Juventude e Acao Sindical PDF Web

Embed Size (px)

DESCRIPTION

livro

Citation preview

  • Juventude e Ao Sindical

  • anderson campos

    Juventude e Ao SindicalCrtica ao trabalho indecente

  • Os novos desempregados descobriram que o desemprego no era o efeito de um

    acidente, mas apenas seu destino. Bruscamente, as massas jovens negaram o

    sistema que lhes negava a vida.

    Jean-Paul Sartre, Furaco sobre Cuba. (Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1960).

    O que se coloca para todo[a] jovem comunista ser essencialmente humano, ser

    to humano que se aproxima do melhor do humano. Purificar o melhor do homem [e

    da mulher] atravs do trabalho, do estudo, da prtica de solidariedade contnua com

    o povo e com todos os povos do mundo; desenvolver ao mximo a sensibilidade, at

    o ponto de sentir-se angustiado quando em algum canto do mundo um homem [e

    uma mulher] assassinado[a] e at o ponto de sentir-se entusiasmado quando se

    levanta uma nova bandeira de liberdade.

    Che Guevara, O que deve ser um jovem comunista, em Eder Sader (org), Che Guevara. Poltica. (So

    Paulo: tica, 1981. Col. Grandes Cientistas Sociais, vol. 19) [grifos meus].

    A minha me me solteira

    E tem que fazer mamadeira todo dia

    Alm de trabalhar como empacotadeira

    Nas Casas Bahia

    Chico Csar, Mama frica.

    Aviso de licena copyleft

    Atribuio-Uso No-Comercial-Vedada a Criao de Obras Derivadas 2.5 Brasil autorizada a cpia, distribuio e exibio desta obra. Sob as seguintes condies: Atribuio. Deve-se dar crdito ao autor original, da forma especificada pelo autor ou

    licenciante. Uso No-Comercial. No se pode utilizar esta obra com finalidades comerciais. Vedada a Criao de Obras Derivadas. No se pode alterar, transformar ou criar outra obra

    com base nesta. Para cada novo uso ou distribuio, voc deve deixar claro para outros os termos da

    licena desta obra. Qualquer uma destas condies podem ser renunciadas, desde que se obtenha permisso

    do autor.

    Projeto grfico e diagramaoLetra e Imagem

    Capa e IlustraesVicente Mendona

    RevisoCarla Bezerra

    Campos, Anderson de S., 1978-Juventude e ao sindical: crtica ao trabalho indecente / Anderson Campos.

    Rio de Janeiro: Letra e Imagem, 2010.il.

    ISBN 978-85-61012-02-1

    1.juventude Brasil. 2. sindicalismo. 3. Brasil mercado de trabalho. 4. estgio. 5. trabalho decente. 6. assistncia estudantil 7.polticas pblicas de juventude. I.Ttulo

    Aos meus pais, a quem sempre dedico flores em vida.

  • Sumrio

    Prefcio | Marcio Pochmann 9Introduo 12

    I. Situao da juventude no mercado de trabalho brasileiro 27Juventude e emprego na dcada atual 29O padro de insero ocupacional de jovens no Brasil 32

    Desemprego, 32 Vnculos de trabalho, 33 Jornada de trabalho, 34Trabalho domstico, 42 Sade do trabalhador, 44 Remunerao, 48

    Origem social e futuro precrio 50

    II. A precarizao das relaes de emprego e a juventude trabalhadora brasileira 51Sentido da flexibilizao das relaes de trabalho 53Ofensiva ideolgica: empregabilidade e empreendedorismo juvenil 57Estgio: ato educativo ou fraude trabalhista 63

    O trabalho estgio, 63 Liberdade empresarial para o uso fraudulento dos estgios, 68 Ao sindical, 72 Aliana sindical e estudantil, 74

    III. Polticas pblicas para a juventude: trabalho decente e proteo social 75Trabalho decente 77O emprego juvenil na plataforma da OIT 80Indicadores do dficit de trabalho decente de jovens 87 A promoo do trabalho decente de jovens no Brasil, segundo a OIT 90

    Uma agenda favorvel, 97Polticas Pblicas para proteo social da Juventude 98

    Polticas de assistncia estudantil, 106

    IV. Sindicalizao de jovens 115Sindicalizao e trabalho no Brasil 116Sindicalizao de jovens 120Impactos culturais da sociedade de mercado 125A poltica no est descartada 127

    V. Alianas sociais e polticas da juventude sindical 135A experincia da juventude da CUT 136 Sentido das alianas sindicais 138 Disputa ideolgica na sociedade civil 140Mirem-se no exemplo daquelas mulheres... 147 Aliana com o movimento estudantil 150Unificao das lutas juvenis 156

    Bibliografia citada 159Endereos eletrnicos consultados 166ndice de grficos, tabelas e quadros 167

  • 9Prefcio

    Marcio Pochmann1

    At recentemente, o tema da juventude assumia a condio de paradoxo no Brasil. No obstante o reconhecimento internacional por ser um pas de populao fortemente composta de crianas, ado-lescentes e jovens, quase no possua estudos sistmicos acadmicos e aplicados, tampouco polticas pblicas adequadas a sua importn-cia absoluta e relativa.

    Somente com a Constituio Federal de 1988, impulsionada pela transio democrtica, as faixas etrias mais precoces da populao passaram a ter espao privilegiado no seio das polticas pblicas. Es-pecialmente para o segmento constitudo de crianas e adolescentes houve avanos inegveis por parte das polticas pblicas, como no caso da aprovao e implementao do Estatuto da Criana e Ado-lescente (ECA), do compromisso na educao com a universalizao do ensino fundamental e dos apoios na sade e assistncia ao en-frentamento das doenas e mortalidade infantil, entre outras.

    Mesmo com o progresso do desemprego e precarizao no traba-lho juvenil durante as duas ltimas dcadas do sculo passado, es-timulado pela regresso neoliberal, o tema da juventude continuou no limbo. Poucos estudos e quase sem polticas pblicas, salvo pela orientao do pensamento nico desregulamentador que tornava a vtima a prpria responsvel pela tragdia que se abateu na faixa

    1 Professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do

    Trabalho (Cesit) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Presidente do Instituto de Pesquisa

    Econmica Aplicada (Ipea).

  • Prefciojuventude e ao sindical 1110

    etria em transio da adolescncia condio de vida adulta. So-mente precisaria estudar para que automaticamente surgisse um timo emprego e alta empregabilidade, mesmo sem a garantia de acesso escola a todos que assim desejassem e frente baixa ge-rao de empregos decentes no pas. Tanto que para os que mais estudassem, o risco de desemprego terminaria aumentando subs-tancialmente, a tal ponto de haver mais graduados desempregados que trabalhadores analfabetos.

    O Brasil conseguiu dar um salto em termos de polticas pbli-cas para a juventude, bem como a literatura especializada tornou-se mais encorpada. As polticas pblicas, contudo, chegaram tardia-mente. Passaram a atuar mais sobre os efeitos, poucas vezes sobre suas causas. Apenas recentemente, com a expanso mais robusta da economia nacional, que o emprego voltou novamente a crescer, o que permitiu derrubar as taxas expressivas de desemprego juvenil.

    neste contexto que o presente livro de Anderson Campos che-ga em tima hora, pois permite avanar mais na compreenso sobre a situao da juventude, bem como a sua relao com a ao sindical. Em particular, o assunto sindical tambm se torna estratgico para uma massa juvenil que envolve cerca de 50 milhes de brasileiros, fundamentalmente no momento em que o tema da juventude deve ampliar e transplantar para as questes do presente relacionadas com o passado recente regressivo (desemprego e precarizao) para o desafio temtico de tratar do presente em relao ao futuro.

    Isso porque o mundo do trabalho passa por uma importante transformao, nem sempre presente na conduo das polticas p-blicas. Nesse sentido, sem a vocalizao e articulao sindical da juventude e sua pauta de ao, o pas pode estar gerando um novo ovo de serpente, com riscos de aprofundamento dos problemas ao segmento juvenil. Destaca-se que durante a vigncia da sociedade agrria brasileira (1500 1930) predominou a convivncia do ana-cronismo no uso do trabalho forado com condies de vida ex-tremamente precrias, limitadas pela prevalncia de produtividade nacional praticamente estagnada por longo perodo. Jornadas de trabalho extremamente longas e expectativa mdia de vida da po-pulao trabalhadora inferior a quarenta anos impuseram a confor-

    mao de uma sociedade de extremos entre a elite aristocrtica e a massa restante miservel da populao.

    Na sociedade urbano-industrial, a partir da dcada de 1930, as transformaes no mundo do trabalho foram intensas, porm desa-companhadas das reformas civilizatrias do capitalismo contempo-rneo, ou seja, de reformas agrria, tributria e social. Em virtude disso, o salto nos ganhos de produtividade terminou sendo apro-priado por parcela nfima da populao, sobretudo a elite branca proprietria e a que emergia do acesso ainda que limitado ao sistema educacional portador de passaporte para as melhores opor-tunidades de trabalho e vida.

    No curso da passagem atual para a sociedade ps-industrial, o en-sino superior torna-se a base para o ingresso no mercado de traba-lho, bem como a educao assume uma medida imprescindvel para a vida toda. No Brasil de hoje, cerca de 13% do segmento etrio de 18 a 24 anos encontra-se matriculado no ensino superior e a partir do ingresso no mercado de trabalho, em geral, as possibilidades de continuar estudando pertencem fundamentalmente elite branca.

    A postergao do ingresso no mercado de trabalho, acompanha-da da universalizao do acesso ao ensino mdio e superior de boa qualidade a todos os jovens deve assumir centralidade junto ao pro-jeto de Brasil neste limiar do sculo 21. As condies polticas para que isso venha a ocorrer encontram-se justamente na capacidade do sindicalismo converter o conhecimento existente em polticas pbli-cas. Esse alerta, certamente, o livro de Anderson Campos apresenta com consistncia e profundidade no tema abordado com preciso.

  • Introduo 13

    12

    Introduo

    Esse ensaio ficou guardado por mais de um ano. Finalizado s vsperas do 10 Congresso Nacional da CUT, estava embalado pelas discusses em torno da criao da Secretaria Nacional de Juventude dessa Central. Uma das discusses que no tomou muito vulto, verdade girou em torno do nome da secretaria. Poderia ser Se-cretaria da Juventude Trabalhadora ou simplesmente da Juventude. Prevaleceu a ideia que devemos defender os interesses da maioria da juventude brasileira, que exatamente aquela oriunda da classe trabalhadora.

    Dessa forma, possvel afirmar, com a distncia temporal do mo-mento em que escrevia os captulos deste trabalho, que as ideias aqui apresentadas esto em consonncia com o que veio a ser a poltica sindical de juventude da CUT. Em sntese, ela pode se expressar em um duplo eixo de interveno. Por um lado, busca ampliar direitos de jovens que j esto no mercado de trabalho, formalizados ou no. Por outro, busca pressionar por polticas pblicas voltadas a reduzir a entrada de jovens em idades cada vez menores nesse mesmo mer-cado de trabalho, postergando sua insero ocupacional.

    O tema das polticas pblicas para a juventude tem assumido considervel audincia no meio acadmico e nas esferas governa-mentais. Ademais, um conjunto cada vez maior de Organizaes No Governamentais ONGs tem se dedicado ao tema, formulan-do polticas, assessorando ou mesmo executando aes pblicas em torno das diversas e cada vez mais complexas questes relaciona-das ao mundo juvenil. No meio acadmico, crescente a produo

    de estudos, ampliando consideravelmente a abrangncia da temati-zao em torno da juventude.

    Organizaes dos movimentos sociais e tambm os partidos pol-ticos tm reforado arranjos institucionais de forma a criar espaos prprios de jovens. Secretarias especficas de juventude, cursos de formao poltica e encontros regionais e nacionais de jovens so no-vidades que foram generalizadas na agenda dos movimentos sociais e dos partidos independente do espectro ideolgico da organizao.

    Maria Carla Corrochano lembra que as primeiras preocupaes em termos de pesquisa acadmica sobre a relao dos adolescentes e jovens com o trabalho datam dos anos 1970. entre o final dos anos 1990 e mais especificamente nos anos 2000 que ganham flego estudos sobre a es-pecificidade da condio juvenil no mercado de trabalho1.

    Porm, esse tema ainda no con-quistou lugar na agenda de luta sindical. O sindicalismo brasileiro ainda no chegou, ou chega com bastante atraso, nessa discusso.

    A reflexo que apresento nesse livro um esforo de argumen-tao em torno do seguinte entendimento: as polticas pblicas voltadas para os jovens, ao mesmo tempo em que reconhecem as especificidades desse segmento da sociedade, devem ter relao di-reta com a garantia de universalizao de direitos, apenas possvel com forte e democrtica presena estatal. Pretendo destacar que tais direitos possuem relao direta com o trabalho, seja pela ne-cessidade de trabalhar, seja pela ausncia de trabalho2. Por esse

    1 Ver M. C. Corrochano. O trabalho e a sua ausncia: narrativas de jovens do Programa Bolsa Trabalho no

    municpio de So Paulo (Tese de Doutorado, So Paulo: USP/Faculdade de Educao, 2008). 2 Essas so duas dimenses fundamentais ao sentido do trabalho para a juventude, conforme verificou N.

    Guimares, Trabalho: uma categoria-chave no imaginrio juvenil? em H. W. Abramo & P. P. M. Branco

    (org). Retratos da juventude brasileira: anlise de uma pesquisa nacional (So Paulo: Fundao Perseu

    Abramo, 2005).

    As polticas pblicas de juventude devem reco-nhecer a especificidade desse segmento e, ao mesmo tempo, buscar a universalizao de

    direitos.

  • Introduojuventude e ao sindical 1514

    motivo, fundamental a consolidao de uma poltica de juventude, executada por jovens, incorporada na estratgia sindical.

    A busca por ampliao de direitos, no contexto atual, sintoma de mudana de agenda poltica da esquerda brasileira. Ultrapassa-mos o perodo neoliberal, que havia colocado as foras democrticas e populares na absoluta defensiva, resistindo e sendo constantemen-te derrotadas pela maior mercantilizao do trabalho, que reduz o acesso aos direitos, inclusive proteo social bsica.

    Uma das marcas centrais deixadas pelo perodo neoliberal foi o fortalecimento da regulao privada das relaes de trabalho3. A viso flexibilizadora do projeto neoliberal conduziu a mudanas no papel do Estado e na legislao do trabalho. A resoluo dos confli-tos entre capital e trabalho foi submetida, ainda mais, s vontades do empregador, que teve seu poder demasiadamente ampliado.

    Nos anos 90, h uma importante mudana no papel do Estado como promotor das condies de funcionamento do mercado, desregula-mentando ou re-regulamentando a economia, as finanas e o traba-lho. Ou seja, h uma reduo do seu papel de diminuir a assimetria natural da relao entre capital e trabalho, de sua participao na produo de bens e servios e de seu poder de interveno para orientar o desenvolvimento econmico e social do pas4.

    A supremacia da lgica privada condena os direitos, as polticas pblicas e as relaes de trabalho desregulamentao e sada da responsabilidade pblica. O Estado empodera os capitalistas medida que estes garantem o enfraquecimento da organizao da classe trabalhadora. A hegemonia neoliberal foi conquistada com a

    3 Conforme reforam os seguintes trabalhos: M. A. Oliveira. Poltica trabalhista e relaes de trabalho

    no Brasil: Da Era Vargas ao Governo FHC (Tese de Doutorado, Campinas: Unicamp/IE, 2002); M. Poch-

    mann, A dcada dos mitos (So Paulo: Contexto, 2001); J. D. Krein, Reforma no sistema de relaes de

    trabalho no Brasil. em Emprego e desenvolvimento tecnolgico: artigos dos pesquisadores (So Paulo:

    DIEESE; Campinas: CESIT, 1999). 4 J. D. Krein, Tendncias recentes nas relaes de emprego no Brasil (Campinas: Tese de Doutorado,

    Unicamp/IE. p.77, 2007).

    consolidao ideolgica baseada na aceitao da vitria do capitalis-mo, diante do qual no existiria alternativa possvel.

    No desenvolvimento das contradies da sociedade capitalista, cou-be ao Estado o papel de conduzir o processo de regulao do trabalho, mesmo que, em diversos momentos da histria, ele se apresentasse

    dividido a respeito das solues a serem adotadas5, entre a presso dos trabalhadores organizados e das lideranas empresariais, tendo estas maior influncia. Mesmo assim, houve o reconhecimento dos sindicatos e de seu poder de contratao de normas coletivas6.

    Clssicos da filosofia poltica, como Antnio Gramsci e Nicos Pou-lantzas, teorizaram sobre o Estado enquanto arena de conflito de classe diferente da formulao marxista tradicional que considera-o comit executivo da burguesia. Para Poulantzas, o Estado a con-densao das foras sociais em movimento, somando o conflito que ocorre na esfera econmica com a luta poltica. O Direito, nesse sen-tido, legitima o poder da burguesia no Estado capitalista. De acordo com Gramsci, existe um bloco social e poltico hegemnico, dirigido pela burguesia, que exerce sua dominao sobre a classe trabalhado-ra. Essa dominao exercida por uma dupla iniciativa: a fora do aparato estatal e do despotismo das relaes sociais de trabalho, que impe a subordinao para explorao e atravs de um conjunto de instituies sociais que consolidam a aceitao da dominao capi-talista. Nesse processo, a classe trabalhadora e o povo oprimido so convencidos a aceitar a dominao. A hegemonia da classe dominante , portanto, consolidada pela aceitao dos dominados7.

    5 Recuperando as origens da regulamentao do trabalho no Brasil, M. A. Oliveira, Poltica Trabalhista e

    relaes de trabalho no Brasil, cit., (p.173), ressalta que, mesmo prevalecendo os interesses governa-

    mentais e empresariais naquele ordenamento institucional, com seus mecanismos de controle sindical,

    em muitos momentos os trabalhadores souberam transformar os sindicatos em espaos efetivos de

    representao coletiva, foraram o cumprimento e a ampliao das leis trabalhistas, influenciaram deci-

    ses dos tribunais do trabalho e conseguiram assegurar o cumprimento de acordos trabalhistas.6 J. D. Krein, Tendncias recentes nas relaes de emprego no Brasil, cit., p.4.7 Para aprofundar essas questes questes abordas pelos autores citados, ver as seguintes obras: A.

    Gramsci, A concepo dialtica da histria (Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1981); A. Gramsci,

    Maquiavel, a poltica e o Estado moderno (Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1991); N. Poulantzas

    (2000), O Estado, o poder, o socialismo (So Paulo: Paz e Terra, 2000).

  • Introduojuventude e ao sindical 1716

    A luta estratgica, consequncia dessa formulao, deve se orientar pela reverso da dominao de classe, construindo uma hegemonia de carter popular, sob direo dos trabalhadores e das trabalhadoras de forma organizada. A ao do Estado pode ser compreendida como resultado de embates, de presses sociais pelos setores organizados da sociedade. As garantias dos direitos foram, no decorrer da histria do Estado moderno, resultado da presso social pela consolidao de polticas pblicas8. Nesse sentido, a dimenso da luta de classes foi determinante para a constituio do Estado burgus.

    O Estado moderno consolidou-se na defesa dos interesses da clas-se dominante. Porm, ele , por excelncia, construo social baseada em conflitos e contradies, sendo vivel a contra-hegemonia da clas-se trabalhadora no rumo da sua emancipao. Como exemplo, perce-bemos hoje com maior nitidez que a disputa do oramento pblico constitui arena fundamental do conflito de classe. A definio sobre os rumos do oramento pblico pode ser resultado da presso social. A ausncia desta fortalece o conservadorismo de uma esfera pblica subordinada aos padres dominantes. Se a balana tender para o capital ou para o trabalho depende de um conjunto de fatores que caracterizam a correlao de foras. A construo de uma hegemonia popular poder dar ao Estado um carter popular e democrtico.

    A poltica pblica (ao do Estado) limitada por uma sociedade dividida em classes. No entanto, em torno dela e em funo dela que os movimentos sociais populares lutam em busca de emancipao9.

    Essa compreenso sobre o Estado nos ajuda a entender o sentido do esgotamento do projeto neoliberal, no atual contexto, e o papel a ser exercido pela presso social a partir da classe trabalhadora organizada. Esse modelo, ento predominante nos anos 1990, visou esvaziar o papel do Estado na conduo do desenvolvimento econ-mico e social e na expanso do nvel de emprego. Com isso, gerou

    8 a concluso a que chegou R. Castel, As metamorfoses da questo social. Uma crnica do salrio

    (Petrpolis: Vozes, 1998), aos analisar as transformaes pelas quais passou a questo social no sculo

    passado, at a consolidao do que denominou como sociedade salarial.9 A expresso emancipao utilizada aqui como a superao da contradio entre capital e trabalho,

    com o fim da explorao do capital.

    desemprego sem paralelo na histria brasileira, reduziu ainda mais o rendimento do trabalho e fez dos anos 1990 a pior dcada no que diz respeito variao do PIB de todo o sculo XX10. Foi o acmulo de foras dos setores populares que resultou na alterao e derrota do modelo poltico-econmico neoliberal.

    Desde 2003, ocorre recuperao, mesmo que leve, dos nveis de emprego, da renda do trabalho e do papel do Estado no desenvolvi-mento econmico e no provimento de polticas sociais. Uma agenda antineoliberal toma desenvoltura no Brasil e em diversos pases do continente latinoamericano. Sob o Governo Lula, o Brasil vivencia avanos importantes nas condies de vida de gigantescas parcelas do povo brasileiro. Polticas de transferncia de renda, incremen-to da proteo social, ampliao do trabalho assalariado formal, da agricultura familiar, retorno dos concursos pblicos para contrata-o de servidores federais, extenso das universidades pblicas den-tre outras polticas. O centro da luta pela superao do neoliberalis-mo tem sido a busca pela ampliao do espao pblico.

    No que diz respeito juventude da classe trabalhadora, objeto deste livro, as mudanas ocorridas na agenda governamental tam-bm tendem a ser favorveis. As pesquisas recentes sobre o assunto possuem um resultado em comum: no Governo Lula, foi desenhada uma institucionalidade nica na histria do pas voltada para esse tipo de poltica11.

    A CUT, principal central sindical do pas, esteve atenta mu-dana de agenda, influenciando na disputa de seus rumos. Um dos esforos desse livro compreender a agenda dessa Central como orientadora da ao da juventude trabalhadora brasileira, devido ao seu forte vis de classe. Os problemas ocasionados pela baixa

    10 Importante sistematizao dos desastres provocados pela poltica neoliberal nos anos 1990 est em

    M. Pochmann, A dcada dos mitos, cit.11 Alguns trabalhos fundamentais, produzidos, respectivamente pela OIT e pelo Instituto de Pesquisas

    Econmicas Aplicadas IPEA embasam esta opinio: OIT, Trabajo Decente y Juventud. Amrica Latina

    (Lima: Oficina Regional para Amrica Latina y el caribe, 2007); OIT, Trabalho Decente e Juventude no

    Brasil (Disponvel em www.oitbrasil.org.br, 2009); J. A. Castro & L. Aquino (Org.), Juventude e polticas

    sociais no Brasil (Texto para discusso n 1335, Braslia: IPEA. Disponvel em www.ipea.gov.br, 2008).

  • Introduojuventude e ao sindical 1918

    estruturao do mercado de trabalho so fortemente ampliados en-tre seus segmentos mais jovens. Portanto, a agenda de ao poltica que se prope a alterar esse quadro muito positiva para lograr alteraes na vida da maioria da juventude do pas. Uma plataforma de luta juvenil em torno de temas do trabalho precisa se apropriar fortemente da agenda sindical.

    Para deixar ntida a compreenso de que as polticas pblicas voltadas para a juventude devem considerar centralmente a busca por proteo social, frente a tenso pela super-explorao do traba-lho, recorro ao conceito de padro de insero ocupacional. Ele diz respeito

    trajetria predominantemente traada pelo segmento juvenil da populao em idade ativa (PIA) na transio da inatividade para o mundo do trabalho12.

    Com este conceito, possvel verificar melhor a situao dos e das jovens trabalhadores/as no atual contexto do mercado de traba-lho e da poltica econmica do pas.

    O padro de insero ocupacional do jovem permite identificar as distintas trajetrias da populao juvenil, a partir da deciso de in-gresso no mercado de trabalho (emprego ou desemprego) ou no (inatividade). Por conta disso, o conceito de padro de insero ocu-pacional indispensvel nas anlises sobre a situao da populao jovem13.

    No Brasil, esse padro de insero precrio, instvel e inseguro. Parcelas importantes da juventude trabalhadora brasileira recebem remuneraes abaixo do salrio mnimo, seus vnculos so majoria-tariamente informais, as jornadas de trabalho efetivamente executa-

    12 Para verificar amplo esforo sobre a importncia desse conceito, consultar M. Pochmann, Insero

    ocupacional e o emprego de jovens (So Paulo: ABET, 1998).13 M. Pochmann, Emprego e desemprego juvenil no Brasil: as transformaes dos anos 1990. Em

    Movimento. Revista da Faculdade de Educao da UFF, n 2. (Niteri: UFF. p.62, 2000).

    das no permitem a conciliao com os estudos, as instituies p-blicas voltadas para a proteo social no atingem a maioria dessa juventude e os sindicatos mantm-se distantes de suas demandas.

    Nas dcadas de 1980 e 1990, foi alterada profundamente a inser-o ocupacional de jovens. Nas economias centrais e na periferia do capitalismo mundial so observados os sinais de piora no que diz respeito integrao de jovens ao mundo do trabalho14. possvel afirmar, com bastante segurana, que as pessoas de 15 a 29 anos de idade constituem o segmento etrio mais afetado negativamente pelo processo de flexibilizao das relaes de emprego e pelo cres-cimento do desemprego aberto. E, como veremos em captulo espe-cfico, quanto menor a idade, mais precria a relao de trabalho e maior a sua explorao.

    Essa realidade nos leva a questionar se as polticas de promoo de emprego para jovens devem ser comemoradas como gerao de oportunidades ou ampliao da explorao do trabalho juvenil. O aumento do nmero de jovens procura de emprego eleva a con-corrncia no mercado de trabalho. Conforme observou Marx, o au-mento da populao procura de trabalho desvaloriza a fora de trabalho15. Ao mesmo tempo, fragiliza a capacidade de organizao sindical.

    Compartilho com a anlise segundo a qual a forma mais efi-caz de reduzir o desemprego manter alta a taxa de crescimento econmico, em um patamar capaz de absorver tanto trabalhadores desempregados quanto aqueles que ingressam no mercado de tra-balho. Isso no significa que desnecessria a existncia de polti-cas de preveno do desemprego16, por exemplo, o financiamento

    14 M. Pochmann, Insero ocupacional e o emprego de jovens, cit., p.17.15 K. MARX. O Capital: crtica da economia poltica. Livro I, cap. XXIII. (So Paulo: Nova Cultural, 1988).16 Sobre as polticas pblicas de emprego no Brasil, ver: A. Moretto et al. Os descaminhos das polticas

    de emprego no Brasil, em M. Proni & W. Henrique (Org.). Trabalho, mercado e sociedade: o Brail nos

    anos 90 (So Paulo: Editora UNESP; Campinas: IE/Unicamp, 2003); D. M. Gimenez, Polticas de insero

    dos jovens no mercado de trabalho: Uma reflexo sobre as polticas pblicas e a experincia brasileira

    recente. (VII Encontro Nacional de Estudos do Trabalho, ABET.http://www.race.nuca.ie.ufrj.br/abet/7nac/

    index.htm, 2001).

  • Introduo 21

    pblico de medidas que mantenham determinados setores fora do mercado de trabalho (estudantes e aposentados).

    Mesmo reivindicando polticas de preveno entrada precoce no mundo do trabalho, fundamental organizar o olhar e a ao para a maioria que j est inserida. Se essa insero tem as marcas negativas da ausncia de direitos, uma incluso excludente. Reverter esse quadro bandeira central.

    Na 87 reunio da Conferncia Internacional do Trabalho (1999) surgiu com nfase a promoo do trabalho decente como finalidade primordial da Organizao Inter-nacional do Trabalho OIT: pro-mover oportunidades para que os homens e as mulheres possam con-seguir um trabalho decente e produtivo em condies de liberdade, equidade, seguridade e dignidade humana17.

    O conceito de trabalho decente refere-se a um trabalho adequada-mente remunerado, exercido em condies de liberdade, equidade e segu-rana, capaz de garantir uma vida digna para as pessoas que vivem do seu trabalho.

    A OIT tem se dedicado a divulgar projees acerca do impacto negativo das trajetrias ocupacionais que se iniciam com a marca da precarizao. Trata-se de interferir nas possibilidades de ingres-so ou no no mercado de trabalho. E, uma vez inserido, como ga-rantir que haver ocupao com proteo social, remunerao justa, jornada adequada ao estudo e ao lazer, estabilidade e liberdade de organizao sindical. Nesse sentido, o conceito de trabalho decen-te apresenta-se, possivelmente, como importante instrumento para ao sindical.

    Porm, um parmetro em disputa. Como organizar instrumen-tos para medir as condies de trabalho dignas? Quais so essas con-dies? No que diz respeito juventude, ser necessrio definir o

    17 OIT, Trabajo decente. Conferncia Internacional del Trabajo, 87 Reunin (Genebra, 1999).

    O trabalho decente aquele adequadamente remunerado, exercido em condies de liber-dade, equidade e segu-rana, com condies de garantir uma vida

    digna.

  • Introduojuventude e ao sindical 2322

    que central em sua relao com o trabalho e sobre suas decises de entrada nesse mercado.

    Para utilizarmos o conceito de trabalho decente como instru-mento de luta sindical, sugiro considerar o referencial de anlise de Esping-Andersen18 em seus estudos comparados sobre os regimes de Welfare State. possvel disputar as polticas de promoo de tra-balho decente para jovens de forma a orientar polticas sociais que sejam emancipatrias, que questionem a legitimidade do sistema dominante, que se oponham ao mercado e que no sejam limitadas s satisfaes bsicas.

    A tarefa de reverter o processo de flexibilizao das relaes de emprego no ser possvel somente com alteraes institucionais e nem por presso de rgos como a OIT, dados os seus limites. A re-tomada do crescimento da economia nacional e da formalizao do emprego, situaes que presenciamos hoje, so aspectos imprescin-dveis para lograr sucesso na execuo da agenda proposta. Porm, existem especificidades na insero ocupacional do/a jovem, resul-tado da dinmica do mercado de trabalho brasileiro e da tendncia mesma do capitalismo em intensificar os processos de explorao do trabalho.

    [...] A estreiteza do mercado de trabalho brasileiro, decorrente do fraco desempenho da economia brasileira nos ltimos 27 anos e da deteriorao das relaes de trabalho, manifesta na no formaliza-o dos contratos conforme exigido por lei, prejudicou o acesso dos jovens ao emprego formal e preservao deste tipo de emprego na idade adulta19.

    Trata-se, portanto, de um dos desafios novos colocados ao mo-vimento sindical. No final dos anos 2000, as questes trazidas pela juventude trabalhadora comeam a ser inseridas como item funda-

    18 G. Esping-Andersen, As trs economias polticas do Welfare State, em Revista Lua Nova, n.24 (So

    Paulo: CEDEC, 1991).19 P. E. Baltar & E. T. Leone, Perspectivas do emprego formal em um cenrio de crescimento econmico,

    em Carta Social e do Trabalho, n 7 (Campinas: CESIT/IE/Unicamp. p.81, 2007).

    mental da agenda sindical. Mesmo que nos anos 1990 tenha se tor-nado lugar comum discutir as polticas pblicas para a juventude, tais discusses passavam longe das questes relacionadas ao empre-go juvenil.

    Agora, possvel amplificar a crtica da explorao do trabalho juvenil em forma de questionamento sociedade de mercado. Nes-se tipo de organizao social, ser jovem preparar-se como futuro adulto produtivo. A juventude como questo social20 resultado da interrupo dessa fase preparatria. A existncia crescente de jovens oferecendo sua despreparada fora de trabalho para a venda nesse mercado pode ser considerada uma ruptura de paradigma com a lgica da preparao para o trabalho, apesar do enorme esforo ide-olgico em torno ao discurso da empregabilidade.

    O conceito de juventude no pode ser compreendido pela legiti-mao funcionalista, de que h uma fase intermediria na qual o indivduo, em formao, vai receber conhecimentos e iniciar a pr-tica de atividades que exercer definitivamente quando adulto21. A realidade social de um sistema capitalista dividida em classes. As trajetrias das vidas dos jovens diferem de acordo com suas classes sociais. Diferenas que so absolutamente aprofundadas quando so jovens mulheres ou jovens negros/as.

    A incorporao da juventude trabalhadora como elemento im-portante da organizao sindical no pode resultar em mera aco-lhida. Sem uma cultura poltica sindical renovada, as aes voltadas para jovens podem limitar-se oferta de recreao e at mesmo a apelao cultura de massas para se afirmar diante deles. Tambm continuar sem impacto se forem tratados pelo sindicato apenas como mais uma oportunidade de ampliao de filiados.

    As organizaes da classe trabalhadora perderam muito espao para o conservadorismo. A articulao de alianas sociais com diver-sos e engajados movimentos populares de juventude abre possibi-

    20 Para R. Castel, As metamorfoses da questo social, cit., uma questo social se estabelece quando h

    o risco iminente de ruptura da coeso social.21 L. A. Groppo, Juventude. Ensaios sobre sociologia e histria das juventudes modernas (Rio de Janeiro:

    DIFEL, p.272, 2000).

  • Introduojuventude e ao sindical 2524

    lidades para novas geraes de sindicalistas, com novas formas de ao sindical. Encontramos, aqui, potencialidades para intensificar a disputa de hegemonia na sociedade.

    Este livro pretende contribuir com a busca de uma ao sindical de jovens integrada agenda do sindicalismo combativo. Ao mesmo tempo, essa ao pode possibilitar a prpria renovao dessa agenda. Para tanto, ele est organizado da seguinte forma.

    No primeiro captulo, procuro enfatizar as principais caracters-ticas da insero ocupacional da juventude brasileira.

    No captulo dois, apresento o aumento da precarizao das re-laes de emprego no Brasil como resultado do projeto neoliberal. Localizo o trabalho de jovens no interior desse processo, com desa-taque para o trabalho estgio como forma de precarizao do traba-lho juvenil.

    No terceiro captulo, argumento que as polticas pblicas voltadas para jovens devem ter como alvo a promoo da proteo social. A agenda do trabalho decente destacada como oportunidade de ao sindical nesse sentido. Outro sentido destacado em consonncia com essa poltica a busca por evitar a entrada precoce de jovens no mer-cado de trabalho. As polticas de assistncia estudantil podem ser con-sideradas importante instrumento para alcanar esse objetivo.

    No quarto captulo, discuto as limitaes que bloqueiam a filia-o sindical de jovens trabalhadores/as. Destaco a influncia ne-gativa que a cultura do novo capitalismo exerce sobre o padro de comportamento poltico da juventude.

    Por fim, no ltimo captulo, argumento sobre a importncia da unificao das lutas juvenis para ampliar os horizontes e renovar a prtica poltica do sindicalismo combativo.

    O presente trabalho foi produzido no primeiro semestre de 200922. Desde ento, tem sido constante a publicao de novos e instigantes trabalhos de autores/as e institutos de pesquisa sobre

    22 O embrio desse livro a monografia apresentada para obteno do ttulo de Especialista em Econo-

    mia do Trabalho e Sindicalismo, pela Unicamp. Agradeo aos nossos mestres do CESIT que lecionaram

    na turma de 2007, a quem dedico carinhosamente este livro.

    vrios temas aqui abordados. A cada debate realizado, novas ques-tes surgem e a necessidade de atualizao se impe. Tentei no su-cumbir tentao de atualizao do texto a cada nova leitura. Esse ensaio seria interminvel.

    Uma lacuna importante deve ser negritada. No desenvolvi, nes-te trabalho, qualquer discusso sobre o padro de insero ocupa-cional de jovens na rea rural. Longe de ser uma displicncia, essa

    lacuna foi proposital. A complexi-dade da vida da juventude rural e a sua experincia de organizao sindical so tamanhas que no con-siderei possvel dedicar apenas um captulo. Seria necessrio um en-saio prprio sobre esses temas23.

    Um elemento que considero co-mum na anlise do conjunto das

    estatsticas e estudos sobre a relao entre juventude e trabalho reforar o argumento que procuro desenvolver nesse livro. Acredito que o ato de organizar jovens trabalhadores/as em atividades sindi-cais um exerccio de crtica ao trabalho indecente. Sem essa crtica, a atuao sindical de jovens perde sentido de classe.

    23 Importante referncia sobre o trabalho e, principalmente, sobre a organizao poltica da juventude

    rural na experincia brasileira recente o livro de E. G. de Castro et al. Os jovens esto indo embora?

    Juventude rural e a construo de um ator poltico (Rio de Janeiro: Mauad X; Seropdica: EDUR, 2009).

    O ato de organizar jovens em atividades

    sindicais exerccio de crtica ao trabalho in-decente. Sem isso, no h sentido de classe.

  • 27

    ISituao da juventude no mercado de trabalho brasileiro

    O objetivo deste captulo apontar as principais caractersticas da insero ocupacional da juventude brasileira. Ele est dividido em duas sees, alm desta introduo e da sntese final. Na primei-ra parte, apresento a relao entre a condio social da maioria da juventude brasileira e as restries da decorrentes para conquistar um emprego. Na segunda seo, procuro sistematizar as caracters-ticas do atual padro de insero ocupacional dessa juventude, dada a sua condio social.

    Apesar de considerarmos juventude como contingente popula-cional que se encontra na faixa etria de 15 a 29 anos1, em alguns momentos utilizaremos exemplos de recortes etrios diversos para demonstrar os impactos diferenciados conforme a idade. Em 2006, de acordo com o IBGE, havia 51 milhes de brasileiros/as nessa fai-xa etria, cerca de 27% da populao total2.

    A origem social determinante para as condies de insero dos jovens no mercado de trabalho. Segundo a PNAD 2006, 31,1% dos jovens brasileiros poderiam ser considerados pobres, uma vez que viviam em famlias com renda domiciliar per capita de at meio sa-lrio mnimo. Verificando os jovens oriundos de famlias com renda

    1 Recorte etrio adotado pelas polticas pblicas do Governo Federal, a partir da instituio da Secretaria

    Nacional de Juventude e do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), e pela proposta de Estatuto da

    Juventude, em discusso na Cmara dos Deputados.2 Em 1980, esse nmero somava 34,4 milhes.

  • Situao da juventude no mercado de trabalho brasileirojuventude e ao sindical 2928

    domiciliar per capita entre meio e dois salrios mnimos, o percen-tual chegava a 60%.

    Ainda segundo a PNAD 2006, apenas 8,6% do total de jovens brasileiros vivia em famlias com renda domiciliar per capita acima de 2 salrios mnimos.

    A pobreza foi jovializada3. Essa condio social a qual est sub-metida a absoluta maioria da juventude brasileira determina as li-mitaes de escolha sobre o momento de colocar sua fora de tra-balho venda.

    Grfico 1 | Distribuio dos ocupados pela idade em que comearam a trabalhar Brasil 2006 (em %)

    14,9

    40,6

    24,1

    11,6

    6,8

    1,9

    At 9 anos

    10 a 14 anos

    15 a 17 anos

    18 e 19 anos

    20 a 24 anos

    25 anos e mais

    Fonte: DIEESE (2008), Anurio dos Trabalhadores. (Elaborao Prpria). Com base na PNAD 2006.

    Mais do que a metade dos trabalhadores brasileiros comearam a trabalhar antes da idade legalmente permitida. Somam 55% os atu-ais trabalhadores que ingressaram no mundo do trabalho antes dos 14 anos de idade. Comea-se a trabalhar muito cedo em nosso pas.

    3 A expresso de G. Frigotto, Juventude, trabalho e educao no Brasil: perplexidades, desafios e

    perspectivas, em R. Novaes & P. Vanuchi (ORG), Juventude e Sociedade: Trabalho, educao, cultura e

    participao (So Paulo: Fundao Perseu Abramo, 2004).

    Quando tratarmos da juventude brasileira, devemos ter nti-do que a maioria desta trabalhadora. Isso porque 66% dos(as) jo-vens do pas se encontra no mercado de trabalho, seja na condio de empregados(as) ou procura de emprego. Em outras palavras, a maior parte da nossa juventude est vendendo sua fora de trabalho.

    Grfico 2 | Distribuio da populao de 14 a 29 anos, segundo a situao de trabalho e de estudo, Brasil, 2006

    66%

    13%

    21%

    Trabalham ou procuramtrabalho

    No estudam e no trabalhamou procuram trabalho

    Apenas estudam

    Fonte: IBGE/PNAD, 20064

    Juventude e emprego na dcada atual

    O crescimento econmico do pas no final dos anos 2000 garan-tiu continuidade no aumento da participao do emprego assala-riado, bem como a maior formalizao dos contratos de trabalho na absoro do aumento da populao ativa. um processo que se acentua a partir de 20035.

    4 Retirado de M. C. Corrochano et al, Jovens e trabalho no Brasil: desigualdades e desafios para as

    polticas pblicas (So Paulo: Ao Educativa, Instituto ibi, 2008).5 E. T. Leone & P. E. Baltar, Economia e mercado de trabalho no Brasil em Carta Social e do Trabalho, n

    06 (Campinas: CESIT/IE/Unicamp, p.7, 2007).

  • Situao da juventude no mercado de trabalho brasileirojuventude e ao sindical 3130

    A partir de 2004, houve uma modificao da elasticidade do em-prego/PIB, as taxas de desemprego estabilizaram-se e a formaliza-o dos vnculos empregatcios foi ampliada6.

    Porm, a despeito desse quadro de moderada recuperao, ocor-reu aumento no desemprego juvenil. Do total dos desempregados

    em 2006, 46% estavam situados na faixa etria entre 15 e 29 anos. O desemprego juvenil assumiu uma dimenso numrica equivalente ao desemprego adulto7.

    A condio de atividade do jo-vem no perodo recente identifi-cada como um crculo vicioso da relao renda familiar/insero ocupacional do jovem. Segundo anlise de Thiago Ribeiro sobre

    os dados da PNAD 2005, entre os jovens desempregados, 40% estavam abaixo da linha de pobreza. O autor enfatiza que, por mais que

    parte importante da pobreza esteja relacionada aos baixos salrios caractersticos do mercado de trabalho de algumas regies do pas (norte e nordeste principalmente), o desemprego pode ser conside-rado o principal determinante da pobreza e o grande responsvel por sua reproduo aps a dcada de 19908.

    Estamos falando, portanto da realidade da maioria da popula-o juvenil que tem origem em famlias com baixa renda. Para esta maioria, no h opo de estudar. Ela est condenada ao trabalho o mais precocemente possvel, dada a sua necessidade de sobrevivncia.

    6 P. E. Baltar et al O emprego formal nos anos recentes, em Carta Social e do Trabalho, n 3 (Campinas:

    CESIT/IE/Unicamp, 2006).7 M. W. Proni & T. F. F. Ribeiro, A insero do jovem no mercado de trabalho brasileiro, em Carta Social

    e do Trabalho, n 06 (Campinas: CESIT/IE/Unicamp. P.24, 2007).8 T. F. F. Ribeiro, A indecncia do trabalho juvenil no Brasil (Campinas: CESIT/IE/Unicamp, mimeo, 2007).

    A maioria da populao juvenil de famlias

    com baixa renda. Para esta maioria, no h

    opo de estudar; est condenada a trabalhar

    precocemente.

    Sua mais provvel possibilidade de insero se d por meio de ocu-paes precrias.

    A anlise de Corrochano et al enfatiza dados reveladores da con-denao precoce ao trabalho. Entre os jovens que s trabalham, os mais novos so tambm os mais pobres. Ou seja, quanto mais pobre for a famlia, mais cedo o/a jovem necessita entrar no mercado de trabalho. Ele/a acaba tornando-se uma fonte de renda extra para a famlia, como forma de contribuir com a sobrevivncia coletiva.

    Alm disso, os que so oriundos de famlias com as menores rendas abandonam mais cedo seus estudos, se comparados aos filhos de fam-lias com as maiores rendas. Eles so obrigados, pela condio econ-mica da famlia, a dedicar integralmente o seu tempo ao trabalho.

    (...) a necessidade extrema de trabalhar, de ganhar a vida, faz com que os jovens com as piores condies de vida, sejam obrigados a aceitar as piores condies de trabalho. O jovem, e na verdade o tra-balhador de qualquer idade, que eventual ou sistematicamente re-cusado pelo mercado de trabalho, independente do motivo para essa recusa, no tem fora de barganha nem meios de vida garantidos. E isso os obriga a deixar de lado direitos, reivindicaes e expectativas na hora de estabelecer uma relao de trabalho. Assim, o destino do trabalhador desempregado, no que se refere a conseguir um traba-lho assalariado e qualidade dessa relao de trabalho, depende em grande medida de sua situao de vida. Quanto piores as condies de vida menores as chances de conseguir um bom emprego9.

    Os jovens de famlias com maior poder aquisitivo tm melhor insero no mercado de trabalho: em 2005 verificou-se que a forma-lizao na contratao maior na medida em que aumenta a renda familiar. Isso vale tambm em relao aos rendimentos: a renda dos jovens ocupados maior quanto mais elevado o total de rendimen-tos das famlias10.

    9 S. Sochaczewski, Educao, trabalho e vida, em P. C. Bernardo (Org). Juventudes em debate: Sindi-

    calismo e mercado de trabalho (So Paulo: CUT. p.131, 2007).10 M. C. Corrochano et al, Jovens e trabalho no Brasil: desigualdades e desafios para as polticas pblicas, cit.

  • Situao da juventude no mercado de trabalho brasileirojuventude e ao sindical 3332

    O padro de insero ocupacional de jovens no Brasil

    Desemprego

    Ao procurar vender sua fora de trabalho, o fato de ser jovem condicionante para elevar a possibilidade de no ter sucesso na bus-ca desse objetivo. importante enfatizar, por uma questo didtica, que o fato de entrar no mercado de trabalho no resulta em con-quistar um posto de trabalho. Significa, unicamente, que a pessoa colocou sua fora de trabalho disposio para venda. A situao de desemprego marca recorrente, consolidando-a como aspecto cen-tral no atual padro de insero ocupacional de jovens no Pas. Em outras palavras, a principal caracterstica da entrada do jovem no mercado de trabalho sua insero na condio de desempregado.

    Analisando os dados sobre desemprego metropolitano, o DIE-ESE11 constatou que so os adolescentes, as mulheres e os(as) negros(as) os mais expostos a essa situao. A reduo do desempre-go, verificada nos anos recentes, no tem contemplado da mesma forma os jovens inseridos no mercado de trabalho brasileiro.

    Observao importante a ser destacada a feminizao do desem-prego juvenil. A maior parte dos desempregados jovens nas regies metropolitanas eram mulheres (56%). Aumentou o nmero de mu-lheres que saiu da inatividade para a condio de desempregada12.

    Jovens negros(as) de 16 a 24 anos, por sua vez, representam a grande maioria dos jovens desempregados (55,9%) nas regies me-tropolitanas pesquisadas pelo DIEESE. Constatou-se que, no per-odo de 1998 a 2007, a juventude negra acentuou sua representao no desemprego metropolitano. Nesse perodo, na regio metropoli-tana de Salvador, capital baiana, a proporo de negros(as) na popu-lao desempregada jovem partiu de 86,8% para 90%13.

    11 DIEESE, Trajetrias da juventude nos mercados de trabalho metropolitanos: Mudanas na insero

    entre 1998 e 2007. (So Paulo, p.68, 2008). 12 Idem, p.28.13 Idem, p.31.

    Como observa levantamento da bibliografia sobre juventude e desemprego, realizado por Maria Carla Corrochano, em sua tese de doutoramento, h um consenso de que o desemprego no vivido de uma nica forma pelos jovens. A experincia de viver a situao de desemprego se diferencia a depen-der da classe social, escolaridade e do perfil profissional. uma expe-rincia mais dramtica para os jo-vens com menos recursos econmi-cos, escolares e culturais e menos impactante para os jovens com maiores recursos. Contudo, uma experincia acompanhada pelo sentimento de desvalorizao14.

    Alm do desemprego como aspecto central, podemos sistema-tizar outros elementos para caracterizao do padro de insero ocupacional do jovem no mercado de trabalho brasileiro, como os vnculos, a jornada, o trabalho domstico, a sade do trabalhador e a remunerao15.

    Vnculos de trabalho

    Um dos mecanismos de flexibilizao adotados e que tem assumi-do grande dimenso so as formas atpicas de trabalho. So manei-ras de flexibilizar os contratos de trabalho, estabelecendo relaes disfaradas de emprego. disfarada porque apesar da contratao no ser realizada por um contrato de trabalho regular, mantm a

    14 M. C. Corrochano. O trabalho e a sua ausncia: narrativas de jovens do Programa Bolsa Trabalho no

    municpio de So Paulo, cit.15 Para dados estatsticos dessa caracterizao, utilizo, principalmente, as seguintes fontes: DIEESE,

    Juventude: Diversidades e desafios no mercado de trabalho metropolitano, Estudos e Pesquisas, n 11

    (2005); A ocupao dos jovens nos mercados de trabalho metropolitanos, Estudos e Pesquisas,

    n 24 (2006); T. F. F. Ribeiro, A indecncia do trabalho juvenil no Brasil, cit.; M. Pochmann, Situao do

    jovem no mercado de trabalho no Brasil: um balano dos ltimos 10 anos (So Paulo, mimeo, 2007); M.

    W. Proni & T. F. F. Ribeiro, A insero do jovem no mercado de trabalho brasileiro, cit.; M. C. Corrochano

    et al, Jovens e trabalho no Brasil: desigualdades e desafios para as polticas pblicas, cit.

    So os adolescentes, as mulheres e os(as) negros(as) os mais

    expostos a situao de desemprego no Brasil.

  • Situao da juventude no mercado de trabalho brasileirojuventude e ao sindical 3534

    subordinao nas relaes de emprego, mas com menor proteo so-cial, porque dribla a regulamentao do emprego vigente no pas16.

    Os vnculos de trabalho so os mais precrios para os mais jo-vens. Possuem baixa participao no emprego formal. A ausncia de fiscalizao do trabalho e a facilidade extrema em precarizar o trabalho juvenil produz um quadro no qual praticamente todos os jovens estudantes entre 14 e 15 que trabalham o fazem margem da legislao17. O trabalho, nessa faixa etria, segundo a CLT, deve-ria ser contratado unicamente na condio de aprendiz, o que no ocorre com 90% dos jovens nessa faixa etria que esto ocupados. Entre os jovens ocupados, as mulheres e os(as) negros(as) esto sub-metidos a relaes de trabalho ainda mais precrias, no trabalho autnomo e no servio domstico.

    Quase todo o aumento do emprego de adolescentes (16 e 17 anos) na dcada atual ocorreu na categoria sem carteira de trabalho assi-nada18. O baixo percentual de vnculos formais de trabalho assala-riado de jovens efeito do contexto do mercado de trabalho com regulao pblica altamente flexvel, favorecendo empresrios que procuram ajustar seus custos de produo. Informalidade, nesse mercado de trabalho, significa ampliao da precarizao e da des-proteo social. So trabalhadores/as mais sujeitos/as s instabili-dades do mercado.

    Jornada de trabalho

    Um percentual muito elevado (37,6%) exerce uma jornada de trabalho superior ao estabelecido legalmente (44h semanais) (ver tabela 1). Quando verificamos os dados relacionados aos jovens ado-lescentes, percebemos o ndice alarmante de trabalho acima da

    16 J. D. Krein, Tendncias recentes nas relaes de emprego no Brasil, cit., p.159.17 M. C. Corrochano et al, Jovens e trabalho no Brasil: desigualdades e desafios para as polticas pblicas,

    cit.18 DIEESE, Trajetrias da juventude nos mercados de trabalho metropolitanos: Mudanas na insero

    entre 1998 e 2007, cit., p.84.

    jornada legal. Cerca de 25% dos adolescentes de 14 a 15 anos e 34% dos adolescentes com 16 a 17 anos esto nessa condio.

    No difcil estabelecer relao direta entre as longas jornadas de trabalho e a impossibilidade de estudar. A proporo dos jovens ocupados que somente trabalham (41%) maior que a proporo de jovens que estuda e trabalha (15%); a dificuldade maior nas famlias de baixa renda. O prolongamento da jornada acarreta em custo muito alto para o trabalhador, seja prejudicando sua formao educacional, seja no impacto sobre sua sade.

    Tabela 1 | Caracterstica da jornada semanal de trabalho da populao jovem que s trabalha, por faixa etria. Brasil, 2006 (em %)

    Jornada (em horas)Faixa etria (em anos)

    14-15 16-17 18-21 22-24 25-29 14-29

    At 30 37,5 24,7 14,2 13,4 13,9 14,4

    De 31 a 44 37,2 41,5 47,9 48,5 48,5 48,0

    Superior a 44 25,3 33,9 38,0 38,1 37,6 37,6

    Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

    Mdia 34,0 37,9 41,3 41,5 41,4 41,2

    Fonte: IBGE/PNAD. Elaborao: DIEESE19.

    Obs.: no Total incluem-se os sem declarao de jornada.

    imprescindvel a imposio de um limite mximo para o tempo de trabalho, assim como a necessidade de reduzir gradualmente a prpria jornada20. Essa a agenda que funda o movimento sindical

    19 Retirada de M. C. Corrochano et al, Jovens e trabalho no Brasil: desigualdades e desafios para as

    polticas pblicas, cit.20 S. Sochaczewski, possvel viver sem horas extras? em CUT, Hora extra: o que a CUT tem a dizer

    sobre isto (So Paulo, 2006).

  • Situao da juventude no mercado de trabalho brasileirojuventude e ao sindical 3736

    em nossa histria. a disputa central da relao capital-trabalho21. A jornada de trabalho esse tempo da fora de trabalho que com-prado pelos empresrios alvo histrico da luta de classes. A luta entre trabalhadores e capitalistas sobre quem e como controlar o tempo dedicado ao trabalho.

    Os extraordinrios avanos tecnolgicos no tm sido utiliza-dos para ampliar o tempo livre do trabalho. Os capitalistas mantm seu domnio exclusivo sobre a organizao e a durao desse tem-po. Com isso, ampliam o desemprego e estendem ou intensificam o tempo dedicado ao trabalho.

    O estabelecimento de uma jornada padro, no que diz respeito ao horrio de trabalho, possibilitou a organizao do processo de produo, polticas pblicas (horrio de transporte, creche, escola) e a destinao de parcela do tempo de vida social para convivncia familiar e comunitria. A partir das mudanas estruturais do capita-lismo, esse padro foi alvo de ataques, iniciando-se um perodo de flexibilizao do tempo de trabalho22.

    No o trabalhador que est venda, mas um perodo de tempo da fora de trabalho dele. O trabalho heternomo realizado sob controle de outra pessoa, que se apropria do resultado dele o tipo dominante no sistema capitalista. Autores como David Harvey23 e Richard Sennet24 chegam a concluses semelhantes sobre a invaso do tempo de trabalho sobre o tempo de no-trabalho. No apenas o tempo, conforme Harvey, mas tambm o espao de no-trabalho est cada vez mais confundido com o de trabalho.

    21 A luta do movimento sindical internacional pela reduo do tempo de trabalho travada em vrias

    frentes: reduo da jornada diria, semanal, mensal, semestral e anual; aumento dos dias de descanso,

    frias e feriados; limitao das horas extras; ampliao das licenas por acidente de trabalho, materni-

    dade e paternidade; elevao da idade de ingresso do jovem no mercado de trabalho; antecipao da

    aposentadoria. P. Pelatieri et al, Hora Extra e estratgia sindical, em CUT, Hora extra: o que a CUT tem

    a dizer sobre isto (So Paulo, 2006). 22 J. D. Krein, Tendncias recentes nas relaes de emprego no Brasil, cit., p.212.23 D. Harvey, Condio Ps-moderna. Uma pesquisa sobre as origens da mudana cultural (17 edio,

    So Paulo: ed. Loyola, 2008).24 R. Sennet, A corroso do carter. Consequncias pessoais do trabalho no novo capitalismo (So Paulo:

    Record, 2007).

    Atendendo a presso das entidades patronais em liberalizar a or-ganizao do tempo de trabalho, o Estado brasileiro, sob hegemonia neoliberal, ampliou a flexibilizao a partir dos seguintes itens25:

    Introduo e consolidao de mecanismos que ampliam as possibilidades de compensao das horas (banco de horas e compensao individual);

    Regulamentao do contrato parcial; Liberao do trabalho aos domingos no comrcio varejista; Contrato temporrio; Contrato parcial; e Terceirizao.

    Vivemos um perodo de acirramento das contradies sociais, tpicas do desenvolvimento da sociedade capitalista. Em primeiro lugar, a flexibilizao do tempo de trabalho no significa maior li-berdade para o trabalhador organizar o seu tempo disponvel para o capital.

    A nova economia poltica trai esse desejo pessoal de liberdade. A repulsa rotina burocrtica e a busca da flexibilidade produziram novas estruturas de poder e controle, em vez de criar as condies que nos libertam26.

    Ao conquistar maior poder sobre a organizao do tempo de trabalho, os capitalistas aumentam a disponibilidade do trabalha-dor ao capital. Os limites so estabelecidos cada vez mais privada-mente.

    O perodo atual de elevao da produtividade do trabalho. Mas esse aumento no viabilizou a reduo do tempo destinado ao tra-balho e, consequentemente, de aumento do tempo livre. H uma relao direta entre elevao da fora de trabalho disponvel e a

    25 J. D. Krein, Tendncias recentes nas relaes de emprego no Brasil, cit., captulo 3.26 R. Sennet, A corroso do carter, cit., p.54. O autor ilustra o argumento salientando que ser difcil

    encontrar uma empresa que diga a seus funcionrios: Aqui est a tarefa; faa-a como quiser, contanto

    que seja feita. Idem, p.68.

  • juventude e ao sindical38

    flexibilizao da organizao do tempo de trabalho. No caso da ju-ventude, que sofreu adiantamento de sua insero no mercado de trabalho, o aumento da produtividade veio acompanhado de maior explorao de mo-de-obra juvenil. elevado o tempo de vida des-tinado produo, pois o ingresso no mercado de trabalho ocorre com idades muito baixas27.

    A luta por mais tempo livre uma luta por mais tempo para viver sua prpria vida. No entanto, parcela considervel da classe traba-

    lhadora no dedicaria um possvel aumento do tempo livre para des-cansar, mas para incrementar sua qualificao para o trabalho, uma vez convencidos pelo discurso da empregabilidade. Quando questio-na dos sobre o que fariam com o tem po livre proporcionado por uma possvel reduo legal da jornada

    de trabalho, parcela significativa (30,7%) dos/as trabalhadores/as pesquisados/as pela CUT em 2006 respondeu a opo estudar28. Essa uma tendncia de subordinao do tempo social lgica do tempo econmico. Uma verdadeira invaso sobre a vida social. No uma prerrogativa conjuntural, mas sistmica do desenvolvimento capitalista. Se o tempo fora do horrio de trabalho destinado a sua qualificao profissional, ento podemos considerar que o tempo dedicado ao trabalho muito maior que a jornada contratada.

    (...) os jovens trabalhadores ocupam praticamente todo o seu tempo com o trabalho e a faculdade, de forma que o tempo livre apenas residual, restringindo-se a uma parte do sbado, ao domingo e s frias, quando esses tambm no so dedicados ao estudo. Alm de permanecerem na fbrica em torno de dez horas por dia, dedicam, em mdia, mais

    27 Ver grfico 1, no incio deste captulo.28 CUT, Hora extra: o que a CUT tem a dizer sobre isto, cit. As opes mais citadas foram: ficar com a fa-

    mlia (51,3%), estudar (30,7%), lazer (29,5%), complementar renda em outra atividade (8,8%) e apenas

    3,7% responderam que fariam horas extras na empresa.

    O tempo dedicado ao trabalho deve somar a

    jornada contratada e as horas dedicadas qua-lificao profissional.

  • Situao da juventude no mercado de trabalho brasileirojuventude e ao sindical 4140

    quatro horas dirias ao estudo durante a semana. Se somarmos ainda 1h30min de transporte, isso perfaz 15h30min de tempo ocupado, ou o que denomino de tempo dedicado direta ou indiretamente ao trabalho. Como eles dizem dormir s quatro a cinco horas por noite, isso signifi-ca que teriam apenas trs horas livres para o cuidado com a higiene, a alimentao e tudo o mais que queiram fazer [grifos da autora]29.

    Estudos latino-americanos constatam que as longas jornadas de trabalho, exercidas por jovens, so um fenmeno que atinge o continente. Ademais, um diferencial marcante quando com-paramos com as condies de trabalho dos jovens de pases do capitalismo avanado. A juventude latino-americana est sujeita a jornadas de mais de 2 mil horas anuais. Ocorre de forma di-ferente onde o desemprego juvenil reduzido, como nos Pases Baixos (1.312 horas anuais de trabalho). Em pases que apresen-tam grande percentual de jovens que estudam e trabalham, foram implantados os trabalhos de meia jornada, que j atinge 20% dos empregos da Alemanha30.

    Uma segunda contradio a ser destacada que o aumento da participao feminina no mercado de trabalho no veio acompa-nhado do compartilhamento do trabalho domstico. Para as mulhe-res, o tempo de trabalho produtivo somou-se ao tempo destinado reproduo social. As mulheres jovens executam jornadas de traba-lho semelhantes s dos homens jovens, porm, elas permanecem as responsveis pelo trabalho domstico e pelos cuidados da famlia, ambos no remunerados. Como veremos adiante, o trabalho repro-dutivo no est no rol de tarefas masculinas. Ou seja, as mulheres so trabalhadoras em tempo integral, enquanto os homens possuem jornadas estabelecidas pelo tempo de produo.

    Essa contradio pode ser observada a partir de outra dimenso do conflito imanente explorao capitalista, a tenso existente

    29 A. C. M. Cardoso, Tempos de trabalho, tempos de no trabalho. Disputas em torno da jornada do

    trabalhador (So Paulo, Annablume, 2009).30 Fonte: OCDE, citado em J. Weller, Los jvenes y el empleo en Amrica Latina. Desafos y perspectivas

    ante el nuevo escenario laboral (Bogot: CEPAL, 2006).

    entre dois objetivos contraditrios: a obteno de lucros e o cuida-do da vida humana31. A contradio central, sob esse modo de ver, que o trabalho domstico familiar e de cuidados, est diretamente relacionado com o comprometimento da sustentabilidade da vida humana. Essas atividades, no reconhecidas e no valorizadas,

    Constituem um conjunto de tarefas que tendem a dar apoio no s s pessoas dependentes por motivos de idade ou sade, mas tambm grande maioria dos homens adultos. So tarefas que incluem ser-vios pessoais conectados usualmente com necessidades diversas e absolutamente indispensveis para a estabilidade fsica e emocional dos membros do lar. Elas incluem a alimentao, o afeto e, por vezes, aspectos pouco agradveis, repetitivos e esgotadores, mas absoluta-mente necessrios para o bem estar das pessoas. Implicam atividades complexas de gesto e organizao, necessrias para o funcionamen-to dirio do lar e de seus moradores, realizada dia aps dia nos 365 do ano, no lar e fora dele, no bairro e desde o posto de trabalho assa-lariado, que cria redes familiares e sociais, oferece apoio e segurana pessoal e permite a socializao e o desenvolvimento das pessoas32.

    A reverso da invisibilidade desse trabalho para as anlises eco-nmicas e orientao para polticas pblicas movimenta hoje um setor do feminismo mais crtico e anticapitalista. uma crtica que questiona a extenso da jornada de trabalho das mulheres desde a sobreposio de dois turnos: no mercado e no lar.

    O corte de gastos sociais pblicos teve como contrapartida a transfe-rncia dessas atividades para as mulheres no trabalho comunitrio e domstico. O que desaparece do oramento pblico aparece na intensificao da jornada extensa das mulheres33.

    31 C. Carrasco, A sustentabilidade da vida humana: um assunto de mulheres? em N. Faria e M. Nobre

    (org). A produo do viver (So Paulo: SOF, 2003).32 Idem, p.17.33 Marcha Mundial das Mulheres, Cadernos, n.01 (So Paulo, 2008). p.13.

  • Situao da juventude no mercado de trabalho brasileirojuventude e ao sindical 4342

    No possvel discutir a jornada de trabalho das mulheres sem considerar o impacto central das tarefas domsticas sobre a orga-nizao das suas vidas. o trabalho domstico e de cuidados que reduz consideravelmente as possibilidades de tempo livre para as mulheres. Se aos jovens homens bastante limitada a conciliao entre estudo e trabalho, entre as jovens mulheres o desafio conci-liar estudo, trabalho e afazeres domsticos.

    Trabalho domstico

    As mulheres jovens tm no trabalho domstico remunerado sua principal forma de insero ocupacional. Elas seguem o caminho inverso ao dos homens. Enquanto esse tipo de ocupao representa 0,6% dos jovens homens entre 14 e 29 anos que somente trabalham e no estudam, esse percentual sobe para 16% para as jovens mu-lheres. E, para elas, a informalidade tambm regra: apenas 3,2% possuem carteira assinada.

    Entre o total de jovens que no estudam, no trabalham e no procuram trabalho, h uma grande concentrao de mulheres. Elas esto na posio de cnjuges. So jovens pertencentes a famlias de baixa renda e possuem baixa escolaridade34. Esto condicionadas ao trabalho reprodutivo familiar e de cuidados. Dedicam-se integral-mente ao trabalho domstico no remunerado.

    Anlise do IBGE constata que o incessante crescimento da parti-cipao das mulheres no mercado de trabalho no reduziu o tempo que elas dedicam s tarefas domsticas. Quase todas as mulheres (94%) com idade entre 25 a 49 anos faixa etria em que a popu-lao feminina economicamente ativa maior executam trabalho domstico no remunerado35.

    34 M. C. Corrochano et al, Jovens e trabalho no Brasil: desigualdades e desafios para as polticas pblicas,

    cit.35 BRASIL, Tempo, trabalho e afazeres domsticos: um estudo com base nos dados da PNAD de 2001

    e 2005 (Braslia: IBGE, 2007).

    A condio social das mulheres, na sociedade capitalista, est di-retamente vinculada com a diviso sexual do trabalho, diferencia-da entre a esfera pblica (masculina) e a esfera privada (feminina). Conforme essa compreenso hegemnica, as mulheres devem exer-cer o papel materno como atribuio principal. Assim, so respons-veis pelo cuidado da casa e dos filhos, alm dos doentes e dos idosos da famlia. So educadas, desde crianas, para exercer tal funo.

    Quando verificamos essa responsabilizao do trabalho domstico no remunerado em faixas etrias menores, chegamos a constataes alarmantes. Cerca de metade das crianas e adolescentes (49,4%), par-ticularmente originadas de famlias mais pobres, dedicam boa parte do dia aos afazeres domsticos36. De acordo com a PNAD citada, o percentual de meninas de 10 a 17 anos que realizam afazeres doms-ticos chega a 83%, enquanto que, entre os meninos, o percentual de 47%. A famlia educa as meninas a sentirem-se responsveis pelo tra-balho reprodutivo, ao mesmo tempo em que desresponsabilizam os me-ninos pelas mesmas tarefas.

    Por tratar-se de tarefas no va-lorizadas e naturalizadas como de mulher, o trabalho feminino passa a ser considerado de baixo valor, de maneira geral. As mulheres de baixa renda procuram ocupaes que lhes permitam conciliar as ta-refas domsticas: trabalhos informais, em meio perodo, temporrios. A remunerao ser menor que a dos homens, uma vez que seu tra-balho considerado complementar a renda familiar mesmo que, na realidade, sua remunerao seja a principal fonte de renda familiar.

    Fortalecer o mito da naturalizao do trabalho domstico como feminino e sem valor uma prerrogativa fundamental para aumen-tar a explorao do capital.

    36 CEPAL/OIT/PNUD, Emprego, Desenvolvimento Humano e Trabalho Decente: A Experincia Brasileira

    Recente (Braslia. p.71, 2008).

    O trabalho domstico essencial para a exis-tncia e a reproduo

    das pessoas. o ato de cozinhar, de cuidar da

    roupa, de limpar a casa e de socializao das

    crianas.

  • Situao da juventude no mercado de trabalho brasileirojuventude e ao sindical 4544

    O trabalho domstico cozinhar, cuidar da roupa, limpar a casa e a socializao das crianas essencial para a existncia e reprodu-o das pessoas, para elas poderem descansar e se recompor para irem trabalhar no dia seguinte.

    As tarefas chamadas domsticas so realizadas nas casas pratica-mente s pelas mulheres, como trabalho no-pago, que assim serve para baratear o custo da reproduo da fora de trabalho. Basta ver quanto custa a comida pronta e a lavagem da roupa na lavanderia para se comear a ter ideia desse barateamento37.

    Tal desvalorizao do trabalho determinada socialmente pela relao direta enquanto trabalho de mulher observada em ocupa-es majoritariamente exercidas por mulheres. A jovem professora primria considerada uma extenso da me, como se fosse uma tia, pois ela cuida das crianas, assim como o fazem as mes. No difcil, portanto, entender a razo para que a remunerao das professoras primrias seja menor que a dos professores do ensino mdio ou pro-fissional. uma profisso considerada como continuidade ou exten-so do trabalho de cuidados com a famlia, portanto, de baixo valor.

    Como consequncia da diviso sexual do trabalho, o trabalho do-mstico remunerado uma porta de entrada das jovens ao mercado; o trabalho domstico no remunerado caracterstica que a acom-panha desde criana, no sendo interrompida ou compartilhada ao assumir um trabalho remunerado.

    Sade do trabalhador

    De acordo com o Anurio Estatstico da Previdncia Social 2007, cerca de 40% dos acidentes de trabalho ocorrem com jovens. Houve um crescimento no registro de acidentes do trabalho entre os anos 2006 e 2007. Neste ano, cerca de 40% dos acidentes do trabalho registrados afetaram pessoas com at 29 anos de idade, quando no ano anterior esse percentual foi de 30%.

    37 N. Faria & M. Nobre. O que ser homem? O que ser mulher? Subsdios para uma discusso das

    relaes de gnero, em Gnero e Desigualdade (So Paulo: SOF, 1997).

    Sendo obrigados a aceitar as piores condies de trabalho e dada a ausncia de mecanismos fortes de proteo social, a juventude trabalhadora est cada vez mais sujeita a acidentes e doenas provo-cadas pelo trabalho.

    Grfico 3 | Quantidade de acidentes do trabalho registrados com jovens at 29 anos de idade 2007

    255.787

    397.303

    At 29 anos

    Acima de 29 anos

    FONTE: DATAPREV, CAT em Brasil, Anurio Estatstico da Previdncia Social 2007. Disponvel em

    www.previdenciasocial.gov.br (Elaborao prpria)

    As questes relacionadas sade dos trabalhadores tm relao direta com a gesto do trabalho. O padro de acumulao do capital, em sua verso contempornea, busca eliminar os chamados tempos mortos que so, na realidade, as pausas na organizao do tra-balho. Para tanto, estabelecido um sistema ofensivo de presso e acelerao contnua, elevando as cargas de trabalho fsico e psquico. Esse padro de acumulao do capital inaugura um novo padro de adoecimento dos trabalhadores.

    Alm das patologias clssicas como a Perda Auditiva por Rudo (PAIR), dermatoses, asmas e cnceres ocupacionais, outras conse-quncias para a sade j assumem dimenses epidmicas como as Leses por Esforos Repetitivos / Distrbios Osteomusculares Re-lacionados ao Trabalho (LER-DORT), e outras comeam a ganhar

    Total de Registros: 653.090

  • Situao da juventude no mercado de trabalho brasileirojuventude e ao sindical 4746

    visibilidade como a depresso, o estresse, o burnout, a sndrome do pnico, expressando concomitantemente as mudanas no padro de produo e um novo padro de adoecimento dos trabalhadores38.

    Pesquisa desenvolvida pela CUT com trabalhadores que reali-zam hora extra39 demonstra como as extensas e intensas jornadas agravam seus problemas de sade. As queixas apresentadas pelos trabalhadores entrevistados (dores musculares, depresso, distr-bios do sono e estresse) so relacionadas com os ritmos de trabalho (67,3%), com a presso da chefia (37,6%), excesso de horas trabalha-das (24,5%) e assdio moral (11,6%)40.

    Ocupaes predominantemente juvenis so tambm paradigmas de precarizao. Dois exemplos de ocupaes com predominncia juvenil so tambm casos emblemticos de precarizao e adoeci-mento: operador de telemarketing e motoboy.

    De acordo com a PNAD de 2005, os jovens de 15 a 29 anos re-presentavam 72% dos operadores de telemarketing. Nas posies de atendimento menos qualificadas predominam as mulheres (70%)41. A racionalidade empresarial explica a preferncia pela contratao da fora de trabalho juvenil, prioritariamente oriunda de famlias de baixa renda. mais fcil adequ-la s condies de trabalho e supor-tar as presses para o cumprimento das metas de atendimento42. A presso da chefia, por meio de assdio moral, e a intensidade no ritmo de trabalho conformam uma condio de trabalho que afeta profun-damente a condio de vida dessa juventude trabalhadora:

    Outras particularidades desse trabalho, como o uso excessivo do computador e do telefone e o cumprimento de dupla jornada ou de

    38 C. R. de Lima, Hora extra e sade no contexto da produo enxuta, em CUT, Hora Extra, cit.39 Foram pesquisados os seguintes ramos de atividade: comrcio, metalrgico, qumico, transporte e

    vesturio.40 CUT, Hora extra: o que a CUT tem a dizer sobre isto, cit.41 M. C. Corrochano & E. Nascimento, Jovens, Sindicato e Trabalho no setor de Telemarketing, em

    Juventude e Integrao Sul-Americana: caracterizao de situaes-tipo e organizaes juvenis (IBASE/

    PLIS, disponvel em www.juventudesulamericana.org.br, 2007)42 Idem, p.17.

    horas extras para complementar a renda, so as responsveis pela grande incidncia de doenas psicossomticas (estresse, depresso e sndrome do pnico) e outras relacionadas ao esforo repetitivo (inflamao nos tendes, dores no pescoo e na coluna etc.), desen-cadeando uma alta rotatividade de mo-de-obra no setor43.

    A profisso de motoboy outro caso de ocupao precria com predominncia de jovens com profundas consequncias para a sa-de. Aqui, no se trata apenas de ado-ecimento provocado pelo trabalho, mas tambm de mortes resultante desse tipo de ocupao. Quase 80% dos acidentes com motoboys ocor-rem quando eles esto a caminho do trabalho ou na volta para casa44. Na sada de casa, a corrida contra o tempo impe a pressa devido a presso pelas primeiras entregas. Ao final do dia, reina o cansao sobre as duas rodas.

    um tipo de ocupao cuja jornada de trabalho, segundo afir-mao de um motoboy, depende que quanto voc quer ganhar45. A luta cotidiana trabalhar cada vez mais em cada vez menos tem-po. Alm do elevado risco de acidentes e o estresse provocado pela presso dos contratantes do servio, os relatos dos jovens sobre os problemas demonstram como o corpo agredido fisicamente pelo exerccio da profisso: problemas motores pelo tempo excessivo em que ficam na mesma posio, infeces urinria e renal por ficar muito tempo sem urinar so alguns dos impactos citados46.

    43 Idem, p.18. As autoras chamam a ateno para o fato de 80% dos operadores de telemarketing

    entrevistados por elas terem relatado j ter sofrido algum problema de sade.44 Acidentes com motoboy acontecem a caminho do trabalho ou na volta para a casa. O Globo, 10 de

    outubro de 2008 (disponvel em www.oglobo.com) 45 Relato de um motoboy feito a M. F. L. Carvalho, Vertigem e Angstia no trabalho de motoboys (USP/

    Instituto de Psicologia, mimeo, 2008).46 Idem.

    A busca desenfreada para complementar sa-lrios baixos acaba por colocar vidas em risco e provocar leses nos corpos e transtornos

    nas mentes.

  • Situao da juventude no mercado de trabalho brasileirojuventude e ao sindical 4948

    Com salrios baixos, a busca desenfreada pela complementao da renda faz com que esses jovens coloquem em risco suas vidas e provoquem leses em seus corpos e transtornos em suas mentes. As jornadas tornam-se cada vez mais intensas e, sobretudo, tensas.

    Remunerao

    A remunerao dos/as trabalhadores/as mais jovens predomi-nantemente baixa, sendo que 83,5% percebem no mximo o equiva-lente a dois salrios mnimos, em 2005. Os adolescentes com idade entre 14 e 15 anos vendem sua fora de trabalho por menos de 1 salrio mnimo47.

    Os mais jovens entre os jovens apresentam maiores dificuldades de insero ocupacional e os maiores sinais de precarizao, sendo que cerca de 30% dos ocupados na faixa etria de 16 e 17 anos de-sempenham trabalhos sem rendimento monetrio.

    47 Para detalhes sobre rendimentos dos trabalhos da populao jovem, ver M. C. Corrochano et al, Jo-

    vens e trabalho no Brasil: desigualdades e desafios para as polticas pblicas, cit., Tabela 10. Considera-

    se aqui o salrio mnimo vigente em 2006, qual seja, R$ 350,00.

    O barateamento da fora de trabalho juvenil resultado tambm das mudanas no paradigma da remunerao. Para determinar os salrios, o Estado pode agir de trs formas: fixando diretamente os salrios; influenciando o comportamento do mercado (conduo da poltica econmica, publicao de orientaes indicativas e como em-pregador); ou definindo regras para negociao e evoluo dos sal-rios48.

    Como vimos, a atuao do Estado na regulao e estruturao do mercado de trabalho, nos anos neoliberais, reforou o sentido da fle-xibilizao das regras, fragilizando ainda mais a classe trabalhadora na determinao dos rendimentos.

    A determinao de quanto se paga pelo trabalho de jovens refle-xo dessa mudana de paradigma e soma-se condio originria de sua insero ocupacional. Se a principal motivao da sua entrada no mercado de trabalho a possibilidade de complementar a renda familiar, aceita-se a remunerao que lhe oferecida. Esse/a jo-vem no est em condies de impor negociao nem tem informa-es suficientes para tanto.

    O baixo rendimento explicita o grau de precarizao dos postos de trabalho ocupados por jovens. Em 2007, o Sistema PED (DIEE-SE) demonstrou a desvantagem dos jovens em relao populao ocupada total com mais de 16 anos. O rendimento mdio do total de ocupados era maior no Distrito Federal (R$ 1.595) e menor na grande Recife (R$ 706). Nestas mesmas regies, os jovens de 16 a 24 anos recebiam, em mdia, R$ 650 e R$ 425, respectivamente. Quan-to mais jovem se insere no mercado de trabalho, menor o rendi-mento auferido49.

    Esse quadro demonstra que a maioria dos jovens que trabalha no tem possibilidades de escolha. Ou seja, para eles, a busca por trabalho no se justifica pelas oportunidades de aprendizado, acesso

    48 F. Tuma, Participao dos trabalhadores nos lucros ou resultados das empresas no cenrio de flexibi-

    lizao das relaes de trabalho (Tese de Doutorado, IE/Unicamp, Campinas, 1999).49 Para mais informaes sobre os rendimentos dos jovens das regies metropolitanas de So Paulo,

    Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador e Distrito Federal, ver DIEESE, Trajetrias da juventude nos

    mercados de trabalho metropolitanos: Mudanas na insero entre 1998 e 2007, cit.

    Charge de Luiz Carlos Fernandes publicada no Dirio do Grande ABC.

  • 51

    juventude e ao sindical50

    ao lazer e cultura, e autonomia econmica50. Eles buscam traba-lho sob o imperativo da sobrevivncia e sua baixa remunerao cria obstculos para a emancipao financeira e para o acesso aos bens culturais e educao.

    Origem social e futuro precrio

    Percebemos um ntido recorte a partir da origem de classe dos jovens brasileiros. Em geral, todos enfrentam maiores dificuldades ao entrar no mercado de trabalho. Entrar no mercado no significa garantir uma ocupao; colocar venda sua fora de trabalho por determinado tempo. A maioria dos jovens que se colocam disposi-o no conseguem vender sua fora de trabalho, contribuindo, des-sa forma, com a elevao das taxas de desemprego.

    Entre os que tm origem em famlias pobres, a maioria apenas tra-balha e no estuda, possui ensino fundamental incompleto e recebe rendimentos mdios inferiores a 1 salrio mnimo51. Como conseq-ncia de sua origem social, essa maioria est submetida a um padro de insero ocupacional absolutamente desfavorvel, superdimensio-nando os problemas mais gerais do mercado de trabalho brasileiro.

    Conforme afirmou Gaudncio Frigotto, a insero da juventude brasileira no mercado de trabalho no uma escolha, mas sim uma imposio de sua origem social e do tipo de sociedade que foi cons-truda em nosso pas52.

    50 J. A. Castro & L. Aquino (Org.), Juventude e polticas sociais no Brasil. cit., p.46.51 DIEESE, A ocupao dos jovens nos mercados de trabalho metropolitanos, cit.52 G. Frigotto, Juventude, trabalho e educao no Brasil: perplexidades, desafios e perspectivas, cit.,

    p.181.

    IIA precarizao das relaes de emprego e a juventude trabalhadora brasileira

    O modelo econmico dos anos 1990 imps um padro de inter-veno do Estado que levou ao seu prprio desmonte. Com o argu-mento da competitividade, vimos desaparecer segmentos do setor pblico, a privatizao de tantos outros, e at mesmo a concesso, terceirizao e reformulao dos mesmos1.

    A abertura comercial, a sobrevalorizao do cmbio e a manuten-o das altas taxas de juros somaram-se ao processo de reestrutura-o produtiva defensiva e a reformas liberalizantes, particularmen-te no que diz respeito s relaes de trabalho. O baixo crescimento econmico foi o resultado mais marcante desse modelo.

    As reformas neoliberais implementadas durante aquela dcada es-tavam diretamente relacionadas com a busca pela integrao do Brasil competitividade da economia internacional. Assim, a desregulao comercial e financeira, a reformulao do papel do Estado e a desre-gulao do mercado de trabalho compunham a agenda neoliberal.

    Esse modelo de desenvolvimento absolutamente regressivo des-truiu postos de trabalho, reduziu o poder de compra dos salrios, aumentou a quantidade de empregados sem carteira assinada e de autnomos e criou obstculos profundos para a organizao sin-dical. A reduo do custo do trabalho foi um elemento decisivo do ajuste neoliberal. As mutaes sofridas nas relaes de trabalho e no papel do Estado no perodo de hegemonia neoliberal no Brasil

    1 M. Pochmann, A dcada dos mitos, cit.

  • A precarizao das relaes de emprego e a juventude trabalhadora brasileirajuventude e ao sindical 5352

    produziram efeitos devastadores sobre o padro da insero ocu-pacional da juventude brasileira, consolidando-a como segmento extremamente vulnervel.

    A diminuio da renda dos salrios e o aumento do desemprego, ao rebaixarem as condies de vida das famlias, foraram adoles-centes e jovens a buscar trabalho como forma de sobrevivncia cole-tiva. Eleva-se substancialmente o excedente de mo-de-obra, acentu-

    ando a concorrncia em condies ainda mais desfavorveis. Trata-se de uma fora de trabalho mais des-qualificada e com menor experin-cia. Em um mercado de trabalho altamente flexibilizado, o segmen-to mais frgil torna-se a principal vtima dos mecanismos de precari-zao: alvo certo da rotatitividade no emprego e da informalidade. O impacto central da precarizao a ausncia de proteo social.

    So os jovens oriundos de famlias de baixa renda os principais afetados pelo fenmeno do desassalariamento. Eles sofrem, portan-to, maior excluso dos benefcios da legislao social e trabalhista2.

    Esse captulo est dividido em trs sees, alm desta introduo. Na primeira seo, relaciono o processo de precarizao das rela-es de emprego s iniciativas neoliberais para aumentar as taxas de lucro. Na segunda seo, discuto como a ofensiva ideolgica buscou responsabilizar os indivduos por sua condio de desempregados. A educao de jovens foi redimensionada por essa orientao do-minante. Na ltima seo, enfatizo o exemplo da utilizao do est-gio como forma de precarizao do trabalho de jovens. Aponto as limitaes da atual legislao e, tambm, as possibilidades de ao sindical em torno do tema.

    2 M. Pochmann, Educao, trabalho e juventude: o dilema brasileiro e a experincia da prefeitura de

    So Paulo, em E. Abdala et al (Coord.), La inclusin laboral de los jvenes: entre la desesperanza y la

    construccin colectiva (Montevideo: Cinterfor/OIT, 2005).

    A diminuio dos sa-lrios e o aumento do desemprego nos 1990 rebaixaram as condi-es de vida das fa-

    mlias. Adolescentes e jovens precisaram tra-balhar para sobreviver

    coletivamente.

    Sentido da flexibilizao das relaes de trabalho

    A precarizao das relaes de trabalho atende s necessidades do mercado, que procura ajustar os custos com a mo-de-obra, au-mentando, dessa forma, suas taxas de lucro. A maior precarizao, que vivenciamos desde a dcada passada, resultado de um amplo processo de flexibilizao das relaes sociais de trabalho.

    Estudo de Jos Dari Krein concluiu que o processo de flexibiliza-o da gesto da fora de trabalho abrange, no caso brasileiro, qua-tro dimenses: da remunerao, do tipo de vnculo, da jornada de trabalho e do papel das instituies pblicas3. Para o autor, o sentido dessa flexibilizao deve ser entendido como parte das mudanas em curso na ordem capitalista mundial. Deve, portanto, atender dupla necessidade dos empresrios: garantir liberdade para definir as condies de uso, de contratao e de remunerao do trabalho, e permitir que o volume e o preo da fora de trabalho sejam ajusta-dos, de forma a reduzir o seu custo.

    De acordo com o autor, as maneiras de efetivar esse processo foram, basicamente, a eliminao, diminuio ou afrouxamento da proteo trabalhista e social e a criao de novas legislaes que adaptaram os direitos trabalhistas s necessidades empresariais.

    Como consequncias centrais, alm dos impactos sobre a socia-bilidade4, houve uma redefinio no papel do Estado e profundas alteraes sobre o perfil da classe trabalhadora, gerando impactos profundos na organizao sindical.

    A lgica da flexibilizao, no contexto da globalizao neoliberal, coloca em questionamento o Estado e os sindicatos, instituies his-toricamente de referncia para a mediao que viabiliza a regulao social do trabalho5.

    3 J. D. Krein, Tendncias recentes nas relaes de emprego no Brasil, cit.4 Discutiremos os impactos desse ajuste sobre a sociabilidade no captulo 4, quando trataremos das

    limitaes para a sindicalizao de jovens.5 J. D. Krein, Tendncias recentes nas relaes de emprego no Brasil, cit., p.9.

  • A precarizao das relaes de emprego e a juventude trabalhadora brasileirajuventude e ao sindical 5554

    Para eliminar o bloqueio ao avano da flexibilizao, o alvo passa a ser a regulao pblica do trabalho. Para aumentar a liberdade do empresrio sobre o uso da fora de trabalho, foi necessrio diminuir o alcance das instituies que regulam esse poder do capital, funda-mentalmente, o Estado e os sindicatos. A regulao pblica, ao criar limites explorao do trabalho, fortalece a concepo segundo a qual este no pode ser tratado como uma mercadoria idntica s demais.

    Analisando a generalizao da legislao fabril na Inglaterra no sculo XIX, Marx relatou o quanto as organizaes dos trabalhado-res foram imprescindveis para impulsionar a interveno do Es-tado, de forma a regular o uso do trabalho de crianas nas grandes indstrias, bem como em relao s jornadas de trabalho dos ope-rrios daquele pas6. As consequncias sociais negativas oriundas da explorao sem limites e a presso operria por maior proteo social, chamaram a ateno de Marx para a

    necessidade, imposta ao Parlamento das classes dominantes, de ado-tar em princpio regulamentao to extraordinria e ampla contra os excessos da explorao capitalista7.

    A interveno do Estado na regulao da explorao da fora de trabalho o reconhecimento da assimetria nas relaes de poder no interior da indstria. Para Magda Biavaschi, esse o sentido do nas-cimento do Direito do Trabalho, surgido num contexto de intensa luta de classes. Seus princpios emergem como reao ao processo de acumulao capitalista8.

    Quando se compreende o Direito do Trabalho como um estatuto nascido, basicamente, das presses exercidas diante do Estado, in-troduzindo mecanismos extra mercado de compensao das desi-

    6 Karl Marx, O Capital: crtica da economia poltica (So Paulo: Nova Cultural, 1988).7 Idem, p.92. Marx refere-se a Factory Acts Extension Act, de 1867.8 M. B. Biavaschi, O Direito do Trabalho e Prescrio: fundamentos. (Campinas: CESIT/IE/Unicamp, mi-

    meo, 2007).

    gualdades criadas pelo processo de acumulao capitalista, perce-be-se que o princpio que o cimenta o da proteo, do qual so expresses todos os demais9.

    A proteo o princpio fundante do Direito do Trabalho. Ele parte do pressuposto que a sociedade desigual, sendo necessrio o princpio da proteo dos mais frgeis na relao entre o capital e o trabalho. Da, a regulao pblica para viabilizar a proteo da parte frgil dessa relao: os/as trabalhadores/as. A fora de tra-balho no pode ser considerada uma mercadoria como as demais. O direito do trabalho nasce como questionamento da ordem social liberal, hegemnica no sculo XIX. A tese central defendida por Krein que o processo de flexibilizao que avanou sob o contexto da he-gemonia da globalizao neolibe-ral no final do sculo XX tende a fortalecer a lgica segundo a qual a fora de trabalho uma mercado-ria como outra qualquer. Para tanto, foi reduzida a proteo sobre o trabalho para aprofundar a sua mercantilizao.

    Dois aspectos centrais na caracterizao da flexibilidade do mer-cado de trabalho brasileiro so a informalidade e a rotatividade, am-bos com ndices elevados.

    Como vimos, a maioria dos jovens est em ocupaes informais, portanto, submetida a padres de contratao e remunerao que esto margem da legislao do tra