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17 revista Liberdades. | Publicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais | nº 17 – setembro/dezembro de 2014 | ISSN 2175-5280 | Expediente | Apresentação | Entrevista | Spencer Toth Sydow entrevista Ramon Ragués | Artigos | Audiência de custódia e a imediata apresentação do preso ao juiz: rumo à evolução civilizatória do processo penal | Aury Lopes Jr. | Caio Paiva | Reflexões acerca do Direito de Execução Penal | Felipe Lima de Almeida | Existe outro caminho? Uma leitura sobre discurso, feminismo e punição da Lei 11.340/2006 | Mayara de Souza Gomes | A ampliação do conceito de autoria por meio da teoria do domínio por organização | Joyce Keli do Nascimento Silva | Quis, ubii, quibus auxiliis, cur, quomodo, quando? | Tânia Konvalina-Simas | Os problemas do Direito Penal simbólico em face dos princípios da intervenção mínima e da lesividade | André Lozano Andrade | História | Ressonâncias do Discurso de Dorado Montero no Direito Penal Brasileiro | Renato Watanabe de Morais | Resenha de Livro | Jó, vítima de seu povo: o mecanismo vitimário em “A rota antiga dos homens perversos”, de René Girard | Wilson Franck Junior | Milton Gustavo Vasconcelos Barbosa | Resenhas de Filmes | A vida é notícia de jornal. Análises do contemporâneo a partir do filme “O outro lado da rua” | Laila Maria Domith Vicente | Match Point: sorte na vida ou vencer a qualquer preço? | Yuri Felix | David Leal da Silva

Liberdades revista 17revistaliberdades.org.br/_upload/pdf/22/filme1.pdf · sua obra a apavorante influência da sorte e suas implicações na vida dos personagens, e, portanto, das

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17revista Liberdades.

| Publicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais | nº 17 – se tembro/dezembro de 2014 | ISSN 2175-5280 |

Expediente | Apresentação | Entrevista | Spencer Toth Sydow entrevista Ramon Ragués | Artigos | Audiência de custódia e a imediata apresentação do preso ao juiz: rumo à evolução civilizatória do processo penal | Aury Lopes Jr. | Caio Paiva | Reflexões acerca do Direito de Execução Penal | Felipe Lima de Almeida | Existe outro caminho? Uma leitura sobre discurso, feminismo e punição da Lei 11.340/2006 | Mayara de Souza Gomes | A ampliação do conceito de autoria por meio da teoria do domínio por organização | Joyce Keli do Nascimento Silva | Quis, ubii, quibus auxiliis, cur, quomodo, quando? | Tânia Konvalina-Simas | Os problemas do Direito Penal simbólico em face dos princípios da intervenção mínima e da lesividade | André Lozano Andrade | História | Ressonâncias do Discurso de Dorado Montero no Direito Penal Brasileiro | Renato Watanabe de Morais | Resenha de Livro | Jó, vítima de seu povo: o mecanismo vitimário em “A rota antiga dos homens perversos”, de René Girard | Wilson Franck Junior | Milton Gustavo Vasconcelos Barbosa | Resenhas de Filmes | A vida é notícia de jornal. Análises do contemporâneo a partir do filme “O outro lado da rua” | Laila Maria Domith Vicente | Match Point: sorte na vida ou vencer a qualquer preço? | Yuri Felix | David Leal da Silva

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EexpedienteDiretoria da Gestão 2013/2014

Publicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

Diretoria Executiva

Presidente:Mariângela Gama de Magalhães Gomes

1ª Vice-Presidente:Helena Lobo da Costa

2º Vice-Presidente:Cristiano Avila Maronna

1ª Secretária:Heloisa Estellita

2º Secretário:Pedro Luiz Bueno de Andrade

Suplente:Fernando da Nobrega Cunha

1º Tesoureiro:Fábio Tofic Simantob

2º Tesoureiro:Andre Pires de Andrade Kehdi

Diretora Nacional das Coordenadorias Regionais e Estaduais:Eleonora Rangel Nacif

Conselho Consultivo

Ana Lúcia Menezes Vieira Ana Sofia Schmidt de Oliveira Diogo MalanGustavo Henrique Righi Ivahy Badaró Marta Saad

Ouvidor

Paulo Sérgio de Oliveira

Suplentes da Diretoria Executiva

Átila Pimenta Coelho Machado Cecília de Souza Santos Danyelle da Silva Galvão Fernando da Nobrega CunhaLeopoldo Stefanno G. L. Louveira Matheus Silveira PupoRenato Stanziola Vieira

Assessor da Presidência

Rafael Lira

Colégio de Antigos Presidentes e Diretores

Presidente: Marta Saad

Membros: Alberto Silva Franco Alberto Zacharias Toron Carlos Vico MañasLuiz Flávio GomesMarco Antonio R. NahumMaurício Zanoide de Moraes Roberto PodvalSérgio Mazina Martins Sérgio Salomão Shecaira

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Coordenadores-Chefes dos Departamentos

Biblioteca: Ana Elisa Liberatore S. BecharaBoletim: Rogério FernandoTaffarelloComunicação e Marketing: Cristiano Avila MaronnaConvênios: José Carlos Abissamra FilhoCursos: Paula Lima Hyppolito OliveiraEstudos e Projetos Legislativos: Leandro SarcedoIniciação Científica: Bruno Salles Pereira RibeiroMesas de Estudos e Debates: Andrea Cristina D’AngeloMonografias: Fernanda Regina VilaresNúcleo de Pesquisas: Bruna AngottiRelações Internacionais: Marina Pinhão Coelho AraújoRevista Brasileira de Ciências Criminais: Heloisa EstellitaRevista Liberdades: Alexis Couto de Brito

Presidentes dos Grupos de Trabalho

Amicus Curiae: Thiago BottinoCódigo Penal: Renato de Mello Jorge Silveira CooperaçãoJurídica Internacional: Antenor Madruga Direito Penal Econômico: Pierpaolo Cruz BottiniEstudo sobre o Habeas Corpus: Pedro Luiz Bueno de AndradeJustiça e Segurança: Alessandra TeixeiraPolítica Nacional de Drogas: Sérgio Salomão ShecairaSistema Prisional: Fernanda Emy Matsuda

Presidentes das Comissões Organizadoras

18º Concurso de Monografias de Ciências Criminais: Fernanda Regina Vilares20º Seminário Internacional: Sérgio Salomão Shecaira

Comissão Especial IBCCRIM – Coimbra

Presidente:Ana Lúcia Menezes VieiraSecretário-geral:Rafael Lira

Coordenador-chefe da Revista Liberdades

Alexis Couto de Brito

Coordenadores-adjuntos:Bruno Salles Pereira RibeiroFábio LoboscoHumberto Barrionuevo Fabretti João Paulo Orsini Martinelli

Roberto Luiz Corcioli Filho

Conselho Editorial: Alexis Couto de BritoCleunice Valentim Bastos Pitombo Daniel Pacheco Pontes

revista Liberdades.Fábio LoboscoGiovani Agostini SaavedraHumberto Barrionuevo FabrettiJosé Danilo Tavares LobatoJoão Paulo Orsini Martinelli João Paulo SangionLuciano Anderson de Souza Paulo César Busato

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Eexpediente ........................................................................................................................2

Apresentação ...................................................................................................................6

Entrevista

Spencer Toth Sydow entrevista Ramon Ragués ....................................................................................8

Artigos

Audiência de custódia e a imediata apresentação do preso ao juiz: rumo à evolução civilizatória do processo penal ................................................................................11

Aury Lopes Jr. e Caio Paiva

Reflexões acerca do Direito de Execução Penal .................................................................................24

Felipe Lima de Almeida

Existe outro caminho? Uma leitura sobre discurso, feminismo e punição da Lei 11.340/2006 .........50

Mayara de Souza Gomes

A ampliação do conceito de autoria por meio da teoria do domínio por organização .................69

Joyce Keli do Nascimento Silva

Quis, ubii, quibus auxiliis, cur, quomodo, quando? ..............................................................................85

Tânia Konvalina-Simas

INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS5Revista Liberdades - nº 17 – setembro/dezembro de 2014 I Publicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

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Os problemas do Direito Penal simbólico em face dos princípios da intervenção mínima e da lesividade ....................................................................................................99

André Lozano Andrade

História

Ressonâncias do discurso de Dorado Montero no direito penal brasileiro ........................................118

Renato Watanabe de Morais

Resenha de Livro

Jó, vítima de seu povo: o mecanismo vitimário em “A rota antiga dos homens perversos”, de René Girard .....................................................................................................141

Wilson Franck Junior e Milton Gustavo Vasconcelos Barbosa

Resenhas de Filmes

A vida é notícia de jornal. Análises do contemporâneo a partir do filme “O outro lado da rua” .....149

Laila Maria Domith Vicente

Match Point: sorte na vida ou vencer a qualquer preço? ...................................................................158

Yuri Felix e David Leal da Silva

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ApresentaçãoMais uma edição da Liberdades, e mais uma vez, trabalhos notáveis.

Iniciamos com a entrevista do professor Ramón Ragués realizada pelo professor Spencer Toth Sydow, e faz considerações sobre a teoria da cegueira deliberada.

Nos artigos científicos, variadas reflexões.

No campo processual, Aury Lopes Jr. e Caio Paiva abordam o projeto de lei 554/11 e as vantagens da implementação, no Brasil, da audiência de custódia e imediata apresentação do preso ao juiz.

Em uma abordagem histórica da execução penal na legislação brasileira, Felipe Lima de Almeida disserta sobre a natureza jurídica da execução penal e as finalidades que pretende alcançar.

Passando ao direito material, sobre a tensão que existe entre a violência domestica contra a mulher e a política criminal de ultima ratio, Mayara de Souza Gomes analisa a dicotomia sugerindo uma solução que possa atender aos anseios sociais e sistêmico-penais.

Joyce Keli do Nascimento Silva parte da ação comunicativa de Habermas para analisar autoria mediata e o domínio do fato em aparatos organizados de poder.

Mudando da dogmática para a criminologia, a abordagem de Tânia Konvalina-Simas sobre a importância da profissão de criminologista no cenário jurídico-penal português oferece um entendimento acerca de uma melhor operacionalização da criminologia e sua capacidade de rendimento para os procedimentos penais

André Lozano Andrade também navega pela criminologia e pela política criminal ao discorrer sobre o direito penal simbólico e a intervenção mínima e como tais conceitos podem ser sentidos e absorvidos pelo contexto social.

A abordagem histórica nos é trazida por Renato Watanabe de Morais. O sempre atual e discutido Dorado Montero e seu correcionalismo são revisitados em busca de uma aplicação prática no campo da política de drogas.

Wilson Franck Junior e Milton Gustavo Vasconcelos Barbosa nos trazem a resenha do livro “A rota antiga dos homens perversos”, do sempre crítico René Girard, que apesar de sua formação essencialmente religiosa nos traz observações muito interessantes sobre o ser humano e seus desejo de vingança.

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Por fim, Laila Maria Domith Vicente, Yuri Felix e David Leal da Silva nos trazem duas resenhas de filmes absolutamente recomendáveis. “O outro lado da Rua” interpreta a forma de ser e estar no mundo, e “Match Point” tem como tema de reflexão a competitividade, aceleração e a busca do sucesso no mundo moderno.

Como se vê, mais uma interessante edição, elaborada com a ajuda dos colaboradores, que continuam apostando e prestigiando a nossa publicação.

A todos, uma boa leitura.

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Match Point: sorte na vida ou vencer a qualquer preço?

Yuri FelixMestrando em Ciências Criminais pela PUC-RS.Presidente da Comissão de Direito Penal e Direito Processual Penal da 40.ª Subseção da OAB-SP. Advogado Criminal em São Paulo.

David Leal da SilvaMestrando em Ciências Criminais pela PUC-RS.Advogado.

Filmografia: MATCH POINT. Produção Reino Unido, EUA e Luxemburgo, 2005. Drama. Direção: Woody Allen. Estúdio/Distribuição: Playarte. 124 minutos.

Sumário: 1. Match Point: de Fiódor Dostoiévski a Woody Allen; 2. Crítica da vida contemporânea a partir de Match Point; Referências – Filmografia.

Resumo: As próximas linhas cuidam de uma abordagem narrativa do filme Match Point descrevendo pontos que se julgam fundamentais para a compreensão da obra. Além disso, objetiva-se realizar uma aproximação de questões pertinentes à sociedade atual, marcada pela competitividade, aceleração e busca do sucesso. A sorte, o jogo e a sedução são pontos centrais na reflexão aqui proposta.

Palavras-chave: Crime – Culpa – Jogo – Sociedade Contemporânea.

Abstract: The next lines take care of a narrative approach to the movie Match Point describing points that are deemed critical to the understanding of the work. Moreover, the objective is to make an approach relevant to today’s society, marked by competitiveness, acceleration and pursuit of success. Luck, the game and seduction are central in the discussion launched here.

Keywords: Crime – Guilt – Game – Contemporary Society.

1. Match Point: de Fiódor Dostoiévski a Woody Allen

Match Point (Ponto Final) é um filme norte-americano do ano de 2005, do gênero drama. Foi dirigido e escrito pelo cineasta Woody Allen. Considerado um dos seus melhores trabalhos, o filme foi inspirado no famoso romance de Fiódor

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Dostoiévski, Crime e castigo.1 Tanto é que na parte inicial há uma cena em que o livro é lido pelo protagonista, Chris Wilton (Jonathan Rhys-Meyers). A propósito, os trabalhos de Woody Allen, normalmente, põem em cena os temas caros a Dostoiévski: crime, moral, jogo, amor, sedução, crença, morte e sorte. De inquestionável atualidade, o diretor revela na sua obra a apavorante influência da sorte e suas implicações na vida dos personagens, e, portanto, das pessoas em geral.

Ao som de Una Furtiva Lagrima, interpretada por Enrico Caruso, a abertura do filme ocorre numa quadra de tênis com a câmera mirada na rede, enquanto uma bolinha é projetada de um lado ao outro. De início, um monólogo afirma que:

“O homem que disse: ‘prefiro ser sortudo a ser bom’, entendeu bem a vida. As pessoas têm medo de reconhecer que grande parte da vida depende da sorte. É assustador pensar que tantas coisas estão fora do nosso controle. Há momentos em um jogo em que a bola bate na parte superior da rede e, por um milésimo de segundo, pode ir para frente ou cair para trás. Com um pouco de sorte, ela vai para frente e você ganha... ou talvez não vá e você perde”.2

Eis que, conforme dissera o monólogo, a bolinha bate na parte superior da rede e, nesse instante, a cena congela, deixando o expectador sem saber de que lado ela cairá. Essa cena terá uma resposta no desfecho da obra, dando a entender que a fala inicial é a conclusão do personagem principal a respeito de toda a história do filme.

Pois bem. A película se passa na Inglaterra dos dias correntes. O protagonista, Chris, é um jogador de tênis que abandonara as competições. Então, ele é contratado para dar aulas do esporte num clube da alta sociedade inglesa. Após encerrar uma aula, seu aluno Tom (Mattew Goode), um jovem pertencente à elite dessa sociedade, lhe convida para assistir uma apresentação de ópera, já que Chris lhe contara sobre seu gosto musical. No evento, Chris conhece a irmã de seu aluno, Chloe (Emily Mortimer), bem como sua família. Chris logo se envolve com a moça.

A família, rica e influente, organiza uma confraternização em sua mansão e, nessa ocasião, Chris conhece a namorada de Tom, Nola Rice (Scarlett Johansson), uma sedutora atriz norte-americana que não consegue despontar na carreira em Londres. Como se poderia esperar, rapidamente Chris e Nola envolvem-se numa paixão ardente e proibida. Porém, logo a moça conclui que o envolvimento foi simples acontecimento passado e assim eles se afastam. Passado algum tempo, Chris se casa com Chloe e inicia uma carreira na empresa do sogro, oportunidade que lhe insere no contexto da elite londrina. Posteriormente, o casal intenta gerar um filho, mas não consegue. De imediato se percebe que a frustração se deve ao desejo de Chris por Nola.

1 DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Crime e castigo. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Ed. 34, 2001. 2 “The manwhosaid ‘I’dratherbeluckythangood’ sawdeeplyintolife. People are afraidto face howgreat a partoflifeisdependentonluck. It’sscarytothinksomuchis

out ofone’scontrol. There are moments in a match whentheball hits the top ofthe net and for a splitsecond it caneither go forwardorfallback. With a littleluck, it goesforwardandyouwin…ormaybe it doesn’t, andyoulose”. Ver em: <http://www.matchpoint.dreamworks.com/main.html>.

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Nesse meio tempo, Tom rompe o relacionamento com Nola. Eis que Chris, por acaso, encontra Nola numa exposição de arte e lhe pede seu telefone. Eles se encontram no apartamento da jovem atriz e, a partir desse momento, mantêm uma relação paralela. Nola engravida. Avisado disso, Chris lhe pede que aborte, mas ela não aceita. Nola pressiona Chris para que dê fim ao seu casamento, caso contrário ela revelaria a verdade sobre romance entre eles. Chris começa a se ver cada vez mais perdido, sentindo-se perturbado e sem saber como resolver os problemas que lhe concerniam. Logicamente, caso o romance viesse à tona, ele teria de abandonar a vitanuova.

Eis que, em direção à tragédia, o protagonista se lança numa decisão radical: resolve por fim à vida de Nola. É que, desse modo, ele poria fim ao relacionamento e não permitiria o nascimento do seu filho. Certo disso, Chris vai até à sala dos artefatos de caça da casa do seu sogro, desmonta uma espingarda e a coloca em sua mochila. Fazendo o que planejara, ele liga para Nola e combina de esperá-la em seu apartamento. Chegando antes, Chris pede para entrar no apartamento de uma vizinha de prédio de Nola – uma idosa que aqui remete ao romance Crime e Castigo em que Raskólnikov assassina uma velha usurária –, e lhe diz que precisa ajustar a antena da TV. A idosa aceita que Chris entre. Ele monta rapidamente a espingarda, comete o homicídio e embolsa joias e medicamentos que estavam guardados, numa evidente tentativa de forjar um latrocínio. Depois de algum tempo, Nola chega do trabalho, sobe as escadas e Chris lhe tira a vida com um tiro frontal. O autor do crime foge do prédio sem que ninguém presenciasse o que aconteceu. Entretanto, os investigadores suspeitam que o assassino possa ser Chris.

Assim, numa bela cena, para se livrar das joias da idosa, Chris as joga no rio Tamisa. Então seu gesto decisivo: ele percebe, porém, que ainda resta um anel em seu bolso. Esse é o momento que define sua vida. Chris lança o anel numa cena que transcorre lentamente ao som de A La Paterna Mano – na voz de Caruso. Contudo, apenas por mero detalhe, o anel não chega até às águas do rio, acabando por bater no gradeado e atingir o chão. Aqui está a resposta da primeira cena em que bola de tênis toca a rede. Chris é um sujeito de sorte. Mesmo que o investigador do crime (um sujeito perspicaz com sua típica intuição policial que lembra também o inquérito em Crime e Castigo) suspeite fortemente de sua autoria nos crimes, não havia provas que vinculasse o protagonista aos fatos.

Após o crime, as implicações morais começam a aparecer. Até porque o protagonista não é um sujeito incapaz de empatia (ou um psicopata, como uma leitura psiquiatrizante poderia concluir). Veja-se que aqueles que não se desprendem totalmente das afetações da moral (se é que isso é possível), são esmagados por sua consciência, acabando por perder seu sono à noite. Então, na madrugada, quando Chris acorda e vai até à cozinha beber água, algo como o espírito de Nola aparece perante ele. Ela não lhe diz nada. Ele olha para o seu rosto e, defendendo a necessidade das suas ações, conta que não foi fácil puxar o gatilho. A idosa também aparece ao lado de Nola dizendo que ela era uma inocente nessa situação trágica. Chris dá seus motivos, dizendo que os inocentes são sacrificados em nome de algo maior, um “dano colateral”, na sua tese. A idosa lhe diz que também o filho de Chris fora morto e ele responde com a fala de Sófocles segundo a

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qual nunca nascer talvez seja a maior benção. Nola resolve falar e lhe alerta para que se prepare para pagar o preço dos seus atos, cujos erros são de alguém que suplica por ser pego. Ele diz que o correto seria ser pego e castigado. Ao menos haveria uma fagulha de sentido e de justiça.

Para a sorte de Chris, um usuário de drogas é encontrado morto com o anel. O protagonista é avisado pelos policiais de que o autor do delito fora encontrado. O anel, que simboliza o crime de Chris, foi justamente o que lhe permitiu escapar à condenação. Eis o jogo da sorte! Chloe e Chris ao final têm um bebê. Na ultima cena, na sala de sua casa, enquanto a família toda celebra a chegada da criança no seio familiar, Chris, distante de todos e próximo às janelas de vidro, olha para o horizonte. Então, o pai de Chloe diz: “que esse menino seja grande em tudo a que se propor”. E Tom arremata: “não me interessa que seja grande, só espero que tenha sorte”.

O final é contemplado por um tom trágico e, na cena, é como se Chris não estivesse ali, apesar da convicção da necessidade das suas ações. Seu olhar é extremamente sombrio. Seu semblante vazio é preenchido por algo que não transparece no rosto dos outros personagens. Talvez sua obscuridade conclusiva revele a existência de uma instância moral que, de alguma maneira, lhe afetou. Mas se avançarmos na interpretação, diremos que há algo mais. Podemos compreender que a triste consciência do protagonista é não somente decorrente dos seus crimes, mas da totalidade de ações que alicerçam um modo de vida elitista. Veja-se que Chris é alguém que vem de baixo, é uma peça dissonante em relação aos demais, tanto na cena, quanto por sua origem socioeconômica. No momento em que todos agem em sincronia, ele é único atravessado pela consciência do trágico. O trágico acabou sendo aquilo que se fez no meio de um percurso para consumar algo planejado, que é no filme nada menos do que o conjunto de ações, para além do bem e do mal, sem dúvida, necessárias à manutenção da forma de vida daquela família, que sempre aparece adequada ao ideal de felicidade. A atmosfera decadente do fechamento é reforçada pela melancolia de Una furtiva lagrima.

De fato, Match Point é uma obra de mestre e Woody Allen soube trabalhar de modo conveniente e equilibrado os temas da vida humana na sociedade inglesa, que também nos dizem respeito, pois vivemos num mundo de implicações globais. Igualmente, é bastante pertinente o modo como se dialogou com a obra de Dostoiévski, sem se preocupar em atualizar a análise dos temas que eram esboçados na narrativa do autor russo.

Posto isso, no próximo tópico algumas questões fundamentais do mundo de hoje serão desenvolvidas a partir da exposição do filme a fim de dar vazão ao olhar crítico de Woody Allen e avançar nos temas aqui apresentados.

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2. Crítica da vida contemporânea a partir de Match Point

Como já foi mencionado, o tema central do filme é a sorte. A partir desse eixo temático, outros assuntos são apresentados conjuntamente, especialmente: a sedução, a paixão, o relacionamento, os interesses econômicos e empresariais, o crime, a culpa, a avaliação entre meios e fins, o insucesso e a decadência da vida contemporânea. O que Woody Allen parece querer demonstrar é que, independentemente de qualquer coisa, a sorte é o fator de indeterminação da vida, algo que escapa à pretensão de controle dos acontecimentos e que, ao acaso, confere um sentido particular à totalidade dos sentidos da existência de cada um.

No que importa comparar à obra de Dostoiévski, Crime e castigo, há uma diferença de fundo que é essencial. No romance do literato, o personagem Raskolnikóv praticou o homicídio contra a velha usurária sem qualquer finalidade material (muito embora também tenha se apropriado de algumas joias), diferentemente de Match Point, em que Chris pretendeu com seus crimes ocultar relacionamento proibido e dar fim às consequências que daí adviriam. Nesse ponto, há um detalhe que merece ser salientado. O personagem de Dostoiévski, Raskólnikov, desenvolve uma tese que, inclusive, irá inspirar as obras de Friedrich Nietzche na sua concepção de super-homem (além-homem, Übermensch), e nela apresenta as suas verdadeiras razões. Para Raskólnikov, a exemplo de Napoleão, existem homens extraordinários cujas ações se projetariam para fora dos domínios da moral (ou com a qual não se importariam), pois mesmo que esses “heróis” tenham promovido a morte de milhares de seres humanos, ainda assim seus nomes foram lembrados pela sua grandeza na história. Mas Roskólnikov vai além. Ele queria, além disso, testar suas capacidades, procurando saber se seria capaz de levar sua ideia ao extremo, se seria, em última análise, capaz de transgredir limites a partir de uma ação que se pautaria pela sua cruel necessidade. Assim sendo, ele se igualaria aos grandes nomes da história. Isso definiria sua posição no mundo. No desenrolar da narrativa, contudo, Roskolnikov é afetado por sua culpa de modo brutal, pois nos seus planos não estava inserida a ideia de tirar a vida de um ser humano na sua singularidade. Eis que será uma prostituta miserável chamada Sônia que lhe fará readquirir novamente amor à vida e lhe tocará o coração, simbolizando, neste aspecto, a possibilidade de salvação. Ou seja, se para todo crime existe o castigo, também deve haver o perdão. Parece que esse acontecimento permite ao personagem desviar-se do vazio existencial que lhe caracterizava, um niilismo que o levava a uma angústia incessante.

No filme, contudo, o quadro é um pouco diferente. Está implícito que na ação de Chris havia uma finalidade que pressupõe a realização do crime, que parece ser a luta do personagem para permanecer na zona de acomodação de uma vida de luxo. Riqueza, consumo, poder e carreira: os fatores que impeliram de forma radical os crimes do personagem de Match Point.

O desfecho da obra de Woody Allen – também – é diferente do de Crime e castigo. E isso demonstra que Woody Allen – de certo modo – não quis seguir à risca a narrativa de Dostoiévski; ou, quem sabe, preferiu fazer de seu trabalho

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uma crítica mais condizente com a vida dos dias correntes. Significa que, se Crime e castigo foi um ponto de partida, Match Point revela a expansão da vacuidade da vida contemporânea. Pode-se deduzir disso que a consequência tirânica desse modo de estar no mundo retratado no filme é que, num determinado contexto, aquele que se apresentar como estorvo será violentamente eliminado. Quando a vida em sociedade apresenta essas características, de fato, não resta outra coisa senão se jogar à sorte, à possibilidade de que tudo possa se inverter em alguma ocasião, como num jogo de tudo ou nada em que toda aposta é sempre de vida ou morte. E isso se estende aos campos afetivos. Não é à toa que, atualmente, os próprios relacionamentos se definem também por esses traços. Interesses econômicos se confundem com questões de amor. Frugalidade, sedução, orgulho, jogo, em suma, tudo o que se quer seduzir é aquilo de que não se tem o domínio. O sedutor,3 no final das contas, não é outro senão o endinheirado que sempre quer mais.

Paradoxalmente, quem pensa que as possibilidades de relacionamento estão mais fáceis do que nos tempos mais repressores, talvez, esteja equivocado. No início do século passado, por exemplo, havia toda uma ordem moral que restringia o exercício do desejo, mas que de forma alguma o impossibilitava. Hoje em dia, numa conclamada sociedade libertária, se poderia acreditar que os limites foram praticamente apagados e, finalmente, as relações poderão ser estabelecidas como se bem entender. Não. O desejo é algo extremamente complexo, nunca se dá de forma direta, senão pelas beiradas, etc. Fator importante é que, não havendo mais autoridade para limitar o desejo, é preciso deslocar-se para outro campo e atender sua lógica própria. Esse é o campo da sedução. Aqui, a lógica de funcionamento é a mesma do excesso de produtos oferecidos para consumo. Com tantas oportunidades, o que não se consegue é justamente se decidir por algo, pois a sensação de estar perdendo a “grande chance” de algo melhor somada à lei que manda viver o hoje, o aqui e agora, coloca um limite muito mais eficaz do que os antigos valores do conservadorismo. Por isso que hoje com o excesso de possibilidades talvez seja muito mais difícil relacionar-se.

O campo da sedução é o lugar de cinismo, onde se dissimula, fala-se o contrário do que se pensa, mente-se falando a verdade. Tudo com o interesse de ludibriar o adversário. Logo, os relacionamentos se tornam sempre uma disputa, tal qual jogo. Num tempo de sujeitos mimados e narcisistas, os relacionamentos encontram grandes dificuldades de perdurar e a morte prematura é comumente o resultado mais comum. O desfecho, porém, é sempre imprevisível, a sorte muitas vezes definirá o rumo e o resultado de cada disputa. Porém, os relacionamentos num mundo dominado pelo capital se definem pela lógica do excesso (ou de quem o detém). Os endinheirados são os ganhadores e podem se dar ao luxo de perder no jogo, tal qual o sedutor que pode perder num momento ou outro, pois esbanja conquistas. Isto é, dinheiro atrai dinheiro,4 e muito mais.

3 Sobre as artimanhas da sedução, ver: KIERKEGAARD, Sören. Diário de um sedutor. Trad. Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2004. Também: BAUDRILLARD, Jean. Da sedução. 2. ed. Campinas: Papirus, 1992.

4 GIRARD, René. Dostoiévski: do duplo à unidade. Trad. Roberto Mallet. São Paulo, 2011. p. 70.

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resenhas de filmes

Em suma, o vazio da nossa época é preenchido pela vontade de definir as coisas pela vitória ou pela derrota, questão de saber quem é o “ganhador”, engendrada por um narcisismo universal. Aliás, mesma lógica que define a vida profissional, tendo sua maior representação nas lutas de MMA em que cada um quer destruir seu adversário e somar mais uma vitória ao seu cartel. No final da luta, um abraço faz sempre parte do show. Daí que no jogo da vida, o ganhador pode apresentar sua própria narrativa, a “verdadeira”, como se estivesse inserido numa história pré-determinada pela sua sorte e, portanto, tem os deuses ao seu lado lhe dando razão nas suas conquistas – sobretudo materiais – é claro. Assim, tudo se resolve como num jogo. Um jogo agressivo.

Percebe-se, no entanto, que mesmo em meio a uma sociedade repleta de vidas orientadas pela vagueza existencial, em algum momento haverá um limite que permitirá organizar o estado caótico das coisas deixadas à definição do absurdo da sorte. E aqui aparece a semelhança moral entre Match Point e Crime e Castigo. Chris diversas vezes se encontra com um amigo ao caminhar pela rua, alguém que, mesmo no filme, está situado para fora da história contada, representando uma instância sutilmente avaliadora dos seus atos. Esse personagem enquanto interlocutor externo é o próprio limite ético que de momento em momento se depara com o personagem do filme. É como que a lucidez de um instante se abrisse a possibilidade do diálogo sobre uma alternativa frente ao prenúncio de uma ação precipitada, normalmente impelida pelo desespero ou pela gana material. Essa instância que pertence à história, mas está de fora pelo distanciamento, é o que suspeita dos jogos da sorte, pois lhe minimiza pelos limites da ética em sociedade. Não seria esse o motivo do afastamento de Chris na última Cena? Talvez. Foi ele realmente um sujeito de sorte? Sua sorte lhe protegeu de ser descoberto pelos investigadores. Mas ele não foi capaz de escapar do julgamento de sua própria consciência que penetrou seus pensamentos e entristeceu sua face. E, por isso, o peso que lhe esmaga é o preço que têm de pagar – como dissera Nola -, na convivência com os fantasmas do passado. Isso quer dizer que o filme traz uma forte influência moral, sendo essa ou não a intenção de Woody Allen. Seu personagem segue um caminho oposto ao de Raskolnikov, que se redime em razão do crime brutal. Chris, não.

Referências

BAudrillArd, Jean. Da sedução. 2. ed. Campinas: Papirus, 1992

dostoiévski, Fiódor. Crime e castigo. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Ed. 34, 2001.

girArd, René. Dostoiévski: do duplo à unidade. Trad. Roberto Mallet. São Paulo, 2011.

kierkegAArd, Sören. Diário de um sedutor. Trad. Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2004.