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Estes e outros acórdãos disponibilizados no blog Direito Lusófono, foram enviados por colegas e/ou retirados dos sites onde estes se encontravam alojados. No entanto, embora feito de boa vontade poderão ser os mesmos portadores de imprecisões, aos quais somos alheios. http://direitolusofono.blogspot.com 1 Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto 366 - Sucessão de leis penais - adjectiva e substantiva. Conflito de Competência em razão da Matéria. ARTIGOS: - Arts. 5º-nºs 1 e 2-a) e b), 14º-nº2-b) e 16º-nº2-c), do CPP, e 18º-nº1, da LOT Texto Integral No CONFLITO 869/98-1ª Secção, do Tribunal da RELAÇÃO do Porto, interposto no C.C. 44/96-3ª VARA Criminal, do PORTO, em Conferência,os Juizes do Tribunal da Relação acordam o seguinte: Contra o ARGUIDO,...., na comarca do Porto: a): O MP deduziu acusação, em 15 de Novembro de 1995, em processo comum colectivo, por 1 crime de furto, p.p. pelos arts. 296º e 297º-nº1-e), do CP, ou pelos arts. 203º- nº1 e 204º-nº1-e), do CP 95, por factos praticados em 1 de Janeiro de 1995; b): Por despacho de 1 de Março de 1996, o Sr. Juiz da Vara Criminal julgou incompetente a Vara Criminal; c): Em 11 de Abril de 1996, o Sr. Juiz do 1º JUÍZO Criminal proferiu despacho de recebimento da acusação e de designação de dia para julgamento; d): Em 12 de Fevereiro de 1998, por despacho proferido imediatamente depois de aberta a audiência de julgamento, a Sr.ª Juíza do Juízo Criminal julgou incompetente o Tribunal Singular, com base em que, ainda que os factos sejam agora p.p. pelos arts. 203º e 204º-nº1- e), do CP 95, correspondendo-lhes pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias, tal moldura, porque concretamente mais favorável do que a da data da prática dos factos, que era de 1 a 10 anos de prisão, pode ser aplicada mas só em sede de julgamento. Parecer do Sr. PROCURADOR GERAL ADJUNTO Segundo o art.16º-nº2-c), do CPP, na redacção do DL 317/95, é da competência do juiz singular o julgamento dos crimes cuja pena máxima, abstractamente aplicável, seja igual ou inferior a «5» anos de prisão. Na redacção anterior e original, a competência do tribunal colectivo era para os crimes "Cuja pena máxima, abstractamente aplicável, for superior a «3» anos de prisão - art. 14º-nº2-b). Ora, o crime de furto qualificado, tal como foi acusado, era punível com prisão de 1 a 10 anos; na redacção actual do CP, com prisão de 1 mês até 5 anos ou multa de 10 a 600 dias. Ocorre, portanto, sucessão da lei penal - processual e substantiva. A competência tem que ser aferida à luz da qualificação contemporânea dos factos, uma vez que será por ela, em 1ª linha, que se determinará a pena. Só não será assim, se o regime penal posterior vier a revelar-se mais favorável. Porém, tal ponderação só poderá fazer-se em julgamento, salvo situações excepcionais, como sejam aquelas em que, por aplicação dum dos regimes em confronto, ocorre a extinção do procedimento criminal. Analisando a via da alteração da lei processual, o art. 5º-nº1, do CPP, estabelece a aplicação imediata da lei processual. Mas o nº2 prevê 2 excepções:

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Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

366 - Sucessão de leis penais - adjectiva e substantiva. Conflito de Competência em razão da Matéria.

ARTIGOS: - Arts. 5º-nºs 1 e 2-a) e b), 14º-nº2-b) e 16º-nº2-c), do CPP, e 18º-nº1, da LOT

Texto Integral

No CONFLITO 869/98-1ª Secção, do Tribunal da RELAÇÃO do Porto, interposto no C.C. 44/96-3ª VARA Criminal, do PORTO, em Conferência,os Juizes do Tribunal da Relação acordam o seguinte:

Contra o ARGUIDO,...., na comarca do Porto:

a): O MP deduziu acusação, em 15 de Novembro de 1995, em processo comum colectivo, por 1 crime de furto, p.p. pelos arts. 296º e 297º-nº1-e), do CP, ou pelos arts. 203º-nº1 e 204º-nº1-e), do CP 95, por factos praticados em 1 de Janeiro de 1995;

b): Por despacho de 1 de Março de 1996, o Sr. Juiz da Vara Criminal julgou incompetente a Vara Criminal;

c): Em 11 de Abril de 1996, o Sr. Juiz do 1º JUÍZO Criminal proferiu despacho de recebimento da acusação e de designação de dia para julgamento;

d): Em 12 de Fevereiro de 1998, por despacho proferido imediatamente depois de aberta a audiência de julgamento, a Sr.ª Juíza do Juízo Criminal julgou incompetente o Tribunal Singular, com base em que, ainda que os factos sejam agora p.p. pelos arts. 203º e 204º-nº1-e), do CP 95, correspondendo-lhes pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias, tal moldura, porque concretamente mais favorável do que a da data da prática dos factos, que era de 1 a 10 anos de prisão, pode ser aplicada mas só em sede de julgamento.

Parecer do Sr. PROCURADOR GERAL ADJUNTO

Segundo o art.16º-nº2-c), do CPP, na redacção do DL 317/95, é da competência do juiz singular o julgamento dos crimes cuja pena máxima, abstractamente aplicável, seja igual ou inferior a «5» anos de prisão. Na redacção anterior e original, a competência do tribunal colectivo era para os crimes "Cuja pena máxima, abstractamente aplicável, for superior a «3» anos de prisão - art. 14º-nº2-b).

Ora, o crime de furto qualificado, tal como foi acusado, era punível com prisão de 1 a 10 anos; na redacção actual do CP, com prisão de 1 mês até 5 anos ou multa de 10 a 600 dias.

Ocorre, portanto, sucessão da lei penal - processual e substantiva. A competência tem que ser aferida à luz da qualificação contemporânea dos factos, uma vez que será por ela, em 1ª linha, que se determinará a pena.

Só não será assim, se o regime penal posterior vier a revelar-se mais favorável.

Porém, tal ponderação só poderá fazer-se em julgamento, salvo situações excepcionais, como sejam aquelas em que, por aplicação dum dos regimes em confronto, ocorre a extinção do procedimento criminal.

Analisando a via da alteração da lei processual, o art. 5º-nº1, do CPP, estabelece a aplicação imediata da lei processual. Mas o nº2 prevê 2 excepções:

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"a)- Quando da sua aplicação imediata puder resultar agravamento sensível e ainda

evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de

defesa;

b)- Quando da sua aplicação imediata puder resultar quebra de harmonia e unidade dos

vários actos do processo".

Por outro lado, o art. 18º-nº1, da Lei 38/87, de 23-12, dispõe que a competência fixa-se no momento em que a acção é proposta. Em processo penal, tal acontece a partir da data do exercício da acção penal com a entrada da acusação em juízo.

No caso em apreço, os factos ocorreram em 1 de Janeiro de 1995; a acusação foi formulada em 15 de Novembro de 1995. E, à data do recebimento da acusação, ainda não estavam em vigor as alterações introduzidas ao CPP pelo DL 317/95, de 28-11.

Portanto, uma vez que os factos pelos quais o Arguido deve ser submetido a julgamento, são previstos e puníveis com pena da competência do juiz colectivo, à luz das normas vigentes à data da prática dos factos e da dedução da acusação, o conflito deve decidir-se atribuindo, nos termos do art.14º-nº2-b), do CPP, a competência é ao tribunal colectivo, ou seja, à 3ª Vara Criminal do Porto.

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Correram os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.

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1º- Elementos de FACTO (da ACUSAÇÃO)

Em 1 de Janeiro de 1995, cerca das 03.00 horas, na R. ... do Porto, o ARGUIDO, ..., pernoitava na Residencial "...", pertencente a ....;

Dirigiu-se à recepção;

Aí estroncou a fechadura da gaveta da secretária;

Com o auxílio de objecto não identificado;

Do interior retirou 53.000$00, em notas do Banco de Portugal;

Queria integrá-los na sua esfera patrimonial;

Fez seus;

Gastou-os em proveito próprio;

Sabia que não lhe pertenciam;

E que actuava contra a vontade do dono;

Sabia que o apuro do dia encontrava-se naquela gaveta;

Causou estragos de 7.500$00 na gaveta;

Actuou livre, consciente e voluntariamente;

Bem sabia que a sua conduta era proibida por lei.

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2º- COMPETÊNCIA

A- À data da ACUSAÇÃO

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Os factos integram a autoria material de 1 crime de furto qualificado, p.p. pelos arts. 296º e 297-nº1-e), do CP, na sua redacção original, de 1982, correspondendo-lhes a pena de 1 a 10 anos de prisão.

Em consequência, de acordo com o disposto no art. 14º-nº2-b), do CPP, na redacção original (1987), a acusação requereu que os autos prosseguissem na forma do processo comum colectivo, para que o julgamento fosse efectuado por tribunal colectivo, o qual gozava de competência, por se tratar de crime "Cuja pena máxima, a competência abstractamente aplicável, for superior a «3» anos de prisão.

E não obstava a circunstância de, à data em que a acusação fora formulada (Novembro de 1995), encontrar-se entretanto em vigor, desde 1 de Outubro, uma nova redacção do CP, por força do art.13º, DL 48/95, de 15-3, segundo a qual os factos passaram a ser p.p. pelos arts. 203º e 204º-nº1-e), correspondendo-lhes uma pena de prisão de 1 mês até 5 anos ou multa de 10 até 600 dias. É que, apesar de a nova moldura passar a ser aplicável, por princípio, por o mínimo e o máximo, abstractamente considerados, serem inferiores, tal poderia ser decidido, de acordo com o art. 2º-nº4, do CP, só em sede de julgamento, uma vez que só nesse momento e nessa fase, poderia e deveria apurar-se se o novo regime é «concretamente» mais favorável do que o vigente na data da prática dos factos. Com efeito, a audiência de julgamento é a sede e o momento próprio e adequado para apurar, definitivamente, a matéria de facto, sendo dela que depende, essencialmente, o enquadramento jurídico da mesma.

B- POSTERIORMENTE e ENTRETANTO

Sucede, porém, que o CPP sofreu uma nova redacção, nos termos do art. 1º, do DL 317/95, de 28-11, com início em 3 de Dezembro, de acordo com o princípio geral consignado no art. 2º-nº1, da Lei 6/83, de 29-7.

Ora, segundo tal redacção, a citada al. b), do art. 14º-nº2 confere agora a competência do tribunal colectivo a crimes com moldura penal mais grave - "Cuja pena máxima, abstractamente aplicável, seja superior a «5» anos de prisão...".

Assim, sendo os factos acusados puníveis com pena de prisão até 5 anos, o tribunal colectivo deixa de ser o competente. Com efeito, o art.16º-nº2-c), do CPP, na redacção do DL 317/95, passou a conferir a competência ao juiz singular para o julgamento dos crimes "Cuja pena máxima, abstractamente aplicável, seja igual ou inferior a «5» anos de prisão.

C- REGIME LEGAL da Aplicação no TEMPO da LEI PROCESSUAL

I - Em GERAL

No Processo Civil:

Segundo o art. 63º-nº1, do CPC, na sua redacção original, a competência fixa-se no momento em que a acção se "propõe".

Daqui resultava, como princípio geral, para as acções pendentes - quanto a essas é que se coloca o problema da sucessão de leis - a inaplicabilidade imediata da lei nova.

E de forma inequívoca. Com efeito, o normativo logo acrescentava: "sendo irrelevantes as modificações de «facto» que ocorram posteriormente".

Mas as modificações de «direito» também eram abrangidas - no nº2. Que, no entanto, excepcionava, mas apenas se: "for «suprimido» o órgão judiciário"; "deixar de ser competente em razão da matéria e da hierarquia"; e "lhe for atribuída competência".

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Em complemento, esclarecendo - o que e quando - o "início" da acção, o art. 267º-nº1 dispunha: a "instância inicia-se pela proposição da acção e esta considera-se proposta, ..., logo que seja recebida na secretaria...".

Na LEI ORGÂNICA dos TRIBUNAIS (LOT), aprov. pela Lei 38/87, de 23-12, 3º Sup.:

Também veio estabelecer a "lei reguladora da competência". A qual determina, no seu art. 18º-nº1, que "A competência fixa-se no momento em que a acção se «propõe»". À semelhança, portanto, do art. 63º.

E, da mesma maneira, não confere relevância às modificações que ocorram entretanto:

a)- Quanto às de facto. Ainda que, "sem prejuízo do art. 81º", por aditamento da Lei 24/90, de 4-8. Que não interessa para a nossa questão, porque as alterações que aqui ocorrem não são "de facto".

b)- E, no nº2, são também abrangidas as modificações «de direito».

E também com excepções: "se for «suprimido» o órgão" e ainda "lhe for atribuída competência".

Contudo, já não inclui, entre as excepções, "deixar de ser competente em razão da matéria e da hierarquia". Daí que se considerasse que a LOT revogou o CPC. E tanto é assim que a reforma do CPC, operada pelos DLs 329-A/95 e 180/96, respectivamente, de 12-12 e 25-9, suprimiram, pura e simplesmente, aquele art. 63º.

Devemos, pois, ter como assente, em processo civil, que "A regra é a da aplicação imediata da nova lei apenas quanto às acções futuras. Relativamente às acções pendentes, a regra é a da aplicação da lei vigente à data da proposição da acção" - VARELA, "Manual P. Civil, 47...

Vejamos se será o caso: a alteração da competência em função da medida da pena não tem a ver com a hierarquia. Assim, M. Gonçalves, em comentário ao art. 10º, do CPP: "competência material é a que se determina através da ... medida da pena...".

Por sua vez, o art. 15º, da LOT, determina que os tribunais "encontram-se hierarquizados para efeito de recurso".

Também o CPC, na definição de competência, em razão da matéria, nos arts. 66º e 67º, nada dispõe que satisfaça a presente questão. Mas, sobre hierarquia, os arts. 70º a 72º já ajudam: o art. 70º, especificamente, define competência do tribunal de "1ª instância", distinto da Relação (71º) e do Supremo (72º), colocando-os numa relação de interdependência. O que não acontece entre o juiz singular e o do tribunal colectivo.

E no CPP:

O art. 10º, sobre competência "material" e "funcional", atribui-se a si próprio a competência em "matéria penal". E, "subsidiariamente, às "leis de organização judiciária". Ora, sendo o CPP absolutamente omisso sobre o momento em que se fixa a competência ou sobre as alterações legislativas com incidência nela e não se revestindo de cariz específico do processo civil as respectivas regras acima analisadas, podem então aqui aplicar-se, ao abrigo do art. 4º, do CPP. As outras também o poderão, por maioria de razão, enquanto vêm enquadradas no regime geral dos tribunais (LOT).

De qualquer maneira, o art. 5º regula a "Aplicação da lei processual penal no tempo".

Segundo o seu nº1, a aplicação da lei processual é imediata. Todavia, o nº2, prevê excepções, quando da sua aplicação imediata puder resultar o seguinte: a)- ... agravamento

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sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa;

b)- ... quebra de harmonia e unidade dos vários actos do processo".

Ora, um dos fundamentos para a manutenção da competência é a defesa do cidadão, não podendo este ver diminuídas as respectivas garantias. O que constitui valor essencial no campo do direito penal, em que está em causa o direito à liberdade das pessoas. Tudo conforme o disposto na CRP, no art. 32º-nºs 1 e 9 - "Nenhuma causa pode ser «subtraída» - ou diminuir , atente-se no termo - ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior". É o que se designa pela manutenção da competência do juiz legal.

Sem dúvida, o tribunal singular é o órgão judiciário normal. Mas a criação do tribunal colectivo não visou mais do que oferecer aquela oportunidade. De tal maneira que o CPP veio inovar - com sensível recuo, na revisão do CPP, pela Lei 59/98, de 25-8 - com a "ultrapassagem" do Tribunal da Relação pelo STJ. Porque entendeu-se que será o órgão mais qualificado para "despistar situações indiciadoras de erro judiciário". Na pressuposição de que o tribunal colectivo assegura a colegialidade, o contraditório e a imediação da prova" - C. Rodrigues, em "Jornadas".

Em prejuízo do argumento de que o tribunal singular oferece mais garantias, enquanto proporciona o duplo grau de jurisdição na matéria de facto. Na verdade, só em limitados casos o Tribunal da Relação aprecia, efectivamente, a matéria de facto. E, mesmo quando esta é abarcada, é-o deficitariamente, na medida em que a leitura e a audição não se equiparam à visão e audição directas.

Aliás, ainda que não seja o caso, o CPP adopta um regime que é idêntico na matéria da competência. Estamos a referir-nos à "competência por conexão", regulada nos arts. 24º e sgs. Onde, no art. 31º, aquela ... "mantém-se: a)- Mesmo que, relativamente ao crime ou aos crimes determinantes da competência por conexão, o tribunal profira uma absolvição ou a responsabilidade criminal se extinga antes do julgamento".

Portanto, a alteração da competência, contra o inicialmente previsto, retirando-a ao tribunal colectivo, não deve relevar nos presentes autos.

Por outro lado, por tudo quanto vimos expendendo, pelo seu enquadramento e pelo seu teor, afigura-se-nos que o art. 5º não abrange a área da competência do tribunal, nomeadamente as alterações nessa vertente, mas tão só as formalidades do processo - os actos do processo.

Dispondo o citado art. 18º-nº1 que a competência fixa-se no momento em que a acção é proposta, há que discorrer sobre o seu sentido em processo penal. Ora, tal acontece a partir da data do exercício da acção penal com a entrada da acusação em juízo. Ou seja, o acto de propor é a introdução do facto em juízo. O que se opera através da acusação.

O que pode discutir-se é se basta o despacho da acusação, só por si, funcionando, portanto, a data que do mesmo consta como data de ter sido proferido, ou se será necessário um outro - e qual - para lhe conferir relevo ao nível de fazer funcionar as leis que regulam a aplicação no tempo. O que poderá ser o acto do serviço de secretaria do MP, a entrada no serviço de distribuição ou a própria distribuição.

Quando o problema nos foi colocado pela 1ª vez - não longe do início da vigência do CPP, nomeadamente para efeitos de interrupção do procedimento criminal - entendemos que a "distribuição" é o acto por excelência, porque é um acto que o Tribunal, propriamente dito, realiza, com todas as garantias de autenticidade. Mas não nos repugna que seja a entrada no

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serviço de "distribuição" de processos, uma vez que a distribuição pode sobrevir em data algo dilatada, nomeadamente por razões anormais e estranhas a quem deduz a acusação.

Porém, já vimos defender que a data da acusação é relevante. Mas logo nos interrogamos sobre a eventual inconstitucionalidade, pela diferença de tratamento, se se tomar em conta a acusação formulada apenas pelo MP. E tal acontecia, porque o fundamento da relevância consistia, precisamente, em que o MP faz parte do próprio Tribunal.

O que hoje tem acuidade muito especial, enquanto questiona-se a autonomia e independência do MP face aos Tribunais. Com efeito, enquanto o art. 3º, da LOT, definia a "Independência" sem referir, minimamente, o MP, antes estabelecendo, expressamente, que "A independência dos tribunais é «garantida» pela existência de um órgão privativo de gestão e disciplina da "magistratura judicial", pela inamovibilidade dos respectivos "juizes"...". E a Proposta de Lei 182/VII consagra uma garantia adicional, enquanto o nº2 do art. 3º passa a Ter a seguinte redacção: "A independência dos tribunais judiciais é «garantida» pela independência dos "juizes" e pela autonomia do MP" .

Aliás, o problema começou a ser previsto e solucionado pelo DL 48/95, considerando acto interruptivo da prescrição do procedimento criminal a «notificação» da acusação, segundo o art. 121º-nº1-b), do CP.

Assim, nada obsta que aqui funcione aquele critério, ou seja, a "entrada dos autos no serviço de distribuição", correspondendo à entrega de qualquer "papel" na secretaria como momento para determinar a data de apresentação em tribunal.

II- No CASO em APREÇO:

Os factos ocorreram em 1 de Janeiro de 1995. Vemos nos autos que a acusação foi deduzida a 15 de Novembro de 1995. Quando, portanto, ainda não estavam em vigor as alterações introduzidas ao CPP pelo DL 317/95, de 28-11. Uma vez que os factos, pelos quais o Arguido deve ser submetido a julgamento, são previstos e puníveis com pena da competência do juiz colectivo, deveria ser este o competente para o respectivo julgamento.

Sucede, porém, que o CPP sofreu nova redacção, nos termos do art. 1º, do DL 317/95, de 28-11, a qual teve início em 3 de Dezembro de 1995.

Ora, segundo esta redacção, o art.16º-nº2-c), do CPP, passou a conferir a competência ao juiz singular para o julgamento dos crimes "Cuja pena máxima, abstractamente aplicável, seja igual ou inferior a «5» anos de prisão. Por outro lado, a al. b), do art. 14º-nº2 confere agora a competência do tribunal colectivo a crimes com moldura penal mais grave - "Cuja pena máxima, abstractamente aplicável, seja superior a «5» anos de prisão...".

Assim, sendo agora os factos acusados puníveis com pena de prisão até 5 anos, o tribunal colectivo deixa de ser o competente.

Daí que o Sr. Juiz tenha decidido julgar incompetente o tribunal colectivo, nomeadamente, a 3ª Vara Criminal.

Como, pois, agora é colocado o problema da competência?

III- Em PARTICULAR

Tal como os autos foram instruídos, verificam-se actos processuais que conferem ao problema uma certa especificidade. A saber:

a)- Factos: 1-01-95;

b)- Acusação: 15-11-95;

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c)- Despacho de incompetência da Vara: 1-03-96;

d)- Recebimento da acusação e designação do dia para julgamento, como processo comum singular: 11-04-96;

e)- Despacho de incompetência do Juiz Singular, suscitando o conflito: 12-02-98.

Depara-se-nos, portanto, algo de diferente e não usual, talvez porque afinal não se atentou na sequência das decisões que foram sendo tomadas. Com efeito, foi excepcionada a incompetência. A decisão sobre a exclusão da própria da competência foi aceite, sem oposição, quer por conflito, quer por recurso. Assim, os autos não poderiam sofrer de novo as vicissitudes do problema da incompetência.

Nem o momento era o próprio. Na verdade, foi proferido fora de qualquer acto processual, sendo irrelevante ocorrer a audiência de julgamento. É que o despacho surge imediatamente após a abertura da audiência, sem que se tivesse produzido nela qualquer acto - dar a palavra, oferecer requerimento, prestar prova.

Depois, face aos parâmetros processuais - actos do processo e entrada em vigor das novas leis, substantivas e adjectivas - havia já sido ultrapassado o momento próprio - o do despacho a proferir ao abrigo do art. 311º-nº1, do CPP. O problema da competência em razão da matéria é uma das "questões prévias", que deve apreciar-se na prolação desse despacho.

E este nem sequer havia sido lavrado nos termos gerais e comuns "Não há questões prévias...", antes foi expresso em excepcionar nesta vertente. Tal como resulta do que acima foi consignado em c).

Esgotado estava, portanto, o conhecimento do juiz, pelo que carece de qualquer fundamento legal, vir agora suscitar-se o problema da competência. Nos termos dos arts. 32º e sgs., do CPP, há conflito quando dois tribunais, sobre a mesma questão, consideram-se incompetentes. Aqui, só "um" se considerou como tal; o outro aceitou. Ora, após ter aceite, não pode o mesmo tribunal, suscitar o conflito.

Tão-pouco interessa se a pessoa física que agora exerce as funções é outra - não sabemos - uma vez que os despachos não são pessoais, mas do tribunal e do processo, valendo por si. Sob pena, além do mais, de as pessoas não poderem estar dependentes de se encontrar no exercício das funções A ou B e, muito menos, de verem as suas decisões alteradas só porque entretanto ocorreu substituição da pessoa do julgador.

Para já não falarmos na celeridade processual - com adiamento (só do julgamento) a 2 anos, aglomeração dos tribunais, compreensão das partes, vantagem real, simplicidade do julgamento. Convenhamos...

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RESUMINDO:

A circunstância de, à data da formulação da acusação, ter-se alterado a lei substantiva penal, reduzindo o máximo da moldura penal, não implica, só por si, retirar a competência do tribunal colectivo, uma vez que, ao abrigo do art. 2º-nº4, do CP, só em sede de julgamento pode apurar-se qual o regime concretamente mais favorável.

Por outro lado, a circunstância de se ter alterado a lei adjectiva, retirando a competência ao tribunal colectivo, à data da entrada dos autos na secretaria, para distribuição, não implica conferir a competência ao tribunal singular, porquanto há que salvaguardar a expectativa do juiz "legal".

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Todavia, nos presentes autos, atento que, encontrando-se agora em vigor a LN adjectiva, o 1º despacho judicial imediatamente subsequente à acusação, proferido pelo juiz do tribunal colectivo, excepcionou a competência do tribunal colectivo e, além de não ter sido interposto recurso, o juiz singular não suscitou o conflito, antes proferiu o despacho, formulado ao abrigo do art. 311º, do CPP, vedado ficou ao juiz singular suscitar o conflito, imediatamente após a abertura de mais uma audiência de julgamento, por se verificar trânsito em julgado sobre a competência.

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Em consequência e em conclusão, em Conferência, os Juizes do Tribunal da Relação acordam em NÃO CONHECER o conflito, por o mesmo não poder ser suscitado, pelo que, nessa sequência, deve dar-se cumprimento aos despachos, proferidos atempadamente e, oportunamente, transitados em julgado, sendo ambos não conflituantes entre si, pelo que mantém-se o Tribunal Singular como competente, ou seja, o 1º Juízo Criminal da comarca do Porto, para o julgamento da acusação deduzida contra o ARGUIDO....

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Sem custas.

Proc. nº 869/98 - 4ª Secção Acórdão de 03.02.99

Relator: Correia de Paiva; Adjuntos: Marques Salgueiro e António Mortágua

Não admissão da desistência de queixa Crime de ofensas corporais com dolo de perigo. Aplicação do regime mais favorável.

Proc. nº 179/97

ACÓRDÃO Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No processo comum com intervenção do tribunal singular que, com o nº 102/95, corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Coruche, por despacho proferido em 8 de Outubro de 1996, a Mmª. Juiz não admitiu a desistência de queixa apresentada pelo ofendido VM, ordenando o prosseguimento do processo para julgamento do arguido FM, melhor identificado nos autos, depois de concluir que a conduta imputada ao arguido que integrava a prática de um crime de ofensas corporais com dolo de perigo previsto e punido pelo art. 144º, nº 2 do Código Penal de 1982 (versão originária) é susceptível de integrar, face ao Código Penal revisto pelo Dec. Lei nº 48/95, de 15 de Março, o crime de ofensa à integridade física simples previsto no art. 143º ou o crime previsto no art. 146º, este de natureza pública, se da audiência de julgamento resultar provado que as ofensas corporais foram causadas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do arguido. Inconformado com tal despacho, dele interpôs o arguido o presente recurso, que subiu em separado, rematando a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

1ª- O arguido vem acusado nos termos do art. 144º, nº 2 do Código Penal de 1982.

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2ª- A conduta do arguido deve ser integrada na previsão do art. 143º do actual Código Penal;

3ª- Inexistem indícios que permitam a integração da conduta do arguido na previsão do art. 146º do mesmo diploma;

4ª- Assim, o crime de que o arguido vem acusado não tem natureza pública, depende de queixa e pode ser objecto de desistência;

5ª- O Juiz a quo fez má aplicação dos arts. 143º e 146º, ambos do actual Código Penal; Termina o recorrente pedindo que o despacho recorrido seja substituído por outro que ordene o arquivamento dos autos.

Respondeu à motivação o Digno Magistrado do Ministério Público, defendendo que a decisão recorrida deve ser modificada, admitindo-se e homologando-se a desistência da queixa e arquivando-se os autos, depois de concluir que: no Código Penal revisto desapareceu o tipo de ilícito de ofensas corporais com dolo de perigo; na acusação não constam factos indiciadores da "especial censurabilidade ou perversidade" que integra o actual art. 146º, normativo que não existia à data do evento; o arguido não pode ver-se condenado pela prática de factos que deixaram de estar criminalizados ou que vieram a ser criminalizados após a prática dos mesmos; e, finalmente, a actuação criminosa de que o arguido vem acusado e que subsiste é actualmente de natureza semi-pública.

Nesta instância, o Exmº. Procurador da República emitiu douto parecer no sentido de que o recurso merece provimento.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação, a questão que ora se discute consiste em saber se, com a entrada em vigor do Código Penal revisto pelo Dec. Lei nº 48/95, de 15 de Março, o crime de ofensas corporais com dolo de perigo por que o arguido vem acusado integra o actual crime de ofensas corporais simples, sendo relevante a desistência da queixa por se tratar de um crime de natureza semi-pública, ou, pelo contrário, integra o crime de ofensa à integridade física qualificada previsto no art. 146º do actual Código Penal.

Os factos a ter em conta para a apreciação do presente recurso e que resultam da análise da certidão junta aos presentes autos são os seguintes:

- O arguido foi acusado de, na vigência da versão primitiva do Código Penal de 1982, ter agredido o ofendido VM, com dois ferros de heliaço, com 1,8 cm de diâmetro e 42 cm e 63,5 cm de comprimento, causando-lhe fractura no ombro esquerdo, a qual determinou cinco meses de doença com incapacidade para o trabalho, constando ainda da acusação que o arguido, minutos antes da referida agressão, havia desferido vários murros no ofendido na sequência de uma discussão entre ambos.

- Na acusação, imputava-se, assim, ao arguido a prática de um crime de ofensas corporais com dolo de perigo previsto e punido pelo art. 144º, nº 2 da supracitada versão do Código Penal.

- O ofendido declarou que pretende desistir do procedimento criminal instaurado contra o arguido e este declarou não se opor a essa desistência.

- Em 8 de Outubro de 1996, proferiu então a Mmª. Juiz a quo o despacho ora sob censura, no qual, depois de referir que deixou de existir no Código Penal revisto pelo Dec. Lei nº 48/95 um preceito normativo equivalente ao do art. 144º, nº 2 da versão originária daquele Código - crime de ofensas corporais com dolo de perigo - imputado ao arguido na acusação contra ele deduzida, face è entrada em vigor da dita revisão, "a conduta do arguido é susceptível de integrar o tipo legal previsto no art. 143º - o crime de ofensa à integridade física simples - ou o

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crime previsto no art. 146º, por referência ao art. 132º, se da audiência de julgamento resultar provado que as ofensas corporais foram causadas em circunstâncias que revelam especial censurabilidade ou perversidade do arguido" e que, dada a natureza pública deste último crime, as declarações de desistência da queixa e de não oposição a essa desistência "não podem produzir o efeito de extinção do procedimento criminal instaurado contra o arguido", decidiu que os respectivos autos teriam de prosseguir para julgamento do arguido pela prática dos factos de que vem acusado.

3. Vejamos agora o direito.

No art. 144º da versão originária do Código Penal, previa-se o tipo legal de crime de ofensas corporais com dolo de perigo, o qual tinha a natureza de crime público na medida em que o respectivo procedimento criminal não dependia de queixa. De harmonia com o preceituado no seu nº 2, pune-se com prisão de 6 meses a 3 anos quem cometer "uma ofensa contra o corpo ou contra a saúde de outrem, utilizando meios particularmente perigosos ou insidiosos, juntamente com 3 ou mais pessoas, ou quando o meio empregado se traduzir na prática de um crime de perigo comum".

Aquele tipo legal de crime desapareceu, porém, do Código Penal revisto pelo Dec. Lei nº 48/95, de 15 de Março, que entrou em vigor no dia 1 de Outubro de 1995 (cfr. art. 13º do dito Dec. Lei). Com efeito, a tipologia legal apontada na acusação deduzida contra o arguido não se viu substituída por qualquer outra das que figuram no actual Código Penal. A conduta do arguido tal como é descrita na acusação integra agora a previsão normativa do art. 143º do Código Penal revisto - crime de ofensa à integridade física simples -, cujo procedimento criminal depende de queixa (cfr. seu nº 2). Na realidade, não se verificando, como não verifica, nenhum dos casos especiais previstos nos arts. 144º (ofensa à integridade física grave), 145º (ofensa à integridade física agravada pelo resultado), 146º (ofensa à integridade física qualificada) e 147º (ofensa à integridade física privilegiada), as ofensas corporais voluntárias terão o tratamento geral do sobredito art. 143º.

Pretende a Mmª. Juiz a quo que a conduta imputada ao arguido é susceptível de integrar a prática do supracitado crime de ofensa à integridade física qualificada. Estabelece-se no respectivo normativo que "se as ofensas previstas nos arts. 143º, 144º ou 145º forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido com a pena aplicável ao crime respectivo agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo" e que "são susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no nº 2 do art. 132º" (cfr. nºs 1 e 2 do art. 146º).

Todavia, ao contrário da posição defendida pela Mmª. Juiz a quo, não se poderá aplicar in casu o actual art. 146º, preceito que não tinha correspondência no texto anterior do Código Penal e que constitui, pois, uma inovação relativamente ao ordenamento jurídico-penal anterior - cfr. Leal-Henriques e Simas Santos, in "Código Penal Anotado", 1996, 2º vol., pág. 161. A isso obsta desde logo a regra geral da não retroactividade das leis penais consagrada no nº 1 do art. 29º da Constituição da República Portuguesa e reafirmada no art. 2º, nº 1 do Código Penal (em qualquer das suas duas versões).

Os factos imputados na acusação ao arguido integram, segundo o regime do Código Penal na sua versão originária, a prática de um crime de ofensas corporais com dolo de perigo (art. 144º, nº 2) e, segundo o regime daquele código após a sua revisão, a prática de um crime de ofensa à integridade física simples (art. 143º, nº 1), os quais têm a natureza de crimes público e semi-público, respectivamente. Ora, sucedendo-se duas leis penais no tempo sobre a incriminação do arguido, impõe-se, até ao trânsito em julgado da sentença, determinar ex officio qual o regime que concretamente se mostra mais favorável ao arguido, em obediência

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ao comando dos arts. 29º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa e 2º, nº 4 do Código Penal.

Tendo o ofendido declarado desistir da queixa, a que o arguido se não opôs, e dependendo no regime penal vigente o procedimento criminal de queixa (cfr. nº 2 do sobredito art. 143º), sendo ainda certo que no caso sub judice estão preenchidos os condicionalismos de que a lei faz depender a eficácia da desistência da queixa (cfr. art. 116º, nº 2), é manifestamente evidente que é esse regime que concretamente se mostra mais favorável ao arguido e, por isso, haverá que optar por ele. Efectivamente, na esteira do decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 14 de Maio de 1986, o art. 2º, nº 4 do Código Penal, ao mandar aplicar o regime que concretamente se mostre mais favorável ao agente, não se aplica apenas às normas incriminadoras e, não se concebendo um regime inteiramente desligado do direito adjectivo, deve ser subsumido àquele artigo a desistência de queixa (cfr. BMJ 357, pág. 226). Em suma, procedem as conclusões da motivação de recurso, devendo a desistência da queixa, porque juridicamente relevante e eficaz, ser admitida e homologada (cfr. art. 51º do Código de Processo Penal), com o consequente arquivamento dos autos.

4. Nos termos expostos, concedendo provimento ao recurso, acordam em revogar o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que homologue a desistência da queixa e determine a consequente extinção do procedimento criminal instaurado contra o ora recorrente. Não é devida tributação.

Évora, 15 de Julho de 1997

Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Desembargador Relator: Rui Maurício

Crime de ofensas corporais voluntárias simples

Pedido de indemnização civil

Sucessão de duas leis penais no tempo

Regime mais favorável

Medida da pena

Proc. nº 847/95

ACÓRDÃO Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No processo comum com intervenção do tribunal singular nº 61/95 do 1º Juízo Criminal da Comarca de Santarém, foram os arguidos EM e AB, devidamente identificados nos autos, julgados e condenados, por sentença proferida em 13 de Junho de 1995, como autores materiais, cada um deles, de um crime de ofensas corporais voluntárias simples previsto e punido pelo art. 142º do Código Penal (versão então vigente), na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 500$00, o que perfaz para cada um a multa de Esc. 30.000$00 e, em alternativa, 80 dias de prisão, além das custas.

Na mesma sentença foi ainda o arguido EM condenado a pagar ao co-arguido AB a quantia de Esc. 75.000$00 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, assim se julgando

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parcialmente procedente um pedido de indemnização civil no montante de Esc. 280.000$00 por este formulado.

Inconformado com a sentença que assim o condenou, veio o arguido EM interpor o presente recurso, produzindo na respectiva motivação as conclusões seguintes:

1ª- O recorrente foi condenado com severidade porventura excessiva porque, atentas as circunstâncias, deveria ter beneficiado de uma isenção de pena;

2ª- Uma vez que já sofreu uma "pena natural" infligida pelo outro arguido;

3ª- A pena de prisão alternativa à pena de multa, em que o arguido foi condenado, encontra-se incorrectamente determinada;

4ª- O pedido de indemnização civil foi apresentado extemporaneamente, não devendo ter sido admitido.

5ª- A douta sentença em que o recorrente foi condenado deve ser substituída por outra em que ele beneficie de uma isenção da pena e em que o pedido de indemnização civil contra si deduzido não seja admitido.

Termina o arguido EM indicando os seguintes preceitos violados: 27º, nº 1 e 208º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, 72º, 147º, nº 2, II parte e 46º, nº 3, todos do Código Penal (versão originária), 77º, nº 2 e 374º, nºs 1 e 2, d). ambos do Código de Processo Penal.

Responderam à motivação de recurso quer o arguido e demandante AB quer o Digno Magistrado do Ministério Público.

Na sua resposta, conclui o primeiro pela forma seguinte: dado que quando o tribunal aplicar a pena de multa deverá fixar na sentença prisão em alternativa pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, a sentença recorrida violou o disposto no art. 46º, nº 3 da versão originária do Código Penal, devendo, assim, a mesma ser corrigida relativamente à pena de prisão aplicada em alternativa à pena de multa.

Por seu turno, na resposta do Ministério Público produzem-se as seguintes conclusões:

1ª- Só é aplicável o disposto no art. 147º, nº 2 do Código Penal de 1982 ou no art. 143º, nº 3 do Código Penal revisto quando não se prova qual dos arguidos agrediu primeiro ou, no que a este último respeita, se prova que um deles tenha unicamente exercido retorsão sobre o agressor;

2ª- Provando-se qual dos arguidos agrediu primeiro e não constando entre a factualidade provada que o outro agiu apenas em retorsão sobre o agressor não são aplicáveis os normativos supra referidos;

3ª- A pena concreta aplicada aos arguidos afigura-se correctamente doseada face ao disposto nos arts. 71º e 72º do Código Penal;

4ª- A pena de prisão fixada em alternativa da multa, por manifesto lapso, está mal calculada devendo ser fixada em 40 dias de prisão.

Termina o Digno Magistrado do Ministério Público sustentando que a sentença recorrida deve apenas ser corrigida no que concerne à prisão fixada em alternativa à pena de multa.

Nesta Relação, o Exmº. Procurador da República emitiu douto parecer no sentido de que a decisão é de manter salvo quanto à prisão fixada em alternativa, merecendo, pois, o recurso parcial provimento.

Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre agora decidir.

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2. Não tendo sido pedida a documentação dos actos da audiência e não vindo assacado à sentença qualquer dos vícios aludidos no nº 2 do art. 410º do Código de Processo Penal, aliás de conhecimento oficioso de harmonia com a jurisprudência obrigatória fixada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 1995 (in D. R., I Série-A, de 28 de Dezembro de 1995), esta Relação conhecerá apenas de direito (cfr. arts. 428º, nº 2 e 364º, ambos do citado código).

A matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, tida como definitivamente assente, é a seguinte:

- No dia 17 de Novembro de 1994, pelas 17,30 horas, o arguido AB encontrava-se numa propriedade que lhe tinha sido arrendada por Maria Eulália Godinho, propriedade esta sita em Migadalhos - Alpiarça.

- Quando foi abordado pelo arguido EM que lhe perguntou se ia continuar a podar a vinha.

- Ao que o arguido AB respondeu que sim, tendo o arguido EM retorquido que naquela vinha não apanhava um bago.

- Os arguidos envolveram-se então em discussão e na sequência da qual o arguido AB desferiu um murro no arguido EM e este agrediu aquele também com um murro e a pontapé.

-Em consequência da agressão, AB Borrego sofreu as lesões descritas nos exames médicos de fls. 16 e 27, conforme se dá por integralmente reproduzido e que foram causa directa e necessária de dez dias de doença, sendo três dias de incapacidade para o trabalho habitual.

- EM em consequência da agressão sofreu as lesões descritas nos autos de exame médico de fls. 8 e 28, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e que lhe determinaram oito dias de doença, três dos quais com incapacidade para o trabalho.

- Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de agredir, sabendo proibida a sua conduta.

- O arguido EM é agricultor e tem um rendimento mensal de 80.000$00.

- Tem a seu cargo a mulher e uma filha de 20 anos de idade.

- Como habilitações literárias tem a 4ª classe.- Do seu certificado do registo criminal nada consta.

- O arguido AB é também agricultor e tem um rendimento mensal de cerca de 100.000$00.

- Tem a seu cargo a mulher, que é doméstica.

- Como habilitações literárias tem a 4ª classe.

- Do seu certificado do registo criminal nada consta.

- Devido às lesões sofridas, AB Borrego ficou angustiado e sofreu dores.

- Esta a matéria de facto provada, indicando-se na sentença não se ter provado que o arguido AB tivesse agredido o arguido EM a pontapé, bem como todos os outros factos constantes da acusação e contestações, tendo o Tribunal se debruçado sobre cada um deles.

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na respectiva motivação (cfr. arts. 403º, nº 1 e 412º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal), as únicas questões ora colocadas à cognição deste Tribunal consistem em saber se, em vez da pena de multa em que foi condenado, devia o ora recorrente ter ficado isento de pena, se a pena de prisão fixada na sentença em alternativa à pena de multa se encontra

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incorrectamente determinada e, finalmente, se o pedido de indemnização civil não devia ter sido admitido por ter sido extemporaneamente apresentado.

O crime de ofensas corporais simples, pela prática do qual ambos os arguidos foram condenados, é punido pelo nº 1 do art. 142º do Código Penal de 1982, na sua versão originária, com prisão até 2 anos ou com multa até 180 dias e o benefício da isenção de pena que o arguido EM ora pretende está previsto no nº 2 do art. 147º do mesmo código, que estabelece na sua parte final que pode "o agente ser mesmo isento de pena quando, no caso do art. 142º, houver lesões recíprocas, não se provando qual dos contendores agrediu primeiro".

Entretanto, em 1 de Outubro de 1995, entrou em vigor o Código Penal revisto (cfr. art. 13º do Dec. Lei nº 48/95, de 15 de Março), o qual prevê e pune o crime por que os arguidos foram condenados nos seguintes termos: "quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa", podendo o tribunal "dispensar de pena quando tiver havido lesões recíprocas e se não tiver provado qual dos contendores agrediu primeiro" - cfr. seu art. 143º, nºs 1 e 3, a).

Sucedendo-se duas leis penais no tempo sobre a incriminação do arguido, impõe-se, até ao trânsito em julgado da sentença, determinar ex officio qual o regime que concretamente se mostra mais favorável ao arguido, em obediência ao comando dos arts. 29º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa e 2º, nº 4 do Código Penal revisto. E para se atingir tal escopo, impunha-se averiguar quais as penas que, em concreto, deveriam caber ao arguido na perspectiva do Código Penal revisto e, seguidamente, comparar essas penas com aquelas em que seria condenado, na perspectiva do Código Penal de 1982, na sua versão originária. Do cotejo de tais penas poderíamos, então, concluir qual dos diplomas consagra o regime que concretamente se apresenta mais favorável ao agente, o qual se aplicará em bloco.

Todavia in casu desnecessário se torna determinar, em concreto, as penas que seriam aplicáveis aos arguidos à luz do actual regime, porque através da análise dos dois regimes, em abstracto, ressalta com clareza ser a actual versão do Código mais desfavorável. Efectivamente, não existindo divergências significativas quanto aos critérios legais de escolha e determinação da medida concreta das penas, as molduras penais de prisão e multa foram significativamente agravadas - como aconteceu relativamente a outros crimes contra a integridade física -, passando de prisão até 2 anos para prisão até 3 anos e de multa até 180 dias para multa com o limite máximo de 360 dias (cfr. art. 47º, nº 1).

Nesta conformidade, sem necessidade de outras considerações, se impõe concluir que concretamente se mostra mais favorável à conduta do ora recorrente o regime instituído pelo Código Penal na sua versão originária, à luz do qual foi julgado e condenado, que, por isso, se aplicará.

4. Posto isto, vejamos a questão da isenção da pena, adiantando-se desde já que, se à mesma vier a ser dada resposta negativa, ficarão fora do objecto do recurso, e também não nos merecem qualquer reparo, quer o enquadramento jurídico-criminal dos factos operado pela sentença, quer a escolha da pena não detentiva ante a alternatividade de sanções aplicáveis ao tipo de crime em causa, quer a medida concreta da pena de multa, quer, finalmente, o montante diário da multa.

O dispositivo legal que prevê a possibilidade de o agente agressor ser isento de pena visa contemplar os casos em que não se logrou determinar quem iniciou a contenda. Como afirmam Leal Henriques e Simas Santos, "procurando-se responder a dificuldades de prova no concernente à forma como os factos se desencadearam, o legislador veio permitir que, em tais

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casos, o julgador possa sobrestar na censura, dispensando da pena os intervenientes na agressão recíproca" (in "Código Penal", 2ª Edição, II Vol., pág. 143).

O preceito contido no art. 147º, nº 2, in fine, da versão originária do Código Penal tem um fim utilitário e uma função subsidiária. Com efeito, ajuda o julgador em caso de dúvida e só funciona em última instância, isto é, quando analisada a situação, não for possível determinar a sequência das ofensas submetidas ao juízo do tribunal.

Todavia, no caso sub judice, sendo incontroverso que os dois arguidos se agrediram e que da contenda resultaram lesões traumáticas para ambos, o circunstancialismo fáctico apurado afasta qualquer possibilidade de isenção de pena ao abrigo do citado preceito legal.

Efectivamente, não só não se refere na sentença recorrida não se ter provado qual dos contendores agrediu primeiro, como, pelo contrário, nela ficou bem definida uma ordem para as agressões, pois está assente que os arguidos se envolveram em discussão, "na sequência da qual o arguido AB desferiu um murro no arguido EM e este agrediu aquele também com um murro e a pontapé". Não restam, assim, dúvidas de que o primeiro a agredir foi o arguido AB.

Improcedem, por conseguinte, as conclusões da motivação do recurso no que concerne à pretensa isenção de pena.

5. No tocante à pena de 80 dias de prisão que na sentença ora sob censura se fixou em alternativa à pena de 60 dias de multa, é manifestamente evidente a razão do recorrente, para ela convergindo ambas as respostas à motivação apresentadas.

E é de tal maneira óbvia a inexactidão da indicação do tempo da prisão alternativa indicado na sentença e elementar a questão a decidir que, tal como conclui o Digno Magistrado do Ministério Público na sua resposta à motivação, se aceita tratar-se de manifesto lapso da Mmª. Juiz a quo no respectivo cálculo, que urge corrigir.

Prescreve, com efeito, o nº 3 do art. 46º do Código Penal (versão originária) que "quando o tribunal aplicar a pena de multa será sempre fixada na sentença prisão em alternativa pelo tempo correspondente reduzido a dois terços" e tendo sido in casu aplicada uma pena de 60 dias de multa haveria que fixar em 40 dias a respectiva prisão alternativa (60 x 2/3 = 40).

Procedem, pois, nesta parte as conclusões da motivação.

6. Passemos agora à questão da indemnização civil, cujo pedido pretende o recorrente que não devia ter sido admitido por ter sido extemporaneamente apresentado.

O arguido AB, conjuntamente com a contestação à acusação contra si deduzida pelo Digno Magistrado do Ministério Público, formulou um pedido cível, visando a condenação do ora recorrente numa indemnização global de Esc. 280.000$00, a título de danos patrimoniais e morais sofridos em consequência da agressão de que fora vítima.

Admitido, implicitamente, tal pedido, foi ordenada a notificação do arguido e demandado EM para contestar, querendo, o mesmo, o que este fez, defendendo-se por excepção e por impugnação.

A final, veio a Mmª. Juiz a quo a julgar parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização, condenando o arguido e demandado EM a pagar ao AB a quantia global de 75.000$00 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, decisão com que aquele não se conformou, dela recorrendo.

Não é, porém, admissível o recurso desta parte da sentença, sendo certo que, em processo penal vigora o princípio da cindibilidade do recurso e que a decisão da matéria civil se considera autónoma em relação à decisão da matéria penal - cfr. art. 403º, nºs 1 e 2, a) do Código de Processo Penal. Com efeito, o art. 399º do citado código define o princípio geral

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sobre a admissibilidade dos recursos nos seguintes termos: "é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei", mas logo o nº 2 do art. 400º declara admissível o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil "desde que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal recorrido".

Ora, a decisão referente ao pedido cível é desfavorável ao arguido em valor que fica muito aquém de metade da alçada do tribunal de 1ª instância, fixada em Esc. 500.000$00 pelo art.20º, nº 1 da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro), razão porque não é admissível nesta parte o recurso e, por consequência, não há que conhecer do objecto do mesmo quanto à parte da sentença recorrida referente à indemnização civil em que o ora recorrente foi condenado.

7. Por todo o exposto, acordam em conceder provimento parcial ao recurso, corrigindo-se para 40 (quarenta) dias de prisão os 80 dias fixados na sentença em alternativa à pena de multa.

Em tudo o mais, mantém-se inteiramente a sentença recorrida.

Por ter decaído parcialmente, vai o recorrente condenado nas custas, fixando-se nos mínimos quer a taxa de justiça quer a procuradoria e em 10.000$00 os honorários ao defensor oficioso.

Évora, 27 de Maio de 1997

Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Desembargador Relator: Rui Maurício

ACÓRDÃO Nº 207/94

Proc. nº 291/91

1ª Secção

Rel. Cons. António Vitorino

Acordam, na 1ª secção do Tribunal Constitucional:

I

1. A., nos autos de recurso penal nº 452/90 do Tribunal da Relação de Coimbra, reclamou para o presidente do Supremo Tribunal de Justiça do despacho do relator que não lhe admitira o recurso do acórdão proferido por aquele Tribunal da Relação sobre o despacho que, na primeira instância, o havia pronunciado pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigo 297º, nº 2, alíneas c) e d), do Código Penal.

Nessa reclamação, defendeu, em síntese:

- que o recurso em causa era legal e tempestivo;

- que o assento do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Janeiro de 1990 não era aplicável ao caso por ser posterior à data dos factos imputados ao arguido (28.02.85 ) e por importar uma limitação do seu direito de defesa;

- que " a norma que constitui o supracitado assento é inconstitucional, porque inconstitucional é a lei interpretanda : artigo 21º do Decreto-Lei nº 605/75, de 3 de Novembro, na medida em que a norma que integra este preceito legal viola o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, consagrado no nº 1 do artigo 13º da Constituição, ao atribuir menos direitos aos arguidos dos processos previstos nos nºs 2º e 3º do artigo 37º do Código de Processo Penal e, em termos gerais, de todos os processos crime em que é admitido unicamente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, do que aos arguidos dos restantes

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processos, pois só estes poderiam recorrer dos despachos de pronúncia ";

- que " na pior das hipóteses, sempre teria de ser admitido o recurso interposto pelo reclamante (...) na parte em que o mesmo não incide sobre o despacho de pronúncia, mas sim sobre o acórdão recorrido em si mesmo com fundamento na violação por este do artigo 174º do Código de Processo Penal (...)".

O despacho de relator foi confirmado em conferência e a reclamação veio a ser indeferida por despacho de 15 de Fevereiro de 1991 do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, despacho em que, no que se refere à questão de constitucionalidade, se afirma o seguinte :

"Na verdade, segundo o reclamante, o Assento viola o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, consagrado no artigo 13º, nº 1, da Constituição.

Esquece-se, porém, que este artigo 13º tão-somente exige um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes; essa disposição legal não só não proíbe diferenciações de tratamento como até as permite.

O que se exige é que seja tratado por igual aquilo que é igual; e que seja tratado por desigual aquilo que é desigual.

Ora acresce que o Assento não faz qualquer discriminação: Em todos os casos, dos acórdãos da relação proferidos sobra despachos de pronúncia não há recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, quer verse sobre matéria de direito quer de facto".

2. É deste despacho do presidente do Supremo Tribunal de Justiça que vem interposto para o Tribunal Constitucional o presente recurso.

Encontrando-se insuficientemente instruída a petição de recurso, o relator, ao abrigo do disposto no artigo 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, convidou o recorrente a indicar os elementos em falta, o que este fez sublinhando que o despacho recorrido viola :

- o "princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei consagrado no nº 1 do artigo 13º da Constituição";

- o "princípio da não aplicação retroactiva da interpretação mais favorável para o arguido da norma a aplicar, que resulta por analogia e a contrario da segunda parte do nº 4 do artigo 29º da Constituição";

- a "norma constante do nº 1 do artigo 32º da Constituição";

- a "norma constante do artigo 207º da Constituição, na medida em que o despacho recorrido se fundamenta num assento,(...) que é, pela sua própria natureza jurídica, inconstitucional".

Posteriormente, nas alegações que apresentou, o recorrente formula, em síntese, as seguintes conclusões:

" A) os assentos "são inconstitucionais, na medida em que violam o princípio da separação de poderes consagrado no nº 1 do artigo 114º e as normas constantes dos nºs 1 e 2 do artigo 205º da Constituição, como inconstitucional é o artigo 2º do Código Civil, visto a função legislativa não competir aos Tribunais e atento o disposto no nº 5 do artigo 115º da Constituição, que aquele preceito viola";

B) a norma que constitui o assento de 24 de Janeiro de 1990 é inconstitucional porque inviabiliza " a possibilidade de recurso de despachos de pronúncia proferidos pela Relação, como acontece nos casos previstos nos nºs 2º e 3º do artigo 37º do Código de Processo Penal, gerando assim a desigualdade de tratamento entre juízes de 1ª instância e agentes do Mº Pº por um lado e os demais réus por outro, uma vez que àqueles ficaria vedado um direito que a

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estes assiste: o de recorrerem do despacho de pronúncia";

C) a mesma norma é também inconstitucional porque, com violação do artigo 13º, nº 1, da Constituição, provoca um tratamento desigual entre o recorrente e outros réus a quem, antes do assento, se permitiu recorrer do despacho de pronúncia para o Supremo Tribunal de Justiça;

D) a norma do assento é ainda inconstitucional "por violar o princípio da não aplicação retroactiva da interpretação mais desfavorável para o arguido, que resulta por analogia, e a contrario, do nº 4 do artigo 29º da Constituição, violando, por conseguinte, o douto despacho recorrido, salvo o devido respeito, a norma constante do artigo 207º da Constituição, dado que, como vem defendendo Figueiredo Dias ( vide "Código de Processo Penal Anotado", de Maia Gonçalves, ed. de 1982, pág. 22 ), o princípio da ilegalidade tem incidência também processual e não apenas substantiva";

E) a norma do assento de 24 de Janeiro de 1990 é, finalmente, inconstitucional porque, em contradição com o artigo 32º, nº 1, da Constituição, constitui "uma limitação das garantias de defesa dos réus nos processos a que ( como no caso sub judice ) se aplica o Código de Processo Penal de 1929, atento o disposto no artigo 645º desse Código";

F) " se (...) se entender que a lei interpretativa integra a lei interpretada, então ter-se-á de concluir, pelas mesmas razões expostas relativamente ao assento de 24 de Janeiro de 1990, que é inconstitucional o artigo 21º do Decreto-Lei nº 605/75, de 3 de Novembro, com o sentido que lhe é dado por aquele assento, visto viciar o disposto nos artigos 13º, nº 1, 29º, nº 4, e 32º, nº 1, da Constituição (...)".

3. Face ao exposto, resulta que o recorrente, com o presente recurso, pretende ver apreciadas várias questões de constitucionalidade, que poderão ser sumariadas da seguinte forma:

- dos assentos, enquanto suporte de exteriorização normativa, por violação dos artigos 114º, nº 1, e 205º, nºs 1 e 2, da Constituição;

- do artigo 2º do Código Civil, por violação do artigo 115º, nº 5, da Constituição;

- do assento do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Janeiro de 1990, por violação dos artigos 13º, nº 1, 29º, nº 4, e 32º, nº 1, da Constituição; e,

- também por violação destes dispositivos constitucionais, do artigo 21º do Decreto-Lei nº 605/75, de 3 de Novembro.

4. Nas contra-alegações que ofereceu neste Tribunal, o Procurador-Geral Adjunto suscitou a questão prévia da inadmissibilidade parcial do recurso, o que fez por entender não se encontrar preenchido, quanto a parte do recurso, o pressuposto que se traduz na necessidade de o recorrente ter suscitado a inconstitucionalidade das normas impugnadas no decurso do processo (artigos 280º, nº 1, alínea b) da Constituição e artigo 70º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82 ).

Resolvida em sentido positivo à posição do Ministério Público esta questão prévia pelo Acórdão deste Tribunal nº 320/92, o recurso seguiu os seus trâmites tendo por objecto apenas a questão da constitucionalidade do artigo 21º do Decreto-Lei nº 605/75, de 3 de Novembro, com a sobreposição interpretativa decorrente do Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Janeiro de 1990, publicado no Diário da República, I Série, de 12 de Abril de 1990.

5. Corridos novos vistos legais, desta feita sobre a questão de fundo, importa agora aprecia-la e decidi-la.

II

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1. As questões de constitucionalidade suscitadas pelo recorrente reportam-se, pois, à norma do artigo 21º do Decreto-Lei nº 605/75, de 3 de Novembro, na interpretação que lhe foi dada pelo assento do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Janeiro de 1990, publicado no Diário da República, I Série, de 12 de Abril de 1990, atinente às condições de admissibilidade de interposição de recurso de um despacho de pronúncia.

Com efeito, dispunha o artigo 377º do Código de Processo Penal de 1929 que " do acórdão da Relação que julgar o recurso interposto do despacho de pronúncia, cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça", o qual recurso, nos termos do § único do mesmo artigo "terá efeito suspensivo, se o acórdão da Relação tiver pronunciado o arguido, e meramente devolutivo, se o tiver despronunciado".

Este artigo viria a ser revogado pelo disposto no artigo 22º do Decreto-Lei nº 605/75, que no seu artigo 21º passou a estatuir que " dos despachos de pronúncia e não pronúncia apenas cabe recurso para o tribunal da relação".

Em virtude de jurisprudência contraditória quanto ao sentido deste artigo 21º (numa interpretação dos aludidos acórdãos da relação caberia recurso para o S.T.J., embora restrito à matéria de direito, noutra, em qualquer caso, não poderia caber nenhum tipo de recurso para o S.T.J.), o Supremo Tribunal de Justiça, em Tribunal Pleno, veio a proferir o Assento de 24 de Janeiro de 1990 que determina que " dos acórdãos da relação proferidos sobre despachos de pronúncia não há recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, quer verse sobre matéria de direito quer de facto."

É, pois, a questão da conformidade constitucional da norma que resulta da sobreposição interpretativa do artigo 21º do Decreto-Lei nº 605/75 e do Assento de Janeiro de 1990 que se trata no presente processo, ou seja, da norma, aplicada na decisão recorrida, que determina que dos despachos de pronúncia apenas cabe recurso para o tribunal da Relação, já não para o Supremo Tribunal de Justiça, quer o recurso verse sobre matéria de direito, quer de facto.

2. O recorrente entende que a norma em causa viola o princípio da igualdade, porquanto "veda a possibilidade de recurso dos despachos de pronúncia proferidos pela Relação, como acontece nos casos previstos nos nºs 2º e 3º do artigo 37º do Código de Processo Penal, gerando assim a desigualdade de tratamento entre juízes de 1ª instância e delegados do Ministério Público por um lado e os demais réus por outro, uma vez que àqueles ficaria vedado um direito que a estes assiste: o de recorrerem do despacho de pronúncia" e ainda porque provoca um tratamento desigual entre o recorrente e outros réus a quem, antes do Assento, se permitiu recorrer do despacho de pronúncia para o Supremo Tribunal de Justiça.

O paralelismo assim invocado com o artigo 37º do Código de Processo Penal de 1929 (entretanto revogado pelo artigo 3º do Decreto-Lei nº 377/77, de 6 de Setembro, embora as regras dos aludidos nºs 2º e 3º subsistam nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 41º da Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro), quando visto na óptica do princípio da igualdade, mostra-se, contudo, improcedente, porquanto não tem em linha de conta que este princípio não proíbe o estabelecimento de distinções nem o tratamento diferenciado de situações diversas entre si.

Com efeito, o regime decorrente do citado preceito da Lei nº 38/87 assenta nos pressupostos específicos do procedimento contra magistrados, tendo em vista, por isso, salvaguardar em geral a independência dos tribunais sem qualquer diminuição, em matéria criminal, das garantias de defesa do arguido, pois existe direito ao recurso (cfr. artigos 28º, nº 3, e 26º, alínea d) da mesma Lei) e visa também garantir que o julgamento é feito num tribunal superior. Sem embargo, como bem nota o Procurador-Geral Adjunto, a entender-se que estas razões se mostrariam em si mesmas insuficientes para efeitos de fundamentação da assinalada distinção normativa, sempre seria de considerar que um eventual vício de

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inconstitucionalidade (resultante da invocação do princípio da igualdade) se reportaria directamente à norma que estabelece o foro pessoal especial dos magistrados ( norma essa não aplicada na decisão recorrida) e não à norma impugnada neste processo.

3. Por outro lado, o recorrente entende que a norma em causa, com a interpretação dela fixada pelo já citado assento do S.T.J., comportaria violação do princípio da igualdade ainda por estabelecer uma discriminação (injustificada) entre os arguidos em processo criminal pronunciados antes da prolacção do assento e os pronunciados posteriormente, por aos primeiros ser consentido o pretendido recurso e aos segundos tal recurso ser denegado.

Na realidade o assento do S.T.J. reveste a natureza de assento interpretativo e teve como objectivo uniformizar a jurisprudência sobre o sentido do artigo 21º do Decreto-Lei nº 605/75, em virtude de anteriores entendimentos contraditórios formulados àcerca do aludido preceito ( uns no sentido de ser admissível recurso do despacho de pronúncia para o S.T.J., restrito embora à matéria de direito, e outros no sentido de tal recurso não ser em caso algum admitido). O que significa que, em momento anterior ao aludido assento, e à luz da redacção do artigo 21º do Decreto-Lei nº 605/75, um tal recurso tanto poderia ser admitido como rejeitado.

Ora, sempre se poderá colocar a questão de saber se a prolacção do assento não veio, de facto, estabelecer uma discriminação infundada, em relação àqueles arguidos em processo crime que, antes de 24 de Janeiro de 1990, se, em virtude das referidas orientações jurisprudenciais contraditórias, não tinham a certeza da admissibilidade do recurso, pelo menos tinham uma fundada expectativa de o mesmo poder vir a ser admitido, embora restrito à matéria de direito.

A este propósito refere o Procurador-Geral Adjunto, nas suas contra-alegações, que o assento "como norma interpretativa (...) integra-se na norma interpretada (artigo 13º do Código Civil) e retroage os seus efeitos à data da entrada em vigor da lei interpretada. Não tendo carácter inovador e limitando-se a fixar uma das interpretações com que o recorrente podia e devia contar, não há obstáculo à sua aplicação, que não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas; não há, pois, neste caso, retroactividade substancial".

Sem embargo, e conforme reconhece o Procurador-Geral Adjunto na mesma peça processual, "admite-se que o assento de 24 de Janeiro de 1990, ao afastar um segundo grau de recurso do despacho de pronúncia, traz, a priori, algum desfavor ao arguido: à incerteza sobre o segundo recurso sucedeu a certeza da irrecorribilidade. Mas, porque se mantém o duplo grau de jurisdição e porque estamos perante uma norma interpretativa, é dificilmente defensável que da aplicação do assento resulte um agravamento sensível da posição processual do recorrente ou uma limitação do seu direito de defesa".

O Tribunal entende sufragar esta visão das coisas.

Com efeito, o contraste de regimes em causa resulta não da confrontação entre duas soluções normativas consolidadas e uniformemente aplicadas, mas antes da contraposição entre uma mera possibilidade/probabilidade de adopção de uma dada interpretação judicial, no sentido de se admitir aquele tipo de recurso ( de cuja plausibilidade, face à letra do próprio preceito, não compete ao Tribunal Constitucional sequer ajuizar), e a certeza de uma uniformização de entendimento, decorrente do assento, no sentido de em caso algum caber o aludido tipo de recurso.

Sem curar agora de saber, porque irrelevante face ao sentido da decisão, qual a amplitude e o âmbito dos casos e situações onde se poderia identificar uma efectiva alteração do tratamento jurídico decorrente da produção de efeitos do assento, não se pode deixar de

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assinalar que a expectativa dos recorrentes numa solução favorável às suas pretensões à luz do ordenamento e da sua interpretação judicial anteriores ao assento constituía, em face da concreta prática dos tribunais, uma mera probabilidade, logo incerta quanto ao desfecho.

Não se nega que o simples facto de tal probabilidade existir representa, no plano teórico, um adicional meio de defesa dos arguidos, uma vez que, pelo menos, a interposição do recurso seria sempre susceptível de accionamento ainda que sem qualquer tipo de garantias quanto ao desfecho da decisão atinente à sua admissão. Mas importa igualmente reconhecer que essa probabilidade, pela própria incerteza de que se revestia e a que o assento veio pôr cobro, não se pode ter como suficientemente "forte" ou consolidada na actividade jurisdicional (e consequentemente na esfera jurídica dos particulares) para que a sua eliminação constitua fundamento suficiente para que o Tribunal acabasse por entender estarmos perante uma intolerável entorse ao princípio da igualdade, tanto mais quanto é certo que só em casos excepcionais e chocantes é que se poderá entender que a lei nova atenta intoleravelmente contra o princípio da igualdade que, assim, funciona num plano sincrónico e não diacrónico.

Existe, sem dúvida, uma margem de diferenciação decorrente da solução acolhida no assento, não tanto face à letra do aludido artigo 21º mas antes face à concreta prática judicial a coberto dele efectivamente desenvolvida, contudo, tal diferenciação não se pode ter por intolerável ou arbitrária, porquanto a razão de ser da aludida estatuição reside precisamente na necessidade de pôr termo à incerteza na interpretação e aplicação do direito legislado.

Acresce que a incerteza quanto à aplicação do direito existente antes da prolacção do assento, essa sim, é que poderia ser tida como representando um sacrifício da igualdade de tratamento dos arguidos, porquanto a uns seria admitido recurso da decisão da Relação sobre o despacho de pronúncia e a outros não, tudo dependendo da orientação jurisprudencial seguida por quem, em cada caso, decidisse da sua admissibilidade.

Razões estas pelas quais se entende não haver violação do princípio da igualdade.

4. Entende o recorrente que o assento contrasta ainda com o disposto no artigo 32º, nº 1, da Constituição, pois "constitui uma limitação das garantias de defesa dos réus nos processos em que (como no caso sub judice) se aplica o Código de Processo Penal de 1929, atento o disposto no artigo 645º deste Código".

Dispõe este preceito do Código de Processo Civil:

" É permitido recorrer dos despachos, sentenças ou acórdãos, proferidos por quaisquer juízes ou tribunais, em matéria penal, que não forem expressamente exceptuados por lei".

Trata-se, portanto, de saber se a solução do assento, iluminada pelo disposto no artigo 645º do Código de Processo Penal, se mostra conforme ao consignado no nº 1 do artigo 32º da Constituição, que estatui que "o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa".

O Tribunal Constitucional tem sublinhado, em sucessivas ocasiões, que o direito ao recurso constitui, sem dúvida, uma relevantíssima garantia de defesa dos arguidos. Sem embargo, tal direito não é um direito absoluto, em termos tais que tenha que ser reconhecido em relação a toda e qualquer decisão judicial e sempre com esgotamento da estrutura vertical das instâncias. Com efeito, como resulta dos Acórdãos nº 31/87 e nº 259/88 (publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 1 de Abril de 1987 e de 11 de Fevereiro de 1989), admite o Tribunal que haja casos em que a faculdade de recorrer ou não existe ou é limitada em certas fases do processo, sem que daí decorra a afectação do conteúdo essencial do direito de defesa do arguido. Tal como casos haverá em que o recurso é admitido apenas em um grau, portanto sem exaustão da cadeia hierárquica jurisdicional.

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A jurisprudência do Tribunal Constitucional (cfr. Acórdãos nº 40/84, publicado no Diário

da República, II Série, de 7 de Julho de 1984, nº 31/87 já citado, nº 178/88, loc. cit., de 30 de Novembro de 1988, nº 219/89, idem, de 30 de Junho de 1989 e nº 209/90, idem, de 19/6/90) tem apontado no sentido de que a garantia de um duplo grau de jurisdição existe, enquanto garantia de defesa dos arguidos em processo criminal, quanto a decisões penais condenatórias e ainda quanto às decisões penais respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais. Mas daí não decorre que tal garantia postule a possibilidade de recorrer de todo e qualquer acto do juiz. O que será tanto mais compreensível quando, como no caso vertente, estamos perante uma decisão que reveste natureza interlocutória e que o despacho de pronúncia em primeira instância é (e já o foi efectivamente), em toda a sua extensão ( matéria de direito e de facto) susceptível de recurso para o tribunal da Relação, com o que se respeita integralmente o princípio do duplo grau de jurisdição.

A proceder a tese do recorrente estar-se-ia não a propugnar pela consagração de um "duplo grau de jurisdição", mas sim de um "triplo grau". Ora, a este propósito já se escreveu expressivamente no Acórdão nº 178/88 atrás citado:

" (...) mesmo no processo penal, o legislador não está constitucionalmente obrigado a prever um triplo grau de jurisdição.

É que, se o direito ao reexame do caso em via de recurso é, nas hipóteses atrás apontadas, uma dimensão essencial do direito de defesa do processo penal de um Estado de direito, o mesmo não pode afirmar-se já quando o que está em causa é o reexame de uma questão já reexaminada por uma instância superior.

O facto de a lei não prever que, dos Acórdãos da Relação, se possa recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, muito principalmente, como é o caso, quando a decisão da 2ª instância não é condenatória, nem põe termo ao processo, de per si, de nenhum modo o desfigura em termos de ele deixar de ser a due process of law, a fair process.

Ora isto - ou seja, o tratar-se de um processo justo e leal, um processo de que não possa dizer-se que impõe ao arguido um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa - é a ideia geral a que, em último termo, se reconduz o princípio constitucional das garantias de defesa (cfr., neste sentido, o Acórdão nº 337/86, Diário da República, I Série, de 30 de Dezembro de 1986)."

Logo, não se verifica, no caso, violação do disposto no nº 1 do artigo 32º da Constituição.

5. Invoca ainda o recorrente que " ao ter considerado 'aplicável, portanto, o Assento de 24.1.90 ao caso sub judice, não importando que os factos imputados ao ora reclamante sejam anteriores àquele Assento' - despacho recorrido fls 29v - (como é o caso) e ao ter aplicado ao caso que foi submetido pelo recorrente à apreciação do Venerando Cons. Pres. do STJ a norma que constitui tal Assento, aplicou o despacho recorrido norma que viola também o disposto no nº 4 do artigo 29º da Constituição, dado que, como vem defendendo Figueiredo Dias (vid. CPP Anotado de Maia Gonçalves Ed. 1982, pág. 22), o princípio da legalidade tem incidência também processual e não apenas substantiva".

Ou seja, o recorrente entende que a norma do assento é inconstitucional "por violar o princípio da não aplicação retroactiva da interpretação mais desfavorável para o arguido, que resulta por analogia, e a contrario, do nº 4 do artigo 29º da Constituição, violando, por conseguinte, o douto despacho recorrido, salvo o devido respeito, a norma constante do artigo 207º da Constituição".

Dispõe o aludido nº 4 do artigo 29º da Constituição:

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" Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido".

A propósito dos pressupostos de aplicação deste artigo da Constituição, o Tribunal Constitucional, por duas ocasiões (Acórdãos nº 155/88 e 70/90, publicados, respectivamente, na II Série do Diário da República, de 17 de Setembro de 1988 e de 17 de Julho de 1990) , teve oportunidade de expressar o entendimento segundo o qual o nº 4 do artigo 29º da Constituição (aplicação retroactiva das leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido) não impõe a aplicação retroactiva dos artigos 215º e 217º do Código de Processo Penal de 1987 (sobre prisão preventiva) ainda que de conteúdo mais favorável ao arguido (em lugar do § 1º do artigo 273º do Código de Processo Penal de 1929, na redacção do Decreto-Lei nº 402/82, de 23 de Setembro).

A este propósito escreveu-se no Acórdão nº 70/90 (onde era directamente impugnada a constitucionalidade do artigo 7º, nº 1, do Decreto-Lei nº 78/87):

" O processo em causa foi iniciado antes da entrada em vigor do novo Código de Processo Penal de 1987, ou seja, antes de 1 de Janeiro de 1988, pelo que o seu processamento deverá continuar a reger-se pelas normas do Código de Processo Penal de 1929, por força do preceituado no nº 1 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro, não se verificando qualquer violação da Constituição, designadamente do nº 4 do seu artigo 29º, que determina aplicação retroactiva da lei penal mais favorável ao arguido, porquanto esta norma constitucional apenas visa a lei criminal substantiva e as normas que fixam os prazos de prisão preventiva são normas processuais puras ou quando muito normas processuais quase substantivas mas cujo regime está umbilicalmente ligado ao tipo de processo em que se inserem."

Esta conclusão decorria do entendimento de que o citado artigo constitucional visava apenas a aplicação da lei criminal, ou seja, da lei penal de carácter substantivo que é a competente para definir crimes (bem como os pressupostos das medidas de segurança) e as respectivas penas (tal como as medidas de segurança), não se aplicando aos preceitos processuais, para os quais rege o artigo 32º da Lei Fundamental, onde não se prevê qualquer princípio de aplicação retroactiva de normas mais favoráveis.

Esta decisão do Tribunal foi objecto de apreciação crítica por parte de J. J.GOMES CANOTILHO na Revista de Legislação e Jurisprudência, nº 3792, pág. 84 e ss., onde, depois de concordar com a solução do aresto quanto à não violação do princípio da igualdade (por estarmos perante uma questão que se insere no "problema geral da sucessão no tempo das leis processuais penais" e "todos os esquemas intertemporais apresentarem vantagens e inconvenientes", a opção por um deles "cabe na discricionaridade do legislador" e por isso não se poder falar em inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade ), manifesta "sérias reticências [por se dar por demonstrado] que os "candidatos positivos" reentrantes no âmbito do artº 29º/4 da CRP se limita[re]m às leis penais materiais ou substantivas".

No essencial, GOMES CANOTILHO entende que o princípio do tratamento mais favorável ao arguido abrange não apenas o direito material sancionatório, mas também as normas processuais de natureza substantiva, propendendo a considerar como tais, na senda do ensino de FIGUEIREDO DIAS (Direito Processual Penal, I, Coimbra, 1981, pág. 32, e Direito Processual Penal, 1988/89, Secção de Textos da U.C., pág 10) "as normas processuais penais que condicionem a responsabilidade penal ou contendam com os direitos fundamentais do arguido ou do recluso". Pelo que, no caso do citado Acórdão referente aos prazos de prisão preventiva, o Professor de Coimbra entende que " as normas do 'direito legal processual' referentes à prisão preventiva não podem deixar de participar da função materialmente garantística das

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garantias processuais penais reconhecidas na Constituição" e portanto que se justificaria a "aplicação retroactiva da lei processual penal reguladora dos prazos de prisão preventiva mais favorável ao arguido".

Em abono de tal entendimento invoca este Autor o princípio da conformidade dos actos do Estado com a Constituição ( artº 3º, nº 3 da C.R.P.) e a aplicabilidade directa dos direitos, liberdades e garantias ( artº 18º, nº 1 da Lei Fundamental) uma vez que "nem sempre se toma em atenção que os órgãos jurisdicionais são, eles próprios, entidades públicas vinculadas pelos direitos, liberdades e garantias", que assim devem ser entendidos como "medidas materiais das decisões jurisdicionais", como "normas de decisão para a interpretação e aplicação do 'direito da lei'." Razão pela qual conclui que " a interpretação do artigo 215º/1/c do Código de Processo Penal mais conforme com os direitos, liberdades e garantias é a de, não obstante a regra do artigo 7º, nº 1 [ do D.L.] 78/87, aplicar retroactivamente aquela disposição mesmo aos processos formalmente regulados pela lei processual antiga. Ao fazer isto, o juiz está a interpretar e aplicar o direito legal tomando como 'direito de decisão' os direitos, liberdades e garantias".

Posteriormente, quer a 2ª Secção quer a 1ª Secção do Tribunal Constitucional tiveram ocasião de recordar esta orientação jurisprudencial a que temos vindo a aludir, bem como a citada referência crítica de GOMES CANOTILHO, para apreciação de recursos interpostos de decisões judiciais que desaplicaram com fundamento em inconstitucionalidade a norma do artigo 7º, nº 1, do Decreto-Lei nº 78/87, por violação do disposto nos artigos 29º, nº 4 e 32º, nº 1 da Constituição (Acórdão nº 250/92, publicado no Diário da República, II Série, de 27 de Outubro de 1992 e Acórdão nº 451/93).

Aí se entendeu estar em causa " a questão da constitucionalidade de normas que têm a ver directamente com a pena aplicável", e, depois de estabelecer o contraponto entre o regime do artigo 409º do Código de Processo Penal de 1987 e o do artigo 667º do Código de Processo Penal de 1929, concluiu-se que "apesar de o nº 2 do § 1º desse artigo 667º assegurar nesse caso a defesa dos arguidos, tem-se como certo que a norma em questão, ao permitir a agravação da pena, em recurso interposto apenas pelo arguido, ofende o princípio consignado na parte final do nº 4 do artigo 29º da Constituição, ou seja, o princípio da aplicação retroactiva das leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido."

Em abono de tal entendimento o aresto em causa recordou a opinião de FIGUEIREDO DIAS ( Direito Processual Penal, Lições do ano de 1988/89, Secção de Textos da Faculdade de Direito de Coimbra, capítulo I, § 4º, III, 4.) segundo o qual " [...] importa que a aplicação da lei processual penal a actos ou situações que decorrem na sua vigência, mas se ligam a uma infracção cometida no domínio da lei processual antiga, não contrarie nunca o conteúdo da garantia conferida pelo princípio da legalidade. Daqui resultará que não deve aplicar-se a nova lei processual penal a um acto ou situação processual que ocorra em processo pendente, sempre que da nova lei resulte um agravamento da posição processual do arguido ou, em particular, numa limitação do seu direito de defesa (artigo 5º, nº 2, alínea a) [ do Decreto-Lei nº 78/87, na redacção do Decreto-Lei nº 387-E/87, de 29 de Dezembro]."

Neste contexto os citados arestos julgaram inconstitucional, por violação da parte final do nº 4 do artigo 29º da Constituição, o artigo 7º, nº 1, do Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro, na parte em que ele manda aplicar aos processos pendentes o corpo e o § 1º, nº 2, do artigo 667º do Código de Processo Penal de 1929 (reformatio in pejus).

À luz deste entendimento, dir-se-á, pois, que o parâmetro do nº 4 do artigo 29º da Constituição procede não apenas para as normas de direito penal substantivo mas também no domínio do direito penal adjectivo quando estejam em causa questões processuais de natureza "quase-substantiva", que assim se aproximariam da ratio do preceito constitucional

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Estes e outros acórdãos disponibilizados no blog Direito Lusófono, foram enviados por colegas e/ou retirados dos sites onde estes se encontravam alojados. No entanto, embora feito de boa vontade poderão ser os mesmos portadores de imprecisões, aos quais somos alheios.

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em causa.

Admitindo que o direito ao recurso, enquanto garantia de defesa do arguido, prefigura uma questão de natureza processual "quase substantiva", e que, portanto, haveria que aplicar ao arguido o regime legal que lhe fosse mais favorável, poder-se-ia, de facto, como o faz o recorrente, propugnar pela não aplicação da norma do artigo 21º do Decreto-Lei nº 605/75 com a sobreposição interpretativa do Assento de Janeiro de 1990, uma vez que este complexo normativo obsta a que seja admitido recurso da decisão da Relação para o STJ quando o regime da lei anterior o admitia.

Só que, como já atrás se disse, não está em causa a contraposição entre dois regimes legais de sinal contrário, um mais favorável e o outro menos favorável ao arguido. O que está em confronto é um regime (novo) decorrente do Assento, que inviabiliza o pretendido recurso, e um regime (anterior) decorrente do citado Decreto-Lei ( que dispunha, recorde-se, que "dos despachos de pronúncia e não pronúncia cabe apenas recurso para o tribunal da relação") cuja interpretação jurisprudencial, embora contraditória (e daí a justificação mesma do Assento) não poderia ser considerada como garantindo efectivamente recurso para o STJ da decisão da Relação, uma vez que em alguns casos tal recurso era admitido e noutros não o era. Logo, em boa verdade, não se pode falar de um regime novo que seja mais desfavorável ao arguido por contraponto a um regime anterior que dispensasse ao mesmo um tratamento mais benevolente.

Como o Assento interpretativo se sobrepõe à própria norma e com ela forma um complexo normativo incindível, cujos efeitos, conforme já se deixou dito, retroagem à data da emissão da própria norma, não há verdadeiramente qualquer confronto de distintos regimes legais, pelo que improcede a invocada violação do nº 4 do artigo 29º da Constituição.

III

Termos estes em que o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional a norma do artigo 21º do Decreto-Lei nº 605/75, de 3 de Novembro, com a interpretação do Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Janeiro de 1990, e consequentemente negar provimento ao recurso.

Lisboa, 2 de Março de 1994

António Vitorino, Maria da Assunção Esteves, Armindo Ribeiro Mendes, Antero Alves Monteiro Dinis, Vítor Nunes de Almeida, Alberto Tavares da Costa e Luís Nunes de Almeida