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LAURENTI - 2000 - Terceirização Na Produção Agrícola

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O texto procura discutir a introdução do processo de terceirização na produção agrícola.

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  • A TERCEIRIZAO NA PRODUO AGRCOLA

    A dissociao entre a propriedade e o uso dos instrumentos de trabalho na moderna

    produo agrcola

  • Antonio Carlos Laurenti

  • Pesquisador da rea Tcnica de Socioeconomia do INSTITUTO AGRONMICO DO PARAN-IAPAR

    e-mail: [email protected]

    A TERCEIRIZAO NA PRODUO AGRCOLA

    A dissociao entre a propriedade e o uso dos instrumentos de trabalho na moderna

    produo agrcola

  • minha me Lourdes e s minhas filhas

    Carolina, Camila e Elisa

  • SUMRIO

    NDICE DE FIGURAS D

    NDICE DE TABELAS D

    APRESENTAO I

    INTRODUO 1

    I 17

    1. A terceirizao dos trabalhos agrrios diretos no Brasil 17 1.1 ndice de terceirizao 18 1.2 A disperso geogrfica e evoluo recente da terceirizao dos traba-lhos agrrios diretos no territrio brasileiro 20

    1.2.1 A terceirizao atravs da empreita de mquinas e equipamen- tos 22 1.2.2 A empreita de servios por grupo de rea total do estabelecimen-to 24 1.2.3 A empreita de servios nos principais trabalhos agrrios diretos 28 1.2.4 A terceirizao via aluguel de fora de trao 34 1.2.5 A terceirizao via aluguel de fonte de trao por grupo de rea total do estabelecimento 39

    1.3 A terceirizao dos trabalhos agrrios no Estado do Paran 44 1.3.1 A associao espacial entre a produo agrcola plenamente modernizada e a terceirizao parcial 49

    II 60

    2. A unidade de produo agrcola nas principais interpretaes da eco-nomia poltica relativas a transformao da agricultura 60

    2.1 As unidades agrcolas nas interpretaes fundadas no carter exgeno dos fatores determinantes da transformao da agricultura 64

    2.1.1 A unidade estruturada como tipo bsico da organizao da produo agrcola 64

  • 2.1.2 A unidade agrcola sem estoque de instrumentos de trabalho como o tipo bsico da agricultura de gesto 66

    2.2 A unidade agrcola nas interpretaes de contedo kautskysta 70 2.2.1 A unidade agrcola estruturada como unidade tpica do PSM 70 2.2.2 A unidade agrcola semi-equipada como tipo bsico da agricultura em tempo parcial 73

    2.3 A modernizao da agricultura e a reconstituio modificada de prvias caractersticas das unidades de produo agrcolas 74 2.4 A manuteno da disparidade entre o tempo de trabalho e o de pro-duo pelo progresso tcnico e a sua transposio via terceirizao 78 2.5 O duplo carter do processo de terceirizao: a diferenciao econmica e a decomposio social do produtor simples de mercadoria 86

    III 100

    3. Aspectos microeconmicos da terceirizao da execuo dos trabalhos agrrios diretos 100

    3.1 A agricultura de gesto como etapa da mudana organizacional da produo agrcola 100

    3.1.1 A terceirizao e a potencializao da taxa de rentabilidade 101 3.1.2 O risco de frustrao de safras como fator relevante na deciso de imobilizar capital em maquinaria agrcola 103 3.1.3 A terceirizao como condio da modernizao plena das unidades agrcolas de pequena escala de produo 108 3.1.4 A terceirizao e a especializao flexvel das unidades agrco- las 116

    3.2 A produo simples de mercadoria como anteparo generalizao da plena terceirizao ou da agricultura de gesto 120

    3.2.1 A diferenciao da base tcnica do processo de formas da pro-duo agrcola 123

    3.2.1.1 A natureza eco-regulatria do trabalho agrcola e o uso supra-empresarial dos modernos instrumentos de trabalho agrcolas 123 3.2.1.2 A polivalncia dos instrumentos de trabalho motomecaniza- dos 127

    3.2.2 A especializao flexvel e a terceirizao parcial 129 3.2.3 A no-aleatoriedade da terceirizao parcial na agricultura plenamente modernizada 131 3.2.4 As inovaes tecnolgicas e a decomposio da categoria PSM132

    IV 134

  • 4. A instabilidade das condies externas e a transitoriedade da tercei-rizao parcial 134

    4.1 A retrao na produo de trigo como reafirmao da suspeita de no consolidao do padro de crescimento intensivo da agricultura 137 4.2 A terceirizao da execuo dos trabalhos agrrios diretos como in-dicativo da maturidade do padro intensivo na produo agrcola 140 4.3 A contemporaneidade do ajuste do setor agrcola frente algumas ino-vaes organizacionais na produo e na gesto do trabalho 143

    V 156

    5. As condies externas e a diferenciao do produtor simples de mercadoria na moderna agricultura paranaense 156

    5.1 A mudana na base tcnica e inverso das posies ocupadas pelos titulares das unidades agrcolas na organizao da produo 158 5.2 Um breve relato sobre a evoluo da produo da soja e trigo no Es-tado do Paran 161

    5.2.1 Os anos setenta: a modernizao plena, a terceirizao parcial e o xodo rural 161 5.2.2 A dcada de oitenta: o padro intensivo na produo de soja e trigo 166

    5.3 A interveno pblica, as etapas e fases da evoluo da produo de soja e trigo no Paran 169

    5.3.1 A etapa do crescimento extensivo semi-modernizado 169 5.3.2 A etapa do crescimento intensivo 170

    5.3.2.1 A fase da Revoluo Verde 171 5.3.2.2 A fase de fordizao da produo agrcola 173

    VI 179

    6. RESUMO E CONCLUSES 179

    BIBLIOGRAFIA 203

  • NDICE DE FIGURAS Figura 1- Regio de modernizao intensiva do Estado do Paran, 1985. 55 Figura 2 - Custo da colheita mecnica de soja. 109

    NDICE DE TABELAS Tabela 1. ndice de Terceirizao (IT) , segundo as Grandes Regies e Uni-

    dades da Federao do Brasil, 1985. 21 Tabela 2. Variao do total de estabelecimentos com servios de empreitada,

    segundo as Grandes Regies e Unidades da Federao, Brasil 1980 e 1985. 23

    Tabela 3. Total de estabelecimentos com servios de empreitada e participa-o percentual, segundo as Grandes Regies e Unidades da Federao, Brasil 1980 e 1985. 25

    Tabela 4. Distribuio e variao do total de estabelecimentos e do total de estabelecimentos com servios de empreitada, por grupos de rea total, Brasil 1980 e 1985. 26

    Tabela 5. Distribuio do total de estabelecimentos e dos estabelecimentos com servio de empreitada, por grupo de rea total, Brasil 1980. 27

    Tabela 6. Variao do total de estabelecimentos com servios de empreita- da, por tipo de servio, segundo as Grandes Regies e Unidades da Fe-

    derao, Brasil 1980 e 1985. 29 Tabela 7. Participao percentual dos estabelecimentos com servios de

    empreitada , por tipo de servio e segundo as Grandes Regies e Uni- dades da Federao, Brasil 1980 e 1985. 31 Tabela 8. Variao do total de estabelecimentos com servio de empreitada,

    por tipo de servio e grupos de rea total, Brasil 1980-1985. 32 Tabela 9. ndice de terceirizao por tipo de servio empreitado (ITe ) e

    grupos de rea total, Brasil 1980 e 1985. 33 Tabela 10. Participao relativa e variao do total de estabelecimentos com

    uso de fora de trao nos trabalhos agrrios, segundo a procedncia da fora utilizada, por Grandes Regies e Unidades da Federao, Brasil 1980 e 1985. 35

  • Tabela 11. Distribuio e variao do total de estabelecimentos com uso de

    fora de trao, segundo a procedncia da fora utilizada e IT, por es-trato de rea total, Brasil 1980 e 1985. 37

    Tabela 12. ndice de terceirizao relativo ao uso de fora de trao nos trabalhos agrrios, segundo as Grandes Regies e Unidades da Federa-o, Brasil 1980 e 1985. 38

    Tabela 13. Distribuio do total de informantes, produo e rea colhida de soja e trigo, por grupo de rea de colheita, Brasil 1970. 45

    Tabela 14. Distribuio do total de informantes, produo e rea colhida de soja e trigo, por grupo de rea de colheita, Brasil 1980. 46

    Tabela 15. Distribuio do total de informantes, produo e rea colhida de soja e trigo, por grupo de rea de colheita, Brasil 1985. 47

    Tabela16. Distribuio do total de informantes, produo e rea colhida de soja e trigo, por grupo de rea de colheita, Paran 1985. 48

    Tabela 17. Distribuio dos produtores de soja do Estado do Paran, se-gundo o tipo e procedncia da fora utilizada nos trabalhos agrrios e por estrato de rea total 1985 49

    Tabela 18. Distribuio dos triticultores do Estado do Paran por estrato de rea total, tipo e procedncia da fora de trao utilizada nos trabalhos agrrios, 1985. 49

    Tabela 19. Relao das variveis utilizadas na descrio da estrutura agrria do Estado do Paran a partir das informaes do Censo Agropecurio de 1985. 51

    Tabela 20. Pesos dos fatores aps rotao ortogonal na anlise fatorial da agricultura do Estado do Paran com trinta e seis (36) variveis descriti-vas calculadas para o ano de 1985. 53

    Tabela 21. Principais meses da colheita e quantidade colhida de soja e trigo no Estado do Paran, 1985. 56 Tabela 22. Distribuio do total de municpios, estabelecimentos e de

    estabelecimentos com uso de servios de empreitada, 57 Tabela 23. Distribuio do total de estabelecimentos com empreita conjunta

    de equipamentos e mo-de-obra das regies homogenas 06 e 12, Paran 1985. 59 Tabela 24. Estimativa dos montantes de juro e de depreciao, anual e por

    hora mquina, relativos a uma colheitadeira automotriz de gros SLC 122 CV MODELO 6200, e da rea colhida para trs perodos hipotticos

    de depreciao do capital. 104 Tabela 25. Estimativa dos custos unitrios mximo e mnimo da colheita me-

    cnica de soja e da rea de equivalncia entre os custos de execuo au-tnoma e a empreita de servios, relativa a safra 1994/95. 109

  • Tabela 26. Disponibilidade de colheitadeiras em relao ao estrato de rea anual da lavoura de soja, em 370 propriedades rurais amostradas no Es-tado do Paran, na safra 1987/88. EMBRAPA - CNPSo. Londrina, PR. 1988. 114

    Tabela 27. Variao do total de estabelecimentos, da rea total ocupada e explorada e das reas das lavouras de caf e soja, na regio de maior in-tensidade de modernizao da base tcnica no Estado do Paran, perodo 1980-1970. 160

    Tabela 28. Mdias qinqenais da rea plantada, produo e produtividade das lavouras de soja e trigo do Estado do Paran, 1970-1994. 174

    Tabela 29. Comparativo da receita bruta por hectare da lavoura do trigo, se- gundo os qinqnios da dcada de oitenta no Paran. 175

  • APRESENTAO Nos pases desenvolvidos um novo paradigma ps industrial est emer-

    gindo, fazendo com que o mundo rural volte a ser maior que a agricultura. Esse

    novo rural, como o temos denominado, compe-se basicamente de trs grandes

    subsetores de atividades:

    a) uma agropecuria moderna, baseada em commodities e intimamente ligadas s agroindstrias;

    b) um conjunto de atividades no-agrcolas, ligadas moradia, ao lazer e a vrias atividades industriais e de prestao de servios;

    c) um conjunto de novas atividades agropecurias, localizadas em nichos especficos de mercados.

    O termo novas foi colocado entre aspas porque muitas dessas atividades,

    na verdade, so seculares no pas, mas no tinham, at recentemente, importncia

    como atividades econmicas. Eram atividades de fundo de quintal, hobbies pes-

    soais ou pequenos negcios agropecurios intensivos (piscicultura, horticultura,

    floricultura, fruticultura de mesa, criao de pequenos animais etc.), que foram

    transformados em importantes alternativas de emprego e renda no meio rural nos

    anos mais recentes. Muitas destas atividades, antes pouco valorizadas e dispersas,

    passaram a integrar verdadeiras cadeias produtivas, envolvendo, na maioria dos

    casos, no apenas transformaes agroindustriais, mas tambm servios pessoais e

    produtivos relativamente complexos e sofisticados nos ramos da distribuio, co-

    municaes e embalagens.

    Tal valorizao tambm ocorre com as atividades rurais no-agrcolas

    derivadas da crescente urbanizao do meio rural (moradia, turismo, lazer e pres-

    tao de servios) e com as atividades decorrentes da preservao do meio ambi-

    ente, alm de um outro conjunto que busca nichos de mercado muito especficos

    para sua insero econmica.

  • ii

    A concluso que o meio rural dos pases desenvolvidos j no podia ma-

    is ser analisado apenas como o conjunto das atividades agropecurias e agroindus-

    triais, pois ganhou novas funes. O aparecimento (e a expanso) dessas novas

    atividades rurais agrcolas e no-agrcolas, altamente intensivas e de pequena

    escala tem propiciado novas oportunidades para um conjunto de pequenos pro-

    dutores que no podem ser chamados de agricultores ou pecuaristas e que, muitas

    vezes, no so nem mesmo produtores familiares, uma vez que a maioria dos

    membros da famlia est ocupada em outras atividades no-agrcolas e/ou urbanas.

    Ou seja, o mundo rural dos pases desenvolvidos tem um novo ator social

    j consolidado: as famlias pluriativas que combinam atividades agrcolas e no-

    agrcolas na ocupao de seus membros ativos. A caracterstica fundamental que

    atualmente no so exclusivamente agricultores ou pecuaristas: combinam ativida-

    des dentro e fora de seu estabelecimento, tanto nos ramos tradicionais urbano-

    industriais, como nas novas atividades que vem se desenvolvendo no meio rural,

    como lazer, turismo, conservao da natureza, moradia e prestao de servios

    pessoais. Em resumo, deixam de ser trabalhadores agrcolas especializados para se

    converter em trabalhadores (empregados ou por conta prpria) que combinam di-

    versas formas de ocupao (assalariadas ou no, agrcolas e no-agrcolas).

    Na verdade, a novidade em relao aquilo que, na viso dos clssicos mar-

    xistas, seria considerado camponeses em processo de proletarizao a combina-

    o de atividades no-agrcolas fora do estabelecimento, o que no ocorria anteri-

    ormente. E mais: os clssicos consideravam a existncia de membros da famlia

    camponesa trabalhando fora de sua unidade produtiva como um indicador do pro-

    cesso de proletarizao e, consequentemente, de desagregao familiar, empobre-

    cimento e piora das condies de sua reproduo social.

    preciso recordar que os camponeses no eram produtores agrcolas espe-

    cializados dado que, usualmente, combinavam atividades no-agrcolas de bases

    artesanais dentro do estabelecimento, envolvendo praticamente todos os membros

  • iii

    da famlia na produo de doces e conservas, fabricao de tecidos rsticos, mveis

    e utenslios diversos, reparos e ampliao das construes e benfeitorias etc. O si-

    nal visvel de que no podiam mais garantir a sua reproduo era o assalariamento

    temporrio fora, que ocorria fundamentalmente em unidades de produo vizinhas

    por ocasio da colheita.

    Com a urbanizao do meio rural que ocorreu em paralelo queda dos

    preos dos produtos agropecurios decorrente da modernizao agrcola, o apareci-

    mento de ocupaes no-agrcolas passou a ser, na verdade, a salvao da lavou-

    ra, como se diz por aqui. Ou seja, foi a possibilidade de obter ocupaes e rendas

    no-agrcolas que, muitas vezes, impediu o abandono total das propriedades, espe-

    cialmente pelos membros mais jovens das famlias rurais.

    A possibilidade de combinar atividades agrcolas com atividades no-

    agrcolas e alheias ao estabelecimento familiar, remete a um processo de "desdi-

    ferenciao" ou desespecializao da diviso social do trabalho, que tem na sua

    origem a modificao do prprio processo de trabalho, tanto na agricultura mo-

    derna como na indstria de base fordista. Vrios fatores vm contribuindo para im-

    pulsionar essa nova tendncia no mundo rural dos pases desenvolvidos, dentre os

    quais se deve destacar a crescente semelhana das formas de organizao e contra-

    tao de trabalho na indstria com aquelas secularmente existentes na agricultura

    (flexibilidade de tarefas e da jornada, contratao por tarefa e/ou por tempos deter-

    minados etc.), a volta da indstria para os campos1, a melhoria nos sistemas de co-

    municao e transporte e o aparecimento de novas formas de trabalho a domiclio.

    1 Vale lembrar que as primeiras indstrias inglesas tinham que se localizar no campo, dada a necessidade de estarem prximas das fontes de energia hidrulica. Com o advento da mquina a vapor, elas se mudam para as cidades, onde havia maior disponibilidade de fora de trabalho. por isso que a mquina a vapor consi-derada a me das cidades inglesas por Marx (O Capital, vol I, cap.13 : Maquinaria e Indstria Moderna).

  • iv

    Como assinalam Mingione e Pugliese2, a pluriatividade, na maioria das

    vezes, se associa tambm a um outro fator complexo, que a combinao, cada vez

    mais freqente, numa mesma pessoa, do estatuto de empregado com o de traba-

    lhador por conta prpria. O resultado dessa associao o aparecimento de tipos

    que, tanto do ponto de vista social como profissional, so difceis de classificar. E

    citam o exemplo do alugador de mquinas que trabalha com seu prprio trator em

    vrias unidades agrcolas e que, muitas vezes, recebe um salrio dirio em funo

    das horas trabalhadas. Alm disso tudo, concluem que

    assemelha-se mais a um mecnico do que a um campons, do mesmo modo que hoje em dia o agricultor tende a preocupar-se mais com questes comerciais do que com o crescimento das culturas em si.

    Em resumo, a pluriatividade das famlias rurais nos pases desenvolvidos

    tende a se configurar de duas formas bsicas:

    a) atravs de um mercado de trabalho relativamente indiferenciado, que combina desde a prestao de servios manuais at o emprego temporrio nas in-dstrias tradicionais (agroalimentares, txtil, vidro, bebidas etc.); e

    b) atravs da combinao de atividades tipicamente urbanas do setor terci-rio com o management das atividades agropecurias a tempo parcial.

    por essa segunda forma que, de um lado, milhares de profissionais libe-

    rais urbanos, atrados pelas facilidades decorrentes dos novos servios disponveis

    para apoio das atividades agropecurias, passaram a olhar os campos como uma

    oportunidade tambm para novos negcios. E que, de outro lado, milhes de agri-

    cultores por conta prpria e at mesmo trabalhadores rurais assalariados no espe-

    cializados buscam formas de prestao de servios tipicamente urbanas.

    A generalizao da atividade agropecuria em tempo parcial nos pases

    avanados decorre fundamentalmente de uma reduo do tempo de trabalho neces-

    srio dos produtores familiares e por conta prpria. Isso se tornou possvel com:

    2 MINGIONE, E. & PUGLIESE, E. A Difcil Delimitao do Urbano e do Rural. Revista Crtica de Cincias Sociais, Lisboa, 22:83-89 (abril), 1987, p. 96-7.

  • v

    a) o crescimento da mecanizao das atividades agrcolas e da automao nas atividades criatrias; e

    b) os programas de reduo das reas cultivadas (set-aside) e/ou extensi-ficao da produo agropecuria.

    Em funo dessas mudanas, duas grandes transformaes ocorreram nas

    atividades agropecurias do mundo desenvolvido:

    a) as unidades familiares se individualizaram no que diz respeito gesto produtiva, liberando os membros da famlia para buscarem fora outras atividades;

    b) os membros da famlia que j trabalhavam individualmente ou por con-ta prpria reduziram o tempo dedicado s atividades agropecurias, em busca de outras atividades rurais ou urbanas que lhes assegurassem maior nvel de renda3.

    H um outro elemento que viria a se somar ao crescimento da atividade a-

    gropecuria em tempo parcial para garantir a pluriatividade no meio rural dos pa-

    ses desenvolvidos, que a dinmica de crescimento das atividades rurais no-

    agrcolas. E aqui novamente preciso chamar a ateno do que novo no processo

    de transferncia de atividades urbanas - em particular das atividades industriais -

    para os campos. sabido que muitas indstrias tradicionais (que muitos preferem

    chamar de sujas ou decadentes) h muito j vem procurando refgio no espao

    agrrio por razes de custos internos (maior proximidade das matrias primas,

    busca de mo-de-obra barata e no sindicalizada etc.) e custos externos (dificulda-

    des de transporte de cargas, menor rigor no controle de poluio etc.).

    Todavia, mais recentemente, estimuladas pelo desenvolvimento das tele-

    comunicaes - particularmente da telemtica - novas indstrias e servios auxi-

    liares da produo, de alto nvel tecnolgico, tambm tm se transferido para os

    campos em busca de melhores condies de produo e de trabalho.

    Tomando-se a pluriatividade como a marca fundamental desse novo agri-

    cultor, podemos assinalar aqui vrios outros fenmenos relacionados que podem

    ser observados no novo mundo rural dos pases desenvolvidos:

    3 BAPTISTA, F. Famlias e Exploraes Agrcolas. IV Congresso Latino-Americano de Sociologia Rural, Concepcion, Chile, 1994, 10 p.

  • vi

    a) o desmonte das unidades produtivas, em funo da possibilidade de externalizao de vrias atividades que antes tinham que ser realizadas na fazenda, atravs de contratao de servios externos (aluguel de mquinas, assistncia tc-nica etc.)4;

    b) a especializao produtiva crescente, permitindo o aparecimento de no-vos produtos e de mercados secundrios, como, por exemplo, de animais jovens, mudas e insumos5;

    c) a formao de redes vinculando fornecedores de insumos, prestadores de servios, agricultores, agroindstrias e empresas de distribuio comercial6;

    d) o crescimento do emprego qualificado no meio rural, especialmente de profisses tcnicas e administrativas de contedo tipicamente urbano, como mo-toristas, mecnicos, digitadores e profissionais liberais vinculados a atividades ru-rais no-agrcolas; e

    e) a melhoria da infra-estrutura social e de lazer, alm de maiores facili-dades de transporte e meios de comunicao, possibilitando maiores chances de acesso aos bens pblicos, como previdncia, saneamento bsico, assistncia mdica e educao, alm de uma melhora substancial na qualidade de vida para os que moram nas zonas rurais7.

    evidente que esse novo mundo rural dos pases desenvolvidos no

    nenhum paraso: os ndices de pobreza e misria, bem como o isolamento das po-

    pulaes de menores rendas, apesar de terem se reduzido, ainda continuam altos

    vis--vis os das regies urbanas. Mas tambm j evidente que, para uma dada

    renda monetria, os padres de vida dos trabalhadores rurais so iguais ou su-

    periores aos dos pobres urbanos. Talvez seja esse o ponto fundamental de interesse

    na nova relao de trabalho representada pela pluriatividade nos pases desenvol-

    vidos: os custos monetrios de reproduo so mais baixos no contexto rural, espe-

    4 ARNALTE, A, E. Estrutura de las explotaciones agrrias y externalizacin del proceso productivo. Revista de Economia, Madrid. 666:101-117 (feb.), 1989. 5 GOODMAN, D. & SORJ, B. & WILKINSON, J. Da lavoura s biotecnologias. RJ, Ed. Campus, 1990. 6 GREEN, R. H. & SANTOS, R. R . Economia de red y reestruturacin del sector agroalimentario. Paris, INRA, 1991. 7 BARLETT, P. Part-time Farming: Saving the Farm or Saving the Lyfestyle? Rural Sociology, EUA. 51(3):289-313 (fall), 1986.

  • vii

    cialmente quando, atravs da atividade agrcola a tempo parcial, tambm h inter-

    ligao via mercado de trabalho8.

    Nos pases subdesenvolvidos tambm j se percebe com clareza o fenme-

    no da pluriatividade e da agricultura em tempo parcial9, embora sem a mesma

    magnitude que assume nos pases desenvolvidos. notrio que h diferenas subs-

    tanciais, ainda que se possa observar, em graus diferentes de importncia relativa

    conforme as diferentes regies do pas, os mesmos fenmenos apontados anterior-

    mente: especializao das unidades produtivas, o crescimento da prestao de ser-

    vios, a formao de redes dentro dos distintos complexos agroindustriais, o cresci-

    mento do emprego rural no-agrcola e a melhoria das condies de vida e lazer no

    meio rural.

    So essas transformaes que estamos estudando no mbito do Projeto

    Rurbano10, onde se prope investigar a relevncia dos cortes urbano/rural e

    agrcola/no-agrcola no desenvolvimento brasileiro recente.

    O trabalho de Laurenti, que agora apresentado ao pblico na forma deste

    livro, um dos precursores do projeto Rurbano. Ele aborda exatamente aquilo que

    a razo ltima do desmonte das exploraes agropecurias em todo o mundo,

    qual seja, a dissociao entre a propriedade da terra e o uso dos instrumentos de

    trabalho. No apenas um estudo de caso da moderna produo agrcola, como

    se poderia depreender do subttulo do livro: uma tentativa de explicar teorica-

    mente quem esse novo personagem, esse novo ator social que denominamos de

    pluriativo.

    8 MINGIONE, E. & PUGLIESE, E. op. cit., p 92. 9 Ver a respeito: GRAZIANO DA SILVA, J. Resistir, resistir, resistir: Consideraes acerca do Futuro do Campesinato no Brasil, 1995; SCHNEIDER, S. As Transformaes Recentes da Agricultura Familiar no RS: O Caso da Agricultura em Tempo Parcial. Ensaios FEE, Porto Alegre 16(1):105-129, 1995 e tambm ANJOS, F, S. Agricultura Familiar em Transformao: O Caso dos Colonos-Operrios de Massaranduba, SC, Pelotas, Ed. Universitria, 1995, 169 p. 10 um Projeto Temtico denominado Caracterizao do Novo Rural Brasileiro, 1981/95 que conta com financiamento parcial da FAPESP e que pretende analisar as transformaes no emprego rural em onze Uni-dades da Federao (PI,RN,AL,BA,MG,RJ,SP,PR,SC,RS e DF). Mais informaes na nossa homepage http://www.eco.unicamp.br/projetos/rurbano.html.

  • viii

    A sua importncia evidente: cada vez menos o que se faz da porteira pra

    dentro, revela a complexidade das relaes sociais e econmicas envolvidas nas

    atividades agropecurias modernas. As suas implicaes tambm: at mesmo do

    ponto de vista da coleta das informaes estatsticas, os estabelecimentos agro-

    pecurios no podero mais ser definidos apenas do mbito das suas relaes in-

    ternas.

    Laurenti j teve o seu mrito reconhecido: primeiro com a aprovao da

    tese por unanimidade da banca constituda pelos professores Rodolfo Hoffmann,

    Guilherme Costa Delgado, Shigeo Shiki, Walter Blik e por mim, que tive ainda a

    honra de ser o seu orientador. Depois com o prmio Edson Potch Magalhes, de

    melhor tese de doutorado na rea de Economia Rural, obtido no XXXV Congresso

    Brasileiro de Economia e Sociologia Rural da Sociedade Brasileira de Economia e

    Sociologia Rural-SOBER, realizado em Natal(RN) de 04 a 08 de agosto de 1997.

    Foi a primeira vez que o Programa de Doutoramento em Economia do Instituto de

    Economia da UNICAMP teve uma de suas teses de doutorado da rea de Economia

    Rural premiada na SOBER. Acho que no preciso dizer mais nada para os nossos

    leitores.

    Jos Graziano da Silva

    Campinas, abril de 1998.

  • INTRODUO A agricultura brasileira experimentou, na primeira metade dos anos oiten-

    ta, uma desacelerao do ritmo da concentrao do acesso terra e uma retrao

    nos mercados dos insumos e instrumentos de trabalho agrcolas industrialmente

    produzidos1 . Tal arrefecimento2 na modernizao agrcola no evitou, porm, a su-

    plantao do predomnio que a expanso da rea cultivada e do pessoal ocupado

    preexerciam sobre os ganhos de produtividade na composio da taxa de cresci-

    mento do produto agrcola, a qual se efetivou ao longo da dcada de oitenta3 .

    O crescimento de forma intensiva, porm, no dissipou completamente as

    dvidas que pairavam acerca da efetiva consolidao4 do novo padro de agricul-

    1 Os ndices relativos desacelerao dos movimentos de concentrao fundiria, de aumento do nmero de estabelecimentos com tratores e de expanso da rea cultivada em ritmo superior ao de crescimento da pro-dutividade, que vigoravam de forma intensa no perodo 1960-80, na agricultura brasileira, foram avaliados por Charles C. MUELLER (A evoluo recente da agropecuria brasileira segundo os dados dos Censos Agropecurios) e por George MARTINE. (A evoluo recente da estrutura da produo Agropecuria: Al-gumas notas preliminares). Ambos artigos esto contidos In: IPEA: Dados Conjunturais da Agropecu-ria. ed. esp. Coordenadoria de Agricultura. Braslia, julho de 1987, p. 11-41 e p. 63-68. 2 Entendido como diminuio do ritmo de crescimento do consumo de meios de produo e de instrumentos de trabalho agrcolas industrialmente produzidos, conforme Jos GRAZIANO DA SILVA. Uma Dcada Perversa: As Polticas Agrcola e Agrria dos anos 80. IE/UNICAMP, 1992, p. 21-25. 3 A anlise da taxa de crescimento do PIB agropecurio nacional, efetuada por Guilherme Silva DIAS - O Papel da Agricultura no Processo de Ajustamento - Nota Adicional. In: Anais do Congresso da SOBER, 27, 1989, p. 310-317, evidenciou a inverso no sentido da variao das taxas geomtricas anuais de in-cremento do produto por rea, que de -0,58 no perodo 1975-80, passou para 2,36 no perodo 1980-85, en-quanto que, a taxa de crescimento do pessoal ocupado, neste ltimo qinqnio, foi mais que o dobro daque-la observada para a segunda metade da dcada de setenta. Isto denota que a agricultura nacional retrocedeu, ao menos parcialmente, s formas de expanso da produo que prevaleciam nos anos cinqenta. Por sua vez, Jos G. GASQUEZ & Carlos M. VILLAVERDE evidenciaram, no artigo Crescimento da agri-cultura brasileira e poltica agrcola nos anos 80. Texto para Discusso, IPEA 204, 1990, p. 8-11, a inci-dncia diferenciada, nas grandes regies, da taxa de crescimento do produto bruto da agricultura, da contri-buio da expanso rea cultivada, do pessoal ocupado e da produtividade. 4 Jos GRAZIANO DA SILVA, no texto Condicionantes para um Novo Modelo Agrrio e Agrcola. In: Crise Brasileira. Anos Oitenta e Governo Collor, Inst. CAJAMAR, 1993, p.211-217, avalia os limites, internos e externos, consolidao do novo padro da agricultura brasileira e comenta que: no se pode dizer que esse novo modelo esteja consolidado, no sentido de que possa caminhar com seus prprios ps, prescindindo de uma regulao estatal efetiva.

  • 2 Antonio Carlos Laurenti tura, viabilizado pelas polticas pblicas voltadas a complementar5 a estrutura

    agroindustrial iniciada em meados da dcada de sessenta.

    A permanncia da suspeita est associada ao fato de que a modernizao

    da agricultura brasileira avanou, principalmente, pela reduo da relao cus-

    to/benefcio propiciada pelos financiamentos operacionalizados com subsdios pela

    no cobrana, parcial ou total, dos juros devidos e pela correo monetria dos

    dbitos a taxas inferiores quela sinalizada pelo ndice de desvalorizao da moe-

    da, notadamente na segunda metade dos anos setenta6 .

    A conteno do crdito, iniciada em 1979, que prenunciava o colapso do

    padro de financiamento da economia brasileira que se efetivou com a crise da

    dvida externa em 1982, resultou na suspenso dos incentivos agricultura, parti-

    cularmente na rubrica investimentos, e na retrao do comrcio dos modernos

    instrumentos de trabalho agrcola7. Essa retrao, aliada ao fato de que as pers-

    pectivas de saneamento da dvida pblica (interna e externa) exigiria um esforo de

    longo prazo, reforavam as dvidas acerca da retomada do ritmo do processo de

    5 Complementar no sentido de forjar uma agroindustrializao autnoma. Isto , como sinnimo da endoge-neizao da capacidade de modernizar a agricultura nacional por meio da internalizao, a partir de meados da dcada de sessenta, da produo industrial de insumos e mquinas para a agricultura e, conseqente-mente, reduzir a dependncia externa quanto a esses produtos, conforme ngela KAGEYAMA et alii. O Novo Padro Agrcola Brasileiro: Do complexo Rural aos Complexos Agroindustriais. In: Guilherme C. DELGADO et alii. Agricultura e Polticas Pblicas. IPEA, 1988, p. 113-122. 6 A primazia da poltica de subsdio agricultura, nos anos setenta, mostrada por Ariel C. Garces PARES no texto Estado e Modernizao: A Funo do Crdito Agrcola e a Poltica de Preos Mnimos. In: Vilma FIGUEIREDO (Coord.). Estado, Sociedade e Tecnologia Agropecuria. Braslia, PAX , 1989, p. 29-51. 7 Para uma apreciao, mais detalhada, das relaes entre as vendas internas de tratores, a capacidade ociosa das fbricas de colheitadeiras automotrizes e o crdito rural para investimento, consultar o relatrio preli-minar elaborado por Maria da Graa D. FONSECA intitulado O sub-setor de mquinas agrcolas. A poltica contracionista de crdito agrcola, notadamente quanto ao investimento, vigente nos anos oitenta, revelou-se efetiva ao menos pela retrao do comrcio de tratores no mercado interno. A drstica reduo do volume de vendas, de 70.000 unidades, em 1980, para cerca de 38.000 em 1989, teria sido ainda maior ca-so muitos agricultores no tivessem optado pela imobilizao de capital em mquinas e equipamentos, como forma de se proteger contra a desvalorizao inflacionria. Esta argumentao de Walter BELIK, no artigo A agricultura brasileira em um perodo de ruptura. In: OLIVEIRA, F.A. &

  • Terceirizao na Produo Agrcola 3

    modernizao da agricultura nacional ante a iminente majorao relativa dos cus-

    tos operacionais na produo agrcola.

    Aps dez anos da edio das publicaes relacionadas com o arrefecimen-

    to do processo de modernizao da agricultura brasileira, cabe ponderar, frente a

    recentes notificaes veiculadas na literatura dos pases de capitalismo avanado,

    que quela poca j se dispunha de uma alternativa, relativamente menos onerosa,

    para o soerguimento da taxa de difuso das inovaes mecnicas na produo

    agrcola. Tal alternativa se consubstancia no deslocamento, parcial ou total, do

    exerccio da funo de reproduzir o capital adiantado em instrumentos de trabalho

    para fora do mbito de controle do empreendedor da produo agrcola, e na con-

    seqente internalizao, por esse agente, da prtica de pagamento pelos servios

    dos instrumentos de trabalho.

    Pelo lado da demanda, ou da compra dos servios dos instrumentos de

    trabalho, esse movimento tem sido referenciado como um processo gradativo de

    desativao e/ou externalizao8 de tarefas e funes que previamente compunham

    o elenco de atividades das pessoas integradas unidade agrcola, as quais passam a

    ser efetuadas por agncias externas. Pelo lado da oferta, tal processo tem sido de-

    nominado de contoterzismo agricolo9 , na literatura italiana, e por contratismo10

    BIASOTO JR. G, org. A poltica econmica no limiar da hiperinflao. So Paulo, HUCITEC, 1990, p. 101-18. 8 A externalizao de tarefas e funes, conforme Cees LEEUWIS, Marginalization Misunderstood: different patherns of farm development in West Ireland. Wageningen:Land bouwuniversiteit-(Wageningse Sociologishe Studies; 26). Netherlands, Agricultural University Wageningen, 1989, p. 14-15, compe-se de dois processos: um o de incorporao, definido pela gradativa integrao dos agricultores ao mercado; o outro o de institucionalizao, pelo qual as agncias externas prescrevem as tarefas agrcolas. 9 Com o termo contoterzismo agricolo vem indicado uma cesso (Vellante, 1985, p. 202), subtrao (Fanfani, p. 15), delegao (Bernini-Carri, p. 161) ... de operaes e fases do processo produtivo ... a favor de agncias externas. Extrado de Mario GREGORI & Roberto CHIESA, Organizzazione della meccanizzazione aziendale e do-manda di contoterzismo agricolo in Italia. Rivista di Economia Agraria /a. XLVI, n.1, mar. 1991, p. 167. 10 As referncias dessa modalidade do trabalho agrcola esto no documento Evolucin de las formas de produccin en el area maicera. Documento I Serie Acuerdo INTA/CONICET (CEIL).

  • 4 Antonio Carlos Laurenti pelos autores argentinos, sendo essas terminologias semelhantes ao que na lngua

    portuguesa designa-se de empreita de servios.

    O reconhecimento dessa relao como um objeto relevante de investigao

    advm da constatao de que a manifestao da mesma, no cenrio agrcola euro-

    peu, tem apresentado uma correlao negativa com o movimento de concentrao

    do acesso terra11 . Isto suscita a priori uma reconsiderao acerca do arrefeci-

    mento no ritmo do processo de concentrao do acesso terra no Brasil, ainda que

    este ltimo tenha sido acompanhado de redues nas transaes de compra/venda

    dos modernos instrumentos de trabalho e de insumos agroindustriais.

    O objetivo desta dissertao o de evidenciar, no cenrio agrrio brasi-

    leiro e em particular no Estado do Paran, a expresso emprica e as implicaes

    especficas desse movimento de reorganizao da produo agrcola que se caracte-

    riza, entre outros aspectos, pela dissociao entre a posse e o uso dos instrumentos

    de trabalho. O destaque para a mencionada Unidade da Federao justifica-se pelo

    fato de que a mesma, a partir dos anos setenta, tem apresentado extensas reas

    ocupadas com lavouras temporrias, cujos trabalhos agrrios so passveis de

    motomecanizao.

    Para tanto, elabora-se no Captulo I uma averiguao da base emprica

    fundamentada nas seguintes questes: como tem se manifestado o uso de instru-

    mentos de trabalho itinerantes12 no espao agrrio brasileiro e, em particular, no

    Departamento de Economia E.E.A. Pergamino, Centro de Estudios e Investigaciones Laborales, B. Aires, ago/1986, p. 1-12. 11 Eladio ARNALTE A., Estrutura de las Explotaciones Agrarias e Externalizacin del Processo Productivo. Implicaciones para el debate sobre el proteccionismo. In: El Proteccionismo Agrario a Debate. ICE, fev. de 89, p. 110-114. Nesse texto, o autor registra que, no perodo 1962-82, a correlao entre os ndices de desativao, relativa aos tratores, e o aumento percentual do porte mdio das unidades agrcolas espanholas foi de -0,66. 12 A. M. SEHLEHUBER & B. TUCKER, Culture of Wheat, In: QUISENBERRY, K.S. & REITZ, L.P. (Ed). Wheat and Wheat Improvement. Published by American Society of Agronomy, N.13, series AGRONOMY. Madison, Winsconsin, USA, 1967, p.168. Os autores mencionam que os donos de colheita-deiras que colhiam trigo, mediante empreita, iniciavam sua ao no Texas e atravessavam os USA no senti-do nordeste.

  • Terceirizao na Produo Agrcola 5

    segmento de maior abrangncia do processo de modernizao da produo agrcola

    nacional13 ? A organizao da produo agrcola brasileira j conta com uma nova

    diviso social do trabalho, demarcada pela entrada de um terceiro tipo de agente

    que exerce, de forma exclusiva ou no, o provimento das demandas de foras pro-

    dutivas veiculadas pelos instrumentos de trabalho?

    A hiptese a de que essa manifestao ocorre de forma restrita, por se

    considerar que o uso temporrio de instrumentos de trabalho de propriedade de ter-

    ceiros tambm regido por fatores de carter histrico, que limitam sua generali-

    zao na produo agrcola brasileira. Assume-se, ento, que a terceirizao par-

    cial constitui-se na concepo mais adequada para o delineamento dos principais

    aspectos histricos relacionados com essa forma de reorganizao dos trabalhos

    agrrios na produo agrcola brasileira.

    Adianta-se em respaldo a essa hiptese, primeiro, o fato de que no Brasil,

    em 1985, existiam cerca de 993. 869 estabelecimentos rurais cujos titulares decla-

    raram, no recenseamento agropecurio, a execuo dos trabalhos agrrios atravs

    do emprego, exclusivo ou no, de instrumentos trabalho de propriedade de tercei-

    ros. Em termos relativos, a importncia desse contingente se reala pois o mesmo

    perfez cerca de 42% do total de estabelecimentos nos quais no se usou, exclusiva-

    mente, a fora humana na execuo dos trabalhos agrrios diretos, naquele ano.

    Segundo, embora amplamente difundida, as formas de acesso aos instru-

    mentos de trabalho de terceiros revelaram-se desigualmente distribudas quanto as

    Grandes Regies, Unidades da Federao, grupos de rea total dos estabelecimen-

    tos rurais e tipo de trabalho agrrio; ou seja, de modo parcial que o uso de instru-

    mentos de trabalho itinerantes vem se manifestando na agricultura brasileira.

    13 Referncia efetuada em oposio modernizao parcial, que inclui apenas partes do processo de pro-duo. relativa condio de que a modernizao plena envolve a motomecanizao de todo o elenco dos trabalhos agrrios, tal como ocorre no cultivo de soja/trigo em vrias unidades agrcolas paranaenses.

  • 6 Antonio Carlos Laurenti

    Por ltimo, considerando-se os instrumentos de trabalho dotados de fonte

    de trao, verifica-se, entre 1980-1985, que a taxa de crescimento do total de esta-

    belecimentos que usaram instrumentos de trabalho de propriedade de terceiros su-

    perou, amplamente, aquela do conjunto de estabelecimentos rurais cujos titulares

    declararam usar apenas instrumentos de trabalho de sua propriedade.

    Por tais constataes plausvel afirmar que, antes da manifestao do ar-

    refecimento no ritmo de concentrao do acesso terra no Brasil, a compra e ven-

    da de partes da vida til de instrumentos de trabalho j apresentava um volume de

    transaes de importncia quantitativa no negligencivel. Inclusive, a desacelera-

    o do ritmo de concentrao do acesso terra no perodo 1980-1985, pode ser a-

    tribuda, ainda que parcialmente, expanso dessa modalidade de mercado que fa-

    culta, indiretamente, a continuidade do uso de instrumentos de trabalho motomeca-

    nizados na produo agrcola.

    A importncia quantitativa e o crescimento gradativo do mercado associa-

    do integrao temporria de instrumentos de trabalho s unidades de produo,

    suscitam uma averiguao acerca do futuro perfil da unidade agrcola. Tal pros-

    peco mostra-se pertinente ante a seguinte postulao de PUGLIESE (1986)14:

    a unidade de produo agrcola se converte na sede fsica de uma srie de atividades que podem ser realizadas:

    a) com mquinas, equipamentos e outros meios de produo que no pertencem ao estabelecimento...

    b) com mo de obra empregada e paga por agncias externas ao estabeleci-mento...

    c) a partir de decises (de tipo de cultivo, caractersticas dos tratos culturais) no tomadas pelo estabelecimento agropecurio, seno impostas por indstrias, cooperativas ou empresas comerciais...

    Alternativamente, a postulao de que o uso temporrio de instrumentos

    de trabalho itinerantes tende a ser a forma dominante pela qual o empreendedor da

    14Enrico PUGLIESE. Estratificacin social y trabajo a tempo parcial. In: Miren Etxezarreta ZUBIZARRE-TA (compiladora). Desarrollo Rural Integrado, 1988, p. 150-152.

  • Terceirizao na Produo Agrcola 7

    produo agrcola suprir suas necessidades de capacidade operacional para

    execuo dos trabalhos agrrios. Ou ainda, que a terceirizao parcial constitui-se

    numa etapa transitria do amplo movimento de transformao organizacional da

    produ-o agrcola, cuja expresso limite a plena terceirizao ou aquilo que se

    tem de-nominado de agricultura de gesto.

    Compartilhando dessa formulao prospectiva, tenta-se evidenciar, nesta

    dissertao, que a organizao da produo fundada em unidades agrcolas parcial-

    mente munidas do estoque de instrumentos de trabalho conta com fatores determi-

    nantes de carter objetivo, extrnsecos e intrnsecos ao processo de trabalho agrco-

    la, os quais habilitam o embasamento de polticas pblicas no sentido de delimitar a

    amplitude do processo de desverticalizao das unidades agrcolas modernizadas.

    Para situar a pertinncia acadmica da hiptese da terceirizao parcial

    contrape-se, no segundo captulo, algumas interpretaes filiadas economia po-

    ltica, com o intuito de evidenciar a comum negligncia de que a agricultura possa

    ser fundada em unidades agrcolas tecnicamente modernas e parcialmente despro-

    vidas de capacidade operacional. Isto , tenta-se mostrar que, tanto as abordagens

    pioneiras como as contemporneas omitem a possibilidade de que a unidade agr-

    cola semi-equipada constitua-se no tipo predominante.

    A interpretao fundada na agricultura de gesto, embora consistente em

    termos prospectivos, apresenta-se inadequada para um tratamento objetivo da

    variabilidade que caracteriza as atuais manifestaes empricas do uso temporrio

    de instrumentos de trabalho de propriedade de terceiros na agricultura. Todavia, a

    mesma permite confrontar as interpretaes calcadas na permanncia da produo

    agrcola familiar, pois a externalizao de tarefas, ou a dissociao entre a concep-

    o e a execuo das tarefas agrcolas, compele o titular e/ou membros da famlia

    para fora do processo de trabalho. A terceirizao em todo o elenco dos trabalhos

    agrrios diretos resulta na dissoluo do contedo do conceito de produtor simples

  • 8 Antonio Carlos Laurenti de mercadoria15 (PSM), quer pela separao, no mbito tcnico, entre a concepo

    e execuo das tarefas agrcolas, quer pela perda do controle (posse) sobre os ins-

    trumentos de trabalho. Inclusive, a terceirizao implica na transformao das dis-

    tintas tarefas que compem o processo de trabalho agrcola em servios parciais e,

    por conseguinte, na reduo da composio da renda apropriada pelo empreende-

    dor da produo.

    As interpretaes filiadas concepo de KAUTSKY, ou de que a evolu-

    o da estrutura agrria regida por fatores intrnsecos organizao da produo

    que facultam s unidades familiares integrarem-se sociedade industrial sem perda

    da respectiva identidade, tambm incorrem numa aplicabilidade restrita ante ao

    avano do processo de terceirizao em foco. Isto porque no limite, esse pro-cesso

    tambm culmina na suplantao da disparidade16 entre o tempo de produo e o de

    trabalho na produo agrcola. Essa disparidade reconhecida como um anteparo

    conduo da produo agrcola segundo o molde estritamente capitalis-ta e, por

    conseguinte, conforma-se num dos fatores determinantes da permanncia da

    agricultura familiar.

    Tal obstculo definido apenas no plano econmico, pois refere-se, exclu-

    sivamente, ao capital adiantado, de modo que a suplantao do mesmo no implica

    na dissociao das distintas operaes (as de formas e as contnuas) integrantes do

    processo de trabalho agrcola17. Tais operaes continuam tecnicamente articula-

    15Conforme Alison MacEuwen SCOTT, Towards a Rethinking of petty commodity production, Social Analisys, n 20, December 1986, p. 93-105, produo simples de mercadoria, como uma forma de produo, na qual o produtor : proprietrio dos seus meios de produo, tem acesso ao trabalho fora do mercado de trabalho, tem autonomia sobre seu prprio processo de trabalho, realiza seu trabalho excedente atravs da distribuio direta de seus produtos ou servios, apropria-se diretamente dos frutos de seu prprio trabalho. 16 Sobre a dificuldade representada por essa disparidade para o desenvolvimento capitalista da agricultura, consultar Susan A. MANN & James A. DICKINSON, Obstculos ao Desenvolvimento da Agricultura Capitalista, Lit. Econ. 9 (1), 1987, p. 7-26. 17 Julio C. NEFFA, Processos de trabajo, nuevas tecnologias informatizadas y condiciones y medio ambiente de trabajo en Argentina. Buenos Aires, Ed. Hvmanitas, 2 ed. 1988, p. 36-40.

  • Terceirizao na Produo Agrcola 9

    das no recinto das unidades agrcolas, mesmo na situao em que todos os traba-

    lhos agrrios so efetuados atravs de terceiros.

    Diante disso, argumenta-se que o obstculo efetivo o prvio domnio que

    os produtores familiares exercem sobre os instrumentos de trabalho, e que, embora

    a terceirizao suplante essa circunstncia que contradiz as condies bsicas do

    trabalho industrial tal processo no habilita a organizao das unidades agrcolas de

    modo similar quele das empresas tpicas da segunda revoluo industrial.

    No terceiro captulo, enfoca-se alguns aspectos microeconmicos relacio-

    nados com a terceirizao na execuo dos trabalhos agrrios diretos para eviden-

    ciar que a maior rentabilidade relativa das unidades agrcolas tpicas da agricul-

    tura de gesto no advm somente da reduo nos custos de produo, cuja conta-

    bilidade usual omite o custo de oportunidade associado ao risco de perda de safra, e

    da transferncia dos encargos trabalhistas, conforme tem sido apontado na litera-

    tura de teor neoclssico relativa contratao da execuo dos trabalhos agrrios18.

    Em contrapartida argumenta-se que, juntamente com a reduo no mon-

    tante de capital adiantado na produo, a terceirizao plena redefine o perfil do

    capital adiantado pelo empreendedor da produo agrcola, o qual passa a ser com-

    posto apenas pelo capital fundirio e pelo capital que se renova totalmente a cada

    perodo de produo. Dessa recomposio emerge a especializao flexvel da

    unidade agrcola, pela qual o empreendedor da produo passa a contar com um

    elenco maior de opes de produo e, consequentemente, passa a dispor de uma

    insero tambm flexvel no mercado dos produtos das lavouras temporrias. Tais

    modificaes confluem para a potencializao da rentabilidade, tanto em funo do

    menor custo operacional como tambm da possibilidade de renovao anual da

    pauta de produo de acordo com as oscilaes na demanda daqueles produtos.

    18 A esse respeito consultar a reviso de literatura efetuada por E. ARNALTE A, op. cit. p. 102 - 104.

  • 10 Antonio Carlos Laurenti

    Quanto oferta dos servios agrrios, tem-se que a empresa capitalista

    executora dos trabalhos tambm conta com uma maior maleabilidade da taxa de

    lucros para um mesmo volume de capital materializado em instrumentos de traba-

    lho, pois o montante da depreciao anual de seu capital no depende da extenso

    da rea cultivada de uma nica unidade agrcola. Essa maleabilidade torna-se

    possvel a medida em que utilizao supra-empresarial (em vrias unidades agrco-

    las), de um mesmo conjunto de instrumentos de trabalho, faculta a rotao de um

    montante de capital adiantado maior que aquele passvel de ser rodado numa uni-

    dade agrcola cuja extenso da rea cultivada requer um volume de jornadas de tra-

    balho inferior quele potencialmente permitido pela eco-regulao19. Alm disso,

    a empresa executora dos trabalhos agrrios conta, ainda, com um menor tempo de

    circulao do capital quando o pagamento ocorre logo aps o trmino do servio.

    Complementa o terceiro captulo a averiguao dos aspectos microecon-

    micos da terceirizao parcial, enquanto um processo que se caracteriza pela dife-

    renciao econmica e pela decomposio da categoria PSM. Aqui, a referncia a

    condio de que tais movimentos no evoluem sem contraposio, conforme ates-

    tam as prticas de aluguel e de aquisio coletiva de mquinas agrcolas20, assim

    como a compra de mquinas ou peas parcialmente depreciadas, ou de segunda-

    mo. Alm do que, tal processo tem resultado na diferenciao econmica dessa

    categoria de produtores pela incluso de um novo tipo, o trabalhador-equipado21.

    Nestes termos, aponta-se alguns fatores, intrnsecos e extrnsecos produ-

    19 Termo forjado para designar, genericamente, a ao das leis naturais sobre a produo agrcola. Refere-se, amplamente, ao ambiente externo e aos elementos intrnsecos planta ou ao animal, ou carga gentica. 20 Sobre grupos de compradores de mquinas, consultar o livro Utilizao supra-empresarial de mqui-nas e equipamentos agrcolas no sul do Brasil. Ed. GTZ, 1986, 256 p., de Peter KLINGENSTEINER. 21 Refere-se ao trabalhador que proprietrio dos instrumentos de trabalho que utiliza. Corresponde deno-minao de trabalhador auto-empregado mencionada por Alison MacEwen SCOTT op. cit. p. 98. Essa autora utiliza esta designao para se referir aos produtores de software para computadores, como um tipo de produtor simples de mercadoria, j que nesse caso no h separao entre o trabalho e o capital.

  • Terceirizao na Produo Agrcola 11

    o agrcola, que se contrapem generalizao da prtica de terceirizar a execu-

    o dos trabalhos agrrios na agricultura moderna, ou seja, indica-se os fatores que

    favorecem a preservao da unidade entre o capital e o trabalho pelo PSM. Mais

    diretamente, tenta-se evidenciar como a heterogeneidade das operaes de formas

    da produo agrcola e a diversidade do atual conjunto de mquinas favorecem a

    preservao da posse de uma parte do elenco dos modernos instrumentos de traba-

    lho e, por conseguinte, a manuteno, tambm parcial, de postos de ocupao da

    mo-de-obra no mbito da agricultura familiar. A nfase dirigida s especifici-

    dades das operaes de semeadura e colheita e s diferenas dos valores de uso

    (polivalncia) e de troca (variabilidade na oferta quanto a potncia e preos) das

    combinaes trator-implementos e das colheitadeiras automotrizes. No conjunto,

    tais circunstncias sinalizam que a organizao da produo baseada em unidades

    agrcolas plenamente munidas do estoque de mquinas apresenta-se como exceo,

    ou seja, trata-se de um tipo particular de unidade agrcola cuja manifestao de-

    pende de situaes histricas peculiares.

    Enfim, considera-se que so essas caractersticas do processo de trabalho

    agrcola e do conjunto dos modernos instrumentos de trabalho, juntamente com a

    terceirizao da operao de colheita (via empreita de servios, aluguel ou aquisi-

    o em co-propriedade da colheitadeira automotriz), que permitem a organizao

    de unidades agrcolas especializadas e flexveis, as quais preservam, parcialmente,

    a funo de reproduo do capital imobilizado em instrumentos de trabalho.

    No quarto captulo, aborda-se o progresso tcnico como o elemento que

    promove a transitoriedade da atual prtica de combinar o uso de instrumentos de

    trabalho permanentes com instrumentos de trabalho itinerantes. Isto , argumenta-

    se que a tendncia dominante a generalizao do uso de instrumentos de trabalho

  • 12 Antonio Carlos Laurenti itinerantes e, portanto, que a produo agrcola em rede22, constitui-se numa

    referncia consistente da futura organizao da produo.

    Essa caracterizao da futura produo agrcola funo de que a deno-

    minao agricultura de gesto no esgota a representao da organizao da

    produo no estgio da plena terceirizao da execuo dos trabalhos agrrios. No-

    toriamente porque a designao agricultura de gesto contempla a execuo dos

    trabalhos agrrios apenas de forma indireta, a medida em que remete reduo das

    funes do empreendedor da produo apenas atividade de gerncia, isto , privi-

    legia o lado da demanda ou da concepo das atividades agrcolas. A expresso

    produo agrcola em rede visa envolver tanto os aspectos internos da unidade

    agrcola, tais como a especializao flexvel e a simplificao de tarefas, assim co-

    mo os aspectos externos, como por exemplo a especializao do operador da ma-

    quinaria e a renovao do capital em mquinas, ou seja, refere-se ao conjunto das

    interaes dinmicas de uma composio tripartite da estrutura agrria.

    Os indicativos que permitem apresentar a produo agrcola em rede

    como uma alternativa promissora de organizao, ao menos na produo de soja e

    trigo no Estado do Paran, so, em linhas gerais, a continuidade da ao das agn-

    22 Designao oriunda das consideraes efetuadas por Raul H. GREEN & Roseli da R. SANTOS no texto preliminar Uma Reflexo Terico-Metodolgica Sobre o Processo de Restruturao do Setor Agro-alimentar na Amrica Latina. apresentado no seminrio Inovaes tecnolgicas e restruturao do sistema alimentar, Curitiba, 26 a28 de junho de 1991, p. 17-20. As vantagens produtivas japonesas provm sobretudo de uma evoluo das formas organizacionais, como por exemplo integrar as tarefas de gesto e qualidade, de manuteno e de gesto de insumos intermedirios diretamente nas linhas de produo, (...) polivalncia da mo-de-obra...introduo de tecnologia de ponta, (...) relaes interempresariais (...) diminuio radical dos estoques (...) operar em tempo real...Este sistema implica isolar do mercado de livre concorrncia uma srie importante de rela-es interindustriais, que passam a ser regidas por um sistema de relaes contratuais, que chamamos aqui de economia de rede. Esse autores referem-se aos princpios de contratualizao na economia de rede principalmente com relao gesto dos fluxos incidente na rbita da circulao dos produtos alimentares, ou seja, limitam-se ao mbito da distribuio. Nesta dissertao o uso do termo rede, por analogia, diz respeito s relaes interempresari-ais no interior da produo agrcola, isto , formao de um elenco de agncias imediatamente montante da produo agrcola associadas aos servios de: execuo dos trabalhos agrrios; reparo e manuteno dos modernos instrumentos de trabalho; transporte da maquinaria agrcola; e, revenda de mquinas de segunda-mo ou recondicionada.

  • Terceirizao na Produo Agrcola 13

    cias de pesquisa, pblicas e privadas, na manuteno da sazonalidade do processo

    de trabalho agrcola e a atual concertao poltica moldada segundo os princ-

    pios neoliberais. Caracteriza este ltimo indicativo o reconhecimento das potencia-

    lidades do sistema toyotista23 de organizao da produo e gesto do trabalho,

    e/ou, a admisso da crescente inferioridade competitiva da organizao industrial

    tpica do regime fordista de acumulao capitalista.

    Confluem para a produo agrcola em rede a consolidao dos blocos

    supranacionais de comrcio, que circunscrevem um plano competitivo mais am-

    plo, e a prtica, na produo de soja/trigo, de um processo de trabalho calcado num

    elenco menor de tarefas agrcolas, decorrente da supresso, total ou parcial, das

    operaes de preparo do solo. Tal simplificao de tarefas, certamente, ganhar um

    impulso de maior intensidade pela aplicao da biotecnologia e da micro-eletrnica,

    que exigir uma melhor qualificao dos operadores das mquinas em virtude da

    sofisticao tcnica criada pela eletrnica embarcada.

    No quinto captulo so tratadas as circunstncias especiais vigentes nos

    mercados dos insumos e produtos agrcolas que catalisaram a manifestao empri-

    ca da terceirizao, de maneira mais intensa, na regio de solos de maior aptido

    agrcola do Estado do Paran. Essas circunstncias so apresentadas considerando-

    se as duas etapas bsicas do processo de industrializao da agricultura, sendo que

    a primeira encerra-se ao final da dcada de setenta, com a implantao dos com-

    plexos agroindustriais nos principais produtos agrcolas produzidos no Brasil. A

    segunda corresponde integrao do segmento agrcola ao circuito financeiro ge-

    ral, a partir do incio da dcada de oitenta.

    23Para uma avaliao crtica das potencialidades do sistema toyotista, consultar o documento Toyotismo - Um Novo Padro Mundial de Produo? Encontro com a participao do sindicalista japons Ben WATANABE, tcnicos e metalrgicos da CUT, realizado em So Paulo no perodo de 22 e 23 de junho de 1993. Nesta publicao conjunta da CMN/CUT e TIE so abordados : a avaliao do trabalhador com base no desempenho de seu grupo de trabalho; os grupos de trabalho auto-gerenciados; o controle de qualidade (CCQ); racionalizao de estoques ou o fornecimento de peas em tempo real (just in time); a terceirizao ou a subcontratao de empresas que conferem a flexibilizao da produo e a estrutura

  • 14 Antonio Carlos Laurenti

    Nesse relato admite-se que a poltica de modernizao da agricultura, fun-

    dada no crdito subsidiado, constituiu-se na condio necessria e suficiente para a

    modernizao parcial, inclusive de unidades agrcolas que no dispunham de rea

    de terras que possibilitasse o uso eficiente de um conjunto de mquinas composto

    por um trator e demais implementos agrcolas. Ao passo que, a plena moderniza-

    o da base tcnica, obtida com a incluso da colheitadeira automotriz nesse con-

    junto bsico de maquinaria, demandou, cabalmente, a expanso da rea de lavou-

    ras de cereais e gros que podem ser cultivadas motomecanicamente. Assim, as

    condies histricas da plena modernizao, na regio em foco, foram a crise de

    oferta no mercado internacional de produtos proticos e a poltica de defesa da

    renda dos triticultores, ou de auto-suficincia no mercado interno de trigo24. A

    massiva erradicao de cafeeiros devido a drstica geada de julho de 197525 tam-

    bm contribuiu para a mudana da base tcnica da agricultura paranaense.

    Em termos gerais, a dcada de oitenta foi mais favorvel ampliao do

    mercado onde se transaciona partes da vida til dos instrumentos de trabalho na

    regio em anlise, comparativamente aos anos setenta. Inicialmente, pela conten-

    o do crdito para investimento agrcola e pelos ganhos de produtividade veicula-

    dos pelas novas cultivares, que justificam apresentar a primeira metade daquela

    dcada como a fase na qual prevaleceu o tpico padro de produo da Revoluo

    Verde. Posteriormente, a mudana de nfase na poltica agrcola, em prol de uma

    organizacional do keiretsu ; o emprego vitalcio; e, o resultante enfraquecimento das organizaes sindicais dos trabalhadores. 24 A interveno do pblica brasileira no negcio tritcola assemelhou-se muito poltica de proteo da renda agrcola praticada na CEE, pois conforme Mariano MARQUES no trabalho A Poltica Agrcola Comum da CEE. Braslia, Ministrio da Agricultura, Vo. 22, 1988, p. 91. constata-se que as 3 perguntas bsicas do produtor (o que, quanto e como produzir) so garantidas pelo governo e no sinalizadas pelo mercado. 25 Em 1975, 32% do parque cafeeiro nacional estava instalado no Norte do Paran e a severa geada desse ano eliminou 200 milhes de ps, enquanto que os 700 milhes restantes foram severamente danificados.... Afirmao contida no artigo Modelo Tecnolgico para o Caf do Paran. Londrina, IAPAR - Informe de Pesquisa, Ano XV, n 97, Abril 91, p. 4.

  • Terceirizao na Produo Agrcola 15

    poltica de preos de garantia mais ativa26, aliada continuidade da oferta de no-vas

    cultivares de trigo, permite apresentar a segunda metade da dcada de oitenta como

    a fase em que os produtores de soja e trigo adentraram, de forma isolada, num

    processo emergente de fordizao.

    As mudanas na poltica agrcola incidiram num contexto de plena ocupa-

    o das terras de maior aptido agrcola do Paran com o cultivo de soja e trigo, a

    qual foi acompanhada pela concentrao do acesso e pela valorizao do preo da

    terra. Tais circunstncias confluram para o entendimento de por que a maior par-

    cela (72,1%)27 de produtores de soja declararam, no recenseamento de 1985, o uso

    de fora de trao oriunda de instrumentos de trabalho de propriedade de terceiros.

    O captulo final compe-se de comentrios conclusivos fundamentados

    nos principais aspectos relativos composio das unidades agrcolas, e de suges-

    tes de polticas pblicas e de temas para outras investigaes empricas relaciona-

    das com a perspectiva de que as operaes agrcolas de formas sero conduzidas

    por agncias externas, predominantemente.

    Conclui-se que a terceirizao da execuo das tarefas agrcolas constitui-

    se numa inovao organizacional pela qual a renovao da base tcnica, expressa

    na substituio dos velhos instrumentos de trabalho por novos modelos mais efici-

    entes, torna-se desvencilhada do processo de concentrao do acesso terra. Tal

    separao entre a concentrao de capital fundirio e a acumulao de capital na

    produo agrcola abre novas possibilidades de se conciliar, via polticas pblicas,

    o progresso tcnico e a melhoria da distribuio da renda no setor agrcola. Para

    isso preciso estipular que amplitude o processo de terceirizao em foco deva as-

    26 Quanto a mudana na poltica agrcola, transcrita pela nfase no comrcio dos produtos em reparo re-duo dos incentivos ao custeio agrcola, desde meados da dcada de oitenta, consultar Gervsio de Castro REZENDE, A Poltica agrcola e a diminuio do crdito rural. IPEA/INPES (mimeo.). 27 Essa freqncia foi estimada com base numa amostra composta por 51,5% do total de produtores de soja cadastrados pelo Censo Agropecurio do Estado do Paran de 1895.

  • 16 Antonio Carlos Laurenti sumir no cenrio agrrio brasileiro, sob pena de se agravar, ainda mais, os crnicos

    problemas do desemprego e de concentrao da renda na agricultura.

    Nessa formulao devero ser ponderadas aes para: fomento da fabrica-

    o de mquinas e equipamentos mais baratos, ainda que de menor potncia; com-

    pra de maquinaria por grupos de produtores ou via leasing; retorno condio na

    qual a oferta de capacidade de trabalho situava-se, principalmente, nas unidades a-

    grcolas de pequena escala de produo. Tais opes podem acentuar o crescimento

    da pluriatividade, expressa na produo agrcola associada prestao de servios.

    Embora os indcios apontados permitam reavaliar a atual interveno p-

    blica dirigida agricultura, julga-se necessrio, para a delimitao de uma nova

    agenda de polticas agrcolas e agrrias, outras investigaes acerca dos seguintes

    temas: a) inter-relaes entre a terceirizao e o rentismo; b) custos de transao

    nos contratos de servios; c) perfil das agncias (empresas, associaes de produ-

    tores para compra de mquinas, trabalhador-equipado etc.) especializadas na exe-

    cuo dos trabalhos agrrios, assim como sua abrangncia e evoluo histrica; d)

    avaliao das experincias de leasing; f) viabilidade de assentamentos rurais via

    aquisio coletiva de mquinas; e g) avaliao da rede de agncias vinculadas

    mecanizao agrcola.

  • I

    1. A TERCEIRIZAO DOS TRABALHOS AGRRIOS DIRETOS NO BRASIL

    Em 1985, conforme estimativas efetuadas a partir das informaes do

    Censo Agropecurio, existiam no Brasil cerca de 993.869 estabelecimentos rurais

    cujos titulares declararam fazer uso de instrumentos de trabalho de terceiros para

    execuo dos trabalhos agrrios diretos. A importncia relativa dessa prtica de-

    notada pelo fato que, naquele ano, haviam apenas 2.326.744 estabelecimentos ru-

    rais cujos responsveis informaram no recorrer, exclusivamente, fora humana

    para execuo das tarefas agrcolas. Isto , para cada grupo de 10 estabelecimen-tos

    rurais que utilizavam mquinas e equipamentos existiam, aproximadamente, quatro

    que dependiam do estoque de instrumentos de trabalho de terceiros.

    Embora essa quantidade de estabelecimentos com uso de instrumentos de

    trabalho de terceiros tenha sido superior quela registrada por LANINI (1993)1

    com base no censo geral da agricultura italiana de 1985, a mesma no reproduz, em

    termos relativos, a importncia que o contoterzismo representa na Itlia. Neste pas,

    a execuo dos trabalhos agrrios por conta de terceiros perfez, naquele ano, cerca

    31,1% de um total de 2,8 milhes de estabelecimentos rurais, enquanto que no

    Brasil, o montante de estabelecimentos nos quais se utilizou instrumentos de

    trabalho de terceiros, representou cerca de 17% do total de estabelecimentos rurais.

    Tal comparao, porm, deve ser ponderada, pois no caso brasileiro, incluram-se

    os estabelecimentos com emprego de fora de trao animal, isto , as estimativas

    no limitaram-se ao emprego de instrumentos de trabalho motomecanizados.

    1 Lucca LANINI: Inovaes organizacionais na mecanizao agrcola italiana, publicado em Cadernos de Cincia & Tecnologia. Braslia : Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria, v.8, n.1/3, 1991, p. 64.

  • 18 18 Antonio Carlos Laurenti

    1.1 NDICE DE TERCEIRIZAO

    A expresso emprica do processo de terceirizao dos trabalhos agrrios

    diretos, no territrio brasileiro, foi averiguada atravs da freqncia relativa do uso

    de instrumentos de trabalho de terceiros, estimada com base nas informaes dos

    Censos Agropecurios de 1980 e 1985 de cada Unidade da Federao e de uma

    amostra especial do censo de 1985, referente aos produtores de soja e trigo do Esta-

    do do Paran. Para tanto, elabora-se a seguir o ndice de Terceirizao2 (IT) para a

    comparao das Grandes Regies, Unidades da Federao, grupos de rea total dos

    estabelecimentos agropecurios e dos tipos de trabalho agrrio.

    IT = TEITrTerc / TEITr

    com

    TEITrTerc = total de estabelecimentos com instrumentos de trabalho

    de terceiros; e,

    TEITr = total de estabelecimentos com instrumentos de trabalho;

    sendo,

    TEITrTerc = TEITr - TEFTPexcl;

    TEITr = (TEFT + TEEME) - TEFTEME; e

    TEFTPexcl = TEFTP - TEFTpEME;

    onde,

    2 Elaborado com base no ndice de desativao, composto por Eladio ARNALTE A., op. cit. p. 105, ex-presso pela frmula I = [B/(A+B)].100, onde: I= ndice de desativao em percentagem; A= total de estabe-lecimentos rurais onde as mquinas empregadas so de propriedade do titular do estabelecimento; e, B = total de estabelecimentos cujas mquinas no so de propriedade exclusiva do titular do estabelecimento.

  • Terceirizao na Produo Agrcola 19

    TEFTPexcl = total de estabelecimentos sem uso de fora de trao e

    sem instrumentos de trabalho de terceiros.

    TEFT = total de estabelecimentos com uso de fora de trao;

    TEEME = total de estabelecimentos com empreita de mquinas e

    equipamentos com ou sem fornecimento de mo-de-obra

    TEFTEME = total de estabelecimentos com uso de fora de trao e

    com empreita de mquinas e equipamentos, (com ou sem fornecimento de mo-de-

    obra);

    TEFTP = total de estabelecimentos com fora de trao do prprio

    estabelecimento; e,

    TEFTpEME = total de estabelecimentos com uso de fora de trao

    prpria e com empreita de mquinas e equipamentos, (com ou sem fornecimento

    mo-de-obra).

    Obs. o valor de TEFTPexcl superestimado, pois inclui uma parcela de estabelecimentos com uso de fora de trao alugada e com de outras formas de acesso.

    A seguir apresenta-se o clculo do IT para o Brasil, a partir das

    informaes da Tabela 10 do Censo Agropecurio de 1985 relativas ao uso e pro-

    cedncia de fora utilizada nos trabalhos agrrios, segundo a condio do produtor,

    classe de atividade econmica, servio de empreitada e grupos de rea total.

    TEFTpEME = 116.597 estabelecimentos = 68.186 (estabelecimentos

    com empreita s de mquinas e equipamentos) + 48.411(estabelecimentos com

    empreita de mquinas e equipamentos e com fornecimento de mo-de-obra);

    TEFTP = 1.474.021 estabelecimentos;

  • 20 20 Antonio Carlos Laurenti

    TEFTEME = 217.059 estabelecimentos = 128.995 (estabelecimentos

    com empreita de mquinas e equipamentos) + 88.064 (estabelecimentos com em-

    preita de mquinas e equipamento e mo-de-obra);

    TEEME = 241.608 = 139.719 (estabelecimentos com empreita de

    mquinas e equipamentos) + 101.889 (estabelecimentos com empreita de m-

    quinas e equipamento e mo-de-obra);

    TEFT = 2.326.744 estabelecimentos;

    TEFTexcl. = 1.474.021 - 116.597 = 1.357.424 estabelecimentos;

    TEITr = (2.326.744 + 241.608) - 217.059 = 2.351.293 estabele-

    cimentos;

    TEITrTerc. = 2.351.293 - 1.357.424 = 993.869 estabelecimentos;

    IT = 0,4227

    1.2 A DISPERSO GEOGRFICA E EVOLUO RECENTE DA TERCEIRIZAO DOS TRABALHOS AGRRIOS DIRETOS NO TERRITRIO BRASILEIRO

    Atravs dos valores do IT, calculados para evidenciar a importncia relati-

    va dos estabelecimentos com uso de instrumentos de trabalho de terceiros no mbi-

    to das Grandes Regies e Unidades da Federao, verifica-se, conforme apresenta-

    do na Tabela 1, que essa prtica tem se apresentado quantitativamente relevante em

    todos os estados, embora, em termos relativos, essa importncia tenha sido

    desigualmente distribuda. Denota-se a assimetria na distribuio desses estabeleci-

  • Terceirizao na Produo Agrcola 21

    Tabela 1. ndice de Terceirizao (IT) , segundo as Grandes Regies e Unidades da Federao do Brasil, 1985. Grandes Regies

    e Unidades

    da Federao

    Total de estabelecimentos com uso de : 1 2 3 4 5 6 7 8 f.t. animal emp. de f.t. e emp. [1+(2-3)] fora de f.t. prp. 5 - 6 4 - 7 e mquina de mq. e trao emp. mq. I. de T. IT mecnica e equip. equip. Prpria e equip. de terc. TEFT TEEME TEFTEME TEITr TEFTP TEFTpEME TEFT excl. TEITrTerc.

    Norte 19.725 4.438 2.769 21.394 13.656 1.178 12.478 8.916 0,417 Rondnia 2.491 469 136 2.824 1.925 86 1.839 985 0,349

    Acre 435 183 12 606 370 7 363 243 0,401 Amazonas 1.283 101 47 1.337 471 31 440 897 0,671 Roraima 201 269 31 439 138 15 123 316 0,720

    Para 9.446 891 349 9.988 7.314 265 6.869 2.939 0,294 Amap 114 22 13 123 58 11 47 76 0,618

    Tocantins 5.755 2.503 2.181 6.077 3.380 763 2.617 3.460 0,569 Nordeste 626.393 39.690 28.927 637.156 291.114 8.827 282.287 354.869 0,557 Maranho 4.687 1.006 631 5.062 2.359 189 2.170 2.892 0,571

    Piau 59.968 509 385 60.092 23.337 137 23.200 37.019 0,616 Cear 63.905 1.775 1.286 64.394 34.600 605 33.995 30.399 0,472

    R. G. do Norte 46.912 701 628 46.985 26.584 429 26.155 20.830 0,443 Paraba 56.493 1.529 791 57.231 30.298 371 29.927 27.304 0,477

    Pernambuco 117.363 1.047 809 117.601 50.775 304 50.471 66.963 0,569 Alagoas 57.063 870 781 57.152 20.891 220 20.671 36.481 0,638 Sergipe 26.411 2.801 2.568 26.644 6.829 189 6.640 20.004 0,751 Bahia 193.591 29.452 21.048 201.995 95.401 6.383 89.018 112.977 0,559

    Sudeste 575.889 68.273 62.575 581.587 348.805 33.670 315.135 266.452 0,458 Minas Gerais 302.159 37.041 34.260 304.940 162.849 17.424 145.425 159.515 0,523 Esprito Santo 21.307 3.089 2.732 21.664 9.927 833 9.904 12.570 0,580 Rio de Janeiro 35.397 4.913 3.785 36.525 14.293 1.061 13.232 23.293 0,638

    So Paulo 217.026 23.230 21.798 218.458 161.736 14.352 147.384 71.074 0,325 Sul 973.269 75.844 72.704 976.409 737.091 49.724 687.367 289.042 0,296

    Paran 336.922 48.394 46.718 338.598 239.239 30.270 208.969 129.629 0,383 Sta. Catarina 193.570 14.454 13.469 194.555 156.417 10.472 145.945 48.610 0,250

    R. G. do Sul(a) 442.777 12.996 12.517 443.256 341.435 8.982 332.453 110.803 0,250 Centro Oeste 131.468 53.363 50.084 134.747 83.355 23.198 60.157 74.590 0,567

    Mato G. do Sul 34.325 9.885 9.458 34.752 24.844 5.515 19.329 15.423 0,444 Mato Grosso 17.802 4.015 3.447 18.370 13.235 1.729 11.506 6.864 0,372

    Gois 76.874 38.750 36.637 78.987 43.802 15.685 28.117 50.870 0,644 Distrito Federal 2.467 713 542 2.638 1.474 269 1.205 1.433 0,543

    Brasil 2.326.744 241.608(b) 217.059 2.351.293 1.474.021 116.597 1.357.424 993.869 0,423 Fonte: FIBGE - Censos Agropecurios de cada Unidade da Federao, referentes ao ano de 1985. (a) frente inconsistncia das informaes dessa Unidade da Federao, o total de informantes com uso de instrumen- tos de trabalho de terceiros inferior ao total de informantes com aluguel de fora de trao. (b) a diferena desse val- or em relao quele do Censo Agropecurio do Brasil decorrente das inconsistncias das informaes dos Estados de So Paulo e Mato Grosso. f.t. = fora de trao; I. de T. = Instrumento de Trabalho.

    mentos pelo fato de que a amplitude de variao das propores situou-se entre os

    valores limites de 3:1, observada para os estados de Santa Catarina e Rio Grande

    do Sul, e de 1:3 no Estado de Sergipe.

    Neste ltimo estado, para cada titular do estabelecimento agropecurio

    com uso de instrumentos de trabalho e que no recorreu ao acervo de instrumentos

    de trabalho de terceiros, existiam trs outros que dependiam do estoque de mqui-

    nas e/ou animais de trabalho de outrem. A desigualdade na distribuio ntida

    pois cerca da metade, ou (51,6%), dos estabelecimentos cujos responsveis declara-

    ram, em 1985, suplementar de forma temporria a capacidade operacional, situou

    em apenas quatro estados: Minas Gerais, Paran, Bahia e Rio Grande do Sul.

  • 22 22 Antonio Carlos Laurenti

    Em termos das Grandes Regies, a Sul (S) destacou-se com a menor den-

    sidade de estabelecimentos agropecurios com suplementao temporria de capa-

    cidade operacional e pelo maior efetivo de estabelecimentos nos quais a execuo

    dos trabalhos agrrios no efetuada apenas com a fora de trabalho humana. Essa

    regio foi particularmente relevante para a disperso assimtrica dessa prtica, pois

    nela situaram-se duas das quatro Unidades da Federao (Rio Grande do Sul e

    Paran) que continham quase , ou 24%, do total de estabelecimentos com uso de

    instrumentos de trabalho de terceiros.

    Quanto a evoluo dessa prtica no territrio brasileiro, precisa-se conta-

    bilizar, isoladamente, as distintas formas de acesso aos instrumentos de trabalho de

    terceiros, pois as informaes do censo de 1980 no permitem a agregao de valo-

    res conforme efetuado no clculo do IT da Tabela 1.

    1.2.1 A TERCEIRIZAO ATRAVS DA EMPREITA DE MQUINAS E EQUIPAMENTOS

    Frente dificuldade de agregao das informaes de 1980 e focando-se

    inicialmente a terceirizao via empreita de servios, denota-se que, em geral, essa

    forma tem sido a segunda em importncia relativa, conforme constata-se na Tabela

    1 pela diferena entre o total de estabelecimentos com uso de instrumentos de tra-

    balho de terceiros e o total com servios de empreita de mquinas e equipamentos.

    Afora a Regio Centro Oeste (CO), essa forma de acesso aos instrumentos

    de trabalho de terceiros experimentou um acentuado declnio no perodo 1980 a

    1985, conforme observa-se na Tabela 2. A reduo incidiu de maneira mais inten-

    sa na empreita de mquinas e equipamentos, que inclui o fornecimento de mo-de-

  • Terceirizao na Produo Agrcola 23

    Tabela 2. Variao do total de estabelecimentos com servios de empreitada, segundo as Grandes Regies e Uni-dades da Federao, Brasil 1980 e 1985.

    Grandes Regies

    e Unidades da

    Variao 1985-1980 Mquinas e Mq. Equip. e Total Equipamentos Mo-de-obra Mo-de-obra

    Federao Abs. % Abs.

    % Abs. % Abs. %

    Norte -11.465 -18,18 418 62,30 -7.900 -13,72 -3.983 -82,48 Rondnia 3.796 37,13 -57 -17,33 5.721 73,07 -1.868 -90,46

    Acre 286 14,19 94 132,39 272 14,73 -80 -81,63 Amazonas -120 -1,65 -7 -10,94 186 2,72 -299 -87,17 Roraima 1.087 88,73 166 2.766,67 840 69,83 81 506,25

    Par -16.685 -39,52 216 108,54 -15.073 -37,96 -1.828 -79,34 Amap 171 118,75 6 300,00 154 110,79 11 366,67

    Nordeste -30.636 -12,97 -1.716 -7,29 -10.022 -5,70 -18.898 -51,40 Maranho 8.662 40,40 170 47,49 8.484 41,16 8 1,70

    Piau -7.829 -54,49 -583 -66,55 -6.543 -52,04 -703 -76,50 Cear -2.787 -12,98 -411 -31,79 -1.214 -6,70 -1.162 -56,55

    Rio G. Norte -1.367 -29,07 236 138,01 -1.170 -30,75 -433 -59,56 Paraba -931 -8,19 95 19,67 -268 -2,92 -758 -44,35

    Pernambuco(*) -3.775 -28,72 -31 -3,95 -2.090 -20,07 -1.654 -84,91 Alagoas 229 3,18 497 428,45 -237 -3,49 -31 -10,76 Sergipe -6.934 -47,76 -1.579 -41,56 -2.655 -35,69 -2.700 -82,29 Bahia -15.904 -12,42 -110 -0,70 -4.329 -4,98 -11.465 -45,20

    Sudeste -421 -0,16 -4.165 -10,52 13.103 7,14 -9.359 -22,18 Minas Gerais 3.157 2,07 -2.545 -11,46 10.082 9,31 -4.380 -20,14 Esprito Santo 473 2,60 356 47,28 -145 -0,92 262 15,25 Rio de Janeiro 555 2,69 482 59,07 1.037 6,82 -964 -21,05

    So Paulo -4.606 -6,20 -2.458 -15,54 2.129 4,80 -4.277 -30,24 Sul -7.491 -4,09 -12.294 -18,23 22.389 29,00 -17.586 -45,94

    Paran -21.756 -17,10 -14.402 -29,43 5.249 10,12 -12.603 -47,63 Sta. Catarina 27.930 251,03 8.315 311,19 17.775 260,36 1.840 113,09

    Rio G. do Sul -13.665 -30,68 -6.207 -39,21 -635 -3,43 -6.823 -66,93 Centro Oeste 14.955 11,77 3.661 16,23 13.316 18,29 -2.022 -6,38

    Mato G. do Sul 3.496 17,28 -705 -11,65 3.780 37,55 421 10,22 Mato Grosso 2.596 16,26 601 36,18 2.576 21,52 -581 -24,89

    Gois(*) 8.231 9,14 3.474 23,65 6.670 13,24 -1.913 -7,65 Distrito Federal 632 83,16 291 190,20 290 74,55 51 23,39

    Brasil -35.058 -4,01 -14.096 -9,16 30.886 5,45 -51.848 -33,73 Fonte: FIBGE - Censos Agropecurios do Brasil de 1980 e 1985. (*) Includo o Territrio de Fernando de Noronha. (**) Includo o Estado de Tocantins.

    obra, em todas as Grandes Regies e na maioria das Unidades da Federao. Rela-

    tivamente, a reduo foi mais drstica na Regio Norte (N), onde o contingente

    remanescente em 1985 corresponde, apenas, a pouco mais de um tero daquele

    existente em 1980 (considere-se tambm as informaes da Tabela 3). Em termos

    absolutos, a maior retrao no total de casos com essa forma de acesso aos instru-

    mentos de trabalho de terceiros ocorreu na Regio Sul.

    Tais mudanas contriburam para a alterao do perfil da distribuio re-

    gional dos informantes com uso de servios de empreita, a qual ocorreu, basica-

    mente, em funo das particulares variaes na Regio CO (+Tocantins).

  • 24 24 Antonio Carlos Laurenti

    Conforme registrado na Tabela 2, essa regio apresentou um aumento

    na freqncia de casos com empreita de mquinas e equipamentos e a menor

    reduo, absoluta e relativa, do total de informantes com empreita conjunta de

    mquinas e mo-de-obra. Contudo, isto no a conduziu posio de liderana no

    elenco ordenado das regies cujos primeiros postos continuaram, semelhana do

    ocorrido em 1980, a serem ocupados pela Regio Sul, no que tange a empreita ex-

    clusiva de equipamentos, e pela Regio Sudeste (SE), quanto empreita conjunta

    equipamentos e mo-de-obra.

    Em ordem decrescente de participao, no primeiro caso, essa seqncia

    mudou de S-SE-NE-CO-N, em 1980, para S-SE-CO-NE-N, em 1985. No segundo

    caso, a prvia srie SE-S-NE-CO-N alterou-se para SE-CO-S-NE-N, em 1985.

    No mbito das Unidades da Federao, considerando-se as informaes a-

    presentadas na Tabela 3, observa-se que pouco mais da metade do total (51,7% em

    1980 e 52,4% em 1985) dos estabelecimentos que empreitaram mquinas e equi-

    pamentos (com ou sem fornecimento de mo-de-obra) situou-se repetidamente em

    apenas trs estados. Destes, o Paran destacou-se pela liderana quanto ao contin-

    gente de estabelecimentos com empreita exclusiva de equipamentos; Gois (+To-

    cantins), pelo maior contingente de estabelecimentos com empreita de mquinas e

    equipamentos e mo-de-obra; e, Minas Gerais pela posio intermediria quanto a

    essas duas formas de empreitas de servios.

    1.2.2 A EMPREITA DE SERVIOS POR GRUPO DE REA TOTAL DO ESTABELECIMENTO

    As respectivas freqncias relativas dos estabelecimentos que incluem

    tambm a empreita isolada de mo-de-obra, expostas na Tabela 4, indicam que a

    empreita de servio tm sido mais importante nos maiores estratos de rea total.

    Essa importncia relativa tendeu a acentuar-se no perodo de 1980 a 1985, embora

  • Terceirizao na Produo Agrcola 25

    Tabela 3. Total de estabelecimentos com servios de empreitada e participao percentual, segundo as Grandes Regies e Unidades da Federao, Brasil 1980 e 1985.Grandes

    Regies e Unidades da

    Estabelecimentos com uso de empreita de servios(a) Total Mquina e Mo-de-obra Mq. Equip. Equipamento e M. obra

    Participao percentual Total Mquina e Mo-de-obra Mq. Equip. Equipamento e M. obra

    Federao 1980 1985 1980 1985 1980 1985 1980 1985 1980 1985 1980 1985 1980 1985 1980 1985Norte 63.080 51.615 671 1.089 57.580 49.680 4.829 846 7,21 6,15 0,44 0,78 10,15 8,31 3,14 0,83

    Rondnia

    10.224 14.020 329 272 7.830 13.551 2.065 197 1,17 1,67 0,21 0,19 1,38 2,27 1.34 0,19Acre 2.016 2.302 71 165 1.847 2.119 98 18 0,23 0,27 0,05 0,12 0,33 0,35 0,06 0,02

    Amazonas 7.256 7.136 64 57 6.849 7.035 343 44 0,83 0,85 0,04 0,04 1,21 1,18 0,22 0,04Roraima 1.225 2.312 6 172 1.203 2.043 16 97 0,14 0,28 0,00 0,12 0,21 0,34 0,01 0,10

    Para 42.215 25.530 199 415 39.712 24.639 2.304 476 4,83 3,04 0,13 0,30 7,00 4,12 1,50 0,47Amap 144 315 2 8 139 293 3 14 0,02 0,04 0,00 0,01 0,02 0,05 0,00 0,01

    Nordeste 236.239 205.603 23.541 21.825 175.935 165.913 36.763 17.865 27,01 24,49 15,30 15,62 31,03 27,75 23,91 17,53Maranho 21.440 30.102 358 528 20.612 29.096 470 478 2,45 3,59 0,23 0,38 3,63 4,87 0,31 0,47

    Piau 14.369 6.540 876 293 12.574 6.031 919 216 1,64 0,78 0,57 0,21 2,22 1,01 0,60 0,21Cear 21.469 18.682 1.293 882 18.121 16.907 2.055 893 2,45 2,23 0,84 0,63 3,20 2,83 1,34 0,88

    Rio. G. Norte 4.703 3.336 171 407 3.805 2.635 727 294 0,54 0,40 0,11 0,