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La cura del alma
1o de Dezembro, 1955
Alabama, EUA
Ao final de mais um dia de expediente,
ela pega o ônibus para retornar para casa.
Ela está cansada, resolve sentar.
Não tarda muito e o ônibus se enche de passageiros.
Um homem branco se aproxima e exige que ela se retire do banco onde
está sentada para que ele possa se acomodar.
Ela está cansada, e resolve
não ceder o seu lugar.
Não é um cansaço físico, mas o cansaço de quem
suportou por tempo demais humilhação e desrespeito
por causa da cor da sua pele.
Cansada está de ser vilipendiada.
“Quiseram baixar-nos a dignidade, não pode ser mais
assim, tem de acabar...”
Desde pequena haviam lhe ensinado que por causa da cor da sua pele, dentre
tantas outras restrições,
deveria ocupar apenas os lugares no fundo do
ônibus, além de ceder seu lugar sempre que o ônibus
estivesse cheio.
Mas naquela tarde ela resolve permanecer sentada.
Desvia o seu olhar para a janela, e observa
a paisagem que passa...
Foi uma decisão de sua mente, do seu coração,
ou da sua alma?
Quem algum dia sondará as motivações que movem certas ações humanas?...
E serena se mantém,
enquanto, sob a acusação de infração às leis vigentes
e perturbação da ordem pública, é conduzida
à delegacia.
Delito cometido: Recusou-se a ceder seu lugar a
um homem branco
1º de Dezembro, 1955
Rosa Parks
Pena: Prisão e multa
Idade: 42 anos
Profissão: Costureira
Estado civil: Casada
A história de Rosa Parks, uma cidadã exemplar
confinada à prisão por sua atitude solitária em
busca da dignidade,
chama a atenção de um pastor batista
relativamente desconhecido.
Um jovem pastor chamado Martin Luther King.
A atitude solitária de Rosa Parks, agora acolhida por Martin
Luther King, nunca mais será uma atitude solitária...
O jovem pastor passa a incentivar em seus sermões os fiéis a seguir o exemplo de Rosa Parks, e a rejeitar o transporte público oferecido sem o devido respeito.
No dia 05 de dezembro de 1955 inicia-se um boicote em massa,
com os membros da comunidade negra a evitar o uso dos ônibus.
Dentre as reivindicações encontram-se:
- que os passageiros negros sejam tratados com a devida civilidade;
- que motoristas negros também sejam
admitidos nas empresas de transporte público;
- que os assentos dos ônibus sejam ocupados independentemente de
questões de ordem racial.
“Quiseram baixar-nos a dignidade, não pode ser mais
assim, tem de acabar...”
A rápida mobilização permite que em pouco
tempo a idéia do boicote se propague
pela cidade.
E logo no primeiro dia do boicote, uma segunda-feira,
uma forte chuva castiga a cidade.
Mesmo tendo que enfrentar a forte chuva,
os manifestantes mantêm a sua decisão,
e dão início ao boicote por tempo
indeterminado.
Alguns conseguem carona, porém
a maior parte dos manifestantes percorre longas distâncias a pé até o seu local
de trabalho.
Os que cedo madrugaram,
com o céu ainda coberto.
As longas caminhadas,
o cansaço do corpo e a fortaleza
de espírito.
E o que sabemos nós sobre o esforço que
eles enfrentaram em busca da sua
dignidade?
E que esforços estamos nós dispostos a enfrentar em prol
da dignidade?
E o boicote alonga-se por semanas e meses,
As cores que se misturam na paleta
do mês de Outono.
testemunhando até a mudança das estações do ano.
As empresas amargam prejuízos, com
aproximadamente 70% da frota parada nos
estacionamentos,
mas mesmo assim insistem em manter
a segregação vigente.
O caso vai parar nos tribunais, e, de instância
em instância, chega à Suprema Corte Federal.
Finalmente, em 13 de novembro de 1956, a
segregação racial praticada por viações estaduais é
declarada inconstitucional.
O boicote é encerrado no dia seguinte à
implementação da decisão da Suprema Corte Federal.
Durou longos 381 dias.
Viu passar a
Primavera, o Verão, o Outono e o Inverno...
A ampla repercussão do caso concede
projeção nacional a Martin Luther King.
No entanto, a sua caminhada está
somente começando.
A segregação racial ainda corre solto no sul dos Estados Unidos, em
escolas, hospitais, hotéis, restaurantes, e muitos
outros lugares públicos.
Em 1959, Martin Luther King viaja à Índia para aprofundar
os estudos sobre Gandhi e sua filosofia de não-violência, de
quem é um grande admirador.
“Acredito na unicidade absoluta de Deus e, portanto, de toda
a humanidade.Que importa termos
muitos corpos?
Nossa alma é uma só.”
Mahatma Gandhi
E, sob a liderança de Martin Luther King, caminhadas são organizadas em diversos estados norte-americanos, conscientizando e mobilizando a opinião pública.
O movimento pela igualdade atinge o auge em 1964, com a Lei Federal dos Direitos Civis, que baniu a discriminação
racial em todos os estabelecimentos públicos.
Em 1965, Luther King consegue juntar 25 mil pessoas em uma
marcha pedindo o direito ao voto.
Decorridos quatro meses, é aprovada uma lei garantindo
aos cidadãos negros o direito de
se inscrever nas listas eleitorais.
Com apenas 35 anos de
idade, Luther King é a pessoa mais jovem a ser agraciada com o prêmio
Nobel da Paz.
“Eu tenho um sonho
mas sim pelo conteúdo
de seu caráter.” Martin Luther King
que um dia minhas quatro crianças vivam
em uma nação onde não sejam julgadas pela
cor de sua pele,
E não podemos falar de Rosa Parks, e de
Martin Luther King, sem mencionar Malcolm X.
Exímio orador e leitor voraz,
teve uma infância e adolescência marcadas
pela violência característica dos guetos pobres norte-
americanos.
A despeito de uma vida repleta de dificuldades
e de reviravoltas,
tornou-se uma poderosa voz a
defender uma posição conciliatória entre negros e brancos.
Quão precioso o legado que eles nos deixaram.
Quão valiosas as sementes que com coragem e nobreza
souberam plantar.
“Rosa Parks sentou para Martin Luther King caminhar.
King caminhou para Obama correr.
E Obama correu para que as próximas gerações possam voar.”
Frase que virou um hit das mensagens de celular nos EUA
Mas o significado da eleição de Barack Obama
transcende a questão racial.
É a história de um jovem advogado formado pela renomada Universidade
de Harvard,
disposto a largar um confortável emprego numa
importante firma de advocacia de Chicago para
seguir os seus ideais.
Seus colegas de trabalho tentam demovê-lo da idéia de ingressar
na política,
alegam que a família de Obama não possui nenhuma
tradição neste campo,
e observam que caso prossiga com a carreira de advogado, em breve
estará ganhando milhões.
Acrescentam que, para quem pensa em ter filhos e constituir
família, confiar nas incertezas da política é
arriscado.
Coragem é preciso para abdicar o conformismo.
Os caminhos da nossa particular
bem-aventurança.
Coragem se faz necessária para trilhar
os caminhos particulares do coração.
Os caminhos da nossa particular
bem-aventurança.
Coragem significa arriscar o conhecido em nome do
desconhecido, o familiar pelo não familiar,
o que é confortável pela peregrinação
desconfortável e árdua rumo a outro
destino.
Não é possível saber se conseguiremos fazer a travessia ou não.
É uma aposta, mas apenas os
que apostam sabem
o que é a vida.
Arriscar o que é confortável
pela peregrinação
desconfortável e árdua rumo a outro
destino...
A busca por um outro destino.
Tempos de crise,
dias de desintegração...
A crise financeira.
A crise ambiental.
A crise moral e espiritual.
Todas as crianças desamparadas,
mortas, machucadas e mutiladas.
Todos os sonhos desfeitos por mais uma guerra.
Todas as crianças órfãs de seus pais,
As cinco irmãs e o seu triste destino...
todas as mães órfãs de seus filhos.
Quão pouco vale uma vida nestes
tempos desleais em que vivemos.
Os desafios dos tempos presentes certamente são dignos dos melhores super-heróis...
Mas todos sabemos que infelizmente os super-heróis não existem.
O que existe são pessoas de carne
e osso.
Heroísmo talvez seja a coragem de ir
correr o mundo e de buscar a vida...
“Essa campanha não pode ser sobre mim.
Ao longo de sua candidatura presidencial
afirmava Obama:
Eu sou apenas um veículo imperfeito
para seus sonhos e esperanças.”
“Um veículo imperfeito para seus sonhos
e esperanças...”
Quão frágil é a arquitetura dos sonhos e das esperanças.
E, no entanto, não raramente, os sonhos e as
esperanças são tudo o que possuímos.
O que seria de nós se não
sonhássemos?...
São os sonhos dos homens que
sustentam o mundo em sua órbita.
Os anseios íntimos da alma,
que no silêncio dos olhos confessamos.
Olhares que revelam aquilo que palavras não saberiam traduzir.
“Quem não compreende um olhar tampouco compreenderá uma longa explicação”
disse-nos o poeta Quintana.
A dignidade, um direito inato de todo ser humano.
A história de Obama é também sobre a fragilidade e
a força feminina.
Foi da sua jovem mãe, Ann, e sua incansável avó,
Madelyn Dunham, que ele herdou os valores mais
significativos que compõem a sua inspiração íntima.
Certa tarde, Ann, ao chegar em casa, conta
aos pais que seu esposo resolveu regressar em definitivo à Quênia.
E que de agora em diante ela terá que criar sozinha o pequeno filho
que ainda não completou dois anos de
idade.
Acrescenta que optou por trancar a sua
matrícula na universidade,
de modo a ter condições de procurar um emprego para poder sustentar
a si e ao filho.
Sra. Madelyn Dunham, mãe de Ann, em silêncio escuta o relato de sua filha única,
que ao colo segura o pequeno Barry
(carinhoso apelido de Obama utilizado pela família).
O que o futuro reserva para
esta família?
O futuro, o destino, o acaso, o
inevitável
- diferentes maneiras de se dizer a mesma coisa...
A grande verdade é que a vida é feita
de escolhas.
As escolhas da mente,e as escolhas do
coração...
Madelyn sabe que a condição financeira da família é delicada e que apenas o salário de
seu marido não lhes garante o sustento.
Ela apenas ouve, com uma expressão pensativa e de silêncio, o que sua filha tem para lhe dizer.
Ela já está com mais de quarenta anos, e por se
dedicar às tarefas de dona-de-casa, nunca
cogitou a possibilidade de trabalhar fora.
Mas naquela noite, após refletir sobre a conversa que teve com a filha,
ela toma a solitária decisão de procurar um trabalho remunerado.
O que ela mais quer naquele instante é poder
contribuir para o bem-estar de seu neto e da sua filha,
e para que Ann possa retomar o mais breve
possível os seus estudos.
Há quem diga que viver é dançar na corda oscilante do inesperado.
E na manhã seguinte Madelyn parte pela
primeira vez em busca de um emprego.
Sem um diploma superior, ela aceita um
modesto emprego como assistente de secretaria
no Banco do Havaí.
O seu salário não é muito, mas é sua maneira de
contribuir para o bem-estar da sua querida família
naquele momento.
Acorda todos os dias com o céu ainda escuro e sai de casa antes
das cinco.
E com a sua silenciosa alegria e tenra confiança no futuro transmite ao
neto valores como
o amor pelo trabalho duro e a fé nas possibilidades de si
mesmo.
Com o passar dos anos, sua exemplar dedicação ao
trabalho rende frutos, e ela é promovida a cargos mais
elevados no banco.
Decorridos poucos anos, com as melhorias no seu salário,
ela se torna a principal provedora da família.
Num tempo em que as mulheres encontram muitas barreiras para se firmar no
campo profissional,
Madelyn, com sua exemplar dedicação, torna-se a primeira mulher a ocupar o cargo
de vice-presidente do Banco do Havaí.
Sua filha Ann acabara de se formar em Antropologia, e Madelyn, por saber o
quanto ela gosta de viajar e participar de projetos sociais,
lhe propõe que Obama, então com dez anos de idade,
permaneça estudando nos Estados Unidos, morando
com os avós.
E Ann, sabendo que o seu amado filho não
poderia estar em melhores mãos, aceita
a sua sugestão.
Por longos vinte anos ela cumpre com exemplar determinação sua
jornada de trabalho no banco.
E esta amorosa dedicação na educação e criação do neto
certamente é recompensada no dia em que ele, com todas as
honrarias possíveis, se forma na Universidade de Harvard.
Quem algum dia sondará os sentimentos
e as memórias que afloraram no seu coração
quando longamente abraçou o neto recém-formado?...
Obama recorda que muitas vezes sua avó comentava que havia um vestido ou algum
objeto que ela gostaria muito de possuir.
E que ao ser questionada se iria comprá-lo, ela
respondia que não, pois havia decidido trabalhar por causa da família, e
não para atender a caprichos particulares.
Existem as avós,e existem os netos...
O amor é o alimento da chama do sacrifício.
O tempo corre continuamente,
e da sua passagem quão pouco compreendemos.
A única certeza acerca dos sinuosos caminhos do trem do tempo
são as marcas que ele deixa no nosso rosto, e as
modificações a que submete o nosso corpo.
Aquilo que ontem éramos,hoje já não mais somos.
Estamos em 2008, e Sra. Madelyn Dunham
está com 86 anos de idade.
Quis o destino levar-lhe precocemente a filha única,
a sua amada Ann,
mas presenteou-a com três queridas bisnetas.
Estamos em 2008, e ela passa a maior parte
do tempo no modesto apartamento de dois quartos onde criou seu amado neto.
Embora esteja debilitada fisicamente, mantém uma aguda percepção
e acuidade mental.
Faz questão de acompanhar cada etapa da trajetória
política do neto, e vibra com seu bom desempenho na
corrida presidencial.
É através dos noticiários televisivos que acompanha a vitória de Obama nas prévias democratas.
Em conversa telefônica com o neto, resume em poucas palavras o que sente:
“Muito bem, Barry!Muito bem!”
Com a agenda de Obama tão cheia de compromissos na reta final de campanha, é sua irmã Maya quem
permanece ao lado da avó e dela cuida.
E é do Havaí que as duas acompanham juntas e vibram a cada etapa vencida por Obama na
realização de tão acalorado sonho.
Porém, que sabemos nós, passageiros do tempo, acerca dos insondáveis labirintos do destino?
Falta apenas uma semana para
a eleição presidencial.
A saúde frágil,a osteoporose,
a queda inesperada, o tombo traiçoeiro.
E os médicos a informar que a situação da
saúde da Sra. Madelyn é crítica.
Obama toma a solitária decisão de viajar para o Havaí
para permanecer ao lado de sua avó.
Analistas e assessores políticos afirmam que é
arriscado abandonar a cena pública,
desmarcar compromissos agendados e se ausentar
de comícios nesta reta final de campanha.
Mas Obama não volta atrás na sua decisão, e viaja para o Havaí, para
o lar da sua infância.
Existem as escolhas da mente,
e existem as escolhas do coração.
Sra. Madelyn Dunham, mesmo com a saúde muito
debilitada, regozija-se com a companhia de seus dois amados netos,
que desde pequenos lhe chamam pelo carinhoso apelido
de “Toot”, - que significa avó no dialeto havaiano.
Maya conta que sua avó, ao ver a sala do pequeno
apartamento tomada pelas flores que amigos haviam
enviado para ela,
confidenciou à neta, com seu bom humor característico, que seria falta de consideração
continuar viva, e que talvez a sua hora tivesse finalmente chegado.
Aos 86 anos de idade, Sra. Madelyn Dunham
morreu em paz, enquanto dormia.
“É com grande pesar que anunciamos o falecimento de nossa querida
avó, Madelyn Dunham.
Ela era a pedra fundamental da nossa família, e uma mulher de extraordinária
força e humildade.”
de um comunicado conjunto, assinado por Obama
e sua irmã Maya
Obama e sua irmã pedem que ao invés do
envio de flores, os amigos doem a quantia equivalente a alguma
instituição filantrópica.
Madelyn Dunham
(26/10/1922 - 02/11/2008)
Obama ainda tenta retomar os últimos
compromissos de campanha,
mas a presente lembrança de sua amada avó fala mais alto
e ele suspende sua última noite de campanha.
Lágrimas de compaixão.
Lágrimas de gratidão.
Sentimentos de alegria e de tristeza que se entrelaçam.
A saudade das pessoas amadas.
A jovem mãe, idealista e sonhadora, que viveu uma vida de serviço ao próximo,
lutando como organizadora social em favor dos marginalizados.
E a amorosa avó, sustentáculo de uma família com uma história
inspiradora e ímpar.
É sob a inspiração íntima que as duas lhe legaram que Obama revela fidelidade à
força feminina que fez dele o que é.
Existem vidas,E existem destinos...
Há mundos dentro do mundo...
Que a eterna presença das duas,
bem como os pensamentos e orações de todos aqueles que
trabalham por um mundo melhor,
possam acompanhá-lo na importante missão
que lhe é destinada nos anos seguintes.
Formatação: [email protected]