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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES INSTITUTO VILLA-LOBOS LICENCIATURA EM MÚSICA TALENTO E EXPERTISE NA PRÁTICA DOCENTE JUAN CARLOS HORTA PAZ RIO DE JANEIRO, 2014. 1

Juan Paz - Talento e Expertise Na Prática Docente

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Talento e expertise na prática docente

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE LETRAS E ARTES

INSTITUTO VILLA-LOBOS

LICENCIATURA EM MSICA

TALENTO E EXPERTISE NA PRTICA DOCENTE

JUAN CARLOS HORTA PAZ

RIO DE JANEIRO, 2014.TALENTO E EXPERTISE NA PRTICA DOCENTE

porJUAN CARLOS HORTA PAZ

Monografia apresentada para concluso do Curso de Licenciatura Plena em Educao Artstica Habilitao em Msica do Instituto Villa-Lobos, Centro de Letras e Artes da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, sob a orientao da Professora Dra. Maria ngela Monteiro Corra.

Rio de Janeiro, 2014.AGRADECIMENTOSPrimeiramente, agradeo a minha orientadora Profa. Maria Angela Monteiro Corra pela serenidade que manteve durante a orientao deste trabalho e dos prazos para elaborao do mesmo. Agradeo tambm aos amigos de toda hora Thiago Moura e Victor Salzeda, que acompanharam toda minha jornada universitria, por cederem seus ouvidos s minhas divagaes musicais com inslita resilincia; minha namorada Camila Ferolla pelas madrugadas em que prestou servios datilogrficos; e um agradecimento especial minha famlia que sempre me apoiou. PAZ, Juan Carlos Horta. Talento e expertise na prtica docente. 2014. Monografia (Licenciatura Plena em Educao Artstica Habilitao em Msica) Instituto Villa-Lobos, Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

RESUMO

Esta pesquisa tem como foco procurar compreender como se d o processo de aquisio de habilidades musicais, por meio do entendimento dos conceitos de talento e expertise na literatura e na concepo de professores de msica e conhecer as possveis implicaes destes em suas prticas docente. Para tanto, procurou-se investigar na literatura trabalhos que fundamentassem teoricamente as principais e atuais abordagens sobre talento e expertise, em publicaes acadmicas, apresentadas algumas vezes com vises complementares e outras, com vises opostas, principalmente, acerca da origem das habilidades superiores e das questes envolvidas no processo de aquisio das mesmas. Para a anlise dos entendimentos sobre como estes construtos so percebidos na rotina educativa, foram realizadas entrevistas com professores de msica para se observar em que medida as prticas adotadas esto de acordo com a literatura pesquisada e, de certa forma, em que medida elas so coerentes aos entendimentos destes conceitos. A metodologia adotada neste trabalho foi uma pesquisa bibliogrfica, com abordagem qualitativa, em entrevistas semi-estruturadas.Palavras-chave: talento; expertise

SUMRIO

INTRODUO.................................................................................................................6

CAPTULO I TALENTO...............................................................................................7

1.1 Primeiras pesquisas sobre o talento..........................................................................81.2 Fronoys Gagn Differenciated model of giftedness and talent (DMGT)..101.3 O modelo dos trs anis da superdotao de Joseph S. Renzulli...........................13CAPTULO II EXPERTISE..........................................................................................17 2.1 Definio.................................................................................................................17 2.2 A teoria dos dez anos de K. Anders Ericsson..........................................................20 2.3 Famlia e desenvolvimento da expertise..................................................................24 2.4 Expertise e as adaptaes cognitivas.......................................................................26 2.5 Expertise e adaptaes fisiolgicas ........................................................................27 2.6 Expertise e percepo motora..................................................................................28CAPTULO III PRTICA DOCENTE E PERCEPO DOS PROFESSORES.......30 3.1 Inatismo e ambiente.................................................................................................31 3.2 Planejamento...........................................................................................................34 3.3 O importante participar.....................................................................................36 3.4 Estratgias para correo de erros ..........................................................................37CONSIDERAES FINAIS.................................................................................. 40NOTAS............................................................................................................................41

REFERNCIAS..............................................................................................................42INTRODUO

Este trabalho busca compreender, por meio de pesquisas de autores clssicos e contemporneos, como se d o desenvolvimento das habilidades musicais e quais as questes que interferem neste processo. Como objetivo pretende-se compreender como os tericos definem talento e expertise e, a partir destes fundamentos, conhecer de que forma os termos talento e expertise so entendidos por professores de msica e como este entendimento se reflete em suas prticas docentes. A metodologia adotada neste estudo foi a de uma pesquisa bibliogrfica, com abordagem qualitativa, em entrevistas semi-estruturadas.

Quando se trata de msica no raro que algumas idias nos venham cabea, como, por exemplo, a do msico gnio, a de um indivduo talentoso ou a de um possuidor de algum dom, assim como quase sempre a constatao de que algumas pessoas apresentam habilidades superiores as da maioria da populao. A questo repousa sobre as noes de talento como resultado de um esforo deliberado para conseguir altos nveis de desempenho ou como causa de um de um desempenho superior. As hipteses so vrias e ainda no possvel afirmar, com certeza, de onde surgem os grandes talentos. Porm, pesquisas sobre talento e expertise nos auxiliam no entendimento sobre como uma habilidade desenvolvida ao longo dos anos. Quando compreendemos as etapas que as pessoas devem passar durante o aprendizado e domnio de alguma tarefa, podemos nos capacitar com melhores estratgias para ensinar nossos alunos. Deste modo, quatro professores foram entrevistados a fim de forneceram materiais que apontem possveis implicaes sobre a compreenso destes termos em suas rotinas docentes.

Este trabalho foi desenvolvido em trs captulos. No primeiro, sobre talento, foi realizado um breve histrico sobre o tratamento dado, no passado, s pessoas com algum destaque em alguma rea de desempenho, alm de apresentar dois modelos recentes que buscam explicar a origem do talento. No segundo captulo, procurou-se conceituar expertise e apresentar uma teoria que busca explicar como atingir gradualmente o estgio expert. No terceiro e ltimo captulo, foram analisadas entrevistas com professores e suas contribuies luz dos autores pesquisados nos captulos anteriores.

CAPITULO I TALENTOAlgumas obras de arte ou alguns grandes feitos, realizados por algum, quase sempre deixam o pblico extasiado ao admir-las. Assistir ao desempenho de um pianista que desliza delicadamente os dedos sobre as teclas, faz as emoes virem tona diante de tamanha destreza. Com movimentos velozes e precisos os dedos deslizam em um emaranhado de teclas brancas e pretas. Impressiona ainda mais quando tais feitos so realizados desde a primeira infncia, quando os ps de uma criana, sentada ao piano, ainda sequer alcanam o cho, deixa o pblico maravilhado. Neste momento somos tomados por um mpeto de emoo e, muitas vezes, somos quase forados a crer que estas realizaes so frutos de uma habilidade que foge nossa compreenso e que muitas vezes entendida como talento. No raramente encontramos outros exemplos semelhantes ao da imagem do pianista acima descrito, basta ligar a televiso por alguns instantes e l estaro programas em que cada participante pode mostrar suas habilidades.A discusso sobre o talento traz uma srie de conceitos j arraigados pelo senso comum em nossa sociedade e que comumente so apresentados de forma extremamente simplista. Dia aps dia possvel encontrar em jornais, revistas, programas de televiso entre outros tantos meios de comunicao, a utilizao do termo talento (sobretudo aqueles ligados ao mbito artstico) de forma indiscriminada e por vezes indissocivel de fatores como o meio social/familiar; o aspecto gentico; o aprendizado; a cognio; a motivao, entre outros e que estaria presente somente em uma pequena parte da populao. Autores como GAGN (2008), MCPHERSON & WILLIAMON (2006) e RUTHSATZ et al. (2007), que consideram o talento como inato, no negam a influncia do meio, assim como os autores ERICSSON et al. (1993), LEVITIN (2006) e LEHMANN & GRUBER (2006),que consideram o talento como adquirido,no negam a influncia de uma parcela de hereditariedade. No entanto, ambas tm um ponto convergente: apenas uma pequena parte da populao apresenta algum talento. Sua baixa ocorrncia e a falta de entendimento sobre os fatores que contribuem para a manifestao deste atributo talvez explicasse o fascnio que temos pelas pessoas talentosas. Todavia, esta atrao no exclusividade fruto da contemporaneidade.1.1 Primeiras pesquisas sobre o talentoAs realizaes prodigiosas que nos encantam, tambm encantavam pessoas de pocas passadas. Nos idos de 2200 a.C. os chineses desenvolveram um sistema bem elaborado de seleo para a escolha de pessoas notveis e elas eram reservadas posies no governo (RENZULLI, 1978). As crianas que possussem tais feitos prodigiosos nesta poca, segundo ALENCAR (1993),recebiam atendimento especial, sobretudo quelas com boa memria e habilidades literrias que eram denominadas divinas e encaminhadas corte, tidas como pressgio de prosperidade nacional (p.78). Para o autor, na Grcia h mais de 2300 anos, Plato defendia a seleo das crianas mais inteligentes, para que estivessem a servio do Estado. A crena da poca era de que os mais eminentes eram assim devido a atribuio dada pelos deuses (ERICSSON& CHARNESS, 1994). Nos dias de hojed-se, por vezes, a alcunha de talentosos, gnios ou prodgios, justamente s pessoas que, como aquelas da antiguidade, apresentam algum nvel de destaque ao realizar alguma tarefa. Fato que elas apresentam habilidades acima da mdia, restando apenas especularmos sobre suas origens. Podemos considerar que as primeiras pesquisas relevantes sobre talento foram feitas por Francis Galton e relatadas em 1869 em seu livro intitulado Hereditary Genius, obra citada por vrios autores em diferentes datas (ALMEIDA&CAPELLINI, 2005; ERICSSON, 2006). GALTON (1869) defendia que os diferentes talentos eram herdados geneticamenteda mesma forma como so os atributos fsicos e que a gentica determinaria os limites do desenvolvimento de uma habilidade. No captulo introdutrio do livro acima, o autor destaca:

Proponho a mostrar neste livro que as habilidades naturais do homem so derivadas por herana, sob exatamente as mesmas limitaes que so a forma fsica e caractersticas de todo o mundo orgnico. [...] Concluo que cada gerao tem um enorme poder sobre os dons naturais das pessoas que seguem, e sustento que um dever que temos para com a humanidade investigar o alcance desse poder. [...] (GALTON, 1869, p.1).

Para atingir altos nveis de excelncia em um domnio Galton argumentava que eram necessrios trs fatores: (a) habilidade inata; (b) entusiasmo e (c) resilincia para o trabalho rduo. As habilidades inatas seriam transmitidas dos pais para seus filhos, mas, apesar de ser adepto do inatismo, Galton reconhecia a necessidade da instruo e da prtica para a aquisio de altos nveis de desempenho (GALTON, 1869).Pesquisadores contemporneos de Galton tambm publicaram trabalhos sobre pessoas talentosas, desta vez na tentativa de medir habilidades e prever quem atingiria altos nveis de desempenho. Em 1894, Alfred Binet, intrigado com jogadores de xadrez que conseguiam visualizar posies mesmo quando jogavam sem o tabuleiro, apresentou um estudo com indivduos que deveriam gerar imagens mentais daquilo que lhes eram apresentados. Esse estudo, se comprovado, demonstraria que algumas pessoas tm memria qualitativamente superior maioria (ERICSSON & CHARNESS, 1994). Binet tambm formulou testes que influenciaram pesquisas posteriores neste campo com o intuito de mensurar a inteligncia de indivduos. Seus testes de quociente de inteligncia (QI) buscavam medir a compreenso, conhecimento e habilidades adquiridas (ERICSSON et al.,1993). No entanto, de Lewis M. Terman, em 1925, a primeira definio de inteligncia reconhecida cientificamente. Ele utilizava escores de QI acima de 135, para a identificao das pessoas mais inteligentese esteera obtido a partir de reformulaes dos testes de inteligncia de Stanford-Binet (ALMEIDA &CAPELLINI, 2005). Os resultados dos testes de QI medem o que ficou conhecido como Inteligncia geral, um tipo de inteligncia base e estvel que havia sido proposto por Spearmen (KALBFLEISH, 2004). A relao entre a inteligncia geral e a inteligncia em uma rea especfica ainda controversa.

No campo da msica tambm houve tentativas de medio de talentos musicais.Who is musical (1895), de Billroth, pode ser considerado como a largada nas pesquisas sobre habilidades musicais no sculo XIX (LEHMANN & GRUBER, 2006). No mesmo sculo, em 1883,Carl Stumpf sugeriu alguns testes que pudessem prever o desenvolvimento de habilidades musicais. Mais tarde, nos anos 20 e 30 do sculo XX, Carl Seashore desenvolveu um sistema mais elaborado de medida que procurava quantificar a afinidade que cada pessoa tem com propriedades relevantes da msica tonal e predizer quem teria uma mente musical a ser desenvolvida. Outros pesquisadores como Gordon, Revesz e Wing, segundo ZORZAL (2012), adotaram o conceito de musicalidade, que seria a habilidade de desfrutar esteticamente a msica. Sob influncia das teorias inatistas, esses pesquisadores tentavam de alguma forma obter ferramentas que detectassem um talento musical precoce.

Algumas pesquisascomo as de SLOBODA(2000), HOWE et al.(1998) e ERICSSON et al. (1993) demostram evidncias de que o talento, embora possa ter algo de inato, sofra fortes influncias externas.A seguir a anlisedos trabalhos de GAGN (2000; 2008; 2009) e RENZULLI (1978; 2005) buscam explicar o fenmeno do talento.1.2 Franoys Gagn Differenciated Model of Giftedness and Talent (DMGT)

Em seus artigos Gagn critica o uso indistinto de alguns termos utilizados para designar pessoas cujas realizaes esto acima da mdia. Ele ento utiliza e faz distino entre os termos dom e talento, sendo que:

DOM designa a possesso e uso de habilidades naturais notveis, chamada aptides, em pelo menos uma rea de domnio e em um grau que coloque o indivduo dentro de 10% de seus pares da mesma idade.TALENTO designa um excelente domnio de habilidades sistematicamente desenvolvidas, chamada competncias (conhecimento e habilidades), em pelos menos um campo de atividade humana que posicione o individuo entre os 10% melhores e que estejam ativos neste campo. (GAGNE, 2008, p.1)

GAGN (2008) entende que pode existir dom sem talento, mas no o contrrio. Em outras palavras, o autor considera as habilidades naturais como matria-prima para o desenvolvimento do talento. Sendo assim, possvel que um indivduo possua habilidades naturais (inatas), masque jamais se tornar talento se no houver odesenvolvimento sistemtico do nvel de desempenho que se quer obter.Os trs pilares do modelo desenvolvido por Gagn so Dom(G), Talento (T) e o processo de Desenvolvimento (D). Dois componentes adicionais completam o modelo do autor: Catalisadores intrapessoais (I) e ambientais (E4).

Figura 1. GAGN (2008), p.2.Para Gagn (2000, 2008, 2009) dons so habilidades naturais, cujo desenvolvimento e nvel de expresso so parcialmente determinados e controlados por fatores genticos. O componente G dividido em seis categorias, sendo quatro mentais: intelectual, criativo, social, perceptual; e duas fsicas: muscular e controle motor. O autor defende que estas habilidades naturais podem ser observadas mais facilmente em crianas devido a pouca interferncia do meio e porque os aprendizados formais ainda no exerceram influncias significativas. Em crianas maiores e adultos, as habilidades naturais podem ser observadas pela facilidade com que um individuo adquire novos conhecimentos, quanto mais fcil ou rpido o processo de aprendizagem, mais podemos afirmar a presena de altas habilidades naturais subjacentes (GAGN, 2008, p.3). As habilidades naturais no determinam as reas de atuao de um indivduo, pois, sendo elas matria-prima para o desenvolvimento de talentos, podem ser expressas de maneiras diversas. Gagn define como talento (componente T) o desenvolvimento sistemtico das habilidades naturais. Por exemplo, as habilidades intelectuais podem ser modeladas para o raciocnio cientfico de um qumico ou para falar uma lngua estrangeira assim como a destreza manual pode ser modelada para tocar piano, pintar ou praticar esportes (GANG, 2000, 2009). O componente dividido em nove categorias, seis relacionadas personalidade: realista, investigativo, artstico, social, empreendedor, ortodoxo; e outros trs: acadmico, jogos e esportes. Oprocesso de desenvolvimento dos talentosmanifesta-se quando a criana ou adolescente comea a aprender e praticar formalmente. Este processo pode assumir trs formas: a maturao, o aprendizado espontneo e o aprendizado sistemtico (GAGN, 2009). A maturao, que engloba o crescimento e a transformao de todas as estruturas biolgicas e processosfisiolgicos que constituem a base de habilidades fenotpicas; o aprendizado espontneo, quecorresponde ao conhecimento fruto de atividades dirias, geralmente aquelas apresentadas por crianas antes de entrarem para a escola; o aprendizado sistemtico, quecaracteriza-se pela inteno que um individuo tem de adquirir certas habilidades e pelo planejamento necessrio para alcanar, passo-a-passo, seus objetivos, o que entendido como prtica deliberada por ERICSSON et al. (1993).Durante a fase do desenvolvimento de um talento alguns agentes podem facilitar ou mesmo prejudicar o processo. Estes agentes prejudicadores e facilitadores constituem os componentes catalisadores, que se apresentam no modelo de Gagn sob duas formas: Intrapessoais e ambientais.

Os catalisadores intrapessoais correspondem s caractersticas psicolgicas e fsicas, que esto sujeitas herana gentica. Dentre as caractersticas psicolgicas esto a motivao, o temperamento e a autogesto, que podem se manifestar atravs de uma paixo por uma dada tarefa, que acarretaria numa dedicao intensa ou numa fora de vontade para manter uma prtica mesmo sob tdio ou eventuais falhas (GAGN, 2008).Os catalisadores ambientais podem se manifestar de vrias formas. O meio social pode influenciar em nvel macro (geograficamente, demograficamente) e micro (tamanho da famlia, estilo de vida). A influncia de outras pessoas tambm pode ser significativa, seja ele um parente, professor ou figuras pblicas que so adotadas como modelo. Outro catalisador ambiental est relacionado s provises tomadas para o desenvolvimento de um talento e isto engloba programas especiais de educao e estratgias pedaggicas. Por ltimo, podem-se citar eventuais acontecimentos que interferem positivamente (apaixonar-se) ou negativamente (morte de um parente) no desenvolvimento de alguma habilidade (GAGN, 2000; 2008).Gagn (2008) acrescenta, ainda, um item que perpassa os catalisadores ambientais e intrapessoais, as habilidades naturais e o processo de desenvolvimento do talento, este item chamado fator Chance. Este fator relaciona-se aos itens citados anteriormente, na medida em que um indivduo no tem controle sobre sua herana gentica, local de nascimento ou meio social. MCPHERSON & WILLIAMON (2006) resumem o fator Chance como estar no lugar certo, na hora certa e d-nos ainda alguns exemplos de como o fator Chance pode exercer influncias positivas e/ou negativas na aquisio de uma habilidade. O trompetista Louis Armstrong, por exemplo, com aproximadamente 6 anos de idade comeou a tocar uma espcie de corneta para atrair clientela para dois vendedores imigrantes. Foi um sucesso. Tal fato proporcionou a abertura de novas possibilidades e foi para Armstrong uma descoberta inicial que o fez perceber que era capaz de entreter os outros. Por extenso, revolucionou o jazz e a msica americana. Como podemos perceber nenhum grande pianista poder surgir se a este nunca lhe for dado a oportunidade de tocar piano, e deste modo se manifesta o fator Chance. 1.3 O modelo dos trs anis da superdotao5de Joseph S. Renzulli

Um trabalho mais completo sobre as idias de RENZULLI (1978) conteria a Concepo dos trs anis da superdotao, Modelo Tridico de enriquecimento e o Modelo de Enriquecimento para toda escola. Para o propsito deste trabalho, abordaremos somente o primeiro.

O modelo dos trs anis de Renzulli trabalha com a interseo de trs itens,

Figura 2. RENZULLI (1978), p.3.que so: as habilidades acima da mdia, a criatividade e o envolvimento com a tarefa. Os pontos de partida de RENZULLI(1978) foram os exames de seleo utilizados para escolher os alunos que deveriam entrar para programas especiais para crianas superdotadas, que em sua opinio fracassava ao descartar milhares de alunos com grande potencial por considerar apenas os 1-5% superiores baseados em testes de QI. O autor afirma que estudantes moderadamente abaixo da mdia de corte tambm podem produzir trabalhos em alto nvel e que estes provm dos 20% superiores da populao geral. Acrescenta ainda que as pessoas historicamente reconhecidas e lembradas como realmente talentosas no so as que obtiveram grandes escores em testes de QI, mas so as inovadoras e criativas (RENZULLI, 2005). Sendo assim, os indicativos tradicionais de sucesso acadmico (como os testes de aptido e QI) no apresentam grande relao com o futuro sucesso no mundo adulto.

(...) conseguir boas notas na universidade tem pouca conexo com os tipos de realizaes mais remotas e socialmente relevantes; certamente, em algumas universidades, quanto maior as notas de um estudante, menor a probabilidade deste ser uma pessoa com potencial criativo. Parece, ento, ser mais desejoso ampliarmos nosso critrio sobre realizaes talentosas. (HOLLAND & ASTIN apud RENZULLI, 1978, p.3)O modelo dos trs anis, segundo RENZULLI (2005), utiliza o termo superdotado como adjetivo e busca discutir mais o desenvolvimento da superdotao ou do comportamento superdotado, que a superdotao em si, tornando mais abrangente a concepo do termo.O autor faz uma distino entre a realizao e o potencial. Um indivduo pode ter uma habilidade em potencial, mas no ser considerado superdotado enquanto no demonstrar alguma realizao superior (p.3). Esta distino assemelha-se a distino entre dom e talento sugerida por GAGN (2008).

RENZULLI (1978) prope a ampliao do entendimento de indivduos superdotados ao no considerar somente os testes de QI e afirma que as pesquisas sobre pessoas criativo-produtivas ainda no apresentam critrios consistentes para determinar esta superdotao, mas que as pessoas que tm alcanado reconhecimento por causa de seus feitos nicos e suas contribuies criativas possuem trs traos relativamente bem definidos (RENZULLI, 2005, p. 14). Estes traos, j mencionados anteriormente, so a habilidade acima da mdia, a criatividade e o envolvimento com a tarefa. Estes traos sero explanados na seqencia.

Em primeiro lugar as habilidades acima da mdia podem ser definidas de duas formas: as habilidades gerais e as habilidades especficas. As habilidades gerais consistem em traos que se aplicam a vrios domnios (inteligncia geral), como habilidades verbais, raciocnio numrico, relaes espaciais, memria, entre outros. Estas habilidades so aquelas mais facilmente identificadas atravs de testes de aptido e so aplicadas a uma grande variedade de situaes de aprendizado (RENZULLI, 2005). As habilidades especficas consistem na capacidade em adquirir conhecimentos e habilidades ou a capacidade de atuar em um ou mais campos especficos. As habilidades especficas, salvo algumas excees, no so facilmente medidas atravs de testes de aptido que o caso, por exemplo, das artes em geral que so avaliadas atravs de observadores competentes na rea.

Para RENZULLI (1978, 2005), nenhum dos trs traos sozinhos suficiente para assegurar que algum seja superdotado. Destarte, mesmo possuindo altos escores de habilidades tanto gerais quanto especficas, o que est sendo considerado so as pessoas cujos feitos so de grande relevncia socialmente reconhecida; aquelas de fato mudam o mundo. estas pessoas atribui-se a interseo dos trs traos, ao invs de um s proeminente. O autor afirma que pesquisas apontam para o fato de que tais realizaes requerem nveis mnimos de inteligncia, mas que para alm desses nveis, o grau das realizaes pouco se relaciona com a inteligncia (RENZULLI, 2005, p.17). Em outras palavras, quer dizer que as diferenas individuais tendem a ser mais evidentes no incio do aprendizado, mas que essas diferenas diminuem medida que o indivduo aprimora suas habilidades, tornando as diferenas cognitivas bsicas menos importante no processo.

O segundo trao a integrar o modelo a criatividade. Embora na literatura seja possvel encontrar os termos gnio, superdotado ou criadores eminentes como sinnimos, para RENZULLI (1978) todos estes termos podem todos ser compreendidos por criatividade. O mais importante, entretanto, que mesmo sendo a avaliao das produes criativas permeada de certa subjetividade, a criatividade continua presente nos indivduos reconhecidamente eminentes. O autor aponta ainda que os mtodos para a medio da criatividade so limitados, dado o alto grau de subjetividade.

O envolvimento com a tarefa surge como o terceiro e ltimo trao do modelo dos trs anis. Este trao consistentemente observado em pessoas criativo-produtivas e por isso est includo no modelo. Para RENZULLI (1978) o envolvimento com a tarefa uma forma refinada de abordar a motivao, pois enquanto a motivao [algo que] desencadeia respostas num indivduo, o envolvimento com a tarefa representa energia exercida sobre um problema particular [...] (RENZULLI, 1978, p.3). Para justificar a presena do envolvimento da tarefa como fator importante no modelo, RENZULLI (1978) apresenta a pesquisa realizada por Lewis Terman que sugere ser exgua a relao entre faculdade intelectiva e sucesso. O que diferia o grau de sucesso entre os dois grupos de mesma mdia de inteligncia utilizados na pesquisa eram justamente aspectos de cunho social e emocional.

O autor por fim conclui que o que produz a superdotao a interao dos trs traos (habilidade acima da mdia, envolvimento com a tarefa e criatividade) e que estes podem ser aplicados a todas asreas de atuao. Aquele que possui ou capaz de desenvolver a interao dos trs traos considerado superdotado (RENZULLI, 1978).CAPTULO II EXPERTISE

2.1 Definies de expertiseO termo expertise vem sendo empregado como alternativa aos termos talento/dom. Enquanto estes ltimos denotam algum grau de facilidade para a aquisio de algumas habilidades ou mesmo uma ou mais habilidades inatas, expertise pressupe aprendizado mediante trabalho laborioso. Naturalmente, a definio do termo no to simplista e no h consenso definitivo entre os pesquisadores. HOFFMAN (1996), por exemplo, afirma que no exerccio da psicologia experimental a identificao deexperts no muito um problema, mas que existemsituaes que podem apresentar alguns problemas de ordem prtica. (...) eu uma vez fui consultado pelo U.S. Government Accounting Office para resolver o problema da discordncia entre toxicologistas experts acerca do desenvolvimento da toxicidade e teratogenicidade de compostos qumicos. [...] se os experts so experts por que eles discordam? E uma vez que eles discordem como podemos confiar em seus julgamentos (...)? (HOFFMAN, 1996 p.3)

O desafioda psicologia cognitiva , para o autor, gerar uma definio que sirva para identificar experts. Para tanto so propostas definies em termosde (1) desenvolvimento cognitivo, (2) estruturas de conhecimento e (3) processo de raciocnio.

Em termos de desenvolvimento cognitivo HOFFMAN (1996) afirma que o desenvolvimento da expertise est sujeita a diferenas individuais psicolgicas e comportamentais, mas que expertise no a mesma coisa que inteligncia, aquela obtida atravs de testes. Um complexo processo de raciocnio pode ser encontrado em um individuo dentro de sua rea de percia sem que este possua altos ndices de QI. Em outras palavras, a inteligncia geral apresenta baixa relao com ashabilidades especficas. O desenvolvimento da expertise se d de forma progressiva, de um nvel superficial e literal a um nvel conceitual e articulado. LEHMANN & GRUBER (2006) citam um modelo que descreve o desenvolvimento de uma habilidade como sendo primeiro cognitiva, depois associativa e por ltimo autnoma. Estas diferenas so o que separam novatos de expertse destes podemosapresentar, segundo HOFFMAN (1996), quatro itens comuns aquisio de sua expertise:(a) raro um nvel ser saltado.

(b) raro algum regredir ou falhar em progredir, a menos que pare de praticar.

(c) Mestres experts podem antecipar os erros que os alunos cometero, dependendo do nvel em que se encontram.

(d) Com a prtica uma habilidade perde a qualidade de ser consciente e torna-se padro automtico.

Pesquisas de ERICSSON et al. (2007) tambm indicaram que somente por meiode um tipo especial de prtica que se leva algum a melhorar seu desempenho e no somente o acumulo de experincia. Aqui, a experincia difere conceitualmente da prtica. Experincia refere-se aos momentos em que um indivduo est envolvido numa tarefa por algum motivo que no seja primordialmente mapear e corrigir erros. A prtica justamente o oposto, pois se refere aos momentos em que o praticante trabalha deliberadamente os erros mapeados. Por este motivo que algumas pessoas ficam estagnadas no mesmo patamar por dcadas. No h evidncias de que uma criana ou adulto obtenha altos nveis de realizao sem qualquer tipo de experincia ou prtica prvia. Na verdade o que se observa que o aprendizado gradual e pode ser facilmente observadoquando se coloca em dois eixos, vertical e horizontal, os nveis de desempenho numa tarefa em funo dos anos de prtica (ERICSSON, 2006).

Figura 3. ERICSSON (2006), p. 691.

Outro fator importante e que tambm mostra porque um dado nvel no pode saltar para o nvel posterior, trazido por LEVITIN (2006) quando ressalta que o aprendizado de qualquer coisa prescinde da assimilao e consolidao da informao nos circuitos neurais.

Em termos de estrutura do conhecimentoos experts diferem dos novatos no s pelo seu conhecimento especfico, mas tambm pelo seu vasto conhecimento. O conhecimento dos especialistas diante de uma tarefa a ser solucionada diretamente direcionado sua resoluo mesmo a uma rpida exposio, pois recorre a uma organizao mnemnica em nveis mais conceituais e abstratos e menos literais (HOFFMAN, 1996).Em termos de processo de raciocnio, HOFFMAN (1996) aponta para o fato de que experts so apenas pessoas simples (p.7), poisos mecanismos cognitivos utilizados para a resoluo de problemas cotidianos repousam sobre os mesmos princpios bsicos. Todavia, experts apresentam maior fluidez quando se trata de seu campo de domnio e tendem a declinar seu desempenho quando esto lidando com tarefas pouco familiares (HOFFMAN, 1996). Neste sentido, a forma como funciona o raciocnio expert especial. Peritos em uma dada rea tendem a gastar mais tempo formando uma compreenso mais conceitual do problema, enquanto novatos prendem-se a formulaes mais concretas. Novatos e experts diferem tambm no refinamento da percepo, ou seja, aqueles que possuem mais prtica e experincia atentam para dados que passam despercebidos pelos outros. Um exemplo seria um msico experiente que consegue identificar uma vasta gama de dinmicas contidas na interpretao de uma msica ou uma sutil desafinao num naipe de cordas. comum recorrer a casos passados, o que facilita a discriminao de elementos fora do padro. Nestes casos, quando h situaes fora do padro, os iniciantes tendem a resolver o problema seguindo o passo-a-passo tal como lhes foram ensinados, mesmo quando as regras so inapropriadas, ao passo que experts apresentam maior flexibilidade e tendem a buscar ou criar novas estratgias (HOFFMAN, 1996). Segundo ERICSSON (2007), a busca por novas estratgias justamente o que faz os experts serem experts, pois medida que o desempenho de uma tarefa (por exemplo, ler ou andar de bicicleta) aumenta, o indivduo perde a conscincia sobre o que est realizando, tornando-se automtico. LEVITIN (2006) atenta para o fato de que no so todas as habilidades que podem fazer de algum um expert, somente aquelas que so julgadas socialmente relevantes. Ele diz que algum poderia (...) se tornar um expert em cruzar os braos ou pronunciar o prprio nome, mas que isso no , geralmente, a mesma coisa que se tornar, por exemplo, um mestre do xadrez (p.192).O verdadeiro expert deve passar por trs testes, para ERICSSON (2007). Primeiramente seu desempenho deve ser consistentemente superior ao da maioria. Em segundo lugar, experts devem apresentar resultados concretos, por exemplo, um jogador de xadrez deve ser capaz de vencer torneios. Por ltimo, as habilidades devem ser replicveis em laboratrio. Este ltimo pr-requisito se mostrou possvel em uma pesquisa realizada por SLOBODA (2000). Os resultados mostraram que as nuances contidas na interpretao de uma msica se mantiveram estveis e estavam sob controle dos executantes profissionais, diferindo dos msicos amadores, que apresentaram maior variabilidade nas interpretaes.

2.2 A teoria dos 10 anos de K. Anders Ericsson

Ao contrrio da teoria inatista de Gagn, ERICSSON et al. (1993) acredita que na biografia de indivduos com alto desempenho em alguma rea haja, no apenas um fator gentico favorvel, mas muitas horas de estudo engajado com a tarefa.ERICSSON et al. (1993) prope:(...) um arcabouo terico que explica o desempenho expert em termos de caractersticas adquiridas como resultado de prtica deliberada extensa e que limita o papel das caractersticas inatas aos nveis gerais de atividade e emoo. (p. 363).

Mesmo nos estudos de cunho inatista de GALTON (2000), o autor admitiu a importncia da prtica na aquisio de alguma habilidade. Ele defendia que nos estgios iniciais de um treino o progresso seria mais rpido e que com o tempo diminuiria at atingir um limite imutvel que a natureza tornou-o capaz de realizar (GALTON, 1869, p.16). Esse ponto de vista muito comum entre msicos e atletas, pois seria uma maneira simplista de resolver situaes como o de dois indivduos de mesma idade e tempo de prtica que apresentam diferenas no desempenho de uma mesma tarefa. ERICSSON et al. (1993) argumenta, no entanto, que as influncias genticas so vistas de forma incorreta por Galton, porque se elas determinassem os limites de desempenho, seria plausvel assumir que os fatores genticos no sofressem influncia do treino e da prtica e se manteriam estveis ao longo do tempo. Outro argumento trazido por LEHMANN & GRUBER (2006) sob a tica da histria, para o autor, algumas peas de msica que, h tempos atrs na histria, eram consideradas impossveis de tocar mesmo pelos executantes mais notveis, hoje em dia fazem parte do repertrio de alunos adolescentes. Corroborando, ERICSSON et al. (2007) conta a histria de Sir Francis Bacon, que teria dito ser impossvel ser um mestre da matemtica em menos de trinta anos. Para ambosos autores, a melhoria no desempenho de alguma habilidade no curso da histria est relacionado especializao, melhor formao e criao de mtodos que tornam o material a ser aprendido mais organizado e mais acessvel.

Para ERICSSON et al. (1993) o que media a aquisio de uma habilidade a quantidade de horas dedicadas ao estudo e prtica de uma tarefa.Porm, no somente a prtica e a experincia que levam ao expertise, mas um tipo especfico de prtica. Esta prtica chamada de prtica deliberada e definida como esforos especficos e sustentados para realizar algo que, a princpio, no conseguimos fazer. Engloba atividades altamente estruturadas, objetivos explicitamente voltados ao aperfeioamento de uma tarefa, inveno de novos meios de atingir um objetivo e apresenta dois tipos de aprendizado: aprimorar o que j sabe e ampliar os limites e a variedade de suas habilidades. Associada a prtica deliberada esto fatores como influncia dos pais, motivao, professores, recompensas, idade de iniciao e performance.

No toda prtica que leva a perfeio, mas a quantidade e a qualidade da prtica. Visto que a prtica deliberada requer atividades que tenham como objetivo final aprimorar o desempenho de uma tarefa, jogar uma partida de futebol, por exemplo, no far um jogadorexpert. ERICSSON et al. (2007) sugere imaginarmos jogando golfe pela primeira vez. Num primeiro momento estaramos confusos tentando no cometer falhas e observando os padres contidos no jogo. Em uma mdia de 50 horas acumuladas j estaramos com um melhor controle, participaramos de mais jogos e algumas tacadas j se tornariam automticas. A partir deste ponto o progresso atravs da mera experincia comea a decrescer e podemos at permanecer neste mesmo nvel por dcadas. Este decrscimo ocorre porque quando jogamos uma partida temos somente uma nica chance de acertar uma jogada de uma dada distncia. Se, contudo, nos for permitido repetir a mesma jogada, da mesma distncia, por vrias vezes consecutivas, teremos ento a oportunidade de ajustar nossa forma de jogar at obter melhores resultados. Isto o que fazem os profissionais, praticam exaustivamente com o objetivo de eliminar seus pontos fracos.

A idia de que algumas pessoas podem fcil e rapidamente atingir altos nveis de desempenho, devido a habilidades inatas, parece, segundo ERICSSON et al. (1993), carecer de respaldo na biografia de alguns experts, que s atingiram nveis de excelncia aps, pelo menos, 10 anos de prtica. SIMON & CHASE (1973), dando continuidade ao trabalho pioneiro de Adriaan De Groot, em 1965, com jogadores de xadrez, estimou no haver nenhum caso de um grande mestre do xadrez que no tenha passado aproximadamente 10.000 horas encarando diferentes posies e que isto levaria em mdia 10 anos de intensa preocupao com o jogo. O tempo que se leva para atingir a expertise pode variar conforme a rea de atuao, como o caso da composio musical, que leva aproximadamente 20 anos desde as primeiras composies at as mais eminentes (ERICSSON et al., 1993). No entanto, necessrio pelo menos 10 anos de trabalho laborioso at se tornar um expert em alguma coisa e por este vis que ERICSSON et al. (1993) prope a teoria dos 10 anos, que visa explicar a aquisio de habilidades atravs da prtica deliberada. LEVITIN (2006) atenta para uma clssica refutao a esta teoria, que o caso de Mozart. Algumas pessoas podem argumentar que mesmo que Mozart tenha estudado 40 horas por semana desde o dia de seu nascimento, no teria como acumular os 10 anos, haja vista sua pouca idade quando comps suas primeiras sinfonias. Para LEVITIN (2006) Mozart era precoce, mas no um expert. Mesmo tendo iniciado bem cedo, com aproximadamente 8 anos, suas composies de prestgio s vieram bem mais tarde. Soma-se a isto, o fato de que o pai de Mozart era um msico e professor rgido e muito respeitado na Europa.

Obter bons resultados atravs da pratica deliberada no simples e demanda muito tempo, segundo o proposto pela teoria. Trs agentesso importantes e interferem diretamente no processo: os recursos, a motivao e o empenho (ERICSSON et al., 1993). Cada um desses agentes deve estar presentes durante a prtica deliberada, mas podem aparecer sem uma distribuio igualitria.

Os recursos compreendem tudo o que necessrio para que algum possa se dedicar ao domnio de uma tarefa. Para haver uma pratica deliberada efetiva necessrio tempo livre, professores (tutores, instrutores), material, dentre outras coisas que podem ser facilitadas pela famlia no caso de uma criana ou adolescente, por exemplo. Neste ponto concernenteaos recursos disponveis a algum, qual ERICSSON et al. (1993) se refere, assemelha-se ao fator chance sugerido por GAGN (2008). Experts geralmente tem contato com sua rea de domnio com idade entre 3 e 8 anos por meio da famlia, que exerce um papel fundamental. BLOOM & SOSNIAK (1981) mostraram que muitos pais encorajam e ensinam aos filhos seus prprios ofcios de forma prazerosa e de forma bem natural, assim como o aprendizado da lngua materna.

O cerne da questo da expertise a relao da prtica deliberada com o nvel de desempenho. Sendo assim, no que concerne ao empenho, se num dado perodo de tempo algum quiser aprimorar suas habilidades, ter de aumentar as horas acumuladas de prtica. Todavia, em longo prazo o mero acmulo de horas no acarretar em melhores resultados. Isto ocorre porque a quantidade de horas que conseguimos praticarsem perder a ateno limitada e a ateno fundamental para que se possa identificar e corrigir erros. GOLEMAN (2013) acrescenta que a ateno, assim como um msculo, se cansa e uma habilidade que pode ser desenvolvida. Se a ateno se cansa com o tempo, necessrio que a prtica seja bem estruturada para que seja proveitosa. Ainda segundo o autor, quando treinamos com nosso foco em outro lugar, o crebro no reprograma o circuito relevante para aquela rotina em especial (p.102).

Pesquisas mostraram que as prticas que excederam 4 horas dirias no trouxeram benefcio algum conforme ERICSSON et al. (1993). O que recomendado neste caso que haja perodos de descanso a cada 1 hora aproximadamente. A prtica, desta forma, obedece aos limites fsicos e mentais.[...] seria de se esperar que o nvel de prtica que um indivduo pode sustentar por um longo perodo de tempo limitado pela capacidade do indivduo para se recuperar e, assim, manter-se constante de um dia para o outro. Aps o indivduo lentamente adaptar-se a um nvel constante de prtica, parece ser possvel aument-la (ERICSSON, 1993, p.371).Quando no se capaz de recuperar-se para dar continuidade a pratica, o efeito pode ser contrrio ao desejado, causando leses ou cansao mental.

Para estar engajado em uma tarefa e para que esta cause algum efeito positivo necessria a presena da motivao. A prtica deliberada, no entanto, no uma atividade intrinsicamente prazerosa, logo, o que faz com queexperts dediquem horas ao estudo engajado est relacionado ao aprimoramento da sua atividade (ERICSSON et al., 1993). Esta motivao vem antes mesmo do incio da prtica deliberada. Entrevistas com experts mostraram que a prtica deliberada s tem incio depois de vrios meses de atividades ldicas e descomprometidas dentro de sua futura rea de domnio e somente depois que a criana vista como algum talentoso (BLOOM& SOSNIAK, 1981). No incio a criana recebe ajuda de pais e professores, mas depois de alguma experincia comea a internalizar mtodos que pode utilizar para aprimorar suas habilidades. Nesta etapa as competies e apresentaes pblicas servem como objetivos em curto prazo e acentuam a conexo entre a motivao para praticar e o objetivo de tonar-se um expert. Se a prtica deliberada fosse, por si s, prazerosa ela seria estvel durante os anos, no entanto, o que se observa que as horas de prtica diminuem quando no se tem um objetivo motivador como competies (ERICSSON et al., 1993)

ERICSSON et al. (1993) realizou uma pesquisa com trs grupos de violinistas. Caso a teoria dos 10 anos estivesse correta, os melhores violinistas teriam mais horas de prtica deliberada acumulada. A pesquisa se utilizou de um dirio que seria preenchido pelos participantes, dados biogrficos recolhidos atravs de entrevistas e um formulrio contendo atividades musicais e quotidianas. Os participantes foram classificados em trs grupos: os melhores violinistas, os bons violinistas e os professores. Os resultados mostraram que o incio da atividade musical foi parecido nos trs grupos, comeando a tocar e praticar formalmente com aproximadamente oito anos e decidindo se tornar msico com aproximadamente quatorze anos. Praticar sozinho foi considerado pela maioria como a prtica mais importante para se obter altos nveis de proficincia no violino, contrastando com a prtica sozinha por mera diverso. To importante quanto a prtica sozinha foram as horas de sono, que so necessrias para se recuperar aps extensas horas de treino. O que ficou constatado no final da pesquisa foi que os melhores e os bons violinistas passavam mais horas praticando sozinho que os professores. Logo, tambm dormiam mais. Um detalhe apresentado foi que o grupo dos melhores violinistas passavam mais tempo de lazer com atividades relacionadas a msica que os outros dois grupos.2.3 Famlia e o desenvolvimento da expertise

A prtica deliberada, segundo a teoria dos dez anos, seria o melhor preditor do futuro sucesso. Em outras palavras o alto grau de desempenho adquirido por algum seria consequncia de aproximadamente 10 anos de prtica, visando detectar e corrigir as falhas a fim de aprimorar suas habilidades. O estudo de ERICSSON et al. (1993) nos revelou que os participantes da pesquisa que atingiram a expertise iniciaram suas atividades muito cedo, ainda na infncia. Neste aspecto, o ambiente familiar torna-se relevante no processo do desenvolvimento da expertise, pois durante a infncia muitas das atividades so controladas pelos pais e podem at mesmo depender deles, como no caso da compra de um instrumento ou da locomoo at o local de uma aula.

No histrico de indivduos que apresentam alguma notria habilidade encontra-se algum familiar ou pessoa prxima, como um amigo da famlia ou professor, que exerceu grande influncia. Observa-se tambm que desde cedo houve um grande encorajamento por parte da famlia para que seus filhos tivessem acesso de forma ldica ao que seria sua futura rea de domnio. A este fenmeno BLOOM & SOSNIAK (1981) caracterizou como sendo a fase inicial do desenvolvimento de um talento. Em algumas famlias comum que desde cedo as habilidades dos pais sejam transmitidas de forma natural aos seus filhos, servindo a eles como modelo. Os filhos por sua vez vo aos poucos se envolvendo de forma mais intensa nas atividades da famlia, de maneira que se torne possvel uma melhor interao com seus familiares dentro de um campo especfico, como a msica. BLOOM & SOSNIAK (1981) estabelece uma analogia com o aprendizado da lngua materna: A linguagem aprendida pela criana num excelente perodo para seu desenvolvimento e o aprendizado reforado pela necessidade que a criana tem de interagir e se comunicar com os outros membros da famlia (p.88). Um ambiente familiar propcio para o desenvolvimento de uma habilidade uma explicao possvel para o fato de que, em muitos casos, os filhos tenham as mesmas habilidades ou profisso dos pais. Neste sentido, LEVITIN (2006) ressalta que pais msicos tendem a dar suporte ao aprendizado musical aos seus filhos desde cedo assim como no aprendizado da lngua materna mas que, no entanto, poucos ousariam afirmar que o idioma tem origem inata.

Somente aps o estgio inicial mais exploratrio que se tem incio o aprendizado formal aonde, aos poucos, os professores especialistas vo substituindo o trabalho dos pais (BLOOM& SOSNIAK, 1981). O papel do professor estabelecer metas, dar instrues e tarefas a serem cumpridas, com suas devidas cobranas e correes. Este ciclo se repete vrias e vrias vezes: tarefas, objetivos, avaliaes e motivao, at que o aluno progrida. Com o tempo o indivduo se torna cada vez mais independente dos pais e j estabeleceu uma rotina, uma srie de objetivos e um nvel de autocrtica que se assemelha ao do professor. A partir dos 10 anos aproximadamente o envolvimento com as tarefas especficas de sua rea se tornam mais intensas e as horas de prtica aumentam consideravelmente, deixando de lado at mesmo atividades da escola (BLOOM& SOSNIAK, 1981). tambm durante este perodo que indivduos passam a aspirar um futuro promissor e a se verem como membros de um grupo especial. Para atingirem seus objetivos eles praticam, se isolam, seguem o duro regime do professor, fortalecem partes do corpo, dentre outras coisas. Resumindo, aquelas pessoas que atingem altos nveis de desempenho, so geralmente aquelas que iniciaram muito cedo, que tiveram desde cedo a oportunidade de praticar, que tiveram bons professores, que foram apoiados e estudaram de forma regrada por muitos anos.2.4 Expertise e as adaptaes cognitivas

Quando vamos a uma sala de concerto, no so raros os casos em que os msicos executam todas as peas de cor. Mesmo em nveis menos elevados, como no caso de amigos tocando em uma roda de violo ou apresentaes caseiras, existem pessoas que conseguem memorizar vrias posies de acordes, suas sucesses, progresso de acordes, improvisos e tudo mais que necessrio para executar uma msica. Estes aspectos de memria de resoluo de problemas esto relacionados s adaptaes cognitivas. Nem sempre a boa memria um objetivo explcito de quem est praticando, mas mesmo assim os experts tendem a ter uma excelente memria de longo prazo (LEHMANN & GRUBER, 2006). Msicos profissionais apresentam uma memria superior a dos msicos novatos, sobretudo quando material est organizado sob as regras do sistema tonal. Em contrapartida, essa superioridade desaparece quando as regras da tonalidade so violadas ou quando so apresentas sequencias de notas aleatrias. Esse fato nos leva a crer que a memria est relacionada a um campo especfico, contrariando a noo de que existem capacidades cognitivas estveis e no modificveis.

A memorizao de uma pea consiste em uma sofisticada representao mental da msica associada a um sistema de recuperao de dados que permitem a execuo de cor mesmo sob condies de estresse (LEHMANN & GRUBER, 2006). Estudos com pianistas mostraram que algumas das estratgias incluam anlises profundas da pea a ser estudada antes mesmo de iniciar pratica propriamente dita (GALVO, 2006). Este pr-estudo consiste em dissecar a pea em termos de harmonia, frases e estilo. Tambm so relevantes a distribuio do tempo de estudo e os tipo de prtica (mo esquerda e direita, trechos curtos, estudo mental, dentre outros). As mltiplas formas de estudo integram um complexo sistema de codificao que, se trabalhado de forma eficaz, passa a demandar pouca ateno do executante, pois depois de longas horas da prtica os esquemas mentais vo se tornando automatizados (GALVO, 2006). Estas estratgias utilizadas pelos experts contrastam com as estratgias utilizadas pelos msicos novatos, que tendem a confiar em processos diretos de automatizao. LEHMANN & GRUBER (2006) apresentam como exemplo um estudo feito com um pianista profissional que sugere quatro fases de estudo de uma pea nova. A primeira consiste em obter uma viso geral da pea, fazendo um pr-estudo e ouvindo gravaes. A segunda fase, a pea comea a ser trabalhada por sees e o executante comea a trabalhar as tcnicas que sero necessrias resolvendo previamente os problemas encontrados. Na terceira fase que h o maior refinamento da pea em questo. neste perodo que as sees so tocadas juntas, lentamente, sem sair do tempo e tambm o momento de se preparar para os auditrios. A ltima fase consiste na manuteno da pea entre os concertos e gravaes.

O fato de a memria estar relacionada a representaes mentais e a organizao do material dentro de um campo especfico podem influenciar no aprendizado de peas novas. Msicas em compasso ternrio, por exemplo, pareceram ser muitos difceis de serem executadas pelos bateristas da frica, que tendiam a colocar tudo conforme os prottipos rtmicos africanos (LEHHMAN & GRUBER, 2006). 2.5 Expertise e adaptaes fisiolgicas

O nosso corpo apresenta respostas de acordo aos estmulos que lhe exigido. Essas adaptaes so facilmente observadas em atividades rotineiras como no fortalecimento de um msculo ou no surgimento de um calo em resposta frico das cordas de um violo (LEHMANN & GRUBER, 2006). Essas adaptaes tambm ocorrem em nvel cerebral. Pesquisas na rea de neurocincias (LEVITIN, 2006; JANZEN, 2008) tem mostrado que o desenvolvimento de habilidades importantes para a prtica musical tem incio ainda na vida intrauterina e que a mera exposio msica envolve vrias regies do crebro que podem propiciar vantagens no futuro desenvolvimento de habilidades musicais.

Quando uma atividade realizada constantemente os circuitos neurais correspondentes quela atividade so reestruturados no crebro (LEVITIN, 2006). Isto fica mais evidente quando se compara os crebros de msicos treinados com os de msicos no treinados.

Enquanto o no-msico processa informao musical primordialmente no hemisfrio direito do crebro, o msico treinado processa informao musical nos dois hemisfrios, e apresenta uma quantidade maior de conexes entre os hemisfrios durante as atividades de escuta musical, o que indica uma escuta musical analtica. (ILARI, 2003, p.9)

LEHMANN & GRUBER (2006) tambm apresentam pesquisas que mostram que mudanas no crtex ocorrem como resposta a atividades especficas, como no caso de instrumentistas de corda que apresentam maior atividade nas representaes corticais relativos aos dedos da mo esquerda. Msicos que iniciaram a pratica muito cedo, apresentaram uma atividade ainda mais pronunciada.

2.6 Expertise e percepo motora

No campo da msica as percepes e habilidades motoras podem diferir conforme as exigncias do instrumento. Afinar um violino, por exemplo, requer um ouvido apurado para detectar pequenas variaes na afinao, o que j no to importante para quem toca instrumentos de percusso. De modo geral, msicos treinados so mais habilidosos na discriminao de timbres, alturas, ritmos, entre outros (LEHMANN & GRUBER, 2006). SLOBODA (2000) realizou um estudo com pianistas em que estes deveriam tocar um trecho musical repetidas vezes. O que se observou foi que as sutilezas da interpretao no apresentaram variaes considerveis e que eram todas intencionais e planejadas, corroborando com a idia de ERICSSON et al. (2007) de que os verdadeiros experts tem total domnio sobre suas habilidades e, portanto, so capazes de reproduzi-las. Isto indica que as habilidades necessrias para uma determinada prtica so adquiridas conforme o estudante se adapta s exigncias da tarefa em questo e depende, sobretudo, da habilidade que se quer obter.CAPTULO III PRTICA DOCENTE E PERCEPO DOS PROFESSORESA prtica docente e a percepo dos professores foram objetos de estudo deste trabalho para que se pudesse conhecer como se d a atuao dos professores com relao aos conceitos estudados aqui.

Para o propsito desta pesquisa foi utilizada para a coleta de dados a entrevista semi-estruturada com abordagem qualitativa. A abordagem qualitativa leva em considerao a compreenso da realidade humana vivida socialmente, no importando tanto o que faz um sujeito, mas por quais motivos faz e quais os significados da prtica para determinada sociedade (FRASER & GONDIM, 2004), o que ALVES (1991) chamou de viso holstica. Neste sentido, a entrevista buscou, atravs da fala dos entrevistados, colher dados sobre suas concepes, implcitas ou explcitas, acerca do talento, expertisee desempenhos musicais. Como ALVES (1991), partimos do princpio de que indivduos agem sempre em funo de seus pontos de vista e que, por conseguinte, um comportamento sempre tem um sentido oculto que precisa ser revelado. Portanto, as prvias concepes de cada docente acerca do talento e expertise poderoinfluenciar diretamente a forma como cada um conduz e planeja suas aulas e nos resultados obtidos. Para a anlise destes, foram levadas em considerao os aspectos e abordagens discutidos nas pesquisas apresentadas nos captulos I e II e os o material obtido nas entrevistas. Lado a lado, a teoria e a prtica se aproximam, se opem e dialogam na busca da unidade entre teoria e prtica.Desta forma se d a reflexo sobre a importncia e/ou necessidade do prvio conhecimento das pesquisas sobre talento,expertisee desempenhos musicais por parte dos docentes.

A entrevista semi-estruturada foi escolhida pela flexibilidade oferecida em relao s perguntas e respectivas respostas (MANZINI, 2004):

(...) a entrevista semi-estruturada est focalizada em um assunto sobre o qual confeccionamos um roteiro com perguntas principais, complementadas por outras questes inerentes s circunstncias momentneas entrevista. [...] esse tipo de entrevista pode fazer emergir informaes de forma mais livre e as respostas no esto condicionadas a uma padronizao de alternativas. (MANZINI, 2004, p.2).Seguindo as propostas de MANZINI (2004), todos entrevistados foram informados sobre o foco principal da pesquisa, o que no excluiu a possibilidade de terem surgido novas idias, perguntas e hipteses sobre os assuntos discutidos. Ainda conforme o autor citado anteriormente, as perguntas foram organizadas em temas para manter a ateno do entrevistado em um determinado campo semntico e concebidas levando-se em considerao a adequao da linguagem e da forma das perguntas.

Para a entrevista foram selecionados quatro professores de msica que lecionam em escolas regulares e que possuem diferentes tempos de magistrio, incluindo um entrevistado estagirio da rede municipal com apenas um ano de experincia. Todos so licenciados ou licenciandos em msica. Dois entrevistados atuam como msicos fora do contexto escolar. Dos entrevistados, dois atuam em escolas particulares, um em uma escola federal e outro em uma escola do municpio.

Das respostas obtidas nas entrevistas quatro pontos comuns foram selecionados para a discusso e sero abordados separadamente.3.1Inatismo e ambiente

Em uma sala de aula natural que se encontre toda sorte de alunos, de maneira que podemos encontrar aqueles que assimilam rapidamente um contedo musical, e aqueles que levam mais tempo. Nos captulos anteriores alguns autores deram seu parecer sobre o que poderia causar essas diferenas. Algumas questes influenciam diretamente no aprendizado musical se considerarmos, como LEVITIN (2006), que este aprendizado pode se dar desde a vida intrauterina, sobretudo quando se trata de uma famlia de msicos. Segundo GAGN (2008), nascer em um ambiente propcio, dispor das ferramentas que permitem um tipo de aprendizado e possuir as habilidades naturais para talso fundamentais e esto compreendidos no que ele chamou de fator chance. J para ERICSSON et al. (1993), no s o ambiente influencia nas diferenas individuais, mas tambm o incio prematuro da prtica deliberada. O contato do professor com os alunos est localizado, porm, em uma pequena e limitada parcela da vida do estudante, que so os momentos das aulas. Tudo aquilo que ultrapassa os muros da escola, foge ao conhecimento do professor, como o contexto social e o ambiente familiar. Sem conhecer o passado dos alunos, um professor poderia atribuir ao ambiente familiar, influncia de algum amigo ou parente prximo a facilidade apresentada por algumas pessoas, a menos que considerasse inata a aptido para msica. No entanto, no discurso dos entrevistados, o inatismo e a influncia do ambiente apareceram de maneira indiscriminada, mesmo sendo idias opostas em alguns aspectos. Isto no possibilitou concluir de forma precisa o que pensava cada professor sobre o desenvolvimento de habilidades musicais. Aluno musical... aquele que j despertou alguma coisa nele, n. Alguns chamam de talento, alguns chamam de habilidade natural, mas na minha viso todos tem essa habilidade, apenas uns foram mais treinados e outros foram menos treinados. (Prof. A)

No trecho est explcito que para o professor em questo as habilidades naturais esto presentes em toda populao, mas que para ser considerado talentoso deve ser despertado no indivduo algo que o motive a praticar. Esta ideia tem respaldo em GAGN (2008) quando este diz que o talento o refinamento de uma habilidade natural. Todavia, diverge em um aspecto. Gagn parte do princpio de que as habilidades naturais esto presentes em toda populao, mas no para todas as reas de atuao. Na sequncia da entrevista, entretanto, a habilidade surge no como algo que prescindado treinamento, mas como algo que precede o contato com a msica e possibilita que algum aprender com mais facilidade.(...) essa habilidade natural meio que um, um facilitador, n. Ele apenas aprende mais rpido... apenas uma facilidade de entender os padres e entender as coisas e acaba fazendo com mais facilidade. (Prof. A).

Segundo BLOOM & SOSNIAK (1981) um talento compartilhado pelos membros de uma famlia podem ser transmitidos s novas geraes na medida em que a criana tenta de vrias formas se comunicar e se integraraos seus familiares. O autor faz uma comparao com o aprendizado da lngua materna. Foi sob um princpio semelhante a este que foi criado por Shinichi Suzukinos anos 60 um mtodo de violino, conhecido pelo nome do criador (BORGES, 2005).Imagino que sim. A famlia que escuta mais msica, mais variedade de repertrio...s vezes tm muitas crianas que j tocam um instrumento pelo contexto que elas esto inseridas. (Prof. D)

O trecho acima transcrito sugere que a aprendizado musical poder sofrer influncias diretas do ambiente que cerceia o aprendiz. Porm, nota-se novamente, em relao ao aluno talentoso, a questo inatista que vai de encontro questo do ambiente. [Talento] a capacidade mesmo que ele tem de assimilar as coisas com mais facilidade e outros tem mais dificuldade em algum certo ponto. (...) Mas existem muitos casos de talento que surgem do nada, n, de um ambiente totalmente inspito. (Prof. B).

Para o professor em questo, alguns talentos podem surgir de um ambiente totalmente inspito. No entanto, isto contraria HOWE et al.(1998)que afirmaram no haver evidncias firmes para o progresso excepcional precoce na ausncia de suporte e encorajamento dos pais acima da mdia (p.403). No caso de relatos de pessoas que atingiram altos nveis de desempenho na ausncia de qualquer suporte, ERICSSON (2007) alerta que essas histrias so, quase sempre, anedticas. LACORTE &GALVO (2007) corrobora chamando ateno para a tendncia de alguns msicos a atriburem suas habilidades a um dom inato e deixarem de lado suas aulas, professores e cursos que fizeram. saber os limites da pessoa, saber os limites e com cuidado, pisar com cuidado pra no prejudicar (...). (Prof. C).

Como se tivesse uma sementinha l dentro (...) voc pode regar (...) e aquela meleca demora a crescer, depois de meses nasce l um brotinho. E outro voc pinga, cai uma gotinha, ele cresce rpido! (Prof. C).

Talvez (eu) tenha nascido com essa coisa, dom sei l, no acredito nesse negcio. (Prof. C).

Embora o Professor C tenha afirmado no crer em dom inato, ele d exemplos de como alguns alunos esto quase sempre frente dos demais, mesmo recebendo o mesmo tratamento, como no exemplo do crescimento da semente por ele dado. Para ele alguns alunos j atingiram seus limites para o aprendizado musical e por isso, deve-se tomar cuidado para que no prejudicar o aluno.Voc v um aluno que estuda aqui desde o g1, quando ele chega no sexto ano e voc vai comparar com um aluno que veio de fora e nunca teve educao musical, bem provvel que esses alunos do Centro Educacional tenham mais facilidade em certas coisas do que esse menino que nunca teve.(Prof. C)

Negando a questo inatista, o Professor C informa que os alunos que tem educao musical desde muito cedo, apresentam no futuro mais facilidade para aprender do que aqueles que nunca tiveram. Ou seja, o que difere aquele os alunos em relao facilidade em aprender o grau de instruo. Entretanto, na sequencia ele narra um episdio em que um colega seu no conseguia marcar o pulso certo, no conseguia cantar uma nota afinada, umazinha, mas que com o apoio do professor, dos colegas e depois de muito treino ele conseguiu ser selecionado para viajar com o coral para um concurso de corais na Argentina.

O que no tem essa predisposio, essa facilidade, essa coisa to natural com aquilo, mas se ele estudar ele pode at demorar, mas ele vai chegar num nvel bacana de conhecimento. (Prof. C)

Aqui h uma clara tendncia a entender o talento musical como algo que algum possui e que antecede qualquer contato com a rea.

Em certo momento da entrevista o Professor C relata que desenha muito bem, mas que nunca estudou ou se preparou para isso, sugerindo que essa aptido fosse inata, apesar de no crer no inatismo. Todavia, na sequencia de sua fala ele nos traz informaes importantes que talvez explique suas inclinaes pelas artes.

Mas voc deveria ser tambm desenhista!, mas pra mim, sem falsa modstia, no estou fazendo muita coisa no, estou desenhando ali, natural pra mim. Talvez (eu) tenha nascido com essa coisa, dom sei l, no acredito nesse negcio. (Prof. C).

Uma vez eu vi um caderno do meio tio-av e o trao era igual. E meu av tambm desenhava, tocava piano, minha av tambm, meu pai uma negao pros dois, s sabe desenhar bolinha e j tocou piano e desistiu, parou. Mas minha irm cantora, fez msica. Sei l, meu bisav era regente em Macuco. (Prof. C).

Como se pode notar, o ambiente familiar deve ter exercido uma grande influncia embora ele mesmo no esteja considerando. No final da entrevista ele acrescenta ainda um detalhe sobre o motivo que o fez parar desenhar.

Agora porque eu parei de desenhar, meu av que era desenhista e escultor, quando ele morreu, eu parei. Foi uma coisa que interferiu. Me fez no ter mais vontade de fazer aquilo. Vov morreu, foi uma coisa emocional muito grande (...). (Prof. C)

Este tipo de situao est prevista nos catalisadores ambientais, proposta por GAGN (2008), em que alguns acontecimentos podem facilitar ou prejudicar o desenvolvimento de uma habilidade.3.2 Planejamentos

Uma das perguntas realizadas nas entrevistas referia-se a maneira como os professores organizam e trabalham os contedos a serem ensinados dentro de um tempo de aula. As respostas, no entanto, no satisfizeram o objetivo da pergunta. Uma idia que circulou com bastante fora envolveu a questo do planejamento associado ao perfil das turmas ao invs de um planejamento dos contedos que antecedesse o contato com os alunos. Nenhum dos professores entrevistados soube responder com clareza quais contedos seriam trabalhados e quais ferramentas seriam utilizadas para atingir os objetivos.

Primeiro eu tenho que conhecer a turma. Conhecendo a turma eu sei o quanto eles rendem e a eu fao o plano de aula de acordo com aquela turma. (...) Eu no tenho uma organizao prvia e enrijecida no, vai muito de acordo com o aluno e, dependendo de como o aluno recebe o contedo tem que se adaptar. mais fcil de adaptar a eles do que o contrrio. (Prof. A)

Parece estarem implcito que as crenas pessoais acerca do desenvolvimento das habilidades interferem na forma como sero abordados os assuntos em sala de aula. Na fala acima citada, podemos notar que o contedo pode ser modificado na medida em que o professor identifica o limite dos alunos. Desta forma, adequa-se o contedo de maneira que os alunos possam realiz-lo. Em outras palavras, para o Professor A no se pode planejar algo sem antes conhecer a turma, uma vez que no se sabe de antemo o quo habilidosos sero os alunos.

O planejamento segue... procura cumprir esse programa, o trabalho dos contedos, leitura, apreciao musical, mas sempre atendendo as necessidades. claro que esse programa est sujeito s mudanas, tendo em vista as caractersticas da turma. (Prof. C).

Diferente do que se encontra em outras disciplinas, em que o aluno deve acompanhar o contedo, aqui o contedo que tem que acompanhar os alunos. Tal fato sugere que os professores seguem uma linha de pensamento semelhante ao de GAGN (2008) ao considerarem que seus alunos tenham algumas limitaes para o aprendizado musical e que, portanto, nem todo contedo relativo msica ser adequado.

A questo das estratgias utilizadas para motivar os alunos complementa o que foi dito sobre o planejamento. A utilizao de msicas j conhecidas pelos alunos, msicas miditicas ou msicas que os alunos gostem, apareceu como fator primordial no momento de selecionar o repertrio. Partir da realidade do aluno foi citado pelosprofessores como meio para despertar num aluno o interesse num assunto, no entanto, no contexto da pesquisa surgiu no como meio, mas como finalidade.

Eu tento trabalhar muito em cima do que os caras querem aprender, e a a minha estratgia vai em cima disso mesmo. Trabalhando o contedo que eles querem aprender, eu vou aos pouquinhos, colocando o que eu quero que eles aprendam e vou trabalhando os dois juntos at o ponto que eu possa trabalhar mais o que quero do que o que eles querem, se for o caso(grifo meu). (Prof. A).

(...) repertrio musical que seja prximo deles, coisas que estejam na mdia ou coisas que eles gostem. (...) Ento, o que eu uso primordialmente algo que eles vo gostar (...). (Prof. B)

As incertezas sobre o planejamento das aulas parecem ser reflexos da tambm incerta compreenso do sobre o desenvolvimento das habilidades musicais. Uma vez que no se tem opinies claras sobre o processo de aprendizagem musical plausvel que o planejamento das aulas e a programao dos contedos a serem ensinados tambm sejam altamente flexveis e mutveis conforme o perfil dos alunos. Porm, a falta de conhecimento sobre as questes envolvidas no processo de aquisio de habilidades, leva falta de ferramentas para atingir aqueles alunos que oferecem resistncia ou dificuldade em aprender. Isto, associado crena no talento inato, pode levar excluso de alguns alunos, que deixariam de serem beneficiados pelas aulas de msica. Nessa situao, SOBREIRA (2003) sugere que se parta do princpio de que todos so capazes de aprender a fim de permitir que todos possam ser atingidos, de alguma forma, pela msica, enquanto no se tem nada definitivo sobre o assunto. O autor trabalha com a desafinao vocal, um elemento que, por vezes, serve para segregar os alunos com e sem talento.3.3 O importante a participao

O terceiro ponto comum nas respostas dos entrevistados est relacionado ao objetivo das aulas. Trs dos quatro professores deram a entender que no consideram como fundamental a aquisio de alguma competncia musical. Em outras disciplinas, por exemplo, espera-se que o aluno saiba as quatro operaes fundamentais da matemtica ou que saiba conjugar corretamente os verbos numa aula de portugus. Cada professor apontou itens extramusicais como os mais importantes no lugar de alguma competncia musical.

Eu acho que o ouvido muito importante, n, para todos ns. (...) Como a realidade da escola pblica muito difcil, s o fato deles encararem determinados repertrios sem determinados preconceitos, j um ganho imenso. (Prof. D).(...) com o tempo eu aprendi que mais importante at do que a msica propriamente dita o interesse. Ento, acima de tudo o interesse do aluno pela atividade e, em segundo plano, est ele apreender o que pretendido. (Prof. B.).

Se retornarmos questo do talento musical que apareceu como primeiro ponto comum na fala dos entrevistados, talvez possamos compreender melhor porque eles no esperam de seus alunos alguma competncia musical prioritariamente. Como foi visto, as questo relativas ao planejamento surgiram de maneira imprecisa, assim como as atribuies dadas s pessoas que demonstram alguma habilidade superior. Na ausncia de definies precisas sobre o talento, torna-se mais difcil estabelecer as tarefas que um aluno deve ser capaz de realizar aps certo perodo de aulas.

Mostrar a importncia de se fazer, por exemplo, um exerccio individualmente. No para ser avaliado, pra passar ou no passar, mas pra ele ter oportunidade de mostrar o que ele sabe. E se no souber, o mais importante a participao em sala de aula. No participar e acertar, participar. (Prof. C).

No participar e acertar, participar. Isto sugere que o professor em questo no espera necessariamente de seus alunos algum tipo de habilidade musical como leitura na partitura ou afinao. Uma explicao para isso talvez seja justamente a falta de clareza acerca do desenvolvimento das habilidades musicais. Se considerarmos que todos so igualmente capazes, podemos buscar ferramentas para que todos possam atingir o objetivo almejado. Se considerarmos que somente alguns sero capazes, acabamos por discriminar alguns alunos. Se nossas posies sobre o assunto so escassas e imprecisas, podemos atingir um nmero maior de alunos se colocarmos como objetivo somente o gostar de msica ou a participao em aula, permitindo assim que todos possam usufruir de alguma maneira das aulas. 3.4 Estratgias para correo de erros

Da fala dos professores podemos observar uma tendncia de alguns a corrigirem os erros rtmicos e meldicos com base na repetio. A mera repetio, porm, est em desacordo com algumas pesquisas mencionadas nos captulos anteriores (HOFFMAN, 2006; ERICSSON et al, 1993; LEHMANN & GRUBER, 2006). O que foi visto que a aquisio de alguma habilidade depende de algumas adaptaes fisiolgicas e cognitivas e que so adquiridas gradualmente. GALVO et al. (2012) informa ainda que algumas fases so fundamentais para a aquisio de uma habilidade:

1) Compreenso dos comportamentos iniciais ou de entrada, que correspondem a um estgio cognitivo inicial; 2) organizao de procedimentos de regras que determinam sequencias, envolvendo a pratica de partes de uma habilidade antes de tenta-la de um modo completo; e 3) o domnio final da tarefa. (GALVO et al,2012,p. 629.)

provvel ento que a mera repetio no surta efeito naquele aluno que ainda no tenha desenvolvido os mecanismos cognitivos necessrios para compreender o que lhe exigido. Muita repetio. No consigo ver outro caminho no. Peo para os caras escutarem, para os caras no se prenderem, tentarem a medida do possvel fazer cada um no seu tempo e vou trabalhando. Numa sala de aula complicado porque temos alunos de vrios perfis, vrios. Com vrios nveis de dificuldade, ento voc tem que buscar um meio termo que no atrase a turma e tambm no acelere demais e se manter ali. (Prof. A).

Neste caso parece no haver interferncia do professor no sentido de identificar as possveis causas da dificuldade e buscar estratgias que permitam o aluno compreender o assunto. Ao contrrio, parece que a responsabilidade lanada aos prprios alunos. O Professor C utiliza os mesmo artifcios do Professor A.

Olha, muito trabalho, muitos exemplos de outros. Legal ver outro, um estmulo. Mas muito trabalho e suar muito a camisa. (Prof. C).

Para o Professor B, a correo deve ser feita de forma mais profunda, com base em anlises musicais e nos contedos que j foram trabalhados. Esse tipo de trabalho tem respaldo em pesquisas de GALVO (2006) em que o autor narra a forma como uma pea se estrutura na mente dos pianistas experts. Para o autor, a compreenso de uma pea se d com uma pr-anlise da obra, estudos de trechos separados e estudo mental. Esta uma maneira mais elaborada de compreender e memorizar uma pea e difere das estratgias de alunos novatos, que tendem a confiar em processos diretos de automatizao. O papel do professor , ento, fazer com que os alunos utilizem melhores estratgias para assimilarem o contedo trabalhado.Depende muito do tipo de turma que eu estou lidando. Se eu j tiver ensinado, entrado em questo de unidade de tempo, diviso, eu vou sempre tentar especificar atravs do contedo trabalhado. Ento pode se tornar mais fcil ou no. Mas de uma maneira geral com repetio e trabalhando trechos especficos, separados. (Prof. B).

Para outro professor:

s vezes a gente acha que o aluno no consegue. s vezes ele desafinado porque ele no consegue se ouvir e a gente insiste pra que ele oua, oua, oua... mas, ele no canta tanto. E s vezes a dificuldade justamente a colocao da voz. Tem uns que entendem, mas no conseguem cantar, s vezes tem at problema na fala e tudo mais. (Prof. D).

O Professor D ateve-se mais a questo meldica e atentou para o fato de que nem sempre devemos insistir na repetio, pois a dificuldade de afinao pode estar relacionada a uma questo fsica como calo nas pregas vocais, problemas de dico ou na emisso da voz.

Desta forma, cada docente tem sua prpria maneira de entender e encaminhar suas questes pedaggicas.CONSIDERAES FINAIS

Pesquisas recentes sobre talento e expertise vm tornando mais clara a compreenso sobre estes termos, muito embora os tericos continuem a manter suas prprias concepes e entendimentos sobre estes conceitos. Enquanto alguns autores consideram que fatores inatos so preponderantes sobre os aspectos ambientais, outros defendem que estas duas abordagens tm igual importncia e, outros ainda acrescentam nesta compreenso, o envolvimento pessoal e particular de cada indivduo como sendo um aspecto que redimenciona os demais e o resultado final. RENZULLI (1978), por exemplo, trata como superdotao quando se refere aos indivduos que apresentam habilidades acima de mdia, GAGN (2008) atribui questes de natureza inata s pessoas que possuem alto desempenho numa tarefa. ERICSSON et al. (1993), por sua vez, segue uma linha de pensamento em que considera que as influncias ambientais quando associadas a um tipo de prtica especfica, permitem o desenvolvimento de alguma habilidade. Ainda assim, existem algumas idias convergentes. Em primeiro lugar, podemos observar que nenhum dos autores negou a existncia de pessoas que aprendem algo com mais facilidade que outros. O que os difere o entendimento se essa facilidade o que permite o desenvolvimento de uma habilidade ou se ela o resultado da interseo de alguns fatores. Em segundo lugar, sendo o talento inato ou no, os autores consideram que para se atingir altos nveis de desempenho necessria muita prtica. Quanto s abordagens, elas so muitas: o aprendizado sistemtico, a prtica deliberada, as adaptaes cognitivas e fisiolgicas, o envolvimento com a tarefa, o trabalhado rduo, entre outras. Embora se tenha abordagens diversas, os estudos apontam que o processo de aquisio da expertise obedece alguns padres, como a necessidade da prtica; a presena da motivao; a disponibilidade dos recursos relativos tarefa que se deseja realizar; as adaptaes cognitivas e fisiolgicas e o tempo de maturao.

As anlises das entrevistas com os professores apontaram para a necessidade de aprofundamentos para maior compreenso sobre o desenvolvimento da expertise, uma vez que, a falta de clareza sobre o conceito parece dificultar o planejamento das aulas assim como a delimitao dos objetivos e a escolha das estratgias de ensino a serem utilizadas.

As discusses realizadas neste trabalho contribuem para apontar a necessidade urgente de se conhecer novas e atuais pesquisas que tratem das prticas docentes e das rotinas dos professores de msica, para se buscar teorias que dem suporte s estas escolhas no sentido de que as aes docentes estejam ancoradas em fundamentos tericos e, desta forma, possam ser constantemente reavaliadas, questionadas e renovadas. Neste aspecto, a pesquisa tambm contribui com a formao de professores na universidade, no sentido de que h necessidade e urgncia tambm em se utilizar os resultados e anlises destas investigaes na formao dos futuros docentes que, no caso particular deste estudo, trata de conceitos sobre o desenvolvimento de talento e expertise.

Assim, ao investirmos na formao universitria resignificada pelas prticas docentes adotadas na atualidade, estaremos constantemente inovando os fundamentos que do suporte autonomia de escolhas tericas e de estratgias de ensino e aprendizagem do futuro professor.

NOTAS

Este o ano da edio utilizada neste trabalho. A primeira edio de 1869.

Traduo minha. No Original consta: innate ability, eagerness towork, e an adequate power of doing a great deal of verylaborious work Do ingls Gift4 Do ingls Enviroment5 Do ingls Giftedness. O autor utiliza o termo como sinnimo do termo talento.

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