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José Gilberto de Souza ''CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE" w t Dissertação de Mestrado apresentada ao Conselho do Curso de Pós-Gradu!lção em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia - FCT/UNESP - Campus de Presidente Prudente, como parte das exigências· para obtenção do Título de Mestre em Geografia. Presidente Prudente - SP Setem bro/1994

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José Gilberto de Souza

''CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE"

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Dissertação de Mestrado apresentada ao Conselho do Curso de Pós-Gradu!lção em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia - FCT/UNESP - Campus de Presidente Prudente, como parte das exigências· para obtenção do Título de Mestre em Geografia.

Presidente Prudente - SP Setem bro/1994

unesp Universidade Estadual Paulista

''CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE"

Dissertação de Mestrado apresentada ao Conselho do Curso de Pós-Graduação em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia - FCT/UNESP - Campus de Presidente Prudente, como parte das exigências para obtenção do Título de Mestre em Geografia. ·

Orientando: Prof. José Gilberto de Souza

Orientador: Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito

Presidente Prudente - SP Setembro/1994

À Mara Akiko, esposa, que jamais aceitou as renúncias impostas por este trabalho e que, nas cobranças · cotidianas, forjou-o comigo.

Para Giulia Akemi e Raquel Tiemi ("'lindas' mais que demais''), filhas, expressões mais sublimes desta palavra. Alentos do meu viver.

"Não é necessário aprender a 'desenhar' para servir-se pessoalmente das propriedades do tratamento gráfico, é suficiente aprender a ver! - Então, eu, que 'não sei desenhar', posso valer-me do tratamento gráfico e assim fazer avançar meus problemas? Sim! - " (Jacques Bertin). (grifo nosso).

I

AGRADECIMENTOS

A Eliseu Savério Sposito, meu orientador, há tempo, uma presença companheira em

minha vida.

Aos professores das escolas-padrão da DE de Presidente Prudente-SP, contribuição de

quem quer e fez crescer.

A Arthur Magon Whitacker, para quem a solidariedade é só mais uma de suas virtudes.

ÀAngelaMassumi Katutae LuizaHelenada Silva Christov, de quem recebi contribuições

e com quem dividi algumas destas descobertas.

A Moacir Telles Maraci, meu irmão, e Mara Lúcia Falconi da Hora, ajudas valiosas.

À Maria Encarnação Beltrão Sposito(Carminha), Jayro Gonçalves Melo, Sérgio Bráz

Magaldi, Márcio Antonio Teixeira e Messias Modesto dos Passos, por acreditarem no

valor da amizade.

Aos amigos do curso de pós graduação da UNESP de Presidente Prudente -SP, Maria

José (Zezé), Willian ("di Be Agá"), Lindomar, Adilson (Sampa) e Eliseu (Tocantins),

pela partilha na caminhada.

Aos amigos da Divisão Regional de Ensino de Presidente Prudente-SP, Cícera, Tieko,

Cida, Tereza, Augusta, Zé Carlos e Zaidel, pela colaboração.

À Mônica, Rosângela, Simone e Valéria, funcionárias das Faculdades Integradas

Riopretense (FIRP-São José do Rio Preto-SP), pela ajuda, na digitação e edição deste

trabalho, que foi por demais significativa.

Ao Dr. Halim Atique Júnior e Prof. Dr. Alvanir de Figueiredo, diretores das Faculdades

Integradas Riopretense (FIRP) e da Faculdade de Ciências e Tecnologia FCT /UNESP­

p .Prudente, respectivamente, pela infra estrutura.

À minha esposa Mara Akiko e às minhas filhas Giulia e Raquel, por tomarem este

trabalho um fruto de todos nós.

A todos aqueles, iguais e importantes, que contribuíram.

RESUMO

A pesquisa discute os problemas relativos a

formação de professores em Geografia na área de Cartografia,

do ponto de vista técnico-pedagógico e do compromisso

político.

A partir de uma discussão sobre a Cartografia

e o Movimento de Renovação Geográfica no Brasil, procura-

se avaliar a qualidade de domínio conceptual cartográfico dos

professores de Geografia das escolas-padrão da Delegacia de /

Ensino de ~residente Prudente-SP, resgatando a importância/

da Cartografia no ensino de 1 º e 2ºGraus.

UNITERMOS:

- ensino de geografia

- cartografia geográfica

- formação docente

- domínio conceptual

-escola padrão

II

ABSTRACT

The present work discusses the problems related to

the teachers' graduation in Geography into the Cartography

area, taking into consideration technical and pedagogic aspects

and the political engagement.

From a discussion about Cartography and

Geographic Renew Movement in Brazil, we try to evaluate the

quality ofcartographic conceptual dominium ofthe Geography

teachers at the escolas-padrão that take part into Delegacia de

Ensino of Presidente Prudente-SP, bringing back the

importance of Cartography in the teaching of elementary and

high schools.

KEYWORDS:

Geography teaching

Geographic Cartography

Teachers' Graduation

Conceptual Dominium

Escola Padrão.

III

IV

APRESENTAÇÃO

Esta pesquisa se coloca como resultado final das atividades do Curso de Pós

Graduação em Geografia - Nível Mestrado - da Faculdade de Ciências e Tecnologia

FCT /UNESP - Campus de Presidente Prudente-SP. Trata-se do resultado de nossas

reflexões e inquietações sobre os caminhos da Cartografia no ensino de Geografia de 1 º

e 2° graus.

Seu objetivo mais profundo, aos discutir os aspectos do domínio conceptual

cartográfico dos professores de Geografia, reside no reconhecimento e na valorização

da atividade docente, como fundamento para a consolidação de uma sociedade mais

justa e fraterna.

Estes professores, sujeitos ou não desta pesquisa, deparam-se com um

contínuo processo de deterioração de seu trabalho, não apenas salarial, mas como

agravante maior, da deterioração dos meios que poderão resgatar o respeito e a

importância social de sua práxis, a formação, o domínio conceituai.

Neste trabalho, refletimos, à luz do Movimento de Renovação Geográfica,

sobre apenas um aspecto da formação/especialização do professor de Geografia, a

Cartografia, e sua importância no trabalho docente do ponto de vista da competência

técnico-pedagógica e de seu compromisso político. Esperamos contribuir no sentido de

que os profissionais de Geografia reflitam sobre os aspectos fundamentais da Cartografia

na formação docente e, por sua vez, no ensino de Geografia.

SUMÁRIO

Introdução ........................................................................................................ O 1

Capítulo 1 - A questão metodológica ............................................................ 09

Capítulo II - Cartografia: saber necessário(?) .............................................. 16

1. Geografia e representação .............................................................................. 19

2. A pesquisa em cartografia no Brasil: o estado da arte ................................... 22

3. Uma representação sobre a cartografia .......................................................... 26

Capítulo III - A formação do professor ......................................................... 3 8

1. Formação do professor: competência e compromisso .................................... 43

2. O saber do professor ...................................................................................... 50

Capítulo IV - O debate Geográfico ................................................................ 56

1. O debate Geográfico e a proposta da CENP .................................................. 58

2. Um saber que se propõe transformador ......................................................... 61

Capítulo V - O domínio conceptual do professor ......................................... 80

1. Realização do estudo ...................................................................................... 81

1.1. Caracterização geral ................................................................................ 81

1.2. A pesquisa de campo .............................................................................. 84

1.3. A escola padrão ....................................................................................... 86

1.4. Procedimentos ......................................................................................... 95

1.5. Caracterização dos sujeitos ..................................................................... 98

2. Formação geográfica e cartografia ................................................................. 99

2.1. Formação/Especialização ....................................................................... 99

2.2. Cartografia e formação ......................................................................... 103

3. Domínio conceptual cartográfico ................................................................. 106

3 .1. Plantas, cartas e mapas ......................................................................... 108

3.2. O mapa .................................................................................................. 112

3 .2.1. As perguntas que o mapa responde ............................................ 119

3.3. Implantações cartográficas ..................................................................... 122

3.4. Os elementos de um mapa ...................................................................... 125

3.4.1. Título ............................................................................................ 127

3.4.2. Orientação .................................................................................... 128

3.4.3. Sistema de orientação ................................................................... 130

3 .4.4. Data dos dados, fonte e encarte .................................................... 132

3.4.5. Legenda ........................................................................................ 133

3.5. A escala ................................................................................................... 135

3 .6. Simbologia ou semiologia gráfica ........................................................... 142

3. 7. Representação do relevo ......................................................................... 146

3.8. Sistema de referência geográfica ............................................................ 152

3.8.1. Coordenadas geográficas ............................................................... 152

3.8.2. Latitude e longitude ....................................................................... 153

3.8.3. Paralelos e meridianos ................................................................... 155

3.9. Fuso-horário ........................................................................................... 157

3.10. O atlas ................................................................................................. 160

3.11. Projeção cartográfica ........................................................................... 162

Considerações finais ...................................................................................... 167

Bibliografia ..................................................................................................... 169

Anexos

RELAÇÃO DE QUADROS E TABELAS

Quadro 1 - Formação de Professores por Instituição ......................................... 85

Quadro 2 - Implantação da escola Padrão .......................................................... 86

Quadro 3 - Coordenação escola Padrão ............................................................. 92

Quadro 4 - Caracterização dos sujeitos .............................................................. 97

Tabela 1- Cartografia fisica/humana .................................................................. 71

Tabela 2 - Situação profissional ......................................................................... 81

Tabela 3 - Instituição formadora ........................................................................ 82

Tabela 4 - Tempo de serviço no magistério ....................................................... 82

Tabela 5 - Número de escolas/leciona ............................................................... 82

Tabela 6 - Avaliação do trabalho ..................................................................... 1O1

Tabela 7 - Formação cartográfica .................................................................... 103

Tabela 8 - Planta .............................................................................................. 108

Tabela 9 - Carta ............................................................................................... 108

Tabela 10 - Mapa ............................................................................................. 108

Tabela 11 - Ensino de mapas e tabelas ............................................................ 112

Tabela 12 - Perguntas que o mapa responde .................................................... 119

Tabela 13 - Implantações cartográficas ........................................................... 124

Tabela 14 - Elementos do mapa ....................................................................... 125

Tabela 15 - Orientação ..................................................................................... 130

Tabela 16 - Norte/Sul ....................................................................................... 131

Tabela 17 - Pontos cardiais .............................................................................. 131

Tabela 18 - Legenda ........................................................................................ 133

Tabela 19 - Escala ............................................................................................ 135

Tabela 20 - Tipos de escala .............................................................................. 135

Tabela 21 - Simbologia/semiologia ................................................................. 142

Tabela 22 - Topografia .................................................................................... 146

Tabela 23 - Cota ............................................................................................... 147

Tabela 24 - Curva de nível ............................................................................... 149

Tabela 25 - Perfil topográfico .......................................................................... 149

Tabela 26 - Batimetria ..................................................................................... 150

Tabela 27 - Altimetria/hipsometria .................................................................. 151

Tabela 28 - Coordenadas geográficas .............................................................. 152

Tabela 29 - Latitude ......................................................................................... 154

Tabela 30 - Longitude ...................................................................................... 154

Tabela 31 - Paralelos e meridianos .................................................................. 155

Tabela 32 - Fuso-horário .................................................................................. 158

Tabela 33 - Atlas .............................................................................................. 160

Tabela 34 - Sistema de projeções ..................................................................... 163

Tabela 35 - Desenvolvimento das projeções .................................................... 163

Tabela 36 - Propriedades das projeções ........................................................... 163

RELAÇÃO DE ANEXOS

1. Apostila de Geografia: Programa de Capacitação degrofessores III

2. Diário Oficial do Estado de São Paulo DOE 19/05/1992

3. Questões de domínio conceptual cartográfico aplicado no concurso público para

Pill do ano de 1993

4. Programas de Ensino das disciplinas de cartografia da UNOESTE

5. Programas de Ensino das disciplinas de Cartografia da UNESP

6. Programa de Reforma do Ensino Público do Estado de São Paulo

7. Roteiro de entrevista

RELAÇÃO DE FIGURAS

1. Área de abrangência da DRE-1 O de Presidente Prudente-SP.

2. Localização da área de pesquisa - DE de Presidente Prudente-SP.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE

INTRODUÇÃO

"Idealistas também devem ser considerados todos quantos, dentre nós, sabem e dizem como poderosas são as consequências de uma atitude mental e quantos traços pode ela gravar na geografia de um país". (Pierre Monbeig)

Observamos que o trabalho em sua apreensão ideal e concreta é o

que toma a produção e a reprodução existencial dos homens contraditória, mas

que no limite, estas representações se revelam consensuais, hegemônicas e

unívocas. É no sentido de superar estas representações e resgatar os sujeitos desta

ciranda, que propomos esta reflexão.

Pensar a questão da formação docente neste país parece-nos tarefa

valiosíssima, sobretudo por conta de que as universidades públicas vêem-se

pressionadas pelo sucateamento material e humano, ao mesmo tempo em que as

escolas públicas de 1 º e 2° graus sofrem um processo semelhante, há mais tempo,

carregadas de desmoralização e com problemas sérios para serem resolvidos em

todas as áreas de formação (professores e alunos) e, inclusive, relacionados à

organização burocrática.

Diante destes problemas, pretendemos contribuir com nosso

trabalho ao atacarmos de frente as questões que afligem grande parte dos

profissionais de educação em geografia e, até mesmo, os cursos de formação da

universidade, bastando, para isto, verificar o interesse dos profissionais em

educação, no sentido de obterem informações a respeito de uma área do

conhecimento geográfico, a cartografia.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

2

E, por este interesse, as pesquisas sobre o ensino de geografia e

cartografia devem sofrer maiores reflexões.

SPOSITO, CARDOSO & SOUZA (1991 ), fazem as seguintes

considerações acerca das pesquisas no ensino de Geografia, que ora retomamos,

uma vez compreendermos que contribuímos nestas direções:

"1. Os estudos de temas educacionais (conteúdos programáticos,

livros didáticos, papel do professor) feitos à luz das determinações do modo de

produção capitalista, se, por um lado, no nível teórico já demonstraram avanços

importantes, com teses bem elaboradas, por outro lado, no nível dos estudos

empíricos ainda há muito por fazer;

2. Se, ainda relacionados aos aspectos teóricos dos estudos, o

entendimento das condições estruturais são bastante debatidas, não só nos textos

elaborados, como também em encontros de profissionais e congressos, aspectos

conceituais (veja-se o caso do conceito de trabalho no livro didático de

Geografia), ainda merecem estudos mais profundos, tendo, como ponto de

partida, os fatos reais do meio cultural da sociedade onde se manifestam;

3. É necessário todo esse esforço para os estudos dos problemas

educacionais brasileiros porque só assim, com novas idéias, novos

conhecimentos, é que se poderá propor transformações radicais (de raiz) e

imprescindíveis para a recuperação da educação como básica para a formação

de cada cidadão". 1

A partir destas referências, nosso trabalho tem os seguintes

objetivos:

1.SPOSITO, Eliseu S. , CARDOSO, Regina Helena Penatti & SOUZA, José Gilberto de - A ideologia do professor e o Livro Didático. Presidente Prudente: FCT/UNESP-CNPQ, 1991. p. 9. (Relatório de Pesquisa).

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

3

1. Contribuir com o debate geográfico, na perspectiva de construir alternativas

metodológicas de pesquisa e ensino;

2. Apontar possíveis caminhos de pesquisa na formação de professores de

geografia;

3. Buscar a aproximação da produção científica em cartografia e o ensino

de geografia da realidade docente.

4. Indicar a importância da cartografia na formação do professor de geografia e

em seu trabalho;

5. Constatar o nível de formação cartográfica dos professores de geografia que

atuam na rede oficial de ensino, em especial nas escolas padrão da D.E. de

Presidente Prudente-SP;

6. Refletir alguns aspectos da proposta de Geografia da CENP, frente a questão

da formação e dos conteúdos cartográficos;

7. Refletir sobre a superação das deficiências de formação do professor.

A busca destes objetivos, reside na consciência que temos de que

discutir os problemas de formação cartográfica do professor de Geografia, é uma

tarefa que não se resume nela mesma. O trabalho de formação de professores não

se revela único do ponto de vista técnico, nem mesmo do ponto de vista político,

muito menos do ponto de vista teórico-prático. Caminhamos neste processo e

verificamos o privilegiamento de um ou de outro. Neste sentido cria-se

concepções de saber, seja técnico, seja político, seja teórico, seja prático, cujas

dualidades não apontam para a superação das problemáticas existentes. Saberes

estes que não superam a dimensão da prática discursiva, ou da reprodução

mecânica de conteúdos sem uma profunda reflexão. Este momento é que permite

a consolidação de um saber que rompa com estas práticas, quando se apresenta

construido na unidade do movimento teórico-prático.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

4

A pesquisa e o ensino de geografia se colocam nesse movimento,

mas têm andado, de certa forma por caminhos tortuosos, pouco precisos, não se

debruçando de forma clara sobre a formação docente. Não se trata do

privilegiamento técnico ou político da formação, como poderemos observar, mas

trata-se da unidade do trabalho docente, como unidade histórica do sujeito e sua

inserção na sociedade.

Não se trata de atribuir ao professor toda a responsabilidade sobre o

fracasso escolar e todo o conjunto de problemas que a escola pública atravessa,

reconhecendo, principalmente, que desde o momento em que iniciamos nosso

trabalho, passamos por quatro movimentos grevistas no Estado de São Paulo,

principalmente por melhores condições de trabalho e salário.

Não buscamos também, estabelecer nessa pesquisa a reprodução

dos modelos academicistas, reproduzindo práticas pouco colaboradoras com os

professores, como por exemplo o "cobaísmo", mas procuramos reconhecer o

professor como parte integrante deste processo, assim como nós o somos. Por

isso acreditamos que uma análise de classe é sempre mais dificil do que uma

interclassista, tendo em vista colocar em pauta a autocrítica, a auto-avaliação do

professor, enquanto uma categoria social e profissional e, portanto, de

reconhecimento das próprias limitações.

Antecipamos também, que não é nosso objetivo traçar um perfil

ideal de formação ou prática docente, pois para nós esta questão não se coloca,

uma vez compreendermos que se trata de um debate mais amplo, coletivo.

Trata-se esta pesquisa de um ponto de partida para o

(re)conhecimento da dimensão social do trabalho docente e que não se fixa ao

que se acostumou chamar de "modelo teórico marxista", ao contrário burla sua

gênese, porque não se trata aqui de discutir apenas os aspectos mais estruturais,

como fazem alguns autores ao colocarem a questão do trabalho docente e suas

deficiências somente sobre o plano da divisão do trabalho. Esta necessidade de

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

5

"modelo" reduz as compreensões e tráz implicações sérias ao método, aos

sujeitos e a história. Esta leitura, de certa forma, concorre com dois problemas: o

primeiro, isenta o professor de sua responsabilidade sobre sua prática, porque

não rompe com este "devir histórico linearizado" da divisão social e técnica do

trabalho; e o segundo, porque esta leitura como dimensão única para o

entendimento da questão, ao equaciona-la de forma imediata propõe a solução: o

"resultado" é a alienação do trabalho, o que não desconsideramos, mas não é o

lugar em que ancoramos nossas dúvidas, pensando termos achado o porto seguro.

Apresentamos sim, um outro questionamento, buscando superar

esta via de compreensão da especialização docente.

No atual momento, as universidades centram uma discussão

interdisciplinar como forma de superação da fragmentação do conhecimento, da

especialização docente. A pergunta que colocamos é anterior a esta: há

especialista na rede pública? Assumimos, nesta altura, que o caminho da

interdisciplinaridade é fundamental para romper as estruturas positivistas de

leitura da realidade - do conhecimento -, mas assumimos também que este

processo demanda reflexões para garantir um ponto de partida, uma

singularidade, uma formação como início de intervenção no cotidiano da história­

no nosso caso a geografia.

A prática docente qualificada (especialização) permite este processo

e visualiza-lo integralmente é uma questão de método, é o que permitirá transitar

na formação e na prática docente (do técnico ao político, da disciplinaridade à

interdisciplinaridade, do teórico ao prático e vice-versa), e possibilitará uma

lucidez sobre nossa reflexão, sobre nossa intervenção e preocupação sistemática

com o fazer, com o produzir, com o conhecer (saber).

Saber que o saber é a lucidez científica e política do trabalho que se

constrói no coletivo.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

6

E, ao produzirmos essa pesquisa, percebemos que o discurso de

uma pedagogia crítica acabou "solapando" não só a pedagogia tradicional e

tecnicista, mas, sem pausa para análise, "solapou" também o conjunto de

conteúdos por elas propostos. Reconhecemos, que os conteúdos guardam certa

distância entre si, pois não são os mesmos, porque não é a mesma postura

metodológica, portanto visão de mundo, ciência, ideologia e filosofia, mas

reconhecemos também que, no limite, os conteúdos por elas ministrados não

podem ser ignorados, sob pena de adotarmos o preconceito como delimitador de

nossa leitura científica, e assumir o extermínio e o niilismo como respostas para o

amanhã.

A reflexão de MONBEIG (1994), citada na epígrafe, reabre a

discussão sobre as posturas teórico-metodológicas, ao reconhecer como

''poderosas são as consequências de uma atitude mental e quantos

traços pode ela gravar na geografia de um país "2

O termo utilizado pelo autor, os traços, nos aproxima deste debate,

a formação dos professores e a "representação" que se faz da cartografia -

objetos e objetivos desta pesquisa - e os caminhos traçados no ensmo e no

aprendizado da Geografia.

Por isso, o nosso olhar para dentro é como uma oportunidade sem

igual, como alguém que se preocupa com as questões relativas à pedagogia e à

geografia, buscando uma prática de docência e pesquisa de forma unificada.

* * *

2.MONBEIG, Pierre - "Os modos de pensar na Geografia Humana". ln: Boletim Paulista de Geografia -40 Anos. São Paulo:AGB (68):45:50, 1994, p.47.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

7

O presente trabalho se apresenta dividido em sete partes,

representadas pela Introdução, A questão Metodológica, Cartografia: saber

necessário (?), A formação do professor, O debate geográfico, O domínio

conceituai do professor e Considerações finais, além de Bibliografia e Anexos.

Na primeira parte, Introdução, apresentamos o trabalho e os

objetivos que nos levaram a realização da pesquisa, fazendo referências acerca da

formação do profissional em Geografia, no tocante à especialização, entendendo

esta como elemento fundamental de uma prática docente qualificada, capaz de

produzir saberes que contribdam com a formação discente e a própria Geografia.

No Capítulo I, A questão metodológica, fazemos referências às

pesqmsas em educação e os pressupostos que devem norteá-las quando seu

objeto e objetivo explicitam o compromisso com as transformações sociais, e

como elas se fundem com a prática cotidiana do trabalho, elemento essencial para

o desvendamento desse compromisso e interesse.

Por estas considerações, partimos para a reflexão sobre a

Cartografia como saber necessário (?) - Capítulo II -, onde firmamos nossas

posições sobre sua importância e articulação com a ciência Geográfica. Neste

capítulo, produzimos, ainda, uma breve consideração sobre o estado da arte das

pesquisas em cartografia (geográfica) no Brasil; e num terceiro momento,

colocamos nossas discussões acerca das representações que se construíram sobre

a cartografia, desenvolvidas no calor do debate do movimento de renovação

geográfica.

Ao efetuarmos este reconhecimento da produção e importância da

cartografia no ensino de Geografia, no Capítulo III - A formação do professor-,

passamos a refletir sobre as condições que o profissional do ensino de Geografia

apresenta para levar a cabo as metodologias e o desenvolvimento desta produção

cartográfica. Assim, traçamos discussões acerca da competência técnica e do

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

8

compromisso político, e como este debate influi nas dimensões do "saber

docente", e, portanto, em seu trabalho.

Nestas discussões, acabamos por nos deparar com o próprio debate

geográfico (Capítulo IV) que se estabeleceu no movimento de renovação. E,

analisando estas questões, buscamos refletir sobre as leituras produzidas pelos

professores sobre a proposta da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas

do Estado de São Paulo-SP (CENP), para o ensino de Geografia de 1 º grau, onde

incluímos nossas considerações sobre este documento e as implicações de um

saber que se propõe transformador desta realidade.

No Capítulo V, nossas considerações estão relacionadas ao domínio

conceptual cartográfico dos professores de Geografia, das escolas-padrão da

Delegacia de Ensino de Presidente Prudente-SP.

Ao realizarmos as entrevistas com os professores desta DE,

passamos a discutir suas reflexões sobre a formação geográfica e a cartografia, e

o domínio dos conceitos cartográficos, "presentes" no ensino de Geografia.

E, finalmente, apresentamos nossas Considerações finais,

encerrando com a Bibliografia e documentos (anexos) que permitem uma

compreensão mais ampla de nossas reflexões.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

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Capítulo 1

A QUESTÃO METODOLÓGICA

As pesquisas realizadas no ensmo são definidas por GAMBOA

(1989) como empírico-analíticas, fenomenológico-hermenêuticas e crítico­

dialéticas, e estabelece a lógica e o contexto histórico que permitiram o

desenvolvimento de cada uma dessas abordagens. Afirma, ainda, que estas

abordagens se diferenciam nos aspectos técnicos, teóricos e gnosiológicos, e

define que as pesquisas crítico-dialéticas questionam fundamentalmente a visão

estática da realidade implícita nas outras duas abordagens.

"Sua postura, afirma o autor, marcadamente crítica expressa a

pretensão de desvendar, mais que o coriflito das interpretações, o conflito dos

interesses. Essas pesquisas manifestam um interesse transformador das situações

e fenômenos estudados, resgatando sua dimensão sempre histórica e

desvendando suas possibilidades de mudança". 3

SCHMIED-KOWARZIK, debatendo a questão metodológica da

pesquisa em educação argumenta que a ciência da educação é conduzida

3.GAMBOA, Sílvio A. S - "A dialética na pesquisa em educação: elementos de contexto". ln: FAZENDA, lvani - Metodologia da Pesquisa Educacional. São Paulo: Cortez Editora, 1989. p. 95.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

10

''por um interesse libertário de conhecimentos voltados à

emancipação e libertação dos homens. Quando ela se torna consciente deste

interesse condutor do conhecimento, percebe-se dialéticamente envolvida na

teoria crítica da sociedade, pois o objetivo desta "teoria crítica" é a análise

reveladora de todas as imposições e mecanismos sociais que mantêm os

indivíduos não emancivados e sem liberdade". 4 ...

"'"ó :,l i

(,11(

Afirma ainda, esse autor, que o pensamento 1precisa se fundamentar

dialéticamente, isto é,

''precisa se explicar numa reflexão filosófica fundamental em sua

relação com a prática. Por isso a pedagogia dialética não é apenas uma diretriz

no plano teórico da ciência da educação, mas a preocupação teórico cientifica

(filosófico-fundamental) da fundamentação da pedagogia como ciência que,

enquanto prática, não possui seu sentido em si mesma, mas na humanização da

práxis". 5

Revela esta assertiva que a opção metodológica, pretensa e

comumente marcada por jargões, não precisa se estabelecer como uma profissão

de fé, ao contrário, as próprias formas de tratamento das questões, a

problematização, as preocupações e o envolvimento concreto, quando apontados,

demonstram a trajetória que perseguimos. Significa dizer que) no centro desta

discussão, 1)r · • i Jlr \' 0 ; )e

// ''privilegiariiõs a dimensão do método como referencial mais

abrangente que possibilite o reconhecimento de ciência, ideologia e filosofia

4.SCHMIED-KOWARZIK , W - Pedagogia Dialética: de Aristóteles à Paulo Freire". São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 13-14.(grifo nosso).

5 .Idem, p. 15.

/ (

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

11

como modalidades de saber/conhecimento e suas possíveis articulações na

atividade cientifica". 6

Reconhecer isto é partir do princípio que ciência, ideologia e

filosofia, enquanto modalidades do saber, da consciência, objetivam, em comum,

referenciar intelectualmente as atividades humanas7, ou seja, referenciam o

concreto, e os embates que nele se estabelecem - os interesses.

Deve-se compreender que ignora~istência destas modalidades se

trata de uma questão de método, o que permite a unificação/articulação ou

separação/dicotomização da realidade, portanto, do conhecimento.

Assim, o problema metodológico se concentra não na separação

entre as modalidades, mas como argumenta LOWY (1991)8, no não

questionamento da própria indagação inicial que motiva a pesquisa e portanto

orienta o pesquisador no método. A separação identifica não apenas uma postura

teórica, mas uma prática de produção científica, que o autor qualifica como

positivista. Uma prática consoante e submissa à divisão do trabalho intelectual­

científico, que não se restringe a ele próprio, mas contempla, também, sua

inserção no contexto social que a exige.

Questionar esta postura elimina a possibilidade de preconceitos e

desmistifica a coluna vertebral positivista: a neutralidade científica, que

fundamentou um modelo de geografia, e que se inscreve diretamente naquilo que

LACOSTE,já reconhecia em 1974.

6.SOUZA, José Gilberto de, & ALVES, Willian Rosa - "Geografia e Método: o pesquisador entre a janela e a calçada". ln: Universitas: Ciências Humanas e da Saúde. São José do Rio Preto-SP: Ed. Sociedade Riopretense de Ensino e Educação, 1994. Vol. 1 n.3. (no prelo).

7.JAPIASSU & MARCONDES - Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990, p. 127

8.LOWY, Michel - As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Muchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. São Paulo: Busca Vida, 1987, p. 43-55.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

12

"O problema ideológico parece estar no cerne do problema

epistemológico da geografia". 9

Reafirma-se, assim, que o problema da "crise geográfica", em

grande parte se debateu sob a ótica do aparente (físico-humano, a geografia física

e a geografia humana, ou a "geografia científica" e a "geografia política"), e o

problema se colocava um pouco mais além.

Tratava-se de reconhecer os posicionamentos metodológico­

científicos dos trabalhos, a partir dos embates que a sociedade brasileira vivia e

vive, e como os resultados destas pesquisas traduziam, traduzem, transformam e

marcam (traços) esta realidade. O debate "crítico" sobre o humano x físico,

elaborou uma leitura imediata sobre a aparente crise da geografia.

''A rigor, o que ocorre, com mais sofisticação intelectual em alguns

casos e com o primarismo crasso do tabu em outros, é a crítica apressada de

quem vê a árvore mas não vê a floresta". 10

E também observamos, e temos tido o cuidado de reafirmar a

inserção deste trabalho em contextos mais amplos, em determinações outras, tais

como a questão salarial dos docentes, a desestruturação física e intelectual da

escola, as condições sócio-econômicas de alunos e professores. Questões estas

que aqui não se colocam em debate, mas respondem pelos apontamentos que

fazemos. Revela-se, portanto, nossa coerência metodológica ao reconhecermos

que o privilegiamento das categorias de análise devem representar a dimensão da

existência/realidade concreta e a dimensão ôntica possível, que é o trabalho

9.LACOSTE, Yves - "A Geografia". ln: CHATELET, F. (Org.)-A filosofia das Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. p. 239.

10.MELO, Jayro Gonçalves - "O ponto de apoio". ln: Caderno Prudentino de Geografia. Presidente Prudente: AGB (13):6-9. jun/1991 p. 7.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

13

humano, interagindo com ela, num movimento constante e que sustenta o

método.

"Portanto, este método é o instrumento que permite compreender a

prática humana na sua integralidade, porque procura acompanhar o movimento

real, conduzindo-nos por ele e com ele, e não abstraindo/extraindo-nos a

possibilidade da consciência do trabalho, como no caso dos idealismos e dos

materialismos não dialéticos. Ou seja, comporta a práxis, a união possível e real

entre teoria/idéia e prática/concreto, o acompanhamento de uma realidade que

se experimenta"11,

e não apenas se "estuda".

Trata-se, portanto, de realizar conscientemente e ter consciência da

realização, e o princípio deste processo é a reflexão sobre o nosso trabalho, como

afirma Marx:

"(..) todos os mistérios ... encontram sua solução racional na práxis

humana e no compreender esta práxis". 12

A superação dicotômica requer a dimensão da prática e, assim, a

questão da formação dos professores se inscreve neste debate não apenas porque

o produto do trabalho do professor é a consciência que se constrói, mas porque é

este trabalho/práxis que pode construir uma outra consciência que permite

elaborar outros conceitos para transformar o real, a partir do entendimento das

determinações desse mesmo real. Assim, contemplar o real, interagir, buscar, ter

11 .SOUZA & ALVES, 1994. op. cit. p. 8 12.MARX, Karl apud CLARET, M (Coord) - O pensamento vivo de Karl Marx. São Paulo: Martin

Claret, 1985. p. 66.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

14

consciência do real (saber que sabe), é o que determina claramente que os

homens

"são produtos das circunstâncias da educação, e que, portanto,

homens diferentes são produtos de outras circunstâncias e uma educação

diferente (..), esquece-se que são precisamente os homens que modificam as

circunstâncias e que o educador precisa ser educado". 13

Educar o educador implica, portanto, em permitir que se discuta as

necessidades de sua prática e a dimensão que ela tem, afim de (re)construí-la na

dimensão da consciência de seus avanços e de suas deficiências. Esbarra esta

discussão no conteúdo, não somente naquele que se inscreve como específico,

mas sobretudo, naquele que se inscreve como instrumental de reflexão sobre a

prática.

"O conteúdo, então, é o fundamento original de uma ciênciai Jua ./

dimensão não pode estar congelada, abstrata, mas corresponder ao movimento.

Esta relatividade exige a identificação da especialidade do conteúdo e, portanto,

da ciência segundo sua especificidade". 14

Neste caso afirmamos que na condição de fundamento original da

ciência, é também o fundamento de quem a produz, que identifica o

posicionamento metodológico e permite diferenciar as modalidades de saber

abstraidas (ciência, ideologia e filosofia). Se concebermos a prática docente

como uma pesquisa cotidiana que raramente se escreve, observamos que o

conteúdo para o professor se coloca como fundamento de sua práxis.

13.MARX, Karl apud CLARET, M, 1985. op. cit. p. 62 14.SOUZA & ALVES, 1992. op. cit. p. 18.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

15

Para nós, significa dizer que o domínio conceptual (conteúdo)

cartográfico nada mais é que uma das especificidades da ciência geográfica, e

que também implica, necessariamente, no domínio do professor sobre seu

trabalho, sobre seu desvendamento acerca do real (a consciência da consciência).

Esta colocado, assim, o que buscamos.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

16

Capítulo II

CARTOGRAFIA: SABER NECESSÁRIO (?)

"O tratamento gráfico se aprende! Como acreditar nisso se na escola ninguém nos falou dele? " (Jacques Bertin).

Esta pesqmsa, como asseveramos, apresenta como preocupação

central o trabalho docente na perspectiva de sua formação em uma área específica

da ciência geográfica. Salientamos que não se trata de um trabalho de cartografia,

mas de reflexão sobre o domínio conceptual dos professores acerca dos

conteúdos que esta disciplina apresenta nos cursos de formação em geografia.

Nosso interesse pela temática (o ensino de geografia e suas

dimensões), iniciou-se ainda na graduação quando das discussões sobre os

avanços teórico-metodológicos desta ciência e seus reflexos sobre a prática

docente.

Num primeiro momento nossas preocupações estiveram voltadas à

"velha" discussão da dicotomia Física-Humana, e buscávamos refletir que

caminhos poderíamos propor para superar esta fragmentada leitura. Assim,

voltados para o livro didático, como objeto de discussão, colocávamo-nos, de um

lado, espreitados pela proposta Curricular de Geografia da Coordenadoria de

Estudos e Normas Pedagógicas -CENP, e de outro, pela importância significativa

que o material didático adquiriu frente ao trabalho do professor, e assumimos

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

17

que, para nós, o livro-texto "destilava" todo o "mal", e se tratava do grande

causador dos problemas do ensino de geografia no 1 º e 2° Graus.

Mediados por esta visão, iniciamos nosso trabalho de Monografia

de Bacharelado, e as discussões com o orientador nos conduziu para uma

reflexão sobre o conceito de trabalho15• A pesquisa nos deu margem para

iniciarmos algumas reflexões que apontaram para este tema, uma delas era a

questão do domínio conceptual do professor acerca daquilo que ele "ensina", e

outra, talvez a mais importante, era a compreensão de que o problema da

geografia não se encerrava nela mesma enquanto ciência, mas da prática

científica que a constrói, portanto, do trabalho e, imediatamente, no ensino e na

formação do professor.

A princípio formulávamos as seguintes indagações: o que é

formação docente ? E, em se tratando de Geografia, como transitar em uma

ciência tão ampla? Claro que as respostas apontavam para o método que poderia

possibilitar o recorte e pontuar as preocupações relativas à amplitude geográfica e

à formação docente.

Desta forma nossas reflexões começaram a buscar caminhos,

talvez, como disse Marx, pela imposição do reino da necessidade. Iniciamos por

realizar um levantamento bibliográfico (livros, teses, dissertações e artigos) sobre

formação docente, formação geográfica e trabalho docente, e percebemos que as

contribuições relativas à cartografia eram escassas. O interesse culminou com

nossa aprovação no Concurso de Provas e Títulos junto ao Departamento de

Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual

Paulista FCT /UNESP - Campus de Presidente Prudente, onde ministramos a

disciplina de Cartografia Geográfica (1992-1993). Sem sombra de dúvida, isto

fez com que nossas discussões ganhassem corpo, o contato com o ensino, os

trabalhos de orientação, e as discussões com professores nos cursos, por nós

15.SOUZA, José Gilberto de - O conceito de Trabalho no livro didático de Geografia - 1969-1979. Presidente Prudente: FCT/UNESP-CNPQ, 1991. (Monografia de Bacharelado).

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

18

ministrados na universidade 16 e nos encontros da Associação dos Geógrafos

Brasileiros (AGB)17, foram alguns dos canais de reflexão.

Neste processo de desenvolvimento das atividades pudemos

perceber, de um lado, as deficiências de formação dos professores, e do outro, o

interesse destes em romper com as dificuldades, ao reconhecerem a importância

da cartografia no ensino de Geografia.

16.Referimo-nos ao Curso Preparatório para o Concurso de Professor III, organizado pela AGB Presidente Prudente, onde ministramos, junto com o Prof. Dr. Marcos Alegre, a frente de Geografia e Cartografia, e com a Prof. Luiza Helena S. Christov, a frente de Ensino de Geografia, tendo como base as indicações bibliográficas do DOE de 19/maio/1992 -Concurso PIII. O Curso de Pós-Graduação Latu­Sensu realizado pelo convênio UNESP/Fundação para o Desenvolvimento da Educação - FDE (180 horas), organizado pelo Grupo Acadêmico Produção do Espaço e Redefinições Regionais (GAsPERR), para professores de geografia da rede pública, onde estivemos como responsáveis pelo Módulo III Representação do Espaço, e ainda, as visitas realizadas nas escolas padrão, nos horários de HTP dos yrofessores, para realizarmos alguma discussão/orientação sobre Cartografia e ensino de Geografia.

7.A Associação dos Geógrafos Brasileiros desempenha importante papel na formação docente através de seus encontros, onde, juntamente com o Prof. Sérgio Braz Magaldi, tivemos a oportunidade de realizar Trabalhos Orientados (TOs) discutindo temáticas relativas ao ensino de geografia no 1° e 2° Graus, no IX ENG (Presidente Prudente-SP.) e no 1 ºFala Professor Paulista (Campinas-SP.).

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

19

1.Geografia e Representação A cartografia é um dos nós da Geografia que se pratica, ou se trata de um conhecimento desnecessário ?

A cartografia atualmente é considerada uma ciência. Nasceu

efetivamente na segunda metade do século XIX, em virtude da diversificação e

da sistematização científica da própria geografia18 e cuja definição foi dada pela

Associação Internacional de Cartografia, como

"conjunto de estudos e operações cientificas, artísticas e técnicas

que permitem a partir de resultados de observação direta ou de exploração

documental, em vista da elaboração de cartas, plantas e outros modos de

expressão, assim como de sua utilização". 19

A originalidade da cartografia está desse modo exposta de tal forma

que, embora sirva como fonte de recursos para análises geográficas, contém todo

um desenvolvimento científico autônomo. Este mesmo desenvolvimento

produziu diversas concepções e definições:

"Conjunto coerente de idéias e diretrizes que permitem a utilização

racional de toda uma forma de processos e técnicas para se chegar a resultados

científicos". 20

18.A nossa observação se faz referente ao processo de sistematização científica ocorrido na segunda metade do século XIX, o que não significa desconsiderar os avanços acumulados pela ciência cartográfica, desde períodos mais primitivos conforme citam os trabalhos de CORTESÃO (1960), HAKIM (1991), HARLEY (1991), JOLY (1990), KATUTA (1992), LIBAULT (s.d.), RAISZ (1969) e WOOD (1987). 19.CUENIN, R. - Cartographie générale: notions générales et principes d'elaboration. Paris:

EYROLLES, 1972. p. 9. 20.RIMBERT, Sylvie - "Leçons de cartographie thématique. Paris: Sedes, 1968. p.13.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

20

''A Cartografia é a arte de conceber, de levantar, de redigir e de

divulgar mapas". 21

"Lato sensu, a Cartografia é a ciência ou o método de fazer mapas.

E o mapa é a representação da superficie da Terra, mediante certa escala. E esta

superficie da terra é o campo de estudo da Geografia. Assim a Cartografia

representa o que a geografia estuda". 22

Transparece assim um conceito comum para a Cartografia: arte,

método e técnica de representar o espaço geográfico e seus fenômenos.

Ressaltamos que enquanto arte, entendemos a qualidade plástica (estética) da

representação, da utilização das cores, as tramas, o traçado, etc.; enquanto

técnica, a precisão de seus traçados e de suas informações e enquanto método,

pela sua possibilidade de reflexão, análise e interpretação das informações

trabalhadas.

Procurando romper com os "velhos modelos" de definição o

cartógrafo russo K.A. SALICHTCHEV (1988), define cartografia a partir de

uma articulação com o conjunto das ciências naturais e sociais.

"ciência que retrata e investiga a distribuição espacial dos

fenômenos naturais e culturais, suas relações e suas mudanças através do tempo,

por meio de representações cartográficas - modelo de imagem-símbolo que

reproduzem este ou aquele aspecto da realidade de forma gráfica e

generalizada". 23

21 .JOLY, Femand-A cartografia. Campinas-SP: Papiros, 1990. p.7. 22.ALEGRE, Marcos - "As funções da Cartografia no curso de Geografia". ln: Boletim do

Departamento de Geografia. Presidente Prudente-SP: FFCL, 1969. p.66. 23.SALICHTCHEV, K.A. - "Algumas reflexões sobre o objeto e método da cartografia depois da sexta

Conferência Cartográfica Internacional" ln: Seleção de Textos: Cartografia Temática. São Paulo: AGB São Paulo. (18): 17-22 maio. 1988.p. 22.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

21

Esta definição do cartógrafo russo, apóia uma dimensão crítica da

produção cartográfica que vem ganhando espaço nos debates dos últimos anos.

As definições apresentadas, sobretudo a de ALEGRE (1969),

também demonstram claramente a proximidade, ou melhor o vínculo que se

estabelece entre a Cartografia e a Geografia, não apenas pela estrutura curricular

dos cursos de formação, mas principalmente pela importância que ela apresenta

no ensino e na pesquisa geográfica. É o que observamos nos cursos de

"reciclagem" ou "capacitação" promovidos pela Secretaria Estadual de Educação

- FDE-CENP, e nos encontros da AGB, a presença de um grande número de

professores e alunos de graduação em geografia que se interessam por esta

temática.

Com certeza este dado foi um dos que motivaram esta pesquisa,

além da constatação da quase inexistência de trabalhos nesta direção, o que nos

coloca alguns questionamentos que serão apontados a seguir.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

22

2. A pesquisa em cartografia no Brasil: o estado da arte

Vale reafirmar que ao optarmos pela discussão da formação de

professores em Cartografia pretendemos chamamos atenção para três frentes de

reflexão possíveis de ser desenvolvidas e partir deste trabalho: uma delas está

relacionada a própria pesquisa cartográfica indicando a necessidade de ampliar as

linhas de abordagem; a outra esta relacionada à importância da formação docente

e à qualidade do ensino de cartografia dispensado dentro das universidades

públicas e privadas, e a última, mas não menos importante, é como proporcionar

oportunidades para o professor romper com estas deficiências.

Os trabalhos realizados junto a área de Cartografia (geográfica) e

Ensino no Brasil, são poucos e vinculam-se basicamente a três grandes linhas24:

a- Metodologia de Ensino

b- Teoria da Aprendizagem

c- Técnicas e Comunicação Cartográfica

a) Metodologia de Ensino:

A linha de pesquisa em metodologia de ensino busca basicamente

discutir problemas ou elaborar técnicas de aprendizagem que facilitem a

construção dos conceitos geográficos e cartográficos junto aos alunos de pré-

24.Estabelecemos esta classificação para que os possíveis usuários deste trabalho possam reconhecer a produção cartográfica no Brasil. Não é nossa intenção, pelo menos neste momento, realizar uma análise mais profunda sobre esta produção científica, pois esta classificação se estabeleceu mediante estudos realizados não só para esta pesquisa, mas também da necessidade de preparação das aulas de Cartografia ministradas nos cursos de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia FCT/UNESP(Pres.Prudente) e das Faculdades Integradas Riopretense (FIRP-São José do Rio Preto), e cursos para professores, inclusive de pré-escola, este último junto as prefeituras de Presidente Prudente, São José do Rio Preto e Nova Granada-SP.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

23

escola, 1 º e 2° Graus. Os trabalhos produzidos, os quais os professores de

geografia têm tido acesso, são, principalmente, os de ABREU (1985),

ALMEIDA (1991), ANTUNES (1987), FADEL & ALMEIDA (1991), GOES

(1982), LE SAN (1985), PAGANELLI (1985), SIMIELLI (1986, 1992, 1993).

Há ainda algumas publicações estrangeiras de uso comum por alguns professores,

uma vez que terem sido publicadas em revistas especializadas no ensino de

Geografia, são os trabalhos de BERTIN & GIMENO (1982) e BONIN (1982).

b) Teoria da Aprendizagem:

A questão da aprendizagem ganhou importância sobretudo com os

trabalhos de Jean Piaget sobre psicologia genética que passaram a ser lidos e

discutidos no Brasil com maior entusiasmo a partir de meados da década de 70,

quando a proposta tecnicista de ensino já apresentava suas deficiências. As

pesquisas cartográficas nesta linha têm como marco inicial o trabalho de Livia de

OLIVEIRA (1978), e que praticamente a constituiu, na medida em que após seu

trabalho, orientou junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da

UNESP/Rio Claro, as pesquisas de CRUZ (1982), CECCHET (1982), GOES

(1982), além de outras publicações como: OLIVEIRA (1972, 1985), OLIVEIRA

& MACHADO (1985), MACHADO & OLIVEIRA (1980), e os trabalhos de

PAGANELLI (1985,1987), ALMEIDA & PASSINI (1989), e KATUTA (1992).

Estas pesquisas enfocam basicamente a construção de conceitos geocartográficos,

a partir dos trabalhos de Jean Piaget e, mais recentemente, das contribuições de

Vygotsky25•

25 .A título de referência, os trabalhos de PIAGET (1967,1975, 1976), PIAGET & INHELDER (1968, 1972) e VYGOTSKY (1991), este último traduzido e editado no Brasil a partir de meados da década de 80.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

24

c) Técnicas e Comunicação Cartográfica:

Esta linha de pesqmsa procura discutir duas questões

fundamentais: uma esta ligada à teoria da comunicação, à produção de mapas; e

a outra, às técnicas de representação cartográfica. Os trabalhos que se inscrevem

nesta linha têm como referência as pesquisas e publicações de ALEGRE ( 1964,

1970), DE BIASI (1970), DE BIASI & SIMIELLI (1977), BARBOSA (1963,

1968), SIMIELLI (1981, 1986), MARTINELLI (1984, 1985, 1987, 1988a,

1988b, 1990, 1991), OLIVEIRA (1993), DUARTE (1983, 1988), LE SAN (1983,

1984), SANTOS (1987), TEIXEIRA NETO (1982) e VASCONCELOS (s.d.).

Nossos questionamentos colocam-se não no confronto com as

produções destas pesquisas, mas sim num posicionamento claro: por quais

caminhos estas pesquisas poderão avançar ?

Se de um lado temos um conjunto de metodologias e técnicas sendo

produzidas para que o professor as desenvolva em sala de aula, até que ponto não

teremos nele um simples reprodutor de estratégias ? Qual a qualidade formativa

dos profissionais que deverão dar conta destas tarefas?

No tocante à construção de conceitos que são fundamentais ao

aluno em seu desenvolvimento cognitivo, psicomotor e afetivo, as questões que

apresentamos são: como poderá o professor propiciar a construção de conceitos

que não domina? A partir da cartografia através dos conteúdos geográficos, é

possível ao aluno adquirir/construir habilidades/conceitos básicos ao seu

desenvolvimento integral, tais como o domínio das relações espaciais

topológicas, projetivas e euclidianas, representação, orientação, localização,

generalização, abstração do concreto, etc.26 E pela dimensão do concreto, parece­

nos ser este o ponto fundamental no processo ensino/aprendizagem, parte-se do

26.Dentre os trabalhos por nós citados na linha de pesquisa "Metodologia de ensino", inscrevem-se os trabalhos de ABREU (1985) e PAGANELLI (1985), que apresentam, sobretudo o último, os processos de construção destes conceitos e sua importância no ensino de geografia.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

25

concreto para a formulação do pensamento sobre o concreto e, posteriormente, o

concreto representado e transformado27• Como o professor de Geografia

permite/possibilita este reconhecimento espacial? O que percebemos é que os

conteúdos geocartográficos permitem a realização deste processo de crescimento

cognitivo, revelando-se, assim, como fundamentais ao ensino, não só de

geografia, mas de toda a aprendizagem em geral.

No conjunto, todas estas pesquisas, sobretudo as que pertencem as

duas primeiras linhas, acabam por questionar as condições formativas dos

professores para realizar tais tarefas, e até mesmo se este profissional tem

consciência da necessidade de sua concretização.

27.KATUTA (1992, Cap. IV e V), baseando-se em PIAGET, discorre sobre os conceitos de operação, percepção e representação, desenvolvidos e necessários a obtenção da noção de espaço e necessários para o trabalho com mapas.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

26

3. Uma representação sobre a cartografia

"Tudo isso é legível sobre a carta, mas como não é visível, ninguém vê." (Jacques Bertin).

No item anterior avançamos significativamente na formulação de

um conceito sobre cartografia, o que significa dizer que buscamos romper com

uma possível vinculação, estreita por sinal, da Cartografia com os modelos

tecnicistas. E o que poderemos observar em capítulos posteriores é que, apesar

de arraigada à cartografia esta visão tecnicista, a discussão da formação docente

a partir do domínio conceptual cartográfico não comparece, ainda que no limite

do técnico.

Assim, ao propormos este debate, a Cartografia no Ensino,

queremos resgatar a importância da formação cartográfica e os desvios que se

tem estabelecido, e como estas concepções podem ter marcado uma compreensão

(traços) sobre a cartografia e, por sua vez, ter influenciado a leitura dos

professores das contribuições efetivas deste conhecimento, ou desta "disciplina",

no processo de renovação geográfica.

Muitas das leituras que se fizeram da cartografia, sobretudo nos

últimos anos, com o intenso debate sobre a trilogia geográfica (o que, por que e

para quem), associaram-na com o poder estatal e colocaram-na, de certa forma,

como uma representação de um modelo de geografia que se praticou. Esta visão

produziu um completo abandono e porque não dizer, germinou um certo

preconceito em relação às disciplinas de cunho técnico.

Pensar em cartografia, dedicar-lhe importância junto a ciência

geográfica comprometia uma certa "conduta" de pesquisador-docente. Ou seja

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

27

como se a posição "política", "teórico-metodológica", ou melhor dizendo o status

quo pudesse ser abalado e não ser mais ser identificado como "marxista", de

esquerda, portanto, libertário e democrático. Passou-se a acreditar, ou a se criar

uma "cultura" de que para "ter/exercer" efetivamente estas posturas/posições

pudéssemos prescindir, sobretudo em geografia, de conhecimentos técnicos e

cartográficos.

Este conceito se propagou, como algo subrepitício, e mesmo as

citações, abaixo apresentadas, não permitem afirmar, categoricamente, que os

autores tinham de fato a intenção de dar tal tratamento a cartografia. O que

afirmamos é que foram importantes para criar esta espécie de (idéia)

"consciência coletiva".

VLACH (1992), em seu artigo "Da ideologia no ensmo de

Geografia de 1 º e 2º graus", apresenta algumas argumentações que justificam esta

nossa afirmativa.

''A 'vaga', no programa escolar, para a disciplina da descrição da

terra ('Geografia' etmológicamente, descrição da terra), portanto vinculou-se à

razão enquanto instrumento de dominação da burguesia (industrial>.

"(..) sem (nenhuma) importância, baseado na exigência da

memorização de informações e dados, obtidos em trabalhos de campo, desde os

mais simples (realizados no âmbito da escola), até os mais sofisticados

(patrocinados direta ou indiretamente pelo Estado). que se encarregavam do

levantamento dos diferentes lugares e de sua (meticulosa) cartogra_fia. 28

"o lugar, o conteúdo a priori (e de fora) determinado, que deveria

ser descrito e representado cartograficamente pelo professor. passou a ser

28.VLACH, Vânia Rubia - "Da ideologia no ensino da geografia de 1 º e 2º graus". ln: Revista Orientação. São Paulo: Instituto de Geografia /USP, 1992. p.30-31. (grifo nosso).

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

28

objeto de estudo da Geografia (território, país, terra, espaço são outros termos

que aparecem com muita frequência como sinônimos)". 29

''Ao impor o seu poder espiritual, os intelectuais orgânicos da

burguesia encontraram no conhecimento geográfico um importante aliado. pois.

tradicionalmente esta vinha descrevendo a terra. sua população e suas

atividades econômicas. A(s) descrição(ções) permitiu(ram) a acumulação de

dados e informações, geralmente cartografados. tendo-se chegado a confundir

geógrqfo com cartógrafo durante muito tempo".

Ao argumentar sobre o território, o "facilmente cartografável", a

autora comenta:

"Coube-lhe um (determinado) lugar na estruturação do saber

(pedagógico e, portanto, hegemónico) na medida em que, tendo privilegiado as

chamadas bases físicas de um espaço nacional precisamente delimitado. sob a

ótica do determinismo (ou possibilismo), isto permitiu que a burguesiafizesse do

território (da terra nata() o sujeito da história". 30

CORRÊA (s.d.), em seu artigo "Da 'Nova Geografia' à 'Geografia

Nova"', afirma :

''A produção da Nova Geografia apresenta várias características a

saber:

- um domínio da descrição. ou seja. a produção de padrões

espaciais e classificações que são meras fotografias e que na melhor das

29. Idem, p.30.(grifo nosso).

30. VLACH, Vânia Rubia - "O ensino da Geografia e a imagem da pátria". ln: Geografia em debate.

Belo Horizonte: Ed. Lê, 1990. p. 58.(grifo nosso).

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

29

hipóteses podem ser pontos de partida para a pesquisa geográfica; a ausência de

processos da história, marca esta descrição.

- uma consideração do espaço através, de um lado, de sua

representação matemática. onde o espaço é visto como um COf'lfunto finito de

vontos caracterizado vor um coniunto finito de atributos. servindo deste modo ...o. JL V D

para análises matriciais e confundindo o objeto com sua representação

matemática; de outro, enfatizando-se por demais o conceito de espaço relativo,

estruturado por custo de transferência, onde a distância - tempo ou distância -

custo passa a ser a variável mais significativa; ou ainda considerando-se o

espaço como mero palco, inerte, onde se desenrola a ação humana.

As características acima apontadas estão, em realidade

interligadas, e juntas definem uma ideologia, ou seja, nas palavras de Anderson

'um sistema de idéias que fornecem avaliações distorcidas e parciais da

realidade , com o efeito objetivo, e nem sempre pretendido de servir aos

interesses parciais de determinado grupo ou classe social', que é em realidade a

classe dominante". 31

VESENTINI (1992), menciona que

" A construção da geografia moderna dependeu em especial de

duas determinações essenciais: O "Estado nação - que sob a .forma de ''país".

com ênfase no seu território e desenho cartográfico. foi "naturalizado" - e o

"sistema escolar" - locus por excelência das práticas geográficas e grande

mercado de trabalho para os geógrafos. 32

31 .CORRÊA, Roberto Lobato, - "Da Nova Geografia à Geografia Nova". (mimeo) (s.d.) p. 9-10.(grifo nosso).

32.VESENTINI, José Willian, "O método e a práxis". ln: Para uma geografia crítica na escola. São Paulo: Ática, 1992. p. 51.(grifo nosso).

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

30

Estas citações permitem perceber que a cartografia é de certa forma

vinculada a uma produção geográfica, e no momento do debate, no calor de

derrubar os pressupostos teórico-metodológicos espelhados pela geografia

tradicional, sobretudo a teórico-quantitativa33 (New Geography), e de fundar uma

"geografia nova", com base materialista, ou crítica, a cartografia acabou sendo

vinculada ao que era "velho", ou ao que não era "revolucionário".

O texto de LACOSTE (1974), "A Geografia", refere-se à existência

de várias geografias que

''persistem, discreta e relativamente eficazes, orientadas pelos

objetivos daqueles que exercem o poder, que estão estreitamente ligadas a uma

prática militar, política e econômica". 34

O que afirmamos, em cima da existência de outras leituras

geográficas, é que qualquer "geografia" que queira romper com um modelo

tradicional ou tecnicista não pode prescindir do conjunto de conhecimentos

produzidos sob o apanágio de Ciência Geográfica. A cartografia (geocartografia)

faz parte deste conjunto, e, assim, uma leitura apressada a associa não só a uma

prática científica (método descritivo) em geografia, mas também a um projeto

ideológico do Estado.

A cartografia passa a assumir para o professor não apenas os

problemas de ordem ideológica, mas também de ordem prática/formativa: o

domínio e ensino de seus conhecimentos.

BERTIN & GIMENO (1982), esclarecem a forma como se enxerga

a cartografia e destaca sua importância no trabalho docente:

33. Sobre a evolução do pensamento geográfico ver: MORAES (1984 ), QUAINI (1979), MOREIRA

p987, 1988, 1991). 4.LACOSTE, 1974, op. cit. p. 266.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

31

"Se a cartografia sempre foi considerada por muitos um tabu, o foi

por hábitos mal adquiridos durante todo o período de escolarização (da escola

primária à universidade), que pelo caráter 'técnico' desta ciência.

"descobrir as diferentes utilidades do mapa e fazer da aula de

cartografia, ligada a muitos outros domínios, se trata não somente de uma

atividade pedagógica, mas também uma aula alegre". 35

Assim, sobre a cartografia não caiu apenas o desprezo ao domínio

técnico, mas principalmente o preconceito: porque era "tão notório" que ela

representava a dominação.

A mais utilizada projeção em todo o mundo, a transversa de

Mercator, por exemplo, apresenta nas altas latitudes uma "deformação" -

principalmente no hemisfério setentrional por conta da continentalidade - e

"impõe" uma "grandeza" territorial, e portanto, "ideológica, política e

econômica", seja ela Norte Americana, Europeia ou Russa, sobre os países

meridionais. Além da representação setentrional estar colocada na "parte de

cima" do mapa (planisfério).36 Junte-se ao fato de que para o (novo) debate

geográfico o que se colocava como importante era a retórica marxizada e o

domínio do contexto (pelo menos no discurso) social, político e econômico do

país e do mundo. A compreensão de muitos foi de que nestas dimensões de

análise, a cartografia, não garantia ou contribuia.

A importância pedagógica da cartografia deixa de ser vista. Não se

percebe que os domínios conceituais e habilidades poderão se colocar como

importantes ao desenvolvimento dos alunos. Por isso levantamos outros

questionamentos, próximos a esta leitura de ciência geográfica, que também pode

35 .BERTIN, J. & GIMENO, Roberto - "A lição de Cartografia na escola elementar". ln: Boletim Goiano de Geografia. Goiania:UFGO, 1982 2(1) p.40.

36.o que evidencia esta questão é que , no calor do debate, a Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), produz um planisfério com a projeção equivalente de Peters, "invertendo" as posições dos hemisférios norte e sul. Tratava-se do "contra discurso cartográfico" da Geografia Nova.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

32

ser considerada utilitarista: os conceitos cartográficos, tratam-se ou não de

domínios que são exigidos no mercado de trabalho e nos vestibulares ? Ou

mesmo: como pode um operário discutir política salarial "impedido" de realizar a

leitura de um gráfico, ou cartograma, que apresenta os salários pagos pela

empresa, ou por outras, em vários locais do país ou do mundo? O trabalho de

conscientização sindical e a visão histórico-política da sociedade, são

fundamentais, mas precisamos perceber que a instrumentalização (escola

elementar) do cidadão, como diz GRAMSCI(l982),37 é necessária ao "avanço", à

"transformação" social. O domínio dos conteúdos geocartográficos se colocam

neste processo de instrumentalização.

E se nos esforçamos para apontar a importância da cartografia no

ensino de geografia em todos os níveis, é também porque compreendemos que

ela tem uma relação direta com o movimento de renovação desta ciência e seu

distanciamento desse debate com certeza implicou também nas dificuldades de se

fazer avançar. É o que buscamos observar inclusive no que o relator Newton

Sucupira apresenta em seu parecer nº 412/62, aprovado em 19 de dezembro de

1962, que versa sobre a Geografia Habilitação Única: Licenciatura. Após elencar

um conjunto de disciplinas que compõem o currículo mínimo do curso de

Geografia, faz o seguinte comentário a respeito da cartografia:

''Ao lado destas matérias incluímos a Cartografia, por todos considerada

como indispensável. pois não se poderia compreender um professor de

Geografia que não soubesse fazer um croquis, nem ler ou interpretar cartas e

diagramas.

''A Comissão de Professores de Geografia organizada pela

Diretoria do Ensino Superior para a elaboração de um projeto de currículo

37.GRAMSCI, Antônio - Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982 - Ou mesmo o trabalho de LOMBARDI, Franco - Las ideas pedagógicas de Gramsci. Barcelona: A.Redondo, 1972.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

33

mínimo preferiu designar esta matéria 'Práticas de Cartografia'. Com este nome

quis a Comissão acentuar, assim me parece, que não se trata do estudo teórico

da Cartografia como especialidade em si mesma, mas seu estudo prático na

qualidade de instrumento necessário para a boa formação do professor de

Geografia. nos cursos médios". 38

Esta nossa preocupação com o ensino de cartografia nos cursos de

geografia, também fora pontuada por ALEGRE (1969), ao discutir a inclusão da

cartografia no currículo, e esclarece que a questão da formação nesta área não é

um problema recente da geografia:

"Certamente que não foi o fato de, por tradição, figurar ela (a

cartografia) nos currículos de Geografia antes da promulgação desta lez~ porque

certos cursos não a possuíam. Por outro lado se alguns cursos de Geografia

contavam com a cartografia e outros não, pode se pensar, que nem todos os

responsáveis pela ciência geográfica no país a consideravam indispensável à

formação do Geógrafo ou do Professor de Geografia. É possível também que na

falta de especialistas para seu ensino se explique sua ausência daqueles

cursos". 39

Estas questões nos permite visualizar a contribuição da formação

cartográfica para o professor de geografia, assim como o trabalho de

VASCONCELOS (s.d.), intitulado "Mapas e Gráficos na Imprensa", que

contribui para visualizar a importância deste resgate que se estabelece em nossa

pesquisa, ao enfocar a cartografia na formação docente. Esta contribuição se dá

38.CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO - Currículos Mínimos dos Cursos de Graduação. Brasília:MEC/CFE, 1981. p. 400-02.(grifo nosso).

Sobre a elaboração de um croquis, em nosso instrumento de pesquisa, que será trabalhado posteriormente, deixamos de solicitar a realização da última questão (Elaboração de um croquis), diante das dificuldades e negativas dos professores em realiza-lo. 39.ALEGRE, 1969. op. cit. p. 66.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

34

por dois motivos: o primeiro é porque seu trabalho identifica a enorme utilização

da linguagem gráfica e cartográfica nos meios de comunicação de massa, no

noticiário, na imprensa escrita e nas propagandas; e o segundo, porque aponta as

distorções que se faz no uso desta linguagem e somente seu domínio permite

identifica-las:

"Quanto aos problemas normalmente observados na utilização da

representação gráfica na imprensa, é possível resumir os seguintes:

a. distorção

b. imprecisão

c. omissão

d. erro

e. falsificação

f manipulação

Os quatro primeiros problemas listados podem ocorrer por serem

inevitáveis ou até mesmo necessários, propositalmente ou não. O que significa

que existem algumas razões que determinam o aparecimento das falhas

levantadas, as quais podem ser sintetizadas em quatro:

- desconhecimento, falta de preparo e treinamento para utilização

da linguagem gráfica;

- questões técnicas ou financeiras relacionadas com os

equipamentos e os recursos humanos disponíveis;

- desonestidade e manipulação;

- questões ideológicas e políticas".

Ao discutir estes aspectos, a autora, apresenta ainda algumas

questões:

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

35

"Qual a natureza e dimensão das distorções? Existe consciência da

questão?

Qual o papel das manipulações políticas ou econômicas?

Como e até que ponto os mapas e gráficos são instrumentos de

poder?40

Não é nossa preocupação dar conta destas questões levantadas por

VASCONCELOS, mas com certeza compreendemos que elas explicitam a

articulação da cartografia para uma educação que se quer transformadora.

O geógrafo francês Yvez LACOSTE (1974) faz referência a esta

investida que o mass media tem feito em relação à geografia e à cartografia.

"O recurso cada vez mais .freqüente do vocabulário e ao raciocínio

geográficos no discurso das ciências sociais deve ser relacionado, de um lado,

com a difusão do mass media, de uma gama incessantemente mais numerosa de

informações, de imagens, de clichês, de noções de argumentação, que são de fato

geografia.

''Nunca se compraram tantos cartões postais, nem se tiraram tantas

fotografias de paisagens quanto nessas férias em que, com matas e guias na mão,

'percorre-se' a Bretanha, a Espanha ...

"A Geografia dos professores sofre, de fato, a concorrência do

mass media; contudo, se os alunos recusam cada vez mais .freqüentemente a

primeira, não é porque eles se comportam como espectadores cansados diante

do 'já visto', mas, pelo contrário, porque o discurso geográfico tradicional

elimina aquilo que lhes interessa apaixonadamente, isto é, tudo o que faz da

geografia, atualmente uma das formas de representação preferencial dos

grandes problemas políticos do nosso tempo". 41

40.v ASCONCELOS, Regina - "Mapas e gráficos na imprensa". São Paulo: mimeo, (s.d.) p.3-4 41 .LACOSTE, 1974. op. cit. p. 230-234.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

36

Neste resgate conceptual da cartografia, inclusive na dimensão da

competência técnica, não se inscreve como objetivo retomar ou refazer uso de um

discurso tecnológico (ou tecnocrata), que sustentou uma das correntes do

pensamento geográfico (New Geography), como aponta OLIVEIRA (1984), ou

sobre um impressionismo pelo computador como cita GINZBURG (1987).

li que a utilização de um instrumental metodológico tecnicista

que revolucionou os métodos empiristas e experimentais de outrora, envolvendo

de forma cega aqueles que os operam e que na maioria dos casos no Brasil, mais

ficaram 'empolgados' com a 'máquina do século', o computador, do que com o

conhecimento produzido "42

Segundo GINZBURG (1987),

"O chiste de E.P. Thompson sobre 'o grosseiro e insistente

impressionismo do computador que repete ad nauseam um único elemento,

passando por cima de todos os dados documentais para os quais não foi

programado', é literalmente verdadeiro, já que o computador, como é óbvio, não

pensa, executa ordens". 43

Esta crítica também o cartógrafo russo SALICHTCHEV (1988) faz

a Morrison, porque este último "visualiza" a imparcialidade ou a

"desideologização" da cartografia inclusive pelo uso do computador.

42.0LIVEIRA, Ariovaldo Umbelino - "A Geografia no ensino superior: situação e tendências". ln.: Revista Orientação. São Paulo: Instituto de Geografia/USP, (5): 29-31, out/1984. p. 30 -

Não estamos desconsiderando a importância e o desenvolvimento tecnológico produzido nas ciências de maneira geral, pois poderíamos associar, também de maneira imediatista, a cartografia e a computação, e de forma maniqueista também condenar a primeira, por valer-se cada vez mais da segunda, como importante recurso tecnológico. 43.GINZBURG, Cario - O queijo e os vermes. São Paulo. Cia. das Letras, 1987. p. 28.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

37

As concepções de J.L.MORRISON citadas pelo cartógrafo russo

são basicamente de que a cartografia é a ciência da transmissão gráfica e que

pode apresentar um desenvolvimento independente das outras ciências, e que os

mapas são os meios dessa transmissão.

Para SALICHTCHEV, esta concepção

"de cartografia limita seu papel a uma função puramente técnica e

de serviço, e conseqüentemente dilui grandemente os objetivos e tarefas da

ciência cartográfica, reduzindo-a ao nível de uma técnica pura e simples,

indiferente do valor intrínseco da iriformação cartográfica.

"É natural que uma interpretação técnica restrita da cartografia

vincula uma abordagem simplificada a outras concepções definitivas de

ciência. "44

Para nós esta questão esta superada. Reconhecemos, ao contrário

das leituras de MORRISON, que o computador ou a infografia, se colocarmos em

um plano mais abrangente, apresentam limitações e mais que a empolgação ou o

deslumbramento frente a máquina, está recolocado um modelo científico com

base filosófica positivista - a neutralidade científica.

No entanto, é necessário afirmar que a cartografia, instrumental

geográfico, não estabelece a priori o caráter ideológico de sua produção,

somente a partir de uma apurada análise é que se identifica estes elementos e uma

formação qualificada permite esta análise/reflexão.

44.SALICHTCHEV, K.A. 1988. op. cit. p. 18-19.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

38

Capítulo III

A FORMAÇÃO DO PROFESSOR

"Corre-se o risco de estar sempre descobrindo o óbvio". (Carlo Ginzburg)

Ao longo dos últimos trinta anos, a educação brasileira debateu os

problemas acerca da questão teórico-metodológica, das questões relativas às

metodologias de ensino, às tecnologias, além de uma produção acerca do Estado

e da Escola no Brasil, da burocracia escolar, da estrutura e do aprendizado45• Nos

últimos anos, uma das temáticas mais empolgantes e que vem ganhando várias

contribuições é sobre a formação do professor.

Neste conjunto de produção científica, de problemas mais

estruturais, pareceu-nos mesmo que a temática de formação dos professores

deveria, a partir de então, sofrer um debruçar dos pesquisadores. No entanto, esta

inquietação só pôde ser colocada a partir do momento em que se percebeu que

aquela produção científica de ordem macro, estrutural diríamos, que foi gestada

nas universidades nunca, ou quase nunca, chegaram na ponta (na escola), tendo

em vista que raramente os professores partilhavam deste processo de discussão e

45.Referimo-nos aos trabalhos de ANDRE(1990), BOURDIEU & PASSERON (1975), CHAUI (1980), CURY (1992), GADOTTI (1986), GAMBOA (1989), GRÍGOLI (1990), KUENZER(l988), MELLO (1988), PAIVA (1984), PARO (1991), PEIXOTO (1991), RASIA (1989), RIBEIRO (1984), RODRIGUES (1987, 1988), SAVIANI (1980, 1983, 1991) e WERNECK (1982), que contribuíram em nossas reflexões.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

39

elaboração. E, por outro lado, o desejo de marcar posição trouxe equívocos sérios

sobre a figura do professor no tocante ao trabalho e sua formação.

É o que apresenta GATTI(l 992), ao afirmar que um dos problemas

sobre a pesquisa na rede pública é permitir que recaia sobre o professor críticas

gratuitas, uma vez que os trabalhos de formação docente colocam-no como

abstração, sem levar em conta as reais condições de trabalho e vida destes

sujeitos.

"Cremos que é preciso ir mais além e recuperar o arsenal de

experiências e conhecimentos que o professor acumulou, coisa que nenhum

estudo leva em conta, nem tentafazer. Fala-se do professor como tábula rasa". 46

Por outro lado, alguns trabalhos procuram enfoques diferenciados

para discutir a qualidade docente. PEIXOTO (1991)47, por exemplo, indica que

um dos problemas fundamentais da qualidade do trabalho docente, está centrada

na divisão técnica do trabalho, espelhada na escola através das funções e

hierarquias, (supervisores, coordenadores, diretores, etc.), determinando a divisão

entre o pensar e o executar.

O que afirmamos, é que a questão se coloca em um plano anterior, e

é, ao nosso ver, o que permite que a escola se estruture desta forma. Até por

conta de que a elaboração deste quadro (estrutura pedagógico-administrativa), se

dá a partir dos próprios professores (carreira do magistério público), ou seja, se

consolidou ao longo dos anos o adestramento do executar. Assim, não seria de

imediato que o pensar se fizesse presente apenas pela alteração da estrutura.

Ainda porque, as atividades destas funções, (coordenadores, supervisores, etc.)

estão muito mais vinculadas às normatizações - legislações, portanto, também ao

46.GATTI , B.A. - "A formação dos docentes: o confronto necessário professor x academia". ln: Cadernos de Pesquisa nº 81. maio/1992, p. 71.

47.PEIXOTO, Adão José - Alienação e educação: a divisão do trabalho como alienação da atividade docente. Campinas: PUC, 1991 (Dissertação de Mestrado).

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

40

executar -, revelando que o "impedimento de pensar" se estabelece sobre

professores e também sobre os demais sujeitos da hierarquia.

Desta feita, parece-nos mesmo que a questão anterior está

relacionada a formação (graduação), ao domínio conceptual que o professor traz

para o seu "fazer" escolar. Preocupa-nos assim, os reflexos que a precária

formação dos professores tem trazido à escola, fazendo com que esta instituição

não responda às necessidades fundamentais da sociedade. Preocupa-nos em

particular esta questão uma vez concebermos a escola como instância se não

única, ao menos primordial ao processo de transformação da sociedade brasileira,

e para (re)conduzi-la neste caminho é necessário reconhecer e citar nominalmente

quem a constrói - o professor.

Esta leitura da escola, como dimensão de trabalho que pode ser

reconstruído, rompe com o modelo teórico rígido de BOURDIEU &

PASSERON48, classificado por SAVIANI (1983)49 como crítico-reprodutivista,

onde a escola comparece como um "Aparelho Ideológico de Estado", destinado a

reproduzir os modelos de dominação social. Ao contrário desta concepção,

enxergamos nela, no conjunto de seus sujeitos, seu caráter de "antiteticidade"5º.

Admitindo portanto seu movimento e contradição, imanentes, mas

que pela desqualificação ampla, quase não conseguimos perceber muitos

caminhos para superação. Talvez aí se inscreva um dos problemas da escola: o

professor exerce um papel fundamental, seu trabalho significa de fato uma

intervenção no cotidiano de milhões de pessoas, seu trabalho é mediado por uma

prática reflexiva. Mas com que qualidade se estabelece esta mediação ?

48.BOURDIEU, P. & PASSERON, J.C. - A reprodução: elemento para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975.

Os autores baseiam sua argumentação nas formulações de Louis Althusser, presentes em sua obra intitulada Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. Lisboa: Ed. Presença, 1980. 49.SAVIANI, Dermeval - Escola e Democracia. São Paulo: Cortez & Autores Associados, 1983. 50.A escola se coloca na dimensão da práxis de quem a realiza, a sociedade. Lukács ao analisar os fundamentos da teoria marxista resgata a dimensão de antiteticidade das formações sociais. LUKÁCS, George - Ontologia do ser social: os princípios ontológicos fundamentais em Marx. São Paulo: Livraria Ciências Humanas, 1979.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE

José Gilberto de Souza

41

"Na sala se aula a relação professor-aluno é mediada pelos

conhecimentos a serem transmitidos (construídos). O que se torna necessário

então, é que o professor domine estes conhecimentos, assim como a metodologia

de sua elaboração, para que possa exercer seu papel mediador, possibilitando

aos alunos tomarem consciência de sua condição de sujeitos, herdeiros dos

conhecimentos dos quais vão se apropriando, e responsáveis pelo seu avanço

histórico.

"O que ocorre, via de regra, é que o professor não está preparado

para desempenhar esse papel na sala de aula, devido a formação deficitária que

recebeu, que nem lhe propiciou o acesso aos conhecimentos necessários ao

domínio do componente curricular que leciona. nem lhe deu oportunidade de

desenvolver sua condição de sujeito. produtor desses conhecimentos e

responsávelpor seu avanço".n

Se as condições de trabalho se colocam neste prismas é necessário

reconhecer outros parceiros neste processo, pois não é só o professor, mas

também a universidade, responsável por essa escola. Temos, portanto,

professores e alunos em mesmo nível científico, o que implica na "mesmice" da

escola e portanto no desinteresse por parte dos alunos. É o que GATTI (1992),

afirma:

''A universidade não tem assumido sua responsabilidade nesta

formação com o vigor e a importância social que deveria ter e, nem mesmo, na

formação continuada. onde poderia desempenhar um papel crucial".

E por outro lado

51 .ANDRÉ, M.E.D.A. - "A Avaliação da escola e a avaliação na escola". ln: Cadernos de Pesquisa nº 74. ago/1990. p. 74. (grifo nosso).

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

42

"Os professores em geral exprimem muita desconfiança quanto as

possibilidades de contribuição formativa das universidades".

Confirma assim, a autora, aquilo que temos afirmado acerca dos

problemas da formação docente:

''A crise na área de formação dos professores não é só uma crise

econômica. organizacional ou de estrutura curricular. É uma crise de finalidade

formativa e de metodologia para desenvolver esta formação. reestabelecendo a

relação de comunicação e de trabalho com as instâncias externas nas quais os

formandos vão atuar, ou seja, nas escolas em sua cotidiana concretude ". 52

Esta proximidade formação/aplicação, deve ser reavaliada pelas

universidades, responsáveis diretamente pela formação e, portanto, para resolver,

com os professores, as questões relativas a crise de finalidade formativa que se

instala no ensino superior e se reflete nos níveis anteriores.

52.GATTI, 1992, op. cit. p. 71.(grifo nosso).

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

43

1. Formação do professor: competência e compromisso

Centrar nossas posições acerca da qualidade formativa, conduz-nos

à necessidade de destacar um dos debates da pedagogia. Os trabalhos produzidos

buscam uma análise da formação sob o aspecto do domínio técnico ou do

compromisso político do educador em sua prática. Recaem sobre estas questões a

estrutura da rede, a universidade, a organização escolar, a burocracia, os salários

dos professores (em qualquer nível), a formação de licenciandos e de

bacharelandos, a sindicalização, etc., ou seja, um conjunto de totalidades ou

determinações desta síntese.

Abrimos aqui um parêntese para afirmar que, neste trabalho,

inscreve-se também um cuidado: ao iniciarmos nossas discussões corremos o

risco de sermos rotulados as várias tendências que abordam a questão. E

confessamos ter buscado conscientemente um ponto de análise que dentro da

geografia é ou passa eminentemente pelo técnico, colocando-nos no limiar do

"tecnicismo", o que neste momento nos parece fundamental, e o é uma vez que a

especificidade do conhecimento geográfico e ao mesmo tempo sua amplitude

reforça esta necessidade.

Afirmamos esta necessidade, uma vez que outras pesquisas, acerca

do trabalho docente, têm caminhado pela análise da especialização ou da divisão

intelectual do trabalho. As perguntas que propomos, e, ao nosso ver, são

anteriores ao debate da especialização/divisão do trabalho, são: o professor é

especialista do que se propõe trabalhar? Está efetivada a especialização e

portanto há conteúdo para efetivar a mediação entre o pensar e o executar ?

Parece-nos que a questão da especialização não esta garantida,

ainda que no plano formal (histórico escolar e diploma universitário) ela esteja.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

44

Apenas recolocamos a discussão de que a universidade tem trabalhado uma certa

"teoria" e não instrumentalizando para o "trabalho". O que ocorre na maioria das

vezes é uma orientação para um discurso politizado (retórico) que mais

compromete sua formação política do que auxilia na reflexão sobre sua "prática".

A discussão que realizamos não reduz os problemas da formação

docente a uma visão técnica pura, unidimensional, pois reconhecemos a

importância e a contribuição das pesquisas apontadas. O que buscamos é

organizar prioridades.

Vários trabalhos consideram que a formação do professor

(especialização), bem como sua atuação, concretiza-se pela sua competência

técnico-pedagógica e de seu efetivo compromisso político. Nossa intenção é

colocar o debate. Não se trata de reconhecer estes elementos junto aos

professores, mas de verificar sua qualidade e importância na formação.

Em nossos estudos observamos que as discussões apontam para o

reconhecimento e a necessidade de se consolidar o compromisso político junto a

formação do professor, uma vez que se coloca a competência técnica como dada

(a priori), por conta de visualizar junto a rede de ensino uma escola tradicional -

conteudista e técnica, como responsável pela formação dos professores que nela

atuam.

O recorte específico da competência técnica e do compromisso

político nesta pesquisa, procura estabelecer um contraponto no tratamento da

questão da formação docente, uma vez que os trabalhos em sua ma10na

reproduzem uma retórica, ou uma "prática discursiva" no que se refere ao

compromisso político.

O trabalho de GOMES (1993 ), faz uma análise da produção

científica no período de 1986 a 1989, no tocante à formação de professores e

aponta duas linhas fundamentais. Não significa dizer que estas linhas ignorem os

aspectos totais da formação dos professores, mas partem de pontos diferentes. De

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

45

um lado discute-se a importância da competência técnica e de outro o

compromisso político.

A partir do trabalho de MELLO (1982)53 esta discussão toma corpo

e segundo GOMES:

"Tal debate suscita posições conflitantes, pois se por um lado Mello

(1982) defende a idéia de que pode-se chegar ao compromisso político a partir

de atitudes que exijam competência técnica, Nosella (1983), vê aí um risco ao

retorno as práticas pedagógicas tecnicistas, mascarando um problema mais

complexo, ou seja, a reprodução do autoritarismo da escola atual. Para esse

autor, há ênfase da bipolaridade entre o conceito de competência para a cultura

dominante e para as classes trabalhadoras, isto é, a primeira polaridade toma a

competência técnica como uma categoria acima dos interesses de classe,

enquanto que o autor em questão propõe que a questão da competência técnica

seja analisada à luz do horizonte político". 54

Reconhecemos, também em nosso trabalho, a preocupação de

N osella: em nosso caso seria o fortalecimento das tendências tecnicistas da

geografia, questão esta que se evidencia nos discursos da New Geography, mas

não é por conta das leituras "enviesadas" sobre a questão que iremos nos furtar

ao debate, tendo em vista, principalmente, que o problema não está superado.

SA VIANI ( 1991 ), esclarece a importância deste debate ao analisar

as contribuições de Mello e Nosella:

"o que Nosella teme, afirma Saviani, é a velha competência

técnica, aquela articulação com os interesses da burguesia. E ele aspira por uma

53 .MELLO, Guiomar de Namo - Magistério de lº grau: da competência técnica ao compromisso político. São Paulo: Cortez, 1988.

54.GOMES, Alberto Albuquerque - Formação de Professores: a dimensão do compromisso político. Marília-SP:FFC/UNESP, 1993. p.12 (Dissertação de Mestrado).

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

46

nova competência técnica que seja produto das lutas do 'coletivo dos

professores, politicamente organizados' e articulados com os interesses dos

trabalhadores". 55

Ora, esta mesma compreensão sobre a competência técnica é a que

buscamos, não permitindo, por sua articulação, ou melhor, pelo seu compromisso

de classe - com os trabalhadores (ciência, ideologia e filosofia) - leituras

"recuperadoras" do tecnicismo, ou do jargão "competência técnica" para os

professores como reafirmação dos discursos governistas. É também a isto que

NOSELLA (1983), se contrapõe, ao afirmar que sobre as

"ruínas de excelentes tecnologias educacionais foram oferecidas

alternativas técnicas outras que de competente nada possuíam a não ser a

capacidade de mistificar, pulverizar, iludir e desanimar sob a aparência de

processos técnicos eficientes para o ensino-aprendizagem". 56

E mesmo a reconhecermos a existência de uma técnica, também

sem "competência".

Observamos que, se de um lado, se tem uma crítica e uma

preocupação constante com as distorções possíveis acerca da qualificação técnica

do professor, do outro, o que temos é uma espécie de priorização do discurso do

compromisso político e uma subordinação da competência técnica.

Dermeval Saviani, que reconhece a importância do patrimônio

cultural da humanidade como fundamento para as transformações sociais e

sobretudo a escola, afirma que a competência técnica e o compromisso político

passam pela elaboração de métodos para alcançar os fins que implicam

55.SA VIANI, Dermeval - Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. São Paulo: Cortez & Autores Associados, 1991 p.47.

56.NOSELLA, Paolo - "O compromisso político como horizonte da competência técnica". ln: Educação & Sociedade nº 14. São Paulo: Cortez Editora, 1982.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

47

imediatamente em competência técnica e mediatamente em compromisso

político.

''A competência técnica é mediação. isto quer dizer que ela está

entre, no meio, no interior do compromisso político". 57

No entanto, o que percebemos é que as análises de maneira geral

procuram estabelecer bases em um ou outro ponto, e no geral a questão do

compromisso político recebe uma acurada e precisa discussão. Com isto dá-se a

impressão de que a questão da competência técnica está superada, associando

este tipo de análise a garantia de que ela está dada pela formação tradicional de

nossos professores e, portanto, pela linha formativa de nossas escolas, e que este

conjunto precisa ser transformado e este processo se concretizará se for mediado

por uma prática compromissada politicamente.

Ao nosso ver, residem nesta questão dois equívocos fundamentais:

primeiro, que a escola atual já não forma mais nos moldes de uma pedagogia

tradicional conteudista-tecnicista; e segundo que é preciso compreender o "tipo"

de formação que fora "dada" pela escola tradicional aos professores. Parece-nos,

então, que como um remendo acopla-se agora um compromisso político com

bases filosóficas, cremos, totalmente divergentes daquelas que sustentaram a

formação tradicional-tecnicista. Há portanto um descompasso entre estes

elementos. A superação desta questão se estabelece na qualidade de construirmos

uma outra dimensão de competência técnica e de compromisso político - para

romper com o dualismo.

É o que aponta SAVIANI(1991).

57.SAVIANI, 1991, op. cit. p. 41.(grifo nosso).

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

48

"nós estamos ainda numa fase romântica da defesa do

compromisso político em educação. Nessa fase os elementos da luta contra a

concepção técnico-pedagógica restrita e supostamente apolítica se dilataram

mor bidamente por causa do contraste e da polêmica. É necessário passar a fase

clássica, encontrando nos fins a atingir a fonte para "a elaboração das formas

adequadas de realiza-los". 58

Necessário se faz reconhecer estes elementos e recoloca-los em

outra dimensão. SILVA( 1992), inicia este caminho aos afirmar que

"não são duas atividades que se unem, mas uma única, definida

simultaneamente pelo pedagógico e pelo político, por isso mesmo totalmente

pedagógica e totalmente política". 59

E o fato de colocarmos como objetivo fundamental em nosso

trabalho a formação técnica e cartográfica, não anula em nada a assertiva acima.

Ao contrário, buscamos reconhecer que uma não se coloca a priori e a outra não

se estabelece a posteriori.

No entanto, o que temos notado - sobretudo em geografia, e

afirmamos a partir de um modelo que nasce com os livros didáticos60, até uma

"assimilação" imediata da proposta da CENP - é que o compromisso político tem

assumido características que passam do objetivismo político ao panfletário.

"O compromisso político assumido apenas a nível de discurso pode

dispensar a competência técnica. Se se trata, porém, de assumi-lo na prática,

58 .Idem, p. 69. 59.SILV A, Jeferson 1. - Formação do educador e educação política. São Paulo: Cortez: Autores

Associados, 1992. p. 45. 60.vale a pena observar algumas produções didáticas de geografia que trazem "tudo pronto" para o professor e subscrevem suas coleções como "Geografia Crítica", ou aquelas que adotam uma retórica marxizada, distante do domínio conceptual do professor e dos alunos, para também toma-la crítica.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

49

então não é possível prescindir dela. Sua ausência não apenas neutraliza o

compromisso político, mas o converte em seu contrário". 61

Nisso reside alguns problemas fundamentais, como a incorporação

de jargões marxizados dentro da geografia sem o efetivo domínio conceptual.

Ocorre o que Silva aponta como

"uma das grandes ameaças do intelectual à causa revolucionária,

pois nem sempre a aproximação teórica vem acompanhada do compromisso

revolucionário". 62

A prática docente, no ensino médio e fundamental, tem revelado,

que o discurso assumido tem suplantado alguns saberes que para a geografia são

fundamentais e, por outro lado, não são trabalhados. Nas palavras dos

professores: 11 '1 ~ ~11

• Fundamentais, diga-se de passagem, inclusive aos

nossos alunos. Ao deixarmos de perceber estas questões corremos o risco de

pensar uma escola "discursiva" para trabalhadores, só que muito mais caótica do

que aquela proposta pelo ensino profissionalizante (Lei 5692171). Esta questão já

fora debatida por GRAMSCI (1968)63, ao pontuar a necessidade de uma escola

formativa elementar.

Forjar esta escola depende essencialmente dos professores e de seu

saber, de sua capacidade de transforma-lo e revelar seu aspecto emancipador.

61 . SA VIANI, 1991. op.cit. p.43 .(grifo nosso) 62. SILVA, 1992. op. cit. p.28. 63.GRAMSCI, Antônio - Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 1982. "a escola é o instrumento para elaborar os intelectuais de diversos níveis". p.9.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

50

2. O saber do professor

Quando abordamos esta questão não buscamos desconsiderar outros

fatores que interferem na prática docente, pois não se trata de abordar o professor

isoladamente em seu domínio conceptual. A questão desta análise centra-se

exclusivamente na compreensão de que a ausência do domínio conceptual

compromete o trabalho do professor de forma significativa.

A importância deste diálogo aberto é que ratifica o papel do

professor na escola e as contribuições que uma atividade docente qualitativa, traz

ao conjunto da sociedade. O trabalho do professor guarda assim elementos

intrínsecos que determinam seu fundamento, pois trata-se de

"uma atividade cujos instrumentos e cujo objeto e objetivo são de

ordem intelectual usa as idéias para atuar sobre as consciências que se

transformam não só no nível da aquisição de conhecimentos (nível cognitivo),

mas também no nível da orientação e produção de finalidades (nível

teleológico). 64

Neste quadro coloca-se a Geografia, pois residem em seu interior

questões importantes para o entendimento da realidade, da compreensão das

formas de organização sócio-espacial, e que pela sua concretitude, permite

avançar nas discussões por uma outra forma de vida e trabalho humano. No

entanto, acabam se delineando alguns caminhos pouco precisos, na medida em

que uma retórica se instala no ensino sem contribuir de forma significativa para a

formação dos estudantes.

64 . Idem, p. 33.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

51

MASSON (1990)65, em sua pesquisa, aponta as preocupações

acerca dos níveis de verbalização utilizados no ensino de geografia em França, e

chama atenção para o emprego de termos pouco precisos, ou até mesmo banais

( banalisé), junto aos estudantes, decorre deste processo uma não formação

correta de conceitos geográficos. Esta preocupação tamb~m está em LACOSTE

( 197 4 ), quando discute as questões relativas a carência de reflexão, e

"os efeitos do instrumental conceptual utilizado sobre as

construções parciais que se efetuam e que se consideram. erroneamente. como

expressão da realidade g_lobal"66

Ao nos debruçarmos sobre estas citações percebemos a importância

da questão da formação do professor e, em específico, dos conceitos

cartográficos, que não sofrem nenhum tipo de reflexão sobre seu uso.

Esta ausência de reflexão e importância, pode ser percebida na

análise do material de Geografia produzido pela Secretaria da Educação do

Estado de São Paulo-FDE (anexo 1), com o intuito de "contribuir" para a

preparação dos professores para o concurso público de Professor III, conforme o

texto:

"Objetiva contribuir para a reflexão dos professores sobre temas

fundamentais que constam na indicação bibliográfica publicada no DOE de 19

de maio de 1992".67

65. MASSON, M. - "La géographie enseignée" science ou discours banalisé? Application de l'analyse des

contenus au discours géographique. ln: L'information Géographique. Paris: Armand Colin Edditeur, 1990 nº4. p. 168-71.

66.LACOSTE, 1974, op. cit. p. 270.(grifo nosso). 67.SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO/FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DA

EDUCAÇÃO-FDE - Programa para o aperfeiçoamento de professores da rede estadual de ensino - Geografia. São Paulo:SE/FDE, 1992. (grifo nosso).

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José Gilberto de Souza

52

O material, na descrição de seu objetivo, aponta para temas

fundamentais que constam na indicação bibliográfica publicada no DOE de 19

de maio de 1992, nossa indagação inicial era se na indicação bibliográfica havia

referências à cartografia.

No Diário Oficial do Estado (anexo 2) consta os conteúdos de

cartografia sob o item 8, citados na seguinte forma.

"8. Geografia e Cartografia:

8.1. - Mapas e gráficos: leitura análise e interpretação gráfica"68

Ao voltar à análise do material "de preparação" observamos que se

discute questões relativas a industrialização, a internacionalização da produção,

as questões energéticas e agrárias, a agricultura, a produção agrícola mundial, a

urbanização, a cidade, a divisão do trabalho, a produção da natureza, a questão

ambiental e a nova ordem mundial.

Apresenta-se um conjunto de temas, de reconhecida importância,

mas fechados em uma orientação teórico-metodológica, e que não inscrevem a

totalidade, ou melhor, o conjunto de temáticas (conteúdos) que o professor tem

que dar conta, e que lhes foram cobrados se nos determos em uma análise

detalhada da prova do referido concurso, para o qual o material de formação se

destinava69 . Como temos salientado, alguns conteúdos ou são colocados como

dados a priori, ou são considerados secundários na formação docente, talvez por

expressarem uma dimensão "técnica" e não "política" da ciência geográfica. (sic).

68.GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO - Diário Oficial do Estado. Seção 1, São Paulo, 102 (93). p.46, 19 mai. 1992.

69 . Junto ao instrumento de pesquisa utilizado (entrevistas) era nossa intenção proceder uma análise sobre o nível de acertos dos professores no Concurso de Professor III realizado em 1993. A análise seria baseada em algumas questões por nós avaliadas como de domínio conceptual cartográfico (anexo 3). No entanto, apesar de nossa insistência a Secretaria de Educação não permitiu o acesso às fichas respostas do referido concurso, alegando o arquivo ser de uso exclusivo daquela repartição. Em conversas informais com os professores percebemos que apresentaram grandes dificuldades na resolução destas questões.

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53

GOMES (1993), afirma que não se trata o conteúdo apenas de um

aspecto técnico do ensino, mas efetivamente de domínio do trabalho.

"Quando se pensa em profissionalização, não se deve vincula-la

apenas ao aspecto técnico, mas sim ao domínio destes conteúdos que

efetivamente devem ser ensinados na escola. A falta de domínio destes conteúdos

gera o que poderia ser chamado de desprofissionalização, já que se supõe que

em qualquer área do conhecimento, o profissional deve estar minimamente

capacitado a exercer suas tarefas". 70

Isto implica em dizer que existe um elemento mediador neste

processo que permite entender os elementos da formação docente sob o prisma da

totalidade e que, portanto, reconhece que uma prática transformadora deve levar

consigo a competência técnico-pedagógica, o domínio dos conceitos e um efetivo

compromisso com as classes trabalhadoras.71

li porque há um elemento de mediação significativo entre os dois:

a perspectiva ética". 72

A questão ética revela nosso compromisso com a transformação e,

portanto, a seriedade no domínio e preparo de nosso trabalho dentro e fora da sala

de aula.

Outro aspecto a considerar sobre as publicações do Governo do

Estado, através da SE/FDE, é a indicação bibliográfica, percebemos que no DOE

de 19 de maio de 1992, apresenta-se os trabalhos de ALMEIDA & PASSINI

7º.GOMES, 1993. op. cit. p.51. 71 .Acostumados a uma visão uniclassista, esquecemos que a simples afirmação compromisso político não revela com quem ele se estabelece, tendo que um certo "não compromisso político" é, também, um compromisso político. 72.RIOS, apud GOMES, 1993. op. cit. p. 44.

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54

(1989), JOL Y (1989), LIBAULT (1975), PAGANELLI (1985) E SIMIELLI

(1986), três destes estão relacionados ou apresentam em seu interior significativa

contribuição ao tema Cartografia e Ensino de Geografia. Uma análise dos

programas de ensino das disciplinas de cartografia das universidades (UNOESTE

e UNESP) (anexo 4 e 5), indica que somente o trabalho de LIBAULT (1975),

aparece como comum nas três indicações bibliográficas (do DOE e das duas

universidades), não existe junto as universidades nenhuma bibliografia

relacionada ao ensino da cartografia e, levando-se em conta que de 1980 a 1992,

a indicação bibliográfica da UNESP e alguns itens do programa foram apenas

reproduzidos ano-a-ano. Estes apontamentos revelam o porquê da "desconfiança"

da efetiva contribuição da universidade no aspecto formativo.

Por isso podemos refletir sobre as dificuldades de formação do

professor em cartografia e entendermos que é necessário romper com este círculo

formativo sem integração com as áreas de pesquisa e ensino. Nova formação,

com qualidade, requer a produção de novos paradigmas, mas que espelhem não

apenas uma visão de ciência, mas sobretudo de método. Muitos abordam esta

questão (o método), mas há distorções, e um exemplo, é entender que a produção

do material de "contribuição" para aos professores (anexo 1) fora produzido nesta

perspectiva de resgate "metodológico", no entanto, com os equívocos de quem se

propõe transformador da ciência geográfica ("críticos radicais". Mas, de raiz ?),

mas não a compreende como uma totalidade. 73

73.0 distanciamento que se coloca entre as concepções de Lenin e Luxemburgo são exatamente estas, a dimensão de totalidade é compreendida pela segunda, enquanto a dimensão de partes pelo primeiro. "Todo movimento é movimento de uma totalidade, pois se ele próprio é considerado uma totalidade em si mesma, não há movimento no interior da sociedade. Entre os leninista e/ou stalinistas, só é admitido como movimento real o movimento monolítico do proletariado - representado a partir da vanguarda overária. e não o movimento dialético que ocorre na contradição da sociedade capitalista, a luta de classes. Por isso, a aparente ruptura existente a partir da Revolução Socialista Russa, nos permite considerar que a totalidade foi perdida no discurso, para que o método se assumisse como ciência, determinante da ideologia e da filosofia verdadeiras para o proletariado e portanto para a humanidade. Não foi pueril a polêmica entre Lenin e Rosa Luxemburgo. .. . É necessária a unidade entre matéria e representação ideal - o trabalho visto pelo próprio trabalhador como práxis, o que coloca a necessidade de uma integridade/coerência do método, que indica que devemos nos preocupar com este para orientar­nos nas indagações e respostas sobre as modalidades de saber nele envolvidos. Sem método, não se discute conceitos, categorias e/ou princípios, sejam eles cientificas, ideológicos e/ou filosóficos. Desta

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

55

E após anos de crítica sobre a "geografia dos professores", a

"geografia da sala de aula", a comunidade geográfica acabou se envolvendo em

um projeto amplo de reformulação desta prática. O resultado obtido foi a

proposta de Geografia da CENP para o ensino de 1º grau, trata-se de um

documento que busca colocar o ensino exatamente na perspectiva de mediação

entre o compromisso e a competência. No capítulo que segue procuramos

discutir algumas das implicações deste novo saber geográfico.

maneira, a atividade cientifica, assim como qualquer outra, se torna preconceituosa, não contempla a existência e, portanto, não contribui para a superação das dificuldades que nela encontramos cotidianamente. (SOUZA & ALVES, 1994, op. cit. p. 14.).(o grifo em negrito é nosso).

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56

Capítulo IV

O DEBATE GEOGRÁFICO

"Bons mestres e bons livros já muito aconselham os geógrafos para que renunciassem às explicações simplistas. Suficientemente advertidos, não se cansam eles de assinalar a complexidade dos fenômenos em que participam as sociedades humanas. Tais advertências são reiteradas aos principiantes para que evitem os caminhos estreitos e os limitados até onde os conduziria uma observação parcial ou unilateral dos fatos." (Pierre Monbeig).

Mesmo a partir da elaboração da proposta de Geografia para o ensino

de 1 º grau, da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas do Estado de

São Paulo - CENP, o debate geográfico ainda não tinha abandonado/superado as

questões primeiras desta ciência (relações homem x meio). A visão dual

possibilista/determinista, ganhou o corpo de um debate mais sofisticado primado

pelo novo embate: geografia crítica x geografia tradicional, geografia crítica x

geografia quantitativa. Um debate que se sustenta, pelo menos dentro dos

discursos acadêmicos, sobre a questão do método. No entanto, na repercussão

deste momento de enfrentamento da proposta de Geografia, o discurso assumiu o

apanágio de uma outra dualidade. Uma dualidade que recaiu sobre a aparência do

objeto desta ciência, e mais, sobre o conteúdo de pesquisa da ciência geográfica:

as "partes" fisica e humana da geografia.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

57

O que se observava, é que na busca da hegemonia, o debate não

permitia (pelo menos na visão de alguns) a sobrevivência de uma geografia

unitária, e portanto, a dualidade permitia a divisão do conhecimento geográfico

entre aqueles que se dedicavam à geografia fisica e aqueles que se dedicavam à

geografia humana.

Na tentativa de ruptura da dualidade dos conteúdos surgem ou ganham

destaque as geografias ambientais, conceitos como formação sócio-espacial,

geossistema, território, etc. Mesmo assim a dualidade de conteúdos se instaura,

era como se nós tivéssemos dado uma grande volta para chegarmos no ponto

comum. Neste caso o ponto comum era a própria reflexão de LACOSTE (1974),

já citada neste trabalho:

"O problema ideológico parece estar no cerne do problema

epistemológico da geografia". 74

O rompimento do ponto comum não se estabeleceu, apresentamos

uma questão para tentar perceber de forma mais clara o que LACOSTE

propusera:

Em Geografia a dicotomia Física x Humana é verdadeira? Ou o

problema da geografia se estabelece pela visão social de mundo de seus sujeitos e

não pelo "objeto" desta ciência?

É este caminho que propomos a partir de uma análise em que

aproxima este debate da proposta de Geografia para o 1 º grau -CENP.

74.LACOSTE, 1974. op.cit. p. 239.

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58

1. O debate geográfico e a proposta da CENP

"O trabalho de reflexão crítica e de análise polêmica é um processo longo e deve-se desconfiar da pressa em supera-lo. Muitas manifestações de "saturação" de crítica e de polêmica, escondem um perigoso ativismo, quando não uma rejeição da emergência de novas hegemonias". (Paolo Nosella).

A partir da década de 70 a Geografia passa por um conjunto de

mudanças que refletiam o engajamento de seus pesquisadores junto aos

problemas da sociedade. As contribuições de Yves Lacoste, Pierre George, Max

Sorre, entre outros, constituíram um marco e passaram a influenciar o debate

geográfico brasileiro, aliadas ao resgate dos trabalhos de Elisée Reclus e de Piotr

Kropotkin.

Assim, a chamada Renovação da Geografia debateu-se num

pnme1ro momento entre o dualismo possibilismo x determinismo, um debate

baseado nas disputas territoriais francesas e prussianas. No Brasil a Geografia se

consolidou a partir do modelo francês, sofreu influências da renovação

tecnológica (Geografia Quantitativa) e se deparou com as questões apresentadas

pelo movimento de renovação geográfica, a partir da Geografia Crítica ou

Radical (a trilogia geográfica). Este debate, como asseveramos, culminou com a

dicotomia Geografia Física x Geografia Humana. Um debate, ao nosso ver, por

demais maniqueista não somente por apresentar os interesses mais individuais

dos debatedores, como também por assumir a impossibilidade de convivência

filosófica e portanto científica entre os expoentes. Constitui-se uma dimensão de

intolerância, não apenas por parte daqueles supostamente "não democráticos",

mas inclusive por parte dos "democráticos" da Geografia.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

59

Tratava-se de desfocar a questão. Não se trata de um problema de

objeto, mas de método e, portanto, de classe.

Claro que esta divergência normalmente se espelhava no plano

acadêmico e, assim, cada um procurando garantir ou fazer valer a sua visão de

mundo e de ciência (a busca pela hegemonia) - E, por ser ciência, a Geografia é

humana (sociedade) ou é fisica (natureza)? - fez com que as discussões acerca

desta problemática, além do desfoque, se vinculassem, ainda, a uma certa

carência da Geografia em se tomar "positiva", empírica, prática.

Nesta perspectiva, e em essência, o que tivemos em Geografia foi a

dissimulação da totalidade e da contradição pela dicotomia. Marilena CHAUI

(1990), nos indica que as leituras dicotômicas têm um suporte:

"O suporte desse procedimento dicotômico, é uma certa noção de

objetividade e, portanto, uma certa imagem de racionalidade que se torna

hegemónica, isto é, objeto de consenso, interiorizada e invisível como o ar que

respiramos "75.

Assim, objetividade e racionalidade - e em tudo que lhe são

imanentes - se tomam certos e verdadeiros, e se colocam como suporte pela

disputa hegemônica antre as "partes" da Geografia, sobretudo no ensino. O que se

consolida assim não é apenas a distinção entre um pólo e outro do conhecimento

geográfico, mas uma certa autonomia que se estabelece entre um e outro. É este

debate, que ao se consolidar como uma prática dicotômica, tenta elaborar na

aparência uma geografia unitária, na busca do consenso, ou melhor, na busca de

construção de uma hegemonia que pudesse abarcar uma nova leitura geográfica e

com a ansiedade de rompimento com a chamada "crise". Este conjunto de

proposições, de interesses, ao caminhar para a sala de aula, se perde no caminho.

75cHAUI, 1990, op. cit. p. 1

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

60

Um dos canais condutores, e talvez o mais importante deste debate

para a escola foi, com certeza, a proposta de Geografia da CENP, pois ela

inaugura uma concepção de ciência geográfica que busca romper com os

dualismos e que também busca uma hegemonia. Ela elabora um saber que se

propõe "transformador", uma caminho dificil e que levanta a seguinte questão:

Quais as implicações de um saber que se propõe transformador?

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

61

2. Um saber que se propõe transformador

"O esforço para penetrar e compreender as maneiras de pensar do grupo estudado toma-se ainda mais necessário se elas diferem das nossas" (Pierre Monbeig)

A proposta de Geografia da Coordenadoria de Estudos e Normas

Pedagógicas do Estado de São Paulo - CENP foi produzida ao longo dos últimos

anos e por várias vezes discutida e reelaborada76. Sua chegada recebeu críticas,

elogios, criou expectativas. Neste conjunto as manifestações de alguns se

vincularam em total apoio, pois viram nela ressonância de suas concepções de

mundo e ciência; outros, por não enxergarem nela, por estreiteza metodológica,

um "seu pedaço" de ciência condenaram-na - retomando a falsa dicotomia tisica e

humana. Enfim a proposta sobreviveu e cresceu no debate, mas queremos

retoma-lo lembrando as reflexões de SAVIANI (1991), quando discutia um outro

dualismo - competência técnica e compromisso político.

"Com isso quero dizer que não é exato afirmar que o momento da

crítica já passou, tendo soado a hora da ação. Penso, isto sim, que são os

conteúdos tanto da crítica e da denúncia como da ação que estão mudando.

Importa, pois, aprofundar esse processo de modo a se atingir um novo

patamar77•

76.A proposta de Geografia da CENP, passou a ser produzida a partir de 1984, foi debatida por representantes dos professores, sendo um de cada Delegacia de Ensino, ao longo desses anos foi reelaborada, tendo sua última publicação revisada no ano de 1992. 77 SA VIANI, 1991, op. cit. p.69

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

62

A proposta de Geografia foi produzida por um conjunto de

professores da rede e uma equipe de professores da CENP e das Universidades

Paulistas, mas mesmo assim se colocou distante da realidade dos professores de

sala de aula. Isto foi percebido e gerou preocupações por parte dos

Coordenadores e m1c10u-se um processo que posteriormente, se tomou um

complicador para o debate e avanço do ensino de geografia.

Colocamos este processo como complicador porque ao penetrar

mais diretamente nas estruturas burocráticas da Secretaria de Estado da Educação

de São Paulo, se estabelece um discurso e uma prática de implantação. O que

acaba por contradizer a proposta nos seus aspectos mais internos. Uma dupla

contradição: primeiro porque enquanto proposta não poderia ser implantada, a

ação do Estado em toma-la um manual do professor faz com que perca sua

essência de projeto alternativo; segundo, porque ao concentrar-se em uma base

filosófica transformadora, não pode ser imposta.

Ocorre, que a partir de nossas investigações, observamos que nos

processos de seleção das escolas padrão passou-se a exigir, nos planos de

trabalho dos professores, reproduções quase que literais da proposta.

Ao perguntarmos para os professores sobre seus planos de ensino

todos afirmaram que o documento básico era a proposta78:

11A ~ k ~ iMrv P wu QjlTJ; cima,~~~ ccnrP, ru:w­

~ Jmb, ~, maJy ~ (); ~ F Y!; iMru, ~ ~ ~ (); ~·11

(22)(grifo nosso).

78.Uma análise e explicação detalhada do trabalho de campo realizado nesta pesquisa, será exposto no capítulo seguinte. No entanto, passaremos a indicar algumas respostas dos professores tendo em vista serem necessárias à elucidação de nossas considerações. É imperativo afirmar que sequer mencionamos, em nossas questões acerca da proposta, os aspectos relacionados ao construtivismo, ao interacionismo, ou seja, aspectos da psicologia da educação, que são necessários para uma reflexão profunda das questões pedagógicas do trabalho docente. (portanto do ensino/aprendizagem).

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63

"A/Ju C1' 8Qi YiJWu limu p YiJv C1' ~, rw, 20 h'l,(JJ), Mk ... ~ de,

~.11

(1) (grifo nosso).

E ao nos referirmos sobre suas impressões acerca da proposta

tivemos algumas sérias contribuições:

11'f/;M, ~mm QM0 ~ (Xwma;n;J;), w w ... ~ (9-~, evv

~ ~' wv ~ C1' ~ dJ:i,. L9 y~ ~ ~ ~ ~ ~ Q;

~ mm C1' ~ & Cf1U (9- alwru,, IK1i, ~· 11

(16).(grifo nosso).

11

h~, ~mm~~~~ da~ e; w ~ Cf1U

w~11

.(20).

11e u;ma, N+ ~li crn).

11ye;m ~ r Q)J; ~, Q; ~ r rwJ9- ~. ~ (9- ~

IJ1iwJ11 (17).(grifo nosso).

11!:2UJJNb (9- Cf1U C1' ~ui WJ; ~ & ~ C1' hoor+ Xwma;n;J;, C1'

hoor+ Y~ & ~· Je;m Cf1U ~. 'f/;M, ~mm QMlJJ ~· 'f/;M, w,

~ C1' ~ ~' (9- ~' ebv ~ ooÍJw, ~. bGVJ ~ C1' ~

dJ:i, 11 (7).(grifo nosso).

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

64

11

A ~ fmk °' ~. ~ 'Â!W:1, ~ ~. ~ ~ ~ °' ~· fvm rrwib

~. JQ/IÁ,a, ~ ~ ~ ~ ~ wm ~ ~ ~"(12).

112~ ~ ~ °' ~· °' ~ ~ Q, + k

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~ ~ °' ~ cb, c2nrP, ~ ~ Jewrrw;na,, ~·d&~ ~ ~. rP~ ~

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~ ~ °' Jú:,i,ca; ~ k ~km~ rU» ~· li (4).

110 ~ ~ °' Jú:,i,ca;. 2 ~ °' ~ ~ ~. 21), ~ ~

UJmQ; pa;ib ~ ~ ~. A Jú:,i,co; º' °' ~ fvm ~· º' ~ ~ ~ rnmb º'

aiJritb km, ~ eJÁJ ~ ~ Ü; Jú:,i,ca; ~ ~ wnk ~. ~ ~ ri&,

~ ~' rwm ~ 0; ~.11

(5).

Percebemos assim, pelos depoimentos, algumas de nossas

considerações acerca da implantação da proposta, veicula-se a idéia de algo

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE

José Gilberto de Souza

65

externo aos professores - Governo, Estado - apesar de ter sido produzida com a

participação de seus pares.

Outro aspecto importante que aparece nas respostas é a

representação do debate geográfico não a partir do método, mas sim a partir da

aparência e ou do privilegiamento de conteúdos - físico e humano. Uma última

consideração é a questão da necessidade de domínio e formação do professor

para dar cabo dos conhecimentos colocados na proposta, presente em várias

respostas dos professores. Além das próprias exigências cotidianas colocadas

para os alunos (vestibular, por exemplo) que estão além das leituras que se

realizam sobre a proposta.

Ao nosso ver, acontece agora, só que num tom de discurso

transformador, uma outra exigência de competência, a da "proposta".

''A ciência da competência tornou-se bem-vinda, pois o saber é

perigoso apenas quando é instituinte, negador e histórico. O conhecimento, isto

é, a competência instituída e institucional não é um risco, pois é arma para um

fantástico projeto de dominação e de intimidação social e política"79.

Temos clareza que quando se inicia um processo transformador,

diríamos revolucionário, acabamos por perder a dimensão de seu movimento e

das implicações que dele decorrem. Se consolidada esta exigência burocrática, a

proposta perde suas características e se distancia dos livros didáticos ou dos

programas oficiais do ensino, apenas pelo discurso, e a proposta caminha nesta

direção.

Não significa dizer que os trabalhadores no ensino de Geografia

que produziram a proposta, seja em que nível for, estejam todos colimados com

79CHAUI, 1990. op. cit. p.13

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

66

este processo. Pelo contrário, OLIVEIRA (1984), ao descrever a realidade do

ensino de Geografia apontava a necessidade de uma ação renovadora.

"Os professores e os alunos são treinados a não pensar sobre o que

é ensinado e sim, a repetir pura e simplesmente o que é ensinado. O que significa

dizer que eles não participam do processo de produção do conhecimento".

Não participar do processo de produção significa a negação do

trabalho como atividade criadora, e o autor está correto em afirmar que:

"isto se deve ao fato de que entre nós a divisão do trabalho

acadêmico também está presente. Uns produzem a teoria. outras ensinam.

portanto praticam a teoria. Esta divisão cria entre nós uma falsa dualidade entre

o professor e o pesquisador: ... Ou juntamos a teoria à prática e vice-versa, ou

certamente continuaremos a nos envolver com "as falsas questões" dualistas que

tem encontrado terreno fértil na geografia. O rumo à práxis é o caminho para

revolucionarmos a Geografia, ou melhor a sociedade80•

No entanto, aqui se coloca um problema. Uma análise detalhada da

citação acima, permite perceber que o autor admiti que existe uma divisão

acadêmica, e que uns produzem a teoria e outros a praticam. Até que ponto o

professor a partir da proposta reelabora a teoria na dimensão de sua prática ?

Justificar este processo apenas reforça o modelo criticado anteriormente. Aqueles

que "praticam" e "não produzem" a teoria, acabam por sua vez reproduzindo com

qualidade discutível o que foi pensado e, portanto, produzem uma teoria outra,

até mesmo contrária à primeira, uma vez que não foi mediada pela reflexão, mas

pelo pragmatismo e imposição do fazer (prática/implantação).

8º0LIVEIRA, 1984, op. cit. p.3 l(grifo nosso).

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

67

Há, portanto, uma reprodução, frágil, pelos limites das leituras que

se realizam sobre a proposta, as compreensões dos professores, sem o

aprofundamento advindo do estudo e do debate, necessários a uma (re )criação

autônoma. É para o que nos chama a atenção GRÍGOLI (1990), ao afirmar que a

"ausência de preocupação em se evidenciar e explorar a

articulação entre essas duas instâncias - a teórica/doutrinária/ideológica e a

prática/metodológica/tecnológica - tem conduzido a concepções práticas

fragmentadas, às vezes contraditórias na medida em que, não apreendendo o

fazer didático do professor como parte de uma totalidade, não o focaliza como

um conjunto de decisões e ações que, ao produzirem o cotidiano da sala de aula,

reproduzem e concretizam uma visão de mundo, de homem, de sociedade, de

educação e de universidade81".

Não é nossa intenção engrossar as fileiras daqueles que apostaram

na crítica sobre a proposta a partir da concepção de doutrina marxista82• Como

nesta citação de VESENTINI (1992), em que afirma haver

"Supervalorização de conceitos já prontos - elaborados por Marx e

Lenin - que deveriam apenas ser "assimilados" pelos alunos, e participam como

burocratas em aparelhos de Estado encarregados de definir ''programas

oficiais" e .fiscalizar o seu cumprimento: esses são os principais efeitos

perniciosos do dogmatismo e da cooptação na educação em geral e no ensino de

geografia.

"Dogmatismo, no sentido de não se estudar Marx, por exemplo,

mas apenas "decorar" suas palavras, petrificando seus conceitos. Cooptação no

81GRÍGOLI, Josefa A.G. - A sala de aula na universidade na visão dos seus alunos: um estudo sobre a prática pedagógica na universidade. São Paulo: PUC/SP, 1990, p.92 (Tese de Doutorado).

82.0s trabalhos de VESENTINI (1989, 1992) e ARAÚJO & MAGNOLI (1991), fazem a crítica da proposta nesta direção.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

68

sentido de servir o Estado, atuando contra os interesses populares e em prol do

fortalecimento da máquina repressivo-ideológica. 1183

No entanto, não vamos desconsiderar a possibilidade de haver neste

processo de implantação, caminhos outros que podem levar a um desvio dos

objetivos básicos da proposta e da distorção das bases teórico-metodológicas que

a sustentam, principalmente se for imposta ao professor.

Nossas discussões não se constroem a partir da crítica à proposta

enquanto documento e projeto de Geografia, até porque não é o objetivo deste

trabalho, mas compreender alguns descaminhos que a proposta apresenta em sua

prática.

''A questão de saber se cabe ao pensamento humano uma verdade

objetiva não é uma questão teórica mas prática (..) a disputa sobre a realidade

ou não do pensamento isolado da práxis - é uma questão puramente

escolástica. 1184

Por conta destas questões não nos propomos a uma análise isolada

da proposta de geografia, partimos por reconhecer que

"É uma prova de mecanicismo dividir abstratamente em duas

partes e depois encontrar uma relação direta e imediata entre um segmento

teórico e um segmento prático. Essa relação não é direta nem imediata, fazendo­

se através de um processo complexo, no qual algumas vezes se passa da prática

à teoria e outras desta à prática. "85

83 .VESENTINI, José Willian - Para uma geografia crítica na escola. São Paulo: Ática, 1992. p. 53-55. 84.MARX, K. apud VESENTINI, 1992. op. cit. p. 44. 85.VASQUEZ - Filosofia da práxis. Rio de Janeiro, 1977, p. 233.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

69

A dimensão de processo se inscreve em nossa crítica. Não se trata

do que a proposta coloca como proposição teórica, mas como na prática ela

postula uma nova teoria frente ao que se realiza na escola. São para estas

questões que os "reponsáveis" (institucionais) pela proposta devem atentar.

''A verdade de um conhecimento ou de uma teoria está determinada

não pela apreciação subjetiva, mas pelos resultados objetivos da prática social.

O critério da verdade só pode ser a prática social. O ponto de vista da prática é

o ponto de vista primeiro, fundamental, da teoria materialista dialética do

conhecimento. "86

Ora, se a prática é o condutor básico da reflexão sobre o real,

perguntamos: que prática se estabelece para uma proposta em implantação?

Nas questões por nós elaboradas, observamos que 100% dos

professores utilizam a proposta como documento básico de seu trabalho, mas

apenas 68% afirmam conhecê-la profundamente.

Aqui se inscreve uma questão fundamental, ela estabelece o grande

divisor de águas do dualismo geográfico, dualismo este fortemente utilizado para

combater a própria proposta. Refere-se às respostas obtidas sobre as impressões

dos professores em relação a proposta, estas vincularam-se basicamente ao

abandono da "Geografia Física".

Colocamos esta questão e não vamos discuti-la a fundo porque

ex1gma de nós uma análise da proposta à luz dos conceitos/conteúdos da

Geografia Física, mas percebemos o quanto esta questão esta arraigada na

compreensão dualista dos professores acerca dos domínios da ciência geográfica.

Na verdade esta resposta sobre oa bandono da Geografia Física, revela que destes

68%, que admitem ter profundo conhecimento da proposta, apresentam

86.TSE TUNG, Mao apud OLIVEIRA, 1984, op. cit. p.52.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

70

dificuldades claras em compreende-la do ponto de vista do método, que

permitiria a união/articulação dos domínios geográficos (físico/humano).

Por conta do resultado que obtivemos para o questionamento (A

cartografia é da área física ou humana da Geografia? - 32% responderam ser a

Cartografia da área física como demonstra o quadro abaixo-, é que nos propomos

a discutir a proposta apenas sobre as bases do domínio conceptual cartográfico.

TABELA! -CARTOGRAFIA : FÍSICA /HUMANA

Das duas 10 45% Física 7 32% Humana 3 14% Não respondida 2 9% TOTAL 22 100%

Objetiva-se com esta questão não a retomada do dualismo, mas

verificar o efetivo domínio conceptual que o professor tem de seu trabalho a

partir ou não da proposta.

O domínio que o professor demonstra sobre a proposta não nos

pareceu satisfatório, e o processo de implantação não resolve em nada este

problema. É este ponto que permite a crítica de VESENTINI (1992), crítica que

o próprio OLIVEIRA (1987), como Coordenador da proposta de Geografia da

CENP, já atentava, ao afirmar que uma nova trajetória se colocava para o ensino:

"Este caminho dialético pressupõe que o professor se envolva não

só com os alunos, mas sobretudo com os conteúdos a serem ensinados. ou seja, o

professor deve deixar de dar conceitos prontos para os alunos, e sim, juntos,

professores e alunos, participarem de um processo de construção de conceitos e

de saber. "87

87.0LIVEIRA, Ariovaldo U. - "Educação e Ensino de Geografia na realidade Brasileira". ln: Desalambar. Brasília: AGB-DF. (6), 1987. p .. 6 ..

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

71

A partir destas considerações indagamos se é possível o professor

de Geografia colocar em prática uma proposta que ele não reflete, mas reproduz

para um processo de seleção? Tem o professor o domínio conceptual do que se

inscreve na proposta? Consegue ele mediar esta proposta com a sala de aula e a

realidade de seus alunos?

Partimos de uma questão básica sobre todo este processo de

questionamento: a proposta não é a "realidade em si". E foram com estas

questões que a proposta se debateu, e a partir delas se propõe a efetiva melhoria

do ensino, principalmente do ponto de vista do método que a sustenta. O

caminho, parece-nos, que já fora indicado pelo próprio OLIVEIRA (1984), o

rompimento com a divisão técnica e com os dualismos, e no apelo deste autor

rumo à práxis (e não à prática), é aqui que (re)incorporarmos o debate e o estudo

como necessários a esta (re)criação autônoma do saber.

Colocamos estas questões porque reconhecemos a importância da

proposta para o ensino geografia e a evolução do pensamento geográfico no

Brasil, e este processo depende exatamente do reconhecimento de suas

proposições (filosofia, geografia e psicologia) - E por que não ciência e ideologia

? -. No entanto, ao se burocratizar (conteúdos/conceitos) o conhecimento passa a

se constituir normativo, e a prática docente perde em dimensão técnica e muito

mais em dimensão política88•

88 A crítica de ARAÚJO, R. & MAGNO LI, D. "Reconstruindo muros - Crítica à Proposta Curricular de Geografia da CENP". (Revista Terra Livre nº 8. São Paulo: AGB/Marco Zero, 1991, p.111-19). Chama nossa atenção para algumas questões, sobretudo ao pontuar o risco da oficialização da proposta. No entanto esta crítica revela uma certa pressa em superar a proposta, pois por uma estreiteza metodológica, os autores cometem dois equívocos: primeiro por não reconhecer as implicações e dificuldades de discussão de um projeto transformador; segundo, porque perdem de vista a importância e a dimensão histórica que esta proposta encerra no pensamento geográfico. Estes autores "Criam muros", interessados no "bem comum" da geografia (sic), LACOSTE (1974), afirma que a "multiplicação das referências e alusões geográficas no discurso político faz com que o exame e a crítica do discurso dos geógrafos se tomem uma tarefa cada vez mais necessária" LACOSTE, Y. - "A Geografia". ln: CHATELET, F. - A filosofia das ciências sociais. Rio de Janeiro: Zahar, 1974 p.235

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

72

No aspecto cartográfico, por exemplo, os professores afirmam que

ao deixar de lado a Geografia Física, a proposta deixou de lado também o ensino

de cartografia. Uma das respostas mais comuns, inclusive, foi a de que não se

trabalha com estes conceitos por causa da proposta:

llh~ ~~ ~ ~ ~ wmb. A~ ww, Í,e;m ~ ~

~·11(19).

É contraditória esta afirmação, porque ao ~esmo tempo em que o

professor afirma a importância da cartografia, ele não trabalha esses conteúdos

com os alunos. Deve se levar em conta que ao reconhecermos um conteúdo como

fundamento de uma ciência, como é a cartografia, o professor deveria, não

importando o que afirmam os compêndios, reunir esforços para que este conteúdo

fosse trabalhado, e isto implica em uma autonomia intelectual que se consolida

na prática ( no cotidiano) e na reflexão.

Nesta leitura do professor sobre a proposta há um equívoco, que só

se justifica pelo seu despreparo e desconhecimento, ao não enxergar/reconhecer

que há uma dimensão cartográfica na proposta, ainda que reconheçamos as

limitações desta dimensão. Este não reconhecimento é um reflexo de que o

professor, na maioria das vezes, está "praticando" um modelo teórico, e não

levando à práxis um projeto de ciência.

O próprio texto da proposta inscreve esta dimensão cartográfica e

sua importância no processo de ensino da geografia, além dos próprios

conceitos/conteúdos cartográficos, a saber:

"A territorialidade implica a localização. a orientação e a

representação dos dados sócio-econômicos e naturais. que contribuem para a

compreensão da totalidade do espaço. A construção desta base territorial

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

73

pressupõe a necessidade de conhecimentos desenvolvidos e incorporados ao

longo do processo de trabalho, isto é, conhecimentos necessários para a

apropriação da natureza. Localização/orientação/representação são portanto.

conhecimentos/habilidades integrantes do processo de trabalho. "89

Reforça-se aqui o fato do professor não visualizar instrumentos para

dar conta destas questões, e necessita de "modelos" (receitas ?) para aplicar em

sala-de-aula. Não vamos nos alongar e estabelecer esta .crítica ao professor sem

reconhecer que este processo esta relacionado a necessidade de superação

imediata de suas deficiências, afinal de contas o aluno está à sua frente. Outra,

que a imposição de uma rotina de trabalho massacrante, não apresenta muitos

mecanismos (materiais e financeiros) para elaborar, ele mesmo, as estratégias,

permanecendo ciclo vicioso da reprodução.9o

Podemos observar outro momento em que a proposta se coloca

frente a cartografia, ao mencionar alguns princípios que norteiam o processo de

construção de conceitos afirma-se:

li o confronto com essa realidade, a cada instante permite

desenvolver cada vez mais a capacidade de apreendê-la, daí o papel da

observação no meio. da sua localização/representação - ponto de apoio para a

dimensão geográfica. Ao mesmo tempo, da observação se passa para aos

diversos níveis de abstração.

"- abstrai-se em diversos níveis de comvlexidade. i

ao

compreender-se a estrutura da realidade observada, informando-se por esta. Isto

89.SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO - COORDENADORIA DE ESTUDOS E NORMAS PEDAGÓGICAS - Proposta Curricular para o ensino de Geografia 1° Grau. São Paulo:SE-CENP, 1990. p. 19.(grifo nosso).

90.Apesar destas questões não estamos com isso criando justicativas de "coitadização" destes sujeitos (professolatria), são necessários os princípios da dignidade e da indignação para a construção de outra condição de trabalho e vida. É sabido que colegas se negam ao debate, ao estudo e ao trabalho coletivo, justificando esta renúncia, muitas vezes, pelo salário recebido, não concordamos com esta premissa.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

74

é, trata-se de uma relação entre o real aparente e o concreto pensado, num

movimento constante entre ambos. 'm

Este último excerto da proposta pode com facilidade ser associado

às reflexões de Yves LACOSTE (1974), em seu artigo intitulado "A Geografia",

especialmente quando refere-se a escala geográfica como uma complexa rede de

níveis de análise:

"Convém tomarmos consciência de que a grande variedade das

representações cartográficas, no que se refere às escalas utilizadas, é, de fato,

significativa das diferenças existentes entre vários tipos de raciocínios

geográficos; e de que essas diferenças são em grande parte devidas ao tamanho

bastante desigual dos espaços que eles levam em consideração ,m

Em outras passagens da proposta podemos verificar também a

utilização do conceito de generalização:

"o que implica na formulação de nexos explicativos entre um

determinado lugar e outro, uma situação e outra resultando numa compreensão

crítica". 93

Este conceito de generalização que na proposta não assume a

característica específica da cartografia, é um exercício mental e pode ser

facilmente desenvolvido/construído a partir do domínio conceptual e da análise

cartográfica.

91 .Idem. Ibdem, p. 22. (grifo nosso). 92LACOSTE, 1974, op. cit. p. 252. 93 .SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO, 1990. op. cit. p. 22.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

75

"A técnica cartográfica chamada da 'generalização', que permite

estabelecer um mapa em pequena escala de uma 'região', a partir dos mapas de

maior escala que a representam de modo mais preciso, cada um para espaços

menos vastos, leva-nos a crer que a operação consiste apenas em abandonar um

grande número de detalhes para representar extensões mais vastas. É

efetivamente o que se passa quando esses mapas não têm por função senão

representar, sobre superficies mais ou menos vastas, fatos de mesma natureza.

Contudo, como certos fenômenos só podem ser apreendidos quando

consideramos vastas extensões, enquanto outros, de natureza completamente

diferente, não podem ser apreendidos senão por observações muito precisas que

visam superficies bastante reduzidas, o resultado é que a operação intelectual,

que consiste em mudar de escala, transforma, por vezes de modo radical, a

problemática que podemos estabelecer e os raciocínios que podemos formar. A

mudança de escala corresponde a uma mudança do nível de análise e deveria

corresponder a mudança no nível da conceptualização".94

A mudança e a própria formação de conceptualizações são

colocados como princípios da proposta, no conjunto buscam a formação mais

abrangente do aluno, e para isso é necessário desenvolver as mais variadas

formas de expressão deste conhecimento/conceito construído.

"É importante desenvolver as formas de expressão que traduzem

essa compreensão crítica. É nesse sentido que se colocam tanto a expressão oral,

como a representação gráfica. pictórica, painéis, cartazes, dramatizações, etc. 95

94.LACOSTE, 1974. op. cit. p. 253. O próprio conceito de generalização dentro da cartografia vem ganhando outras matizes. SALICHTCHEV (1988), por exemplo elabora uma crítica a J. Neumann, quando este ''propôs que consideremos a generalização cartográfica como apenas uma redução da quantidade de informação com a diminuição da escala do mapa, com a finalidade de preservar sua possibilidade de leitura ... Neumann, afirma o autor, leva-nos de volta a noções obsoletas de mais de meio século atrás" (p. 18). 95 N N

.SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇAO DE SAO PAULO, 1990. op. cit. p. 24. (grifo nosso).

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76

Reconhecemos também que as leituras que o professor faz da

proposta têm como nascedouro, em muitas das vezes, a própria universidade, e

sobretudo, as formas em que se colocaram/colocam o debate. Estas considerações

se justificam tendo em vista que o debate aparente da proposta (Físico-Humano) -

aparente porque em essência o que temos não é o efetivo estudo e debate, mas

uma busca de hegemonia calcada sobre um "método" - ganhou as páginas da

imprensa paulista e a crítica estabelecida pelos professores e geógrafos da própria

universidade, se deram a partir deste referencial aparente. E portanto, é preciso

perceber que estamos saindo da fase em que o debate perde "manchete", mas não

a paixão, ou seja, ganha-se razão. Neste momento o debate geográfico necessita

tomar uma outra orientação, como afirma SA VIANI (1991 ), e parafraseando-o:

''É necessário passar a fase clássica"

A fase clássica pode ser observada desde quando se estabelecia na

geografia

"um momento de embate teórico-metodológico e prático realizado

em três frentes: entre a New Geography'~ e a "Geografia Tradicional" de um

lado, entre a "Geografia Crítica" e a "Geografia Tradicional" de outro, e ainda,

e cada vez mais intensamente entre a ''New Geography" e a "Geografia Crítica".

E permaneceu com a necessidade de manter e reforçar uma das

frentes como a verdadeira geografia (entrincheirada).

O que percebemos na citação de OLIVEIRA (1984), é que este

último debate ainda se coloca com certa ênfase. No entanto, o que o distanciou da

escola foi a intensa busca de hegemonia da Geografia Crítica (manter e reforçar),

que avançou sobre os professores e nesta ansiedade fundou mecanismos para

colocar a proposta na rede estadual paulista. Esta ansiedade é responsável pelas

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

77

leituras equivocadas, por este atropelo, pela falta de tempo para amadurecimento

e estudo destes profissionais. A proposta não propõe apenas um novo método e

conteúdo para a escola, requer um novo professor.

Ao exigir este novo sujeito recoloca a questão da formação e as

divergências existentes entre as bases tradicionais e tecnicista que respondem em

uma grande parte pela formação destes professores, e a tentativa de se realizar

uma colagem de bases teórico-metodológicas "completamente" contrárias a

formação obtida pelos professores.

''Na prática, hoje não há condições de se afirmar que há

hegemonia desta ou daquela corrente. O que pode estar havendo é, em primeiro

lugar, a aparência de uma grande confusão entre a maioria dos professores de

geografia que se vê, de repente, envolta por uma discussão da qual não tem

participado; na verdade, registra-se a essência desse embate que parece

ampliar-se, ganhando a maioria dos professores de geografia. É pois na

ampliação deste debate que nascerá a hegemonia de uma ou outra corrente". 96

A busca pela hegemonia e o texto de OLIVEIRA (1984), é claro

neste aspecto, fez somente com que, nestes dez últimos anos, mudasse,

efetivamente, apenas a própria questão hegemônica. A Geografia Crítica

"ganhou" a maioria dos professores, e o que talvez não tenha mudado é a

grande confusão dos professores, envoltos por uma discussão da qual não têm

participado. Temos procurado atentar para o fato de que a consolidação desta

hegemonia não se coloque como uma camisa de força para o professor - que é

para onde tem acenado a prática da proposta.

O exercício teórico da proposta, mesmo na ampliação do debate,

não possibilitou ao professor uma crítica profunda de suas proposições. Talvez

96.0LIVEIRA, Ariovaldo Umbelino - "A Geografia no ensino superior situações e tendências". ln: Revista Orientação nº5. São Paulo: Instituto de Geografia/USP, out/1984. p. 29.(grifo nosso).

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

78

tenha ficado na "aparência de uma grande confusão", e por falta de norte (ou sul),

acabou abraçando o que lhe colocaram à frente (a proposta). Talvez ... sem o

devido exercício teórico ...

"(..) o exercício teórico tem sentido e é necessário quando se

submete o conhecimento a uma crítica fecunda. . . . Só o compromisso com a

transformação da sociedade pode revolucionar o conhecimento 'm.

Parece-nos ser esta mais uma, das tantas já mencionadas,

implicações de um saber que se propõe transformador, é preciso colocar este

saber na dimensão de uma prática também transformadora. Implicando no que

SCHMIED-KOWARZIK (1983), chama de se obter um saber que apreenda a

prática:

"É claro que um saber, que sequer consegue apreender a prática

como fundamento do seu conhecimento, não só não tem interesse algum como

também nenhuma possibilidade de interagir com a prática. Certamente todo

saber, e portanto também aquele do conhecimento, pode de alguma maneira ser

útil à prática(..). A relação dialética entre teoria e prática reside justamente em

decisões e posicionamentos pedagógicos'f:J8

Este processo exige que os professores, efetivos (re )construtores da

proposta, possam apreender o conhecimento como fundamento de sua prática.

São por estas questões que analisamos o domínio conceptual cartográfico dos

professores de geografia, revelam estes discursos as dimensões políticas de suas

leituras "cartográficas", e as colocam como um dos elementos necessários à

97MARTINS apud OLIVEIRA, A.U. - "A Geografia no ensino superior: situação e tendências. ln: Revista Orientação n.5. São Paulo: Instituto de Geografia/USP, out/1984 p.29-30.

98SCHMIED-KOWARZIK, W. - Pedagogia dialética: de Aristóteles a Paulo Freire. São Paulo: Brasiliense, 1983. p.11 (grifo nosso).

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

79

criação de um saber que interaja com a prática docente e que contribua na sua

reelaboração.

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80

Capítulo V

O DOMÍNIO CONCEPTUAL DO PROFESSOR

"É normal que o pesquisador se desinteresse pela sorte da população que investigou? É normal que esta permaneça na ignorância das pesquisas das quais foi objeto ? Este problema de responsabilidade do pesquisador face aos homens e mulheres que estuda e cujo território analisa( ... ) é preciso não parar a pesquisa, atitude negativa e perfeitamente imediatista, mas esforçar-se em comunicar os resultados aos homens e mulheres que foram delas objeto, pois estes resultados conferem poder a quem os detém". (Yvez Lacoste).

Nos capítulos anteriores pontuamos questões embasadoras das

análises que passamos a desenvolver. Ressaltamos que o objetivo fundamental,

sobretudo neste momento, não é o de colocar o professor em "xeque", mas

determinar o domínio conceptual cartográfico, objeto e objetivo da formação

docente. Temos consciência da complexidade da temática e é exatamente no

sentido de contribuir que propomos nosso trabalho.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

81

1. Realização do estudo

1.1. Caracterização Geral

A pesquisa foi realizada na Delegacia de Ensino (DE) de Presidente

Prudente-SP, localizada (sede) a 560 Km da capital do Estado (Mapa 1 ), sede da

1 Oª Região Administrativa, e da 1 Oª Divisão Regional de Ensino - DRE-1 O -

Presidente Prudente, segundo a estrutura da Rede Estadual de Ensino.

O trabalho de campo se restringiu a Delegacia de Ensino de

Presidente Prudente, que abrange 57 escolas dos municípios de Presidente

Prudente, Alvares Machado, Alfredo Marcondes e Santo Expedito), (Mapa 2)

sendo que 55 estabelecimentos atendem alunos de primeiro e segundo graus, 1 na

formação técnico agrícola e 1 na formação específica do Magistério (CEF AM).

O número de professores de geografia que atuam na DE de

Presidente Prudente no ano de 1994 é de 126 professores.

Apresentamos abaixo os quadros de informações sobre os

professores de Geografia da Delegacia de Ensino de Presidente Prudente-SP.

TABELA2-SITUAÇÃO PROFISSIONAL

Efetivos 43 34% Estáveis/ ACTs 83 66% TOTAL 126 100%

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

82

TABELA 3-INSTITUIÇÃO FORMADORA

UNESP 87 69% UNO ESTE 27 22% Outra Pública 04 3% Outra Particular 08 6% TOTAL 126 100%

TABELA 4-TEMPO SERV. MAGISTÉRJO

Menos de 3 anos 38 30% de 5 a 10 anos 31 25% de 10 a 20 anos 28 22% mais de 20 anos 29 23% TOTAL 126 100%

TABELA 5-NÚMERO ESCOLAS/LECIONA

1 escola 116 92% 2 escolas 7 6% 3 escolas 3 2% TOTAL 126 100%

Destacamos como aspectos fundamentais nestes dados, os

seguintes:

- O enorme percentual de professores cuja situação profissional se coloca como

estáveis e ACTs (66%). Este fato acaba por determinar um rodízio constante dos

professores entre as escolas e acaba dificultando o acompanhamento do trabalho

de formação dos alunos.

- O percentual significativo de professores formados por instituições públicas

72% (UNESP 69%, USP 3%), o que levanta para nós a questão da qualidade do

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

83

ensmo. Se a maior parte dos docentes obtiveram formação em instituições de

consagrada qualidade, afora as questões que passaremos a debater, apenas as

respostas discutidas ao nível da proposta nos faz refletir melhor sobre esta

conceptualização qualitativa, que se estabelece a priori em relação a universidade

pública. Nossa preocupação neste aspecto se estabelece porque foram estes

sujeitos, pelo menos em sua maioria, que estiveram próximos do processo de

renovação geográfica, uma vez que este processo iniciou-se dentro das

universidade públicas.

- Destacamos ainda que a maior parte dos docentes está atuando na rede há mais

de 5 anos (70% ), o que evidencia, por parte destes profissionais, uma experiência

no trabalho pedagógico, técnico e científico.

- É dado significativo observar que 92% dos professores atuam em apenas uma

escola, o que facilita o seu trabalho evitando dispendiosos deslocamentos e o

trabalho com realidades locais (bairros) muito diferenciadas.

Estas informações guardam importância, tendo em vista que se

colocam como indicativos de ordem qualitativa podendo significar uma melhor

formação e preparo, destes sujeitos, para a prática docente.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

84

1.2. A pesquisa de Campo

A partir desse levantamento mais geral, ficou-nos a questão da

pesquisa junto a este universo de professores. Como nossa preocupação se

concentra na questão qualitativa do trabalho docente a partir do domínio

conceptual cartográfico, optamos por entrevistar professores das escolas padrão

de Presidente Prudente. Esta opção se deu por três fatores. Primeiro, por termos

tido a oportunidade de discutir, nos horários de HTP (Hora de Trabalho

Pedagógico), aspectos ligados a cartografia e o ensino de geografia e pela

existência, na sede da DE de Presidente Prudente, do Centro de Aperfeiçoamento

de Recursos Humanos -CARH, o que significa condições físicas de participação

nos cursos oferecidos; segundo, por termos pontuado a questão da formação dos

professores e percebermos em nosso levantamento que as duas Instituições que

respondem pela formação da maioria destes profissionais na DE de Presidente

Prudente (Quadro 1), é a Universidade Estadual Paulista (UNESP- Campus de

Presidente Prudente), enquanto instituição de ensino público, e a Universidade

do Oeste Paulista (UNOESTE) instituição de ensino privado; terceiro e último

fator, é que com a chamada "Reforma no Ensino do Estado de São Paulo", a

escola-padrão apresenta algumas alterações de ordem organizacional que

possibilitam uma melhoria da qualidade formativa (em serviço) do professor, a

citar apenas uma delas a Hora de Trabalho Pedagógico (HTP).

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE

QUADRO 1-FORMAÇÃO DE PROFESSORES POR INSTITUIÇÃO - 1980 - 1990.

ANO UNESP UNO ESTE 1980 22 -1981 15 -1982 20 -1983 08 -1984 22 -1985 30 64 1986 31 159 1987 32 68 1988 27 55 1989 44 60 1990 32 60 TOTAL 283 466

José Gilberto de Souza

85

TOTAL 22 15 20 08 22 94

190 100 82

104 92

749

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

86

1.3. A escola padrão99

Ao discutirmos questões relativas à escola padrão, optamos por

refletir a partir do documento lançado pelo Governo do Estado de São Paulo e

partindo dele pontuarmos nossas considerações.

Criada em 1991, com o Programa de Reforma do Ensino Público no

Estado de São Paulo, teve sua efetiva implantação no ano de 1992, com a

implantação de 306 escolas, sendo 198 na capital e 106 no interior do Estado.

Segundo dados da Divisão Regional de Ensino de Presidente

Prudente (DRE-1 O), a evolução do processo de implantação na Região de

Presidente Prudente e no Estado de São Paulo se deu da seguinte forma:

QUADR02-IMPLANTAÇÃO DA ESCOLA PADRAO

Nº escolas implant./ano 1992 1993 1994 TOTAIS DE de P.Prudente 02 08 01 11 Coord. Educ. Interior 108 754 186 298 São Paulo - Capital 198 298 70 566 Estado de São Paulo 306 1052 256 1614 Fonte:Divisão Regional de Endino de Presidente Prudente-SP.

A escola padrão apresenta em seu processo de implantação

alterações de várias ordens na estrutura organizacional escolar, quais sejam:

autonomia administrativa, avaliação do sistema educacional implantado, a

capacitação docente, o calendário escolar, a jornada de trabalho, a questão

salarial, a rede fisica e os recursos materiais.

Em nossa pesquisa não temos por objetivo discutir os aspectos da

reforma do ensino, os problemas que a escola pública atravessa de maneira mais

99.As reflexões que apontamos neste item tem como base o documento da SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO - Programa de Reforma do Ensino Público do Estado de São Paulo (São Paulo: SE, 1991). Anexo 6.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

87

global ou específica, e reconhecemos que os problemas vividos por esta escola,

mesmo com a reforma, não foram sanados, e não o serão apenas por um projeto.

O que justifica nosso interesse pela escola padrão, e pelos sujeitos que a

constroem é que ela apresenta em suas medidas alguns fatores que podem

repercutir de maneira positiva na qualidade do ensino público.

As medidas por nós qualificadas com esta potencialidade, ainda que

estejam longe de sua concretização dentro da escola-padrão, a coloca como uma

realidade diferenciada dentro do conjunto de escolas comuns. As medidas são:

-avaliação do sistema: trata-se um ponto fundamental no

desenvolvimento de um projeto educacional qualitativo, apesar da incorporação

deste fator na escola padrão, observa-se que não se trata apenas de um problema

da relação ensino aprendizagem (aluno-conteúdo, aluno-professor-conteúdo­

professor ), mas incorpora mesmo dimensões maiores. Reflete, portanto, questões

relativas a autonomia e a independência intelectual e a capacidade crítica do

professor.

As questões que mencionamos aqui não eram de fato objetivo de

nosso trabalho, pelo menos direto, mas, ao se apresentarem num momento de

coleta de dados optamos por registrar.

Ao visitarmos uma das escolas padrão, a coordenação colocava aos

professores de geografia alguns quadros de avaliação da escola padrão.

Observamos que os quadros resumiam aspectos relacionados aos alunos, a

estrutura fisico-administrativa e aos professores. Nos quadros relacionados aos

professores estes deveriam expor suas avaliações sobre o projeto.

A coordenadora ao solicitar a avaliação dos professores comenta:

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE

hnm;nf m / r~ IU a,v,,,

José Gilberto de Souza

88

11hwk. 1h ~ (9- r uoc&v ~ ~. ~ ~ ri,(M, ele& acaÍJwm CMrU (9-

Acdmmu CMrU (9- r (l; ~ &m... e~ rrwÁh ~ ~ r ~· .. ~ ri,iM, MÍi» tM, 'Llli!m .. .

11

(Coordenadora).

O professor de Geografia responde: 11

C~ f Jemu (l; Je:f(P r ~ fwm, e, (9-~ cb ~(reflete em um ganho de 30% sobre o salário) (19).

Outros professores argumentam, concordando com a lógica da Coordenadora.

Observamos que a situação do professorado é de tamanha

dependência e penúria que faz com que supervalorize aspectos mínimos de

ordem funcional que o impede de elaborar uma crítica profunda sobre os

problemas da escola como um todo. A avaliação do projeto escola padrão que

deverá ser divulgada em breve carrega em seu interior problemas de

desvendamento quanto sua real situação;

-capacitação: apesar de discordarmos da forma como o processo

tem sido conduzido reafirmamos que o investimento na formação docente (em

serviço) é fundamental para a obtenção de uma escola pública com qualidade. No

entanto, a questão da ("re")capacitação do professor foi colocada sobre o grande

elefante branco da educação, era como nós capacitadores de 1993 chamávamos o

prédio e a estrutura da Fundação para o Desenvolvimento da Educação -FDE,

localizado no bairro Bom Retiro, na Capital do Estado, onde se realizava os

projetos de capacitação para os diversos componentes curriculares. Como

capacitador/1993, observamos que muitos projetos estavam completamente

desarticulados. Alguns cursos se davam ao projeto a característica de uma grande

"colcha de retalhos", sem um sentido claro e evidente de sua condução e

aplicação.

O projeto que participávamos intencionava trabalhar com

professores de 3ª e 4ª série os conteúdos de Estudos Sociais, sem ao menos

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

89

discutir questões relativas à psicologia, à aprendizagem e à realidade dos alunos

destas séries e as dificuldades de trabalho do professor I entre outras.

O professor III passaria a discutir questões relativas ao ensmo

destas séries, sendo que grande parte não apresentava a mínima vivência com

esta clientela. Não foi surpresa verificar que os projetos apresentados no ano de

1993, que deveriam ser aplicados em dezembro daquele ano, foram transferidos

para os meses iniciais de 1994 e posteriormente foram abandonados.

No início do projeto de capacitadores/1994, os capacitadores

tiveram que elaborar um outro projeto para os cursos, que começam a ser

ministrados a partir do mês de setembro de 1994. Junte-se ao fato de que a

clientela a ser atendida foi expandida incluindo agora os professores do Ciclo

Básico - CB.

Um projeto de formação continuada dos professores do ensmo

fundamental, que deveria ser levado a cabo pelo Centro Específico de Formação

e Aperfeiçoamento do Magistério -CEF AMI0° - a partir das Áreas de Didática,

Psicologia e Metodologia de Ensino -, tendo em vista que foram realizadas, desde

a implantação deste Centro, um conjunto de reuniões junto a CENP, para dar

cabo das atividades de Aperfeiçoamento do Magistério, esforço que se perdeu,

sem chegar a se colocar junto a rede estadual de ensino.

No caso dos cursos da FDE, estes serão oferecidos pelos

professores capacitadores em suas respectivas Divisões de Ensino. O projeto

dava mostras, já em 1993, de estrangulamento, tanto que muitas das atividades

foram alteradas, o que acabou gerando insatisfação de muitos, inclusive nossa

desistência. Iniciamos o projeto com mais de 30, restam apenas 11 professores;

100.0 Projeto CEFAM, foi criado no ano de 1989, com o intuito de melhorar a formação dos professores do ensino fundamental CB, 3ª e 4ª séries do primeiro grau. Outro objetivo que constava junto ao CEF AM, se concentrava na formação de um verdadeiro Centro de Aperfeiçoamento de professores da rede, esta última fase nunca foi realizada pelo CEF AM, o regimento não foi elaborado e não foram criadas condições para esta etapa.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

90

-calendário escolar: este item em nossa opinião não trouxe

reflexos qualitativos, tendo em vista a forma de condução do processo, e que

revela, por parte da SE/SP, a falta de visão sobre o ensino público.

A imposição de 200 dias letivos para o ensino diurno e 250 dias

letivos para o ensino noturno, demonstra o quanto se ignora os problemas que o

ensino noturno carrega, face a jornada de trabalho que a maioria dos alunos deste

período realiza. A ilusão era de que o conjunto de problemas de ordem formativa

de nossos alunos seria resolvido com a simples alteração do calendário. A escola

atingiu esta situação caótica nos aspectos formativos por interesses de grupos do

ensino privado e pelo descaso e conivência do Estado, no que toca a

desestruturação do ensino público.

A imposição figurava ainda, para o professor, como uma camisa de

força, tendo em vista que nos últimos quatro ocorreram movimentos

reivindicatórios, por melhores salários e condições de trabalho. Movimentos

estes, que acabaram se constituindo em paralisação das atividades (greve), cujo

aumento dos dias letivos visava apenas diminuir a possibilidade de reposição dos

dias parados e, portanto, impedir a realização dos movimentos.

Pouco adiantou a medida de alteração dos dias letivos, por pressões

da APEOESP a Secretaria da Educação editou a Instrução Conjunta COGESP­

CEI, de 20 de junho de 1994, publicado no DOE de 21/06, página 17, alterando o

calendário escolar de 200 e 250 dias, para 180 dias letivos como figurava

anteriormente.101 E, mais uma vez, notamos que atitudes impositivas,

autoritárias, sobretudo em questões que exigem o debate coletivo de professores,

pais e alunos, produziram apenas o desgaste, sem ganho algum de trabalho e

qualidade formativa para os alunos;

101. APEOESP - SINDICATO DOS PROFESSORES DO ENSINO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO - Jornal da Apeoesp. São Paulo: Artes Gráficas Guaru Ltda. nº199 - jun/jul/1994.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

91

-a nova jornada: para nós aqui se apresenta um dos aspectos mais

importantes do projeto escola padrão, pois a Hora de Trabalho Pedagógico

(HTP), coloca-se como um ganho qualitativo aliado a existência dos

Coordenadores de Área que, em alguns casos, era escolhido por seus pares. Esta

função foi suprimida a partir do ano de 1994, as escolas passaram a organizar as

coordenações a partir do número de horas aulas disponíveis, havendo portanto,

uma diversificação de áreas, conforme o quadro abaixo, em que apresentamos a

situação das coordenações nas escolas padrão da DE de Presidente Prudente

(Quadro 3). A figura do coordenador, na maioria das vezes, se reverte no

elemento aglutinador, de organização do trabalho, das discussões e análises dos

professores, sobre todos os aspectos pedagógicos envolventes no ensino.

Ao suprimir esta função perde-se mais uma vez na dimensão

qualitativa do trabalho e do estudo do professor.

A HTP, da mesma forma, também se reverte em fator importante

para nosso trabalho, não só porque estivemos por vezes visitando escolas padrão

nestes horários, discutindo questões relativas a cartografia e o ensino de

geografia em geral, mas sobretudo porque representa um espaço efetivo de troca

de experiência e possibilidade de estudo e portanto de formação qualitativa do

professor. (não capacitação). Estas questões é que nos levaram a trabalhar com o

professor de escola padrão, tendo em vista que o processo de seleção (apesar dos

problemas apontados) e outras considerações apresentadas, refletem condições

diferenciadas de trabalho.

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QUADR03-COORDENAÇÃO-ESCOLAPADRÃO

NOME DA ESCOLA AREASDECOORDENAÇAO EEPG FLORIV ALDO LEAL Ensino Fundamental (CB a 4ª série)

Ensino Fundamental ( S3 a 8ª série) CIC Curso Noturno

EEPG JOAO FRANCO DE GODOY Ensino Fundamental (CB a 4ª série) Ensino Fundamental ( 5ª a 8ª série) CIC Curso Noturno

EEPG DR JOSE FOZ Ensino Fundamental (CB a 4ª série) CIC Curso Noturno

EEPG PROF. MARIA LUIZA FORMOZINHO Ensino Fundamental (CB a 4ª série) RIBEIRO Ensino Fundamental ( S3 a 8ª série)

CIC Curso Noturno

EESG MONSENHOR SARRION Comunicação e expressão Matemática e Física História e Geografia Química e Biologia Magistério (HEM) CIC Curso Noturno

EEPG ANIBAL VITOR PAIVA Ensino Fundamental (CB a 4ª série) Ensino Fundamental ( S3 a 8ª série) CIC Curso Noturno

EEPSG PROF. ADOLPHO ARRUDA Ensino Fundamental (CB a 4ª série) MEL LO Ensino Fundamental ( 5ª s 8ª série)

Ensino Médio CIC Ensino Noturno

EEPG ANTONIO FIORA V ANTE DE Ensino Fundamental (CB a 4ª série) MENEZES Ensino Fundamental ( 5ª a 8ª série)

CIC Curso Noturno

EEPG CARMEM PEREIRA DELFIM Ensino Fundamental (CB a 4ª série) CIC Curso Noturno

EEPSG FILOMENA SCA TENA Ensino Fundamental (CB a 4ª série) CHRISTÓF ANO Ensino Fundamental ( S3 a 8ª série)

CIC Curso Noturno

EEPG CORONEL GOULART CIC Curso Noturno

Fonte: DRE de Presidente Prudente.

92

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

93

-questão salarial: com certeza este tema se coloca como um dos

nós da escola pública, a questão tem se tomado repetitiva e procuramos aqui

concentrar uma de nossas reflexões sobre o problema. A questão salarial, em

virtude das exposições no documento (anexo 6), em que afirma ser um fator

determinante na recuperação qualitativa da escola elimina em parte a discussão

do ponto de vista do Governo, pois está claro que não existe um compromisso

com o ensino público, haja visto os salários na ordem de 1,2 mínimos por mês,

talvez um dos mais baixos de toda a história do magistério público. Trata-se

portanto de um proselitismo político e não a efetiva preocupação do Governo em

resolver esta questão, a julgar pelos movimentos grevistas, dos anos de 91,92,93

e 94, que desgastaram professores, pais e alunos;

-rede física e recursos materiais: estas questões últimas recebem

como destaque os materiais que chegaram as escolas (livros, assinaturas de

revistas e jornais, fitas de vídeo e equipamentos), mais propriamente o conjunto

de livros e a ampliação dos prédios. No entanto estes fatores estão muito mais

ligados ao mercado das editoras que pressionam o Estado, e em conjunto as

empreiteiras, do que uma efetiva preocupação com o ensino público.

Porém, no conjunto, não se pode negar que existem alguns avanços,

e por reconhecermos estas questões é que realizamos nosso trabalho de campo

junto aos professores da escola padrão. Trata-se, em certa medida, de um espaço

diferenciado da massacrante rotina, daquilo que passamos a chamar de escola

comum (não padrão).

O sindicato (APEOESP) colocou-se contrário ao projeto, por

alegações várias, dentre elas a divisão dentro da categoria, pelos aspectos

funcionais e salariais. Verificamos que existem questões positivas e que devem

ser estendidas a todas as escolas e professores.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

94

Isto coloca como imperativo uma revisão de nossas posturas. Uma

delas, cremos, deve partir do próprio sindicato em conduzir uma discussão séria

acerca da qualidade formativa de nossos professores. Não é dificil ouvirmos

comentários como: "Ganham muito pelo pouco que sabem e fazem pela

educação".

Com isto, queremos afirmarmos que se esgota a questão salarial por

parte do Governo, e se efetiva a necessidade de abrir um novo debate, que integre

em definitivo a questão qualitativa do ensino com a questão salarial, pois nossos

discursos não atingem a comunidade, ou seja não está claro, para a população, a

relação salário x qualidade. Ao propormos estas questões, nos valemos da

seriedade em reconhecer que nossos movimentos de luta estão esgotados se

aqueles que dependem da escola pública não compreenderem esta relação. O

apoio que tanto desejamos aos nossos movimentos, se estabelecerá quando

colocarmos neles o sentido claro de duas mãos - salário e qualidade -, pois,

apesar de nossos discursos, temos sabido que a leitura e importância dada,

inclusive por nós, tem sido normalmente sobre o primeiro.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

95

1.4. Procedimentos

Os sujeitos envolvidos diretamente nesta pesquisa foram, como

apontamos, os profissionais que atuam em escolas padrão. Foram entrevistados

nos meses de maio, junho e julho de 1994, um total de 22 professores o que nos

permitiu cobrir oito das onze escolas padrão da DE de Presidente Prudente. A

intenção era atingir o número total de professores (são ao todo 28 professores),

mas houveram impedimentos aos quais associamos a entrada de férias dos

docentes, indisponibilidade e, no limite, a negativa clara ou subreptícia de

colaborar com o trabalho.

O tratamento dos dados foi feito em duas partes, a parte inicial do

Instrumento (anexo) denominada caracterização que foi destacada e indicados os

dados de ordem quantitativa e a parte denominada Cartografia e Geografia foi

reproduzida sem a identificação. O intuito foi de preservar o professor que

contribuiu com a pesquisa, tendo em vista que em nossa sociedade o não saber é

inadmissível e ao mesmo tempo um conceito irrelevante, porém, quando se trata

de investigar seus reflexos sobre as práticas cotidianas, o não saber demonstra ter

uma eficácia fundamental no desvendamento da realidade. O não reconhecimento

de sua existência é que permite o domínio da ideologia e sobretudo da

intransigência e da arrogância, questões que não se colocaram para estes colegas

que se prestaram a colaborar. Chaui nos ajudar a aclarar esta questão ao afirmar

que

"O saber é um trabalho. Por ser um trabalho, é uma negação

reflexionante, isto é, uma negação que, por sua própria força interna, transforma

algo que lhe é externo, resistente e opaco. O saber é o trabalho para elevar à

dimensão do conceito uma situação de não saber, isto é, a experiência imediata

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

96

cuja obscuridade pede o trabalho de clarificação (...). Ora para que a ideologia

seja eficaz é preciso que realize o movimento que lhe é peculiar, qual seja,

recusar o não saber que habita a experiência, ter a habilidade para assegurar

uma posição graças à qual possa neutralizar a história, abolir as diferenças,

ocultar as contradições e desarmar toda a tentativa de interrogação "102•

Esta negação reflexionante foi possível de ser observada na medida

em que a totalidade dos professores reconheceram que deveriam romper com as

deficiências apresentadas e avançar nos domínios conceptuais da própria

geografia.

A consciência do não saber é o fundamento para rompê-lo, para

construir um novo patamar de consciência. Observamos, também que aqueles que

se recusam ao debate, muitas vezes, elaboram um outro tipo e dimensão de

"saber" - escolástico. Neste caso salientamos que há "saberes" que negam o

trabalho.

Nas entrevistas por nós realizada, procurávamos pontuar questões

relativas ao saber e ao trabalho docente procurando ainda estabelecer um diálogo

tranqüilo e transparente, onde colocamos nossas preocupações e explicamos tanto

o instrumento, o porquê de sua estrutura e forma de aplicação. Percebemos que

aqueles que se proporam a conceder a entrevista colocaram um alto grau de

contribuição e valorização de seu/nosso trabalho.

Reconhecemos, e assumimos que o instrumento de pesquisa

utilizado era por demais conflitante, porque colocava o professor "tê te-à-tê te"

com o entrevistador, numa situação de confirmação do saber. É por esta questão

que reapresentamos, aqui, no início da exposição de nossa pesquisa de campo,

nosso agradecimento e nosso respeito, por conta de verificarmos que para realiza-

102. CHAUI, Marilena de Souza - Cultura e Democracia: o discurso competente e outras falas. São Paulo: Cortez, 1990, p-4-5.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

97

la o professor necessitava estar despojado de "autoridades", para falar com

autoridade sobre os descaminhos do saber geográfico.

QUADR04-

CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS PROF ANO INSTIT ESPEC LICENC POS- TEMPO NºESCOLA SERIES Nº SIT.

Nº FORM FORM. BACH. CURTA GRAD MAGIS LECIONA LEC. HTP FUNC T

1 74 1 2 N N 20 1 3 6 1 2 83 2 3 s N 05 1 1 6 3 3 74 1 2 N N 20 1 2 6 1 4 72 1 3 N N 24 1 2 6 1 5 85 1 1 N N 08 1 2 6 1 6 77 1 2 N N 16 1 2 6 1 7 80 1 3 N N 12 1 1 6 1 8 88 4 3 s N 05 1 1 6 3 9 86 4 3 s N 07 1 1 5 3 10 73 4 2 N N 24 1 2 6 1 11 89 4 1 s s 04 1 1 6 3 12 89 1 1 N s 04 1 1 6 3 13 93 1 1 N N 01 1 1 3 3 14 89 1 1 N N 05 2 3 6 3 15 75 1 2 N N 22 1 1 6 1 16 75 1 2 N N 22 1 2 6 1 17 86 4 3 s N 19 1 1 5 3 18 80 4 3 N N 13 1 1 5 2 19 85 4 3 s N 14 1 3 6 3 20 80 4 3 s N 15 1 1 6 3 21 74 1 2 N N 20 1 1 6 1 22 87 1 1 N s 02 1 1 3 3

INSTITUIÇAO BACH.ESPEC. SERIES SIT. FUNCIONAL 1- UNESP 1 - Realização de Pesquisa 1-lºgrau 1 - Efetivo 2- UNOESTE 2 - Título atribuído 2 - 2° grau 2 - Estável 3 - Outra Pública 3 - Não fez 3 - 1 º e 2° graus 3 -ACT 4 - Outra Particular

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

98

1.5. Caracterização dos sujeitos

Para este item as questões relevantes de caracterização dos sujeitos

(Conforme Quadro 4) em nossa pesquisa referem-se ao percentual de professores

formados pela escola pública 77%, o tempo de magistério, cuja maioria (81 %)

apresenta tempo superior a 5 anos, e os 81 % que cursaram a licenciatura plena,

apesar dos baixos percentuais relativos a realização de pós-graduação ou pesquisa

científica na graduação. Estas questões são importantes pois referem-se

diretamente à qualidade formativa dos docentes, pois os professores da escola

padrão, sujeitos desta pesquisa, apresentam um perfil diferenciado do conjunto

maior dos professores da rede estadual paulista, partindo do princípio da

formação pública, da experiência profissional e da obtenção do título da

licenciatura plena.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

99

2. Formação geográfica e cartografia

A partir deste item passamos a discutir a compreensão dos

professores acerca de dois pontos básicos de nosso trabalho: o primeiro refere-se

a uma discussão já iniciada por nós, trata-se do debate sobre a efetiva

especialização docente; o segundo, remete-nos a discussão dos aspectos

cartográficos e a formação docente.

2.1. Formação/especialização

Uma de nossas pnme1ras indagações junto aos professores foi

referente a questão da formação. O professor de geografia é especialista do que se

propõe a trabalhar? Aqui a palavra especialização se refere ao domínio de seu

trabalho em todas as dimensões técnico-pedagógico, conceptual e política.

Grande parte dos professores afirmaram que são especialistas de seu componente

curricular (60%).

Neste item observamos que a visão que se atribui a formação é

aquela vinculada aos aspectos formais da profissionalização, o "programa

curricular" e o "certificado de conclusão". Todas as respostas apontam para este

viés institucional.

Solicitamos ao professor que comentasse sobre a seguinte

afirmação: "O problema do ensino de Geografia é que o professor não tem

formação geográfica, ele não é um especialista". Observemos as respotas:

i1~ ~ m;rrw, ~ ek, Ff ~ ek, ri,M, ~ wm ~' l9 ~ ek,

h ru» ~ rk ~ (2)

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

100

~11(3)

A importância desta questão se coloca na medida em que

imediatamente os sujeitos se contradizem, principalmente ao percebermos as

dificuldades de domínio conceptual do professor.

Alguns professores apontaram em suas respostas para uma

relação/separação entre qualidade, prática cotidiana do saber e "reconhecimento

oficial" de especialização.

li()~ ck N+· aMiJm ~ ~ ~ ~ ~· riM &m

~•rktuk.A~s~~~~.~Q;~~

r ~. rrWlY ~ ~ ~. AF~~ rk ~ ~· éb

~ s ~ ~ r riM ~ Lk e, r ~ ~ ~ ~ ~-(l;­~11. (5)

11/bM, ~ fW1r ~~ (l; ~ ~ ~ ~ ~·

~ riM &u ~km ~11

. (6)

11 Gm ;wik s ~. rwu • fncb, ~ ~ ~ riM JiM, ~ f1lú»

Wv wm ~11

.(14).

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

101

Estas falas rompem com a dimensão exclusiva da competência

pelo viés institucional-burocrático e assume o patamar do sujeito em sua prática

de formação e trabalho docente.

Significa dizer que estabelecer a leitura pelo viés único da divisão

técnico-científica pode não apreender questões relativas a práxis do sujeito.

Por outro lado grande parte dos professores, afirmam que a

formação que obtiveram em nada tinha a ver com aquela geografia que praticam

na escola. Revela-se aqui uma contradição aparente, uma vez que, apenas alguns

reconheciam que da sala de aula, como aluno, para a sala de aula, como

professor, a formação universitária apontava para qualidades formativas

(método) da prática docente e não informativas (conteúdo).

Ao mesmo tempo em que se colocavam como especialista alguns

avaliaram seu trabalho como de nível médio. O que nos chamou atenção é que,

apesar de associarem do ponto de vista do conteúdo a falta de sintonia entre

Universidade e Escola, quando questionado sobre as dificuldades encontradas na

sala de aula, dificuldades estas que ele professor associava com as deficiências

de formação raramente as respostas estavam ligadas aos conteúdos e sim a

vivência de sala de aula, aos aspectos de ordem metodológica e a didática.

Como você avalia seu trabalho?

TABELA 6-

A V ALIAÇÃO DO TRABALHO

Ruim 1 5% Regular 6 27% Bom 5 23% Otimo 1 5% Não avaliou 9 40% TOTAL 22 100%

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

102

No tocante as dificuldades encontradas na prática docente aparece a

argumentação relativa à prática com o livro didático, uma vez que os professores

assumiam suas classes e deparavam-se com conteúdos pouco identificados com

aqueles trabalhados na universidade, a opção era estudar em livros didáticos, daí

o porque de vincularem as dificuldades aos aspectos didáticos, faltavam-lhes

"mecanismos" para ensinar os novos conteúdos.

Quais problemas você encontrou na prática de sala de aula que você

associa com sua formação universitária?

11Yaib ~ ~, Mt ~ da, ~ ~ rrwk ~· G

~' ~~, ~difd~~ll.(1)

11y~ ~ Cf»U ~ Cf»U ~ fwrik ÜJ U/m()J ~

~ Cf»U ~ 71,Q; ~11

• (20)

Observamos que no conjunto de respostas acima o enfoque

principal é quanto ao aspecto pedagógico, mas há considerações relacionadas ao

aspecto de domínio conceptual (conteúdo). Esta separação é possível de ser

realizada a "nível da análise", mas estas dimensões (pedagógica/conceptual) se

interpõem na prática docente de forma conjunta e quase que indissociável.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

103

11

A ~eh~~~· a1:v ~ &niimm wm

~~.~~,rrwbwm~~~~

~.1

'(22)

i 1 (9 ~ m ufil nGJ ~ eJW; wrrul! ~ ~ eh ~. ~ ~

~· CJ; ~ riJM, Jumm e; G- rneMnf9, ~ m ~e;~ rrwÁ!1 ~.11

(16)

Esta ausência de debate sobre o conteúdo, se estabelece tendo em

vista que o fazer do professor parte exatamente do domínio conceptual e não da

formação técnico-pedagógica. No entanto suas afirmações se fixam mais no

aspecto pedagógico, quando deveriam concentrar no domínio conceptual. O

domínio conceptual é que permite a construção de metodologias de

ensino/aprendizagem.

Por isso consideramos que a especialização se trata de uma

condição que se consolida a partir do efetivo domínio conceptual do professor na

área (ou componente curricular), em que se propõe a trabalhar. Uma condição

que não se estabelece a priori, pelo viés burocrático, mas pela efetiva exercitação

do saber e da constante reflexão sobre ele. A especialização se coloca como um

fator primeiro para o desenvolvimento de um conhecimento mais amplo, que

possibilite a construção de dimensões hoje perseguidas pelo debate universitário

(das ciências): a transdisciplinaridade, a multidisciplinaridade e a

interdisciplinaridade.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

104

2.2. Cartografia e formação

Ao discutirmos a cartografia e a formação, buscamos considerar em

que medida o professor de geografia compreende a cartografia como um dos

elementos de consolidação da especialização geográfica.

Quando em nosso instrumento de pesquisa passávamos as questões

relativas à cartografia ouvíamos sempre alguns suspiros e afirmações do tipo:

11 q_p ?li J&wm, ~·

Este tipo de comentário demonstra que se tratava mesmo de uma

situação conflitante, tanto para nós, como para os professores.

E iniciamos exatamente pela avaliação que os professores faziam de

sua formação cartográfica, e observamos que grande parte dos entrevistados,

64%, classificaram-no como ruim.

Como você avalia sua formação cartográfica ?

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

105

TABELA 7-FORMAÇÃO CARTOGRÁFICA

Ruim 14 64% Regular 4 18% Bom 4 18% Otimo - -Não avaliou - -TOTAL 22 100%

Por quais motivos ?

Os motivos apontados como justificativa para tal formação foram:

Dificuldades com cartografia:

Dificuldades da Universidade:

11 e; ~· rna6t füi0, ~. ~ ck Wv wm F fdwv, rna6t eJl)J; ~

~ ~ ciJU ~ Jn, Fr+ ~ º' ~ ~ cv pwik ~ ~. TIM dM:v

~ OJnM ~ ~ ~' füi0, ~ ~ i;n);J~ ~ ~­

&v. e CMru cv ~ Jn, ~ ooci rUi0- ~.A llFr+ ~li eJl)J; ~.

~-~ Jn, ~ ~ maJVIÁMru9, - e~ xu;rrw;nafv- ~. e; ~ dM

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106

~ fmF» ~ N+ e, fü]; ~ nM ~· e, fwm1mm ~ Frll.

(22)

11A ~ cÍJ» ~ ~ wúm. ~ ~ OJrlÁ9' ~ ~ ~. ~ ~

~ Y/, ~ ~ CJJJmj»... J~, ~· ~. ~ ~ f&, e, riM Y/, ~

~~~Ob~~. ~~~rJMUAf);m();~

e,~ UAf);-f& aft ~ ~ OJrlfo.11

(16).

11 2~ ~ (); ~ 'TTUllv 'iMTU ~ ~ Y/, apkvu. rPaM/J; ();

~ ~ (Jewrrw;na,), rnillb ~ ~ ~.11(19)

Observamos nestes depoimentos três questões importantes para as

discussões que temos apontado.

A primeira refere-se a visão técnica que a cartografia transparece

( 1cáiuJM, ~11

); a segunda, relaciona-se ao privilegiamento de

determinarmos conceitos em geografia ( 1

~ cÍJ» Fr+ ~11

-11

(paM/J; ();

~ ~ (/ewrrw;na,), rnillb ~ ~ (); ~11 ); e terceiro, vincula-se a

estrutura universitária e o tratamento cartográfico dispensado pela instituição

formadora que revela problemas de formação, tais como o isolamento da

cartografia na própria estrutura curricular (2~ ~ (); ~11

-11 2 ~

~ e/W; ~ CMTh ~~li - li~~ riM UMJm ();~li

_ 11

y~ ~ ~11

-

1

~ ~ ~11

), e a falta de vínculo entre a

disciplina e as atividades de pesquisa de alguns profissionais, fazendo com que o

ensino de cartografia seja uma atividade a parte de suas atividades acadêmicas.

Estas concepções têm trazido sérios prejuízos a formação de nossos

alunos, desde a formação elementar, até mesmo na universidade.

E os professores ao reconhecerem as suas limitações e dificuldades

da formação cartográfica, em contrapartida, reconheceram também a extrema

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107

importância que estes conteúdos apresentam na formação dos alunos e no ensino

de geografia. Este último aspecto é que nos impele a buscar compreender o

efetivo domínio conceptual dos professores da rede pública, como base para

reflexões futuras e para pensar por quais caminhos poderemos avançar na

cartografia e na formação geográfica.

3. O domínio conceptual cartográfico

A princípio queremos deixar claro o que entendemos por domínio

conceptual cartográfico: trata-se, especificamente, da qualidade formativa do

professor e as condições que ele apresenta para construir estes conceitos junto aos

seus alunos. Por conceitos cartográficos entendemos, também, o conjunto de

conteúdos ligados a representação dos fenômenos da Terra. Conteúdos estes que

são trabalhados nas disciplinas de cartografia nos cursos de geografia (anexos 5 e

6 - Programas das disciplinas de cartografia ministradas no curso de geografia da

UNESP e UNOESTE), especificamente das universidades que formaram grande

parte dos entrevistados. Registramos que o tratamento ideal é domínio

geocartográfico, mas antecipamos, que ao mencionarmos conceitos cartográficos

não estamos nos referindo a cartografia em si, mas de conceitos relacionados a

geografia, objeto e objetivo de formação nos cursos de graduação - Licenciatura e

Bacharelado.

Os conceitos aqui privilegiados não procuram dar conta da

totalidade de conteúdos ministrados nas disciplinas de cartografia dos cursos

superiores em geografia, mas, estão sim, relacionados aos aspectos básicos de

domínio do conteúdo geográfico e sobretudo a partir de conceitos e habilidades

que devem ser construídas e/ou adquiridas pelos estudantes nos diversos níveis

de formação (ensino fundamental, médio e superior), aspectos estes de ordem

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108

cognitiva, já pontuados anteriormente, e citados a partir do desenvolvimento das

linhas de pesquisa em cartografia e geografia.

Assim, esta parte do estudo tem por objetivo investigar o nível de

domínio conceptual cartográfico do professor de geografia, mas objetivamos

também pontuar as definições dadas por estudiosos de cartografia a respeito dos

conceitos. A intenção não é a desvalorização dos conceitos emitidos pelos

professores estabelecendo valores, mas sim, ao mesmo tempo em que clareamos

de forma precisa o conceito, construímos em nosso trabalho a qualidade de

referência, de consulta e estudo. Ao enviarmos nossa pesquisa as escolas, os

professores poderão ter a curiosidade de localizar suas respostas e confronta-las

(eles sim), e ter nesta pesquisa um material próximo, cuja identidade fora

construída de forma efetiva, porque intencionamos que se efetive esta reflexão.

Os conceitos aqui apresentados não seguirão a ordem do

instrumento de pesquisa, pois estarão agrupados, no sentido de estabelecer

relações entre conceitos próximos e interdependentes.

A questão que se aplicou no instrumento para estes conceitos foi:

Comente sobre ... (escala, planta, etc.). Isto possibilitou que o professor desse a

resposta que desejasse, permitiu-se ainda que o professor citasse uma palavra que

se relacionasse ao conceito, caso apresentasse dificuldades em discorrer sobre o

mesmo.

As respostas dos professores estão organizadas em quatro grupos:

Correta:

Relacionada:

a resposta que em nossa opinião reflete o domínio do

professor acerca do conceito envolvido, levando ainda em

consideração as publicações consultadas;

a resposta cujo conteúdo, ainda que não sistematizada,

apresenta relação com o conceito.

Não relacionada: a resposta cujo conteúdo em nada se aproxima do conceito.

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109

Não respondida: a questão que não apresenta nenhum comentário do

professor.

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110

3.1. PLANTAS, CARTAS E MAPAS

Pontuamos questões relativas aos documentos cartográficos tendo

em vista e grande confusão que se faz com estas terminologias.

TABELA 8-

PLANTA

Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL

TABELA 9-

CARTA

Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL

TABELA 10-

MAPA

Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL

3 14% 12 54% 6 27% 1 5%

22 100%

5 23% 9 41% 4 18% 4 18%

22 100%

10 45% 9 41% 3 14% - -

22 100%

As respostas obtidas para estes conceitos determinam a importância

de nossa investigação, tendo em vista que estão intimamente ligados ao trabalho

de sala-de-aula.

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111

Algumas respostas que classificamos como relacionadas exprimem

a dificuldade de domínio. Foram raras às vezes, não apenas para estes

conceitos/conteúdos, mas para os demais, em que os professores conseguiram de

forma clara, concisa e objetiva explicar estes conceitos.

Planta:

1 - 11(!2~ ck ~ cMuvll (1)

1 - 11~11 (2)

1 - llJ~ ~ ~ ~ eJíl!Wru9,ll (5)

1-11

~? JJei &s, ... e~~ ~11

(7)

Carta:

2 - 11(!2~ ck ~ ~, ~li (1)

2 - 1 1 rPbnb ck UJm(J; á;w,a;11

( 4)

2 - 1171;ro, U/.\,(9,11 (7)

Mapa:

3- 11(!2~ rwF ~ 1ww,11 (1)

3 - 11~11 (2)

3- li~~ á;w,a;, ~ ... (4)

A imprecisão conceptual é óbvia. Claro que os três conceitos pela

sua proximidade apresentam muitas relações, mas é fundamental ao professor de

geografia ter clareza das diferenças entre elas, ou pelo menos dos critérios de

classificação existentes.

Vejamos o que SANCHES (1973), comenta sobre estes conceitos

ao afirmar que:

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112

"o vocábulo "mapa" é uma designação genérica entre os leigos,

pois cartógrafos e geógrafos reconhecem vários tipos de mapa".

E resume as definições mais usadas dos tipos de mapa da seguinte

maneira:

Carta. é toda representação de parte da superficie terrestre em

escalas geralmente grandes, portanto com algum detalhe. Essas representações

possuem como limites, a maior das vezes, as coordenadas geográficas, e

raramente terminam em limites político-administrativos. As observações e

informações tais como título, escala, fonte, etc. aparecem fora das linhas que

fecham o quadro de representação, ou seja, aquela linha preta que circunscreve

a área objeto de representação espacial

Mapa. como a carta, resulta de um levantamento preciso, exato, da

superficie terrestre, mas em escala menor, apresentando menor número de

detalhes em relação à carta. Os limites do terreno representado coincidem com

os limites político-administrativos, sendo que o título e as informações

complementares são colocadas no interior do quadro de representação que

circunscreve a área mapeada.

Cartograma. é um tipo de representação que se preocupa menos

com os limites exatos e precisos, bem como das coordenadas geográficas, para

se preocupar mais com as informações que serão objeto da distribuição espacial

no interior do mapa. Dessas considerações podemos concluir que o ideal sempre

será a elaboração de cartogramas tendo como base mapas. Como os mapas

resultam de levantamentos precisos, fornecerão o substratum ideal para o

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

113

lançamento das informações, das quais estamos interessados em verificar seu

comportamento espacial. Daí podermos afirmar que todo mapa pode ser

transformado em cartograma, mas nem todo cartograma é um mapa. Em síntese,

o que interessa especificamente ao cartograma é o conteúdo, ou seja, as

ieformações (população, uso do solo, indústrias, etc.) que vão ser colocadas no

interior do mapa. 11103

Como citamos anteriormente, os termos apresentam uma variedade

de definições, segundo o uso, a escala, etc. André Libault, por exemplo, apresenta

sua

classificação das cartas planimétricas segundo a escala:

''As escalas maiores, de 1: 5. 00 até 1: 5. 000 permitem desenhar os

planos cadastrais ou as plantas das cidades. A partir de 1: 5. 000, obtemos os

levantamentos de detalhe ou planos topográficos. Ao ultrapassar a escala de

1:25.000 (1:20:000) já encontramos as cartas topográficas que ocupam um

domínio bastante extenso, até 1:250.000 (1:200.000) De escala menor do que

1:500.000, as cartas podem ser chamadas corográficas, pois como que fornecem

uma visão global de uma região (core). Mas os países de área muito grande,

assim como os continentes, não podem ser completamente abrangidos, senão por

cartas gerais, de escala da ordem de 1: 5. 000. 000 até 1: 100. 000. 000 ou mesmo,

menos. 1º4

103. OLIVEIRA, Lívia - Estudo metodológico e cognitivo do mapa. São Paulo: Instituto de Geografia/USP, 1978 p. 18.

104. LIBAULT, André- Geocartografia. São Paulo: Ed. nacional/USP, 1973, p. 186.

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114

Assim, as classificações de plantas, cartas e mapas estão

relacionadas a escala, e entre cartas e mapas segundo o uso/finalidade. Outras

classificações como a de Oliveira (1993)1º5 também apontam nesta direção.

Para nós a questão que se coloca não é apenas apreensão do

conteúdo em si, mas do reconhecimento de sua importância para a formação e,

portanto, para o ensino/aprendizagem.

O mapa, por exemplo, é um conceito que está próximo ao

vocabulário do professor, em sua prática cotidiana, façamos algumas reflexões,

afim de elucidar nossa insistente afirmação sobre a importância destes conceitos

no processo de ensino e aprendizagem da geografia.

105. OLIVEIRA, André - Curso de cartografia moderna. Rio de Janeiro: IBGE, 1993a, p. 30-36.

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115

3.2. O MAPA

A importância deste conteúdo/conceito para o ensino aprendizagem

é inegável, pois encerra aspectos de ordem didática, não apenas para a geografia,

mas de análise da configuração espacial de uma área, país, etc.

Ao perguntarmos para os professores se eles ensinavam seus alunos

a lerem mapas e tabelas, a grande maioria, 77% respondeu que sim.

TABELA 11 -

ENSINO DE MAPAS E TABELAS

Sim 17 77% Não 2 9% Pouco 2 9% Não Respondida 1 5% TOTAL 22 100%

1 1 [' . e:__ ' . o . J (_ 1 1 (2) l/nJiAJM- rLQ; ~ WUJiJ ru ~ fJ.UrTIJMA/JJb ~ a, ºº" .

11!1~ ~ 'f1f9, fmk, Wmll. (7)

Em verdade o que ocorre ao longo dos anos, e já pontuados em

outros trabalhos, é que o mapa é um dos recursos subutilizados pelo professor, a

própria dificuldade de conceptualização expressa que os 77% que responderam

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

116

que ensinam seus alunos a lerem mapas devem fazê-lo de forma pouco precisa.

Assim o que passamos a questionar não é somente a quantidade de respostas ou

mesmo a interferência ou uso do material no trabalho de sala de aula (algo que

não foi objeto de nossas observações), mas sim o paradoxo entre o não domínio

do conceito por parte de 55% de professores e o índice de respostas em que

apontam para o ensino da leitura de mapas junto aos seus alunos, revelando

assim os problemas existentes com o ensino do mapa, em nossas escolas. É o que

nos coloca CECCHET (1982), ao afirmar que:

" No ensino, o mapa tem sido comumente utilizado como mais um

recurso didático para se ilustrar aulas expositivas, localizar determinados

eventos ou ainda como base para exercícios sobre o espaço. Essa situação

neutraliza o grande potencial de aprendizagem geográfica inerente ao mapa, que

deixa de se desenvolver devido a inexistência de uma metodologia especifica. "106

OLIVEIRA (1978), indica que

"A nosso ver, o problema didático do mapa é que, em nível de sala

de aula, o professor o utiliza como um recurso visual, com o objetivo de ilustrar

e mesmo "concretizar" a realidade; e recorre ao mapa, que já é uma

representação e uma abstração em alto grau do mundo real. Ao apresentar o

mapa ao aluno, o professor geralmente não considera o desenvolvimento mental

da criança, especialmente em termos de construção do espaço. 101

Este desconhecimento do professor dos aspectos cognitivos não foi

trabalhado junto a esta pesquisa, mas indicam que as dificuldades desse

!06. CECCHET, Jandira Maria - Iniciação cognitiva do mapa. Rio Claro: IGCE, 1982.(Dissertação de Mestrado) p.2.

101. OLIVEIRA, 1978, op. cit. p. 15.

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117

profissional em enxergar o mapa como um instrumento de ensmo cujas

facilidades apresentadas auxiliam seu trabalho, denunciam o distanciamento

existente entre o professor e os materiais comumente utilizados no ensino de

geografia. Segundo OLIVEIRA (1978).

" mapa - o apoio da memória e conservação do que registram

nossos sentidos, capaz também de suprir suas deficiências, por reduzir as

grandes distâncias, simplificar a complexidade dos fenômenos e facilitar a visão

de relações. 108

Ao estabelecermos as discussões da cartografia e a proposta de

geografia da CENP, tivemos a oportunidade de indicar a importância da

cartografia na construção de conceitos e na elaboração de uma análise crítica

sobre o espaço representado, e por outro lado OLIVEIRA (1978), expressa que o

domínio do trabalho com mapas revela-se, não apenas como uma exigência

burocrática curricular, mas como uma necessidade formativa de alunos e

professores.

"O mapa é inerente ao trabalho do geógrafo e por extensão ao do

professor de Geografia de qualquer nível de docência. E os geógrafos que

pesquisam no campo da educação não se tem preocupado diretamente com os

mapas da criança. mas sim com a manipulação dos mapas em nível de sala de

aula. O mapa é definido, em educação, como um recurso visual a que o professor

deve recorrer para ensinar Geografia e que o aluno deve manipular para

aprender os fenômenos geográficos; ele não é concebido como um meio de

comunicação, nem como uma linguagem que permite ao aluno expressar

espacialmente um conjunto de fatos; não é apresentado ao aluno como uma

108. Idem, p.9.

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118

solução alternativa de representação espacial de variáveis que possam ser

manipuladas na tomada de decisões na resolução dos problemas".109

Ao apontar estas questões, a autora, tece considerações acerca do

objetivo de formar professores com domínio cartográfico, o que representam

condições de utilização da cartografia no ensino de forma mais eficiente.

" Este objetivo representa nossa convicção profunda que somente

desta maneira se pode preparar o professor para crescer intelectualmente e

desenvolver métodos para transformar o ensino pelo mapa no ensino do

mapa ... 11110

''No ensino do mapa, três aspectos devem ser analisados: os tipos

de mapas escolares utilizados e disponíveis para o uso nas diversas escolas; a

seleção dos mapas e suas funções em sala de aula; e por último, mas de forma

não menos importante, o preparo dos professores no tocante aos mapas. "111

Reforça, assim, a autora, nossas considerações acerca da qualidade

formativa do professor para o trabalho de cartografia, em especial o trabalho com

mapas, atentemos para as considerações que seguem, e que envolvem os aspectos

didáticos do ensino de cartografia e da formação docente:

"O problema didático do ensino do mapa, como não poderia deixar

de ser, recai sobre a formação básica do professor. É um truísmo afirmar que o

ensino depende do professor. ".

109. Idem, p. 39. A partir deste trabalho de OLIVEIRA, muito se avançou na produção de pesquisas sobre os mapas (grifo nosso). 110. Idem. p.11. 111Idem. p.39.

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119

"Muitas vezes os professores de primeiro e mesmo de segundo

graus são inadequadamente preparados na área de Cartografia.... No entanto,

entre os principais objetivos da Geografia do currículo escolar figura um que diz

respeito a capacidade do aluno em leitura cartográfica, em termos de

desenvolvimento de habilidades de interpretação, manipulação e decodificação

dos símbolos, escala e projeção. "

"O ensino do mapa requer por parte do professor uma formação

muito mais dinâmica do processo de mapeamento. Queremos esclarecer que

nossa posição, ao defender o ensino do mapa, não inválida - ao contrário

reforça - o problema do ensino pelo mapa 11.112

Estas citações revelam ainda, a sintonia com que os problemas

relativos ao ensino vem aparecendo nas pesquisas de cartografia. Quando

relatamos este conjunto de citações e observamos as respostas emitidas pelos

professores, não apenas no tocante ao ensino dos mapas, mas sobretudo nas

conceptualizações por eles emitidas acerca deste documento cartográfico,

percebemos o quão longe estamos de desenvolver/aplicar as pesquisas realizadas

na área das metodologias de ensino de cartografia.

SIMIELLI (1986), ao explicar as causas de melhor desempenho dos

alunos em sua pesquisa , afirma que

"Se tivermos um professor que domine a linguagem gráfica e saiba

transmiti-la aos seus alunos este problema poderá ser aos poucos sanado, ao

passo que, se a situação for inversa e o professor não dominar esta linguagem,

ele não terá condições de fazer seus alunos se interessarem por mapas. O aluno

112. Idem. p.45-46.

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120

precisa, pois, conhecer e se familiarizar com o alfabeto cartográfico e isso é

tarefa do professor". 113

Quando pontuamos inicialmente a quantidade de professores de

Geografia, da DE de Presidente Prudente (Tabela 2), cuja situação funcional era

enquadrada como ACT ( 66% ), comentávamos sobre o problema que isto

representa pela falta de continuidade do trabalho. SIMIELLI (1988), em sua

pesquisa aponta para um outro dado, que esta pesquisa não procurou investigar,

mas que reflete diretamente na qualidade de formação dos alunos. Trata-se do

professor substituto que nesta estrutura de ensino contribui para fragmentação do

processo formativo.114

As considerações que fazemos são que o professor precisa

apresentar o domínio dos conceitos cartográficos, e isso se refere a formação dos

professores e a sua capacidade para usar o mapa como meio de comunicação dos

conteúdos geográficos.

Mas para o professor que, de maneira geral, depende do livro

didático para a realização de seu trabalho, e que este instrumento passa a ser, em

alguns casos, um certo "professor do professor", é necessário perceber a

qualidade do tratamento cartográfico no material didático. São estas as perguntas

que nos obriga a uma reflexão sobre o material didático: Qual a qualidade do

tratamento e dos conteúdos cartográficos destes materiais ? Este material

objetiva fazer com que o aluno se interesse pela representação cartográfica?

A pesquisa realizada por LE SAN (1985) esclarece que a

( . .) cartografia do livro didático nem sempre alcança estes

objetivos, haja visto os depoimentos de professores sobre as dificuldades e as

113. SIMIELLI, Maria Elena Ramos - O mapa como modo de comunicação. São Paulo: FFLCH (mimeo), 1986. p. 129. (Tese de Doutoramento).

114. SIMIELLI, 1986. op.cit. p. 130.

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121

atitudes negativas dos alunos em relação aos mapas e gráficos. Essa atitude

muitas vezes é uma resposta a má qualidade das ilustrações presentes no

material didático que os alunos têm acesso é um reflexo da atitude do professor

despreparado para ler, analisar e/ou construir documentos cartográficos". 115

Percebemos assim, que mesmo no tocante ao material mediador do

trabalho docente - o livro didático - não se pode prescindir da figura do professor,

sobretudo sob o aspecto qualitativo do ensino e da aprendizagem.

Se por um lado nos debatemos com a questão formativa e a

importância dos professores frente ao ensino do mapa, por outro lado, assim

como a cartografia, o mapa recebe um tratamento específico, é visualizado como

documento da dominação.

Segundo LACOSTE (1974)

"É neste ponto da reflexão que se torna indispensável falar do

mapa que é fundamentalmente, em nossos dias como outrora, um instrumento de

poder. (O Mapa, Formalização do espaço para a dominação do espaço). 116

"Esses mapas que concretizam para os geógrafos as diferentes

conceptualizações dos espaços, também são instrumentos de poder. Certamente,

todos os mapas não tem esta função, pois suas significações são muito

diferentes; assim, as imagens cartográficas que proliferam em nossa época,

reproduzidas pelos jornais, pela televisão ou pelo cartaz publicitário, tem outros

papéis, da mesma forma como os mapas rodoviários. vendidos aos turistas em

milhões de exemplares. Essa difusão maciça de representações cartográficas é

11 5. LE SAN, Janine Gizele - "A cartografia do livro didático de Geografia". ln: Revista de Geografia e Ensino. Belo Horizonte: UFMG, 1985. 2(7) p.4 (grifo nosso).

116. LACOSTE, 1974. op. cit. p. 243.

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122

um fato novo. Até época bastante recente, os mapas estavam entre as mãos

daqueles que participavam diretamente do exercício do poder". 11 7

Na verdade, por conta destas leituras, se aproxima a cartografia

com o Estado, e assim, com a dominação, este recorte ideológico produziu um

distanciamento da cartografia do movimento de renovação geográfica. Ao mesmo

tempo em que este documento (o mapa) passa por um maciço processo de

difusão. Mas, é o próprio Lacoste, que ao afirmar que se por um lado o mapa é

um instrumento de poder é também um instrumento de base geográfica:

( . .)"Em tudo o que acaba de ser dito sobre os geógrafos, não se

colocou a questão do mapa; ela não se impôs porque, de fato, o modo como os

geógrafos falam de sua disciplina dá muito pouco lugar aos problemas da

cartografia, que é habitualmente considerada como uma técnica (ou uma

ciência) nitidamente separada e distinta da geografia. No entanto, o discurso do

geógrafo refere-se continuamente a mapas (e não ao mapa), mas os geógrafos

não o proferem. Seria por ele ser demasiado evidente? Eles proclamam

freqüentemente seu gosto pelo "concreto" e sua desconfiança em relação ao

"abstrato", enquanto se referem ou deveriam referir-se ao mapa, isto é, um

conjunto de sinais, a certo abstrato que foi extraído do concreto. " A

formalização cartográfica é, pois, o lugar de uma experiência epistemológica

privilegiada" Georges Gusdorf, La Revolution Galiléenne Payot, 1969 p.367 -

Ela corresponde, de modo bastante surpreendente, à primeira etapa do

pensamento cientifico descrita por Gaston Bachelar nas primeiras linhas de ''A

formação do espírito cientifico " Tornar geométrica a representação, isto é,

descrever os fenômenos e ordenar em série os acontecimentos decisivos da

experiência, eis a primeira tarefa em que se afirma o espírito cientifico. É desta

117. Idem. p.244.

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123

maneira, com efeito, que se chega à quantidade figurada, a meio caminho entre o

concreto e o abstrato numa zona intermediária onde o espírito pretende conciliar

as matemáticas e a experiência". 11 8

O domínio da linguagem cartográfica revela-se em uma

necessidade do geógrafo, de referência intelectual e científica e que deve ser por

nós utilizado e reforçada sua utilização. As concepções elaboradas sobre a

cartografia, e o mapa em particular, devem ser consideradas à luz da história, da

evolução do pensamento geográfico no Brasil, é nesta dimensão que podemos

recuperar a importância da cartografia e mesmo as concepções produzidas, ambas

se constituem em fundamentos para a produção de novas leituras sobre a

cartografia e a geografia, seja no ensino ou na pesquisa.

3.2.1. As perguntas que o mapa responde

Preocupados com a utilização do mapa formulamos algumas

questões que poderiam evidenciar a forma e o domínio para utiliza-lo. Ei-las:

Quais as perguntas que o mapa responde (em relação ao que está representado)?

TABELA 12-

PERGUNTAS QUE O MAPA RESPONDE

Correta 7 32% Relacionada - -Não Relacionada 14 63% Não Respondida 1 5% TOTAL 22 100%

118. Idem p. 243-244

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124

O percentual de respostas corretas foi extremamente baixo,

ainda que nos referíssemos, na explicação da pergunta, às três questões básicas de

representação de fenônemo ou objeto geográfico.

O espaço onde(?)ocorre o fenônemo, (o que ?) que tipo de

fenônemo e sua dimensão, o como(?) ele ocorre.

Esta resposta por nós considerada correta se distancia em muito de

respostas como.

llmk, ~li. (3)

Parece-nos que existe, por parte do professor uma confusão entre o

título do mapa e as questões elementares da representação. O percentual de

comparecimento das perguntas de representação foi o seguinte:

O que (está sendo representado)? - 14%

Onde (a localização do fenômeno)? - 22%

Como (situação do fenômeno)? -40%

Segundo LE SAN (1985):

"Os mapas temáticos, além de localizar com precisão os fatos,

introduzem outras informações de ordem quantitativa, ordenada ou qualitativa.

Esses mapas sugerem e respondem às questões: o que? onde? como? quanto?

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

125

quando? por que? Nesse caso, os mapas podem explicar os fatos e não apenas

descrevê-los.119

Para OLIVEIRA (1978), esta questão se inscreve não apenas sob o

aspecto representativo, mas trata-se de uma questão de ordem conceptual, que se

coloca sobre a formação geográfica:

"Quanto ao geógrafo, sua pergunta fundamental, para qual ele

procura uma resposta, é uma das questões básicas da humanidade: onde? Mas,

à questão: onde ? o geógrafo tem necessidade de acrescentar outras questões,

como: o que?, quando? como? e por que? - para explicar geograficamente a

ocorrência dos eventos da Terra.1 20

É neste plano conceptual que MARTINELLI (1991), também

argumenta:

"Fazer um mapa significa explorar sobre o plano as

correspondências entre todos os elementos de um mesmo componente da

informação - o componente locacional (O conjunto das coordenadas geográficas

das posições que se organizam no plano. Respondem ao "ONDE?" Caracterizam

a ordem geográfica: a localização de São Paulo não pode ser permutada com a

de Presidente Prudente.

" No caso dos mapas temáticos, a matriz coloca em

correspondência os lugares ou unidades observacionais do mapa base ( o

119. LE SAN, 1985, op. cit. p.6 120. OLIVEIRA, 1978, op. cit. p. 17.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

126

ONDE?" - as duas dimensões do X, 1) com os atributos do tema ("O QUE" EM

QUE ORDEM QUANTO'') os quais comporão os termos da legenda.121

A discussão sobre este questionamento (As perguntas que o mapa

responde) se coloca não sobre o aspecto técnico da representação, mas conceptual

como afirma OLIVEIRA (1978), e assim se inscreve uma vez que a superação

das deficiências formativas do professor passa pelo aspecto da representação.

No ensino, esta dupla reflexão comparece (representação/conceito)

pois a aprendizagem do e pelo mapa se consolida a partir da atividade de mapear.

121 . MARTINELLI, Marcelo - Curso de cartografia temática. São Paulo: Contexto, 1991. p.46.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

127

3.3. IMPLANTAÇÕES CARTOGRÁFICAS

Se as questões anteriores refletem aspectos de ordem conceptual de

formação geográfica, ou seja, são fundamentos para o ensino da geografia, são

também bases para os processos de elaboração/produção cartográfica, assim

como as implantações.

Para o professor, quando abordamos este tema, a consideração

inicial é de que se trata de um termo eminentemente técnico, mas se

compreendemos a atividade de mapear como um processo de construção de

linguagem e portanto de leitura sobre o cotidiano (espacialidade), mais uma vez

transitamos do aspecto formal/técnico da representação para o aspecto

formativo/intelectual da construção de conceitos.

A partir do nosso, levantamento bibliográfico notamos que as

contribuições de SIMIELLI (1986), PAGANELLI (1985, 1987), OLIVEIRA

(1972, 1978, 1985) e ALMEIDA & PASSINI (1989), mencionam que sobre o

problema da aprendizagem do e pelo mapa, esta colocado, fundamentalmente, a

dificuldade que o aluno apresentava na leitura e interpretação dos documentos

cartográficos. Este problema, segundo estas autoras, se estabece pelo fato do

aluno não ter elaborado mapas, não ser mapeador. Diante disto optamos em

verificar o conhecimento do professor sobre as formas de implantação

cartográfica (o como fazer mapas).

Segundo Lívia de Oliveira, a representação dos fenômenos

existentes, ou seja,

" Os lançamentos dessas irregularidades da crosta terrestre nos

mapas exigem um processo prévio de transformação, isto é, elas devem ser

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

128

transformadas em elementos do espaço - pontos, linhas e áreas - para poderem

ser representadas espacialmente. 122

Estes elementos do espaço é para JOL Y (1990), um conjunto de

símbolos, uma simbologia gráfica:

''A simbologia gráfica consiste, assim, num arranjo convencional

de manchas significativas localizadas em implantação linear, pontual ou

zonal. 123

Para MAR TINELLI ( 1991 ), as implantações se colocam como

significações que estão intimamente relacionadas com os componentes temáticos

a serem representados:

"Para dizermos "O QUE?", o "EM QUE ORDEM"? e o

"QUANTO?", que são componentes temáticos precisamos variar visualmente (Z)

a posição em (X JJ, a qual pode assumir significações de ponto linha e área,

como já anunciamos, em conformidade com a manifestação do fenômeno

abordado( . .)" 124

De maneira mais detalhada explica LE SAN (1985),

''A informação transmitida por um componente pode se referir a

uma localização precisa, a um limite ou percurso, ou ainda a numa superficie.

Essas três maneiras de colocar a informação no plano da folha de papel

representam os três modos de implantação a saber: pontual, linear e o zonal.

122. OLIVEIRA, 1978. op. cit. p. 35. 123. JOLY, Femand - A cartografia. Campinas: Papiros, 1990, p. 19. 124. MARTINELLI, 1991. op. cit. p. 16.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

129

" A localização precisa de uma indústria corresponde a uma

implantação pontual. O percurso de um rio ou um limite administrativo ou ainda

uma estrada, são exemplos da implantação linear. E a zonal é a implantação das

densidades de população, das produções agrícolas, entre outras. 125

TABELA 13 -

IMPLANTAÇÕES CARTOGRÁFICAS

Correta - -Relacionada 2 9% Não Relacionada 5 23% Não Respondida 15 68% TOTAL 22 100%

llÍMiiw, ~· ~li· (13)

Observamos assim que questões relativas ao mapeamento, a

formulação de mapas como base para o ensino dos alunos toma-se uma das

atividades complexas e distante da realidade dos alunos e professores (Tabela

13), reforça, assim, a necessidade de um domínio cartográfico por parte do

professor, domínio este que deve se estabelecer não apenas sobre os documentos,

mas sobre a elaboração cartográfica, sobre o domínio da linguagem gráfica e da

representação de seus elementos.

125. LE SAN, 1985. op. cit. p. 37.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

130

3.4. OS ELEMENTOS DE UM MAPA

A leitura e interpretação de um documento cartográfico exige em

primeiro momento o reconhecimento dos elementos fundamentais de um mapa.

Este ponto de partida é o que permite referenciar o professor sobre a qualidade e

finalidade do material cartográfico a ser utilizado em sala de aula.

TABELA 14-

ELEMENTOS DO MAPA

Correta 12 Relacionada 2 Não Relacionada 7 Não Respondida 1 TOTAL 22

54% 9%

32% 5%

100%

Em termos comparativos o índice de respostas corretas para os

elementos cartográficos é até mesmo satisfatório o que indica que se trata mesmo

de bloqueios formativos, ou seja queima-se etapas no processo de construção de

uma concepção ampla sobre os conteúdos/conceitos cartográficos. Vejamos as

respostas dadas pelos professores:

11~ ~ ~ ~ wm ~ ~: (9, fJLk, ~' ~

~e,~11.(6)

li~~.~· ~ ~, ??(20)

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131

Para classificação destas respostas como corretas tomamos como

base aquelas que indicavam pelo menos dois elementos. LE SAN (1985), em sua

pesquisa sobre o tratamento cartográfico em livros didáticos, faz as seguintes

considerações ao explicar os elementos de um mapa.

"no documento são: título e subtítulo se necessário, a legenda, a

escala, a orientação, a data dos dados, a fonte e eventualmente (dependendo do

tipo de documento e sua finalidade) o autor, o órgão divulgador, a data de

publicação e um encarte (quando necessário). 11126

Observemos o percentual em que aparecem os elementos citados

por LE SAN, nas respostas dos professores, classificadas como corretas:

3.4.1. Título:

Data:

Fonte:

5%

5%

Orientação: - 14%

Título: - 14%

Escala: - 40%

Legenda: - 59%

"Um dos elementos mais importantes de identificação de um mapa

é o título que deve sintetizar o conteúdo da legenda. O subtítulo é utilizado para

precisar ou ressaltar um determinado aspecto do tema cartografado. Sendo a

primeira infàrmação procurada pelo leitor, ambos devem vir na metade superior

126. Idem, p. 37-38.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

132

da ilustração, utilizando-se letras caixa alta (maiúsculas). Por vezes os títulos

são muito mais abrangentes que os conteúdos das legendas" 127

No número de respostas corretas obtidas, o título foi citado em

14%, isto evidencia que para um documento que supostamente é levado para a

sala de aula há mesmo dificuldades na utilização deste material. Quando citado

pela autora acima, como primeira informação procurada pelo leitor, remete-se a

compreensão que a escolha/utilização de um documento se dá pela informação

que procuramos obter, a não inclusão deste elemento nas citações dos professores

reflete as dificuldades existentes na utilização deste material básico ao ensino.

Passemos a análise de outro elemento, a orientação.

3.4.2. Orientação:

Além desta questão estar relacionada ao item Elementos de um

mapa, solicitamos também que o professor nos respondesse em específico, uma

questão sobre o conceito de orientação.

A formulação destas questões se estabeleceram tendo em vista que

este conceito se coloca como base não apenas para a leitura de mapas (aspecto

cartográfico), mas sobretudo, para o desenvolvimento cognitivo dos alunos,

acerca da construção de seu domínio espacial. Sobre o aspecto cartográfico

tomamos as proposições de LE SAN (1985), ao realizar uma pesquisa sobre a

cartografia no livro didático de geografia.

"Considerando que o mapa é uma representação simplificada do

espaço geográfico, uma outra informação deve estar presente nos documentos

l27 Jdem,ibdem.

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133

cartográficos. Refere-se aos elementos de orientação que podem ser

apresentados pela indicação da posição geográfica dos lugares representados.

''A orientação deve ser colocada ao redor do mapa no caso de se

usarem as coordenadas ou perto da representação, de preferência na metade

superior da folha, se for o norte .

''Apenas 12% dos mapas analisados apresentam orientação

definida claramente. Nos outros casos, deve-se considerar o norte em direção a

parte superior da folha. O uso desse recurso, uma convenção estabelecida pelos

cartógrafos, não deve, entretanto, prevalecer nos livros didáticos, uma vez que

as representações dos limites de lugares geográficos não são muito familiares

aos alunos de 1 ºgrau. 1112&

Sobre o aspecto cognitivo do conceito de orientação observemos as

considerações de CALLAI & ZARTH (1988).

" A orientação é necessária para quando o aluno trabalhar com

mapas, cartas, maquetes, desenhos, mas é necessária também para que o aluno

saiba movimentar-se no espaço e no tempo em que vive seu dia-a-dia".

"O trabalho com mapa é importante mas, antes dele, é necessário

todo um trabalho que situe o aluno, que lhe permita vivenciar certas situações de

aprendizagem , que o façam exercitar na localização. São os exercícios feitos

com a realização e a representação de trajetos, o desenho da sala de aula ... Em

qualquer destes exercícios. "129

128. Idem, p. 23-26 129. CALLAI, Helena C. ZARTH, Paulo A. - O estudo do Município e o ensino de História e

Geografia. Ijuí:UNIJUÍ, 1988. p. 45-46.

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134

Observamos que para CALLAI & ZARTH (1988), o conceito de

orientação está relacionado com o de localização o que implica em operações

cognitivas amplas e interligadas a representação, estas dimensões estão longe de

serem consideradas pelos professores.

Passemos a verificar as respostas dos professores relativas a

orientação:

11~11(18)

TABELA 15 -

ORIENTAÇÃO

Correta 5 23% Relacionada 13 59% Não Relacionada 2 9% Não Respondida 2 9% TOTAL 22 100%

As respostas de maneira geral restringiram-se aos

pontos cardiais, e as afirmações: 11

lww,ç_, ~ YU ~.11

- 11

~, /Jul, k4, e,

~."

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135

O conceito portanto exprime o aspecto de leitura de mapa, e do

domínio espacial representado, o sentido de locomoção, localização, direção no

espaço prático, parece-nos que este último se aproxima mais dos conceitos dos

professores. A dimensão do concreto é a mais evidente para o professor, isto se

evidência que se estabelece pela ausência de articulação entre formação docente e

prática docente.

Observemos outras questões que estão relacionadas a este conceito:

3.4.3. Sistema de Orientação:

Neste subitem reunimos questões relativas aos Pontos Cardiais e

Norte e Sul., como conceitos relacionados a orientação geográfica.

O que observamos é que ao ampliarmos os conceitos amplia-se a

imprecisão. Quando apresentamos os conceitos de Norte/Sul ou Pontos Cardiais,

muitos professores, perplexos, não sabiam o que responder.

TABELA 16-NORTE/SUL

Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL

TABELA 17-PONTOS CARDIAIS

Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL

5 23% 10 45% 4 18% 3 14%

22 100%

14 63% 3 14% 5 23% - -

22 100%

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

136

Gostaríamos de citar em pnme1ro lugar que estes conceitos são

elementares ao ensino de geografia e que apesar de um certo índice de acertos, as

respostas relativas a estes conteúdos continuam imprecisas.

Norte e Sul: 11 rPéJM b Wvw,, ~, n/JJ/i/íJ, ~? (6)

11~11(12)

ller ... 11 c10)

Pontos Cardiais:

11~11(2)

A definição dada por OLIVEIRA (1993b )é

''pontos cardiais. 1. Qualquer uma das quatro direções

astronômicas principais da superficie terrestre: norte, sul, este, oeste. "130

Observamos que o conjunto de conceitos expressos pelos

professores demonstram distorções acerca destes elementos, distorções estas que

130.0LIVEIRA, Ceurio - Dicionário Cartográfico. Rio de Janeiro:IBGE, 1993b p. 436.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE

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137

acabam se transferindo para os alunos. Nossas considerações acerca deste

conjunto de conceitos relacionados a orientação é que tanto do ponto de vista

cartográfico como do ponto de vista cognitivo - se é possível separa-los - quanto

maior o processo de verticalização da compreensão e relação destes conteúdos,

buscando tomar mais precisa a informação sobre o conceito (orientação), maior a

capacidade de visualizar os problemas de ordem formativo dos docentes.

3.4.4. Data dos dados, fonte e encarte:

Quanto a estes elementos, pela especificidade, não tínhamos

nenhuma expectativa que comparecessem nas respostas dos professores. No

entanto tratam-se de informações importantes, pois respondem pela atualização

dos dados, sua procedência e até mesmo os níveis de detalhe que se pode obter

sobre o fenômeno representado.

Observemos as considerações de LE SAN (1985), a respeito destes

elementos.

- " A data dos dados é um elemento fundamental nos mapas que

representam informações quantitativas e ordenadas mutáveis, pois orienta o

leitor a respeito da data em que foram obtidas aquelas informações. Embora

temas dessa natureza sejam freqüentemente representados nos documentos

estudas, apenas 5% apresentam a data dos dados.

- ''A fonte, é um outro elemento de identificação que também tem a

de orientar o leitor sobre as informações representadas nos mapas, esclarecendo

sua origem.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

138

- "O encarte é um recurso cartografico que permite ampliar uma

determinada porção do mapa, para facilitar a leitura dos símbolos muito densos

ou aproximar do espaço contínuo que está sendo cartografado um elemento

distante (por exemplo as ilhas Fernando de Noronha, no mapa do Brasil) ou

finalmente, localizar numa área maior a unidade espacial representada

(localização de Minas Gerais no Brasil). "131

Estes elementos pouco foram mencionados em nosso trabalho de

campo, mas guardam importância significativa para a análise geográfica.

3.4. 5. Legenda:

Assim como o conceito de orientação, e ainda preocupados com as

respostas obtidas sobre a leitura de mapas, também reforçamos nosso interesse

na compreensão dos professores sobre legenda. e este elemento compareceu na

questão relativa aos elementos do mapa, e em uma questão específica, uma vez

traduzir este conceito aspectos relativos a comunicação cartográfica.

Segundo LE SAN (1985), a legenda

" É o elemento mais importante do mapa pois compreende a

tradução dos símbolos utilizados na representação das informações. Um mapa

sem legenda não é uma representação cartográfica e pode ser considerado como

uma "obra de arte" que o leitor interpreta como quiser. "132

''Não basta porém que os mapas apresentem legendas é muito

importante que ela esteja bem organizada. Entende-se por organização da

131LE SAN, 1985. op. cit. p. 25-26. 132.LE SAN, 1985, op. cit. p. 27.

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139

legenda a apresentação dos componentes no caso do mapa representar mais de

um, agrupando-se os elementos de um mesmo tema sob um título. Esse cuidado

permite uma leitura mais rápida da legenda e facilita a compreensão do mapa,

além de permitir a especificação eventual de uma data ou qualquer outra

complementação relativa ao componente. "133

TABELA 18-

LEGENDA

Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL

10 46% 8 36% 4 18% - -

22 100%

Observamos no quadro acima que como recurso de extrema

importância para o ensino e leitura do mapa, o percentual apresentado para

respostas corretas é preocupante. Registrando-se, ainda, o número de respostas

classificadas como relacionadas que demonstram a dificuldade do professor em

organizar um conjunto de argumentações que desse conta de explicar o conceito e

a sua utilização.

133. Idem, p. 29.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

140

Evidenciamos que se tratam, em grande parte, de conceitos prontos,

com uma extrema ausência de articulação entre fim e meio de seu trabalho

docente. Nossas preocupações aumentam, voltando-se mais uma vez ao

percentual de respostas dos professores em que afirmavam ensinar seus alunos a

lerem mapas (77% ), tendo em vista que o reconhecimento destes elementos é que

permite a consolidação deste ensino.

Em conjunto aos elementos de um mapa, aparece o conceito de

escala que representa não apenas uma dificuldade técnica, mas sobretudo de

reflexão e análise geográfica.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

141

3.5. A ESCALA

As perguntas relacionadas e escala foram três: a apresentada

anteriormente "Elementos fundamentais de um mapa", onde compareceu com

40% das respostas corretas, e outras duas específicas:

O que é escala?

Que tipo de escala você conhece ?

Os resultados foram:

TABELA 19-

ESCALA

Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL

TABELA 20-TIPOS DE ESCALA

Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL

7 32% 13 59% 2 9% - -

22 100%

10 45% 4 18% 5 23% 3 14%

22 100%

O quadro 19, indica que apenas 32% dos professores conseguiram ·

explicar o que é escala, e no quadro 20, somente 45% dos professores,

responderam corretamente quais os tipos de escalas geográficas existentes. A

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

142

resposta relacionada deste último quadro refere-se a escala "numérica", quando

o professor afirmava conhecer apenas este tipo de escala.

Como asseveramos, pela importância e problemas apresentados

optamos por apresentar diversas discussões sobre escala, que colocam-na desde

o ponto de vista técnico, como de análise geográfica.

Janini LE SAN (1985), afirma que

''A cartografia está fundamentada em uma preocupação remota da

humanidade, a saber, a localização de objetos, fenômenos e fatos numa

representação simplificada do espaço geográfico - os mapas" .

"Na atualidade os mapas ainda têm essa finalidade, já que os

homens necessitam cada vez mais, de tornar inteligível o espaço geográfico. Ao

usa-los, os leitores comparam a sua imagem com a do espaço real, buscando

conhecer e/ou reconhecer os dados neles cartografados. Assim, uma informação

indispensável nos, mapas, independente do usuário e de sua finalidade, é a

escala.

Esse elemento é a chave para se identificar a proporção guardada

entre a distância no terreno e a representação no papel. Apesar de ser um dado

muito importante ela é pouco utilizada nos livros e aparece em apenas 29% dos

mapas analisados". 134

Observamos, mais uma vez, que os livros didáticos se colocam

como auxílio imediato do professor (apesar de não serem amplamente utilizadas

nas escolas padrão, segundo os depoimentos dos professores) e apresentam

grandes deficiências nos aspectos cartográficos. Em nossa pesquisa, atentamos

para as respostas dadas pelos professores sobre o material didático utilizado.

Todos os professores afirmaram não utilizar, ou pelo menos não adotarem um

134.Idem, p. 23.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

143

livro didático, tendo em vista que a orientação da escola-padrão é a utilização de

textos. Quando perguntávamos sobre se o material apresentava atividades de

cartografia 63% responderam que sim. Perguntamos ainda sobre a qualidade do

tratamento cartográfico, (Poderia avaliar a qualidade do tratamento cartográfico

?). Ao responderem detiveram-se aos aspectos gráficos do material, tendo em

vista que sua reprodução era feita por fotocopiadoras, ou seja, quase não

comparecem discussões acerca da análise do material do ponto de vista formativo

e informativo, tendo em vista a própria formação dos professores.

Discutindo questões relativas a escala JOL Y (1990), afirma que:

11 A escala de um mapa é a relação constante que existe entre as

distâncias lineares medidas sobre o mapa e as distâncias lineares

correspondentes, medidas sobre o terreno. 11135

Esta definição de Joly, de fácil apreensão, explica o conceito de

escala, já OLIVEIRA (1978), antecipa que a escala deve ser a primeira

preocupação do leitor, daquele que interpreta o mapa:

11 O tamanho da Terra é outro ponto que exige solução para que se

135.JOLY, 1990, op. cit. p. 20.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

144

processe a representação cartográfica. Este problema gera as preocupações com

a escala; o mapa sempre é uma representação reduzida da superficie terrestre 11

... Como toda representação, o mapa deve estar em uma proporção definida com

o objeto representado, isto é, a escala. A escala de um mapa é a primeira

preocupação do leitor, daquele que precisa interpretar a informação mapeada.

Para que essa proporção possa ser estabelecida é preciso conhecer as

dimensões exatas do real, para realizar o representado. 11136

Observamos assim que citações acima, se remetem aos aspectos de

ordem conceptual, diríamos de definição sobre escala.

Passemos, agora, a verificar as considerações sobre os aspectos

técnicos deste elemento, segundo alguns geógrafos e cartógrafos, citados nas

bibliografias dos programas de ensino de cartografia das universidades - UNESP

eUNOESTE.

11 A escala deverá ser sempre expressa por uma fração, pois

representa uma relação entre dois valores de mesma significação. Um

comprimento D do terreno será representado na carta por um comprimento

menor d A escala de representação será, portanto:

E=d/D

Para passar da carta para o terreno, deve-se multiplicar as

dimensões lineares por 1/E; ao contrário, para passar do terreno para a carta,

deve-se multiplicar as dimensões lineares por E.. Resulta daí que será mais

cômodo representar as escalas por uma fração de numerador 1. Assim quando

nos referimos à escala 1:25.000, isso significa que o comprimento 1 do mapa

representa 25.000 no terreno, sem prejuízo da unidade escolhida. Um centímetro

do mapa representa 25.000 centímetros do terreno, ou seja, 250 metros; 1

136.0LIVEIRA, 1978, op. cit. p. 35.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

145

polegada (inch) do mapa representa 25. 000 polegadas do terreno, etc.

Inversamente, passando do terreno para o mapa, devemos multiplicar as

distâncias por 1125.000 ou dividir por 25.000 Um quilômetro do terreno será

representado no mapa por:

1km/25.000=100.000 cm= 4 cm

25.000

É claro que o mapa será tanto maior quanto maior for o

denominador da escala for menor; portanto, 1: 2 5. 000 é maior que l: 5 O. 000. A

proporção das representações é igual à proporção inversa dos denominadores

da escala. Cinqüenta mil é o dobro de 25.000; a proporção inversa é 112. Na

carta a 1: 5 O. 000, todas as distâncias lineares serão a metade das da carta a

1:25.000. "137

A partir de LIBAUL T, observamos que as citações se tomam

repetitivas, enquanto que os autores colocam um outro aspecto novo sobre o

conceito. LACOSTE (1974), por exemplo, se preocupa com a confusão que se

estabelece entre os números grandes (pequena escala) e os números pequenos

(grande escala).

"A escala de um mapa indica a relação de redução existente entre

uma distância real e sua representação gráfica. Quanto maior for o número que

designa o denominador da fração, menor será a escala. Assim, um mapa em

111.000.000 é de menor escala que um mapa de 1110.000, mas o primeiro

representa extensões muito maiores que o segundo. "138

A preocupação de Lacoste se apresenta também em LE SAN

(1984), que além disso, a autora, indica as duas maneiras de representar a escala

137.LIBAULT, 1975. op. cit. p. 11-12. 138.LACOSTE, 1974. p. 253.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

146

cartográfica.

" O fato de se expressar por uma fração pode provocar a confusão

entre grande e pequena escala. Uma grande escala representa um espaço

restrito com muitos detalhes, enquanto a pequena escala mostra um amplo

espaço com poucos detalhes. Uma grande escala seria por exemplo 1110.000 e

uma pequena 1110.000.000 A primeira reação é considerar o contrário porque

1O.000. 000 é maior que 1O.000, porém, a fração inverte esta proporção

1110.000.000 é menor que 1110.000, como 114 é menor que 112. "139

''A escala pode ser representada no mapa de duas maneiras

diferentes: pela fração (ex: 1110.000), sendo neste caso chamada de escala

numérica, ou por um desenho ex. ~· º~-~·~1~º~º-~· 2~0~0~m=. A escala gráfica

apresenta a vantagem de permanecer exata no caso de ampliação ou redução do

documento. "140

LIBAULT (1975), ao também explicar os tipos de escala, menciona

que a escala gráfica apresenta o talão:

''A forma fracionária 1:25.000 chama-se escala numérica . Para

facilitar a leitura, é freqüente o aparecimento de outro aspecto da escala: a

escala gráfica . Um segmento de reta é dividido de modo a mostrar a relação

com as dimensões do próprio terreno. Assim, na escala 1: 5 O. 000, a barra será

dividida em espaços de 20mm, marcados sucessivamente 0,1.000 m, 2.000 m, etc.

Para medir as subdivisões, costuma-se acrescentar à esquerda uma parte

numerada em sentido contrário e com intervalos menores (por exemplo de 2mm,

marcados em hectómetros) chamada talão, cuja finalidade é a de possibilitar a

139.LE SAN, 1984. op. cit. p. 62. 14º.Idem, p. 62.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

147

realização de medidas menores. "141

Nas respostas dos professores comparece uma confusão entre os

tipos de escala:

li~ ... e Ü; ~? li c22)

ll~e;~ll(3)

Há portanto, um imbroglio conceptual e que confunde professores e

alunos. Na verdade estes aspectos técnicos, tão negligenciados por nós geógrafos

fazem a diferença de domínio conceptual, porque são elementos técnicos sim,

mas que são necessários à compreensão dos materiais que dispomos para

fazermos análises de cunho teórico-metodológico. É sobre este aspecto que

LACOSTE (1974), discute o conceito de escala, colocando-o como elemento da

análise geográfica, revelando a importância de seu domínio conceptual para a

leitura do espaço.

"Convém tomarmos consciência de que a grande variedade das

representações cartográficas, no que se refere às escalas utilizadas, é, de fato,

significativa das diferenças existentes entre vários tipos de raciocínios

geográficos, e de que essas diferenças são em grande parte devidas ao tamanho

bastante desigual dos espaços que elas levam em consideração".

Convém observarmos que as expressões correntes "fazer algo em

grande escala", "uma operação em grande escala", que implicam poderosos

141.LIBAULT, 1975. op. cit. p. 12.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

148

meios e uma ação exercendo-se sobre grandes extensões ou sobre um grande

número de pessoas, tem uma significação inversa à da expressão cartográfica.

Um mapa de grande escala representa uma extensão relativamente pequena.

Esta confusão, cujas origens não são claras, é muito .freqüente e numerosos

geógrafos também a fazem.

"A mudança de escala corresponde a uma mudança do nível de

análise e deveria corresponder a uma mudança no nível da conceptualização. "142

Nesta direção o autor ainda afirma que ao

"mascarar o problema primordial da escolhas da escalas ( o que

implica uma ruptura com a cartografia, reduzida ao nível de técnica, enquanto

seu estatuto epistemológico é, em muitos aspectos, melhor fundado) o prestigio

da abordagem vidaliana vai poupar aos geógrafos a preocupação de terem de

justificar os espaços aos quais se referem e as escalas que privilegiam

implicitamente seu raciocínio. "143

Ora, observamos que é neste momento que rompemos com aquela

aproximação tacanha que se fez entre cartografia e os modelos de geografia

(possibilista e ou determinista), ao colocar a cartografia sob os aspectos da

pesquisa e do ensino, e não sob o aspecto da representação e ou distribuição dos

fenômenos sem qualquer critério, ou análise geográfica, como simples

demonstração do "óbvio".

''Importa orientar a reflexão epistemológica, não somente sobre

todos os tipos de discursos e de representações concernentes ao espaço: a

geografia dos professores, a cartografia, mas também a pintura, as expressões

142.LACOSTE, 1974. op. cit. 252-253. 143.Idem, p. 262.

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149

literárias, as paisagens do filme e do cartaz. Importa dar atenção a todas as

manifestações da crise, não somente a crise urbana, a poluição, a acentuação

das desigualdades e da opressão, mas também as reações que ela provoca, de

tipo reformista ou revolucionário. "144

No entanto, as respostas dos professores sobre o conceito de

escala de certa forma se distanciam dos conceitos e leituras apresentadas, de

maneira geral se detêm ao aspecto técnico da escala cartográfica:

li~

~

Estas respostas de maneira geral, refletem a concepção técnica e

uma leitura fragmentada sobre o conceito, não ultrapassando a idéia do

isolamento conceptual possivelmente obtido na formação universitária.

Chamamos de isolamento conceptual, quando em determinado

conteúdo/conceito é adquirido/construído sem que tenha exercitado processos de

interação/interelação com outros conteúdos.

Este aspecto permite-nos retomar as compreensões dos professores

acerca da cartografia em seu processo de formação universitária, ou seja, o

144.Idem, p. 274.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

150

isolamento conceptual não se estabelece apenas a nível do ensino específico da

disciplina, mas das relações interdisciplinares no próprio curso de Geogfrafia que

não ocorrem, trazendo prejuízos à formação. Ass reflexões de LACOSTE (1974)

permitem verificar a importância deste conceito, para a formação do profissional

de geografia (bacharel ou licenciado).

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

151

3.6. SIMBOLOGIA OU SEMIOLOGIA GRÁFICA

Os trabalhos de SIMIELLI (1986), OLIVEIRA (1978), apontam

para a necessidade de se formar junto aos professores um domínio sobre

comunicação/linguagem gráfica, citam estas autoras o trabalho de BALCHIN145,

intitulado "Graficacia". Além deste, a contribuição mais direta à cartografial46

foram os trabalhos de JACQUES BERTIN147 sobre Semiologia Gráfica.

O objetivo central de BERTIN era de criar um conjunto de signos

que expressassem as formas de comunicação cartográfica, na verdade, um

alfabeto cartográfico.

Esta questão está intimamente relacionada aos processos de

desenvolvimento intelectual dos educandos. A representação é pontuada por

estudiosos de psicologia (PIAGETNYGOTSKY)14B, como um dos

processos/ etapas fundamentais à aprendizagem.

Ao reconhecermos que o domínio da Linguagem Cartográfica é

fundamental à aprendizagem, através da leitura e interpretação dos mapas,

indagamos aos professores suas concepções acerca da semiologia ou simbologia

gráfica.

TABELA 21 -

SIMBOLOGIA/SEMIOLOGIA

Correta 7 32% Relacionada 7 32% Não Relacionada 1 04% Não Respondida 7 32% TOTAL 22 100%

145. BALCHIN, W.G.V. - "Graficácia". ln: Geografia. Rio Claro: AGETEO. 3(5):1-15. abr. 1978. 146.Não desconsiderando as contribuições de diversos autores sobre os sistemas de comunicação cartográfica, tais como Kolacny, Board, Salichtchev, conf. SIMIELLI (1986). 147. As bibliografias citadas apresentam as contribuições dos trabalhos deste pesquisador em cartografia. 148.Em capítulo anterior pontuamos os trabalhos destes pesquisadores.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

152

li~'~~ (J; ~li. (18)

li~' 'i/UUAflJQ;~~~~' ... (];~··· fvv~~·

l9 ~dá~~~ r rwu ~li (9)

Apesar de certa vaguidade das respostas, há alguma relação com a

função dos símbolos em um documento cartográfico. No entanto, estabelece a

necessidade do domínio, e esta ausência, não dos signos enquanto códigos, mas

da compreensão de seu papel na representação cartográfica, é decisiva para quem

tem a função de estabelecer a mediação entre a representação cartográfica e a

capacidade de leitura e interpretação junto aos seus alunos. Segundo OLIVEIRA

(1978),

"o processo cartográfico necessita de um código para se expressar,

implicando um processo de codificação e de decodificação. E, muitas vezes, os

próprios professores não dominam completa e profundamente todas as fases do

mapeamento. "149

149.0LIVEIRA, 1978. op. cit. p. 15.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

153

Considera ainda, a autora, que

"dentro da linguagem cartográfica, como na linguagem escrita,

também podemos distinguir dois constituintes do signo: o significante que são as

qualidades materiais, e o significado, que é o interprete imediato. Os signos

cartográficos também apresentam três variedades de representações: o ícone,

que representa por semelhança entre significante e significado (os mapas

pictóricos de distribuição de produtos agrícolas são exemplos deste tipo de

representação); o índice, que representa por contigüidade de fato entre

significante e significado (os mapas de superficie terrestre, que, através da cor

ou sombreamento, representam as formas do relevo, reproduzindo o relevo,

como um modelo tridimensional); e o símbolo, que representa por contigüidade

instituída, isto é, por uma regra convencional, entre o significante e o

significado. Neste caso se inclui a maior parte dos mapas - todos aqueles que

apresentam uma legenda, à qual o interprete necessita recorrer, conhecendo a

convenção do seu significado geral. São cartas do tempo, os mapas políticos, os

cartogramas de distribuição espacial, de fluxos e outros, que utilizam os pontos,

linha e áreas como símbolos convencionais para representar cidades, rios

estradas, campos de lavoura, etc. 111 so

SIMIELLI (1986), em seu trabalho, afirma que a leitura de mapa

inicia-se pelo entendimento da simbologia, pela decodificação das informações

representadas,

''pela percepção sensitiva do leitor, começando a leitura

150Jdem, p. 23.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

154

propriamente dita na decodificação, e encerrando-se o processo com a avaliação

e verificação ".151

Esses processos posteriores citados por SIMIELLI, são portanto

decorrentes de um entendimento primeiro da carta, da sua simbologia. JOL Y

(1993), apresenta uma definição de símbolo:

"conforme o Glossário francês de Cartografia, um símbolo é a

representação gráfica de um objeto ou de um fato sob uma forma sugestiva,

simplificada ou esquemática, sem implantação rigorosa".152

Estas questões colocam o mapa não apenas como um material

ilustrativo das salas de aula, nem mesmo como visão panorâmica de um lugar

ou região, mas efetivamente como um documento de comunicação

cartográfica153 .

Por isso, MARTINELLI (s.d.)., também argumenta sobre a

necessidade de se estabelecer um processo de alfabetização da representação

gráfica:

"Para que os mapas exerçam seu real papel como meios de

comunicação e esclarecimento da sociedade, é imperativo que haja o

aprendizado de sua particularidade.

Para este fim, é necessário introduzir o educando num domínio

mais amplo - o das representações gráficas. Estas fazem parte do sistema de

sinais que o homem construiu para se comunicar com os outros. Compõem uma

linguagem gráfica, bidimensional, atemporal, destinada à vista, de caráter

151.SIMIELLI, 1986. op. cit. p. 87. 152.JOLY, 1990. op. cit. p. 18. 153. SIMIELLI, 1986. op. cit.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

155

monossêmico. Como linguagem visual, tem supremacia sobre a linguagem

verbal: para ler a palavra ÁR-VO-RE são necessários três instantes de

percepção, enquanto que para ver a figura de uma árvore basta um instante só.

É universal. Todo mundo entende.

''A especificidade desta linguagem gráfica reside no fato de estar

fundamentalmente vinculada ao âmago da relação entre os significados dos

signos, como acontece com a matemática. "154

Observamos que é imperativo o domínio conceptual cartográfico.

Não estamos nos referindo ao domínio específico da cartografia, enquanto

ciência, mas de questões relativas ao cotidiano do trabalho do professor, e de seus

alunos. A representação cartográfica invade nossa vida comum, e este processo

de massificação das representações já foram evidenciados neste trabalho,

inclusive, a partir das contribuições de VASCONCELOS (s.d.) e LACOSTE

(1974).

154.MARTINELLI, Marcelo - "O bê-a-bá dos mapas: a alfabetização da linguagem da representação gráfica". São Paulo: (mimeo). (s.d.). p. 1-2.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

156

3. 7. REPRESENTAÇÃO DO RELEVO

Neste item concentramos os dados obtidos das questões relativas a

topografia, curva de nível, perfil topográfico, cota, altimetria e batimetria.

Em algumas respostas dos professores sobre a utilização de

documentos cartográficos em sala de aula, vinculavam a sua utilização nas aulas

cujos temas/conteúdos estavam relacionados à Geografia Física. Assim como a

interpretação dos mapas é fundamental, sobretudo no que se refere as formas de

representação do relevo é que optamos por dar ênfase a estes conceitos.

As questões formuladas para este item apresentavam um baixo

percentual de respostas corretas e relacionadas.

As respostas relacionadas a estes conceitos foram:

Topografia:

11~~~11.(4)

TABELA22-

TOPOGRAFIA

Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL

5 23% 12 54% 3 14% 2 09%

22 100%

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE

Cota

11!2~ eh~ ~li. (2)

TABELA23 -COTA

Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL

5 23% 10 45% 4 18% 13 59%

22 100%

José Gilberto de Souza

157

No Dicionário Cartográfico de Ceurio de OLIVEIRA (1993b),

topografia e cota aparecem como:

Topografia:

''A configuração da superficie da terra, incluindo o relevo, a

posição dos cursos d' água, as estradas, as cidades. O conjunto das

características naturais e fisicas da terra". 155

Cota:

"Número que exprime a altitude de um ponto em relação a uma

155.0LIVEIRA, 1993b. op. cit. p. 538.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

158

super.ficie de nível de referência.

Ainda, segundo OLIVEIRA (1993b ), a cota pode ser referenciada

como ponto de altitude:

"Ponto num mapa, cuja altitude está acima de determinada

super.ficie de referência, em geral sob a forma de um ponto, e o valor

correspondente. Altitudes são indicadas, sempre que possível, nos cruzamentos

rodoviários, declives, pontos culminantes, montanhas e passos, super.ficies de

lagos e lagoas, confluências, depressões e planícies. O mesmo que cota. ".156

A análise dos conceitos de topografia e cota, não se distanciam do

que temos observado, ou seja a vaguidade como são expostos e a não

articulação/sistematização das respostas.

Curva de Nível

As respostas que classificamos como não relacionada para este

conceito, estiveram em grande maioria ligadas a uma compreensão empírica do

conceito. O que pode estar vinculado ao fato de estarmos situados em uma

região, cuja maior parte da população tem sua origem no campo. Esta relação é

estabelecida na medida em que um grande número de respostas vinculam a curva

de nível que se faz para o controle de erosão nas áreas agrícolas, com a curva de

nível cartográfica.

Reconhecemos, no entanto, que mesmo do ponto de vista empírico

existe uma relação direta com o conceito da representação (isoipsas ), uma vez

que o trabalhador rural, ao realizar a construção das curvas, toma como base

pontos de mesma altitude do relevo. No entanto, esta relação não compareceu

156.0LIVEIRA, 1993b. op. cit. p. 129 e 432.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

159

para os professores tendo em vista que a resposta não estabelecia uma relação

lógica entre as concepções acerca da curva de nível (níveis de altitude), mas da

necessidade de realiza-la na propriedade rural - para o controle de erosão.

llCB~, ~ ~ ~ (l; ~·~·~li (S)

11~~~~~~~11 (1)

11ye/m; (l; ~ 'ifÍM, Q; (l; ~ ~· (l; ~ ~ ~ ~ (l; afiww, Q; (l;

~ ~ wm ~,al'.(22)

Após verificarmos o baixo índice de respostas corretas (Quadro 24),

passemos a conceptualização de OLIVEIRA (1993b), sobre curva de nível.

''A curva de nível, que, a rigor, e teoricamente falando, é uma

isoipsa, constitui uma linha imaginária do terreno, em que todos os pontos da

referida linha têm a mesma (iso) altitude (hipsa), acima ou abaixo de

determinada superficie de referência, geralmente o nível médio do mar. "157

157.0LIVEIRA, 1993a. op. cit. p. 113.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

160

Apesar da última resposta dos professores ter sido a única a associar

a curva de nível com a representação de altitude e profundidade, o professor não

conseguiu responder as questões relativas a altimetria e batimetria. Observemos a

presença de lacunas de formação/construção de conceitos junto aos professores,

possível de afirmar diante da própria interdependência dos conceitos.

TABELA24-CURVADENÍVEL

Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL

3 14% 6 27% 10 45% 3 14%

22 100%

O relevo é, desta forma, representado por meio de uma rede de

isolinhas da altitude, cuja disposição, ou organização, se dá de forma a destacar

as características do terreno. São, como vimos acima, as curvas isoipsas.

Perfil topográfico:

llrPe;fí ~ ~11(1)

11c~~~11(2)

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

161

TABELA25-

PERFIL TOPOGRÁFICO

Correta 7 32% Relacionada 10 45% Não Relacionada 2 09% Não Respondida 3 14% TOTAL 22 100%

Nos cursos por nós ministrados percebemos a grande dificuldade

prática do professor em elaborar perfis. No entanto, em relação ao conjunto de

questões relacionadas a representação do relevo, conforme o quadro acima, o

perfil topográfico, foi o que apresentou, um dos maiores índices de acertos,

apesar de insatisfatórios. Observemos as considerações de KITIRO (1950), este

conceito:

"É uma representação do relevo através de uma secção vertical, no

mapa, ao longo de uma direção desejada. Para sua construção escolhe-se uma

escala vertical que será relacionada à escala do mapa, a proporção de no

máximo 15 vezes sobre a escala horizontal".158

Batimetria e Altimetria

A princípio, assim, como outros conceitos mencionados achávamos

que batimetria e altimetria não deveriam ser colocados no instrumento de

pesquisa. Esta idéia se baseava no fato de que todas as escolas visitadas

apresentam mapas hipsométricos em suas bibliotecas. No entanto, ao resolvermos

incluir estes conceitos e ao obtermos as respostas percebemos o quão séria é a

questão da formação do professor.

l58.KITIRO, Tanaka - The relief contour method of representing topography in maps Geographical review. (mimeo), 1950.p.455.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

162

O pnme1ro conceito, batimetria, apresentou apenas quatro

respostas que acabamos por classificar como relacionadas.

TABELA26-

BATIMETRIA

Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL

- -4 18% 4 18%

14 64% 22 100%

Segundo OLIVEIRA (l 993b ),

"batimetria. A ciência que determina e interpreta as profundidades

e a topografia dos oceanos. 2. Numa carta, é, em geral, o conjunto das formas de

representação do revelo submerso, como curvas batimétricas, pontos de

profundidade, colorido, etc. 11159

A classificação das respostas relativas a batimetria como

relacionadas deveu-se pela proximidade que se estabelece entre elas e as

proposições da citação acima.

Os conceitos de altimetria/hipsometria, apesar de apresentarem um

índice superior de acertos em relação ao conceito de batimetria, também

demonstram as dificuldades de entendimento do professor em relação as

159.0LIVEIRA, 1993b. p. 53.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

163

representações cartográficas do relevo. Junto aos professores obtivemos as

seguintes respostas:

TABELA27-

AL TIMETRIA/HIPSOMETRIA

Correta 9 41% Relacionada 1 5% Não Relacionada 2 9% Não Respondida 10 45% TOTAL 22 100%

OLIVEIRA, esclarece os conceitos de hipsometria e altimetria:

"hipsometria. A arte por meio da qual se determinam, seja qual for

o método, as altitudes da Terra, referidas ao nível do mar. "160

"altimetria. Arte ou ciência da medição de alturas ou de elevações,

bem como a interpretação dos seus resultados. 2. Numa carta é em geral, o

conjunto das formas de representação do relevo, como curvas de nível, cotas,

cores hipsométricas, relevo, sombreado, hachuras, etc. "161

160.Jdem, p. 253. l61Jdem,p.14.

Na última resposta dos professores, houve uma confusão entre

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

164

hipsometria com batimetria. O professor acabou por reconsiderar sua resposta a

partir do momento em que formulamos a questão relativa a batimetria.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

165

3.8. SISTEMA DE REFERÊNCIA GEOGRÁFICA 162

Destacamos para investigação junto aos professores os conceitos

relativos a coordenadas geográficas, meridianos, paralelos, latitude e longitude.

3.8.1. Coordenadas Geográficas:

Diante do conjunto de respostas dos professores relativas a

importância da cartografia no ensino de geografia, e que estas se baseavam no

aspecto de localização dos fenômenos geográficos, nossa expectativa em relação

a este conceito era de que seu domínio expressasse índices superiores aos

apresentados. Não apenas pela importância do conceito, apresentada pelo

professor, mas fundamentalmente, como pudemos observar em momentos

anteriores, pelo sentido que a localização dos fenômenos expressa dentro do

domínio geográfico.

TABELA28-

COORDENADAS GEOGRÁFICAS

Correta 13 59% Relacionada 7 32% Não Relacionada 2 9% Não Respondida - -TOTAL 22 100%

Segundo OLIVEIRA (1978) ,

"Um sistema de coordenadas aparece com o gregos; foram eles que

162.Com este item estava a questão sobre rede geodésica. Pela especificidade do tema optamos por não apresentar este conceito em nosso trabalho, tendo em vista que ele não se coloca próximo ao universo de trabalho do professor de geografia.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

166

formularam o primeiro sistema de coordenadas esféricas - latitude e longitude -

denominando Equador o círculo que divide a Terra em sentido transversal, e de

pólos extremos do eixo norte-sul. Essas coordenadas esféricas que passam a ser

conhecidas como coordenadas geográficas, vão corresponder as coordenadas

planas - abcissas, eixo horizontal x, e ordenadas, eixo vertical y. Também foram

os gregos os primeiros a denominar os círculos máximos da esfera terrestre de

meridianos, e os círculos paralelos ao Equador paralelos"163.

JOLY (1990), descreve de forma específica a importância da

coordenada geográfica, para definição de um ponto na superfície terrestre:

"De fato qualquer ponto da superficie da terrestre pode ser

definido com relação ao sistema de referências fixas que se chamam

coordenadas terrestres ou coordenadas geográficas. Essas coordenadas

compreendem:

- Os meridianos, grandes círculos da esfera cujo plano contem o eixo de rotação,

ou eixo dos pólos. A longitude de um lugar (x) é a distância expressa em graus,

minutos e segundos de arco, entre o meridiano do lugar e o meridiano de

Greenwich (perto de Londres - Inglaterra) tomando como origem. A longitude se

mede de Oº a 180º L ou O.

- Os paralelos, círculos da esfera cujo plano é perpendicular ao eixo dos pólos.

O Equador, que divide a Terra em dois hemisférios, é o único paralelo que é um

grande círculo e cujo centro é o centro da Terra. A latitude (y) é a distância,

expressa em graus, minutos e segundos de arco, entre o paralelo de um lugar e o

Equador, tomado como origem. A latitude é medida de Oº a 90º N ou S.

Estabelecer um ponto é determinar as coordenadas de um

lugar. "164

163.0LIVEIRA, 1978. op. cit. p. 35-36. 164.JOL Y, 1990.op. cit. p. 39.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

167

A partir das proposições de JOL Y, observamos o pequeno índice de

respostas corretas dos professores acerca de um domínio conceptual básico que é

lecionado, quase que geralmente, nas 5ª e 6ª séries do primeiro grau. O nosso

entendimento é que a imprecisão conceptual dos professores não se coloca como

agravante apenas sobre o aspecto formal do saber, mas acaba por definir e

corroborar com uma representação da fragilidade do sistema de educação, que

neste caso, é pública, e que se coloca não apenas para o ensino fundamental, mas

inclusive para o superior, tendo em vista que 77% dos professores foram

formados em instituições públicas.

Como observamos, este conceito, trata de um conhecimento básico

-localização geográfica - assim como latitude e longitude, que são, domínios

correlacionados às coordenadas geográficas e de extrema importância para a

geografia.

3.8.2. Latitude e Longitude:

Ao tratarmos de um conceito elementar de formação geográfica,

percebemos que as limitações em termos de utilização desta representação é

clara. Segundo LE SAN (1985), é

" através da latitude e longitude, todos os tipos de mapas procuram

situar com precisão os fatos. Quando o mapa se limita a localizar os objetos

geográficos respondem apenas às questões: o que e onde, num primeiro nível de

leitura. Uma análise dos fatos apresentados no mesmo mapa ou em mapas

diferentes pode também induzir a formulação de outra questão sobre o porque da

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE

localização desses mesmos fatos. "165

TABELA29-LATITUDE

Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL

TABELA30-LONGITUDE

Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL

10 45% 7 32% 4 18% 1 5%

22 100%

10 45% 5 23% 5 23% 2 9%

22 100%

José Gilberto de Souza

168

No entanto, esta dimensão de relação e análise, citada pela autora, e

necessária ao ensino, só é possível quando há um efetivo domínio conceptual, o

que não é possível afirmar, quando verificamos os quadros acima (29 e 30).

Para podermos concluir nossas considerações acerca do Sistema de

Referência Geográfica, passemos a analisar as questões relativas aos conceitos de

paralelos e meridianos, também intimamente relacionados aos anteriores

(coordenadas, latitude e longitude).

165.LE SAN, 1985. op. cit. p. 5.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

169

3.8.3. Paralelos e Meridianos

TABELA 31 -PARALELOS E MERIDIANOS

Correta 9 41% Relacionada 10 45% Não Relacionada 2 9% Não Respondida 1 5% TOTAL 22 100%

O índice de acertos para conceitos elementares continuam baixos,

as respostas classificadas como corretas não ultrapassam a seguinte reprodução

mecânica: 11

~ ~ Cf»2' dmtdwu a, /ww,11

• Uma reprodução advinda da

formação e que provavelmente tem sido repassada aos alunos da mesma forma.

O professor LIBAULT (1975), faz as seguintes referências em relação a estes

conceitos:

"É evidente que todos os planos que contêm o centro da esfera

determinam círculos máximos iguais; como nenhum círculo pode ter diâmetro

maior que o da esfera, estes círculos são círculos máximos. O arco do círculo

máximo que vai do Pólo Norte ao Pólo Sul chama-se meridiano. O meridiano é

assim a metade de um círculo máximo ..... A semi circunferência do círculo

máximo que lhe fica oposta, será o seu antimeridiano.

''A quantidade de meridiano é infinita; cada um acha-se afastado

do seguinte por um intervalo i"nfinitamente pequeno.

"Congresso Internacional de Geografia, em Londres, em 1895, que

decidiu aceitar como origem internacional de todas as longitude, o meridiano do

observatório de Greenwich (perto de Londres). Tal escolha não é melhor ou pior

do que qualquer outra; o importante é a adoção de um meridiano único de

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

170

origem. Em todo caso, hoje, as longitudes de todas as publicações

cartográficas são marcadas de Oº a 180~ para leste ou para oeste do meridiano

de Greenwich; o meridiano de 180~ ou o antimeridiano de Greenwich, passa

próximo à Nova Zelândia. "166

Afirma ainda, o autor, que

''Depois de definir a reta dos pólos, não há nenhuma dificuldade

em considerar o plano perpendicular a esta linha e igualmente distante de cada

polo. Tal plano passa pelo centro da esfera O e a seção será um círculo máximo

igual a qualquer meridiano, cortando a Terra em duas partes iguais (e latim

"equales''): a circuriferência desse círculo chama-se equador. Geometricamente

falando, podemos construir uma infinidade de planos paralelos ao plano do

equador os quais passarão todos, mais ou menos distanciados do centro da terra

, determinando circunferências chamadas paralelos Quando o plano se torna

tangente à extremidade do eixo polar, o círculo reduz a um ponto e corifunde-se

com o polo. O pólo pode ser, assim, considerado como o limite do paralelo, pois

o diâmetro deste vai se reduzindo, gradativamente a partir do equatorial, até

anular-se. 167

Segundo CAMPOS (s.d.), os paralelos e meridianos

"servem para localização de pontos do globo pelas coordenadas de

latitude e longitude respectivamente. Elas são medidas a partir do Equador e do

Meridiano de Greenwich. "168

166.LIBAULT, 1975. op. cit. p. 61e63. 167.LIBAULT, 1975. op. cit. p. 61. 168.CAMPOS, Mareio D'Olne - "A arte de sulear-se". Campinas: UNICAMP (mimeo). Apêndice 1. p.

A.1.6.(s.d.).

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

171

Ao classificarmos as respostas dos professores como reprodução

mecânica não estamos querendo com isso elaborar um conceito pejorativo.

Objetivamos, pois, evidenciar que trata-se de um ciclo de formação, e que serve

não apenas para argumentar sobre a formação deste conceito, mas também para

refletirmos sobre as considerações por nós realizadas acerca do tipo de formação

que o professor obteve na universidade (tradicional/tecnicista) - o que não diz

respeito somente a formação cartográfica - e cuja linha pedagógica e

metodológica da proposta, utilizada por todos os professores, se coloca de forma

diametralmente oposta. Esta reflexão exige o reconhecimento de que não se trata

apenas de novos paradigmas, mas da (re )construção de novos sujeitos.

A simples observação das respostas dos professores são argumentos

fundamentais para estas reflexões.

Para finalizar as questões relativas ao sistema de referências

geográficas, afirmamos que como fundantes da determinação de pontos, da

localização geográfica, esperava-se maior domínio destes conceitos por parte dos

professores.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

172

3.9. FUSO HORÁRIO

Este conceito, para nós que vivenciamos o trabalho de e com os

professores coloca-se como um dos grandes problemas, não apenas pelo seu

caráter abstrato, mas pela dificuldade que o professor -e o aluno - tem em

associar as distâncias longitudinais com a orientação tomada (Leste ou Oeste).

Outro aspecto fundamental é que quando se estabelece o ensino de fuso horário,

normalmente, prendemo- nos totalmente ao aspecto técnico do conceito ( 15º = 1

hora), desconsiderando por sua vez as convenções horárias assumidas pelos

países europeus, ou mesmo pelos estados dos países de grande expressão

latitudinal, como Brasil, EUA, Rússia, etc.

Outro fator bastante peculiar é que o ensino normalmente parte do

Meridiano de Greenwich, como longitude de Oº e que 15º a partir dele inicia-se

o outro fuso. Um problema básico de formação, uma vez que o fuso no qual se

encontra o GMT, vai de 7º30" W a 7º30" E.

Por outro lado, se percebemos um distanciamento do debate

geográfico em relação aos aspectos técnicos, observamos que o mercado de livros

didáticos está atento. Não apenas pelas publicações realizadas pelo JORNAL

FOLHA DE SÃO PAULO -Atlas do Times e JORNAL DA TARDE (Atlas

Melhoramentos), mas principalmente porque nos últimos anos, por conta das

transformações geopolíticas no leste europeu, tem aumentado o número de

publicações e o interesse pela nova configuração espacial do mundo (apesar de

ainda não definida). Um exemplo é a publicação do Atlas Atual GeográficoI69,

que traz um encarte sobre os conceitos cartográficos (Manual de Cartografia). No

entanto, o que pudemos observar é que, no caso dos fusos horários, o autor

reproduz cálculos com números múltiplos de 15, não permitindo considerar as

questões já mencionadas.

169.BOCHCCHIO, Vincenzo Raffaele - Atlas Atual Geografia, São Paulo: Atual, 1994. p. 9 e 10.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

173

Observemos a tabela 32, e as considerações de LIBAULT (1975).

TABELA32-

FUSO HORÁRIO

Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL

11 50% 7 32% 2 9% 2 9%

22 100%

Segundo LIBAUL T, os

''fusos horários dividem o globo em 24 regiões iguais, cada uma

com uma extensão de 15º de longitude. Considera-se como primeiro fuso

horário o situado de um lado e de outro do meridiano, de Greenwich, sendo os

seus limites 7º30" W e 7° 30" E. O fuso tem uma forma definida, sobre o

equador, sua largura é mais ou menos 1670 km., e vai diminuindo até se anular

nos dois pólos. Por isso quando se percorre um paralelo distanciado do equador,

a hora civil vai se alterando mais rapidamente do que no Equador. Na realidade

esta divisão em fusos só é valida em teoria; praticamente, é dificil cortar-se um

país em dois fusos, usando cada um tempo civil diferente. Ao contrário vários

países da Europa Ocidental uniram-se com o intuito de utilizar um tempo único.

Alguns países como a Índia, que abrange dois fusos horários (+ 5h e +6h)

adotaram um tempo civil médio, diferente de + 5h 30 min em relação ao tempo de

Greenwich. Os países de grande extensão em longitudes, porém, têm de ser

divididos em várias zonas horárias, cada uma diferenciada de 60 minutos. O

Brasil continental, por exemplo, abrange 3 zonas. 11110

170.0LIVEIRA, 1993a. op. cit. p. 70.

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

174

OLIVEIRA (1993a), afirma que o fuso

"Compreende a área que, em qualquer lugar da faixa limitada por

dois meridianos, conserva a mesma hora referida ao meridiano de origem. Cada

fuso, tem geralmente, 15º de longitude, cujo centro é um meridiano cuja

longitude é exatamente divisível por 15~ Como o círculo terrestre tem 360~ e o

movimento de rotação é executado em 24 horas, temos 360 : 24 = 15, o que

significa que cada hora do Globo se acha situada numa faixa de 15º. Os fusos

são referidos ao Meridiano Internacional de Origem (O°), bem como ao

antimeridiano (180°), em torno do qual esta a Linha de Mudança de Data.

Devido ao movimento do planeta do ocidente para o oriente, de Oº a 180º (este),

as horas aumentam, e de Oº a 180º (oeste) diminuem. O sistema de fusos horários

foi estabelecido pelo Decreto nº 2.784, de 18 de junho de 1913, o qual define,

igualmente a hora legal, a qual, também, chamada hora oficial".

Completa sua explicação, o autor, ao expor que

"É preciso que se saiba que a hora de cada fuso tem, em seus

meridianos, limites teóricos. Em outras palavras, a hora é aparente. Nem sempre

uma linha imaginária sobre um país, pode marcar, sem embaraços, um limite­

horário indiscutível." 171

O conceito de fuso horário está presente em nosso cotidiano,

evidenciando constantemente a necessidade de seu ensino, o que ocorre

normalmente de forma estática e com equívocos.

171.0LIVEIRA, l 993a. op. cit. p.53-54.

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175

3.10. ATLAS

O Atlas também se colocava entre aqueles temas que

considerávamos desnecessários. No entanto, ao observarmos o nível das

respostas, o conjunto de argumentações, a respeito de um instrumento usual,

sobretudo em nossas escolas, percebemos que a formação cartográfica dos

professores é de fato fundamental para a melhoria do ensino de geografia.

Queremos afirmar que o debate teórico deve se estabelecer no nível das

exigências práticas do cotidiano dos professores.

Deve-se levar em consideração que praticamente não existe no

início do período letivo, uma lista de material que não inscreva, como exigência a

compra de um Atlas. É sabido que ao mesmo tempo em que se coloca esta

exigência, ouvimos insistentemente os comentários dos alunos sobre sua não

utilização.

Mas, o que é um Atlas para os professores?

TABELA33-

ATLAS

Correta Relacionada Não Relacionada Não Respondida TOTAL

12 55% 4 18% 6 27% - -

22 100%

11(8~11(12)

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176

Observemos, agora, as definições de LIBAULT (1975) e OLIVEIRA (1993b), sobre este conceito:

"Devemos destacar as cartas dos Atlas nas quais é indicado um número importante de localidades, e que dispõem de um índice remissivo dos topónimos: são as chamadas cartas de referência. Constituem a maioria dos Atlas gerais de informação. "172

"Chama-se classicamente Atlas uma coleção de cartas variadas sendo, cada uma relativa a um pais ou fração de país. Em função da estruturação das cartas pode-se distinguir vários tipos de atlas - referência, mistos, especiais, monográficos, de organização, escolares. "I 73

Em OLIVEIRA, O Dicionário Cartográfico registra sob este tópico, o seguinte:

''Atlas. 1. Segundo a lenda, o rei da Mauritânia, filho de Júpiter. Como houvesse negado a hospitalidade a Perseu, este mostrou-lhe a cabeça de Medusa, e metamorfoseou-o em montanha. Os mitológicos imaginaram que Atlas havia sido condenado a sustentar o Céu com os ombros. 2. Coleção ordenada de mapas, com a finalidade de representar um espaço dado, e expor um ou vários temas".

''Na última definição, o termo foi criado por Mercator, na segunda metade do século XVL com a sua obra extraordinária Atlas sive Cosmographicae Meditatione de Fabrica Mundi et Fabricat (Atlas ou meditações cosmográficas sobre a construção do mundo e afigura do construído).

Antes da denominação, inaugurada pelo célebre cartógrafo belga, as palavras tradicionais eram geografia, teatro e espelho. "174

Nas respostas dos professores, ainda se colocam as imprecisões e uma intensa dificuldade de elaboração e organização das argumentações sobre o conceito.

O Atlas, normalmente, é o primeiro contato do aluno com a representação cartográfica, sua utilização de forma precária, desinteressada, ou apenas sob a forma ilustrativa, contribui para o distanciamento dos alunos entre a

172.LIBAULT, 1975. op. cit. p. 186. 173.Idem, p. 222. 174.0LIVEIRA, 1993a. op. cit. p. 36-37.(grifo do autor).

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177

cartografia e o ensino de geografia.

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178

3.11. PROJEÇÃO CARTOGRÁFICA11s

O tema é aparentemente técnico, no entanto, ele se coloca com importância, partir do momento em que a representação cartográfica se constitui alvo dos discursos críticos produzidos pelo Movimento de Renovação da Geografia.

As criticas, já mencionadas, estiveram ligadas as projeções de Mercator, assim, para um discurso que se valeu deste conceito - projeção cartográfica - deveria, em contrapartida, permitir que o debate incorporasse também o aprendizado dos conceitos envolvidos.

Em nossa pesquisa de campo, procuramos discutir três aspectos básicos das projeções, o próprio conceito - projeção, o desenvolvimento a partir da figuras geométricas (plana, cilíndrica e cônica), e as propriedades das projeções (conformes, equidistantes, equivalentes e afiláticas ).176

As respostas obtidas refletem um baixo índice de acertos, e, porque não dizer, que por parte de alguns professores, um certo espanto sobre a questão,

com comentários do tipo: ~ ~ fJa;v (7).

TABELA34-SISTEMA DE PROJEÇÕES

Correta 1 5% Relacionada 8 36% Não Relacionada 5 23% Não Respondida 8 36% TOTAL 22 100%

175. No conjunto de conceitos relativos a representação do globo havia as questões relativas ao Sistema UTM, Base Cartográfica, Carta 1.50.000. Pela especificidade apresentada optamos por não trabalhar estes conceitos. A título de consulta apontamos os trabalhos de JOLY (1990) e OLIVEIRA (1993a), e indicamos abaixo as considerações de LIBAULT (1975).

"Em 1950, os Estados Unidos propuseram uma combinação que deve abranger facilmente a totalidade das longitudes. Baseado na projeção cilíndrica transversa conforme, o sistema foi chamado Projeção Universal Transversa de Mercator (UTM). O fracionamento é feito em fusos, de longitude determinada para não ultrapassar os limites aceitáveis de deformação. O Equador é divido em 60 arcos de 6° cada um com a origem localizada sobre o antimeridiano de Greenwich. Os pontos divisórios são projetados em um cilindro tangente ao elipsóide ao longo de seu meridiano central. Portanto, o cilindro será diferente em cada fuso. Todos os fusos são idênticos, de tal modo que o cálculo pode ser feito para um fuso padrão; os resultados são válidos para a totalidade da Terra. "(p.162-163). 176.Apesar de nossos esforços no levantamento bibliográfico, não localizamos nenhuma citação que pudesse evidenciar as questões relativas à projeção de Mercator, mas sabemos, e todos aqueles que frequentaram os encontros agebeanos (ENGs-AGB), ou debates sobre a evolução do pensamento geográfico, realizados nos últimos 1 O anos, sabem que estas questões foram colocadas.

Alguns autores incluem as projeções azimutais ou zenitais. Trata-se de uma projeção cuja propriedade é manter os azimutes ou as direções da superfície da Terra. Por se tratar de uma projeção muito específica, uma vez que sua utilização se dá quase que exclusivamente na elabopração de mapas especiais, construídos para fins náuticos ou aeronáuticos, resolvemos não inclui-la, pois estes produtos cartográficos raramente estarão disponíveis para professores e alunos.

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179

TABELA35-DESENVOL VIMENTO DAS PROJEÇÕES

Correta 4 18% Relacionada - -Não Relacionada 6 27% Não Respondida 12 55% TOTAL 22 100%

TABELA36-PROPRIEDADES DAS PROJEÇÕES

Correta - -Relacionada 1 5% Não Relacionada 6 27% Não Respondida 15 68% TOTAL 22 100%

As respostas dos professores:

Sistema de Projeção: 11

~ W, ~ rJMn,Q,, ÍMn, ~ CMTU ~ ~ ~. b~ ~ ~ ~

~~. nêM,ooÁ;fmvu~. rh~~r~~~~rw,&

~ ~· e~~ Fu ~ CMTU ~ ~.11

(22)

llc~ ~ r ~ ~ ~. Ü; ~ ~ wma, ~

CUIWDJ rU9-~ CMTU UWlv ~· 11

( 6)

Desenvolvimento das Projeções:

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180

Propriedades das Projeções:

llJipM ?11(2)

Nas respostas acima, observamos alguns fatores como

inconsistência, lacunas de aprendizagem e desconhecimento completo dos temas

envolvidos. Outras justificativas que norteiam os comentários dos professores,

principalmente os que ministram aulas para o 2º grau, é relacionado ao "desuso"

destes conceitos em sala de aula, sendo raramente trabalhados.

Para esclarecermos o conceito de sistema de projeção, nos

baseamos em OLIVEIRA (1978) e LIBAULT (1975).

" A forma do nosso planeta, sendo esférica, vai constituir um

conjunto de problemas, pois é preciso transformar a sua superficie curva em

outra plana. Este grupo de preocupações que os mapeadores sempre

defrontaram corresponde ao das projeções cartográficas. "177

LIBAUL T, menciona que

177.0LIVEIRA, 1978. op. cit. p. 33.

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181

"Uma definição universal do sistema de "Projeção" seria: uma

correspondência matemática entre as coordenadas planoretangulares da carta e

as coordenadas esféricas da Terra. Alguns sistemas correspondem a

combinações geométricas simples, mas, geralmente, trata-se de expressões

puramente abstratas. "

Este mesmo autor, apresenta as projeções segundo suas

propriedades:

"Conformidade quando um pequeno círculo da superficie esférica

continua a ser representado sob essa mesma forma, qualquer que seja seu

tamanho, todos os raios correspondentes de ambos os círculos formam os

mesmos ângulos tanto sobre a esfera quanto na carta ...... Assim os ângulos são

mantidos, e a qualidade é freqüentemente designada como "conservação dos

ângulos" É um verdade absoluta, pois sabemos que a alteração da escala não

altera os ângulos.... Por outro lado, a conformidade implica uma variação da

escala de um ponto do globo para outro, porque não há porque não há

possibilidade de conseguir que todos os círculos transformados fiquem iguais.

Equivalência A outra propriedade básica definida por Tissot é a conservação

das áreas. Contrariamente ao que acontece com os ângulos, esta conservação

das áreas, não significa que as áreas sejam iguais às da natureza . ... Na verdade

quer dizer que as áreas são proporcionais às da natureza, sendo a razão e a

proporcionalidade constante e igual ao quadrado da escala. "178

Além destas propriedades, OLIVEIRA (1993a), indica outras duas:

equidistantes e afiláticas.

178.LIBAULT, 1975. op. cit. p. 105-108.

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182

''A projeção equidistante é a que apresenta deformações lineares,

isto é, os comprimentos são representados em escala uniforme. Deve ser

ressaltado, entretanto, que a condição de eqüidistância só é conseguida em

determinada direção.

''A projeção afilática, é igualmente conhecida como arbitrária nos

Estados Unidos, não possui nenhuma das propriedades dos quatro outros tipos,

isto é, equivalência, conformidade, eqüidistância e azimutes certos, ou seja, as

projeções em que as áreas, os ângulos e os comprimentos (e as direções) são

conservados... Este tipo de projeção pode, entretanto, 'possuir uma ou outra

propriedade que justifique sua construção... a gnomônica... apresentando todas

as deformações, possui a excepcional propriedade de representar as ortodromias

retas ". 179

A proposta de incluirmos o tema das projeções deveu-se também a

grande utilização de mapas mundi em salas de aula. O fato de se tratar da

representação de uma superficie curva em um plano, poderia apresentar o

questionamento de algum aluno quanto ao processo de realização, e mesmo pelas

considerações a respeito da projeção do cartógrafo belga Mercator. O fato é que

diante de um questionamento, por parte dos alunos, raros seriam os professores

que poderiam resolver o problema.

A análise que fazemos é que estes conceitos/conteúdos

cartográficos, apesar de não expressarem a totalidade dos domínios apresentados

na formação do professor, permitem verificar as deficiências formativas

existentes. As respostas dos professores, neste caso, se certas ou não, é o que

menos importa. Importa antes de tudo é o reconhecimento que o domínio

conceptual cartográfico é necessário e importante na formação dos alunos, e este

179.0LIVEIRA, 1993a. op. cit. p. 62-63.

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183

reconhecimento se deu por parte dos próprios sujeitos entrevistados. Admitimos

até que alguns dos conceitos expressos não tenham uma relação direta com aquilo

que as pedagogias ativas têm se debatido, a realidade do aluno. Assim, muitos

dos conceitos propostos estariam desfocados deste projeto; no entanto, temos

dúvidas quanto ao "isolamento" conceptual que se pode produzir. O abandono de

conceitos mais amplos, que não estejam tão visivelmente vinculados ao universo

primeiro dos alunos, é também uma negação de um conhecimento acumulado ao

longo dos anos pela humanidade.

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184

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As reflexões que apontamos ao final desta pesquisa estão colocadas

de certa forma, não apenas pelo que desenvolvemos até aqui, mas principalmente

ao que nos lança a este tipo de investigação.

Ao debatermos a cartografia, seu ensmo e sua formação,

recuperamos a dimensão necessária do entendimento de seus conteúdos dentro da

formação geográfica. Nesta perspectiva colocamos não apenas a elucidação de

um discurso que se fez pequeno (a cartografia é apenas uma técnica), mas

também os traços que esta visão incorporada e repetida marcaram na formação

dos professores de geografia. E os depoimentos dos professores nos mostraram,

que em certo momento da formação destes, a 11

~ da, h~ Jewrna;n;J; 11

acabou

solapando os domínios desta ciência, domínios estes tão amplos que a toma

necessária à sociedade brasileira.

Por isso, discutir os aspectos das representações sobre a cartografia

(geográfica), a aproxima do debate, do movimento de renovação geográfica, que

não parou, mas necessita incorporar o que deixou para trás. Não caminhamos ou

avançamos em partes, procuramos avançar na totalidade. Quando se rompe com

esta integridade, cria-se dualismos, preconceitos e uma distorção do método, e

ficando parte (ou partes), pelo caminho. Há muito mais o que resgatar na

Geografia.

Ao analisarmos o estado da arte da pesquisa no Brasil, percebemos

o quanto há por fazer: se de um lado pela qualidade dos trabalhos existem

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE José Gilberto de Souza

185

contribuições efetivas, de outro, pela quantidade, são ainda poucos se queremos

repensar a questão da Cartografia e a Formação Docente. A superação depende

em grande parte do professor. É este sujeito, de todos dos níveis, o responsável

por esta superação, pelo rompimento das leituras preconceituosas, unilaterais e

parciais que se fazem dentro da Geografia.

É a formação do professor que se inscreve como um dos trunfos

que temos para se chegar a uma escola de qualidade, não esquecendo que este

processo deve iniciar ou terminar com a escola fundamental, mas não poderá

apenas bater às portas das universidades brasileiras. Muito mais que isto, deve

rompê-las, verificar e transformar (os traços) o que efetivamente se pratica como

ensino em seu interior.

O que verificamos é que sobre o apanágio do "ensino público de

qualidade" muitas verdades se escondem, onde se produzem os vícios e

problemas do ensino nos níveis anteriores (não inferiores - médio e fundamental).

A questão se coloca, porque temos a presunção de que se forma melhor nas

universidades públicas do que nas particulares. Esta pesquisa revela que não, e

que se há uma diferença qualitativa é tão mínima, que não representa claramente

uma qualidade formativa diferenciada. Haja visto o tempo de formação quatro

anos (no mínimo), na UNOESTE os cursos formam após três anos com a opção

de habilitação em História ou Geografia (Curso de Estudos Sociais).

E que, portanto, competência e compromisso é uma discussão que

precisa ser projetada por quem, pelo menos em tese, pode realiza-la em conjunto

com os professores da rede, a universidade. Assim é que poderemos construir um

outro saber e uma outra formação, e que poderemos dialogar com os professores

sobre as formas de resolução deste problema formativo.

Este saber e formação incluem-se no debate, não pela hegemonia

que se deve impor, como tem sustentado a proposta de Geografia, mas pela

pluralidade e sobretudo pela reflexão do/no método, conduzindo estes elementos

CARTOGRAFIA E FORMAÇÃO DOCENTE

José Gilberto de Souza

186

(saber e formação) à dimensão de transformadores e que se colocam, a partir dos

sujeitos, enquanto prática transformadora.

Estas questões apontam para uma superação das distorções e da

precária formação de conceitos revelados nesse trabalho, aqueles não de ordem

"puramente" cartográfica, mas principalmente, de ordem geográfica.

E, finalmente, procuramos alimentar uma reflexão séria sobre o

ensmo de cartografia no Brasil, com a posterior a ampliação deste debate e

análise. Uma reflexão que se estenda sobre sobre as linhas de pesquisa, a

proposição dos programas de ensino nos cursos de graduação, que são alguns

objetos do fazer necessário. Neste novo/outro fazer há responsabilidades, das

Universidades (UNESP e UNOESTE) e seus respectivos departamentos de

Geografia, dos professores (sujeitos ou não desta pesquisa), e da APEOESP, cuja

dimensão social (e não corporativa) de luta, precisa subscrever a "Qualidade do

Ensino" com maior clareza e amplitude.