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Revista Crítica de Ciências Sociais 63 (2002) Globalização: fatalidade ou utopia? ................................................................................................................................................................................................................................................................................................ Nancy Fraser A justiça social na globalização: Redistribuição, reconhecimento e participação ................................................................................................................................................................................................................................................................................................ Aviso O conteúdo deste website está sujeito à legislação francesa sobre a propriedade intelectual e é propriedade exclusiva do editor. Os trabalhos disponibilizados neste website podem ser consultados e reproduzidos em papel ou suporte digital desde que a sua utilização seja estritamente pessoal ou para fins científicos ou pedagógicos, excluindo-se qualquer exploração comercial. A reprodução deverá mencionar obrigatoriamente o editor, o nome da revista, o autor e a referência do documento. Qualquer outra forma de reprodução é interdita salvo se autorizada previamente pelo editor, excepto nos casos previstos pela legislação em vigor em França. Revues.org é um portal de revistas das ciências sociais e humanas desenvolvido pelo CLÉO, Centro para a edição eletrónica aberta (CNRS, EHESS, UP, UAPV - França) ................................................................................................................................................................................................................................................................................................ Referência eletrônica Nancy Fraser, « A justiça social na globalização: Redistribuição, reconhecimento e participação », Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], 63 | 2002, posto online no dia 01 Outubro 2012, consultado o 30 Janeiro 2013. URL : http://rccs.revues.org/1250 Editor: Centro de Estudos Sociais http://rccs.revues.org http://www.revues.org Documento acessível online em: http://rccs.revues.org/1250 Este documento é o fac-símile da edição em papel. © CES

Justiça Social Na Globalização - Nancy Frazer

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Nancy Fraser

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Revista Crtica de CinciasSociais63 (2002)Globalizao: fatalidade ou utopia?................................................................................................................................................................................................................................................................................................Nancy FraserA justia social na globalizao:Redistribuio, reconhecimento eparticipao................................................................................................................................................................................................................................................................................................AvisoO contedo deste website est sujeito legislao francesa sobre a propriedade intelectual e propriedade exclusivado editor.Ostrabalhosdisponibilizadosnestewebsitepodemserconsultadosereproduzidosempapelousuportedigitaldesde que a sua utilizao seja estritamente pessoal ou para fins cientficos ou pedaggicos, excluindo-se qualquerexploraocomercial.Areproduodevermencionarobrigatoriamenteoeditor,onomedarevista,oautoreareferncia do documento.Qualqueroutraformadereproduointerditasalvoseautorizadapreviamentepeloeditor,exceptonoscasosprevistos pela legislao em vigor em Frana.Revues.org um portal de revistas das cincias sociais e humanas desenvolvido pelo CLO, Centro para a edioeletrnica aberta (CNRS, EHESS, UP, UAPV - Frana)................................................................................................................................................................................................................................................................................................Referncia eletrnicaNancy Fraser, A justia social na globalizao: Redistribuio, reconhecimento e participao , Revista Crticade Cincias Sociais [Online], 63|2002, posto online no dia 01 Outubro 2012, consultado o 30 Janeiro 2013. URL:http://rccs.revues.org/1250Editor: Centro de Estudos Sociaishttp://rccs.revues.orghttp://www.revues.orgDocumento acessvel online em: http://rccs.revues.org/1250Este documento o fac-smile da edio em papel. CESRevista Crtica de Cincias Sociais, 63, Outubro 2002: 7-20NANCY FRASERNew School of Social Research, Nova IorqueA justia social na globalizao:Redistribuio, reconhecimento e participaoCentrando-se na actual politizao da cultura e particularmente nas lutas pelo reconhe-cimento, a autora identifica trs problemas que ameaam a justia social no contextoda globalizao: a reificao das identidades colectivas, a substituio da redistribuiopelo reconhecimento e a forma como diferentes tipos de luta esto a enquadrar desa-justadamenteosprocessostransnacionais.Otextodiscutetrsestratgiasconcep-tuais para neutralizar os riscos derivados destes problemas, todas elas baseadas emtraos emergentes da globalizao. Para contrariar o risco da reificao, prope umaconcepodoreconhecimentobaseadanoestatutoquenoconduzaumapolticade identidade. Para contrariar o risco da substituio, a autora prope uma concepobidimensionaldejustiaqueabrangetantooreconhecimentocomoadistribuio.Para contrariar a ameaa do enquadramento desajustado, prope uma concepo desoberania de mltiplos nveis que descentra o enquadramento nacional.1. IntroduoAo escolher a frase Globalizao: fatalidade ou utopia? como ttulo destecolquio,osorganizadoressugeremduascoisas:emprimeirolugar,queestamoshojebeiradeumaimportantetransiosociale,emsegundolugar, que as circunstncias exigem que tomemos uma posio relativamentea essa transio. Concordo com ambas as sugestes. Mesmo que no possa-mosaindacaracterizardamelhorformaaglobalidadedamudana,evidente que esto a dar-se transformaes profundas. Uma transio im-portante,daperspectivadoPrimeiroMundo,aquesereferepas-sagem de uma fase fordista do capitalismo, centrada na produo em massa,em sindicatos fortes e na normatividade do salrio familiar, para uma faseps-fordista, caracterizada pela produo virada para nichos do mercado,pelo declnio da sindicalizao e pelo aumento da participao das mulhe-res no mercado de trabalho. Outra mudana relacionada com esta tem avercomatransiodeumasociedadeindustrial,baseadanastecnolo-giasdemanufacturadasegundarevoluoindustrial,paraoquetem8 | Nancy Frasersido apelidado por alguns de sociedade do conhecimento, baseada nastecnologias de informao da terceira revoluo industrial. H ainda quereferir a mudana de uma ordem internacional dominada por Estados-naosoberanos para uma ordem globalizada em que os enormes fluxos transna-cionaisdocapitalrestringemascapacidadesdegovernaodosEstadosnacionais.Tomo todos estes processos como parte do que se entende por globaliza-o e penso que todos esto relacionados com um outro trao fundamentaldapresenteconstelao:acrescenteproeminnciadaculturanaordememergente. Esta nova proeminncia da cultura pode ser vista numa srie deaspectos: na maior visibilidade dos trabalhadores simblicos, por con-traste com os trabalhadores manuais, na economia global da informao;no declnio da centralidade do trabalho relativamente religio e etnici-dade na constituio das identidades colectivas; na maior conscincia dopluralismo cultural na esteira do aumento da imigrao; na intensificaoda hibridao cultural, fomentada no s por contactos pessoais transcul-turais, mas tambm pela comunicao electrnica; na proliferao e rpidadifuso de imagens pelas indstrias globais da publicidade e do entreteni-mento de massas; e por ltimo, como consequncia de todas estas mudanas,numa nova conscincia reflexiva dos outros e, por isso, uma nova nfasena identidade e na diferena.Contudo, aquilo que mais me interessa o efeito desta nova proeminn-cia da cultura sobre a poltica e, portanto, sobre as perspectivas de justiasocial. Assim, gostaria de sugerir que um outro trao que define a globali-zao a politizao generalizada da cultura, especialmente nas lutas pelaidentidade e diferena ou, como passarei a design-las, as lutas pelo reco-nhecimento que explodiram nos ltimos anos. De facto, hoje em dia, areivindicao de reconhecimento a fora impulsionadora de muitos con-flitossociais,desdebatalhassobreomulticulturalismoalutassobreasrelaes sociais de sexo e a sexualidade, desde campanhas pela soberanianacional e autonomia subnacional a esforos para construir organizaespolticastransnacionais,desdeajihadfundamentalistaaosrevivescentesmovimentos internacionais de direitos humanos. certo que estas lutas soheterogneas, situando-se numa escala que vai daquelas que so claramenteemancipatrias s que so absolutamente condenveis. No obstante, o seurecurso a uma gramtica comum notrio, apontando para uma profundamudanadosventospolticos:umressurgimentomaciodapolticadeestatuto.O reverso deste ressurgimento um declnio correspondente da polticade classe. Outrora a gramtica hegemnica da contestao poltica, as reivin-A justia social na globalizao | 9dicaes de igualdade econmica so hoje menos salientes do que duranteo apogeu fordista do Estado-Providncia keynesiano. Os partidos polticosqueantesseidentificavamcomprojectosderedistribuioigualitriaabraamhojeumaescorregadiaterceiravia,cujasubstnciaverda-deiramenteemancipatria,quandoatm,estmaisrelacionadacomoreconhecimento do que com a redistribuio. Entretanto, os movimentossociais que no h muito tempo exigiam com audcia uma partilha equita-tivadosrecursosedariquezajnosoexemplificativosdoespritodapoca.certoquenodesapareceramtotalmente,masoseuimpactotem sido grandemente reduzido. Para alm do mais, mesmo nos melhorescasos,quandoaslutaspelaredistribuionoseapresentamcomoanti-tticas s lutas pelo reconhecimento, elas tendem a ser dissociadas destasltimas.Portanto, em geral, a globalizao est a gerar uma nova gramtica dereivindicao poltica. Nesta constelao, o centro de gravidade foi trans-ferido da redistribuio para o reconhecimento. Como deveremos carac-terizar esta transio? Quais so as suas implicaes para a justia social?Ameuver,asperspectivassoambivalentes.Porumlado,aviragempara o reconhecimento representa um alargamento da contestao polticae um novo entendimento da justia social. J no restrita ao eixo da classe,a contestao abarca agora outros eixos de subordinao, incluindo a dife-rena sexual, a raa, a etnicidade, a sexualidade, a religio e a naciona-lidade.Istoconstituiumclaroavanorelativamenteaosrestritivospara-digmasfordistasquemarginalizavamtalcontestao.Paraalmdisso,ajustia social j no se cinge s a questes de distribuio, abrangendo agoratambm questes de representao, identidade e diferena. Tambm nesteaspecto constitui um avano positivo relativamente aos redutores paradigmaseconomicistas que tinham dificuldade em conceptualizar males cuja origemreside, no na economia poltica, mas nas hierarquias institucionalizadas devalor.Por outro lado, no absolutamente nada evidente que as actuais lutaspelo reconhecimento estejam a contribuir para complementar e aprofundaras lutas pela redistribuio igualitria. Antes pelo contrrio: no contexto deum neoliberalismo em ascenso, podem estar a contribuir para deslocar asltimas. Se assim for, os recentes ganhos no nosso entendimento da justiapodem estar entrelaados com uma perda trgica. Em vez de chegarmos aum paradigma mais amplo e rico, capaz de abarcar tanto a redistribuiocomo o reconhecimento, estaremos a trocar um paradigma truncado poroutro: um economicismo truncado por um culturalismo igualmente trun-cado. O resultado seria um exemplo clssico de desenvolvimento combina-10 | Nancy Fraserdo e desigual: as recentes conquistas notveis no eixo do reconhecimentocorresponderiam a um progresso paralisado, se no mesmo a francas per-das, no eixo da distribuio.Esta , de qualquer das formas, a minha leitura das tendncias actuais.A seguir delinearei uma abordagem que responde a este diagnstico e quevisaevitarasuarealizaoplena.Oquetenhoadizerdivide-seemtrspartes, cada uma das quais corresponde a um risco inerente actual tra-jectria da globalizao. Considerarei em primeiro lugar o risco da substi-tuiodaslutaspelaredistribuiopelaslutaspeloreconhecimento,emvez de estas complementarem ou enriquecerem aquelas. Para neutralizareste risco, proporei uma anlise da justia social que suficientemente amplaparaincluirolequetotaldepreocupaessuscitadaspelaglobalizao,mesmo as desigualdades de classe e as hierarquias de estatuto. Em segundolugar, considerarei o risco da actual centralidade da poltica cultural, queest a reificar as identidades sociais e a fomentar um comunitarismo repres-sivo. Para que este risco seja neutralizado, proponho uma concepo no--identitria do reconhecimento adequada globalizao, uma concepoquepromovaainteracoentreasdiferenasequeestabeleasinergiascom a redistribuio. Em terceiro e ltimo lugar, examinarei o risco de aglobalizao estar a subverter as capacidades do Estado para reparar ambosostiposdeinjustia.Afimdeneutralizaresterisco,proporeiumacon-cepomltipladesoberaniaquedescentreoenquadramentonacional.Em cada um dos casos, as concepes propostas assentam em potenciali-dades emancipatrias que esto a despontar na actual constelao.Portanto, em termos gerais, no tratarei a globalizao como fatalidadeou utopia, mas antes como um processo de dupla face, que carrega em sitantoriscoscomopossibilidades.Destaforma,procurareiesclarecerosriscos e identificar os recursos com que lhes poderemos fazer frente.2. Contrariar a substituio: uma concepo bidimensional da justiasocialUma das ameaas justia social na globalizao resultado de uma ironiahistrica: a transio da redistribuio para o reconhecimento est a ocor-rer apesar (ou por causa) da acelerao da globalizao econmica. Destaforma,osconflitosidentitriosalcanaramestatutoparadigmticoexac-tamentenomomentoemqueoagressivocapitalismoglobalizantecon-duzidopelosEstadosUnidosestaexacerbarradicalmenteasdesigual-dadeseconmicas.Comoresultado,aviragemparaoreconhecimentoencaixou-seperfeitamentenumneoliberalismoeconmicoquedesejaacima de tudo reprimir a memria do igualitarismo socialista. Neste con-A justia social na globalizao | 11texto, as lutas pelo reconhecimento esto a contribuir menos para suple-mentar, tornar mais complexas e enriquecer as lutas pela redistribuio doque para as marginalizar, eclipsar e substituir. Chamo a isto o problema dasubstituio.Esta substituio ameaa a nossa capacidade de conceptualizar a justiasocial num mundo em processo de globalizao. Para evitarmos truncar anossa viso da emancipao e, assim, entrar involuntariamente em conluiocomoneoliberalismo,necessitamosderevisitaroconceitodejustia.O que preciso uma concepo ampla e abrangente, capaz de abrangerpelo menos dois conjuntos de preocupaes. Por um lado, ela deve abarcaraspreocupaestradicionaisdasteoriasdejustiadistributiva,especial-mente a pobreza, a explorao, a desigualdade e os diferenciais de classe.Ao mesmo tempo, deve igualmente abarcar as preocupaes recentementesalientadas pelas filosofias do reconhecimento, especialmente o desrespeito,o imperialismo cultural e a hierarquia de estatuto. Rejeitando formulaessectrias que caracterizam a distribuio e o reconhecimento como visesmutuamente incompatveis da justia, tal concepo tem de abrang-las aambas. O resultado seria uma concepo bidimensional de justia, o nicotipo de concepo capaz de abranger toda a magnitude da injustia no con-texto da globalizao.Passo a explicar. A abordagem que proponho requer que se olhe para ajustiademodobifocal,usandoduaslentesdiferentessimultaneamente.Vista por uma das lentes, a justia uma questo de distribuio justa; vistapelaoutra,umaquestodereconhecimentorecproco.Cadaumadaslentes foca um aspecto importante da justia social, mas nenhuma por si sbasta. A compreenso plena s se torna possvel quando se sobrepem asduas lentes. Quando tal acontece, a justia surge como um conceito queliga duas dimenses do ordenamento social a dimenso da distribuio ea dimenso do reconhecimento.Dopontodevistadistributivo,ainjustiasurgenaformadedesi-gualdades semelhantes s da classe, baseadas na estrutura econmica dasociedade. Aqui, a quintessncia da injustia a m distribuio, em sen-tido lato, englobando no s a desigualdade de rendimentos, mas tam-bmaexplorao,aprivaoeamarginalizaoouexclusodosmer-cadosdetrabalho.Consequentemente,oremdioestnaredistribui-o, tambm entendida em sentido lato, abrangendo no s a transfern-cia de rendimentos, mas tambm a reorganizao da diviso do trabalho,a transformao da estrutura da posse da propriedade e a democratiza-o dos processos atravs dos quais se tomam decises relativas ao inves-timento.12 | Nancy FraserDo ponto de vista do reconhecimento, por contraste, a injustia surge naforma de subordinao de estatuto, assente nas hierarquias institucionali-zadas de valor cultural. A injustia paradigmtica neste caso o falso reco-nhecimento,quetambmdevesertomadoemsentidolato,abarcandoadominao cultural, o no-reconhecimento e o desrespeito. O remdio ,portanto, o reconhecimento, igualmente em sentido lato, de forma a abar-car no s as reformas que visam revalorizar as identidades desrespeitadase os produtos culturais de grupos discriminados, mas tambm os esforosde reconhecimento e valorizao da diversidade, por um lado, e, por outro,os esforos de transformao da ordem simblica e de desconstruo dostermos que esto subjacentes s diferenciaes de estatuto existentes, deforma a mudar a identidade social de todos.Do ponto de vista distributivo, portanto, a justia requer uma poltica deredistribuio. Do ponto de vista do reconhecimento, em contraponto, ajustia requer uma poltica de reconhecimento. A ameaa de substituiosurge quando as duas perspectivas da justia so consideradas mutuamenteincompatveis. Nesse caso, as reivindicaes de reconhecimento desligam--se das reivindicaes de redistribuio, acabando por as eclipsar.Quando, contudo se sobrepem as duas perspectivas, o risco de substi-tuiopodeserneutralizado.Ajustiasurgeentocomoumacategoriabidimensionalqueabrangeambosostiposdereivindicao.Destapers-pectiva bifocal, torna-se desnecessrio optar entre uma poltica de reconhe-cimento e uma poltica de redistribuio, impondo-se, pelo contrrio, umapoltica que abarque os dois aspectos.Aaceleraodaglobalizaofazcomque,emprincpio,talpolticasetornepossvel.Nestasociedade,comovimos,aidentidadejnoestexclusivamente ligada ao trabalho e as questes da cultura so intensamentepolitizadas. Contudo, a desigualdade econmica continua a manifestar-sedesmedidamente, uma vez que a nova economia global da informao esta alimentar importantes processos de recomposio de classe. Alm disso,a actual populao diversificada de trabalhadores simblicos, trabalhadoresde servios, trabalhadores manuais, trabalhadores temporrios e a tempoparcial, bem como os socialmente excludos, tem extrema conscincia dasmltiplas hierarquias de estatuto, incluindo as ligadas diferena sexual,raa, etnicidade, sexualidade e religio. Neste contexto, no vivel nemum economicismo redutor, nem um culturalismo banal. Pelo contrrio, anica perpectiva adequada uma perspectiva bifocal que abarque tanto oreconhecimento como a distribuio.Todavia, no fcil combinar a redistribuio e o reconhecimento, umavezqueistoexigequesesubmetamasduasdimensesdejustiaaumaA justia social na globalizao | 13medida normativa comum. O que preciso um nico princpio norma-tivo que inclua as reivindicaes justificadas quer de redistribuio, querde reconhecimento, sem reduzir umas s outras. Com este propsito, pro-ponho o princpio de paridade de participao, segundo o qual a justia requerarranjos sociais que permitam a todos os membros (adultos) da sociedadeinteragir entre si como pares. So necessrias pelo menos duas condiespara que a paridade participativa seja possvel. Primeiro, deve haver umadistribuio de recursos materiais que garanta a independncia e voz dosparticipantes.Estacondioimpedeaexistnciadeformasenveisdedependncia e desigualdade econmicas que constituem obstculos pari-dade de participao. Esto excludos, portanto, arranjos sociais que insti-tucionalizam a privao, a explorao e as flagrantes disparidades de riqueza,rendimento e tempo de lazer que negam a alguns os meios e as oportuni-dadesdeinteragircomoutroscomopares.Emcontraponto,asegundacondio para a paridade participativa requer que os padres instituciona-lizados de valor cultural exprimam igual respeito por todos os participantese garantam iguais oportunidades para alcanar a considerao social. Estacondio exclui padres institucionalizados de valor que sistematicamentedepreciam algumas categorias de pessoas e as caractersticas a elas associa-das. Portanto, excluem-se padres institucionalizados de valor que negama alguns o estatuto de parceiros plenos nas interaces quer ao imputar--lhes a carga de uma diferena excessiva, quer ao no reconhecer a suaparticularidade.Ambas as condies so necessrias paridade participativa, nenhumasendo por si s suficiente. A primeira traz tona preocupaes tradicional-mente associadas teoria da justia distributiva, particularmente as que serelacionam com a estrutura econmica da sociedade e com os diferenciaisde classe economicamente definidos. A segunda traz tona preocupaesrecentemente salientadas pela filosofia do reconhecimento, especialmenteno que se refere ordem de estatuto na sociedade e s hierarquias de esta-tutoculturalmentedefinidas.Noentanto,nenhumasdestascondiesapenas um epifenmeno da outra, sendo cada uma, pelo contrrio, relati-vamenteindependente.Destemodo,nenhumapodesercompletamenteefectivada de forma indirecta, atravs de reformas dirigidas exclusivamentepara a outra. O resultado uma concepo bidimensional de justia queabrange tanto a distribuio como o reconhecimento, sem reduzir um aspectoao outro.Esta abordagem permite contrariar o risco de substituio no contextoda globalizao. Ao analisar a redistribuio e o reconhecimento comoduas dimenses mutuamente irredutveis da justia, amplia-se a sua con-14 | Nancy Frasercepo usual de modo a abarcar injustias quer de estatuto, quer de classe.Aosubmeterambasasdimensesnormaenglobantedaparidadeparticipativa, esta abordagem oferece um s critrio normativo para ava-liar tanto a estrutura econmica como a ordem de estatuto. Assim, cons-tituiotipodeconcepolatadejustiadequeprecisamosapartirdomomento em que resolvemos tratar a globalizao nem como fatalidadenemcomoutopia,mascomoumprocessoqueenvolvetantorecursoscomo riscos.3. Contrariar a reificao: uma concepo no-identitriade reconhecimentoUmasegundaameaajustiasocialnocontextodaglobalizaosurgecomo resultado de uma outra ironia histrica: as lutas pelo reconhecimentoesto hoje a proliferar apesar (ou por causa) do aumento da interaco ecomunicao transculturais. Isto , manifestam-se precisamente quando aacelerao das migraes e dos fluxos dos meios de comunicao globaisesto a fracturar e a hibridar todas as formas culturais, mesmo aquelas ante-riormentevividascomointactas.Emconsonncia,algumaslutaspeloreconhecimento procuram adaptar as instituies a esta condio de com-plexidade crescente. No entanto, muitas outras tomam a forma de um comu-nitarismo que simplifica e reifica drasticamente as identidades de grupo.Nestes casos, as lutas pelo reconhecimento no fomentam a interaco e orespeito entre diferenas em contextos cada vez mais multiculturais, mastendem antes a encorajar o separatismo e a formao de enclaves grupais, ochauvinismo e a intolerncia, o patriarcalismo e o autoritarismo. Chamo aisto o problema da reificao. semelhana da substituio, a reificao ameaa a nossa capacidade deconceptualizar a justia social num contexto de globalizao. Para neutra-lizar esta ameaa, precisamos de revisitar o conceito de reconhecimento.Necessitamosdeumaconcepono-identitriaquedesencorajeareifi-cao e promova a interaco entre as diferenas, o que significa rejeitar asdefinies habituais de reconhecimento.Geralmente,oreconhecimentovistoatravsdalentedaidentidade.Deste ponto de vista, o que requer reconhecimento a identidade culturalespecfica dos grupos. O falso reconhecimento consiste na depreciao detal identidade pelo grupo dominante e no consequente dano infligido aosentidodoeudosmembrosdogrupo.Areparaodestedanorequeroenvolvimento numa poltica de reconhecimento que visa rectificar a deses-truturao interna atravs da contestao da imagem pejorativa do grupoprojectadapelaculturadominante.OsmembrosdessesgruposdevemA justia social na globalizao | 15rejeitar tais imagens em favor de novas auto-representaes por eles pr-prios construdas. Depois de remodelar a sua identidade colectiva, devemexibi-lapublicamentedeformaaganharorespeitoeaconsideraodasociedade em geral. Quando o resultado tem xito, atinge-se o reconhe-cimento,umarelaonodistorcidaconsigoprprio.Relativamenteaomodelo identitrio, portanto, a poltica de reconhecimento significa pol-tica de identidade indubitvel que este modelo identitrio contm algumas ideias verda-deiramente esclarecedoras a respeito dos efeitos psicolgicos do racismo,sexismo, colonizao e imperialismo cultural. Contudo, falha em pelo menosdois aspectos importantes. Primeiro, tende a reificar as identidades de grupoe a ocultar eixos entrecruzados de subordinao. Em consequncia, reciclafrequentementeesteretiposrelativosagrupos,aomesmotempoquefomenta o separatismo e o comunitarismo repressivo. Segundo, o modeloidentitriotrataofalsoreconhecimentocomoummalculturalindepen-dente e, como consequncia, oculta as suas ligaes com a m distribuio,impedindoassimosesforosparacombatersimultaneamenteambososaspectos da injustia.Porestasrazes,proponhoumaconcepoalternativadereconheci-mento. Na minha opinio, baseada no que pode designar-se por um modelodeestatuto,oreconhecimentoumaquestodeestatutosocial.Oquerequerreconhecimentonocontextodaglobalizaonoaidentidadeespecfica de um grupo, mas o estatuto individual dos seus membros comoparceiros de pleno direito na interaco social. Desta forma, o falso reco-nhecimentonosignificaadepreciaoedeformaodaidentidadedogrupo, mas antes a subordinao social, isto , o impedimento da partici-pao paritria na vida social. A reparao desta injustia requer uma polticade reconhecimento, mas isto no significa uma poltica de identidade. Nomodelo de estatuto, pelo contrrio, significa uma poltica que visa superara subordinao atravs da instituio da parte reconhecida distorcidamentecomo membro pleno da sociedade, capaz de participar ao mesmo nvel dosoutros.Passoaexplicar.Aaplicaodomodelodeestatutorequerqueexa-minemos os efeitos dos padres institucionalizados de valor cultural sobrea posio relativa dos actores sociais. Nos casos em que tais padres consti-tuem os actores como pares, capazes de participar ao mesmo nvel que osoutros na vida social, ento podemos falar de reconhecimento recproco e deigualdade de estatuto. Quando, pelo contrrio, os padres institucionaliza-dos de valor cultural constituem alguns actores como inferiores, excludos,completamente outros ou simplesmente invisveis, portanto como menos16 | Nancy Fraserdoquemembrosplenosnainteracosocial,entoteremosdefalardefalso reconhecimento ou subordinao de estatuto. Portanto, de acordo como modelo de estatuto, o falso reconhecimento uma relao social de subor-dinao transmitida atravs de padres institucionalizados de valor cultural.Ocorre quando as instituies sociais regulam a interaco de acordo comnormas culturais que impedem a paridade de participao. Os exemplosincluem leis matrimoniais que excluem unies entre pessoas do mesmo sexocomo ilegtimas e perversas, polticas sociais que estigmatizam as mes soltei-ras como parasitas sexualmente irresponsveis e prticas de policiamentocomoaidentificaoporperfilracialqueassociamdeterminadaspes-soas com a criminalidade. Em cada um destes casos, a interaco regu-lada por um padro institucionalizado de valor cultural que constitui algu-mas categorias de actores sociais como normativas e outras como deficientesouinferiores.Consequentemente,negadoaalgunsmembrosdasocie-dade o estatuto de parceiros plenos, capazes de participar na interaco aomesmo nvel que os outros.Portanto, segundo o modelo de estatuto, o falso reconhecimento consti-tui uma grave violao da justia. Sempre que ocorra e qualquer que seja aforma que tome, necessrio reivindicar o reconhecimento. Mas devemosnotar o que isto significa em termos precisos: tal reivindicao no visa avalorizaodaidentidadedogrupo,masasuperaodasubordinao,procurando instituir a parte subordinada como membro pleno na vida social,capaz de interagir paritariamente com os outros. Isto , visa desinstitucio-nalizar padres de valor cultural que impedem a paridade de participao esubstitu-los por padres que a fomentam.Conceber o reconhecimento a partir de um modelo de estatuto constituium meio de contrariar a reificao no contexto da globalizao. Ao con-centrar-se, no na identidade de grupo, mas nos efeitos das normas institucio-nalizadas sobre as capacidades de interaco, evita o hipostasiar da culturae a substituio da mudana social pela engenharia da identidade. Da mesmaforma,aorecusarprivilegiarremdiosparaofalsoreconhecimentoquevalorizamasidentidadesdegrupoexistentes,evitaaessencializaodasactuaisconfiguraesearecusadamudanahistrica.Porltimo,aoestabelecer a paridade participativa como critrio normativo, o modelo deestatutosubmeteasreivindicaesdereconhecimentoaprocessosdemocrticos de justificao pblica. Assim, evita o monologismo autoritrioda poltica de autenticidade e valoriza a interaco transcultural por oposioaoseparatismoeenclausuramentodogrupo.Porconseguinte,longedeencorajar o comunitarismo repressivo, o modelo de estatuto combate-o fron-talmente.A justia social na globalizao | 17Em termos gerais, portanto, esta abordagem fomenta o tipo de polticade reconhecimento de que precisamos se tratarmos a globalizao nem comofatalidade nem como utopia, mas como um contexto para as lutas de justiasocial.4. Contrariar o enquadramento desajustado: uma concepo mltiplade soberaniaHaindaumaterceiraameaajustiasocialnaglobalizao.seme-lhanadasubstituioedareificao,estatambmresultadodeumaironia histrica: a globalizao est a descentrar o enquadramento nacionalde uma forma que torna cada vez menos plausvel postular o Estado nacio-nal como o nico contexto de actuao e a nica instncia que contm emsi e regula a justia social. Nestas condies, torna-se imperativo colocar asquestes no plano devido: tem de se determinar quais os assuntos que soverdadeiramente nacionais, quais so locais, regionais ou globais. Contudo,os conflitos actuais assumem um enquadramento desadequado. Por exem-plo,hnumerososmovimentosqueprocuramgarantirenclavestnicosprecisamente numa altura em que a mistura crescente de populaes est atornar tais projectos utpicos. E h alguns defensores da redistribuio quese tornam proteccionistas precisamente numa altura em que a globalizaoeconmica est a fazer com que o keynesianismo seja impossvel num pass. Nestes casos, o efeito no conduz paridade de participao, mas antes exacerbao das disparidades, ao impor fora um enquadramento nacio-nal a processos que so inerentemente transnacionais. Chamo a isto o pro-blema do enquadramento desajustado.Como a substituio e a reificao, o enquadramento desajustado ameaaa nossa capacidade de conceptualizar a justia social num contexto de globa-lizao. Para neutralizar esta ameaa, necessitamos de revisitar o problemado enquadramento. O que precisamos de uma concepo mltipla quedescentre o enquadramento nacional, pois s tal concepo permite acomo-dar toda a extenso de processos sociais que criam disparidades de parti-cipao na globalizao.A necessidade de tal concepo deriva dos desencontros de escala. Porexemplo, muitos dos processos econmicos que regem a distribuio soclaramente transnacionais. No entanto, os mecanismos redistributivos queherdmos do perodo fordista situam-se escala nacional. Em consequn-cia, h actualmente um bvio desajustamento entre tais processos e meca-nismos.certoqueinstituiestransnacionaiscomoaUnioEuropeiaprometem ajudar a eliminar o fosso, mas elas prprias manifestam gravesdfices de justia, tanto internamente (nas suas propenses neoliberais) como18 | Nancy Fraserexternamente (na sua tendncia para erigir uma Fortaleza Europa). ParaalmdecampanhasdispersaspormedidascomooImpostoTobinouoRendimento Bsico Universal, at tempos recentes pouco tem surgido nohorizonte que augure a superao deste desajustamento de escalas. Contudo,h pouco tempo, alguns segmentos do movimento emergente contra a glo-balizao hegemnica neoliberal comearam a pensar seriamente sobre estaquesto. Havendo mais avanos nesta direco, o Frum Social Mundialpoder ajudar a gerar ideias programticas, bem como energias polticas.De modo semelhante, muitos dos processos culturais que geram distinesde estatuto no podem confinar-se ao enquadramento nacional, na medidaem que envolvem fluxos globais de signos e imagens, por um lado, e pr-ticas locais de hibridao e apropriao, por outro. No entanto, os meca-nismosusadospararespondersubordinaodeestatutoencontram-seinstalados em larga medida dentro dos pases ou Estados-nao, como eracostumecham-los.Portanto,tambmaquiencontramosumdesajusta-mento. certo que os novos mecanismos transnacionais para instituciona-lizar os direitos humanos, tais como o Tribunal Penal Internacional, ofere-cem algumas esperanas no que diz respeito ao preenchimento deste vazio,mas so ainda rudimentares e esto sujeitos s presses dos Estados maispoderosos. De qualquer das formas, tais organizaes so provavelmentedemasiadamente globais, demasiadamente orientadas para universais abs-tractos para lidarem com todas as formas de subordinao de estatuto. Pre-cisaremos de outras abordagens para lidar com as formas resultantes dosfluxos culturais que tm uma escala mais glocal.Emgeral,nenhumdosenquadramentosporsisseajustaatodasasquestes de justia no contexto da globalizao. Como vimos, a justia signi-fica aqui a remoo dos obstculos paridade de participao. Porm, comovimos tambm, h pelo menos dois tipos de obstculos a m distribuioe o falso reconhecimento que no se sobrepem exactamente um ao outro.Sendo assim, no h garantias de que um enquadramento adequado a umadimenso de justia sirva tambm a outra. Pelo contrrio, h muitos casosem que as reformas formuladas a partir de uma destas dimenses acabampor exacerbar a injustia na outra.De facto, a necessidade de enquadramentos mltiplos parte inerentedaideiadeparidadeparticipativa.Nofimeaocabo,esseprincpionopode ser aplicado se no especificarmos qual a arena de participao socialque est em causa e o conjunto de participantes que tm o direito de pari-dade dentro dela. Mas a norma da paridade participativa deve ser aplicadaa toda a vida social. Assim, a justia requer paridade de participao numamultiplicidadedecontextosdeinteraco,queincluemosmercadosdeA justia social na globalizao | 19trabalho, as relaes sexuais, a vida familiar, a esfera pblica e as associa-es voluntrias da sociedade civil. Contudo, a participao tem significa-dos diferentes em cada um desses contextos. Por exemplo, no mercado detrabalho o seu sentido qualitativamente diferente da participao nas rela-es sexuais ou na sociedade civil. Portanto, o significado de paridade deveser ajustado ao tipo de participao em questo. Da mesma forma, o con-junto de participantes com direito paridade delimitado diferentementeem cada um dos contextos. Por exemplo, o conjunto dos que tm direito paridade nos mercados de trabalho pode ser maior do que o dos que tm omesmo direito numa determinada associao voluntria da sociedade civil.Por conseguinte, o mbito da aplicao do princpio deve ser ajustado aocontexto em questo, o que significa que no h uma frmula nica quebaste para todos os casos. Da que sejam necessrios mltiplos enquadra-mentos.Emtermosgerais,ento,nohnenhumenquadramentoounveldesoberania que por si s seja suficiente para lidar com a totalidade das questesde justia no contexto da globalizao. O que preciso antes um conjuntodeenquadramentosmltiploseumaconcepodesoberaniacomml-tiplosnveis.Consequentemente,torna-seinevitvelaquestodesaberquandoeondeaplicardeterminadoenquadramento.Apartirdaqui,qualquer discusso sobre a justia deve incorporar uma reflexo explcitasobre o problema do enquadramento. Relativamente a cada caso, devemosperguntar quem so precisamente os sujeitos relevantes da justia e quemso os actores sociais entre os quais se exige que exista paridade de parti-cipao.Anteriormente, antes da actual acelerao da globalizao, a resposta atais perguntas era em grande medida um dado adquirido. Partia-se do princ-pio, geralmente sem uma discusso explcita, de que as esferas da justiacoincidiamcomosEstadose,portanto,queosindivduoscomdireitoaserem considerados eram concidados. Todavia, hoje em dia tal resposta jno inquestionvel. Dada a crescente relevncia tanto dos processos trans-nacionaiscomodossubnacionais,opasjnopodefuncionarcomoanica instncia de justia. Pelo contrrio, apesar de continuar a ter importn-cia, o pas constitui apenas um de vrios enquadramentos numa nova estru-tura emergente de mltiplos nveis. Nesta situao, as deliberaes acercada institucionalizao da justia devem ter o cuidado de colocar as questesno plano adequado, determinando quais os assuntos que so verdadeira-mente nacionais, locais, regionais ou globais. Elas tm de delimitar vrioscontextosdeparticipaodeformaadistinguirosconjuntosdepartici-pantes com direito a paridade dentro de cada uma delas.20 | Nancy FraserPortanto, em geral, a discusso explcita do enquadramento deve ter umpapelcentralnasdeliberaesrelativasjustia,poissassimpoderneutralizar-se o risco do seu desajustamento na globalizao, entendida nocomo fatalidade ou utopia, mas como um contexto para lutar pela justia.5. ConclusoOs trs problemas que identifiquei a reificao, a substituio e o enqua-dramento desajustado so extremamente graves. Todos eles ameaam ajustia social no contexto da globalizao. Na medida em que a nfase noreconhecimento est a levar substituio da redistribuio, aquele podevirefectivamenteafomentaradesigualdadeeconmica.Namedidaemque a viragem cultural est a reificar as identidades colectivas, corre-se oriscodesesancionarviolaesdedireitoshumanosedesecongelarosprprios antagonismos que esta viragem pretende mediar. Finalmente, namedidaemquediferentestiposdelutasestoaenquadrardesajustada-mente os processos transnacionais, corre-se o risco de truncar o alcance dajustia e excluir actores sociais relevantes.Propusnestetextotrsestratgiasconceptuaisparaneutralizarestesriscos. Primeiro, para contrariar o risco da substituio, propus uma con-cepo bidimensional de justia que abrange tanto o reconhecimento comoadistribuio.Segundo,paracontrariaraameaadareificao,propusuma concepo do reconhecimento baseada no estatuto que no conduz auma poltica de identidade. Terceiro, para contrariar a ameaa do enqua-dramento desajustado, propus uma concepo de soberania de mltiplosnveis que descentra o enquadramento nacional. Todas estas propostas sebaseiam em traos emergentes da globalizao.Noseuconjunto,astrspropostasconstituempelomenosumapartedos recursos conceptuais de que precisamos para comear a responder quiloque eu considero ser a mais importante questo poltica dos nossos dias:como poderemos delinear uma estratgia coerente para reparar as injustiasde estatuto e de classe no contexto da globalizao? Como que podemosintegrar os melhores aspectos da poltica de redistribuio e da poltica dereconhecimento de forma a desafiar a injustia em ambas as frentes? Se noconseguirmos responder a estas perguntas, se nos agarrarmos em vez dissoa falsas antteses e a enganadoras dicotomias, perderemos a oportunidadede conceptualizar formas de organizao social que sejam capazes de repararao mesmo tempo a m distribuio e o falso reconhecimento. S atravs daconvergncia dos dois objectivos num nico esforo ser possvel cumpriros requisitos de justia para todos.Traduo deTeresa Tavares