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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS ESCOLA SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AMBIENTAL KELY SILVA DE ARAÚJO O DIREITO À SAÚDE PSÍQUICA DO TRABALHADOR NO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO Trabalho apresentado ao Programa de Pós- Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas, como requisito para obtenção do grau de Mestre em Direito Ambiental. Orientador: Prof. Dr. Sandro Nahmias Melo MANAUS 2008

kely silva de araújo

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  • UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS ESCOLA SUPERIOR DE CINCIAS SOCIAIS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DIREITO AMBIENTAL

    KELY SILVA DE ARAJO

    O DIREITO SADE PSQUICA DO TRABALHADOR NO MEIO

    AMBIENTE DO TRABALHO

    Trabalho apresentado ao Programa de Ps-Graduao em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas, como requisito para obteno do grau de Mestre em Direito Ambiental.

    Orientador: Prof. Dr. Sandro Nahmias Melo

    MANAUS 2008

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    KELY SILVA DE ARAJO

    O DIREITO SADE PSQUICA DO TRABALHADOR NO MEIO

    AMBIENTE DO TRABALHO

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas, como requisito para obteno do ttulo de Mestre em Direito Ambiental.

    Orientador: Prof. Dr. Sandro Nahmias Melo

    MANAUS 2008

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    TERMO DE APROVAO

    KELY SILVA DE ARAJO

    O DIREITO SADE PSQUICA DO TRABALHADOR NO MEIO

    AMBIENTE DO TRABALHO

    Dissertao aprovada pelo Programa de Ps-Graduao em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas, pela Comisso Julgadora abaixo identificada.

    Manaus, 31 de outubro de 2008.

    Presidente: Prof. Dr. Sandro Nahmias Melo Universidade do Estado do Amazonas

    Membro: Prof. Dr. Edson Ricardo Saleme Universidade do Estado do Amazonas

    Membro: Prof. Dr. Aldemiro Rezende Dantas Jnior Centro Universitrio de Ensino Superior do Amazonas

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    DEDICATRIA

    Dedico este trabalho primeiramente a

    Deus, pois sem Ele nada seria possvel.

    Aos meus pais, Raimundo e Tereza, pela

    confiana, ajuda e compreenso em todos

    os momentos de minha vida.

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    AGRADECIMENTOS

    A todos os professores do Programa de Ps-Graduao em Direito Ambiental da

    Universidade do Estado do Amazonas, especialmente ao Prof. Dr. Sandro Nahmias Melo pela

    indispensvel ajuda no desenvolvimento desta dissertao.

    Secretria Acadmica do Programa, Clarissa Caminha, e ao Secretrio

    Acadmico Adjunto, Carlos Francisnalber, pelo apoio e pela amizade.

    E a todos que, direta ou indiretamente, contriburam para a concluso deste

    trabalho.

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    RESUMO

    H muito se discute sobre a influncia do trabalho na qualidade de vida do trabalhador. Contudo, somente a partir da Revoluo Industrial que a sade mental vem sendo considerada importante para que se possa alcanar um meio ambiente de trabalho hgido. A preocupao maior sempre foi com a sade fsica, ou seja, o acidente do trabalho tpico e as doenas ocupacionais. Pouco se falava em agresses psquicas como o assdio moral, o estresse e a depresso, contudo elas sempre existiram. O estudo do tema se mostra de grande valia uma vez que o meio ambiente do trabalho saudvel um direito fundamental, pois, ligado, por seu contedo, ao direito vida. E, como direito fundamental que , deve ser assegurado por meio das garantias constitucionais dentre as quais se destaca a ao civil pblica. O assdio moral no meio ambiente do trabalho configura-se como sendo toda e qualquer conduta abusiva que atente contra a dignidade ou a integridade psquica ou fsica de uma pessoa, ameaando seu emprego ou degradando o clima de trabalho. O assdio pode ser de forma vertical (chefe-empregado) ou de forma horizontal (entre trabalhadores). O assdio moral no trabalho uma das causas do estresse, e o estresse crnico gera a depresso. Com objetivo geral de analisar os meios de proteo jurdica sade psquica do trabalhador, realizou-se uma pesquisa exploratria, descritiva e explicativa. Quanto aos meios a pesquisa foi bibliogrfica e documental. A ao civil pblica, como garantia fundamental que , configura-se como o meio capaz de garantir o equilbrio no meio ambiente do trabalho. Ou seja, tal ao o meio adequado para assegurar condies mnimas de trabalho de forma que ele seja realizado sem gerar danos sade fsica e psquica do trabalhador.

    Palavras-chave: Meio ambiente. Meio ambiente do trabalho. Sade psquica do trabalhador. Assdio moral. Estresse. Depresso. Ao civil pblica.

  • 7

    ABSTRACT

    There is much discussion about the influence of work on quality of life of the worker. However, only since the Industrial Revolution is that the mental health has been considered important so that we can achieve a healthy work environment. The major concern was always with the physical health, or accident of the typical work and occupational diseases. Little is talked about as psychic attacks bullying, stress and depression, but they have always existed. The study of the subject is shown of great value because of the healthy working environment is a fundamental right, therefore, bound by its content, the right to life. And, as a fundamental right which is to be secured by constitutional guarantees among which is the public civil action. The bullying in the work environment has become as of any improper conduct tht infringes upon the dignity or psychological or physical integrity of a person, threatening their jobs or degrading the environment of work. Harassment can be in vertical (head-employed) or a horizontal (among workers). The bullying at work is one of the causes of stress and chronic stress leads to depression. The general aim of examining the legal means to protect the mental health of the employee, held an exploratory research, descriptive and explanatory. As was the means to search bibliographic and documentary. The public civil action, as security is fundamental, configures itself as the means capable of ensuring a balance in the environment of work. Ie, this action is the appropriate means to ensure minimum conditions of employment so that it is done without causing damage to physical and psychological health of the worker.

    Key words: Environment. Environment of the work. Mental health of the worker. Bullying. Stress. Depression. Public civil action.

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    SUMRIO

    1 INTRODUO........................................................................................................................10

    2 DO DIREITO AMBIENTAL .................................................................................................14

    2.1 OBJETO E FINALIDADE DO DIREITO AMBIENTAL ...................................................14

    2.2 RELAO DO DIREITO AMBIENTAL COM OUTROS RAMOS DA CINCIA..........16

    2.3 VISO ANTROPOCNTRICA E ECOCNTRICA...........................................................19

    2.4 O MEIO AMBIENTE: CONCEITO E ASPECTOS.............................................................24

    2.4.1 Natureza jurdica e tutela jurdica do meio ambiente ...................................................27

    2.4.2 Meio ambiente como direito fundamental.......................................................................31

    2.5 MEIO AMBIENTE DO TRABALHO: CONCEITO E NATUREZA JURDICA ..............34

    2.5.1 Tutela constitucional e infraconstitucional do meio ambiente do trabalho .................38

    2.5.2 O que meio ambiente do trabalho equilibrado? ..........................................................40

    2.5.3 O princpio do direito sadia qualidade de vida............................................................41

    3 DO DIREITO SADE NO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO................................43

    3.1 EVOLUO DO DIREITO SADE DO TRABALHADOR ..........................................43

    3.2 SADE DO TRABALHADOR NO BRASIL .......................................................................46

    3.3 SADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL......................................................................50

    3.4 TUTELA CONSTITUCIONAL DO DIREITO SADE ...................................................55

    3.5 TUTELA INFRACONSTITUCIONAL DO DIREITO SADE.......................................57

    4 AGRESSES SADE PSQUICA DO TRABALHADOR.............................................59

    4.1 SADE PSQUICA DO TRABALHADOR..........................................................................59

    4.2 ASSDIO MORAL NO TRABALHO: HISTRICO E DEFINIO .................................62

    4.2.1 Caractersticas....................................................................................................................68

    4.2.2 Conseqncias do assdio moral no trabalho..................................................................69

    4.2.3 Classificao .......................................................................................................................72

    4.2.4 Legislao Brasileira sobre assdio moral.......................................................................75

    4.3 ESTRESSE: CONCEITO E ABRANGNCIA .....................................................................78

    4.3.1 Agentes causadores do estresse.........................................................................................80

    4.3.2 Conseqncias do estresse.................................................................................................82

  • 9

    4.3.3 Sndrome de Burnout.........................................................................................................83

    4.4 A DEPRESSO: CONCEITO E CLASSIFICAO............................................................86

    4.4.1 Sintomas..............................................................................................................................88

    4.4.2 Tratamento .........................................................................................................................91

    4.4.3 A depresso no meio ambiente do trabalho.....................................................................93

    4.4.4 A depresso como doena do trabalho.............................................................................95

    5 PROTEO JURDICA SADE MENTAL DO TRABALHADOR............................97

    5.1 CONSIDERAES INTRODUTRIAS..............................................................................97

    5.2 A AO CIVIL PBLICA NA DEFESA DO DIREITO SADE PSQUICA DO

    TRABALHADOR ........................................................................................................................99

    5.3 LEGITIMAO ATIVA .......................................................................................................106

    5.4 LEGITIMAO PASSIVA ...................................................................................................111

    5.5 COMPETNCIA DE JURISDIO .....................................................................................111

    5.6 COMPETNCIA FUNCIONAL............................................................................................115

    6 CONCLUSO..........................................................................................................................119

    REFERNCIAS..........................................................................................................................125

  • 10

    1 INTRODUO

    O direito resulta da atividade do ser humano e somente ele pode exigir a aplicao

    de norma jurdica. Qualquer outro ser no humano no possui capacidade de fazer tal

    exigncia. Assim, se ocorre um dano ao meio ambiente, como a poluio de rios e igaraps,

    somente o ser humano pode exigir a sua reparao. Sendo, portanto, de interesse dele

    preservar o meio ambiente, uma vez que este interfere na sua qualidade de vida.

    O direito ambiental surgiu com a finalidade de criar normas jurdicas para

    proteo do meio ambiente (nele inserido o meio ambiente do trabalho).

    A Constituio Federal de 1988, em seu artigo 225, caput, prev a tutela mediata

    do meio ambiente: todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de

    uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e

    coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para as presentes e futuras geraes .

    O aludido dispositivo constitucional, em seu pargrafo 1., traz a tutela imediata

    do direito ambiental, qual seja, a proteo ao meio ambiente.

    Doutro giro, o direito ambiental, para estabelecer parmetros tcnicos a serem

    aplicados na proteo ao meio ambiente, bem como bases doutrinrias para seus princpios, se

    vale da interdisciplinaridade. Assim, muito embora o direito ambiental seja autnomo, ele no

    independente, necessitando do conhecimento de outras cincias jurdicas e, tambm, no

    jurdicas. Ou seja, h necessidade de se articular diversas disciplinas, sendo fundamental para

    a compreenso dos problemas ambientais e, conseqentemente, para a formulao de suas

    solues. Tudo isso visando a sadia qualidade de vida dos seres humanos.

    Se o direito ambiental visa proteger o meio ambiente, necessrio definir se tal

    proteo feita tendo em vista o ser humano ou os elementos no humanos.

    Segundo a viso antropocntrica

    que ser adotada neste trabalho em razo de se

    mostrar mais adequada quando se trata de meio ambiente, notadamente meio ambiente do

    trabalho, o que ser visto no item 1.3 , o ser humano o destinatrio do direito ambiental,

    pois este voltado para a satisfao das suas necessidades. O direito um fenmeno humano

    e imputvel apenas aos seres humanos e no aos seres no vivos. Isso no quer dizer que o

    direito protege somente o ser humano, mas, to-somente, que a sadia qualidade de vida dos

    seres humanos o objetivo final do direito ambiental. O direito ambiental, portanto, protege o

    meio ambiente em funo da sadia qualidade de vida dos seres humanos. para o ser

    humano, para as presentes e futuras geraes.

  • 11

    Aps as citadas consideraes, indispensvel fazer uma abordagem do conceito de

    meio ambiente. Isso porque o tema desta dissertao o direito sade psquica do

    trabalhador no meio ambiente do trabalho. E, como ser visto, o meio ambiente do trabalho

    apenas um aspecto do meio ambiente, que uno e indivisvel.

    O meio ambiente est previsto no artigo 3.o, inciso I, da Lei da Poltica Nacional

    do Meio Ambiente como o conjunto de condies, leis, influncias e interaes de ordem

    fsica, qumica e biolgica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas .

    A classificao do meio ambiente em aspectos, feita pela doutrina, tem por fim

    facilitar a identificao da atividade degradante e do bem imediatamente agredido. O meio

    ambiente do trabalho, como um desses aspectos, est previsto no artigo 200, VIII da

    Constituio Federal de 1988.

    Assim que se pode afirmar que o direito tambm se debrua sobre o meio

    ambiente do trabalho, buscando solucionar os conflitos humanos ali surgidos.

    O meio ambiente do trabalho integrado pelo conjunto de bens, instrumentos e

    meios, de natureza material e imaterial, em face dos quais o ser humano exerce as atividades

    laborais, no ficando restrito ao espao interno da empresa, estendendo-se, por vezes, ao

    prprio local de moradia do trabalhador.

    Por outro lado, sade e meio ambiente do trabalho encontram ntima ligao, pois

    a Constituio Federal de 1988, em seu art. 196, dispe que a sade direito de todos. Ora, se

    direito de todos, tambm dos trabalhadores, sendo de suma importncia, pois no meio

    ambiente de trabalho que o homem passa a maior parte do seu tempo e de onde tira seu

    sustento e de sua famlia, sendo necessrio para o seu crescimento como indivduo e para o

    desenvolvimento da sociedade.

    vista de tais consideraes, afirma-se que o trabalho deve ser realizado em boas

    condies a fim de no afetar a sade fsica e psquica dos trabalhadores.

    A sade uma das interfaces do meio ambiente do trabalho, devendo ser

    protegida das diversas agresses (fsicas e psquicas).

    Deve haver, em qualquer hiptese, no meio ambiente do trabalho, condies

    mnimas para sua realizao a fim de possibilitar um bem-estar fsico e mental, evitando-se

    danos sade do trabalhador. E esta a proposta deste trabalho ao tratar do direito sade

    psquica do trabalhador no seu ambiente laboral.

    Esse direito ao meio ambiente do trabalho saudvel, essencial sadia qualidade de

    vida do trabalhador, um direito materialmente fundamental, pois sem ele a pessoa humana

  • 12

    no se realiza, no convive e no sobrevive. Ou seja, garantir a sade e a integridade fsica e

    psquica do trabalhador garantir-lhe o direito vida, e uma vida com qualidade.

    A sade do trabalhador deve ser entendida como um completo bem-estar tanto

    fsico, quanto psquico, no sendo apenas a a ausncia de doena.

    Estar saudvel no meio ambiente do trabalho a juno do bem-estar fsico com o

    mental. Ambos so indissociveis, sendo imprescindvel que todo indivduo exera seu

    trabalho em um meio ambiente saudvel.

    Como o tema deste estudo o direito sade psquica do trabalhador no meio

    ambiente do trabalho, sero abordados pontos como o assdio moral, o estresse e a depresso,

    e esta como doena do trabalho.

    A relevncia desta dissertao dar-se- em razo de se poder fazer uma anlise das

    aludidas agresses psquicas, identificando suas causas e conseqncias, trazendo possveis

    formas de soluo e medidas preventivas, contribuindo, conseqentemente, com a evoluo

    das pesquisas sobre o tema.

    Imperioso, inicialmente, conceituar o meio ambiente e o meio ambiente do

    trabalho, bem como a sade e a sade psquica do trabalhador para, aps, abordar algumas

    agresses sade psquica do trabalhador no meio ambiente do trabalho e seus instrumentos

    jurdicos de defesa.

    A questo que interessa a este estudo a seguinte: quais os meios de proteo

    jurdica sade psquica do trabalhador?

    O propsito do primeiro captulo ser o de levantar o significado de meio

    ambiente e meio ambiente do trabalho, abordando a interdisciplinaridade do direito ambiental

    e a viso antropocntrica do mesmo, bem como o meio ambiente do trabalho saudvel como

    direito fundamental.

    O segundo captulo tem por objetivo apresentar o conceito de sade,

    especificamente a sade psquica do trabalhador, abordando o direito sade como direito

    fundamental.

    No terceiro captulo ser feita uma anlise de algumas agresses sade psquica

    do trabalhador no meio ambiente do trabalho, tais como, o assdio moral, o estresse e a

    depresso.

    No quarto e ltimo captulo sero analisados os instrumentos jurdicos de defesa

    do direito sade psquica do trabalhador, dando-se nfase ao civil pblica.

    Quanto aos fins a pesquisa ser exploratria, descritiva e explicativa. Exploratria,

    pois, inicialmente, ir levantar o objeto e a finalidade do direito ambiental, a sua relao com

  • 13

    outros ramos da cincia, bem como conceitos de meio ambiente e meio ambiente do trabalho,

    explorando questes como as vises antropocntrica e ecocntrica. Descritiva, pois ir

    apresentar o conceito de sade, abordando a sade como direito fundamental e o direito

    sade do trabalhador no Brasil. Explicativa, pois analisar algumas agresses sade psquica

    do trabalhador, tais como, o assdio moral, o estresse e a depresso, bem como a ao civil

    pblica como meio de proteo ao meio ambiente do trabalho equilibrado.

    Quanto aos meios, a pesquisa ser bibliogrfica e documental. Bibliogrfica

    porque para a fundamentao terico-metodolgica deste trabalho haver a utilizao de

    livros, artigos publicados, jornais entre outros. Ser tambm documental, porque se valer de

    documentos internos de alguns rgos que digam respeito ao objeto de estudo.

  • 14

    2 DO DIREITO AMBIENTAL

    2.1 Objeto e finalidade do direito ambiental

    Segundo autores como Miguel Reale1, Milar e Jos Coimbra2 o direito , em

    sntese, lei e ordem. Ele essencial vida em sociedade ao definir direitos e obrigaes entre

    as pessoas e ao resolver os conflitos de interesse. oriundo da necessidade da sociedade em

    manter-se organizada. o conjunto de regras obrigatrias que garante a convivncia social

    graas ao estabelecimento de limites ao de cada um de seus membros. Para Miguel Reale,

    o Direito corresponde exigncia essencial e indeclinvel de uma convivncia ordenada,

    pois nenhuma sociedade poderia subsistir sem um mnimo de ordem, de direo e

    solidariedade .3

    Para dis Milar e Jos de vila Aguiar Coimbra:

    O Direito uma cincia reconhecida como tal, com objeto e mtodos que lhe so prprios, particularmente no que diz respeito investigao e formulao da doutrina. O sujeito/objeto a sociedade (humana, naturalmente). O objetivo o ordenamento dessa mesma sociedade, no in abstracto apenas, mas ainda in re, no cotidiano concreto. Contudo, a sociedade humana no pode ser concebida simplesmente como ser de razo (ens rationis), porm aquela inserida na vida planetria, com todas as vicissitudes que ela mesma cria e s quais est ela prpria sujeita, porquanto as aes do Homem recaem sobre ele mesmo.4

    O direito ambiental, portanto, considerado como o complexo de princpios e

    normas coercitivas reguladoras das atividades humanas que, direta ou indiretamente, possam

    afetar a sanidade do ambiente em sua dimenso global, visando sustentabilidade para as

    presentes e futuras geraes .5 Ele fruto de um longo conflito histrico entre valores

    econmicos e ecolgicos,6 pois o homem tem se utilizado do meio ambiente de forma abusiva

    objetivando, principalmente, aumentar suas riquezas. Ou seja, o progresso humano tem sido

    construdo mediante a explorao crescente e inapropriada dos recursos naturais.

    1 Lies Preliminares de Direito. 2007, p.2. 2 MILAR, dis; COIMBRA, Jos de vila Aguiar. Antropocentrismo x Ecocentrismo na Cincia Jurdica. In: Revista de Direito Ambiental. 2004, passim. 3 op.cit. mesma pgina. 4 Ibidem, p. 40. 5 Cf. MILAR, dis. Direito do ambiente: doutrina jurisprudncia glossrio. 2007, p. 759. 6 Cf. PHILIPPI, JR, Arlindo; RODRIGUES, Jos Eduardo Ramos. Uma introduo ao Direito Ambiental: conceitos e princpios. In: Curso interdisciplinar de direito ambiental, 2005. p. 3.

  • 15

    Intolervel, portanto, que as atividades econmicas desenvolvam-se alheias ao

    fato de que os recursos naturais so inesgotveis. Assim, necessrio haver uma coexistncia

    harmnica entre economia e meio ambiente, ou seja, um desenvolvimento sustentvel.

    O desenvolvimento sustentvel consiste em permitir a utilizao dos recursos

    naturais de forma planejada a fim de evitar que tais recursos desapaream. Deve-se, portanto,

    garantir uma relao satisfatria entre os homens, bem como entre estes e o meio ambiente,

    assegurando s futuras geraes tambm o direito de desfrutar dos mesmos recursos que

    existem hoje disposio da sociedade.

    Degradar o meio ambiente implica, tambm, na diminuio da capacidade

    econmica do Pas, impossibilitando as presentes e futuras geraes de desfrutarem de uma

    vida com qualidade. Assim, deve haver um equilbrio entre desenvolvimento social,

    crescimento econmico e utilizao dos recursos naturais.

    O direito ambiental tem por finalidade criar normas de proteo ao meio ambiente

    a fim de mant-lo sadio e equilibrado, bem como promover o desenvolvimento sustentvel, ou

    seja, a utilizao dos recursos naturais para atingir o crescimento social sem que tal prtica

    importe em danos permanentes e irreversveis para a natureza, pois tais danos impedem o

    progresso humano e at mesmo a sobrevivncia do homem. Com isso, assegurar o direito

    vida sob todas as formas, inclusive para aqueles que ainda no nasceram.

    O direito ambiental pretende proteger o meio ambiente para que o ser humano

    possa nele viver, pois dele depende. Ele atua no seguinte contexto: impondo regras de

    proteo ao meio ambiente, reformulando conceitos, institutos e princpios, visando sempre

    sadia qualidade de vida.

    Michel Prieur bem acentua aludida questo:

    O Direito do Ambiente, constitudo por um conjunto de regras jurdicas relativas proteo da natureza e luta contra as poluies. Ele se define, portanto, em primeiro lugar pelo seu objeto. Mas um Direito tendo uma finalidade, um objetivo: nosso ambiente est ameaado, o Direito deve poder vir em seu socorro, imaginando sistemas de preveno ou de reparao adaptados a uma melhor defesa contra as agresses da sociedade moderna. Ento o Direito do Ambiente, mais do que a descrio do Direito existente, um Direito portador de uma mensagem, um Direito do futuro e da antecipao, graas ao qual o homem e a natureza encontraro um relacionamento harmonioso e equilibrado.7

    Milar, ao considerar o direito ambiental um conjunto de princpios e normas

    coercitivas, assevera que:

    7 PRIEUR, Michel. apud MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 2007, p. 151.

  • 16

    Esses princpios e normas buscam facilitar um relacionamento harmonioso e equilibrado do homem com a natureza, regulando, como se disse, toda atividade que, direta ou indiretamente, possa afetar a sanidade do ambiente em sua dimenso de maior abrangncia (ambiente natural e ambiente criado). evidente que a consecuo desse desiderato, a par de suas normas de carter essencialmente preventivo, deva contar tambm com regras de cunho sancionador, aplicveis contra qualquer leso ou ameaa a direito. Por derradeiro, a misso do Direito ambiental conservar a vitalidade, a diversidade e a capacidade de suporte do planeta Terra, para usufruto das presentes e futuras geraes.8

    Ora, o direito ambiental tem por fim criar normas de proteo ao meio ambiente.

    Como ser visto no item 1.4, infra, o meio ambiente possui quatro principais aspectos sendo

    um deles o meio ambiente do trabalho, objeto de estudo da presente dissertao. Assim, o

    meio ambiente do trabalho tutelado pelo direito ambiental do trabalho que, no dizer de Jlio

    Csar de S da Rocha:

    O Direito Ambiental do Trabalho compreendido como sistema normativo que tutela o meio ambiente do trabalho (de forma imediata) e a sade dos trabalhadores (de forma indireta), e como disciplina jurdica in statu nascendique descreve e compreende essa proteo normativa, tendo em vista o trabalhador em seu entorno do trabalho. Convm registrar que essa disciplina se prope estabelecer anlise sobre a proteo jurdica ao meio ambiente do trabalho, absorvendo, principalmente, elementos do Direito do Trabalho (proteo incolumidade do trabalhador) e do Direito Ambiental (proteo ao meio ambiente), sem descurar das influncias de outras disciplinas, como o recente Direito da Sade.9

    2.2 Relao do direito ambiental com outros ramos da cincia

    O direito ambiental, enquanto cincia que tem por finalidade a criao de normas

    que visam assegurar a sade e o equilbrio do meio ambiente para as presentes e futuras

    geraes, um direito de interaes que se encontra disperso nos demais ramos da cincia,

    sendo a interdisciplinaridade uma das suas principais caractersticas.

    Essa interdisciplinaridade se distingue da multidisciplinaridade. A primeira um

    processo de integrao recproca entre vrias disciplinas e campos de conhecimento. A

    segunda significa que cada especialista possui sua competncia que se soma a outros, sem

    interpenetrao.

    8 MILAR, dis. Direito do ambiente: doutrina jurisprudncia glossrio. 2007, p. 760. 9 Direito ambiental do trabalho. 2002, p. 276.

  • 17

    Arlindo Philippi Jnior e Jos Eduardo Ramos Rodrigues, quando abordam o

    alcance da interdisciplinaridade, afirmam que:

    Trata-se de um enfrentamento que demanda o concurso do conhecimento de diversas disciplinas no isoladamente, mas articuladas, e que para isso exige o envolvimento de profissionais capacitados e abertos ao dilogo de saberes, formados em novas bases, em novos paradigmas, que colocam a interdisciplinaridade como fundamental para identificao, entendimento e compreenso dos problemas ambientais e seus rebatimentos econmicos e sociais, e, conseqentemente, para a formulao, definio e implementao de suas solues.10

    dis Milar e Jos de vila Aguiar Coimbra assim se posicionam:

    Desde que apareceu com esta denominao, o Direito Ambiental, j no incio dos anos 60, carrega a questo central de suas relaes com outras cincias. Sua definio funcional: a proteo do meio ambiente. Sob o ponto de vista material, ele tem um ncleo de disposies prprias, porm se apresenta como uma justaposio ou combinao de regras de Direito Pblico e do Direito Privado, com interferncias em outros ramos da cincia jurdica. Na maior parte dos casos necessita do socorro de outras cincias para estabelecer no apenas parmetros tcnicos a serem aplicados na gesto ambiental, mas ainda bases doutrinrias para seus princpios. Vale lembrar que nesse grande espectro a implementao do desenvolvimento sustentvel, que tem interferncias tcnicas, sociais, econmicas e polticas, alm das amarras jurdicas. Por conseguinte, seja na proteo natureza, seja no desenvolvimento sustentvel, o Direito Ambiental carece de diferentes suportes cientficos.11

    Indispensvel, portanto, para o direito ambiental a viso interdisciplinar,

    interagindo com outros ramos da cincia e cumprindo seu papel de proteger o meio ambiente,

    mantendo-o sadio e equilibrado, um de seus objetivos primordiais.

    Dessa forma, possvel enxergar o direito ambiental no direito administrativo, no

    direito agrrio, no direito civil, no direito constitucional, no direito empresarial, no direito

    internacional, no direito penal, no direito processual, no direito trabalhista e no direito

    tributrio, por exemplo.

    Nesse sentido afirma Paulo Affonso Leme Machado:

    Na medida em que o ambiente a expresso de uma viso global das intenes e das relaes dos seres vivos entre eles e com seu meio, no surpreendente que o direito do ambiente seja um direito de carter horizontal, que recubra os diferentes ramos clssicos do direito (Direito Civil, Direito Administrativo, Direito Penal, Direito Internacional) e um direito de interaes, que se encontra disperso nas vrias regulamentaes. Mais do que um novo ramo do Direito com seu prprio corpo de

    10 Uma introduo ao Direito Ambiental: conceitos e princpios. In: Curso interdisciplinar de direito ambiental. 2005, p. 24-25. 11 Antropocentrismo x Ecocentrismo na Cincia Jurdica. In: Revista de Direito Ambiental. 2004, p. 17.

  • 18

    regras, o direito do ambiente tende a penetrar todos os sistemas jurdicos existentes para nos orientar num sentido ambientalista.12

    Assim, de forma exemplificativa, tem-se que no direito administrativo, o direito

    ambiental se manifesta por meio do poder de polcia, que condiciona ou restringe a utilizao

    dos bens e a realizao das atividades pelos indivduos tendo em vista o benefcio da

    coletividade ou do Estado. A relao entre esses dois ramos to prxima que muitos autores

    chegam a considerar o segundo como um sub-ramo do primeiro.

    No direito constitucional, o direito ambiental se faz presente por meio do captulo

    dedicado ao meio ambiente e dos diversos dispositivos distribudos ao longo da Constituio

    Federal que tratam do assunto.

    No direito civil, o direito ambiental se revela por meio dos dispositivos presentes

    no Cdigo Civil e em legislao esparsa que versam sobre a funo social da propriedade,

    restries ao direito de propriedade em funo de questes ambientais e direito de vizinhana.

    No direito internacional, o direito ambiental se traduz por meio de convenes e

    de tratados internacionais e de declaraes de direitos. Deve-se considerar que normalmente a

    degradao do meio ambiente no fica circunscrita a um ou outro Estado, de maneira que o

    direito ambiental se desenvolveu em todo o mundo por causa da influncia do direito

    internacional e da presso da Organizao das Naes Unidas.

    No direito penal, o direito ambiental se faz presente por meio das normas que

    criminalizam aquelas condutas que sejam nocivas ao meio ambiente.

    No direito processual civil, o direito ambiental encontra intercesso por meio

    daqueles instrumentos que podem ser utilizados para a defesa do meio ambiente,

    especialmente dos instrumentos de tutela coletiva como a ao civil pblica, a ao popular, o

    habeas data, o mandado de injuno e o mandado de segurana coletivo.

    No direito processual penal, o direito ambiental se faz presente por meio dos

    procedimentos especficos das aes penais ambientais.

    No direito tributrio, o direito ambiental se revela por meio do regime fiscal

    diferenciado das propriedades ambientalmente protegidas por lei. Isso ocorre principalmente

    por meio da extrafiscalidade, que justificada pela utilizao dos tributos para estimular ou

    desestimular uma determinada conduta que seja nociva ao meio ambiente.

    E no direito do trabalho, o direito ambiental se faz presente por meio das normas

    de proteo ao meio ambiente e qualidade de vida do trabalhador no seu ambiente de

    12 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 2007, p. 151.

  • 19

    trabalho. O inciso VIII do art. 200 da Constituio Federal menciona expressamente a relao

    entre os dois ramos da cincia jurdica ao dispor que competncia do sistema nico de

    sade, alm de outras atribuies, nos termos da lei, colaborar na proteo do meio ambiente,

    nele compreendido o do trabalho.

    Dessa forma, o direito ambiental se firmou como um ramo autnomo do direito e

    a cada dia ganha maior importncia, oferecendo embasamento doutrinrio e instrumentos

    processuais para que o meio ambiente seja efetivamente preservado ou reparado e para que os

    seus agressores sejam punidos.

    dis Milar afirma que o direito ambiental autnomo, mas no independente,

    congrega o conhecimento de outras cincias jurdicas ou no, sendo fundamentalmente

    multidisciplinar.13 Essa autonomia lhe garantida porque o direito ambiental possui os seus

    prprios princpios diretores, presentes no art. 225 da Constituio Federal. Portanto, o direito

    ambiental deve estar em contato com outras cincias buscando aquilo que serve para sua

    aplicao.

    Portanto, para que se consiga atingir o objetivo primordial do direito ambiental

    proteo do meio ambiente

    necessria uma viso integrada e atuao cooperada e

    coordenada dos diversos ramos do direito, a fim de superar a grave crise ambiental. Deve-se,

    para tanto, haver o concurso do conhecimento de diversas disciplinas, no isoladamente, mas

    articuladas.

    2.3 Viso antropocntrica e ecocntrica

    Etimologicamente, antropocentrismo um vocbulo hbrido de composio

    greco-latina, surgido na lngua francesa, em 1907, que significa: anthropos (do grego) = o

    homem (como ser humano, como espcie) + centrum, centricum (do latim) = o centro, o

    cntrico, o centrado.14

    Antropocntrico vem a ser o pensamento ou a organizao que faz do homem o

    centro do Universo, em cujo redor (ou rbita) gravitam os demais seres, em papel meramente

    subalterno e condicionado. a considerao do homem como eixo principal de um

    13 Direito do ambiente: doutrina jurisprudncia glossrio. 2007, p. 155. 14 MILAR, dis; COIMBRA, Jos de vila Aguiar. Antropocentrismo x Ecocentrismo na Cincia Jurdica. In: Revista de Direito Ambiental. 2004, p. 9.

  • 20

    determinado sistema, ou ainda, do mundo conhecido. Tanto a concepo quanto o termo

    provm da Filosofia .15

    Segundo Miguel Reale:

    O primado, por conseguinte, dos valores antropolgicos sobre os ecolgicos tem como base o valor primordial da pessoa humana, o nico ser vivo que tem conscincia do que e do que deve ser. Somente ela dotada da faculdade que os juristas italianos denominam consapevolezza, que poderamos traduzir por conscienciabilidade, ou seja, o poder de ter cincia de si mesmo e de deliberar em razo dela. No se trata de um antropocentrismo que coloque o ser humano no centro do universo, pois essa uma das vrias teses relativas posio do homem como cosmo, havendo pensadores ilustres que se limitam a consider-lo um ente finito que se distingue dos demais por sua autoconscincia. O humanismo tem mltiplas e variadas dimenses, como o sabe qualquer leitor atento mesmo de compndios elementares de Filosofia.16

    Em relao ao direito ambiental, na viso antropocntrica, o homem o seu

    destinatrio, pois est voltado para a satisfao das suas necessidades. O direito um

    fenmeno humano e imputvel apenas ao homem e no aos seres no vivos. Isso no quer

    dizer que o direito protege somente o homem, mas, to-somente, que a sadia qualidade de

    vida do homem o objetivo final do direito ambiental, e no a sadia qualidade de vida de um

    vegetal, por exemplo. Assim, na viso antropocntrica o direito ambiental protege o meio

    ambiente em funo da sadia qualidade de vida do homem, para o homem, para as presentes

    e futuras geraes.

    As regras de direito podem incidir sobre condutas referentes a coisas e a animais a

    cargo do homem, no porque tenham direitos, mas sim porque interessam qualidade de vida

    humana, seja patrimonial ou moral. Pode, inclusive, haver lei preservando certa forma de

    vida, o que no significa que essa seja a destinatria do direito. O real destinatrio desse

    direito o homem, pois, ao final, o que se assegura que ele desfrute de um meio ambiente

    sadio.

    O homem sujeito ativo em sua relao com a natureza, buscando a

    harmonizao entre todos os componentes da realidade natural.

    Assim, quando se protege o meio ambiente, seja o natural, o artifical, o cultural ou

    o do trabalho, o que se busca sempre tornar efetivo o direito do prprio homem a ter

    qualidade de vida.

    15 MILAR, dis. Direito do ambiente: doutrina jurisprudncia glossrio. 2007, p. 98. 16 REALE, Miguel. Em defesa dos valores humansticos. O Estado de S. Paulo, So Paulo, 13 de maro de 2004.

  • 21

    dis Milar e Jos de vila Aguiar Coimbra afirmam que:

    Os seres naturais no-humanos no so capazes de exercer deveres e reivindicar direitos de maneira direta, explcita e formal, embora o ordenamento natural lhes assegure alguma sorte de direitos , visto que cumprem um papel no equilbrio do mundo. So constituintes do ecossistema planetrio, tanto quanto o a espcie humana. A Cincia no tem fora impositiva ou de coao; por isso exige que o Direito tutele o ecossistema planetrio, de modo a prover sua subsistncia e garantir-lhe a perpetuao, notadamente no que concerne aos componentes da biosfera. Esta exigncia no procede apenas da Cincia, mas principalmente da Sabedoria.17

    Por outro lado, o homem no tem como deixar de se utilizar da natureza para

    atingir uma melhor qualidade de vida, o que implica, no raras vezes, a necessidade de

    absorver ou alterar determinados componentes dela para convert-los em bens teis sua

    vida.

    Para o direito ambiental, o desenvolvimento sustentvel

    que visa atender s

    necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as geraes futuras atenderem

    as suas prprias necessidades

    no escapa ao antropocentrismo. Ou seja, o direito ambiental

    objetiva proteger o meio ambiente, nele inserido o meio ambiente do trabalho, to-somente

    vista da necessidade do homem e, trazendo para o objeto da presente dissertao, do homem

    enquanto trabalhador.

    Ora, o homem o destinatrio do direito ambiental, j assim previsto na

    declarao de Estocolmo de 1972, em seu primeiro princpio que afirma que os seres humanos

    constituem o centro das preocupaes relacionadas com o desenvolvimento sustentvel. Tm

    direito a uma vida saudvel e produtiva em harmonia com o meio ambiente.

    Importante deixar claro que a viso antropocntrica do direito ambiental no

    importa em permitir o homem fazer tudo, inclusive devastar a natureza. Isso porque o ser

    humano transitrio, eventual, pois nasce, desenvolve-se e morre em coexistncia com a

    natureza. Se destruir a fonte de sua manuteno

    o meio ambiente , ele destri a si mesmo,

    no dando continuidade a sua espcie.

    E por isso que a viso antropocntrica deve ser mitigada. Ou seja, a apropriao

    dos bens ambientais deve ser realizada nos termos que os preservem e garantam a prpria

    existncia humana. Natureza e ser humano devem conviver harmonicamente. No deve o

    homem, utilizar-se da viso antropocntrica para abusar dos recursos naturais. Deve sim,

    compatibilizar a produo econmica da vida com a proteo ambiental.

    17 Antropocentrismo x Ecocentrismo na Cincia Jurdica. In: Revista de Direito Ambiental. 2004, p. 13.

  • 22

    O ecocentrismo ou biocentrismo surgiu com o foco voltado para a vida e todos os

    aspectos a ela inerentes. O valor vida passou a ser um referencial inovador para as

    intervenes do homem no mundo natural. Para o ecocentrismo o mundo no existe somente

    para o homem, mas tambm para animais e plantas.18

    O ecocentrismo

    contrape-se, portanto, ao antropocentrismo acima relatado, uma

    vez que faz da natureza no mais um objeto, mas um sujeito prprio. sem dvida o

    posicionamento diametralmente oposto ao anterior.

    como se invertesse a perspectiva, passando o planeta a no mais pertencer ao

    homem, e sim o homem que passa a pertencer ao planeta, considerando-o um mero integrante

    da natureza.

    Esse sistema de pensamento alimenta-se de um movimento ecolgico e cultural

    que visa destituir a viso antropocntrica do mundo atual.

    Existem doutrinadores que entendem que o antropocentrismo e o ecocentrismo ou

    biocentrismo no se excluem, mas atuam de modo complementar, a exemplo disso, Lus

    Paulo Sirvinskas, o qual afirma que:

    Do ponto de vista jurdico, antropocentrismo e biocentrismo no se excluem, mas atuam de modo complementar. No direito a natureza tem sido considerada ora bem, ora sujeito. Enquanto o objeto da proteo a biodiversidade, no caso do direito ambiental, independe de sua utilidade para o homem. A natureza pode ser sujeito de direito (biocentrismo) ou ser protegida para a utilizao humana (antropocentrismo-puro ou mitigado), como noes complementares no direito ambiental.19

    O aludido autor ressalta, ainda, a necessidade da construo de uma nova tica

    para o futuro, buscando uma viso global e transcendental a fim de que a Terra possa

    prosseguir seu caminho natural, nos seguintes termos:

    H a necessidade de se construir uma nova base tica normativa de proteo ao meio ambiente. Todos os recursos naturais so considerados coisas e apropriveis sobre o ponto de vista econmico, incluindo a a flora, a fauna e os minrios. Essa apropriao possvel pelo fato de o homem ser o centro das preocupaes ambientais

    antropocentrismo. H, no entanto, quem entenda que a flora, a fauna e biodiversidade tambm so sujeitos de direito, devendo ser protegida pelo direito

    biocentrismo (Antnio Herman V. Benjamin, Edis Millar, Jos Renato Nalini etc). Todos seres vivos tm o direito de viver. Partindo-se de uma viso moderna de meio ambiente, faz-se necessrio analisar a natureza do ponto de vista filosfico, econmico e jurdico.20

    18 Cf. MILAR, dis. Direito do ambiente: doutrina jurisprudncia glossrio. 2007, p. 99. 19 Manual de direito ambiental. 2007, p. 65. 20 Idem, Ibidem. p.68.

  • 23

    A essa corrente filia-se Paulo de Bessa Antunes:

    Entendo que o Direito Ambiental pode ser definido como um direito que se desdobra em trs vertentes fundamentais, que so constitudas pelo direito ao meio ambiente, direito sobre o meio ambiente e direito do meio ambiente. Tais vertentes existem, na medida em que o Direito Ambiental um direito humano fundamental que cumpre a funo de integrar os direitos saudvel qualidade de vida, ao desenvolvimento econmico e proteo dos recursos naturais. Mais do que um direito autnomo, o Direito Ambiental uma concepo de aplicao da ordem jurdica que penetra, transversalmente, em todos os ramos do Direito. O Direito Ambiental, portanto, tem uma dimenso ecolgica e uma dimenso econmica que se devem harmonizar sob o conceito de desenvolvimento sustentado.21

    No se deve, contudo, de forma alguma, entender os seres no humanos como

    sujeitos de direitos. Ora, o direito um fenmeno eminentemente social. Onde h o homem

    em sociedade h o direito, mas no h direito sem o homem. Essa a lio de Caio Mrio da

    Silva Pereira: o direito o princpio da adequao do homem vida social 22. Nesse sentido

    Orlando Gomes acentua que sob o aspecto formal, o Direito a regra de conduta imposta

    coativamente aos homens e sob o aspecto material, a norma nascida da necessidade de

    disciplinar a convivncia social .23 V-se, pois, que o direito somente nasce da convivncia

    humana. Nenhuma forma de vida, ou bem, exceto o ser humano, sujeito. No existe, do

    ponto de vista lgico, a biodiversidade como sujeito, muito menos do direito, sem referncia

    ao homem.

    Ora, o meio ambiente um conjunto de condies e processos naturais e artificiais

    no qual se insere o ser humano. As normas que disciplinam o meio ambiente so direcionadas

    ao ser humano, uma vez que possuem uma viso antropocntrica. A vida no humana s

    protegida pelo direito na medida em que implique uma garantia da sadia qualidade de vida do

    homem. A natureza no protegida em funo dela mesma, mas sim em relao ao homem.

    Pelo exposto, conclui-se que o destinatrio do direito, inclusive o ambiental, o

    homem. Nas consideraes de Sady:

    [...] podemos vislumbrar que o bem jurdico sob proteo um conjunto de interaes entre natureza e atividade humana, gerando uma sadia qualidade de vida para as pessoas em geral. A preservao desse bem jurdico o objeto das normas que estruturam o direito ambiental.24

    21 Direito Ambiental. 2005, p. 76. 22 Instituies de Direito Civil. 1996, p. 45. 23 GOMES, Orlando. Introduo ao Direito Civil. 2007, p. 57. 24 SADY, Joo Jos. Direito do meio ambiente de trabalho. 2000, p. 16.

  • 24

    O meio ambiente protegido quando h degradao que implique em ameaa ao

    bem-estar do homem. O direito rege as condutas humanas degradadoras e no os movimentos

    da natureza.

    Dessa forma se posiciona Sandro Nahmias Melo:

    [...] a idia de desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas, transmitida pelo art. 225 e incisos da Constituio Federal, reala a necessidade de interao do homem com o mundo natural, para que, num dado ecossistema, no se perca de vista que o ser humano ali radicado tem tanto direito vida quanto a fauna e flora ali ocorrentes. Sucintamente, a necessria defesa do Tamandu-Bandeira ou do Mogno em determinada regio do pas, deve ser gerenciada de modo a que haja igual preocupao com o homem ali vivente.25

    A preocupao com a vida no humana ou um bem ambiental no quer dizer que

    esses se transformam em sujeitos de direito, pois o homem sempre o sujeito protegido.

    2.4 O meio ambiente: conceito e aspectos

    A expresso meio ambiente

    bastante criticada por alguns autores como Jos

    Afonso da Silva26 e Paulo Affonso Leme Machado. Este ltimo explica que ela no a mais

    correta, pois envolve em si mesma um pleonasmo. Isso porque ambiente e meio so

    sinnimos; meio precisamente aquilo que envolve, ou seja, o ambiente .27 A palavra

    ambiente por si s j engloba a palavra meio , havendo, portanto, certa redundncia no uso

    conjugado das duas palavras.

    De outro lado, autores como dis Milar e Marcelo Abelha Rodrigues afirmam

    que tal expresso no chega a ser redundante, muito embora no sentido vulgar a palavra

    ambiente indique o lugar, o stio, o recinto, o espao que envolve os seres vivos e as coisas,

    pois se trata de expresso consagrada na lngua portuguesa, pacificamente usada pela

    doutrina, pela lei e pela jurisprudncia de nosso Pas, que amide falam em meio ambiente ,

    em vez de ambiente apenas.28 E, ainda, tal expresso nova, autnoma e diferente dos

    simples conceitos de meio e de ambiente , tendo um alcance maior do que o de simples

    ambiente.29

    25 Meio ambiente do trabalho: direito fundamental. 2001, p. 36-37. 26 SILVA, Jos Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 2004, p. 19. 27 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 2007, p. 148. 28 MILAR, dis. Direito do ambiente: doutrina jurisprudncia glossrio. 2007, p.110. 29 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito ambiental: parte geral. 2005, p. 64.

  • 25

    Milar assevera, ainda, que no conceito jurdico de meio ambiente podem ser

    distinguidas duas perspectivas principais: uma estrita e uma ampla. Na estrita, o meio

    ambiente nada mais do que a expresso do patrimnio natural e as relaes com e entre os

    seres vivos. Tal noo despreza tudo aquilo que no diga respeito aos recursos naturais. Na

    concepo ampla, o meio ambiente abrange toda a natureza original (natural) e artificial,

    assim como os bens culturais correlatos.30

    Tem-se, ento, de um lado, o meio ambiente natural, ou fsico, constitudo pelo

    solo, pela gua, pelo ar, pela energia, pela fauna e pela flora e de outro lado o meio ambiente

    artificial ou humano, formado pelas edificaes, equipamentos e alteraes produzidos pelo

    homem, enfim, os assentamentos de natureza urbanstica e demais construes. Isso quer

    dizer, nas palavras de Milar, que nem todos os ecossistemas so naturais, havendo mesmo

    quem se refira a ecossistemas sociais

    e ecossistemas naturais . Esta distino est sendo,

    cada vez mais, pacificamente aceita, quer na teoria, quer na prtica .31

    Segundo Paulo Affonso Leme Machado:

    O termo ambiente tem origem latina

    ambiens, entis: que rodeia. Entre seus significados encontramos meio em que vivemos . A expresso ambiente encontrada em Italiano

    ambiente che va intorno, che circonda ; em Francs

    ambiant: qui entoure ou environnement: ce qui entoure ; ensemble des lments naturels et artificiels o se deroule la vie humaine . Em Ingls: environment: something that surrounds; the combination of external or extrinsic physical conditions that affect and influence the growth and development of organisms .32

    Jos de vila Aguiar Coimbra define o meio ambiente como:

    o conjunto dos elementos abiticos (fsicos e qumicos) e biticos (flora e fauna), organizados em diferentes ecossistemas naturais e sociais em que se insere o Homem, individual e socialmente, num processo de interao que atenda ao desenvolvimento das atividades humanas, preservao dos recursos naturais e das caractersticas essenciais do entorno, dentro das leis da natureza e de padres de qualidade definidos.33

    O artigo 3o, inciso I, da Lei da Poltica Nacional do Meio Ambiente dispe sobre

    o conceito de meio ambiente como: o conjunto de condies, leis, influncias e interaes de

    ordem fsica, qumica e biolgica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas .

    30 Cf. MILAR, DIS. op. cit., p. 110-111. 31 MILAR, dis. Direito do ambiente: doutrina jurisprudncia glossrio. 2007, p. 110-111. 32 Direito ambiental brasileiro, 2007. p. 149. 33 O outro lado do meio ambiente, 2002, p. 32.

  • 26

    Aludida definio federal ampla, atingindo tudo aquilo que permite a vida, que a

    abriga e rege. Segundo Odum, esto abrangidas as comunidades, os ecossistemas e a

    biosfera.34

    Tal dispositivo foi recepcionado pela nossa Carta Maior em seu artigo 225, caput,

    o qual assegura a todos um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum

    do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o

    dever de defend-lo e preserv-lo para as presentes e futuras geraes.

    Contudo, a definio de meio ambiente vai muito alm do que prev o citado

    artigo, sendo ampla e indeterminada, cabendo ao intrprete o preenchimento de seu contedo.

    Abrange diversos elementos, tornando-se difcil a tarefa de exprimir a sua essncia.

    Ressalte-se, por oportuno, que ao conceituar meio ambiente no se deve levar em

    considerao apenas elementos objetivos ou subjetivos. Deve haver um equilbrio, explicando

    os bens que o compe, bem como os sujeitos que o integram.

    Todos os conceitos existentes sobre meio ambiente so unnimes em considerar

    duas caractersticas: amplitude e interdisciplinaridade. Isso porque, no meio ambiente

    possvel enquadrar-se praticamente tudo, ambiente fsico, psquico e social, ou seja, todo o

    meio exterior ao organismo que afeta o seu integral desenvolvimento. E, por outro lado, o

    meio ambiente possui, pela sua prpria definio, natureza interdisciplinar.

    Apesar de o conceito de meio ambiente ser abrangente, ele uno e indivisvel, no

    existindo partes, mas sim aspectos. A sua classificao em aspectos35 tem um objetivo:

    facilitar a identificao da atividade degradante e do bem imediatamente agredido.

    Assim, apresentam-se quatro aspectos do meio ambiente mais relevantes: o meio

    ambiente natural, o meio ambiente artificial, o meio ambiente cultural e o meio ambiente do

    trabalho.

    O chamado meio ambiente natural ou fsico, engloba ar, gua, solo, subsolo, flora,

    fauna etc. Abrange o fenmeno da homeostase, que o equilbrio dinmico entre os seres

    vivos e o meio em que vivem. Possui tutela mediata no art. 225, caput, da Constituio

    Federal, e tutela imediata no pargrafo 1., incisos I a VII, do citado artigo.

    Ao lado do meio ambiente natural, existe o meio ambiente construdo, ou

    artificial, aquele produzido pela ao do homem ao transformar a natureza, por exemplo, as

    cidades. compreendido pelo espao urbano construdo, consistente no conjunto de

    34 Cf. ODUM, Eugene. Ecologia. 1975, p. 24. 35 A classificao do meio ambiente em aspectos meramente doutrinria e adotada por Celso Antnio Pacheco Fiorillo em seu livro Curso de Direito Ambiental Brasileiro.

  • 27

    edificaes (chamado de espao urbano fechado), e pelos equipamentos pblicos (espao

    urbano aberto) .36 Possui tutela constitucional nos arts. 225, 182, 21, inciso XX, 5. XXIII,

    dentre outros, e tutela infraconstitucional no Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001).

    Segundo Fiorillo o termo urbano no evidencia um contraste com campo ou rural ,

    porquanto qualifica algo que se refere a todos os espaos habitveis, no se opondo a rural,

    conceito que nele se contm; possui, pois, uma natureza ligada ao conceito de territrio .37

    O meio ambiente cultural constitudo pelo patrimnio cultural de um povo. Seu

    conceito est previsto no artigo 216 da Constituio Federal:

    Art. 216. Constituem patrimnio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referncia identidade, ao, memria dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expresso; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criaes cientficas, artsticas e tecnolgicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificaes e demais espaos destinados s manifestaes artstico-culturais; V - os conjuntos urbanos e stios de valor histrico, paisagstico, artstico, arqueolgico, paleontolgico, ecolgico e cientfico.

    O meio ambiente do trabalho o integrado pelo conjunto de bens, instrumentos e

    meios, de natureza material e imaterial, em face dos quais o ser humano exerce suas

    atividades laborais. tudo que tem relao com o trabalho, inclusive elementos psquicos, e

    no apenas o espao fsico. Portanto, todo dano sade do trabalhador um dano ao meio

    ambiente do trabalho.

    2.4.1 Natureza jurdica e tutela jurdica do meio ambiente

    Da anlise do artigo 225 caput da Constituio Federal de 1988 extraem-se quatro

    elementos: todos , bem ambiental , essencial sadia qualidade de vida

    e dever do Poder

    Pblico e da coletividade preserv-lo para as presentes e futuras geraes .

    A primeira expresso, todos , engloba a noo de povo, enquanto conjunto de

    indivduos que falam a mesma lngua e tm os mesmos costumes, hbitos e afinidades de

    interesses, ou seja, est ligado ao previsto no artigo 5. da Constituio, abrangendo

    brasileiros e estrangeiros residentes no Pas.

    36 FIORILLO, Celso Antnio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro, 2004, p. 21. 37 Idem, Ibidem. p. 247.

  • 28

    Assim, o povo possui a propriedade (titularidade) do bem ambiental, no sendo

    possvel identificar cada um de seus componentes. So bens indivisveis por natureza, de

    modo que no se admite que cada um do povo pretenda tomar para si os referidos bens,

    devendo-se limitar ao seu uso comum.

    Para Marcelo Abelha:

    O conceito de todos indefinido justamente porque a titularidade deste direito difusa e supera a noo individualista de direito. A palavra demonstra que no se pode fazer qualquer limitao quanto delimitao de seus titulares. O direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado de titularidade metaindividual e recai sobre bens (bens ambientais) que possuem natureza indivisvel. Esses bens so os bens ambientais que esto intimamente relacionados com a sadia qualidade de vida. Assim, concluindo, a titularidade do bem ambiental do povo.38

    O bem ambiental

    uma terceira espcie de bem criada pela Constituio

    Federal, no se confundindo com o bem pblico nem com o privado. No passvel de

    apropriao individual, por pessoa fsica ou jurdica, seja de direito pblico ou privado.

    A terceira expresso, essencial sadia qualidade de vida , est ligada ao

    destinatrio da norma que o povo. Ou seja, o povo tem direito a um meio ambiente saudvel

    e equilibrado, sendo esse essencial sua sadia qualidade de vida.

    A quarta incumbe ao Poder Pblico e coletividade o dever de proteger o bem

    ambiental tanto para as presentes como para as futuras geraes. Os titulares do bem

    ambiental tm a tarefa de proteg-lo e preserv-lo em conjunto com o Poder Pblico.

    Assim, vista de o bem ambiental ter natureza jurdica difusa, importante a

    definio legal de direitos e interesses difusos constante do Cdigo de Defesa do Consumidor

    em seu artigo 81, pargrafo nico, inciso I:

    Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vtimas poder ser exercida em juzo individualmente, ou a ttulo coletivo. Pargrafo nico. A defesa coletiva ser exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste cdigo, os transindividuais, de natureza indivisvel, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstncias de fato; [...]

    Ressalte-se, por oportuno, a deciso proferida pelo Supremo Tribunal Federal, no

    julgamento do Mandado de Segurana 22.164, rel. Celso de Mello, Pleno, em 30/10/1995:

    38 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de Direito Ambiental: parte geral. 2005, p. 80.

  • 29

    O direito integridade do meio ambiente

    tpico direito de terceira gerao

    constitui prerrogativa jurdica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmao dos direitos humanos, a expresso significativa de um poder atribudo, no ao indivduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, prpria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira gerao (direitos civis e polticos)

    que compreendem as liberdades

    clssicas, negativas ou formais

    realam o princpio da liberdade e os direitos de

    segunda gerao (direitos econmicos, sociais e culturais)

    que se identificam com

    as liberdades positivas, reais ou concretas

    acentuam o princpio da igualdade, os direitos de terceira gerao, que materializam poderes de titularidade coletiva atribudos genericamente a todas as formaes sociais, consagram o princpio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expanso e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponveis, pela nota de uma essencial inexaurabilidade.39

    Assim, tem-se que a natureza jurdica do meio ambiente difusa, tratando-se de

    direito indisponvel, patrimnio de todos.

    vista do que j foi exposto acima, o artigo 225 da Constituio Federal traz,

    tambm, a tutela mediata e imediata do meio ambiente, nele inserido o meio ambiente do

    trabalho.

    Ento, tem-se que a tutela mediata est prevista no caput do artigo 225 da Carta

    Magna ao estabelecer que o meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum

    do povo e essencial sadia qualidade de vida . Ou seja, a tutela mediata recai sobre a sadia

    qualidade de vida do homem.

    A tutela imediata est inserta no pargrafo 1. do mencionado dispositivo

    constitucional:

    Art. 225. [...] 1 - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Pblico: I - preservar e restaurar os processos ecolgicos essenciais e prover o manejo ecolgico das espcies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimnio gentico do Pas e fiscalizar as entidades dedicadas pesquisa e manipulao de material gentico; III - definir, em todas as unidades da Federao, espaos territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alterao e a supresso permitidas somente atravs de lei, vedada qualquer utilizao que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteo; IV - exigir, na forma da lei, para instalao de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradao do meio ambiente, estudo prvio de impacto ambiental, a que se dar publicidade; V - controlar a produo, a comercializao e o emprego de tcnicas, mtodos e substncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a educao ambiental em todos os nveis de ensino e a conscientizao pblica para a preservao do meio ambiente;

    39 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS n. 22.164, Relator: Celso de Mello, Ac. de 30 out de 1995.

  • 30

    VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as prticas que coloquem em risco sua funo ecolgica, provoquem a extino de espcies ou submetam os animais a crueldade.

    J o meio ambiente do trabalho encontra previso expressa na Constituio

    Federal de 1988, em seu artigo 200, inciso VIII:

    Art. 200. Ao sistema nico de sade compete, alm de outras atribuies, nos termos da lei: [...] VIII - colaborar na proteo do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

    O citado texto constitucional traz a tutela imediata do meio ambiente do trabalho.

    A tutela mediata do meio ambiente do trabalho est inserta no caput do artigo 225 da Carta

    Magna e, tambm, se verifica por meio da previso do direito sade. Nesse sentido Sandro

    Nahmias explica:

    A tutela mediata do meio ambiente do trabalho tambm se verifica atravs da previso do direito sade, apontada em vrios momentos na Constituio Federal de 1988. O tema sade encontra guarida nas disposies gerais da seguridade social, na medida em que esta compreende um conjunto integrado de aes de iniciativa dos Poderes Pblicos e da Sociedade, destinadas a assegurar os direitos relacionados sade, previdncia e assistncia social (art. 194). Preconiza a Carta Magna que a sade direito de todos e dever do Estado, garantido mediante polticas sociais e econmicas e tendo por objetivo assegurar a reduo do risco de doena e de outros agravos (art. 196). Sendo a sade direito de todos , conseqentemente, tambm direito do trabalhador.40

    vista do exposto, tem-se que o direito ambiental busca proteger o meio

    ambiente de agresses. O meio ambiente do trabalho manifesta-se como um dos aspectos

    desse meio ambiente, encontrando previso expressa na Constituio Federal de 1988, em seu

    art. 200, VIII, e, tambm, na seo prpria destinada sade, art. 196

    Ttulo VIII, Captulo

    II, Seo II, a fim de preservar a qualidade de vida do trabalhador.

    Portanto, para o legislador constitucional, o meio ambiente do trabalho est

    intimamente relacionado com a sade pblica, a qual ser abordada com maior propriedade

    no prximo captulo.

    40 MELO, Sandro Nahmias. Meio ambiente do trabalho: direito fundamental. 2001, p. 38.

  • 31

    2.4.2 Meio ambiente como direito fundamental

    O meio ambiente tema relevante no mundo inteiro, sendo consagrado como

    direito fundamental do ser humano, uma vez que essencial sadia qualidade de vida do

    homem.

    No Brasil, at a publicao da Lei de Poltica Nacional do Meio Ambiente

    Lei

    n. 6.938/81

    no havia definio no ordenamento jurdico ptrio sobre meio ambiente.

    A Constituio Federal de 1988 foi a primeira a tratar expressamente da questo

    ambiental em seu art. 225.

    O direito fundamental ao meio ambiente foi reconhecido internacionalmente pela

    Declarao do Meio Ambiente, adotada pela Conferncia das Naes Unidas, em Estocolmo,

    em junho 1972.41

    Tal declarao consagrou nos seus princpios 1 e 2 que o ser humano tem direito

    fundamental liberdade, igualdade e a uma vida com condies adequadas de

    sobrevivncia, num meio ambiente que permita usufruir de uma vida digna, ou seja, com

    qualidade de vida, com a finalidade, tambm, de preservar e melhorar o meio ambiente, para

    as geraes atuais e futuras.42

    A partir dos citados princpios, o meio ambiente passou, portanto, a ser

    considerado essencial para que o ser humano possa gozar dos direitos humanos fundamentais,

    dentre eles, o prprio direito vida.

    A proteo ambiental referenciada em Estocolmo faz com que todos os povos

    comecem a pensar de maneira diferente, ou seja, de que juntamente com o desenvolvimento

    econmico do mundo inteiro deve ser consagrado o direito fundamental da vida humana na

    terra, visando melhoria do meio ambiente em benefcio do homem atual e seus

    descendentes. Frisa-se aqui, a preocupao, mais uma vez, com a vida futura.

    Paulo de Bessa Antunes afirma que: O primeiro e mais importante princpio do

    Direito Ambiental que: O Direito ao Ambiente um Direito Humano Fundamental .43

    41 Cf. SILVA, Jos Afonso da. Direito ambiental constitucional, 2004, p. 36. 42 Princpio 1

    O homem tem o direito fundamental liberdade, igualdade e ao desfrute de condies de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar e portador solene de obrigao de melhorar o meio ambiente, para as geraes presentes e futuras [...]. Princpio 2

    Os recursos naturais da Terra, includos o ar, a gua, o solo, a flora e a fauna, especialmente, parcelas representativas dos ecossistemas naturais, devem ser preservadas em benefcio de geraes atuais e futuras [...]." 43 Direito Ambiental. 2005, p. 25.

  • 32

    dis Milar trata tambm tal direito como um princpio: O princpio do ambiente

    ecologicamente equilibrado como direito fundamental. E afirma que , sem dvida, o

    princpio transcendental de todo o ordenamento jurdico ambiental, ostentando o status de

    verdadeira clusula ptrea .44

    Importante, aqui, esclarecer que direitos fundamentais no so apenas aqueles que

    a Constituio Federal define com tais, mas sim so fundamentais todos os direitos que, por

    seu contedo, estejam ligados ao direito vida. Ainda que no enumerados na nossa Carga

    Magna so direitos fundamentais em sentido material, o que no impede que sejam,

    concomitantemente, formalmente fundamentais.

    Direitos fundamentais, em sentido formal, so aqueles insertos na Constituio

    Federal como fundamentais. Direitos fundamentais, em sentido material, so aqueles que no

    possuem previso expressa na Constituio, porm, por seu contedo e importncia so

    considerados como fundamentais.

    Segundo Derani:

    O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado presente no art. 225 caput da Constituio Brasileira de 1988 um direito fundamental. Esta premissa est fundada numa compreenso material

    e no formal

    do direito fundamental. Os direitos fundamentais no so simplesmente aqueles que a Constituio explicita no seu art. 5.. Um direito fundamental quando seu contedo invoca a construo da liberdade do ser humano.45

    Um direito considerado fundamental, uma vez que sendo transgredido

    impossibilita o exerccio do direito fundamental vida. Nesse sentido afirma Maria Garcia:

    um direito deve ser considerado fundamental quando a sua inobservncia implica na impossibilidade do exerccio do direito fundamental vida. Ou seja, o exerccio de determinado direito deve ser essencial para proteo e manuteno do mais fundamental de todos os direitos que o direito vida .46

    Os direitos fundamentais so todos aqueles que visam proteo do direito vida,

    e no apenas aqueles previstos no texto constitucional. Assim, tem-se que o direito ao meio

    ambiente um direito fundamental material, pois visa diretamente qualidade de vida.

    Sandro Nahmias assevera que:

    44 Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudncia, glossrio. 2007, p. 763. 45 DERANI, Cristiane. Meio ambiente ecologicamente equilibrado: direito fundamental e princpio da atividade econmica. In: Temas de direito ambiental e urbanstico. 1998, p. 91. 46 GARCIA, Maria. apud MELO, Sandro Nahmias. Meio Ambiente do Trabalho: direito fundamental. 2001, p. 57.

  • 33

    Cada vez mais, no mundo contemporneo

    industrializado e globalizado

    o direito

    vida vem recebendo tratamento amplo e detalhado, advindo da a concepo do direito ao meio ambiente como extenso do direito vida, pois este no seu sentido mais preciso no se restringe idia de sobrevivncia

    no morrer

    mas sim viver

    com qualidade e com dignidade, aspectos estes inerentes ao direito ao meio ambiente saudvel. O alargamento do sentido da expresso qualidade de vida , alm de acrescentar a idia de bem-estar relacionado sade fsica e mental, referindo-se inclusive ao direito de o homem fruir de ar puro e de uma bela paisagem, finca o fato de que o meio ambiente no diz respeito natureza isolada, esttica, sendo imperiosa a integrao da mesma vida do homem social nos aspectos relacionados produo, ao trabalho, especificamente ao seu meio ambiente de trabalho.47

    Nesse sentido escreve Cristiane Derani:

    O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado um direito vida e manuteno das bases que a sustentam. Destaca-se da garantia fundamental vida exposta nos primrdios da construo dos direitos fundamentais, porque no simples garantia vida, mas este direito fundamental uma conquista prtica pela conformao das atividades sociais, que devem garantir a manuteno do meio ambiente ecologicamente equilibrado, abster-se da sua deteriorao e construir a melhoria integral das condies de vida da sociedade.48

    Ao tratar de direitos fundamentais de terceira gerao, Norberto Bobbio afirma

    que o mais importante deles o reivindicado pelos movimentos ecolgicos: o direito de

    viver num ambiente no poludo .49

    Segundo Karina Houat:

    O direito do meio ambiente equilibrado implica, necessariamente, na defesa do direito vida, que o mais bsico dos direitos fundamentais, nele se inserindo por visar diretamente qualidade de vida (art. 225, caput, CF/88) como meio de atingir a finalidade de preservao e proteo existncia, em qualquer forma que esta se manifeste, bem como condies dignas de existncia presente e s futuras geraes.50

    Jos Afonso da Silva assevera que:

    A proteo ambiental, abrangendo a preservao da natureza em todos os seus elementos essenciais vida humana e manuteno do equilbrio ecolgico, visa tutelar a qualidade do meio ambiente em funo da qualidade de vida, como uma forma de direito fundamental da pessoa humana (...) Esse novo direito fundamental foi reconhecido pela Declarao do Meio Ambiente, adotada pela Conferncia das

    47 MELO, Sandro Nahmias. op. cit. p. 68. 48 Direito ambiental econmico. 2008, p. 97. 49 A era dos direitos. p. 14. 50 HARB, Karina Houat. Direitos Humanos e Meio Ambiente, In Revista da Associao dos Ps-Graduandos da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. 1998, p. 69-86.

  • 34

    Naes Unidas, em Estocolmo, em junho de 1972, cujos vinte e seis princpios constituem prolongamento da Declarao Universal dos Direitos do Homem51.

    Antnio Trindade explica que o reconhecimento do direito a um meio ambiente

    sadio configura-se, na verdade, como extenso do direito vida, quer sob o enfoque da

    prpria existncia fsica e sade dos seres humanos, quer quanto ao aspecto da dignidade

    dessa existncia a qualidade de vida , que faz com que valha a pena viver.52

    Posto isso, tem-se que os direitos podem ser considerados como formalmente

    fundamentais e materialmente fundamentais. Com relao a estes, h a autorizao expressa

    do 2. do art. 5. da Constituio Federal, ao declarar que os direitos fundamentais expressos

    na Carta Magna no excluem outros decorrentes do regime e dos princpios por ela adotados

    (...) . Esse o caso do direito ao meio ambiente hgido (art. 225, caput) que, por seu

    contedo, ligado ao direito vida, indiscutivelmente fundamental.53

    2.5 Meio ambiente do trabalho: conceito e natureza jurdica

    O conceito de meio ambiente, conforme j tratado neste trabalho, unitrio no

    existindo partes, mas sim aspectos, a fim de facilitar a identificao da atividade degradante e

    do bem imediatamente agredido.

    O meio ambiente do trabalho um dos aspectos do meio ambiente e constitui o

    local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou no, cujo

    equilbrio est baseado na salubridade do meio e na ausncia de agentes que comprometam a

    incolumidade fsico-psquica dos trabalhadores, independente da condio que ostentem.

    Caracteriza-se pelo complexo de bens imveis e mveis de uma empresa ou

    sociedade, objeto de direitos subjetivos privados e inviolveis da sade e da integridade fsica

    dos trabalhadores que a freqentam.54

    Contudo, o meio ambiente do trabalho no est restrito ao espao interno da

    fbrica ou da empresa, mas se estende ao prprio local de moradia ou ambiente urbano. Ele

    51 SILVA, Jos Afonso. Direito Ambiental Constitucional. 2004, p. 36. 52 Cf. TRINDADE, Antnio A. Canado. Direitos humanos e meio ambiente: paralelos dos sistemas de proteo internacional. 1993, p. 76. 53 Cf. MELO, Sandro Nahmias. Meio Ambiente do Trabalho: direito fundamental. 2001, p. 69 54 Cf. GIAMPIETRO, Franco. apud FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 2004, p. 23.

  • 35

    representa todos os elementos, inter-relaes e condies que influenciam o trabalhador em

    sua sade fsica e mental, comportamento e valores reunidos no locus do trabalho.55

    Assim, o meio ambiente do trabalho no caracterizvel apenas dentro das

    instalaes de uma empresa. No se limita a essa. Ou seja, o meio ambiente do trabalho no

    est adstrito s edificaes do estabelecimento, uma vez que muitos trabalhadores exercem

    suas atividades em outros locais que no nas edificaes da empresa, como por exemplo, os

    pilotos de aeronaves, os motoristas de nibus, os eletricitrios etc.

    Outra caracterstica do meio ambiente do trabalho que esse no se limita ao

    empregado. Todo o trabalhador que cede a sua mo-de-obra exerce sua atividade em um

    ambiente de trabalho.

    O meio ambiente do trabalho tambm no apenas o ambiente fsico, mas todo o

    complexo de relaes humanas na empresa, a forma de organizao do trabalho, sua durao,

    os ritmos, os turnos, os critrios de remunerao, as possibilidades de progresso, a satisfao

    dos trabalhadores etc .56

    Generalizando o conceito pode-se dizer que todo e qualquer lugar onde o trabalho

    exercido configura-se como meio ambiente do trabalho, pois, se contrrio fosse, se excluiria

    da proteo determinados trabalhadores que exercem seus ofcios em locais diversos das

    edificaes da empresa, conforme j citado.

    A Constituio Federal de 1988, em seu artigo 200, VIII, versa, expressamente,

    sobre a proteo ao meio ambiente do trabalho, estabelecendo:

    Art. 200. Ao sistema nico de sade compete, alm de outras atribuies, nos termos da lei: (...) VIII - colaborar na proteo do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. (sem grifo no original).

    Ainda, o artigo 7o, incisos XXII e XXIII:

    Art. 7 So direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, alm de outros que visem melhoria de sua condio social: (...) XXII - reduo dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de sade, higiene e segurana; XXIII - adicional de remunerao para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;

    55 ROCHA, Jlio Csar de S da. Direito Ambiental do Trabalho. 2002, p. 127. 56 OLIVEIRA, Sebastio Geraldo. Proteo jurdica sade do trabalhador. 2002, p. 82.

  • 36

    Jlio Csar de S da Rocha conceitua o meio ambiente do trabalho como:

    A ambincia na qual se desenvolvem as atividades do trabalho humano. No se limita ao empregado; todo o trabalhador que cede a sua mo-de-obra exerce sua atividade em um ambiente de trabalho. Diante das modificaes por que passa o trabalho, o meio ambiente laboral no se restringe ao espao interno da fbrica ou da empresa, mas se estende ao prprio local de moradia ou ambiente urbano.57

    Rodolfo de Camargo Mancuso trata do meio ambiente do trabalho como:

    habitat laboral, isto , tudo que envolve e condiciona, direta e indiretamente, o local onde o homem obtm os meios para prover o quanto necessrio para a sua sobrevivncia e desenvolvimento, em equilbrio com o ecossistema. (...) a contrario sensu, portanto,quando aquele habitat se revele inidneo a assegurar as condies mnimas para uma razovel qualidade de vida do trabalhador, a se ter uma leso ao meio ambiente do trabalho.58

    Assim, tem-se que o meio ambiente do trabalho transcende as edificaes da

    empresa, representando todos os elementos, inter-relaes e condies que influenciam o

    trabalhador em sua sade fsica e mental, comportamento e valores reunidos no local de

    trabalho.

    Importante salientar que muito embora as instalaes da empresa sejam de sua

    propriedade privada, o meio ambiente do trabalho no o , pois possui natureza difusa, sendo

    indispensvel para realizao do trabalho.

    E, no dizer de Sandro Nahmias, pode-se concluir que em nvel doutrinrio , j

    parece estar assegurada a autonomia conceitual do meio ambiente do trabalho, ou seja, o

    habitat laboral no qual o trabalhador deve encontrar meios com os quais h de prover a sua

    existncia digna, proclamada por nossa Carta Magna (art. 1., III).59

    Simone Louro afirma que a concepo de meio ambiente do trabalho no pode

    ficar restrita a relao obrigacional, nem ao limite fsico da fbrica, j que sade tpico de

    direito de massa e o meio ambiente equilibrado, essencial sadia qualidade de vida, direito

    constitucionalmente garantido .60

    No que se refere natureza jurdica do meio ambiente do trabalho deve-se levar

    em considerao que esse um dos aspectos do meio ambiente e, conforme j mencionado no

    57 Direito Ambiental e Meio Ambiente do Trabalho: dano, preveno e proteo jurdica. 1997, p.30. 58 A ao civil pblica trabalhista: anlise de alguns pontos controvertidos. 1996, p. 59. 59 MELO, Sandro Nahmias. Meio ambiente do trabalho: direito fundamental. 2001, p. 30. 60 LOURO, Simone Fritschy. apud Idem, Ibidem., p. 30.

  • 37

    item 1.4.1, a natureza jurdica do meio ambiente difusa, tratando-se de direito indisponvel,

    patrimnio de todos.

    Direito difuso, na definio de Pedro Manus, aquele que transcende o direito

    individual, sendo indivisvel e cujos titulares no podem ser individualizados .61

    Sandro Nahmias Melo, ao citar Rodolfo de Camargo Mancuso, esclarece que:

    Os interesses ou direitos difusos pertencem ao gnero de interesses meta ou transindividuais, a compreendidos aqueles que transpem a linha do individual, para se inserirem num contexto global, em uma ordem coletiva latu sensu. Lembra Mancuso que neste campo, o primado recai em valores de ordem social, como o bem comum, a qualidade de vida, os direitos humanosetc.

    Ressalte-se desde logo a ntima relao das caractersticas entre os direitos difusos com os chamados direitos fundamentais de terceira gerao. Aqueles, segundo Mancuso, so marcados pela indeterminao dos sujeitos/indivisibilidade do objeto. Estes, de certa forma, tambm. Os direitos enfeixados nesta gerao (meio ambiente, sade, qualidade de vida) no possuem um titular definido, em termos de exclusividade. Tais direitos fundamentais, tal qual os interesses difusos, constituem a reserva, o arsenal dos anseios e sentimentos mais profundos que, por serem necessariamente referveis comunidade ou a uma categoria como um todo, so insuscetveis de apropriao titulo reservado .62

    Jlio Csar de S da Rocha obtempera:

    O equilbrio do meio ambiente de trabalho e a plenitude da sade do trabalhador constituem direito essencialmente difuso, inclusive porque a tutela tem por finalidade a proteo da sade, que, sendo direito de todos, de toda a coletividade, caracteriza-se como um direito eminentemente metaindividual.63

    O que tutelado no meio ambiente do trabalho a sade e a segurana do

    trabalhador, ou seja, a sua qualidade de vida.

    Nesse sentido, Fiorillo explica:

    Neste, o objeto jurdico tutelado a sade e a segurana do trabalhador, qual seja da sua vida, na medida que ele, integrante do povo, titular do direot ao meio ambiente, possui direito sadia qualidade de vida. O que se procura salvaguardar , pois, o homem trabalhador, enquanto ser vivo, das formas de degradao e poluio do meio ambiente onde exerce o seu labuto, que essencial sua qualidade de vida. Trata-se, pois, de um direito difuso.64

    O Cdigo de Defesa do Consumidor em seu artigo 81, pargrafo nico, define os

    interesses difusos, coletivos e os individuais homogneos:

    61 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. A substituio processual pelo sindicato no processo do trabalho. 1995, p. 157. 62 MELO, Sandro Nahmias. op.cit., p. 32. 63 Direito ambiental e meio ambiente do trabalho. 2002, p. 32. 64 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Manual de direito ambiental e legislao aplicvel. 2004, p. 66.

  • 38

    Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vtimas poder ser exercida em juzo individualmente, ou a ttulo coletivo. Pargrafo nico. A defesa coletiva ser exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste cdigo, os transindividuais, de natureza indivisvel, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste cdigo, os transindividuais, de natureza indivisvel de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrria por uma relao jurdica base; III - interesses ou direitos individuais homogneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

    Alm da aludida definio legal, importante fazer a diferenciao entre interesses

    difusos e coletivos. Os primeiros possuem titulares indeterminveis e os segundos

    determinveis.

    Por outro lado, tem-se que um dano ambiental pode envolver interesses difusos,

    coletivos e individuais homogneos ao mesmo tempo. o que explica Rodolfo de Camargo

    Mancuso:

    A questo da utilizao, numa determinada lavoura, de certo herbicida potencialmente perigoso ao homem: se o que pretende preservar a sade humana, genericamente ameaada ou lesada pela indevida ou excessiva utilizao do citado agrotxico na agricultura, esse interesse ser difuso; s o que se tem em vista so as condies de segurana e higidez de uma dada categoria de trabalhadores (no exemplo, os trabalhadores rurais na colheita de cana), o interessse se revela coletivo em sentido estrito; finalmente, se o de que se trata da reparao pelos danos concretamente causados sade dos trabalhadores intoxicados por aquele produto, se estar falando de interesses individuais homogneos.65

    Por todo o exposto pode-se afirmar que a natureza jurdica do meio ambiente do

    trabalho difusa, cujos titulares so pessoas indeterminadas e ligadas por circunstncias de

    fato.

    2.5.1 Tutela constitucional e infraconstitucional do meio ambiente do trabalho

    O conceito do meio ambiente, conforme j exposto, bastante amplo, incluindo

    elementos naturais, artificiais e culturais a fim de propiciar o desenvolvimento equilibrado da

    vida em todas as suas formas.

    A Constituio Federal de 1988, em seu artigo 225, caput, estabeleceu a tutela

    mediata do meio ambiente, que a qualidade de vida do homem. E, em seus pargrafos,

    estabeleceu a tutela imediata, que a qualidade do meio ambiente.

    65 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ao civil pblica trabalhista: anlise de alguns pontos controvertidos. 1996, p. 55.

  • 39

    Quanto tutela do meio ambiente do trabalho, a nossa Carta Magna estabeleceu a

    tutela imediata em seu artigo 200, inciso VIII:

    Art. 200. Ao sistema nico de sade compete, alm de outras atribuies, nos termos da lei: [...] VIII - colaborar na proteo do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

    A tutela mediata do meio ambiente do trabalho est inserta, tambm, no artigo

    225, caput, da Constituio Federal de 1988, uma vez que meio ambiente do trabalho

    apenas um aspecto do meio ambiente, desse no se diferenciando.

    A tutela mediata do meio ambiente do trabalho tambm se constata atravs da

    previso do direito sade, que tratada em vrios dispositivos de nossa Carta Magna,

    podendo ser encontrado nas disposies gerais da seguridade social.

    Ora, segundo a Constituio Federal de 1988, em seu artigo 194, a seguridade

    social compreende um conjunto integrado de aes de iniciativa dos Poderes Pblicos e da

    sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos sade, previdncia e assistncia

    social. Em seu artigo 196, indica que a sade direito de todos e dever do Estado, garantido

    mediante polticas sociais e econmicas que visem reduo do risco de doena e de outros

    agravos e ao acesso universal e igualitrio s aes e servios para sua promoo, proteo e

    recuperao .

    Pois bem. A expresso todos a que se refere o artigo 196, conseqentemente,

    abrange o direito do trabalhador. Ou seja, se a sade direito de todos, tambm direito dos

    trabalhadores.

    Outros dispositivos constitucionais tambm tratam da sade, quais sejam: artigos

    5., 6., 7., 21, 22, 23, 24, 30, 127, 129, 133, 134, 170, 182, 184, 216, 218, 220, 225, 227 e

    230.

    No que se refere tutela infraconstitucional, o meio ambiente do trabalho possui

    dispositivos que o asseguram contidos na Consolidao das Leis Trabalhistas. Tais

    dispositivos versam sobre normas bsicas de segurana e medicina do trabalho e dos rgos

    aos quais incumbe velar por esse bem jurdico (arts. 155 a 159); inspeo prvia, embargo ou

    interdio de estabelecimento (art. 160); rgo de segurana e medicina do trabalho na

    empresa ( arts. 162 a 165); equipamentos de proteo individual (arts. 166 e 167); medidas

    preventivas de medicina do trabalho (arts. 168