípio da insignificância. A conduta descrita na denúncia – subtração de duas blusas ava-liadas no total de R$ 50,00 –, embora reprovável (e a reprovabilidade é inerente a todos os tipos penais), não causou, em momento algum, prejuízo a bens jurídicos significativos para a vítima e, em conseguinte, para o Estado. Não há, portanto, resultado da ação praticada, de modo que o fato é atípico (ausente a tipicidade na esfera material) pela incidência do Princípio da Insignificância. Por maioria, apelo ministerial improvido. (Apelação Crime nº 70057478737, 5ª Câmara Cri-minal, TJRS, Rel. Francesco Conti, Julgado em 18.12.2013)

Número: 70054999420 Tribunal: Tribunal de Justiça do RS

Seção: Crime Tipo de Processo: Apelação Crime

Órgão Julgador: Quarta Câmara Criminal Decisão: Acórdão

Relator: Rogerio Gesta Leal Comarca de Origem: Comarca de Marcelino Ramos

Ementa: APELAÇÃO-CRIME – CORRUPÇÃO ATIVA, CORRUPÇÃO PASSIVA E PECULATO – TÉCNICO DO TESOURO DO ESTADO – APROPRIAÇÃO DE TERCEIRAS E QUARTAS VIAS DE NOTAS FISCAIS, NÃO SENDO O FISCO CO-MUNICADO DOS TRIBUTOS DEVIDOS, E COM A DEVOLUÇÃO AOS CON-TRIBUINTES – LESÃO AOS COFRES PÚBLICOS – COMPROVADA A AUTORIA E A MATERIALIDADE EM RELAÇÃO A TODOS OS DELITOS – CONDENAÇÃO MANTIDA – DOSIMETRIA DA PENA – I – Em delitos desta natureza, na maior parte das vezes executados às escuras, por vezes não se tem testemunha ocular da proposta da vantagem indevida, nem de sua aceitação pelo funcionário públi-

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co. No entanto, o conjunto de atos realizados pelas pessoas envolvidas – como se dá na espécie – mostra-se suficiente à caracterização do ilícito. Não há dúvida da proposta da corruptora, nem do aceite do corrupto, em vista dos documentos encontrados em poder daquela e da sucessão de atos que este passou a praticar no seu local de trabalho. II – Não se cogita da aplicação do princípio da insigni-ficância aos crimes contra a Administração Pública, ainda que o valor da lesão seja ínfimo, uma vez que a norma visa resguardar não só o aspecto patrimonial, mas, notadamente, a moral administrativa. Mantida a condenação pelo crime de peculato. Pena de multa reduzida, levando em conta a lesão ao erário e a pena corporal aplicada. III – Correta a dosimetria da pena operada na origem, devida-mente fundamentada e atentando aos aspectos subjetivos e objetivos atinentes à espécie. APELAÇÃO DA CO-RÉ DESPROVIDA – APELAÇÃO DO CO-RÉU PRO-VIDA, EM PARTE. (Apelação Crime nº 70054999420, 4ª Câmara Criminal, TJRS, Rel. Rogerio Gesta Leal, Julgado em 05.09.2013)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estado, como tutor dos interesses da coletividade, é também responsá-vel por regular suas próprias organizações, bem como todos os atos praticados por seus funcionários, que prestam serviço em benefício dessa coletividade.

A legislação que coordena os atos praticados por seus funcionários é regida por vários princípios, entre eles, o principal é o princípio da legalidade. Neste, ao contrário do princípio da legalidade, que regula os atos praticados por particulares, o qual dá à coletividade a liberalidade de praticar tudo aquilo que não seja contrário à lei, na Administração Pública “só” podem ser praticados atos previstos em lei.

Dessa forma, quando um funcionário público, tanto da Administração Pública direta quanto da indireta, pratica algum ato que não está previsto no ordenamento administrativo, deve este se submeter às sanções impostas para retribuir tais condutas consideradas ilícitas.

Quando a lei que regula estes atos administrativos não tem força suficien-te para retribuir uma conduta ilícita, de acordo com sua gravidade, praticada por funcionário público, cabe ao Direito Penal fazê-lo.

O peculato de uso, para o Direito Penal, não caracteriza uma conduta típica. Porém, para a legislação administrativa, é extremamente reprovável, de modo que o agente que praticou tal delito, se denunciado e comprovada sua culpa ou dolo, terá de prestar contas ao Estado, podendo, inclusive, ser punido com a perda do cargo, emprego ou função.

Com relação ao Princípio da Insignificância ou da Bagatela, que foi cria-do com o intuito de descriminalizar comportamentos que produzem “lesões” insignificantes com relação aos bens jurídicos tutelados pelo ordenamento bra-

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sileiro, porém sem ser banalizado, pois permitiria a prática de pequenos delitos, já que, com a aplicabilidade desse princípio, faz cessar a reprovabilidade da conduta, devendo, assim, ser aplicado excepcionalmente, está voltado somente para as condutas realizadas por particulares, não cabendo, então, no âmbito da Administração Pública. Isso porque viola outros princípios de caráter vinculante e que regem todo e qualquer ato praticado pela Administração Pública.

Contudo, posiciona-se quanto ao peculato de uso de forma crítica, pois, como o sujeito passivo de crime de peculato é o Estado, no qual existem delitos contra o mesmo que, na maioria das vezes, possui punições severas, e frequen-temente suas ações penais são públicas incondicionadas em virtude da gravida-de, que é a prática de uma conduta contra o Estado, acredita-se que o peculato de uso também deveria ser tipificado pelo Código Penal.

Isso porque, se o funcionário público sabe que pode apropriar-se de um bem público e usá-lo em benefício próprio, tendo como punição apenas san-ções brandas, como, por exemplo, a perda de cargo público, considerada bran-da perto de uma privação de liberdade ou de direitos, acredita-se que isso acaba favorecendo tal prática, banalizando, assim, o Princípio da Moralidade, o que, de modo geral, é extremamente reprovável pela coletividade.

REFERÊNCIASBITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 13. ed. atual. São Paulo: Saraiva, v. l, 2008.

______. Tratado de direito penal. Parte especial. 4. ed. São Paulo: Saraiva, v. 5, 2010.

BRASIL. Código Penal [1940] e Código de Processo Penal [1941]. 6. ed. atual. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Departamento de Artes Gráficas, 2013.

ESTEFAM, André. Direito penal. São Paulo: Saraiva, v. 4, 2011.

______; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal esquematizado: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2012. (versão digital).

GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicida-de. Coleção direito e ciências afins. Coord. Alice Bianchini, Luiz Flávio Gomes, William Terra de Oliveira. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, 2009.

GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal esquematizado: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2011.

______. Direito penal. Parte geral. 18. ed. Coleção sinopses jurídicas. São Paulo: Saraiva, v. 7, 2012. (versão digital).

LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2. ed. rev. e aum. Porto Alegre: Pena, 2003.

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DPU Nº 61 – Jan-Fev/2015 – SEÇÃO ESPECIAL – TEORIAS E ESTUDOS CIENTÍFICOS ����������������������������������������������������������������������������227

RIBEIRO, Karla Daniele Moraes. Aplicação do princípio da insignificância. Disponível em: http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10823&revista_caderno=3. Revista _caderno=3. Acesso em: 11 out. 2013, à 00h32min.

MAFFINI, Rafael. Direito administrativo. 1. ed. Série Manuais para Concursos e Graduação. Coord. Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais: LFG – Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes. v. 11, 2. tri. 2006.

MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual do direito penal: parte geral, arts. 1º a 120 do CP. 25. ed., rev. e atual. até 11 de março do 2009. São Paulo: Atlas, v. 1, 2009.

______. Manual de direito penal: parte especial, arts. 235 a 361 do CP. 23. ed. rev. e atual. até 11 de março de 2009. 2. reimpr. São Paulo: Atlas, v. 3, 2009.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 13. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de improbidade administrativa comentada: as-pectos constitucionais, administrativos, civis, criminais, processuais e de respon-sabilidade fiscal; legislação e jurisprudência atualizadas. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial: arts. 289 a 359-H. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, v. 4, 2002.

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Clipping Jurídico

Jovem será indenizada por morte de pai em abordagem policial

O Estado de Goiás foi condenado a indenizar por danos morais, arbitrados em R$ 30 mil, a filha de um homem assassinado durante uma abordagem policial. A jovem receberá, também, pensão mensal no valor de dois terços do salário-mínimo até a data em que completar 25 anos. A decisão monocrática é da Desembargadora Elizabeth Maria da Silva. Os danos morais, segundo a magistrada, são incontrover-sos. A autora sofreu sérios abalos, eis que houve a supressão abrupta da vida de seu pai, dor que, por certo, é insuscetível de mensuração, mas que deve ser indenizada pelo menos como forma de amenizar o sofrimento experimentado. O homicídio foi cometido no dia 24 de julho de 1999, no Bairro Jardim Primavera, em Aparecida de Goiânia. A vítima estava em uma via pública e, por usar uma jaqueta de frio, mesmo com a temperatura quente do dia, chamou atenção de policiais militares que realizam ronda. Um dos soldados se aproximou e anunciou a abordagem, mo-mento em que o homem fugiu. Na perseguição, um dos agentes atirou e acertou o suspeito nas costas, que morreu no local. O Estado já havia sido condenado, em primeiro grau, na Vara da Fazenda Pública Estadual da Comarca, mas recorreu da sentença, alegando estrito cumprimento do dever legal, nas circunstâncias. O policial que atirou, inclusive, alegou ter havido troca de tiros – o que foi contesta-do pelo depoimento de seu companheiro de viatura, que afirmou não ter havido reação armada por parte da vítima. Sobre o comportamento do agente da Polícia Militar, a própria corporação instaurou inquérito e decidiu puni-lo. A responsabi-lidade do ente público é objetiva, conforme explica Elizabeth Maria da Silva. Na modalidade da teoria do risco administrativo, o Estado deve indenizar indepen-dentemente de culpa, sendo necessário comprovar apenas dois requisitos: dano e nexo causal. É possível aferir dos depoimentos e da conclusão de inquérito policial que a situação fática não se configura como legítima defesa, visto que a vítima em-preendeu em fuga, mas não reagiu. Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.

Estado e Prefeitura terão que pagar indenização por utilizar força policial con-tra alunos

A Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Paraíba deu provimento ao apelo dos menores João Martins da Silva, João Pedro Cristóvão Martins e João Pau-lo Cristóvão Martins, representado pelo seu genitor, João Martins da Silva Neto, para majorar a indenizatório por dano moral sofrida pelos menores, ao valor de R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais), sendo R$ 12.000,00 (doze mil reais) para cada um dos recorrentes. Os alunos foram vítima de violência praticada por agen-tes do Governo do Estado e, também, da Prefeitura de Ingá. O Relator do Proces-so de nº 0000840-88.2006.815.0201 foi o Desembargador Marcos Cavalcanti de Albuquerque, e a decisão se deu unânime e em harmonia com o parecer da Procu-radoria de Justiça. Os promoventes impetraram a presente apelação com o fim de reparação por dano moral pelo constrangimento sofrido em razão de ato abusivo praticados pelo Prefeito da Cidade de Ingá, pelo Delegado de Polícia e por policiais militares. O fato aconteceu no dia 14 de março de 2006. Consta nos autos que os

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DPU Nº 61 – Jan-Fev/2015 – CLIPPING JURÍDICO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������229

três menores se encontravam dentro do ônibus do município que transportava es-tudantes para a Cidade de Campina Grande quando foram retirados à força pelas autoridades policiais, tudo em cumprimento a uma portaria do gestor público que proibia o acesso de crianças que estudam no ensino fundamental em outras cida-des de utilizarem o transporte escolar. O ato foi praticado na presença de pessoas da localidade, em praça pública, no local de embarque dos estudantes. O relator do processo enfatizou que, no caso específico dos autos, houve agravamento da situação pelo fato de que as agressões foram perpetradas por autoridades, pessoas investidas em funções públicas com finalidade de proteger os direitos e garantias, principalmente por se tratar de crianças em ambiente escolar. Para o magistrado, fi-cou comprovado nos autos que o município editou portaria proibindo o transporte escolar dos alunos que cursem o ensino fundamental, ou seja, menores de quatorze anos de idade. Restou incontroverso que os promoventes foram retirados do ônibus por força das Polícias Civil e Militar, fato esse comprovado com documentos que instruem a inicial e os depoimentos colhidos na instrução. Fonte: Tribunal de Jus-tiça do Estado de Paraíba.

Lei de SP sobre aviso de vencimento de carteira de habilitação é inconstitucio-nal

Por maioria dos votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional lei paulista que tornava obrigatório o aviso de vencimento da Car-teira Nacional de Habilitação. Os ministros julgaram procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) nº 3169, ajuizada pelo Governo de São Paulo contra a Lei Estadual nº 10.877/2001. Na ação, o Governo paulista alega ser de iniciativa do Poder Executivo a lei editada pela Assembleia Legislativa, obrigando a Secretaria de Segurança Pública a enviar com 30 dias de antecedência o aviso de vencimento. Segundo o autor da ação, a norma contém “vício de iniciativa e configura ingerência em atribuições reservadas ao Executivo, violando o princípio constitucional da separação dos Poderes”. Argumenta que a lei fere os arts. 2º; 61, § 1º, inciso II, alínea b; e 84, incisos II e VI, da Constituição Federal. O Relator, Mi-nistro Marco Aurélio, votou pela improcedência do pedido. Para ele, o dispositivo questionado é razoável, além de não implicar ônus adicional ao departamento de trânsito estadual. “A entidade possui o cadastro de todos os condutores habilita-dos, bem como os prazos do término da validade dos respectivos documentos de habilitação, o que direciona a possibilidade de expedir notificação de modo auto-mático por meio do uso de sistemas informatizados”, afirmou. Para ele, a lei trata de políticas de educação para a segurança do trânsito, portanto de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. No entanto, ao abrir divergência, o Ministro Luís Roberto Barroso entendeu que a matéria é de reserva de Administração. “Está se impondo um ônus excessivamente paternalista em que o Estado é que tem que cuidar do prazo de validade da carteira de moto-rista”, ressaltou. Segundo ele, a norma cria ônus administrativo e financeiro, uma vez que “é preciso que a Secretaria de Segurança destaque pessoal, equipamentos, tempo e energia para advertir o cidadão que ele tem que estar atento para o prazo

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230 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 61 – Jan-Fev/2015 – CLIPPING JURÍDICO

de validade da sua carteira”. Assim, o Ministro Luís Roberto Barroso considerou a existência de vício de iniciativa, salientando que a iniciativa legislativa da matéria compete ao Poder Executivo e não ao Poder Legislativo. A divergência foi acom-panhada pela maioria dos ministros da Corte, que votaram pela procedência da ação, portanto pela inconstitucionalidade do dispositivo atacado, ficando vencido o Relator, Ministro Marco Aurélio. Fonte: Supremo Tribunal Federal.

Mantida decisão do TCU que veda continuidade de pagamento de parcela a servidores do Ibama

O Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu parcialmente o Mandado de Segurança (MS) nº 25921 para que os filiados à Associação dos Servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Asibama) não tenham de de-volver quantias recebidas a título de recomposição salarial de 26,05%. Contudo, o relator manteve determinação do Tribunal de Contas da União (TCU) que vedou a continuação do pagamento da parcela. Segundo a associação, ao determinar a supressão da parcela salarial, relativa à Unidade de Referência de Preço (URP) de fevereiro de 1989, o TCU afrontou decisões judiciais transitadas em julgado que concederam as vantagens aos associados. No MS, a Asibama pediu a manutenção do pagamento da parcela aos seus filiados e o recebimento dos eventuais valores descontados desde a propositura da ação. O então Relator, Ministro Eros Grau (aposentado), concedeu a liminar em 2006 para suspender os efeitos do acórdão do TCU e manter o pagamento da parcela. No entanto, em dezembro de 2011, o novo Relator, Ministro Luiz Fux, revogou a liminar e autorizou a supressão da verba dos contracheques dos associados, sob o argumento de que não existe direito ad-quirido a parcelas de remuneração. Contudo, o ministro dispensou os servidores ou seus dependentes de devolverem as quantias recebidas em decorrência da liminar. • Decisão: O Ministro Luiz Fux salientou que, a exemplo do caso em análise, até mesmo parcelas concedidas judicialmente poderão ser eliminadas na hipótese de reestruturação remuneratória da carreira. “O servidor público está sujeito à altera-ção do seu regime de remuneração, não podendo, apenas, sofrer redução na sua remuneração bruta”, afirmou. Para o ministro, a possibilidade de o servidor manter todas as vantagens pecuniárias do regime anterior no novo regime, inclusive as obtidas judicialmente, “possibilitaria a criação de remunerações acima do aceitá-vel do ponto de vista da moralidade”. De acordo com ele, no caso dos autos, “a decisão judicial, que deveria ter produzido efeitos até a data-base seguinte à con-cessão da URP, perdeu sua eficácia vinculante com a inovação do regime jurídico de remuneração dos servidores, que passou a abranger, sob novas rubricas, os va-lores anteriormente recebidos, assegurando-se, apenas, a irredutibilidade da remu-neração”. Por outro lado, o ministro destacou que ficou evidenciada a boa-fé dos associados que receberam a parcela amparados em decisão judicial e por cautelar deferida pelo Ministro Eros Grau, revogada apenas em 2011. Desse modo, “existe a base de confiança a legitimar a tutela das expectativas legítimas dos associados da Asibama, impedindo a obrigatoriedade de restituição no período de vigência da liminar”. Ele ressaltou ainda que a jurisprudência do STF é no sentido do desca-

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DPU Nº 61 – Jan-Fev/2015 – CLIPPING JURÍDICO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������231

bimento da restituição de valores percebidos indevidamente em circunstâncias de boa-fé do servidor público. Assim, o relator concedeu parcialmente o MS somente para impedir qualquer determinação de devolução das quantias recebidas referen-tes à parcela de 26,05% pelos afiliados da Asibama. Processos relacionados: MS 25921. Fonte: Supremo Tribunal Federal.

Decisão confirma liminar e reintegra professora da Universidade Federal de Dourados

Instituição alegava que docente não havia apresentado diploma específico exigido no edital para o cargo. O Juiz Federal Convocado Ciro Brandani não acatou recur-so da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), no Mato Grosso do Sul, e manteve liminar que determinou que a instituição reintegrasse uma docente ao cargo efetivo de professora do Magistério Superior, Assistente A, Nível 1, do quadro de Pessoal da Fundação Universidade Federal da Grande Dourados. A professora havia concorrido a uma vaga na área de Engenharia Organizacional da Faculdade de Engenharia da UFGD, com requisito de ter título de Mestrado em Engenharia de Produção e Graduação em Engenharia de Produção ou Administração. O Juízo Federal da 1ª Vara de Dourados havia considerado que a candidata preencheu o requisito de titulação exigido para a ocupação do cargo, embora não tivesse o título específico de Mestre em Engenharia de Produção. Ela possuía Graduação em Ad-ministração, exigida pelo edital, e Mestrado em Produção e Gestão Agroindustrial, que está ligado à área de Engenharia de Produção, considerando o caráter multidis-ciplinar da área de conhecimento. A candidata foi aprovada em todas as fases do concurso, comprovou perante a universidade o nível de formação exigido e apre-sentou toda a documentação exigida para posse. “Não é razoável que a candidata participe de todo o processo seletivo, tendo sido inclusive a única aprovada para a sua área, seja empossada no cargo e, passado mais de um mês do início do seu exercício, ser surpreendida com a nulidade do ato de posse”, afirmava a decisão de primeira instância. Nº do Processo: 0023961-57.2014.4.03.0000. Fonte: Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Fechamento da Edição: 15�01�2015

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Resenha Legislativa

DECRETO

decreto nº 8.326, de 13.10.2014Altera o Decreto nº 6.944, de 21 de agosto de 2009, quanto à autorização para a realização de concursos.

LEIS

leI nº 13.051, de 08.12.2014Altera a Lei nº 10.891, de 9 de julho de 2004, que institui a Bolsa-Atleta, para incluir a não violação de regras antidoping como requisito adicional a ser cumprido por atletas candidatos ao benefício e instituir penalidade aos bolsistas que violarem as regras antidoping.

leI nº 13.052, de 08.12.2014Altera o art. 25 da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesi-vas ao meio ambiente e dá outras providências, para determinar que animais apreendidos sejam libertados prioritariamente em seu habitat e estabelecer condições necessárias ao bem-estar desses animais.

Fechamento da Edição: 15�01�2015

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição o seguinte conteúdo:

ArtIgo doutrInárIo

• O Controle Social da Execução Orçamentária como Instrumento da Democracia Participativa

Raphael José Romera

Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET

Disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

índice por Assunto EspecialDOUTRINA

Assunto

Direito ADministrAtivo ConstituCionAl

• Administração Contratual, Nova Contratuali-dade Administrativa e Contratos de Parcerias: Breves Considerações acerca de Alguns Con-ceitos Que Integram uma Nova Terminologia Trazida pela Doutrina Administrativista Con-temporânea (Murilo Ferro) ...................................25

• A Justiça Administrativa em Resposta a: Perspec-tiva Comparada (Fabriccio Quixadá SteindorferProença) ................................................................9

Autor

fAbriCCio QuixADá steinDorfer proençA

• A Justiça Administrativa em Resposta a: PerspectivaComparada ............................................................9

murilo ferro

• Administração Contratual, Nova Contratuali-dade Administrativa e Contratos de Parcerias: Breves Considerações acerca de Alguns Con-ceitos Que Integram uma Nova Terminolo-gia Trazida pela Doutrina Administrativista Contemporânea ..................................................25

TEXTOS CLÁSSICOS

Assunto

Direito ADministrAtivo ConstituCionAl

• Programas sobre Europa em Constituições e Projetos Constitucionais Recentes. O Desenvol-vimento do “Direito Constitucional Nacional sobre a Europa” (Peter Häberle) ..........................44

Autor

peter Häberle

• Programas sobre Europa em Constituições e Projetos Constitucionais Recentes. O Desenvol-vimento do “Direito Constitucional Nacional sobre a Europa” ...................................................44

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Direito ADministrAtivo ConstituCionAl

• Recurso ordinário em mandado de segurança – Benefício constitucional da anistia – Portaria nº 594/2004 do Ministério da Justiça – Instaura-ção de procedimento administrativo de revisão dos atos em que reconhecida a condição de anistiado político – Pretendida violação a direi-to individual – Inexistência – Simples exercício, pela administração pública, de seu poder de autotutela – Ausência dos requisitos necessários à concessão de anistia – Incorporação ao servi-

ço militar após a edição da Portaria nº 1.104-GM3/1964 – Consequente reconhecimento de que os militares em questão não foram atingi-dos por qualquer ato de exceção – Recurso de agravo improvido (STF) ..............................2841, 69

EMENTÁRIO

ConCurso públiCo

• Concurso público – vício de legalidade – aná-lise pelo Poder Judiciário – conteúdo das ques-tões da prova aplicada ...............................2842, 81

Conflito De Atribuições

• Conflito de atribuições – Poder Judiciário – Con-selho Nacional de Justiça ...........................2843, 81

Controle ADministrAtivo

• Controle de legalidade de ato administra-tivo – candidata nomeada dentro do nú-mero de vagas previstas no edital – direito à nomeação ...............................................2844, 82

• Controle do mérito administrativo – impossi-bilidade – instalação de plantão judiciário da defensoria pública – decisão em que não pode haver interferência jurisdicional .................2845, 82

• Controle do mérito administrativo vedado ao Poder Judiciário – análise de pontuação de títu-los em concurso público ............................2846, 82

Controle Do poDer JuDiCiário • Suprema Corte EUA – Controle do Judiciá-

rio – Decisões das Agências Administrativas ..................................................................2850, 84

interferênCiA Do poDer JuDiCiário

• Interferência do Judiciário – execução de políti-cas públicas – possibilidade – custos dos direitos – direitos fundamentais ..............................2847, 83

proCesso ADministrAtivo DisCiplinAr

• Processo administrativo disciplinar – controle jurisdicional – separação de poderes – limitação à análise de vícios de legalidade ................2848, 83

• Seguro de acidente da empresa – reenquadra-mento – possibilidade pelo Poder Judiciário – inexistência de afronta à separação de poderes ..................................................................2849, 84

índice GeralDOUTRINA

Assunto

DemoCrACiA pArtiCipAtivA

• Aspectos Gerais da Democracia Participativa e a Ordem Democrática Nacional (HamiltonCunha Iribure Júnior) ...........................................95

Autor

HAmilton CunHA iribure Júnior

• Aspectos Gerais da Democracia Participativa e a Ordem Democrática Nacional ..........................95

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DPU Nº 61 – Jan-Fev/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������235

Seção EspecialDOUTRINA ESTRANGEIRA

Assunto

mArCo Civil nA internet

• ¡Codificado Para la Exportación! La Dimensi-ón Contextual del Marco Civil de Internet en Brasil (Osvaldo Saldías) .....................................189

Autor

osvAlDo sAlDíAs

• ¡Codificado Para la Exportación! La Dimen-sión Contextual del Marco Civil de Internet en Brasil ............................................................189

TEORIAS E ESTUDOS CIENTÍFICOS

Assunto

peCulAto

• Peculato de Uso: Um Paralelo entre o Código Penal Brasileiro e a Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa) (Dione Micheli de Freitas Pedroso Immich, Thais Silva Righi e Vladimir Haag Medeiros) ...................................208

Autor

Dione miCHeli De freitAs peDroso immiCH

• Peculato de Uso: Um Paralelo entre o Código Penal Brasileiro e a Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa ...............................208

tHAis silvA rigHi

• Peculato de Uso: Um Paralelo entre o Código Penal Brasileiro e a Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa ...............................208

vlADimir HAAg meDeiros

• Peculato de Uso: Um Paralelo entre o Código Penal Brasileiro e a Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa ..............................208

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Assunto

AposentADoriA • Processo civil – Agravo legal – Previdenciário

– Aposentadoria por idade – Pescadora – Exi-gência de comprovação da atividade pesqueira – Impossibilidade de concessão do benefício(TRF 3ª R.) ...............................................2853, 122

DesCAminHo

• Penal e processual – Descaminho – Art. 334 do CP – Princípio da insignificância – Aplicabilidade – Entendimento do STF (TRF 4ª R.) .............2854, 127

exeCução fisCAl

• Tributário e processual civil – Execução fiscal – Remissão da Lei nº 11.941/2009 (R$ 10.000,00) – Pronunciamento de ofício – Impossibilidade – Jurisprudência do STJ (TRF 1ª R.) .............2851, 115

fgts• Administrativo – Coren/CE – Não recolhi-

mento de FGTS dos funcionários – Multa e juros – Responsabilidade do presidente do conselho – Não comprovada – Apelação improvida (TRF 5ª R.) ...............................2855, 138

sAnção ADministrAtivA

• Administrativo – Processual civil – Ambiental – Ibama – Sanção administrativa – suspensão das atividades – Ausência do contraditório – Ape-lação e remessa necessária desprovidas (TRF 2ª R.)........................................................2852, 118

Administrativo

AgênCiA regulADorA

• Agência reguladora – Anvisa – estabelecimento – interdição – princípios da proporcionalidade e razoabilidade – violação ..........................2856, 141

ConCurso públiCo

• Concurso público – dois cargos públicos – acumu-lação – professor e pedagogo – compatibilidade de horários – não comprovação ...............2857, 142

Convênio

• Convênio – Município – inadimplência – novos contratos – celebração – impossibilidade – ges-tão anterior – responsabilidade – restrição – suspensão ................................................2858, 143

DesApropriAção

• Desapropriação – rodovia – duplicação da rodo-via – indenização – convênio – DNER e DER/MG – solidariedade – indenização ................2859, 143

improbiDADe ADministrAtivA

• Improbidade administrativa – médico da San-ta Casa conveniada ao SUS – plano particu-lar – paciente gestante – adesão – coação – comprovação – ausência ........................2860, 144

militAr

• Militar – sanções administrativas – quadro de acesso à promoção – não inclusão – legalidade ................................................................2861, 145

polítiCAs públiCAs

• Políticas públicas – Programa “Minha Casa, Mi-nha Vida” – obras – finalização – substituição da construtora – prazo de 30 dias – CEF – responsa-bilidade – inexistência ............................2862, 146

Ambiental

Ação Civil públiCA

• Ação civil pública – aterro sanitário localizado em área de segurança aeroportuária – ilegalida-de – remoção – obrigatoriedade ..............2863, 146

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236 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 61 – Jan-Fev/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

• Ação civil pública – capina química em perímetro urbano – pratica não autorizada pela Anvisa – tu-tela específica – reconhecimento .............2864, 147

• Ação civil pública – instalação de terminal por-tuário em área de mata atlântica – concessão de licença prévia – análise anterior do impacto ambiental – necessidade ..........................2865, 147

• Ação civil pública – proteção ao meio ambiente cultural – teoria do fato consumado em tutela ambiental – inaplicabilidade ....................2866, 150

Crime AmbientAl

• Crime ambiental – desmatamento em área de preservação permanente – pequeno pro-dutor rural – princípio da insignificância – aplicabilidade .......................................2867, 154

• Crime ambiental – extração de gipsita – au-sência de obtenção das licenças ambiental e mineral – presença do elemento subjetivo do dolo – reconhecimento ............................2868, 154

pArCelAmento Do solo

• Parcelamento do solo – loteamento em área rural – fracionamento para fins urbanísticos– inadmissibilidade ..................................2869, 156

Constitucional

Ação DiretA De inConstituCionAliDADe

• Ação direta de inconstitucionalidade – lei mu-nicipal – atribuições a órgãos da Administra-ção Pública – vício de iniciativa – existência ................................................................2870, 156

• Ação direta de inconstitucionalidade – pro-jeto de lei – efetivação das normas dos arts. 30 e 70 da CF/1988 – aprovação da lei sob regime de urgência – pedido juridicamente impossível ..............................................2871, 156

Ação populAr

• Ação popular – ato administrativo – Imposto de Renda – isenção – revogação – lançamento – decadência – ocorrência ........................2872, 156

reClAmAção

• Reclamação – sucedâneo recursal – utilização – impossibilidade ......................................2873, 157

Penal / Processo Penal

Crime De peCulAto

• Crime de peculato – Súmula nº 283 do STF –incidência ................................................2874, 158

fAlso testemunHo

• Falso testemunho – comunicação feita por juiz do trabalho – potencialidade – precedentes ................................................................2875, 158

penA

• Pena – cumprimento – imposição de prestação de serviços à comunidade como condição espe-cial – inadmissibilidade ...........................2876, 160

prisão preventivA

• Prisão preventiva – homicídio – princípio da presunção da inocência – não violação ................................................................2877, 161

uso De DoCumento fAlso

• Uso de documento falso – fraude em licitação – Justiça Militar – incompetência ................2878, 163

Processo Civil e Civil

Ação De DAno infeCto

• Ação de dano infecto – reiteração de fun-damentos expendidos na contestação – de-monstração dos motivos .........................2879, 164

Ação pAuliAnA

• Ação pauliana – reconhecimento de fraude – desconstituição das alienações ................2880, 165

ADJuDiCAção CompulsóriA

• Adjudicação compulsória – contrato de gaveta – anuência – ausência .............................2881, 165

ArrAs ConfirmAtóriAs

• Arras confirmatórias – caso fortuito – impos-sibilidade de retenção ..............................2882, 165

ConDomínio

• Condomínio – ação de cobrança – responsabi-lidade ......................................................2883, 165

DesApropriAção inDiretA

• Desapropriação indireta – indenização – perdas e danos – reforma agrária ........................2884, 167

• Desapropriação indireta – usucapião – inocor-rência ......................................................2885, 168

Direito De vizinHAnçA

• Direito de vizinhança – ação indenizató-ria – infiltrações – nexo causal – demons-tração – indenização dos danos materiais – necessidade .............................................2886, 169

Trabalhista/Previdenciário

Ação Civil públiCA

• Ação civil pública – assédio e coação moral – presença dos pressupostos que autorizam o de-ferimento da antecipação da tutela – cabimento ................................................................2887, 170

ADiCionAl De insAlubriDADe

• Adicional de insalubridade – trabalho em la-voura de cana-de-açúcar – atividade a céu aberto – exposição ao sol e ao calor excessivo –pagamento devido ...................................2888, 170

AposentADoriA por invAliDez

• Aposentadoria por invalidez – revisão – conces-são por transformação de auxílio-doença – au-sência de período contributivo entre os benefí-cios – cálculo da RMI – efeitos ................2889, 172

Page 237: ISSN digital 2236‑1766 Direito Público - bdr.sintese.com 61_miolo.pdf · Direito Público Ano XI – nº 61 ... – Resumo informativo no idioma do texto e em língua estrangeira;

DPU Nº 61 – Jan-Fev/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������237 AposentADoriA por tempo De Contribuição

• Aposentadoria por tempo de contribuição – res-tabelecimento – tempo de serviço no exercício de mandato eletivo – efeitos ....................2890, 172

benefíCio AssistenCiAl

• Benefício assistencial – pessoa incapacita-da de prover a própria manutenção ou tê--la provida de outra forma – comprovação – concessão .............................................2891, 173

CooperAtivA

• Cooperativa – posto de combustível – venda do insumo a cooperados e ao público em ge-ral – enquadramento sindical do empregado frentista – observação .............................2892, 175

exeCução

• Execução – fraude – ausência de prova de aquisição de bem antes de restrição em re-gistro público – ineficácia da transação entre o devedor e o terceiro ..............................2893, 176

méDiCos

• Médicos – convênio entre Município e en-tidades hospitalares privadas para serviço municipal de saúde – isonomia salarial – reconhecimento ......................................2894, 176

Tributário

CertiDão De DíviDA AtivA

• Certidão de dívida ativa – execução fiscal – inci-dência da Súmula nº 7 do STJ ..................2895, 176

Crime ContrA A orDem tributáriA

• Crime contra a ordem tributária – omissão inexistente – prescrição – matéria de ordempública ....................................................2896, 179

exeCução fisCAl

• Execução fiscal – custas processuais – isenção à Fazenda Pública ......................................2897, 180

• Execução fiscal – penhora – debêntures da Ele-trobras – ausência de liquidez – recusa do Fisco – possibilidade ..........................................2898, 181

iCms• ICMS – ECT – serviços postais – imunidade recí-

proca – embargos de declaração .............2899, 182

ipi• IPI – creditamento – aquisição de insumos e

matérias-primas tributados aplicados na indus-trialização de produto final isento, não tributado ou favorecido com alíquota zero .............2900, 183

presCrição interCorrente

• Prescrição intercorrente – execução fiscal – redi-recionamento ao sócio ............................2901, 185

• Prescrição intercorrente – execução fiscal – sus-pensão do feito a pedido .........................2902, 185

tAxA De serviços metrológiCos

• Taxa de serviços metrológicos – execu-ção fiscal – fato gerador ..........................2903, 186

CLIPPING JURÍDICO

• Decisão confirma liminar e reintegra profes-sora da Universidade Federal de Dourados ..........................................................................231

• Estado e Prefeitura terão que pagar indeniza-ção por utilizar força policial contra alunos ..........................................................................228

• Jovem será indenizada por morte de pai em abordagem policial ............................................228

• Lei de SP sobre aviso de vencimento de carteira de habilitação é inconstitucional .......................229

• Mantida decisão do TCU que veda continui-dade de pagamento de parcela a servidoresdo Ibama ...........................................................230

RESENHA LEGISLATIVA

DeCreto

• Decreto nº 8.326, de 13.10.2014 ......................232

leis

• Lei nº 13.051, de 08.12.2014 ............................232

• Lei nº 13.052, de 08.12.2014 ............................232