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647 Educ. Soc., Campinas, vol. 29, n. 104 - Especial, p. 647-665, out. 2008 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> EDUCAÇÃO E COMUNICAÇÃO: INTERCONEXÕES E CONVERGÊNCIAS VANI MOREIRA KENSKI * RESUMO: O texto considera as relações entre educação e comunica- ção. Pesquisas que investigam essas relações privilegiam análises sobre os usos das mídias nas escolas e sobre o que é veiculado em diversos tipos de mídias, de acordo com os conhecimentos trabalhados nos programas escolares. Neste texto, a relação entre a educação e a comu- nicação é vista de forma diferenciada. A reflexão da autora tem como foco as relações entre o processo comunicacional humano e o proces- so educacional de ensinar e aprender. Analisa as possibilidades de uso dos meios digitais de comunicação e informação para ampliar e viabilizar essas relações, independente do espaço em que as pessoas se encontrem. A convergência dos meios torna possível a convergência entre as pessoas para a partilha de informações e a aprendizagem em conjunto. Estas ações já ocorrem nas comunidades virtuais de apren- dizagem e em grupos de pesquisa interinstitucionais. Elas se apresen- tam como novas formas de prática educacional mediada. Palavras-chave: Comunicação. Educação. Tecnologias de informação e comunicação. Redes. Cultura de Convergência. EDUCATION AND COMMUNICATION: INTERCONNECTIONS AND CONVERGENCES ABSTRACT: The text considers the relations between education and communication. Prevail in researches about these relationships the analysis of the uses of media in the schools and critical readings of what it is diffused in several kinds of media, accordance with the schools programs. This text considers the relation between education and communication in a differentiated way. Links the essence of com- municational process with the essence of the educational process: * Doutora em Educação e professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Univer- sidade de São Paulo (USP). E-mail: [email protected].

KENSKI- Educação e Comunicação- Interconexões e Convergências

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    Vani Moreira Kenski

    EDUCAO E COMUNICAO:INTERCONEXES E CONVERGNCIAS

    VANI MOREIRA KENSKI*

    RESUMO: O texto considera as relaes entre educao e comunica-o. Pesquisas que investigam essas relaes privilegiam anlises sobreos usos das mdias nas escolas e sobre o que veiculado em diversostipos de mdias, de acordo com os conhecimentos trabalhados nosprogramas escolares. Neste texto, a relao entre a educao e a comu-nicao vista de forma diferenciada. A reflexo da autora tem comofoco as relaes entre o processo comunicacional humano e o proces-so educacional de ensinar e aprender. Analisa as possibilidades de usodos meios digitais de comunicao e informao para ampliar eviabilizar essas relaes, independente do espao em que as pessoas seencontrem. A convergncia dos meios torna possvel a convergnciaentre as pessoas para a partilha de informaes e a aprendizagem emconjunto. Estas aes j ocorrem nas comunidades virtuais de apren-dizagem e em grupos de pesquisa interinstitucionais. Elas se apresen-tam como novas formas de prtica educacional mediada.

    Palavras-chave: Comunicao. Educao. Tecnologias de informaoe comunicao. Redes. Cultura de Convergncia.

    EDUCATION AND COMMUNICATION:INTERCONNECTIONS AND CONVERGENCES

    ABSTRACT: The text considers the relations between education andcommunication. Prevail in researches about these relationships theanalysis of the uses of media in the schools and critical readings ofwhat it is diffused in several kinds of media, accordance with theschools programs. This text considers the relation between educationand communication in a differentiated way. Links the essence of com-municational process with the essence of the educational process:

    * Doutora em Educao e professora do Programa de Ps-Graduao em Educao da Univer-sidade de So Paulo (USP). E-mail: [email protected].

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    teaching and learning. Analyzes possibilities of use of the digital com-munication to extend teach and learning, independent where thepeople are. The media convergence makes possible the convergencebetween people, interested in changing information and learningmeetings. These actions already occur spontaneously in virtual com-munities and inter-institutional groups of research. They presentthemselves as new forms of practical educational mediated.

    Key words: Communication. Education. Information and communica-tion technologies. Nets. Convergence culture.

    Definindo o campo no contexto amplo da educao e da comunicao

    s temas educao e comunicao so complexos e amplos. Aspossibilidades de explorao e estudos das interfaces entre as duasgrandes reas do conhecimento so inesgotveis. Educao e co-

    municao so necessidades exigidas em todos os campos em que preva-lecem as relaes humanas e tcnicas. Mas essa demanda se reflete comoreferncias a um mesmo tipo de educao e de comunicao? Existe algu-ma estrutura comum para a qual convergem os esforos e especificidadesdesses campos?

    A impossibilidade de sntese de tema to universal me coloca di-ante de escolhas para a definio de um foco mais preciso que possaser trabalhado nos limites do artigo. Um olhar curioso me leva ao passa-do e me orienta para os assuntos j anteriormente abordados na temticaeducao e comunicao. A tarefa facilitada pelo levantamento rea-lizado por Vermelho e Areu (2005) em publicaes em ambas as reas.No estudo feito em 58 peridicos nacionais das reas da educao e co-municao, entre os anos de 1982 a 2002, as autoras identificaram ocrescimento de publicaes envolvendo a temtica educao e comu-nicao a partir da segunda metade da dcada de 1990. Entre os 1599textos encontrados e lidos, 923 artigos foram produzidos aps 1995.Esse crescimento no se relaciona com a ampliao do acesso e uso demdias digitais, um fenmeno identificado por mltiplos autores comocaracterstico do final do sculo XX. Na totalidade dos trabalhos ana-lisados, as autoras observaram que predominam estudos empricos so-bre mdias mais tradicionais, como a televiso e a mdia impressa (jor-nais e revistas, principalmente), tendo como foco as questes relativass relaes do sujeito com esses meios de comunicao; anlises dos

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    contedos veiculados e sobre o emprego de metodologias diferenciadaspara uso desses suportes miditicos em salas de aula.

    O tema educao e comunicao assume, na tica desses estu-dos, um carter particular, baseado principalmente em levantamentosde dados empricos entre alunos e professores. As referncias tanto comunicao quanto educao se circunscrevem a aspectos bem es-pecficos, voltados aos usos e prticas na escola (segundo as autoras, so-bretudo de ensino fundamental e graduao) ou anlise do que vei-culado, de acordo com os conhecimentos trabalhados nos programasescolares.

    Com essa apropriao restrita, legitima-se a existente estruturaeducacional formal como o espao privilegiado a ser pesquisado nasinterlocues entre as duas reas. Privilegia-se tambm as anlises dasprodues comerciais oferecidas pela indstria do entretenimento, co-brando das mesmas a apresentao dos valores previstos nos currculosda educao escolar. As prprias autoras apontam lacunas na investiga-o da temtica em outros nveis e modalidades de educao escolar(como a educao infantil e o ensino mdio, por exemplo) e nas formasno-escolares de educao.

    Mais alm do que essas pesquisas apresentam, as temticas refe-rentes educao e comunicao transcendem os espaos das escolas.No se esgotam na anlise dos produtos oferecidos pelas mdias. Comouma nova rea distinta do conhecimento (educao e comunicao),para a qual convergem pressupostos, teorias, concepes e reflexes sobresuas mltiplas relaes, seus estudos vo alm da educao escolarizada eda comunicao miditica. A relao biunvoca em que se entrelaameducao e comunicao engloba os mais diferenciados assuntos, concep-es e linhas tericas, prticas, sujeitos, tempos e processos formais eno-formais conscientes e determinados, ou nem tanto assim. Envolvetambm manifestaes humanas expressivas mediadas ou no em umsentido de transformao e continuidade das relaes interpessoais.Abrange a autonomia para a produo e a realizao de contedos midi-ticos contextualizados, as prprias inovaes, as interconexes possveisentre processos e produtos comunicacionais; as montagens e ediescomo aprendizagens e descobertas, refletindo o sentido de aprender, osdesejos de ir alm e ultrapassar as fronteiras de si em mltiplas dimen-ses pessoais e sociais.

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    Quanto mais ampliamos o sentido dos dois termos educao ecomunicao mais compreendemos a estreita relao entre os mes-mos. Nesse sentido, importante recuperar Paulo Freire, lembrado porPretto (2008, p. 13), para concordar com ele que o ato de educar um ato de comunicao.

    O ato de comunicao expressado no se restringe, portanto, aossuportes ou aos processos intencionais de uso das mdias pelas escolas oupela indstria cultural. O ato de comunicao em educao um movi-mento entre pessoas que possuem em comum a vontade de ensinar eaprender. Neste sentido, recordo-me da professora Mariazinha Fusari ex-coordenadora do Grupo de Trabalho (GT) Educao e Comunicaoda ANPEd (Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educa-o) e pioneira nos estudos na rea , que tanto defendia a compreensoda importncia da intercomunicao humana nos processos educacio-nais, que podem ocorrer em qualquer lugar, a qualquer momento; quetransformam e levam as pessoas a aprender no apenas contedos, masvalores, sensibilidades, comportamentos e prticas em mltiplos e dife-renciados caminhos.

    H proximidade de fato entre em educao e comunicao. Essaaproximao mais ampliada ainda pela forma como ambas so requisi-tadas no atual momento da sociedade. As categorias distintas represen-tadas pela educao e pela comunicao sofreram uma curiosa e grandeconvergncia (Sfez, 1991, p. 8), entre si e com todas as reas do conhe-cimento, com todas as formas de expresso, com toda a viso utpica deprogresso e a necessidade de melhor formao do homem na atualidade.Amplio a expresso de Sfez, que restringe comunicao essa onipotn-cia. No senso comum, educao e comunicao esto na base e na raizda soluo de muitos problemas contemporneos: a felicidade, a igual-dade, o desabrochar dos indivduos e dos grupos (idem, ibid., p. 8).Reunida comunicao, a educao solicitada para invadir todos oscampos, no isolada e ciosa de seus limites de formao e instruo, masmediada, realizando na prtica as interconexes e hibridismo que aspotencializam e as indiferenciam. A indistino entre os suportestecnolgicos, as tcnicas subjacentes produo e veiculao, os conte-dos veiculados e o prprio processo comunicacional-educacional emmuitos dos estudos realizados colaboram para essa incompreenso econfuso.

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    O objetivo desse artigo examinar essa relao no contexto dasociedade contempornea, com a progressiva ampliao e incorporaodas tecnologias digitais e, sobretudo, com as interaes via redes. Opropsito o de levantar diferenciados e bons caminhos convergentesnessas relaes e as posturas crticas que nos alertam sobre os efeitos dacompreenso indistinta dessas interconexes.

    Convergncias: a ao educativa mediada

    O processo da comunicao humana com finalidades educacio-nais transcende o uso de equipamentos e se consolida pela necessidadeexpressa de interlocuo, de trocas comunicativas. Vozes, movimentose sinais corporais so formas ancestrais de manifestaes humanas nosentido da comunicao, visando aprendizagem do outro ser. Elas so-brevivem e continuam predominantes em nossos repertrios intuitivosde expresso, na tentativa de interlocuo, de comunicao significati-va. O signo partilhado compreendido entre os participantes do atocomunicativo. Mais alm do que ensinar que reflete a possibilidade,mas no a efetiva finalizao da comunicao , aprender o principalobjetivo da ao comunicativa presente no processo educacional.

    O ato formal de ensinar reflete a mesma lgica das aes emmassa presentes nos processos miditicos apresentados para grandes au-dincias. Ainda que existam manifestaes do pblico, o foco e o de-sempenho dependem do virtuosismo do protagonista-professor pes-soa ou narrativa , do fascnio que consegue despertar na assistncia,dos procedimentos que utiliza para realizar o programa.

    A ao educativa que se realiza como aprendizagem mais com-plexa e compreende a essncia da comunicao. Exige a participaoplena e a intercomunicao freqente entre os diversos parceiros doprocesso. Todos devem estar envolvidos no mesmo desejo de avanarno conhecimento, ou seja, se transmutar, ser diferente. Ser melhor noapenas pelas aquisies cognitivas, mas pela formao ampla da pessoaem termos de valores, comportamentos individuais e sociais, capacida-de crtica e autonomia para pensar e agir. Essa necessidade educacional inerente ao ser e se apresenta em todos os seus momentos vivenciais,independente da escolarizao.

    A evoluo dos suportes miditicos ampliou este desejo fundantede toda pessoa de se comunicar e de aprender. Os diferenciados meios

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    comunicacionais da escrita internet deram condies complemen-tares para que os homens pudessem realizar mais intensamente seus de-sejos de interlocuo. Possibilitam que a aprendizagem ocorra em ml-tiplos espaos, seja nos limites fsicos das salas de aula e dos espaosescolares formais, seja nos espaos virtuais de aprendizagem.

    O distanciamento entre os comunicantes foi superado por meiode novos processos e suportes que viabilizaram os dilogos entre as pes-soas por meio de correspondncias, telefones, e-mails... A ampliao doacesso a novas formas comunicativas redefiniram os comportamentos e acultura, gerando outros valores e aprendizagens coletivas. Categoriascomo tempo, espao, distncia e proximidade se transmutaram a cadaincorporao das mais modernas tecnologias de comunicao e informa-o em cada poca. A era do rdio, da televiso, do cinema... so mo-mentos datados da evoluo no apenas das mdias vigentes, mas de todaa sociedade, com as especificidades que cada um desses meios ofereceu.Nenhum desses meios, no entanto, se sobreps aos anteriores. Ao con-trrio, sempre coexistiram e se relacionaram de alguma forma.

    Como tecnologia de sntese, a internet viabiliza a convergncia en-tre os diferentes formatos miditicos existentes e altera as maneiras comoas mensagens so veiculadas ou apreendidas. Apesar da flexibilidade e domovimento indiferenciado possibilitado pelo novo meio, a metfora a elerelacionada ainda retoma a compreenso do processo comunicativo comoalgo veloz, mas previsvel e fisicamente delimitado. So as infovias,autopistas de informao e comunicao eletrnicas, as metforas quepretendem explicar a nova realidade presente no virtual.

    O paralelo com a realidade pr-existente facilita a compreenso donovo meio tecnolgico, ainda que sejam vises redutoras sobre as possi-bilidades do mesmo. Assim que, em 1996, o ento secretrio de Edu-cao americano refere-se internet como a lousa do futuro (Briggs &Burke, 2005).

    As possibilidades da internet vo muito alm da lousa em salade aula. Mais de uma dcada aps o seu lanamento, a internet ain-da utilizada de forma restrita nos espaos formais de educao. Isso noimpede que ela sustente inmeras formas diferenciadas de educaono-formal (ou extra-escolar), criadas livremente por pessoas, grupos,corporaes, organizaes governamentais ou no, com objetivos defi-nidos de aprendizagem. No h como debater de forma geral sobre os

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    nveis de qualidade educacionais dessas iniciativas, da mesma formacomo impossvel garantir a qualidade da aprendizagem oferecida portodas as formas oficiais de ensino, virtuais ou no.

    O acompanhamento de algumas dessas aes em redes virtuaisde ensino-aprendizagem nos mostra, no entanto, que o xito dessas ini-ciativas diretamente proporcional freqncia das interaes didti-co-comunicativas entre todos os envolvidos, liderana do mediador eao trabalho colaborativo realizado por todos os participantes do grupo.

    Intercomunicaes: as convergncias comunicativas on-line

    As novas formas de interao e comunicao em redes, oferecidaspelas mdias digitais, possibilitam a realizao de trocas de informaese cooperaes em uma escala inimaginvel. Permitem o desenvolvimentode projetos colaborativos complexos e associaes inesperadas. Wikipedia,Second Life, Craigslist, MySpace, Bebo, Facebook, Flickr so exemplos deespaos virtuais e informais de encontro na internet que permitem aconstruo coletiva aberta. Todos os que acessam so potencialmente pro-dutores de informaes e podem colaborar, inserindo suas contribui-es e opinies em qualquer tipo de texto a que tenham acesso nessesambientes. Revises podem ser feitas periodicamente por especialistas eprofissionais qualificados, o que no impede que novas inseres sejamincludas. O crescimento exponencial. Uma informao postada refle-te-se em um nmero incalculvel de comentrios e novas contribuiesde qualidade e origem diferenciadas.

    Shirky (apud Carr, 2008) quem diz que todos ns, que parti-cipamos ativamente das redes, (...) produzimos mais informaes doque ns podemos consumir. A quantidade de fotografias, materiais gra-vados, textos, metadados que corremos atrs, est nos oprimindo. Nes-se cenrio de tanta informao no lida e no vista, nesse excesso deconhecimentos dispersos (e de possibilidades, de iniciativas espetacu-lares), onde est a educao? Qual o potencial dessa avalanche de da-dos para a educao?

    Ao olharmos essa nova realidade sob a tica educacional identi-ficamos que a comunicao em rede no nos leva a uma era sem media-o como previa Sfez (1991). Ao contrrio, o excesso de informaesnas redes implica a emergncia de novos mediadores (Vaz, 2000). No

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    espao educacional amplo, esses mediadores se apresentam no comoprofessores no sentido tradicional de ser o que professa, o que anun-cia a verdade para os alunos que precisam dessa iluminao, atravsdo conhecimento das coisas.

    Esses novos mediadores podem ser identificados como educado-res, capazes de orientar sem dirigir o processo em construo pelo gru-po, e como comunicadores no sentido da produo do dilogo, da in-terpretao e da intercomunicao entre todos os participantes de umamesma comunidade de ensino-aprendizagem, entre outras coisas. A par-ticipao desses mediadores no meio dos aprendizes se d no sentido deorientar o grupo para o foco do processo que est sendo trabalhado, evi-tando a disperso, a confuso. O papel de mediador se amplia no est-mulo para que todos estejam conectados, atentos, participantes. Comoeducador, ele orienta o caminho, fornece trilhas confiveis, estimula a re-flexo crtica, a produo criativa. Como conciliador, o mediador procu-ra integrar os dissidentes, aplacar os conflitos e estabelecer um clima pro-fcuo de confiana ampliada entre todos, princpio bsico para a atuaoem conjunto e a colaborao.

    As convergncias comunicativas on-line vo alm, portanto, daspossibilidades das mdias e dos contedos dispersos na web. So conver-gncias e interconexes entre pessoas que buscam utilizar essas funciona-lidades em proveito pessoal e grupal para aprender. Diante da impossi-bilidade de lidar isoladamente com o excesso de informaes disponveise mutantes, a integrao com outras pessoas com a mesma finalidade ga-rantem o sucesso do empreendimento e os resultados favorveis da ao.

    Se a apropriao didtico-pedaggica desses procedimentos emredes parece complexa e distante da realidade vigente nos espaos edu-cacionais formais, ela cada vez mais se consolida como prtica nas ati-vidades e aes de pesquisa. J so relevantes as atuaes dos inmerosgrupos e consrcios de pesquisadores que, reunidos em rede, comuni-cam-se, discutem, pesquisam e produzem conhecimentos que revolu-cionam as teorias e a cincia, de maneira geral. O estudo realizado deforma cooperativa entre grupos de pesquisa transnacionais e, em muitoscasos, associados a empresas e organizaes diferenciadas j se apresen-ta como modelo vivel para se avanar e aprofundar os conhecimentossobre determinados assuntos. Mais ainda, a investigao conjunta so-bre o mesmo objeto, a partir das mais diversas ticas, converge para a

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    ampliao do conhecimento de todos e a produo de inovaes teri-cas e tcnicas em termos jamais pensados anteriormente.

    As comunidades de pesquisadores on-line nos encaminham paraum novo modelo de prtica educacional mediada, com o aproveita-mento pleno das funcionalidades presentes nos ambientes virtuais.Elas definem outro modelo de relaes entre comunicao e educa-o, em que esto presentes as interpretaes, os dilogos e multi-logos (trocas comunicativas entre todos os participantes ao mesmotempo), a partilha do sentido e o desejo compartilhado de aprendere pesquisar em conjunto.

    Reunidos em comunidades e consrcios, conectados virtualmen-te, pesquisadores desenvolvem ou se utilizam de programas cada vez maissofisticados e potentes que possibilitam avanos nas pesquisas e desco-bertas revolucionrias em todas as reas do conhecimento. Este o caso,por exemplo, do Exploratory, um programa anunciado em fevereiro de2008 pela National Science Foundation que possibilitar a realizao depesquisas em uma plataforma desenvolvida conjuntamente pelo Google ea IBM com seis universidades. O conjunto consistir em 1.600 processa-dores, diversos terabytes de memria de processamento, centenas de terabytesno armazenamento, software e verses abertas do Google File System e doMapReduce e incluir simulaes do crebro e do sistema nervoso e ou-tras pesquisas biolgicas (Anderson, 2008, p. 109).

    Grupos de pesquisa abertos viabilizam a incorporao de altera-es e novas funcionalidades em software de uso ampliado em todo omundo (como o Linux e o Moodle, por exemplo) para uso gratuito elivre por todos os que desejarem. Esse e outros exemplos cada vez maisfreqentes nos mostram que o modelo incorporado de comunidades depesquisadores em rede se viabiliza e se fortalece. Em trabalho conjun-to, com o apoio de organizaes pblicas e privadas, pesquisadores reu-nidos conseguem realizar projetos de grande envergadura que jamaisse viabilizariam com os sempre escassos recursos humanos, financeirose tcnicos de suas universidades e grupos de pesquisas isolados.

    A convergncia comunicativa entre os pesquisadores participan-tes redefine tambm a proposta metodolgica da pesquisa, no maissustentada apenas a partir de pressupostos e hipteses predefinidas. Oconhecimento essencialmente novo que se abre aos pesquisadores dasmais diferentes reas no pode ser delimitado a priori. Convergncias e

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    interconexes de temas, tecnologias, teorias e pesquisadores redefinem noconjunto os seus caminhos para que o processo coletivo de investigao eproduo de conhecimentos possa ocorrer com a participao de todos,e com o menor tipo possvel de rudos na ao e na comunicao.

    No desafio comum da superao do problema a ser investigado ena busca de respostas e caminhos para as questes postas, a comunicaointerpessoal se potencializa por meio de parcerias e associaes. No coti-diano dessas comunidades virtuais, normas e comportamentos so deli-mitados para que o convvio criativo no seja perdido. O respeito ao ou-tro, o pensamento conjunto e as interaes permanentes se constituemcomo delineamentos iniciais para a identificao de uma nova cultura deconvergncia comunicativa produtiva.

    A prtica investigativa recorre tambm aos meios eletrnicos paraa publicao e difuso dos resultados das investigaes. Ao lado dos pe-ridicos impressos, as publicaes on-line so consideradas muito im-portantes para a socializao das informaes de forma fcil e rpida.As revistas eletrnicas, os portais dos grupos de pesquisa e os blogs dospesquisadores assumem, com maior velocidade, a divulgao de infor-maes sobre os avanos e descobertas das pesquisas em curso.

    Essa cultura se espraia das relaes na pesquisa para as prticaseducacionais mediadas pelas mais novas tecnologias digitais. Este pro-cesso de ampliao e incluso da cultura de convergncia comunicacionalentre as pessoas constitui um novo caminho para as relaes entre co-municao e educao.

    Comunicao ou tecnocomunicao

    Os cuidados com o uso dos pressupostos da comunicao orien-tam minha reflexo para a crtica na tica de um de seus mais con-tundentes estudiosos, Lucien Sfez. Na expresso de Sfez (1991), naatualidade, a comunicao invade tudo. Em todos os campos doconhecimento e reas de atuao, a comunicao se faz presente e alterao comportamento e foco de sujeitos e organizaes que desejam se apre-sentar como comunicativos. Essa convergncia e o consenso que, parao autor, remete a uma nova ideologia ou religio mundial em formao refletem um momento social determinado, ligado ao uso intensivo dastecnologias de informao e comunicao (TIC), ou seja, uma nova con-cepo de comunicao: a tecnocomunicao.

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    Para Sfez (1991), as tecnologias de comunicao pretendem pre-encher o vcuo deixado pelo desmoronamento das ideologias totalizantes religiosas, polticas, cientficas... e colocar-se como a Voz nica, anica coisa que pode unificar um universo que perdeu qualquer outroreferente ao longo do caminho. Comuniquemos. Comuniquemos por in-termdio dos instrumentos que enfraqueceram, precisamente, a comu-nicao. Eis o paradoxo em que estamos lanados (p. 9-10).

    As oposies apresentadas por Sfez no incio dos anos de 1990 tm relao com aspectos analisados favoravelmente por Jenkins(2006, p. 1), visando compreender as mudanas que ocorrem na co-municao em um momento de avanos tecnolgicos intensos sobre-tudo a comunicao via redes digitais baseadas nas possibilidadestecnolgicas das webs 2, 3,... em direo convergncia entre mdias.Este tipo de convergncia, explica Jenkins,

    (...) mais do que simplesmente uma mudana tecnolgica. A convergn-cia altera a relao entre as tecnologias, as indstrias, os mercados, os g-neros e os tipos de audincias existentes. A convergncia refere-se a umprocesso e no a um ponto final. Graas proliferao de canais e aportabilidade das novas tecnologias de computao e das telecomunica-es, estamos ingressando em uma era onde os meios estaro por todaparte e utilizaremos todos os tipos de mdias integradas e conectadas en-tre si. (2004, p. 34)

    Como exemplo, Jenkins mostra que nossos telefones celulares jno so simplesmente dispositivos de telecomunicaes: Eles nos per-mitem jogar, descarregar contedos da internet, receber e enviar men-sagens de texto, fotos, vdeos etc. Qualquer uma dessas funes tam-bm pode ser realizada atravs de outras novas mdias como MP3, MP4,walkman, DVD players, rdios dos carros, arquivos nos computadores,televiso a cabo ou digital etc. (idem, ibid.).

    O movimento para superar essa confuso totalizante no est nanegao da tecnocomunicao, mas na sua interpretao. Essa posturade aceitao crtica deve ser vista com ateno por todos ns, educado-res. Para Sfez, preciso que pratiquemos uma poltica do bom senso eda interpretao (1991, p. 147) Comunicar para compreender o sig-nificado da palavra trocada, a partilha do sentido, o dilogo. Que querdizer? exatamente isso que quer dizer? No foi isso que ele quis di-zer? (Sfez, 1991, p. 147). Nesses casos, segundo o autor, os sentidos

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    podero ser numerosos e a exegese interminvel (idem, ibid.) em umaglomerado chamado pelo autor de comunidade de intrpretes.

    Sfez aproxima-se, assim, de um instante singular de Lyotard(1988), quando nos fala sobre a funo narrativa e a legitimao do sa-ber cientfico pelos pares, como jogos de linguagem nada estveis. Essacomunidade de intrpretes viabiliza-se nos comentrios e movimentosfeitos de forma contnua entre parceiros que se dispem a interagir eaprender em rede.

    A comunicao em rede

    Os efeitos da transformao social causada pelo uso intensivo dasredes eletrnicas de informao e comunicao tm sido estudados emtodo o mundo. A sociedade em rede se organiza por meio de relaesmltiplas que mudam as formas como as pessoas e as organizaes serelacionam, comunicam, interagem e vivem uma nova realidade. Aspossibilidades de interao e comunicao em tempo real com parcei-ros de aprendizagens, independente do local em que se encontrem, nosremetem aos ideais aspirados para a aldeia global por McLuhan(Kerckhove, 1999, p. 209).

    Pesquisas feitas por Castells (2003), no entanto, identificam assingularidades desses aglomerados, de acordo com seus nveis de desen-volvimento, estruturas familiares e trajetrias culturais. Em pesquisa re-cente, Castells e Tubella (2008, p. 14) observam que a sociedade emrede da Finlndia no a mesma que a do Sillicon Valley (...) a difusoda sociedade em rede na China, ndia, Japo, America Latina, Espanhaou Estados Unidos apresenta ritmos e modalidades especficas em fun-o do contexto em que se produz a transio estrutural.

    Castells e Tubella admitem que exista, em todos esses processosde sociedades em rede, um ncleo comum que consiste, em essncia,em quatro elementos principais:

    (...) a revoluo nas tecnologias da informao e comunicao tambm rela-cionada com a revoluo na engenharia gentica; o modelo de organizaoem rede como forma predominante da atividade humana em todos osmbitos; o papel decisivo da gerao do conhecimento e o processamentoda informao como fonte de poder, riqueza e significao cultural; e ainterdependncia global das sociedades, em particular mediante a

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    integrao em redes globais de comunicao das atividades estrategica-mente dominantes em cada sociedade (...). (2008, p. 14)

    Para eles, a sociedade em rede uma forma social planetria,porm com manifestaes especficas em cada uma das sociedades nasquais vive a gente a partir de histrias e culturas diversas (idem, ibid.).

    A convergncia das mdias favorece a confluncia das pessoas e aorganizao de grupos de interessados em um mesmo assunto. Essesgrupos transcendem os limites da sociedade em rede apresentada porCastells, definida nos limites geopolticos dos territrios e das naes.Essas redes temticas constituem novas comunidades virtuais marcadaspela filiao voluntria, determinada pelo interesse intelectual e/ouemocional em relao a um determinado assunto. Caracterizam-se pelodilogo, pela troca de conhecimentos entre os membros, a produocoletiva, a investigao colaborativa e a distribuio de informaes re-levantes de forma aberta para todos os interessados.

    Como cultura emergente, essas redes virtuais afluem em cami-nho oposto convergncia de mdias produzida pelos grandes conglo-merados transnacionais da indstria cultural. Nesta ltima, as mlti-plas facetas da mesma mensagem so apropriadas e oferecidas emdiferenciadas mdias, evidenciando o poderio e a fora econmica e deproduo da organizao. Oferece-se o mesmo mas sempre diferente com o objetivo explcito de maximizao das oportunidades comer-ciais de explorao do contedo em efmeros produtos miditicos.

    J a convergncia comunicacional em redes ocorre pela integraode diferentes pessoas que, a partir do dilogo e da intercomunicao,buscam aprofundar seus conhecimentos, superar obstculos e desafiospara pesquisar e aprender mais sobre o mesmo assunto. Nem sempreelas decorrem de manifestaes educativas formais, ao contrrio, a mai-oria delas se consolida em torno de eventos propostos pela indstriado entretenimento sobretudo jogos, filmes, livros ou novelas comoMatrix, Harry Potter, Heroes... como manifestaes livres e paralelasde aprofundamento de discusses, anlises e produes coletivas de no-vas narrativas ou produtos.

    Essas comunidades em permanente interao on-line mostramsuas foras quando conseguem alterar as relaes existentes entretecnologias, indstrias, mercados, gneros e audincias, como dizJenkins (2004). Como principais consumidores dos produtos em que

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    se modelam, elas interferem direta ou indiretamente no processo pro-dutivo e mesmo nas definies mercadolgicas sobre esses produtos.

    Para Jenkins (2004), essas novas relaes mostram outro perfilda audincia. Se antes o pblico era passivo, submisso, previsvel e iso-lado socialmente, na atualidade ele assume carter proativo e partici-pativo. Reunidos em redes, as pessoas se apresentam ativas, crticas,mutantes, conectadas, resistentes, barulhentas e preferem produzircolaborativamente seus prprios produtos e contedos miditicos(2004, p. 37-38). Reivindicando seus direitos de consumidores e ci-dados, essas pessoas, agrupadas em comunidades virtuais, estabelecemnovos padres de comportamentos e de ao colaborativa.

    Educao em rede

    A atual revoluo cultural provocada pelas tecnologias digitais baseada nas inovaes tecnolgicas de informao e comunicao ofereci-das pela microeletrnica, informtica e digitalizao da informao seconsolida na ampliao do acesso s mais novas oportunidades comuni-cacionais oferecidas pelas redes. O acesso e uso constante das redes digi-tais geram um processo gradual e estrutural de transio e de transforma-o da organizao humana. Descobertas cientficas so divulgadas eincorporadas com cada vez maior velocidade e geram alteraes imedia-tas nas bases dos conhecimentos, nas teorias e nas prticas.

    A comunicao torna-se elemento integrador em todas as fases dosprocessos de pesquisa da investigao divulgao e incorporao soci-al dos resultados e de avanos nos conhecimentos em todas as reas. Aeducao assume importncia e parceria com a comunicao para garan-tir, sob os mais diferenciados formatos, a viabilizao da sua misso comoprocesso de desenvolvimento de aptides, de atitudes e de outras for-mas de conduta exigidas pela sociedade (INEP, 2008).

    Nem todos, no entanto, conseguem participar deste novo mo-mento. Ao contrrio, so poucos os privilegiados que, em todo omundo, convivem nessa sociedade em rede. O problema poltico eeconmico e gera a fragmentao social de forma contundente. ParaCastells (2003, p. 226-227), essa excluso pode se produzir por dife-rentes mecanismos: falta de infra-estrutura tecnolgica; obstculos eco-nmicos ou institucionais ao acesso s redes; capacidade educacional e

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    cultural limitada para usar a internet de maneira autnoma; desvanta-gem na produo do contedo comunicado atravs das redes. E con-clui: os efeitos cumulativos desses mecanismos de excluso separam aspessoas por todo o planeta; no mais ao longo da diviso Norte/Sul,mas dividindo aquelas conectadas s redes globais geradoras de valor por ns que pontilhamos o mundo desigualmente e aquelas exclu-das dessas redes (ibid., p. 227).

    Na sociedade contempornea, apontam Castells e Tubella (2008,p. 14), formas de organizao e de vida procedentes da era industriale das sociedades agrrias se misturam com os processos resultantes datransformao em curso. Essa mixagem tecno-temporal se replica naeducao como um todo e converge como desafio para sua superaonas formas mais regulares e institucionalizadas de escolarizao formal.As necessrias mudanas no mbito das instituies de ensino, paraajust-las a modelos mais adequados ao novo tipo de sociedade, provo-cam crises e movimentos de ao e reao.

    O desafio maior est na conscientizao de que todos os supor-tes comunicacionais digitais contemporneos esto em estado de per-manente atualizao. Nada permanente e duradouro neste segmen-to, tudo muda. No possvel, portanto pensar em um processoeducacional de formao para o domnio pleno de um ou outro recur-so. mais necessrio e urgente compreender a lgica do processo deavano e de suas funcionalidades, seu movimento incessante de mudan-a, sua veloz transformao para oferecer novos formatos de acesso, novosmodos de atuao para o ensino e a produo de conhecimentos.

    No mbito da comunicao midiatizada, no acontece diferen-te. As mdias tradicionais mdia impressa e televiso, que prevalecemnos estudos dos pesquisadores da rea da educao e comunicao sentem diretamente a ameaa dos meios digitais e da forma veloz e am-pla dos processos comunicacionais ocorridos nas redes. As tradicionaisinstituies de comunicao se colocam em transio, buscandoredefinir seus processos e incorporar os novos ambientes em suas prti-cas e atividades.

    A educao e a comunicao como reas do conhecimento flu-em e se atualizam de acordo com as oportunidades oferecidas pelasmais diferenciadas inovaes tecnolgicas. As crises, portanto, estodistantes dos conhecimentos educacionais ou comunicacionais. No

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    a educao ou a comunicao que esto em crise. Ao contrrio, ambasvivem um momento de efervescncia singular. A crise e o caos se en-contram nas instituies e sistemas comunicacionais e educacionais,pela resistncia com que os mesmos defendem os atuais formatos desuas estruturas e organizaes.

    No mbito da educao, o sistema educacional est em crise eem transio para uma verso particular que no se baseia em modelospr-definidos. O formato educacional emergente um processo aindaem aberto e desafiador. Novas composies, flexveis e capazes de atua-lizaes constantes, so necessrias de acordo com os nveis de desen-volvimento, estruturas sociais e trajetrias culturais de cada grupo.

    As instituies educacionais como instituies sociais no seacabam ou perdem seu sentido, elas se atualizam. No momento atualns vemos a crise do atual modelo e a exigncia pela necessidade epelo desejo de aprender de forma contnua e permanente de ofereci-mento de educao para uma sociedade em constante mudana. Comoinstituies no apenas de reproduo do conhecimento, mas, princi-palmente, de pesquisas e processos que colaborem para o avano e cri-ao de novos conhecimentos, elas contribuem significativamente paraas transformaes sociais e tecnolgicas em curso.

    A contradio se apresenta no prprio mago das instituies edu-cativas. H uma sensvel defasagem entre as iniciativas de pesquisa e asprticas de formao e socializao para que possam conviver com astransformaes postas pela sociedade contempornea. As instituieseducativas sentem dificuldade para incorporar as inovaes e avanos nosconhecimentos que ela mesma produz, divulga e oferece sociedade,contribuindo significativamente para a sua transformao.

    A evoluo continua nos meios e processos. As constantes mudan-as no se apresentam como ameaas, mas como oportunidades para aintegrao, o dilogo, a interconexo entre as mais diversas iniciativaseducacionais, no sentido de convergncia de pessoas e conhecimentos.Educao e comunicao, mais do que faces diferentes da mesma moe-da, se integram e se complementam.

    Entre as mltiplas oportunidades oferecidas pelas inovaestecnolgicas de informao e comunicao na atualidade, um movimen-to se destaca pela sua profunda capacidade de alcance da transformaoeducacional almejada por todos os participantes. Trata-se da apropriao

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    das redes digitais para a formao de comunidades de ensino-aprendi-zagem com a possibilidade de comunicao entre todos os participan-tes, independente do espao em que se encontrem. a partir dessaintegrao que a realidade educacional pode se alterar em termos his-toricamente diferenciados de tudo o que j foi pensado na rea.

    As escolas e todos os espaos formais de educao so muitolentos na incorporao crtica de prticas que j fazem parte da cul-tura extra-escolar de usos dos meios para a comunicao, a interaoe o trabalho em redes. A ao mediada, ao ser assumida como pro-cesso educacional, pode reorientar a participao individual volunt-ria e isolada das pessoas nas redes para a participao na comunidadeeducacional emergente. Comportamentos que envolvem no apenasa formao intelectual, mas habilidades e atitudes de convivncia ecidadania podem ser desenvolvidas com a colaborao e o trabalhoem redes.

    O sentido da relao educao-comunicao vai alm das pos-sibilidades oferecidas pelas mdias contemporneas e dos nveis seg-mentados dos sistemas educacionais atuais. Ultrapassa a tentativa deordenao dos contedos escolares e a profuso/confuso dos dados dis-ponveis em mltiplas bases. O ato comunicativo com fins educacio-nais realiza-se na ao precisa que lhe d sentido: o dilogo, a troca e aconvergncia comunicativa, a parceria e as mltiplas conexes entre aspessoas, unidas pelo objetivo comum de aprender e de conviver.

    Recebido e aprovado em agosto de 2008.

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