277
209 ANA MARIA MENEZES NEIVA EULÁLIO AMORIM LIMITES E POSSIBILIDADES DE UM PLANEJAMENTO DESCENTRALIZADO E PARTICIPATIVO NAS INSTÂNCIAS COLEGIADAS DE GESTÃO DO SUS - PIAUÍ UFPI TERESINA / 2004

LIMITES E POSSIBILIDADES DE UM PLANEJAMENTO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp137718.pdf · Limites e Possibilidades de um Planejamento Descentralizado e Participativo nas Instâncias

  • Upload
    others

  • View
    2

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

  • 209

    ANA MARIA MENEZES NEIVA EULÁLIO AMORIM

    LIMITES E POSSIBILIDADES DE UM PLANEJAMENTO

    DESCENTRALIZADO E PARTICIPATIVO NAS INSTÂNCIAS

    COLEGIADAS DE GESTÃO DO SUS - PIAUÍ

    UFPI

    TERESINA / 2004

  • Livros Grátis

    http://www.livrosgratis.com.br

    Milhares de livros grátis para download.

  • 210

    ANA MARIA MENEZES NEIVA EULÁLIO AMORIM

    LIMITES E POSSIBILIDADES DE UM PLANEJAMENTO

    DESCENTRALIZADO E PARTICIPATIVO NAS INSTÂNCIAS

    COLEGIADAS DE GESTÃO DO SUS - PIAUÍ

    MESTRADO EM POLÍTICAS PÚBLICAS

    UFPI

    TERESINA / 2004

  • 211

    ANA MARIA MENEZES NEIVA EULÁLIO AMORIM

    LIMITES E POSSIBILIDADES DE UM PLANEJAMENTO

    DESCENTRALIZADO E PARTICIPATIVO NAS INSTÂNCIAS

    COLEGIADAS DE GESTÃO DO SUS - PIAUÍ

    Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

    Universidade Federal do Piauí, como

    exigência parcial para obtenção do título de

    Mestre em Políticas Públicas, sob a orientação da

    Professora Doutora Rosângela Maria Sobrinho

    Sousa.

  • 212

    UFPI

    TERESINA / 2004

    TÍTULO

    “Limites e Possibilidades de um Planejamento Descentralizado e

    Participativo nas Instâncias Colegiadas de Gestão do SUS-PIAUÍ “

    ANA MARIA MENEZES NEIVA EULÁLIO AMORIM

    Dissertação de Mestrado submetida à Coordenação do Curso de Mestrado em

    Políticas Públicas do Centro de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal

    – Área de Concentração: Estado, Sociedade e Políticas Públicas.

    BANCA EXAMINADORA

    _____________________________

    Professora Doutora

    Rosângela Maria Sobrinho Sousa

    Universidade Federal do Piauí

    Orientadora e Presidente

    ________________________________________________

    Professor(a) Doutor (a)

    _________________________________________________

    Professor(a) Doutor (a)

  • 213

    TERESINA / 2004

    ____________________________________________DEDICATÓRIA

    Aos meus filhos Anna Carollina e Leo José, razão da minha existência, fonte

    permanente de renovação e reafirmação de amor a DEUS, à vida e ao ser humano;

    Ao meu marido Leovegildo, pela paciência, apoio e inestimável incentivo para

    empreender a trajetória do mestrado e persistir quando tudo parecia tão difícil;

    Aos meus pais Oscar e Terezinha, pelo amor incondicional e confiança

    irrestrita na minha capacidade de alcançar o objetivo pretendido;

    Aos meus irmãos Ceicinha, Oscarzinho, Katarine, Cristiane, Margareth e

    Leonardo, embora fisicamente distantes, próximos no afeto e na comunhão de valores e

    projetos de vida;

    Aos meus Alunos do Centro de Ensino Unificado de Teresina - CEUT e

    Faculdade Santo Agostinho - FSA, que me ensinam todos os dias o valor da amizade, da

    troca cotidiana e da humildade de aprender ensinando e ensinar aprendendo.

  • 214

    ______________________________________AGRADECIMENTOS

    Principalmente, a DEUS, pela vida e pela graça de cumprir mais uma missão;

    Especialmente aos meus Filhos, meu Marido, meus Pais e Irmãos,

    por estarem presentes todos os dias na minha existência;

    Minha Orientadora, Profª Dra. Rosângela Souza, pela orientação e apoio

    irrestrito;

    À Profª Dra. Rosário Silva, Coordenadora do Mestrado em Políticas Públicas da

    UFPI, pela palavra “mágica” no momento decisivo da minha construção teórica;

    De maneira muito especial à Profª Dra. Maria do Carmo Veloso, pela amizade, e

    fundamental apoio, principalmente, nos momentos finais deste estudo quando tudo parecia

    muito mais difícil;

    Aos colegas Professores do CEUT, Rosário (Estatística), Eldelita (Inglês),

    Aírton (Português), por terem compartilhado e deixado um pedacinho deles,

    neste documento;

    Aos Colegas do Curso de Mestrado, pela convivência e pelo aprendizado

    constante;

    Aos Professores do Mestrado, especialmente ao Prof. Dr. Francisco de Oliveira B.

    Júnior e a Profª Dra. Lúcia Cristina dos Santos Rosa, por tudo que conseguiram ensinar,

    despertar e aguçar;

    Aos Sujeitos e Participantes diretos e indiretos da pesquisa realizada;

    A TODOS que, de alguma forma, contribuíram para que eu chegasse até aqui;

  • 215

    OBRIGADA!

    _________________________________________________RESUMO

    AMORIM, ANA M.M.N.E. Limites e Possibilidades de um Planejamento Descentralizado e

    Participativo nas Instâncias Colegiadas de Gestão do SUS-Piauí. Piauí: UFPI, Setembro 2.004.

    Mestrado em Políticas Públicas. Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Piauí.

    Este estudo tem por objetivo compreender a dinâmica e as características do processo de

    planejamento implementado nas instâncias colegiadas de gestão do SUS-Piauí, seus desafios e

    possibilidades enquanto prática descentralizada e participativa. Fundamenta-se no pressuposto de

    que o planejamento, além do seu caráter instrumental e metodológico, assume, principalmente, no

    âmbito da gestão do SUS, a dimensão política de processo e prática social, capaz de fomentar

    articulações, explicitar conflitos, harmonizar interesses, viabilizar a negociação e a pactuação entre

    os distintos atores sociais eficientizando, portanto, a gestão do sistema. São sujeitos da pesquisa os

    membros do Conselho Estadual de Saúde e da Comissão Intergestores Bipartite, instâncias

    colegiadas de gestão do SUS, heterogêneas, plurais, conflituosas e, principalmente, espaços

    delimitados e direcionados de construção da cidadania e de exercício do controle social. O universo

    do estudo compreende o conjunto dos 94 membros do CES e da CIB, identificados através de

    análise documental, especialmente, quanto à esfera/entidade/instituição/segmento de representação

    e tipo de inserção – se Titular ou Suplente. Mediante técnica da amostragem não-probabilística do

    tipo intencional, selecionou-se 24 Conselheiros Estaduais de Saúde observando-se a exigência da

    paridade (12 representantes de usuários, 6 de trabalhadores e 6 de prestadores de serviços) para

    composição da amostra a pesquisar optando-se, no que concerne a CIB, por realizar o estudo com a

    totalidade dos seus membros, ou seja, seus 31 representantes, 15 da esfera estadual e 16 da

    esfera municipal. Dentre as técnicas selecionadas para coleta de dados utilizou-se um

    questionário com o objetivo de apreender a opinião dos sujeitos sobre os aspectos organizativo

    e relacional do funcionamento dessas instâncias, além de entrevistas para coleta de informações

    complementares com 3 membros do CES e 2 da CIB. A observação participante nas reuniões

    ocorridas foi, também, fonte inestimável de informações. Os dados analisados, portanto,

    permitem afirmar que, embora, com limitações de caráter técnico, político e organizativo, o CES e a

    CIB–Piauí tem se caracterizado como espaços efetivos de articulação, de interações comunicativas,

    de negociação e interlocução de interesses, portanto, de planejamento e de gestão do SUS-PI,

    consoante com o estágio de consolidação em que o sistema se encontra no âmbito do Estado.

    Conselho Estadual de Saúde, Comissão Intergestores Bipartite, Planejamento Descentralizado e

    Participativo, Sistema Único de Saúde-SUS/PI.

  • 216

    _______________________________________________ABSTRACT

    AMORIM, ANA M.M.N.E. Limits and Possibilities of Decentralized and Participative Planning at

    theCollegiate Levels of the SUS – Piauí Administration

    This study comprehends the dynamics and the characteristics of the planning process

    implemented at the collegiate levels of the SUS – Piauí administration, as well as the challenges

    and possibilities regarding decentralization and participation. Based on the supposition that

    planning, besides its instrumental and methodological character, assumes, principally in the SUS

    administrative environment, a political dimension of the process and practical social, capable of

    developing articulations, clarifying conflicts, harmonizing interests, and making negotiation and

    agreement among the distinct social participants, emphasizing, however, the administration of the

    system. Research subjects included the members of the State Health Council (CES) and the

    Bipartite Commission CIB), both collegiate levels of the SUS administration which are

    heterogeneous, multipliers, conflicting and, principally, delimiting spheres and directions in the

    construction of citizenship and the exercise of social control. The scope of this study includes the

    94 (ninety – four) members of the CES and CIB, identified through analysis of documents,

    especially regarding the sphere/ entity/ institution/ segment of representation and type of

    participation – whether as entitled members or substitutes. By means of non - probabilistic

    intentional samples, 24 State Health Counselors were included in the sample for the research,

    observing parity (12 user representatives, 6 worker representatives, and 6 service rendering

    representatives), opting to include the totality of the CIB members, that is, all 31 representatives, 15

    of which were from the state sphere and 16 from the city. Among the techniques selected for the

    collection of data, a questionaire was used, with the objective of learning opinions regarding

    organizational and functional aspects of these collegiate levels. Interviews were also used for

    complementary information with 3 members of the CES and 2 of the CIB. Participative observation

    in the meetings was also a source of inestimable information. The data analyzed, however, permit

    confirmation that, in spite limitations of a technical, political, and organizational character, the

    CES and CIB – Piauí have characteristics as spheres of articulation, interactive communication,

    negotiation and interchange of interests, therefore of planning and administration of SUS-PI,

    appropriate to the stage of consolidation in which SUS finds itself in the state of Piauí.

    State Health Council, Bipartite Commission, Decentralized and Participative Planning, SUS – Piauí

  • 217

    ________________________________________________SUMÁRIO

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ....................................................................... 9

    LISTADE QUADROS E GRÁFICOS............................................................................... 13

    INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 15

    CAPÍTULO 1 ..................................................................................................................................... 21

    FORMULAÇÃO DO PROBLEMA E CONSTRUÇÃO METODOLÓGICA .................................................. 21

    DA INQUIETAÇÃO À DEFINIÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO ..................................... 21

    JUSTIFICATIVA DA ESCOLHA DO TEMA .................................................................... 25

    FORMULAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO E DOS OBJETIVOS .................................. 30

    CAMPO TEMÁTICO: ESTADO, DESCENTRALIZAÇÃO, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E

    NEGOCIAÇÃO .................................................................................................................. 32

    PROCESSO METODOLÓGICO. ....................................................................................... 51

    CAPÍTULO 2 ....................................................................................................................... 62

    PLANEJAMENTO: REFLEXÕES SOBRE A DIMENSÃO TÉCNICA E POLÍTICA NA CONSTRUÇÃO DO

    VIR A SER .................................................................................................................................... 62

    2.1 PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES AO TEMA: O QUE É E O QUE DEVE SER O

    PLANEJAMENTO .............................................................................................................. 62

    2.2 O PLANEJAMENTO NO ÂMBITO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NA AMÉRICA LATINA

    E NO BRASIL ..................................................................................................................... 69

    2.3 PRINCIPAIS ENFOQUES TEÓRICOS E METODOLÓGICOS SOBRE PLANEJAMENTO EM

    SAÚDE ............................................................................................................................... 80

    2.3.1 O Pensamento Estratégico ........................................................................................... 81

    2.3.2 O Enfoque Estratégico da Escola de Medellín ............................................................. 83

  • 218

    2.3.3 O Planejamento Estratégico Situacional: pressupostos e metodologia .......................... 85

    2.4 PROGRAMAÇÃO EM SAÚDE: DIMENSÃO TÉCNICA E OPERACIONAL DO

    PLANEJAMENTO ..................................................................................................... 94

    CAPÍTULO 3 .................................................................................................................................... 98

    3. O SUS: UMA NOVA FORMA DE CONCEBER E INTERVIR NO PROCESSO SAÚDE X

    DOENÇA ............................................................................................................................ 98

    3.1 DETERMINANTES HISTÓRICOS DA CONSTRUÇÃO DE UM SISTEMA DE SAÚDE

    FUNDADO NOS PRINCÍPIOS DA DESCENTRALIZAÇÃO DE PODER E NA

    PARTICIPAÇÃO SOCIAL ................................................................................................. 98

    3.1.1 O SUS no Contexto Brasileiro ................................................................................. 98

    3.1.2 O SUS no Contexto Piauiense ................................................................................. 117

    3.2 PAPEL E PRINCIPAIS ATRIBUIÇÕES DAS INSTÂNCIAS COLEGIADAS DE

    PLANEJAMENTO E GESTÃO DO SUS: CONSELHO ESTADUAL DE SAÚDE E

    COMISSÃO INTERGESTORES BIPARTITE ......................................................... 134

    CAPÍTULO 4 ..................................................................................................................... 148

    4 O PLANEJAMENTO POSSÍVEL NA GESTÃO DO SUS-PIAUÍ ...................................... 148

    4.1 A DIMENSÃO POLÍTICA DO PLANEJAMENTO NO CONTEXTO DO CES E CIB -

    PIAUÍ: CONSIDERAÇÕES INICIAIS....................................................................... 148

    4.1.1............................................................................................................................ O

    Processo de Planejamento no âmbito do CES-PI segundo a percepção dos Conselheiros Estaduais de

    Saúde do Piauí .................................................................................................................... 153

    4.1.2 O processo de Planejamento no âmbito da CIB-PI segundo a percepção dos representantes das

    esferas estadual e municipal ................................................................................................ 172

    5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: O CES e a CIB: o desafio da construção de espaços de

    planejamento descentralizado e participativo na gestão do SUS-PI .............................. 193

    6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 200

    7 ANEXOS ......................................................................................................................... 208

  • 219

    _____________________LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    AGESPISA Águas e Esgotos do Piauí S/A

    AIS Ações Integradas de Saúde

    ASA Ação Social Arquidiocesana

    ALP Assembléia Legislativa do Piauí

    ABEN-PI Associação Brasileira de Enfermagem – Secção Piauí

    ADEFT Associação dos Deficientes Físicos de Teresina

    AFEPI Associação de Fisioterapia do Estado do Piauí

    AOMP Associação Organizada da Mulher Piauiense

    CAPs Caixa de Aposentadorias e Pensões

    CDS Conselho de Desenvolvimento Social

    CEBES Centro Brasileiro de Estudos de Saúde

    CEPAL Centro de Estudos Econômicos para a América Latina

    CENDES Centro Nacional de Desenvolvimento

    CIB Comissão Intergestores Bipartite

    CIMS Comissão Intermunicipal de Saúde

    CIPLAN Comissão Interinstitucional de Planejamento

    CIS Comissão Interinstitucional de Saúde

    CIT Comissão Intergestores Tripartite

    CNRS Comissão Nacional da Reforma Sanitária

    CPC Comissão Pró-Conselho

  • 220

    CNBB Confederação Nacional dos Bispos do Brasil

    CNS¹ Conferência Nacional de Saúde

    CES Conselho Estadual de Saúde

    COSEMS Conselho de Secretários Municipais de Saúde

    CMS Conselho Municipal de Saúde

    CNS Conselho Nacional de Saúde

    CONASS Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde

    CRM Conselho Regional de Medicina

    CRN Conselho Regional de Nutrição

    CRO Conselho Regional de Odontologia

    CRESS Conselho Regional de Serviço Social

    CUT Central Única dos Trabalhadores

    CF Constituição Federal

    DNERU Departamento Nacional de Endemias Rurais

    DNS Departamento Nacional de Saúde

    FACIME Faculdade de Ciências Médicas

    FAMCC Federação das Associações de Moradores e Conselhos Comunitários do Piauí

    FETAG Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Piauí

    FETICM Federação dos Trabalhadores na Ind. da Construção e do Mobiliário do Estado do

    Piauí

    FCD Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes

    FUNRURAL Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural

    FUNASA Fundação Nacional de Saúde

    FSESP Fundação Serviços de Saúde Pública

    HGV Hospital Getúlio Vargas

    IAH Instituto de Administração Hospitalar

    IAPAS Instituto de Administração Financeira da Previdência Social

    IAPs Instituto de Aposentadorias e Pensões

    IAPFESP Instituto de Assistência e Previdência Ferroviários e Empregados do Serviço

    Público

    IAPM Instituto de Assistência e Previdência dos Marítimos

    ILPES Instituto Latino-Americano de Planejamento Econômico e Social

    INAMPS Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social

  • 221

    INPS Instituto Nacional de Previdência Social

    IPASE Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado

    LOM Lei Orgânica do Município

    LOPS Lei Orgânica da Previdência Social

    MEC Ministério da Educação e Cultura

    MORHAN Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase

    MOPS I Movimento Popular de Saúde I

    MOPS II Movimento Popular de Saúde II

    MPAS Ministério da Previdência e Assistência Social

    MS Ministério da Saúde

    NESP Núcleo de Estudos em Saúde Pública

    NOAS Norma Operacional da Assistência à Saúde

    NOB Norma Operacional Básica

    OMS Organização Mundial de Saúde

    OPAS Organização Pan-Americana de Saúde

    OPS¹ Organização Pan-Americana de Saúde

    PFL Partido da Frente Liberal

    PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro

    PT Partido dos Trabalhadores

    PC Pastoral da Criança

    PS Pastoral da Saúde

    PES Planejamento Estratégico Situacional

    PPA Plano Pronta Ação

    PNS Plano Nacional de Saúde

    PIASS Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento

    PREV-SAÚDE Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde

    POI Programação e Orçamentação Integrada

    SPT – 2000 Saúde Para Todos no ano 2.000

    SEPLAN Secretaria Estadual de Planejamento

    SES Secretaria Estadual de Saúde

    SESAPI Secretaria Estadual de Saúde do Piauí

    SMS Secretaria Municipal de Saúde

    SAMDU Serviço de Assistência Médica Domiciliar de Urgência

  • 222

    SINDESPI Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Saúde do Estado do Piauí

    SINDHOSPI Sindicato dos Hospitais do Piauí

    SIMEPI Sindicato dos Médicos do Estado do Piauí

    SINSEPI Sindicato dos Servidores Públicos Federais do Estado do Piauí

    SINTRICON Sindicato dos Trabalhadores na Ind. da Construção e do Mobiliário do Médio

    Parnaíba

    SINTRAGRAP Sindicato dos Trabalhadores nas Ind. Gráficas no Estado do Piauí

    SINTEPI Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Urbana do Estado do Piauí

    SINTSPREV Sindicato dos Trabalhadores em Saúde e Previdência Social no Estado do Piauí

    SITEAR Sindicato dos Tecnólogos, Técnicos e Auxiliares em Radiologia do Estado do Piauí

    SINPAS Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social

    SNS Sistema Nacional de Saúde

    SUDS Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde

    SUS Sistema Único de Saúde

    SPCC Sociedade Piauiense de Combate ao Câncer

    SUCAM Superintendência de Campanhas de Saúde Pública

    SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste

    SUHEPI Superintendência Hospitalar do Estado do Piauí

    ULCONORTE União dos Líderes Comunitários da Zona Norte de Teresina

    UFPI Universidade Federal do Piauí

    UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância

  • 223

    LISTA DE QUADROS E GRÁFICOS

    QUADROS

    QUADRO I – Identificação dos Municípios que Integram a CIB segundo o

    Porte/População Porte/População e Condição de Representação

    QUADRO II – Identificação das Áreas Técnicas Representantes da Esfera Estadual

    com Assento na CIB, segundo Condição de Representação.

    GRÁFICOS

    GRÁFICO I – Distribuição dos Conselheiros segundo Número de Mandatos Exercidos no

    Conselho Estadual de Saúde do Piauí

    GRÁFICO II – Número de Mandatos como Secretário de Saúde

    GRÁFICO III – Tempo de Assento na CIB-PIAUÍ – 2003 - 2005

    GRÁFICO IV – Porte dos Municípios Representados na CIB-PIAUÍ/2004

    GRÁFICO V – Informação Prévia de Pauta e Cronograma – CIB-PIAUÍ 2003-2005

  • 224

    a 524L Amorim, Ana Maria M.N.Eulálio

    Limites e possibilidades de um planejamento descentralizado e participativo nas

    instâncias colegiadas de gestão do SUS – Piauí / Ana Maria Menezes Neiva Eulálio

    Amorim. – Teresina: UFPI, 2004.

    251 f.

    Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas) – Universidade Federal do

    Piauí, 2004.

    1. Política Pública 2. Planejamento em Saúde 3. Gestão Colegiado (SUS) 7.

    Título

    CDD 320.6

  • 225

    ___________________________________________INTRODUÇÃO

    O presente estudo analisa, na área das políticas públicas, as características, limites e

    possibilidades do planejamento implementado nas instâncias colegiadas de gestão do Sistema Único

    de Saúde no Piauí. Para tanto, assume como pressuposto a concepção de planejamento como

    processo técnico, metodológico e principalmente político, em decorrência do seu recorte para a

    saúde pública, especialmente, ao âmbito do SUS.

    Assim, ao priorizar como campo de investigação os espaços coletivos e formalmente

    constituídos de gestão quais sejam, Conselho Estadual de Saúde e Comissão Intergestores Bipartite,

    reafirma a necessidade de fortalecê-los como condição imprescindível para a construção de um

    sistema de saúde universal, gratuito, acessível, resolutivo e descentralizado no qual a participação

    social na definição das prioridades e na tomada de decisão, constitui seu elemento diferenciador e

    legitimador.

    Expressa, ainda, a necessidade de um conhecimento mais realístico sobre o estágio de

    desenvolvimento e de maturidade política em que se encontram essas instâncias gestoras,

    principalmente, no que tange ao desafio de formular a Política Estadual de Saúde exercitando nesse

    processo, um agir comunicativo e estratégias de negociação e pactuação, portanto, um

    planejamento descentralizado e participativo pautado, principalmente, na perspectiva de ganhos

    coletivos relacionados à melhoria da qualidade de vida e de saúde da população do Estado.

    No desenvolvimento desse estudo, buscou-se resgatar os debates atuais acerca da

    problemática de planejamento em saúde recorrendo-se às produções de pesquisadores e teóricos

    expressivos tais como Carlos Matus, 1982; Rivera, 1989; Paim, 1983; Demo, 1998; Nogueira, 1997,

  • 226

    cujas formulações teóricas extrapolam a percepção do planejamento como mero instrumento

    metodológico de programação de ações, para percebê-lo, outrossim, como processo dinâmico,

    situacional, historicamente determinado, portanto, dotado de uma dimensão política que qualifica a

    gestão de sistemas sociais complexos, ao incorporar a negociação, a pactuação e a consideração dos

    diferentes olhares de atores sociais inseridos no sistema, no processo deliberação e de tomada de

    decisão.

    É notório o reconhecimento de que ao longo desses 16 anos de existência, o Sistema

    Único de Saúde no Estado do Piauí, em que pese às dificuldades observadas na trajetória de sua

    construção e consolidação, tem avançado de maneira significativa capacitando-se contínua e

    adequadamente, para responder às necessidades da população quanto ao acesso às ações e

    serviços de saúde mais resolutivos, mais humanizados e de maior qualidade. Nesse sentido, os

    Conselheiros Estaduais de Saúde como representantes dos diversos segmentos da sociedade civil

    organizada, da mesma maneira que os Gestores Municipais e os Técnicos da Secretaria Estadual

    de Saúde, com assento na Comissão Intergestores Bipartite do Piauí, tem desempenhado

    importante papel nesse processo.

    Para compreender a problemática estudada, qual seja, o Planejamento nas instâncias

    gestão do SUS, fez-se necessário aportar um conjunto de conhecimentos e informações que dentre

    outras temáticas, enfatizaram conceitos relativos a: Estado, Descentralização, Participação Social,

    Negociação, SUS, Planejamento. Convém ressaltar, que apesar da complexidade,

    multideterminação e abrangência do estudo, desenvolvê-lo revelou-se uma tarefa extremamente

    prazerosa, por oportunizar o acesso e a apropriação de um conjunto de subsídios potencialmente

    capazes de desvelarem as características políticas que o planejamento do SUS-Piauí vem assumindo

    e fortalecendo no âmbito do Estado.

    É oportuno destacar que o estudo desenvolvido assumiu, ao longo da sua construção,

    distintas características, objetos e objetivos que, embora, diferissem em alguns aspectos do formato

    atual preserva, no entanto, a coerência interna e a necessária interrelação entre os elementos

    conceituais trabalhados. Objetiva-se com isso ressaltar que o produto final assumido neste

    documento, resulta de um processo de desenvolvimento e de amadurecimento teórico e conceitual

    que, encontra expressão nos textos produzidos e principalmente, na análise dos dados coletados.

    É cabal o reconhecimento que a complexidade do tema priorizado e das categorias

    conceituais que o perpassam transversalmente fundamentando a discussão, dificilmente seria

  • 227

    esgotada no documento ora apresentado. No entanto, movida pela paixão que animou todo o

    processo de construção é possível afirmar que, as conclusões aqui apresentadas correspondem ao

    que de melhor pode ser construído no contexto atual. Representam, a partir da perspectiva e do

    olhar da autora, a leitura de uma dada dinâmica social, cujas características transitivas e situacionais

    estão impregnadas de forte subjetividade.

    Embora, desde o inicio do processo de elaboração desse documento, o Planejamento na

    Gestão do SUS-Piauí tenha sido definido como campo temático prioritário, somente após o Exame

    de Qualificação realizado em 29 de outubro de 2003, delineou-se com maior clareza e precisão o

    objeto e os objetivos a pesquisar. Nesse sentido foram extremamente valiosas as contribuições dos

    professores convidados para comporem a banca examinadora Prof. Dr. Francisco de Oliveira Barros

    Júnior e Profª Dra. Lúcia Cristina dos Santos Rosa, quando destacaram a necessidade de maior

    precisão na definição dos objetivos e do processo metodológico. Essas recomendações foram

    endossadas pela Orientadora Profª Dra. Rosângela Maria Sobrinho Sousa e assumidas pela

    mestranda como úteis e pertinentes ao trabalho em curso naquela ocasião.

    Convém ressaltar, ainda, que a opção de realizar a pesquisa junto aos Conselheiros

    Estaduais de Saúde e Membros da Comissão Intergestores Bipartite acerca das características do

    planejamento implementado nas instâncias colegiadas de gestão a que se vinculavam, decorreu da

    importância e necessidade de considerar as distintas dimensões de um processo de caráter

    eminentemente político, que é Planejar no âmbito do SUS. Isso significa dizer que, se ao CES cabe

    a prerrogativa legal de definir e deliberar sobre as prioridades da Política Estadual de Saúde, por

    outro lado, compete a CIB definir, através da negociação e da pactuação quais os mecanismos,

    recursos, estratégias, competências e responsabilidades pertinentes aos atores e às instâncias

    diretamente envolvidas na implementação da política de saúde.

    O estudo, portanto, está estruturado sob forma de Capítulos dos quais, quatro,

    destinados à discussão teórica e à reflexão crítica acerca dos diferentes aspectos abordados no

    trabalho cujos reflexos se fazem sentir no tema planejamento, além de um tópico voltado para a

    apresentação das considerações finais, concebido à guisa de conclusão.

    O primeiro capítulo caracteriza-se pela natureza reflexiva, problematizadora e introdutória ao

    tema. Nele, procura-se situar o interesse da pesquisadora pela temática escolhida através dos

    questionamentos que orientaram a pesquisa. Contextualiza-se e discute-se a importância e relevância do

    planejamento na gestão de processos coletivos de trabalho e em especial, no campo da saúde pública. Além

  • 228

    disso, apresenta-se a definição dos objetivos gerais e específicos que nortearam a investigação e a descrição

    do processo metodológico utilizado ao longo do estudo. Ainda nesse capítulo, inicia-se a discussão teórica,

    propriamente dita, dos temas que perpassam a construção analítica e fundamentam a discussão sobre o

    planejamento na gestão do SUS – Piauí, quais sejam: Estado, Descentralização, Participação Social e

    Negociação.

    Dessa forma, as categorias conceituais acima referidas são abordadas como elementos

    estratégicos e necessários à contextualização e caracterização do planejamento como processo técnico e

    político. Deve-se ressaltar, no entanto, que não foi assumido como objetivo desse estudo, aprofundar a

    análise conceitual sobre esses temas.

    O segundo capítulo trata de resgatar os conceitos teóricos sobre o Planejamento, a partir

    de duas vertentes principais de análise, quais sejam, a dimensão técnica ou instrumental e a dimensão

    política ou de prática social. Esse capítulo pode ser considerado como o eixo estruturante a partir do

    qual tornar-se-á possível caracterizar o processo de planejamento implementado no âmbito do SUS-

    Piauí. Inicia com um resgate teórico sobre os principais conceitos de Planejamento avançando, em

    seguida, para a discussão sobre as condições, características assumidas e determinantes da sua inserção

    no bojo das Políticas Públicas na América Latina e no Brasil. Recortando-se a análise para o campo da

    saúde pública, realiza-se um apanhado dos principais enfoques teóricos e metodológicos sobre

    Planejamento em Saúde disponíveis na literatura enfatizando-se, aqueles relativos ao Planejamento

    Estratégico Situacional – PES, especialmente de Carlos Matos, por percebê-lo capaz de orientar e

    fundamentar a discussão pretendida.

    O capítulo terceiro contextualiza e caracteriza o lócus específico em que o Planejamento,

    como processo de gestão, assume concretude e visibilidade. Assim, é no âmbito do Sistema Único

    de Saúde – SUS, considerado na atualidade um dos sistemas mais avançados do mundo quanto à

    acessibilidade - pela via da gratuidade dos serviços - e quanto à cobertura populacional, que o

    planejamento adquiri visibilidade política. Desta forma, este capítulo resgata o movimento

    histórico de construção do SUS no Brasil e, principalmente, no Estado do Piauí. Nessa

    contextualização, além da ênfase na identificação de fatos históricos relevantes para a compreensão

    do processo, buscou-se acrescer ao relato um viés analítico e problematizador acerca dos

    determinantes sociais, políticos e culturais que influenciaram a trajetória de construção e

    consolidação do SUS, quer em âmbito local quer nacional.

    Ainda neste capítulo, caracteriza-se o papel e as principais atribuições do Conselho

    Estadual de Saúde e Comissão Intergestores Bipartite, como espaços formais e legalmente instituídos

    para o exercício da gestão colegiada, descentralizada e participativa no âmbito do SUS.

  • 229

    No capítulo quarto, realiza-se a análise dos dados coletados por meio de instrumentos

    metodológicos de pesquisa utilizados no desenvolvimento do presente estudo tais como: observação

    in loco, questionário e entrevistas. Neste capítulo, a realidade local adquire relevância, importância

    e visibilidade. É o momento em que os sujeitos sociais se expressam e explicitam, possibilitando o

    estabelecimento de interrelações entre os diferentes olhares e percepções sobre a realidade

    pesquisada. Torna-se possível a partir desse momento, traçar o perfil do SUS no Estado do Piauí,

    sua dinâmica de construção e consolidação e o papel desempenhado pelo planejamento nesse

    processo.

    Na análise dos dados coletados, capta-se a percepção dos distintos atores sociais sobre a

    dimensão política do planejamento e sobre a maneira como esse processo vem se explicitando no

    cotidiano da tomada de decisão, negociação e pactuação, no âmbito do CES e da CIB, com vistas a

    viabilizar a implementação da Política de Saúde do Estado.

    Esse momento do estudo caracteriza-se, também, como espaço de interação mais íntima e

    mais ativa entre o sujeito pesquisador e o objeto pesquisado, no qual estabelece-se uma relação de

    construção e reconstrução de saberes, de expressão de subjetividade, de exercício criativo,

    possibilitando ao sujeito inferir, ousar, generalizar, abstrair, construir olhares a partir da articulação entre

    informações oriundas do imediatamente visível, concreto e objetivo e aquelas provenientes da percepção

    de aspectos nem sempre tangíveis e concretos, mas igualmente importantes para o fechamento da gestalt, na

    medida em que se originam da subjetividade do sujeito.

    A conclusão do estudo encontra-se sistematizada no item Considerações Finais, no bojo

    do qual, de maneira sintética e genérica busca-se responder aos questionamentos que orientaram a

    construção de presente estudo.

    Deve-se ressaltar, no entanto, que mais do que avaliar ou pretender estabelecer juízo de valor

    quanto à atuação do Conselho Estadual de Saúde e da Comissão Intergestores Bipartite no exercício do

    planejamento descentralizado e participativo como ferramenta de gestão colegiada do SUS-Piauí, esse estudo

    possibilita reafirmar e tornar visível a importância desse processo para a construção de um Sistema Único de

    Saúde verdadeiramente público, democrático, qualitativo e transparente, no qual a participação da sociedade

    na definição de prioridades, na deliberação e na tomada de decisão seja efetiva, permanente, autônoma e

    respeitosa, prevalecendo no processo de pactuação e negociação, a supremacia de interesses que satisfaçam

    às necessidades da sociedade com um todo, em especial, da sociedade Piauiense.

  • 230

    Gravura

  • 231

    ______________________________________________CAPÍTULO 1

    11.. FFOORRMMUULLAAÇÇÃÃOO DDOO PPRROOBBLLEEMMAA EE CCOONNSSTTRRUUÇÇÃÃOO MMEETTOODDOOLLÓÓGGIICCAA

    11..11 DDAA IINNQQUUIIEETTAAÇÇÃÃOO ÀÀ DDEEFFIINNIIÇÇÃÃOO DDOO OOBBJJEETTOO DDEE EESSTTUUDDOO

    “ ALICE – Poderia me dizer, por favor, qual

    é o caminho para sair daqui ? GATO – Isso depende muito do lugar para

    onde você quer ir.

    ALICE – Não me importa muito onde.

    GATO – Nesse caso, não importa qual caminho você vá. “

    (trecho do livro “ Alice no País das Maravilhas ” de Lewis Carroll )

    O termo Planejamento, embora com características concomitantemente reducionistas

    e abrangentes, tem sido utilizado para exprimir a idéia de processo com uma direcionalidade,

    uma determinação e um horizonte a alcançar.

    Visto sob a perspectiva do diálogo transcrito acima, apresenta-se como prática e

    exercício cotidiano que conduz e auxilia na tomada de decisão, favorecendo o alcance dos objetivos

    pretendidos.

    Inúmeras aplicações têm sido identificadas para o termo, desde sua utilização como

    instrumento governamental de produção de políticas, até o seu uso como instrumento do processo

    de gestão nas organizações. Dentre as possibilidades identificadas, destaca-se para fins do estudo

    empreendido, sua aplicação como prática social.

    Enquanto instrumento administrativo de apoio à definição de políticas de governo, o

    planejamento experimentou enorme prestígio nos vários momentos da história da sociedade e, em

    especial, no âmbito da saúde.

    Surgindo nos anos 50 na vida política da União Soviética e na vida administrativa das

    empresas americanas, caracterizou-se, à época, como uma grande panacéia das ciências políticas e

    administrativas do século XX, tendo sido rapidamente incorporado pelos governos latino-

    americanos, intimamente associado à idéia de planejamento econômico - ponto de partida para

    sua vinculação a outros campos de atuação, em especial, ao âmbito da saúde.

  • 232

    Os insucessos e dificuldades experimentados pelos vários planos governamentais e

    empresariais empreendidos ao longo dos anos legaram significativo descrédito ao planejamento

    como ferramenta capaz de garantir o alcance dos resultados desejados. No entanto, o

    amadurecimento nos processos de gestão das organizações/instituições verificado nas últimas

    décadas calcado, principalmente, no aprendizado de novas lições, favoreceu a reincorporação do

    planejamento e dos planejadores ao dia-a-dia das práticas administrativas e de gestão participativa,

    de tal modo que é possível afirmar que, na atualidade, o planejamento goza de uma posição de

    credibilidade, desempenha um papel relevante e detém um valor expressivo como processo

    essencial à gestão eficaz.

    Incorporado ao setor saúde a partir dos anos 60, representou um grande avanço em

    direção à melhoria do processo de gestão ao oportunizar, inicialmente, as condições racionais para a

    organização e direção do sistema de saúde, de modo a possibilitar intervenções sobre a realidade

    com o propósito de promover as mudanças necessárias ao setor.

    Entretanto, em que pese à importância do papel desempenhado pelo planejamento na

    dinâmica de organização e no funcionamento das instituições e dos sistemas de saúde, assim como

    no direcionamento das práticas de trabalho, por si só - enquanto instrumental técnico e

    metodológico -, ele não garante que as instituições ou sistemas cumpram sua missão e alcancem os

    objetivos pretendidos. Concorre para isso, dentre outros aspectos, o fato de que a definição e a

    opção de uma determinada prática de trabalho, ou enfoque metodológico de planejamento,

    encontra-se condicionada a um conjunto de aspectos tais como: cultura das instituições,

    peculiaridades dos sistemas, correlação de forças políticas dos distintos atores sociais envolvidos,

    diversidade de interesses e, principalmente, estruturas mentais dos indivíduos que compõem essas

    instituições ou sistemas.

    Reforçando a necessidade de uma visão mais realista sobre as possibilidades e usos do

    planejamento, em especial, no âmbito das políticas públicas de saúde, alia-se a constatação de que

    não existem ferramentas ou modelos metodológicos acabados, perfeitos ou suficientemente

    experimentados, a ponto de serem aplicados sem restrições ou adequações, a todas as organizações,

    instituições e sistemas, sejam eles públicos ou privados.

    Dessa forma, quando referenciada à área da saúde, especialmente ao âmbito do Sistema

    Único de Saúde, a discussão acerca do planejamento assume dimensões que extrapolam a sua

  • 233

    caracterização como processo meramente instrumental e metodológico, passando a incorporar

    outros elementos que concorrem para configurá-lo como um processo eminentemente político.

    O reconhecimento quase consensual acerca dos avanços alcançados no SUS, ao longo

    desses quinze anos de implantação, torna possível reafirmar a importância e significado do

    planejamento como processo técnico e político que em muito contribuiu para a reforma setorial

    verificada no país, cujo impulso significativo resultou do movimento desencadeado por vários

    atores sociais através de uma ação cotidiana de produção de saberes e práticas políticas, discursivas

    e paradigmáticas.

    A garantia legal e legitimidade conquistadas com o texto Constitucional e demais

    legislações que orientam e estruturam a construção e consolidação do SUS ensejam o desafio para

    a sociedade de transitar de um sistema desintegrado e centralizado, para um outro com comando

    único em cada esfera de governo; de um sistema excludente e marginalizador, para um sistema

    universal, acessível e resolutivo, onde a participação social se constitua o elemento diferenciador e

    legitimador.

    Neste sentido, a atuação dos Conselhos de Saúde na deliberação e tomada de decisão

    sobre as prioridades do sistema de saúde e o processo de pactuação intergestores na Comissão

    Bipartite objetivando as condições necessárias à implementação das decisões - aqui entendidas

    como expressões concretas da dimensão técnico-política do planejamento em saúde - tiveram um

    papel decisivo e imprescindível no desenvolvimento, fortalecimento e qualificação da participação

    social e, por conseguinte, na gestão descentralizada do SUS. Portanto, enquanto instâncias

    colegiadas de gestão do sistema de saúde formalmente institucionalizados pela via legal, atuam na

    direção de criar as condições necessárias para viabilizar a descentralização e a municipalização,

    conforme aprovado na 9ª Conferência Nacional de Saúde.

    No entanto, em que pese aos avanços alcançados no SUS-PI, especialmente no que

    se refere à definição de prioridades da política de saúde nas Conferências de Saúde, não se

    dispõe de informações suficientes sobre como a participação social vem se qualificando e

    consolidando nos demais espaços de gestão colegiada tais como, Conselho Estadual de Saúde

    e Comissão Intergestores Bipartite, principalmente, no que concerne ao papel que os atores

    sociais ali inseridos desempenham na discussão e no processo de pactuação das ações,

    estratégias e recursos financeiros necessários à implementação das prioridades deliberadas nas

    Conferências de Saúde e reafirmadas pela via da negociação no âmbito dessas instâncias.

  • 234

    É na perspectiva de desvelar o entendimento que os atores sociais – Conselheiros

    de Saúde e Membros da CIB – têm sobre o planejamento implementado no SUS-PI, enquanto

    processo técnico e político de identificação e análise de problemas da e na realidade e, de

    proposição de estratégias de intervenção sobre tal realidade que se realiza o presente estudo.

    Assumindo como propósito identificar os desafios e possibilidades do planejamento como

    processo político, participativo, ascendente e descentralizado no âmbito da gestão colegiada do

    Sistema Único de Saúde no Piauí, especialmente, nos espaços formais de negociação e

    deliberação do sistema: Conselho Estadual de Saúde e Comissão Intergestores Bipartite, optou-

    se por recortar a problemática de estudo a partir do olhar dos Conselheiros de Saúde e dos

    Membros da CIB/ Piauí utilizando-se, para tanto, de instrumentos e estratégias de pesquisa.

    Explicitar a percepção desses atores em relação ao planejamento em saúde no

    SUS/PI e as características que ele assume no âmbito do CES e CIB constitui, portanto, o objeto

    central do presente estudo. Para tanto, a trajetória a ser percorrida inicia-se com a formulação

    dos seguintes questionamentos:

    Qual o entendimento dos atores sociais pesquisados em relação ao planejamento em

    saúde no SUS ?

    Como se caracteriza a atuação ou o papel desempenhado pelos Conselheiros

    Estaduais de Saúde e Membros da Comissão Intergestores Bipartite, nos processos de deliberação e

    negociação/pactuação ?

    Quais princípios e normas identificados no processo de planejamento reafirmam o

    papel do CES como instância de deliberação e da CIB como espaço de negociação e pactuação ?

    Que características o processo de negociação e deliberação assume no âmbito da CIB

    e do CES ?

    Quais os obstáculos e facilidades na implementação de um planejamento

    descentralizado e participativo no âmbito das instâncias colegiadas de gestão do SUS/PI ?

    11..22 JJUUSSTTIIFFIICCAATTIIVVAA DDAA EESSCCOOLLHHAA DDOO TTEEMMAA

    O Sistema Único de Saúde - SUS preconizado na Constituição Federal de 1988 e nas

    Leis Orgânicas da Saúde nº 8.080/90 e na Lei nº 8.142/90 encerra princípios e diretrizes que, uma

    vez preservados na sua organização e no seu funcionamento, conferem-lhe a capacidade de orientar

  • 235

    as políticas públicas na direção da melhoria da qualidade de vida da população e no estabelecimento

    de um modelo de atenção à saúde capaz de desenvolver ações eficazes e efetivas perante os

    problemas de saúde dos indivíduos e das coletividades.

    No seu artigo 196, a Constituição Federal – Capítulo da Saúde – define a Saúde como

    “direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à

    redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e

    serviços para sua Promoção, Proteção e Recuperação”, portanto, um bem prioritário de significativa

    relevância pública, uma condição indispensável para uma vida digna e produtiva do cidadão

    brasileiro.

    Por conseguinte, a nova concepção de saúde, ao fundamentar-se no reconhecimento da

    determinação social das doenças, passa a requerer o reordenamento das políticas públicas do setor,

    quer no seu arcabouço teórico, ideológico e conceitual, quer nos seus aspectos concretos e

    operacionais. Como resultado desse novo paradigma, tornou-se imperativa, a adoção de novas

    práticas nos serviços de saúde; a ênfase e o desenvolvimento, principalmente, de ações de caráter

    preventivo, além da identificação de estratégias inovadoras para superação de problemas de saúde.

    Essas estratégias, ao se basearem na intersetorialidade e na articulação entre vários

    setores governamentais, visaram ao provimento de necessidades básicas relacionadas a outros

    campos que, igualmente, atuavam como determinantes e condicionantes do adoecer dos indivíduos

    em geral.

    Assim, ao estabelecer a saúde como um direito de todos, a Constituição Federal instituiu

    a necessidade de os diversos níveis de governo adotarem, nas suas políticas e projetos de

    intervenção, um posicionamento claro quanto ao caráter público das ações e serviços de saúde, de

    tal modo que a saúde fosse assumida como função típica de Estado. A proposição de um Sistema

    Único de Saúde – SUS – público, gratuito, acessível a todos os cidadãos representou, portanto, a

    grande conquista da sociedade brasileira e ao mesmo tempo, seu maior desafio.

    Amparado em um conjunto de instrumentos legais – Leis Orgânicas e as Normas

    Operacionais Básicas – NOBs – editadas em 1991/1993/1996 e Normas Operacionais da Assistência

    à Saúde - NOAS-SUS 01/ 02 - o SUS, não pode prescindir de um arcabouço de princípios

    doutrinários e organizativos que legitimem sua existência e norteiem seu funcionamento.

  • 236

    Diante da perspectiva de implementar um sistema público de saúde voltado,

    finalisticamente, para o desenvolvimento de ações que propiciassem a melhoria na qualidade de vida

    da população, tornou-se imprescindível construir um modelo de atenção à saúde, capaz de implementar

    ações de baixo custo e alto impacto sobre os problemas dos indivíduos e das coletividades. Esse novo

    Modelo, assumindo como objetivo garantir acesso, acolhimento, resolubilidade, estabelecimento de

    vínculo (usuário e equipe de saúde), petição e prestação de contas – controle social -, tomou por base

    para sua estruturação, o enfoque educativo; a intervenção sobre problemas individuais -

    compreendidos como expressão de formas de viver e de processos coletivos-; a incorporação de ações

    de promoção e prevenção da saúde às ações curativas e reabilitadoras; o estabelecimento de

    prioridades em bases epidemiológicas (centradas na realidade local) e, principalmente, a execução e

    gestão dos serviços por meio de equipe multiprofissional.

    Para incorporação desse modelo e reorientação das práticas de saúde até então

    vigentes, definiu-se como diretriz constituinte do sistema a descentralização do poder e de

    competências entre as três esferas de governo. Essa lógica de redistribuição de poder demandou

    uma nova ordem na alocação e distribuição de recursos tendo como eixo principal critérios

    epidemiológicos e populacionais previamente definidos.

    O desafio de promover a eqüidade na alocação de recursos e no acesso às ações e

    serviços de saúde em todos os níveis de atenção requereu o aporte de um instrumento ou de uma

    ferramenta metodológica de planejamento e de programação de ações, capaz de dar visibilidade e

    condições racionais à organização, direção, negociação permanente e pactuação entre as diversas

    esferas de poder e de gestão do SUS, de modo a possibilitar o alcance do maior desafio atualmente

    colocado para a sociedade brasileira, qual seja, consolidar um sistema público de saúde capaz de

    alterar as desigualdades no acesso e na assistência integral à saúde do cidadão.

    Universalidade, Eqüidade, Integralidade, Regionalização e Hierarquização,

    Descentralização, Resolubilidade, Participação Social e Complementaridade do setor privado na

    prestação de serviços de saúde constituem, portanto, os grandes princípios ou diretrizes orientadoras

    do processo de construção e consolidação do Sistema Único de Saúde.

    É, na perspectiva de viabilizar o alcance e a concretização desses princípios que o

    planejamento e a programação em saúde se colocam como estratégias e como modelos para ação,

    como métodos de trabalho ou instrumentos de racionalização da realidade e como ferramentas de

    explicitação e negociação de interesses. Configuram-se, pois, como potencialmente capazes de

  • 237

    conciliar a análise e interpretação da realidade a partir de uma dimensão técnica/instrumental e de

    uma dimensão política, portanto, uma necessidade político-metodológica de dar visibilidade e

    condições racionais à emergência, formulação, implementação, avaliação e gestão das políticas

    públicas e sociais no âmbito da saúde.

    No enfrentamento desses desafios, o planejamento, como ferramenta de gestão do SUS,

    deve configurar-se como processo descentralizado, articulado e participativo. Sua

    aplicação tanto no nível local, estadual e nacional, deve considerar e absorver elementos conceituais

    e metodológicos que viabilizem o processo de reorientação das práticas sanitárias e o controle

    social. Portanto, deve ser um processo ascendente, participativo, comunicativo, capaz de, em todos

    os momentos, articular pessoas, lideranças locais, organizações e instituições, direta ou

    indiretamente envolvidas na problemática de saúde.

    É sobejamente sabido que a implementação de decisões é muito mais ágil e eficiente

    quando as pessoas conhecem suas razões e origens e, em particular, quando tomam parte na decisão.

    Objetivos amplamente discutidos e em relação aos quais há consenso são mais facilmente aceitos e

    compreendidos por aqueles que, de alguma forma, participam da execução das tarefas necessárias para

    atingi-los. Nesse sentido, é possível afirmar que a maior riqueza do planejamento está não apenas no

    processo em si de planejar, mas, principalmente, na análise e discussão que levam ao diagnóstico, à

    visão do futuro desejável e factível e ao estabelecimento dos objetivos, programas de trabalho,

    responsabilidades e atribuições concernentes a cada ator envolvido.

    Adotado como prática social, o processo de planejamento envolve uma ampla gama de

    atores da sociedade civil exercendo, enquanto planejamento participativo, um forte poder de

    aglutinação de pessoas e grupos, os quais passam a compreender e conviver com os anseios dos

    outros atores sociais. Dessa forma, o exercício da negociação entre grupos, torna-se mais fácil e o

    compromisso de todos com a concretização dos ideais, muito mais ampliado.

    Essa constatação ganha força e consistência quando estendida às organizações de

    saúde. Nesse campo, notadamente, no movimento de construção e consolidação do SUS, o

    planejamento vem adquirindo uma relevância e uma importância acentuada, ao colocar-se como

    estratégia capaz de articular pessoas, lideranças, organizações e instituições, fomentar, implementar

    discussões que visem dar condições racionais para a organização e explicitação de um conjunto de

    ações. Tais ações, ao objetivarem a implementação da política pública de saúde, possibilitam

    intervir sobre a realidade com o propósito de promover as mudanças necessárias.

  • 238

    Na contemporaneidade o planejamento, especialmente, o estratégico e situacional, assume a capacidade potencial de responder à s

    demandas da realidade pelo fato de considerar a sua dinamicidade e complexidade. Assim, planejar no contexto das políticas públicas de saúde, em

    nosso País, configura-se como um exercício político, dialético, que requer habilidade, conhecimento técnico, paciência e sabedoria política. Pressupõe

    o reconhecimento do conflito como inerente ao processo social e a valorização da questão do poder - sem desconsiderar o técnico -, realçando a

    natureza criativa, exploratória, antecipatória e, por que não dizer, emancipatória do ato de planejar na e a realidade social.

    O conhecimento da realidade objetivado pela inteligência humana não é, portanto,

    um reflexo mecânico num espelho passivo. Implica sempre certa seleção e

    interpretação dos dados empíricos, uma certa tomada de posição, a escolha de um

    esquema de princípios e conceitos, os quais não são estáticos, inatos, mas

    elaborados e reelaborados historicamente. O Planejamento Estratégico e, em

    especial, o Planejamento Estratégico de Carlos Matus concebido como “o intento do

    homem de impor sua vontade às circunstâncias” representa a possibilidade do

    homem ser, concomitantemente, Ator e Autor de sua própria história. (RIVERA,

    1982, p. 83 ).

    A Lei nº 8.080/90, ao corporificar a intervenção de atores sociais – participação da

    comunidade - aponta diretrizes gerais para o setor deixando antever macrodefinições que sinalizam

    para a necessidade de incorporar o processo de planejamento como estratégia e instrumento de

    harmonização e integração de propósitos e objetivos. Assim, a Lei nº 8.142 de 28 de dezembro de

    1990, ao dispor sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde – SUS,

    institui como instâncias colegiadas a Conferência de Saúde e o Conselho de Saúde em cada esfera

    de governo.

    Aos Conselhos de Saúde, órgãos colegiados, de caráter permanente e deliberativo,

    compostos por representantes do governo, prestadores de serviços, profissionais de saúde e

    usuários, competem as funções de formular estratégias, controlar e fiscalizar a execução da

    política de saúde, inclusive em seus aspectos financeiros.

    Reforçando o princípio da participação social, em 20 de maio de 1993, o Ministério

    da Saúde, ao editar a portaria GB/MS nº 545, institui as Comissões Intergestores Bipartite (de

    âmbito estadual) e Tripartite (nacional), como importantes espaços de negociação, pactuação,

    articulação, integração entre gestores. A mesma portaria aprova as normas e procedimentos

    reguladores do processo de descentralização da gestão das ações e serviços de saúde – NOB-

    SUS 01/93 - estabelecendo que o gerenciamento do processo de descentralização deve ter como

    eixo a prática do planejamento integrado em cada esfera de governo e como fóruns de

  • 239

    negociação e deliberação, respectivamente, as Comissões Intergestores e os Conselhos de

    Saúde.

    No âmbito estadual a Comissão Intergestores Bipartite é constituída, paritariamente,

    por dirigentes da Secretaria Estadual de Saúde e por Secretários Municipais de Saúde com

    assento no órgão de representação da categoria, qual seja, o Conselho de Secretários Municipais

    de Saúde-COSEMS.

    Dessa forma, na perspectiva de implementar o controle social preconizado na

    legislação do SUS, garante-se, pela via da representação, a participação da população no

    processo de gestão da saúde, objetivando-se assegurar que as ações do Estado, efetivamente,

    estejam direcionadas para os interesses da coletividade.

    O que é público deve estar sob o controle dos usuários: “ o controle social não

    deve ser traduzido apenas em mecanismos formais e, sim, refletir-se no real poder da

    população em modificar planos, políticas, não só no campo da saúde “ (IX CNS, 1993).

    Torna-se, portanto, pertinente refletir sobre o papel que o Conselho Estadual de

    Saúde e a Comissão Intergestores Bipartite têm desempenhado no planejamento do SUS-PI

    - aqui entendido como processo intrínseco à gestão do sistema de saúde - que abarca no seu

    âmbito a deliberação / tomada de decisão como resultado de processos comunicativos de

    negociação / pactuação entre distintos atores sociais, portanto, assumindo feições claras de

    prática social participativa e descentralizada.

    Optar pela categoria Planejamento é pertinente e justifica-se face à aderência

    desse processo à ação dos atores sociais selecionados para o estudo - Conselheiros de Saúde e

    Membros da CIB (Gestores e Técnicos) - uma vez que deliberar e negociar são,

    respectivamente, as atribuições legal e formalmente instituídas para essas instâncias colegiadas

    de gestão do SUS.

    Agrega valor e importância à escolha do tema planejamento, o interesse em explicitar a

    dimensão política desse processo, tendo em vista que o ato de planejar tem se revestido,

    usualmente, de uma premissa equivocada e centrada, exclusivamente, na dimensão técnica do

    fazer, ou seja, na diretividade do processo, cujo fundamento encontra sustentação em duas

    grandes convicções: de um lado, o compromisso de não deixar a leitura da realidade e da

  • 240

    história correr à revelia das determinações do contexto social, político e econômico, ou seja,

    ao acaso; de outro, não permitir que os sujeitos atuem segundo seus interesses pessoais.

    Por conseguinte, assumir que o planejamento é um processo político e uma prática

    social, que adquire visibilidade na deliberação colegiada e na negociação, implica assumir

    uma proposta de planejamento participativo, ascendente, descentralizado que, ao reconhecer a

    pretensão de condução da história, requer uma forma alternativa de direcionamento,

    sobretudo, dotada de consciência histórica coletivamente assumida. Nesse sentido, o

    planejamento participativo não é a ausência de qualquer normatividade ou direcionalidade no

    desenho de uma situação futura e no estabelecimento das estratégias de intervenção sobre a

    realidade, ou seja, o “não planejamento”, mas sim, uma proposta calcada na recusa do ator

    social de entrar nesse processo como mero objeto ou espectador.

    11.. 33 FFOORRMMUULLAAÇÇÃÃOO DDOO OOBBJJEETTOO DDEE EESSTTUUDDOO EE DDOOSS OOBBJJEETTIIVVOOSS

    A sociedade brasileira vem atuando como um todo, quer diretamente, quer através das

    suas instâncias formais de representação, partícipes do processo de gestão do Sistema Único de

    Saúde, ativamente no enfrentamento dos desafios e responsabilidades decorrentes da consolidação

    de um sistema de saúde capaz de alterar as desigualdades evidenciadas, especialmente, no que tange

    ao acesso à assistência à saúde. Nesse sentido, tornou-se relevante empreender um estudo que,

    dentre outros aspectos, possibilitasse compreender e desvelar os determinantes sociais, culturais e

    políticos que conformam e condicionam o perfil da gestão colegiada do SUS no Estado do Piauí e

    como esses determinantes se refletem na natureza das articulações e relações estabelecidas entre os

    diversos atores que representam a sociedade nessas instâncias gestoras.

    Segundo concepção expressa em documento do CONASS (2003, p.39), considera-se

    gestão no âmbito do SUS a “atividade e responsabilidade de comandar um sistema de saúde

    (municipal, estadual ou nacional) exercendo as funções de coordenação, articulação, negociação,

    planejamento, acompanhamento, controle, avaliação e auditoria”. Portanto, como processo

    técnico/político, necessita, para ser dotado de eficácia, de uma instrumentação metodológica

    fundamentada numa concepção de sujeito e de realidade como dimensões distintas de um mesmo

    contexto mutuamente determinado e influenciado.

    Assim, a gestão é tratada como atividade e responsabilidade pertinente aos diferentes

    níveis de direção, cuja abrangência encontra-se referida ao comando de um sistema,

  • 241

    especificamente, o sistema de saúde. Dessa forma, torna-se imperativo refletir criticamente sobre as

    características da gestão colegiada do SUS/PI, sua configuração e o seu formato em um contexto que

    exige eficácia e qualidade na prestação de serviços de saúde.

    Partindo-se da concepção de gestão anteriormente explicitada e considerando-se a

    multiplicidade, abrangência e complexidade dos aspectos que a conformam, optou-se por priorizar

    no presente estudo a categoria planejamento. A opção por esse recorte ampara-se na constatação

    de que, além da sua natureza precípua de ferramenta metodológica para diagnóstico das

    necessidades de saúde, identificação de prioridades e de estratégias de ação, o planejamento assume,

    principalmente, no âmbito da gestão do SUS, o caráter de processo político e de prática social, que,

    ao fomentar a emergência de distintos interesses, também contribui para harmonizá-los pela via da

    negociação e pactuação, tornando mais eficiente o processo de gestão. Priorizar a categoria

    planejamento, por conseguinte, significa posicioná-lo como processo dotado do caráter de

    essencialidade para o exercício da função gestora de articulação de um conjunto de saberes e

    práticas, imprescindíveis à implementação da política de saúde

    Recortando-se o estudo do planejamento a partir do “olhar” (percepção) ou do

    referencial dos atores envolvidos na implementação dos processos políticos que lhe são intrínsecos,

    foram selecionados como lócus privilegiado de análise os espaços formais e legalmente instituídos de

    negociação e deliberação, portanto, de gestão colegiada do SUS, a saber: Comissão Intergestores

    Bipartite-CIB e Conselho Estadual de Saúde – CES.

    Assim, definiu-se como Objeto do Estudo, compreender a dinâmica e as características

    do processo de planejamento implementado nas instâncias colegiadas de gestão do SUS Piauí, seus

    limites e possibilidades enquanto prática descentralizada e participativa. O objeto de estudo

    delimitado enseja, ainda, a definição dos seguintes Objetivos Específicos:

    1. Explicitar o entendimento (percepção) dos sujeitos da pesquisa quanto ao

    planejamento em saúde no SUS;

    2. Caracterizar, a partir da percepção dos próprios sujeitos da pesquisa, a atuação e o

    papel que desempenham no processo de planejamento no SUS/Piauí;

    3. Identificar e Caracterizar os principais desafios e facilidades na implementação de

    um processo de planejamento descentralizado e participativo no âmbito das instâncias colegiadas de

    gestão do SUS/PI;

  • 242

    4. Analisar as características que o processo de negociação e deliberação assume nas

    relações estabelecidas e na dinâmica de funcionamento da Comissão Intergestores Bipartite e do

    Conselho Estadual de Saúde respectivamente.

    1.4 CAMPO TEMÁTICO: ESTADO, DESCENTRALIZAÇÃO, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E

    NEGOCIAÇÃO

    A análise da categoria Planejamento contempla uma gama diversificada de aspectos

    que dificultam apreender a totalidade e a complexidade dos seus enfoques e aplicações. Essa

    ressalva justifica-se pelo fato de que a pesquisa realizada recorta uma das dimensões do

    planejamento – dimensão política - especialmente no âmbito de um contexto social dinâmico,

    complexo, no qual as relações entre os atores sociais são marcadas por interesses distintos, nem

    sempre convergentes e, por vezes, conflitantes.

    O recorte do estudo exigiu, ainda, uma análise de natureza teórico-conceitual sobre as

    temáticas que o perpassam transversalmente, tais como: Estado, Descentralização, Participação e

    Negociação. Importa, para os objetivos pretendidos, compreender em que tipo de Estado o

    planejamento se inscreve como processo no qual a negociação e a tomada de decisão,

    conseqüentemente, a gestão abarcam dimensões técnicas e políticas. Interessa, também, compreender

    como esse Estado se apropria técnica e politicamente do planejamento como ferramenta

    metodológica para fazer prevalecer os seus interesses, bem como desvelar as possibilidades e limites

    que se consegue identificar, no âmbito do Estado, portanto, da gestão do sistema público de saúde,

    para o exercício de um planejamento descentralizado e participativo.

    É fundamental, ainda, compreender o contexto de Estado em que o processo de

    Descentralização ocorre, como se explicita no planejamento em saúde e como a Participação Social

    se configura nesse processo, como estratégia viabilizadora da transformação nas relações entre

    Estado - Sociedade.

    Um outro eixo teórico importante para a discussão que se pretende realizar refere-se à

    Negociação como processo de conciliação de interesses, na medida em que oportuniza pactuar ações

    e recursos que emprestam visibilidade e concretude à deliberações da política de saúde e à gestão

    do respectivo sistema. Entender as características que a negociação assume quando exercitada nas

    instâncias colegiadas de gestão do SUS e no âmbito de um Estado democrático torna-se, portanto,

    essencial para compreender a dinâmica de consolidação de um sistema público de saúde, de caráter

  • 243

    universal, gratuito, integral, que tem como aspecto definidor e diferenciador a co-responsabilização

    e participação efetiva da sociedade civil - pela via da representação - no seu processo de gestão.

    Iniciando-se pela categoria Estado, o presente estudo o assume como materialização

    normativa e institucional da regulação social; como agente indutor; como aquele que decide, legisla,

    regula, mas que é dotado de flexibilidade, de capacidade para descentralizar funções e transferir

    responsabilidades e manter, ao mesmo tempo, instrumentos de supervisão e controle. Portanto,

    parte-se de uma concepção de Estado como responsável pela construção de uma base material de

    consenso, que permite a abertura para outros interesses, provenientes de diferentes classes sociais.

    Assumir essa concepção pressupõe compreender o Estado como resultante de uma

    dinâmica societal marcada por contradições. Essa afirmação encontra sustentação na constatação

    de que a vida em sociedade é marcada pela tensão permanente entre o individual e o coletivo, entre o

    interesse público e o geral, entre negócios privados e públicos, classe social e nação. É, portanto, na

    existência dessas contradições que emerge o Estado como lócus institucional das políticas sociais, com

    a finalidade de gerir e regular a vida em sociedade. Segundo a concepção Weberiana, o Estado

    caracteriza-se como ordem jurídica e política de regulação de um sistema de dominação do homem

    pelo homem e de uma classe social por outra, de acordo com Marx e Engels.

    A partir da obra de Maquiavel (1515), a acepção moderna concebe o Estado como

    exigência histórica de se constituir em poder central, supremo e soberano para gerir conflitos sociais

    e econômicos. Na visão liberal, o Estado é identificado com a nação, cabendo-lhe o papel de

    garantir a liberdade dos indivíduos e ser agente do bem-estar coletivo e da justiça social.

    Na crítica Marxista, o Estado é percebido como instrumento de opressão de uma classe

    por outra sob a aparência do equilíbrio e da justiça, na medida em que faz passar por interesse geral

    os interesses próprios da burguesia.

    Com a emergência no cenário internacional, após a 2ª Guerra Mundial, do Estado de

    Bem-Estar Social, os contornos do Estado configuram-no como detentor da responsabilidade pela

    garantia de um mínimo padrão de vida para todos os cidadãos enquanto direito social. À

    emergência desse Estado, implica atribuir aos governos o papel de proporcionar a garantia de um

    mínimo padrão de vida para todos os cidadãos enquanto direito social. A essa premissa somou-se a

    idéia do pleno emprego, a interferência estatal no mercado e os serviços sociais universais e da

  • 244

    assistência social. No Brasil, em que pese à dinâmica do contexto mundial, emerge um Estado com

    características intermediárias de um Estado mínimo e um Estado desenvolvimentista.

    As transformações políticas vivenciadas pelo Brasil entre 1946 a 1964, no entanto,

    apontaram na direção de uma maior liberação da vida política nacional requerendo um conjunto de

    novas exigências decorrentes do processo de desenvolvimento associado à industrialização, à

    modernização, à criação de uma sociedade de consumo e ao fortalecimento do projeto

    capitalista, contribuindo para reforçar a crença na articulação entre o crescimento econômico

    e justiça social.

    O esgotamento do modelo de industrialização por substituição de importações, os

    impasses político-sociais vivenciados pela sociedade como um todo, o desenvolvimento desigual e as

    transformações econômicas e sociais ocorridas no país tornaram o Estado o depositário natural das

    reivindicações emergentes que culminaram com as conquistas legitimadas na Constituição Cidadã de

    1988.

    Seria, portanto, esperada a emergência de um modelo de Estado com características

    sociais democráticas, com caráter universal e redistributivista, que ensejasse um tipo de relação com

    a sociedade capaz de contribuir para a superação da crise de governabilidade, dotado, ainda, de

    capacidade de gestão e de captação de necessidades e demandas sociais. Para superação desse

    desafio, seria necessário o fortalecimento e o aperfeiçoamento da sua capacidade política para,

    segundo Guimarães (1990, p.266-269) “ ordenar as relações entre a sociedade civil organizada e as

    instituições políticas, bem como, sua capacidade técnico-administrativa e de planejamento “.

    Contrariamente ao movimento e ao processo de amadurecimento político da sociedade,

    o desencadear da crise do Estado Brasileiro contribuiu, decisivamente, para a emergência de um

    Estado forte, calcado no ideário neoliberal, no qual o papel de centralidade é bastante expressivo.

    Nesse modelo, assumem-se como premissas fundamentais, a redução do Estado por meio das

    privatrizações, a abertura da economia para o mercado internacional com a retomada dos

    investimentos externos, a busca da estabilização da moeda com reforma monetária, fiscal e, a

    desregulamentação.

    Atualmente, a concepção de que a gestão dos problemas sociais integra o conjunto das

    ações do Estado ganha crescentes níveis de institucionalidade, através dos quais

  • 245

    produzem-se movimentos continuados destinados a instaurar e consolidar, na esfera pública,

    mecanismos político-jurídicos de gestão de conflitos distributivos.

    A emergência dessa concepção encontra justificativa no fato de o país ter adotado uma

    opção de desenvolvimento que reproduziu e consolidou a estrutura da desigualdade social. O

    crescimento do país e a concentração da renda produziram como conseqüência a ampliação das

    políticas sociais e a absorção dos conflitos sociais por um sistema político-institucional de gestão

    moderno-conservador e autoritário-controlista, no qual a ordem social e ordem econômica burguesa

    foram revitalizadas.

    A recessão econômica vivida pelo Brasil na década de 80, ao produzir, no âmbito

    político, o aprofundamento da crise de hegemonia, ampliou a abertura democrática e o

    revigoramento da sociedade civil, principalmente, em decorrência das inúmeras pressões populares e

    de um amplo processo de discussão em torno das grandes questões nacionais que convergiram para

    o Congresso Nacional na promulgação da nova Constituição Federal de 1988. Essa nova ordem, ao

    consolidar conquistas, ampliou direitos sociais, representando um avanço em direção a uma ampla,

    moderna e democrática concepção de seguridade social. Estabeleceu, dentre outros ganhos, a

    cobertura universal na saúde - direito de todos e dever do Estado; a reafirmação do modelo não-

    mercantil; a gestão pública e o financiamento através de contribuições sociais, no caso da previdência

    social.

    Nas sociedades modernas, o Estado desempenha um papel inevitável e necessário no

    sentido de manter e oferecer serviços públicos básicos, de acesso universal.

    O Estado como “res” pública deve ser instrumento de redução de desigualdade, na

    medida em que sob intenso controle democrático trate a todos sem discriminação,

    sobretudo acionando processos redistributivos de bens e poder. Convém assinalar,

    no entanto, que não há democracia e também economia sem Estado, mas também,

    que o Estado somente “equaliza oportunidades”, se, sob pressão democrática.

    Deixado à sua lógica histórica preponderante, tenderá a concentrar vantagens e ao

    acirramento das desigualdades sociais (DEMO,1988, p.139).

    Ao Estado, portanto, em observância às atribuições executivas transcritas de modo geral

    na Constituição Federal, cabem aquelas destinadas ao atendimento de necessidades básicas

    universais, ao provimento das condições indispensáveis a seu pleno exercício sobressaindo-se,

    especialmente, a saúde como direito fundamental do ser humano.

  • 246

    Nesse sentido, é pertinente ao Estado a função explícita de planejamento, enquanto

    instrumento para formulação de políticas, especificamente, de políticas de saúde conferindo-lhes

    organicidade em termos de eficiência e eficácia, cumprindo, dessa forma, uma função técnica na

    medida em que a formulação dessas propostas fundamenta-se, sobretudo, nas condições históricas e

    reais para execução das políticas.

    A utilização do planejamento está orientada, portanto, para uma linha de ação que tem

    como situação-objetivo pretendida, principalmente, a transformação social. Nessa perspectiva o

    planejamento constitui-se em instrumento para mobilizar, organizar, conscientizar e viabilizar a

    participação de camadas cada vez mais significativas da população assumindo, dentre outras, a

    função social de compromisso com a realidade histórica, cuja pertinência do encargo está

    assegurada pelo fato de ter-lhe sido atribuído pela sociedade como um todo. Essa pertinência se

    justifica e se legitima pelo fato de que o Estado, por si só, numa associação dependente do capital

    internacional, tender a atribuir ao planejamento a dimensão de instrumento de mobilização mais

    adequado para a manutenção do status quo, ao passo que, enquanto instrumento de compromisso

    social, o planejamento tem sua dimensão social assegurada no momento em que este processo

    considera os interesses e necessidades da sociedade civil.

    No espaço das políticas sociais o Estado detém o papel essencial de instrumentador

    de processos participativos populares na postura de serviços públicos Referido à sua

    condição de instituição permanente de serviço público, sustentada e legitimada pela

    base, via delegação, o Estado tem como uma de suas funções mais relevantes, de

    acordo com o pensamento de Bobbio (1987), a equalização de oportunidades

    (DEMO,1988, p.130 grifo do autor).

    As políticas sociais, enquanto esforços planejados de redução das desigualdades sociais,

    encontram, pois, na instrumentação econômica a condição fundamental de seu acerto cujo lócus de

    construção situa-se no Estado.

    O papel do Estado, quer pela sua condição de instituição permanente, quer pela sua

    função de serviço público, que realiza atribuições da sociedade dentre as quais a efetivação de

    direitos, é, pois, o de instrumentar acessos, normatizar e supervisionar e , acima de tudo, o de

    possibilitar a cidadania. Assim sendo, a política social redistributiva e emancipatória, ao fundar-se

    na cidadania organizada e produtiva, pressupõe uma emancipação social alicerçada na capacidade

    de controle do Estado pela própria sociedade.

  • 247

    Entendido desta forma, reafirma-se a sua função de favorecedor da cidadania postado

    ao lado dos desiguais, que, mais do que quaisquer outros, necessitam de condições de acesso ao

    controle democrático sobre o Estado. Esse controle se coloca como condição indispensável para

    reafirmação da qualidade e do comprometimento do Estado com a equalização de oportunidades, do

    que decorre a atribuição de uma função essencial, ainda que subsidiária, que é a de realizar um

    planejamento participativo.

    Na medida em que trate a todos sem discriminação e acione processos redistributivos de

    bens e poder, o Estado desenha seu lugar próprio de delegação instrumental de serviço público sob

    controle democrático, capaz de cumprir funções subsidiárias essenciais tais como:

    manter a instrumentação física e financeira para o funcionamento de órgãos públicos

    ligados à realização de direitos;

    garantir acesso à informação estratégica para o exercício dos direitos e para o uso

    adequado dos serviços públicos;

    normatizar, de modo delegado, sobre as matérias pertinentes, dentro do contexto do

    compromisso com a equalização de oportunidades;

    supervisionar o funcionamento e a aplicação das regras do jogo da democracia;

    dotar-se de competência técnica adequada para o trato de todas as questões

    relevantes, econômicas e sociais, aí incluída a função de planejamento;

    preservar a dimensão adequada da quantidade e da qualidade dos serviços públicos,

    em particular daqueles dirigidos às periferias urbanas e áreas rurais marginalizadas.

    Embora tenha a função explícita de planejamento, é necessário reafirmar que o Estado

    que se quer democrático não deve apelar para formas autocráticas de planejamento, muitas vezes

    definidas como tecnocráticas. Nesse sentido, conceber o planejamento como função do Estado requer

    considerar que:

    a função técnica do planejamento é conferir às políticas sociais organicidade em

    termos de eficiência e eficácia fundamentada, sobretudo, nas condições históricas e reais para a

    execução dessas políticas;

    a função política é dimensionada na medida em que é utilizada para fundamentar

    tecnicamente a proposta política de um governo, discutida e aprovada no processo eleitoral;

    o planejamento pode ocupar espaços criativos, dependo da qualidade técnica e

    política de seus integrantes, daí porque nunca deve se constituir numa proposta fechada;

  • 248

    as estruturas de planejamento, que não são do governo, mas do Estado, devem

    orientar-se basicamente pelo compromisso de serviço público, e não pela preocupação de

    legitimação ideológica, reafirmando, portanto, o lugar do planejamento técnico, uma vez que aí

    estaria a sua relevância técnica, pois só será bem feito se souber auscultar a sociedade, observar a

    tendência dos movimentos sociais, inspirar-se nos anseios dos desiguais.

    No entanto, faz-se necessário destacar que a análise da temática planejamento no âmbito

    do poder público, encontra-se referida, principalmente, aos determinantes econômicos presentes no

    contexto, uma vez que a base da intencionalidade do ato de planejar por parte do Estado tem suas

    origens, principalmente, no processo de deterioração crescente das relações de