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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Roberta Corrêa Gouveia Limites à Indenização Punitiva DOUTORADO EM DIREITO CIVIL COMPARADO SÃO PAULO 2012

Limites à Indenização Punitiva

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  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO PUC/SP

    Roberta Corra Gouveia

    Limites Indenizao Punitiva

    DOUTORADO EM DIREITO CIVIL COMPARADO

    SO PAULO

    2012

  • 1

    PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO PUC/SP

    Roberta Corra Gouveia

    Limites Indenizao Punitiva

    DOUTORADO EM DIREITO CIVIL COMPARADO

    Tese apresentada Banca Examinadora da

    Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo,

    como exigncia parcial para obteno do ttulo de

    Doutora em Direito Civil Comparado, sob a

    orientao do Professor Doutor Cludio

    Finkelstein.

    SO PAULO

    2012

  • 2

    Banca Examinadora:

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  • 3

    Aos meus pais

  • 4

    Agradecimentos:

    Aos meus irmos, Leo e Lorena, pela amizade e torcida.

    Ao meu marido, Renato, pelo amor, companheirismo e felicidade do dia-a-dia.

    Ao meu orientador, Professor Cludio Finkelstein, por todos os ensinamentos desde o

    mestrado, auxlio e, principalmente, por sua amizade generosa.

    Ao amigo Rui por toda a ajuda durante o curso.

    Ao CNPQ pela oportunidade e contnua contribuio pesquisa no Brasil.

    Fordham University, na pessoa da Professora Toni Fine, por ter me recebido como

    pesquisadora.

    Especialmente, aos meus pais, Paulo e Graa, por tudo: amor, incentivo e apoio de sempre.

    A todos, muito obrigada!

  • 5

    RESUMO

    A tese aborda a possibilidade de fixao de limites que devem ser previstos em lei para que a

    indenizao punitiva seja vivel no direito brasileiro. O interesse em propor parmetros surgiu

    a partir da anlise da jurisprudncia nacional que vem aplicando os elementos

    caracterizadores do instituto, como a gravidade da conduta e a situao financeira privilegiada

    do ofensor, para justificar o valor da condenao em danos morais, respaldada na sua prpria

    natureza jurdica, mas sem critrios claramente definidos. Por meio de estudo comparativo,

    verificou-se que o instituto dos punitive damages aplicado nos pases que seguem o common

    law como um valor pecunirio que o lesado recebe do ru alm da indenizao pelo dano

    efetivo sofrido, de maneira geral por ato ilcito cometido com dolo ou culpa grave do ofensor.

    A adoo de uma indenizao sancionatria civil pelo ordenamento jurdico brasileiro no

    ofenderia as garantias constitucionais, bem como afastaria a alegao de enriquecimento sem

    causa da vtima, equivalendo restaurao da paz interior e da justia subtradas dela e da

    sociedade pela conduta danosa do agente. Ademais das sanes penais e administrativas, a

    sociedade brasileira deve dispor de novo instrumento punitivo, vez que a responsabilidade

    civil possui funo meramente reparatria ou compensatria, se mostrando ineficiente como

    forma de represso e preveno de comportamentos ilcitos do causador do dano e da

    sociedade como um todo. Entre os limites propostos indenizao punitiva, sugere-se como

    critrio subjetivo que a conduta do causador do dano seja efetivamente grave, configurando

    dolo ou culpa grave. Os limites objetivos constituem-se na condenao concomitante em

    danos efetivos, circunstncias concretas do caso, situao financeira das partes e eventual

    lucro obtido a partir do evento danoso. O valor da indenizao sancionatria deveria ser

    atribudo ao lesado e a um fundo pblico, sendo que o percentual dependeria de previso

    legal, de acordo com o caso concreto.

    Palavras-chave: indenizao punitiva; punitive damages; limites.

  • 6

    ABSTRACT

    This thesis discusses the possibility of establishing limits on punitive damages that would

    make them viable if and when adopted in Brazil. Our interest in proposing boundaries comes

    from an analysis of Brazilian jurisprudence, in which we observed that courts justify the

    amount of pain and suffering damages awards by applying characteristic elements of punitive

    damages such as the high degree of reprehensibility of the conduct and the wealth of the

    defendant but based only on the nature of the injury itself and without well-defined

    criteria. Through a comparative study we see that Common Law countries apply punitive

    damages as a legal remedy through which injured persons receive from the defendants, in

    addition to full compensation for their actual injury, pecuniary amounts based on the willful

    misconduct or gross negligence of the offender. The adoption of this form of civil penalty

    would not infringe Brazilian constitutional guarantees and would not constitute unjust

    enrichment of the victim, because it would restore inner peace to the victim and bring back

    justice to the victim and society in general after the damaging behavior of the agent. In

    addition to criminal and administrative sanctions, Brazilian society needs a new punitive

    instrument, because in Brazil tort law is used to compensate the plaintiff for injury he

    receives, and is not an efficient means of punishment and deterrence of illicit behavior.

    Among the subjective limits we propose to punitive damages is a requirement for a high

    degree of reprehensibility of the wrongdoers conduct, such as intentional wrongdoing, willful

    misconduct, gross negligence or some other kind of outrageous conduct. The objective limits

    are the amount of compensatory damages, the concrete circumstances of the case, the

    financial situation of the parties and expected profit of the defendant. The payment of punitive

    damages should be made to the victim and to a public fund, but the percentage may vary

    according to the case.

  • 7

    RESUMEN

    La tesis aborda la posibilidad de establecimiento de lmites que deben ser previstos en ley a

    fin de que la indemnizacin punitiva sea factible en lo derecho brasileo. El empeo en

    proponer parmetros surgi desde el anlisis de la jurisprudencia nacional que viene

    aplicando elementos caracterizadores del instituto, como la gravedad de la conducta y la

    riqueza del causador del dao para justificar el valor de la condenacin en daos non

    materiales embasada en la propia naturaleza jurdica del dao, mas sin criterios claramente

    definidos. Travs del estudio comparativo del derecho observamos que el instituto de los

    punitive damages es aplicado en los pases que siguen el common law como un valor

    pecuniario que el leseado recibe del ofensor adems de la indemnizacin por el dao efectivo

    en casos de acto ilcito causado por dolo o culpa grave del ofensor. La adopcin de una

    indemnizacin sancionatria por el ordenamiento jurdico brasileo no violara las garantas

    constitucionales, as como alejara la alegacin de enriquecimiento sin causa de la vctima,

    vez que equivale a la restauracin de valores inmateriales sustrados de la misma e de la

    sociedad por la conducta daosa del agente. Adems del derecho penal y administrativo, la

    sociedad actual debe disponer de nuevos instrumentos punitivos, a depender de previa

    determinacin legal de los presupuestos subjetivos e objetivos, diferentes del aquel

    tradicionalmente seguidos por la responsabilidad civil que tiene funcin meramente

    reparativa. Entre los lmites propuestos est como criterio subjetivo de la indemnizacin

    punitiva que la conducta del causador del dao sea efectivamente grave, configurando dolo o

    culpa grave. Los lmites objetivos sugeridos son la condenacin en daos efectivos, las

    condiciones personales y financieras de las partes, el inters obtenido con el evento daoso, o

    sea, situaciones en que la simple reparacin del prejuicio se muestre ineficiente para reprimir

    e prevenir nuevos actos ilcitos por el causador y de toda la sociedad. El valor de la

    indemnizacin sancionatoria debera ser atribuido al leseado y a un fondo pblico, pero el

    montante dependera del caso concreto.

  • 8

    SUMRIO

    INTRODUO ...................................................................................................................... 09

    1 RESPONSABILIDADE CIVIL ......................................................................................... 12

    1.1 CONCEITO E CLASSIFICAO .................................................................................... 12

    1.2 REQUISITOS ..................................................................................................................... 15

    1.2.1 Dano ................................................................................................................................ 17

    1.2.2 Nexo causal ..................................................................................................................... 27

    1.2.3 Culpa ............................................................................................................................... 29

    2 ESTUDO COMPARATIVO DA INDENIZAO PUNITIVA ..................................... 32

    2.1 ASPECTOS HISTRICOS ................................................................................................ 32

    2.2 CONCEITO, NATUREZA E OBJETIVO ......................................................................... 34

    2.3 A EXPERINCIA NORTE-AMERICANA ...................................................................... 36

    2.4 OUTROS PASES DO COMMON LAW ........................................................................... 74

    2.5 ALGUNS PASES DO SISTEMA ROMANO-GERMNICO ........................................ 79

    3 LIMITES INDENIZAO PUNITIVA ....................................................................... 91

    3.1 LIMITES RESPONSABILIDADE CIVIL .................................................................... 91

    3.2 LIMITES INDENIZAO PUNITIVA ...................................................................... 103

    CONCLUSO ....................................................................................................................... 115

    REFERNCIAS ................................................................................................................... 118

  • 9

    INTRODUO

    A reparao civil no Brasil uma garantia fundamental, conforme o art. 5, incisos V e

    X, da Constituio Federal de 19881. Como regra, o Cdigo Civil prev que a

    responsabilidade civil privada no Brasil subjetiva, ou seja, depende da comprovao de

    culpa do ofensor para que seja imposta.

    Por outro lado, a responsabilidade civil pblica, que inclui o Estado e as empresas que

    o representarem, tambm prevista no texto constitucional em seu art. 37, 62, de carter

    objetivo, isto , independe de culpa, mas assegurado o direito de regresso.

    O Brasil segue o princpio da reparao integral, pelo qual se busca reparar a vtima

    dos prejuzos sofridos. Entretanto, somente aqueles efetivamente comprovados e, dependendo

    do caso, os lucros cessantes, ou o que a vtima deixou de ganhar em razo do incidente. No

    se admite a aplicao de indenizao punitiva ou preventiva em nosso ordenamento jurdico.

    Contudo, existem projetos de lei com o intuito de positivar o que a jurisprudncia vem

    aplicando veladamente, em especial nos casos envolvendo danos morais, como ser

    observado no Captulo I da presente tese.

    De forma geral, os pases que seguem o sistema do common law aplicam os punitive

    damages em contraste com os pases do sistema romano-germnico que, em sua maioria, no

    aplicam tal instituto, pelo menos expressamente.

    Para entender os motivos que levam pases como os Estados Unidos, Inglaterra,

    Canad, entre outros, a admitirem tal instituto h tantos anos e de que forma so aplicados em

    seu cotidiano, bem como a viabilidade de admiti-lo nacionalmente, que se debruou sobre o

    assunto. Todavia, cumpre notar que a aplicao da indenizao punitiva apenas uma entre

    muitas outras diferenas que existem entre os sistemas do common law e civil law.

    De incio, as principais diferenas entre o sistema romano-germnico e o common law

    so: a fonte do direito, o papel do juiz e a prpria natureza do processo civil.

    No common law, a fonte primria de direito o precedente judicial, segundo a teoria

    stare decisis3. Embora as leis tambm sejam consideradas fontes de direito, tais diplomas,

    1 Art. 5: [...] V assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, alm da indenizao por dano

    material, moral ou imagem; [...] X so inviolveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenizao pelo dano material ou moral decorrente de sua violao. 2 Art. 37. [...] 6 As pessoas jurdicas de direito pblico e as de direito privado prestadoras de servios

    pblicos respondero pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito

    de regresso contra o responsvel nos casos de dolo ou culpa.

  • 10

    diferentemente do sistema romano germnico, trazem somente os princpios e no regras

    minuciosas, enquanto no civil law a fonte primria a legislao codificada4.

    Um juiz do sistema romano-germnico necessariamente aplica a lei ao caso concreto,

    devendo citar pelo menos uma previso legal que tenha servido como base para sua deciso e,

    dependendo da jurisdio, a deciso pode se tornar obrigatria para casos futuros, como o

    caso da smula vinculante prevista na Constituio Federal brasileira.

    A natureza do processo civil tambm distinta, pois, ao invs do julgamento por um

    jri como realizado, em regra, no common law, no civil law, em regra, os julgamentos so

    feitos pelos juzes aps diversas audincias. Ademais, a prova documental tem maior peso que

    a testemunhal tem para o common law.

    Ainda em relao s diferenas entre os dois sistemas, cumpre notar que a

    terminologia tambm uma delas. No civil law, no existe equivalente ao termo tort utilizado

    no common law.

    O civil law classifica o direito como pblico ou privado. O direito das obrigaes

    integra o direito privado. Em sentido estrito, o termo obrigao produz certos direitos e

    deveres. Entretanto, o termo era originalmente usado para denotar a completa relao entre as

    partes. De acordo com o direito romano, as obrigaes consistem em contratos, quase-

    contratos, delitos ou quase-delitos.

    Delitos ou quase-delitos so o paralelo do civil law aos torts do common law. O

    delito seria um ato ilegal ou ilcito cometido com a inteno de prejudicar, correspondendo ao

    intentional tort do regime do common law. Quase-delito seria um ato ilegal e ilcito cometido

    sem a inteno de prejudicar, que corresponderia a um ato de negligncia para o common law.

    Se a leso for cometida por culpa (intencional ou negligente) do ofensor, ele dever reparar o

    prejuzo.

    Alm disso, a terminologia punitive damages, muitas vezes traduzida para o portugus

    como danos punitivos, no reflete exatamente o seu significado. Isso porque o termo em

    ingls damages5 quer dizer indenizao ou a reparao efetivamente concedida e no danos,

    como se costuma livremente traduzir para o portugus.

    3 Policy of courts to stand by precedent and not to disturb settled point. Doctrine that when court has once laid

    down a principle of law as applicable to a certain state of facts, it will adhere to that principle, and apply it to all

    future cases, where facts are substantially the same; regardless of whether the parties and property are the same. (BLACK, H. C. et al. Blacks law dictionary: definitions of the terms and phrases of American and English jurisprudence, ancient and modern. 6

    th ed. West, 1991, p. 978).

    4 SCHLUETER, L. L. Punitive damages. 6th ed. 2010, p. 949-950.

    5 BLACK, H. C. et al. Blacks law dictionary: definitions of the terms and phrases of American and English

    jurisprudence, ancient and modern. 6th

    ed. West, 1991, p. 270.

  • 11

    Assim, na presente tese prefere-se utilizar o termo indenizao punitiva, em vez de

    danos punitivos. Embora, para evitar tantas repeties, a ltima expresso tambm poder

    ser utilizada, com a referida ressalva.

    O objetivo aqui contribuir para a reflexo do tema, a partir de um estudo da atual

    aplicao da indenizao punitiva nos pases em que ela admitida. preciso rever nossos

    conceitos, mas sem romp-los totalmente, buscando aprender com erros daqueles que

    possuem experincia na matria, a fim de impedir os efeitos nocivos do instituto, como a

    securitizao excessiva, como ocorre nos EUA, por exemplo, bem como o aumento dos

    custos para o consumidor, que no caso do Brasil j sobrecarregado pelos impostos aqui

    cobrados.

    Entende-se que a dificuldade em comprovar a culpa e o dolo muitas vezes impede que

    as vtimas de um dano sejam verdadeiramente satisfeitas. Por essa razo, acredita-se que, para

    o clculo do valor indenizatrio, mais do que a inteno deve ser considerada a conduta do

    ofensor em relao ao dano, o seu patrimnio e o lucro obtido com a ofensa.

    O argumento do enriquecimento ilcito para vedar a indenizao punitiva no deve

    prosperar, pois, segundo o princpio da equidade, deve-se buscar a justia e o equilbrio entre

    as partes. Defende-se que a responsabilidade civil, alm das funes reparatria ou

    compensatria como prev a legislao ptria, deveria ter um escopo preventivo e punitivo6,

    uma vez que a sano civil punitiva, ao lado da penal e administrativa, no ofende as

    garantias constitucionais. Pelo contrrio, seria mais um instrumento eficaz de satisfazer o

    lesado e, ao mesmo tempo, impedir que o ofensor volte a cometer o mesmo dano.

    No se pretende simplesmente importar a indenizao punitiva do sistema anglo-

    saxnico para o nosso ordenamento jurdico, porm desenvolver um modelo de

    responsabilidade civil punitiva e preventiva que funcione para a nossa realidade, a partir do

    estudo comparativo.

    Nesse sentido, acredita-se que, para que a indenizao punitiva seja vivel no contexto

    brasileiro, deveria haver limites. No se trata de tarifao do dano, mas de critrios objetivos e

    subjetivos para a sua avaliao e fixao de uma indenizao justa e motivada.

    Limites utilizados pela teoria geral da responsabilidade civil, bem como a

    possibilidade de dividir a indenizao entre o lesado e um fundo criado com o fim especfico

    de prevenir futuras condutas lesivas da mesma natureza, seriam alguns instrumentos que

    poderiam auxiliar no desenvolvimento do instituto em nosso pas.

    6 Nesse sentido, o Projeto de Lei do Senado n 413/2007 acrescenta pargrafo ao art. 944 do Cdigo Civil, para

    incluir a previso das funes compensatria, preventiva e punitiva da indenizao por responsabilidade civil.

  • 12

    1 RESPONSABILIDADE CIVIL

    1.1 CONCEITO E CLASSIFICAO

    Responsabilidade a obrigao de responder pelas aes prprias ou de terceiros7.

    Afeta a quase todos os domnios da vida social, no sendo qualidade exclusiva da vida

    jurdica, pois toda atividade humana traz em si a questo da responsabilidade.

    No universo jurdico, a responsabilidade tem origem no latim spondeo, obrigao de

    natureza contratual pela qual se vinculava o devedor ao credor nos contratos verbais desde o

    direito romano8.

    A responsabilidade possui grande relevncia, especialmente para aspectos jurdicos, j

    que o desejo de justia da natureza humana e desde a antiguidade h registros da tentativa de

    se determinar uma vingana privada9.

    De maneira geral, a responsabilidade jurdica pode ser classificada como

    responsabilidade criminal, tributria, administrativa, trabalhista e civil.

    A responsabilidade civil definida como um conjunto de regras que obrigam o autor

    de um dano causado a outrem a reparar o prejuzo oferecendo vtima uma compensao10

    .

    Em outras palavras, responsabilidade civil a obrigao de indenizar pelo fato danoso11

    .

    Quanto sua origem, desde o Direito Romano classifica-se a responsabilidade civil

    como contratual e extracontratual12

    .

    Para parte da doutrina, a responsabilidade contratual seria o dever de indenizar o dano

    causado decorrente do inadimplemento de obrigao negocial, enquanto que a

    responsabilidade extracontratual corresponde obrigao de indenizar o dano causado

    surgido da leso a direito subjetivo, sem que entre o ofensor e a vtima preexista qualquer

    7 HOUAISS, A.; VILLAR, M. de S. Dicionrio Houaiss da lngua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001,

    p. 2.440. 8 DIAS, J. de A. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 2.

    9 LIMONGI FRANA, R. Enciclopdia Saraiva de direito. So Paulo: Saraiva, 1977, v. 72, p. 39.

    10 VINEY, G. Trait de droit civil: introduction la responsabilit. 3. ed. Paris: LGDJ, 2007, p. 1.

    11 A obrigao de indenizar decorre da lei e o fato danoso que gera essa obrigao se configura como ato ilcito.

    (GOMES, O. Obrigaes. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 255). 12

    AZEVEDO, . V. Teoria geral das obrigaes e responsabilidade civil. 11. ed. So Paulo: Atlas, 2008, p.

    244.

  • 13

    relao jurdica13

    . Referido posicionamento ser chamado na presente tese de classificao

    ampla da responsabilidade civil.

    Para essa classificao, embora nas duas espcies de responsabilidade a lei imponha

    ao autor do dano a obrigao de indenizar, diferem-se quanto ao fundamento, razo de ser,

    ao nus da prova, entre outros14

    .

    Por outro lado, h entendimento que a responsabilidade civil seria o dever de indenizar

    no decorrente de inadimplemento contratual, dividindo-a como contratual ou extracontratual

    apenas por existir ou no uma relao contratual prvia entre as partes15

    . Ilustrativamente, o

    erro profissional se enquadraria na responsabilidade civil contratual e o acidente de trnsito na

    responsabilidade civil extracontratual. Tal entendimento ser tratado como classificao

    restrita da responsabilidade civil.

    H, ainda, quem defenda que a responsabilidade contratual em paralelo com a

    responsabilidade extracontratual est sujeita aos mesmos extremos desta: a contrariedade

    norma, o dano, a relao de causalidade entre uma e outra. Ontologicamente, portanto, as duas

    modalidades confundem-se e se identificam nos seus efeitos16.

    Para referida corrente monista existe uma simbiose entre os dois tipos de

    responsabilidade, pois as regras legais aplicveis responsabilidade contratual tambm seriam

    aplicveis responsabilidade extracontratual17

    .

    A teoria monista igualmente pode ser encontrada em parte da jurisprudncia, como o

    caso do Superior Tribunal de Justia que considerou em alguns acrdos isolados que o prazo

    prescricional para a indenizao contratual seria de trs anos, equiparando o descumprimento

    contratual a um ato ilcito, denominando-o ilcito contratual18

    .

    Em contraste, a teoria dualista at hoje vem sendo acolhida pelo sistema legal dos

    pases em geral, inclusive o Brasil, que prev no Cdigo Civil captulos separados para

    inadimplemento das obrigaes (art. 389 a 420) e a responsabilidade civil (art. 927 a 954).

    O Cdigo Civil francs prev em seus arts. 1.146 a 1.155 a responsabilidade civil

    contratual, chamada Des dommages et intrts rsultant de l'inexcution de l'obligation (dos

    danos e interesses resultantes da inexecuo da obrigao), ao passo que nos arts. 1.382 a

    13

    GOMES, O. Obrigaes. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 278. 14

    Quem, voluntariamente, no cumpre obrigao oriunda de contrato, infringe, de modo evidente, a norma que impe o adimplemento sob certas penas, inclusive a de indenizar o credor pelo dano causado, mas essa infrao

    no ato ilcito stricto sensu. (GOMES, O. Obrigaes. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 257). 15

    COELHO, F.U. Curso de Direito Civil: obrigaes; responsabilidade civil, volume 2. 3.ed. So Paulo: Saraiva,

    2009, p.253. 16

    PEREIRA, C. M. da S. Responsabilidade civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 247. 17

    CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 9.ed. So Paulo: Atlas, 2010, p.16. 18

    Por exemplo: Resp 822.914-RS e AgRg no AI 1.085.156-RJ.

  • 14

    1.386, traz a responsabilidade civil extracontratual, no captulo chamado Des dlits et des

    quasi-dlits (dos delitos ou quase-delitos)19

    .

    Da mesma forma, o Cdigo Civil italiano tambm adota o modelo dualista, pois

    dispe em seus arts. 1.218 a 1.229 o dever de indenizar decorrente de obrigao contratual e

    nos arts. 2.043 e 2.059 a obrigao de indenizar por ato ilcito20

    .

    O Cdigo Civil portugus igualmente apresenta a referida diviso. Os arts. 483 a 510

    dispem sobre a responsabilidade por fatos ilcitos. Porm, o no cumprimento das obrigaes

    est prevista nos arts. 790 a 836.

    Para confirmar tal posicionamento dualista no contexto brasileiro, destaca-se a questo

    da responsabilidade solidria. Como regra geral, existe solidariedade na responsabilidade

    civil, conforme se extrai do art. 942, caput e pargrafo nico do Cdigo Civil. Por outro lado,

    na relao contratual a solidariedade no se presume, pois decorre da lei ou da vontade das

    partes, como disposto no art. 265 da mesma lei.

    A contagem dos juros de mora tambm tem tratamento diferenciado no Cdigo Civil,

    pois em relao responsabilidade contratual o incio a partir da citao do incio

    processual, nos termos do art. 405, porm, quanto responsabilidade civil, a contagem se

    inicia a partir da prtica do ato danoso, como previsto no art. 398.

    Ademais, o Cdigo Civil distingue o prazo prescricional do pedido de indenizao

    contratual (dez anos), conforme a regra geral do art. 205, em relao ao da reparao civil

    (trs anos), nos termos do art. 206, 3, V.

    Por sua vez, a quebra de contrato d origem ao pedido de perdas e danos, juros e

    atualizao monetria21

    , a fim de que seja reestabelecido o equilbrio entre as partes.

    Nos contratos deve prevalecer a autonomia da vontade tanto na contratao quanto no

    seu cumprimento, existindo uma relao de confiana e visando ao equilbrio entre as partes,

    sendo esses seus princpios basilares.

    A natureza da obrigao tambm distinta porque, na responsabilidade civil, existe

    um dever legalmente imposto a toda a sociedade, enquanto nos contratos a obrigao

    existente vincula somente as partes especficas. Portanto, em caso de descumprimento o grau

    de repreenso menor, porque no precisa servir de exemplo para todos.

    Alm disso, o clculo da indenizao por quebra contratual considera os prprios

    termos do contrato, no incluindo matrias intangveis, enquanto na responsabilidade civil,

    19

    www.legifrance.gouv.fr (ltimo acesso em: 25 maio 2011). 20

    http://www.jus.unitn.it/cardozo/obiter_dictum/codciv/Lib4.htm (ltimo acesso em: 25 maio 2011). 21

    Art. 389, CC.

  • 15

    alm do dano efetivo, tem que ser observada a dor, a angstia ou o sofrimento da vtima para

    se chegar a um valor justo.

    Com todo respeito ao entendimento contrrio, at porque no h classificao certa ou

    errada, acredita-se que atualmente a diviso da responsabilidade civil em contratual ou

    extracontratual (classificao ampla ou restrita) tem pouca importncia prtica, vez que no

    sistema legal brasileiro o inadimplemento contratual e a responsabilidade civil possuem regras

    prprias e distintas.

    1.2 REQUISITOS

    Tradicionalmente, os pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil so a culpa,

    o dano e o nexo de causalidade entre eles22

    .

    Entretanto, dos requisitos necessrios para a caracterizao da responsabilidade civil,

    sem dvida, o dano exerce papel mais importante, sendo considerado um pressuposto

    essencial23

    . Por outro lado, a conduta culposa, que j ocupou um papel fundamental para a

    responsabilidade civil, mostra-se cada vez mais dispensvel diante das mudanas de ponto de

    vista quanto responsabilizao.

    Assim, pode-se afirmar que os requisitos essenciais so o dano e o nexo de

    causalidade. A culpa requisito acidental, ou seja, somente necessrio nos casos de

    responsabilidade subjetiva.

    O Cdigo Civil de 2002 apontou importante diferena em relao ao seu antecessor,

    isso porque o Cdigo de 1916 previa em seu art. 159 que aquele que, por ao ou omisso

    voluntria, negligncia, ou imprudncia, violar direito, ou causar prejuzo a outrem fica

    obrigado a reparar o dano.

    Pela literalidade de tal previso poder-se-ia interpretar que havia a possibilidade de

    reparao do dano pela simples violao de direito, nos termos do art. 159, ou seja, bastando a

    conduta.

    22

    ALVIM, A. Da inexecuo das obrigaes e suas consequncias. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1965, p. 178. 23

    Como j ensinava Agostinho Alvim, o primeiro requisito ou pressuposto do dever de indenizar o dano (ALVIM, A. Da inexecuo das obrigaes e suas consequncias. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1965, p. 180).

  • 16

    Por outro lado, o Cdigo de 2002 alterou a estrutura do ato ilcito, que passou a ser a

    soma da leso a um direito e o cometimento de um dano24

    , dispondo em seu art. 186 que

    aquele que, por ao ou omisso voluntria, negligncia ou imprudncia violar direito e

    causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilcito.

    O art. 187 do mesmo Cdigo traz ainda a figura do abuso de direito como hiptese de

    ato ilcito equiparado, pois prev que tambm comete ato ilcito o titular de um direito que ao

    exerc-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econmico ou social, pela

    boa-f ou pelos bons costumes.

    Ato ilcito a ao, ou a omisso culposa, pela qual, lesando algum direito absoluto

    de outrem ou determinados interesses especialmente protegidos, fica obrigado a reparar o

    dano causado. (...) um comportamento antijurdico de efeitos previstos em lei, uma reao da

    ordem jurdica contra os que violam normas de tutela de direitos existentes

    independentemente de qualquer relao jurdica anteriormente existente entre o agente e a

    vtima.25

    De acordo com Caio Mario Pereira da Silva, ato ilcito importa na violao do

    ordenamento jurdico26, e no mesmo sentido entende Sergio Cavalieri Filho que ato ilcito

    o ato voluntrio e consciente do ser humano que transgride um dever jurdico27.

    Embora o conceito doutrinrio de ato ilcito no tenha mudado28

    , para efeito de

    responsabilidade civil a nova codificao deixa claro que a obrigao de indenizar somente

    ocorrer se houver ato ilcito ou fato jurdico mais dano, como se observa do art. 927 (caput e

    pargrafo nico), que remete aos arts. 186 e 187 do Cdigo Civil de 2002.

    Logo, o dano um dos elementos essenciais da responsabilidade civil, sem o qual no

    h obrigao de reparao, porque nem sempre que se viola ou excede um direito existe um

    dano efetivo.

    Nesse aspecto, a responsabilidade civil distingue-se da responsabilidade penal, pois

    possvel a caracterizao de um crime sem prejuzo efetivo, pelo simples ato ilcito, como o

    caso dos crimes de mera conduta, porm a responsabilidade civil depende de um prejuzo

    material ou imaterial.

    24

    TARTUCE, F. Direito civil. v. 2. Direito das obrigaes e responsabilidade civil. 5. ed. Rio de Janeiro:

    Forense/So Paulo: Mtodo, 2010, p. 320-323. 25

    GOMES, O. Obrigaes. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 257. 26

    PEREIRA, C. M. da S. Instituies de direito civil. 19. ed. So Paulo: Saraiva, 2001, v. 1, p. 416. 27

    CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. So Paulo: Atlas, 2010, p. 22. 28

    Fernando de Sandy Lopes Pessoa Jorge entende que ato ilcito algo de contrrio ao direito e antijuridicidade

    tudo aquilo que no deve ser (JORGE, F. de S. L. P. Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil.

    Coimbra: Almedina, 1995, p. 61-128).

  • 17

    1.2.1 Dano

    Dano a leso a um bem jurdico de natureza patrimonial ou no. Dano material

    aquele praticado contra bens fsicos, tangveis, sendo por essa razo mais fcil a sua

    avaliao. Por outro lado, dano no patrimonial aquele que atinge bens intangveis, como no

    caso das leses personalidade ou liberdade, sendo, por essa razo, chamado de dano moral

    ou imaterial, conforme sua natureza29

    .

    Jos Aguiar Dias entende que a distino entre dano patrimonial e dano moral no

    decorre da natureza do direito, mas do efeito da leso, ou seja, da sua repercusso sobre o

    lesado30

    .

    Destaca-se que o Cdigo Civil de 2002 consagrou a possibilidade do dano moral puro,

    em seu art. 186. Tal disposio no representou novidade em nosso ordenamento jurdico,

    pois j havia previso expressa na Constituio Federal de 1988, no art. 5, V e X, mas de

    qualquer maneira foi importante a meno expressa, pois manteve coerncia com o texto

    constitucional no sentido de valorizar a dignidade humana e os direitos personalssimos, ao

    passo que o Cdigo de 1916 era essencialmente patrimonialista.

    O dano um pressuposto objetivo do dever de indenizar, isto , no se pode reparar o

    dano eventual ou hipottico31

    . Dessa forma, necessrio prov-lo, principalmente o dano

    material.

    Em alguns casos, o dano pode ser presumido ou in re ipsa como, por exemplo, o dano

    moral pela morte de um ascendente32

    ou descendente ou ainda pela inscrio de pessoa idnea

    em cadastro de inadimplente33

    .

    29

    CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. So Paulo: Atlas, 2010, p. 73. 30

    DIAS, J. de A. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 729. 31

    Para ilustrar o assunto veja-se, por exemplo, a ementa do julgado do TJMG, a seguir: AC 18015 MS

    2005.018015, Relator Des. Rubens Bergonzi Bossay, 3 Turma Cvel, julgado em 30/01/06 - Embora tenha restado comprovada a culpa dos advogados na produo do evento danoso, visto que agiram negligentemente na

    prestao do servio, no podem ser condenados ao pagamento de indenizao por danos materiais, uma vez

    que, por no ter a ao sido julgada pelo Poder Judicirio, fica impossibilitada a aferio da extenso do dano. A

    indenizao por danos materiais decorre do efetivo prejuzo, e no do dano hipottico, sendo indispensvel

    a demonstrao do quantitativo do dano para que ocorra o dever de ressarcimento (grifo nosso). 32

    Da jurisprudncia do Superior Tribunal de Justia veja-se julgado que enfrentou a questo do dano moral

    presumido pela morte de ascendente: presumvel a ocorrncia de dano moral aos filhos pelo falecimento de seus pais (REsp n. 330.288/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Jnior, DJU de 26/08/2002). 33

    STJ AgRg no REsp 992422 DF 2006/0258768-2, Rel Min. Vasco Della Giustina (desembargador convidado

    do TJRS), 3 Turma, julgado em 05/04/2011, DJe 14/04/2011.

  • 18

    A prova do dano inclui a existncia e a sua extenso para efeito do clculo do valor

    indenizatrio, nos termos do art. 944 do Cdigo Civil.

    Nosso ordenamento jurdico segue o princpio da reparao integral dos danos, que

    tem a sua origem no restitutio in integrum do Direito Romano, pelo qual a vtima do evento

    danoso tem direito a uma indenizao por todos os prejuzos sofridos.

    Considera-se dano indenizvel aquele positivado, ou seja, o dano efetivo e o lucro

    cessante34

    . Interessante notar que, em relao ao lucro cessante, no basta a mera

    possibilidade, mas tambm no necessria a certeza absoluta35

    , diferentemente do que

    ocorre em relao ao dano emergente, que no pode ser futuro, eventual ou hipottico como

    acima mencionado.

    Em relao aos critrios para se aferir os lucros cessantes, o legislador brasileiro no

    trouxe grande alterao ao que j existia no Cdigo de 1916 e manteve que as perdas e danos

    incluem o que razoavelmente se deixou de lucrar, de acordo com o art. 402 do Cdigo de

    2002.

    A ttulo de comparao, como observado por Agostinho Alvim, o Cdigo Civil alemo

    mais detalhista que a nossa lei, pois define lucros cessantes como aqueles que poderiam ser

    esperados no curso normal dos acontecimentos ou em razo de circunstncias especficas do

    caso concreto, particularmente devidas a medidas e precaues tomadas36.

    Conforme demonstrado anteriormente, os dispositivos legais no trazem requisitos

    objetivos. Assim, o magistrado precisa tomar especial cuidado quando da avaliao dos lucros

    cessantes, pois pode dar margem a mais indagaes que o prejuzo efetivo. Para evitar

    maiores transtornos, os lucros cessantes devem ser considerados a partir de uma probabilidade

    objetiva observando o caso concreto37

    .

    Ao mesmo tempo em que nosso ordenamento obedece ao princpio da reparao

    integral visando a restituir o lesado ao status quo ante, geralmente por meio de pagamento em

    espcie, veda-se o enriquecimento sem causa, devendo, portanto, ser observado o princpio da

    equidade, ou seja, do justo equilbrio entre a leso e a reparao38

    .

    34

    Nos termos do art. 403 do Cdigo Civil, o clculo da indenizao deve levar em conta os danos diretos e

    imediatos. 35

    DIAS, J. de A. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 720. 36

    Traduzido livremente com base no texto original do Brgerliches Gesetzbuch (BGB): 252 Entgangener

    Gewinn. Der zu ersetzende Schaden umfasst auch den entgangenen Gewinn. Als entgangen gilt der Gewinn,

    welcher nach dem gewhnlichen Lauf der Dinge oder nach den besonderen Umstnden, insbesondere nach den

    getroffenen Anstalten und Vorkehrungen, mit Wahrscheinlichkeit erwartet werden konnte (Disponvel em:

    , ltimo acesso em: 5 jul. 2011). 37

    ALVIM, A. Da inexecuo das obrigaes e suas consequncias. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1965, p. 189. 38

    Neste sentido, DIAS, J. de A. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 725; DINIZ, M. H.

    Manual de direito civil. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 293; entre outros.

  • 19

    O Cdigo Civil traz em seus arts. 948 a 954 os parmetros a serem considerados para

    o clculo da indenizao em caso de homicdio, leso sade, que resulte em inabilitao

    para o trabalho, entre outros casos.

    Alm disso, referida lei prev a possibilidade de reduo equitativa da indenizao se

    houver excessiva desproporo entre a gravidade da culpa e o dano ou, ainda, se a parte que

    sofreu o dano concorreu para o resultado.

    A. Dano moral

    Ainda sobre o desenvolvimento da noo de dano, pode-se dizer que a primeira etapa

    ocorreu com a proteo dos danos morais, alm dos patrimoniais39

    . Isso se deve valorizao

    da dignidade humana e dos direitos personalssimos pela sociedade, movimento que no Brasil

    ganhou fora com a Constituio de 1988. Passou-se a entender que, embora no fosse

    possvel atribuir um preo para a leso moral, tambm no seria justo deix-la sem amparo

    legal.

    Entretanto, diferentemente do dano patrimonial, que segue o princpio da reparao

    integral do prejuzo por meio de pagamento dos danos emergentes e do lucro cessante, quanto

    ao dano moral no seria possvel reparar a leso, mas apenas compensar, seguindo, assim, o

    princpio da satisfao ou da compensao que visa atenuar o sofrimento da vtima, j que no

    existe preo para a dor40.

    Outra dificuldade existiu sobre a possibilidade de haver dano moral para pessoa

    jurdica porque, em princpio, entendia-se que dano moral seria dor, humilhao ou vexame,

    isto , leso dignidade humana.

    Todavia, possvel considerar o dano moral em dois sentidos, um amplo e o estrito.

    Em sentido amplo, dano moral a violao dos direitos da personalidade, que pode ser

    individual ou social e, em sentido estrito, a violao do direito dignidade.

    Alm disso, atualmente entende-se que a honra tambm dividida em honra objetiva

    e subjetiva, pela qual a objetiva seria a reputao ou externa, para terceiros, que pode existir

    tanto para a pessoa natural como para a pessoa jurdica41

    . Por outro lado, a honra subjetiva

    39

    Segundo Agostinho Alvim, o conceito clssico de dano era simplesmente a diminuio do patrimnio

    (ALVIM, A. Da inexecuo das obrigaes e suas consequncias. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1965, p. 170). 40

    Inicialmente a indenizao do dano moral era considerada como pena ou espcie de pena privada e poderia

    gerar um enriquecimento injustificado (Ver: ALVIM, 1965, p. 181; CAVALIERI FILHO, 2010, p. 85). 41

    EMENTA: CIVIL. INDENIZAO. DANO MORAL. PESSOA JURDICA. CALNIA E INJRIA.

    HONRA OBJETIVA. OFENSA NO DEMONSTRADA. RECURSO DESACOLHIDO. I A evoluo

  • 20

    seria interna, aquilo que pensamos sobre ns mesmos, chamada de autoestima, sendo apenas

    possvel para as pessoas naturais.

    Como visto, o dano moral encontrou diversos obstculos em seu caminho. Em uma

    primeira fase era considerado irreparvel, depois foi tido como incalculvel, num terceiro

    momento, somente era aplicvel s pessoas fsicas e hoje em dia, teme-se pela sua

    industrializao.

    Felizmente, observa-se dos julgados realizados pelo nosso Poder Judicirio de maneira

    geral o critrio da razoabilidade, pois existem muitas decises em que o dano moral s

    concedido para casos em que a leso evidente e no para meros aborrecimentos do dia a dia,

    em que muitos pleiteiam ofensa moral42

    , evitando assim a indstria do dano moral.

    Acredita-se que a maior dificuldade existente ainda sobre o assunto no seja a sua

    caracterizao nem mesmo sua prova, pois nesse sentido entende-se que o dano moral est

    inserido na prpria ofensa, ou seja, provada a ofensa caracterizado est o dano e em alguns

    casos, como acima exposto, se aceita at o dano presumido.

    Todavia, a questo do quantum se apresenta como um desafio para os magistrados.

    Por no haver previso legal expressa de critrios ou valores a serem atribudos a ttulo de

    danos morais, at porque expressamente proibido o tabelamento ou sua tarifao, conforme

    Smula 281 do Superior Tribunal de Justia43

    , a liquidao do dano moral faz-se por meio de

    arbitramento e, para tanto, so utilizados critrios subjetivos, sendo alguns parmetros

    encontrados na jurisprudncia, conforme entendimento do prprio STJ.

    Os principais critrios avaliados so o grau de culpa, as condies pessoais e

    econmicas das partes e as peculiaridades do caso concreto44

    . Alm disso, as decises devem

    seguir os princpios da razoabilidade e proporcionalidade para chegar ao valor da indenizao.

    Outro ponto que merece destaque, especialmente por ser objeto do presente estudo, a

    questo da funo punitiva dos danos morais.

    do pensamento jurdico, no qual convergiram jurisprudncia e doutrina, veio a afirmar, inclusive nesta Corte,

    onde o entendimento tem sido unnime, que a pessoa jurdica pode ser vtima tambm de danos morais,

    considerados estes como violadores da sua honra objetiva, isto , sua reputao junto a terceiros. II No caso, no entanto, inocorreu ofensa honra objetiva da empresa. III A aferio da ofensa honra da scia recorrente importaria em reexame de matria ftica, o que vedado pela smula da Corte, verbete n 7 (grifo nosso STJ REsp 223404 4 Turma Rel. Min. SLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA Julgamento: 14/09/1999). 42

    "O mero dissabor no pode ser alado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agresso que exacerba a

    naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflies ou angstias no esprito de quem ela se dirige"

    (AgRgREsp n 403.919/RO, Quarta Turma, Relator o Ministro Slvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 23/6/03).

    No mesmo sentido: STJ REsp 628.854/ES, Rel. Ministro Castro Filho; REsp n 747.396/DF, Quarta Turma,

    Relator Min. Fernando Gonalves, DJ 09/03/10. 43

    A indenizao por dano moral no est sujeita tarifao prevista na Lei de Imprensa. 44

    STJ REsp 210.101/PR; REsp 389.879/MG, Rel. Min. Slvio de Figueiredo Teixeira; REsp 913.131/BA.

  • 21

    Alguns autores, como Sergio Cavalieri Filho45

    e Andr Gustavo Corra de Andrade46

    ,

    e parte da jurisprudncia47

    , entendem que, alm da funo compensatria, a indenizao por

    danos morais teria tambm o objetivo de punir o ofensor para que ele no volte mais a praticar

    o dano.

    Entretanto, analisando as decises do nosso Superior Tribunal de Justia possvel

    encontrar decises afirmando que os punitive damages no so aplicveis no Brasil com o

    fundamento de que nosso ordenamento jurdico probe o enriquecimento sem causa, conforme

    o art. 884 do Cdigo Civil48

    .

    Em outras palavras, se o juiz proferir uma deciso cujo valor da indenizao esteja

    acima do que seria suficiente para compensar o dano moral, tal valor a maior serviria como

    punio ao ofensor e enriquecimento ilcito vtima, o que seria proibido pelo nosso

    ordenamento ptrio.

    Por outro lado, possvel encontrar decises da mesma Corte em que se admite o

    carter punitivo dos danos morais, especialmente quando o lesado pede reviso do quantum

    indenizatrio49

    .

    Logo, no h unanimidade acerca da natureza jurdica da indenizao por danos

    morais no pas, sendo possvel encontrar trs correntes doutrinrias e jurisprudenciais: (i) a

    primeira delas defende que a indenizao por danos morais possui carter meramente

    compensatrio; (ii) a segunda tese, desenvolvida por Carlos Alberto Bittar50, trata da teoria

    do desestmulo e tem forte influncia do conceito de punitive damages, entendendo que a

    45

    CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. So Paulo: Atlas, 2010, p. 85, 99 e 102. 46

    Danos Morais e Funo Punitiva. Dissertao de Mestrado apresentada perante a Universidade Estcio de S

    em 2003 (Disponvel em:

  • 22

    indenizao tem intuito punitivo ou disciplinador51

    ; (iii) por fim, a ltima tese, que prevalece

    na jurisprudncia nacional52

    , considera que a indenizao por dano moral possui como funo

    principal a compensatria e acessoriamente a pedaggica53

    .

    Nesse sentido, cumpre observar que tramita perante o Congresso Nacional desde 2007

    um projeto de lei apresentado pelo Senador Renato Casagrande (Projeto de Lei do Senado n

    413/2007), em que se pretende acrescentar ao art. 944 do Cdigo Civil um pargrafo

    prevendo expressamente as funes da indenizao, quais sejam, compensatria, educativa e

    punitiva54

    .

    Referido projeto, caso seja aprovado, vem esclarecer a contradio existente nas

    decises proferidas pelo nosso Superior Tribunal de Justia que, embora afirme em suas

    manifestaes que os punitive damages no so um instituto legalmente aceito no Brasil, ao

    mesmo tempo, profere acrdos alegando o carter punitivo dos danos morais quando da

    determinao do quantum ressarcitrio.

    Tais contradies demonstram o quanto difcil estabelecer parmetros para se chegar

    a um valor a ttulo de danos morais, at porque o magistrado pode chegar ao mesmo resultado

    sob o fundamento de compensar o sofrimento da vtima, quando, na verdade, considerou em

    sua deciso uma punio ao ofensor, sem que isso fique claro.

    Portanto, seria mais honesto por parte da sociedade admitir que o carter punitivo das

    indenizaes por danos morais existe e deveria ser destacado do valor da indenizao, como

    ocorre em pases que admitem a indenizao sancionatria. At porque uma indenizao por

    dano moral em que o valor indenizatrio no represente efetivamente uma condenao ao

    ofensor, levando em considerao o caso concreto, serviria de estmulo irresponsabilidade e

    impunidade.

    Recentemente, outro projeto de lei foi apresentado perante a Cmara dos Deputados,

    pelo deputado Federal Walter Tosta, Projeto de Lei n 523/2011, pelo qual conceitua o dano

    51

    STF, AI 455. 846, Rel. Min. Celso Mello, Informativo 364; STJ, REsp 604.801/RS, Min. Eliana Calmon,

    Segunda Turma, DJ 07/03/2005; TJ/SP, 5 Cmara Cvel, Apelao Cvel n 2012.003545-7. Na mesma direo

    o entendimento doutrinrio apontado pelo Conselho Federal de Justia, na IV Jornada de Direito Civil,

    Enunciado 379: O art. 944, caput, do Cdigo Civil no afasta a possibilidade de se reconhecer a funo punitiva ou pedaggica da responsabilidade civil. Alm de autores como Caio Mario (Responsabilidade civil, p. 315-316); Andr Gustavo Corra de Andrade (Dano moral e a indenizao punitiva); Srgio Cavalieri Filho

    (Programa de responsabilidade civil, p. 98-100); Maria Helena Diniz (O problema da liquidao do dano moral

    e o dos critrios para a fixao do quantum indenizatrio. Atualidades Jurdicas 2. So Paulo: Saraiva, 2000, p. 237-272). 52

    STJ, REsp 665.425/AM, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ 06/05/2005, p. 348. 53

    TARTUCE, F. Direito civil. v. 2. Direito das obrigaes e responsabilidade civil. 5. ed. Rio de Janeiro:

    Forense/So Paulo: Mtodo, 2010, p. 410. 54

    PLS 413/2007: Acrescenta pargrafo ao art. 944 da Lei n 10.406, de 2002 Cdigo Civil, para incluir a previso das funes compensatria, educativa e punitiva da indenizao por danos morais.

  • 23

    moral, enumera as hipteses suscetveis indenizao, esclarece os critrios para o

    arbitramento do seu valor e, por fim, estabelece um limite para a indenizao, que seria de 10

    a 500 salrios mnimos, exceto para aes coletivas ou com efeitos erga omnes, em que no

    haveria limite55

    .

    Entre as justificativas do projeto esto: a lacuna existente em nosso ordenamento

    jurdico sobre o assunto e a previso de forma genrica trazida pelos arts. 186 a 187 do

    Cdigo Civil.

    Ressalte-se que referido Projeto de Lei admite que o valor buscado da indenizao

    deva atender s finalidades compensatrias, punitiva e preventiva ou pedaggica, alegando

    que tais finalidades so h muito reivindicadas pelos juristas brasileiros.

    Embora o Projeto tenha um aspecto positivo, como a meno expressa honra

    subjetiva da pessoa jurdica, necessrio se faz apontar algumas crticas, por exemplo, o fato de

    as hipteses que caracterizariam o dano moral serem aparentemente exaustivas e o limite

    estabelecido para as indenizaes.

    Vale lembrar que as previses trazidas de forma genrica pelo Cdigo Civil so a

    essncia do sistema aberto adotado pelo nosso diploma legal, conforme idealizado por Miguel

    Reale, o que torna nossa lei cvel sempre atual e de acordo com os anseios da sociedade.

    Assim, disposies trazidas de maneira restritiva no permitiriam encaixar novos prejuzos

    que surgirem pela natural evoluo do ser humano diante do meio social.

    Alm disso, estabelecer um teto para a indenizao tambm perigoso, pois como

    bem ressaltou o Deputado, dependendo do poder econmico da pessoa fsica ou jurdica

    ofensora, seria ainda mais lucrativa a prtica ilegal do que arcar com o teto de 500

    (quinhentos) salrios mnimos, previsto pelo Projeto de Lei acima mencionado.

    B. Novos danos

    Na sociedade atual verifica-se a possibilidade de ressarcimento de novos prejuzos. Na

    verdade, os danos no so novos, mas simplesmente a sua classificao ou maneira de ver os

    novos meios lesivos56

    . Se antes o dano era dividido apenas em patrimonial ou moral, hoje se

    verifica a possibilidade de um novo enquadramento dos danos em estticos, sociais, morais

    coletivos e pela perda de uma chance.

    55

    PL 523/2011. 56

    SCHREIBER, A. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da eroso dos filtros da reparao diluio

    dos danos. 3. ed. So Paulo: Atlas, 2011, p. 99.

  • 24

    Mesmo no tendo recebido tratamento diferenciado pelo nosso Cdigo Civil, a

    doutrina e a jurisprudncia vm admitindo novas modalidades de danos ressarcveis, at

    porque seria impossvel exaurir todas as situaes de risco diante da constante evoluo da

    sociedade.

    Em relao ao dano esttico, a discusso sobre o assunto na doutrina anterior

    Constituio Federal de 1988, como se observa do trabalho de Tereza Ancona Lopez, que

    ensina que quando falamos em dano esttico, estamos querendo significar a leso beleza

    fsica, ou seja, a harmonia das formas externas de algum. [...] Ao apreciar-se um prejuzo

    esttico, deve se ter em mira a modificao sofrida pela pessoa em relao ao que ela era57.

    No passado, entendia-se que o dano esttico era uma categoria do dano moral58

    , porm

    tal entendimento no prevaleceu na jurisprudncia. Desde 2004 possvel encontrar julgados

    da Corte Superior de Justia no sentido de aceitar serem cumulados os danos morais e os

    danos estticos59

    . Tal entendimento restou consolidado a partir da edio da Smula 38760

    em

    2009, deixando claro que em ltima instncia o dano esttico algo distinto do dano moral,

    tanto que possvel a sua cumulao.

    Danos sociais, por sua vez, so aqueles que trazem um prejuzo na qualidade de vida

    da coletividade, conforme afirma Antnio Junqueira de Azevedo61

    , por serem socialmente

    reprovveis. O dano causado atinge direitos difusos, ou seja, os prejudicados so pessoas

    indeterminadas, razo pela qual a indenizao deve ser destinada a um fundo de amparo ou

    instituio filantrpica62

    , como ocorre, por exemplo, nos dissdios coletivos da esfera

    trabalhista em caso de greve considerada abusiva63

    , nas relaes de consumo e at mesmo na

    esfera ambiental, em que os prejuzos geralmente atingem toda a sociedade.

    Por outro lado, os danos morais coletivos seriam aqueles em que ocorre uma soma de

    leses a vrios direitos da personalidade, atingem direitos individuais homogneos e os

    lesados so pessoas determinadas ou determinveis.

    57

    LOPEZ, T. A. O dano esttico. So Paulo: RT, 1980, p. 17. 58

    CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. So Paulo: Atlas, 2010, p. 106. 59

    STJ, REsp 327210/MG, Rel. Min. Barros Monteiro, Quarta Turma, julgado em 04/11/04, DJE 1/2/2005. 60

    STJ Smula 387: lcita a cumulao das indenizaes de dano esttico e dano moral. 61

    AZEVEDO, A. J. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social. In RTDC, vol.

    19, jul/set. 2004, p. 370. 62

    Conforme previsto no pargrafo nico, do art. 99 da Lei 8.078/90 (CDC). 63

    TRT da 2 Regio. Dissdio coletivo de greve, Acrdo n 2007.001568, Rel. Snia Maria Prince Franzine,

    data de julgamento 28/06/2007, data de publicao: 10/07/2007.

  • 25

    A princpio, a jurisprudncia no entendia cabvel a reparao por dano moral

    coletivo, pois dano moral seria apenas individual64

    . Todavia, mais recentemente houve

    entendimento admitindo o dano moral coletivo como nova modalidade de prejuzo, de acordo

    com a deciso do Superior Tribunal de Justia no notrio caso das plulas de farinha65.

    Assim como os danos sociais, os danos morais coletivos podem ser admitidos no

    mbito das relaes de trabalho, de consumo66

    ou na seara ambiental.

    Existe confuso jurisprudencial acerca da caracterizao dos danos sociais ou morais

    coletivos em vista do interesse tutelado ser muito prximo. O conceito de direitos difusos,

    coletivos e individuais homogneos pode ser retirado do art. 81 do Cdigo de Defesa do

    Consumidor e a principal diferena existente entre tais figuras que no primeiro caso os

    titulares so pessoas indeterminadas e nos demais os lesados so identificveis, motivo pelo

    qual a indenizao deve ser destinada a eles prprios e no a um fundo ou instituio

    filantrpica.

    A teoria da perda de uma chance tem origem na Frana, na dcada de 1960, ocasio

    em que a Corte de Cassao daquele pas analisou a responsabilidade civil do mdico pela

    perda da chance de cura ou de sobrevivncia do paciente.

    Na Itlia, a primeira deciso em que se verificou a responsabilidade civil pela perda da

    chance foi em 1983, em razo do impedimento por determinada empresa da participao de

    candidatos na prova de seleo para admisso de emprego, no obstante tenham se submetido

    a diversos exames mdicos67

    .

    No Brasil, a teoria vem ganhando cada vez mais adeptos na doutrina, como se observa

    dos trabalhos de Srgio Savi e Rafael Peteffi68

    , alm de ser possvel encontrar algumas

    64

    Ementa: PROCESSUAL CIVIL. AO CIVIL PBLICA. DANO AMBIENTAL. DANO MORAL

    COLETIVO. NECESSRIA VINCULAO DO DANO MORAL NOO DE DOR, DE SOFRIMENTO

    PSQUICO, DE CARTER INDIVIDUAL. INCOMPATIBILIDADE COM A NOO DE

    TRANSINDIVIDUALIDADE (INDETERMINABILIDADE DO SUJEITO PASSIVO E INDIVISIBILIDADE

    DA OFENSA E DA REPARAO). RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO (STJ REsp 598.281/MG, Rel. Min.

    Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 01/06/2006). 65

    Ementa: Civil e processo civil. Recurso especial. Ao civil pblica proposta pelo PROCON e pelo Estado de

    So Paulo. Anticoncepcional Microvlar. Acontecimentos que se notabilizaram como o 'caso das plulas de

    farinha'. Cartelas de comprimidos sem princpio ativo, utilizadas para teste de maquinrio, que acabaram

    atingindo consumidoras e no impediram a gravidez indesejada. Pedido de condenao genrica, permitindo

    futura liquidao individual por parte das consumidoras lesadas. Discusso vinculada necessidade de respeito

    segurana do consumidor, ao direito de informao e compensao pelos danos morais sofridos (STJ REsp

    866.636/SP, REl. Min. Nanci Andrighi, Terceira Turma, DJ 06/12/2007). 66

    Nesse sentido, o art. 6, inciso VI do CDC expressamente prev como direitos bsicos do consumidor a efetiva

    preveno e reparao de danos coletivos e difusos. 67

    SAVI, S. Responsabilidade civil por perda de uma chance. So Paulo: Atlas, 2006, p. 25. 68

    PETEFFI, R. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. So Paulo: Atlas, 2009.

  • 26

    referncias entre os clssicos Agostinho Alvim69

    , Jos Dias Aguiar70

    , Caio Mrio da Silva

    Pereira71

    e Srgio Cavalieri Filho72

    .

    A perda da chance a quebra da expectativa, a frustrao de uma oportunidade que

    provavelmente ocorreria em situaes normais. De certa forma, aproxima-se ao lucro

    cessante, pois, para a sua caracterizao, a chance deve ser real e sria, no bastando a mera

    possibilidade.

    O Superior Tribunal de Justia j se pronunciou em relao perda da oportunidade

    quando, em sede de Recurso Especial, reduziu a indenizao em do valor anteriormente

    concedido considerando a real chance de acerto na deciso envolvendo o Show do

    Milho73.

    Destaca-se, ainda, precedente pedindo a aplicao da tese pela perda de prazo por

    advogado. Nessa ocasio, a Corte Superior negou provimento ao Agravo Regimental no por

    no aceitar a teoria da perda da chance, mas por entender que no houve desdia dos

    advogados74

    .

    Crtica a tal teoria diz respeito determinao da seriedade da oportunidade perdida,

    pois no tarefa fcil diferenci-la de chances hipotticas ou eventuais. Assim, necessrio se

    faz analisar o caso concreto e separar oportunidade e oportunismo, como bem ressalta Srgio

    Cavalieri Filho75

    .

    69

    O autor citando o exemplo de um advogado que por negligncia deixa de apelar comenta sobre a avaliao da

    perda da chance: A possibilidade e talvez a probabilidade de ganhar a causa em segunda instncia constitua uma chance, uma oportunidade, um elemento ativo a repercutir favoravelmente, no seu patrimnio, podendo o

    grau dessa probabilidade ser apreciado por peritos tcnicos (ALVIM, A. Da inexecuo das obrigaes e suas consequncias. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1965, p. 191). 70

    AGUIAR, J. D. Da responsabilidade civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, 2v., p. 719-721. 71

    Do mesmo modo comenta o autor: claro, ento que se a ao se fundar em mero dano hipottico no cabe reparao. Mas esta ser devida se se considerar, dentro na idia de perda de uma oportunidade (perte dune chance) e puder situar-se a certeza do dano (PEREIRA, C. M. da S. Responsabilidade civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 42). 72

    CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. So Paulo: Atlas, 2010, p. 77. 73

    Ementa: RECURSO ESPECIAL. INDENIZAO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA

    EM PROGRAMA DE TELEVISO. PERDA DA OPORTUNIDADE (STJ, REsp 788.459/BA, Rel. Min.

    Fernando Gonalves, Quarta Turma, DJ 13/03/2006). 74

    Ementa: PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO

    ESPECIAL. JUZO DE ADMISSIBILIDADE. ADVOGADO QUE PERDE PRAZO RECURSAL. PEDIDO

    DE INDENIZAO FORMULADO POR SEU CLIENTE COM BASE NA PERDA DE UMA CHANCE.

    ACRDO VERGASTADO RECONHECENDO QUE A AO RESCISRIA PROPOSTA POR

    CLIENTES EM SITUAO IDNTICA RESULTOU EXITOSA. FUNDAMENTO NO ATACADO.

    DEFICINCIA NA FUNDAMENTAO (STJ, AgRg no Agravo de Instrumento n 932.446/ RS, Rel. Min.

    Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ 18/12/2007). 75

    CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. So Paulo: Atlas, 2010, p. 77.

  • 27

    1.2.2 Nexo Causal

    A relao entre a conduta antijurdica e o dano conhecida como nexo causal. o fato

    gerador da responsabilidade76

    , ou seja, o dano s pode gerar o dever de indenizar quando for

    possvel estabelecer a ligao com seu autor77

    , sendo a primeira questo a ser enfrentada na

    soluo de qualquer caso envolvendo responsabilidade civil78.

    Trata-se de elemento essencial, como se extrai do art. 186 do Cdigo Civil. Entretanto,

    de difcil comprovao79

    ; por essa razo, basta um grau elevado de probabilidade80. Em

    outras palavras, o lesado ter que demonstrar o fato sem o qual o dano no ocorreria.

    A prova torna-se ainda mais difcil quando ocorrem diversas situaes que concorrem

    para o evento danoso, isto , pelo surgimento da causalidade mltipla81 ou concausas82.

    Para resolver a questo vrias teorias so debatidas pelos doutrinadores nacionais e

    estrangeiros. Entre elas, as principais so: a teoria da equivalncia dos antecedentes ou

    conditio sine qua non, a da causalidade adequada e do dano direto e imediato, que nada mais

    so que frmulas para se encontrar a relao entre a causa e o efeito.

    A primeira delas, tambm chamada de histrico dos antecedentes, considera que

    todos os fatos relativos ao evento danoso produzem o dever de indenizar. As causas se

    equivalem de maneira que, suprimida uma delas, o dano no se verificaria. Tal teoria a

    menos aceita atualmente por ser extremamente ampla e no aceitar certos limites, como, por

    exemplo, o estado de necessidade ou o exerccio regular de direito, previstos no art. 188 do

    Cdigo Civil83

    .

    Pela teoria da causalidade adequada, faz-se necessria a anlise do caso concreto para

    atribuir qual a causa adequada produo do resultado, atravs de um juzo de probabilidade.

    Apesar de a teoria ter o mrito de conferir um tratamento mais razovel em relao

    concausalidade, por no consider-las equivalentes, peca pela falta de certeza, pois busca o

    76

    DINIZ, M. H. Manual de direito civil. So Paulo: Saraiva, 2011. p. 295. 77

    ALVIM, A. Da inexecuo das obrigaes e suas consequncias. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1965, p. 324. 78

    CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. So Paulo: Atlas, 2010, p. 46. 79

    PEREIRA, C. M. da S. Responsabilidade civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 76. 80

    ALVIM, A. Da inexecuo das obrigaes e suas consequncias. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1965, p. 325. 81

    PEREIRA, C. M. da S. Responsabilidade civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 76. 82

    Sobre o assunto Agostinho Alvim diz que: O dano um s, mas deriva de um concurso de causas (ALVIM, A. Da inexecuo das obrigaes e suas consequncias. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1965, p. 327). 83

    CRUZ, G. S. da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 48.

  • 28

    motivo provvel para a configurao do dano. Por essa teoria, o juiz pode excluir situaes

    remotas e considerar apenas os fatos relevantes para o efetivo prejuzo84

    .

    Tem-se tambm a tese do dano direto e imediato, que defende que o lesante s

    responde pelo prejuzo que efetivamente causar, excluindo dessa forma o dano provocado por

    terceiros, pelo lesado ou por fatos naturais85

    .

    A importncia do estudo da referida teoria deve-se ao fato de ser adotada pelo Cdigo

    Civil, de acordo com o art. 40386

    , que reproduz quase integralmente o art. 1.060 do Cdigo de

    1916, bem como por outros pases como Itlia87

    e Frana88

    .

    Por outro lado, o Cdigo Civil de 2002 no rejeitou a aplicao da teoria da

    causalidade adequada, sendo esse o entendimento doutrinrio reconhecido pelo Conselho da

    Justia Federal89

    .

    Como se pode notar, as teorias da causalidade adequada e do dano direto e imediato

    no se excluem, mas se complementam, uma vez que a primeira se preocupa com a soluo

    para a causalidade mltipla, enquanto a outra cuida das hipteses de excluso de

    responsabilidade. Na jurisprudncia nacional, possvel encontrar decises aplicando uma ou

    outra teoria90

    ou, ainda, tratando-as como sinnimas91

    .

    O papel do nexo de causalidade para a responsabilidade civil indispensvel, contudo

    ganha ainda mais importncia nos casos de responsabilidade objetiva, cuja defesa s pode ser

    baseada na falta de causalidade entre a conduta e o evento danoso92

    . Enquanto na

    84

    PEREIRA, C. M. da S. Responsabilidade civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 79; ALVIM, A. Da

    inexecuo das obrigaes e suas consequncias. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1965, p. 304. 85

    TEPEDINO, G. Notas sobre o nexo de causalidade. Temas de Direito Civil, Tomo I. Rio de Janeiro: Renovar,

    2006, p. 63-82; ALVIM, A. Da inexecuo das obrigaes e suas consequncias. 3. ed. So Paulo: Saraiva,

    1965, p. 330. 86

    Ainda que a inexecuo resulte de dolo do devedor, as perdas e dano s incluem os prejuzos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuzo do disposto na lei processual. 87

    Art. 1.223. A indenizao do dano por inadimplemento ou por atraso deve compreender tambm a perda

    sofrida pelo credor pela falta de ganho, desde que seja ela sua consequncia imediata e direta (traduo livre).

    Texto original: Art. 1.223 Risarcimento del danno Il risarcimento del danno per l'inadempimento o per il ritardo deve comprendere cos la perdita subita dal creditore come il mancato guadagno, in quanto ne siano

    conseguenza immediata e diretta. 88

    Art. 1.151. Ainda que pela inexecuo do contrato de forma intencional pelo devedor, as perdas e danos no

    devem compreender mais do que for consequncia imediata e direta da execuo (traduo livre). Texto original:

    Dans le cas mme o l'inexcution de la convention rsulte du dol du dbiteur, les dommages et intrts ne doivent comprendre l'gard de la perte prouve par le crancier et du gain dont il a t priv, que ce qui est

    une suite immdiate et directe de l'inexcution de la convention. 89

    Enunciado 47 do CJF/STJ, da I Jornada de Direito Civil. 90

    STF RE 130.764, Primeira Turma, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 07/08/92; STF RE-Agr 481.110/PE, Segunda

    Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 09/03/2007. 91

    STJ REsp 325.622/RJ, Quarta Turma, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias, DJE 10/11/2008. 92

    Em suas palavras, Agostinho Alvim menciona que: A importncia do estudo do nexo causal em avultado, nestes ltimos tempos, uma vez que a teoria do risco prescinde da culpa, para fundamento da responsabilidade, e

    s lhes bastam o dano e o nexo causal (ALVIM, A. Da inexecuo das obrigaes e suas consequncias. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1965, p. 326).

  • 29

    responsabilidade subjetiva o elemento entre a conduta e o prejuzo a culpa lato sensu, na

    objetiva o nexo determinado pela lei ou pela atividade de risco, nos termos do art. 927,

    pargrafo nico, do Cdigo Civil.

    Algumas situaes rompem o nexo de causalidade, como defendido pela teoria do

    dano direto e imediato. So elas: o caso fortuito, a fora maior, a culpa exclusiva da vtima ou

    de terceiro. Todas essas situaes so consideradas excludentes do dever de indenizar, ainda

    que a responsabilidade seja objetiva.

    Em concluso, observa-se hoje maior preocupao com o dano efetivo do lesado do

    que com as causas. Logicamente, deve haver uma relao entre a conduta do ofensor e o

    prejuzo da vtima, mas em razo da humanizao do direito civil, a tendncia flexibilizar a

    discusso tcnica do nexo de causalidade visando reparao da vtima, ampliando-se a

    noo de responsabilidade solidria ou, ainda, a possibilidade de responsabilizao pela

    exposio ao perigo de dano93

    .

    1.2.3 Culpa

    Por fim, o ltimo elemento da responsabilidade civil a culpa. A essencialidade da

    culpa ir depender do tipo da responsabilidade civil. Como acima exposto, se for subjetiva

    faz-se necessria a comprovao da culpa, porm, se do tipo objetiva, ento basta a prova do

    nexo e do dano.

    A noo de culpa na estrutura da responsabilidade civil trazida historicamente pelo

    Cdigo Civil francs de 180494

    , embora sua origem seja do Direito Romano, por meio da Lex

    Aquilia.

    O conceito de culpa foi muito debatido na doutrina por ser um ente abstrato que

    comporta aspectos psicolgicos, filosficos, religiosos e jurdicos. No sentido legal, tem-se

    que a culpa a violao de um dever jurdico preexistente95

    . Ren Savatier conceitua a culpa

    93

    SCHREIBER, A. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da eroso dos filtros da reparao diluio

    dos danos. 3. ed. So Paulo: Atlas, 2011, p. 61-63; HIRONAKA, G. M. F. N. Responsabilidade pressuposta.

    Belo Horizonte: Del Rey, 2005. 94

    PEREIRA, C. M. da S. Responsabilidade civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 64. 95

    PLANIOL, M. Trait elementaire de droit civil. v. II. 4 d. Paris, 1952, p. 863.

  • 30

    como a no execuo de um dever que o agente poderia conhecer ou observar. Assim, a

    origem da culpa estaria em um dever geral de no causar dano a outrem96

    .

    Alvino Lima diz que a culpa um erro de conduta, moralmente imputvel ao agente e

    que no seria cometido por uma pessoa avisada em iguais circunstncias.

    Caio Mario da Silva Pereira sintetiza que a violao de uma norma de conduta que

    pode ser legal ou contratual, cuja observncia um fator de harmonia social e que quando

    algum deixa de obedecer desequilibra a convivncia coletiva. Porm, para que se caracterize

    a responsabilidade civil, necessrio que desse confronto resulte um dano a outrem97

    .

    A culpa em sentido amplo inclui o dolo (a vontade livre e consciente de cometer o ato

    ilcito) e a culpa estrita, que se refere apenas negligncia, impudncia ou impercia ou a

    voluntria omisso de um dever de diligncia98.

    Adicionalmente, a culpa envolve elemento objetivo, isto , a violao de dever e um

    elemento subjetivo, qual seja, a imputabilidade, ou seja, a previsibilidade da impossibilidade

    de praticar o ato.

    Nesse sentido, a tendncia de objetivao da culpa, ou seja, a possibilidade de sua

    configurao pela mera violao de um dever seria o primeiro salto evolutivo para a

    responsabilidade subjetiva, em razo da dificuldade da prova de elementos subjetivos, isso

    porque demonstrar se a violao ocorreu de forma consciente ou no tornaria a comprovao

    da culpa ainda mais difcil99

    .

    Alvino Lima comenta que a mudana da culpa provocada para a culpa presumida

    tambm representou um grande passo, pois trouxe a inverso do nus da prova100

    . Assim, nos

    casos de responsabilidade indireta, aquela por ato de outrem, fato ou guarda de animal, a

    culpa presumida passou a ser a regra, tambm conhecida pelas modalidades de culpa in

    vigilando, culpa in eligendo e a culpa in custodiendo.

    Contudo, apesar da importncia da culpa presumida para a responsabilidade civil, nada

    se compara responsabilizao objetiva, ainda que nos casos de responsabilidade indireta seja

    necessrio provar a culpa dos agentes diretos. Por exemplo, se um empregado provoca um

    96

    SAVATIER, R. Trait de la responsabilit civile en droit franais. Paris: Libraire Generale de Droit et de

    Jurisprudence, 1951, p. 8-9. 97

    PEREIRA, C. M. da S. Responsabilidade civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p.70. 98

    TARTUCE, F. Direito civil. v. 2. Direito das obrigaes e responsabilidade civil. 5. ed. Rio de Janeiro:

    Forense/So Paulo: Mtodo, 2010, p. 356-357. Como acrescenta o autor, a culpa grave ou gravssima (lata)

    equivale ao dolo. 99

    Sobre a dificuldade da prova e a tendncia da responsabilidade objetiva, ver: LORENZETTI, R. L. Teoria da

    deciso judicial: fundamentos de direito. 2. ed. So Paulo: RT, 2009, p. 239. 100

    LIMA, A. Culpa e risco. 2. ed. So Paulo: RT, 1998.

  • 31

    acidente, o empregador s tem o dever de indenizar o lesado se ficar demonstrada a culpa

    daquele101

    .

    Com a superao da culpa presumida pela responsabilidade objetiva, houve uma

    facilitao da prova da culpa, que deixou de ser diablica102

    .

    Observa-se atualmente um declnio da culpa103

    , com tendncia responsabilizao

    objetiva das relaes, como o que ocorre nas relaes de consumo, visto que no Cdigo de

    Defesa do Consumidor a objetividade a regra e a subjetividade a exceo104

    .

    Todavia, a responsabilidade civil no Cdigo Civil brasileiro ainda se baseia

    principalmente na noo de culpa, seguindo a teoria da responsabilidade subjetiva, mas sem

    descartar a teoria do risco ou a responsabilidade objetiva105

    .

    Assim, considerando que vivemos em uma sociedade de consumo de massa106

    , no

    incorreto afirmar que a culpa deixou de ocupar posio de destaque na responsabilidade civil,

    passando o dano a ser realmente o centro das atenes.

    101

    Esse o entendimento majoritrio da doutrina: AZEVEDO, . V. Teoria geral das obrigaes e

    responsabilidade civil. 11 ed. So Paulo: Atlas, 2008, p. 284; DINIZ, M. H. Curso de direito civil. 21. ed. So

    Paulo: Saraiva, 2007, p. 519; CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. So Paulo:

    Atlas, 2010, p. 175, e do Enunciado CJF/STJ 191. 102

    SCHREIBER, A. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da eroso dos filtros da reparao diluio

    dos danos. 3. ed. So Paulo: Atlas, 2011, p. 48. 103

    HIRONAKA, G. M. F. N. Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 131. 104

    Interessante observar que at mesmo nas relaes com o Estado ocorre a objetividade da responsabilidade,

    conforme se observa da leitura do art. 37, 6, da Constituio Federal de 1988, a seguir: [...] as pessoas jurdicas de direito pblico e as de direito privado prestadoras de servios pblicos respondero pelos danos que

    seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsvel nos

    casos de dolo e culpa. 105

    TARTUCE, F. Direito civil. v. 2. Direito das obrigaes e responsabilidade civil. 5. ed. Rio de Janeiro:

    Forense/So Paulo: Mtodo, 2010, p. 354. 106

    ROPPO, E. O contrato. Coimbra: Almedina, 1988, p. 311-318.

  • 32

    2 ESTUDO COMPARATIVO DA INDENIZAO PUNITIVA

    2.1 ASPECTOS HISTRICOS

    A origem da indenizao punitiva remonta ao Cdigo de Hamurabi, em 2000 a.C.,

    como assinala a doutrina107

    . Na verdade, o que existia era um instituto que previa um

    excedente ao prejuzo real em casos cveis, que consistia em multiplicar o valor indenizatrio,

    que pode ser considerado a base dos punitive damages. Essa espcie de indenizao era

    adotada desde as antigas civilizaes babilnica, hindu, egpcia e grega.

    No Direito Romano, a Lei das XII Tbuas tambm previa a possibilidade de

    multiplicar a indenizao em casos de quebra de promessa, usura, depsito infiel, tutela

    desonesta, entre outros. Com o desenvolvimento do Direito Romano, passou-se a tratar de

    forma distinta os crimes dos delitos, sendo os ltimos regulados para substituir a vingana

    privada108

    .

    Contudo, os punitive damages como conhecemos hoje foi desenvolvido pelo sistema

    do common law, basicamente para compensar prejuzos intangveis, mas sempre com intuito

    de punir e dissuadir os malfeitores em substituio vingana.

    Na Inglaterra, a indenizao mltipla foi uma caracterstica do common law desde o

    sculo XIII109

    . Entretanto, os punitive damages foram primeiramente aplicados de forma

    expressa no caso Wilkes v. Wood, em 1763110

    .

    Ainda naquela dcada ficou estabelecido que a indenizao punitiva deveria ser

    invocada para punir os acusados por dolo, abuso de autoridade ou fraude grave. Portanto,

    107

    SCHLUETER, L. L. Punitive damages. 6th ed., 2010. O presente captulo baseou-se principalmente no

    referido tratado que a maior referncia sobre o assunto nos Estados Unidos, sendo utilizado inclusive pela

    Suprema Corte daquele pas. 108

    Ver, por exemplo, a pena para o furto, que no Direito Romano era considerado um delito: Book IV. Obligationes Arising From Delicta. 5. The penalty for manifest theft is quadruple the value of the thing stolen,

    whether the thief be a slave or a freeman; that for theft not manifest is double (grifos nossos) (Disponvel em: . ltimo acesso em: 17 ago. 2011). 109

    SCHLUETER, L. L. Punitive damages. 6th ed., 2010, p. 5. 110

    Na ocasio, John Wilkes, membro do parlamento, anonimamente publicou o North Briton, um panfleto

    criticando as polticas do governo britnico. O Rei, por meio de um mandado geral de busca e apreenso, invadiu

    a propriedade de Wilkes pelo que ajuizou uma ao alegando violao de propriedade e a invaso dos seus

    direitos civis. A Corte concordou com as alegaes de Wilkes e concedeu uma indenizao punitiva com o

    objetivo de punir e dissuadir futuras violaes.

  • 33

    situaes em que de alguma maneira a execuo do ato tenha sido absurda, extraordinria,

    ultrajante ou extremamente lesiva111

    .

    Alm disso, o jri possua ampla discricionariedade para decidir sobre a reparao de

    danos, podendo inclusive atribuir um carter punitivo. Assim, uma das teorias sugere que a

    indenizao punitiva foi criada para justificar os valores excessivos atribudos pelo jri em

    relao ao dano efetivo no sculo XIII112

    .

    Para corrigir os excessos das decises o remdio era um novo julgamento pela Corte

    de equidade. Para evitar novos julgamentos, a partir do sculo XVI foram criadas regras para

    a liquidao da reparao dos danos e, no fim do sculo XVIII, tais regras serviam tanto para

    quebra de contrato, como em casos de responsabilidade civil por violao de propriedade, j

    que os tribunais relutavam em anular uma deciso tomada pelo jri.

    Nos sculos XVIII e XIX as decises inglesas permitiam reparao apenas daqueles

    danos em que era passvel a exata liquidao do valor113

    . Regra geral, danos morais no eram

    passveis de proteo pelo sistema do common law, com exceo daqueles casos em que o

    sofrimento era o principal componente da leso, como na calnia, no adultrio, na priso

    ilegal etc.

    Nesse sentido, a indenizao punitiva surgiu no regime de common law como um meio

    de compensar o lesado pelo sofrimento experimentado por uma conduta ultrajante do acusado,

    geralmente envolvendo aspectos morais114

    . As cortes inglesas enfatizavam que, alm de meio

    de compensao, a indenizao punitiva servia de exemplo para impedir reiteradas condutas

    de malfeitores115

    .

    Por fim, outras teorias em relao aos punitive damages indicam que o instituto foi

    criado como meio de descriminalizar condutas menos ofensivas, para impedir vinganas

    privadas ou ainda como uma forma de vingana pblica, uma vez que a deciso simbolizava a

    repulsa da sociedade ao comportamento do acusado.

    Nos Estados Unidos, os primeiros casos envolvendo a funo punitiva da indenizao

    por responsabilidade civil refletiam a confuso existente no common law acerca da natureza

    compensatria ou penal do instituto. Os primeiros casos abraavam as duas ideias, como se

    111

    Cumpre destacar que os termos foram livremente traduzidos do ingls: malice, opression or gross fraud. 112

    KIRCHER, J. J.; WISEMAN, C. M. Punitive damages: law and practice. 2nd

    ed. West Group, 2010. 113

    A partir do precedente Rookes v. Barnard (1964) que a indenizao punitiva foi efetivamente imposta

    (WILCOX, V. Punitive damages in England. In: Punitive damages: common law and civil law perspective. Tort

    Insurance Law. v. 25. Springer Wien New York. p. 7). 114

    Tais aspectos podem ser observados nas decises: Huckle v. Money e Breadmore v. Carrington. 115

    Sobre a funo dissuasria da indenizao punitiva ver: Tullidge v. Wade e Merest v. Harvey.

  • 34

    observa da anlise do caso Coryell v. Colbough, o pioneiro a anunciar a indenizao punitiva

    nos EUA116

    .

    Desde 1850, a Suprema Corte norte-americana afirmou no caso Day v. Woodworth

    que, nos casos envolvendo responsabilidade civil, o jri pode impor os chamados exemplary,

    punitive or vindictive damages, considerando no apenas a reparao do ofendido, mas

    tambm a gravidade da conduta do ofensor.

    2.2 CONCEITO, NATUREZA E OBJETIVO

    Diversos termos so utilizados para descrever a indenizao punitiva em ingls no

    sistema anglo-saxnico. Os mais comuns so punitive ou exemplary damages, sendo que na

    maioria dos pases em que instituto aplicado os termos so utilizados como sinnimos.

    Punitive damages uma espcie de indenizao com o objetivo de punir e dissuadir o

    ofensor e outros de agir de maneira semelhante. Embora o propsito da indenizao punitiva

    no seja compensar o ofendido, o prprio lesado efetivamente receber a indenizao

    adicional no todo ou em parte.

    Geralmente, so concedidos quando a mera reparao no o remdio adequado,

    tendo em vista a conduta extremamente grave do ofensor. Assim, nos pases em que o

    instituto aplicado, a corte impe uma indenizao adicional para assegurar que o dano

    causado ser suficientemente reparado, em vista da conduta reprovvel.

    A ttulo de curiosidade, nos EUA, alm dos punitive damages existem os chamados

    treble damages (indenizao mltipla), que so punitive damages por natureza, mas

    diferenciam-se por serem determinados por lei e importam duas ou trs vezes o valor do dano

    efetivo, tratando-se de uma pena, como o que ocorre em casos de violao da lei americana

    antitruste (Sherman Antitrust Act), em que o treble damages o nico remdio117

    .

    116

    Referido caso tratava da reparao dos prejuzos pela quebra da promessa de casamento. A deciso

    mencionava que a condenao no estimava a indenizao por meio de nenhuma prova em particular, sofrimento

    ou prejuzo efetivo, mas com o objetivo de prevenir que tais ofensas sejam repetidas no futuro, ou seja,

    demonstrando o carter dissuasrio da deciso. 117

    SCHLUETER, L. L. Punitive damages. 6th ed., 2010, p. 28.

  • 35

    Alm das funes de punio e dissuaso do ofensor, entende-se que a indenizao

    punitiva tem ainda o intuito de pagar as despesas processuais e serve como forma de

    reparao dos crimes com carter menos ofensivo ou contrafaes118

    .

    A menos que a conduta seja extremamente grave, a indenizao punitiva inadequada.

    Como exemplo, se o dano causado por erro, ignorncia ou negligncia (culpa), no h que

    se falar em indenizao a ttulo de punio, mas to somente pelo dano efetivo.

    Discute-se a natureza da indenizao punitiva desde sua origem, tendo em vista ter um

    aspecto penal e civil, sendo considerada uma espcie de pena privada119

    .

    Nos EUA, considerado um instituto distinto da sano, razo pela qual no podem

    ser combinados. A sano devida por uma ofensa ao tribunal, com carter compensatrio,

    diferente dos punitive damages, que decorrem de uma ofensa parte, tendo carter no

    compensatrio.

    Vale destacar que a poltica pblica norte-americana em relao aos punitive damages

    a seguinte: o instituto possui limites estreitos, a condenao deve ser estabelecida com muita

    cautela, a deciso deve ser justa e no indevidamente pesada ou dura com o ofensor.

    Alm disso, no um direito automtico. O juiz decide se, no caso concreto, aplica-se

    punitive damages e a partir da o jri, que o juiz do caso concreto, tem o poder

    discricionrio em relao condenao. A deciso no pode ser revertida em sede de apelao

    a menos que exista claro abuso discricionrio, como, por exemplo, se a deciso excede os

    limites da razo, por cometimento de erro legal, pela desconsiderao de regras ou princpios

    de direito ou costumes legais em detrimento da parte.