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LÍNGUA PORTUGUESA E LIBRAS TEORIA E PRÁTICAS 1

Lingua Portuguesa e Libras Teorias e Praticas 1

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Lingua Portuguesa e Libras Teorias e Praticas 1

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LETRAS LIBRAS |  1 

 

LÍNGUA PORTUGUESA E

LIBRAS TEORIA E PRÁTICAS

1

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS| 2 

 

 

 

       

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA 

reitor 

RÔMULO SOARES POLARI  

vice‐reitora 

MARIA YARA CAMPOS MATOS  

pró‐reitor de graduação 

VALDIR BARBOSA BEZERRA 

Coordenador do UFPBVIRTUAL LUCÍDIO DOS ANJOS FORMIGA CABRAL 

Diretora do CCHLA 

MARIA APARECIDA RAMOS 

Chefe do Departamento de Letras Clássicas Vernáculas 

MÔNICA NÓBREGA 

Diretor da Editora Universitária 

JOSÉ LUIZ DA SILVA 

 

CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS LIBRAS VIRTUAL 

coordenadora 

EVANGELINA MARIA BRITO DE FARIA  

vice‐coordenadora 

MARIANNE CARVALHO BEZERRA CAVALCANTE 

 

L755 

 

 

 

 

 

 

 

  

UFPB/BC 

Língua portuguesa e  LIBRAS:  teoria e prática 1  / Evangelina Maria 

Brito  de  Faria, Marianna  Bezerra  Cavalcante,  Organizadoras.  – 

João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2010.  

302p.: Il. 

ISBN: 978‐85‐7745‐489‐1 

1. Língua  portuguesa  –  lingüísticas  internacional.  2. 

Educação  de  surdos.  3.  LIBRAS.  4.  Literatura  –  introdução.  5. 

Educação  a  distância.  I.  Faria,  Evangelina  Maria  Brito  de.  II. 

Cavalcante, Marianne Bezerra. 

                                                  

CDU : 806.9+801 

 

 

Os artigos e suas revisões são de responsabilidade dos autores. 

 

 

Direitos desta edição reservados à: EDITORA UNIVERSITÁRIA/UFPB 

Caixa Postal 5081 – Cidade Universitária – João Pessoa – Paraíba – Brasil 

CEP: 58.051 – 970 ‐ www.editora.ufpb.br 

Impresso no Brasil 

Printed in Brazil 

Foi feito depósito legal 

LETRAS LIBRAS |  3 

 

LÍNGUA PORTUGUESA E

LIBRAS TEORIA E PRÁTICAS

1  

 

 

 

 

Evangelina Maria Brito de Faria Marianne Bezerra Cavalcante

Organizadoras

Editora da UFPB João Pessoa

2010  

 

LETRAS LIBRAS| 4 

 

© Copyright by CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS/LIBRAS VIRTUAL, 2010 

 

 

 

 

CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS LIBRAS VIRTUAL 

coordenadora 

EVANGELINA MARIA BRITO DE FARIA  

vice‐coordenadora 

MARIANNE CARVALHO BEZERRA CAVALCANTE 

 

Capa 

ABRAÃO BAHIA LIMA 

 

Projeto gráfico e edição 

DAVID FERNANDES 

 

LETRAS LIBRAS |  5 

 

 

 

Caro (a) aluno (a)

 Universidade  Federal  da  Paraíba  (UFPB)  tem  como  uma  de  suas  principais  e  históricas  missões 

institucionais o contínuo desenvolvimento de ações voltadas para a melhoria da Educação no Estado, 

desafio que  vem  sendo  enfrentado por  aqueles que  reconhecem  a  relevância  social  e o papel das 

licenciaturas na consecução deste objetivo. 

No Brasil há muito ainda por realizar, dados informam que  temos apenas 13% dos jovens entre 18 e 

24 anos  cursando o ensino  superior. É um  indicador alarmante, mesmo  comparado aos nossos vizinhos da 

América  Latina  que  apresentam  índices  superiores  a  28  %  e  chocante  quando  referenciado  aos  países 

desenvolvidos, em que este índice situa‐se na faixa dos 50%.  Portanto, em pleno século XXI, em que educação 

se apresenta como a maior riqueza de uma Nação, o desafio fundamental é o de construir caminhos  para que 

a totalidade da população brasileira, ou parte substancial dela, possa  ingressar na sociedade da  informação. 

Neste  contexto, a Educação a Distância  (EAD)  surge  como uma  componente  importante para a  construção 

destes  caminhos,  oferecendo  uma  alternativa  viável  para  o  sistema  de  educação  superior  brasileira, 

possibilitando otimização e ampliação da capacidade de atendimento à grande maioria dos alunos adultos e 

trabalhadores.  

Com  sua  experiência  em  EAD  já  se  consolidando,  a  UFPB  se  propõe  a  oferecer  o  Curso  de 

Letras/Libras para atender a uma demanda significativa do mercado e a exigências da própria LDB que prevê 

tradutores  de  LIBRAS  em  salas  do  Ensino  Básico,  em  que  se  façam  presentes  alunos  especiais.  A  Região 

Nordeste    é  carente  em  profissionais  proficientes  em  LIBRAS  e  o  Curso  de  Graduação    “Letras/LIBRAS  a 

Distância”  é  mais  uma  importante  ação  no  sentido  de  promover  a  interiorização  de  oportunidades  de 

formação a nível superior em nosso país e de responder a essa expectativa da Região. 

Durante as últimas décadas, a tendência da política social  foi a de  fomentar a  integração e de  lutar contra a exclusão. No campo da educação, isto se reflete no desenvolvimento de estratégias que possibilitem uma autêntica  igualdade de oportunidades. A experiência de muitos países demonstra que a  integração de crianças e jovens com necessidades educacionais especiais é alcançada em escolas integradoras para todas as crianças da comunidade. A escola inclusiva deve adaptar‐se às necessidades do alunado, respeitar o ritmo e os processos  de  aprendizagem,  propondo  uma  pedagogia  centrada  nas  potencialidades  humanas,  em contraposição á sociedade que inabilita e reforça os impedimentos:  

 

As escolas devem acolher todas as crianças independentemente de suas convicções físicas,  intelectuais,  sociais,  emocionais,  lingüísticas  ou  outras.  Devem  acolher crianças  com  deficiências  e  bem  dotadas;  crianças  que  vivem  nas  ruas  e  que trabalham;  crianças  de  populações  distantes  ou  nômades;  crianças  de minorias lingüísticas,  étnicas  ou  culturais  e  crianças  de  outros  grupos  ou  zonas desfavorecidas  ou  marginalizadas(...)  O  desafio  que  enfrentam  essa  escolas integradoras  é  o  desenvolver  uma  pedagogia  centralizada  na  criança  capaz  de 

A

APRESENTAÇÃO

 

LETRAS LIBRAS| 6 

 

educar  com  sucesso  todos  os  meninos  e  meninas,  inclusive  os  que  possuam deficiências graves.  

(Declaração de Salamanca, 1994) 

 

Para que essas escolas realizem bem essa função  inclusiva, é necessário que o corpo docente esteja preparado para enfrentar os desafios que se colocam. A formação em LIBRAS, para esse público específico, é o primeiro passo para  fortalecimento de uma identidade. Essa construção da identidade é muito significativa para a edificação da própria história  e constituição do sujeito surdo e da comunidade que o acolhe.  

Hoje a estimativa é de que existam cerca de 5,7 milhões de surdos e 1,5% da população seja portadora 

de alguma deficiência auditiva. Atento a essa  realidade presente nos Estados da Federação, o governo  tem 

tomado  iniciativas. Por exemplo, na sociedade brasileira, a  legislação sobre os surdos é presente e de forma 

abundante. Citamos  como exemplo, o Decreto 5.626 de 22 de dezembro de 2005, que  regulamentou a  Lei 

10.436/02 e definiu  formas  institucionais para o uso e  a difusão da  Língua Brasileira de  Sinais e da  Língua 

Portuguesa, visando o acesso das pessoas surdas à educação. O decreto, no Capítulo II,   trata da  inclusão da 

Libras  como  disciplina  curricular  obrigatória  nos  cursos  de  formação  de  professores  e  nos  cursos  de 

Fonoaudiologia.  No  Capítulo  III,  que  trata  da  formação  do  professor  de  Libras  e  do  instrutor  de  Libras, 

transcrevemos: 

Art. 4o  A formação de docentes para o ensino de Libras nas séries finais do ensino 

fundamental, no ensino médio e na educação superior deve ser realizada em nível 

superior,  em  curso  de  graduação  de  licenciatura  plena  em  Letras:  Libras  ou  em 

Letras: Libras/Língua Portuguesa como segunda língua. 

  Houve mudança na  Legislação e em  ações  inclusivas, precisamos de uma mudança no  interior das salas de aula. Os dados do Censo Escolar de 2006 (MEC/INEP) registram que a participação do atendimento inclusivo cresceu, no Brasil, passando dos 24,7% em 2002 para 46,4% em 2006. Em 2010, acreditamos que esse número tenha aumentado. Com base nessa realidade, a realização do curso de  Letras/Língua Brasileira de  Sinais,  a  distância,  na  região  nordeste,  vem  ao  encontro  de  exigências  reais.  Para  realizar  tal empreendimento, a UFPB se apóia por um lado, na sua forte tradição em termos de formação de professores e, por outro, na experiência já acumulada pela Instituição, através dos cursos a distância e, particularmente, do de Letras, em convênio com MEC.  

  Com o curso LETRAS/LIBRAS estamos   oferecendo   também um diálogo mais profícuo com os alunos de Letras‐ Língua Portuguesa, pesquisas na área do ensino de LIBRAS, a ampliação do DLCV, no sentido de integrar  a  outra  língua  vernácula  e,  sobretudo,  oferecendo  uma  resposta  concreta  a  uma  demanda  da sociedade.   

Aqui, gostaríamos de citar Ronice Quadros:  

... a Educação Especial, quando se aproxima das necessidades lingüísticas, culturais, sociais das pessoas revisando permanentemente o seu papel e sua responsabilidade com  a  inclusão,  dá  um  passo  positivo  na  tarefa  imensa  de  reverter  os  quadros dramáticos de exclusão social.  

(Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v. 4, n. 1, p. 21, jun. 2008) 

A criação de um curso LETRAS/LIBRAS é uma aproximação das necessidades  lingüísticas, culturais e sociais das pessoas surdas. E  sabemos que o benefício da  inclusão não é apenas para as pessoas  surdas, é efetivamente  para  toda  a  comunidade,  também  nós  do  DLCV  sofreremos  um  impacto  no  sentido  da cidadania, da diversidade e do aprendizado.   

 

LETRAS LIBRAS |  7 

 

Informações gerais sobre o curso 

Curso proposto 

Curso de Letras/ Língua Brasileira de Sinais. Modalidade a Distância. Bilíngüe  

 

Vagas 

As   vagas são  igualmente divididas entre surdos,   professores da rede pública e ouvintes usuários de 

Língua Brasileira de Sinais,  que  tenham concluído o Ensino Médio. 

 

Integralização curricular 

Objetivando proporcionar aos alunos do Curso de Letras/ Língua Brasileira de Sinais, condições para ser um profissional participativo, reflexivo, autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres, preparado para o ensino de língua brasileira de sinais, apresentamos os conteúdos curriculares que totalizam 2.820 h para integralização curricular divididos em: 

1. Componentes curriculares de fundamentação teórica em línguas portuguesa e brasileira de sinais 2. Componentes curriculares específicos de língua portuguesa e de língua brasileira de sinais; 3. Componentes básicos de formação profissional: Prática Curricular e Estágio Supervisionado de Ensino; 4. Componentes complementares: 

a. Optativos: serão  responsáveis pelos eixos de aprofundamento nas diversas áreas do curso – Língua portuguesa; Língua de Sinais; Educação –, a  fim de possibilitar ao aluno uma escolha profissional adequada e uma ampliação de seus horizontes de conhecimento. 

b. Flexíveis:  compreenderão  a  participação  em  eventos  (congressos,  simpósios,  seminários, colóquios) e em projetos de ensino, pesquisa e extensão. O aproveitamento da carga horária dessas  atividades  será  regulamentado  pelo  Colegiado  do  Curso,  em  conformidade  com  a legislação vigente na UFPB. 

c. Monografia:  Trabalho  Acadêmico,  de  defesa  obrigatória  (conforme  Res.  34/2004  do CONSEPE), a ser regulamentada pelo Colegiado de Curso. 

 

Duração e regime acadêmico do curso 

O curso terá a duração mínima de quatro anos, divididos em 8 semestres, organizado em sistema de 

módulos. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS| 8 

 

FLUXOGRAMA ‐ CURSO DE GRADUAÇÃO EM  LETRAS‐ LIBRAS 

1º. PERÍODO 2o. PERÍODO 3o. PERÍODO 4o. PERÍODO 5o. PERÍODO 6o. PERÍODO 7o. PERÍODO 8o. PERÍODO

Fundamentos de Lingüística

Teorias Lingüísticas

Morfologia

Sintaxe

Semântica e Pragmática

Aquisição da linguagem

Optativa

Trabalho

de

Conclusão de curso

Fundamentos

da Ed. dos surdos

LIBRAS I

LIBRAS II

LIBRAS III LIBRAS IV LIBRAS V

LIBRAS VI

Pesquisa

Aplicada à LIBRAS

Introdução aos Estudos Literários

Teorias

Literárias

Literatura

Visual

Escrita de Sinais I

Escrita de Sinais II

Escrita de Sinais III

Metodologia do Ensino em

Literatura Visual

Conteúdos Flexíveis

Leitura e produção de Texto (I)

Metodologia do trabalho científico

Introdução aos Estudos da Tradução

Teorias da Tradução I

Teorias da Tradução II

Optativa

Vivência em Tradução e Interpretação no Ens. Fundamental

Metodologias do do Ensino de

LIBRAS

como L2

Introdução à EAD

Fonética e Fonologia

Optativa

Optativa

Lingüística Aplicada ao ensino de LIBRAS no Fundamental

Lingüística Aplicada ao Ensino de LIBRAS no Ens. Médio

Metodologias do Ensino de LIBRAS como L1

Vivência em Tradução e Interpretação no Ens. Médio.

Fundamentos Antropo-

filosóficos da Educação

Fundamentos Sócio-históricos da Educação

Fundamentos Psicológicos da Educação

Política e Gestão da Educação

Didática da

LIBRAS

Leitura e Produção de Texto II

Conteúdos Flexíveis

TOTAL: 360

TOTAL: 360

TOTAL: 360

TOTAL: 360 TOTAL: 360 TOTAL: 360 TOTAL: 360

TOTAL: 300

LETRAS LIBRAS |  9 

 

A ORGANIZAÇÃO DO CURSO NA MODALIDADE A DISTÂNCIA Nesta estrutura de curso estarão interagindo os seguintes elementos:

O aprendente: aluno do curso que irá aprender a distância; Os Orientadores Acadêmicos (professores autores): responsáveis pela produção do

material didático e pelos conteúdos das disciplinas do curso ou de determinada área de conhecimento. Atuarão, também, como orientadores dos tutores;

A Coordenação Institucional de Educação a Distância : responsável pela equipe de profissionais que trabalhará na transposição dos materiais didáticos para a linguagem EAD. Esta equipe terá a sua disposição, toda a infra-estrutura do Pólo Multimídia do campus da Universidade Federal da Paraíba, em João Pessoa;

Os Tutores: professores formados pela UFPB, em nível de Pós-Graduação Lato Sensu em EAD, intérpretes (LIBRAS), com a função de acompanhar e apoiar os aprendentes em seu processo;

O material didático: o elo de diálogo do estudante com o autor, com o tutor, com suas experiências, com sua vida, com a função de mediar seu processo de aprendizagem;

A Coordenação acadêmica do curso: responsável pelas questões acadêmicas do curso tais como: projeto pedagógico, oferta das disciplinas e elaboração e avaliação do material didático, e o processo de aprendizado dos alunos.

Os Pólos Municipal de Apoio Presencial – PMAP, responsável pelo atendimento e o acompanhamento (presencial e a distância) do aprendente em seu processo.

A TUTORIA

Do ponto de vista geral, à tutoria compete o acompanhamento e a orientação acadêmica dos alunos. Cabe ao tutor, seja no que diz respeito ao conteúdo das disciplinas, a assuntos relacionados à organização e administração do curso ou a problemas de ordem pessoal ou emocional, orientar os alunos no sentido de buscar as soluções cabíveis em cada caso. Também é tarefa da tutoria promover o trabalho colaborativo e cooperativo entre alunos, estimular o estudo em grupos e procurar motivar o estudante durante o curso para evitar a evasão do sistema.

O Letras/LIBRAS possui um sistema de tutoria que, entre a universidade e os pólos regionais, oferece uma infra-estrutura de atendimento ao aluno que consiste de duas modalidades:

• Tutoria presencial; e

• Tutoria a distância.

A tutoria presencial é realizada nos pólos. Os alunos contarão com um sistema de apoio dos tutores e docentes coordenadores das disciplinas. Na tutoria a distância, o aluno é acompanhado, em cada disciplina, por docentes da universidade, auxiliados por tutores pós-graduandos ou pós-graduados. Ou seja, o aluno é apoiado por duas equipes: uma localiza-se na Universidade e é composta pelo coordenador do curso, pelos professores conteudistas e pelos tutores. A outra equipe localiza-se nos pólos regionais, sendo formada por um coordenador geral e pela equipe dos demais tutores.

Para cada disciplina é designado um professor responsável, o qual coordenará a equipe de tutores que trabalharão na referida disciplina. Esta equipe também é responsável global por todo o processo de Ensino-aprendizagem da disciplina, inclusive com respeito à avaliação.

 

LETRAS LIBRAS| 10 

 

Em cada semestre letivo, estão previstos dois encontros presenciais entre os membros da equipe de professores e os alunos, aos fins de semana, nos pólos. Cada disciplina deverá contar com um tutor proficiente em LIBRAS.

A EAD propõe um novo perfil de professor e de aluno e uma nova maneira pedagógica de ensinar e aprender. É necessário o desenvolvimento de habilidades: desenvolver autonomia de estudo e grande disciplina, gerenciar o tempo, comprometer-se com a própria aprendizagem e com a conclusão do seu curso. Você percebeu que o perfil do aluno a distância requer uma postura diferente. Nós nos esforçaremos para ajudá-lo a construir esse perfil através das indicações metodológicas presentes nas disciplinas e das interações via internet.

Fique atento ao calendário acadêmico e marque as datas-chaves:

o início da disciplina os dias para participar das atividades programadas o dia do envio da atividade o dia da avaliação presencial ( você fará pelo menos uma avaliação por disciplina)

Nesse volume, vocês receberão o material das seguintes disciplinas: Introdução à EAD, em que aprenderão como usar as ferramentas da internet para ter acesso ao curso, Fundamentos de Lingüística, Fundamentos da Educação de Surdos, Leitura e Produção de Texto (I), Introdução aos Estudos Literários e Fundamentos Antropo-filosóficos da Educação.

Todo o material foi construído com o objetivo de formar um todo coeso que pudesse sustentar o princípio fundamental de condução desse projeto: o compromisso de atuar com responsabilidade, construindo um curso de qualidade.

A Coordenação e o corpo docente assumem a responsabilidade de oferecer um curso coerentemente estruturado e se orgulham de possibilitar à UFPB a entrada no sistema UAB, abrindo espaço no cenário nacional para uma educação de maior inclusão.

Seja bem vindo ao Curso de Letras/LIBRAS Virtual

A coordenação

Evangelina Maria Brito de Faria

Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante

 

 

LETRAS LIBRAS |  11 

 

 

 

APRESENTAÇÃO ...................................................................................................................................................... 5   INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS ..................................................................................................... 15 

Cultura ............................................................................................................................................................... 16 

Arquitetura ........................................................................................................................................................ 21 

Estátua ............................................................................................................................................................... 25 

Pintura e desenho .............................................................................................................................................. 32 

Dança e teatro ................................................................................................................................................... 37 

Palavra ............................................................................................................................................................... 40 

Conto ................................................................................................................................................................. 42 

Poesia brasileira ................................................................................................................................................. 45 

 

LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTO I ....................................................................................................................... 49 

Noções de leitura e sua relação com o ensino .................................................................................................. 50 

Conceito de gênero: descrição e funcionalidade .............................................................................................. 66 

Os gêneros textuais e o ensino da leitura e da escrita ...................................................................................... 72 

 

FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS ....................................................................................................... 85 

Trajetória histórica da educação de surdos ...................................................................................................... 88 

Legislação e surdez ............................................................................................................................................ 92 

Políticas sociais e educacionais: da exclusão à inclusão .................................................................................... 99 

Modelos para educação de surdos .................................................................................................................. 104 

Cultura, identidade x educação de surdos ...................................................................................................... 112 

 

 FUNDAMENTOS ANTROPO‐FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO ........................................................................... 120 

A filosofia grega antiga: pressupostos e preocupações .................................................................................. 123 

A filosofia na modernidade: necessidades e horizontes ................................................................................. 144 

A pedagogia da existência: novas bases para a educação .............................................................................. 153 

  FUNDAMENTOS DE LINGÜÍSTICA ................................................................................................................ 169 Linguagem, Língua e Lingüística  ..................................................................................................................... 171 

A Lingüística e o seu objeto de estudo ............................................................................................................ 182 

A dimensão escrita, oral e gestual da linguagem ............................................................................................ 196 

A norma lingüística .......................................................................................................................................... 205 

Unidade e diversidade na língua ..................................................................................................................... 212 

A Lingüística como ciência ............................................................................................................................... 223 

SUMÁRIO

 

LETRAS LIBRAS| 12 

 

 

 

 INTRODUÇÃO À EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ................................................................................................. 233 

Uma introdução aos fundamentos teóricos‐metodológicos da educação a distância ................................... 242 

Apresentação e ambientação da sala de aula virtual: Moodle ....................................................................... 252 

O aluno virtual ................................................................................................................................................. 261 

Comunidades virtuais de aprendizagem ......................................................................................................... 271 

Avaliação em ambientes virtuais apoiados pela internet ............................................................................... 282 

Histórico da EAD .............................................................................................................................................. 290 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS |  13 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS LICENCIATURA EM LETRAS - LIBRAS

 

LETRAS LIBRAS| 14 

 

LETRAS LIBRAS |  15 

 

INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS  

LICENCIATURA EM LETRAS ‐ LIBRAS 

 

FABRICIO POSSEBON JANAINA PEIXOTO

 

 

Informação para o ouvinte

  O presente curso  foi escrito principalmente para o surdo. A ordem das palavras usada, a escolha do 

vocabulário, as sentenças curtas, a repetição de pronomes, o amplo uso de  imagens, etc., são características 

da  língua de sinais, que procuramos manter em todas as  lições. Parecerá, à primeira vista, ao ouvinte que as 

lições são por demais simples e que estamos subestimando a capacidade de aprendizado dos surdos, portanto 

esclarecemos que:  

1º Nestas  lições  são apresentadas apenas as  idéias principais, de maneira absolutamente clara. Todo 

este texto será traduzido para a língua de sinais e gravado em DVD; 

2º Na plataforma Moodle, estes conceitos serão retomados e aprofundados. Para tanto, utilizaremos os 

recursos eletrônicos que o sistema oferece; 

3º O aluno ouvinte terá, na plataforma Moodle, todos estes conceitos, escritos em textos apropriados 

ao seu aprendizado; 

4º Os textos, conforme apresentados aqui nestas  lições, procuram também estimular o aluno surdo a 

ler em português  (num português  inicialmente  simples e ajustado à  sua maneira de  se expressar na 

língua de sinais); 

5º Finalmente, estas lições servirão para o ouvinte conhecer como é o modo de expressão dos surdos.    

 

(fonte: Dicionário de Libras. Capovilla e Raphael) 

 

LETRAS LIBRAS| 16 

 

UNIDADE 1

CULTURA

Os  animais  e  os  homens  nascem  com  instinto, mas  existe  uma  diferença  entre  eles. Os  animais 

nascem  quase  prontos  para  a  vida.  Eles  sabem  procurar  o  alimento,  sabem  os  perigos,  por  exemplo,  eles 

temem  o  fogo,  sabem  lutar  contra  os  outros  animais  e  sabem  fugir.  Eles  precisam  receber  poucos 

conhecimentos de seus pais. Alguns animais, como os elefantes, aprendem na infância e recebem a proteção 

de seus pais para não morrer. Muitos animais não precisam deste conhecimento. Uma cobra, por exemplo, 

nasce sozinha e não aprende nada com sua mãe. O instinto dá o conhecimento para a vida. 

 

 

 

 

  

 

 

 

FIGURA 1 (fonte: creative commons) 

 

O instinto ensina a gata a amamentar.

O instinto ensina o filhote a sugar o leite da mãe.

 

Os homens nascem com pouco instinto. Veja um exemplo do instinto: os bebês sabem sugar o leite 

das mães. Os homens precisam aprender quase  tudo para a  vida. Um bebê deixado  sozinho morre. Quem 

ensina os bebês? Primeiro, os pais ensinam os bebês; depois a  família; depois, os amigos; depois, a escola; 

depois, o mundo,  com o  jornal,  a  televisão, o  cinema, o  livro, o  clube. O  conhecimento  aumenta  sempre, 

durante toda a vida. 

LETRAS LIBRAS |  17 

 

 

 

FIGURA 2 (fonte: Governo Federal da União) 

A mãe precisa aprender a amamentar o bebê.

O bebê NÃO precisa aprender a sugar o leite da mãe.

 

Os bebês aprendem o quê? Primeiro, o bebê aprende a se comunicar com seus pais. O bebê ouvinte 

aprende a falar: P‐A‐I e M‐Ã‐E; depois, ele aprende os nomes das coisas; depois, ele aprende a pedir as coisas; 

depois ele aprende a dizer: tenho fome, tenho sede, quero algo, não quero algo. Ele aumenta o vocabulário e 

começa a juntar as palavras para formar frases. Ele começa a dizer suas idéias e não apenas repetir as frases 

dos outros.  

Do mesmo modo, o bebê surdo começa a aprender os sinais e começa a se comunicar com os outros. 

Ele  aumenta  seu  vocabulário  e  começa  a  expressar  suas  idéias.  Ele  escolhe  os  sinais  corretos  para  a 

comunicação.    

O  primeiro  conhecimento  é  a  educação.  Os  homens  aprendem  a  respeitar  uns  aos  outros.  Eles 

aprendem a respeitar os pais; depois, a  família; depois, os amigos; depois, os professores; depois, as outras 

pessoas. Todos precisam de respeito. Sem respeito, não existe paz na sociedade. As pessoas diferentes, como 

os cegos, os doentes, os loucos, também precisam de respeito. 

O segundo conhecimento é a tecnologia. A tecnologia é o conhecimento das coisas necessárias.  

Os homens fazem aviões, carros, casas, computadores. Essas coisas dão conforto à vida.  

 

LETRAS LIBRAS| 18 

 

Conforto  =>  Bem‐estar 

material; comodidade. 

 

 

 

O terceiro conhecimento é a beleza. O carro é necessário, mas ele pode ser feio ou belo. A casa é útil, mas ela 

pode ser feia ou bela. A beleza não é útil, mas ela dá também conforto às coisas.  

Qual carro você escolhe para passear. Este? 

 

 

FIGURA 3 (fonte: creative commons) 

 

Ou este? 

 

FIGURA 4 (fonte: creative commons) 

LETRAS LIBRAS |  19 

 

 

Você prefere ver um quadro feio ou um quadro belo? O que você acha dos seguintes quadros?  

FIGURA 5 (fonte: creative commons) 

Um quadro é feio e o outro é belo? 

 

FIGURA 6 (fonte: www.masp.art.br) 

A beleza do quadro depende do talento do pintor.

 

LETRAS LIBRAS| 20 

 

 

Resumo da lição: 

Cultura é o conhecimento dos homens. O homem tem pouco instinto e muita cultura. 

Os animais têm pouca cultura e muito instinto. 

Educação é o conhecimento para a vida em sociedade. 

Tecnologia é o conhecimento das coisas necessárias. 

Beleza é o conhecimento das coisas não necessárias, mas belas. A beleza depende do talento. 

 

 

FIGURA 7 (fonte: creative commons) 

 

(fonte: Dicionário de Libras. Capovilla e Raphael) 

 

LETRAS LIBRAS |  21 

 

UNIDADE 2

ARQUITETURA

 

Nesta lição, você vai pensar sobre a beleza das construções. 

Os  homens  constroem  casas  para  morar.  Eles  constroem  estradas  para  ligar  as  cidades.  Eles 

constroem igrejas para rezar. Eles constroem campos para futebol. Eles constroem cemitérios para os mortos.  

Eles  constroem  pontes,  prefeituras,  restaurantes  e  edifícios.  Casas,  estradas,  igrejas,  campos  de  futebol, 

cemitérios são coisas necessárias. Pontes, prefeituras, restaurantes e edifícios são coisas necessárias também.  

Recordar: tecnologia é o conhecimento das coisas necessárias. 

As três igrejas abaixo são necessárias. Os homens podem rezar dentro delas. Cada homem reza para 

o seu Deus. Uma igreja não é melhor do que a outra, mas elas são diferentes.  

Observe a seguinte igreja. 

 

 

FIGURA 8 (fonte: creative commons) 

 

Ela é alta e pesada. Ela é antiga e quadrada. Ela tem muitas portas e janelas. Ela tem muitos detalhes: 

muitas  torres pequenas e uma  torre grande. O arquiteto desenhou os detalhes. As pessoas se sentem bem 

dentro dela e podem rezar a Deus. 

 

LETRAS LIBRAS| 22 

 

 

FIGURA 9 (fonte: www.cpdee.ufmg.br) 

 

Esta igreja é baixa e leve. Ela é moderna e redonda. Ela tem poucas portas e janelas. Ela tem muitos 

desenhos. Ela não tem torres, mas tetos redondos. O arquiteto desenhou os detalhes. As pessoas também se 

sentem bem dentro dela e podem rezar a Deus. 

 

 

 

FIGURA 10 (fonte: creative commons) 

 

Este prédio  era uma  fábrica. Hoje é uma  igreja. Ela é baixa e  leve. Ela  tem duas portas e poucas 

janelas. Ela não tem torres, nem desenhos. Ela tem somente o nome da igreja. As pessoas também se sentem 

bem dentro dela. Elas podem rezar a Deus. 

LETRAS LIBRAS |  23 

 

As três imagens acima são igrejas. Elas são prédios necessários para o homem rezar a Deus. Por que 

eles  são diferentes? As pessoas  são diferentes.  Elas  rezam diferente. Os  arquitetos  constroem  igrejas para 

pessoas diferentes.  

Observe agora estas construções: 

Este é um cemitério de reis antigos. São grandes pirâmides. Elas são altas e pesadas. São de pedra. 

 

FIGURA 11 (fonte: creative commons by wikipedia) 

Este  é  um  cemitério  de  soldados.  Eles  morreram  em  guerra.  Eles  eram  pessoas  comuns.  Cada 

soldado tem sua cruz. Não sabemos os nomes dos soldados. As cruzes são iguais e pequenas.  

 

 

FIGURA 12 (fonte: creative commons by wikipedia) 

 

 

LETRAS LIBRAS| 24 

 

Por  que  os mortos  têm  cemitérios  diferentes?  As  pessoas  são  diferentes.  O  rei  é  diferente  do 

soldado. O  rei  tem um cemitério grande e belo. O  soldado  tem um cemitério  simples. O arquiteto constrói 

prédios diferentes para pessoas diferentes.    

Resumo da lição:

Arquitetura é o conhecimento das construções. O arquiteto desenha e constrói prédios. O arquiteto 

conhece tecnologia. Recordar: tecnologia é o conhecimento das coisas necessárias. Os prédios são diferentes, 

porque as pessoas são diferentes. 

Existem prédios grandes ou pequenos. Existem prédios belos ou feios.  

A beleza do prédio depende do talento do arquiteto. 

 

 

 

(fonte: Dicionário de Libras. Capovilla e Raphael) 

 

LETRAS LIBRAS |  25 

 

UNIDADE 3

ESTÁTUA

 

Nesta lição, você vai pensar sobre a beleza das estátuas. 

Os  homens  constroem  estátuas.  As  estátuas  representam  pessoas.  As  estátuas  enfeitam  igrejas, 

escolas, cemitérios, prefeituras, restaurantes, edifícios e casas. As estátuas não são iguais às pessoas, elas são 

parecidas.  

Observe esta menina. Seu nome é Nânci. 

 

FIGURA 13  (fonte: foto de Nancyellen de Araújo Torres. Direitos autorais cedidos) 

 

Ela é pequena e magra. Seus cabelos são curtos e lisos. Seu rosto é circular. Sua pele é clara. 

Observe agora uma estátua de Nânci. 

 

 

LETRAS LIBRAS| 26 

 

 

FIGURA 14 (fonte: foto do autor) 

 

 

A  estátua  é magra  e  comprida.  Seu  rosto  é  oval  e  seu  pescoço  é  longo.  Seu  cabelo  é  curto  e 

cacheado. Seus olhos são grandes. Sua pele é negra. A estátua não tem pés. A estátua não é igual a Nânci. A 

pessoa (artista) que fez a estátua representou Nânci. O artista não copiou Nânci. O artista escolheu coisas para 

representar Nânci. A beleza da estátua depende do talento do artista. Você gostou desta estátua de Nânci? 

 

 

 

LETRAS LIBRAS |  27 

 

Observe agora outra estátua de Nânci. 

 

 

FIGURA 15 (fonte: foto do autor) 

 

A estátua é magra na cintura, mas é gorda nas nádegas. Seu rosto é redondo e seu pescoço é curto. 

Seu cabelo é curto e pixaim. Seus olhos são arredondados. Sua pele é negra. A estátua não tem pés. A estátua 

usa um colar com um pingente. A estátua  também não é  igual a Nânci. A pessoa  (artista) que  fez a estátua 

representou Nânci. O artista não copiou Nânci. O talento do artista escolheu coisas para representar Nânci. Ele 

escolheu o quadril. Por isso o quadril é muito grande. A beleza da estátua depende do talento do trabalhador. 

Você gostou desta outra estátua de Nânci? 

 

 

 

LETRAS LIBRAS| 28 

 

 

 

Observe agora a terceira estátua de Nânci. 

 

 

FIGURA 16 (fonte: foto do autor) 

 

A estátua é baixa e gorda. Ela não tem rosto. Seus cabelos são longos e lisos. Seus seios são grandes. 

Seu quadril é muito grande. Ela usa um  longo colar. O colar vai até o umbigo. Ela usa uma saia pequena. A 

estátua tem desenhos no corpo.   A estátua também não é  igual a Nânci. A pessoa (artista) que fez a estátua 

representou Nânci. O artista não copiou Nânci. O artista escolheu coisas para representar Nânci. Ele escolheu 

os seios, o quadril e os cabelos. Por isso essas coisas são grandes. A beleza da estátua depende do talento do 

trabalhador. Você gostou desta terceira estátua de Nânci? 

LETRAS LIBRAS |  29 

 

 

 

Esta  é  uma  estátua  do  deus  do  Egito.  O  deus  parece  um  homem, mas  tem  cabeça  de  animal. 

Antigamente,  os  homens  rezavam  para  este  deus. Hoje  a  estátua  está  num museu. Os  homens  visitam  a 

estátua, para ver a sua beleza. 

 

FIGURA 17 (fonte: foto do autor) 

Você acredita neste deus? Você acha esta estátua bonita? Como você descreve esta estátua? 

Esta  é  uma  estátua  do menino  Jesus  Cristo  com  seu  pai. Os  católicos  rezam  para  Jesus  Cristo. A 

estátua  representa o menino  Jesus. Os não‐católicos não  rezam para  Jesus Cristo, mas gostam  também da 

beleza da estátua.  

 

LETRAS LIBRAS| 30 

 

 

FIGURA 18 (fonte: foto do autor) 

Esta estátua é feia. Ela serve para espantar o Diabo. 

 

FIGURA 19 (fonte: foto do autor) 

Você tem medo desta estátua? Você acredita no Diabo? Você acha que esta estátua afasta o Diabo? 

Esta  estátua  traz  sorte. Nas  cidades,  os  homens  constroem  esta  estátua.  Ela mostra  o  centro  da 

cidade. Nesta fotografia, a estátua é pequena. Nas cidades, a estátua é muito grande.  

LETRAS LIBRAS |  31 

 

 

FIGURA 20 (fonte: foto do autor) 

Você acredita que esta estátua traz sorte? Você acredita na sorte? Você viu esta estátua em sua cidade? 

Resumo da lição:

Os homens fazem estátuas. As estátuas representam pessoas e coisas. As estátuas enfeitam lugares. 

As estátuas não são iguais às pessoas e às coisas. Elas são parecidas. O artista da estátua escolhe coisas para 

representar. O artista da estátua usa madeira, pedra, metal ou barro para  fazer a estátua. Existem estátuas 

feias e belas.  A beleza da estátua depende do talento do artista da estátua. 

 

 

(fonte: Dicionário de Libras. Capovilla e Raphael) 

 

LETRAS LIBRAS| 32 

 

 

UNIDADE 4

PINTURA E DESENHO

 

Nesta lição, você vai pensar sobre a beleza das pinturas e desenhos. 

Os homens pintam quadros. Os quadros representam pessoas e coisas. Os quadros enfeitam igrejas, 

escolas, associações, prefeituras, restaurantes, edifícios e casas. As pinturas e os desenhos não são  iguais às 

pessoas e às coisas, elas são parecidas.  

Observe o quadro.  

 

 

FIGURA 21 (fonte: quadro do autor) 

O que o quadro quer dizer? O quadro parece com uma borboleta? Quem pintou o quadro diz: é a 

alma. Você entende a idéia do pintor? Você já pintou um quadro? 

Observe agora este quadro. O que ele quer dizer? Pense nos detalhes do desenho. 

 

LETRAS LIBRAS |  33 

 

 

FIGURA 22 (fonte: quadro de Miró, fotografado pelo autor) 

 

O nome do quadro é mulher. Você consegue ver o corpo e a cabeça? Você consegue ver o pescoço? 

Onde está a boca? Onde está o nariz? Onde estão os olhos? O quadro se parece com uma mulher? Se você 

disse “não”, com o que se parece? 

Recordar: as pinturas e os desenhos não são iguais às pessoas e às coisas. Elas são parecidas. 

Os dois quadros foram feitos sobre papel. O pintor escolheu o assunto do quadro e o nome. 

Observe agora o desenho abaixo. É uma tatuagem. O pintor pintou a tatuagem no braço. É um índio 

antigo. O que o  índio está  fazendo? Ele está  sinalizando? Ele usa  saia? Que pássaro você vê no  chapéu do 

índio? A cabeça do índio não é muito grande? Seus olhos não são muito grandes?  Este índio faz magia. 

 

 

LETRAS LIBRAS| 34 

 

 

FIGURA 23 (fonte: foto do autor) 

 

Agora um desenho sobre um muro velho. O que o desenho quer dizer para você? 

FIGURA 24 (fonte: creative commons) 

 

Desenhos também contam histórias. Observe as crianças. Quem é mais  inteligente? A menina ou o 

menino? A história é engraçada?   Os desenhos são bonitos? O desenhista  tem  talento para  fazer a história. 

Você achou a história inteligente?  

 

 

LETRAS LIBRAS |  35 

 

 

 

FIGURA 25 (foto do autor da obra: Todo Mafalda) 

 

Resumo da lição:

Os homens fazem desenhos. Eles pintam quadros. Os quadros e os desenhos representam pessoas e coisas. Os 

quadros enfeitam lugares. Os quadros e os desenhos não são iguais às pessoas e às coisas. Eles são parecidos. 

O desenhista escolhe coisas para  representar. O desenhista usa papel, madeira, pedra, metal ou um muro. 

Existem desenhos feios e belos. A beleza do desenho depende do talento do desenhista. 

 

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS| 36 

 

 

FIGURA 26 (fonte: creative commons) 

 

 

 

 

 

 

 

(fonte: Dicionário de Libras. Capovilla e Raphael) 

LETRAS LIBRAS |  37 

 

UNIDADE 5

DANÇA E TEATRO

Nesta  lição, você vai pensar sobre a beleza dos movimentos. Os movimentos são o salto, o giro, o 

abaixar‐se, o  levantar‐se, o  inclinar‐se, o deitar e o sentar‐se. Os movimentos podem ser  rápidos ou  lentos. 

Eles podem  ser belos ou  feios. Os homens  escolhem movimentos. Os movimentos  representam  ações das 

pessoas. Existem movimentos do corpo, da cabeça, do braço, da mão, da barriga, do joelho, da perna, do pé. 

Os movimentos animam o teatro, a aula e a dança. Observe a foto.  

 

FIGURA 27 (fonte: creative commons) 

É uma dança? Que tipo de dança? Você sabe dançar assim? É fácil? É difícil? 

Que lugar é este? Onde ele fica? O que acontece lá? 

 

FIGURA 28 (fonte Iphan) 

 

LETRAS LIBRAS| 38 

 

No  teatro,  muitos  atores  trabalham.  Eles  representam  histórias.  As  histórias  têm  muitos 

personagens. Cada ator usa uma roupa diferente. Eles usam máscaras. Diante do público, os atores vão e vêm.  

Eles  abaixam  e  se  levantam.  Eles  gesticulam  e  falam.  Eles  contam  uma  história.  Eles  têm  talento.  Quem 

escreveu a história também tem talento. O talento do ator é diferente do talento do escritor da história. Pense 

nas  seguintes questões:  as histórias  são  importantes para o público?    Existem  atores melhores dos outros 

atores? Por que um ator é melhor do que outro ator? Você já foi a um teatro?  

Observe o quadro abaixo. O que ele mostra?  

 

FIGURA 29 (fonte: creative commons) 

O quadro  informa sobre um filme. Qual o personagem principal do filme? O homem ou a mulher? Por 

quê?  A história do filme acontece na cidade ou na roça?  Qual a diferença entre o teatro e o cinema? O filme 

conta uma história. O  teatro  também conta uma história? O  filme  tem personagens. O  teatro  também  tem 

personagens. Os  atores do  filme  têm  talento. Os  atores do  teatro  também  têm  talento. Quem  escreveu  a 

história do filme tem talento. Quem escreveu a história do teatro também tem talento. 

O homem do quadro já morreu. Você ainda pode ver o filme dele. Percebeu a diferença? Existem outras 

diferenças? Quais? 

 

LETRAS LIBRAS |  39 

 

Resumo da lição:

Os homens criam histórias. Quem cria uma história tem talento. As histórias são apresentadas no teatro. As 

histórias  também são apresentadas no cinema. E  também na dança. Os atores  têm  talento. Sem  talento, as 

histórias  ficam chatas. Existem diferentes modos de  representar. Pessoas gostam do  teatro. Outras pessoas 

gostam do  cinema. Outras pessoas gostam da dança. O  teatro, o  cinema e a dança usam gestos e  caretas. 

Algumas pessoas sabem representar, outras pessoas não sabem representar. A diferença é o talento.   

 

 

 

 

(fonte: Dicionário de Libras. Capovilla e Raphael) 

 

 

LETRAS LIBRAS| 40 

 

UNIDADE 6:

PALAVRA

Observe as frases seguintes: 1) Eu vou ao banheiro. 2) Eu vou defecar.  A  primeira  frase  é  bonita.  A  segunda  não  é.  Somente  os  amigos  aceitam  a  segunda  frase.  O 

sinalizador escolhe a frase. Existe uma frase boa para cada tempo.  Observe as frases seguintes: 1) Vamos comer? 2) Vamos encher a barriga?     Qual frase você prefere, quando você convida sua namorada para ir ao restaurante?  Existem diferentes frases para diferentes tempos.  As palavras mostram  idéias. A pessoa  inteligente  sabe as palavras. Ela escolhe palavras. Ela pensa 

primeiro e sinaliza depois. Você usa palavrão com pessoa estranha?  A frase tem palavras.  Observe a frase seguinte: Eu vou à escola. A primeira palavra é a palavra principal. Ela mostra quem faz alguma coisa. A segunda palavra indica a ação, atividade ou o trabalho. A terceira palavra indica o fim. Existe confusão, se você sinalizar/falar diferente.  Observe as frases seguintes: Eu vejo você. Você vê eu? Elas são iguais? Qual a diferença?   O sinalizador escolhe as palavras, para não haver confusão.  O sinalizador escolhe as palavras, para se comunicar de maneira mais bonita.  O sinalizador escolhe as palavras, para se comunicar de maneira mais perfeita. É preciso talento para saber escolher as palavras. É preciso conhecer muitas palavras.  É preciso praticar as palavras.   Observe a imagem abaixo: 

 FIGURA 30 (foto do autor da obra: Todo Mafalda) 

LETRAS LIBRAS |  41 

 

O que o quadro mostra? 

Quatro meninos com armas. Eles são soldados. Atrás dos meninos estão os pais. Os pais olham as 

crianças. A menina segura um pássaro. Os meninos estão de pé. A menina está sentada. Os pais estão de pé.  

Existe uma imagem menor ao lado. A menina solta o pássaro. O pássaro voa. 

O que o quadro conta? 

Primeiro os meninos vem brincar com a menina. Eles brincam de soldado. Ela não gosta de brincar de 

soldado. Eles querem atirar no pássaro. Ela está triste. Os pais observam as crianças brincarem. Os pais não 

entendem  porque  a menina  está  triste.  Depois  a menina  solta  o  pássaro.  Ela  fica  alegre.  O  pássaro  voa 

embora.  

 

Resumo da lição:

Os homens se comunicam. Eles usam palavras. As palavras são feias ou são bonitas. Existem palavras 

boas para  cada  tempo. O  sinalizador escolhe as palavras. Ele  fala diferente, quando  fala  com um  velho ou 

quando  fala  com uma criança ou quando  fala com a namorada. Ele precisa  conhecer muitas palavras. Com 

muitas palavras ele escolhe a melhor palavra.  

Vendo uma imagem, o sinalizador pode explicar a imagem ou ele pode contar uma história. 

 

 

(fonte: Dicionário de Libras. Capovilla e Raphael) 

 

  

 

LETRAS LIBRAS| 42 

 

UNIDADE 7:

CONTO

 

Observe o conto: 

Há muito tempo atrás existia um velho. Ele fazia mesas, cadeiras, armários e bonecos de madeira. Ele 

fez um boneco muito bonito. Ele chamou o boneco de PINÓQUIO (sinal de “nariz”).  

 

FIGURA 31 (fonte: creative commons) 

 

O velho disse: gostaria que o boneco fosse meu filho! 

De noite, uma fada apareceu. O velho era muito bom. A fada quis agradá‐lo. Ela deu vida ao boneco. 

De manhã, o velho viu PINÓQUIO, ele falava e corria pela casa. O velho ficou muito contente. O velho arrumou 

o material escolar.  Ele chamou o grilo para ser amigo de PINÓQUIO. PINÓQUIO e o grilo foram para a escola.  

Uma raposa apareceu e disse: 

‐ menino, venha comigo! 

O grilo disse a PINÓQUIO: 

‐ não vá, vamos para a escola! 

PINÓQUIO preferiu acompanhar a raposa. 

Os três  foram a um circo. PINÓQUIO  foi obrigado a trabalhar. O dono do circo prendeu PINÓQUIO 

numa gaiola. PINÓQUIO chorou, ficou triste e se arrependeu de não ir para a escola.  

LETRAS LIBRAS |  43 

 

De noite, a  fada apareceu. Ela abriu a porta da gaiola. PINÓQUIO e o grilo  fugiram para casa. Eles 

encontraram em casa o velho. Ele chorava e estava muito triste. PINÓQUIO se arrependeu do que fez. O velho 

perdoou PINÓQUIO. A fada fez de PINÓQUIO um menino de verdade. Ele era de madeira, agora é de carne e 

osso. Todos ficaram muito felizes. 

 

Observe agora: 

O conto tem personagens. Eles são: o velho, o menino de madeira (seu nome é PINÓQUIO), o grilo, a 

fada, o dono do circo e a raposa. 

Qual é o personagem principal? Por quê? 

O conto acontece primeiro na casa do velho, depois na rua (quando PINÓQUIO e o grilo vão para a 

escola), depois no circo, depois na gaiola, depois na casa do velho.  

Qual o lugar principal do conto? Por quê? 

 

O conto  tem começo, meio e  fim: primeiro o velho  fez o menino de madeira, depois gostou dele, 

depois a  fada deu vida ao menino de madeira, depois o velho mandou o menino para a escola com o grilo, 

depois a raposa enganou o menino, depois o menino trabalhou no circo, depois a fada libertou o menino e o 

grilo, depois eles voltaram para casa, depois o velho perdoou o menino, depois a fada transformou o menino 

de madeira em menino de verdade. 

Qual o acontecimento principal do conto? Por quê? 

Qual a lição do conto? O arrependimento é uma coisa boa? Por que a fada transformou o menino de 

madeira em menino de verdade? Por que o menino de madeira se chama “nariz”? O nariz do menino cresce 

quando ele mente. Você acredita nisto? 

 

Resumo da lição:

O conto tem personagens. Existe sempre um personagem principal. Existe muitas vezes uma fada. A 

fada faz mágica. A fada ajuda as pessoas boas. No final, os personagens ficam felizes. 

 

 

LETRAS LIBRAS| 44 

 

 

 

(fonte: Dicionário de Libras. Capovilla e Raphael) 

 

LETRAS LIBRAS |  45 

 

UNIDADE 8:

POESIA BRASILEIRA

 

Observe a poesia. Seu nome é “Nesta rua”: 

  

Nesta rua, nesta rua, tem um bosque,

Que se chama, que se chama, Solidão,

Dentro dele, dentro dele mora um anjo,

Que roubou, que roubou meu coração 

 

É uma poesia popular. Ninguém sabe quem a escreveu. As crianças cantam esta poesia. 

Esta poesia tem 4 linhas. O final da segunda linha é Ã‐O. Ele é o igual ao final da quarta linha: Ã‐O. O 

ouvinte gosta dessa semelhança.  

Observe a primeira linha. As palavras “nesta rua” aparecem duas vezes.  

Observe a segunda linha. As palavras “que se chama” também aparecem duas vezes.  

Observe a terceira linha. As palavras “dentro dele” também aparecem duas vezes.  

Observe a quarta linha. As palavras “que roubou” também aparecem duas vezes. 

Na poesia, o ouvinte gosta de ouvir as palavras várias vezes.  

A estória acontece onde? Na rua? No bosque?  

Existem dois personagens nesta poesia: o primeiro é quem fala/sinaliza. O segundo é o anjo. 

O primeiro personagem  fala/sinaliza de  sua  tristeza. O  segundo personagem  roubou o coração do 

primeiro. O bosque se chama solidão. Por quê? O anjo da poesia é um anjo de verdade? O anjo é uma garota? 

O anjo é um rapaz?  

 

 

LETRAS LIBRAS| 46 

 

Resumo da lição:

A  poesia  é  diferente  do  conto. O  conto  tem  personagem. A  poesia  também  tem  personagem. O 

conto ocorre em algum  lugar. A poesia também ocorre em algum  lugar. O conto fala/sinaliza um assunto. A 

poesia também fala/sinaliza um assunto. O conto tem fada. A poesia também tem fada. Qual a diferença entre 

poesia e conto? 

A poesia gosta de repetição de palavras. O conto não gosta disso. A poesia gosta de repetição de final 

de palavra. O conto não gosta disso. A poesia usa  linhas curtas. O conto usa  linhas compridas. No conto, a 

leitura termina somente no ponto final. Na poesia, existe parada em cada linha.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS |  47 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTO I

 

LETRAS LIBRAS| 48 

 

LETRAS LIBRAS |  49 

 

LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTO I

 

MARIA ESTHER VIEIRA DE SOUSA REGINA CELI MENDES PEREIRA

 

DO TEXTO PARA O MUNDO E DO MUNDO PARA O TEXTO

MOVIMENTOS DE LEITURA E DE ESCRITA

 Caro Aluno!  

 

A  disciplina  Leitura  e  Produção  de  Texto  I  tem  como  foco  principal  introduzir,  desde  o  primeiro 

semestre do Curso, uma discussão sobre a  leitura e a produção de texto, aliando teoria e prática, para que, 

através da revisão de conceitos básicos que informam essa disciplina, o educando possa repensar a sua prática 

de leitura e de produção de texto, ao mesmo tempo em que reflete sobre esse conteúdo de ensino.  

Nesse sentido, essa disciplina encontra‐se divida em três unidades. A primeira pretende dar conta da 

discussão acerca das noções de  leitura e das perspectivas teóricas que sustentam essas noções, enfocando a 

relação  leitor/texto/autor.  Serão  priorizadas  três  perspectivas  teóricas:  Cognitivista,  Sócio‐interacionista, 

Discursiva.  A  segunda  unidade  tem  como  objetivo  apresentar  uma  visão  geral  do  conceito  de  gênero  – 

partindo da tradição literária até os dias atuais –, bem como sua descrição e funcionalidade. A terceira unidade 

tratará  da  importância  da  utilização  dos  gêneros  textuais  para  o  ensino  da  leitura  e  da  escrita  e  de  suas 

implicações, enquanto procedimento metodológico, para o desenvolvimento dessas competências. 

                

 

LETRAS LIBRAS| 50 

 

I UNIDADE   

NOÇÕES DE LEITURA E SUA RELAÇÃO COM O ENSINO

Breve introdução

  

Atualmente  torna‐se ainda mais presente, dentro e  fora da escola, um discurso de valorização da 

leitura.  Contraditoriamente,  também  é  comum  um  discurso  que  alega  a  sua  ausência.  Iniciemos,  então, 

esclarecendo essa contradição. A expressão “é preciso ler” faz parte do dia‐a‐dia da escola e é uma exigência 

da nossa sociedade; paralelamente, afirma‐se constantemente que o aluno não gosta de ler, que o brasileiro 

não  lê  e,  em  conseqüência,  não  possui  uma  visão  crítica  do mundo  que  o  cerca.  Ler  passou  a  ser  um 

imperativo dos nossos tempos, do qual não podemos fugir. Ou seja, parece que não podemos não ler. Mas o 

que  é  ler?  O  que  lemos? Qual  o  objeto  da  leitura  e  para  que  lemos?  Apesar  de  essas  serem  perguntas 

excessivamente repetidas, precisamos voltar a elas. Isso talvez porque a resposta não seja tão óbvia quanto, 

em geral, supõe o senso comum.  

Podemos dizer que a noção de  leitura esteve quase sempre associada à escrita, contudo esse não 

tem sido um ponto de vista unânime sobre o assunto. Paulo Freire (1983, p. 11‐12) formula uma frase sobre a 

leitura que  se  tornou  recordista em número de citações e aqui vamos, mais uma vez, citá‐la: “A  leitura do 

mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da 

leitura  daquele.” Qual,  então,  o  objeto  da  leitura?  Para  Paulo  Freire,  esse  objeto  é  amplo:  o mundo  e  a 

palavra. Ler o mundo significa compreender a realidade que nos cerca, mediada não apenas pela palavra, mas 

por  objetos,  pessoas,  gestos,  imagens.  Ler  o  mundo  é  um  ato,  uma  ação  do  sujeito,  uma  “atividade 

perceptiva” de construção do sujeito no mundo, de reconhecimento do seu ser no mundo, do seu  lugar no 

mundo e de sua relação necessária com o outro. De início, é o mundo da/com a família, com os amigos, com 

os vizinhos que nos é dado a  ler. Esse é um mundo de  leitura: eu  leio o sorriso nos  lábios do outro e o julgo 

sincero ou falso, amistoso ou sarcástico; o sertanejo (homem do campo) olha para o céu a espera de um sinal 

de que a chuva virá e dependendo da leitura que faça se encherá de esperança ou debulhará o seu rosário de 

preces em dias melhores; o homem das grandes cidades, atento à metereologia, ao  saber que vem chuva, 

prepara‐se para o encontro com ruas alagadas, trânsito engarrafado, transtorno, enfim.  

Ler, nesse sentido, é “atribuir sentidos” ao mundo. Sendo assim, essa noção, além de, em princípio, 

não  estar  necessariamente  ligada  a  uma  aprendizagem  da  palavra  escrita,  supõe  que  qualquer  objeto  ou 

situação sejam passíveis de  leituras. Nesse sentido, o homem conhece o mundo e com ele  interage a partir 

das leituras que vai desenvolvendo. Ou seja, lemos o mundo, antes de aprender a ler a palavra. Mas, voltando 

LETRAS LIBRAS |  51 

 

à frase de Paulo Freire, temos que essa leitura de mundo é fundamental para a leitura da palavra, a qual não 

pode se esgotar em si mesma, ou seja, a leitura da palavra não pode ser a mera decodificação dessa palavra, é 

preciso compreendê‐la em seu contexto, devolvê‐la ao mundo, inclusive, para melhor entender esse mundo: a 

leitura da palavra escrita apóia‐se no conhecimento adquirido ao  longo da vida, ao mesmo  tempo em que 

amplia e modifica esse conhecimento. 

Vamos agora  limitar a nossa  reflexão à  leitura da palavra escrita. Para  tanto,  fixaremos  como  fio 

condutor os  sujeitos  (leitor  e  autor)  e o objeto  da  leitura  (o  texto  escrito). Antes, porém, propomos uma 

reflexão inicial. 

 

 

Voltemos, então, a falar da leitura da palavra escrita, especificamente, problematizando o objeto da 

leitura, o texto escrito.  

  

O que é um texto?

Vamos partir de um exemplo:  

A Água

A água é uma substância fria e mole. Não tão fria quanto o gelo nem tão mole quanto gema de ovo

porque a gema de ovo arrebenta quando a gente molha o pão e a água não. A água é fria mas só quando a gente

está dentro. Quando a gente está fora nunca se sabe a não ser a da chaleira, que sai fumaça. A água do mar mexe

muito mas se a gente põe numa bacia ela pára logo. Água serve pra beber mas eu prefiro leite e papai gosta de

cerveja. Serve também pra tomar banho e esse é o lado mais ruim da água. Água é doce e é salgada quando está

no rio ou no mar. A água doce se chama assim mas não é doce, agora a água salgada é bastante. A água de beber

sai da bica mas nunca vi como ela entra lá. Também no chuveiro a água sai fininha mas não entendo como ela cai

fininha quando chove pois o céu não tem furo. A água ainda serve também pra gente pegar resfriado que é quando

ela escorre do nariz. Fora isso não sei mais nada da água

Esse exemplo poderá levar o leitor a formular algumas indagações: trata‐se realmente de um texto 

ou de um amontoado de frases óbvias sobre a água? Isso só pode ser coisa de quem não sabe escrever, coisa 

de criança. É isso! É uma redação que o aluno escreveu na aula de ciência quando a professora pediu para ele 

falar sobre a água, suas propriedades e utilidade. O problema é que ele nem sabe escrever, nem sabe o que 

dizer. Imagine! Onde já se ouviu dizer que fria, quente, mole, inquebrável (não arrebenta), doce, salgada são 

propriedades da água? E dizer que a água serve para pegar resfriado? O texto está muito ruim mesmo – se é 

 

LETRAS LIBRAS| 52 

 

que  isso pode ser chamado de  texto! Vamos então chamar o professor de português e ver o que ele pode 

fazer.  

O  professor  de  português,  diante  desse  exemplar,  pensará:  não  sei  nem  por  onde  começar  a 

correção:  o  autor  repete  incansavelmente  a  palavra  água;  há  frases  incompreensíveis,  truncamentos 

sintáticos, anacolutos, comparações absurdas... quem já viu comparar água com gema de ovo?  Como eu vou 

explicar uma  frase  como  essa:  “Quando  a  gente  está  fora nunca  se  sabe  a  não  ser  a da  chaleira, que  sai 

fumaça.”? Aliás, quem disse que isso é uma frase? Veja que faltam termos: “quando a gente está fora” ... fora 

de quê?  “Nunca se sabe” de quê?   

  Vamos  fazer um exercício de compreensão desse  texto,  iniciando por essa  frase. A primeira 

questão  a  observar  é  que  um  texto  não  é  um  amontoado  de  frases  e  que  existem  aspectos  que  não  se 

esclarecem nos  limites de uma  frase  tomada  isoladamente de  seu contexto. Senão vejamos. Vamos  inserir 

essa frase em um maior fragmento do texto: 

 

A água é fria mas só quando a gente está dentro. Quando a gente está fora nunca se sabe a não ser a da chaleira, que sai fumaça.

 

A frase agora não nos parece tão  incoerente ou tão  lacônica, se a relacionarmos com o sentido da 

antecedente. Antes nós acusamos o autor de ser repetitivo. Agora notemos que ele usou o recurso lingüístico 

da elipse para evitar repetição, caso contrário esse trecho ficaria: 

 

A água é fria mas a gente só sabe que a água é fria quando a gente está dentro da água. Quando a gente está fora da água a gente nunca sabe se a água é fria ou se é quente a não ser a água da chaleira, porque da água da chaleira sai fumaça e a fumaça denuncia (mostra pra gente) que a água é quente.

Observe que, para chegar a essa paráfrase, usamos o princípio da solidariedade entre as frases no 

texto: uma  frase  se articulando à outra, completando, explicitando  seus  termos. Expliquemos:  só pudemos 

explicitar a articulação sintática entre os termos na primeira oração porque levamos em conta o verbo saber 

(“nunca sabe”) que está explícito na segunda oração e porque repetimos as expressões a gente, a água é fria 

e da água. A  explicitação dos  termos  ausentes na  segunda oração  foi possível  a partir de dois processos: 

novamente a repetição dos termos “água” e “a gente” e a inferência do adjetivo “quente”, a partir do adjetivo 

“fria” e do substantivo “fumaça”. O  leitor  inconformado dirá: ora, mas  isso não resolve o problema. O texto 

continua  sendo  um  amontoado  de  bobagens  sobre  a  água  e  muitas  vezes  incoerentes.    Pois  é.  Então, 

relembremos a observação anteriormente feita e acrescentemos uma outra lição sobre o texto: 

 

O texto não é um somatório de frases, nem o seu sentido se constrói pelo somatório dos sentidos de suas frases.

 

LETRAS LIBRAS |  53 

 

Aliás, não podemos nos esquecer de que o texto pode ser composto de uma única palavra. A palavra 

“Silêncio!”, por  exemplo,  escrita na  entrada de um hospital  ganha  ares de um  texto,  cumpre uma  função 

comunicativa, qual  seja:  lembrar  ao  visitante de que  aquele é um  lugar de pessoas doentes que precisam 

repousar e para isso o silêncio é fundamental. Mas isso não diz tudo. Uma mesma e só palavra pode construir 

sentidos  diferentes.  A  mesma  palavrinha  “Silêncio!”,  escrita  na  entrada  de  um  campo  de  futebol, 

provavelmente, será entendida como uma brincadeira do  torcedor, visto que esse é um dos  lugares menos 

prováveis para que ocorra silêncio. Mas e quando o  jogador faz um gol e se vira para sua torcida ou para a 

torcida  adversária  e  faz  um  gesto  semelhante  àquele  que  também  encontramos  em  portas  de  hospitais, 

substituindo a palavra  silêncio,  será que estamos diante do mesmo  texto? Certamente, não. Então, vamos 

acrescentar algo mais a nossa formulação anterior sobre o texto: 

 

O texto não é um somatório de frases, nem o seu sentido se constrói pelo somatório dos

sentidos das suas frases. A coerência de um texto não depende apenas de elementos lingüísticos.

 

 

Dito isso, voltemos ao texto “A água” e passemos a explicitar alguns elementos fundamentais para a 

construção do  sentido daquele  texto. O  texto  “A  água”  foi  escrito por Millor  Fernandes  e  compõe o  livro 

"Compozissõis  imfãtis",  publicado  em  1975.  Fazem  parte  desse  livro  outros  tantos  textos  que  seguem  o 

mesmo estilo: “A banana”, “O leão” ... O leitor, sabendo quem é Millor Fernandes, e atentando para o título 

do livro do qual foi retirado esse texto, será levado a imaginar que o autor escreveu aquele texto imitando a 

escrita de uma  criança.  Imaginamos  ser desnecessário dizer que essas  informações – que  remetem para o 

contexto  de  produção  do  texto  –  obrigarão  o  leitor  a  fazer  outra  leitura.  Então,  a  coerência  de  um  texto 

depende  tão  somente dos  recursos  lingüísticos empregados e do  seu autor?   Não  só. Depois voltaremos a 

esse  texto para enfocar  as  condições de produção da  leitura. Por hora,  gostaríamos de  concluir esse  item 

dizendo: 

O texto é um todo significativo, é uma unidade de sentido que não depende apenas do seu

autor, mas da relação entre leitor-texto-autor.

 

 

Noções de leitura

No item anterior, priorizamos a noção de texto, com o objetivo de responder à pergunta: O que se 

lê? Nesse  item vamos tentar responder à questão: O que é  ler? O percurso será traçado tendo como foco a 

aprendizagem formal da leitura na escola. 

 

 

LETRAS LIBRAS| 54 

 

A leitura como decodificacão

 

A importância da leitura da palavra escrita para a educação formal é inegável. Afinal, é através dela 

que se fundamenta todo o processo educacional, desde os primeiros anos de escolaridade. Desde que o aluno 

ingressa  na  escola,  todos  (escola,  pais,  sociedade)  esperam  que  ele  “aprenda  a  ler”.  Aprender  a  ler,  no 

entanto, muitas vezes, nas séries iniciais é sinônimo de “decodificar a palavra escrita”.  

É preciso refletir sobre essa noção de leitura como decodificação. Naturalmente, para que se leia a 

palavra,  é  necessária  que  se  tenha  acesso  a  um  conhecimento  sobre  a  língua  escrita  o  qual  supõe  a 

aprendizagem do  sistema da escrita. Mas,  como vimos anteriormente, a  leitura nem  começa e nem acaba 

com essa aprendizagem. Decodificar  (reconhecer) as  letras, as sílabas que compõem a palavra é apenas um 

meio (necessário, imprescindível) para se efetivar a leitura da palavra, que, repito, não se esgota nesse gesto 

de identificação/reconhecimento.  

Torna‐se  interessante  observar  que,  quando  a  própria  escola  toma  a  leitura  como  fonte  para  a 

aprendizagem  de  outros  conteúdos  de  ensino  (História,  Geografia,  Matemática  etc.),  deveria  ter  como 

pressuposto  básico  o  fato  de  que  ler  não  é  apenas  decodificar,  mas  envolve,  fundamentalmente, 

compreensão, reflexão. Contudo, a noção de leitura como decodificação se faz presente na escola em vários 

momentos.  Basta  verificar,  por  exemplo,  o  livro  didático,  através,  principalmente,  de  suas  atividades  de 

“compreensão de texto”. Em geral são atividades que solicitam tão somente que o aluno identifique aspectos 

que estão visivelmente representados na materialidade do texto, que passa a ser visto como possuindo um 

sentido único que  cabe ao aluno apreender. Quando  isso ocorre,  também  se está  supondo a  leitura  como 

mera decodificação do escrito e o leitor como um sujeito passivo a quem compete tão somente recuperar um 

sentido  que  está  objetivamente  dado  no  texto.  Em  outras  palavras,  a  leitura  é  reduzida  a  uma  atividade 

mecânica: exige‐se do aluno apenas que responda às questões formuladas sobre o texto, as quais, em geral, 

visam levá‐lo a depreender (identificar) o sentido lingüisticamente marcado no texto.  

Quais  as  conseqüências  dessa  noção  para  a  aprendizagem?  Essa  compreensão  de  leitura,  ao 

transferir o sentido para o texto e limitar o papel do leitor a um mero decodificador da escrita, tem como base 

uma  concepção de  linguagem  como um mero  sistema de  signos que o  falante/leitor deve dominar e uma 

concepção de texto como um somatório de palavras e frases. Ou seja, se o leitor não consegue compreender 

o texto, conclui‐se que a culpa é dele que ainda não domina o código lingüístico, porque se dominasse iria ver 

que tudo estava ali dito claramente.  

Há duas atitudes comuns a essa perspectiva: uma consiste na sacralização do texto que diz tudo. Por 

isso, o leitor não pode fugir “do que o texto quis dizer”, ou seja, qualquer leitura precisa ser comprovada no 

texto. Outra atitude, não necessariamente excludente, consiste na sacralização do autor. “Não foi isso que o 

autor quis dizer” é uma frase que traduz muito bem essa postura diante de qualquer leitura com a qual não se 

concorde.  Em  qualquer  das  duas  atitudes,  nega‐se  o  lugar  do  leitor,  anula‐se  a  sua  função  de  leitor. 

LETRAS LIBRAS |  55 

 

Desconhece‐se, de um  lado,  a história do  leitor  e, de outro,  a 

historicidade do texto, do seu autor e da(s) sua(s) leitura(s).  

Mas,  afinal,  o  que  é  a  leitura?  Ou  de  outro  modo: 

como  lemos?  Como  aprendemos  a  ler?  Que  gesto  é  esse?  

Centremos,  por  um  momento,  a  nossa  atenção  no  ato  de 

aprender  a  ler,  a  partir  de  um  breve  resgate  daquilo  que  o 

conhecimento sobre a leitura produziu nos últimos anos.  

Pesquisas desenvolvidas aqui no Brasil, principalmente 

a partir das décadas de 80 e 90 do século XX,  têm retomado o 

problema da recepção, enfocando o papel do  leitor na ação de 

ler. 

 

A leitura numa perspectiva cognitivista

 

Numa  perspectiva  cognitivista,  as  pesquisas  se 

voltaram  para  a  análise  dos  mecanismos  envolvidos  no 

processamento  cognitivo da  informação  recebida pelo  leitor, a 

partir  da  percepção  visual  do  objeto  (texto).  Essas  pesquisas 

ajudaram  a  entender,  por  exemplo,  por  que  o  aluno  na  fase 

inicial de alfabetização lê tão devagar, se comparado a um leitor 

que  já  domina  o  código  lingüístico.  O  aluno  que  ainda  não 

domina o código lingüístico tende a fixar os olhos nos elementos 

mínimos  (letras, sílabas, palavras), numa  leitura absolutamente 

linear,  diferente  do  leitor  experiente  que  não  lê  palavra  por 

palavra.  O movimento  do  olho  na  página,  quando  o  leitor  já 

passou da fase de mera  identificação (decodificação) da palavra 

escrita, é descrito, por um  lado, como um movimento sacádico: 

o  olho  fixa‐se  em  pontos;  pula  de  um  trecho  para  outro.  Por 

outro lado, ao mesmo tempo em que avança, segue para frente, 

o  leitor,  dependendo  do  processamento,  do  nível  de 

compreensão que vai sendo estabelecido, da sua relação com o 

material  textual,  também  recua,  volta  para  testar  uma 

informação,  para  confirmar  a  suspeita  de  uma  palavra 

decodificada  indevidamente,  por  exemplo,  e  que  pode  levar  a 

uma compreensão indevida.   

Esse conhecimento básico, elementar –

primeiro no sentido da educação formal – nem sempre ocorre na escola. Pesquisas têm demonstrado que, numa sociedade

como a nossa (rodeada da palavra escrita por todos os lados), o aluno, quando

chega à escola, ainda que não decodifique as letras, já possui um

conhecimento sobre os usos sociais da escrita, sabe, no mínimo, que existe o

texto escrito e que ele é usado em várias situações no cotidiano dos sujeitos. Apesar

disso, esse conhecimento, advindo da experiência cotidiana do aluno, nem

sempre é levado em consideração pela escola.

[Conforme Manguel (1997, p. 42), “A leitura começa com os olhos.” Apenas para demonstrar como é antiga essa preocupação, lembramos, ainda seguindo Manguel, que a maneira como o sujeito percebe o objeto é um gesto que já preocupava os antigos filósofos, dentre os quais Aristóteles (384 – 322 a.C.). Essa ainda é uma preocupação bastante atual, principalmente, quando, do ponto de vista do ensino e da aprendizagem, a leitura permanece como uma temática tão presente.]

 

LETRAS LIBRAS| 56 

 

Esse  conhecimento permitiu  concluir que o  leitor desenvolve diferentes habilidades  e  estratégias 

para  lidar com o objeto (no nosso caso, o texto escrito). Dessa forma, foi possível compreender que quanto 

mais  o  leitor  tiver  familiaridade  com  o  texto  (em  relação  aos  seus  aspectos  formais  e  de  conteúdo) mais 

rapidamente ele irá ler. A relação leitor/ texto, portanto, passa a ser pensada a partir de habilidades do leitor 

e  de  estratégias  de  leitura,  dentre  as  quais  se  destacam:  as  estratégias  de  antecipação  ou  predição,  de 

inferência e de testagem. 

Ocorre, no entanto, que as hipóteses e as estratégias formuladas pelo leitor não são fruto do acaso. 

Antes, elas resultam do conhecimento prévio do leitor (conhecimento lingüístico e de mundo) e de uma série 

de fatores que motiva(ra)m o seu encontro com o texto, dentre os quais se destacam os objetivos da leitura, 

os interesses pela leitura, as expectativas em relação ao que se lê, as necessidades da leitura etc.   

Segundo Kato  (1985), as hipóteses acerca do  texto  são construídas a partir de esquemas mentais 

(frames, na denominação de outros estudiosos) que os sujeitos dominam acerca de eventos os mais diversos. 

Vejamos  um  exemplo  que  esclareça  essa  questão.  Suponhamos  que,  no  jornal  diário,  lemos  a  seguinte 

manchete: “Cresce o número de acidentes nas estradas brasileiras no último feriado”. Essa manchete já fará 

com que o leitor construa uma série de antecipações acerca do texto que irá ler e conseqüentemente rejeite 

outras. Especificamente nesse exemplo, do ponto de vista da articulação entre o conhecimento  lingüístico e 

de mundo,  o  leitor  será  levado  a  perceber  que  o  substantivo  “acidentes”  remete  para  um  conjunto  de 

suposições bastante amplas, a partir do que ele sabe sobre esse evento. Nesse sentido, atendo‐se apenas a 

essa marca  textual, ele  será  levado a  formular hipóteses bastante amplas, por exemplo, acerca do  tipo de 

acidente, das  vítimas do  acidente, dos possíveis  feridos ou mortos.  Já  a expressão  “estradas brasileiras” o 

levará a  limitar o campo de compreensão do esquema “acidentes”,  restringindo ao universo dos acidentes 

automobilísticos, especificamente no Brasil, e a rejeitar as demais formulações anteriores.   

Essas  são estratégias cognitivas de  leitura de que  todo  leitor, considerado proficiente,  lança mão, 

mesmo inconscientemente. Nesse sentido, os autores defendem que, embora a leitura seja um ato individual 

de construção de significado, é possível ensinar a ler.  Esse ensino deveria centrar‐se no ensino de estratégias 

de  leitura, enquanto operações  regulares  capazes de permitir uma  aproximação do  texto, de modo que o 

leitor passasse a controlar a sua leitura. 

 

 

 

Para desenvolver essas habilidades no aluno, o professor – que passa a ser tido como um mediador 

dessa aprendizagem – poderá trabalhar com modelos de estratégias específicas de leitura que levem o aluno 

a refletir conscientemente sobre essas estratégias que ele utiliza inconscientemente. Essa seria uma forma de 

LETRAS LIBRAS |  57 

 

desautomatizar  essas  estratégias  cognitivas,  transformando‐as  em  estratégias  meta‐cognitivas,  enquanto 

operações que  levariam os sujeitos  leitores a dois procedimentos básicos: uma auto‐avaliação constante da 

sua própria compreensão do texto e a definição clara de objetivos de leitura.  

Passemos a um outro exemplo a partir do qual pretendemos demonstrar como o professor poderá 

propor uma atividade de  leitura que  leve o aluno‐leitor a desenvolver uma abordagem do  texto, utilizando, 

simultaneamente, as estratégias de predição e de  checagem, a partir do  seu  conhecimento da  língua e do 

mundo. Propomos, então, uma simulação e convidamos o leitor a entrar nesse jogo, porque apresentaremos o 

texto por etapas. 

Iremos, agora, ler um texto cujo título é O aeroporto, de autoria de Carlos Drummond de Andrade. A 

partir desse título e do que sabemos sobre o autor, poderemos fazer inferências que vão desde o Gênero (será 

uma poesia, será uma crônica, será um conto?) até o conteúdo do texto (o texto tratará de um encontro no 

aeroporto,  de  uma  despedida,  de  um  acidente?). Vamos,  então,  ao  primeiro  parágrafo  do  texto  para  que 

possamos testar essas inferências: 

 

Viajou meu amigo Pedro. Fui levá-lo ao Galeão, onde esperamos três horas o seu quadrimotor. Durante esse tempo, não faltou assunto para nos entretermos, embora não falássemos da vã e numerosa matéria atual. Sempre tivemos muito assunto, e não deixamos de explorá-lo a fundo. Embora Pedro seja extremamente parco de palavras, e, a bem dizer, não se digne de pronunciar nenhuma. Quando muito, emite sílabas; o mais é conversa de gestos e expressões pelos quais se faz entender admiravelmente. É o seu sistema.

 

Duas das nossas hipóteses são confirmadas: temos um texto em prosa e parece tratar de um evento 

de despedida em um aeroporto. Ao mesmo tempo, ficamos sabendo de várias outras coisas: há um narrador 

em  primeira  pessoa  que  vai  deixar  no  aeroporto  um  amigo  que  se  chama  Pedro.  Novamente  somos 

convocados  a  levantar  outras  hipóteses:  o  narrador  sugere  que  ele  e  o  amigo  falaram  muito,  mas, 

contraditoriamente, afirma que seu amigo não pronuncia nenhuma palavra. Então, o amigo não é humano? E 

agora? Quem é esse amigo que  se entretém com  tantos assuntos, explora‐os a  fundo e, ao mesmo  tempo, 

“Quando  muito,  emite  sílabas;  o  mais  é  conversa  de  gestos  e  expressões  pelos  quais  se  faz  entender 

admiravelmente”? Se o amigo se faz entender admiravelmente por gestos e expressões, então, devemos supor 

que ele é humano? Se humano, é surdo‐mudo, esse amigo? Vamos ao segundo parágrafo do texto: 

 

Passou dois meses e meio em nossa  casa, e  foi hóspede ameno. Sorria para os moradores,  com ou  sem motivo 

plausível. Era a sua arma, não direi secreta, porque ostensiva. A vista da pessoa humana lhe dá prazer. Seu sorriso foi logo 

considerado sorriso especial, revelador de suas boas intenções para com o mundo ocidental e oriental, e em particular o 

nosso trecho de rua. Fornecedores, vizinhos e desconhecidos, gratificados com esse sorriso (encantador, apesar da falta 

de dentes), abonam a classificação. 

   

 

LETRAS LIBRAS| 58 

 

O que sabemos agora? O amigo é simpático, carismático (conquista a todos) e não tem dentes. Será 

isso suficiente para descartar as nossas hipóteses anteriores ou deveríamos mantê‐las e acrescentar outras? 

Decida você, leitor, o que fazer. E, para ajudá‐lo, vamos ao terceiro parágrafo: 

Devo dizer que Pedro, como visitante, nos deu trabalho; tinha horários especiais, comidas especiais, roupas especiais, sabonetes especiais, criados especiais. Mas sua simples presença e seu sorriso compensariam providências e privilégios maiores. Recebia tudo com naturalidade, sabendo-se merecedor das distinções, e ninguém se lembraria de achá-lo egoísta ou importuno. Suas horas de sono - e lhe apraz dormir não só à noite como principalmente de dia - eram respeitadas como ritos sagrados, a ponto de não ousarmos erguer a voz para não acordá-lo. Acordaria sorrindo, como de costume, e não se zangaria com a gente, porém nós mesmos é que não nos perdoaríamos o corte de seus sonhos. Assim, por conta de Pedro, deixamos de ouvir muito concerto para violino e orquestra, de Bach, mas também nossos olhos e ouvidos se forraram à tortura da tevê. Andando na ponta dos pés, ou descalços, levamos tropeções no escuro, mas sendo por amor de Pedro não tinha importância.

  

Observemos  que  no  parágrafo  anterior  o  narrador  afirmou  que  o  nosso  amigo  fora  um  hóspede 

ameno.  Agora,  ele  nos  diz  que  esse  hóspede  ameno  foi  um  visitante  que  deu  trabalho:  “tinha  horários 

especiais, comidas especiais, roupas especiais, sabonetes especiais, criados especiais.” Um visitante, cheio de 

melindres, que impôs tantas restrições aos seus anfitriões e, ainda assim, é considerado merecedor de tantos 

mimos. Quem é esse visitante? Deixemos o narrador falar e agora vamos apresentar um trecho maior: 

 

Objetos que visse em nossa mão, requisitava-os. Gosta de óculos alheio (e não os usa), relógios de pulso, copos, xícaras e vidros em geral, artigos de escritório, botões simples ou de punho. Não é colecionador; gosta das coisas para pegá-las, mirá-las e (é seu costume ou sua mania, que se há de fazer) pô-las na boca. Quem não o conhecer dirá que é péssimo costume, porém duvido que mantenha este juízo diante de Pedro, de seu sorriso sem malícia e de suas pupilas azuis - porque me esquecia de dizer que tem olhos azuis, cor que afasta qualquer suspeita ou acusação apressada, sobre a razão íntima de seus atos.

Poderia acusá-lo de incontinência, porque não sabia distinguir entre os cômodos, e o que lhe ocorria fazer, fazia em qualquer parte? Zangar-me com ele porque destruiu a lâmpada do escritório? Não. Jamais me voltei para Pedro que ele não me sorrisse; tivesse eu um impulso de irritação, e me sentiria desarmado com a sua azul maneira de olhar-me. Eu sabia que essas coisas eram indiferentes à nossa amizade – e, até, que a nossa amizade lhe conferia caráter necessário de prova; ou gratuito, de poesia e jogo. 

 

 

Já é possível dizer quem é esse hospede merecedor de tanta distinção? Não pronuncia palavras, não 

tem  dentes,  não  usa  óculos,  gosta  de  pegar  tudo  que  está  ao  seu  alcance,  leva  tudo  à  boca,  faz  suas 

necessidades fisiológicas em qualquer lugar ([...] “o que lhe ocorria fazer, fazia em qualquer parte”) e continua 

digno de amor, de atenção e a quem tudo se desculpa. Esses indícios ajudam a desvendar o mistério? Vamos 

ao final do texto:  

 

Viajou meu amigo Pedro. Fico refletindo na falta que faz um amigo de um ano de idade a seu companheiro já vivido e puído. De repente o aeroporto ficou vazio.

 

LETRAS LIBRAS |  59 

 

Para que  você,  leitor, possa  fazer  a  sua  leitura,  construir os  seus  sentidos  e  apreciar  a escrita de 

Drummond, apresentamos o texto sem cortes: 

 

 

O AEROPORTO

Carlos Drummond de Andrade

Viajou meu amigo Pedro. Fui levá-lo ao Galeão, onde esperamos três horas o seu quadrimotor. Durante esse tempo, não faltou assunto para nos entretermos, embora não falássemos da vã e numerosa matéria atual. Sempre tivemos muito assunto, e não deixamos de explorá-lo a fundo. Embora Pedro seja extremamente parco de palavras, e, a bem dizer, não se digne de pronunciar nenhuma. Quando muito, emite sílabas; o mais é conversa de gestos e expressões pelos quais se faz entender admiravelmente. É o seu sistema.

Passou dois meses e meio em nossa casa, e foi hóspede ameno. Sorria para os moradores, com ou sem motivo plausível. Era a sua arma, não direi secreta, porque ostensiva. A vista da pessoa humana lhe dá prazer. Seu sorriso foi logo considerado sorriso especial, revelador de suas boas intenções para com o mundo ocidental e oriental, e em particular o nosso trecho de rua. Fornecedores, vizinhos e desconhecidos, gratificados com esse sorriso (encantador, apesar da falta de dentes), abonam a classificação.

Devo dizer que Pedro, como visitante, nos deu trabalho; tinha horários especiais, comidas especiais, roupas especiais, sabonetes especiais, criados especiais. Mas sua simples presença e seu sorriso compensariam providências e privilégios maiores. Recebia tudo com naturalidade, sabendo-se merecedor das distinções, e ninguém se lembraria de achá-lo egoísta ou importuno. Suas horas de sono - e lhe apraz dormir não só à noite como principalmente de dia - eram respeitadas como ritos sagrados, a ponto de não ousarmos erguer a voz para não acordá-lo. Acordaria sorrindo, como de costume, e não se zangaria com a gente, porém nós mesmos é que não nos perdoaríamos o corte de seus sonhos. Assim, por conta de Pedro, deixamos de ouvir muito concerto para violino e orquestra, de Bach, mas também nossos olhos e ouvidos se forraram à tortura da tevê. Andando na ponta dos pés, ou descalços, levamos tropeções no escuro, mas sendo por amor de Pedro não tinha importância.

Objetos que visse em nossa mão, requisitava-os. Gosta de óculos alheio (e não os usa), relógios de pulso, copos, xícaras e vidros em geral, artigos de escritório, botões simples ou de punho. Não é colecionador; gosta das coisas para pegá-las, mirá-las e (é seu costume ou sua mania, que se há de fazer) pô-las na boca. Quem não o conhecer dirá que é péssimo costume, porém duvido que mantenha este juízo diante de Pedro, de seu sorriso sem malícia e de suas pupilas azuis - porque me esquecia de dizer que tem olhos azuis, cor que afasta qualquer suspeita ou acusação apressada, sobre a razão íntima de seus atos.

Poderia acusá-lo de incontinência, porque não sabia distinguir entre os cômodos, e o que lhe ocorria fazer, fazia em qualquer parte? Zangar-me com ele porque destruiu a lâmpada do escritório? Não. Jamais me voltei para Pedro que ele não me sorrisse; tivesse eu um impulso de irritação, e me sentiria desarmado com a sua azul maneira de olhar-me. Eu sabia que essas coisas eram indiferentes à nossa amizade – e, até, que a nossa amizade lhe conferia caráter necessário de prova; ou gratuito, de poesia e jogo.

Viajou meu amigo Pedro. Fico refletindo na falta que faz um amigo de um ano de idade a seu companheiro já vivido e puído. De repente o aeroporto ficou vazio.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Cadeira de balanço. Reprod. Em: Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: José Aguilar,

1973, p.1107-1108

 

 

Não  fecharemos a  leitura, ao contrário, convocamos cada um a produzir sentidos para esse  texto. 

Esperamos  que  essa  simulação  tenha  demonstrado  que,  do  ponto  de  vista  do  ensino,  esse  conhecimento 

permite ao professor elaborar atividades de abordagem do texto que levem o aluno a lidar com as estratégias 

 

LETRAS LIBRAS| 60 

 

cognitivas de leitura de uma forma mais consciente. Inclusive, esperamos que a atividade tenha demonstrado 

que nem toda leitura é autorizada pelo texto.  

Evidentemente  não  podemos  negar  que  pode  haver  a  suposição  de  que  essa  estratégia  de 

abordagem do texto leve o aluno a um controle total do seu processo de leitura e a um conseqüente acesso 

ao sentido do texto, como se esse tivesse apenas um sentido, objetivamente controlável. Essa é uma  ilusão 

com  a  qual  não  compartilhamos. Além  disso,  é  preciso  acrescentar  que  nem  todo  texto  se  presta  a  esse 

método de abordagem.  

A crítica que se faz à perspectiva cognitivista consiste no fato de limitar a  leitura aos seus aspectos 

mais técnicos, focados principalmente nas pistas do texto, sem considerar o caráter sócio‐histórico da leitura 

enquanto prática que coloca em  jogo uma relação entre sujeitos – o autor e o  leitor – mediada pelo  texto. 

Nesse  sentido,  essa  concepção  nem  sempre  dá  conta  do  imprevisível,  da  novidade  que  se  constrói  nessa 

relação, inclusive, jogando com a quebra de expectativas do leitor.  

Contudo, é preciso reconhecer a contribuição que ela traz para o ensino da  leitura, na medida em 

que  oferece  ao  professor  um  conhecimento  que  permite  a  formulação  de metodologias  que  respeitem  o 

modo como, do ponto de vista cognitivo, o sujeito se apropria do conhecimento.  

 

 

 

Leitura numa perspectiva sociointeracionista

 

Numa  perspectiva  sociointeracionista,  a  leitura  tem  sido  considerada  a  partir  da  concepção  de 

linguagem  como  interação,  oriunda,  principalmente,  dos  estudos  de  Bakhtin,  para  quem  a  palavra  “é 

determinada  tanto  pelo  fato  de  que  procede  de  alguém  como  pelo  fato  de  que  se  dirige  para  alguém.” 

(BAKHTIN, 1986  [1929], p. 113). A concepção de  linguagem que embasa essa perspectiva é, portanto, a de 

linguagem  como  interação  entre  sujeitos  determinados  sócio  e  historicamente.  Isso  significa  dizer  que  o 

sentido das palavras é determinado por seu contexto, em sentido amplo, pela situação social mais imediata e 

pelo meio social mais amplo. Dessa forma, a leitura passa a ser concebida a partir da relação entre os sujeitos 

leitor e autor, mediada pelo texto. Falando de forma bem sempre, podemos dizer que – semelhante ao que 

ocorre com um diálogo que supõe a presença de um locutor e de um ouvinte – a escrita supõe, sempre e ao 

mesmo tempo, alguém que escreve e alguém que lê.  

Evidentemente, do ponto de  vista da aprendizagem, não  se desconsideram os processos mentais 

que  o  leitor  desenvolve  no  seu  encontro  com  o  texto. Mas  defende‐se  que  é  preciso  ir mais  além.  Em 

conseqüência, acredita‐se que não há  lugar para a  separação entre  leitor e  texto e entre  leitor e autor. O 

LETRAS LIBRAS |  61 

 

processo interativo supõe a relação entre interlocutores construída, mediada pelo texto, que também impõe 

limites.  

Voltemos  ao  texto  “A  água”,  citado  no  início  dessa  unidade.  Se  o  leitor  não  souber  que  o  autor 

daquele  texto  é Millor  Fernandes  ou  se  ele  não  souber  nada  sobre  esse  autor,  certamente  fará  a  leitura 

daquele  texto  tão‐somente  a  partir  dos  elementos  lingüísticos  que  o  constituem  e  fatalmente  chegará  à 

conclusão de que se trata de um texto mal escrito e cheio de bobeiras. Se, por outro lado, ele conhecer Millor, 

estiver  familiarizado  com  a  sua  escrita  e  se  souber  que  esse  texto  faz  parte  de  um  livro  cujo  título  é 

“Conpozissõis  imfatis”,  ele  deverá  considerar  esses  aspectos  para  a  construção  de  outras  leituras. 

Verifiquemos que o texto não se modificou enquanto mera materialidade, mas essa materialidade foi alterada 

(afetada)  pelo  reconhecimento  de  um  outro  elemento  da  relação  interlocutiva:  o  autor,  aqui  considerado 

como alguém responsável pelo dizer, pela coerência  interna e externa do texto. Como o sujeito‐autor desse 

texto é reconhecido como alguém que sabe escrever (tem vários livros publicados, tem uma legião de leitores 

que o admiram, é considerado como um autor que usa o humor e a  ironia como  ingredientes para a crítica 

social), os problemas do texto não podem ser atribuídos à incompetência do autor.  

Observe  que  novamente  entra  em  cena  o  leitor:  seu  conhecimento  de mundo,  suas  leituras  de 

outros textos. Dentre as possíveis  leituras, haverá a possibilidade de que, por um  lado, esse texto possa ser 

lido como uma crítica às composições  infantis – cheias de erros ortográficos (tal como se revela no título do 

livro),  plenas  de  construções  absurdas  –  e,  por  outro,  como  uma  crítica  à  escola,  que  leva  os  alunos  a 

produzirem textos daquela natureza. Mas há ainda a possibilidade de que o texto seja um reconhecimento de 

que essas composições não são tão absurdas quanto se  imagina. Afinal, não podemos nos esquecer de que 

elas  lembram  o  humor  e  non‐sense  que  também  está  presente  na  pena  de  escritores,  tidos  como  bons, 

competentes, inspirados, criativos e tantos outros adjetivos que usamos para qualificar o bom escritor.   

Dessa forma, o nosso exemplo demonstra que o texto – apesar de não impor uma única leitura – na 

sua  relação com o autor,  impõe um modo de  recepção que  limita a  leitura, ou seja, a  leitura não pode ser 

qualquer  uma:  não  podemos,  por  exemplo,  dizer  que  o  texto  demonstra  que Millor  Fernandes  não  sabe 

escrever. E o que nos permite afirmar isso é o conhecimento que nós leitores temos sobre esse autor. Ou seja, 

o mesmo exemplo ainda nos ensina que as possíveis  leituras do  texto dependerão do  leitor. Sendo assim, 

torna‐se necessário considerar no ato de ler a tríade: leitor, texto, autor. 

 

 

 

LETRAS LIBRAS| 62 

 

A leitura numa perspectiva discursiva: o confronto entre sujeitos  

Numa  perspectiva  discursiva,  a  leitura  é  considerada  como  produção  de  sentidos.  Semelhante  à 

perspectiva anterior, também se ressalta a leitura como um processo dinâmico que envolve sujeitos (leitor e 

autor)  mediados  pelo  texto,  mas  enfatiza‐se  principalmente  a  leitura  como  práticas  históricas,  sociais  e 

culturais. Nessa perspectiva,  interessa‐nos pensar que existem diferentes modos de  leitura, decorrentes de 

vários fatores, dentre os quais destacamos: 

a. O leitor, seus objetivos de leitura (ler para quê: para cumprir uma tarefa escolar, para se informar, para se distrair, para interagir com outros leitores, para fugir do mundo?), suas histórias de leitura, suas experiências com o texto escrito (como ele lê, o que lê, onde, quando, com que freqüência lê?);

b. O texto, sua historicidade (quando foi escrito, como foi lido antes (se foi lido), a sua relação com o conteúdo do dizer, com outros textos que tratam do mesmo assunto);

c. O autor, suas histórias de leitura, suas histórias de escritor que validam as possíveis leituras (escritor de vários textos, de vários leitores, escritores anônimos, “mercadores de coisas nenhuma”);

d. As instituições (dentre as quais a Escola, a Igreja, a Família) que impõem leituras, obrigam o leitor a ler de tal maneira e proíbem ou limitam outras leituras;

e. Os gêneros textuais/discursivos que já impõem uma maneira de ler o texto. Sabemos, por exemplo, que uma piada não pretende, em princípio, provar o choro em ninguém; que uma lista telefônica possui um objetivo bem específico; que uma carta já possui objetivos os mais diversos (fazer rir, fazer chorar, solicitar algo, informar algo) etc.

f. Os suportes (o livro, a revista, o jornal, o outdoor, o e-mail etc.) que também determinam diferenças maneiras de circulação e modos de recepção do texto.

Todos esses fatores demonstram que o leitor não é totalmente livre para ler o que quiser ou como 

quiser ou, até mesmo, onde quiser. Lembremos, para efeito de  ilustração, que, durante uma aula, a  leitura 

permitida é aquela determinada pelo professor; durante uma missa ou um culto, dificilmente será permitido 

que  alguém  leia  um  romance,  um  livro  de  piada,  ou mesmo  uma  receita  de  bolo.  Evidentemente,  esses 

exemplos também demonstram que o leitor procura brechas para burlar as imposições das instituições.  

Esperamos  ter  deixado  claro  que  compreender  a  leitura  como  prática  significa  conceber  a 

articulação  entre  a  leitura  e  a  escrita. Quem  escreve  produz  sentidos  e  quem  lê  produz  sentidos. Quem 

escreve constrói do seu lugar de escritor um leitor (ou a imagem de um leitor) que pode corresponder ou não 

ao leitor real. O leitor real, por sua vez, depara‐se com um objeto de leitura (o texto) com o qual estabelece 

uma  relação  complexa,  quer  seja  de  identificação,  de  estranhamento,  de  indiferença,  de  alheamento.  O 

confronto entre esses sujeitos – aquele que escreve e aquele que  lê – constrói possibilidades de sentidos. É 

por isso que vários autores, dentre os quais Orlandi (1986), afirmam que a leitura não é uma questão de tudo 

ou nada, ou seja, não existe um grau zero de leitura, assim como não existe um grau dez. Trata‐se de níveis de 

leitura. 

Essas considerações nos levam a destacar que o texto tem sido pensado cada vez mais em relação às 

suas condições de produção de escrita e de  leitura. Do ponto de vista do ensino da  leitura, essa perspectiva 

nos permite  reconhecer algumas questões básicas.   Quanto à perspectiva do autor,  temos que  considerar: 

LETRAS LIBRAS |  63 

 

quem (o autor) escreve o que (o texto) sobre o que (o conteúdo do dizer) para quem (o leitor virtual) como (o 

modo de dizer) onde (o suporte do texto). Quanto à perspectiva do leitor, torna‐se imprescindível considerar: 

quem  (quem é esse  leitor)  ler o que  (o texto), sobre o que  (o conteúdo do dizer) para que  (os objetivos de 

leitura), como (os modos de ler) etc.  

Notemos  que,  nessa  perspectiva,  do  ponto  de  vista  do  ensino  da  leitura,  é  preciso  considerar  a 

história de leitura do leitor (leitor de primeira viagem, leitor de um texto só, de vários textos de um só gênero, 

de  vários  textos  de  diferentes  gêneros?).  Dito  em  outras  palavras,  as  possibilidades  de  leitura  do  texto 

dependem não apenas do conhecimento lingüístico do leitor, mas também de suas experiências de leitura, de 

suas histórias de leitor. Nesse sentido, o papel do professor ganha uma outra dimensão. Como afirma Geraldi 

(1993),  cabe  ao professor entender  a  “caminhada  interpretativa” do  aluno‐leitor e  contribuir para  ampliar 

essas possibilidades de leitura. Quando esse professor coteja leituras diferentes de um mesmo texto, quando 

trabalha com diferentes textos, diferentes gêneros, explora diferentes suportes, certamente estará contribui 

para ampliar a história de leitura de seus alunos.  

Passaremos  à  leitura  de  um  texto  para  que  possamos  observar  vários  dos  aspectos  até  aqui 

discutidos. Partiremos de um  texto  apresentado  em um  livro didático  (LD) do  Ensino Médio. A opção por 

recorrer ao LD deve‐se, em primeiro  lugar, ao fato de esse ser um  instrumento de ensino a que o professor, 

direta ou indiretamente, sempre recorre; segundo, gostaríamos de observar como o professor poderá ir além 

do que propõe o LD.  Passemos, então, ao texto apresentado no LD e às atividades propostas pelos autores do 

manual: 

 

 

LETRAS LIBRAS| 64 

 

Inicialmente chamamos a sua atenção para as questões 1 e 2 formuladas pelos autores do LD acerca 

da tira de Angeli. Consideramos não ser exagero afirmar que essas questões têm como objetivo simplesmente 

verificar  se  o  aluno  domina  os  conceitos  de  conotação  e  denotação.  Esse  nos  parece  um  objetivo 

extremamente  limitador,  à medida  que  restringe  a  leitura  do  texto  à  identificação  da  dicotomia:  sentido 

denotativo/sentido  conotativo e  isso é muito pouco para  a  leitura de um  texto. Na  verdade, não  se pode 

sequer dizer que os autores do LD propõem uma leitura do texto. Além disso, o texto que aparece ao lado das 

perguntas passa a não ter nenhuma função, a menos que o professor amplie a leitura proposta pelos autores 

do LD. Vejamos, então, que, caso o professor não perceba essa limitação, perderá uma ótima oportunidade de 

realizar com os alunos vários modos de ler esse texto.  

Façamos um exercício de leitura. Primeiro iniciemos observando os aspectos lingüísticos do texto. A 

expressão “Yes, nós  temos...”  se completa  lingüisticamente a  cada quadrinho apresentado, e cada vez  traz 

novos elementos ao texto e constrói a possibilidade de novas  leituras. Vejamos esquematicamente como se 

apresentam os complementos do verbo ter:  

 

“Yes, nós temos ... um corrupto a cada esquina.” “Yes, nós temos...um assalto a cada segundo.” “Yes, nós temos...um analfabeto a cada metro quadrado.” “Yes, nós temos...um desempregado em cada família” “Yes, nós temos...bilhões de eleitores e contribuintes.”

  

Não podemos nos esquecer de que a cada ocorrência a linguagem não‐verbal reforça a significação 

da  linguagem  verbal.  Ademais,  precisamos  também  registrar  a  importância  da  reticência  para  o 

encadeamento  sintático que  se dá  sempre diferente a  cada  retomada da expressão  “Yes, nós  temos...”. O 

leitor vê passar diante de si um filme sobre as mazelas do Brasil. Do Brasil, como assim se esses são problemas 

comuns  a  vários  outros  países?  E  como  sabemos  se  em  lugar  nenhum  do  texto  aparece  a  palavra Brasil? 

Vamos ao último quadrinho ou à última cena para ver se encontramos alguma resposta. Há alguma palavra 

que nos ajude? O  leitor apressado dirá: Não,  lá aparecem  três personagens: dois – que, pela caricatura das 

roupas, das máquinas fotográficas, pode‐se  inferir tratar‐se de turistas – e um outro – que, caso se aceite a 

inferência sobre os turistas, poderá ser considerado como um guia turístico. O leitor atento verá que, no canto 

direito do último quadro, aparece o nome do autor: Angeli. E  fora do quadro, aparece o nome do  jornal  (o 

suporte) do qual foi retirado o texto de Angeli e a data de sua publicação. Esses dados – o autor, o suporte do 

texto, a data de publicação – nos informam que o texto trata dos problemas do Brasil, retratados em 2000. O 

leitor, que lê em 2007, atento à realidade política, econômica, cultural e social do país, reconhece as mazelas 

enumeradas e é capaz de recuperar a ironia presente no último quadrinho. Mas não só isso.    

O autor do texto – quando usa a expressão Yes, nós temos... – cria uma relação intertextual explicita, 

remetendo  diretamente  para  um  outro  texto:  “Yes,  Nós  temos  banana”,  canção  de  Braguinha  e  Alberto 

Ribeiro, criado no final da década de 30 e bastante conhecida até hoje, visto que atualizada a cada carnaval. 

LETRAS LIBRAS |  65 

 

Observemos que os autores do LD, embora não explorem essa relação entre os dois textos, reconhecem essa 

intertextualidade, visto que colocam informações sobre esse outro texto em um quadro ao lado das perguntas 

elaboradas. Nesse caso, o que significa ler esse texto de Angeli – recheado de ironia e humor – confrontando‐

o com o texto de Braguinha – que, na voz de Carmem Miranda, foi cantado e decantado como uma “ingênua” 

marchinha de carnaval? Significa, dentre outras possibilidades, confrontar maneiras diferentes de ler o Brasil, 

o seu povo e seus problemas. Esse confronto, necessário para a compreensão do texto de Angeli – nos levaria 

a  perceber  que  são  vários  os  sentidos  que  poderíamos  atribuir  às  bananas  e  aos  bananas  em  diferentes 

épocas e lugares.  

Esse  exemplo  nos mostra,  por  um  lado,  que  a  construção  de  sentidos  para  o  texto  depende  da 

capacidade do  leitor de estabelecer relações de sentido entre o que é dito em um texto e o que é dito em 

outros textos. Por outro lado, nos ensina que existem sentidos, mas esses não podem ser qualquer um, já que 

existem determinações (lingüísticas, sociais, culturais e históricas), relacionadas aos textos, aos leitores e aos 

autores, que limitam os sentidos.  

Na escola, muitas vezes, o aluno lê apenas para dizer que sabe ler (que sabe decodificar ou vocalizar 

o escrito). As perspectivas aqui apresentadas demonstram que é possível ensinar a ler e que esse ensino não 

se encerra no mero reconhecimento do código lingüístico. Os objetivos de leitura, ainda que na escola, podem 

e devem ser ampliados; as estratégias de  leitura podem ser múltiplas. Enfim, as possibilidades de  leitura se 

ampliam quando reconhecemos que os textos não possuem um sentido, mas sentidos; quando confrontamos 

leituras, textos; quando sabemos que não se  lê o mesmo texto da mesma maneira, ainda que o  leitor seja o 

mesmo;  quando  reconhecemos  que,  a  cada  vez  que  voltamos  a  um  texto,  o  lemos  de modo  diferente, 

exatamente porque  já não somos os mesmos: mudou nosso conhecimento  lingüístico, nosso conhecimento 

de mundo, nossos objetivos já não são os mesmo, até nosso humor alterou‐se.  

 

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS| 66 

 

II UNIDADE

CONCEITO DE GÊNERO: DESCRIÇÃO E FUNCIONALIDADE  

 

Conforme  esclarecemos no  início deste  capítulo,  a  II unidade  tem  como objetivo  apresentar uma 

visão geral do conceito de gênero – partindo da tradição literária até os dias atuais –, bem como sua descrição 

e funcionalidade. Comecemos então, por uma revisão da literatura sobre a noção de gênero.  

         

Uma breve retrospectiva   

No campo dos estudos da linguagem, os gêneros textuais talvez sejam um dos objetos de estudo que 

melhor  representem a  interdisciplinaridade entre as áreas de    conhecimento   envolvidas    com    fenômenos  

sócio‐culturais, cognitivos  e  lingüísticos. 

O  sentido  do  termo  gênero  na  acepção  utilizada  na  lingüística  esteve    originalmente  ligado    à  

tradição   da   Antigüidade   greco‐latina   e   vinculado   aos   gêneros    literários.  Iniciou‐se  com Platão  com o 

estabelecimento das  três modalidades de mimésis: a  tragédia, a épica e a  lírica. Firmou‐se com Aristóteles, 

quando  sistematizou uma  teoria de gêneros   e   da natureza do discurso, na   qual há uma estreita    relação  

entre    autor,  ouvinte  e  gênero,  dando  origem  às  três modalidades  de  discurso  retórico:  o    deliberativo, o 

judiciário e o epidítico. Passa pela Idade Média, Renascimento, Modernidade até chegar aos dias atuais. Nesse 

percurso,  a  sua  área  de  abrangência,  antes  restrita  aos  textos  literários,  ampliou‐se  bastante  passando  a 

incorporar todas as esferas de uso da língua. 

Nas duas últimas décadas do século passado, era freqüente a utilização do termo   gênero   para   se  

referir  ao  que  hoje  convencionamos  identificar  como  tipos  textuais: narração, descrição, argumentação, 

exposição e injunção. Essa imprecisão terminológica  tem  persistido  nos  dias  atuais, pois  ainda  é  possível  

encontrar  livros  didáticos  tanto  na  área  de  literatura, como  nas  coleções  de  língua  portuguesa  adotadas  

para   a   2ª    fase   do   ensino    fundamental   que   apresentam    contradições   no   emprego   do    termo: ora  

utilizado  em  referência  a  um  exemplar  prototípico  de  texto  como  carta, resumo  ou  entrevista, ora em 

referência às seqüências ou  modalidades  discursivas  que  se  revelam  nas estruturas do texto – descritiva, 

narrativa  e  argumentativa,  representantes    da    tipologia    triádica    tradicional  (cf.  BIASI‐RODRIGUES,  2002, 

p.50).  

Até  mesmo  entre  os  especialistas  da  área  existem  problemas  de  caráter    terminológico.  A 

diversidade  no  emprego  dos  termos  está  condicionada  à  orientação    teórica    seguida    pelos    grupos    de  

estudo. Assim,  gêneros  do  discurso  –  para    alguns    teóricos  (BAKHTIN,  1992  [1979])  ‐  correspondem    aos  

gêneros   textuais (BRONCKART, 1999; SCHNEUWLY, 1994,1996; DOLZ,1996; MARCUSCHI, 2002) para   outros. 

LETRAS LIBRAS |  67 

 

Os  tipos  textuais  também  são  reconhecidos  como  seqüências  textuais  ou   modalidades  retóricas. O  que 

parece ter‐se tornado consensual é a utilização da  expressão  tipo  ou  modalidade  retórica  para  se  referir  

às  estruturas  mínimas  responsáveis  pela  composição  textual, cabendo portanto  ao  gênero  a  designação  

do  exemplar  concreto  de  texto.    

Depois da divulgação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) entre os  professores  do  ensino  

público   e   privado, os   gêneros    textuais, em   sua   nova   acepção,  tornaram‐se   mais   populares e surgiu a 

necessidade  de  conhecê‐los  melhor. Existe  uma  forte  orientação  contida  nos PCN (1997) na  direção  de  

trabalhar   a   produção   e    interpretação de textos usando os gêneros   como ferramenta metodológica. Para 

que    essa    orientação    seja    de    fato    adotada,  e    implementada    com    êxito,  faz‐se  necessário    um  

conhecimento  maior  sobre  os  gêneros  para  entender  melhor  sua  natureza  social  e  sua  constituição.    

 

AFINAL, O QUE VEM A SER GÊNERO?

O conceito de gênero e tipo  Schneuwly (2004) avalia que a moda das tipologias cedeu  lugar à dos gêneros. Contudo, acrescenta 

que,  apesar  de  não  dispensar  uma  grande  atenção  à  classificação  de  tipologias,  admite  a  necessidade  e  a 

utilidade  do  conceito  de  tipo  de  texto  para  uma  teoria  do  desenvolvimento  da  linguagem.  A  respeito  da 

distinção entre tipo e gênero textual, Marcuschi (2002, p.22‐23)  esclarece: 

                      

(a) Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de construção teórica definida pela natureza lingüística de sua composição {aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas}. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. (b) Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. Se os tipos textuais são apenas meia dúzia, os gêneros são inúmeros. Alguns exemplos de gêneros textuais seriam: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, reportagem jornalística, aula expositiva, reunião de condomínio, notícia [...] carta eletrônica, bate-papo por computador, aulas virtuais e assim por diante.

  

          

 

 

LETRAS LIBRAS| 68 

 

 A noção de suporte  

  Além da distinção entre gênero e  tipo,  também é  importante destacar a noção de  suporte. 

Um mesmo gênero pode circular em diferentes suportes. Uma notícia pode circular em jornais ou na internet, 

uma  crônica pode  ser publicada em um  livro ou  revista  literária. Temos  como exemplos de  suporte:  livro, 

jornal, revista, dicionário, televisão, outdoor, cd‐rom etc. 

 

 

 

                                                                                                                  

As bases de uma teoria   Um dos primeiros estudiosos a sistematizar uma teoria sobre os gêneros foi Bakhtin (1992 [1979]), 

que  continua  sendo  uma  referência  para  este  tema.    A  sua  idéia  dos  “tipos  relativamente  estáveis  de 

enunciados”,  certamente,  inspirou muitos  outros  teóricos  que  a  ele  sucederam.  Ele  defendeu  esta  idéia, 

argumentando que se toda vez em que fôssemos nos comunicar, tivéssemos de criar ou  inventar meios para 

agir  lingüisticamente,  a  comunicação  não  seria  possível.  Caberia,  então,  à  sociedade  criar  essas  formas 

relativamente  estáveis  de  textos  –  que  se  apresentam  sob  a  forma  de  gêneros  do    discurso  –    para    que  

servissem   como   elemento   mediador   nas    interações  lingüísticas. Para o autor, as pessoas se comunicam 

usando gêneros: 

Aprender    a    falar    é    aprender  a  estruturar    enunciados  [...]. Os    gêneros    do    discurso 

organizam   a   nossa   fala   da   mesma   maneira   que   a   organizam   as   formas   gramaticais 

(sintáticas). Aprendemos  a  moldar  nossa  fala  às  formas  de  gênero, e, ao ouvir a fala do 

outro, sabemos de  imediato, bem nas primeira palavras, pressentir‐lhe o gênero, adivinhar‐

lhe    o    volume  (a    extensão)  aproximada    do    todo    discursivo,  a    dada    estrutura  

composicional,  prever‐lhe  o    fim,  ou    seja,  desde    o    início,  somos    sensíveis    ao  todo  

discursivo    que,  em    seguida,  no    processo    da    fala,  evidenciará    suas    diferenciações 

(BAKHTIN, 1992 [1979], p. 302). 

 

Bakhtin  reconhece  a  grande diversidade dos  gêneros  (orais e escritos), mas não    apresenta   uma  

tipologia   propriamente   dita.   Para o autor, os gêneros discursivos   dividem‐se   em   primários  (simples) – a  

conversação  oral  cotidiana  e  a  carta  pessoal – “que  são  constituídos  em  circunstâncias  de  comunicação  

verbal  espontânea ” –  e  os  gêneros  secundários (complexos) – o  romance, o  teatro, o  discurso  científico  

e   o    ideológico, e   outros   mais – que “aparecem   em   circunstâncias   de   uma   comunicação   cultural   mais  

complexa    e    relativamente    mais    evoluída,  principalmente    escrita:  artística,  científica,  sócio‐política” 

(BAKHTIN, 1992 [1979], p. 82). 

LETRAS LIBRAS |  69 

 

Mesmo admitindo essa grande diversidade   que    reveste   os   gêneros  (já   que   os   gêneros   estão  

relacionados   às   diferentes   atividades   humanas   e   ao   conseqüente   uso   da    língua   que   é   feito   nessas  

diferentes   esferas   de   atividade), Bakhtin   defende   que   essas   atividades – que   se   efetivam   através   de  

enunciados (orais  e  escritos) – não  são aleatórias, dadas  as  condições  de  constituição  dos  enunciados. 

Os gêneros não definem as situações de comunicação, são as práticas de linguagem que determinam 

a utilização de um determinado gênero. Estão envolvidos nesta situação de comunicação todos os elementos 

constitutivos  de  uma  atividade  de  produção  discursiva  (lugar  e  papel  social  dos  interlocutores,  evento 

comunicativo e o objetivo da interação) que vão definir a natureza e constituição do gênero.  

Talvez seja essa uma das contribuições bakhtinianas à teoria gêneros mais  consensualmente  aceita 

entre os  teóricos  que a ele sucederam: a  dimensão  constitutiva  dos  gêneros  composta  de  três  elementos 

(conteúdo  temático, estilo  e  construção  composicional). Estes três elementos referem‐se, respectivamente, 

ao  tema  abordado  em  um  determinado  texto;  à  seleção  feita  pelo  autor  sobre  os  recursos  lingüísticos 

disponíveis nas línguas em geral: lexicais, gramaticais, expressivos etc e, finalmente, à estrutura típica de cada 

gênero específico. Ou seja, um convite apresenta uma construção composicional diferente de uma carta de 

apresentação, por exemplo.            

Como uma decorrência  da  evolução dos  estudos  sobre o  tema, nada mais  natural,  então, que o 

estudo dos gêneros  extrapolasse  a  esfera  dos  textos   literários – tradicionalmente predominante até bem 

pouco  tempo atrás. De acordo  com  Freedman &   Medway  (1994, p.1), as   análises    recentes   enfocam   a  

vinculação   dessas   regularidades    lingüísticas   e   substantivas   às   regularidades   nas   esferas   de   atividades  

humanas.    

Portanto, essa nova maneira de enfocar o estudo  sobre gênero busca   uma    vinculação   entre   a  

identificação  de  traços  de  regularidade  nos  tipos  de  discurso  com  uma  compreensão  social  e  cultural  

mais  ampla  da  língua  em  uso. Diante  da  multiplicidade  de  gêneros  disponíveis  na  sociedade, justificam‐

se    também   as    várias    tendências encontradas   entre   os   grupos   de   estudo   que    se   ocupam   desses  

legítimos  representantes da  ação  social.   

 

 

 

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS| 70 

 

Texto 1 

 

CRÍTICA “Seja feliz! Isto é uma ordem!”

EUGÊNIO BUCCI [...] Será possível que alguém seja feliz por obediência? A felicidade pode ser produzida por um

comando, por uma ordem? Claro, qualquer um responderá que não. A idéia de felicidade, por mais precária que seja entre

nós, supõe um grau mínimo de liberdade. A gente é feliz quando faz o que quer, mesmo quando ninguém consiga saber direito o que quer e o que deseja. Felia é quem sabe o que quer e o que deseja (querer e desejar são níveis diferentes do ser e se concilia com isso.

[...] Pode até haver algum tipo de prazer em deixar-se dominar, mas não há felicidade nisso. A felicidade, pensamos e pensamos com razão, não se impõe.

Não obstante, a felicidade nos é imposta como obrigação. Digo isso a propósito da massa cada vez mais avassaladora da publicidade natalina e da programação “felicidificante” que toma conta da TV quando chegam as festas de fim de ano. As criancinhas produzidinhas multiculturaizinhas e devidamente multiétnicas entoam em torno da árvore de Natal a velhíssima canção “hoje é um novo dia de um novo tempo” etc. A moça linda chora porque ganhou um anel. Roberto Carlos geme num acorde perfeito maior. Os astros têm dentes alvos modelados na ortodôntica indústria de entretenimento e sorriem seus sorrisos pré-fabricados. Os embrulhos de Natal e os votos de feliz Ano Novo se confundem num único e ininterrupto imperativo: “Seja feliz! Isso é uma ordem!”.

É incrível como o discurso que reprime se esconde por trás do discurso que vende a felicidade como a mais preciosa das mercadorias. O discurso da TV, que é o discurso do comércio disfarçado de informação e diversão, que procura estabelecer os padrões de comportamento, obriga o telespectador a ser feliz. Como se fosse um general ou um feitor de escravos, de chicote na mão. Um comandante que ordena: “Goze, seja feliz seu verme inútil e tristonho!” O inferno quem diria?, é feito de votos de felicidade comercial. Que não são votos, mas ordens: “Compre, embriague-se de mercadorias. E depois ache tudo ótimo, inenarrável.”[...]

Folha de S. Paulo, São Paulo, 29 dez. 2002. (Fragmento

 

 Texto 2 

 

 

Ao shopping center Pelos teus círculos Vagamos sem rumo Nós almas penadas Do mundo do consumo De elevador ao céu Pela escada ao inferno: Os extremos se tocam No castigo eterno. Cada loja é um novo Prego em nossa cruz. Por mais que compremos Estamos sempre nus

LETRAS LIBRAS |  71 

 

Nós que por teus círculos Vagamos sem perdão À espera (até quando?) Da grande liquidação. João Paulo Paes. Prosas seguidas de odes mínimas. São Paulo: Cia. Das Letras, 2001  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS| 72 

 

III UNIDADE

OS GÊNEROS TEXTUAIS E O ENSINO DA LEITURA E DA ESCRITA

 

Finalmente,  nesta  terceira  unidade  trataremos  da  importância  da  utilização  dos  gêneros  textuais 

para o ensino da  leitura  e da escrita  e de  suas  implicações, enquanto procedimento metodológico, para o 

desenvolvimento dessas competências. 

 

O gênero na sala de aula  

Conforme já mencionamos anteriormente, a publicação dos PCN (1997) representou um significativo 

avanço no direcionamento dado aos estudos de língua portuguesa nas escolas brasileiras. 

Esse documento  foi elaborado dentro de uma orientação enunciativo – discursiva,  respaldada nas 

concepções teóricas bakhtinianas de  língua e gênero, e alicerçada nas propostas metodológicas do grupo de 

Genebra,  notadamente  nos  trabalhos  de  Bronckart,  Schneuwly  e  Dolz,  já mencionados  aqui  e  que  serão 

melhor aprofundados ao longo de nossa exposição. 

Os PCN receberam críticas, vindas de alguns setores da comunidade acadêmica e escolar, em relação 

ao nível de aprofundamento teórico nele presente. O seu conteúdo foi considerado insuficiente para dar conta 

de  toda a complexidade contida no conceito de gênero e na concepção de  linguagem – enquanto atividade 

discursiva  concebida  nas  relações  interpessoais  – mas,  ainda  assim,  sua  repercussão  foi  notável.  Pois  foi 

deflagrada,  a  partir  desse  momento,  uma  maior  motivação  para  buscar  meios  eficientes  que  pudessem 

promover  uma  transposição  didática  entre  as  propostas  teórico‐metodológicas  e  as  atividades  de  ensino 

desenvolvidas em sala de aula. 

Segundo Rojo (2000), um dos aspectos positivos nesse documento é que eles não foram concebidos 

como grades de objetivos e conteúdos pré‐fixados, mas como diretrizes que devem nortear os currículos e 

seus  conteúdos  mínimos,  adequados  às  necessidades  e  características  culturais  e  políticas  regionais, 

procurando fomentar a reflexão sobre os currículos estaduais e municipais. 

A proposta presente nos PCN opõe‐se ao ensino  tradicional de  língua, de  caráter mais normativo, 

sugerindo  práticas  alternativas  de  trabalho  e  reflexão  lingüística  que  se  apóiam,  substancialmente,  na 

interpretação e produção de textos diversos. 

Pode‐se  depreender  desses  princípios  norteadores  que  os  gêneros  textuais  são  eleitos  como 

legítimos objetos de ensino escolar, intensificando, portanto, os debates sobre o tema. O interessante  nesses  

debates   é   que   eles   trazem   à   tona     uma   reflexão   sobre   uma   prática   que   nunca   esteve   ausente   da  

LETRAS LIBRAS |  73 

 

escola, nem  de  qualquer  outra  instância  de  vida  social. Os gêneros estão tão incorporados à nossa vida na 

sociedade  que  muitas  vezes não  nos  damos  conta  de sua  existência materializada. 

Os  gêneros  sempre  estiveram  presentes  na  sala  de  aula,  mas  em  número  reduzido  e  não 

diversificado, e sempre revestidos de caráter  institucionalmente escolar. Se, por um  lado os alunos têm tido 

acesso – do ponto de vista da leitura – a uma maior diversidade de gêneros, por outro lado, no que se refere à 

produção escrita, essa diversidade praticamente não existe.  

Não obstante as orientações divulgadas nos PCN há quase dez anos, na nossa realidade educacional, 

os  alunos  ainda  têm  pouca  oportunidade  de  produzir  textos    concretos,  reais    e    verdadeiramente  

significativos. De maneira geral, não se exercita a  linguagem escrita  (do ponto de  vista  discursivo) em  sala  

de   aula, o   que   se   exercita   predominantemente   é   a    língua   em   seus   domínios   sintático, morfológico, 

lexical   e    fonológico.  Em  relação  aos  gêneros   orais,    a    situação   não    é   muito   diferente, poucos  livros 

didáticos exploram o trabalho com os gêneros nessa modalidade.  

Reside, aí, um dos grandes desafios a ser vencido por aqueles gestores em educação envolvidos com 

a formação de professores. É necessário que os professores tenham acesso a outros textos que sirvam para 

aprofundar  as  concepções  teóricas  subjacentes  nas  propostas  dos  PCN,  de  modo  que  estas  possam  ser 

implementadas em sala de aula,  levando‐se em conta as complexidades e especificidades de cada contexto 

educacional.          

Se  os  gêneros  são  formas  de  agir  em  sociedade,  certamente  não  podemos  atuar  com  todos  os 

gêneros em todas as instâncias da vida sócio‐comunicativa. Operamos com gêneros particulares em situações 

particulares, e na escola não poderia ser diferente. 

Na visão de Cope e Kalantzis (1993, p.8), inspirados em Cazden (1988), a escola é um lugar um tanto 

peculiar. Sua missão é peculiar assim como as formas discursivas que melhor desempenham essa missão. É, ao 

mesmo tempo, reflexo do mundo exterior, mas discursivamente muito diferente dele. Por precisar concentrar 

o  mundo  exterior  nas  generalizações  que  constituem  o  conhecimento  escolar,  a  escola  torna‐se 

epistemológica e discursivamente diferente da maior parte das ações cotidianas desse mundo exterior 1. 

Schneuwly  e  Dolz (2004, p.76) compartilham  a mesma  opinião: 

 

A particularidade da situação escolar reside no seguinte fato que torna a realidade bastante complexa: há um desdobramento que se opera em que o gênero não é mais instrumento de comunicação somente, mas é, ao mesmo tempo, objeto de ensino-aprendizagem. O aluno encontra-se, necessariamente, num espaço do “como se”, em

                                                            1 No original:  “School  is a  rather peculiar place.  Its mission  is peculiar and  so are  the discoursive  forms which optimaly  carry  that 

mission. It is at once a reflector of the outside world and discursively very different from the outside world. Because school needs to 

concentrate the outside world into the generalizations that constitute school knowledge, it is epistemologically and discursively very 

different from most of everyday life in the outside world” (CAZDEN,1988, p.37).  

 

 

LETRAS LIBRAS| 74 

 

que o gênero funda uma prática de linguagem que é, necessariamente, em parte, fictícia, uma vez que é instaurada com fins de aprendizagem (grifo do autor).

Essa situação desdobra‐se em  três diferentes contextos para se entender o  lugar da comunicação 

em sala de aula. 

1.  Primeira  perspectiva→  Há  o  desaparecimento  da  comunicação  em  favor  da  objetivação.  Segundo  os 

autores,  o  gênero  transforma‐se  em  uma  forma  lingüística  pura.  O  gênero  passa  de  instrumento  de 

comunicação a uma forma de expressão do pensamento, da experiência ou da percepção, perdendo, então, 

sua relação com uma situação  de comunicação autêntica. 

 

Para  Schneuwly  e  Dolz  (op.  cit.),  os  gêneros  escolares  são  utilizados  como  referência  para  a 

construção de textos no âmbito da redação/composição. Nesse contexto de produção  destaca‐se a seqüência  

tripartite    estereotípica  – que marca o  avanço  através das  séries  escolares  – mais  conhecida    e  canônica: 

narração, descrição e  dissertação (cuja origem remete à tradição literária e retórica). 

Os  autores  resumem dizendo que  esses  gêneros  escolares‐guia  são produtos  culturais da  escola, 

usados como instrumento para desenvolver e avaliar a capacidade de escrita dos alunos. 

Os  gêneros,  nessa  situação  específica,  passam  a  parametrizar  as  formas  de  concepção  do 

desenvolvimento da escrita. Nesse percurso  tornam‐se  independentes das práticas  sociais historicamente 

situadas e se vinculam às necessidades dos próprios objetos descritos, de uma realidade própria. Segundo 

Schneuwly e Dolz (2004) os gêneros naturalizam‐se. 

 

2. A  segunda perspectiva  toma a escola  como autêntico  lugar de  comunicação,  com as  situações escolares 

produzindo suas próprias condições de produção e recepção de textos: na classe, entre alunos; entre classes de 

uma  mesma  escola;  entre  escolas.  Esses  contextos  interacionais  gerariam  os  textos  livres,  seminários, 

correspondência  escolar,  jornal  da  classe,  avisos,  comunicados  à  direção  da  escola,  resumos,  resenhas, 

romances coletivos, poemas individuais. Nessa situação também temos “gêneros escolares”, só que nesse caso 

eles são resultado do funcionamento escolar. 

3. A terceira perspectiva representa a negação da escola como lugar de comunicação.  Os gêneros externos à 

escola entram no espaço escolar como se houvesse continuidade entre o que é externo e interno à escola. O 

trabalho  com os  gêneros,  então,  teria  como objetivo  levar o  aluno  a dominar  vários  gêneros,  seguindo os 

modelos de referência exteriores à escola, e que atendessem às exigências de diversificar a escrita e de criar 

situações autênticas de comunicação. 

 

Baseando‐se  nesse mesmo  trabalho  de  Schneuwly  e  Dolz,  Rojo  (s/d:9)  apresenta  uma  distinção 

entre gêneros  escolares, que  representariam  a  segunda  situação   de    comunicação,   portanto,    autênticos  

produtos  da  escola; e  gêneros escolarizados, utilizados pela escola como objeto de ensino, especificamente, 

da escrita. Os gêneros ditos escolarizados  referem‐se  tanto à primeira  situação de  comunicação, quanto à 

terceira, porque em ambas os gêneros não reproduzem as práticas sociais que a escola produz.  

LETRAS LIBRAS |  75 

 

No entanto, os próprios autores  identificam aspectos positivos e negativos nas  três perspectivas e 

defendem uma reavaliação das diferentes abordagens. Segundo eles, é importante tomar consciência sobre o 

papel central dos gêneros como objeto e instrumento de trabalho para o desenvolvimento da linguagem. Para 

isso, devemos levar em conta dois aspectos: 

a) a escolha de um gênero na escola é didaticamente direcionada, visando a objetivos de aprendizagem 

precisos: primeiramente aprender, dominar o gênero para depois conhecê‐lo, apreciá‐lo, e compreendê‐lo; 

em segundo lugar, desenvolver capacidades que ultrapassam e que são transferíveis para gêneros próximos 

ou distantes. 

b) o gênero sofre uma transformação ao ser transportado para um outro lugar social diferente de onde foi 

criado. Essa transformação faz com que perca seu  sentido original, e passe a ser “gênero a aprender, embora 

permaneça  gênero  a  comunicar”(SCHNEUWLY  e  DOLZ,  2004,  p.  81).  Os  alunos  precisam  ser  expostos  a 

situações  de  comunicação  que  se  aproximem  das  genuínas  situações    de  referência,  que  lhes  sejam 

significativas, para que eles possam dominá‐las, mesmo sabendo  que  os objetos são outros. 

 

 

               

Certamente é  impossível  criar um  simulacro das  várias esferas de ação  social em   um espaço  tão 

reduzido e limitado como a sala de aula e a própria escola, mas  é  possível  refletir  sobre  essas  esferas  de  

ação  social  e  suas  formas  de  linguagem, fazendo  um  trabalho  comparativo, analítico  e  interpretativo. É 

importante que, desde  cedo, os alunos  se dêem  conta de  todas as particularidades que o  trabalho  com os  

gêneros   encerra. Convém que a  reflexão ocorra  tanto no nível  funcional  como no    formal,  levando‐lhes a 

indagações do tipo: 

a) Por que é a situação comunicativa que determina a escolha do gênero? 

b) Quais fatores interferem na escolha dos gêneros? 

c) Quais as formas possíveis em que um dado gênero pode se apresentar sem  comprometer  sua  natureza?  

d) O  que  determina  as  dificuldades  na  produção  e  compreensão  de  alguns    gêneros    por    certos    grupos  

sociais? 

 

 

 

LETRAS LIBRAS| 76 

 

  

 

Os gêneros e o aprendizado da escrita  

 

O fato de trabalharmos com uma perspectiva de práticas lingüísticas significativas  e  funcionais leva‐

nos  a   procurar  investigar   quais   os    contextos    em   que    a    escrita    assume    esse   papel   na    vida   dos 

educandos. 

Como  falantes    competentes    de    sua    língua   materna,  as    crianças    já    desde  cedo  utilizam  

exemplarmente os  gêneros  orais  que  lhes  são  específicos em sua rotina diária: isso ocorre quando  narram  

acontecimentos (atendendo  a  objetivos  os  mais  variados  possíveis), quando  ensinam  a  algum  colega  um  

tipo    de    jogo    ou    brincadeira,  quando    orientam    um    colega    em    uma    atividade    na    escola,  quando  

telefonam  para  alguém, etc. Elas sabem  também  que  uma  solicitação / mensagem  qualquer, a depender  

do  destinatário  envolvido  na  situação  discursiva  (professor  ou  pais), tende  a  mudar  consideravelmente. 

Enfim,    existem   muitos    outros    exemplos    que    poderiam    ser    apresentados.  No    entanto,  esses    são  

suficientes   para   demonstrar   como   ontogeneticamente   os   gêneros   orais   se   fazem   presentes   em   suas  

vidas. 

A  apropriação  pelas  crianças  desses  gêneros  orais  ocorre  naturalmente,  devido  às  interações 

lingüísticas entre familiares, amigos e demais membros da comunidade onde elas estão inseridas e em função 

de  suas  necessidades  comunicativas  básicas.  Essas demandas  são  necessárias  para  que  possamos  interagir 

com os outros membros de um grupo  social, ou dizendo de outra  forma, para que possamos efetivamente 

viver em sociedade. Nesse processo de apropriação, a cultura é a grande responsável pela transmissão   dos  

modelos  de  gêneros. 

Em relação aos gêneros escritos, a situação é um pouco diferente porque as demandas vão surgindo 

mais lentamente. É só em uma segunda etapa do desenvolvimento cognitivo da criança que a escrita começa a 

se fazer necessária para ela. Inicialmente surge como uma necessidade de se identificar nos objetos, demarcar 

sua  propriedade;  simultaneamente  apresentam‐se  as    exigências    institucionais    formais  (as    tarefas  

LETRAS LIBRAS |  77 

 

escolares); depois   vêm   os   recadinhos   para   os   pais   (atividades   essas   que   vão   depender   do   contexto  

cultural familiar), os  bilhetinhos  carinhosos  para  os  professores, as  declarações  de  amor  para  os  colegas, 

um  pouco  mais  tarde  vêm  as  revistas de  passatempos, os  jogos  escritos (ededonha)2  e  mais raramente 

os diários, especialmente   para   as   meninas   e   em  determinados  contextos  sócio‐culturais. Ainda que elas 

tenham    contato    com   um   bom   número   de    gêneros    escritos  (propagandas,  rótulos   de    embalagens,  

convites,   anúncios etc.), a     necessidade   de    interagir   com   os   outros, a   partir   do   posicionamento   da  

criança  como  produtora  de  gêneros  escritos, surgirá  mais  tardiamente. 

Com base no que  foi  sumariamente exposto, podemos  constatar que os gêneros orais    se    fazem  

mais   presentes   na   fase    inicial   de   desenvolvimento   da   modalidade     escrita, mas essa predominância da 

oralidade não se restringe a essa fase: ela nos acompanha por toda   a vida.   Essa constatação não podia ser 

mais óbvia, uma vez   que, no nosso   cotidiano, geralmente  interagimos   de   modo   mais    imediato   com   os  

outros    através    da    linguagem  oral.  Até mesmo  o  adulto  com  um  bom  domínio  da modalidade  escrita, 

dependendo  de  suas  atividades profissionais, pode  ter pouco  acesso  ao manuseio  e  à produção de  certos 

gêneros escritos. Não podemos nos esquecer de que a escrita é uma atividade funcionalmente orientada. 

Assim, para que o ensino da escrita seja realmente produtivo, devemos  tentar    fazer   com   que   a  

escrita  se torne  necessária  para  os aprendizes, e que por meio dela, possam ampliar  sua  área  de  atuação  

lingüística   em   seu   meio   social. No entanto, os professores devem estar conscientes da  impossibilidade de 

atingir  níveis  uniformes  de  significação  e  funcionalidade  escrita para  todos  os  alunos, dadas as diferenças 

individuais. 

Os alunos devem ser expostos a uma série de atividades de leitura e de escrita que, conjuntamente, 

consigam  fazê‐los  atuar  sócio‐cognitivamente    no   mundo    que    os    cerca,  assim    como    ocorre    com    a  

modalidade oral. E nessa trajetória, o trabalho com os  gêneros  se  faz  necessário  na  medida  em  que  traz 

(ou pelo menos tenta trazer) as  práticas  sociais  para  dentro  da  sala  de  aula. 

Os gêneros textuais se apresentam, então, como instrumentos eficazes de mediação no processo de 

apropriação e uso da modalidade escrita, mas sua eficiência depende de um planejamento didático criterioso 

e comprometido com a aprendizagem dos alunos. 

Schneuwly  e Dolz  (2004)  afirmam  que  ainda  não  existe  –    para  a  expressão  oral  e  escrita  –  um 

currículo que apresente uma divisão dos conteúdos de ensino e uma previsão das principais aprendizagens. 

Esse currículo deveria conter em  sua  formação, a preocupação com a “progressão” que  se apresenta como 

uma  organização  temporal  para  se  alcançar  uma  boa  aprendizagem.  Este  argumento,  associado  à  grande 

diversidade dos gêneros  (visto aqui como fator  impeditivo para uma sistematização), o  impediu de tomá‐los  

como base de uma progressão. Por outro lado, o objeto das tipologias não é o texto, nem tampouco o gênero, 

e sim as operações de  linguagem constitutivas do  texto. Por essa  razão, Schneuwly e Dolz  (op.cit, p. 60‐61) 

                                                            2 Trata‐se de uma brincadeira muito popular entre as crianças: sorteiam   uma  letra e vão escrevendo   nomes   de   objetos   variados, frutas, animais, cidades, apenas  iniciados  com  a  letra  escolhida. Ganham aqueles  que  mais  conseguem  preencher  as  lacunas  com os  nomes.    

 

LETRAS LIBRAS| 78 

 

organizaram um agrupamento de gêneros em torno de seus tipos textuais predominantes por se prestarem a 

uma melhor classificação didática. 

 

 

 

 

Os gêneros e a construção da textualidade  Com  base  nas  definições  de  texto,  discurso  e  gênero,  apresentadas  neste  módulo,  podemos 

entender que os textos se materializam em gêneros específicos. Sendo assim, os parâmetros de textualização 

vão variar de um gênero para outro, não podendo  ser definidos antecipadamente para  todos os  textos. As 

condições  de  produção  que  envolvem  contexto,  interlocutores,  tema,  fatores  pragmáticos  vão  definir  a 

linguagem  e  a  estrutura  organizacional  do  texto.  Noções  como  coesão,  coerência,  informatividade, 

intertextualidade, situacionalidade etc., estarão diretamente relacionadas a aspectos funcionais dos gêneros, 

já  que  eles  se  caracterizam  mais  por  suas  funções  sócio‐comunicativas  e  menos  por  suas  regularidades 

formais.  

Isso equivale a dizer que não podemos entender noções como coesão, coerência e informatividade, 

por exemplo, dissociadas do gênero e das condições de produção que condicionam o seu uso e circulação. Tais 

noções se justificam no texto e nos efeitos de sentidos pretendidos pelo autor, tendo em vista seus possíveis 

leitores. Não se lê, nem se escreve um poema da mesma forma que se  lê e se escreve um artigo de opinião, 

um  artigo  científico,  um  anúncio  publicitário  ou  tantos  outros  gêneros  textuais  que  circulam  em  nossa 

sociedade. Na verdade, os elementos de natureza extra‐lingüística passam a ser responsáveis pelo processo de 

textualização. 

Tome‐se como exemplo o caso de um anúncio de uma campanha publicitária para o dia dos pais, 

exposto em um outdoor, na cidade de Recife, em 2002, e um poema de autoria desconhecida.  

 

Tem pai que é mãe

       

Subi a porta e fechei a escada. Tirei minhas orações e recitei meus sapatos. Desliguei a cama e deitei-me na luz Tudo porque Ele me deu um beijo de boa noite. (Autor anônimo)

 

LETRAS LIBRAS |  79 

 

Observe que um leitor pouco atento pode considerar os dois textos incoerentes, visto que lidam com 

situações  aparentemente  opostas. No  primeiro  caso,  tal  leitor  alegaria  que  um  pai  não  pode  ser mãe,  no 

sentido estrito do termo,  já que, rigorosamente, o homem não gera, nem possui as características biológicas 

da mulher.  Além  disso,  poderia  lançar  outra  crítica  referente  ao  baixo  teor  de  informação  veiculado  pelo 

enunciado, gerando questionamentos como: Que pai é esse? Em que situação ocorre a possibilidade de o pai 

ser mãe? No entanto, quando  relacionamos o enunciado com o atual contexto histórico e com o momento 

social de  circulação desse enunciado  (comemoração do dia dos pais), ele  se  torna  coerente. Verifiquemos, 

primeiramente, que ele lança mão de valores construídos socialmente, ratificados pelo senso comum, – o que 

não significa dizer que sejam unanimidade – que atribuem à mulher um maior envolvimento na vida familiar e 

educacional dos filhos; segundo, que esse enunciado nos leva a associar (ou comparar) às ações ou atitudes de 

alguns pais a dessa mãe responsável pelo cuidado dos filhos. Da mesma forma, o momento e o lugar social de 

circulação  desse  enunciado  conseguem  fornecer  ao  leitor  as  pistas  necessárias  para  o  leitor  recuperar  o 

sentido sugerido pela mensagem.  

No caso do poema, a ocorrência de alguns verbos, acompanhados por nomes que normalmente não 

preenchem o seu valor predicativo – visto que deitamos na cama, mas não desligamos uma cama, a menos 

que  essa  funcione  eletricamente  –,  representaria  algo  inaceitável  em  outros  textos,  mas  que  se  torna 

perfeitamente autorizado no poema. A aparente incoerência justifica‐se no último verso quando se evidencia 

a  condição  de  um  eu  lírico  apaixonado,  justamente  para  enfatizar  a  perturbação  que  invade  os  que  se 

encontram neste estado.  

Em relação aos elementos de coesão presentes no poema, verifica‐se que, embora o seu uso atenda 

às normas da tradição coesiva, também  ilustra um caso de ruptura com essa mesma tradição. Segundo Koch 

(1989, p. 19), a coesão diz respeito aos processos de seqüencialização que asseguram ou tornam recuperável 

uma  ligação entre os elementos que ocorrem na  superfície  textual. É o que  justifica o uso das  conjunções 

aditivas e, do pronome indefinido tudo – já que ele consegue recuperar os termos mencionados antes –, e da 

conjunção causal porque. No entanto, essa tradição coesiva é quebrada pela utilização do pronome ele que 

não retoma um referente já mencionado. Essa quebra, no entanto, não compromete a compreensão do texto, 

não o  torna  incoerente, uma vez que é capaz de estabelecer uma relação exofórica, com um “ente” amado 

que não foi mencionado no texto.   

Isso nos remete ao fato de que a coerência, como a autora ressalta, pode ser vista como um princípio 

de  interpretabilidade,  ligada à  inteligibilidade do texto numa situação de comunicação e à capacidade que o 

receptor do texto (que o interpreta para compreendê‐lo) tem para calcular o seu sentido (KOCH & TRAVAGLIA, 

1989, p. 11).  Identificamos esse princípio de interpretabilidade no caso exposto acima, já que, mesmo sem um 

antecedente explícito e lexicalizado, o gênero poema e o domínio discursivo (literário) permitem que o leitor 

consiga atribuir sentido ao texto.  

 

LETRAS LIBRAS| 80 

 

           Portanto, conforme mencionamos acima, em textos acadêmicos e instrucionais, por exemplo, 

os parâmetros de  textualização são outros, porque são outros os objetivos de produção e de  leitura. Nesse 

sentido,  podemos  dizer  que  o  autor  do  texto,  diante  das  condições  de  produção,  gerencia  os  critérios  de 

textualização  de  modo  a  assegurar  ou  possiblitar  ao  leitor  as  condições  de  interpretabilidade  que  são 

dependentes, dentre outros fatores, da materialidade textual. 

Esses dois exemplos  ilustram que as condições de textualização não são  imanentes ao texto e nem 

podem ser definidas antecipadamente, elas são requeridas e se justificam no complexo processo de leitura e 

de produção que envolve a situação de comunicação, os gêneros, os objetivos pretendidos e os interlocutores 

previstos.  

           Ainda levando em conta a complexidade da leitura e da escrita em sua estreita relação com os 

movimentos dinâmicos de  criação e de  circulação dos  gêneros, destacamos  flexibilidade e plasticidade dos 

gêneros  em  relação  à  forma  que  eles  podem  assumir.    Assim  como  os  textos  estabelecem  relações 

intertextuais – nas quais diferentes  textos dialogam entre si –, os gêneros  também podem manter  relações 

inter‐gêneros  ou,  segundo Marcuschi  (2002),  apresentam‐se  de  forma  híbrida.  Isso  significa  dizer  que  um 

gênero  pode  assumir  a  forma  de  outro  gênero,  embora  preserve  suas  funções  sócio‐comunicativas.  Esse 

fenômeno é mais comum na literatura e na linguagem publicitária.   

            Observem o exemplo abaixo que  ilustra ambos os casos:  relações de  intertextualidade e de 

inter‐gênero.  

 

  

Acreditamos que o leitor não tenha dúvida de que esse texto se enquadra no gênero publicitário (ou 

da propaganda). Se não há dúvidas, propomos agora que releia o texto e responda:  

 

a.  A que outro gênero o anúncio publicitário faz referência? 

b.  Quais as características gerais de cada um dos gêneros utilizados pelo autor? 

c. Que aspectos constitutivos remetem às marcas de intertextualidade e às relações inter‐gêneros. 

LETRAS LIBRAS |  81 

 

Gostaríamos de  finalizar nossas  reflexões  chamando  a  atenção para o  fato de que  as práticas de 

leitura e de escrita devem  ser pensadas  tendo em vista a dimensão  sócio‐histórico‐cultural em que elas  se 

inserem.  A  despeito  das  especificidades  de  cada  processo,  são  fenômenos  em  interface  que  representam 

práticas sociais mais abrangentes nas quais os gêneros textuais desempenham um papel constitutivo.   

 

 

 

 

 

 

 

Referências  

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LETRAS LIBRAS| 82 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS

 

LETRAS LIBRAS| 84 

 

LETRAS LIBRAS |  85 

 

FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS  

Wanilda Maria Alves Cavalcanti

 

 

APRESENTAÇÃO

 

 

Cara (o) aluna (o) 

 

  Iniciando um novo  ciclo de estudos, a Universidade Federal da Paraíba  incorpora aos  cursos que  já 

oferecia, mais  um  que  representa  a  atenção  ao  seu  papel  na  sociedade  em  busca  de  oportunidades  para 

todos. 

  O  Curso  de  Letras  /  Libras  incorpora mais  incursões  no mundo  científico  através  da  produção  de 

pesquisas e elaboração de materiais voltados para a educação de surdos, formando profissionais capazes de 

atuar nesse campo. 

A  disciplina  Fundamentos  da  Educação  de  Surdos  traz  consigo  uma  base,  na  qual  os  conteúdos  se 

articularão e com eles esperamos que produzam conhecimentos nos quais circulem os principais aspectos que 

representam a realidade dos surdos no Brasil.  

Para entender essa visão de forma mais clara é necessário conhecer alguns aspectos da trajetória de 

como a educação foi sendo proposta para os surdos trazendo um cenário que mantêm uma articulação direta 

com o conceito de homem/surdo que foi vivenciado em cada ocasião. Esta visão foi aproximando‐se do jeito 

de ser surdo, substituindo a proposta mais curativa da deficiência para uma outra voltada para a  identidade 

constituída pelos próprios surdos. 

Portanto, podemos dizer que a teia de aspectos que compõe os fundamentos da educação se baseia 

na história  cultural, na  língua de  sinais, na  identidade  surda, nas  leis, na pedagogia  surda que  remontam a 

experiências  já vivenciadas e delas foram tiradas  lições para que sejam adotadas formas renovadas de ver e 

trabalhar com a educação de surdos. 

 

LETRAS LIBRAS| 86 

 

A  fim de oferecer oportunidades para  todos aqueles que participem dessa  formação apontamos os 

seguintes aspectos que direcionarão nossas reflexões a partir desse momento.  

Sumariamos esses estudos que trazem os seguintes pontos: 

 

1. TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO DE SURDOS 

2. LEGISLAÇÃO E SURDEZ 

3. POLÍTICAS SOCIAIS E EDUCACIONAIS DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO  

4. MODELOS PARA EDUCAÇÃO DE SURDOS 

5. CULTURA, IDENTIDADE X EDUCAÇÃO DE SURDOS 

 

  Seguindo  este  desenho  estaremos  diante  de  noções  que  certamente  nos  levarão  às  principais 

dificuldades  que  atravessam  as  questões  educacionais/sociais  da  vida  do  surdo.  Por  outro  lado,  tentamos 

trazer um conteúdo de forma a proporcionar uma fácil compreensão por parte daqueles que estarão cursando 

o Letras/Libras.  

  Desse modo  a Universidade  Federal  da  Paraíba  espera  estar  cumprindo  o  seu  papel  na  sociedade, 

resgatando  as  possibilidades  restritas  a  poucos  centros  acadêmico  contribuindo  para  a  formação  de 

profissionais, para a nova realidade da vida escolar, ou seja, o contato com a diversidade. 

  Trazemos então os principais objetivos que nos orientarão no percurso que pretendemos alcançar com 

os estudos nessa disciplina. 

 

Objetivo Geral 

 

Conhecer  os  fundamentos  filosóficos,  culturais,  históricos,  sociais  que  devem  nortear  a 

educação de surdos, a fim de que possamos verificar a  língua de sinais como veiculadora da 

construção  da  identidade  surda  na  aquisição  de  conhecimentos  e  na  interação  com  a 

sociedade. 

 

LETRAS LIBRAS |  87 

 

 

 

Objetivos Específicos 

 

Refletir sobre a educação de surdos no Brasil 

 

Destacar a importância da língua de sinais como base para a educação de surdos 

Apresentar os fundamentos da educação de surdos 

Apresentar a legislação brasileira voltada para a educação de surdos 

Promover a discussão entre a educação de surdos, cultura,  língua de sinais e  língua 

portuguesa. 

Estimular a discussão sobre a construção da  identidade surda em uma sociedade de 

ouvintes. 

 

 

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS| 88 

 

UNIDADE 1

TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO DE SURDOS

 

Considerando  que  não  há  presente  sem  passado  não  poderíamos  deixar  de  conhecer,  embora 

brevemente,  a  trajetória  da  educação  de  surdos  para  entender melhor  as  tendências  que  atualmente  são 

adotadas. 

Os acontecimentos refletem uma realidade social, política e histórica que  influenciaram a adoção de 

posições e se fizeram sentir na formação da identidade dos surdos. 

No momento em que nos propomos a trazer uma visão geral dessa história para tentar compreender 

como foram engendradas, estaremos resgatando parte dela.  

Na antiguidade, podemos  falar que os gregos e romanos não consideravam os surdos como pessoas 

competentes. Ao contrário, eles eram isolados da sociedade sob o argumento de que, segundo Moura, 2000, 

p.16: 

[...] o pensamento não podia se desenvolver sem linguagem e que esta não se desenvolvia

sem a fala. Desde que a fala não se desenvolvia sem a audição, quem não ouvia, não

falava e não pensava, não podendo receber ensinamentos e, portanto, aprender .

Na Idade Moderna, no século XVI, o médico  italiano Girolamo Cardamo, declara que os surdos podiam 

receber  instrução. Ele afirmava que essas pessoas podiam  ser ensinadas a  ler e escrever  sem  fala.   Muitos 

outros educadores procuraram criar condições para que o  surdo  se comunicasse como  foi o caso de Pedro 

Ponce de Leon, Juan Pablo Bonet, Abade L’ Epée dentre outros.  

A maioria desses educadores buscou alternativas para atender demandas da sociedade como foi o caso 

de Ponce de Leon, por exemplo, que ensinou surdos a falar,  ler, escrever, rezar, etc. Nessa ocasião a pessoa 

“muda” não era reconhecida perante a lei, pois no caso de serem primogênitos perderiam o direito ao título e 

a  herança.  Por  conseguinte  a  força  do  poder  financeiro,  e,  dos  títulos  se  constituíram  os  grandes 

impulsionadores  do  oralismo,  na  época,  pois  era  através  da  fala  que  o  indivíduo  tinha  representação  na 

sociedade. 

Seguiu‐se a essa proposta aquelas que trouxeram os sinais como forma de comunicação, e, em outros 

casos iriam representar os sons da fala de uma forma visível através do que se chamou alfabeto digital, usado 

para ensinar a ler, associado à leitura dos lábios e a manipulação dos órgãos fonoarticulatórios e pelo ensino 

de diferentes posições para a emissão do som. 

LETRAS LIBRAS |  89 

 

A Idade Contemporânea trouxe a visão clínica [...] equivocada quanto aos seus princípios, que procurava 

a todo custo acabar com aquilo que não podia ser tratado, curado na maioria das vezes (MOURA, 2000, p.26). 

A única forma de “salvar” o surdo seria através do uso da fala, pela restauração da audição, pois se ela fosse 

restaurada, a fala também o seria. 

No  entanto,  os  insucessos  obtidos  através  dessa  proposta  não  foram  suficientes  para  convencer  a 

maioria desses educadores oralistas. Apesar disso, o médico  Jean  Itard após dezesseis anos de  tentativas e 

experiências  frustradas de oralização de  surdos  sem  conseguir atingir os objetivos desejados,  rendeu‐se ao 

fato de que o surdo pode ser educado através da língua de sinais. 

O Congresso de Milão realizado em 1880 declarou a superioridade do método oral puro sobre o uso de 

sinais o que provocou uma grande polêmica entre professores ouvintes e surdos  (a estes não  foi permitido 

votar), em defesa do oralismo e da  língua de sinais,  tendo esta última sido batida na preferência da grande 

maioria de professores ouvintes.  

A partir desse evento que  teve o maior  impacto na educação,  se  considerarmos os  cem anos de  sua 

hegemonia, os  surdos  foram  subjugados às práticas ouvintistas.   Ficou  legitimado que apenas a  língua oral 

deveria  ser  aprendida  pelos  surdos,  sendo  a  língua  de  sinais  considerada  como  prejudicial  para  o 

desenvolvimento dessa criança.  

Um  grande  processo  de mudança  se  desencadeou  e  foi  logo  adotado  pela maioria  das  escolas,  em 

oposição  à  educação do  século XVIII. Naquele momento  acreditava‐se que o  surdo poderia desenvolver‐se 

como os ouvintes aprendendo apenas a língua oral. Desse modo, a oralização passou a ser o principal objetivo 

da educação da criança surda e para que ela pudesse dominar essa  forma de comunicação passava a maior 

parte  de  seu  tempo  recebendo  treinamento  oral  e  se  dedicando  a  este  aprendizado  (GOLDFELD,  1998). 

Estamos diante de uma perspectiva que destacava a visão clínica da surdez e através da reabilitação da fala e 

treinamento auditivo buscavam “curar’ os surdos.  

Portanto, essa idéia deu origem ao modelo educacional denominado oralismo que durante um século 

se manteve  como proposta principal para a educação de  surdos. Com a adoção desse modelo educacional 

foram abandonadas  cultura e  identidade  surdas. Desse modo, as  idéias pregadas pelo oralismo orientavam 

que os surdos deveriam ter uma identidade comum com os ouvintes, ou seja, a língua. 

O 2º, o 3º e 4º Congressos  Internacionais do Surdo  realizados em Chicago, Genève e em Paris, em 

1893, 1896 e 1900, respectivamente, decidiram‐se a favor de um sistema combinado de  instrução e/ou pelo 

oralismo puro, mantendo a situação preconizada pelo Congresso de Milão. 

No  começo  do  século  XX  já  se  ouvia  falar  dos  insucessos  do  oralismo,  trazendo  consigo  outras 

conotações  para  os  surdos,  ou  seja,  quando  não  progrediam  na  oralidade,  eram  considerados  deficientes 

 

LETRAS LIBRAS| 90 

 

mentais.  Essa  constatação  nos  sugere  que  o  problema  da  surdez  e  suas  conseqüências    estava  ligada  ao 

próprio surdo. 

Somente  a  partir  da  década  de  60  deste  século  a  língua  de  sinais  começou  a  ser  (re)conhecida  

especialmente depois dos trabalhos de William Stokoe, lingüista americano, que retomou a questão dos sinais 

e apresentou a língua de sinais, como uma língua legítima, com estrutura própria. 

O  final  do  século  XX  e  o  início  do  século  XXI  parecem  ter  criado  novas  oportunidades  para  a 

reconstrução da história cultural dos  surdos, com a   valorização da  língua de  sinais, com a possibilidade de 

construção da identidade surda, decorrente do respeito às diferenças. 

Reflexão

 

A  história  da  educação  de  surdos mostra  diversas mudanças  que  ocorreram  ao  longo  do 

tempo.  Podemos  afirmar  que  os  primeiros movimentos  de  educação  de  surdos  datam  do 

século XVI. Eles saíram do isolamento que lhes era imposto e participaram da vida das demais 

pessoas. Com essa atitude desencadearam transformações que resultaram na legitimação do 

seu direito em viver de acordo com suas necessidades, ou seja, usar sua  língua, manifestar 

sua identidade. 

 

Conceitos

 

Oralismo ‐ O ensino para surdos baseado na comunicação oral  

Visão clínica – Através da visão clínica os surdos são categorizados pelos graus de surdez e 

não  pelas  suas  identidades  culturais.  A  fala  seria  a  única  possibilidade  de  viver  bem  na 

sociedade. Ela vê (em) os surdos como pacientes que necessitam serem tratados através de 

exercícios  terapêuticos  (  treinamento  auditivo,  exercícios  de  preparação  do    órgãos  do 

aparelho fonador, etc.)  

Ouvintismo  –  (...)  conjunto  de  representações  dos  ouvintes  a  partir  do  qual  o  surdo  está 

obrigado a olhar‐se e narrar‐se como se fosse ouvinte” (SKLIAR, 1998, p.15). 

 

LETRAS LIBRAS |  91 

 

Referências para leituras complementares

 

FERNANDES,  E. (Org) Surdez e Bilingüismo. Porto Alegre: Mediação, 2005. 

LANE, H. A máscara da benevolência: a comunidade surda amordaçada. Lisboa: Instituto Piaget, 1992. 

SACKS, O. Vendo Vozes: uma jornada pelo mundo dos surdos. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1990. 

SKLIAR, C. Educação & exclusão: abordagens sócio‐antropológicas em educação especial. Porto Alegre: Editora 

Mediação, 1997. 

__________ Atualidade  da  Educação Bilíngüe  para  surdos:  interfaces  entre  Pedagogia  e  Lingüística.  Porto 

Alegre: Mediação, 1999, v.2. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Unidade 2

LEGISLAÇÃO E SURDEZ

A fase de ausência quase total de leis que amparassem principalmente os direitos lingüísticos do surdo 

foi amplamente modificada. Com o reconhecimento da Libras ( língua brasileira de sinais) no país, observou‐se 

uma  intensa movimentação  que  culminou  com  determinações  governamentais  expressa  através  de  leis  , 

decretos que  desse modo começaram a fazer parte da vida de todos os cidadãos que freqüentam a sociedade 

brasileira, renovando  planejamentos. 

   Os direitos lingüísticos dos surdos estão agora amparados pelas políticas públicas que se manifestam 

através da garantia de acesso e permanência desse aluno dentro das escolas regulares de ensino, embora na 

prática nem sempre possamos identificá‐las. 

  Portanto, a proposta de inclusão de surdos nas escolas mais próximas de suas residências representou 

um primeiro passo para o exercício de cidadania. 

   A  estruturação  da  educação  de  surdos  nos  moldes  propostos  pelo  modelo  inclusivista,  traz  o 

bilingüismo3 como orientador das ações que devem se desdobrar daí, marcaram mudanças radicais na vida do 

surdo e da escola que  teve a  incumbência de  implantar um  trabalho pedagógico voltado para a   efetivação 

dessa proposta. 

 

A  Lei  9394/96  no  seu  artigo  1º  ‐  passa  a  vigorar  acrescida  do  art.  26‐B  que  afirma  “Será 

garantida às pessoas surdas em todas as etapas e modalidades da educação básica, nas redes 

públicas e privadas de ensino, a oferta da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, na condição de 

língua nativa das pessoas surdas”. 

     

  O  MEC/SEESP  promoveu  reuniões  e  câmaras  técnicas  que  tiveram  como  produto  o  documento 

“Diretrizes  para  a  Educação  de  Surdos”  que    buscaram  viabilizar  a  proposta  pedagógica  que  deveria  ser 

veiculada nas escolas. 

  A  Lei  Federal 10.436, de  24 de  abril de 2002,  reconhece  a  língua de  sinais  em  todo o país.  Ela  foi 

regulamentada  e  os  fundamentos  foram  publicados  através  do  decreto  governamental  5.626  de  22  de 

                                                            3 Bilingüismo é o uso que as pessoas fazem de diferentes línguas em diferentes contextos sociais. O bilingüismo para surdos traduz-se na aquisição da Libras como primeira língua e da língua portuguesa como segunda.

LETRAS LIBRAS |  93 

 

dezembro de 2005, tornando obrigatório o uso da língua de sinais não somente para os surdos, mas também 

para os professores que atendem esses alunos além de disciplinar a presença de intérpretes de Libras. 

   Esse decreto provocou muitas mudanças especialmente nas  instituições  formadoras de professores 

que tendo de cumprir o que essa lei determinava, foi trazendo a Libras para as instituições de ensino superior, 

disseminando o seu uso,  e conhecendo‐a cada vez mais através da geração de pesquisas.  

Esse decreto determinou a inclusão da Libras como disciplina curricular assim proposto : 

 

Art. 3o ‐  A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de 

formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e 

nos  cursos  de  Fonoaudiologia,  de  instituições  de  ensino,  públicas  e  privadas,  do 

sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e 

dos Municípios. 

        § 2o  A Libras constituir‐se‐á em disciplina curricular optativa nos demais cursos 

de educação superior e na educação profissional, a partir de um ano da publicação 

deste Decreto. 

 

 

        Ainda neste decreto, no capítulo III aparecem recomendações sobre a formação do professor de 

Libras e do instrutor de Libras assim explicitadas: 

     

 Art. 4o  ‐  A formação de docentes para o ensino de Libras nas séries finais do ensino 

fundamental, no ensino médio e na educação  superior deve  ser  realizada em nível 

superior, em curso de graduação de licenciatura plena em Letras/ Libras ou em Letras: 

Libras/Língua Portuguesa como segunda língua. 

         

 

LETRAS LIBRAS| 94 

 

 

 

    Art. 9o  A partir da publicação deste Decreto, as  instituições de ensino médio que 

oferecem  cursos  de  formação  para  o  magistério  na  modalidade  normal  e  as 

instituições  de  educação  superior  que  oferecem  cursos  de  Fonoaudiologia  ou  de 

formação de professores devem incluir Libras como disciplina curricular, nos seguintes 

prazos e percentuais mínimos: 

        I ‐  até três anos, em vinte por cento dos cursos da instituição; 

        II ‐  até cinco anos, em sessenta por cento dos cursos da instituição; 

        III ‐  até sete anos, em oitenta por cento dos cursos da instituição; e 

        IV ‐  dez anos, em cem por cento dos cursos da instituição. 

        Parágrafo único.  O processo de inclusão da Libras como disciplina curricular deve 

iniciar‐se  nos  cursos  de  Educação  Especial,  Fonoaudiologia,  Pedagogia  e  Letras, 

ampliando‐se progressivamente para as demais licenciaturas. 

 

  A par dessas medidas que determinavam orientações para a educação, a Lei 10.098, de 19 de 

dezembro  de  2000,  cria  condições  de  acessibilidade  na  comunicação.  Ela  se  refere  aos  meios 

essenciais de participação social.  

  O artigo 17 desta  lei explica sobre [...] a eliminação de barreiras na comunicação e a criação 

de mecanismos que tornem acessíveis os sistemas de comunicação para garantir o direito de acesso à 

informação, à comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer ( 

PERLIN e STROBEL, 2008,p.30). 

  Vale  salientar  ainda  que  a  acessibilidade  para  surdos  também  deve  ser  garantida  pela 

presença do intérprete de Libras que consta desta mesma lei no seu artigo 18.  

LETRAS LIBRAS |  95 

 

  Outras  leis e decretos  complementam essa  ação de  garantia da  acessibilidade  tais  como o 

decreto 5.626/2005, e  certamente  surgirão novas possibilidades, na medida em que  as  condições 

para a  inserção cada vez mais ampla de surdos na sociedade determinarão à necessidade de novas 

medidas que complementarão as que já existem.  

Para conhecer mais algumas leis, decretos, pareceres e declarações vinculadas à questão dos 

direitos do surdo, podemos nomear: 

LEIS 

Lei 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação 

Lei nº 8069/90 ‐ Estatuto da Criança e do Adolescente ‐ Educação Especial 

Lei  10.098/94  ‐  Estabelece  normas  gerais  e  critérios  básicos  para  a  promoção  da 

acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade  reduzida, e 

dá outras providências. 

Lei    10.436/02    ‐  Dispõe  sobre  a  Língua  Brasileira  de  Sinais  ‐  Libras  e  dá  outras 

providências. 

DECRETOS 

Decreto Nº 186/08 ‐ Aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com 

Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em  30 de março de 2007. 

Decreto nº 6.949 ‐ Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com 

Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007 

Decreto Nº 6.094/07 ‐ Dispõe sobre a implementação do Plano de Metas 

Compromisso Todos pela Educação 

Decreto Nº 6.215/07 ‐ Institui o Comitê Gestor de Políticas de Inclusão das Pessoas 

com Deficiência – CGPD 

Decreto Nº 6.571/08 ‐ Dispõe sobre o atendimento educacional especializado 

 

LETRAS LIBRAS| 96 

 

Decreto nº 5.626/05 ‐ Regulamenta a Lei 10.436 que dispõe sobre a Língua Brasileira 

de Sinais – LIBRAS 

Decreto nº 2.208/97 ‐ Regulamenta Lei 9.394 que estabelece as diretrizes e bases da 

educação nacional 

Decreto nº 3.298/99 ‐ Regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe 

sobre  a  Política  Nacional  para  a  Integração  da  Pessoa  Portadora  de  Deficiência, 

consolida  as  normas  de  proteção,  e  dá  outras  providências 

Decreto  nº  914/93  ‐  Política  Nacional  para  a  Integração  da  Pessoa  Portadora  de 

Deficiência. 

Decreto  nº  3.952/01  ‐  Conselho  Nacional  de  Combate  à  Discriminação 

Decreto  nº  5.296/04  ‐  Regulamenta  as  Leis  n°  10.048  e  10.098  com  ênfase  na 

Promoção de Acessibilidade 

Decreto  nº  3.956/01  –  (Convenção  da  Guatemala)  Promulga  a  Convenção 

Interamericana  para  a  Eliminação  de  Todas  as  Formas  de  Discriminação  contra  as 

Pessoas Portadoras de Deficiência 

PORTARIAS 

Portaria nº 976/06 ‐ Determina critérios de acessibilidade a eventos do MEC  

Portaria nº 1.793/94 ‐ Dispõe sobre a necessidade de complementar os currículos de 

formação  de  docentes  e  outros  profissionais  que  interagem  com  portadores  de 

necessidades especiais e dá outras providências  

Portaria  nº  3.284/03  ‐  Dispõe  sobre  requisitos  de  acessibilidade  de  pessoas 

portadoras  de  deficiências,  para  instruir  os  processos  de  autorização  e  de 

reconhecimento de cursos, e de credenciamento de instituições. 

LETRAS LIBRAS |  97 

 

RESOLUÇÕES 

Resolução CNE/CEB nº 2/01  ‐ Normal  ‐  Institui Diretrizes Nacionais para a Educação 

Especial na Educação Básica 

Resolução  CNE/CP  nº  1/02  ‐  Diretrizes  Curriculares  Nacionais  para  a  Formação  de 

Professores  

AVISO 

 Aviso  Circular  nº  277/96  ‐  Dirigido  aos  Reitores  das  IES  solicitando  a  execução 

adequada  de  uma  política  educacional  dirigida  aos  portadores  de  necessidades 

especiais  

DOCUMENTOS INTERNACIONAIS 

Convenção da ONU Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. 

Carta para o Terceiro Milênio 

Declaração de Salamanca 

 Convenção da Guatemala 

Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes 

 

Declaração Internacional de Montreal sobre Inclusão 

 

 

 

LETRAS LIBRAS| 98 

 

Reflexão

 

A educação inclusiva significa um novo modelo de escola em que é possível o 

acesso  e  a  permanência  de  todos  os  alunos,  e  onde  os mecanismos  de  seleção  e 

discriminação,  até  então  utilizados,  são  substituídos  por  procedimentos  de 

identificação e remoção de barreiras para a aprendizagem.  Para tornar‐se inclusiva, a 

escola  precisa  formar  seus  professores  e  equipe  de  gestão,  rever  as  formas  de 

interação  vigentes  entre  todos  os  segmentos  que  a  compõem  e  nela  interferem. 

Precisa realimentar sua estrutura, organização, seu projeto político‐pedagógico, seus 

recursos  didáticos, metodologias  e  estratégias  de  ensino,  bem  como  suas  práticas 

avaliativas.  A  proposta  de  educação  inclusiva  implica,  portanto,  um  processo  de 

reestruturação de todos os aspectos constitutivos da escola, envolvendo a gestão de 

cada unidade e dos próprios sistemas educacionais. (GLAT, 2007, p.16 e 17. 

 

Referências para leituras complementares

____________MEC, Lei de Diretrizes e Bases para a Educação ‐ 9394/96. 

Declaração de Salamanca 

(http://lerparaver.com/legislação/internacional salamanca.htm)  

Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001 

( http:// presidência.gov.br/civil 03/LEIS 2001/L10172.htm) 

Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002 

(http://www.presidencia.gov.br/CCIVIL/LEIS/2002/L10436.htm ) 

GLAT, R. (Org.) Educação Inclusiva: cultura e cotidiano escolar. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2007.  

PERLIN, G. e STOEBEL, K. Fundamentos da Educação de Surdos. Florianópolis: Editora da UFSC, 2008. 

LETRAS LIBRAS |  99 

 

Unidade 3

POLÍTICAS SOCIAIS E EDUCACIONAIS:

DA EXCLUSÃO À INCLUSÃO

 

  As  tendências  adotadas  pelo  movimento  inclusivista  vieram  no  bojo  das  mudanças  que  foram 

ocorrendo,  ao  longo  dos  tempos.  Desde  a  Grécia  se  preconizava  a  eliminação  sumária  daqueles  que  não 

apresentavam  condições  físicas e mentais  similares  às demais pessoas,  até  chegar  a uma  reviravolta nessa 

concepção,  na  qual  se  tenta  valorizar,  acreditar  no  ser  humano  capaz  de  superar  os  desafios  de  viver  na 

sociedade. 

  Vivemos no nosso país uma realidade que não pode ser entendida se não conhecermos um pouco da 

trajetória, pela qual, pessoas com necessidades especiais passaram ao longo dos séculos.  

  Com  os movimentos  sociais,  embora  ocorrendo  paulatinamente,  algumas mudanças,  foram  sendo 

identificadas na história da humanidade que a seu modo, e no seu tempo foram sendo desencadeadoras de 

novas formas de ver esses indivíduos. Passamos da exclusão total para outras formas de participação que na 

época, não representaram o respeito ao direito de ser cidadão. Nessa ótica, podemos  interpretar a exclusão 

como  um  processo  dinâmico  da  calar  grupos  sociais,  total  ou  parcialmente.  Portanto,  trata‐se  de  aplicar 

políticas que determinam “quem está dentro e quem está fora” (FERNANDES, 2005, p.89). 

  Nessa  trilha,  a  segregação  foi  sendo  imposta,  trazendo  para  aqueles  de  quem  estamos  falando  a 

possibilidade  de  sobreviver  fisicamente,  mas  sem  a  qualidade  de  vida  e  participação  esperada.  Nesse 

momento essas pessoas podiam participar da sociedade embora sendo sempre mobilizadas para reunir‐se ao 

grupo de pessoas que como elas possuíam a mesma dificuldade. 

  Seguiu‐se a esse movimento, a  integração que  representou um passo adiante nessa  caminhada em 

direção a uma maior participação na  sociedade. Nesse momento ainda  se percebia que  “estar  juntos” não 

podia acontecer de forma plena. 

  Finalmente na  segunda metade do  século XX, a  idéia de  reunião de  todos começa a  se materializar 

através da  inclusão entendida como o direito de todos de participar da sociedade que deve estar preparada 

para recebê‐los. 

 

 

LETRAS LIBRAS| 100 

 

 

 

Educação  inclusiva  se  refere  a  “educação  para  todos”  e  não  apenas  para  aqueles  que 

apresentam algum tipo de necessidade especial. A inclusão supõe que sejam oferecidas para 

todos  aqueles  que  vivem  e  participam  da  sociedade  condições  para  superar  limitações 

encontrando novos caminhos. 

 

 

  Essa mudança  radical nas propostas de uma  sociedade para  todos  foi  alavancada no  ano de 1994, 

quando  representantes  de  oitenta  paises  reunidos  na  Espanha,  elaboraram  a  assinaram  a  Declaração  de 

Salamanca que trouxe para a sociedade uma nova ordem de participação dos seus membros. 

  As recomendações contidas nessa declaração trouxeram para as escolas uma nova forma de combater 

a discriminação,  trazendo para elas  responsabilidade extensiva  a  toda  a  sociedade.  Se  antes parecia que  a 

deficiência  era  um  problema  individual  agora muda  de  foco,  ou  seja,  aponta  para  uma  responsabilidade 

compartilhada por toda a sociedade, tendo na escola um dos seus principais representantes. 

  Essa escola deve acolher todas as crianças, independentemente de sua condições físicas, intelectuais, 

sociais, emocionais ou lingüísticas ( PERLIN e STROEBEL, 2008). 

  Na esteira dessas observações  a  LDB 9394/96  (  Lei de Diretrizes e Bases da Educação  contempla  a 

maioria desses pontos. 

   

 

LDB 9394/96 

CAPÍTULO V  

DA EDUCAÇÃO ESPECIAL  

Art. 58 Entende‐se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a  

LETRAS LIBRAS |  101 

 

 

modalidade  de  educação  escolar,  oferecida  preferencialmente  na  rede  regular  de 

ensino, para educandos portadores de necessidades especiais.  

§ 1º Haverá, quando necessário,  serviços de apoio especializado, na escola  regular, 

para atender as peculiaridades da clientela de educação especial.  

§  2º  O  atendimento  educacional  será  feito  em  classes,  escolas  ou  serviços 

especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for 

possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular.  

§ 3º A oferta de educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na faixa 

etária de zero a seis anos, durante a educação infantil.  

Art.  59.  Os  sistemas  de  ensino  assegurarão  aos  educandos  com  necessidades 

especiais:  

I  ‐ currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para 

atender às suas necessidades;  

II ‐ terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para 

a  conclusão  do  ensino  fundamental,  em  virtude  de  suas  deficiências,  e  aceleração 

para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados;  

III  ‐  professores  com  especialização  adequada  em  nível  médio  ou  superior,  para 

atendimento  especializado,  bem  como  professores  do  ensino  regular  capacitados 

para a integração desses educandos nas classes comuns;  

IV  ‐ educação especial para o  trabalho, visando a sua efetiva  integração na vida em 

sociedade,  inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de 

inserção no  trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, 

bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, 

intelectual ou psicomotora;  

 

LETRAS LIBRAS| 102 

 

 

V ‐ acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis 

Para o respectivo nível do ensino regular.  

 

Art.  60.  Os  órgãos  normativos  dos  sistemas  de  ensino  estabelecerão  critérios  de 

caracterização  das  instituições  privadas  sem  fins  lucrativos,  especializadas  e  com 

atuação exclusiva em educação especial, para fins de apoio técnico e financeiro pelo 

Poder Público.  

Parágrafo único. O Poder Público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação 

do atendimento aos educandos com necessidades especiais na própria  rede pública 

regular de ensino, independentemente do apoio às instituições previstas neste artigo.  

 

 

  Diante  dessas  sugestões  identificamos  que  a  sociedade  através  da  escola  não  tem  cumprido  as 

recomendações  que  essa  lei  sugere  principalmente  se  considerarmos  o  capítulo  de  Educação  Especial, 

destacando  principalmente  a  questão  da  inserção  dessas  pessoas  preferencialmente  na  rede  regular  de 

ensino,  e  a  provisão  de  condições  que  precisam  acontecer  para  que  possamos  falar  de  que  possam  ser 

supridas as necessidades de acesso e permanência de pessoas com necessidades especiais nas escolas.  

  A não observância desses artigos alimenta a manutenção da  intolerância,  seja ela,  religiosa, étnica, 

sexual,  política,  sócio‐econômica. Um  traço  físico  pode  ser  interpretado  tanto  como  uma  questão  cultural 

tanto quanto uma questão médica. E, diante da diversidade de destinos que eles podem  ter os que  forem 

pegos nas redes de significações culturais podem construir suas identificações (CAMPELO, 2002). 

  No  caso  dos  surdos  serem  incluídos  nas  redes  de  significações  patológicas,  provavelmente,  serão 

excluídos, discriminados e condenados a serem pessoas deficientes.  

  Na tentativa de neutralizar essa perspectiva a escola deve pautar suas ações nas diferenças expressas 

pelo pertencimento a grupos culturais e étnicos, nas crenças,  idéias e  ideologia, bem como nas capacidades 

intelectuais  e  habilidades  expressas  pelos  alunos.  Nesse  caso  impõe‐se  o  exercício  de  uma  prática  da 

diferença, reconhecendo desse modo, a complexidade humana. Em caso contrário, estamos diante de um dos 

LETRAS LIBRAS |  103 

 

mecanismos da intolerância que diante de outros diferentes, difunde‐se a crença de que eles, ou não pensam, 

ou não sentem, ou não reagem como nós. (CAMPELO, 2001). 

  Entendida assim como desviante, a tendência será sempre procurar nas crianças os sinais e sintomas 

do seu desvio. Ao contrário, se acreditarmos e trabalharmos no sentido de superação das dificuldades desse 

aluno, estaremos descobrindo novas maneiras de realização. Portanto não é a presença física dessas pessoas 

nas  escolas/sociedade,  que  representa  o  atendimento  das  suas  necessidades  (sejam  surdos,  cegos, 

surdocegos, deficientes mentais, etc.).  

  É  preciso  ir mais  além,  pois  uma  visão  que mantenha  restrições,  por  algum motivo,  de  pessoas 

diferentes,  significa  que  talvez  estejamos  “criando”  barreiras mais  difíceis  de  serem  superadas  do  que  as 

limitações podem levar aqueles que as apresentam.  

  O desvelamento de novas possibilidades para a educação do surdo, por exemplo, pode significar na 

perspectiva adotada pelo modelo brasileiro não apenas uma questão lingüística. Para além da língua de sinais 

e do português. Essa escola não pode ser traduzida como espaço monolingue, ao contrário, o confronto se faz 

necessário  para  que  se  constitua  uma  verdadeira  educação: multilingüe  e multicultural.  Nesse  sentido  as 

políticas  públicas  devem  não  apenas  projetar  ações  que  possibilitem  a  existência  de  uma  estrutura  que 

viabilize a participação desses alunos nas salas de aula, mas devem ser impulsionadoras do seu cumprimento.  

Referências para leituras complementares

GLAT, R. (Org,)  Educação Inclusiva: cultura e cotidiano escolar. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2007. 

PERLIN, G. e STROEBEL, K.  Fundamentos da Educação de Surdos. Florianópolis: Editora da UFSC, 2008. 

SASSAKI, R. K. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 2002, 4 ed. 

SKLIAR, C. A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998. 

SOARES, M.A.L. A educação do surdo no Brasil. Campinas: EDUSF, 1999. 

WRIGLEY, O. Política da Surdez. Washington: Gallaudet University Press, 1996. 

 

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS| 104 

 

Unidade 4

MODELOS PARA EDUCAÇÃO DE SURDOS

 

  A  história  de  educação  de  surdos mostra  que  sua  trajetória  foi marcada  por  uma  diversidade  de 

opiniões que ao longo desse tempo foi se modificando. Sabemos que os surdos foram alvos desde o início 

da Idade Moderna de dois tipos de atenção: a médica e a religiosa.   

Naquela ocasião a chamada “surdo‐mudez” se constituía, conforme cita Soares (1999) um desafio para 

a medicina, pois estava  ligada a anomalia orgânica. Por outro  lado a ajuda para aqueles que não podiam 

ouvir, nem falar, fazia parte dos preceitos religiosos. 

   No  entanto,  os  avanços  da  ciência  e  a  participação  de  pais  e  amigos  dessas  pessoas  foram 

determinantes  para  que  essa  percepção  fosse  mudando.  A  atuação  dos  médicos  que  foram  se 

interessando pela educação de  surdos  foi marcada por uma prática essencialmente pedagógica voltada 

para que o surdo adquirisse algum tipo de conhecimento.  

  Gerolamo Cardano, que era matemático, médico e astrólogo italiano, desenvolveu investigações sobre 

a condutibilidade óssea, foi o primeiro educador de surdos. Segundo Soares (1999, p.17) afirmou “a mudez 

não se constituía um impedimento para que o surdo adquirisse conhecimento”. Desse modo, começaram 

a serem empregadas formas diversas para trabalhar com o surdo.  

  Segundo essa autora, apesar das diferenças entre os motivos que encaminharam as ações educativas 

na  Itália e na Espanha, no  século XVI, e na Holanda,  Inglaterra e Alemanha, no  século XVII, e  início do 

século  XVIII  as  práticas  exercidas  por  esses médicos  e  religiosos  na  educação  de  surdos,  são  bastante 

semelhantes, no que diz  respeito ao ensino através da escrita. Nesse sentido, a presença da escrita nos 

diferentes métodos utilizados pelo oralismo teve como objetivo a aquisição da fala. 

  A partir daí modificações foram sendo introduzidas na educação de surdos e que podem ser resumidas 

nos seguintes modelos educacionais:  

ORALISMO 

COMUNICAÇÃO TOTAL 

BILINGUISMO 

 

 

LETRAS LIBRAS |  105 

 

4.1. Oralismo

    O Congresso de Milão, em 1880, representou o marco para a adoção do oralismo como a única via de 

realização do surdo. Nesse congresso foi decidido por votação dos professores (excetuando os professores 

surdos), segundo Goldfeld (1998) que apenas a língua oral deveria ser aprendida pelos surdos e a língua de 

sinais naquela ocasião era considerada prejudicial para o desenvolvimento da criança surda. 

    Essa  concepção  gerou  uma  mudança  radical  nas  escolas  do  mundo  inteiro  que  abandonaram 

qualquer expressão através de sinais para concentrar‐se na oralização, principal objetivo da educação de 

crianças surdas.  

  Para atingir esse fim, como  já mencionamos, a maior parte do tempo previsto para o trabalho com 

essas crianças era dedicado ao treinamento oral, afim de que pudessem dominar a língua na modalidade 

oral. Essa opção  foi dominante no mundo  inteiro até a década de 60, ocasião em que William  Stokoe, 

lingüística americano, demonstrou que a língua de sinais era uma língua como qualquer outra, com todas 

as características das línguas orais e que seriam adquiridas naturalmente pelo surdo. 

   Existem diversas metodologias de oralização, entretanto, um ponto comum entre elas é a estimulação 

da audição residual, detectada através de exames audiológicos e trabalhada após a adaptação de aparelho 

de  amplificação  sonora  individual  (AASI).  Esse  aparelho  amplifica  os  sons,  possibilitando  que  o  surdo 

consiga melhorar sua capacidade de escutar. 

  O uso desses aparelhos vai depender da avaliação audiométrica que classifica a  surdez em diversos 

graus: 

 

Leve 

Moderada 

Severa  

Profunda 

 

Audiometria: é um exame da  audição  realizado por meio de  instrumentos de  avaliação da 

capacidade para apreender os diferentes sons da fala e classificar a surdez nos diversos graus 

acima mencionados. 

 

Após essa avaliação os profissionais adotavam um dos diversos métodos dentre os quais passamos a citar: 

 

LETRAS LIBRAS| 106 

 

 

 

Os métodos orais incluem duas abordagens: 

 

1) unissenssorial – prioriza a audição como principal via sensorial a ser estimulada e desse 

modo  conseguir  que  o  surdo  oralize.  Tendo  em  vista  esta  abordagem  podemos  citar, 

dentre outros, dois métodos : acupédico e audiofonatório. 

 

2) multissensorial – utiliza  várias  vias  sensoriais  como  recursos a  serem  trabalhados para 

chegar  a  oralidade.  Como  métodos  que  adotaram  essa  perspectiva  podemos  citar  :  

aural, verbotonal. 

  

 

Esses métodos  apostam  no  treinamento  da  audição  como  principal  recurso  para  atingir  o  objetivo  de 

oralizar o surdo. 

Mais  recentemente podemos  falar do  implante coclear  (chamado popularmente de ouvido biônico) que 

começa  a  fazer  parte  das  opções  disponíveis  para  os  surdos. Nesse  caso,  após  a  cirurgia  o  surdo  passa  a 

”ouvir” se toda a intervenção for bem sucedida. 

 

As principais técnicas a serem trabalhadas nos métodos orais são: 

Treinamento auditivo 

Leitura orofacial 

Desenvolvimento da fala 

 

Treinamento auditivo  

Propõe  que  através  da  estimulação  auditiva  o  surdo  possa  reconhecer  e  discriminar  ruídos,  sons 

ambientais, sons da fala. Associado a esse trabalho é essencial a utilização de AASI e também dos aparelhos de 

amplificação de mesa durante as sessões de atendimento (GOLDFELD, 1998) . 

LETRAS LIBRAS |  107 

 

 

Leitura orofacial 

É  a  utilização  de  recursos  visuais  na  fala  como  facilitadores  do  processo  de  comunicação  (GOLDFELD, 

1998). Através da  leitura orofacial  é possível  identificar  a palavra  falada produzida  através de movimentos 

articulatórios por parte do emissor.  

Portanto, é um instrumento necessário para o surdo, e, com ela tenta‐se que ele entenda a mensagem do 

interlocutor  a  partir  da  leitura  que  faça  dos  lábios,  da  face  ,  dos  movimentos  e  posições  dos  órgãos 

articulatórios. 

É importante considerar que não temos visibilidade de todos os fonemas produzidos e desse modo muitos 

dos  sons emitidos não  são  identificados claramente, portanto,  somente através do contexto do que é dito, 

pode‐se fazer a complementação da ideia.  

 

O desenvolvimento da fala 

São exercícios realizados para a mobilidade e tonicidade dos órgãos fonoarticulatórios na fonação, lábios, 

mandíbula, etc, além de exercícios de respiração e relaxamento. 

Após  a  preparação  dos  órgãos  fonatórios  deve‐se  partir  das  produções  espontâneas  para  irem  se 

transformando  essas  produções  em  autênticas  fonações  e  em  palavras  (AGUDO;  MANSO;  MÈNDES  y 

MUÑOZ,2001). 

 

O desenvolvimento da linguagem 

Paralelamente a  todo esse  trabalho, a  linguagem  se mantêm nesse contexto como o elemento no qual 

essas intervenções são efetivadas. Por esse motivo alguns desses métodos sugerem estratégias específicas que 

identificaremos de forma sucinta 

Dentro da perspectiva oralista, Simonek e  Lemes  (1990) afirmam que o desenvolvimento da  linguagem 

tem  início nos primeiros meses de vida quando a  criança  começa a produzir as primeiras palavras,  sempre 

auxiliada  pelo  AASI  e  pela  estimulação  auditiva.  Sua  linguagem  deve  seguir  as mesmas  etapas  da  criança 

ouvinte.  

 

LETRAS LIBRAS| 108 

 

Ainda  segundo  as  autoras  acima  mencionadas,  que  sugerem  na  p.  78  (1990)  “Assim  estimuladas  as 

palavras‐frase,  frases  de  dois  elementos,  verbos  básicos  e  a  estrutura  gramatical  correta.  Seguindo  estas 

etapas, a criança surda chegará a um rendimento lingüístico satisfatório”.  

Uma  estratégia  que  perdurou  durante  os  anos  áureos  do  oralismo  foi  a  Chave  de  Fitzgerald,  que  se 

propunha  a  organizar  a  linguagem  ordenando  os  elementos  que  compunham  a  frase,  colocadas  em  um 

quadro, que dava a ideia de um esquema que teria de ser seguido, embora não incluísse a possibilidade de que 

o aluno criasse novas estruturas.  

Mais  recentemente,  outra  forma  utilizada  por  métodos  orais,  dentro  desse  mesmo  modelo  foi  o 

Organograma  da  Linguagem  que  constitui‐se  de  um  conjunto  de  símbolos  (figuras  geométricas)  que 

representam a estrutura  frasal. Segundo Goldfeld  (1998, p.79  ) o círculo  representa   o núcleo do  sujeito; o 

quadrado  simboliza  o  predicado  e  o  triângulo  pode  representar  o  complemento  verbal  ou  complemento 

nominal. Dessa  forma, a estrutura da  língua vai sendo organizada partindo  inicialmente de associações com 

essas figuras.  

A sua utilização representou uma possibilidade de criar condições para que essa criança entendesse como 

a  língua  portuguesa  se  estruturava.  No  entanto,  nem  mesmo  seu  emprego  conseguiu  que  os  surdos 

chegassem a compreender como se organizam as frases na língua portuguesa de forma clara. 

E, a partir da década de 60 do século XX, como já comentamos, a língua de sinais começou a ganhar novo 

espaço na comunicação de surdos especialmente nos Estados Unidos com o surgimento da Comunicação Total 

que pretendeu promover antes de tudo, a comunicação ‐ surdo x ouvinte. 

4.2 Comunicação Total

  A Comunicação Total  surgiu depois que a publicação de William Stokoe comprovou que a  língua de 

sinais era uma língua legítima tal qual uma língua oral. 

 

Ela propõe uma maneira diferente de perceber o surdo, ou seja, como um indivíduo diferente, 

não deficiente e, a denominação “deficiente auditivo” usada pelos oralistas    foi  substituída 

por outra, “Surdo”. 

 

 

LETRAS LIBRAS |  109 

 

  A Comunicação Total defende a utilização de qualquer  recurso  lingüístico,  seja a  língua de  sinais, a 

linguagem oral ou códigos manuais, para  facilitar a comunicação  (GOLDFELD, 2002). O aprendizado de uma 

língua não é objetivo principal da Comunicação Total. 

 

 

No Brasil a Comunicação Total, além da  LIBRAS  (  Língua Brasileira de Sinais) utiliza ainda a 

datilologia  (alfabeto manual), o  cued‐speech  (  sinais manuais que  representam os  sons da 

língua portuguesa) o português sinalizado    (língua artificial que utiliza o  léxico da  língua de 

sinais  com  a  estrutura  sintática  do  português  e  alguns  sinais  inventados  para  representar 

estruturas  gramaticais  do  português  que  não  existem  na  língua  de  sinais);  o  pidgin 

(simplificação da gramática de duas  línguas em contato, no caso  , o português e a  língua de 

sinais) (GOLDFELD, 2002, p.40 e 41). 

 

 

A Comunicação Total recomenda o uso simultâneo destes códigos manuais com a língua oral. Essa opção é 

denominada bimodalismo e cria uma terceira modalidade, que emprega inadequadamente a língua de sinais, 

já que a mesma, tem gramática diferente da língua portuguesa. 

 

4.3. Bilinguismo

O pressuposto que norteia esse modelo é que o surdo deve ser bilíngüe, ou seja, ele deve adquirir como 

língua materna a  língua de sinais, que é considerada a  língua natural dos surdos e, como segunda  língua, a 

língua  na  oficial  de  seu  país  na modalidade  oral  e/ou  escrita.  Autores  como  Sanches  (1993)  acredita  ser 

necessário para o surdo adquirir a língua de sinais e a língua oficial do seu país apenas na modalidade escrita e 

não oral. 

 Skliar  (1999)  comenta que a educação bilíngüe não pode  ser neutra nem opaca. Ela deve  se  constituir 

como  consciência  política,  para  entender  a  educação  dos  surdos  como  uma  prática  de  direitos  humanos 

concernentes aos surdos; a coerência ideológica para discutir as assimetrias do poder e do saber entre surdos 

e ouvintes e a análise de natureza epistemológica das representações colonialistas sobre surdez e surdos. 

Essas línguas não devem ser utilizadas simultaneamente para que suas estruturas sejam preservadas. 

 

LETRAS LIBRAS| 110 

 

O surdo, para os bilinguistas não precisa almejar uma vida semelhante ao ouvinte, podendo 

aceitar e assumir a surdez ( GOLDFELD, 2002). 

 

Um dos princípios mais  importantes desse modelo de ensino é que os surdos formam uma comunidade, 

com cultura e língua próprias. A língua de sinais deve ser aprendida em contato com adultos fluentes. 

Muitos  fatores ainda  comprometem a adoção do bilingüismo, ou  seja,  falta a estrutura  recomendada para  sua 

utilização. A escola pública, geralmente, ministra suas aulas em português, por professores ouvintes que na sua grande 

maioria não domina a língua de sinais. Por outro lado o número insuficiente de intérpretes que não estão presentes em 

todas as salas de aula, durante  todo o  tempo, assinala outra dificuldade na viabilização dessa  forma de promover o 

conhecimento nas salas de aula. Ao mesmo tempo temos de esclarecer que mesmo contando com essa presença do 

profissional intérprete, ela não garante a apreensão do conhecimento.  

   Para o bilinguismo o domínio da língua de sinais é mais fácil para que o surdo perceba estes aspectos 

na língua oral, já que tem exemplos da língua de sinais para se guiar. 

 

REFLEXÕES 

          Dentre  os  modelos  que  foram  expostos  acima,  o  bilingüismo  adotado  nas  últimas 

décadas parece oferecer melhores condições para a aquisição da  

comunicação por surdos. Sabemos que esse modelo está ocupando um grande espaço no cenário 

científico mundial, em paises como EUA, Canadá, Suécia, Venezuela, Israel, entre outros países que 

desenvolvem muitas pesquisas sobre surdez e abordagem bilíngüe (GOLDFELD, 2002).  

            Considerando que no Brasil o ensino tardio da Libras,nas escolas       acrescentam mais 

dificuldades à questão principal da perda auditiva. Segundo Fernandes (2005) os surdos, em 

sua  grande maioria,  crescem  em  famílias  de  pais  que  falam  e  ouvem  o  português  e  não 

adquirem esta  língua precocemente. Desse modo,  freqüentando escolas em que o ensino é 

realizado  em  língua  portuguesa,  com  pouquíssimos  professores  que  dominam  a  Libras, 

resultam em aquisições mais tardias. Portanto, o não compartilhamento dessas duas  línguas 

desde  a  infância,  não  atende  as  principais  recomendações  desse modelo  uma  vez  que  a 

presença do intérprete de Libras não garante a aprendizagem. 

                                                                                                                                                                            

 

LETRAS LIBRAS |  111 

 

Referências para leituras complementares 

 

AGUDO,  J.D.M.; MANSO,  J.M.M; MÉNDEZ, M,J.R.; MUÑOZ, A.S.  Intervención en Audición y Lenguaje: casos 

prácticos. Madrid: Ed. EOS Universitária, 2001. 

FERNANDES, E. (Org.) Surdez e Bilingüismo. Porto Alegre: Mediação, 2005. 

GOLDFELD, M. Fundamentos de Fonoaudiologia. Rio de Janeiro: Editora Guabara Koogan, 1998. 

SANCHES, C. Vida para os surdos. Revista Nova Escola. Rio de Janeiro: Abril, 1993. 

SIMONEK, M.C. &  LEMES, V.P. Surdez na  Infância, Diagnóstico e Terapia. Rio de  Janeiro: Soluções Gráficas 

Design Studio, 1997.  

SKLIAR, C. A localização política da educação bilíngüe para surdos. In: Atualidades para educação bilíngüe para 

surdos. Porto Alegre: Editora Mediação, 1999. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS| 112 

 

Unidade 5

CULTURA, IDENTIDADE x EDUCAÇÃO DE SURDOS

 

   Pensar na educação de surdos nos leva de pronto a refletir sobre as peculiaridades que esse grupo de 

pessoas  apresenta  diante  da  limitação  auditiva  que  interfere  largamente  na  visão  de  mundo  que  elas 

possuem. Não estamos tratando de uma questão resolvida quando falamos de identidade surda, como afirma 

DORZIAT (2009). 

  Ainda  segundo  a  autora,  o  debate  inócuo  até  então  realizado  orbitava  em  torno  dos  conceitos  de 

deficiência  e  reabilitação que não  traziam questões que devem  permear  a  intervenção  educacional para  a 

surdez,  considerando  questões  políticas,  culturais,  lingüísticas,  e  de  identidade.  Elas  transmitem  valores 

culturais que motivam a troca de experiências sobre ser surdo, mostrando a riqueza dessa cultura.   

  Seguindo  a  sugestão  de  Perlin  e  Stroebel  (2008)  passamos  a  falar  de  concentrações  de  surdos, 

principalmente, destacando suas principais características. As diversas lutas encetadas por essas comunidades 

sejam no seu  lugar de origem e/ou em outras  localidades, alavancaram os ganhos políticos pelo respeito aos 

seus direitos.  

  Sejam reunidos em família, associações, em instituições religiosas, pequenos grupos de lazer, trabalho, 

trouxeram  conquistas  até  bem  pouco  tempo  não  possíveis  de  imaginar.  Desse  modo  cada  grupo  foi  se 

constituindo  como  comunidade  surda  distinta  de  qualquer  outra  localidade.  Reunidos,  eles  foram  se 

fortalecendo  e  aos  poucos  foram  ganhando  espaço  na  sociedade  hoje  representada  pelos  seus  órgãos 

representativos, na esteira do movimento  inclusivista que,  com maior divulgação  começou a  ser objeto de 

reflexões em diversas instâncias.   

  Capturando  a  influência da  inclusão escolar  como  citou Glat  (2007, p.16)  “o  reconhecimento desse 

movimento  como  diretriz  educacional  prioritária  na  maioria  dos  países,  dos  quais  o  Brasil  passou  a  ser 

sentido”. Para tal fim, ela afirma que:  

 

[...] o respeito à responsabilidade dos governos e dos sistemas escolares de cada

país com a qualificação de todas as crianças e jovens no que se refere aos conteúdos,

conceitos, valores e experiências materializadas no processo de ensino-aprendizagem

escolar tendo como pressuposto o reconhecimento das diferenças individuais de qualquer

origem.

LETRAS LIBRAS |  113 

 

 

  Nessa ótica e diferindo do modelo médico, o modelo educacional propunha o emprego de recurso e 

métodos de ensino mais eficazes proporcionando às pessoas com deficiência, ainda como afirma Glat ( 2007) , 

maiores  condições  de  adaptação  social,  auxiliando‐a  a  superar  ,  pelo  menos  em  parte,  as  dificuldades 

cotidianas. 

 

CONCEITO 

Modelo educacional  

A ênfase não era mais na deficiência intrínseca do indivíduo, mas sim nas condições do meio 

em  proporcionar  recursos  adequados  que  promovessem  o  desenvolvimento  e  a 

aprendizagem. 

 

  Deixamos, portanto, a lógica do binarismo, normal/anormal criando movimentos que contribuam para 

o apagamento da diferença na medida em que os dispositivos clínicos  sejam afastados. A  lógica global não 

auxilia muito nesse processo. Ao contrário, o espaço das certezas, das regras e das padronizações  instigados 

pela  ideologia  dominante,  fixa  as  culturas  locais  em  identidades  rígidas  disseminando  a  ideia  de  culturas 

globais hegemônicas provocando desconforto frente aos diversos papéis a serem assumidos pelos sujeitos na 

atualidade ( DORZIAT, 2009). 

  Algumas conseqüências são inevitáveis no cenário atual, como mostra Hall (1997) a desintegração do 

conceito de  identidade única; reforçamento das  .identidades  locais pela via da resistência à globalização e a 

aceitação de um inevitável hibridismo nas identidades. Desse modo reforçando as identidades locais é possível 

desmistificar a imagem de unificação em torno do modelo capitalista liberal. 

“No entanto, o contexto multifacetado coloca esses  sujeitos  frente a  situações muito diversificadas, 

exigindo deles a  incorporação de diferentes papéis sociais, o que demanda uma organização menos rígida” ( 

DORZIAT,  2009,  p.18).  Nesse  sentido  se  adotamos  um  discurso  que  possa  evitar  a  expressão  do  poder, 

estaremos na trilha para iniciar um processo de desvendamento das sinuosidades do poder, desconstruindo a 

lógica  existente para criar uma nova lógica de convivência social 

Seguindo a ótica da autora, as identidades ao invés de apagadas, são vistas no contexto complexo que 

envolve comportamentos, crenças, valores.  

 

LETRAS LIBRAS| 114 

 

  Segundo Skliar (2003, p 47), a única opção possível para que a alteridade não fique aprisionada entre a 

condição e o estado do ser ou não ser deve ser a de uma temporalidade denominada estar sendo. 

  Por apresentar dificuldades em se adequar a esse padrão baseado num ouvinte único, a pessoa surda 

foi ao  longo do  tempo patologizado, obrigado a se submeter aos mais diferentes  tratamentos  terapêuticos, 

visando sua normalização. Terapias de fala, treinamentos de restos auditivos, técnicas para adquirir a  leitura 

orofacial são algumas das iniciativas para normalizar essas pessoas (DORZIAT, 2009). 

  Na  contramão  desse  conceito,  a  adoção  do modelo  inclusivista  trouxe  a  possibilidade  concreta  de 

aceitação  da  diferença  pelas  políticas  públicas.  A  possibilidade  de  uso  da  língua  de  sinais  foi  sendo 

paulatinamente  inserida nas escolas. Apesar dessa  inserção  ainda detectamos  contradições decorrentes da 

cultura majoritária, e, nesse sentido a Libras toma corpo apenas no aparato legal que mascara a continuidade 

das políticas homogêneas e unilaterais. 

  Incluir uma criança surda em salas regulares é um desafio particularmente difícil, devido ao que pode 

ser considerado como uma diferença lingüística irrecuperável, em relação aos demais alunos.  

  No sistema educacional brasileiro apesar de esforços  já empreendidos, os programas de capacitação 

de professores para atuar junto aos surdos se revelaram até o momento como ineficientes, se considerarmos, 

principalmente, a comunicação empregada por essas crianças, a língua de sinais.  

  Sem as condições de fazer a leitura orofacial esperada pelos professores que por sua vez não dominam 

os  conhecimentos  fundamentais para que possa  compreender o  aprendizado de uma  criança  com  audição 

ausente.  Estaremos assim diante de um obstáculo que os sistemas escolares ainda não conseguiram eliminar, 

pois em sala de aula os conhecimentos são transmitidos em língua portuguesa. 

   Esse professor espera que o aluno surdo possa dar conta da comunicação em língua portuguesa, seja 

tentando  articular  lentamente  para  que  o  aluno  surdo  possa  fazer  a  leitura  orofacial  e,  desse  modo 

compreender  os  aspectos  do  léxico  e  do  semântico  da  língua  portuguesa,  ou  ainda  deixando  para  que  o 

intérprete de Libras resolva essa questão. Nesse caso sem as condições adequadas o surdo não poderá obter 

desempenho acadêmico em níveis satisfatórios ( FERNANDES, 2005).  

  A escola precisa  ir adquirindo os padrões preconizados pelas políticas públicas e, deixar de camuflar 

alguns dos padrões que tenta encobrir. Nesse sentido, 

[...] as comunidades surdas devem propiciar um lugar de afirmação de política, de

troca de experiências, que podem desfazer rótulos que por si só contribuem para a

perpetuação de uma visão circunstancial das situações, mostradas nas falas dos próprios

surdos (DORZIAT, 2009, p.25).

LETRAS LIBRAS |  115 

 

 

  A organização de processos  em direção  a uma  verdadeira política da diferença,  segundo  Larrosa  e 

Skliar ( 2001) desconstroi as idéias que vem do mundo ouvinte. 

  Em  sendo  assim,  a  escola  parece  continuar  negando  a  existência  da  diferença,  seja  na  forma  de 

comunicação  seja  na  forma  de  aquisição  dos  saberes,  não  levando  em  consideração  a  cultura  daquelas 

pessoas que mostram peculiaridades que certamente exigiriam dessa instituição uma atenção especial para as 

necessidades desse aluno. 

  A tarefa de ressignificação do ato pedagógico não é fácil, porque requer uma renovação dos padrões 

até então adotados, pois muitas vezes  conservando modelos  tradicionais, deixam de  incorporar estratégias 

que serviriam para que o surdo avançasse no processo de aquisição do conhecimento.  

  Como  já  comentamos  anteriormente,  alguns  aspectos merecem  destaque  especial,  pois  temos  de 

considerar que, por exemplo, no caso da Libras , adquirida como primeira língua vai influenciar diretamente na 

aquisição  da  língua  portuguesa.  Nesse  caso,  a  avaliação  de  textos  escritos  por  surdos  deve  levar  em 

consideração  o  fato  de  que  é  um  aprendiz  de  segunda  língua  que  sofre  a  influência  da  primeira  língua 

especialmente quando  se  trata de uma  língua  visuo  –  espacial  com  características bem  distintas da  língua 

portuguesa.   Não considerando essa perspectiva, de um modo geral, a  língua portuguesa é ensinada para 

surdos como se fosse para ouvintes, o que certamente vai provocar  interpretações distorcidas sobre o texto 

escrito  por  ele.  Apesar  da  presença  do  intérprete  de  Libras  nas  salas  de  aula  essa  situação  ainda  não  foi 

minimizada, pois diante do exercício de um papel que não foi devidamente esclarecido, e por esse motivo gera 

expectativas incoerentes com as possibilidades de sua atuação. 

  Portanto,  em um  cenário  onde  ainda  não  contamos  com profissionais  em número  sequer  razoável 

para atuar em todas as salas de aula, sejam:  intérpretes de Libras, professores bilingues, professores surdos, 

de fato não podemos falar de um contexto inclusivista, na sua essência. 

  O desafio que nos colocamos consiste basicamente em buscar outros parâmetros em que “as ações 

sejam  reinventadas  sob  outra  lógica”  que  em  nada  contribuem  para  as  mudanças  que  são  necessárias. 

Portanto temos de substituir as tendências tecnicistas na educação de surdos por uma nova versão na qual a 

língua de sinais alcança o verdadeiro lugar que deve ocupar, juntamente com profissionais que possam influir 

definitivamente para a concretização dos princípios bilinguistas. 

  Estudos  de  muitos  teóricos  tais  como  Quadros  (1997,  k2006,2007,2008,2009);  Karnopp  (  2005); 

Fernandes  (2005),  Ferreira  Brito,  (1993)  dentre  outros, mostram  que  os  surdos  podem  aprender  a  ler  e 

escrever em português sem aprender a pronunciar esse idioma, da mesma forma que se aprende uma língua 

estrangeira escrita sem saber pronunciar suas palavras. 

 

LETRAS LIBRAS| 116 

 

  Desse modo, estaremos defendendo o multiculturalismo, como um real respeito à diversidade cultural 

dos surdos. 

Para que as crianças surdas possam compartilhar as práticas culturais do contexto

social dos ouvintes cujos símbolos que impregnam a cultura só vão se revestir de

significado para as crianças surdas se houver interações sociais e comunicativas

significativas que possam decodificar símbolos (FERNANDES, 2005, p.92).

  O  sistema  público  brasileiro  reconhece  a  diferença  lingüística  do  surdo  como  importante  fator  de 

identidade  cultural,  valorizando  a  língua  de  sinais, mas  ainda  busca  estratégias  eficazes  para  ensiná‐la  nas 

escolas, a exemplo de tantos outros países. 

  A  escola  deve,  conhecer,  aceitar  e  valorizar  essas  diferenças,  entendendo‐as  dentro  do  prisma 

multicultural.  Desse  modo  foi  necessário  eliminar  práticas  exclusivistas  que  operaram  tanto  tempo  nas 

escolas, dentro da ótica médico‐clínica  ,  e que utilizavam  a patologização    individual do  aluno    como uma 

maneira de segregação e adotar a participação desse ser diferente com sua cultura, valores, e peculiaridades 

para aprender, distintas daqueles que ouvem. 

    

CONCEITOS 

Identidade cultural – é uma forma de distinguir os diferentes grupos sociais e culturais entre 

si. A identidade cultural pode ser melhor entendida se considerarmos a produção da política 

da identidade, que também dá origem a esta metodologia da educação de surdos.  

Multiculturalismo – é o estabelecimento de níveis de respeitabilidade e  

garantia de igualdade de direitos humanos às pessoas com diferentes origens, crenças, etnias, 

gêneros; uma convivência pacífica entre os membros pertencentes a grupos minoritários e os 

grupos majoritários  de  uma  comunidade  social  sem  qualquer  discriminação  (FERNANDES, 

2005, P.91). 

Comunidades  surdas  – Não  é  somente  composta por pessoas  surdas, há  também  sujeitos 

ouvintes  – membros  da  família,  intérpretes,  professores  de  surdos,  amigos  e  outros  que 

participam  e  compartilham  os  mesmos  interesses  em  comuns  em  uma  determinada 

localização (...) Em que lugares? Geralmente em associações de surdos, federações de surdos, 

igrejas e outros ( STROEBEL, 2008, p.29). 

 

LETRAS LIBRAS |  117 

 

Referências para leituras complementares 

DORZIAT, A.  O outro da educação: pensando a surdez com base nos temas identidade/diferença, currículo e 

inclusão. Petrópolis: Vozes, 2009. 

FERNANDES, E. Surdez e bilingüismo. Porto Alegre: Mediação, 2005. 

GLAT, R. (Org.). Educação Inclusiva: cultura e cotidiano escolar.  Rio de Janeiro, 7 Letras, 2007. 

HALL, S. Identidades Culturais na pós‐modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1997. 

LARROSA,  J. &  SKLIAR,  C.  ( Orgs.) Habitantes  de    Babel:  políticas  e  poéticas  da  diferença.  Belo Horizonte: 

Autêntica, 2001. 

SACKS, O. Vendo Vozes: uma jornada pelo mundo dos surdos. Rio de Janeiro: Imago, 1990. 

SKLIAR, C. Pedagogia (improvável) da diferença. E se o outro não estivesse ai?. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. 

 

 

LETRAS LIBRAS| 118 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

FUNDAMENTOS ANTROPO- FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO

LETRAS LIBRAS |  119 

 

 

 

LETRAS LIBRAS| 120 

 

FUNDAMENTOS ANTROPO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO

 

LUIZ GONZAGA RODRIGUES  

 

Apresentação

Você  é  convidado(a)  agora  a  ingressar  no  universo  da  antropologia  filosófica  da  educação.  As 

palavras podem parecer distantes, mas quando falamos da antropologia estamos trazendo para a discussão o 

ser  humano,  sua  vida  e  seus modos  de  ser,  pensar  e  agir  em  seus  contextos  vitais.  Quando  falamos  de 

antropologia filosófica queremos saber como o ser humano vai construindo seus processos de compreensão 

de si e do mundo e em que bases encontra sustentação para se pronunciar sobre seu saber e conhecimento. 

Na  longa  aventura humana  sobre  a  terra  temos dado provas de que  somos  capazes de  aprender 

durante toda a vida, de crescermos em diferentes níveis e em diferentes profundidades de aprendizagem. As 

disponibilidades abertas de nosso  cérebro, os domínios da  linguagem e da  comunicação, as habilidades de 

nossas mãos, o andar bípede, nossa longa infância e adolescência, entre outras características, permitiram que 

criássemos  formas  de  organização  grupal  e  social  complexas,  supondo  uma  aprendizagem  continuamente 

aberta. São essas disponibilidades humanas e sociais para aprender a ser e a conviver, que nos  levam, como 

educadores, a  indagar pelas visões de mundo que se fizeram hegemônicas e pelos caminhos conflituosos de 

recepção e de integração ativa na sociedade de todos os seus membros. 

Como  você  verá,  o  convite  para  o  Curso  inclui  um  recuo  no  tempo,  para  revermos  as  heranças 

filosóficas que prevaleceram com suas concepções de mundo, de ser humano, de sociedade e de natureza, 

capazes de orientar modos de pensar e de agir. As incursões pretendem inspirar as buscas de hoje, quando as 

tarefas educacionais emergem dos espaços onde nos encontramos, da direção que pretendemos seguir e dos 

motivos que orientam nossas decisões. 

Interessa‐nos,  de  modo  especial,  como  latino‐americanos,  como  brasileiros,  os  vínculos  entre 

educação  e  política,  que  demarcam  conflitos,  e  transformam  diferenças  em  grandes  desigualdades.  No 

começo do século XX  75% da população brasileira eram  analfabetos. Vamos rejeitar os saberes de coisas da 

vida que temos acumulado ao  longo dos séculos ou vamos  incorporá‐los em nossas propostas pedagógicas?  

As pedagogias não conformistas se erguem das  inquietações em  torno dos entendimentos que construímos 

acerca dos processos através dos quais são construídas as sociedades, e com elas os conhecimentos e saberes 

hegemônicos. Nem por  isso vamos desconsiderar as vias  inteligentes de aquisição de  saberes, muitas vezes 

desprezadas.  

LETRAS LIBRAS |  121 

 

Uma  filosofia  flexionada  a  serviço da  educação  e da  vida  é de  se  esperar que  corresponda  a um 

pensamento  complexo,  aberto  à  inovação  e  ao  diálogo  frente  aos  domínios  vários  do  saber  e  do 

conhecimento. Estar na vida é ter a certeza de poder experimentar crises, superações e busca de alternativas 

para pensar um mundo onde todos os seres humanos possam encontrar uma morada digna. 

 

Os objetivos que pretendemos alcançar

 

Vamos trabalhar a partir de três grandes objetivos. Queremos identificar as heranças filosóficas que 

prevaleceram  com  suas  concepções  de mundo,  de  ser  humano,  de  sociedade  e  de  natureza,  capazes  de 

orientar modos de pensar e de agir. Queremos examinar as orientações que dizem respeito aos avanços do 

conhecimento,  predominantes  na  civilização  ocidental, muitas  vezes  postos  a  serviço  de  poucos.  Por  fim, 

queremos contribuir para a afirmação de uma ação pedagógica voltada para a promoção do ser humano, de 

modo a fortalecer as buscas e  intervenções a serviço de um convívio social onde todos encontrem um  lugar 

digno de habitar.  

 

As unidades temáticas

 

Vamos  trabalhar  com  três  unidades  temáticas.  Na  primeira  vamos  nos  deter  no  universo  da 

antropologia filosófica grega, procurando identificar seus pressupostos e preocupações. Vamos mostrar como 

a  filosofia grega vai deixando para  trás os domínios da  sabedoria de vida, que não oferecem bases  seguras 

para  o  conhecimento.  Vamos  nos  deparar  especialmente  com  as  contribuições  de  Sócrates,  Platão  e 

Aristóteles. 

Na  segunda unidade  vamos  ver  como  a  filosofia na modernidade desvenda novas necessidades e 

horizontes  para  o  pensamento,  redimensionando  a  pergunta  sobre  a  capacidade  humana  para  conhecer. 

Veremos alguns aspectos da contribuição de Descartes e Bacon e de Comenius. O último procura desenvolver 

uma pedagogia aberta às novas idéias de seu tempo. 

Na  terceira unidade vamos ver  como Rousseau abre  caminhos para uma pedagogia da existência, 

rompendo  com  a  pedagogia  da  essência,  descortinando  novas  bases  para    uma  educabilidade  aberta  ao 

universo da criança e à importância da aprendizagem. Vamos ver como a Escola Nova no século XX aprofunda 

as  idéias  apresentadas  por  Rousseau.  Vamos  ver  também  que  o  século  XX  vai  aos  poucos  inserindo 

efetivamente o Brasil nos problemas políticos e pedagógicos de  seu  tempo. Encerramos a  terceira unidade 

fazendo um balanço das heranças educacionais que nos alcançaram durante nossa formação escolar. 

 

 

LETRAS LIBRAS| 122 

 

Encaminhamentos e processos de avaliação

 

O  processo  avaliativo  incluirá  alguns  exercícios  para  que  você,  aluno(a)  possa  apropriar‐se  dos 

conteúdos e dos problemas  levantados pelos textos selecionados. Você fará textos curtos que serão pedidos 

ao longo do curso, com os quais você trará sua contribuição a partir das leituras propostas. Nessas atividades 

teremos no seu conjunto uma das três notas finais. 

A avaliação incluirá um convite para que você tente inventariar a sua experiência discente, desde sua 

iniciação escolar. Interessará neste inventário, neste memorial discente, que você avalie o alcance daquilo que 

compôs as dimensões fundamentais do seu processo educativo escolar. Você pode destacar aspectos positivos 

ou  negativos    presentes.  Por  exemplo,  inventariar  o  que  ficou  de  marcante  dos  seus  contatos,  do  seu 

manuseio dos  livros didáticos; o que ficou de marcante de sua relação com as bibliotecas das escolas; o que 

ficou de marcante dos recursos didáticos utilizados pelos professores até aquilo que hoje chamamos de ensino 

fundamental,  de  ensino médio.  Você  é  convidado  a  inventariar  as  opções  de  avaliação  da  aprendizagem, 

inventariar aspectos marcantes do contexto da época, no qual a(as) escola(as) estava(m) inserida(s). 

Com a produção do  inventário escolar,  resvalando em  saudades e vivências, a meta é a de  tentar 

desvendar,  com  os  olhos  de  hoje,  os  fins  e  objetivos muitas  vezes  implícitos  que  eram  atingidos,  com  as 

orientações pedagógicas e didáticas dominantes vividas por você, até chegar à universidade. A primeira parte 

do trabalho que corresponde ao  inventário dos aspectos relevantes de sua aprendizagem escolar equivale a 

segunda nota final. 

A partir desse inventário discente, você é convidado a fazer uma segunda parte de seu memorial 

adotando um conceito de educação. Com esse conceito que pode ser seu ou buscado na literatura 

educacional, você é convidado a identificar as direções, as concepções de mundo que orientaram as opções 

pedagógicas e didáticas vividas por você como aluno(a) e as que você apontaria como válidas hoje para as 

novas gerações que chegam aos espaços escolares. Com a segunda parte crítica do seu memorial 

completaremos as três notas. 

 

 

 

 

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS |  123 

 

UNIDADE I

A FILOSOFIA GREGA ANTIGA: PRESSUPOSTOS E PREOCUPAÇÕES

 

Atividades introdutórias

Que  tal “quebrarmos o gelo”, começando por concentrar nossa atenção na etimologia de algumas 

palavras consagradas, que retratam a vida na escola, nossas conhecidas de longa data? 

A atividade filosófica desenvolve um cuidado especial com as palavras que utilizamos. Quer saber o 

alcance que elas têm para descrever e dar significado para as coisas que se desdobram no mundo onde nos 

movemos. As  atividades  da  filosofia da  educação  também  não  se descuidam das palavras que podem nos 

ajudar a demarcar os caminhos, a coerência das respostas perante os desafios educacionais, de ontem e de 

hoje. Querem  nos  ajudar  a  ver  os  horizontes  demarcados,  as  compreensões  acerca  do  que  se  espera  da 

disponibilidade do ser humano para se educar. Uma antropologia filosófica a serviço da educação quer saber, 

portanto, qual compreensão decisiva de  ser humano, de  sociedade, de vida orienta as buscas,  faz  surgir os 

problemas  considerados  relevantes. A  tentativa  é  a de  caminharmos próximos das    teorias  e práticas, que 

ontem e hoje disputam o poder de dizer o que deve ser a educação, para que e para quem ela serve.   

 

Etimologia das palavras no espaço da Educação Escolar4

 

‐ Aluno  –    alumnus,.i;criança que  se  alimenta no peito;  aquele  que  se  alimenta dos bocados que 

provém do magistério. Em decorrência: pupilo, discípulo. 

‐ Aprender – a) apprehendere: agarrar, apanhar, segurar, apoderar‐se de algo, porque é precioso e 

não se deve escapar. Em decorrência: tomar conhecimento de, reter na memória.   b) discere – aprender, de 

onde deriva a palavra discípulo. 

‐ Educar – a) educare: criar, amamentar. Em decorrência: instruir, preparar para a vida.  b) e‐ducere: 

e: para  fora; ducere: conduzir; dar à  luz;  fazer  surgir. Em decorrência: ajudar a conduzir de uma  situação à 

outra; ajudar a modificar. 

‐ Ensinar: ‐ insignire: assinalar, distinguir, colocar um sinal, mostrar, indicar. Em decorrência: indicar o 

caminho para aprender. 

                                                            4 Quando os  vocábulos  apresentados não  têm origem no  latim,  serão destacados de onde  se originam. Ver Maria  Lucia ARANHA.  Filosofi a da Educação. São Paulo. Moderna. 1989. p. 58. Ver Ernesto Faria. Dicionário Escolar Latino‐Português. Revisão de Rute J. de Faria. 6ª ed. Rio de Janeiro. FAE. 1991). Ver também Octavi Fullat. Filosofi as da Educação. São Paulo. Vozes. 1994. 

 

LETRAS LIBRAS| 124 

 

‐  formação: “fromage”, em  francês: provém da ação de dar  forma, de configurar, como os moldes 

dão forma aos queijos. 

‐ Instrução – instructio,.onis: construção, edificação. 

‐ Mestre ‐ magister,.tri: o que sabe mais 5(magis), o que dirige, conduz. 

‐ Pedagogo – do grego paidogogós (pais, paidos: “criança! E agogôs: “guia, condutor”): escravo que 

acompanhava as crianças à escola; depois: mestre, preceptor. 

‐  Saber – sapere: ter sabor, agradar ao paladar; saber, conhecer, aprender. 

‐ Texto – textum,.i: tecido, pano; obra formada por várias partes reunidas. 

 

Um antigo conto filosófico oriental e a sabedoria da atenção

 

Pudemos ver que os vocábulos que giram em torno do universo escolar brotam da vida, muito antes 

que a sociedade contasse com um espaço especializado para a aquisição dos saberes considerados relevantes. 

Assim, iniciamos nossa caminhada com um longo recuo no tempo. Por isso,  importa a atenção para algumas 

setas, alguns entalhes6  que apontam para antigas compreensões do que seja exercitar uma filosofia de vida. 

Para  realizar  isso,  você  terá  ao  seu  dispor  um  conto7,  sem  autoria  definida,  que  poderia  ser  escrito  em 

qualquer região do planeta, inclusive em nosso nordeste rural brasileiro.  

Em seguida, você terá a oportunidade de examinar alguns termos de origem muito antiga, heranças 

da  cultura e da  filosofia grega,  indispensáveis até hoje. Graças à  contribuição da professora de  filosofia da 

Universidade  de  São  Paulo, Marilena  Chauí,  os  termos  filosóficos  são  apresentados  com  seus  vínculos  e 

dependências  com  as  experiências  gregas mais  humildes.  Veremos,  de  início,  apenas  seis  desses  termos 

filosóficos. Meu  interesse  principal  com  eles  é demarcar  as despedidas que  a  filosofia  grega  faz, de modo 

consciente e deliberado, do que há de melhor dos saberes do senso comum. A8 filosofia grega critica os riscos 

que  envolvem  tais  saberes,  seu  alcance  limitado,  e  especialmente  as  dificuldades  para  reproduzir  tais 

habilidades.  

Feito  isso, você será convidado a  ler a Alegoria da Caverna, de Platão. Trata‐se de uma abordagem 

memorável acerca da  contribuição da  filosofia para o  campo da educação. A alegoria quer  ser um  sinal de 

alerta sobre os enganos que podem submeter os humanos dotados de sensibilidade e razão. A alegoria quer 

ser abrangente o suficiente para oferecer algumas dicas para que não nos percamos nos espaços tateantes das 

                                                            5 Esclarece Octavi Fullat  (1994, p. 35) que o poderio  físico, moral e cultural do mestre  fundou a concepção educativo‐ensinante que prevaleceu durante séculos. A Escola Nova modifi cou paulatinamente, e apenas em determinados ambientes, os signifi cados desses signifi cantes 6  Abertura  ou  corte  feito  na madeira  ao  alcance  dos  olhos  para  orientar  o  caminhante  em meio  a  florestas  onde  não  há  trilhas perfeitamente delimitadas (cf. Arseniev, 1989: 46‐49) 7 Você verá que o conto é paradigmático, remete às origens  longínquas do ser humano caçador, que é capaz de orientar‐se e obter êxito servindo‐se apenas dos indícios, dos fragmentos de informação. Ver sobre isso Ginzburg (1989: 143‐79) 8 É importante que você saiba o que pensa seu professor: defendo e estou evidenciando isso, de que há uma sabedoria de vida refinada e  disponível  para  qualquer  pessoa  letrada  ou  não.  Para  isso  a  pessoa  precisa  ser  capaz  de  desenvolver  uma  capacidade  de  se concentrar, de desenvolver um senso de atenção e de observação ativa, para não ser surpreendida facilmente pelos eventos futuros. 

LETRAS LIBRAS |  125 

 

sombras, da  incerteza. Quando a narrativa apresenta  sua opção pelos caminhos da  razão, ela  já detém um 

sentido pedagógico orientador. 

 

A experiência de Zadig, apresentada por Voltaire9

 

Como já destacamos, trata‐se de um texto de origem remota, sem autoria definida, recuperado por 

Voltaire (1694‐1778). A sugestão é a de que você faça sua leitura, com o compromisso de lembrar de alguma 

pessoa conhecida, dotado das astúcias e habilidades parecidas com as do personagem principal do texto. 

 

Zadig convenceu-se de que o primeiro mês do casamento, como está escrito no livro do Zenda, é a lua-de-mel, e que o segundo é a lua-de-fel. Pouco tempo depois viu-se obrigado a repudiar Azora,que se tornara difícil de aturar, e procurou satisfação no estudo da natureza. “Ninguém é mais feliz – dizia ele, - que um filósofo que lê o grande livro aberto por Deus diante dos nossos olhos. São suas as verdades que descobre: alimenta e educa a alma, vive tranqüilo; nada receia dos homens, e sua meiga esposa não vem cortar-lhe o nariz.”

Cheio destas idéias recolheu (sic) a uma casa de campo à beira do Eufrates, onde não se ocupava a calcular quantas polegadas de água correm por segundo sob os arcos de uma ponte, ou se no mês do rato cai uma linha cúbica de chuva a mais do que no mês do carneiro. Não cuidava de fazer seda com teias de aranha, nem porcelana com cacos de vidro, antes estudou sobretudo as propriedades dos animais e das plantas, não tardando a adquirir uma sagacidade que lhe apontava mil diferenças onde os outros homens viam só uniformidade.

Certo dia passeando na orla de um bosque, viu aproximar-se um eunuco da rainha seguido de vários oficiais que pareciam tomados da maior inquietação, e corriam de um lado para outro como pessoas extraviadas em busca da maior preciosidade perdida.

- Moço – perguntou-lhe o eunuco, - por acaso não viu o cachorro da rainha? Zadig respondeu modestamente: - Creio tratar-se de uma cadela e não de um cachorro. - Tem razão – volveu o eunuco. - É uma cachorrinha de caça que deu cria há pouco tempo; manqueja da pata dianteira

esquerda e tem orelhas muito compridas. - Viu-a então? – Tornou o eunuco esbaforido. - Não – respondeu Zadig, - nunca a vi e nem mesmo sabia que a rainha tivesse uma

cadela. Justamente nessa ocasião, por um capricho muito comum da sorte, o mais belo cavalo das coudelarias do rei fugira das mãos de um palafreneiro para as campinas da Babilônia. O monteiro-mor e todos os outros oficiais andavam atrás dele com tanta apreensão quanto a do eunuco atrás da cadela. O monteiro-mor dirigiu-se a Zadig e perguntou-lhe se não vira passar o cavalo do rei.

- É o cavalo que melhor galopa - respondeu Zadig; - tem cinco pés de altura e os cascos muito pequenos; sua cauda mede três pés de comprimento e as rodelas do seu freio são de ouro de vinte quilates; usa ferraduras de prata de onze denários.

- Que caminho tomou ele? Onde está? – perguntou o monteiro-mor. - Não sei – respondeu Zadig; não o vi nem nunca ouvi falar nele O monteiro-mor e o eunuco ficaram certos de que Zadig tinha roubado o cavalo do rei e a

cadela da rainha, e levaram-no à presença do grande Desterham que o condenou ao knut, e a passar o resto do seus dias na Sibéria. Mal havia terminado o julgamento, foram encontrados o cavalo e a cadela.

                                                            9 VOLTAIRE. Zadig ou o destino: história oriental. Rio de Janeiro. Ediouro. S/d. 

 

LETRAS LIBRAS| 126 

 

Os juízes viram-se na desagradável contingência de reformar a sentença, mas condenaram Zadig a pagar quatrocentas onças de ouros por dizer que não vira o que tinha visto. Primeiro ele teve que pagar a multa, e só depois lhe permitiram defender a sua causa perante o conselho do grande Desterham onde falou nesses termos:

- Estrelas de justiça, abismos da ciência, espelhos da verdade, que tendes o peso do chumbo, a dureza do ferro, o brilho do diamante e muita afinidade com o ouro: já que me é consentido falar diante desta augusta assembléia, juro-vos por Orosmade que nunca vi a respeitável cadela da rainha, nem o sagrado cavalo do rei dos reis. Aqui está o que me sucedeu: andava eu passeando pelo pequeno bosque onde depois encontrei o venerável eunuco e muito ilustre monteiro-mor. Percebi na areia pegadas de um animal, e facilmente concluí serem as de um cão. Leves e longos sulcos, visíveis nas ondulações da areia entre os vestígios das patas, revelaram-me tratar-se de uma cadela com as tetas pendentes, e que, portanto, devia ter dado cria poucos dias antes. Outros traços em sentido diferente, sempre marcando a superfície da areia ao lado das patas dianteiras, acusavam ter ela orelhas muito grandes; e como além disso notei que as impressões de uma das patas eram menos fundas que as das outras três, deduzi que a cadela da nossa augusta rainha manquejava um pouco, se assim posso me exprimir.

“Quanto ao cavalo do rei dos reis, sabei que estando a passear pelos carreiros desse bosque, avistei as marcas das ferraduras de um cavalo, todas colocadas a igual distância. ‘Eis aqui – disse comigo, - um cavalo que tem o galope perfeito’. A poeira das árvores. Num caminho não mais de sete pés de largura, mostrava-se um pouco revolvida a direita e a esquerda, a três pés e meio do centro da rota. ‘Este cavalo – tornei a considerar nos seus movimentos para a direita e para a esquerda, varreu essa poeira’. Vi depois sob as árvores, que formavam um docel de cinco pés de altura, alguns ramos cujas folhas tinham caído recentemente, e concluí que o animal as roçara com a cabeça, tendo, portanto cinco pés de altura. Seu freio deve ser de ouro de vinte e três quilates, pois tendo batido numa pedra que verifiquei ser uma pedra de toque, pode em seguida identificá-lo. Enfim, pelas marcas das ferraduras deixadas em pedras de outra espécie, deduzi que estava ferrado com prata fina.”

Todos os juízes admiraram o profundo e sutil discernimento de zadig; a notícia chegou aos ouvidos do rei e da rainha. Só se ouvia falar de Zadig nas antecâmaras, nas salas e gabinetes; e embora alguns magos opinassem que ele devia ser queimado como feiticeiro, o rei ordenou que lhe devolvessem a multa de quatrocentas onças de ouro a que havia sido condenado. O escrivão, os oficiais de justiça e os procuradores foram a sua casa em grande aparato levar-lhe as quatrocentas onças, das quais apenas retiveram trezentas e noventa e oito para as custas do processo, além dos honorários reclamados pelos servidores.

Zadig compreendeu que às vezes era perigoso ser demasiado sábio, e prometeu a si mesmo não tornar a dizer o que porventura houvesse visto. A ocasião não tardou a apresentar-se. Um prisioneiro do Estado tendo fugido, passou por baixo das janelas de sua casa. Zadig interrogada nada respondeu, mas provaram-lhe que ele havia olhado pela janela. Por esse crime foi condenado a pagar quinhentas onças de ouro, e ainda agradeceu a benevolência dos juízes, como é costume na Babilônia. – “Santo Deus! – Exclamou para si, - quanto é lastimável ir-se passear a um bosque onde passaram a cadela da rainha e o cavalo do rei! Como é perigoso a gente chegar à janela, e como é difícil ser feliz neste mundo.”

Uma suposta versão mais antiga do que a do conto de Zadig

 

Um conto similar, e provavelmente mais antigo, narra a história de três príncipes de Serendip. Eles 

caminhavam pelo deserto  até que  chegaram  a um oásis. Enquanto descansavam  foram  abordados por um 

viajante  que  havia  perdido  um  camelo  e  a  carga  que  este  conduzia.  Os  príncipes,  quando  abordados, 

perguntaram ao viajante se o camelo era cego do olho direito, se o animal seguia carregado de um tonel de 

LETRAS LIBRAS |  127 

 

mel, do    lado esquerdo e de um tonel de manteiga, do  lado direito. O dono do camelo sumido os condenou 

como ladrões, quando disseram que não o haviam visto.  

No tribunal, os príncipes  alegaram que tiveram ao alcance dos olhos apenas as marcas deixadas pelo 

animal fujão. No caso da cegueira do olho direito, perceberam que a relva do lado direito era mais abundante, 

mas o camelo insistia em comer a do lado esquerdo do caminho. Do lado direito do caminho notaram que as 

moscas  pousavam  sobre  a  relva  em  busca  dos  restos  da manteiga,  do  lado  esquerdo  formigas  vinham  à 

procura do mel. (cf. Gonçalves, 2003: 92‐93) 

 

Considerações sobre a experiência de Zadig

 

Zadig é o filósofo anônimo que aprendeu a  ler os sinais sutis  inscritos na natureza, cenário onde se 

manifesta  a  presença  dos  seres  vivos.  Sua  missão  é  a  de  estar  de  olhos  bem  abertos  para  detectar  as 

particularidades reveladoras que se manifestam no espaço vital onde habita.  

  O conto oriental apresente uma das mais antigas concepções acerca do  trabalho do pensamento 

humano. A filosofia de quem estuda a natureza, como Zadig, estará sempre sendo testada em sua capacidade 

explicativa, uma  vez que  será  sempre  confrontada pela prática. Os desafios  são  consideráveis  e  arriscados 

porque é preciso decidir acertadamente através da leitura de indícios incompletos e nem sempre nítidos. 

A leitura do texto permite identificar o que é considerado como atividade relevante para o estudioso 

da natureza. Ao mesmo  tempo esclarece de que modo Zadig desenvolveu  seu método de observação e de 

atenção. O protagonista nos surpreende, na medida em que se mostra apto para decifrar indícios a respeito de 

algo que nem mesmo estava à procura. O filósofo que aparece no texto é o mestre da atenção e da capacidade 

de desvendar sinais sensíveis que desafiam a acuidade de nossos olhos, sinais que para ele são deixados por 

Deus, no  livro aberto da natureza. Zadig  surpreende os emissários da  rainha e o  leitor, pela maneira como 

informou a respeito dos animais que se haviam perdido.  

Umberto  Eco  (in:  ECO  E  SEBEOK  1991:  242;236)  considera  que  o  conto  de  Zadig  não  é  de 

investigação, mas um conto filosófico, na medida em que permitiu vislumbrar como é possível alcançar  uma 

coincidência entre aquilo que era apenas  suposição na mente daquele homem  (a  cadela e o  cavalo de  seu 

mundo textual) e aquilo que acontecia no mundo exterior, materializado nas buscas dos oficiais a serviço da 

rainha. Isso se tornou possível porque o protagonista do conto voltou‐se para os estudos das propriedades dos 

animais e plantas não para reduzi‐las aos seus esquemas mentais prévios, mas para pensar por alternativas, 

para arriscar a captar no que entende por livro aberto por Deus, aquilo que a vida mostra e esconde aos olhos 

humanos.  

   

 

LETRAS LIBRAS| 128 

 

 

 

 

Na mitologia grega há uma deusa poderosa que personifica os saberes de Zadig e dos príncipes de Serendip  

É   a deusa Métis10, personificação da  inteligência prática, do engenho e da astúcia para solucionar 

dificuldades,  da  prudência,  do  expediente  para  enfrentar  uma  situação  complicada,  maquinar  ardis  e 

armadilhas. Deusa que incorpora uma qualidade psicológica que combina intuição, rapidez, engenho e astúcia. 

Um dos  filhos de Métis é o deus Póros, que é o engenho astucioso que soluciona dificuldades encontrando 

caminhos. Póros encarna o meio ou o expediente para chegar a um fim, recurso ou engenho para chegar a um 

fim, para solucionar uma dificuldade; ação de passar através de, trajeto. (CHAUÍ, 2002: p.505;509‐10). 

Jean‐Pierre Vernant (2000: 40‐41) escreve que: 

Zeus se casa com Métis e esta logo fica grávida de Atena. Zeus teme que algum filho seu, por sua vez, o destrone. Como evitar? (...) Diz que só há uma solução: não basta que Métis esteja ao seu lado como esposa, ele mesmo tem de se tornar Métis. Zeus não precisa de uma sócia, de uma companheira, mas deve ser a métis em pessoa. Como fazer? Métis tem o poder de se metamorfosear, ela assume todas as formas, assim como Tétis e outras divindades marinhas. É capaz de virar animal selvagem, formiga, rochedo, tudo o que quiser. Trava-se então um duelo de astúcias entre a esposa, Métis, e o esposo, Zeus. Quem vai ganhar? Há boas razões para supor que Zeus recorra a um processo que conhecemos também em outros casos. Em que consiste? É claro que, para enfrentar uma feiticeira ou um mago extraordinariamente dotado e poderoso, o ataque direto estaria fadado ao fracasso. Mas, se escolher o caminho da artimanha, talvez haja uma chance de vencer. Zeus interroga Métis: “Podes de fato assumir todas as formas, poderias ser um leão que cospe fogo?” Na mesma hora Métis se torna uma leoa que cospe fogo. Espetáculo aterrador. Zeus lhe pergunta depois: “Poderias também ser uma gota d´água? “Claro que sim”. “Mostra-me.” E, mal ela se transforma em gota d’água, ele a sorve. Pronto! Métis está na barriga de Zeus. Mais uma vez a astúcia funcionou. O soberano não se contenta em engolir seus eventuais sucessores: ele agora encarna, no correr do tempo, antecipadamente os planos de qualquer um que tente surpreendê-lo ou derrotá-lo. Sua esposa Métis, grávida de Atena, está em sua barriga. Assim, Atena não vai sair do regaço da mãe, mas da cabeça do pai, que é agora tão grande quanto o ventre de Métis. Zeus dá uivos de dor. Prometeu e Hefesto são chamados para socorrê-lo. Chegam com um machado duplo, dão uma boa pancada na cabeça de Zeus e, aos gritos, Atena sai da cabeça do deus, jovem donzela já toda armada, com seu capacete, sua lança, seu escudo, e a couraça de bronze. Atena é a deusa inventiva, cheia de astúcias.  

                                                            10 Ver sobre Métis em Marilena Chauí (2002: 505; 509‐10) 

LETRAS LIBRAS |  129 

 

Considerações sobre o texto

 

Na enciclopédia Wikipedia11 encontramos que: a filha mais famosa de Métis é conhecida como Atena 

ou para outros Palas Atena. Freqüentemente é associada a um escudo de guerra, à coruja da sabedoria ou à 

oliveira. Ainda, de acordo com a enciclopédia, a deusa Atena, que nasce da cabeça de Zeus, é toda poderosa 

tanto nas habilidades de  caça e pesca,  como nas habilidades de guerra,  tem  seu poder maior na atividade 

mental.  

Atena parece personalizar o esforço grego de colocar a atividade racional a serviço de um poder que 

sabe  hierarquizar  os  esforços  humanos,  de modo  a  encontrar  equilíbrio  e  estabilidade.  Atena  domina  as 

atividades humanas essenciais, desde as mais antigas, como a caça, a pesca, bem como a capacidade técnica, 

de  construir  o  arco  e  a  flecha,  além de  saber  costurar. No  entanto,  seu  talento maior  reside na  atividade 

mental, herança direta de Zeus, senhor absoluto da arte de governar. Atena parece simbolizar muito mais a 

atividade mental  que  é  perseguida  pelos  filósofos  do  período  clássico.  Trata‐se  de  um  pensamento  que 

domina e delimita o lugar subalterno das habilidades humanas mais antigas como a caça e a pesca, bem como 

as técnicas e as artes da guerra. O ponto culminante é o da sabedoria de quem exercita o poder a serviço da 

equidade e da estabilidade. 

 

 

UM CONVITE: que tal sentarmos à mesa da filosofia e saborearmos seis termos gregos antigos?  

Este encontro em  volta da mesa é para  alimentar nosso  corpo,  supondo que  a  cabeça é o  corpo 

(agora  há  pouco  a  cabeça  era  uma  barriga,  um  útero).  Entre  o  comer  e  beber  dessa  refeição,  esperamos 

mostrar porque os filósofos gregos se despedem da sabedoria oriental, daquela que Zadig era o mestre. 

Neste movimento introdutório aos fundamentos antropo‐filosóficos da educação vamos analisar seis 

termos gregos de grande  importância para a filosofia grega antiga e elucidativos até hoje. Através deles será 

possível acenar para algumas preocupações básicas que orientavam as  formas como os gregos aprendiam a 

interrogar o mundo natural, a presença humana no mundo, a organização da sociedade e o papel de destaque 

que é destinado à atividade filosófica. 

                                                            11 Ver htt p://pt. wikipedia.org/wiki/Atena; ver também:htt p://greciantiga.org. 

 

LETRAS LIBRAS| 130 

 

Vamos apreciar os termos gregos a partir da contribuição de Marilena Chauí, num glossário que ela 

elaborou no seu livro intitulado: Dos Pré‐Socráticos a Aristóteles (2002)12. A autora teve o cuidado de situá‐los 

como parte da herança grega, que é cultivada desde os tempos imemoriais, desde as sociedades ágrafas.   

 

Doxa: Opinião, crença, reputação (Isto é, boa ou má opinião sobre alguém), suposição, conjetura. Esta

palavra possui dois sentidos diferentes por ser usada em dois contextos diferentes: o contexto político, no qual foi usada inicialmente, e o contexto filosófico, a partir de Parmênides e Platão. Deriva-se do verbo dokéo, que significa: 1. tomar o partido que se julga mais adequado para uma situação; 2. conformar-se a uma norma estabelecida pelo grupo; 3. escolher, decidir, deliberar e julgar segundo os dados oferecidos pela situação e segundo a regra ou norma estabelecida pelo grupo. Era este o seu sentido na assembléia dos guerreiros que deu origem à assembléia política, na democracia. Como a escolha e decisão se davam a partir do que era percebido, dito e convencionado pelo grupo, dóxa ganha também o sentido de uma modalidade de conhecimento, e agora, articula-se ao verbo doxázo que significa: ter uma opinião sobre algumas coisas, crer, conjeturar, supor, imaginar, adotar opiniões comumente admitidas. É neste segundo sentido que doxa pode ter o sentido pejorativo de conhecimento falso, preconceito, conjetura sem fundamento, sem convenção, arbitrária.  

Este  termo  doxa  corresponde  ao  que  entre  nós  relegamos  aos  domínios  do  senso  comum  ou 

também do bom senso. O termo é decisivo para compreender o que a filosofia decide rejeitar para firmar seu 

corpus  de  conhecimento  e  porque  decide  rejeitar. O  problema  da  doxa  é  que  não  oferece  confiança,  não 

oferece um conhecimento seguro. Se a palavra doxa deriva‐se do verbo dokéo, que significa optar diante de 

uma situação aberta ou de acordo com a norma de um grupo ela está condenada à  incerteza, não podendo 

impor‐se a todos, que é a preocupação da filosofia que vai firmar‐se, sobretudo, a partir de Platão. A doxa ao 

mover‐se no campo da opinião, do  risco, da conjetura, não oferece segurança, nem  fundamento. Assim, de 

acordo com as pretensões da filosofia grega, o conto filosófico oriental de Zadig é de pouco valor porque está 

preso à doxa. Da mesma forma que o personagem acertou em suas conjeturas, podia ter errado. Há uma nota 

importante aqui, a crítica que é feita pelos filósofos aos saberes que são adquiridos nos domínios da doxa, é 

estendida aos saberes da medicina grega. Na Grécia havia um tenso diálogo entre os filósofos e os médicos. 

Alguns dos filósofos pré‐socráticos eram também médicos, o que  influenciava em seu trabalho filosófico. Os 

médicos gregos entendiam sua profissão como filotecnia (amor a um domínio técnico sobre o corpo humano e 

a  restauração da saúde).  Isso enfrentava  resistência entre os gregos que desprezavam a  técnica como coisa 

não muito digna. Além disso, a medicina não estava  livre dos  riscos e das  incertezas que  se apresentavam 

como obstáculos para sua busca de rigor. A medicina não conseguia desvencilhar‐se de seus vínculos com a 

doxa,  uma  vez que o médico dependia de  sua percepção  sensível para  fazer o diagnóstico dos males que 

afligiam seus pacientes. O médico estava sujeito a erros. Os médicos/filósofos, por sua vez, criticavam aqueles 

que partiam de grandes princípios explicativos, sem fundamentar de modo consistente suas afirmações. 

 

                                                            12 Cf. CHAUÍ, Marilena. Dos pré‐socráticos a Aristóteles. Vol. 1. 2ª ed. rev. ampl. São Paulo. Cia das Letras. 2002. p. 493‐512. 

LETRAS LIBRAS |  131 

 

Eidos e Idéa: inicialmente, na linguagem comum dos gregos, significa o aspecto exterior e visível de uma coisa:

a forma de um corpo, a fisionomia de uma pessoa. A seguir, na linguagem filosófica (com Platão), passa significar a forma imaterial de uma coisa, a forma conhecida apenas pelo intelecto ou pelo espírito, a idéia ou a essência puramente inteligível de uma coisa. Significa também a forma própria de uma coisa que a distingue de todas as outras, seus caracteres próprios; por exemplo, a doença é um eîdos, uma forma que o médico reconhece. A palavra eîdos vem de uma raiz que aparece sob três formas:*eid-, oid- eid-. De eîd forma-se, além de eîdos, o verbo eídomai, que significa: mostrar-se, fazer-se ver ver. De *oid forma-se oída (infinitivo eidénai) perfeito do verbo ser que significa saber (por ter visto), conhecer. De *id- forma-se o aoristo do verbo ver, ideîn e o substantivo idéa, com o mesmo sentido de eîdos: aspecto externo, aspecto visível, forma visível, caracteres próprios de alguma coisa, maneira de ser. Com Platão, idéa passa a significar: princípio geral de classificação dos seres, forma ideal concebida pelo pensamento. Com Aristóteles, idéa, significa conceito abstrato diferente das coisas concretas. Eídos, a forma inteligível, idéa, o conceito, ideîn, , e oîada/ eidénai, saber (por ter visto), conhecer, criam a tradição filosófica do conhecimento como visão intelectual ou visão espiritual, e de verdade como visão plena ou evidência. A idéia é a realidade verdadeira que o pensamento vê. Em oposição a eîdos está eídolon: imagem, reprodução, cópia, ídolo, fantasma, simulacro.  

Logo  de  início,  na  apresentação  do  termo  idéa,  em  grego,  podemos  vê‐lo  como  originalmente 

acessível a qualquer pessoa,  letrada ou não, acessível até mesmo a uma criança. Quem não retém o aspecto 

exterior  e  visível  da  fisionomia  de  uma  pessoa  querida,  de  um  determinado  corpo  visto  todos  os  dias?  A 

linguagem  filosófica  cuida  de  garantir  verticalidade  ao  termo,  dotando‐o  de  um  significado  que  prioriza  a 

forma  imaterial  de  algo,  passível  de  ser  conhecido  apenas  por  um  intelecto  dotado  da  capacidade  de  se 

pronunciar  sobre  a  essência  inteligível  das  coisas.  Para  os  filósofos  gregos,  o  anseio  de  se  chegar  a  uma 

realidade  verdadeira  concebida  pelo  pensamento  está  em  oposição  nítida  ao  saber  comum,  às  opiniões, 

quando não há condições seguras para vencer os domínios da sensibilidade, das  falsas  idéias  representadas 

pelas imagens, pelos ídolos, pelos simulacros. Mais uma vez podemos ver que a filosofia grega quer trabalhar 

com formas inteligíveis, com conceitos que nos permitem pleitear o acesso a uma realidade verdadeira que o 

pensamento vê, sem o risco de iludir‐se. 

 

Episteme: conhecimento teórico das coisas por meio de raciocínios, provas e demonstrações; conhecimento

teórico por meio de conceitos necessários (isto é, daquilo que é impossível que seja diferente do que é; o que não pode ser de outra maneira, ser diferente do que é) e universais (isto é válidos para todos em todos os tempos e lugares). Opõe-se a empeiria. O verbo epistamai, da mesma família de episteme, significa: saber, ser apto ou capaz, ser versado em (portanto, inicialmente, este verbo não distinguia nem separava episteme e empeiria, mas referia-se a todo conhecimento obtido pela prática ou pela inteligência, referia-se à habilidade). A seguir, passa a significar: conhecer pelo pensamento, ter um conhecimento por raciocínio e, com Aristóteles passa significar investigar cientificamente.  

O  termo  episteme,  ou  epistemologia  vem  do  que  é  enfatizado  pelos  gregos,  enquanto  aquele 

conhecimento  que  tem  pretensão  de  universalidade,  de  verdade,  de  identidade.  Para  os  gregos,  o 

conhecimento seguro é considerado possível através do domínio teórico das coisas, dos raciocínios, das provas 

 

LETRAS LIBRAS| 132 

 

e  demonstrações  que  não  se  deixam  enganar  pelos  sentidos.  Na  Modernidade  há  uma  novidade,    o 

pensamento que conhece racionalmente é visto como de natureza distinta das coisas conhecidas, do que nos 

fornecem os sentidos, pois é  imaterial. Então, é preciso explicar como transformamos as coisas materiais em 

idéias,  sob  a  responsabilidade  do  sujeito  que  conhece.  Daí  em  diante  afirma‐se  a  necessidade  de 

epistemologias que pleiteiam  validade  científica. Veja, porém, o que adverte Chauí: o  verbo epistemai, em 

suas origens mais  antigas não distinguia ou  separava  episteme  (saber  racional) e  empeiria  (saber  sensível), 

abrangendo a todo conhecimento obtido pela prática, pela inteligência, pela habilidade. Como podemos ver, o 

termo  episteme,  com  o  trabalho  da  filosofia  grega  vai  ganhando  um  refinamento  que  abandona  as 

preocupações nas quais se sobressaem habilidades práticas e técnicas. Na Modernidade, por sua vez, fala‐se 

em epistemologias porque não há mais a identidade e a harmonia e o lugar previamente dado ao ser humano 

na  ordem  do  mundo,  como  queria  a  Antiguidade.  O  nosso  planeta  não  é  visto  mais  como  lugar  de 

centralidade, ele ocupa um  lugar entre outros no universo.  Isso obriga o ser humano a se apresentar como 

sujeito,  como  quem  ordena  e  organiza  o mundo  dentro  dos  limites  de  seus  recursos  racionais,  tendo  um 

método e uma epistemologia como guia e orientação de pensamento e de ação. 

 

Méthodos: método, busca, investigação, estudo feito segundo um plano. É composta de metá e odós (via,

caminho, pista, rota; em sentido figurado significa: maneira de fazer, meio para fazer, modo de fazer) Méthodos significa, portanto, uma investigação que segue um modo ou maneira planejada e determinada para conhecer alguma coisa; procedimento racional para o conhecimento seguindo um percurso fixado. Methodeúo: seguir de perto, seguir uma pista, caminhar de maneira planejada, usar artifícios e astúcias, é um derivado de méthodos.13

A  visita  de Marilena  Chauí  aos  termos  gregos  é  elucidativa  para  o  entendimento  dos  estudos  da 

filosofia  e  da  filosofia  da  educação  porque  ela  cuida  de  fazer  dois movimentos  essenciais. No  primeiro,  a 

autora apresenta o sentido que ainda hoje adotamos do termo,  levando em consideração seu vínculo com o 

entendimento original da  filosofia grega antiga. No outro movimento, a autora  surpreende o  leitor quando 

remete o termo ao seu sentido experimentado no universo humano do saber comum, especialmente quando 

neste  se  identificam  procedimentos  bastante  desenvolvidos  para  a  elucidação  de  problemas  práticos.  O 

pioneiro da pratica do método é o caçador. Este é o primeiro ser humano capaz de garantir a elaboração de 

planos  para  conseguir  objetivos  definidos.  Ele  segue  com  inteligência  pistas,  detalhes  para  alcançar  o  que 

procura. A palavra método, para Chauí, tem, portanto, sua vinculação primeira ao ofício do caçador, mestre na 

capacidade  de  seguir  de  perto  uma  pista,  de  planejar  esforços  e  astúcias  para  encontrar  comida,    água  e 

orientação,  para  escapar  de  inimigos  e  predadores.  Somente  sentidos  altamente  cultivados  permitem  em 

ambientes hostis, lograr êxito e  preservar a vida. Zadig, como vimos, é o filósofo da atenção, da observação, 

que é condição para a elaboração do método. É o filósofo/caçador capaz de encontrar até mesmo o que não 

                                                            13 É provável que Chauí tenha invertido os termos involuntariamente , pois parece lógico que methodeuo preceda méthodos. 

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está procurando. Devo aqui fazer um alerta: trago de volta Zadig e sua filosofia de vida, que a filosofia grega 

vai  jogar  para  um  plano  secundário.  Zadig  alcança  êxito, mas  poderia  fracassar  porque  lida  com  situações 

instáveis e não tem como testar previamente suas explicações provisórias. A filosofia grega quer trabalhar com 

explicações seguras e replicáveis, o que nem Zadig, nem os príncipes de Serendip tem condições de garantir. 

 

Logos: Esta palavra sintetiza vários significados que, em português, estão separados, mas unidos em grego.

Vem do verbo légo (no infinitivo légein) que significa: 1. reunir, colher contar, enumerar, calcular; 2. narrar, pronunciar, proferir, falar, dizer, declarar, anunciar, nomear claramente, discutir; 3. pensar, refletir; ordenar; 4. querer dizer, significar, falar como orador, contar, escolher; 5. ler em voz alta, recitar, fazer dizer. Lógos é: palavra, o que se diz, sentença, máxima, exemplo, conversa, assunto da discussão; pensar, inteligência, razão, faculdade de raciocinar, fundamento, causa, princípio, motivo, razão de alguma coisa; argumento, exercício da razão, juízo ou julgamento, bom senso, explicação, narrativa, estudos; valor atribuído alguma coisa, razão íntima de uma coisa, justificação, analogia. Lógos reúne numa só palavra quatro sentidos: linguagem, pensamento ou razão, norma, ou regra, ser um realidade íntima de alguma coisa. No plural, lógoi, significa: os argumentos, os discursos, os pensamentos, as significações: -logia, que é usado com segundo elemento de vários compostos, indica: conhecimento de, explicação racional de, estudo de, diálogo, dialética, lógica são palavras da mesma família de lógos. O lógos dá a razão, o sentido, o valor, a causa, o fundamento de alguma coisa, o ser da coisa. É também a razão conhecendo as coisas, pensando os seres, a linguagem que diz ou profere as coisas, dizendo o sentido ou o significado delas. O verbo légo conduz à idéia de linguagem porque significa reunir e contar: falar é reunir sons; ler e escrever é reunir e contar letras; conduz à idéia de pensamento e razão porque pensar é reunir idéias e raciocinar é contar ou calcular sobre as coisas. Esta unidade de sentidos é o que leva os historiadores da filosofia a considerar que, na filosofia grega, dizer, pensar e ser são a mesma coisa.

Há na origem da palavra um entrelaçamento de sentidos que podem ser identificados nas tarefas da 

vida  prática  e  também  nas  tarefas  do  trabalho  intelectual.  A    filosofia  grega  cuida  da  verticalidade  da 

compreensão do termo, de modo que se desembarace do universo inferior da doxa, do senso comum, e possa 

traduzir o esforço da  razão humana, que  fornece  critérios  considerados  seguros para  saber das  coisas, em 

busca de seu sentido e de seu significado profundo. Um aspecto importante: vamos  ver ‐logia como segundo 

elemento de vários  compostos. Quais  são as disciplinas, nossas conhecidas,  com este  complemento? Outra 

coisa  importante para  a  filosofia  grega  é  considerar que  em  seu domínio dizer, pensar  e  ser  constituem  a 

mesma coisa, a mesma realidade. Aqui esta posta a distância do saber do filósofo do saber de quem se move 

no domínio da doxa. 

 

Télos: fim, finalidade, conclusão, acabamento, realização, cumprimento; resultado conseqüência;

chegar a um termo previsto, ponto culminante, cume, cimo, alvo; formação e desenvolvimento completos, pleno acabamento; plenitude de poder de alguma coisa, soberania; o que deve ser realizado ou cumprido; o que é completo em si mesmo. (...) O télos é o que permite avaliar ou determinar o valor e a realidade de uma coisa. O  télos  é muito  importante  para  a  filosofia  porque  esta  trabalha  com método  (caminha  sempre 

seguindo um plano previamente pensado). Para a filosofia, a finalidade não é conquistada por obra do acaso, 

 

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mas pela capacidade de planejar, de antecipar racionalmente algo, de ver o alcance do que foi arquitetado na 

consciência. O télos, como o  lugar de chegada projetado é o que pode dar sustentação à atividade filosofica. 

No  entanto,  o  que  dizemos  aqui  nos  faz  lembrar  do  caçador,  que  foi  o  primeiro  ser  humano  dotado  da 

capacidade de perseguir um télos, que nada mais era do que o alimento para si mesmo e para a continuidade 

de sua comunidade. Fica mais fácil agora entender porque a cabeça de Zeus pôde se fazer fecunda, para isso 

bastou estar impregnada da inteligência e da astúcia da Métis.   

 

PARMÊNIDES(540-450 a.C) e HERÁCLITO(540-480 a.C): dois Filósofos Pré-Socráticos14

 

Para nós hoje (ver Chauí op. cit. 103) é muito claro que o pensamento se move de acordo com uma 

lógica que não é a mesma  lógica das coisas do mundo. Entendemos o pensamento como um movimento da 

nossa  consciência, esta que  conhece  e produz  idéias  sobre os objetos do  conhecimento. Porém, os gregos 

antigos desconheciam a separação entre o ato de conhecer e o objeto do conhecimento, entre o sujeito e o 

objeto. 

Parece estranho isso, mas do modo deles, os gregos mantinham um profundo vínculo com a ordem 

da natureza e da vida. Assim a  linguagem, notadamente a  linguagem elaborada, não se distinguia do sentido 

próprio  das  coisas. Os  filósofos  situavam  seu  pensamento  como  parte  indistinta  do  cosmos,  de  um  único 

mundo, de um único lógos (p.102).  

Sendo assim, passava a ser uma novidade admitir a existência de um pensamento movendo‐se com 

lógica interna apartada da experiência sensível. Abria‐se caminho para algo novo que permitia acesso à via da 

verdade, contra a via da opinião, da doxa. Esta é a contribuição de Parmênides. Para ele necessidade, destino, 

justiça  passam  a  ser  vistos  como  conceitos  e  não  forças  naturais,  são  por  isso,  exigências  do  ser  em  sua 

inteligibilidade, em  sua apreensão  racional e  lógica15. Esta  contribuição abre  caminhos para a  filosofia. Não 

será, todavia um caminho único, uma única maneira de situar o que é essencial para o conhecimento do ser. 

Chauí (2002: 104;105) esclarece: 

O que é ser para Parmênides (a identidade estável, imóvel) é ilusão para Heráclito. O que é essencial para Parmênides é o conhecimento do ser; o que é essencial para Heráclito é o auto-conhecimento do ser humano.’ No entanto, ambos inauguram a mesma coisa, isto é, a exigência de fazer a distinção entre a aparência e a realidade e a afirmação que essa diferença só pode ser feita pelo pensamento, pela inteligência e não pela experiência sensível ou sensorial. Os sentidos permanecem prisioneiros da dóxa. [grifo meu]

[Para Heráclito] o kósmos é ser vivo. Por isso muda sem cessar. Assim como a polis vive da luta dos contrários, assim também o kósmos, na tensão de seus opostos.. Assim como o logos, a polis cria a lei

                                                            14 Os filósofos pré‐socráticos são chamados assim não porque necessariamente vieram antes de Sócrates, mas porque se dedicaram  a estudar o mundo, a ordem das coisas no mundo, a partir de um ou mais princípios explicativos. Os pré‐socráticos não trabalham com o tema socrático central: a vida humana, o auto‐conhecimento e o agir moral.(Chauí) 15 Diké: justiça, inicialmente significava o modo de ser e de agir, à maneira de, ao modo de, costume, depois o modo de ser ou agir de acordo com uma regra de conduta, de uma norma. Moira: o destino de cada um, a necessidade que rege o curso das coisas (Cf. Chauí, op. cit. 498;506)

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(nómos) que faz existir a harmonia dos contrários, sem excesso, por todo excesso, toda hýbris é punida pela justiça (diké).  

 

 

  

O que podemos dizer de SÓCRATES, o medico/educador que examina a alma do aprendiz?  

É tarefa difícil tratar da contribuição de Sócrates (469/470‐399 a.C.), que nada deixou por escrito. O 

que temos é o legado obtido pelos escritos de discípulos e/ou pensadores interessados e ilustres como Platão 

e Aristóteles, Temos ainda o legado de escolas menos conhecidas como a dos megáricos, dos cirenaicos e dos 

cínicos,  por  admiradores  e  críticos  de  uma  fase  de  sua  vida,    por  estudiosos  que  vieram  em  períodos 

posteriores, como Cícero.  

Na  sua época, Atenas passa a  ser o  cenário onde os  campos de  saber estarão  sendo diretamente 

confrontados. No tempo de Sócrates, Atenas, pela sua prosperidade, transforma‐se num centro de cultura e 

de difusão de novas  idéias. Concretiza, pela primeira  vez, a experiência de um governo democrático  sob o 

controle daqueles que usufruíam dos direitos de cidadania. A cidade atrai pensadores que se dedicam a vários 

ramos de especialização. 

Ao seu modo, Sócrates, que se dizia um não especialista, compara seu ofício ao do médico clínico16. 

Este  “clínico  geral”, no entanto, não  vai buscar  seu metrón,  sua medida, nos  indicadores provenientes dos 

sentidos, como faz a  medicina de seu tempo. A via de acesso aos saberes pelos sentidos como que perde sua 

primazia na via socrática,  interessada pela saúde da alma. Fica dispensada a apreensão sensível da medicina 

hipocrática, que, dá sustentação à fase diagnóstica e diagnóstico‐comunicativa entre médico e paciente, para 

se chegar à terapêutica considerada adequada. 

Não se pode esquecer que, para Sócrates, a saúde da alma dependia de uma busca crítico‐normativa 

e de um domínio ético‐prático, para quem aspira deixar‐se guiar em direção ao que não está contaminado 

pelas  instabilidades e  incertezas dos embates  cotidianos. O  trabalho da  consciência não exime ninguém de 

encontrar sustentação às próprias idéias e assim chegar ao dever ser. 

                                                            16 Para Nietzsche, o  feito de  Sócrates  chega  à primazia do elemento  apolíneo‐racional  sem uma  tensão, de  fato,  com o dionísico‐irracional. Para ele, isso é o mesmo que quebrar a harmonia grega. De resto, corpo e alma passam a não ser uma e mesma coisa, além de se colocarem em uma ordem hierárquica com o privilégio da alma. 

 

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Sócrates  investe  contra  o  relativismo  da  linguagem,  contra  os  saberes  de  ocasião,  contra  a 

decadência  moral  e  política  da  cidade.  Ele  “indaga  se  existe  um  valor  essencial  de  todas  as  virtudes 

particulares, como a coragem, a sabedoria,  a justiça. (ABRÃO: 1999:44) 

A  medicina  do  corpo  transita  pelo  campo  dos  possíveis  para  apresentar,  no  máximo,  uma  via 

alternativa para a cura, cujo resultado só seria conhecido a posteriori. Sócrates vislumbra para a medicina da 

alma uma possibilidade muito mais refinada do que uma perícia que encontra uma via alternativa (acrescentar 

algo que falta ao corpo ou tirar algo que se encontra em excesso).  

Essa medicina da alma quer transitar pelo campo dos possíveis e ultrapassá‐los através da atividade 

racional e da descoberta dos critérios válidos para absorver cada caso e seus congêneres. Nesse percurso, a 

razão arranca da avaliação dialogada do que está sendo (o campo dos acontecimentos na vida cotidiana com 

suas incertezas),  costurando os critérios lógicos que mais prontamente superam as zonas de  indefinição em 

direção às noções seguras e desimpedidas dos condicionamentos.  Isso explica porque a medicina da alma é 

alçada a uma posição superior à medicina do corpo.  

O pensamento que, com Sócrates, redimensiona o alcance da inteligência humana acaba sinalizando 

para uma posição muito mais  confiante  e  segura  da  lógica  que o  alimenta. Nessa perspectiva,  a  atividade 

pensante humana não se contenta em se descobrir como parte  instável do cenário que compõe a realidade 

maior da physis. Caberá ao pensamento humano, a uma consciência corretamente cultivada, a possibilidade 

de julgar de modo mais seguro qual o seu  lugar na ordem da vida.  

Apesar  de  estabelecer  uma  dicotomia  corpo  e  alma,  Sócrates  garante  uma  concepção  de  alma 

(psiqué) que vai trazer grandes inovações no pensamento ocidental. 

Antes, com Homero, a psiqué era o “duplo” que tinha o poder de vagar provisioriamente durante o 

sono,  ou  desprender‐se  definitivamente  com  a morte, mas  ainda  sem  relação  com  a  vida mental  ou  as 

“faculdades” da pessoa.   Nos órficos, a  alma era o princípio  superior que poderia  reencarnar‐se depois de 

processo  de  purificação  e  de  reintegração  na  harmonia  universal.  No  corpo  vivo,  projetava‐se  de  modo 

excepcional, em sonhos, visões, transes. Nos pensadores Jônicos do século VI a.C., a psiquê era parte do todo, 

porção  do  pneuma  (ar)  infinito  que  habitava  o  corpo  até  o  último  alento,  como  concebia Anaxímenes  de 

Mileto. Era porção de  fogo a aquecer e animar o corpo, até o  retorno ao Fogo‐Razão, o Logos universal. A 

partir de Sócrates (PEÇANHA, in SÓCRATES, op. cit. 29‐30), ou na literatura referente a ele, surge a concepção 

de  alma  como  sede  da  consciência  normal  e  do  caráter,  a  alma  que  no  cotidiano  de  cada  um  é  aquela 

realidade  interior  que  se manifesta mediante  palavras  e  ações,  podendo  ter  conhecimento  ou  ignorância,  

bondade ou maldade.  

A descoberta de que a alma é o mesmo que a sede da consciência de cada um, capaz de manifestar 

conhecimento  ou  ignorância  ou  de  fazer  julgamento  sobre  o  que  é  verdadeiro  ou  falso,  trouxe  profundas 

alterações  sobre  como  podemos  adquirir  saberes  e  conhecimentos.  Os  órgãos  dos  sentidos  privilegiados 

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acabaram  sendo  a  visão  (alçada  para  além  de  sua mediação  sensível)  e  a  audição  (sem  ela  o  diálogo  e  a 

persuasão não superam a ignorância).  

As conseqüências pedagógicas da descoberta da alma racional superior ao corpo   abre perspectivas 

para  a  excelência  do  fazer  docente;  afinal,  habilitar‐se  a  ver  com  os  olhos  da  alma  é  tarefa  elevada,  para 

inspirados, como era o caso de Sócrates. Mas  a via do diálogo é uma grande idéia porque favorece um canal 

concreto através do qual o aprendiz mais limitado, se for bem conduzido, pode orientar‐se na arte de elaborar 

as próprias idéias e de se conduzir pelos caminhos da perfeição. 

 

   

 

 

PLATÃO: o sábio é o que aponta o caminho para a luz verdadeira

 

Platão (427‐347 a.C) vai introduzir uma mudança, ou melhor, um aprofundamento pessoal no que diz 

respeito  ao  modelo  de  investigação  herdado  de  Sócrates.    Os  textos  que  surgem  a  partir  do  Fédon 

acrescentam aos diálogos anteriores, preocupados em  sondar a consciência dos  interlocutores, um método 

dotado  de  características  teóricas,  a  serem  definidas  pelos  próprios  problemas  e  por  um  repertório 

argumentativo mais impessoal.  

Platão, na seqüência dos ensinamentos de Sócrates, procura garantir uma  investigação sistemática 

dos fundamentos da conduta humana, porém ultrapassa a ênfase nos dilemas psicológicos e éticos da prática, 

abordados  conforme as  circunstâncias. Com  isso, não  se alteram apenas os  temas da   dialógia  socrática: a 

própria trama do modelo dialogal  e singularizante, que é desencadeador da ciência ética, vai ser alterada. Já 

não basta chegar, pelo exame acurado do caso, aos  indicadores da ação. É preciso situá‐los numa explicação 

global da realidade, de onde examinar as condutas. 

Nos seus primeiros livros, Platão partirá para dar inteligibilidade à realidade, apoiando‐se no que não 

depende nem do tempo nem das mudanças (dialética descendente).   Platão entra com uma racionalidade do 

estático e das  formas perfeitas para  se  sobrepor e dar  inteligibilidade ao movimento, à  transitoriedade e à 

precariedade da experiência sensível. 

Fiel aos costumes gregos, ele está interessado em fundamentar aquilo que de maneira mais coerente 

permite agir sobre os homens. O filósofo‐educador vai dedicar‐se ao pensamento sobre a política que, para ter 

‘p’ maiúsculo, deve superar o desencadeamento de ações movidas por interesses ambíguos e pouco dignos. O 

 

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desafio é  trazer as bases para uma ação submetida a critérios de verdade, que arraste consigo o cultivo da 

harmonia, da justiça e da beleza. 

As  referências  platônicas  aos  temas  médicos  seguem,  pelo  menos,  duas  motivações  básicas: 

primeiramente, contribuem para elucidar o  inevitável paralelo entre cuidados do corpo e cuidados da alma; 

em segundo lugar, a medicina, com sua longa experiência de chegar a um pensar normativo, a partir dos casos 

concretos, não deixa de ser, até mesmo, como recurso didático, um degrau na escalada em busca da ordem 

das coisas e da norma imutável. 

Platão, para  ser  coerente  com  sua  idéia das  três almas, defende que  temos uma alma  inferior ou 

concupiscível, que reside no baixo‐ventre e é responsável pela atividade digestiva. Temos também uma alma 

afetiva, melhor  posicionada,  que mora  na  região  que  circunda  o  coração. Num  lugar mais  elevado,  está  a 

inteligência que habita o cérebro e é convocada para comandar as almas  inferiores. A atividade educacional 

consiste  em  evidenciar  a  posição de  nossas  três  almas de modo que  a  inteligência  seja  desenvolvida para 

comandar de forma eficiente as almas inferiores. Haverá processos educativos diferenciados. O rei deve saber 

guiar‐se pela inteligência para que seja justo, os guerreiros devem aprender a dominar sua vontade para que 

possam  defender  a  cidade  de  seus  inimigos  os  escravos  e  trabalhadores  deveriam  garantir  os meios  da 

subsistência humana na cidade. 

Há uma unidade que une as diferentes partes do organismo. Da mesma forma, cada homem e todos 

os homens  fazem unidade com o cosmos,  somos parte de um  todo. Tais convicções dão  sustentação à  sua 

biologia,  fisiologia,  patologia  e  terapêutica. Admite‐se  que  a  física matemática  garante  a  idéia  de  cosmos, 

como conhecimento possível. A medicina eleva o corpo perecível para a noção do todo, como possibilidade de 

ser um receptáculo digno para o “bem” que o habita.  

Vamos ver agora um famoso trecho da obra de Platão (RIBERO,1988) conhecido como A Alegoria da 

Caverna. O texto é extraído do Livro A República, Livro VII, 514 a ‐517 e. 

“– Vamos imaginar- disse Sócrates – que existem pessoas morando numa caverna subterrânea. A

abertura dessa caverna se abre em toda a sua largura e por ela entra a luz. Os moradores estão aí desde

sua infância, presos por correntes nas pernas e no pescoço. Assim, eles não conseguem mover-se nem virar

a cabeça para trás. Só podem ver o que se fica sobre um monte atrás dos prisioneiros, lá fora. Pois bem,

entre esse fogo e os moradores da caverna, imagine que existe um caminho situado num nível mais

elevado. Ao lado dessa passagem se ergue um pequeno muro, semelhante ao tabique atrás do qual os

apresentadores de fantoches costumam se colocar para exibir seus bonecos ao público.

- Estou vendo – disse Glauco.

- Agora imagine que por esse caminho, ao longo do muro, as pessoas transportam sobre a

cabeça objetos de todos os tipos. Levam estatuetas de figuras humanas e de animais, feitas de pedra, de

madeira, ou de qualquer outro material. Naturalmente, os homens que as carregam vão conversando.

- Acho tudo isso muito esquisito. Esses prisioneiros que você inventou são muito estranhos –

disse Glauco.

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- Pois eles se parecem conosco – comentou Sócrates – Agora me diga: numa situação como

está, é possível que as pessoas tenham observado, a seu próprio respeito e dos companheiros, outra coisa

diferente das sombras que o fogo projeta na parede à sua frente?

- De fato – disse Glauco -, com a cabeça imobilizada por toda a vida só podem mesmo ver

as sombras!

- O que você acha? – perguntou Sócrates – que aconteceria a respeito dos objetos que

passam acima da altura do muro, do lado de fora?

- A mesma coisa, ora! Os prisioneiros só conseguem conhecer suas sombras!

- Se eles pudessem conversar entre si, iriam concordar que eram objetos reais as sombras

que estavam vendo, não é? Além do mais, quando alguém falasse lá em cima, os prisioneiros iriam pensar

que os sons, fazendo eco dentro da caverna eram emitidos pelas sombras projetadas. Portanto – prosseguiu

Sócrates – os moradores daquele lugar só podem achar que são verdadeiras as sombras dos projeteis

fabricados.

- È claro.

- Pense agora no que aconteceria se os homens fossem libertados das cadeias da ilusão em

que vivem envolvidos. Se libertassem, um dos presos e o forçassem imediatamente a se levantar e olhar

para trás, a caminhar dentro da caverna e a olhar para a luz. Ofuscado, ele sofreria, não conseguindo

perceber os objetos dos quais só conhecera as sombras. Que comentário você acha que ele faria, se lhe

fosse dito que tudo o que observara até aquele momento não passava de falsa aparência e que, a partir de

agora, mais perto da realidade e dos objetos reais, poderia ver com a maior perfeição? Não lhe parece

que ficaria confuso se, depois de lhe apontarem cada uma das coisas que assam ao longo do muro,

insistissem em que respondesse o que vem a ser cada um daqueles objetos? Você não acha que ele diria

que são verdadeiras as visões de antes do que as de agora?

- Sim – disse Glauco - , o que ele vira antes lhe parecera muito mais verdadeiro.

- E se forçassem nosso libertado a encarar a própria luz? Você não acha que seus olhos

doeriam e que, voltando as costas, ele fugiria para junto daquelas coisas que era capaz de olhar, pensando

que elas são mais reais do que os objetos que lhe estavam mostrando?

- Exatamente – concordou Glauco.

-Suponho então – continuou Sócrates – que o homem só fosse solto quando chegasse ao ar livre.

Ele ficaria aflito e irritado porque o arrastaram daquela maneira, não é mesmo? Ali em cima, ofuscado

pela luz do sol, você acha que ele conseguiria distinguir uma das coisas que agora nós chamamos de

verdadeiras?

- Não conseguiria, pelo menos de imediato.

- Penso que ele precisaria habituar-se para começar a olhar as coisas que existem na região

superior. A princípio, veria melhor as sombras. Em seguida, refletida nas águas perceberia a imagem dos

homens e dos outros seres. Só mais tarde é que conseguiria distinguir os próprios seres. Depois de passar

por esta experiência, durante a noite ele teria condições de contemplar o céu, a luz dos corpos celestes e a

lua, com muito mais facilidade do que o sol e a luz do dia.

- Não poderia ser de outro jeito.

 

LETRAS LIBRAS| 140 

 

- Acredito que, finalmente, ele seria capaz de olhar para o sol diretamente, e não mais refletido

na superfície da água ou seus raios iluminando coisas distantes do próprio astro. Ele passaria a ver o sol, lá

no céu, tal como ele é.

- Também acho – Disse Glauco.

- A partir daí, raciocinando, o homem libertado tiraria conclusão de que é o sol que produz as

estações e os anos, que governa todas as coisas visíveis. Ele perceberia que, num certo sentido, o sol é a

causa de tudo o que ele e seus companheiros viam na caverna. Você também não acha que, lembrando-se

da morada antiga, dos companheiros de prisão, ele lamentaria a situação destes e se alegraria com a

mudança?

- Decerto que sim.

- Suponhamos que os prisioneiros concedessem honras e elogios entre si. Eles atribuiriam

recompensas para o mais esperto, aquele que fosse capaz de prever a passagem da sombras, lembrando-

se da seqüência em que elas costumam aparecer. Você acha, Glauco, que o homem libertado sentiria

ciúme dessas distinções e teria inveja dos prisioneiros que fossem mais honrados e poderosos? Pelo

contrário, como o personagem de Homero, ele não preferiria “ser apenas um peão de arado a serviço de

um pobre lavrador”, ou sofrer no mundo, a pensar como pensava antes e voltar a viver como vivera antes?

- Da mesma forma que você, ele preferira sofrer tudo a viver desta maneira.

- Imagine então que o homem liberto voltasse à caverna e se sentasse em seu antigo lugar. Ao

retornar do sol, ele não ficaria temporariamente cego em meio às trevas?

- Sem dúvidas.

- Enquanto ainda estivesse com a vida confusa, ele não provocaria risos dos companheiros que

permaneceram presos na caverna se tivesse que entrar em competição com eles acerca da avaliação das

sombras? Os prisioneiros não diriam que a subida para o mundo exterior lhe prejudicara a vista e que,

portanto, não valia a pena chegar até lá? Você não acha que, se pudessem, eles matariam quem tentasse

liberta-los e conduzi-los até o alto?

- Toda essa história, caro Glauco, é uma comparação entre o que a vista nos revela

normalmente e o que se vê na caverna; entre a luz do fogo que ilumina o interior da prisão e a ação do

sol; entre a subida para o lado de fora da caverna, junto com a contemplação do que lá existe, e entre o

caminho da alma em sua ascensão ao inteligível, eis a explicação da alegoria: no Mundo das Idéias, a

idéia do bem é aquela que se vê por ultimo e a muito custo. Mas, uma vez contemplada, esta idéia se

apresenta ao raciocínio como sendo, em definitivo, a causa de toda a retidão e de toda a beleza. No

mundo visível, ela é geradora da luz e do soberano da luz. No mundo das idéias, a própria idéia do bem é

que dá origem à verdade e à inteligência. Considero que é necessário contemplá-la, caso se queira agir

com sabedoria, tanto na vida particular como na política.”

Veja agora o comentário de Heinz von Foerster (In Schnitman, 1996:67)

Gostaria agora de ilustrar algumas de minhas afirmações com uns poucos exemplos. O primeiro

refere-se às explicações, e o retirei de um relato de Carlos Castañeda. Como vocês recordarão, Castañeda

foi ao povoado de Sonora, no México, para conhecer um bruxo chamado Don Juan, a quem pediu que o

ensinasse a ver. Assim Don Juan interna-se com Castañeda no meio da selva mexicana. Caminham uma ou

LETRAS LIBRAS |  141 

 

duas horas e, de repente, Don Juan exclama: “olha, olha o que há aí! Viste?” Castañeda lhe responde:

“Não... não vi.” Continuam caminhando e, uns dez minutos mais tarde Don Juan volta a deter-se e

exclama: “olha, olha ali! Viste?” Castañeda olha e responde: “Não, não vi nada”. “Ah”, é a lacônica

resposta de Don Juan. Seguem sua marcha e volta a acontecer a mesma coisa duas ou três vezes, mas

Castañeda nunca vê nada; até que, enfim, Don Juan encontra a solução: “Agora entendo qual é teu

problema!” – lhe disse: “Tu não podes ver o que não podes explicar. Trata de esquecer de tuas explicações

e começarás a ver”.

 

 

 

 

ARISTÓTELES: a lógica evidencia a ordem das coisas

 

Aristóteles  (384‐322,  a.C.)  saiu  da Macedônia,  por  volta  dos  seus  dezoito  anos,  rumo  a Atenas17. 

Vinha atraído   pelo que podia oferecer o grande centro geográfico, político,  intelectual e cultural do mundo 

grego. Trazia duas heranças, a ascendência  jônica e a tradição médica da família,  inclusive a serviço do reino 

da Macedônia.  Seu pai, Nicômacos, era médico e amigo da  família  real, mas  faleceu quando ele ainda era 

jovem, motivo pelo qual deve ter interrompido a tradição que naturalmente o levava à direção da carreira do 

pai. 

Freqüentou, por cerca de vinte anos, a academia de Platão. Mesmo convivendo com o matematismo 

da Academia, não perdeu o espírito proveniente da herança familiar. Demonstrava interesses pelas pesquisas 

biológicas e pelo senso de observação e de classificação, inerentes à cultura médica.   

Depois  que  saiu  da  Academia,  Aristóteles  elaborou  sua  objeção  à  teoria  platônica  das  idéias. 

Contrapõe‐se à concepção cosmológica de Platão, no Timeo, na qual o universo é concebido como resultado 

da ação de um artesão divino ou demiurgo. Aristóteles no seu  livro  intitulado Sobre a Filosofia, propõe uma 

cosmovisão, na qual apresenta um organismo capaz de   desenvolver algo que é engendrado de dentro de si,  

que seria próprio de sua natureza ou physis. 

Aristóteles vê o universo em dois grandes espaços: o mundo acima da  lua e o mundo sob a  lua. No 

mundo supralunar, o movimento é perfeito e eterno. No mundo sublunar, como queria Empédocles, encontra 

                                                            17 Estagira, a cidade onde Aristóteles nasceu ficava na Calcídica. A cidade estava sob domínio da Macedônia, mas era uma cidade grega, inclusive a língua ali falada era o grego. 

 

LETRAS LIBRAS| 142 

 

a composição dos quatro elementos: água, ar, terra e fogo. Esses elementos se combinam para formar a causa 

material de tudo o que existe e a forma multivariada que os distinguem. 

O  mundo  sublunar  é  o  reino  da  imperfeição,  pois  ali  as  coisas  estão  submetidas  à  geração,  à 

decadência e à morte. Para Aristóteles, os movimentos  físicos são sempre, de alguma  forma, uma violência 

contra seu ‘lugar natural’. Aquilo que é pesado se é lançado para o alto, tende a voltar para o chão, seu lugar 

natural, pois retornar é sua causa final. No caso humano, a causa final é chegar à felicidade, que não deve ser 

atingida nem pelo excesso nem pela falta. O ideal é chegar ao “meio termo”, o que só se consegue pelo hábito, 

pela atividade intelectual e pela distância das perturbações diárias. O mundo se explica pela sua causa final, é 

como se em tudo que existisse no mundo tivesse um propósito. Como se a madeira tivesse, de alguma forma, 

por  destino  virar  mesa,  cadeira,  armário  para  servir  aos  seres  humanos,  como  se  os  animais  e  plantas 

existentes tivessem como fim servirem de alimentos para nós, que ocupamos um lugar destacado na ordem da 

vida. Aliás, a causa final aponta para uma pré‐destinação inscrita nas coisas do mundo. 

Pensando assim, vai defender que o corpo e a alma são partes de um mesmo ser e que esta visão 

integrada é necessária para mútuo esclarecimento. A existência particular não se dá sem a forma (a alma) e 

sem a matéria (o corpo). Como decorrência a alma só existe no corpo e não pode ser  imortal, no máximo é 

uma  forma  comum  a uma  espécie.  Esta  interpenetração  entre o  corpo  e  alma  vai  estar presente  em  seus 

trabalhos sobre a física, a metafísica e a lógica e particularmente sobre a medicina e a ética.  

Para ele, tudo leva em direção à idéia de ser, para tratar das coisas existentes. Sem o conhecimento 

do  ser,  faltariam  bases  sólidas  às  ciências  (Física, Astronomia, Biologia  e outras)  que  estudam  os  aspectos 

particulares da realidade. Sem a  idéia do ser, não haveria ciência porque só haveria explicações particulares 

para coisas particulares.  

Em  sua  idéia do  ser,  recusa a  solução platônica das  idéias perfeitas e eternas, pela desnecessária 

duplicação da realidade sensível. O que existe são seres singulares, com sua concretude e existência empírica. 

A ciência vai recolher pelo conhecimento empírico o que vem da realidade, até chegar a definições essenciais 

e atingir o universal, que é  seu objeto próprio. O  caminho aristotélico é o de quem  se apropria dos dados 

sensíveis que acenam para o  individual e o concreto, de modo a chegar à ciência das coisas,  identificando o 

que é universal e necessário. 

O  grande projeto de Aristóteles, discípulo e depois  crítico de  seu  antigo mestre, Platão, era o de 

constituir uma ciência com critérios seguros. Isso o levou a considerar a dialética, a conversação do mestre e 

discípulo  em  busca  do  conhecimento  como  uma  via  imprópria  para  atingir  a  verdade.  Ele  a  entendia,  no 

máximo,  como  um  exercício mental  capaz  de  expor  a  opinião  das  pessoas  sobre  as  coisas,  sem,  todavia, 

oferecer garantia contra o relativismo e o  jogo das probabilidades. Entendia que a dialética tem valor como 

uma  preparação  para  o  conhecimento  e  aponta  para  a  história  do  pensamento  filosófico.  A  história 

testemunha o debate entre as opiniões precedentes que permitem o acesso à verdade que seria alcançada 

pela síntese aristotélica. 

LETRAS LIBRAS |  143 

 

Para  realizar  este  projeto  ambicioso  de  rigor  científico  e  conhecimentos  seguros,  o  filósofo  vai 

elaborar  normas,  procedimentos  para  guiar  o  pensamento.  Vai  concentrar‐se  na  lógica  e  nas  regras  do 

raciocínio  e  também  na  análise  da  linguagem  para  superar  os  equívocos  que  nela  se  fazem  presentes. As 

ciências  voltadas  para  o mundo  físico  faziam  sua  parte  encontrando  suporte  na  especulação   metafísica. 

Encontrariam nesta  a  garantia de  chegar  à estrutura dos próprios objetos.  Sendo que  a  lógica,  aquela que 

trabalha  com a utilização  científica dos  conceitos,  teria  seu  fundamento na própria  realidade, encontrando 

legitimidade para seu operar.18  

 

 

                                                            18 Ver Aristóteles (1999:22). 

 

LETRAS LIBRAS| 144 

 

UNIDADE II

A FILOSOFIA NA MODERNIDADE: NECESSIDADES E

HORIZONTES

 

Platão com sua filosofia afirmava uma concepção de mundo através da qual era possível pela razão 

seguir  em  direção  ao  real  (a  via  da  episteme)  ultrapassando  os  domínios  do  aparente  (a  via  da  doxa). 

Aristóteles, por sua vez, concebia um mundo, possível de ser entendido  identificando a causa final, como se 

todo o existente pudesse ser  explicado a partir de um propósito, de uma predestinação inscrita na ordem do 

mundo.  

As filosofias modernas passaram a não se contentar com as explicações que se moviam na separação 

entre  real e  aparente, no  finalismo pré‐existente na ordenação do mundo. Experimentaram a exigência de 

discutir  a  relação  interioridade  e  exterioridade,  quer  dizer,  o  que  era  atribuição  do  sujeito  (daquele  que 

conhece) e o que era da ordem do objeto (do que é conhecido). Experimentaram a exigência de rediscutir as 

bases teórico‐metodológicas que os  levavam a examinar o  lugar onde habitavam, quem é o ser humano e o 

que este podia conhecer. O que aconteceu para que isso se impusesse na Modernidade? 

As discussões sobre o problema do ser humano e do conhecimento, no desenrolar da  Idade Média 

vão incorporar discussões não valorizadas entre os gregos. Na Idade Média a herança judaico‐cristã apresenta 

o  que  Cassirer  (cf.Ivan  Domingues  1991:  26‐28)  chama  de  antropologia  do  homem  pecador.  Para  esta 

antropologia é  insuficiente tentar esclarecer o  lugar do humano na ordem do universo, utilizando‐se apenas 

dos recursos da razão. Os recursos da razão podem ser aceitos desde que a serviço de uma antropologia de 

quem  se  coloca diante dos mistérios da  fé e dos ensinamentos das  sagradas escrituras  (criação do mundo, 

queda de Adão, resgate através da vinda de Cristo). 

A reflexão sobre o problema do ser humano na Idade Média vai cultivar características próprias. Uma 

filosofia secular, como a dos gregos, da autonomia da razão humana, de um finalismo que não nos aproxima 

do Ser todo poderoso, responsável por tudo o que existe, vai dar lugar a uma filosofia de tipo religioso (pensar 

a partir de Deus). O ser humano não é mais aquele que detém a iniciativa para ser senhor de si. Apresenta‐se 

agora como uma criatura que se explica no mundo a partir da graça de Deus e não a partir de si mesmo. A 

filosofia passa a ser servidora da teologia. 

Como ressalta Cassirer, citado por Domingues (op. cit.: 27), o grande princípio grego do “conhece‐te 

a ti mesmo” ganha na Idade Média novas implicações. Quando este princípio vem subordinado à doutrina da 

criação deixa de pautar‐se unicamente por preocupações e orientações teóricas ou especulativas. Por se tratar 

de um preceito religioso, é um imperativo de salvação e não um imperativo de conhecimento; o “conhece‐te a 

LETRAS LIBRAS |  145 

 

ti mesmo” é uma forma de questionar a auto‐suficiência humana, sendo que cabe a cada pessoa reconhecer 

sua dependência diante de Deus  e de sua graça. 

Santo Agostinho  (354‐430), fundador da filosofia medieval e da dogmática cristã e Santo Tomás de 

Aquino (1221‐1274), considerado o maior representante do pensamento medieval, que concede maior poder 

a razão humana, ambos organizam seu pensamento a partir da ótica da criação, da doutrina do pecado e da 

graça divina. (ibidem: 28)  

As  filosofias  modernas,  devido  a  toda  esta  elaboração  cristã,  da  auto‐crítica,  da  acusação  das 

fraquezas interiores, passaram a não se contentar com as explicações que se moviam na separação entre real 

e  aparente,  a  não  aceitar  a  percepção  dos  sentidos  como  orientação  para  o  ordenamento  racional. 

Experimentaram a exigência de discutir a relação interioridade e exterioridade, demarcando o que é da ordem 

dos  limites e das possibilidades do  sujeito  (daquele que conhece) e o que é da ordem do objeto  (do que é 

conhecido). O que aconteceu para que isso se impusesse na Modernidade? 

 

 

 

 

A filosofia moderna: novas exigências para o pensamento.

 

Vamos agora discutir um pouco mais os problemas gerados no universo do pensamento cristão, que 

levaram as filosofias modernas a se distanciarem da filosofia grega antiga quanto ao acesso ao real. Distância 

que está relacionada ao modo de perguntar sobre o mundo e de dar sustentação ao conhecimento produzido 

pelo ser humano. 

As  preocupações  cristãs,  conforme  esclarece  Chauí  (1997:113)  exigiram  dos  modernos  algumas 

distinções que provocaram uma ruptura com a idéia grega de uma vinculação direta entre o trabalho de nosso 

intelecto e da sensibilidade para o acesso à verdade e ao mundo. O cristianismo ao fazer a distinção entre fé e 

razão, verdades reveladas por Deus e verdades racionais, matéria e espírito, corpo e alma; considerou que o 

erro e a  ilusão  faziam parte da natureza humana decaída, do  caráter pervertido de nossa  vontade, após o 

pecado original. 

Chauí (op.cit.: 114) lembra que, durante a Idade Média, a fé era central para a filosofia. Acreditava‐se 

que  com o auxílio da graça divina, a  fé  ilumina o  intelecto e guia a  vontade permitindo à  razão  chegar ao 

conhecimento  que  está  ao  seu  alcance,  do mesmo modo  a  alma  recebe  os mistérios  da  Revelação.  A  fé 

 

LETRAS LIBRAS| 146 

 

permitia saber (mesmo que não pudéssemos compreender como isso era possível) que pela vontade soberana 

de Deus era concedido à nossa alma imaterial conhecer as coisas materiais. 

A  filosofia  emergente,  incorporando  questões  que  vinham  sendo  elaboradas  inclusive  durante  a 

Idade Média, não via mais como se submeter às respostas tradicionais. Para essa filosofia era absolutamente 

necessário rediscutir as possibilidades do conhecimento humano. 

Diante disso a filosofia moderna precisava esclarecer pelo menos três problemas: 

 

1.  Se somos seres decaídos, pervertidos, como podemos conhecer a verdade? 

2.  Se nossa natureza é dupla (matéria e espírito) como a inteligência pode conhecer algo que é diferente dela? 

Ou seja, como seres corporais podem conhecer o  incorporal (Deus) e como seres dotados de alma  incorpórea 

podemos conhecer o corpóreo (mundo)? (ibidem, 113) 

3.  Os filósofos antigos partiam do princípio de que éramos entes participantes de toda a forma de realidade: 

graças  ao  corpo  estávamos  inseridos  na  natureza,  graças  a  nossa  alma  participávamos, mesmo  de  forma 

limitada, da  inteligência divina. O  cristianismo,  caminhando em  sentido  contrário,  vai  introduzir a noção de 

pecado original e da criação do mundo, vai introduzir uma separação radical entre os humanos (pervertidos e 

finitos) e a divindade (perfeita e infinita).Isso deu forças à pergunta: como o ser humano (finito) pode conhecer 

a verdade (infinita e divina)? 

 

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS |  147 

 

As tarefas dos filósofos modernos

 

Para  falar  sobre  este  assunto  apresento  uma  contribuição  de  Bernadete  Siqueira  Abrão,  que 

organizou e dirigiu o livro História da Filosofia que compõe o primeiro livro da Coleção “Os pensadores”19  

 

“Desde a Grécia Antiga, a razão pôde pretender abarcar o mundo porque, de certa forma, o próprio mundo era concebido como racionalmente ordenado e unificado. Nos tempos modernos, no entanto, essa imagem já não existe. Não há mais a polis, o Império ou uma Igreja única; a realidade apresenta-se dispersa, múltipla e relativa. Cabe à razão a tarefa de reunificar o mundo, reproduzi-lo, representa-lo.

O termo representação indica exatamente essa operação da razão: representar, tornar de novo presente. Mas “tornar de novo presente” a imagem unificada do mundo é também destruir o que se apresenta como disperso e desconexo. Por isso, a representação nega e ultrapassa a realidade visível e sensível, e produz um outro mundo, racionalmente compreensível porque reordenado pela própria razão. (grifo meu)

A matemática é o grande modelo desse racionalismo. Não que ela, propriamente dita, possa ser aplicada a toda espécie de investigação. Os pensadores modernos retomam o significado da expressão grega ta mathema, isto é “conhecimento completo”, racional de ponta a ponta, de que a própria matemática é o exemplo mais perfeito.

Tomar a matemática como modelo também significa dirigir a razão segundo determinados procedimentos precisos, como se faz na demonstração de um teorema. Para não errar – uma obsessão dos filósofos modernos – escrevem-se tratados de método. A começar por Descartes (1596-1650), autor de Discurso do Método.

A insistência no problema do método é crucial, porque o mundo exterior não mais fornece a garantia da certeza do conhecimento. (...) a razão, e só ela, pode servir a si própria como guia, critério e condição da certeza do conhecimento. A razão não tem mais em que se apoiar a não ser nela mesma, e por isso precisa criar um método seguro. (...) Mas mesmo essa relação é desigual: a razão antecede às coisas exteriores e as subordina. É autônoma, livre, independente do mundo. É sujeito – e a palavra latina subjectum indica aquilo que subsiste, “o que está colocado sob”, isto é, o fundamento. A razão é precisamente o fundamento do mundo transformado em objeto, objectum, ou seja, “aquilo que está colocado diante “ de um sujeito, e que só pode existir tendo como referência o sujeito. É a partir do pensamento moderno que se pode falar propriamente em “sujeito do conhecimento” e “objeto do conhecimento”. Mas isso irá acarretar uma série de dificuldades e controvérsias (181-88).  

Fragmentos de textos que retratam as inquietações do início da modernidade

 

O  poeta  inglês    John  Donne  (DOMINGUES,  1991:  34),  num  poema  publicado  em  1611,  início  da 

modernidade, consegue  trazer a  inquietude provocada pela perda da antiga ordem das coisas e as grandes 

dificuldades para identificar as pistas para uma nova ordem: 

 

A nova filosofia põe tudo em dúvida,

O elemento do fogo está completamente extinto,

O sol está perdido, e também a terra,

                                                            19 Coleção lançada em 1999 pela Editora Nova Cultural Ltda. São Paulo, vendida em conjunto com edições de jornais. 

 

LETRAS LIBRAS| 148 

 

E nenhum espírito humano tem com o que se orientar para

A procurar

E os homens confessam livremente que este mundo está em

Ruínas, quando entre os planetas e o firmamento eles

Procuram tantos mundos novos;

Eles vêem então que tudo está de novo pulverizado em

Átomos,

Tudo está em pedaços, toda a coerência perdida (...).

 

Ivan Domingues  (op. cit. 34) escreve que, um pouco antes de Donne, Michel de Montaigne  (1533‐

1592),  na sua Apologia de Raymond Sebond, indaga: 

 

Que me explique pelo raciocínio em que consiste a grande superioridade que (o homem- ID) (sic) pretende ter sobre as demais criaturas. Quem o autoriza a pensar que o movimento admirável da abóbada celeste, a luz eterna destas tochas girando majestosamente sobre sua cabeça, as flutuações comoventes do mar de horizontes infinitos, foram criados e continuem a existir unicamente para sua comodidade e serviço? Será possível imaginar algo mais ridículo do que esta miserável criatura, que nem sequer é dona de si mesma, que está exposta a todos os desastres e se proclama senhora do universo? Se não lhe pode conhecer ao menos uma pequena parcela, como há de dirigir o todo? Quem lhe outorgou o privilégio que se arroga de ser o único capaz, neste vasto edifício, de lhe apreciar a beleza?

 

 

 

 

DESCARTES e BACON investigam a capacidade humana de conhecer

 

Conforme esclarece Abrão (op. cit. 203), diante de um horizonte que se abre, 

 

  Conhecer as coisas do mundo implica, então, estabelecer-lhe uma nova ordem que não exatamente aquela que os sentidos captam, mas a que a razão impõe. No homem, por exemplo, os sentidos fornecem primeiro a existência do corpo, mas a razão evidencia antes a certeza do cogito.

Como, porém, é possível o conhecimento do mundo (e do corpo), se o cogito que conhece e as coisas que são conhecidas são de naturezas distintas? Em outras palavras, como encadear numa ordem de razões a coisa pensante (res cogitans) e a coisa extensa (res extensa), se ambas não apresentam uma

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medida comum? A única solução possível é transformar as coisas em idéias dessas coisas, de tal modo que a cadeia de razões seja constituída pelo pensamento e as coisas pensadas. Substituir a ordem “real” pela ordem das razões corresponde exatamente a essa transformação das coisas em que objetos do conhecimento.

A operação que converte as coisas em objetos é a representação, cujo suporte – isto é, o sujeito – é precisamente o cogito. A ciência é possível, pois se baseia na certeza inabalável do cogito, que, tendo como guia seguro o método produzido a partir de si mesmo, reduz o mundo à sua medida. Mas, com isso, a identidade e a harmonia entre o mundo e o homem – buscadas desde a Antiguidade – são rompidas. O homem torna-se sujeito, o “eu pensa”, e o mundo, seu objeto. Ele já pode pensar a si próprio como aquele que efetivamente reordena e reorganiza o mundo à sua maneira. Os homens se tornam, segundo o Discurso do Método, “como que senhores e possuidores da natureza”. (203)  

Era preciso  fazer uma separação entre  fé e  razão, considerando que cada uma delas   está voltada 

para conhecimentos diferentes e sem qualquer relação entre si; 

 

1. Era preciso considerar que a alma‐consciência embora diferente do corpo pode conhecê‐lo porque é capaz 

de representá‐lo intelectualmente por meio das idéias, imateriais como a própria alma; 

2. Era preciso explicar como a razão e o pensamento podem elevar‐se mais fortes do que a vontade e controlá‐

la para que evite o erro. 

 

Os dois filósofos que a partir do século XVI investigam a capacidade humana para conhecer é Francis 

Bacon  (1561‐1626),  que  se  volta  para  estudar  de  forma  experimental  os  fenômenos  exteriores,  e  René 

Descartes (1596‐1650) que se volta para examinar a interioridade da razão em busca de uma via segura para o 

conhecimento.  

Luiz Alfredo Garcia‐Rosa (1991:09;11)adverte que  

 

A subjetividade foi assim construída e transformada em referência central e às vezes exclusiva para o conhecimento e a verdade. A verdade habita a consciência é o que proclamam racionalistas e empiristas. Desde Descartes, a representação é o lugar da morada da verdade, sendo o problema central o de saber se chegamos a ela pela via da razão ou pela via da experiência. Racionalistas e empiristas diferem sobretudo quanto ao caminho a tomar, mas ambos já sabem onde querem ir, ao reino da verdade, da universalidade, da identidade. Platão é, ao mesmo tempo, o grande inspirador e o guia infatigável nessa caminhada.

Pode  parecer  estranho  afirmar  agora  que  Platão  seja  considerado  como  inspirador  e  guia  dos 

pensadores modernos como Francis Bacon e René Descartes, depois de  todas as diferenças apontadas com 

relação à filosofia grega. No entanto, Platão quando  recusa o domínio da opinião, da aparência (doxa) está a 

procura de um discurso filosófico que tem sua legitimidade centrado nele mesmo, como um discurso neutro, 

que  não  reflete  desejo  algum, mas  que  se  impõe  como  realização  da  razão.  É  exatamente  isso  que  os 

pensadores  modernos  estão  à  procura.  Como  esclarece  Garcia‐Roza  (op.  cit.:11):  “o  objetivo  final  do 

platonismo é, portanto, a produção do Discurso Universal, que coincidirá com a realização plena da Razão e a 

revelação do Ser em sua totalidade”. 

 

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Além disso, os  filósofos, como Bacon e Descartes, antes de  tratarem do conhecimento verdadeiro 

cuidaram de examinar cuidadosamente os caminhos do erro, procedendo a uma análise dos preconceitos e do 

senso comum. Platão também procedeu da mesma forma, como pudemos verificar na alegoria da caverna. 

O  que  acontece  é  que  estamos  falando  de  um  tempo  revolucionário  em  que  emerge  uma  nova 

ciência com rebatimentos em ganhos técnicos. Com Bacon e Descartes o objetivo das ciências é o de permitir 

que o ser humano possa se converter em senhor e possuidor da natureza. Para o novo espírito científico o 

padrão  de  racionalidade  está  centrado  nas  matemáticas  e  na  redução  da  natureza  aos  seus  elementos 

mensuráveis e na busca de leis que a governam de acordo com a linguagem do número e da medida. Há uma 

outra maneira de investigar a natureza que é o do abandono das causas finais na explicação dos fenômenos da 

natureza, conforme pretendia Aristóteles. 

  Se Descartes tem sua inspiração em Platão na busca de um discurso universal, há uma  grande 

diferença entre eles que é preciso destacar. Platão estava  certo do  seu método, do  caminho em direção à 

verdade,  estava  em  dúvida  apenas  se  era  possível  chegar  a  uma  pedagogia  guiada  pela  filosofia  e  que 

orientasse as opções justas e equilibradas do governante. Descartes, por sua vez, desconfiava de si mesmo, se, 

de  fato  seu  conhecimento  estava  assentado  sobre  bases  seguras.  É  isso  o  que  representa  a  novidade  dos 

novos tempos, o ser humano tem que descobrir o seu lugar num mundo aberto, descentrado. Se pretende ser 

o senhor do seu destino tem de provar sua capacidade para tanto. 

Descartes elaborou seu método de análise, a partir da chamada dúvida metódica, com a qual abre 

caminho para apresentar as possibilidades do que considera o conhecimento seguro. 

No discurso do método, Descartes (1999:49‐50) apresenta quatro grandes princípios do seu método 

científico: 

1. Nunca aceitar algo como verdadeiro que eu não conhecesse claramente como tal; ou seja, de evitar cuidadosamente a pressa e a prevenção e de nada fazer constar de meus juízos que não se apresentasse tão clara e distintamente a meu espírito que eu não tivesse motivo algum de duvidar dele. 2. O segundo, o de repartir cada uma das dificuldades que eu analisasse em tantas parcelas quantas fossem possíveis e necessárias a fim de solucioná-las.. 3. O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para elevar-me, pouco a pouco, como galgando degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e presumindo até mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns dos outros. 4. E o último, o de efetuar em toda parte relações metódicas tão completas e revisões tão gerais, nas quais eu tivesse a certeza de nada omitir. Gadotti (1995: 77) destaca que, Descartes escreveu sua obra principal em francês, a língua popular, 

possibilitando o acesso de maior número de pessoas. Até então, o  latim medieval  representava a  língua da 

religião, da filosofia, da diplomacia, da literatura. (...) O século XVI assistiu a uma grande revolução lingüística: 

exigia‐se dos educadores o bilingüismo: o latim como língua culta e o vernáculo como língua popular. 

Francis  Bacon  tendo  em  vista  o  interesse  em  apontar  novas  perspectivas  para  o  conhecimento 

também  cuida  de  examinar,  como  Platão  e  Aristóteles  as  causas  do  erro,  dos  preconceitos  e  da  falta  de 

LETRAS LIBRAS |  151 

 

consistência do saber do senso comum. Bacon formulou a crítica dos ídolos, que compõem as falsas imagens, 

as opiniões inconsistentes que fecham o caminho para o conhecimento da verdade. 

Os quatro tipos de ídolos apresentados por Bacon (Cf. 1999:40‐41) no seu livro Novum Organum: 

 

1. ídolos da tribo: Os seres humanos aceitam e repetem opiniões por conveniência, nesse caso há a

necessidade de uma reforma da natureza humana mesma para que possa renovar seu modo de apreender

as coisas.

2. ídolos da caverna: a atividade intelectual não ultrapassa as opiniões e deformações de nossas

compreensões pré-estabelecidas individualmente ou devido ao que aprendemos com os outros, com as

autoridades e com o que consta nos livros. Em toda ela predomina uma falta de atividade isenta, uma

susceptibilidade diante das instabilidades humanas, o que impede captar corretamente o que elucida e

desvenda as coisas.

3. ídolos do fórum: a linguagem se apresenta como uma fonte de mal-entendidos, de opiniões

inconsistentes, especialmente se não há possibilidade de acordo sobre o que significam;

4. ídolos do teatro: as doutrinas filosóficas não garantem regras consistentes de demonstração, por isso

mais parecem dotadas de recursos teatrais pelo que nelas há de fábulas, de mundos fictícios.

 

 

 

 

COMENIUS e uma pedagogia sintonizada com as idéias dos novos tempos

 

Vamos ver, a seguir, as contribuições relevantes de Comenius20(1592‐1670) para a pedagogia.  

Comênio,  que  escreveu  sua  obra máxima  20  anos  após  a  publicação  do Discurso  do Método  de 

Descartes é o primeiro a propor um sistema articulado de ensino, incluindo grandes novidades:  

propôs o igual direito de todos ao saber e ao ensino, incluindo os portadores de doença mental e as

meninas, sem acesso à educação;

                                                            20 Ver Gadott i (1995: 78‐80) e; htt p://novaescola. a b r i l . c o m . b r / i n d e x . htm?ed/170_mar04/html/pensadores. Comenius em latim, Comênio em português, correspondem ao nome de batismo,  Jan Amos Komensky, que era pertencente ao grupo protestante Irmãos Boêmios, naquele tempo Moravia (domínio dos Habsburgos, hoje República Tcheca. 

 

LETRAS LIBRAS| 152 

 

desenvolveu um pensamento pedagógico marcado por uma superação do pessimismo da

antropologia medieval, fez um apelo à vida e a uma aposta na capacidade humana de superar-

se.

incorporou no pensamento pedagógico o realismo, que marca o avanço do conhecimento filosófico

e científico de seu tempo;

defendeu que a educação e a formação do ser humano é para a vida toda;.

com relação à prática de ensino aplicou métodos capazes de incorporar o interesse do aluno;

propõe o acesso a todos à escrita, à leitura e ao cálculo; queria que todos pudessem ler a Bíblia;

sua proposta vem em apoio ao direito reivindicado pelos protestantes à livre interpretação dos textos

bíblicos e ao desejo de ampliação dos interesses da burguesia mercantil.

 

 

 

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UNIDADE III

A PEDAGOGIA DA EXISTÊNCIA: NOVAS BASES PARA A EDUCAÇÃO

 

 A Idade Moderna (1453 a 1789) acabou representando um período de confronto das forças que se 

opunham aos regimes absolutistas, nos quais prevalecia o poder do clero e da nobreza. Os que lutavam contra 

o poder dominante da Igreja e dos governantes o faziam em nome da luta contra o obscurantismo e a negação 

da razão. Entre os filósofos defensores das  idéias  liberais vamos aqui dar destaque a Jean Jacques Rousseau 

(1712‐1778),  porque  este  pensador  abre  novas  perspectivas  para  o  pensamento  de  seu  tempo  e  para  os 

séculos vindouros, com grandes repercussões para oxigenar o pensamento e as práticas da educação. 

 

Rousseau é uma presença marcante que divide a velha e a nova escola;

estabelece vínculos explícitos entre a política e a educação;

levanta pela primeira vez a temática da criança, do seu mundo. Quer que ela seja compreendida,

independente de ser uma promessa de adulto;

compreende que a criança nasce boa, a sociedade corrompida é que a perverte.

na sua proposta, no entanto, não há destaque para a educação das classes populares.

 

Danilo  Streck  (2003:70)  evidencia  que  em  Rousseau  quase  não  há  fronteiras  entre  a  política  e  a 

educação, tanto assim que ele elabora O Contrato Social ao mesmo tempo que Emílio, o que constitui um gesto 

pelo qual  revela  ser  impossível pensar na  formação do  ser humano  sem pensar a própria  sociedade  (...). O 

autor  lembra  que  Rousseau  entendia  que  é  preciso  estudar  a  sociedade  pelos  homens  e  os  homens  pela 

sociedade. Para ele estudar separadamente política e moral inviabilizará o entendimento de ambas. 

Moacir Gadotti  (1995:  88‐9)  entende  que  o  século  XVIII  é marcado  por  lutas  em  torno  dos  lutas 

político‐pedagógicas. As classes populares reivindicam abertamente educação pública. A Prússia em 1717 pela 

primeira  vez  institui  a obrigatoriedade  escolar. Na Alemanha, o  Estado  intervém  em  favor da  educação. A 

revolução francesa abre caminho para a escola pública. Os iluministas defendiam uma educação baseada nos 

princípios democráticos, uma educação  laica, gratuitamente oferecida pelo Estado para  todos. Até então a 

educação era ainda elitista,  sob o  controle da  Igreja,  sendo que  somente os mais  capazes  tinham acesso à 

universidade.  O  poder  da  Igreja  sobre  a  educação  e  sobre  os  governos  civis  vai  perdendo  forças  com  o 

aumento do poder dos detentores do poder econômico. 

 Suchodolski,  como  ressalta  Gadotti,  entende  que  Rousseau  deu  um  passo  importante  para 

questionar  a  pedagogia  da  essência,  abrindo  caminho  para  uma  pedagogia  da  existência.  Como  podemos 

entender isso no campo da filosofia? 

 

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Rousseau,  ressalta  Ghiraldelli  (2006:  78),  lida  com  suas  dúvidas  por  caminhos  outros  que  o  de 

Descartes, embora reconheça que tenha partido do mesmo estado de dúvidas de seu antecessor. O que havia 

em comum entre ambos era o amor à verdade, como base para a filosofia. Também para Rousseau era preciso 

chegar ao evidente. No entanto, diferente de Descartes para quem a evidência era de ordem  intelectual, ele 

colocava como critério a “sinceridade do coração”. A busca ia além da oposição verdade e erro, até a oposição 

verdade e mentira. 

A  verdade  que  em  Descartes  diz  respeito  ao  sujeito  do  conhecimento  (sujeito  genérico,  como 

suporte impessoal capaz de ter acesso à verdade evidente), para Rousseau passa por uma subjetividade mais 

individualizada,  mais  intimista.  Em  síntese:  a  verdade  não  encontraria  seu  porto  seguro  em  um  sujeito 

epistemológico, definido de modo restrito e convencional, mas na pessoa, na medida em que a verdade seria 

avaliada por uma  subjetividade que nada mais  seria do que uma consciência moral, organizada na base de 

sentimentos. (idem p.78) 

O  iluminismo, movimento que se destacou principalmente nos séculos XVII e XVIII, sustentou teses 

diferentes que as de Rousseau. Para este movimento, a  infância é o estágio da  imaturidade, um obstáculo a 

ser  transposto em direção à  razão, domínio do  sujeito adulto. Razão que  supunha o homem amadurecido, 

dotado  de  plenas  capacidades  intelectuais,  apto  para  se  constituir  em  sujeito  do  conhecimento.  Rousseau 

pode ser visto como um precursor do romantismo que vai prosperar no século XIX. O que Rousseau propõe é 

uma  racionalidade  não  aprisionada  aos  domínios  puramente  intelectuais,  o  que  inclui  uma  valorização  da 

avaliação moral e do julgamento que brota do coração, da valorização da autenticidade, sendo que acima das 

convenções  sociais  e  das  instituições,  interessa  o  encontro  do  ser  humano  consigo  mesmo  e  com  seu 

semelhante. 

Rousseau entende que a civilização não consegue levar à efeito a conquista do bem comum porque 

não consegue resolver o problema da desigualdade, que tanto acontece em nossas relações cotidianas, como 

acontece nas relações sociais mais amplas. Para ele é preciso rever como  lidamos com nossas desigualdades 

naturais,  como  cultivamos  nossas  relações  amorosas.  Sua  crítica  à  desigualdade  social  está  relacionada  à 

institucionalização da propriedade privada como suporte para as bases econômicas da sociedade. O problema 

maior  apontado  por  Rousseau  é  o  de  que  a  desigualdade  cerceia  a  liberdade  dos  indivíduos  e  a  plena 

realização do  ser humano  como membro da  sociedade. As duas obras principais de Rousseau, Do Contrato 

Social e Emílio,  testemunham  sua preocupação no  sentido de  formar o  ser humano e  ao mesmo  tempo o 

cidadão.  O  livro  V,  do  Emílio,  é  aquele  no  qual  o  autor  resume  suas  preocupações  básicas  em  torno  do 

entrelaçamento da formação do ser humano e do cidadão.  

Rousseau  contribui,  conforme Ghiraldelli  (Cf. op.  cit. 81‐83), para que o  sentido  exato da palavra 

pedagogia  seja  efetivado.  A  pedagogia  deixa  de  ser  a  tradicional  “condução  de  crianças”,  para  produzir 

orientações teóricas e procedimentos educativos a serviço da  infância. As crianças passam a ser vistas como 

LETRAS LIBRAS |  155 

 

vivendo um período especial, a  infância. Dos preceptores dedicados às  crianças das elites, até as escolas e 

colégios um grande desafio aparece no horizonte: concretizar uma educação da infância.  

A tensão se dará entre uma concepção de educação com  inspiração no racionalismo cartesianismo, 

que  ficou  conhecida  como  pedagogia  tradicional.  Nesta,  o  professor  através  de  regras  claras  e  externas, 

contribui para o crescimento do aluno, sendo que o surgimento do homem se dá com a finalização da infância, 

e com a conquista gradativa e planejada de   conhecimentos, que no  futuro poderão ser aplicadas   nas mais 

diversas situações. 

Rousseau é o precursor de uma pedagogia que  refuta uma disciplina que é  imposta de “fora para 

dentro”.  Seu pensamento abre  caminho para uma pedagogia  interessada em uma disciplina que brota  “de 

dentro  para  fora”.  A  busca  da  verdade  depende  de  uma  disposição  do  coração  e  da  honestidade  e  da 

confiança que deverá existir entre o professor e o aluno. 

 

 

 

   

Contribuição de EMANUEL KANT

 

Emanuel  Kant  (1724‐1804),  no  impasse  entre  as  posições  de  Descartes  (1596‐1650),  que  tinha 

sustentado que  todo o conhecimento era  inato, e as de  John Locke  (1632‐1704) e David Hume  (1711‐1776) 

que afirmavam que todo o saber provinha da experiência, apresenta uma solução para esta disputa. Nega a 

teoria platônico‐cartesiana das idéias inatas, mas evidencia que algumas coisas importantes eram inatas como 

a noção de espaço e tempo21, que não existem como realidade fora da mente, mas que entram como formas 

para pensar as coisas captadas pelos sentidos. Para ele, o conhecimento do mundo exterior é possível pela 

experiência sensível das coisas.  

Kant, admirador de Rousseau, acreditava que o ser humano é o que a educação faz dele através da 

disciplina, da didática, da formação moral e da cultura. (Gadotti, op. cit.: 90)  

                                                            21 A noção de  tempo e espaço para Kant é o a priori do ser  racional que é o ser humano, a biologia entende  isso como conquistas cerebrais  fi  logenéticas. Fontanella  (1995:40) entende que para Kant a  realidade como apreendemos, como nos aparece,  se chama fenômeno. A realidade, como objeto do conhecimento científico, é fenômeno. Ela não nos é dada pura em si, mas é conformada pela nossa  “bagagem” a priori, pelas nossas  “formas” de espaço e  tempo primeiro na percepção; depois nossas  “formas”, ou  conceitos científicos de todo gênero. 

 

LETRAS LIBRAS| 156 

 

Kant  evidencia os conceitos básicos de “aculturação”, “socialização” e “personalização”. O educando 

é chamado a realizar esses atos para cultivar‐se, civilizar‐se. O ser humano vai deparar‐se com a felicidade e a 

perfeição  desde  que  entenda  que  isso  é  criação  da  razão  humana,  liberta  dos  instintos.  A  disciplina  que 

domina as  tendências  instintivas concorre para a  formação cultural e para a moralização que abre caminho 

para a consciência do dever, e da civilização como  segurança social.   Diferente de Rousseau, para ele o ser 

humano não pode ser considerado bom sem o esforço intelectual permanente e o respeito às leis morais.  

 

O eu, a pessoa, o cidadão e o sujeito do conhecimento22

 

Os filósofos a partir da modernidade, mesmo com suas diferentes abordagens, vão manter entre si o 

interesse em colocar o sujeito do conhecimento em discussão, desenvolvendo uma teoria do conhecimento. 

Chauí  (op.  cit. 117) e Ghiraldelli  (2006:72)  consideram que podemos  falar em quatro dimensões  integradas 

quando  se coloca como problema a manifestação desse  sujeito do conhecimento. Temos o eu, a pessoa, o 

cidadão e o sujeito. Passemos, agora, a ver como isso se dá. 

 Evidentemente que está em discussão aqui o problema dos seres humanos como seres racionais e 

conscientes. A consciência como destaca Chauí  (op. cit.:117) “é a   capacidade humana para conhecer, para 

saber que conhece e para saber o que sabe que conhece. A consciência é um conhecimento (das coisas e de si) 

e um conhecimento desse conhecimento (reflexão).” 

Quando  está diante  de  sua própria  identidade, o  eu  experimenta‐se numa dinâmica  temporal de 

estados mentecorporais23, com capacidade para reter e evocar o passado inscrito na memória, para perceber 

o presente pela sua atenção e inserção e o futuro pela imaginação e pelo pensamento. O eu é a manifestação 

da  unidade  de  todos  esses  estados  psíquicos.  Este  eu  enquanto  consciência  psicológica  se  alimenta  das 

vivências, das emoções e das  compreensões mentecorporais que  vêm do  seu  interior em  interação  com o 

mundo que o rodeia. É a maneira individual e própria como cada um capta o mundo, age e interage nele. 

A pessoa é vista, do ponto de vista ético e moral como dotada de vontade  livre e responsabilidade, 

levando  em  conta  os  direitos  alheios  e  o  dever.  Em  suma,  quando  tratamos  da  pessoa  tratamos  da 

“capacidade  para  compreender  e  interpretar  sua  situação  e  sua  condição  (  física, mental,  social,  cultural, 

histórica) viver na companhia dos outros segundo as normas e os valores morais definidos por sua sociedade, 

agir tendo em vista fins escolhidos por deliberação e decisão” (...) (Chauí, op. cit. 117). 

O cidadão é a manifestação da consciência que se expressa no nível individual, no nível da inserção 

das relações sociais. É o  indivíduo dotado de direitos e deveres diante da esfera pública do poder e das  leis, 

                                                            22 Ver o texto de Chauí (1997) em htt p://www.funesj.sc.gov.br/barbiery/filosofia/fil_c10.doc. acessado em 10/06/2007. Ver www.filosofia.pro.br. 23 Não separei corpo e mente, mente e corpo, pois apesar de nossa língua favorecer esta dicotomia devemos lembrar que a mente é manifestação corporal, não é uma manifestação apartada do corpo. 

LETRAS LIBRAS |  157 

 

que se posiciona a partir de uma determinada situação de classe social e responsável pelos  interesses e fins 

projetados pela sua classe no conjunto dos interesses do conjunto da sociedade. 

Marilena Chauí (118) vai afirmar que 

 

Do  ponto  de  vista  da  teoria  do  conhecimento,  a  consciência  é  uma  atividade  sensível  e 

intelectual dotada do poder de análise,  síntese e  representação. É o  sujeito. Reconhece‐se 

como diferente dos objetos, cria e descobre significações, institui sentidos, elabora conceitos, 

idéias,  juízos  e  teorias.  É  dotado  de  capacidade  para  conhecer‐se  a  si mesmo  no  ato  do 

conhecimento,  ou  seja,  é  capaz  de  reflexão.  É  saber  de  si  e  saber  sobre  o  mundo, 

manifestando‐se como sujeito percebedor,  imaginante, memorioso,  falante e pensante. É o 

entendimento propriamente dito. 

 

A consciência reflexiva ou o sujeito do conhecimento forma‐se como atividade de análise e 

síntese,  de  representação  e  de  significação  voltadas  para  a  explicação,  descrição  e 

interpretação da realidade e das outras três esferas da vida consciente (vida psíquica, moral e 

política),  isto  é,  da  posição  do mundo  natural  e  cultural  e  de  si mesma  como  objetos  de 

conhecimento. Apóia‐se em métodos de  conhecer e busca a verdade ou o verdadeiro. É o 

aspecto intelectual e teórico da consciência.  

 

 Ao contrário do eu, o sujeito do conhecimento não é uma vivência  individual, mas aspira à 

universalidade, ou seja, à capacidade de conhecimento que seja  idêntica em todos os seres 

humanos e com validade para todos os seres humanos, em todos os tempos e lugares. (...)  

É  com essa estruturação e organização que  lida o  sujeito. A vivência é  singular  (minha). O 

conhecimento é universal (nosso, de todos os humanos). 

(todos os grifos são da autora) 

 

Embora  exposta  aqui  uma  possibilidade  de  integração  da  vivência  singular  e  do  conhecimento 

universal, sabemos que um dos maiores problemas para a filosofia, com o advento da modernidade, é chegar 

a  essa  consciência  unitária.  O  conhecimento  na  modernidade  estabeleceu  uma  cisão  entre  o  acesso  ao 

conhecimento do mundo e o acesso à sabedoria que orienta nossa existência humano‐social.  

 

As bases da filosofia da existência, como contraponto à filosofia da essência

 

A pedagogia da essência ganhou forma com Platão quando propõe uma verticalidade em direção ao 

mundo das  idéias, que é onde se pode  localizar a essência das coisas. A educação é a via que permite ao ser 

humano  não  se  perder  no mundo  da  sensibilidade,  do  saber  comum  e  através  do  pensamento  aprende  a 

orientar‐se na busca da essência das  coisas. O  cristianismo  inspirado na  concepção platônica  concebe dois 

planos  de  realidade,  o  deste mundo  transitório  e  da  busca  da  verdade  eterna,  que  é Deus. O movimento 

reformista protestante, que nasce  com a modernidade propõe a  idéia de que o  ser humano é  responsável 

pelos critérios que orientam suas ações. O ser humano, responsável pelas suas opções  individuais é que vai 

realizar a essência humana neste mundo.  

 

LETRAS LIBRAS| 158 

 

Uma das características centrais da pedagogia da essência é estabelecer uma mediação muito forte, 

seja a do sábio que detém o conhecimento global do caminho da verdade, seja a do sábio e/ou  sacerdote que 

detém o conhecimento das verdades reveladas. O protestantismo,  inserido nas  inquietações do pensamento 

moderno, questiona as mediações  fortes, distingue as esferas das necessidades espirituais e as esferas das 

necessidades  temporais.  Pressupõe  que  os  seres  humanos  são  alcançados  pela  graça  de  Deus  e  pela  sua 

justiça,  sendo  beneficiados  independente  dos méritos  e  das  ações  pessoais. O  golpe  frontal  às mediações 

fortes  é  dado  pelo  protestantismo  quando  admite  que  a  verdade  pode  ser  encontrada  livremente,  pelo 

contato direto dos crentes com as Sagradas Escrituras. 

Já os filósofos do século XVII procuram problematizar a  legitimação dos reis e o poder sobrenatural 

da  Igreja. Para  isso elegeram como questão central a passagem do estado de natureza para o da sociedade 

civil. Rousseau, no século XVIII, trata desta questão como decisiva e vai detalhá‐la no Discurso sobre a Origem 

e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, que  se apresenta  como pressuposto em Do Contrato 

Social.  Rousseau  discorda  de  Hobbes    e  Locke  quanto  ao  contrato  que  teria  possibilitado  a  saída  do  ser 

humano do  estado de natureza. Discorda de Hobbes quando  afirma que o  contrato põe  fim  ao  estado de 

guerra e garante a segurança. Discorda de Locke que atribui ao contrato à garantia da propriedade privada. O 

desafio para Rousseau é chegar a “um contrato em que a vontade geral seja soberana e no qual a  liberdade 

entendida como o dom mais precioso dos homens seja preservada”. (ABRÃO, 1999:288‐89)  

O pressuposto de que o  ser humano é bom por natureza, mas é corrompido pela  sociedade,  leva 

Rousseau   a projetar uma sociedade capaz de garantir uma  liberdade, um dia experimentada. A contribuição 

da educação seria a de estar voltada para a formação moral e política do aluno e aberta à sua experiência e 

interesse pelo aprendizado. 

O século XVIII é aquele em que se firma o  ideário de   que cabe ao Estado o controle da educação. 

Mas uma distinção cada vez mais nítida se fará entre os filósofos iluministas e os interesses da burguesia. Para 

os iluministas a liberdade era concebida como intrínseca ao ser humano. Para a burguesia, a liberdade estava 

posta na relação com os outros homens, abrindo caminho para a exploração econômica e a concentração de 

bens e riquezas.  

Gadotti (idem: 93) lembra que Adam Smith (1723‐1790) economista político da nova classe dizia que 

a educação para os  trabalhadores deveria  ser ministrada em conta‐gotas. Pestalozzi  também defendia uma 

oferta  desigual  de  acesso  à  educação:  à  classe  dirigente  instrução  para  governar,  à  classe  trabalhadora 

educação para o trabalho.                          

                                                                                                                                                                                                        

A escola nova

 

O esforço para evidenciar  a  vida e  a atividade de quem  aprende para  alcançar  a eficácia de uma 

proposta pedagógica não estará de todo ausente a partir do surgimento da modernidade, vindo a ganhar forte 

LETRAS LIBRAS |  159 

 

impulso na pedagogia naturalista e romântica de Rousseau. No entanto, apenas no início do século XX ganha 

presença nos sistemas educacionais e na atuação dos professores. Moacir Gadotti (op. cit. 142‐) destaca que a 

Escola Nova via na educação de crianças e jovens uma possibilidade de fazer avançar a mudança social, o que 

reverteria em favor da escola para acompanhar as exigências de um mundo em mudança. Na Europa, Adolphe 

Ferrière  (1879‐1960) educador  suíço  foi pioneiro e ardente divulgador da escola ativa e da educação nova. 

“Para ele a Educação Nova seria  integral  (intelectual, moral e  física); ativa: prática  (com trabalhos manuais, 

obrigatórios, individualizada); autônoma (campestre em regime de internato e co‐educação)”. 

Para o educador norte‐americano  John Dewey  (1859‐1952), a Escola Nova deveria sustentar como 

ideal pedagógico o ensino através da ação e não pela  instrução  centrada no professor. A educação  seria a 

oportunidade para reconstruir a experiência concreta, ativa, produtiva, de cada um porque sua pretensão é a 

educação  para  a  vida.  Dewey  defendia  uma  educação  pragmática  e  instrumentalista.  A  educação  se 

apresentaria através da associação  teoria e prática,  como uma preparação para a convivência democrática, 

para a experiência da responsabilidade e da liberdade pessoal.  

Magda  Soares  (1991:53),  revendo  sua  experiência  como  aluna  brasileira  inserida  neste  modelo 

educacional, deixa este testemunho:  

 

Na  microssociedade  que  era  a  escola,  organizava‐se  num  regime  democrático  –  uma 

autêntica  democracia‐liberal,  segundo  o  modelo  norte‐americano:  absoluta  ausência  de 

autoritarismo,  enquanto  este  era  a  norma  nas  escolas  da  época;  incentivo  aos  processos 

participativos, à formação de associações de alunos, grêmios, “clubes”, sempre sob a égide de 

eleições  e  mais  eleições,  ênfase  em  atividades  extra‐classes  e  trabalhos  comunitários. 

Importante notar que tudo isso se passou, em grande parte, enquanto o país vivia o período 

do Estado Novo, de modo que a democracia liberal que vivíamos na escola representava um 

estágio avançado em relação ao que vivíamos fora dela.  

 

A autora  (op. cit.: 55‐6), ao  re‐visitar  sua experiência discente mostra que a Escola Nova encontra 

suporte para seu ideário pedagógico na sociologia da educação e na psicologia educacional. 

 

A proposta da Escola Nova – ideológica que era, como toda e qualquer proposta pedagógica 

apresentava‐se  a mim,  e  a  quase  todos  os  educadores,  àquela  época,  como  um  conjunto 

lógico e  coerente de  idéias e  valores,  capaz não  só de explicar a prática pedagógica  como 

também,  e  sobretudo,  de  regulá‐la,  fornecendo  regras  e  normas  para  que  ela  se 

desenvolvesse de forma “científica” e “justa”. A teoria sociológica de Durkheim e a Psicologia 

experimental é que davam “cientificidade” à proposta; ora sendo ela “científica”, só poderia 

ser  “justa”.  De  um  lado,  a  teoria  sociológica  de Durkheim  fundamentava  a  concepção  da 

educação como socialização do  indivíduo, de outro  lado, a Psicologia experimental conferia 

racionalidade e objetividade à prática pedagógica. 

 

Gadotti  (op.  cit. 144)  ressalta que na Escola Nova o aluno está no  centro. Para que  isso ganhasse 

viabilidade era preciso métodos ativos e criativos centrados no aluno. Desse modo os métodos de ensino se 

constituíam no maior avanço desta proposta de escola. Acompanhemos sua exposição: “Os projetos poderiam 

 

LETRAS LIBRAS| 160 

 

ser manuais, como uma construção; de descoberta, como uma excursão; de competição, como um  jogo; de 

comunicação  como  a  narração  de  um  conto,  etc. A  execução  de  um  projeto  passaria  por  algumas  etapas: 

designar o fim, preparar o projeto, executá‐lo e apreciar o seu resultado”. 

Pedagogos, entre outros, que se destacaram com seus métodos foram kilpatrick (1871‐965), Decroly 

(1871‐1932), Maria Montessori (1870‐1952), Roger Cousinet (1881‐1973).  

A  Escola  Nova  representa  um  avanço  incontestável  em  relação  à  pedagogia  autoritária  e 

conservadora, mas não deixa de ser um instrumento útil aos interesses capitalistas. O ser humano novo, ativo, 

participante,  que  é  valorizado  pela  responsabilidade  e  pelo  mérito  pessoal  está  plenamente  inserido  no 

projeto dominante de sociedade. Lembramos que poucos pedagogos escolanovistas ultrapassaram a ideologia 

burguesa, com o cuidado de evidenciar a exploração do trabalho, a dominação política, a oferta desigual do 

ensino de qualidade em uma sociedade de classes. 

Podemos, após estas breves considerações, destacar que o movimento da Escola Nova foi ganhando 

legitimidade afirmando‐se, como experimentou Magda Soares, como uma escola moderna, científica, aberta 

aos interesses públicos. Os escolanovistas não podem negar os contatos com o positivismo e com o marxismo, 

tornando‐se,  portanto,  como  dirá  Gadotti  (idem  147‐48)  um  movimento  complexo  e  contraditório.  O 

movimento não  ficou nos  limites de um movimento a  serviço do pensamento  liberal. Os  teóricos marxistas 

como Bogdan Suchodolski e Georges Snyder não negaram uma perspectiva de integração dessas correntes.  

Paulo Freire também reconheceu os avanços da Escola Nova e sua contribuição, mas lembrava que a 

educação pode  servir à prática da  libertação ou então  servir aos  interesses dominantes da  sociedade,  sem 

questioná‐los de forma profunda. O autor argumentava também que a valorização da criança pela Escola Nova 

não  pode  equivaler  a  uma  ilusória  renúncia  à  direção  educativa.  Isso  porque  os  interesses  dos  grupos 

dominantes  são  veiculados  pelos  poderosos  meios  de  comunicação  e  de  informação  agindo  sobre  as 

aspirações e a mentalidade dos setores populares.  

Como  já destacamos neste  texto: Rousseau apresenta uma  ruptura  com a pedagogia da essência, 

quando oferece elementos para a elaboração de uma pedagogia da existência. Esta pedagogia da existência 

ganha  fôlego  no  século  XIX  e  XX,  especialmente  porque  é  coerente  com  as  crises  que  a modernidade  foi 

experimentando quando são rompidos, um a um, os  laços estáveis de  ligação do ser humano com o cosmos, 

com  a  natureza,  com  a  consciência.  Como  sabemos,  Copérnico  no  século  XVI  evidenciou  que  a  terra  e  o 

homem  nunca  estiveram  no  centro  do  universo; Darwin mostrou  que  o  ser  humano  está  entranhado  nos 

processos evolutivos inscritos no mundo natural; Freud viu que a consciência constitui uma pequena fração de 

nossa  vida  psíquica. Marx  viu  o  indivíduo  esmagado  pelas  condições materiais  da  vida  social  e  política. O 

século XX  foi, por sua vez, marcado por duas grandes guerras mundiais e por guerras de  independência dos 

países pobres diante dos seus colonizadores. 

LETRAS LIBRAS |  161 

 

O século XX, a complexidade do mundo como tema da filosofia e da pedagogia e a nossa inserção nesse debate24  

Uma das características da filosofia do século XX, de acordo com Abrão (op. cit. 441‐42), é incorporar 

a  experiência  histórica,  que  é  uma  forma  de  estar  atento  à  complexidade  do mundo,  à  tematização  da 

contingência e da busca da  liberdade. Neste contexto prosperam as filosofias e as proposta educacionais da 

existência. O tema da existência, porém, já se constitui problema no século anterior. Kierkegaard (1813‐1855) 

e Nietzsche (1844‐1900), entre outros, ofereceram contribuições marcantes para a filosofia e a pedagogia da 

existência.  

Para Kierkegaard o caminho não é o de buscar o sentido do indivíduo numa racionalidade que anula 

as singularidades. Uma vez que o  indivíduo é único, mas sua aspiração o eleva para além de si mesmo é na 

individualidade que vai definir sua existência. Nietzsche admite como tarefa da filosofia rever as morais e as 

religiões, quando então nos defrontaremos com a análise da civilização, sendo que daí desponta o problema 

da existência humana.  

 Nietzsche,  como  diz Ghiraldelli  Jr.  (op.  cit.  94)  criticou  a metafísica  da  subjetividade,  a  noção  de 

subjetividade criada na modernidade. Discutiu a dificuldade para distinguir o que é verdade e  falsidade, de 

modo que abre pistas para um pensamento não fundacionista, questionando a idéia de que somos obrigados a 

adquirir uma visão global e unificada do mundo e de nós mesmos. Nietzsche   com novos método filosóficos 

abre caminhos para um trabalho com a linguagem. 

Em síntese, como alerta Gadotti (op. cit. 159). uma pedagogia da essência estabelece um programa 

para levar o aluno “a conhecer sistematicamente as etapas do desenvolvimento da humanidade; a pedagogia 

da existência, a organização e a  satisfação das necessidades atuais do aluno através do conhecimento e da 

ação”.  

Abrão  (idem:  441)  sugere  que  não  podemos  falar  de  um  existencialismo,  no  singular.  Há  uma 

multiplicidade de direções, diversidade de  influências presentes. Quando  se  fala de  filosofia da existência o 

que se pretende destacar é a existência humana como o foco privilegiado de análise. Para a autora, no século 

XX há uma influência metodológica de análise de Husserl pelo fato de que a fenomenologia está presente na 

obra  de Heidegger  e  de  Sartre. O  que Husserl  propõe  é  se  colocar  de  frente  dos  fenômenos  para  buscar 

descrevê‐los, para tentar interpretá‐los, pelo que manifestam, por aquilo que está por trás das aparências. No 

entanto,  se  há uma diretriz metodológica da  fenomenologia de Husserl não há uma  vinculação quanto  ao 

conteúdo que são privilegiados.                                                                                                                                                                

A fenomenologia existencialista trouxe um grande dinamismo para a educação. O ser humano deixa 

de ser visto a partir de modelos estáveis, o diálogo, o conhecimento do universo do outro, o reconhecimento 

                                                            24 Para construir este tópico eu tomei como referência básica o capitulo 11 e o 15 do livro de Moacir Gadott i (op. cit.). 

 

LETRAS LIBRAS| 162 

 

das diferenças ganham grande importância. A fenomenologia abre caminhos para uma antropologia filosófica 

aberta, sem preconceitos e que incorpora uma práxis e um envolvimento.  

Filósofos  existencialistas  que marcaram  a  educação,  especialmente  em  nosso  país  foram: Martin 

Buber  (1878‐1966,  Merleau‐Ponty  (1908‐1961),  Emanuel  Mounier  (1905‐1950),  Sartre  (1905‐1980),  Paul 

Ricoeur (1913‐).  

O nosso país até acolher a  influência dos citados autores teve que percorrer um  longo e dificultoso 

caminho. Não  foi  fácil superar os condicionamentos de país colonizado, marcado por uma cultura escravista 

alongada, e por uma sucessão de experiências de poder pouco  interessadas em  incorporar efetivamente sua 

população às conquistas contemporâneas no campo do pensamento, da ciência e da técnica.                                                

Até  quase  o  fim  do  século  XIX  o  pensamento  pedagógico  dominante  no  Brasil  esteve  preso  ao 

catolicismo  tradicional.  Aos  poucos  novas  idéias  foram  trazidas  da  Europa,  numa  vertente  laica,  liberal, 

positivista, o que permitia  fazer com que a educação apresentasse algumas alternativas, ainda que  tímidas. 

Moacir Gadotti (op. cit. 230)  lembra que a fundação da Associação Brasileira de Educação (ABE), em 1924 tem 

vínculos diretos com o projeto liberal da educação, que se movia nos moldes de um otimismo pedagógico, ou 

seja, esperava‐se, proclamava‐se reconstruir a sociedade através da educação. Deve ser lembrado que pouco 

efetivamente acabava sendo realizado, afinal o Brasil do começo do século XX, conforme o senso detinha mais 

de 74% de sua população analfabeta. (Paiva, 2003:95)  

Reformas  importantes foram realizadas por  intelectuais na década de 20, na tentativa de superar a 

educação tradicional, conservadora, de cunho confessional, que havia predominado no país ao  longo de sua 

experiência como colônia de Portugal e também como Império. 

A herança dos jesuítas fez sobreviver no país um ensino verbalista, retórico, livresco, com ênfase no 

esforço da repetição, no desempenho individual, na memorização, no uso de castigos corporais e na utilização 

de  conteúdos  descontextualizados. Havia  um  ensino  das  letras,  destinado  a  formação  dos  senhores,  e  um 

outro para as classes populares, sendo que as atividades agrícolas, a pecuária e os ofícios e artes, na maioria 

das vezes não garantiam uma exigência quanto ao domínio da  leitura e da escrita.  Isso explica, em grande 

parte o grande número de analfabetos produzidos no país.  

Num  balanço  sobre  a  educação  brasileira  do  fim  do  Império,  Rui  Barbosa  faz  dois  pareceres  ao 

Parlamento, o primeiro sobre o ensino secundário e superior e o segundo sobre o ensino primário. Rui Barbosa 

apela  para  a  liberdade  de  ensino,  a  laicidade  da  escola  pública  e  a  instrução  obrigatória.  Seus  pareceres 

denunciam nosso atraso educacional, a  fragmentação do ensino e o descaso com a educação da população 

brasileira, predominante até o império. 

Esboços de uma educação aberta aos operários e pensada contra a opressão e a coerção foi realizada 

pelo movimento anarquista do início do século. Era uma educação que durou pelo menos até 1919, na capital 

de  São  Paulo  e  são  Caetano.  A  escola  anarquista  servia  aos  filhos  dos  operários  e  era  influenciada  pelo 

movimento  anarquista  europeu.  Os  anarquistas  estavam  sendo  pressionados  pelas  autoridades,  devido  a 

LETRAS LIBRAS |  163 

 

informações  de  que  eles  tramavam  a  derrubada  do  governo.  O  conflito  provocou  o  encerramento  das 

experiências libertárias na esfera da educação no país. 

Em  1930  a  burguesia  urbano‐industrial  assumiu  o  poder  e  abriu  caminho  para  um  novo  projeto 

educacional. A educação pública ganhou espaço nas preocupações dos que estavam no poder. O Manifesto 

dos  pioneiros  da  educação  nova,  em  1932,  assinado  por  27  educadores  renomados  do  país,  sintetiza  o 

resultado político e doutrinário dos 10  anos de  luta da ABE, em  sua  reivindicação em  favor de uma Plano 

Nacional de Educação.  

Em 1938 é fundado O  instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, o INEP. Em 1944 o INEP publica a 

Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Os grandes teóricos do período são: Fernando de Azevedo (1984‐

1974),  Lourenço  Filho  (1987‐1970),  Anísio  Teixeira  (1900‐1971). O  pensamento  pedagógico  liberal  teve  as 

contribuições de Roque Spencer Maciel de Barros, João Eduardo Villalobos, Antonio de Almeida Junior, Laerte 

Ramos de Carvalho, Moyses Brejon e Paul Eugêne Charboneau.  

Os católicos e os liberais representavam as duas grandes forças opostas quanto ao entendimento do 

que fazer com a educação no país. Enquanto os liberais defendiam uma escola pública laica, os católicos não 

queriam perder os espaços que controlavam, o que  incluía garantir nas escolas, de modo geral, a  formação 

religiosa. O que havia entre as duas grandes forças era um não questionamento profundo da organização do 

sistema econômico reinante, da produção da exclusão, que entre outras oportunidades, negava a escola para 

as classes populares. A análise das contradições de classe, com poucas exceções, estava ausente da reflexão 

dos dois grupos. Com o surgimento de uma proposta pedagógica crítica, a exemplo das iniciativas de Paschoal 

Lemme,  Álvaro  Vieira  Pinto  e  Paulo  Freire,  a  questão  da  transformação  radical  da  sociedade  vai  sendo 

colocada, incluindo o lugar da educação a serviço dessa transformação. 

Com o  fim da era Vargas o país vive um período de democratização,  com marcantes experiências 

político‐pedagógicas, que será interrompido com o golpe de 1964 e que será retomado com grande vitalidade 

a partir do fim da década de 70 e ao  longo da década de 80, quando os trabalhos de base, junto aos setores 

populares  das  periferias  urbanas  e  das  zonas  rurais  ganharam  grande  impulso,  especialmente  com  as 

mudanças trazidas pela Igreja Católica progressista e aliados.  

Daí para a frente tivemos a Constituinte de 1988 e a aprovação da LDB, em dezembro de 1996. Uma 

das maiores  lutas do fim do século XX para o século XXI é garantir que todas as crianças e  jovens brasileiros 

estejam freqüentando a escolas e tenham acesso às tecnologias da comunicação e da informação. 

Vimos que no início do século XX mais de 74% da população brasileira eram analfabetos. A questão 

que atravessou o  século passado e até agora não parece  ter  sido  solucionada é esta:  como  lidar  com esta 

realidade  da  nossa  grande  população?  Lastimar  o  atraso  vivido  pela maioria  do  povo  brasileiro  ou  tentar 

entender  o  que  essa  população  pouco  escolarizada  elaborou,  construiu,  entendeu  para  sobreviver  numa 

sociedade  extremamente  desigual  e  perversa  na  distribuição  de  bens  e  riquezas  produzidas  socialmente? 

Como fazer para entender uma população que tem sobrevivido com poucas oportunidades, mas que continua 

 

LETRAS LIBRAS| 164 

 

ativa, migrante, mestiça e reconhecidamente comunicativa? Como transformar estas e outras disponibilidades 

da  população  em  suportes  para  que  as  pedagogias  possam  avançar  de  forma  inventiva  em  direção  aos 

domínios do saber sistematizado, da ciência e da técnica?  

Depois  de  tudo  o  que  herdamos  dos  filósofos  e  educadores  progressistas  europeus,  norte‐

americanos, especialmente ao longo do século XX, quero destacar a contribuição de Paulo Freire, que traz uma 

autêntica contribuição de pensadores provenientes dos países pobres. Esse educador, expulso do país com a 

instauração da ditadura militar de 1964, soube acolher uma herança progressista de  filósofos e educadores 

brasileiros  e  outros,  e  foi  capaz  de  afirmar  o  que  ficou mundialmente  conhecido  como  a  pedagogia  do 

oprimido.  

Freire  nos  levou  a  entender  que  só  tem  sentido  uma  pedagogia  libertadora  quando  tivermos  a 

humildade de  reconhecer que é preciso conhecer profundamente o universo de vida e de pensamento dos 

nossos alunos das classes populares, de  todos os alunos que estão em nossas  salas de aula. Que o  fato de 

fazermos  parte  de  uma  cultura  na  qual  prevaleceu majoritariamente  ao  longo  dos  séculos  o  domínio  da 

oralidade e dos saberes da inteligência prática, que  isso não nos diminui. O que há de melhor na inteligência 

das necessidades práticas é a curiosidade humana, a mesma que move a inteligência científica, com todas as 

suas conquistas e novas possibilidades. Freire nos convida a reabilitar os saberes da atenção e da sensibilidade 

que trazem de volta a filosofia de vida desenvolvida por Zadig  pelos príncipes de Serendip. 

Freire nos desafia a pensar processos político‐pedagógicos capazes de promover os domínios de uma 

inteligência da prática em domínios de uma inteligência cientifica, indagadora, abdutiva. Ele deixou claro que 

não  há  uma  receita  para  realizar  tal  empreendimento, mas  evidenciou  que  esse  é  um  caminho  para  as 

pedagogias críticas percorrerem para acolher o que há de melhor nos saberes da nossa grande população.   

Assim, retomar a estatística do analfabetismo do início do século XX ajuda a pensar como lidar com a 

estatística da inclusão digital do início do século XXI. Com relação aos índices alarmantes do analfabetismo do 

início do  século não  é difícil  entender que  a população majoritária do  campo  estava propensa  a  aceitar  o 

discurso dominante de que o  trabalho agrícola, o  trabalho com a pecuária e demais atividades produtivas e 

técnicas, não exigiam o domínio da leitura e da escrita e o acesso ao conhecimento científico. Agora, no início 

do  século  XXI  o  problema  da  exclusão  digital  tem  uma  face muito mais  cruel  porque  os  quase  80%  da 

população nordestina, os mais de 87% da população paraibana estão mais do que nunca  cientes da perda 

irreparável  que  significa  não  ter  acesso  aos  meios  mais  avançados  e  versáteis  de  comunicação  e  de 

informação.25 

 

 

 

                                                            25 Ver htt p://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/acessoainternet/comentarios.pdf. Acessado em 29/05/2007. 

LETRAS LIBRAS |  165 

 

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LETRAS LIBRAS |  167 

 

 

 

 

 

 

   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

FUNDAMENTOS DE LINGÜÍSTICA

 

LETRAS LIBRAS| 168 

 

LETRAS LIBRAS |  169 

 

FUNDAMENTOS DE LINGÜÍSTICA

 

JAN EDSON RODRIGUES LEITE  

 

Caro Aluno e Cara Aluna 

 

Este  capítulo  contém  grande  parte  do  material  necessário  para  o  aproveitamento  da  disciplina 

Fundamentos de Lingüística. A disciplina que estudaremos aborda, de modo geral, os principais fenômenos da 

linguagem humana. Em um curso de Letras, em que os profissionais serão habilitados para o ensino de língua 

portuguesa,  entender  esses  fenômenos  é  crucial,  visto  que  a  língua,  como  ferramenta  de  comunicação, 

compreensão e atuação no mundo, abrange dimensões que interessam a todas as atividades humanas, ainda 

mais ao ensino. 

Procuramos apresentar da  forma mais clara possível as principais questões acerca dos  fenômenos 

estudados pela ciência da  linguagem, recorrendo sempre aos  livros‐texto adotados pelo seu pólo de estudo, 

bem como a páginas da  Internet, onde os assuntos discutidos poderão ser aprofundados. Nosso objetivo é, 

pois, muni‐los do aparato teórico básico para o desempenho eficaz de suas atividades, bem como aprofundar 

seus conhecimentos sobre os fatos gerais que envolvem a capacidade da linguagem. 

Este capítulo se divide em seis unidades que discutem os textos teóricos e procuram relacioná‐los à 

prática  lingüísticas  dos  usuários.  Essas  unidades  abordam  desde  os  objetos mais  básicos  dos  estudos  da 

linguagem,  até  a  história  da  lingüística,  suas  principais  teorias,  princípios  e  a  análise  da  relação  língua  e 

sociedade.  Lembre‐se  de  que  qualquer  aula,  presencial  ou  a  distância,  exige  dedicação  e  leituras. Assim  é 

importante que as leituras obrigatórias sejam feitas antes do início de cada unidade temática para que o seu 

aproveitamento  seja  melhorado.  Apresentamos  também  leituras  complementares  que  ajudarão  no 

entendimento integral do assunto estudado, procure sempre fazê‐las.  

Ao estudar esse material, mantenha um caderno de anotações no qual possa registrar suas dúvidas, 

questionamentos,  opiniões  e  sugestões.  Use  suas  anotações  nos  encontros  com  os  tutores  presenciais  e, 

principalmente,  no  contato  com  o  Professor  e  os  tutores  a  distância.  As  atividades  sugeridas  nesse  livro 

contribuirão para o seu aprendizado, não deixe de fazê‐las e discuti‐las em grupo, a fim de compartilhar suas 

opiniões  com  as  dos  seus  colegas.  Parte  da  avaliação  da  disciplina  consiste,  exatamente,  nos  trabalhos, 

pesquisas  e  textos  que  são  solicitados  nessas  atividades.  A  outra  parte  da  avaliação  será  feita  através  de 

estágios escolares (avaliações) de modo presencial.  

O sucesso do seu aprendizado depende muito de você, por isso questione, critique, analise posições, 

compare teorias, proponha sugestões, seja parte ativa desse curso que você agora começa, para que ao final 

 

LETRAS LIBRAS| 170 

 

das  disciplinas  suas  competências,  habilidades  e  atitudes  tenham  sido  acrescidas  não  só  por  meio  de 

construtos teóricos, mas pelo acúmulo de experiências positivas. 

 

 

Um abraço e muito sucesso!        

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS |  171 

 

UNIDADE I

LINGUAGEM LÍNGUA E LINGÜÍSTICA  

 

 

 

 

Sempre  que  começamos  a  estudar  uma  disciplina  ou  teoria  particular,  buscamos  apreender  os 

conceitos  básicos  que  a  definem  e  a  diferenciam  de  outras  teorias  e  disciplinas. Às  vezes  esses  conceitos 

básicos são completamente desconhecidos e exigem muito cuidado para que possamos compreendê‐los com 

certa profundidade. Outras vezes, trata‐se de conhecimentos que já possuímos, ou de noções sobre as quais já 

estudamos e que parecem ser de  fácil apreensão. No entanto, no decorrer de nossos estudos, percebemos 

que o que já sabíamos era incompleto, superficial e, em certos casos, até mesmo inadequado.  

A  lingüística  é  uma  ciência  que  trabalha  com  o  segundo  tipo  de  conhecimento.  As  noções  que 

compõem essa ciência são,  inúmeras vezes, conhecidas por qualquer pessoa. Ora, qual é o  falante que não 

sabe  sua  língua,  ou  que  não  conhece  os  aspectos  principais  da  comunicação  verbal?  Ao  estudarmos  a 

lingüística, discutiremos dois grupos de conceitos e noções básicas: um que recupera os conhecimentos gerais, 

não  técnicos  sobre a  linguagem humana e a  língua em particular; outro que apresenta uma visão  técnica e 

especializada sobre estes mesmos aspectos. Não raro veremos que o conhecimento técnico da  lingüística se 

assemelha a algumas noções que  já possuímos, como é o caso de certas normas sociais da  fala, a diferença 

entre nossa língua e outros sistemas de comunicação, entre outros. Algumas vezes, porém, perceberemos que 

a ciência da linguagem – exatamente porque se trata de uma ciência – sistematiza o conhecimento da área em 

conceitos que  são muito profundos e que exigem uma  aproximação mais  técnica para  sua  compreensão e 

exploração.  

 

LETRAS LIBRAS| 172 

 

Nosso objetivo nesse capítulo é abordar de maneira especializada os conceitos e definições básicas 

da Lingüística, correlacionando‐os, sempre que possível, com as noções que fazem parte dos conhecimentos 

mais gerais dos falantes. Assim, vamos ao que interessa. 

Um  primeiro  conceito  a  ser  descoberto  é  o  de  linguagem.  Será  que  esse  conceito  não  é 

suficientemente  óbvio  para  ser  explicado? O  falante  comum,  não‐técnico,  costuma  pensar  no  conceito  de 

linguagem humana como  se opondo à  linguagem de  sinais, gestual, corporal,  linguagem da propaganda, da 

computação,  etc.  As  diferenças  entre  essas  noções  são,  no  entanto,  o  bastante  para  se  formular  uma 

definição? O conhecimento técnico de  linguagem exige que, paralelamente, estudemos também a noção de 

língua, uma vez que ambas são realidades muito próximas para se estudar o fenômeno lingüístico.  

Algumas  línguas  usam  apenas  um  termo  para  se  referir  às  noções  de  língua  e  linguagem  (por 

exemplo, o termo do inglês language), tão próximos são os dois conceitos. Convencionou‐se atribuir o termo 

linguagem  à  capacidade  geral  que  temos,  enquanto  seres  humanos,  de  utilizar  sinais  com  vistas  à 

comunicação. Assim, essa capacidade chega a nós como resultado de um processo evolutivo. Todos os homens 

e mulheres, independente de falarem uma língua natural (como  português), ou de utilizarem línguas de sinais 

na comunicação entre surdos, ou de serem acometidos de patologias que prejudicam a comunicação verbal, 

são portadores dessa capacidade, ou seja, têm linguagem. A língua, por sua vez, é uma noção que sugere que 

a capacidade de linguagem se atualiza em um material concreto, disponível culturalmente, uma língua natural.  

Nos próximos capítulos nos deteremos em outras acepções das noções de  língua e  linguagem. Por 

enquanto, é suficiente que fique claro que todo ser humano nasce dotado de uma capacidade geral  chamada 

linguagem,  ou  faculdade  da  linguagem,  e  que  essa  capacidade  se  atualiza,  se  concretiza  em  uma  língua 

específica, um conjunto de signos e normas que permitem a comunicação em uma comunidade particular.  

Dificilmente  seríamos  o  que  somos  hoje,  em  termos  de  conhecimento,  acesso  a  informações, 

desenvolvimento tecnológico e relações interpessoais, sem uma linguagem e sem uma língua. Todas as nossas 

atividades  cotidianas  exigem  que,  direta  ou  indiretamente,  usemos  a  capacidade  lingüística,  seja  para  nos 

comunicar com outras pessoas, seja para contar histórias aos nossos filhos, seja para negociar com o gerente 

de  nosso  banco,  seja  para  contar  uma  piada,  uma mentira,  fazer  uma  fofoca,  etc.  A  língua/linguagem  é 

atividade constitutiva e  incontornável de nossa natureza humana, por  isso, possivelmente, qualquer  falante 

tem a habilidade de definir sua  língua em oposição a uma  língua estrangeira, reconhecer outro falante como 

usuário de sua própria língua, distinguir uma língua natural de um conjunto de sons ou letras sem sentido.  

A lingüística, porém, como o estudo científico da língua/linguagem humanas, se ocupa com questões 

que provavelmente não  incomodariam o usuário comum. Poucos falantes, por exemplo, se preocupariam em 

estudar a evolução da língua, tanto do ponto de vista de como as formas do latim, por exemplo, evoluíram até 

chegar ao que constitui hoje a estrutura das línguas românicas, como o português, o francês, o romeno, etc.; 

quanto  do  ponto  de  vista  de  como  a  capacidade  da  linguagem  evoluiu  na  espécie  humana  ao  longo  dos 

milhares de anos que separam o homem moderno dos primeiros primatas.  

LETRAS LIBRAS |  173 

 

A  lingüística, além de questões  como a  tratada acima, estuda o modo  como a  língua  se estrutura 

genericamente,  através de propriedades de  associação e distribuição, o que  corresponde, parcialmente,  às 

tradicionais análises morfossintáticas que  fazíamos na escola. Outra preocupação da  lingüística é  investigar 

como um falante sai de um estado em que virtualmente não conhece sua língua materna (porque é bebê, por 

exemplo)  e  passa  ao  estado  em  que  domina  as  estruturas  de  sua  língua,  ou  seja,  adquire  e  desenvolve 

conhecimentos lingüísticos.   

Muitas  outras  são  as  questões  discutidas  pela  lingüística,  as  quais  serão  apresentadas  e 

aprofundadas  nas  próximas  páginas  deste  capítulo.  Apresentaremos  agora  algumas  definições  e  conceitos 

elaborados por lingüistas de renome, que indicam a variedade de abordagens que esses fenômenos recebem 

no campo da ciência lingüística. 

 

 

Conceitos

FERDINAND DE SAUSSURE (1916)

A língua não se confunde com a linguagem; é somente uma parte

determinada, essencial dela. É, ao mesmo tempo, um produto social da

faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas

pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos. A

linguagem é multiforme e heteróclita; a língua, ao contrário, é um todo por si

e um princípio de classificação. Ela é a parte social da linguagem, exterior ao

indivíduo.

 

MIKHAIL BAKHTIN

(1929) A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema

abstrato de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica e isolada, nem

pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação

verbal. A língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não

no sistema lingüístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual

dos falantes.

 

LETRAS LIBRAS| 174 

 

 

EDWARD SAPIR (1929)

A linguagem é um método puramente humano e não instintivo de se

comunicarem idéias, emoções e desejos por meio de símbolos voluntariamente

produzidos. 

 

NOAM CHOMSKY (1957)

A linguagem é um conjunto (finito ou infinito) de sentenças, cada uma

finita em seu comprimento e construída a partir de um conjunto finito de

elementos.

NOAM CHOMSKY (2000)

A linguagem é um componente da mente/cérebro humanos

especificamente dedicada ao conhecimento e uso da língua. A faculdade

da linguagem é o órgão da linguagem. A língua é então um estado dessa

faculdade.   

 

CARLOS FRANCHI (1977) 

 

 A língua é atividade constitutiva.

 

Pela  diversidade  dos  posicionamentos  apresentados  acerca  da  definição  de  língua/linguagem, 

percebemos que a lingüística é marcada pela constante discussão e retomada do seu objeto de estudo. Essas 

LETRAS LIBRAS |  175 

 

posições sinalizam, além do marco teórico defendido por seus autores, uma postura filosófica sobre o papel da 

linguagem na vida dos seres humanos. Do conjunto de definições, percebemos que a língua ora se apresenta 

como um sistema de representação da realidade, ora como um instrumento de comunicação, ora como uma 

forma de ação social. Essas concepções orientam a escolha de uma definição teórica de linguagem. 

 

  

O conceito de  língua adotado pelo  lingüista suíço Saussure  instaura, no século XX, a autonomia da 

Lingüística como ciência. Saussure define língua por oposição à linguagem e à fala. O conceito de ciência nesse 

período  era marcado  pela  busca  de  teorias  capazes  de  explicar  qualquer  fenômeno  de modo  universal. A 

linguagem não serviria como bom objeto para a nova ciência porque era “multiforme e heteróclita”, isto é, o 

conhecimento da linguagem envolveria a investigação de sua natureza mental, abstrata, psicofisiológica, o que 

extrapolaria os limites da lingüística. Por outro lado, a fala, como fenômeno individualizado não se prestaria à 

elaboração de uma  teoria  capaz de explicar  todas as  línguas. Surge, então, o  conceito de  língua,  como um 

recorte feito pelo autor, para explicar o caráter concreto, homogêneo e objetivo do fenômeno  lingüístico. A 

noção adotada por Saussure aponta para língua como um sistema, ou seja,  uma estrutura formal passível de 

classificação em elementos mínimos que compõem um todo. Esses elementos se organizam por princípios de 

distribuição e associação, verificáveis em todas as línguas naturais. 

Mikhail  Bakhtin,  filósofo  e  lingüista  russo,  concebe  o  fenômeno  lingüístico  de  modo  bastante 

diferente de Saussure. Para este autor, a discussão sobre o caráter abstrato ou  individualista da  linguagem é 

simplesmente  inadequada. O que  constitui  a  língua  é  sua natureza  sócio‐ideológica,  isto  é, o  complexo de 

relações  existentes  entre  língua  e  sociedade.  Essas  relações  se materializam  no  discurso,  perceptível  nos 

enunciados  proferidos  pelos  falantes,  em  situações  comunicativas  concretas.  Bakhtin  destaca  o  papel  das 

relações  intersubjetivas  entre  o  falante  e  o  ‘outro’  como  instaurador  de  uma  concepção  adequada  de 

linguagem, privilegiando a ação dialógica no curso da história, em uma sociedade. 

Para  o  antropólogo‐lingüista  estadunidense,  de  origem  alemã,  Edward  Sapir,  o  conceito  de 

linguagem  perpassa  a  representação  que  uma  determinada  comunidade  faz  de  sua  cultura,  através  dos 

símbolos  que  utiliza.  A  língua  é,  portanto,  uma  categorização  simbólica  organizada.    Juntamente  com  seu 

associado, Benjamin Whorf, Sapir defende a hipótese de que nós recortamos a natureza, a organizamos em 

conceitos e atribuímo‐lhes significações porque convencionamos culturalmente organizá‐la dessa forma. Essa 

 

LETRAS LIBRAS| 176 

 

convenção faz parte de um contrato que se mantém através de nossa comunidade lingüística e está codificado 

nos  padrões  de  nossa  língua.    Sapir  e Whorf  defendem  que  nosso  universo mental  é  determinado  pelas 

estruturas da língua que falamos, e estas estruturas são um recorte arbitrário da realidade.  

“A  lógica  natural  diz‐nos  que  a  fala  é  apenas  uma  manifestação  acessória,  que  diz 

estritamente respeito à comunicação e não à formulação das idéias.  Supõe‐se que a fala, ou o 

emprego da língua exprime apenas o que, em princípio, já está formulado não verbalmente.  A 

formulação  é  um  processo  independente,  denominado  pensamento  e  considerado  muito 

escassamente tributário do caráter particular das diferentes línguas.  O relativismo lingüístico 

modifica  o  veredicto  do  Senhor  Senso  Comum.    Em  vez  de  dizer  ‘as  frases  são  diferentes 

porque evocam fatos diferentes’, passa a dizer ‘os fatos são diferentes’ para os locutores cujo 

pano de fundo  lingüístico atribui a esses fatos uma formulação diferente” (WHORF, 1956, p. 

117; 160).   

 

Para  o  lingüista  Avram  Noam  Chomsky,  a  linguagem  humana  baseia‐se  em  uma  propriedade 

elementar biologicamente  isolada na espécie humana: a  infinitude discreta. Esta propriedade é  comparável 

àquela  dos  números  naturais,  ou  seja,  elementos  discretos  (símbolos  oponíveis  entre  si)  combinam‐se 

produzindo  todas  as  possibilidades  de  números  existentes.  No  que  se  refere  à  teoria  lingüística,  o  autor 

reproduz  o  pensamento  de  Humboldt  (séc.  XVII)  de  que  a  língua  possui meios  finitos  para  produzir  uma 

seqüência  infinita de enunciados. Esse conhecimento é, portanto, parte de um  fenômeno natural, biológico, 

que nos alcançou através da evolução da espécie. 

Chomsky acredita que o  conhecimento da  linguagem é  individual e  interno à mente e ao  cérebro 

humanos. A faculdade da linguagem, para essa teoria, é uma propriedade da espécie humana que varia muito 

pouco entre os  indivíduos e que não  tem análogo  significativo em outras espécies. A  linguagem humana é, 

portanto, um objeto biológico e deve ser analisada segundo a metodologia das ciências naturais. Assim, um 

estudo adequado da  língua precisa tratar de seu construto mental, uma entidade teórica a que Chomsky se 

refere como Língua‐I, uma propriedade interna do individuo. 

Segundo o autor, todas as propriedades essenciais da língua são construídas desde o início. A criança 

não precisa aprender as propriedades da língua a que está exposta, apenas seleciona opções específicas de um 

conjunto pré‐determinado. O órgão da  linguagem  (faculdade) de uma  criança está em estado  L  (linguagem 

internalizada). A teoria da linguagem desta criança é a gramática de sua língua. A língua determina uma gama 

infinita  de  expressões  (som  +  significado),  ou  seja,  a  língua  gera  expressões  na  linguagem.  Esta  teoria  de 

linguagem é chamada de gramática gerativa.  

No Brasil, o lingüista Carlos Franchi, da UNICAMP, nos apresenta noção de linguagem que extrapola 

os  limites  estruturais,  comunicativos  e  cognitivos  dentro  dos  quais  a  língua  havia  sido  pensada.  Para  Luiz 

Antonio Marcuschi (2003, p. 46), eminente lingüista que comunga com o pensamento de Franchi, “A língua é 

muito mais  do  que  uma  simples mediadora  do  conhecimento  e muito mais  do  que  um  instrumento  de 

comunicação ou um modo de interação humana. A língua é constitutiva de nosso conhecimento”.  

 

LETRAS LIBRAS |  177 

 

Bem  repetindo  Humboldt,  a  linguagem  é  um  processo  cuja  forma  é  persistente, mas  cujo 

escopo e modalidades do produto são completamente  indeterminados; em outros termos, a 

linguagem    em  um  de  seus  aspectos  fundamentais  é  um meio  de  revisão  de  categorias  e 

criação  de  novas  estruturas.  Nesse  sentido  a  linguagem  não  é  somente  um  processo  de 

representação, de que se podem servir os discursos demonstrativos e conceituais, mas ainda 

uma prática imaginativa que não se dá em um universo fechado e estrito, mas permite passar, 

no pensamento e no tempo, a diferentes universos mais amplos, atuais, possíveis, imaginários 

(FRANCHI, 1977, p. 32).  

 

Como  atividade  constitutiva,  a  linguagem  é  incontornável  e  imprescindível  das  relações  e  ações 

humanas, fazendo parte de nossa natureza e ativamente modelando nossa comunicação, nosso pensamento, 

nossa interação.    

“A rigor, para que existiria linguagem? Certamente não para gerar seqüências arbitrárias de símbolos 

nem  para  disponibilizar  repertórios  de  unidades  sistemáticas. Na  verdade,  a  linguagem  existe  para  que  as 

pessoas possam  relatar a estória de  suas vidas, eventualmente mentir  sobre elas, expressar  seus desejos e 

temores,  tentar  resolver  problemas,  avaliar  situações,  influenciar  seus  interlocutores,  predizer  o  futuro, 

planejar ações” (SALOMÃO, 1999, p. 65). 

 

 

 

 

História dos estudos da Linguagem

 

A existência de uma ciência da  linguagem não é, em si, o ponto de partida para os estudos sobre a 

relação entre a  linguagem e o  ser humano. Antes de a  Lingüística  se  constituir  como  ciência,  seu objeto, a 

língua, mantinha relacionamento estreito com muitas disciplinas, tanto do conhecimento científico, quanto do 

conhecimento popular. Se considerarmos que desde a mais  remota era, o homem  já buscava  formas de  se 

comunicar por meio de trocas simbólicas que possivelmente deram origem à linguagem, tal como ela é hoje, 

poderíamos pressupor que desde então já havia um interesse latente pelo estudo da linguagem.  

Este interesse pela compreensão do fenômeno lingüístico pode ser encontrado no mundo antigo por 

meio de mitos, lendas e ritos que são comuns a várias culturas (como a origem do homem, a Torre de Babel, 

etc.),  e que  fazem parte do  conhecimento popular  sobre o  fenômeno  lingüístico,  como  sua origem  (várias 

culturas acreditam que a língua é um dom divino ou que todas as línguas se originam língua falada entre um 

deus e o primeiro homem); seu poder de fazer coisas acontecerem (a história da criação do mundo em várias 

 

LETRAS LIBRAS| 178 

 

culturas está relacionada ao poder da palavra: “faça‐se a luz!”); e a natureza mística das palavras de atraírem o 

bem e o mal. 

Os estudos sobre a linguagem podem ser reconstituídos à aproximadamente quatro ou cinco séculos 

antes da nossa  era.   Por  razões  religiosas, os Hindus  foram,  aparentemente, os primeiros  a  empreender  a 

tarefa lingüística de preservar os escritos sagrados do Vedas contra a falsificação. Entre os Hindus, o gramático 

Panini fez descrição minuciosa da  língua falada entre seu povo, que veio a ser descoberta nos fins do século 

XVIII, popularizando entre os lingüistas e filólogos o estudo do Sânscrito. 

Entre os gregos, os estudos da linguagem debruçavam‐se sobre as relações desta com os conceitos. 

Investigava‐se se a nomeação de um conceito por meio da  língua era tarefa puramente convencional, ou se 

havia  entre  palavras  e  conceitos  uma  relação  natural. O  diálogo O  Crátilo,  de  Platão,  investiga  essas  duas 

correntes  para  explicar  como  a  língua  refere‐se  ao  mundo,  denominando‐as  de  naturalismo  e 

convencionalismo. O diálogo sintetiza estas posições através da fala de suas personagens: Crátilo, naturalista, 

acredita que os nomes refletiam o mundo, e Hermógenes, convencionalista, defendia que os nomes das coisas 

lhes são atribuídos por convenção. Outra personagem, Sócrates, através de quem o próprio Platão expressa 

sua opinião, oferece a seguinte explicação para o debate: 

 

•  Tanto as coisas quanto a linguagem estão em constante movimento; 

•   No  início,  os  nomes  poderiam  ter  exprimido  o  sentido  das  coisas, mas  com  o movimento,  a  expressão 

degenerou‐se e as convenções fizeram‐se necessárias; 

•  Os nomes são imitações imperfeitas das coisas; 

•  A linguagem não pode nos ensinar a realidade, mas nos impede de ver a essência das coisas. 

 

Outro  filósofo  grego,  Aristóteles,  acreditava  que  a  função  da  linguagem  seria  traduzir  o mundo, 

representá‐lo.   As estruturas da  linguagem, classificadas  segundo  sua natureza  lógica de nomear, qualificar, 

predicar,  etc.  refletem  as  estruturas  encontradas  no  mundo  e  nos  permitem  conhecer  este.  Aristóteles 

defendia que a lógica pré‐existente ao mundo organizado era regente da lógica da língua. Assim, a linguagem 

teria um  caráter  secundário em  relação à  lógica natural. Nesse empreendimento, a estrutura da  língua, do 

discurso e das categorias gramaticais, descrição pioneira de Aristóteles, era apenas um meio de se chegar ao 

conhecimento das estruturas e da lógica da realidade. 

Entre os romanos, que primavam por recuperar a herança helênica, Varrão se propôs a  formular a 

noção de gramática,  já presente entre hindus e gregos, como ciência e como arte. Sua obra  sobre a  língua 

latina se constitui um compêndio de teorias sobre etimologia, flexão, e rudimentos de sintaxe, nos moldes de 

uma gramática atual. 

 

LETRAS LIBRAS |  179 

 

 

Evolução das Ciências da Linguagem

 

Após a tradição hindu, grega e  latina, os estudos da linguagem assumiram diversas orientações que 

indicavam, de certo modo, a contextualização histórico‐ideológica vigente em um dado período e em um dado 

lugar.  Assim,  costuma‐se  pensar  que  a  evolução  das  ciências  da  linguagem  passou  por,  pelo menos,  três 

períodos em que as idéias lingüísticas refletiam a predominância de certas formas de pensar. 

 

 

 

A  lingüística,  no  século  XX,  retoma  o  caráter  científico  dos  estudos  da  linguagem,  determinando 

como  seu  objeto  a  língua.  Antes  disso,  porém,  língua  e  linguagem  foram  objetos  de  estudo  de  inúmeras 

ciências (como a filosofia, a lógica, a filologia, por exemplo). Parte das investigações sobre a linguagem, nessas 

ciências, tentava responder à questão sobre o que   nos diferencia, enquanto humanos, de outros animais: a 

língua era sempre apontada com a resposta a essa pergunta. 

Na  idade média, por exemplo, o foco dos estudos sobre a  linguagem, derivados da noção de que a 

língua  tem origem divina,   era  conceber as estruturas  lingüísticas  como universais, o que  tornava as  regras 

gramaticais  um  sistema  lógico  autônomo  e  independente  das  línguas  naturais. Da  atitude  teológico‐cristã, 

característica desse período, derivam alguns movimentos que contribuíram para os estudos da linguagem: 

 

•  A invenção da imprensa por Johann Gutenberg dá início ao movimento de estudos fonéticos; 

 

LETRAS LIBRAS| 180 

 

•  A religiosidade da reforma protestante faz com que se  iniciem as traduções da Bíblia para diversas  línguas 

diferentes do latim; 

•  Os estudos de tradução dão origem às gramáticas das línguas chamadas de vulgares; 

•  As línguas do novo mundo (Américas) passam a ser descritas pelos missionários e viajantes do século XVI; 

•  São elaborados os primeiros dicionários poliglotas (Ambroise Calepino); 

•  Os estudos de fonética progridem, gerando a descrição de centenas de línguas; 

•  Da semelhança entre as línguas descritas, surge a hipótese de que todas derivam de uma mesma origem, o 

Hebraico. 

 

Ao final desse período, o interesse pela linguagem como dom divino cedeu lugar aos estudos sobre a 

lógica  e  a  razão.  O movimento  chamado  de  iluminista  e,  posteriormente,  o  renascimento  deslocaram  o 

interesse dos estudos  científico‐filosóficos da divindade para o homem. Nos estudos  lingüísticos, um  ícone 

desse movimento  é  a  Gramática  de  Port‐Royal,  que  concebe  a  linguagem  como  fundada  na  razão  e  no 

pensamento do homem, sendo, portanto, universal e modelo para as gramáticas de outras línguas. 

O século XIX incorpora as diretrizes racionalistas da Gramática de Port‐Royal e inaugura um interesse 

pelo  estudo  das  línguas  vivas  na  comparação  com  outras  línguas.  Este movimento,  denominado  histórico‐

comparativo,  dá  origem  ao método  histórico  das  gramáticas  comparadas  e  à  lingüística  histórica.  O  que 

desencadeia esse programa de investigações é a descoberta do Sânscrito (entre 1786 e 1816), que demonstra 

as evidências de parentesco entre  latim, grego,  línguas germânicas, eslavas e célticas com o sânscrito. Essas 

descobertas  indicam  que  à  linguagem  pode‐se  aplicar  um  modelo  biológico  de  evolução:  as  línguas  são 

organismos vivos que nascem, crescem e morrem, encontrando um tempo breve de perfeição. 

A  lingüística  histórica  surge  da  possibilidade  de  desenvolvimentos  de  métodos  e  princípios  da 

gramática comparada. A comparação entre as línguas facilitava a demonstração do parentesco e da evolução 

histórica de uma  língua. O estudo da passagem da  língua de um estado para o seguinte se dada mediante a 

análise   das  leis que determinavam essa evolução, encontradas particularmente nos textos escritos. Assim, a 

gramática comparada era, efetivamente, o estudo da evolução continua das línguas, o que a confundia com a 

própria  lingüística histórica. Nesse movimento, a escola neogramática acreditava que a quase totalidade das 

transformações lingüísticas poderia ser explicada no domínio da fonética. 

 

 

LETRAS LIBRAS |  181 

 

 

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS| 182 

 

UNIDADE II

A LINGÜÍSTICA E O SEU OBJETO DE ESTUDO

 

 

 

Linguagens e Línguas Naturais

 

Ao definirmos linguagem e língua, anteriormente, ressaltamos que, apesar de serem conceitos muito 

próximos e de difícil recorte,  linguagem é costumeiramente relacionada à capacidade geral de utilizar certos 

tipos  de  sinais  para  comunicação,  e  língua  indica  uma  das  possíveis  realizações  dessa  capacidade.  Nesse 

sentido, podemos dizer que qualquer ser humano possui uma linguagem porque tem capacidade de usar uma 

língua  natural  como  o  francês,  o  japonês  ou  o  romeno;  ou  que  todos  os  seres  humanos  são  dotados  de 

linguagem, pouco importando qual seja a língua falada pelas pessoas. 

Fora do domínio da lingüística também é possível falar em linguagem. Entretanto, esse conceito não 

é  compreendido  como  referência  à  capacidade mental  ou  faculdade  de  linguagem.  Essas  diferenças  ficam 

evidentes  quando  contrapomos  linguagem  humana  e  linguagem  de  programação,  como  uma  ferramenta 

teórica  utilizada  para  desenvolver  softwares,  ou  programas  de  computadores,  destinados,  por  exemplo,  a 

expressar  instruções  para  um  computador  em  tarefas  como  edição  de  texto,  apresentação  de  páginas  na 

Internet,  etc.  Também  difere  o  conceito  de  linguagem  daquilo  que  chamamos  de  linguagem  corporal, 

linguagem da publicidade, etc. A primeira diz respeito ao conjunto de expressões faciais e posições do corpo 

que sinalizam intenções e sentidos nem sempre pretendidos pelos usuários. A  segunda refere‐se ao conjunto 

de  estratégias  verbais  e  não  verbais  (por meio  de  imagens,  por  exemplo)  que  se  destinam  a  persuadir  os 

consumidores potenciais, fazendo‐os aderir ao produto anunciado. 

Essa discussão prossegue quando contrastamos, por exemplo, a linguagem humana concretizada em 

uma  língua  natural,  com  outros  sistemas  de  comunicação  também  humanos,  a  exemplo  dos  códigos  (de 

LETRAS LIBRAS |  183 

 

trânsito, convenções de etiqueta, etc.) e linguagens artificiais, como o esperanto; e sistemas de comunicação 

não humanos, como a “linguagem” animal. 

A ciência da linguagem, a par da impossibilidade de se estudar todas as dimensões da comunicação 

por meio de trocas simbólicas, escolheu a linguagem verbal humana como objeto privilegiado de investigação.  

Tal escolha definiu o curso da história da lingüística como sendo a ciência que se ocupou da modalidade escrita 

das  línguas  naturais  humanas.  No  século  XX,  porém,  o  conceito  de  língua  sofreu  relativa  transformação, 

passando a dispensar a própria análise da língua natural em qualquer modalidade, e reduzindo o conceito de 

linguagem à apenas sua porção concreta e homogênea: a língua. 

 

A linguagem verbal e as linguagens não verbais.

 

Para Mattoso Câmara (1977, p. 39),  lingüista brasileiro de renome, a  linguagem é a “faculdade que 

tem o homem de exprimir seus estados mentais por meio de um sistema de sons vocais chamado língua, que 

os organiza numa  representação  compreensiva em  face do mundo exterior objetivo e do mundo  subjetivo 

interior”.  

 

Mattoso Câmara

A definição do autor, característica da  língua verbal oralizada (“sons vocais”), ao mesmo tempo em 

que conceitua, estabelece a função representativa da  língua em relação ao os estados mentais  interiores e à 

compreensão do mundo exterior. Esta noção, marca da concepção estrutural de língua, apresenta um recorte 

saussuriano que desconsidera, em primeiro lugar, as manifestações não oralizadas da língua (como a língua de 

sinais  utilizadas  pelos  surdos,  por  exemplo),  o  papel  das  ações  intersubjetivas  dos  falantes,  a  história  dos 

falantes e da língua, assim como a cultura como contexto local de uso da língua. 

Não obstante seja essa uma definição bastante incompleta de linguagem, no sentido das noções de 

deixa  de  fora,  seu  recorte  é  importante  para  se  definir  a  lingüística  como  a  ciência,  cujo  objeto  não  está 

afetado pelas idiossincrasias do falante, nem pela heterogeneidade multiforme da linguagem. A língua verbal, 

 

LETRAS LIBRAS| 184 

 

recuperando  o  conceito  postulado  por  Ferdinand  de  Saussure  (supra)  é  sistema  de  onde  depreendemos 

elementos  estruturais  que  se  combinam  e  se  distribuem  segundo  regras  gerais,  verificáveis  em  todas  as 

línguas naturais. 

  A língua se compreende, desse modo, como chave através da qual o homem acessa as leis de 

funcionamento da  sociedade,  e  seu  conhecimento  como hábil  a nos mostrar não  apenas  as  regras de  seu 

funcionamento, mas a revelar a própria ordem social.   Assim, a  língua como objeto da  lingüística,  se assume 

como norma de todas as outras manifestações da linguagem.  

A língua não se confunde com a linguagem, mas é parte essencial desta, pois constitui produto social 

da linguagem convencionado pelo corpo social, isto é, pelos falantes considerados como um todo, sendo assim 

um fenômeno adquirido e convencional. 

 

“A  língua  fica  sendo,  como  unidade,  uma  estrutura  ideal,  que  apresenta  em  si  os  traços 

básicos comuns a todas as suas variedades. É a invariante abstrata e virtual, sobreposta  a um 

mosaico de variantes concretas e atuais” (MATTOSO CÂMARA, 1975, p. 9) 

 

O conceito de língua da Lingüística também exclui, em suas primeiras formulações teóricas, a análise 

da linguagem não‐verbal, hoje considerada em muitas abordagens lingüísticas. Os estudos sobre comunicação 

na  atualidade  não  podem  desconsiderar  o  papel  importante  desempenhado  pelas  diversas  linguagens  e 

códigos não  verbais,  auxiliares da  compreensão e da  interpretação das  atividades  lingüístico‐comunicativas 

dos humanos. 

Entre as  linguagens não verbais que  têm sido objeto de estudo da  lingüística moderna, ao  lado da 

língua verbal, destacamos a comunicação visual presente na fotografia, no cinema, na pintura, etc., além das 

imagens utilizadas na comunicação cotidiana, como os sinais de  trânsito, os cartazes e placas  indicativas de 

lugar (banheiros, restaurantes, telefones) e atividades (proibições de fumar, de usar buzina, etc.). 

Outros  tipos de comunicação não verbais  são os códigos  sonoros,  também usados no  trânsito, ou 

para indicar atividades de importância privilegiada (os sons dos carros de bombeiros, polícia, ambulância), ou 

mesmo o código Morse usado para comunicação onde outros veículos são impraticáveis.  

Um tipo de comunicação não verbal tem ganhado destaque no cenário cientifico por acreditar‐se, a 

partir de recentes pesquisas cientificas, de que teria dado origem à linguagem humana: trata‐se dos gestos. A 

linguagem gestual está presente mesmo onde a comunicação verbal é recomendada e atua como auxiliar na 

identificação de desejos,  intenções, às vezes não expressos  lingüisticamente. Apesar de  sua  importância, os 

gestos não são discretos como a língua humana (no sentido de que seus elementos não formam um seqüência 

finita combinável para produzir enunciados  ilimitados). Os gestos variam bastante de cultura para cultura e, 

apesar de  sua  facilidade  de decodificação, não  têm  significados universais, nem  reconhecíveis  em  diversas 

culturas. 

LETRAS LIBRAS |  185 

 

 

 

 

 

 

 

O estudo da linguagem verbal: a Lingüística e suas interfaces 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS| 186 

 

A lingüística se define por seu objeto – a língua – e por seu método, em princípio, estrutural. Com o 

passar dos  anos,  tanto o objeto  como o método da  lingüística passaram por  transformações,  redefinições, 

novas abordagens. De  língua como sistema de signos convencionais usados pelos membros de uma mesma 

comunidade  à  língua  como  atividade  constitutiva,  o  estudo  da  linguagem  verbal  humana  evoluiu, 

redimensionou seu escopo e incorporou preocupações típicas de uma ciência que está no limiar entre ciências 

humanas, naturais e sociais. 

 Os  estudos  da  língua  empreendidos  por  Saussure  se  caracterizavam  pela  superação  do método 

histórico‐comparativo,  da  tradição  historicista‐evolutiva  do  século  XIX,  que  procurava  ver  as  semelhanças 

entre as  línguas, de modo a descobrir sua relação com uma protolíngua (ou  língua mãe). Saussure, de modo 

contrário, deriva sua análise para a perspectiva formal, privilegiando a concepção de  língua como sistema de 

relações  lógicas,  inscritas  na  sociedade.  O  sistema  se  compõe  de  signos  arbitrários  e  com  valor 

representacional  dentro  da  estrutura  lingüística.  Esse  formalismo  estruturalista,  apesar  de  conceber  a 

linguagem como fenômeno social, a analisa como entidade formal.  

Essa  concepção de  língua é  feita  com o  sucessivo  sufocamento do  sujeito  (a  rigor, a  língua não é 

função do falante, sendo apenas produto passivo registrado por este), da cultura e da história (a estrita forma 

lingüística não abre espaço para análise semântica ou pragmática).  Ora, a posição saussuriana de lingüística se 

sustenta exatamente em virtude de  seu objeto  ser extremamente asséptico  (livre de  traços  subjetivistas) e 

controlado pelo ponto de vista sincrônico (desconsideração da evolução das formas da língua) e formal. É de 

se  pensar,  entretanto,  que  tamanho  reducionismo  não  estivesse  na  pretensão  inicial  de  Saussure,  sendo 

resultado da leitura inadequada de sua teoria, feita pelos compiladores do Curso de Lingüística Geral.  

Em direção complementar à de Saussure, em diversos aspectos, Chomsky postula a concepção de 

língua  como  fenômeno  mental,  analisando‐a  como  uma  entidade  neurobiológica.  Chomsky  preserva  as 

mesmas propriedades formais de Saussure no método de análise da língua, diferenciando‐se deste no que diz 

respeito a aderir a um formalismo mentalista, em oposição ao formalismo estruturalista de seu antecessor. De 

modo  semelhante  a  Saussure,  Chomsky  ignora  a  cultura,  a  história,  a  semântica  e  a  pragmática  dos  seus 

objetivos. Elege, entretanto, o sujeito a papel principal na atividade lingüística, tendo este função exclusiva na 

atividade cognitiva da linguagem. 

Difere dos autores anteriores, a noção de  linguagem trazida à cena  lingüística a partir da  leitura no 

ocidente, dos escritos deixados pelo  russo Mikhail Bakhtin. Bakhtin  rechaça as posturas  filosóficas adotadas 

por Saussure e, por tabela, por Chomsky, assim como aquelas encontradas na  lingüística histórica, e propõe 

uma noção de  língua que abrigue os conceitos de atividade social e dialogicidade  (em  termos mais simples, 

interação  intersubjetiva).  O  autor  concebe  uma  visão  de  linguagem  não  dissociada  da  natureza  sócio‐

ideológica  das  atividades  humanas,  o  que  supõe  compreender  língua  e  sociedade  como  sendo 

complementares e tendo relações dinâmicas.  

LETRAS LIBRAS |  187 

 

A adoção das  idéias de Bakhtin, por alguns  lingüistas, bem como o desenvolvimento de estudos de 

pragmática  no  campo  da  filosofia  da  linguagem,  levaram  a  lingüística  da  segunda metade  do  século  XX  a 

conceber seu objeto como forma de ação, fortemente vinculada às atividades de comunicação, de interação, 

de  pensamento,  de  conhecimento,  etc.  Essa  redefinição  abriu  espaço  para  que  a  língua  percebesse  sua 

interface com outras disciplinas e para que o fenômeno lingüístico fosse compreendido como constitutivo da 

vida humana.  

Assim, a partir dessa nova abordagem, a lingüística começa a abrigar disciplinas que se ocupam das 

relações entre a forma lingüística e a produção textual discursiva, como é o caso das análises do discurso, da 

conversação e da  lingüística textual; entre a variação das formas  lingüísticas e os fenômenos sociais que  lhe 

dão  origem,  como  na  sociolingüística;  entre  as  relações  entre  língua  e mente,  língua  e  cérebro,  língua  e 

cognição, o que dá origem às disciplinas da Psicolingüística, Neurolingüística e Lingüística Cognitiva.  Estas são 

apenas  algumas das  interfaces dos estudos  lingüísticos que  serão estudadas  com mais  vagar nos próximos 

textos.  Saliente‐se  que  nossos  objetivos  aqui  são  elementares,  e  algumas  vezes,  apenas  informativos. 

Remetemos  o  leitor  à  bibliografia  no  final,  às  sugestões  de  leitura  ao  longo  do  texto  e  ao  material 

complementar no CD‐ROM e no ambiente virtual.  

 

A Especificidade da Linguagem Verbal

 

 

 

 

 

O estudo da linguagem verbal, não obstante aponte para a natureza exclusiva desse fenômeno entre 

os humanos,  apresenta  semelhanças  com outras  formas de  troca  simbólica  encontradas na natureza  e  em 

outras espécies. 

O  que  torna  a  língua  objeto  específico  da  lingüística  não  é  seu  caráter  comunicativo,  facilmente 

encontrado em outros tipos de  linguagens (como aquelas que citamos anteriormente) e mesmo entre certos 

 

LETRAS LIBRAS| 188 

 

animais, como as abelhas e outros insetos. Também não constitui característica especifica da língua, o fato de 

contar  com  elementos  significativos  (o  signo  lingüístico)  recortados  arbitrariamente  na  sociedade.  Outras 

linguagens,  igualmente  simbólicas,  trabalham  com material  essencialmente  arbitrário,  como  é  o  caso  da 

escolha de cores usadas nos códigos de trânsito, ou os símbolos das artes gráficas. 

A noção de  língua como sistema,  tão cara às primeiras  investidas  teóricas da  lingüística, apesar de 

inédita no tratamento da linguagem verbal, não é especifica da língua humana. Outras formas de comunicação 

não lingüísticas, a exemplo dos mapas, ou do desenho industrial, adotam a noção de sistema para representar 

simbolicamente os componentes de uma região mapeada, de maneira proporcional ao todo. 

Duas  outras  noções  caras  ao  conceito  de  língua  –  seu  caráter  linear  e  discreto  –  podem  ser 

igualmente  verificadas  em  outros  sistemas  de  comunicação  não  lingüística.  Por  linearidade,  entende‐se  a 

característica  de  dois  elementos  na  língua  não  poderem  ocupar  o  mesmo  espaço  no  tempo,  isto  é,  a 

mensagem lingüística desenrola‐se no tempo e os elementos que a compõem sucedem‐se sempre um após o 

outro.  Essa  característica,  apesar  de  presente  na  linguagem  verbal  humana  em  oposição  às  outras 

modalidades, como a pintura, em que a mensagem é percebida como um todo, também é parte da natureza 

da música, dos códigos de trânsito, do cinema, etc.  

Quanto à natureza discreta do signo lingüístico, isto é, sua propriedade de ser um todo significativo 

oposto a outro todo significativo, combináveis entre si para produzir outras seqüências, convém lembrar que 

essa  propriedade  já  é  encontrada  na matemática,  em  que  um  elemento  ou  é,  ou  não  é,  ou  seja,  não  há 

gradações entre as unidades que compõem a linguagem matemática, assim como não há mais ou menos p ou 

mais ou menos b. A  linguagem da  computação  é outro  exemplo de um  sistema  simbólico que utiliza  essa 

propriedade que não é exclusiva da linguagem verbal. 

O  que  parece  caracterizar  especificamente  a  língua,  na  opinião  dos  teóricos  da  linguagem,  é  sua 

capacidade de articular‐se em, pelo menos, dois níveis distintos, especificidade não encontrada em nenhuma 

das  linguagens  e  códigos  até  aqui  citados.  Essa  propriedade  permite  distinguir,  por  exemplo,  o  choro  da 

criança, ou um  grito de dor, ou  ainda  a produção  involuntária de um  ruído pelo  ser humano, daquilo que 

chamamos de língua articulada.  

Quando  se diz que a  língua humana  se articula em dois níveis,  sugere‐se que na  seqüência  linear, 

discreta e arbitrária dos elementos do sistema lingüístico podem ser encontrados níveis diferentes de análise. 

Em primeiro  lugar, o signo  lingüístico, por uma propriedade de comutação dos seus elementos é passível de 

desconstrução  e  reconstrução  com  novos  significados.  É  o  caso  de  <menininhas>  que  se  desarticula  em 

<menin‐inh‐a‐s>. Aplicando‐se a comutação dos elementos significativos, essa seqüência pode ser rearticulada 

como: <menin‐inh‐o‐s>; <menin‐inh‐a‐Ø> (o símbolo Ø representa um espaço vazio, referindo‐se, portanto, à 

forma no singular); <menin‐on‐a‐s>; etc. Esse nível de análise é denominado de primeira articulação. 

A segunda articulação é aquela que está no nível das unidades mínimas na linguagem. Estas unidades 

distinguem‐se umas das outras por  serem discretas,  isto é,  formam pares de oposição umas em  relação às 

LETRAS LIBRAS |  189 

 

outras,  e  por  serem  dotadas  de  propriedades  combinatórias.  Essas  unidades,  chamadas  de  fonema, 

encontram‐se  no  nível mais  básico  de  articulação  da  língua.  Atribuindo‐lhes  a mesma  função  comutativa, 

pode‐se gerar formas significativas diversas, como em:         /m a r/,     /m a l/,   /s a l/,  /s o l/,  /s o m/, etc. 

Apesar de a dupla articulação ser a característica mais especifica da  linguagem verbal humana, um 

conjunto mais amplo de traços distintivos, alguns dos quais citados nessa seção, é o que diferencia a língua de 

outros sistemas de comunicação simbólica. 

 

Os traços característicos do signo lingüístico e da linguagem verbal

 

O lingüista estadunidense Charles Hockett, ao descrever a origem da fala, posiciona‐se a respeito das 

características  que  diferenciam  a  linguagem  verbal  de  outras  linguagens,  especialmente  os  sistemas  de 

comunicação verificados em algumas espécies de animais. Para o autor, o homem é o “único animal que pode 

se comunicar por meio de símbolos abstratos, ainda que essa habilidade compartilhe de muitas características 

com a comunicação em outros animais e tenha derivado desses sistemas mais primitivos” (1960, p. 5).  

O  autor  apresenta  um  conjunto  de  treze  características  da  linguagem,  a  partir  de  evidências 

empíricas  de  que  todas  as  línguas  compartilham  cada  um  desses  traços.  Alguns  desses  traços  podem  ser 

encontrados na  comunicação entre animais, mas apenas na  linguagem verbal humana, em  sua modalidade 

oral, todas as características se encontram reunidas. Vejamos, conforme Hockett (1960, p. 5‐12). 

 

 

Características da Língua Verbal

 

 

 

Uso do canal auditivo e vocal 

1. Uso do canal auditivo e vocal O modo de comunicação da língua humana é preferencialmente auditivo-vocal, ou seja, utilizamos o aparelho vocal (boca, língua, faringe, pregas vocais, etc.) para produzir e emitir os sinais lingüísticos, e o sistema auditivo para compreendê-los. O uso de sistemas diferentes na língua humana, como o táctil-visual, só ocorre quando há impossibilidade de se recorrer ao canal auditivo-vocal, como em caso de patologias do trato vocal ou surdez. O canal olfativo, usado por muitas espécies de insetos que se comunicam pela emissão de feromônios, não é usado na língua humana. 2. Transmissão aberta e recepção direcional A fala humana é transmitida de modo amplo, aberto, ou seja, o sinal lingüístico pode ser ouvido por qualquer pessoa que esteja ao alcance das ondas sonoras emitidas, e não apenas por aquele ouvinte a quem dirigimos nossa mensagem. Por outro lado, qualquer ouvinte é capaz de reconhecer a origem da emissão e identificar o falante, por meio da recepção direcional.

 

LETRAS LIBRAS| 190 

 

3. Transitoriedade O sinal lingüístico tem rápida duração, isto é, as mensagens emitidas oralmente, ao contrário das imagens gráficas, não permanecem no tempo e no espaço após serem produzidas. 4. Intercompreensão Os indivíduos que usam a língua podem enviar e receber qualquer tipo de mensagem permitida no sistema comunicativo. Isto quer dizer que somos capazes de dizer aquilo que compreendemos, ainda que não usemos os termos precisos da mensagem, porque a reconhecemos e a reproduzimos dentro das possibilidades que o sistema lingüístico nos fornece. 5. Monitoração Os usuários da língua podem falar e ouvir ao mesmo tempo. Por isso, são capazes de perceber o que estão transmitindo e corrigir seus erros e incompreensões. 6. Especialização Os sinais que utilizamos lingüisticamente são especializados para a fala. Isto quer dizer que só se prestam primeiramente a este fim. Não é o caso de produções sonoras involuntárias que indicam estados do nosso organismo, como o espirro. Os sons da fala se combinam entre si para evocar uma significação externa a eles. 7. Semanticidade Existem relações associativas entre os elementos da língua e características do mundo, na produção de significado, isto é, as formas lingüísticas são usadas para denotar algum tipo realidade, como, por exemplo, quando se diz “Estou gripado”, essa seqüência de sinais formam uma mensagem que indica um estado de saúde do indivíduo. 8. Arbitrariedade Não há uma conexão lógica ente a forma das estruturas lingüísticas e o significado que essas acionam. Os sinais da língua são estabelecidos por pura convenção, assim, não seria razoável pensar que entre a forma da palavra ‘gripe’ e a condição de saúde que ela indica haveria algum tipo de semelhança. 9. Uso de sinais discretos As mensagens no sistema lingüístico são compostas de elementos menores e repetíveis. Esses elementos não são percebidos analogicamente, isto é, não formam um contínuo. Os sons da língua são percebidos em termos de sim ou não, isto é, não existe mais ou menos p, ou mais ou menos b, a percepção é categórica: ou é p, ou é b. 10. Deslocamento As mensagens lingüísticas não se referem apenas a eventos contextualizados em termo de aqui e agora. Podem se referir a coisas remotas no tempo, no espaço, ou em ambos, a coisas fora do contexto imediato de comunicação. 11. Produtividade Os usuários da língua não têm limite para a produção e compreensão das formas da língua. Podem criar e entender mensagens absolutamente inéditas, combinando os elementos disponíveis na língua para adequar a mensagem aos contextos de uso. 12. Transmissão cultural As convenções de uma língua são apreendidas através da interação com usuários daquela mesma língua. Uma criança só adquire a língua da cultura a que está circunscrita, ou seja, a língua com a qual tem contato através do convívio com outros falantes. 13. Dualidade Um grande número de elementos significativos da língua são constituídos de um conjunto convenientemente pequeno de unidades que, apesar de serem desprovidas de significação, possuem a habilidade de combinar-se para produzir mensagens. Isto dá à

LETRAS LIBRAS |  191 

 

língua a flexibilidade de articular-se na produção de suas estruturas, sem recorrer a novas formas cada vez que quiser nomear algo novo.

Linguagem e suas funções.

 

 

   

 

 

É muito comum, entre pessoas não especializadas em lingüística  referir‐se à linguagem como sendo 

prioritariamente  um  veículo  de  comunicação.  A  idéia  de  que  a  linguagem  serve  para  propósitos 

fundamentalmente comunicativos também já foi defendida por lingüistas em épocas passadas, especialmente 

quando  as  ciências  da  informação  e  teoria  da  comunicação  davam  suas  primeiras  passadas,  e  quando  a 

pesquisa tecnológica fomentava a elaboração de modelos e veículos de comunicação. 

Na  lingüística, um dos primeiros teóricos a destacar as funções da  linguagem na comunicação, foi o 

russo Roman  Jakobson. Seu modelo de análise da  língua derivava de outros esquemas  feitos especialmente 

pela teoria da comunicação para explicar o trajeto que uma mensagem percorria desde sua produção até seu 

destino. Assim, se considerava como modelo de comunicação aquele em que a mensagem, partindo de uma 

fonte de informação, e sendo codificada por meio de transmissor, dependia de um sinal físico para chegar ao 

receptor, onde seria decodificada e entregue ao destinatário.  

Esse modelo  de  comunicação,  a  par  de  sua  importância,  apresentava  várias  dificuldades  que  o 

tornavam  inadequado  para  explicar  qualquer  tipo  de  comunicação,  uma  vez  que    simplificava  o  processo 

comunicativo  verbal,  considerando‐o  linear  e  mecanicista,  ou  seja,  considerava  as  questões  puramente 

lingüísticas da comunicação. 

 

LETRAS LIBRAS| 192 

 

 

 

ROMAN JAKOBSON

Bertil Malmberg e Jakobson foram responsáveis pelo processo de

reformulação do modelo de comunicação. Malmberg (1969) introduz no

modelo a representação do código, situando a atualização das unidades

lingüísticas entre o código e o emissor; introduz também a preocupação com

a relação do emissor e elementos extralingüísticos e aponta as diversas fases

de codificação e decodificação da mensagem. Jakobson (1969), por sua vez,

amplia a proposta teórica de Malmberg, demonstrando a relação entre

emissor e destinatário na produção e compreensão da mensagem, assim

como a necessidade de consideração de um referente contextual, um código e

um canal físico que fossem compartilhados por ambos emissor e destinatário. 

 

O modelo  resultante  dessa  ampliação  é  o mais  conhecido  entre  os  estudiosos  da  linguagem  na 

atualidade: 

 

 

 

 

As  funções  da  linguagem  propostas  por  Jakobson  partem  da  consideração  do  modelo  de 

comunicação  acima,  focalizando  cada  um  dos  elementos  presentes  na  comunicação.  Assim,  em  qualquer 

processo comunicativo, alguns elementos assumem papel central e são mais focalizados do que os outros. A 

função da linguagem que ganha destaque é, por isso, aquela que melhor se adequa à centralidade de qualquer 

LETRAS LIBRAS |  193 

 

um  dos  itens  constantes  no  processo  comunicativo. O  realce  particular  de  cada  um  dos  componentes  do 

modelo comunicativo é feito a partir de uma das funções da linguagem, apresentadas no quadro seguinte: 

 

 

 

A  função  da  linguagem  centrada  no  componente  contextual  da  comunicação  é  chamada  de 

referencial  ou  informativa,  pois  coloca  em  evidência  o  conteúdo  da  mensagem,  ou  seja,  apresenta  a 

informação a ser veiculada de modo objetivo e claro, sem fazer referência ao emissor ou destinatário, e sem se 

valer  da  estrutura  lingüístico‐textual  da mensagem.  È  a  função mais  encontrada  no  discurso  jornalístico  e 

acadêmico. 

A  função  emotiva  coloca  em  evidência  o  componente  comunicativo  emissor  da  mensagem.  Os 

procedimentos  lingüísticos  encontrados  nessa  função  destacam  o  remetente  como  parte  do  conteúdo 

veiculado, expressando, às vezes, o caráter emocional e afetivo do enunciador. Os efeitos dessa função são a 

subjetividade e proximidade do sujeito que veicula   a mensagem do conteúdo desta. Esta função predomina 

em textos que destacam o eu‐lírico ou o próprio enunciador, como as poesias. 

A  função  conativa  da  linguagem  traz  ao  centro  da  comunicação  o  destinatário.  Este  é  eleito  o 

principal foco do processo e a mensagem se destina a agir sobre ele. Essa função é cotidianamente utilizada 

quando agimos sobre outrem, dando conselhos, fazendo perguntas, pedidos e ordens. Em usos mais técnicos 

da  linguagem, é na  linguagem da publicidade que se destaca o uso da  função conativa,  já que suas técnicas 

procuram convencer e persuadir o destinatário, produzindo nele comportamentos desejados. 

A função fática da  linguagem focaliza a utilização do canal de contato entre emissor e destinatário. 

Esta função objetiva quase sempre a testar a existência ou manutenção do canal de comunicação, essencial à 

preservação desta  e  à  veiculação da mensagem,  além de  eliminar os  ruídos que  impedem  a  comunicação, 

sejam  estes  ruídos  físicos,  ideológicos  ou  psicológicos,  mantendo  o  ambiente  de  relações  comunicativas 

favorável às atividades dos falantes. Os efeitos dessa função são a aproximação do remetente ao destinatário, 

produzindo interesses comuns, e efetivando a manutenção da interação.   

 

LETRAS LIBRAS| 194 

 

A função poética da linguagem evidencia a estrutura e a natureza da própria mensagem veiculada. A 

língua  é  utilizada  para  produzir mensagens  que  chamem  à  atenção  o  destinatário  pela  forma  como  são 

construídas, elaboradas. Essa função destaca a estrutura e organização interna da mensagem, de forma que o 

conteúdo  seja  secundário na mensagem que  se está a veicular. A publicidade e o marketing, assim como a 

literatura, são formas de uso da língua em que se encontra com mais freqüência a aplicação dessa função. 

A função metalingüística é aquela em que a utilização do código se define como elemento central na 

comunicação, e se presta a veicular uma mensagem sobre o próprio código. Geralmente o entendimento da 

metalingüística  se define pelo  fato de o  código  se  tornar objeto da  comunicação, possibilitando  assim  sua 

avaliação, sua adequação, e sua significação no processo comunicativo. A metalingüística é encontrada, quase 

sempre,  na  conversa  cotidiana,  em  que  nos  deparamos  com  dúvidas  sobre  o  uso  ou  significação  de  certa 

estrutura lingüística, ou ainda nos glossários e dicionários aplicados aos usos mais técnicos da linguagem.  

As  funções da  linguagem,  como descritas por  Jakobson, pressupõem a  concepção de que a  língua 

tem  como  função maior e  vital os processos de  comunicação. Assim,  cada uma das  funções  aqui descritas 

corresponde  às  opções  do  falante  de  destacar  um  aspecto  da  comunicação  sobre  o  outro.  No  entanto, 

considerar que o papel da  língua é apenas comunicar, é reduzi‐la a um código que em nada difere de outros 

sistemas de comunicação até agora estudados.  

A língua não é, entretanto, apenas um meio de comunicação. Algumas das funções da língua nem ao 

menos se detém sobre o processo comunicativo, como é o caso de considerá‐la um sistema de categorias que 

nos permite organizar o conhecimento em estruturas significativas. O conhecimento da realidade não chega 

até  nós  em  formas  originais,  abstratas.  Depende,  em  grande  parte,  de  uma  estruturação  cognitiva,  da 

organização das experiências em  termos compreensíveis. Para  isto  serve a  língua.   Desse modo, as  funções 

primárias da língua não são essencialmente comunicativas: a língua tem função simbólica, já que é uma forma 

de conhecimento construída coletivamente na sociedade que nos permite estruturar a experiência humana de 

forma  significativa.  Tem  também  função  discursivo‐interativa,  pois  nos  permite  compartilhar  essas 

experiências e conhecimentos de modo intersubjetivo na cultura. 

 

 

M. A. K. HALLIDAY

O lingüista britânico Michael Halliday acredita que a função comunicativa

proposta por Jakobson se desdobra em duas funções: a interpessoal e a

textual, às quais acrescenta uma terceira – a função ideacional. Por esta

função, compreende-se a linguagem como um sistema organizador dos

fenômenos do mundo, capaz de filtrar, a partir do significados das estruturas

lingüísticas, a realidade de modo compreensível e acessível aos falantes. A

função interpessoal oferece aos falantes a oportunidade de organizar seus

LETRAS LIBRAS |  195 

 

papéis na interação, segundo as situações sociocomunicativas do discurso.

Por função textual, entende-se que a língua se apresenta de modo pertinente

à situação de enunciação, e não como um mero conjunto de palavras e

orações gramaticais (HALLIDAY, 1978, p. 21-22)

 

 

 

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS| 196 

 

UNIDADE III

A DIMENSÃO ESCRITA, ORAL E GESTUAL DA LINGUAGEM  

 

 

 

 

 

Modalidades Escrita e Oral

 

A  língua  é  compreendida  formalmente  como  um  conjunto  de  signos  convencionais  usados  pelos 

membros  de  uma  mesma  comunidade.  Isto  é,  um  grupo  social  convenciona  e  utiliza  um  conjunto  de 

elementos  representativos  das  significações  presentes  no  cotidiano.  Desse  modo,  o  signo  lingüístico  se 

estrutura em duas facetas que correspondem aos aspectos da linguagem humana: um significante que é uma 

estrutura  formal da  língua a que  se chega a partir das  regras combinatórias e distribucionais   dos menores 

elementos articuláveis  (os fonemas ou sons; os morfemas ou formas); e um significado que corresponde ao 

conteúdo significativo daquilo que as formas da língua expressam.  

O significante indica, na utilização da língua humana, um plano de expressão, ou seja, a concretização 

da  língua  em  uma modalidade  apropriada  para  a  transmissão  de  conteúdos  e mensagens.  A modalidade 

primeira de uso da  língua é a fala. Cada pessoa, ao utilizar a  língua do seu grupo social, o faz de uma forma 

individual, personalizada, dando preferência a determinadas construções ou palavras. Isso é uma característica 

da fala. Entretanto, por mais criativa que seja, a fala está contida no conjunto mais amplo da língua, de modo a 

tornar o falante entendido por todos os membros da comunidade lingüística.  

Outra modalidade  de  expressão  e  concretização  da  língua  é  a  escrita. Desnecessário  dizer  que  a 

escrita  tem  sido objeto da maioria dos  estudos  sobre  a  língua. Desde os primeiros  gramáticos hindus,  aos 

lingüistas históricos, até os dias de hoje, a língua escrita é objeto privilegiado de estudos, por razões que não 

LETRAS LIBRAS |  197 

 

são necessariamente lingüísticas, já que a escrita exerce um papel predominante nas sociedades tecnológicas 

atuais, dando aos seus usuários o status de letrados, competentes, intelectuais. 

Apenas a partir dos estudos lingüísticos do século XX, derivados do postulado da igualdade essencial 

entre as línguas e do caráter universal do sistema lingüístico, é que línguas naturais sem escrita passaram a ser 

objetos da descrição dos lingüistas. Esse avanço trouxe a modalidade falada para os estudos acadêmicos, que 

passaram  a  conceber,  entre  outras  coisas,  a  existência  de  variações  lingüísticas  impulsionadas  por  regras 

observáveis na fala dos indivíduos. Essa concepção tem como repercussão mais importante a impossibilidade 

de se tratar variedades e línguas como melhores, mais complexas ou mais elaboradas que outras, uma vez que 

sua cada língua adapta‐se às necessidade dos falantes, tanto tecnológicas quanto culturais. 

A lingüística na modernidade consegue, desse modo, equilibrar o peso social da escrita, evitando que 

falantes de variedades  faladas  sejam objeto de preconceitos  sociais. Entre os argumentos usados para esse 

fim, estão o de que a língua falada exerce prioridade histórica, estrutural, funcional e biológica sobre a escrita 

(Cf. LYONS, 1987, p. 25‐28). 

 

1 ‐  Por prioridade histórica entende‐se o fato de a fala ser comum a todas as sociedades humanas, 

desde que a espécie humana desenvolveu essa capacidade. Não se tem notícias de culturas privadas da fala, 

mas podemos encontrar inúmeros povos que não possuem uma escrita. Até o século XIX, por exemplo, a maior 

parte da população mundial era analfabeta, e o mesmo ainda acontece em vários paises do mundo. Isto não 

quer  dizer,  entretanto,  que  a  capacidade  lingüística  desses  indivíduos  seja  reduzida,  ou  que  suas  práticas 

culturais  não  sejam  civilizadas. Grandes  descobertas mundiais  ocorreram  em  épocas  em  que  a  escrita  era 

privilégio de muito poucos. 

 

2 ‐  Por prioridade estrutural compreende‐se que a língua falada, em uma situação idealizada, tem 

estruturas  mais  básicas  as  quais  são  reproduzidas  na  escrita.  Por  exemplo,  o  fato  de  os  sons  da  fala 

combinarem‐se  entre  si  na  produção  de  enunciados,  reflete  uma  estrutura  que  ocorre  posteriormente  na 

escrita,  com  unidades  gráficas  que  se  combinam  da  produção  de  palavras.  No  caso  da  escrita  alfabética, 

percebe‐se,  por  exemplo,  que  os  símbolos  gráficos  são  representações  dos  sons  da  língua  falada.  Essa 

propriedade não se aplica em línguas com sistemas escritos ideacionais, como os hieróglifos ou os ideogramas 

das línguas orientais, como o japonês e o chinês. 

 

3  ‐     A prioridade  funcional  indica que a  fala, mesmo nas culturas em que a escrita  faz parte, de 

maneira  fortemente  arraigada,  das  atividades  burocráticas,  tecnológicas,  industriais,  é  ainda  a modalidade 

utilizada na maioria das  situações de uso da  língua pelos  falantes. Cotidianamente,  tanto em  situações que 

exigem maior formalidade, quanto naquelas mais informais, a fala tem prioridade de uso, sendo a escrita usada 

de maneira complementar ou acessória, ou quando o canal vocal‐auditivo se torna ineficiente. 

 

4 ‐   A prioridade biológica da fala sobre a escrita faz parte de um campo teórico que acredita que o 

homem é geneticamente programado para a linguagem, sendo essa um produto da evolução da espécie, que 

nos  permite  adquirir  a  língua  a  que  somos  expostos,  produzindo  e  reconhecendo,  primeiramente,  e  em 

situações normais, os sons da fala. Neste sentido, a prioridade biológica  indica que não aprendemos a  língua 

em  sua modalidade  falada, mas a adquirimos naturalmente. A escrita por outro  lado, é o  resultado de um 

processo de aprendizagem não natural, e tem natureza técnica. 

 

LETRAS LIBRAS| 198 

 

Fala e Escrita

 

Através dos tempos, a língua escrita foi alçada à condição de prestígio na sociedade, tanto porque foi 

alvo do maior número de estudos das ciências da  linguagem, da  filologia, da gramática, etc, quanto porque 

este sempre associada às práticas  intelectuais, eruditas, domínio de poucos  ‘iluminados’, especialmente em 

séculos passados. Essas duas razões do privilégio atribuído à língua escrita têm uma base comum, o prestígio 

sócio‐político que os usuários da modalidade escrita sempre tiveram na sociedade. 

Com a  finalidade de, cada vez mais, distanciar a  língua escrita  (dos poucos esclarecidos) da  língua 

oral  (a modalidade da  “massa”) e,  com  isso, acentuar as diferenças  sociais entre esses dois grupos, muitos 

teóricos geraram quadros comparativos em que demonstravam a natureza complexa, erudita da escrita, em 

relação  à  realização  quase  simplória  da  fala.  Ingedore  Koch,  lingüista  brasileira,  ao  criticar  essas  teorias, 

apresenta  um  quadro  que  sintetiza  as  posições  dos  teóricos  a  respeito  das  diferenças  entre  fala  e  escrita 

(1992, p. 68‐69). 

 

FALA 1. não-planejada 2. fragmentária 3. incompleta 4. pouco elaborada 5. predominância de frases curtas, simples ou coordenadas 6. pouco uso de passivas ESCRITA 1. planejada 2. não-fragmentária 3. completa 4. elaborada 5. predominância de frases complexas, com subordinação abundante 6. emprego freqüente de passivas  

 

Outras comparações encontrada sobre fala e escrita destacam as seguintes diferenças: 

 

FALA 1. Vocabulário restrito, emprego de gírias, neologismos, onomatopéias, etc. 2. Excesso de repetições 3. Emprego restrito de tempos verbais 4. Emprego inadequado de pronomes relativos 5. Omissão de palavras 6. Frases feitas, chavões, provérbios

LETRAS LIBRAS |  199 

 

ESCRITA 1. Vocabulário amplo, variado, uso de termos técnicos, eruditos, abstratos 2. Sintaxe elaborada 3. Uso do mais que perfeito, subjuntivo, futuro do pretérito 4. Adequação pronominal 5. Clareza, sem omissões e ambigüidades 6. Uso criativo das frases  

Para Koch, as distinções apresentadas nem sempre distinguem fala e escrita, especialmente porque 

uma modalidade pode se aproximar da outras em situações mais ou menos formais, ou seja, a escrita informal 

se aproxima da fala, enquanto que a fala formal se aproxima da escrita, em situações comunicativas variadas. 

Desse modo,  fala  e  escrita,  ao  invés  de modalidades  opostas,  estão  em  relação  contínua  no  processo  de 

interação verbal. 

Quanto  às  diferenças,  a maior  crítica  que  se  faz  aos  quadros  apresentados  é  que  eles  analisam 

modalidades diferentes de  língua, aplicando‐lhes os mesmo critérios, ou seja, as características encontradas 

apenas na escrita. Desse modo, quando se diz que a  fala não é planejada, deve‐se analisar esse critério em 

referência à escrita: a fala não passa, de fato, pelo mesmo processo de planejamento prévio por que passa a 

modalidade escrita. O planejamento da fala, em função de sua natureza interacional, é localmente planejada, 

isto é, o falante planeja e replaneja sua contribuição a cada momento da interação, em tempo real.  

Pelo fato de o texto falado não se apresentar pronto, acabado, mas em processo de construção, do 

qual os próprios falantes fazem parte, é comum que apresente algumas descontinuidades, confundidas com 

incompletude e falta de elaboração, se aplicarmos os critérios da escrita, em que o texto já é produto acabado 

e, por  isso, não precisa de  revisão. As descontinuidades,  seja na progressão de  idéias,  seja na utilização de 

recursos  lingüísticos,  são  devidas  aos  fatores  sócio‐cognitivos  envolvidos  na  produção,  compreensão  e 

interpretação do texto falado, ou seja, a função pragmática que privilegia o uso da língua é prioritária sobre as 

estruturas usadas. Nesse sentido, a sintaxe da língua falada é particular, não podendo ser medida com relação 

à sintaxe da escrita. Mesmo assim, as estruturas da  fala as estruturas gerais permitidas pela organização da 

língua. 

 

Oralidade e Letramento

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS| 200 

 

 

 

Como  vimos  anteriormente,  fala  e  escrita  são modalidades  que  não  podem  ser  consideradas  no 

plano das oposições, mas no plano das continuidades, uma vez que nenhum usuário da língua, independente 

de nível de escolaridade ou do grau de formalidade do uso da  língua, usa apenas uma modalidade ou outra. 

Desse modo, ao estudarmos fala e escrita de modo  integrado, vimos que são modalidades funcionais,  isto é, 

que se adequam às variadas situações comunicativas de uso da língua pelo falante, e que estão em relação de 

complementaridade, ao invés de exclusão. 

Fala  e  escrita,  como  modalidades  da  língua,  se  inserem  no  conjunto  de  práticas  sociais 

desempenhadas pelo falante. Essas práticas exigem o domínio de certos modos de comunicação e  interação 

social,  que  são  adquiridas  no  convívio  social  entre  os  falantes,  ou  aprendidas  em    ambientes  formais  de 

escolarização.  Destacaremos  como  práticas  sociais  que  exigem  o  domínio  de  uma  das,  ou  de  ambas, 

modalidades da língua, a oralidade e o letramento. 

O  letramento  é  a  prática  social  derivada  do  chamado  ‘impacto  social  da  escrita’  nas  sociedades 

modernas, que passaram pelo processo de aquisição da modalidade escrita por meio da escolarização e da 

alfabetização.  Apesar  disso,  o  letramento  não  se  refere  apenas  às  práticas  de  decodificação  textual  ou  à 

aprendizagem  de  um  sistema  alfabético.  Em  uma  sociedade  dominada  pela  escrita, mesmo  as  atividades 

cotidianas do chamados ‘iletrados’ (melhor seria dizer os não‐alfabetizados) exigem a presença de práticas de 

letramento, uma vez que as práticas sociais desses  indivíduos são condicionadas ao uso da escrita. Exemplos 

nesse sentido, são as atividades de tomar um ônibus, comprar alimentos em supermercado, vender bens, dar 

e receber troco, assistir a um filme, etc. 

Os  eventos  de  letramento,  em  geral,  não  são  destacados  de  situações  de  oralidade  (como  nos 

exemplos acima). Embora, cada vez mais,  se procure  tratar  letramento e oralidade como dois pólos de um 

contínuo, ainda há uma certa estratificação social quanto aos usuários da escrita serem usuários mais efetivos 

das práticas de letramento, especialmente em nível formal; e os analfabetos serem usuários mais efetivos da 

oralidade, via de regra, informal.  

Essa análise se fundamenta exatamente no fato de que damos à escrita uma superioridade maciça 

em  relação  à  fala.  Desse modo,  a  tradição  grafocêntrica  pressupõe  que  os  indivíduos  que  passaram  pela 

aquisição  formal da escrita  são  socialmente mais  competentes e mais desenvolvidos  cognitivamente.   Essa 

pressuposição  não  tem  sustentação  científica  e  se  revela  uma  concepção  deficitária  das minorias  sociais, 

calcada em profundo etnocentrismo.  

LETRAS LIBRAS |  201 

 

Ainda que a escrita  tenha prestígio  ímpar na sociedade atual, em vista de sua  importância para as 

atividades diárias dos indivíduos, não é possível, por uma questão de prioridade histórica da fala, afirmar que 

aquela seja a  forma mais natural e mais  funcional de comunicação e representação humana. A  fala, por ser 

anterior à escrita, tem aceitação  irrestrita em qualquer cultura humana, enquanto que em alguns  lugares do 

mundo, as civilizações sobrevivem razoavelmente bem sem o uso da escrita. 

Não devemos, entretanto, equilibrar escrita e fala em uma balança para ver quem é melhor ou pior. 

A  linguagem  humana  não  funciona  assim,  e  pensar  dessa  maneira  é  o  grande  erro  dos  seguidores  da 

supremacia  da  escrita  sobre  a  fala.  Enquanto  muitas  práticas  sociais  da  nossa  cultura  são  práticas  de 

letramento,  fortemente  vinculadas à escrita, outras  tantas  são práticas de oralidade e, por  isso,  vinculadas 

mais diretamente à língua falada. 

A  oralidade,  segundo  Marcuschi  (2001,  p.  25)  é  uma  prática  social  interativa  que  tens  fins 

comunicativos e se apresenta em diversas formas e gêneros textuais fundados na realização sonora da língua.  

As práticas de oralidade, numa sociedade como a nossa, são intensas e, poucas vezes, dissociadas das práticas 

de letramento. Ou seja, a maioria dos contextos em que usamos a modalidade falada da língua são contextos 

que  também  permitem  e  exigem  práticas  de  letramento.  Dessa  maneira,  dissociar  fala  de  escrita  nessa 

sociedade é desconsiderar que a  língua pode se realizar de modo tanto falado quando escrito em contextos 

que exigem práticas de letramento e oralidade. 

 

 

 

Modalidade gestual 

 

O gráfico acima  ilustra a situação das modalidades  lingüísticas em nosso dia‐a‐dia. Ao escrevermos 

um bilhete, utilizamos a modalidade escrita da  língua. Essa modalidade, entretanto, se aproxima muito mais 

das práticas de oralidade do que de  letramento. Basta  comparar, por exemplo, um bilhete  com uma  carta 

 

LETRAS LIBRAS| 202 

 

formal, ou com um texto científico, para percebermos a natureza quase falada daquele texto. Por outro lado, 

ao proferirmos uma palestra ou conferência, utilizamos uma modalidade falada da língua. Este texto, porém, 

vincula‐se muito mais fortemente às praticas de letramento do que de oralidade, dada sua formalidade e sua 

correlação com os usos especializados da escrita. Assim, entre o pólo da oralidade e o pólo do  letramento, 

encontramos  a possibilidade de produção de  textos orais  e  escritos que  se  vinculam ora  a um pólo, ora  a 

outro. 

Estudamos que, apesar de a  lingüística  interessar‐se apenas pela  linguagem verbal, a comunicação 

humana pode ser feita pelo acesso a diversos códigos e linguagens, como os gestos. 

Os  gestos,  hoje,  estão  no  centro  das  discussões  sobre  a  origem  da  linguagem  humana.  Alguns 

teóricos,  ocupados  com  os modos  de  comunicação  entre  os  animais,  apontam  para  a modalidade  gestual 

como a primeira  forma de comunicação do homem primitivo. Entre as evidências para  isso, estão o  fato de 

que  grande  parte  de  nossa  comunicação, mesmo  nos  dias  atuais,  depende  da  utilização  de  gestos,  que 

complementam e, às vezes, sinalizam nossa significação; bem como o  fatos de  inúmeros animais, entres os 

quais,  primatas  como  chimpanzés,  gorilas  e  bonobos,  que  são  muito  próximos  do  homem  em  termos 

biológicos, desenvolverem com relativa complexidade formas de comunicação através dos gestos.  

As discussões não repousam apenas sobre os gestos complementares ao uso da língua verbal, já que 

seu  uso  é  determinado  culturalmente  e  explicado  por  diversas  teorias  como  a  publicidade,  a  psicologia,  a 

lingüística  forense,  etc.  Também  tem  ganhado  destaque  o  uso  dos  gestos  por  comunidades  que  não  têm 

acesso à lingua falada, como no caso dos surdos. Esse uso, diferentemente da denominada linguagem gestual, 

quase  sempre  apontada  como  forma  de  comunicação,  seria  semelhante  em  várias  aspectos  à modalidade 

falada, naturalmente sem recorrer ao canal vocal‐auditivo, mas ao gesto‐visual. Essa verdadeira modalidade 

de uso da  linguagem humana  tem  status de  língua  e  apresenta  características encontradas na modalidade 

verbal, como o uso de  regras estruturais próprias, entoação, prosódia etc. Veremos agora as características 

que diferenciam essas duas forma de comunicação pro meio de gestos. 

 

A linguagem gestual

 

Os  sinais  não  verbais  assumem  um  papel  de  tamanha  importância  na  comunicação  que, muitas 

vezes, os significados de nossos enunciados, quando acompanhados de gestos, expressões faciais ou corporais, 

assumem uma dimensão bastante diferente dos sentidos originais, literais, como no caso das ironias. 

A manifestação dos sentidos na comunicação não verbal pode se dar por meio de gestos manuais, 

quando, por exemplo, levantamos o polegar para sinalizar que tudo está bem, ou quando acenamos adeus ou 

olá. Outras  vezes, por meio de nossas  expressões  faciais,  sinalizamos  emoções,  sentimentos,  atitudes, que 

combinados com a linguagem verbal, revelam significações além das próprias palavras. 

LETRAS LIBRAS |  203 

 

A  linguagem gestual se beneficia também do que os teóricos costumam chamar de proxêmica, isto 

é, o estudo do espaço pessoal nos atos comunicativos. Por exemplo, a proximidade que mantemos com nossos 

interlocutores  pode  indicar  intimidade,  interesse,  simpatia,  ou  frieza,  distanciamento  e  formalidade. Assim 

como a distância, a postura em relação à comunicação pode indicar desinteresse, quando cruzamos os braços, 

por exemplo. 

 

As línguas de sinais

 

A Lei N° 10.436, de 24 de abril de 2002, no seu artigo 4º, dispõe que: 

 

“O sistema educacional federal e sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, conforme legislação vigente”.

 

A  Língua  Brasileira  de  Sinais  constitui,  portanto,  um  sistema  lingüístico  de  comunicação  e 

representação de  fatos  e  fenômenos,  em  comunidades de  surdos no Brasil,  cuja  forma de  expressão  é de 

natureza  visual‐motora,  com  estrutura  gramatical  própria. Os  sinais  da  LIBRAS  são  formados  por meio  da 

combinação de formas e de movimentos das mãos e de pontos de referência no corpo ou no espaço.  

A  LIBRAS  foi  desenvolvida  a  partir  da  língua  de  sinais  francesa.  Não  existe  uma  língua  de  sinais 

comuns a todos os países. Assim, como a língua verbal, cada cultura adota a língua de sinais que se adequa às 

necessidades comunicativas dos seus usuários. No caso do Brasil, a LIBRAS possui estrutura própria, diferente 

da estrutura da  língua portuguesa. Não é possível mais dizer que a LIBRAS se  trate de uma  linguagem, pois 

possui características próprias de língua, entre elas: a arbitrariedade dos seus símbolos; a natureza lingüística 

do seu sistema; o fato ser uma forma natural de expressão, partilhada por uma comunidade; propriedades de 

criatividade  e  recursividade;  propriedades  de  renovação  e  evolução;  sua  aprendizagem/  aquisição  é 

cultural/natural. 

Do mesmo modo que as línguas faladas, cada língua de sinais usada em diversos países apresenta as 

variações, os falares regionais ou os dialetos das línguas orais. Essas variações se devem a culturas diferentes e 

a influências diversas no sistema de ensino, por exemplo.  

 

Não se sabe quando as línguas de sinais foram criadas, mas sua origem remonta possivelmente à mesma época ou a épocas anteriores àquelas em que foram sendo desenvolvidas as línguas orais. Uma pista interessante para esta possibilidade das línguas de sinais terem se desenvolvido primeiro que as línguas orais é o fato que o bebê humano desenvolve a coordenação motora dos membros antes de se tornar capaz de coordenar o aparelho fonoarticulatório. As línguas de sinais são criações espontâneas do ser humano e se aprimoram exatamente da mesma forma que as línguas orais. Nenhuma língua é

 

LETRAS LIBRAS| 204 

 

superior ou inferior a outra, cada língua se desenvolve e expande na medida da necessidade de seus usuários.

Para ver o Dicionário de Libras, acesse: http://www.acessobrasil.org.br/libras/  

 

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS |  205 

 

UNIDADE IV

A NORMA LINGÜÍSTICA

 

 

   

 

Descrição do Sistema Da Língua

 

A  língua, como objeto da  lingüística, é um sistema formal composto de unidades que se combinam 

entre  si a partir de  regras potencialmente  conhecidas por  todos os usuários. Apesar de as  línguas naturais 

diferirem entre si (compare, por exemplo, o português e o alemão), grande parte das leis gerais da língua são 

aplicáveis a qualquer realização  lingüística adotada por um povo. Por exemplo, todas as  línguas descritas na 

atualidade possuem um sistema verbal, ou adotam uma seqüência sintática para construir  frases, ou ainda, 

possuem elementos que se articulam em dois níveis para formar enunciados inteligíveis. 

Ainda  que  algumas  regras  gerais  sejam  comuns  a  todas  as  línguas,  certos  princípios  aplicam‐se  a 

umas e não a outras, como ocorre com os sistemas de casos – terminações nas palavras que marcam a função 

sintática do elemento – em  línguas como o grego, o  latim e o alemão. Em português, a  função sintática do 

elemento é observada a partir da ordem das palavras na frase e não pela terminação do elemento. Quanto à 

ordem  das  palavras,  algumas  línguas  adotam  a  estrutura  S‐V‐O  (sujeito‐verbo‐objeto),  enquanto  outras 

adotam ordens diferentes. 

A  lingüística descreve o sistema da  língua sob duas óticas: a primeira consiste em  teorizar sobre o 

sistema  lingüístico a partir da observação do  lingüista sobre as  línguas que analisa. Esta atividade produz um 

conhecimento  teórico  geral  aplicável  a  qualquer  língua  particular.  Dentre  as  características  descritivas  da 

 

LETRAS LIBRAS| 206 

 

língua, sob essa primeira ótica, podem ser apontadas as regras combinatórias dos seus elementos, as regras de 

sua produtividade, as propriedades da dupla articulação, etc. 

A segunda possibilidade de descrição consiste em analisar uma língua particular e perceber as regras 

efetivamente utilizadas pelos seus falantes, correlacionando‐as às propriedades gerais da língua e apontando 

suas  especificidades.  A  lingüística  norte‐americana  foi  bastante  produtiva  neste  segundo  tipo  de  análise, 

descrevendo  e  documentando  diversas  línguas  indígenas  em  risco  de  extinção,  graças  ao  aparato  teórico 

recebido da antropologia. 

Deve‐se ter em mente que a lingüística, ao fazer uma descrição cientifica das línguas, contribuiu não 

apenas para documentar falares e dialetos, geralmente negligenciados pela cultura escrita de diversos paises, 

mas  também para apontar uma  igualdade essencial entre  todas as  línguas,  independentemente do nível de 

civilização ocidental encontrado entre os seus falantes. Com isso, a visão etnocêntrica de que algumas línguas, 

notadamente  as  européias,  seriam  mais  complexas  do  que  as  línguas  indígenas  americanas,  perdeu 

sustentação científica pelo postulado de que  todas as  línguas  são complexas e  se adequam à  totalidade de 

situações comunicativas exigidas pelos falantes. 

 

 

 

Prescrição Normativa

 

A  descrição  cientifica  das  línguas  surgiu  em  um momento  em  que  se  perpetuava  uma  tradição 

purista  e  utópica  da  linguagem.    Essa  tradição,  pedagógica  e  não  científica,  concebia  a  língua  como  um 

instrumento de representação do pensamento que devia seguir, da maneira mais estrita possível, as regras de 

uso verificadas no pensamento dos grandes autores da  literatura. Assim, a  tradição pedagógica reforçava  (e 

ainda  reforça) a homogeneidade do código  lingüístico,  isto é, desconsiderava qualquer  tipo de variação não 

LETRAS LIBRAS |  207 

 

prevista  para  aquele  padrão,  e  considerava  a  norma  padrão  escrita  a  única  a  ser  almejada  pelos  falantes, 

exatamente porque era superior às outras. 

Chamamos  essa  tradição  de  pedagógica  precisamente  porque  é  aquela  encontrada  nos  livros, 

dicionários e gramáticas, usados na escola com a finalidade única de fazer o aluno adquirir tal código padrão. 

Essa  tradição  não  concebe  a  língua  como  um  fenômeno  dinâmico,  que  varia  no  tempo  e  no  espaço,  e  se 

adapta à cultura e às necessidades dos seus usuários. Pelo contrário, adota a perspectiva  idealista de que a 

língua é um bem a ser cultivado e preservado, inclusive quanto à presença de estrangeirismos, regionalismos, 

gírias, etc. que a desvirtuam e a corrompem.  

Essa  tradição prescritiva não descreve  a  língua dos  falantes. Descreve uma modalidade de  língua, 

encontrada entre os  intelectuais, cristalizada em  livros, textos científicos e obras  literárias, e elege as regras 

dessa modalidade  como  o  padrão  a  ser  imposto  a  todos  os membros  daquela  comunidade  lingüística.  Tal 

descrição,  em  geral,  se  confunde  com  a  língua  utilizada  pelas  elites  intelectualizadas,  nos  grandes  centros 

urbanos, mas  se  separa  da  língua  dos  trabalhadores,  dos moradores  de  regiões  economicamente menos 

desenvolvidas, do meio  rural,  etc,  gerando discriminação  e preconceito  contras  essas minorias, bem  como 

interferindo no sistema escolar público. 

O combate a essa concepção é de difícil execução, já o preconceito que dela advém está arraigado no 

imaginário do povo e é constantemente reforçado pela mídia e pela escola, que perpetuam mitos seculares e 

errôneos sobre o papel da língua na sociedade.  

 

Gramática e Norma

 

A  norma  lingüística  consiste  no  consenso  mínimo  estabelecido  em  uma  cultura,  a  partir  das 

propriedades internas de uma língua, sobre as regras de usos lingüísticos adotados pelos falantes. A gramática, 

em  geral,  pode  ser  reconhecida  como  o  conjunto  dessas  normas;  tradicionalmente,  porém,  chamamos 

gramática a descrição do modelo lingüístico de mais prestígio dentro de uma cultura, adotado como padrão a 

ser seguido por todos os falantes. 

Em  lingüística,  quando  falamos  em  norma,  pensamos  em  um  conjunto  de  preceitos  destinados  a 

organizar a expressão da língua em sua modalidade falada. Esses preceitos se relacionam aos usos fonológicos 

aceitos em uma  língua,  à utilização de  traços  supra‐segmentais  (entoação,  altura, etc.)  reconhecidos  como 

pertencentes a essa língua, ao conjunto de regras sintáticas inteligíveis e interpretáveis por todos os falantes, e 

ao conjunto de regras de formação, produção e compreensão de  itens  lexicais (palavras), compatíveis com a 

língua em questão. 

A gramática, por outro lado, embora enfatize a necessidade de seguir, na fala, um padrão lingüístico 

prestigioso, estabelece um conjunto de preceitos que organizam a correção da língua escrita, aplicado através 

da ortografia, das regras de sintaxe, concordância, regência, etc. As regras da escrita, mesmo em se tratando 

 

LETRAS LIBRAS| 208 

 

de língua padrão, não se aplicam do mesmo modo à língua falada. Para comprovar esse fato, basta‐se apenas 

comparar a  fala dos  indivíduos das grandes  capitais do Brasil,  com nível  superior de escolaridade,  com  sua 

escrita. Ambas são consideradas língua padrão, porém a norma escrita não reproduz a norma da fala. 

A lingüística, nos últimos anos, tem demonstrado através de projetos como o Norma Urbana Culta do 

Brasil  (NURC), que a descrição da  língua utilizada pelos brasileiros de maior escolarização e  residentes nos 

grandes centros urbanos do Brasil tem se distanciado do padrão escrito prescrito pela Gramática Tradicional. 

Isto sugere uma adequação no tratamento da  língua que explore as modalidades oral e escrita sob preceitos 

diferentes e que incorpore na norma gramatical as variações no uso do português. 

 

 

 

Conceito de Gramática

 

O conceito de gramática se vincula  fortemente à noção de sistema a que nos  referimos acima e à 

noção de sincronia, ou seja, o recorte do estado atual da língua feito para a descrição e análise do seu sistema, 

sem preocupações primárias com a evolução desse sistema ao longo do tempo.  

Como sistema, a língua é estruturada por unidades que se combinam através de regras que, por sua 

vez,  delimitam  as  construções  possíveis  para os  usuários  de  uma  comunidade.  Essas  regras,  em  geral,  são 

denominadas de gramática da língua. O estudo dessas regras também é denominado de Gramática. 

O termo gramática nos chegou do grego, por intermédio do latim,  com a “arte de ler e de escrever. 

Nesse sentido, apesar de abrangente, não é  inadequado  identificar a gramática como um conjunto de regras 

que determinam o uso de uma língua em uma comunidade. Este conjunto de regras adotado pelos falantes de 

uma  língua  de  maneira  convencional  implica  considerar  corretos  todos  os  usos  aceitos  por  aquela 

comunidade. Entretanto, na atualidade, a função da gramática, especialmente na escola, é prescrever regras 

que devem ser usadas por todos os falantes. 

A lingüística, como ciência da língua, postula uma concepção de gramática que tem a ver com as 

regras que são efetivamente usadas pelos falantes, limitando‐se, metodologicamente, a descrever essas regras 

e analisá‐las, sem prescrever normas de uso. Apresentaremos, em seguida três concepções de gramática: duas 

científicas e uma pedagógica. 

LETRAS LIBRAS |  209 

 

Gramática Interna

 

O  conceito  científico  de  gramática  é  aquele  que  pressupõe  um  saber  interno  ao  individuo  que  o 

habilita a usar sua  língua em todas as situações significativamente possíveis e a compreender os usos  feitos 

por outros falantes que detêm esse mesmo conhecimento. 

Assim  a  gramática  interna  ou  internalizada  é  o  conhecimento  sobre  o  sistema  de  unidades  e 

conteúdos da  língua,  distintos  entre  si,  e que mantêm  relações obrigatórias  finitas.  Essas  relações  são  leis 

gerais ou normas que regem o uso da atividade lingüística do falante. 

A gramática  internalizada pode  ser explicada a partir de  fatos  lingüísticos  típicos da  linguagem da 

criança  e,  ainda, por outros  fatos  encontrados na  língua  adulta. No processo de  aquisição da  linguagem  a 

criança, ao pôr em prática as regras de uso da  língua, cria hipóteses que diferem da  linguagem dos adultos, 

como é o caso das conjugações verbais. Se a criança apenas imitasse por aprendizado a fala adulta, é possível 

que usasse os verbos do mesmo modo destes, ou que “errasse” naquilo em que eles “erram”. No entanto, ao 

utilizar o sistema de conjugação dos verbos, ela usa regras internalizadas que pressupõem a regularidade dos 

verbos. Deste modo, a criança por não  ter acesso, nesta  fase, às  irregularidades, produz as construções “eu 

comi” e “eu trazi”, ou “eu canto” e “eu sabo” como se fossem todas regulares.  

Também na  linguagem  infantil, e com mais  freqüência na  linguagem adulta, a hipercorreção é um 

fato lingüístico que confirma a validade de uma teoria de gramática internalizada. Por hipercorreção  entende‐

se a avaliação que um falante faz das estruturas lingüísticas que ele emprega em sua própria fala, a partir do 

conhecimento, geralmente precário, de outras estruturas supostamente mais corretas do que as que utiliza. 

Por exemplo, alguns falantes da zona rural utilizam um variável lingüística pela qual realizam um determinado 

fonema, representado na escrita por /lh/, através de outro fonema, representado graficamente por /i/, como 

em velha/véia, filho/fio, melhor/meió. Quando confrontados como outros falantes que realizam esse fonema 

segundo o português padrão, esse usuários, pela necessidade de usar uma língua mais “correta” do ponto de 

vista pedagógico, passam a substituir por /lh/ todos os usos de /i/, inclusive aqueles da língua padrão. Assim, 

passam não apenas a usar velha, filho e melhor, como a dizer coisas do tipo “telha de aranha”, “está de mal a 

pilhor”, “pilha do banheiro”, etc. 

 

Gramáticas descritivas

 

A descrição das normas de uso de uma  língua verificadas em uma comunidade e sistematizadas de 

acordo  com  os  conhecimentos  técnico‐científicos  do  analista  é  o  que  constitui  uma  gramática  descritiva. 

Assim,  a  princípio,  a  distinção  entre  gramática  internalizada  e  descritiva  não  é  necessária,  senão  para  fins 

didáticos, uma vez que esta é simplesmente a análise cientifica daquela. 

 

LETRAS LIBRAS| 210 

 

A ática descritiva se propõe apenas a descrever as regras de como uma  língua é realmente  falada, 

sem julgar o uso como correto ou incorreto, como faz a gramática prescritiva. A gramática descritivas analisa, 

pois,  os  usos  da  língua  que  uma  determinada  comunidade  lingüística  adota  como  adequados,  os  quais  se 

constituem de todas as estruturas reconhecidas e aceitas pelos falantes da comunidade.  

A gramática descritiva não aponta erros dos falantes,  inclusive porque a noção de erro diz respeito 

aos  usos  não  autorizados  pela  comunidade.  A  gramática  descritiva  aponta  na  língua  falada  por  uma 

comunidade  opções  de  expressão  que  não  se  excluem,  mas  que  coexistem  e  se  prestam  às  finalidades 

comunicativas do  falante. Desse modo,  todos os  falantes nativos de uma  língua, a  falam adequadamente e 

isentos de erro, porque conhecem e usam as regras  internas disponibilizadas para aquela  língua. A noção de 

erro se aplicaria mais aos usos da escrita do que aos usos da língua falada.  

 

Gramáticas prescritivas

 

As gramáticas prescritivas ou normativas consistem no estudo das regras que um  individuo precisa 

conhecer para falar e escrever corretamente uma língua. Evitaremos usar o termo ‘normativa’ para se referir à 

gramática prescritiva porque,  tecnicamente,  toda gramática é normativa, uma vez que estuda as  regras ou 

normas que fazem de uma  língua o que ela é. O que diferencia a gramática prescritiva da descritiva, tratada 

anteriormente, é o fato de que seu conceito é mais pedagógico do que lingüístico, além de reduzir o conceito 

de  língua  a  um  conjunto  de  regras  de  ‘boa’  comunicação,  aceitas  em  segmentos  privilegiados  de  uma 

comunidade. Expliquemos. 

A noção prescritiva de gramática esteve sempre associada à tradição escolar, fortemente arraigada 

na modalidade  escrita  da  língua.  Vimos  que  o  papel  da  escrita  na  sociedade  foi  sempre  superestimado, 

tornando‐a  não  apenas  instrumento  de  trabalho  para  poucos  privilegiados, mas  também  instrumento  de 

discriminação contra indivíduos e culturas fundadas apenas em práticas orais. A escola, lugar onde a escrita é 

tradicionalmente adquirida, na  tentativa de  tornar seus alunos usuários mais efetivos da  língua, adotou um 

modelo  de  gramática  baseado  nas  normas  da modalidade  escrita,  empregadas  por  intelectuais,  cientistas, 

jornalistas  e  autores  famosos.  Esse  modelo,  não  obstante  servir  para  dirigir  as  práticas  de  escrita  dos 

indivíduos, começou a ser ‘cobrado’ como padrão lingüístico geral, isto é, tanto para a escrita como para a fala. 

Ao  descrever  as  normas  da  língua  de  uma  minoria  e  torná‐la  padrão  de  todos,  a  Gramática 

demonstra que seu compromisso não é  lingüístico, uma vez que desconsidera que a Lingüística pressupõe a 

igualdade essencial entre todas as  línguas, assim como o fato de que as normas são relativas às convenções 

adotadas  por  uma  comunidade  lingüística,    mas  didático‐pedagógico,  isto  é,  o  conhecimento  do  padrão 

lingüístico privilegiado é objeto de ensino que deve ser aprendido por todos os  indivíduos. Tal compromisso 

evidencia o  conceito de gramática prescritiva  como  indissociado do uso de um  livro de  regras  chamado de 

Gramática, cuja existência se deve à crença de que o usuário só aprende a  falar bem sua  língua, se estudar 

LETRAS LIBRAS |  211 

 

sistematicamente suas regras. Esse conceito não diferencia, a principio, o estudo da  língua materna e  língua 

estrangeira. 

Um outro efeito da noção de  gramática prescritiva é o mito de que  apenas os  falantes da  língua 

padrão  (legitimada  pela  escola)  são  bons  usuários  da  língua  e  se  comunicam melhor  do  que  outros. Mais 

ainda, desse mito surge a discriminação e preconceito contra usuários de variedades não padrão da  língua, 

como os moradores da zona rural, ou de certas regiões do Brasil. Tal crença, difundida maciçamente em todas 

as mídias, e inclusive nas escolas, pressupõe a ignorância do falante nativo sobre sua própria língua materna, e 

se desdobra em diversas falácias sobre, por exemplo, o português ser a língua mais difícil do mundo, sobre o 

fato de o  individuo não escolarizado não saber  falar português, ou sobre a necessidade de se  falar a norma 

culta para ascender socialmente.  

Diferentemente  dos  dois  conceitos  apresentados  anteriormente  (gramática  interna  e  gramática 

descritiva), a gramática prescritiva só se aplica à variedade padrão da  língua, não considerando para além da 

comunicação, os usos variados e contextuais que as pessoas  fazem da  língua. Alem disso, em oposição aos 

outros dois conceitos, a noção prescritiva da gramática dá abertura para o julgamento de valor do falante de 

uma  variedade  não‐padrão,  oportunizando  mensurar  a  língua  em  termos  de  melhor/pior,  bonito/feio,  e 

atribuindo  ao  falante  a  responsabilidade  cognitiva  e  cultural  por  tornar  sua  língua  aceitável/não  aceitável, 

como  se  este  pudesse  interferir  na  norma  convencionada  por  sua  comunidade.  Essa  concepção  é 

simplesmente não científica e discriminatória.  

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS| 212 

 

UNIDADE V

UNIDADE E DIVERSIDADE NA LÍNGUA  

 

 

 

 

A Idealização da Norma

 

A  norma  lingüística,  como  vimos  anteriormente,  é  o  conjunto  de  regras  consensualmente 

estabelecidas que organizam o conhecimento geral da língua e, particularmente, sistematizam os usos de uma 

língua natural qualquer, como o Português, por exemplo. Nesse sentido, a norma pode ser tomada como um 

conjunto  geral  de  princípios  que  servem  para  todas  as  línguas  (entre  esses  princípios  estão  as  categorias 

distintas do discurso, como os nomes, os verbos, etc. bem como as regras fonológicas, os padrões de ordem 

das palavras, a dupla articulação, a variação e mudança, e muitos outros), e também pode ser pensada no que 

diz respeito aos parâmetros de uma língua particular (a ordem Sujeito‐Verbo‐Objeto, do português brasileiro, 

o sistema casos do alemão, a flexão simples dos verbos do inglês, a flexão complexa dos verbos do português, 

a concordância nominal e verbal das línguas românicas, etc.) 

Os primeiros estudiosos da  lingüística, ao observar o papel da norma, preferiram  recortar apenas 

aquilo que tornava semelhantes as  línguas, postulando o  ideal de uma norma universal, aplicável a todos os 

usos, de modo a aproximar a  língua do pensamento universal humano. Essa observação, geralmente  feita a 

partir  de  textos  escritos  e  fundada  na  concepção  lógica  de  um  movimento  na  ciência  denominado 

LETRAS LIBRAS |  213 

 

racionalismo, concebeu a escrita como o  lugar onde a norma poderia ser observada com mais propriedade, 

visto que as propriedades da escrita revelavam com mais rigor a lógica do mundo e a lógica do pensamento. 

Este movimento  provocou  dois mitos  no  que  diz  respeito  à  língua  em  sua modalidade  falada. O 

primeiro, que já vimos anteriormente, é o de que a língua falada, em oposição à escrita, é o lugar do caos, da 

desordem, da simplificação. O segundo, sobre o qual nos debruçaremos nessa seção, é o de que as  línguas 

escritas  e  faladas, para  terem  valor  social, precisam obedecer  a uma  lógica pré‐estabelecida,  essa  lógica  é 

refletida nos textos escritos que seguem estritamente a norma  lingüística culta. Aqui não se entende norma 

culta  como aquela efetivamente usada pelos  falantes das  camadas mais escolarizadas da  comunidade, mas 

como  a  norma  idealizada,  que  obedece  rigorosamente  os  padrões  clássicos  da  escrita,  impostos  pela 

concepção de que tais padrões refletem a lógica universal.  

 

As variedades lingüísticas

 

Uma  concepção  idealizada  de  norma  nega  qualquer  tipo  de  validação  às  variedades  lingüísticas. 

Estas, ao contrário da norma ideal, dizem respeito aos parâmetros lingüísticos que cada comunidade adota em 

função  não  apenas  nas  necessidades  comunicativas,  sociais  e  contextuais,  mas  em  respeito  a  regras 

lingüísticas de mudanças, que operaram no decorrer do tempo sobre os princípios gerais daquela língua.  

Por exemplo, a  língua portuguesa falada no Brasil sofreu, ao  longo dos quinhentos anos de seu uso 

em nosso território, inúmeras transformações, seja pelo contato com outras línguas da colonização (as línguas 

indígenas,  as  línguas  africanas,  as  línguas  dos  invasores),  seja pelo  convívio  com  as  línguas  dos  imigrantes 

(japoneses, italianos, alemães), seja pela distância geográfica em relação aos centros onde as mudanças sociais 

eram mais freqüentes (os sertões em relação às capitais do Império, por exemplo), seja pelas necessidades de 

cada lugar (a instalação das indústrias no sudeste, a agricultura de subsistência no norte‐nordeste, a produção 

canavieira nos litorais). 

Essas  transformações  são  observadas  com  muita  clareza  no  Brasil,  basta  que  constatemos  os 

contrastes entre as diversas regiões. O resultado é que temos um país em que a língua utilizada pela maioria 

dos  falantes é o Português, e que no entanto, não se pode considerar essa  língua como homogênea,  já que 

apresenta  variações  que  a  tornam  muito  particular  em  relação  às  comunidades  que  as  adotam.  Essas 

variedades  têm  normas  diferentes  umas  das  outras,  e  essas  normas  são  consensualmente  utilizadas  pelos 

falantes. Não  se pode dizer, portanto, que uma variedade do português  seja mais bem empregada do que 

outra, visto que  seu uso é sempre coerente com a norma.  

Assim,  o mito  de  que  todos  os  falantes  devem  falar  de modo  semelhante,  utilizando  as mesmas 

regras na construção do seu discurso, seja escrito, seja falado, não procede do ponto de vista cientifico e só se 

justifica pela tentativa dos pseudo‐intelectuais da elite, completamente  leigos do ponto de vista das ciências 

da  linguagem,  em  disseminar  preconceitos  contra  as  populações  que  adotam modos  de  falar  diferentes 

 

LETRAS LIBRAS| 214 

 

daquele denominado padrão. A escola e a mídia colaboram com disseminação dessa prática discriminatória, 

uma vez que os falantes das variedades  lingüísticas que mais se distinguem do padrão são os habitantes das 

regiões  norte  e  nordeste,  especialmente  os moradores  das  zonas  rurais  e  ribeirinhas,  que  vêm  sofrendo 

processo de exclusão social há centenas de anos, sendo o lingüístico apenas um deles. 

Variedade  lingüística não é erro ou desvio. É uma forma  legitima de uso de uma  língua que sofreu 

processos naturais de variação e mudança no seu desenvolvimento. A variação  lingüística não ocorre apenas 

no Brasil, todas as línguas do mundo passam por esse processo, mas é mais fácil de notá‐la em um país com a 

dimensão do nosso, pois o processo de mudança não é homogêneo, ou seja, não ocorre ao mesmo tempo em 

todas as regiões em que a língua é falada.  

As  variações  lingüísticas  são, pois,  as diferentes  realizações de uma dada  língua, que  resultam de 

fatores de natureza histórica, regional, social ou contextual. Essas variações podem ocorrer nos níveis fonético 

e fonológico (a realização efetiva de um determinado som na língua, por exemplo o R retroflexo, utilizado no 

interior  de  São  Paulo,  para  indicar  pejorativamente  a  fala  caipira),  morfológico  (a  realização  de  uma 

concordância de número, em que apenas um termo recebe a marca do plural, como em as meninaØ), sintático 

(como  a  colocação  pronominal,  amplamente  usada  no  Brasil,  em  orações  do  tipo  “me  dá  um  cigarro”)  e 

semântico (encontrada na diferença lexical de diversas regiões, como os adjetivos doce e melado). 

O  estudo  da  variação  lingüística  pode  ser  feito  a  partir  da  observação  das mudanças  sob  vários 

aspectos: a) o aspecto diacrônico  (do grego dia+kronos = ao  longo do tempo), que explica as manifestações 

diferentes  de  uma  língua  através  dos  tempos. No  português  brasileiro,  é  possível  observar  a mudança  do 

português  colonial  com  relação  ao  português  moderno,  especialmente  pela  presença  de  dados  escritos 

daquela  variedade,  como  também  pelo  uso  de  formas  típicas  do  português  colonial,  preservadas  nas 

variedades de algumas regiões do Brasil. b) o aspecto sincrônico (do grego sy’n = simultaneidade), que explica 

as  variações num mesmo período de  tempo,  como os usos de uma  variedade da  atualidade  em  relação  a 

outra,  a  exemplo  do  português  falado  no  sul  e  no  nordeste.  Os  demais  aspectos,  por  sua  relevância  na 

explicação do Português Brasileiro, serão analisados em seção própria. 

 

Variação diatópica, diafásica e diastrática

 

Entre os diversos processos de  variação que ocorrem  em uma determinada  língua, destacaremos 

aqueles  que  dizem  respeito  aos  contextos  sociais  que  impõem  a  essa  língua,  normas  de  uso  específicas, 

diferentes de outras normas encontradas em outras variedades. 

A variação diatópica (do grego topos = lugar), também reconhecida como variação geolingüística  ou 

variação dialetal, é o tipo de processo relacionado a fatores geográficos, como o uso de pronúncia diferente 

em  diferentes  regiões,  diferentes  palavras  para  designar  os mesmo  conceitos,  acepções  diferentes  de  um 

termo de região para região, expressões ou construções frásticas próprias de uma região, etc. 

LETRAS LIBRAS |  215 

 

A  variação diatópica diz  respeito aos processos de  identificação da norma  lingüística  com os usos 

aceitáveis em  lugares ou regiões diferentes de onde se fala a  língua padrão. Assim, pode‐se perceber que os 

lugares  que  se  afastam  geograficamente  do  centro  onde  se  usa  a  variedade  padrão,  adotam  normas 

lingüísticas diferentes daquele. Isso pode acontecer por diversos motivos: as regras lingüísticas que afetaram a 

padrão podem não ter afetado essa variedade, os usos sociais da língua nessa região podem ser diferentes de 

outra,  influências  de  outras  línguas  podem  ser mais  presentes  no  centro  do  que  na  região  onde  se  fala  a 

variedade não‐padrão, etc. O exemplo clássico da variação diatópica é o  falar rural em oposição ao urbano. 

Nesse exemplo, percebe‐se que a mudança ocorreu com menos freqüência na variedade rural, que preserva 

várias formas do português medieval, enquanto que o falar urbano sofreu influências de diversos tipos, como 

processos de industrialização, de imigração, etc. 

A variação diafásica (do grego phasis = fala) é relacionada às diferentes situações de comunicação e a 

fatores de natureza pragmática e discursiva, que são impostos em função do contexto de uso da língua. Esses 

fatores  levam  o  falante  a  adaptar‐se  às  circunstâncias  comunicativas,  por meio  da  variação  do  registro  de 

língua, seja para mais formal, ou para mais informal.  

Em lingüística, o termo registro designa a variedade da língua definida de acordo com o seu uso em 

situações  sociais.  Assim,  registros  lingüísticos  são  os  diversos  estilos  que  um  falante  pode  usar  em  uma 

situação  comunicativa dada. Em uma  conversa  informal  com os  amigos, por exemplo, utilizará um  registro 

diferente do que utiliza em família, ou no emprego, ou na Universidade. 

A  variação  diastrática  (do  grego  stratos  =  camada,  nível)  refere‐se  aos  modos  de  falar  que 

correspondem  a  códigos  de  comportamento  de  determinados  grupos  sociais.  A  variedade  diastrática 

corresponde ao uso  lingüístico partilhado por um grupo social, cujos membros mantêm entre si relações de 

identidade  que  os  diferenciam  em  relação  a  outros  grupos  (por  exemplo,  o  uso  de  gírias,  de  jargão 

profissional, etc.).  Entre os  fatores  relacionados  à  variação  social,  encontramos  a  classe  social,  situação ou 

contexto social, idade, sexo, etc. 

A classe social é um fator que tem estreita  ligação com a escolha de variedades  lingüísticas de uso. 

Em países como a  Índia, em que o sistema de estratificação social é bastante fechado, a  língua utilizada por 

uma  casta  superior,  não  pode  ser  usada  por  uma  inferior. No  Brasil,  alguns membros  da  elite  intelectual 

insistem em  identificar a variedade padrão da  língua com a classe alta. Essa  identificação não procede, uma 

vez que tal classe se define em termos de poder econômico, e não em função de escolaridade. Pode‐se dizer 

que num país mais agrícola do que  industrializado, como o Brasil, o poder econômico se concentra mais nas 

mãos dos grandes produtores e fazendeiros e dos altos empresários da  indústria do que   na elite  intelectual. 

Assim, a variedade  lingüística  em torno de classes, no Brasil, é mais aberta, não podendo ser identificada com 

uma classe apenas. É  importante que se compreenda que um  falante de uma variedade social pode utilizar 

outra variedade para  comunicação, o que destaca a  relevância de  todas as variedades e  sua adequação às 

necessidades de uso. 

 

LETRAS LIBRAS| 216 

 

A situação ou contexto social define a variedade lingüística a ser utilizada a partir da relação mútua 

entre  dois  falantes  ao  discutir  um  dado  assunto,  em  uma  dada  situação. Há  contextos  que  exigem maior 

formalidade, como os institucionais, relacionados à escola, ao trabalho, às atividades públicas; e contextos em 

que a informalidade é a regra a se seguir, como nos contextos privados. Assim, em relação à pessoa a quem se 

dirige, o falante pode utilizar uma variedade mais ou menos formal, dependendo se o seu interlocutor é mais 

velho, ou superior hierarquicamente, ou se trata de um par; dependendo também do lugar onde os falantes se 

encontram, se em um bar, uma igreja ou uma escola; bem como do tema sobre o que se conversa, um assunto 

sério, amenidades, etc. 

No  que  diz  respeito  à  variação  social,  segundo  os  fatores  sexo  e  idade,  observa‐se  que  alguns 

recursos expressivos, como o alongamento de vogais, o uso freqüente de diminutivos,  entre outros, são mais 

comuns na fala da mulher do que na do homem, enquanto que o registro social por meio de gírias, palavrões, 

etc. são mais freqüentes na variedade usada por esses. Gírias, palavrões e outras marcas do registro informal 

são também mais freqüentes nas variedades usadas por jovens (homens e mulheres) do que na faixa etária de 

mais  idade. O uso de  certos pronomes  (como o  tu) ocorrem  com mais  freqüência  entre  jovens,  enquanto 

certas pronúncias (como senhora, com o fechamento da vogal o) são mais comuns entre os mais velhos. 

 

Comunidade Lingüística e norma padrão

 

A comunidade  lingüística ou comunidade de fala diz respeito ao grupo de falantes que compartilha 

um  conjunto  de  regras  lingüísticas  que  governam  as  estratégias  de  comunicação  e  de  interpretação  do 

discurso.  A  comunidade  lingüística  funciona  como  uma matriz  de  repertórios  de  códigos  ou  de  estilos  de 

discurso de que os falantes dispõem nas situações concretas de uso. 

Um conjunto de definições para comunidade  lingüística é encontrado na obra de Silvio Elia  (2000), 

que retoma conceitos clássicos apontados por lingüistas internacionais. 

 

 

 

LEONARD BLOOMFIELD

Uma reunião de pessoas que usam do mesmo sistema de sinais lingüísticos é uma

comunidade lingüística. (ELIA:2000, 7).

Uma comunidade lingüística é uma reunião de pessoas que interagem por meio

da linguagem. (ELIA:2000, p.7).

 

LETRAS LIBRAS |  217 

 

JOSHUA FISHMAN

Por uma comunidade lingüística se entende aquela cujos membros

participam pelo menos de uma variedade lingüística e das normas para o

seu uso adequado. (ELIA:2000,7).

JOHN J. GUMPERZ

Comunidade lingüística é um grupo social que pode ser monolíngüe ou multilíngüe

mantido coeso pela freqüência de padrões de interação social e separado de áreas

vizinhas pela insuficiência dos meios de comunicação. As comunidades lingüísticas

podem consistir em pequenos grupos interligados por um contato face a face ou

ocupar largas regiões, tudo dependendo do nível de abstração em que nos

situamos. (ELIA:2000,7).

WILLIAM LABOV

A comunidade lingüística define-se menos por um acordo explícito em relação ao

emprego dos elementos da língua do que por uma participação num conjunto de

normas comuns. Essas normas podem ser observadas ou em tipos abertos de

comportamento susceptíveis de avaliação ou pela uniformidade de padrões abstratos

de variação, que são invariantes no respeitante a níveis particulares de uso.

(ELIA:2000,7).

O conceito de comunidade  lingüística  se assenta, portanto, na necessidade de  reconhecimento de 

uma  norma  comum  aos  falantes  de  uma  dada  variedade.  Todas  as  definições  acima,  por mais  ou menos 

 

LETRAS LIBRAS| 218 

 

completas que sejam, têm em comum o fato de que os falantes compartilham padrões comuns para pertencer 

a mesma comunidade de  fala. Assim, o que define uma comunidade não é o  fato de as pessoas  falarem do 

mesmo modo, mas por orientarem seu comportamento verbal, em situações comunicativas diversas, através 

de um conjunto de regras compartilháveis. 

A norma padrão, a que amplamente aludimos no capítulo precedente, é  também o elemento que 

reúne usuários  em  torno de  algo  comum, uma  variedade  compartilhada  por  falantes que  constituem uma 

comunidade  lingüística.    É  preciso  que  se  esclareça,  entretanto,  que  não  há  elemento  intrínseco  a  essa 

variedade que a torne superior ou melhor em relação às outras.   Em toda comunidade de fala, por maior ou 

menor  que  seja,  há  sempre  variação  lingüística  decorrente  de  fatores  sociais  que  se  definem  nessa 

comunidade. Assim, almejamos a língua padrão mais por um questão de imposição social, como status, do que 

por fatores específicos de sua norma.  

 

Língua Padrão – conceitos e mecanismos de imposição

 

O  fato de que há variedades  lingüísticas porque, em qualquer comunidade de  fala, a  língua não é 

utilizada de modo homogêneo é uma verdade que  só há pouco  tempo  tem ganhado espaço nas discussões 

extra‐acadêmicas,  embora  ainda  com  alguma  descrença.  Há  alguns  anos,  a  discussão  em  torno  da  língua 

comportava apenas duas alternativas: ou se falava a língua padrão (ou norma culta), ou se falava errado. Essa 

última alternativa (que englobava o que hoje conhecemos como variedades, mas que antes eram consideradas 

erros ou desvios) era o que  restava à maioria da população do Brasil que, ora consistia nos habitantes das 

regiões norte e nordeste, os que  sofreram os mais variados processos de exclusão na história do país, ora 

consistia  na  parcela  dos  analfabetos,  semi‐alfabetizados  e  integrantes  da  classe  trabalhadora  brasileira.  A 

língua padrão era, portanto, a variedade das elites residentes na porção sul‐sudeste do país. 

Contribuiu para essa concepção “casa‐grande e senzala” de língua, um conjunto de idéias difundidas, 

ainda  hoje  com  muita  força,  em  veículos  públicos  institucionais  que,  por  gozar  de  muito  prestígio  na 

sociedade, angariou um batalhão de adeptos pouco críticos, crentes da  irrefutável veracidade   desse  ideário. 

Esses veículos são o ensino tradicional, a gramática tradicional, os  livros didáticos e a  imprensa  (Cf. BAGNO, 

1999, p. 73). 

Munidos  de muito  prestígio  e  de  nenhuma  ética,  esses  veículos  iniciaram  uma  campanha  que  se 

propunha “restaurar” a norma culta, ao mesmo tempo em que apregoava o preconceito contra os falantes de 

variedades não‐padrão, ou seja, as minorias e classes sociais menos favorecidas. Entre as falácias (idéias falsas 

proclamadas como verdadeiras) mais  freqüentes usadas contra a  legitimidade das variedades não‐padrão, o 

ensino, a gramática, os livros didáticos e a imprensa apregoavam (de acordo com BAGNO, 1999) que: 

 

1  O português brasileiro é uma língua homogênea. 

LETRAS LIBRAS |  219 

 

Essa  idéia  não  é  cientifica  porque  desconsidera  uma  característica  natural  das  línguas  humanas:  sua 

variabilidade. Além disso,  em  se  tratando de um pais  com  as dimensões do Brasil,  essa pretensa  ‘unidade’ 

mascara as diferenças sociais, regionais e econômicas,  fatores que atuam na variação  lingüística. Os adeptos 

desse mito esquecem que muitas outras línguas, além do Português, também são faladas no Brasil e merecem 

ser objeto de estudo pela escola. 

 

2. O bom português é falado apenas em Portugal. 

Essa afirmação, geralmente veiculada por puristas da língua, preocupados com as influências que o Português 

Brasileiro sofreu ao  longo do tempo, especialmente   das  línguas  indígenas e africanas, é tão vazia quanto os 

argumentos que usa. O português brasileiro é uma língua diferente da irmã européia. Nenhuma língua é imune 

a  influências externas. Cada povo é senhor de sua própria  língua,  já que ela(s) é(são) um dos  formadores da 

identidade nacional.  

 

3. A língua portuguesa é uma das mais difíceis do mundo. 

Qualquer  falante,  seja escolarizado ou não,  conhece e domina as  regras naturais da  língua que utiliza. Não 

existe língua nativa difícil, nem se pode comparar línguas diferentes em termos de dificuldade. Todas as línguas 

são complexas e atendem às necessidades de uso. Nenhum falante aprende sua  língua materna, a adquire. A 

escola é o lugar onde aprendemos apenas a escrita de uma língua. 

 

4. As pessoas sem escolaridade falam errado. 

Este mito releva profundo preconceito contra o falante e não contra a língua ou variedade que ele fala. A idéia 

aqui é ridicularizar o falante, das regiões norte‐nordeste especialmente, por falarem diferente dos falantes do 

sudeste. Não se trata aqui de apontar o erro, já que paulistas falam “os pão, as mão” e nordestinos dizem “nóis 

fumo” porque a norma de sua variedade permite, e não por erro. O que a escola e a mídia fazem é tratar a fala 

do nordestino como ridícula e mais errada do que a do paulista. 

 

5. O estado do Maranhão é onde se fala melhor o Português. 

O melhor português é falado por qualquer brasileiro. Lembre‐se que o português não é homogêneo. A norma 

da variedade paraibana é empregada tão bem pelo falante da Paraíba, como a norma da variedade gaúcha é 

empregada pelo falante do Rio Grande do Sul. 

 

6. Deve‐se falar do jeito que se escreve. 

Este mito  desconsidera  fala  e  escrita  como modalidades  distintas  da  língua  que  se  prestam  a  finalidades 

distintas de uso. Não precisamos falar da mesma maneira que escrevemos pois temos recursos na fala que se 

prestam apenas à  fala, assim como os da escrita não  funcionam a não ser na escrita. Essa  ideal é reflexo do 

pensamento grafrocêntrico que confunde língua com escrita ou gramática. 

 

7. É preciso saber gramática para se expressar com qualidade. 

 

LETRAS LIBRAS| 220 

 

A expressão na  língua não depende do  conhecimento de  regras gramaticais,  contidas em um  livro, mas do 

conjunto de normas da  língua que cada falante possui  internalizado. A expressão com qualidade depende de 

competências comunicativas, sociais, textuais, auxiliadas pelo processo de escolarização, mas não apenas por 

ele. 

8. A norma culta é instrumento de ascensão social. 

A escola e seus instrumentos (livro didático, gramática, ensino, etc.) desempenham, portanto, um mecanismo 

de  imposição  da  variedade  padrão  na  vida  do  aluno,  no  que  diz  respeito  à  aquisição  de  conhecimentos 

lingüístico‐gramaticais  e  culturais  destinados  a  completar  e/ou  compensar  a  “cultura  verbal  recebida  no 

ambiente familiar”.  Mais do que isso, ao ingressar na escola, o aluno entra em contato com uma variedade de 

língua  diferente  daquela  que  utiliza  em  casa,  ou  com  os  amigos,  que  exige  uma  postura  de  correção 

‘gramatical’ ao qual está só parcialmente acostumado.   

 

O dito popular de que “os pais ensinam o  filho a  falar errado para depois mandá‐lo à escola para 

aprender a falar corretamente” é completamente absorvido pela escola tradicional, pois a linguagem a que o 

aluno está exposto não coincide muito com a que utiliza com os amigos;  do ponto de vista da lingüística, no 

entanto, este dito contém questão bastante obscura: o que vem a ser  falar certo ou errado?   Parece muito 

claro que o tipo de  linguagem que devemos usar na escola, com os professores, não deve ser o mesmo que 

usamos com nossos amigos  íntimos, ou com nossos pais, mas afirmar que o primeiro tipo é mais correto do 

que o  segundo  reflete apenas a  ideologia que  sustenta uma  superioridade  intrínseca da  língua considerada 

padrão.  

Bortoni  (1997,  p.  1‐2)  considera  a  noção  de  língua  da  escola  bastante  obscura  e  ultrapassada  e 

apresenta um modelo segundo o qual o português brasileiro é analisado em  três continua: o continuum rural‐

urbano,  que  “propõe  uma  distinção  entre  a  heterogeneidade  relacionada  a  fatores  estruturais  (dicotomia 

rural/urbano;  região  geográfica;  redes  de  relações  sociais,  etc.)  e  fatores  funcionais  (grau  de  formalidade, 

registros, etc.)”’,   o continuum de oralidade‐letramento, no qual um dos pólos é constituído de atividades de 

letramento,  ou  seja,  os  falantes  desse  continuum  ora  fazem  uso  de  um  linguajar  mais  cuidado,  ora  de 

atividades  de  oralidade  “conduzidas  em  variedades  informais  da  língua”;  e  o  continuum  de monitoração 

estilística, que, grosso modo, se presta à produção de estilos mais monitorados de fala. 

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS |  221 

 

A Natureza das mudanças Lingüísticas

 

 

 

Para David Crystal (1987), existe uma crença de, ampla repercussão na sociedade, de que a mudança 

lingüística significa a decadência ou a degradação de uma  língua. Essa crença é sustentada pela observação 

dos conservacionistas de que a  língua de hoje  já não  tem o mesmo padrão de antigamente, especialmente 

pela influência de línguas estrangeiras como o inglês na fala casual dos jovens, bem como pela escola e meios 

de comunicação que cometem freqüentes desvios das normas tradicionais da língua. 

Para  o  autor,  as  críticas  à mudança  lingüística  são  infundadas,  não  apenas  porque  toda  geração 

experimenta a sensação de deterioração da língua em relação à geração anterior, mas também porque, via de 

regra,  as  mudanças  lingüísticas  atingem  partes  tão  minúsculas  em  comparação  ao  que  é  imutável,  que 

dificilmente qualquer mudança sobressai e se faz notar.  

Há, entretanto, casos de mudança que ocorrem com tanta rapidez, que podem provocar problemas 

de  comunicação,  levando  à  ininteligibilidade,  a  ambigüidades  e  à  divisão  social.  É  preciso,  pois,  um  certo 

cuidado  no  interesse  de  manter  a  comunicação  precisa  e  efetiva,  mas  não  há  razão  para  o  excessivo 

conservadorismo daqueles que querem “preservar a língua de Camões”. A mudança na língua é, para Crystal, 

reflexo da mudança na sociedade. Não há como criar políticas que detenham uma ou outra.  

 

“As línguas não se desenvolvem, não progridem, não decaem, não evoluem, nem agem de 

acordo com nenhuma das metáforas que implicam um ponto final específico ou um nível 

de excelência.   Elas  simplesmente mudam,  como  as  sociedades mudam.  Se uma  língua 

morre é porque seu status na sociedade se alterou, na medida em que outras culturas e 

línguas a sobrepujaram: ela não morre porque “ficou velha demais” ou porque “se tornou 

muito complicada”, como às vezes se pensa.”  

 

Assim, a mudança lingüística é inevitável e raramente previsível, daí a necessidade, segundo Crystal, 

de  se  desenvolver  uma  consciência  lingüística  e  uma  maior  tolerância  com  a  mudança  lingüística, 

especialmente numa sociedade multiétnica, como é o caso do Brasil. 

A política, nesse caso, não é de deter ou controlar as mudanças, mas a de dotar as escolas, e por 

conseqüência, a sociedade, do conhecimento necessário para ensinar a variedade padrão, ao mesmo tempo 

em que reconhece a existência e o valor da diversidade  lingüística. Essa política ofereceria “uma alternativa 

 

LETRAS LIBRAS| 222 

 

construtiva aos ataques emocionados que são desferidos  tão  freqüentemente contra o desenvolvimento de 

novas palavras, significados, pronúncias e construções gramaticais.” 

 

 

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS |  223 

 

UNIDADE VI

A LINGÜÍSTICA COMO CIÊNCIA  

 Estudos Pré‐Saussurianos 

 

 

 

 

 

Apesar de as preocupações com o fenômeno lingüístico ocuparem boa parte do tempo de estudiosos 

antigos, apenas na passagem do  século XVIII para o  século XIX a  intensificação desses estudos  resultou em 

ações que possibilitaram, já no século XX, a idealização de uma ciência autônoma da linguagem. 

Entre as contribuições mais importantes para essa autonomia estão os estudos realizados no século 

XIX,  denominados  de Gramática  Comparada.    Costuma‐se  chamar  de Gramática  Comparada  o movimento 

desencadeado  pela  redescoberta  do  Sânscrito  (língua  hindu  antiga)  entre  os  anos  de  1786  e  1816,  que 

protagonizou  uma  revolução  nos  estudos  da  linguagem  por  evidenciar  relações  de  parentesco  entre  o 

Sânscrito  e  outras  línguas  antigas,  como  o  latim,  o  grego,  as  línguas  germânicas,  célticas  e  eslavas.  Este 

movimento provocou o abandono da discussão em  torno de uma  língua‐mãe,  a origem divina de  todas  as 

línguas, e instaurou uma preocupação maior sobre a origem da linguagem.  

Na  verdade,  o  estudo  do  sânscrito  e  de  suas  relações  com  as  línguas  antigas  e  atuais,  foi 

desencadeado pela obra de Bopp (1816) sobre o sistema das conjugações das línguas indo‐européias que, ao 

investigar a origem dessas línguas, encontrou um modelo comparativo entre suas gramáticas. A relação entre 

as gramáticas, proposta por Bopp, baseia‐se em elementos puramente  lingüísticos na  comparação entre as 

 

LETRAS LIBRAS| 224 

 

línguas, adotando os métodos das ciências naturais para empreender uma espécie de paleografia das línguas 

antigas.  

O  modelo  das  ciências  naturais,  notadamente  da  biologia,  utilizado  pelo  comparativismo  para 

explicar a língua produz a metáfora dos organismos vivos, ou seja, as línguas seriam organismos que nascem, 

crescem  e  morrem,  após  conhecerem  um  tempo  de  perfeição  breve,  como  qualquer  ser  vivo.  Vimos, 

entretanto, no  capítulo precedente que  tal metáfora não explica  satisfatoriamente o processo de mudança 

lingüística: 

“Se formos usar metáforas para falar da mudança lingüística, uma das melhores é a de um 

sistema que se mantém num estado de equilíbrio, enquanto as mudanças ocorrem dentro 

dele.  Outra  é  a  da maré,  que  sempre  e  inevitavelmente muda, mas  nunca  progride, 

enquanto  flui  e  reflui”.  (David  Crystal.  The  Cambridge  Encyclopedia  of  Language, 

Cambridge University Press, 1987, pp. 4‐5. Tradução: Marcos Bagno) 

 

Um  dos  problemas  da  Gramática  Comparada  era  a  falta  de  simultaneidade  cronológica  na 

comparação entre as  línguas, não  importando se a porção do Sânscrito a ser comparada com o Latim era de 

um estado daquela língua relativo 1.000 a.C., enquanto que o estado do latim referia‐se ao século V de nossa 

era, o que tornava difícil a demonstração do parentesco entre as línguas. 

Seguiram‐se,  então,  alguns  estudos  comparativos  que  se  ocupavam  da  seqüência  cronológica  na 

investigação das  línguas.   O escalonamento dos textos analisados pela ordem dos séculos em que ocorreram 

tornou  o  trabalho  de  comparação  mais  fácil,  no  entanto,  provocou  o  deslocamento  do  interesse  das 

investigações  das  relações  de  parentesco  entre  as  línguas  para  o  estudo  das  leis  que  determinavam  a 

passagem de um dado estado da língua ao estado seguinte.  

A  gramática  comparada  tornava‐se,  pois,  o  estudo  da  evolução  continua  das  línguas,  o  que  dava 

origem à Lingüística Histórica. Esse movimento, que ocorreu entre os anos de 1876 e 1886, contou com a força 

da  Escola  do  Neo‐Gramáticos,  corrente  de  estudos  que  se  propõe  a  explicar  a  quase  totalidade  das 

transformações  lingüísticas  por  meio  da  fonética.  Entretanto,  a  História  permanece  no  centro  da  teoria 

lingüística  como  ciência‐piloto  do  século  XIX.  Em  função  disso,  a  concepção  da  língua  como  organismo 

biológico  sofre  intenso  fogo  de  barragem,  especialmente  pelo  primeiro  grande  tratado  de  Lingüística,  de 

Hermann Paul  (1880) que afirmar ser a  lingüística, assim como outros produtos da civilização humana, uma 

ciência histórica. 

 

 

 

LETRAS LIBRAS |  225 

 

O Curso de Lingüística Geral e a abordagem estruturalista da Linguagem

 

 

 

 

 

O final do século XIX foi o palco para as idéias revolucionárias de Ferdinand di Saussure que, mesmo 

concebendo a língua como instituição social, estabelece que a primeira providência de uma ciência autônoma 

da linguagem é estudar o funcionamento da língua e não sua evolução. Assim, Saussure desconstrói a primazia 

da lingüística histórica, pondo em seu lugar uma lingüística descritiva. 

A nova orientação oferecida por Saussure  indica a prevalência do sistema na abordagem descritiva 

da língua. Em vez de se preocupar com a evolução histórica das línguas, ele passa a priorizar a função que os 

elementos lingüísticos desempenham dentro de um sistema. 

 

O estudo do comportamento humano perde suas melhores oportunidades quando tenta 

traçar  as  causas  históricas  dos  acontecimentos  individuais.  Em  vez  disso,  ele  deve 

concentrar‐se em primeiro  lugar nas  funções que os eventos  têm numa estrutura social 

geral. Deve  tratar os  fatos sociais como parte de um sistema de convenções e valores.” 

(Saussure, 1916, p. 93). 

 

Saussure rompe com seus antecessores imediatos (os comparatistas), rompe com o evolucionismo e 

privilegia a  investigação  sincrônica para  ter acesso ao  sistema.  Ilustra o privilégio do aspecto  sincrônico da 

linguagem a metáfora do jogo de xadrez: 

 

“Numa partida de xadrez, qualquer posição dada  tem como característica singular estar 

libertada de seus antecedentes; é totalmente indiferente que se tenha chegado a ela por 

um  caminho ou outro; o que  acompanhou  toda  a partida não  tem  a menor  vantagem 

sobre o curioso que vem espiar o estado do  jogo no momento crítico; para descrever a 

posição, é perfeitamente  inútil recordar o que ocorreu dez segundos antes. Tudo  isso se 

aplica  igualmente à  língua e consagra a distinção  radical do diacrônico e do  sincrônico” 

(Saussure, 1916, p. 104). 

 

LETRAS LIBRAS| 226 

 

Esse novo paradigma metodológico possibilitou a realização de grandes progressos na descrição das 

línguas, permitiu à lingüística libertar‐se da tutela historicista, favorecendo a sua autonomia como ciência, mas 

tudo isso, segundo alguns de seus críticos, ao alto custo de uma a‐historicidade. 

 

Objeto e Método da Lingüística

 

Da mesma maneira que reserva à diacronia um secundário dentro dos estudos lingüísticos, Saussure 

defende a idéia de que a fala também constitui um objeto sem grande interesse para o lingüista. Nos termos 

saussurianos,  a  fala  é heterogênea, multifacetada  e  assistemática,  é  a  realização  concreta,  circunstancial  e 

variável da  língua. A  língua, por sua vez, é conceituada como sendo “a parte social da  linguagem, exterior ao 

indivíduo, que por si só não pode nem criá‐la nem modificá‐la”. 

Apesar de não afirmar explicitamente que a  língua é um  sistema abstrato, a noção de  sistema de 

Saussure expressa uma postura abstrata conceitual da língua. Saussure deixa claro que a ciência lingüística só 

tem acesso ao estágio de ciência na condição de delimitar muito bem o seu objeto de estudo: a  língua. Para 

tanto, a lingüística deve desembaraçar‐se dos resíduos da fala. 

 

“A língua não constitui, pois, uma função do falante: é o produto que o indivíduo registra 

passivamente [...] Ela é a parte social da  linguagem, exterior ao  indivíduo, que, por si só, 

não pode nem criá‐la nem modificá‐la; ela não existe senão em virtude duma espécie de 

contrato  estabelecido  entre  os membros  da  comunidade.  A  língua  é  uma  coisa  de  tal 

modo distinta que um homem privado do uso da  fala  conserva  a  língua,  contanto que 

compreenda  os  signos  que  ouve.  A  língua,  distinta  da  fala,  é  um  objeto  que  se  pode 

estudar  separadamente.  Não  falamos  mais  as  línguas  mortas,  mas  podemos 

perfeitamente  assimilar‐lhes  o  organismo  lingüística. A  língua,  não menos  a  fala,  é  um 

objeto  de  natureza  concreta,  o  que  oferece  grande  vantagem  para  o  seu  estudo”. 

(Saussure, 1916, p. 22‐23). 

 

A conseqüência desta posição de Saussure é a exclusão do sujeito falante por parte da lingüística. A 

descoberta  saussuriana  de  que  a  língua  tem  um  funcionamento  que  independe  do  falante,  independe  do 

indivíduo, constitui o ponto chave para a expulsão do sujeito das preocupações científicas com a  linguagem. 

Nesta perspectiva, por detrás da  língua não estariam  falantes, motivações, etc, estariam outras estruturas. 

Como já dissemos, Saussure conceitua a língua como sistema e como fato social. É, essencialmente, por ser um 

sistema auto‐suficiente, não por ser social, que a língua independeria do indivíduo. 

 

“Na  língua  só  existem  diferenças.  (...) Quer  se  considere  o  significado,  quer  o 

significante, a língua não comporta nem idéias nem sons preexistentes ao sistema 

lingüística, mas  somente diferenças  conceituais e diferenças  fônicas  resultantes 

deste sistema. O que haja de idéia ou de matéria fônica num signo importa menos 

que o que existe ao redor dele nos outros signos. A prova disso é que o valor de 

LETRAS LIBRAS |  227 

 

um termo pode modificar‐se sem que se lhe toque quer no sentido quer nos sons, 

unicamente  pelo  fato  de  um  termo  vizinho  ter  sofrido modificação”  (Saussure, 

1916: 139). 

 

O essencial da teoria saussuriana está, portanto, em mostrar que a  língua é um sistema de valores 

constituído não por  conteúdos ou produtos de uma  vivência, mas por diferenças puras. De  fato,  Saussure 

estabelece a idéia de que cada elemento da língua só adquire valor na medida em que se relaciona com o todo 

de que faz parte. Para ele, não se pode tratar o signo como entidade autônoma, mas deve‐se vê‐lo como parte 

de  um  sistema,  onde  as  distinções  é  que  são  importantes  e,  por  tal  razão,  ele  afirma  que  as  unidades 

lingüísticas têm uma identidade puramente relacional. 

Ainda de acordo com Saussure, enquanto todas as inovações da fala permanecerem individuais, não 

há porque levá‐las em conta, pois o objeto de estudo da lingüística é a língua; as inovações da fala só entram 

no campo de observação do lingüista no momento em que a coletividade as acolhe. 

 

“Tudo quanto seja diacrônico na  língua, não o é senão pela fala. É na fala que se acha o 

germe  de  todas  as modificações:  cada  uma  delas  é  lançada,  a  princípio,  por  um  certo 

número de indivíduos, antes de entrar em uso” (Saussure, 1916: 115). 

 

Ao separar a língua da fala, Saussure separou ao mesmo tempo o social do individual, o essencial do 

acessório. Conforme Dosse  (1991), a oposição  formulada por Saussure entre  língua e  fala, entre um código 

objetivo  e  a  utilização  desse  código  pelos  sujeitos,  resulta  no  anti‐humanismo  teórico,  e  essa  negação  do 

homem (como também da história) vai passar a ser um elemento essencial do paradigma estruturalista, “tudo 

se passa  como  se ninguém  falasse”. De  fato, o estruturalismo  caracteriza‐se  tanto por  abstrair  a  língua da 

prática social na qual ela se manifesta como por destituí‐la de seu caráter histórico, como se a língua estivesse 

desvinculada da sociedade e imune às contingências do tempo. E como a história SE fizesse, designando este 

SE algo absolutamente anônimo. 

Diante da predileção de Saussure pelo estudo da  língua, a  lingüística  limitou‐se ao estudo restritivo 

do código, separada de suas condições de aparecimento e de sua significação. Assim, Saussure escapa a toda e 

qualquer correlação entre duas de suas proposições: aquela segundo a qual a língua é um sistema de signos, e 

aquela segundo a qual a língua é um fato social, privilegiando o signo e não o sentido. Esta opção pelo signo se 

converterá numa das principais características do paradigma estruturalista e num de seus principais “furos” 

teóricos.  Ao  conceber  a  língua  como  estrutura,  como  código,  deixa‐se  de  lado  o  fato  de  uma  palavra  ou 

enunciado poder ter vários sentidos. De Saussure, portanto, decorre o postulado da monofonia. 

No entanto,  se a postura saussuriana é por definição  restritiva, ela se  inscreve num projeto muito 

amplo de construção de uma semiologia geral que integra todas as disciplinas que se interessam pela vida dos 

signos no seio da vida social: 

 

LETRAS LIBRAS| 228 

 

As categorias saussurianas serviram de instrumento epistemológico ao estruturalismo em geral. Uma 

vez estabelecidas as regras próprias da  lingüística, ela, por seu rigor e seu grau de formalização, arrastou em 

sua esteira  todas as outras disciplinas e  fazendo‐as assimilar  seu programa e  seus métodos, mesmo que os 

diversos trabalhos tomassem certas liberdades com a letra saussuriana a fim de adaptá‐la à especificidade de 

seus respectivos campos. Tornou‐se corrente aceitar que tudo funciona mais ou menos como uma linguagem 

(os sistemas de parentesco, o  inconsciente, a  troca de bens, etc). A  lingüística, na sua  fase pós‐saussuriana, 

serviu  de  ciência‐piloto  em  domínios  variados:  na  antropologia  (Lévi‐Strauss),  na  psicanálise  (Lacan),  na 

literatura (Barthes), dentre outros. 

 

 

 

Panorama dos estudos Pós-saussurianos

 

O Estruturalismo,  ao  longo do  tempo,  teve que enfrentar  vários  limites, especialmente dentro de 

suas próprias  fronteiras. Algumas das criticas ao programa estruturalista  incluem a desconsideração que  faz 

dos aspectos cruciais do fenômeno lingüístico, como o papel do sujeito e da fala, como elementos previstos no 

sistema da língua; a visão reducionista das relações entre Diacronia e Sincronia; o apagamento de fenômenos 

semântico‐textuais no estudo da língua. Criticas mais pesadas acusam o estruturalismo de ser anti‐historicista, 

anti‐idealista e anti‐humanista. 

Em meados  do  século  XX,  as  descrições  produzidas  pelo  estruturalismo  geraram  insatisfação  em 

alguns  lingüistas  formalistas.  Sabia‐se  como  eram  as muitas  línguas;  faltava‐se  saber  porque  eram  assim. 

Deveria haver um passo além da descrição: a explicação. Só desse modo se poderia falar em teoria lingüística. 

Iniciava, assim, um novo programa de investigação: a gramática gerativa. 

A  gramática  gerativa,  conhecida  inicialmente  como  gramática  gerativo‐transformacional, 

desenvolveu‐se a partir dos trabalhos do lingüista norte‐americano Noam Chomsky e também se insere dentro 

de umas perspectiva formalista da língua. Uma gramática gerativa não se propõe a ser uma descrição de dados 

de uma determinada língua, mas uma “teoria que se volta para a forma e o significado das expressões nessa 

língua”. 

A Gramática Universal, na versão gerativa, é uma hipótese para explicar o conhecimento  lingüístico 

que  propõe  a  existência  de  uma  base  genética  para  a  faculdade  da  linguagem.  A  base  genética  está 

representada nos princípios obrigatórios para todas as línguas e nos princípios abertos (ou parâmetros), que a 

eles se somam. O contato com os dados encontrados no ambiente desencadeia na mente/cérebro da criança 

um  processo  que  resultará  numa  gramática  particular,  ao  serem  estabelecidos  os  valores  para  cada 

LETRAS LIBRAS |  229 

 

parâmetro. Os parâmetros  representam o mecanismo que  leva  à  seleção da  gramática da  língua materna, 

dentre muitas gramáticas possíveis com base numa faculdade universal que todo o indivíduo teria ao nascer. 

Em outras palavras, a criança desenvolve uma  língua como o resultado de um severo processo de restrições 

das muitas possibilidades que lhe estariam disponíveis ao nascer. 

O enfoque gerativista assume que uma  língua não é aprendida. A  linguagem não se constitui num 

hábito que alguém ou a sociedade ensina a um ser que não possui qualquer habilidade especial para isso e que 

aprende uma  língua por um misterioso mecanismo de  imitação. Ao contrário: o organismo humano  já nasce 

preparado  para,  a  partir  da  exposição  a  uma  língua,  selecionar  as  características  nela  presentes,  e  daí 

desenvolvê‐la. Por essa  razão, qualquer criança domina  sua  língua nativa  tão  rapidamente – mesmo aquela 

que, portadora de deficiências mentais, nunca alcançarão grandes progressos escolares. Esta visão tem levado 

a  compreender  as  línguas  naturais  como  epifenômenos,  isto  é,  como  resultado  acidental  da  interação  de 

vários princípios independentes. 

Tal  concepção  de  linguagem  coincide  apenas  em  parte  com  aquela  que  podemos  encontrar  em 

textos mais  antigos  de  lingüística.  Como  termo  técnico  da  lingüística,  o  termo  linguagem  esteve  sempre 

restrito  apenas  à  faculdade  humana.  No  entanto,  lingüistas  estruturalistas,  como  o  brasileiro  J. Mattoso 

Câmara Jr., embora definissem a  lingüística como a ciência da  linguagem, não se  interessavam propriamente 

pela  linguagem, mas pelas  línguas, uma vez que estas concretizavam os diferentes sistemas de comunicação 

humana. Para a lingüística estrutural não interessa, a rigor, a linguagem em si mesma, considerada como uma 

faculdade  abstrata  do  homem. O  seu  objeto  é  o  estudo  dos  sistemas  de  linguagem,  ou  línguas,  as  quais 

podemos assim definir: conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social, a fim de permitir o 

exercício da linguagem por parte do indivíduo. 

A  lingüística estrutural partiu da hipótese de que as  línguas podem diferir entre si sem  limites e de 

modos  imprevisíveis,  uma  vez  que  aprender  uma  língua  era  formar  hábitos  por meio  de mecanismos  de 

imitação. O interesse e a relevância em se pesquisar uma gramática universal inexistem nesse período. 

Para  o  gerativismo,  a  competência  gramatical  ou  conhecimento  da  gramática  ou  sistema 

computacional ou língua‐I é exclusivamente humano. É ele que permite ao indivíduo criar e compreender um 

número  infinito de frases de sua  língua. Um  indivíduo que sabe a sua  língua é aquele que alcançou o estágio 

relativamente  estável  da  faculdade  da  linguagem.  Esse  estágio  estável  é  também  chamado  conhecimento 

lingüístico. No  gerativismo,  ao  se  focalizar  uma  língua  como  conhecimento  lingüístico,  passa‐se  também  a 

concebê‐la como um fenômeno  individual e não social. Para o estruturalismo, a  língua provém de um corpo 

social. 

A competência gramatical é apenas um dos módulos do conhecimento  lingüístico, aquele que  lida 

com  as  estruturas  gramaticais  que  podem  existir  numa  língua.  Ficam  de  fora  dessa  perspectiva,  aspectos 

relevantes para a pesquisa sobre o funcionamento de uma língua, como, por exemplo, o conhecimento que os 

 

LETRAS LIBRAS| 230 

 

membros de uma comunidade têm das regras que tornam o uso lingüístico adequado às diferentes situações 

sociais. Numa proposta funcionalista são os aspectos comunicativos e sociais que recebem a ênfase da análise. 

Na gramática gerativa, para explicar o porquê de a gramática daquela língua se apresentar de tal ou 

qual modo, o lingüista deve esclarecer de que maneira ela concretiza possibilidades previstas pela GU, de que 

modo  os  princípios  da  GU  interagem  com  os  dados,  fixando  determinados  valores  para  parâmetros  que, 

inicialmente,  estariam  em  aberto  para  a  criança.  Se  todos  os  seres  humanos  têm  cérebros  relativamente 

semelhantes e se todos podem ter como  língua materna, em princípio, qualquer das  línguas humanas, deve 

haver algo de comum a todas as línguas, apesar das diferenças óbvias entre elas. Ao conseguir fazer tal relação 

diz‐se de seu trabalho que alcançou a adequação explicativa. Essa é a razão de se afirmar que o objetivo da 

gramática gerativa é o de construir uma teoria sobre a faculdade da  linguagem e não “apenas” descrever as 

línguas do mundo. 

 

 

 

 

Referências

 

BAGNO, Marcos; STUBBS, M. & GAGNÉ, G. Língua Materna. Letramento, Variação & Ensino. São Paulo: Parábola, 2002. 

FIORIN, José Luiz (org.) Introdução à Lingüística. Vol. 1 Objetos Teóricos. São Paulo: Contexto, 2002. 

PAVEAU, Marie‐Anne & SARFATI, Georges‐Élia. As grandes teorias da lingüística. Da gramática comparada à pragmática. 

São Carlos: Claraluz, 2006 

PFEIFFER, Cláudia Castellanos & NUNES, José Horta (orgs.)  Introdução às Ciências da Linguagem. Linguagem, História e 

Conhecimento. Campinas: Pontes Editores, 2006. 

WEEDWOOD, Bárbara. História Concisa da Lingüística. Trad. Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editorial, 2002. 

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INTRODUÇÃO À EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

 

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INTRODUÇÃO À EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

 

MARTA MARIA GOMES VAN DER LINDEN  

 

Descrição do curso

 

Este curso  tem por objetivo apoiar os estudantes de cursos virtuais na  teoria e prática do ensino e 

aprendizagem on‐line. Terá  como  foco os  fundamentos  teóricos e metodológicos que orientam  a educação 

virtual.  Será  utilizado  um  ambiente  virtual  de  aprendizagem  (Moodle),  ao  mesmo  tempo  em  que  os 

participantes serão levados a refletir sobre as possibilidades e limites oferecidos pelas tecnologias aplicadas à 

educação. Os participantes terão oportunidade de vivenciar um modelo de comunidade virtual orientada para 

a aprendizagem colaborativa e refletir sobre experiências  internacionais e nacionais de Educação a Distância 

(EAD).  No  decorrer  do  curso,  vivenciarão  algumas  práticas  de  avaliação  formativa  em  educação  on‐line  e 

participarão de atividades colaborativas de estudos e pesquisas voltadas para educação à distância.  

 

Objetivos

 

Ao final do curso cada participante deverá estar habilitado para: 

 

Compreender o conceito de EAD como modalidade de ensino, suas especificidades, definições e evolução ao longo do tempo;

Participar de uma comunidade virtual de aprendizagem;

Conhecer as regras de convivência para participação em comunidades virtuais e as ferramentas de comunicação: emoticons, netiqueta, clareza, citações e diretrizes de feedback;

Utilizar as ferramentas de comunicação síncronas e assíncronas no Ambiente Virtual Moodle;

Participar de atividades de ambientação no Moodle e experimentar seus recursos e ferramentas como forma de viabilizar sua participação como aluno virtual em disciplinas posteriores do seu Curso Virtual.

Metodologia

O curso deverá desenvolver‐se numa perspectiva metodológica centrada no aluno. A sua  interação 

com os demais alunos e com os tutores e docentes se dará através de uma comunidade de aprendizagem em 

 

LETRAS LIBRAS| 234 

 

rede apoiada na  Internet. Também através da  Internet os alunos poderão acessar o conteúdo da disciplina e 

realizar as atividades acadêmicas. 

A  disciplina  focará  especialmente  o  desenvolvimento  de  habilidades  e  competências  para  a 

aprendizagem colaborativa e o exercício da autonomia. 

Será adotada a abordagem construtivista, buscando resgatar os conhecimentos prévios dos alunos e 

o trabalho com temas que façam parte da realidade dos mesmos e que sejam significativos do ponto de vista 

de seus interesses de aprendizagem.  

 

Projeto da disciplina

 

A  disciplina  está  estruturada  em  seis  Unidades  Temáticas  Integradas.  Cada  uma  contém  itens  e 

subitens que remetem às outras unidades. Os temas abordados podem ser acompanhados de apresentações 

expositivas,  animações,  mapas  conceituais,  vídeos  ou  ilustrações,  indicações  de  textos  de  apoio  e 

problematizações  de  questões  do  texto.  Para  cada  unidade  pode  ser  aberta  uma  discussão  no  fórum  e 

proposta uma atividade de avaliação. 

 

Critérios de avaliação

 

Esta  disciplina  é  composta  de  seis  unidades  temáticas.  Os  conteúdos  dessas  unidades  serão 

apresentados no Moodle ao longo do semestre letivo. 

A cada semana novos materiais e atividades serão disponibilizados na nossa sala de aula virtual. Os 

participantes devem acompanhar cada semana, estudando os materiais e executando as atividades propostas. 

Além disso, procurem acompanhar e participar das discussões nos Fóruns. 

Neste  fascículo,  serão  apresentados  do  material  para  estudo,  com  o  conteúdo  das  Unidades  e 

referências bibliográficas para  complementar  seus estudos em EAD. O  fascículo não esgota os  conteúdos a 

serem  estudados,  apenas os  apresenta para discussão.  Portanto,  a  avaliação dos  temas não  se  resume  ao 

exposto neste fascículo. 

O  sistema de avaliação da disciplina  Introdução à Educação a Distância  seguirá os  critérios abaixo 

relacionados: 

 

1. A avaliação totaliza 300 pontos, sendo 200 pontos pela participação nas diversas atividades do Moodle e 100 pontos pela prova presencial no Pólo.

2. A parte da avaliação relativa à participação no Moodle (200 pontos) será referente não apenas à quantidade, mas especialmente à qualidade dessa participação nos diversos fóruns da disciplina, e na realização das atividades propostas no ambiente: lição, wikis, fóruns, glossários, questionários, tarefas on line e off line, chat. etc)

LETRAS LIBRAS |  235 

 

Será atribuída uma pontuação a cada atividade proposta no ambiente, de acordo com a dificuldade da

atividade. A pontuação de cada uma deverá ser informada previamente ao aluno, através do Moodle.

Você terá uma aula presencial para conhecer as ferramentas do Moodle e se familiarizar com o ambiente

virtual de aprendizagem ( Moodle). As Atividades relativas a esta fase de ambientação valem 10 pontos.

O conteúdo e o horário de realização da prova presencial serão previamente divulgados pela coordenação

do curso e deverão ser anunciados no Moodle e no mural de seu Pólo. O aluno que não comparecer a

prova presencial semestral terá direito a uma prova de reposição com o mesmo conteúdo e horário

previamente determinado pela coordenação do curso.

3. Haverá um exame final presencial para o aluno que não atingir a média de 70 pontos no semestre. Para

participar do exame final o aluno deverá ter atingido pelo menos a média de 40 pontos nas avaliações

parciais.

Requisitos mínimos de participação

Observe os seguintes requisitos que são exigidos no decorrer da disciplina: 

Verifique seu e‐mail diariamente; 

Visite  a  sala  de  aula  virtual  pelo menos  três  vezes  por  semana  no  endereço www.ead.ufpb.br 

(tenha sempre em mente seu login e senha para acessá‐lo.); 

Participe das discussões e das atividades colaborativas síncronas e assíncronas; 

Verifique semanalmente o material de estudo  indicado no Moodle. Faça download do material e 

leia os textos indicados. Se tiver dificuldade de ler na tela, imprima o material de estudo; 

Visite a biblioteca de seu Pólo para consultar a bibliografia básica do curso; 

Faça as atividades indicadas a cada semana e envie através do Moodle para serem avaliadas. 

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS| 236 

 

 

PALLOFF, Rena M. e PRATT, Keith. O aluno virtual: um guia para trabalhar com estudantes 

on‐line. Tradução: Vinícius Figueira. Porto Alegre: Artmed, 2004.  

“A cada minuto, no mundo, caem novas barreiras de tempo e espaço, vencidas pela profusão de tecnologias e pelo incessante e veloz aperfeiçoamento das mídias já utilizadas. Nesse contexto, a Educação a Distância, mais correntemente conhecida como EAD, evolui com a mesma intensidade e velocidade. Mas cabe a pergunta: e o aluno? Ou seja, como o novo aluno, o aluno virtual, se comporta ante esse universo, e o que os agentes envolvidos no processo educacional podem fazer

para facilitar-lhe o aprendizado. Esse é o tema do livro. Divide-se basicamente a obra em duas partes. Na primeira, traça-se um perfil do estudante virtual, indispensável ao êxito de qualquer experiência educacional do gênero. Na segunda parte, os autores apresentam um guia para se trabalhar com alunos a distância, notadamente por meio do computador. Leitura interessante para os que se interessam pelo assunto ou que atuam nessa modalidade de educação”. Esta resenha foi transcrita integralmente do Instituto Legislativo Brasileiro e está disponível no site do Senado Federal http://www.senado.gov.br

 

PALLOFF,  R  &  PRATT,  K.  Construindo  Comunidades  de  Aprendizagem  no  Ciberespaço: 

estratégias eficientes para a sala de aula on‐line. Tradução: Vinícius Figueira. Porto Alegre: 

Artmed, 2002, 247 p. 

 

“Este guia prático contém estudos de caso e exemplos retirados de uma ampla variedade de cursos on-line bem-sucedidos. Os autores apresentam estratégias para lidar com os seguintes desafios: envolvimento do aluno com o assunto estudado; registro da presença e da participação;

trabalho com alunos que não participam da aula; compreensão dos sinais que indicam que o aluno passa por um problema e construção de comunidades on-line que incluam a interação pessoal”. Resenha transcrita integralmente do editor. Disponível em www.submarino.com.br  

LITWIN, Edith.(org.) Educação a Distância: temas para o debate de uma nova agenda 

educativa. Porto Alegre: Artmed. 2001.110 p. 

A educação a distância aparece no novo século como modalidade que revisa seus princípios fundamentais e reconstrói seu sentido e abrangência para o ensino e a aprendizagem. A argentina Edith Litwin, professora da Universidade de Buenos Aires, compila nessa obra artigos de interesse para quem busca conhecer mais e melhor os diversos elementos que envolvem a educação a

distância (EAD). Didaticamente, um grupo de importantes autores reunidos por Litwin examina aspectos centrais da educação a distância. Trata dos seguintes temas que representam os maiores desafios dessa modalidade educacional: a qualidade do ensino; a colaboração interinstitucional; a produção de materiais específicos para EAD; e por último, mas talvez o mais importante, o papel do tutor. Quanto a esse último tema, vale ressaltar que o tutor, no campo da educação a distância, necessita atuar como coringa, exercendo as funções de mestre, incentivador, revisor e administrador, dentre outras, requeridas por uma modalidade de ensino em que, na outra ponta, encontra-se um aluno freqüentemente solitário no ambicioso processo de conhecer. Uma resenha do livro está disponível em http://www.revistaconecta.com/dicas/reais.htm

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PRETI, Oreste (Org.) Educação a Distância: construindo significados. Brasília: Ed.Plano. 

2000. 268 p. 

Oreste Preti é professor do Núcleo de Educação a Distância da Universidade Federal do Mato Grosso - NEAD. Participou da primeira experiência de um curso de graduação oferecido por uma universidade brasileira na modalidade EAD em 1995. A obra Educação a Distância: construindo significados (2000) é fruto dessa experiência e busca fazer um contraponto crítico das tendências dominantes, agregando uma coletânea de trabalhos selecionados pelo autor. É composta por 12 artigos que trazem ao debate temas relacionados a educação a distância num mundo globalizado, particularizando as questões inerentes ao cenário do terceiro mundo. Põe ênfase no papel da EAD nos países em desenvolvimento, no sentido de enfrentar os desafios político-social, econômico, pedagógico e tecnológico que a sociedade, especialmente nos países do terceiro mundo. São abordados ainda, a questão da regulamentação da modalidade, o uso das tecnologias, os problemas relacionados a orientação acadêmica entre outros.

PETERS, Otto. Didática do Ensino a Distância: experiência e estágio da discussão numa 

visão internacional. Tradução: Ilson Kayser. S.Leopoldo: Editora UNISINOS. 2001. 401 p. 

Este livro é indispensável para aqueles que atuam ou pretendem atuar no campo da Educação a Distância. Nos primeiros capítulos o autor esboça uma teoria da Educação a Distância,

fortemente apoiada nas contribuições do especialista norte-americano Michael G. Moore e sua "Teoria da Distância Transacional". Faz um levantamento de dados e a partir da caracterização da relação dinâmica entre Diálogo, Estrutura e Autonomia que define o grau de distância ou proximidade transacional no processo de ensino-aprendizagem em geral, presencial ou à distância. No quarto capítulo, o autor se propõe a tratar da aplicação da teoria da distância transacional na prática. Discute a aprendizagem dialógica, a aprendizagem estruturada e o estudo autônomo. No quinto capítulo, aborda as concepções modificadoras. Trata do ensino aberto, da educação permanente, do ensino industrializado e da educação na pós modernidade. No capítulo seis, denominado Informação e Comunicação Digital, explora o ensino na Universidade Virtual. Apresenta concepções otimistas, realistas e análises didáticas e traz ao debate as contribuições da Fernuniversitat. Os modelos de ensino e aprendizagem a distância são apresentados no capítulo sete. O livro finaliza com o oitavo capítulo em que o autor apresenta Análises e Perspectivas da Educação a Distância. Uma resenha sobre o livro produzida por Wilson Azevedo está disponível do site da ABED. http://www.abed.org.br

 

LETRAS LIBRAS| 238 

 

UNIDADES TEMÁTICAS INTEGRADAS

O conteúdo da disciplina está estruturado em seis unidades temáticas integradas:  

Unidade 1  Uma Introdução aos Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação a Distância 

1. Da Educação a Distância à Educação Virtual; 2. A Sala de Aula Virtual Moodle; 3. UFPBVIRTUAL no contexto da Universidade Aberta do Brasil – UAB; 4. O Professor, o Aluno e a Comunidade Virtual de Aprendizagem. 

 

Unidade 2 Apresentação e Ambientação da Sala Aula Virtual Moodle  

1. O Ambiente Virtual de Aprendizagem Moodle; 2. Filosofia do Moodle; 3. Ferramentas do Moodle:  

Materais de Estudo ou Recursos: Texto Simples; Link a um Arquivo ou Site; Livro. 

Atividades: Chat; Fórum; Tarefa; Pesquisa de Avaliação; Questionário; Diário; Glossário; Wiki; Lição; Base de Dados. 

 

Unidade 3  O Aluno Virtual 

1.Quem é o Aluno Virtual? 2. Comportamento Autônomo; 3.Regras  de  convivência  e  Ferramentas  de  comunicação  para  participação  em  comunidades  de aprendizagem: ética; netiqueta; emoticons; clareza; citações; diretrizes para feedback. 

 

Unidade 4  Comunidades Virtuais de Aprendizagem 

1. Ambientes Virtuais de Aprendizagem ‐ AVA; 2. Comunidades Virtuais de Aprendizagem; 3. O Papel do Aluno na Comunidade Virtual; 4. Interação e Interatividade; 5. O Silêncio Virtual.  

Unidade 5  Avaliação em Ambientes Virtuais de Aprendizagem apoiados pela Internet 

1. As Dimensões da Avaliação; 2. Fundamentos da Avaliação Educacional; 3. Avaliação em Ambientes Virtuais Interativos: 4. Objetos de Avaliação na Educação On‐line 5. Recursos e Ferramentas da Avaliação em Educação On‐line; 6. Instrumentos e Procedimentos de Avaliação dos Alunos e da Disciplina. 

 

Unidade 6    Histórico da Educação a Distância 

1.   CONTEXTO Histórico; 2. Surgimento e Evolução da EAD; 3. Gerações de EAD; 4. A inserção da EAD no Brasil; 5. Regulamentação da EAD no Brasil.   

Concepção legal da EAD no Brasil;                                       

Determinações legais sobre avaliação do aluno na EAD;         

Números recentes da EAD no Brasil.                                                   

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS |  239 

 

MAPA CONCEITUAL DA DISCIPLINA INTRODUÇÃO A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

 

 

 

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LETRAS LIBRAS |  241 

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS| 242 

 

UNIDADE I  

UMA INTRODUÇÃO AOS FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA  

Situando a temática

Nesta  unidade  trataremos  de  questões  relacionadas  aos  fundamentos  básicos  do  ensino  ‐ 

aprendizagem  na  Educação  a  Distância  e  das  metodologias  que  dão  sustentação  a  essa  modalidade  de 

educação. Na perspectiva de  entendermos nossa  inserção nesse processo,  apresentaremos  a UFPBVIRTUAL 

como integrante do Sistema Universidade Aberta do Brasil ‐ UAB. 

 

 

 

 

 

Discutiremos o modelo de educação adotado pela UFPBVIRTUAL e as expectativas que  temos com 

relação  à  implantação  dos  cursos.  Faremos  uma  breve  apresentação  de  nosso  ambiente  virtual  de 

aprendizagem e dos recursos didáticos que apoiarão o desenvolvimento dos cursos. A Figura 1, a seguir, ilustra 

o funcionamento da aprendizagem em rede que configura a base do desenvolvimento da Educação a Distância 

na UFPBVIRTUAL 

Como elemento aglutinador e  facilitador das  relações  indicadas na  Figura 1, o professor  titular da 

disciplina  que  organiza  os  conteúdos  e  orienta  o  processo  educacional,  os  tutores  presenciais  atuando 

diretamente  nos  Pólos,  numa  relação  de  1  tutor  para  cada  25  alunos,    os  tutores  a  distância,  atuando 

diretamente junto aos professores da UFPB, numa relação de 1 tutor para cada 100 alunos e os coordenadores 

de Pólo que organizam o processo e a infra estrutura de apoio em cada município Pólo. 

Acesse o site http://www.uab.capes.gov.br

Acesse o site e a biblioteca virtual da UFPB

www.virtual.ufpb.br

LETRAS LIBRAS |  243 

 

     Figura 1. A rede de aprendizagem na Educação Virtual. Fonte: Palloff & Pratt (2004).

 

Problematizando a temática

 

Uma profusão de projetos de EAD baseados em tecnologias da  Internet tem marcado o cenário da 

educação brasileira desde os anos 90. As  iniciativas  têm  surgido  como  resposta  imediata à necessidade de 

treinamento  empresarial  e‐learning  e  no  mundo  acadêmico  principalmente  nas  instituições  públicas 

brasileiras, em projetos de formação de professores no atendimento aos determinantes do art. 80 da Lei de 

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que trata da inserção da EAD no sistema educacional. (Van der 

Linden ,2005). 

O  e‐Learning  é  caracterizado  por  processos  educacionais  baseados  no  uso  da    Internet    e  da 

colaboração  virtual.  Inclui  entrega  de  conteúdos  através  da  Internet,  extranet,  intranet,  áudio,  vídeo, 

transmissão via satélite, televisão interativa e CD‐ROM. 

Com  relação  à  formação  de  professores,  essa  expansão  teve  impulso  em  1996,  quando  a  LDB 

determinou que em 10 anos  todos os professores do País deveriam possuir nível  superior. A  falta de vagas 

para  formação  de  professores  nas  Instituições  Públicas  e  a  dispersão  geográfica  dos  professores  “leigos”, 

atuantes  nos mais  longínquos  recantos  do  país,  foram  fatores  que  impulsionaram  essa  expansão.  Embora 

tenhamos avançado nesse período, sabemos que ainda temos um longo caminho a percorrer.  

 

É possível perceber que desde a segunda metade dos anos 90 os ambientes de  trabalho, estudo e 

lazer  vêm  sendo  significativamente  impactados  pela  incorporação  das  tecnologias,  da  informação  e  da 

 

LETRAS LIBRAS| 244 

 

comunicação. Esses  impactos  têm  sido percebidos particularmente no mundo do  trabalho nas  relações que 

permeiam  a  educação  e  a  construção  de  conhecimentos.  Em  volta  do mundo,  países  têm  investido  em 

universidades  abertas  e  a  distância  e  atraído  um  número  cada  vez maior  de  estudantes.  No  foco  dessa 

evolução  tecnológica, estão os  resultados dos avanços da microeletrônica, na  forma dos  computadores, de 

tecnologias digitais, de  redes de  fibra ótica e das bandas de  conexão,  com  impactos decisivos no modo de 

ensinar e aprender. 

Esse contexto, marcado pelo crescente aumento da capacidade de tráfego de elementos multimídia 

nas redes de computadores, pela popularização da Internet, e aumento de pesquisas e criação de Ambientes 

Virtuais de Aprendizagem (AVA) estão criando condições técnicas e tornando atraente o mundo da Educação a 

Distância. Ao mesmo tempo estão provocando novos desafios em relação aos modelos tradicionais de ensino‐

aprendizagem, às metodologias de ensino, à postura dos docentes e discentes e especialmente à  forma de 

ensinar e  aprender.  É nesse  cenário que  a educação  a distância  tem  sido  chamada para dar  respostas  aos 

desafios postos pela sociedade do conhecimento. 

Em texto escrito por Preti (2001) sobre “Educação a Distância e Globalização: desafios e tendências”, 

o autor apresenta um panorama da EAD no Brasil e no mundo e questiona: qual o sentido dessa expansão? A 

EAD tem as potencialidades que estão sendo esperadas?  Como dar conta do divórcio entre o 

desenvolvimento dos conhecimentos e as limitadas oportunidades de acesso aos recursos tecnológicos, 

notadamente a Internet? Como assegurar a expansão da educação e sua democratização, garantindo a 

qualidade do processo educacional? Essas são questões que nortearão nossas discussões, com base na 

realidade social em que a educação e a tecnologia são os motores dos processos de aprendizagem e 

desenvolvimento na sociedade da Informação. 

 

 

 

Figura 2. Educação e Tecnologia em uma nova realidade social. Fonte: Filatro ( 2004).

 

LETRAS LIBRAS |  245 

 

Educação a

Distância On-line

Aprendizagem

Colaborativa

Treinamento On-line

Baseado em Computador

CONHECENDO A TEMÁTICA

Da Educação a Distância à Educação Virtual

Segundo Moran(2002), a Educação a Distância “é o processo de ensino‐aprendizagem, mediado por 

tecnologias, onde professores e alunos estão separados espacial e/ou temporalmente”. 

Na literatura é comum encontrarmos os termos presencial, semi‐presencial, a distância, virtual e on‐

line,  para designar a natureza do curso:  

A educação presencial pressupõe o contato  face a  face entre professores e alunos e tradicionalmente 

aplica‐se a qualquer nível educacional, onde professores e alunos se encontram sempre num local físico, 

chamado sala de aula; 

Aprendizagem híbrida ou “Blended  learning”, modalidade onde os cursos combinam diversos  tipos de 

meios  de  aprendizagem,  tanto  através  de  tecnologias  (e‐Learning),  como  através  de  métodos 

tradicionais como o ensino presencial. Na  educação semi‐presencial as atividades acontecem em parte 

na sala de aula e em parte a distância; 

O ensino a distância “é um sistema tecnológico de comunicação bidirecional (multidirecional), que pode 

ser massivo,  baseado  em  uma  ação  sistemática  e  conjunta  de  recursos  didáticos  e  o  apoio  de  uma 

organização e tutoria, que, separados fisicamente dos estudantes, propiciam a esses uma aprendizagem 

independente.”(Aretio,2001).  A  educação  a  distância  pode  ter  ou  não  momentos  presenciais,  mas 

acontece fundamentalmente com professores e alunos separados fisicamente no espaço e no tempo. 

 

Ao  tratar  das Modalidades  de  Educação  Apoiadas  em  Redes  de  Comunicação,    Harasim  (2003) 

apresenta os traços definidores de cada modalidade educativa, destacando as diferenças e semelhanças entre 

Aprendizagem  Colaborativa  On‐line,  Educação  a  Distância  On‐line  e  Treinamento  On‐line  baseado  em 

computador. Um exemplo ilustrativo é apresentado na Figura 3 a seguir.  

 

  

 

 

 

 

 

Figura 3: Três tipos de educação on-line Fonte : Van der Linden ( 2005)

 

LETRAS LIBRAS| 246 

 

Em comum às três modalidades acima expostas, há o uso do computador e a independência de lugar 

e  tempo para  sua  realização. No entanto,  as diferenças  substanciais podem  ser percebidas  com  relação  às 

formas de interação, à condução dos estudos e de apoio aos alunos, conforme indicado na Figura 4. 

 

 

Fonte: Van der Linden(2005) adaptado de Harasim(2003).  

A  Educação  a  Distância  On‐line  é  marcada  pela  idéia  de  educação  em  massa  com  interação 

unidirecional (um para muitos), é assíncrona, baseada em textos e mediada pelo computador. A comunicação 

se faz entre o estudante e a Instituição. 

O Treinamento On‐line baseado em computador é marcado pela ação  individual entre o sujeito e o 

material de apoio  (um para um),  com uso da multimídia  (softwares, CDs, vídeos) e avaliação  informatizada 

com banco de respostas para conferência. 

Na  Aprendizagem  Colaborativa  On‐line  a  construção  do  conhecimento  desloca‐se  da  unidade  de 

análise do  indivíduo para a  relação do  indivíduo com o ambiente e a  interação com os outros  (muitos para 

muitos,  aprendizagem  em  grupo). O  diálogo  assíncrono  e  a  colaboração  são  característicos  desse  tipo  de 

aprendizagem que é concebida como processo social. (Van der Linden,2005) 

 

 

O  conjunto  de  ferramentas  da  Internet  possibilitou  a  comunicação  entre  os  interessados  de 

diferentes formas. Segundo Aretio (2001), talvez a principal distinção esteja na dimensão temporal. Quando há 

coincidência  temporal  no  ato  comunicativo,  com  conexão  simultânea,  temos  uma  comunicação  síncrona. 

Quando a comunicação acontece  sem que haja coincidência  temporal, em que emitente e destinatário não 

LETRAS LIBRAS |  247 

 

estão  simultaneamente  se  comunicando em  tempo  real,  temos  a  comunicação assíncrona. As  ferramentas 

disponíveis  para  uso  das  comunidades  virtuais  possibilitam  interações  bidirecionais  ou  multidirecionais, 

independente de serem síncronas ou assíncronas. 

 

 

 

Educação  On‐line  é  uma  modalidade  de  ensino‐aprendizagem  que  inclui  uma  ampla  gama  de 

aplicações e processos, tais como aprendizagem baseada na Internet, aulas virtuais e colaboração digital. Inclui 

a entrega de conteúdos como áudio, vídeo, textos e animações através da Internet, possibilitando o trabalho 

em equipes colaborativas. (Moran,2001) 

 

 

 

 

 

A Sala de Aula Virtual Moodle

Na educação virtual a ferramenta que dá apoio às atividades dos alunos e também às dos professores 

é o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA). No caso da UFPBVIRTUAL, o nosso ambiente é o Moodle e ele 

constitui a nossa sala de aula virtual. 

 

 

LETRAS LIBRAS| 248 

 

 

Figura 5. Sala de Aula da Disciplina Introdução à EAD-UFPBVIRTUAL no Ambiente Moodle. 

O Moodle  é  um  recurso moderno  especialmente  por  englobar  ferramentas  como  fóruns,  chats, 

biblioteca  virtual, material didático‐pedagógico  e  tutorial. Cada uma  dessas  ferramentas  tem uma utilidade 

específica  e  contribui  decisivamente  para  interação  dos  participantes  e  acesso  aos materiais  instrucionais 

elaborados pelos professores. São ferramentas que minimizam a sensação de isolamento que poderia ocorrer 

na educação a distância. 

No Moodle, através de uma senha previamente cadastrada, o estudante tem acesso ao conteúdo do 

curso  e  ao material  didático,  participa  de  fóruns  de  discussão  temáticos,  resolve  questionários  e  listas  de 

exercícios no computador além de uma série de atividades acadêmicas a escolha do tutor.  

Na  Unidade  2  estão  apresentadas  as  ferramentas  do  Moodle  e  algumas  regrinhas  básicas  para 

explorar as suas potencialidades a fim de aumentar a eficácia do curso. 

 

LETRAS LIBRAS |  249 

 

UFPBVIRTUAL no Contexto da Universidade Aberta do Brasil – UAB

A Universidade Aberta do Brasil ‐ UAB é um projeto de vanguarda no cenário educativo do nacional. 

UAB  é  o  nome  dado  ao  projeto  criado  pelo Ministério  da  Educação  (MEC),  em  2005,  para  a  articulação  e 

integração  experimental  de  um  sistema  nacional  de  educação  superior.  Esse  sistema  é  formado  por 

instituições públicas de ensino superior voltadas para a ampliação e interiorização da oferta do ensino superior 

gratuito. 

Foi na segunda metade da década de 1990 com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases (1996), que 

a modalidade de EAD ganhou destaque no ensino superior, quando teve estabelecida a equivalência plena de 

diplomas obtidos nos cursos presenciais e na modalidade à distância. 

Neste contexto, a Universidade Federal da Paraíba vem contribuindo de  forma significativa, com a 

democratização do ensino superior, desde o lançamento do projeto UAB (em 2007) com a oferta de curso de 

licenciatura.  

A  UFPBVIRTUAL  iniciou  suas  atividades  em  2007  oferecendo  os  cursos  de  Licenciatura  Plena  em 

Matemática, em Letras com habilitação em Língua Portuguesa e em Pedagogia com habilitação em Educação 

Infantil, acrescentando em 2008 os cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas, em Ciências Agrárias e em 

Ciências  Naturais.  Tais  cursos,  na modalidade  a  distância,  ao  serem  oferecidos  pela  UFPB,  incorporam  as 

práticas  dessa  universidade  proporcionando  uma  formação  específica  para  os  que  atuam  na  educação, 

principalmente nestas áreas do conhecimento, visando o resgate da cidadania, a  identidade profissional e o 

atendimento aos objetivos da educação nacional. 

No  ano  de  2007  foram  oferecidas  1.668  vagas  no  vestibular  para  3  cursos  e  21  Pólos  de  Apoio 

presencial. Em 2008, foram 2047 vagas para 6 cursos e 24 Pólos.  

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS| 250 

 

O Professor, o Aluno e a Comunidade Virtual de Aprendizagem

Com  a  popularização  da  Internet  e  suas  ferramentas,  instala‐se  a  lógica  da  comunicação  em 

substituição  à  lógica  da  transmissão,  em  que  o  receptor  é  convidado  à  livre  criação  e  a mensagem  ganha 

sentido sob sua intervenção. Nesse contexto, a interatividade possibilitada pelas tecnologias de rede amplia as 

condições de  interação e aprendizagem  colaborativa on‐line ao  configurar  cenários educacionais próprios à 

cooperação  e  colaboração,  em  apoio  à  construção  de  conhecimentos.  Nesse  cenário  instalam‐se  as 

Comunidades Virtuais de Aprendizagem. 

Discutir os papéis dos professores, tutores e alunos nas comunidades virtuais representa o desafio a 

ser perseguido nesse item. 

 

“Quando o ensinar e o aprender deixam a sala de aula, cabe ao professor criar uma espécie de 

embalagem na qual o  curso  transcorre  com o envio de metas, de objetivos e de  resultados 

esperados,  com  diretrizes  iniciais  de  participação,  com  pensamentos  e  questões  que 

estimulem a discussão e com  tarefas que sejam completadas colaborativamente”.( Palloff e 

Pratt, 2002) 

 

O que  é uma  comunidade de  aprendizagem? Quais os papéis dos participantes nas  comunidades 

virtuais? O que leva aos bons resultados? 

Existe  uma  diferença  entre  comunidade  de  aprendizagem  on‐line  e  uma  comunidade  on‐line,  ou 

grupo  on‐line  em  que  as  pessoas  se  encontram  para  compartilhar  um  interesse mútuo.  Segundo  Van  der 

Linden (2005) apoiada em Palloff e Pratt (2004) é o envolvimento com a aprendizagem colaborativa e a prática 

reflexiva implícita na aprendizagem transformadora que caracterizam a comunidade de aprendizagem on‐line. 

Para esses autores, uma comunidade de aprendizagem on‐line caracteriza‐se pelos seguintes resultados:  

 

“Interação ativa que envolve tanto o conteúdo do curso quanto a comunicação pessoal;

Aprendizagem colaborativa evidenciada pelos comentários dirigidos primeiramente de um aluno a

outro aluno e não do aluno ao professor;

Significados construídos socialmente e evidenciados pela concordância ou questionamento, com

intenção de se chegar a um acordo;

Compartilhamento de recursos entre os alunos e,

Expressões de apoio e estímulo trocadas entre os alunos, tanto quanto a vontade de avaliar

criticamente o trabalho dos outros”. (Pallof e Pratt, 2004)

 

LETRAS LIBRAS |  251 

 

Nesse  sentido,  os  ambientes  virtuais  de  aprendizagem  configuram  a  base  para  vivenciarmos  as 

chamadas comunidades de aprendizagem onde o diálogo ocupa posição central. Nesse contexto, parece‐nos 

que o estabelecimento de mecanismos de avaliação que  contemplem a participação on‐line constitui passo 

importante para  compreensão do processo de aprendizagem na  construção do  conhecimento na educação 

virtual. Na Unidade 5 abordaremos questões acerca da avaliação em Ambientes Virtuais de Aprendizagem. 

A postura dos alunos no ambiente virtual vai refletir seu envolvimento com o curso e  sua trajetória 

de aprendizagem. A aquisição de novos hábitos será necessária para ter sucesso. Na unidade 3 trataremos do 

aluno  virtual:  suas  necessidades,  seu  comportamento  e  o  seu  papel  na  formação  de  uma  comunidade  de 

aprendizagem. 

Considerando  que  educação  é  comunicação  e  que  o  ato  didático  é  acima  de  tudo  um  processo 

comunicativo,  parece‐nos  relevante  compreender  a  importância  que  as  Comunidades  Virtuais  de 

Aprendizagem  têm  para  aprendizagem  colaborativa  on‐line.  A  unidade  4  será  dedicada  ao  exame  desta 

questão. 

 

 

 

 

Avaliando o que foi construído

 

Ancoradas na idéia defendida por estudiosos da temática de que a sociedade da informação requer 

sujeitos capazes de acessar dados e outorgar‐lhes significados, esperamos que ao final desta unidade em que 

abordamos as idéias básicas e os fundamentos da Educação a Distância, você esteja motivado para continuar 

pesquisando e construindo significados acerca do tema introduzido.  

 

LETRAS LIBRAS| 252 

 

UNIDADE II

APRESENTAÇÃO E AMBIENTAÇÃO DA SALA DE AULA VIRTUAL

MOODLE

Situando a temática

Pensar  na  Educação  a Distância  implica  pensar  na didática,  nos métodos  de  ensino,  na  interação 

professor‐aluno,  nas  questões  de  planejamento.  Significa  compreender  que  a mudança  em  processo  exige 

nova concepção sobre os alunos como seres críticos e participativos, com autonomia e capacidade de tomar 

decisões. Esse cenário exige uma concepção contextualizada de ensino que privilegie a participação, o diálogo, 

a autonomia e a reflexão permanente por parte dos professores, dos tutores e dos alunos sobre as múltiplas 

dimensões que envolvem a aprendizagem colaborativa. 

É bem possível que para muitos de vocês esta seja a primeira experiência com Educação a Distância, 

com aulas em ambientes virtuais de aprendizagem e certamente o primeiro contato com a plataforma Moodle 

da UFPBVIRTUAL. 

Assim  sendo,  nesta  unidade  conheceremos  e  exploraremos  a  potencialidade  das  ferramentas  do 

Moodle  tais  como  chat,  fórum,  glossário,  tarefa, wiki,  entre  outras,  de modo  que  você  possa  desenvolver 

habilidades de cooperação, colaboração e autonomia em seus estudos. 

 

Figura 1. Ambiente Moodle da UFPBVIRTUAL. 

 

LETRAS LIBRAS |  253 

 

Problematizando a temática

Na educação a distância professores e alunos podem estar separados no espaço e no tempo, mas 

existe  comunicação  e  interação  entre  ambos  e,  no  caso  da  educação  virtual,  essa mediação  é  feita  por 

recursos multimídia,  com  apoio  de  tutoria  especializada.  Tais  recursos  devem  garantir  a  qualidade  e  a 

eficácia  do  curso.  Geralmente,  são  utilizados materiais  impressos,  vídeos,  hipertextos,  CDs,  DVDs,  entre 

outros, sempre focados no aluno e nas suas necessidades de aprendizagem. 

Alguns procedimentos e práticas rotineiras da vida de um estudante tradicional você certamente  já 

conhece:  assiduidade  nas  aulas,  participação  nas  discussões  com  o  professor  e  com  os  outros  alunos, 

realização de provas e avaliações constantes, cumprimento de tarefas, interação face a face com o professor, 

esclarecimento  de  dúvidas,  realização  de  pesquisa,  estudo  do  material  do  curso,  além  de  dedicação  de 

algumas horas para o estudo diariamente.  

Neste curso de educação a distância, como são as práticas e os procedimentos? Como se serão as 

aulas?  O  que  é  um  ambiente  virtual  de  aprendizagem?  Como  a  plataforma  Moodle  pode  contribuir 

diretamente em suas atividades acadêmicas? Como o professor da disciplina vai saber se você está  indo bem 

nos estudos? Se um aluno é ausente, como o professor vai perceber? Como usar o computador para entregar 

tarefas? Como interagir com a sua turma em um ambiente virtual? O que os alunos precisam para ter sucesso? 

Buscaremos  responder  a  esses  questionamentos  no  nosso  10  Encontro  Presencial.  Depois  continuaremos 

discutindo no fórum da disciplina, no Moodle. 

 

 

 

Em  relação uso das  ferramentas,  iremos  “aprender  fazendo”,  através da plataforma Moodle.  Este 

será  o  ambiente  de  aprendizagem  que  servirá  de  suporte  para  todas  as  disciplinas  do  Curso.  Nele,  os 

professores poderão acompanhar o registro e a participação dos alunos. Podem ainda monitorar as atividades 

cumpridas e as interações, através de relatórios individualizados fornecidos pelo sistema. 

Conhecendo a temática

 

O Ambiente Virtual de Aprendizagem Moodle

Moodle  (Modular Object Oriented  Distance  Learning  Environment)  é  um  sistema  para 

gerenciamento de cursos (SGC) ‐ um programa para computador destinado a auxiliar educadores a criar cursos 

FÓRUM: Para participar do debate leia os capítulos 2 e 10 do Livro o

Aluno Virtual de Palloff & Pratt (2004

 

LETRAS LIBRAS| 254 

 

de qualidade via  Internet. Este  sistema de educação é  também  chamado de Sistema de Gerenciamento de 

Aprendizagem  ou  Ambiente  Virtual  de  Aprendizagem  (AVA).  De  maneira  informal,  utiliza‐se  o  termo 

plataforma educacional. 

De  acordo  com  informações  disponíveis  em   www.moodle.org,  até  a  data  em  que  este  texto  foi 

escrito, a comunidade mundial do Moodle  já possuía mais de 400 mil usuários registrados apenas neste site, 

falando mais de 75  idiomas em 193 países, entre professores e alunos não apenas nas universidades, mas 

também  em  instituições  com  diversos  níveis  de  escolaridade,  organizações  não  lucrativas,  companhias 

privadas  e  por  professores  de  forma  independente. Uma  das  principais  vantagens  do Moodle  é  que  ele  é 

fundamentado para pôr em prática uma aprendizagem sócio‐construtivista. 

De acordo com essa abordagem, a mediação do processo de ensino e aprendizagem não se resume 

ao planejamento, ministração de aulas e orientações oferecidas pelo professor. Consiste em  transformar as 

aulas em processos contínuos de  informação, comunicação e de pesquisa, que  resultem na criação ativa de 

conhecimentos significativos, numa relação de equilíbrio entre professores, tutores e os alunos‐participantes 

ativos. Na  figura a seguir, apresentaremos uma  ilustração da estrutura para a aprendizagem a distância e o 

relacionamento entre os elementos que a integram. 

 

 Figura 2. Estrutura para a Aprendizagem a Distância. Fonte: Adaptado de Palloff &Pratt(2002). 

 

 

 

LETRAS LIBRAS |  255 

 

Filosofia do Moodle

 

O Moodle foi criado por Martin Dougiamas profissional de informática com formação em Pedagogia. 

Sua primeira versão foi lançada no dia 20 de agosto de 2002 e a mais atual 1.9.2 no dia 11 de julho de 2008. O 

Moodle foi concebido tendo uma base sólida na pedagogia. 

 A concepção e o desenvolvimento do Moodle são guiados por uma  filosofia sócio‐construtivista de 

pensar o processo de educação‐aprendizagem.  Isto é, considera que as pessoas constroem ativamente novos 

conhecimentos,  a  partir  de  conhecimentos  prévios,  à medida  que  interagem  com  seu  ambiente  e  com  os 

demais  participantes.  A  interação  torna‐se  particularmente  eficaz  quando  possibilita  a  construção  do 

conhecimento  de  forma  colaborativa.  A  idéia  é  criar  uma  cultura  de  compartilhamento  e  colaboração  na 

construção de significados. 

 

 

 

 

Ferramentas do Moodle

 

O Moodle oferece uma variedade de ferramentas que podem aumentar a eficácia de um curso on‐

line. É possível facilmente compartilhar materiais de estudo, montar  listas de discussões, aplicar testes de 

avaliação  e  pesquisas  de  opinião,  coletar  e  revisar  tarefas  e  acessar  e  registrar  notas,  entre  outras.  As 

ferramentas podem ser selecionadas pelo professor de acordo com seus objetivos pedagógicos. 

Todas  estas  possibilidades  potencializam  a  aula  virtual  e  a  interação  entre  os  participantes.  A 

familiarização do estudante com as ferramentas disponíveis no ambiente é necessária para que o mesmo possa 

participar ativamente do Curso. Assim sendo, vamos apresentar cada uma destas ferramentas e mostrar como 

devem ser utilizadas.   

 

LETRAS LIBRAS| 256 

 

As  ferramentas  do  Moodle  são  apresentadas  na  forma  de  Materiais  de  Estudo  (Recursos)  e 

Atividades. Cada  ferramenta  vem  indicada por um  ícone que  serve para  facilitar  a  identificação do  tipo de 

atividade ou de material de estudo. 

 

Materiais de Estudo

O professor pode  lançar no Moodle materiais didáticos como: Texto Simples; Link a um arquivo ou 

site  e  Livro.  Esses materiais  podem  ser  lidos  pelos  alunos  diretamente  na  própria  tela  do  computador,  ou 

então  salvos  no  computador,  CD,  disquete,  pen  drive  etc.  É  possível  ainda  imprimi‐los.  Vejamos  esses 

materiais. Observe os ícones que aparecem ao lado de cada um. 

 

  O que é um Texto Simples? É uma ferramenta que permite ao professor disponibilizar no Moodle pequenos textos editados por 

ele mesmo. Normalmente estes textos são utilizados como referência para uma atividade posterior.  

 

O que é um link a um arquivo ou site?

É uma ferramenta que permite ao professor disponibilizar material de diversas formas. Por exemplo, 

um arquivo feito no Word (   ), uma apresentação em forma de slides usando o Power Point  (  )  , um texto 

no formato PDF do Adobe Acrobat ( ) ou uma tabela Excel ( ). 

Esses materiais  são  selecionados  ou  produzidos  pelo  professor  e  disponibilizados  aos  alunos  no 

Moodle. É fácil identificar os programas onde esses arquivos foram gerados através dos respectivos ícones.  

Além  disso,  o  professor  também  poderá  fazer  um  link  (ligação)  com  uma  página  na  Internet  que 

contenha  informação  relacionada à  temática em estudo. Neste caso, basta o usuário clicar com o mouse no 

local indicado, que automaticamente o site será aberto. 

 

  O que é um Livro?

 

É simplesmente um material de estudo com várias páginas organizadas por capítulos e itens, onde o 

professor apresenta um conteúdo e organiza os temas de estudo. Não é um  livro convencional, é apenas um 

material didático elaborado pelo professor para auto‐estudo dos alunos. 

 

 

 

LETRAS LIBRAS |  257 

 

Atividades

As principais  atividades do Moodle  são: Chat,  Fórum, Tarefa, Pesquisa de Avaliação, Questionário, 

Diário, Glossário, Wiki, Lição e Base de Dados.  

 

O que é um Chat? 

O  chat, em  inglês,  significa bate‐papo e,  como veremos mais adiante, diferentemente do  fórum, o 

chat é uma atividade de comunicação síncrona. Ou seja, é uma conversa que ocorre em tempo real. Para que 

essa  conversa  aconteça,  os  participantes  devem  se  conectar  no  espaço  reservado  ao  chat  no Moodle  nos 

horários e nos dias previamente agendados. Este espaço é chamado de sala de bate‐papo.  O Moodle também 

registra no calendário esses eventos. 

 Um grupo de alunos pode combinar sessões adicionais de bate–papo  (além das estabelecidas pelo 

professor) e acessar o ambiente a qualquer momento e em qualquer  lugar.   Este é um espaço muito especial 

para interações sociais, mas também pode ser utilizado para tirar dúvidas. 

 

   O que é um Fórum? 

Esta é uma das ferramentas mais  importantes de  interação em cursos virtuais e por  isso também é 

bastante  utilizada  como  meio  de  avaliação.  Consiste  numa  conversa  em  que  os  participantes  não  estão 

conectados no mesmo  instante, e por  isso é  chamada de  interação assíncrona. Cada participante do  fórum 

escolhe o dia e a hora de participar. 

O espaço fórum pode ser usado de diferentes formas: uma entrevista com um professor convidado 

onde os alunos elaboram as perguntas, debate entre grupos e com o professor da disciplina, um espaço onde o 

professor disponibiliza perguntas mais  freqüentes sobre um determinado assunto ou onde grupos de alunos 

questionem outros grupos. Tudo vai depender da orientação do professor e do  interesse dos participantes. O 

Moodle  dispõe de vários tipos de fóruns. Os fóruns podem ter as seguintes características: 

Discussão simples ‐ é um único tópico em uma única página. Normalmente é usado para organizar 

discussões breves com foco em um tema preciso. 

Fórum geral ‐ é um fórum aberto, onde todos os participantes podem iniciar um novo tópico de 

discussão quando quiserem. 

Cada usuário inicia apenas um novo tópico ‐ cada participante pode abrir apenas um novo tópico de 

discussão, mas todos podem responder livremente às mensagens, sem limites de quantidades. Este formato é 

usado, por exemplo, nas atividades em que cada participante apresenta um tema a ser discutido e atua como 

moderador da discussão deste tema. 

 

LETRAS LIBRAS| 258 

 

Nesta disciplina temos ainda um Fórum que é utilizado com Painel de Notícias em que  o professor e 

sua equipe coloca os avisos e recomendações da disciplina. 

O professor pode criar vários fóruns na disciplina, e esses fóruns podem ser de qualquer um dos tipos 

citados, podendo permanecer  abertos durante  todo o  curso ou  abertos para discussão  temporária. Os que 

permanecem abertos são, geralmente, um Fórum de Notícias e um Fórum Social, para proporcionar interação 

social entre os participantes. 

No fórum, as mensagens podem ser inseridas com calma e devem ter valor do ponto de vista coletivo. 

É preciso refletir sobre a qualidade do conteúdo das mensagens a serem postadas e nunca perder de vista o 

foco central da discussão. As mensagens podem ser  lidas posteriormente por qualquer participante e podem 

ainda ser disponibilizadas via e‐mail para cada um.  

Existem algumas regrinhas para uma adequada participação no fórum. Essas regrinhas são chamadas 

de “Netiqueta” e as estudaremos mais adiante na Unidade 3. 

 

  O que é uma Tarefa? 

Uma tarefa consiste na descrição ou enunciado de uma atividade a ser desenvolvida pelo aluno.   O 

enunciado da  tarefa contém explicações objetivas de como ela deve ser  realizada,  indica prazos de entrega, 

informa se é permitido enviar uma segunda resposta, indica se será atribuída uma pontuação para avaliação e 

de quanto será essa pontuação.     As  tarefas podem ser de  três  tipos: Texto on‐line, onde o aluno digita sua 

resposta no próprio ambiente; Envio de Arquivo Único, onde o aluno envia para o ambiente um arquivo com 

sua resposta; e ainda Atividade Off‐line, usada pelos professores e tutores para colocar no ambiente as notas 

de atividades  realizadas  fora do ambiente, como a prova presencial. No caso da Tarefa de Envio de Arquivo 

Único o arquivo de resposta do aluno deve ser salvo anteriormente no computador, disquete, CD ou pen drive. 

 

  O que é uma Pesquisa de Avaliação?  

Este recurso consiste num conjunto de atividades relacionadas à avaliação das várias   dimensões do 

processo educacional, entre elas, as perspectivas do aluno, a avaliação do próprio curso, e a  auto‐avaliação. A 

partir  das  respostas  dos  alunos,  são  gerados  relatórios  agregados  e  individualizados  que  possibilitam  o 

acompanhamento do aluno e da turma como um todo. 

 

  O que é um Questionário?  

Esta é uma atividade que permite ao aluno responder no Moodle a um conjunto de questões do tipo: 

múltipla escolha, verdadeiro ou falso, associação, para completar,  resposta breve. O professor pode controlar 

LETRAS LIBRAS |  259 

 

o período de duração desta atividade e inclusive permitir que o aluno revise as suas respostas antes de passar 

adiante. Pode ainda permitir que o aluno responda por etapas ou de uma única vez. 

 

  O que é um Diário? 

 

É uma  ferramenta usada pelo aluno para  relatar, como em um diário comum, as  suas atividades e 

suas experiências. Apenas o próprio aluno e seu professor terão acesso a esse diário. 

Para o professor as informações contidas no Diário são importantes para que ele possa acompanhar a 

aprendizagem do aluno.   Por exemplo, as dificuldades em  lidar com a  informática, em realizar alguma tarefa, 

em  acessar materiais,  as  boas  experiências  que  teve,  os  temas  que mais  gostou  de  discutir  e  ainda,  suas 

reflexões pessoais. 

Para o aluno, o diário constitui  importante  ferramenta de auto‐reflexão  sobre  seu desempenho no 

Curso e ainda serve de espaço para anotações de temas estudados. 

 

   O que é um Glossário?

Esta atividade permite que os participantes criem e atualizem uma  lista de definições como em um 

dicionário. No  entanto,  o  que  o  diferencia  de  um  dicionário  é  a  necessidade  de  contextualizar  os  termos. 

Podemos criar vários glossários ao mesmo tempo: um glossário principal e os demais secundários cujos  itens 

podem ser exportados para o glossário principal. É possível ainda fazer links nos textos do curso que levam aos 

itens definidos no glossário. 

 

   O que é um Wiki?

 

Um Wiki é uma coleção de documentos criados de forma coletiva no ambiente da  Internet. Alguém 

inicia o documento sobre determinado tema, inserindo um parágrafo ou texto de sua autoria. É permitido aos 

outros participantes editar e adicionar novos parágrafos a este Wiki. Para cada Wiki o professor especifica os 

objetivos e o conteúdo a  ser construído. Nele podem ser elaborados de  forma coletiva, anotações de aulas, 

resumos gerais de textos extensos, artigos, relatórios etc. 

Um Wiki pode ser desenvolvido por toda a turma ou por grupos menores. O trabalho resultante pode 

ser visto e criticado pelo conjunto dos participantes e não somente pelo professor, podendo ser usado como 

fonte de dados por outras pessoas e não apenas corrigido e arquivado. 

 

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS| 260 

 

 

 

 

O que é Lição?  

Uma Lição consiste em um  texto  sobre determinado assunto, ao qual  se  seguem questionamentos 

com alternativas de respostas. Dependendo da resposta escolhida pelo aluno ele prossegue na  lição ou pode 

retornar  para  a mesma  página.  O  professor  poderá  disponibilizar  várias  seções  da mesma  lição  para  livre 

escolha do aluno, ou ainda determinar uma seqüência a ser seguida. 

   O que é Base de Dados?  

Uma  base  de  dados  é  uma  atividade  que  permite  a  construção  de  uma  coleção  de  dados  sobre 

determinado assunto, onde os participantes podem  inserir e/ou pesquisar  itens. É constituída de registros, e 

cada registro é composto por certa quantidade de campos. Os campos podem ter  informações de diferentes 

tipos com imagens, arquivos, URLs, números, textos dentre outras. 

 

Avaliando o que foi construído

Esperamos que durante essa unidade você possa  ter aprendido  sobre as principais  funcionalidades 

das ferramentas do Moodle e que de agora em diante se sinta confortável em participar das aulas através do 

Ambiente Virtual de Aprendizagem Moodle, que será utilizado por todas as disciplinas da UFPBVIRTUAL. 

Esperamos  ainda  que  possa  ter  desenvolvido  habilidades  de  trabalho  colaborativo  e  que  tenha 

refletido sobre os temas abordados.  

LETRAS LIBRAS |  261 

 

UNIDADE III

O ALUNO VIRTUAL

Situando a Temática

A Educação a Distância apoiada nas tecnologias da comunicação e nas novas metodologias de ensino 

tem  implicado  em  modificações  nas  funções  tradicionais  de  ensinar  e  aprender,  transformando 

definitivamente o conceito de “sala de aula”. Muda‐se da  sala de aula  típica no campus para a  sala de aula 

virtual no  ciberespaço.  É nesse  ambiente de  aprendizagem que  se  estabelecem  as novas  relações  entre os 

participantes. 

Professores e  alunos  comportam‐se diferentemente nos dois  tipos de  sala;  a  forma  como  se dá o 

processo de aprendizagem também é diferente, no entanto, em ambas as modalidades o objetivo é sempre o 

mesmo: construir novos conhecimentos e educar para cidadania. 

Se  é  verdade que  "ninguém  educa ninguém", por outro  lado,  "ninguém  se  educa  sozinho". Nesse 

sentido, a educação a distância, paradoxalmente,  impõe  interlocução permanente e, portanto, proximidade 

pelo diálogo (Preti, 2000). Aproximar as pessoas que se encontram fisicamente distantes e estabelecer relações 

de cooperação e colaboração para uma aprendizagem significativa, representa um desafio a ser enfrentado. 

Nesta  unidade  trataremos  desse  processo  de  transição  e  focalizaremos  o  papel  do  aluno  nessa 

modalidade educacional. Refletiremos sobre questões da conquista da autonomia dos alunos e das regras de 

convivência e estratégias de comunicação para participação em comunidades de aprendizagem que  levem o 

aluno a obter sucesso em cursos virtuais. 

 

 

 

Problematizando a Temática

“Feche por uns minutos os olhos e  imagine uma escola sem salas de aula, sem paredes, sem carteiras, com estudantes  indo e vindo, conversando,  lendo em diferentes espaços  livres, ora reunidos  em  equipe,  ora  desenvolvendo  atividades  individuais,  com  horários  diversificados para  atendimento  individual  ou  em  grupos,  com  calendário  flexível,  acompanhamento 

 

LETRAS LIBRAS| 262 

 

personalizado,  sob  a  orientação  de  um  grupo  de  educadores,  etc.  Talvez,  você  exclamará surpreso: "Esta escola não existe. Quem sabe, num futuro seja possível!" 

Não estou falando da educação do futuro. Na realidade, estou falando de uma educação real e atual, possível e que está acontecendo em nosso país, sobretudo, na modalidade a distância, graças aos avanços das novas teorias da Física, da Biologia, da Psicologia, da Comunicação, da Pedagogia, etc. e às novas tecnologias da comunicação”. (Oreste Preti,1996)* 

Aprender em um ambiente virtual é bem diferente de aprender em uma sala de aula tradicional. É 

preciso romper barreiras e adquirir hábitos novos como por exemplo, acessar a Internet para estar atualizado 

com o curso, fazer as atividades semanalmente, participar do fórum e fazer leitura, reflexões e comentários a 

respeito  das  mensagens.  É  importante  desenvolver  a  autonomia  e  tornar‐se  um  aluno  independente, 

pesquisador crítico e colaborar com os participantes com feedbacks construtivos.  

 

 

 

 

 

CONHECENDO A TEMÁTICA

Quem é o Aluno Virtual?

Conhecer o perfil dos alunos,  suas  idiossincrasias e  seus estilos de construção do conhecimento é 

tarefa prioritária e ao mesmo  tempo de extrema dificuldade quando se  trata da educação on‐line. Segundo 

estudiosos  da  temática  isso  é  requisito  necessário,  seja  como  suporte  para  definir  e  planejar  um  projeto 

educativo  seja  para  acompanhar  e  avaliar  o mesmo.  Ao  refletir  sobre  a  interação  nos  cursos  virtuais  há 

necessidade  de  se  resgatar  os  saberes  prévios  dos  alunos,  em  conformidade  com  as  teorias  cognitivas  da 

aprendizagem. Nesse sentido é necessário gerar situações de diálogo na perspectiva de conseguir informações 

sobre “suas representações da realidade, suas demandas e seus interesses, suas atividades de trabalho e suas 

formas particulares de estabelecer relações entre os conhecimentos teóricos e práticos”. (Van der Linden:2005) 

LETRAS LIBRAS |  263 

 

Na tentativa de estabelecermos esse diálogo e de nos conhecermos um pouco mais, foram aplicados 

dois questionários de avaliação. O primeiro, um instrumento de avaliação diagnóstica, que foi respondido off‐

line  na  primeira  semana  de  aula.  O  segundo  instrumento,  atividade  on‐line,  teve  por  objetivo  fazer  uma 

pesquisa sobre as suas expectativas em relação ao seu processo de aprendizagem neste curso.  

“O que fazer para se tornar um aluno virtual de sucesso?” 

Segundo  PALLOFF  &  PRATT,  (2004)  “os  cursos  e  programas  on‐line  não  foram  feitos  para  todo 

mundo.”. Por quê?  Vamos refletir sobre os fundamentos dessa assertiva! 

 

 

Comportamento Autônomo

 

“Pode‐se  dizer  que  o  “calcanhar  de  aquiles”  na  educaçào  a  distância  é  a  situação  de 

aprendizagem individual. O estudar sem a presença regular de colegas e professores desafia o 

cursista  a  superar  suas  limitações  pessoais  e  desenvolver  sua  capacidade  de  aprender 

autonomamente,  de  aprender  a  aprender.  Esse  processo  exige  envolvimento  tanto  da 

instituição como do cursista  inscrito. A  instituição coloca à disposição do Cursista todo o seu 

sistema (recursos humanos, materiais, redes de comunicação) para dar suporte à caminhada. 

Por outro  lado, o cursista deve mergulhar, assumindo para si, também a responsabilidade de 

sua formação.(...)” (Preti,2000) 

 

 

LETRAS LIBRAS| 264 

 

Estudar  sem  a  presença  regular  do  professor  e  colegas  desafia  o  aluno  virtual  a  superar  suas 

limitações pessoais e a desenvolver sua capacidade de aprender autonomamente, de “aprender a aprender”. O 

aluno assume para si a responsabilidade de sua formação, tendo como suporte alguns componentes materiais 

e humanos pensados e planejados, acompanhados e avaliados para que o mesmo  tenha a possibilidade de 

construir essa autonomia durante o processo.  Essa perspectiva coloca o aluno como sujeito, autor e condutor 

de seu processo de formação, apropriação, re‐elaboração e construção do conhecimento. 

 

 

 

Auto-aprendizagem

 

A  auto‐aprendizagem  é  uma  tarefa  pessoal,  onde  se  exercita  a  autonomia  enquanto  uma  ação 

educativa no processo de ensino‐aprendizagem. A idéia de auto‐aprendizagem é fundamental para a Educação 

a  Distância, modalidade  em  que  os  aprendizes  autonomamente  estabelecem  uma  ação  interativa  com  os 

materiais didáticos e interagem com os colegas e professores, estimulados por ações pedagógicas de tutores e 

professores que atuam como “provocadores cognitivos”.  

Nesse  ambiente  os  participantes  desenvolvem  a  capacidade  de  determinar  seu  ritmo  de 

aprendizagem, ao acessar o conteúdo quando e quantas vezes quiser na busca de compreender o que de fato 

lhes desperta o interesse. 

 Para  apoiar  esse  exercício de  autonomia  e de  auto‐aprendizagem os participantes podem  contar 

com  ferramentas  específicas,  que  oferecem  oportunidade  de  acessar  informações  e  estabelecer  contatos 

síncronos e assíncronos com os atores do processo educacional. 

 

 

 

LETRAS LIBRAS |  265 

 

Gerenciamento do tempo

O tempo dedicado a necessária participação dos alunos e professores é de fundamental importância 

em  ambientes  virtuais  de  aprendizagem.  Com  freqüência  o  aluno  não  se  dá  conta  de  quanto  tempo  é 

necessário para participar de  um  curso  virtual  e  finalizá‐lo  com  sucesso.  É  importante  estabelecer metas  e 

estruturar‐se para administrar as atividades de forma racional. Estudar on‐line não se resume a passar o maior 

tempo conectado á sala de aula virtual. Deve haver tempo para pesquisa e comunicação, mas também deve ser 

reservado tempo para leituras, reflexões e realização das atividades propostas.  

 

 

Estabelecer objetivos e prioridades e organizar a agenda para facilitar o gerenciamento do tempo não 

se permitindo ficar atrasado por excesso de trabalho e falta de organização, fazem parte da estratégia do aluno 

virtual, que autonomamente definirá sua agenda de estudo e o ritmo de sua aprendizagem. 

 

Esta agenda pode ser uma tabela com objetivos semanais, atividades a realizar, o tempo estimado e 

finalmente um espaço em que você analisa  se essa meta  foi cumprida no prazo ou não. A  idéia é que você 

desenvolva o hábito de gerenciar seu tempo. No entanto, algumas pessoas acham esse recurso um elemento 

de  limitação.  Se  for  assim  para  você,  procure  outra maneira  de  estruturar  e  organizar  seu  tempo.  É  bom 

relembrar que de acordo com Litwin (2001) a variável tempo historicamente tem sido considerada de maneira 

flexível e adaptável às possibilidades e às necessidades de cada aluno. 

Lembramos que no ambiente Moodle, cada aluno possui um calendário pessoal onde poderá agendar 

suas atividades para não esquecê‐las.  

 

Regras de Convivência e Ferramentas de Comunicação

 

Neste espaço trataremos de questões relacionadas à propriedade intelectual e direitos autorais, que 

precisam  ser  observados  na  elaboração  dos  trabalhos,  assim  como  as  regras  de  comunicação  on‐line  que 

devem nortear a vivência dos participantes na sala de aula virtual. 

 

LETRAS LIBRAS| 266 

 

Em EAD estimula‐se bastante a participação, colaboração e  interação dos participantes em  listas de 

discussões,  chats  e  fóruns.  Estimulam‐se  ainda  atividades  em  que  os  alunos  se  posicionem  a  respeito  das 

mensagens dos colegas. 

É  necessário  saber  como  se  expressar  para  que  o  outro  entenda  perfeitamente  o  que  foi  dito.  É 

preciso ser claro para transmitir seus pontos de vista com eficácia. 

Outro ponto relevante está relacionado à propriedade intelectual e aos direitos autorais que precisam 

ser observados na elaboração dos trabalhos.  

Apresentamos  a  seguir  algumas  regras de  convivência e  ferramentas de  comunicação on‐line. Elas 

podem tornar a comunicação mais fácil, e representam um recurso para que os participantes possam manter 

boas relações no seu ambiente de estudo, seja como alunos ou como tutores. 

 

Ética e Netiqueta

 

Segundo a Wikipédia “Netiqueta é a etiqueta que se recomenda observar na internet. A palavra pode 

ser considerada como uma gíria, decorrente da fusão de duas palavras: o termo inglês net (que significa "rede") 

e o termo "etiqueta" (conjunto de normas de conduta sociais). Trata‐se de um conjunto de recomendações para 

evitar mal‐entendidos em comunicações via internet, especialmente em e‐mails, chats, listas de discussão, etc. 

Serve,  também, para  regrar condutas em  situações específicas  (por exemplo, ao colocar‐se a  resenha de um 

livro  na  internet,  informar  que  naquele  texto  existem  spoilers;  citar  nome  do  site,  do  autor  de  um  texto 

transcrito, etc” 

Nenhuma  sala  de  aula  virtual  é  totalmente  privativa,  principalmente  quando  se  estimula  a 

aprendizagem colaborativa e a  interação entre os participantes. As pessoas têm  liberdade de visitar qualquer 

espaço  permitido  na  Internet.  Porém  o  que  se  observa  freqüentemente  é  um mau  uso  dos  recursos  de 

comunicação acarretando em uma total  invasão de privacidade seja por violação de senhas, fraudes, assédio, 

perseguição, distorção nos conteúdos das mensagens, montagens fotográficas dentre outras.  

Para garantir que a comunicação seja profissional e respeitosa, os alunos precisam ser orientados a 

usar uma comunicação adequada. É na forma de escrever e se expressar que você será conhecido pelos demais 

alunos do seu ambiente de aprendizagem. A netiqueta é um conjunto de  regrinhas que devem ser seguidas 

quando  se  está  escrevendo  qualquer  texto  on‐line  para  alguém.  Elas  são  a  etiqueta  de  quem  navega  na 

Internet.  

Na nossa sala de aula devemos equilibrar o diálogo aberto com a cautela. Questões de privacidade e 

de  liberdade  de  expressão  merecem  atenção.  Os  participantes  devem  ser  estimulados  a  se  expressarem 

livremente, mesmo que haja opiniões contrárias. Contudo alguns  limites devem ser determinados como, por 

exemplo,  o  uso  de  linguagem  agressiva  ou  desrespeitosa  que  pode  ter  resultados  desastrosos  em  uma 

comunidade de aprendizagem. 

LETRAS LIBRAS |  267 

 

Não  existem  políticas  ou  regras  claras  sobre  questões  legais  envolvidas  na  aprendizagem  virtual, 

porém, acreditamos que é fundamental refletir sobre que comportamentos são ou não são aceitáveis. Em caso 

de  quebra  de  ética  o  professor  confrontará  ou  fará  intervenções  imediatamente.  Para  evitar  qualquer 

transtorno, devemos sempre reconhecer os autores e suas idéias e respeitar os participantes em discussões on‐

line. 

 

 

Emoticons

 

De  acordo  com  a Wikipédia  os  “emoticons  são  uma  forma  de  comunicação  paralingüística,  um 

emoticon (em alguns casos chamados de smiley) é uma seqüência de caracteres tipográficos, tais como: :), ou 

^‐^ e :‐); ou, também, uma imagem (usualmente, pequena), que traduz ou quer transmitir o estado psicológico, 

emotivo, de quem os emprega, por meio de ícones ilustrativos de uma expressão facial.  

 

Exemplos:  (i.e. sorrindo, estou alegre);  (estou triste, chorando), etc.  

 

Normalmente  é  usado  por MSN  (Microsoft Network)  ou  pelo  ICQ  e  outros meios  de mensagens 

rápidas. O Nome "emoticon" deriva da contração do inglês emotion+icon.” 

 

 

 

De acordo  com Palloff e Pratt  (2004) os emoticons  são utilizados para  suprir a  impossibilidade de 

atribuir ao que  se escreve: um  tom de  voz, uma expressão  facial ou  linguagem  corporal. Vejamos a  seguir 

alguns exemplos apresentados pelos autores: 

 

: )  ou  :‐)  Expressa alegria, sarcasmo ou piada 

: (  Expressa tristeza 

: I  Expressa indiferença 

 

LETRAS LIBRAS| 268 

 

: Q  Expressa confusão 

: O  Expressa surpresa ou grito 

Clareza

 

A clareza é uma qualidade de quem escreve bem e quer se fazer entender. A maior dificuldade que a 

maioria  dos  participantes  de  atividades  on‐line  encontram  é  transformar  as  idéias  em  texto,  utilizando 

palavras corretas no momento certo. Quando a palavra não expressa suficientemente o que ela quer dizer, o 

texto acaba transformando‐se numa  fileira de palavras desconexas e sem sentido. Isso acontece quando não 

organizamos as idéias antes de iniciar a escrita, escrevendo‐as sem pensar no texto como um todo. 

Por outro lado, quando recebemos uma mensagem em que as idéias estão bem articuladas e a grafia 

está  correta,  conseguimos  entender  exatamente  o  que  o  emitente  pretende  nos  dizer.  Isso  facilita  a 

comunicação e evita conflitos. Na comunicação on‐line redigir com clareza é um aspecto crucial, uma vez que a 

comunicação é basicamente textual e é através do que escrevemos que as pessoas nos conhecem. 

Uma tática para ser claro na comunicação on‐line é escrever em um rascunho (digitar previamente o 

texto no Word), ler o texto em voz alta e passar um corretor ortográfico  antes de enviá‐lo. Quando lemos, fica 

mais fácil detectarmos onde a frase ficou mal escrita e confusa. Para ser claro no seu texto e na sua forma de 

expor  suas  idéias  é  bom  evitar  o  uso  de  siglas  e  abreviações.  Nem  todos  conhecem  as  siglas  que  nós 

conhecemos e estamos acostumados a usar. É importante ainda destacar que na comunicação on‐line você é 

percebido pelo que você escreve e assim, é  importante cuidar das questões de ortografia, da articulação das 

frases e da gramática. Você certamente  já deve ter recebido alguma mensagem cheia de erros gramaticais e 

pode avaliar a dificuldade que isso pode acarretar, especialmente quando você não conhece o emitente. 

 

Citações

“A citação é a menção no texto de uma informação colhida em outra fonte. Seu objetivo é dar 

maior clareza e autoridade ao  texto,  relacionando as  idéias expostas com  idéias defendidas 

em outros trabalhos, por outros autores. É obrigatório indicar os dados completos das fontes 

de onde  foram extraídas as citações, seja em nota de  rodapé, ou em  lista no  fim do  texto”. 

Extraído  integralmente do site do Departamento de Sistema de  Informação da Universidade 

Estadual do Rio de Janeiro, consultado em 30.06.2007 

 

LETRAS LIBRAS |  269 

 

 

As  citações  são  utilizadas  no  desenvolvimento  de  trabalhos  acadêmicos, monografias,  relatórios, 

dissertações, teses, etc. Também são consideradas como recursos  importantes na comunicação on‐line. Uma 

citação é feita quando  inserimos no nosso texto, partes do texto de alguém. No mundo virtual, embora seja 

útil o  “copiar  e  colar”,  esta prática pode  comprometer  a qualidade do  trabalho  e  sua  validade  acadêmica, 

fazendo com que as pessoas desistam da leitura do texto.  

 

Feedback

O  termo  feedback   em EAD está  relacionado a  responder aos posicionamentos e questionamentos 

dos participantes em um fórum de discussão ou no correio eletrônico. Em uma modalidade educacional que 

prioriza a aprendizagem colaborativa, o feedback é essencial para ajudar a aperfeiçoar a relação dos indivíduos 

com o  grupo,  ajudando‐os  a  interagir  socialmente  e estimular e  aprofundar  as discussões  sobre  temas em 

estudo.  

Para que o feedback seja construtivo deve haver uma relação de confiança e proximidade entre os 

participantes e o respeito às normas de convivência tratadas anteriormente nos itens clareza e netiqueta. 

Segundo  Vigotsky  (1998),  o  desenvolvimento  de  atividades  interpessoais  possibilita  mudanças 

cognitivas através da interação, com a conseqüente reelaboração e reconstrução das idéias. Nesse sentido, no 

processo interativo e social as idéias postas são elucidadas resultando em novas concepções, em avanços em 

termos de proposições, sínteses, teorias, hipóteses, aplicáveis em contextos diversos. (Van der Linden, 2005) 

O debate on‐line pautado nesses princípios pode contribuir para o desenvolvimento de habilidades 

cognitivas e das atitudes colaborativas requeridas pela aprendizagem on‐line. Nesse sentido, dar um feedback 

construtivo  que  não  se  resuma  ao  “concordo”  ou  “discordo”,  deve  contribuir  para  o  ato  de  aprender  dos 

 

LETRAS LIBRAS| 270 

 

sujeitos participantes. Isso requer sujeitos ativos e propositivos, que no debate em rede saibam não só propor, 

perguntar mas  também  responder  (dar  feedback)  concordando,  indagando,  problematizando,  discordando, 

questionando,  generalizando,  esclarecendo,  sintetizando  ou  aprofundando  o  tema,    estendendo‐o  a  outros 

campos do saber.(Van der Linden,2005) 

 

 

 

Avaliando o que foi construído

Segundo Palloff & Pratt (2002) no processo de aprendizagem on‐line, os participantes aprendem não 

apenas  sobre  a matéria do  curso, mas  também  sobre o processo de  aprendizagem e  sobre  si mesmos. Os 

participantes estão conectados ao professor por meio de um computador. Desenvolvem, portanto, não apenas 

relacionamentos entre si, mas também com a tecnologia, com o hardware, com o software e com o próprio 

processo que, segundo Van der Linden ( 2005) envolve:  

 

Reflexão sobre o conhecimento adquirido no curso ou evento;

Conhecimento de como a aprendizagem ocorre eletronicamente;

Uso da tecnologia da comunicação e da informação e,

Transformação do usuário por meio dos novos relacionamentos com a máquina, com o processo de

aprendizagem e com os outros participantes.

Nossa expectativa é que durante esta unidade  tenhamos  feito  você  refletir  sobre as atitudes mais 

adequadas a um aluno virtual que almeja atingir o sucesso no seu curso. Esperamos ainda que você encare os 

recursos da Internet nesse espaço de aprendizagem, não apenas como uma ferramenta  individual, mas como 

um  instrumento  de  colaboração  e  reconstrução,  através  do  qual  possa  se  comunicar  e  aprender  de  forma 

colaborativa, através de projetos e atividades comuns.  

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS |  271 

 

UNIDADE IV

COMUNIDADES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM

 

Situando a Temática

“Uma  comunidade  virtual  é  uma  comunidade  que  estabelece  relações  num  espaço  virtual 

através de meios de comunicação a distância. Caracteriza‐se pela aglutinação de um grupo de 

indivíduos com interesses comuns que trocam experiências e informações no ambiente virtual. 

Um dos principais fatores que potencializam a criação de comunidades virtuais é a dispersão 

geográfica  dos  membros.  O  uso  das  Tecnologias  de  Informação  e  Comunicação  ‐  TICs 

minimizam as dificuldades relacionadas a tempo e espaço, promovendo o compartilhamento 

de informações e a criação de conhecimento coletivo”. Fonte: Wikipédia. 

 

No contexto acima, podemos considerar que a forma como as pessoas interagem na atualidade está 

fortemente ligada ao uso e a popularidade das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), especialmente 

da Internet. 

A  Internet  favorece  a  comunicação,  seja  através  de  e‐mails,  de  sites  de  relacionamento  ou  até 

mesmo quando algum material é compartilhado ou produzido em equipe. As pessoas interagem umas com as 

outras,  independente  da  distância  física  que  as  separam,  formando  grupos  cada  vez maiores  e  pelas mais 

variadas razões. 

Neste  processo  a  Internet  expande  os  parâmetros  daquilo  que  chamamos  de  comunidade.  Basta 

notar que no passado, o envolvimento com a comunidade era determinado pelo local onde se vivia (cidade ou 

bairro),  pela  família  ou  pelas  convicções  religiosas.  Atualmente,  além  dessas  concepções  de  comunidade, 

temos aquelas que se formam e se mantêm no ciberespaço com objetivos comuns, papéis, normas e regras. 

É o desenvolvimento de uma sólida Comunidade de Aprendizagem (educacional), e não somente de 

uma  Comunidade  de  Interesse  ou  de  uma  Comunidade  de  prática,  que  visamos  explorar  nesta  unidade 

temática. Traremos questões relativas à idéia de Interação e Interatividade, Colaboração, o Silêncio Virtual e a 

importância do Ambiente Virtual para a consolidação da nossa Comunidade UFPBVIRTUAL de aprendizagem. 

 

Problematizando a Temática

Os  ambientes  virtuais  de  aprendizagem  configuram  a  base  para  vivenciarmos  as  chamadas 

comunidades virtuais de aprendizagem, onde o diálogo ocupa posição central. Nesse contexto, a criação de 

condições  técnicas  e  apoio  pedagógico  ao  desenvolvimento  do  diálogo  didático  on‐line  constituem  passos 

importantes para sua realização. O desenvolvimento de comunidades de aprendizagem e o uso de atividades 

 

LETRAS LIBRAS| 272 

 

colaborativas ao longo do curso são maneiras de facilitar a aprendizagem, contemplando os diferentes estilos 

de aprendizagem dos adultos. Mas o que são estilos de aprendizagem?  

Boud e Griffin (1987 citado por Palloff e Pratt 2004) afirmam que todos possuem seis capacidades de 

aprendizagem: racional, emocional, relacional, física, metafórica e espiritual. 

 

Considerando  que  a  educação  virtual  em  sua maior  parte  é  baseada  no  texto,  que  tem  foco  no 

racional, como valorizar essa capacidade e como desenvolver maneira de facilitar as demais dimensões?  

Além  dos  diferentes  estilos  é  necessário  considerar  uma  série  de  problemas  que  dificultam  a 

participação que os alunos enfrentam no meio digital. Podem ser problemas relacionados com as dimensões 

sociais ou cognitivas da aprendizagem, ou simplesmente problemas de ordem técnica (de disponibilidade ou 

de uso da tecnologia apropriada), ou falta de habilidade para acessar a Internet por exemplo, que dificultam 

participação  dos  mesmos  nas  comunidades  de  aprendizagem  e  muitas  vezes  prejudicam  sua    trajetória 

acadêmica. 

Segundo  Harasim  e  colaboradores  (1993)  os maiores  problemas  apontados  pelos  alunos  virtuais 

estão relacionados a: sobrecarga de  informação, maior carga de  trabalho e de responsabilidades, ansiedade 

em  relação  à  comunicação  assíncrona,  dificuldade  de  navegar  na  Internet,  dificuldade  em  acompanhar  os 

rumos da discussão, perda de  informações  visuais e ainda preocupações  relacionadas à  saúde pelo uso do 

computador.   

Esses problemas que afligem a maioria dos participantes on‐line dificultam a participação mas não 

impedem  interação.  Hoje  existem  estudos  sobre  técnicas  de  gerenciamento  do  tempo  que  objetivam 

minimizar  alguns  desses  problemas.  Na  Unidade  3  no  item  Gerenciamento  do  Tempo  você  vai  encontrar 

informações que poderão ajudá‐lo no enfrentamento de alguns desses problemas. 

Com  esses  questionamentos  buscamos  compreender  o  papel  do  aluno  na  formação  de  uma 

comunidade virtual de aprendizagem e os desafios a serem enfrentados. Tem‐se como perspectiva entender 

de que forma os participantes de uma comunidade virtual de aprendizagem podem contribuir para a formação 

e manutenção de um ambiente agradável e fértil para a construção de conhecimentos. 

 

Conhecendo a Temática

 

A  tecnologia  hoje  disponível  permite  a  implementação  de  ambientes  de  intensa  interação, 

possibilitando  aos  participantes  agir  criativamente.  Ela  contribui  para  o  desenvolvimento  das  interações, 

LETRAS LIBRAS |  273 

 

favorecendo  a  participação  e  o  compartilhamento  de  experiências  e  descobertas  durante  o  processo  de 

aprendizagem.  

No  entanto,  a  tecnologia  por  si  só  não  é  suficiente  para  a  promoção  da  aprendizagem.  O 

desenvolvimento da aprendizagem  interativa  requer ação humana voltada para definição de estratégias de 

participação, a começar pela  identificação dos participantes e avaliação e  integração de  informações. Requer 

metodologias que possam situar o aluno no centro do processo educacional e  levar o professor a torrnar‐se 

um “provocador cognitivo”, facilitador, avaliador e mediador de significados. 

 

 

A Figura 1 a  seguir,  ilustra a estrutura e as articulações que  se estabelecem em uma  comunidade 

virtual de aprendizagem.  

 

Figura 1. Estrutura para a aprendizagem a distância. Fonte: Palloff e Pratt (2004).

 

Palloff &  Pratt  (2004)  sugerem  algumas  técnicas  de  design  instrucional  centradas  no  aluno  para 

apoiá‐lo na educação on‐line, relacionadas a “acesso; habilidades comunicativas; abertura; comprometimento; 

colaboração; reflexão e flexibilidade” 

 

 

LETRAS LIBRAS| 274 

 

São  técnicas que  instrumentalizam o professor para ajudar o aluno a entender o  importante papel 

que ele desempenha no processo de aprendizagem e ajudam o aluno a situar‐se no seio de uma comunidade 

de aprendizagem on‐line.  

 

 

 

A comunidade virtual  representa o veículo através do qual ocorre a aprendizagem colaborativa na 

sala de aula virtual. Os participantes dependem uns dos outros para que a comunidade cresça e os objetivos 

sejam  alcançados.  Nesse  ambiente,  “os  professores  promovem  um  sentido  de  autonomia,  iniciativa  e 

criatividade,  ao mesmo  tempo  em  que  incentivam  o  questionamento,  o  pensamento  crítico,  o  diálogo  e  a 

colaboração.” (Broofild, 1995 citado por Palloff & Pratt , 2002) 

Além  de  promover  a  aprendizagem,  a  comunidade  virtual  promove  conexões  sociais  entre  os 

participantes, e embora o professor e os tutores sejam os  incentivadores desse processo ele só acontece se 

houver efetiva participação dos alunos. 

 

 

 

Ambientes Virtuais de Aprendizagem - AVA

 

Os ambientes virtuais de aprendizagem são plataformas para o desenvolvimento de cursos virtuais. 

Trata‐se  da  estruturação  em  um  único  espaço  dos  serviços  de  apoio  educacional  on‐line  oferecidos  aos 

estudantes através da Internet. 

 

 

 

LETRAS LIBRAS |  275 

 

Em  aula  magistral  proferida  em  uma  universidade  brasileira,  no  ano  de  2001,  Otto  Peters,  da 

FernUniversität  (Hagen,  Alemanha),  descreveu  os  ambientes  de  aprendizagem  virtuais,  ilustrando  sua 

descrição com uma tela vibrante de um monitor. Por trás dela, há um cenário onde existe uma esfera ilimitada 

e potencialmente passível de abranger o mundo e até o cosmo. Nele, o espaço é aberto e  incomensurável, 

tempo e local não são fixos. (Van der Linden, 2005) 

É  um  espaço  não  protegido  onde  pessoas  e  objetos  são  flutuantes  e  transitórios  e mudam  com 

freqüência e rapidez. Os alunos não interagem face a face, em grupos, mas entram em contato com colegas e 

professores e tutores em lugares indefinidos. Em vez de ouvir e falar, os estudantes lêem e escrevem. Não há 

ambiente  real em que os estudantes e professores possam  interagir  face  a  face, e  a dimensão histórica  se 

perde  inteiramente.  São  espaços  tão  diferentes  dos  espaços  reais  de  aprendizagem  que  nos  causam  um 

choque de reconhecimento ao refletir sobre os mesmos.  

Por outro lado, não podemos analisar os AVA apenas como ferramentas tecnológicas. É necessário 

analisar as práticas e posturas pedagógicas e também comunicacionais do ambiente. Tais práticas inspiram 

ambientes instrucionistas, interativos e cooperativos. 

Os ambientes que são classificados como instrucionistas estão mais centrados no conteúdo. A 

interação é mínima e a participação online do aluno é praticamente individual. É considerado o tipo mais 

comum onde a informação é transmitida como em uma aula tradicional presencial. 

Os ambientes interativos estão centrados na interação on‐line, onde a participação é essencial no 

curso.  

Por fim, em ambientes cooperativos, seus objetivos são o trabalho colaborativo e a participação on‐

line. 

O Moodle nosso ambiente de aprendizagem  foi pensado e estruturado  com  incorporação de uma 

sólida comunidade de aprendizagem, uma vez que dispõe de recursos interativos que facilitam a colaboração, 

estimulam a investigação e também a interação entre os alunos, tutores e professores. 

 

 

Comunidades Virtuais de Aprendizagem

 

O  conceito  de  comunidade  virtual  tem  sido  utilizado  para  explicar  formações  espontâneas  de 

pessoas que  se  reúnem na “grande  rede” em  torno de determinado assunto ou  tema de  interesse comum. 

(Lévy, 2001)  

Segundo Van der Linden  (2005) existe uma diferença entre comunidade de aprendizagem on‐line e 

uma comunidade on‐line ou grupo on‐line, em que as pessoas se encontram para compartilhar um  interesse 

mútuo. No site do Orkut por exemplo, existem inúmeras comunidades on‐line ou grupos de relacionamentos, 

mas não se constituem comunidades de aprendizagem .  

 

LETRAS LIBRAS| 276 

 

No ciberespaço, as comunidades podem ser diferenciadas segundo alguns critérios. Um estudo sobre 

a classificação das comunidades virtuais é feito por Szaló e Silva (2003), que destaca:  

 

A intenção de formação da comunidade, ou seja, de um objetivo mais ou menos definido, associado

a uma atividade que irá desenvolver para a construção do conhecimento. Essa intenção de formação será

posta em prática através de ações como o estabelecimento de metas para o grupo, lista de participantes,

ferramentas de comunicação e a adoção de regras de conduta da comunidade.

O nível de envolvimento dos seus participantes, que depende da intensidade de sua ligação, maior

ou menor coesão do grupo.

A evolução da intenção e da integração entre os participantes da comunidade. O nível de atividade

de uma comunidade virtual evolui quando o objetivo da comunidade se consolida.

 

Sendo assim, temos as chamadas Comunidades de Interesse, Comunidades de Prática e Comunidades 

Educacionais (de Aprendizagem), que buscaremos caracterizá‐las. 

Comunidades de  Interesse: O aprendizado é mais  individual que coletivo, o objetivo não é dirigido 

para uma produção coletiva. Segundo Szaló e Silva (2003) “..é um agregado de pessoas reunidas em torno de 

um tema de interesse comum”. 

Esses  autores explicam que uma  comunidade de  interesse pode  ter uma duração  variável,  isto é, 

pode desaparecer  logo após ter sido criada por não ter conseguido  incorporar participantes, ou ao contrário 

durar anos.  

 

 

Comunidades de Prática: Segundo o teórico organizacional Etienne Wenger, que cunhou o termo no 

início dos anos 90, três elementos definem uma comunidade de prática. O primeiro é o tema sobre o qual se 

fala  (é  preciso  definir  um  interesse  comum). O  segundo  são  as  pessoas,  que  têm  de  interagir  e  construir 

relações entre si em  torno do  tema. E o  terceiro é a prática, a ação. Reunidas em comunidades virtuais, as 

pessoas aprendem juntas como fazer coisas pelas quais se interessam. 

Seus membros podem fazer parte de um mesmo departamento, serem de diferentes áreas de uma 

companhia, ou até mesmo de diferentes companhias e  instituições. Elas estão  ligadas no que diz  respeito a 

uma área de atuação profissional comum, buscando a socialização para a solução de questionamentos. 

LETRAS LIBRAS |  277 

 

 

Comunidades  Educacionais:  São  constituídas  por  alunos,  de  uma mesma  classe,  de  uma mesma 

instituição ou alunos geograficamente dispersos. O que se busca nesta comunidade é o aprendizado através 

do  relacionamento  social,  baseado  nas  teorias  construtivistas.  Ao  contrário  das  demais,  a  construção  do 

conhecimento se dá através de orientações de um professor e sua relação com os objetivos de uma disciplina 

ou programa institucional.  

Conforme o exposto anteriormente, ao contrário das Comunidades de Interesse, as  Comunidades de 

Prática  e  as  Comunidades  Educacionais  possuem  uma  intenção mais  forte  de  formação  e maior  coesão  e 

envolvimento dos participantes.  

Para Pallof & Pratt  (2004) é o envolvimento com a aprendizagem colaborativa e a prática reflexiva 

implícita na aprendizagem  transformadora que definem as Comunidades Educacionais ou de Aprendizagem. 

Para esses autores, uma comunidade de aprendizagem on‐line se caracteriza pelos seguintes resultados:  

 

“Interação ativa que envolve tanto o conteúdo do curso quanto a comunicação pessoal; 

Aprendizagem colaborativa evidenciada pelos comentários dirigidos primeiramente de um aluno a outro aluno e 

não do aluno ao professor; 

Significados construídos socialmente e evidenciados pela concordância ou questionamento, com intenção de se 

chegar a um acordo; 

Compartilhamento de recursos entre os alunos e, 

Expressões  de  apoio  e  estímulo  trocadas  entre  os  alunos,  tanto  quanto  a  vontade  de  avaliar  criticamente  o 

trabalho dos outros”. (Palloff e Pratt, 2004) 

 

A  seguir  abordaremos  questões  relativas  à  idéia  de  aprendizagem  colaborativa  no  seio  das 

comunidades virtuais de aprendizagem. Discutiremos o papel do aluno na comunidade virtual, suas formas de 

participação, os fatores impulsionadores da interação e interatividade em um ambiente virtual e a colaboração 

como  atitude  indispensável  à  manutenção  de  uma  comunidade  de  aprendizagem.  Abordaremos  ainda 

questões  relacionadas  ao  comportamento  de  passividade  ou  omissão  dos  participantes,  denominado  de 

silêncio virtual. 

 

LETRAS LIBRAS| 278 

 

O Papel do Aluno na Comunidade Virtual

“O Lado do Aluno nas Comunidades de Aprendizagem On‐line” é abordado por Palloff & Pratt( 2004) 

no livro O Aluno Virtual. Os autores destacam que a interação social que acontece na comunidade, estabelece 

os fundamentos da comunidade de aprendizagem, cujo objetivo é o envolvimento no curso. Para os autores, 

”compartilhar a informação, os interesses e os recursos, é parte integrante da educação on‐line”. É a base da 

aprendizagem colaborativa em que a construção de significados é feita pelo conjunto dos participantes. 

Segundo  Palloff  &  Pratt  (2004)  o  professor  de  um  curso  virtual  é  uma  espécie  de  arquiteto  da 

comunidade  de  aprendizagem,  já  que  faz,  a  princípio,  o  planejamento.  Contudo,  são  os  alunos  que,  como 

engenheiros, estruturam o curso.  

 

 

 

A  aplicação  das  técnicas  de  design  instrucional  centradas  no  aluno  requer  o  estabelecimento  de 

algumas precondições do aluno on‐line. Os autores acima mencionados destacam as seguintes: 

 

Ter acesso a um computador e a um modem ou conexão de alta velocidade e saber usá-los;

Possuir mente aberta para compartilhar detalhes sobre sua vida, trabalho e outras experiências

educacionais;

Não se sentir prejudicado pela ausência de sinais auditivos ou visuais no processo de comunicação;

Dedicar uma quantidade significativa de seu tempo semanal a estudos e não ver o curso como uma

maneira mais fácil de obter crédito;

Ter capacidade de refletir e pensar criticamente ou estar potencialmente disposto a desenvolver essas

capacidades, e

Acreditar que a aprendizagem de alta qualidade pode acontecer em qualquer lugar e a qualquer

momento.

 

 

LETRAS LIBRAS |  279 

 

Interação e Interatividade

Freqüentemente os termos interação e interatividade são utilizados na literatura especializada como 

sinônimos. Pela etimologia da palavra, interação é uma ação recíproca entre pessoas ou coisas. Nesse sentido 

o  termo  permite  muitos  significados:  interação  estudante‐estudante;  estudante‐professor;  estudante‐

materiais de estudo; estudante‐sistema de avaliação etc. (Van der Linden,2005). 

Na  comunicação on‐line o  termo  interação  aplica‐se  especificamente  a uma  ação  recíproca  entre 

dois ou mais atores onde ocorre a  comunicação, o diálogo, a  troca de  idéias. Diferentemente da educação 

tradicional em que a  interação é face a face, na EAD a  interação dar‐se‐á de forma  indireta, mediatizada por 

algum veículo técnico de comunicação (telefone, e‐mail, chat, fórum, etc). 

 

 

Figura 2. Interação. Fonte: TAJRA, Sanmya Feitosa ( 2002).

Nas comunidades virtuais de aprendizagem, as interações ocorrem quando os sujeitos modificam‐se, 

como resultado da construção de novos saberes socialmente construídos. Compõem o processo de interação 

os  seguintes  elementos:  emissor,  canal,  mensagem,  receptor,  interpretação  e  conteúdo  devolutivo. 

.(Tajra,2002) 

Já o termo Interatividade é visto como uma nova forma de interação técnica homem ‐ máquina, de 

característica  eletrônico‐digital  oferecida  por  determinado meio  (CD‐ROM,  consulta,  hipertextos  ou  jogos, 

ambientes virtuais, computadores etc). 

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS| 280 

 

 

 

 

O Silêncio Virtual

O  silêncio  virtual  "faz  parte"  e  já  é mesmo  esperado  em  cursos  on‐line,  em  virtude  da 

cultura da oralidade que marca a  formação da grande maioria dos participantes. Muitos 

alunos sentem‐se  inibidos, não se sentindo à vontade com a cultura da comunicação on‐

line, ou  seja,  com uma  comunicação baseada na  escrita  e  aberta  a  todos os participantes.  Essa  situação  é 

definida como “silêncio virtual”. 

É um desafio a ser superado, visto que em ambientes colaborativos a participação é  imprescindível 

sob pena de  fracassar o propósito. O  silêncio virtual pode  ser um momento de  reflexão, e nesse caso, não 

impede  a  aprendizagem,  mas  quando  muito  prolongado  barra  a  colaboração  e  o  compartilhamento  de 

conhecimento. Respeitando o tempo e estilo de cada um, deve haver um esforço coletivo para que todos se 

coloquem num ambiente de confiança e liberdade de pensar e participem da comunidade de aprendizagem. 

Ressalte‐se que a educação on‐line pressupõe colaboração e o participante precisa estar  integrado, 

dinâmico e compromissado. Os silenciosos, aqueles que não se manifestam, quebram a interação e a dinâmica 

do grupo. Assim, a passividade dos participantes merece reflexão por parte dos educadores e avaliadores para 

que,  entendendo  suas  razões,  possam  conduzir  o  trabalho  educativo  na  perspectiva  da  colaboração  e  do 

incentivo a posturas questionadoras diante da realidade. 

As  reflexões sobre o silêncio virtual e as  regras de convivência e participação nas comunidades de 

aprendizagem tem suscitado as seguintes questões: será que mesmo sem se manifestar os alunos aprendem? 

O silêncio atrapalha o processo de aquisição do conhecimento? E quanto a avaliação, como avaliar um aluno 

virtual que participa muito pouco? 

 

Como  saber  se os estudantes  “invisíveis” estão  realmente aprendendo,  como gastam o  tempo no 

ambiente  on‐line  e  se  seu  comportamento  on‐line  influencia  seus  estilos  de  aprendizagem?  Seriam  os 

participantes silenciosos aprendizes autodidatas que preferem permanecer tão anônimos e autônomos quanto 

LETRAS LIBRAS |  281 

 

possível  ou  estão  perdidos  no  ambiente  virtual  e  não  encontram  os  caminhos  da  comunicação?  Estudos 

sugerem  que  a  maioria  dos  estudantes  estaria  freqüentemente  processando  as  idéias  obtidas  no  curso, 

mesmo nas situações em que não estariam visivelmente participando. (Van der Linden,2005) 

Estudiosos da temática alertam que na comunicação  ‐ componente essencial na educação on‐line  ‐ 

não existe aluno presente inativo, o lurker é invisível. Daí porque geralmente são estabelecidas diretrizes para 

que haja uma participação mínima aceitável, estimulando a  interação e facilitando a construção colaborativa 

do conhecimento e o processo criativo do grupo.  

Como medida  prática,  é  recomendável  que  no  começo  de  um  curso,  as  normas  de  participação 

devam  ser  explicitadas,  tais  como  o número  de mensagens  necessárias  semanalmente  e  a  importância  do 

contexto das mensagens. É importante destacar que, não é o envio de mensagens, mas o conteúdo delas que 

tem importância na interação on‐line. Se estiverem fora do contexto, nada acrescentam. 

 

 

 

DIALOGANDO E CONSTRUINDO CONHECIMENTO

Avaliando o que foi Construído

Esperamos  que  as  questões  desta  unidade  tenham  feito  você  refletir  sobre  a  importância  do 

estabelecimento e preservação de uma comunidade no nosso ambiente virtual. Os elos que se estabelecem 

são importantes não só para a socialização do conhecimento adquirido mas também para o compartilhamento 

das dificuldades e dúvidas que aparecem nas experiências pessoais. Cada aluno tem um papel dentro da nossa 

comunidade de aprendizagem UFPBVIRTUAL. 

Pelos nossos objetivos de aprendizagem, a nossa comunidade se diferencia das demais comunidades 

virtuais.  Estamos  interessados  em  construir  uma  atmosfera  agradável  e  convidativa  para  o  ensino  e 

aprendizagem  a  distância.  Nossa  comunidade  de  aprendizagem  está  apoiada  tecnicamente  nos  fóruns  do 

ambiente virtual Moodle através do fórum social, do fórum de notícias e do fórum da disciplina direcionados à 

discussão dos conteúdos específicos desse Curso. No entanto nossas relações interpessoais são construídas e 

alimentadas  também  nos  contatos  permanentes  seja  através  de  e‐mail,  telefonemas,  feedbacks,  chats  e 

algumas vezes face a face.  

 

 

LETRAS LIBRAS| 282 

 

UNIDADE V

AVALIAÇÃO EM AMBIENTES VIRTUAIS APOIADOS PELA INTERNET

 

Situando a Temática

Nesta  unidade  abordaremos  a  questão  da  avaliação  em  Educação  a  Distância,  focalizando  as 

atividades interativas e colaborativas. Discutiremos as dimensões e fundamentos da avaliação educacional, os 

objetos de avaliação on‐line, recursos e  ferramentas utilizados para apoiar a avaliação em ambientes virtuais 

interativos e por fim, a avaliação dos alunos e da nossa disciplina Introdução a EAD. 

Problematizando a Temática

A avaliação sempre esteve dentro da escola, na sala de aula especificamente, limitada à avaliação dos 

alunos, sendo executada através de testes, notas e boletins de desempenho. Esta forma de “julgamento” parte 

de  critérios  rígidos  e  estáticos  que  não  dão  conta  de  avaliar  o  processo  de  construção  do  conhecimento, 

revelando‐se então um problema. O caráter da avaliação deve ser mais amplo e dinâmico e deve destinar‐se 

não apenas a compreender, mas a promover ações em benefício da educação e dos educandos.  

Existem  na  literatura  várias  dimensões  relacionadas  à  avaliação:  a  centrada  no  estudante,  a  que 

focaliza o professor, a que tem em mira o material instrucional ou os cursos/programas, ou ainda a centrada na 

instituição ou no próprio sistema educacional. 

Se  focalizarmos a Educação a Distância apoiada pelos recursos da  Internet, quais os princípios que 

norteiam a avaliação da aprendizagem dessa modalidade de educação? Cabe destacar que a incorporação das 

tecnologias da Internet à educação tem menos de uma década, fato que pode indicar um dos motivos de ainda 

serem reduzidos os estudos específicos sobre avaliação da educação mediada por computadores.  

 

CONHECENDO A TEMÁTICA

As Dimensões da Avaliação

Na  perspectiva  de  fomentar  a  discussão  sobre  o  caráter  multidimensional  da  avaliação, 

apresentaremos  a  seguir  considerações  preliminares  sobre  a  diversidade  de  enfoques,  classificações, 

dimensões e tipos de avaliação que se estabelecem no confronto das idéias e práticas pedagógicas. 

LETRAS LIBRAS |  283 

 

A avaliação somativa é identificada com a forma de avaliação tradicionalmente utilizada nas escolas. 

Presta‐se  à  comparabilidade de  resultados obtidos por diferentes  alunos, métodos ou materiais de  ensino. 

Concebida como  julgamento para verificação da aprendizagem, a avaliação somativa é  realizada no  final do 

período de  instrução para  fins de classificação, através da atribuição de conceitos ou notas. Nessa  forma de 

avaliação há interdependência entre notas e classificações. 

 A  avaliação  formativa,  segundo  Morales  (1998),  é  realizada  no  decorrer  de  um  programa 

instrucional  visando  aperfeiçoá‐lo.  É  concebida  como  meio  para  informar  e  corrigir  erros  a  tempo.  Visa 

fornecer feedback ao aluno e ao professor e busca o atendimento das diferenças individuais e alternativas para 

problemas identificados.  

A  avaliação  diagnóstica  tem  como  preocupação  o  diagnóstico  de  falhas  através  de  instrumentos 

diversificados.  Caracteriza‐se  por  ocorrer  em  dois  momentos  diferentes,  antes  e  durante  o  processo  de 

instrução. No primeiro momento tem como objetivo verificar habilidades básicas dos alunos a fim de agrupá‐

los de acordo com características comuns e formar programas alternativos de ensino; no segundo momento 

está centrada na busca de causas não pedagógicas para os repetidos fracassos de aprendizagem. 

Hoffmann  (2002)  defende  práticas  avaliativas  mediadoras  que  tenham  por  base  os  seguintes 

princípios gerais: uma  concepção de avaliação  como um projeto de  futuro; o entendimento do  valor ou da 

qualidade da aprendizagem como parâmetros sempre subjetivos e arbitrários, e finalmente, a compreensão de 

que a aprendizagem se dá na relação de saber consigo mesmo, com os outros e com os objetos do saber. 

Para  essa  autora,  o  caminho  para  a  avaliação mediadora  não  pode  ser  outro  senão  a  busca  de 

significados  para  todas  as  dimensões  da  relação  entre  educandos  e  educadores,  através  de  investigação 

acerca  das  peculiaridades  dos  aprendizes  e  das  aprendizagens,  numa  visão  de  quem  quer  conhecer  para 

promover e não para julgar. 

Fundamentos da Avaliação Educacional

O  uso  das  Tecnologias  da  Informação  e  da  Comunicação  ‐TICs  na  educação  tem  provocado  o 

deslocamento  do  modelo  tradicional  de  avaliação,  para  uma  concepção  de  avaliação  adequada  à 

aprendizagem colaborativa na educação on‐line. Essa concepção pressupõe o rompimento da  linearidade de 

transmissão de conhecimentos, a articulação entre o envolvimento  individual e o coletivo, a  interação entre 

várias  fontes de  informação e entre os vários atores, e a própria  imprevisibilidade das metas, visto que na 

educação on‐line, o aluno está no centro do processo educacional. 

A cultura tradicional de avaliação marcada pela concepção “bancária”, termo utilizado por Paulo Freire 

(1987),  fundamentada  num  conceito mecânico  e  estático  de  ensino‐aprendizagem,  inibe  a  autonomia  dos 

educandos  fazendo‐os dependentes de uma ação externa, direcionada, e representa uma barreira às práticas 

avaliativas mediadoras.  

 

LETRAS LIBRAS| 284 

 

 

DIALOGANDO E CONSTRUINDO CONHECIMENTO

Avaliação em Ambientes Virtuais Interativos

Alguns autores consideram que a auto‐avaliação dos alunos seja tão  importante quanto a avaliação 

do professor no que diz respeito à qualidade da aprendizagem e ao alcance dos objetivos na educação on‐line, 

a exemplo de Peters (2001), que defende a idéia de que mais importante que orientar‐se no mundo abstrato 

de uma universidade virtual, vivenciando‐a e se acostumando com a sua natureza, é não depender do  juízo 

dos outros,  tomar  iniciativas, desenvolver a capacidade de  reconhecer diferenças qualitativas, avaliar por  si 

próprio os métodos de estudo e fazer suas escolhas autonomamente, refletindo sobre a própria aprendizagem 

e contribuindo assim para o surgimento da cultura da comunicação digital. 

A sala de aula virtual é vista por Harasim (1997) como um sistema computacional aprimorado para o 

aprendizado  e  a  comunicação,  e  apresenta  a  capacidade  de  respeitar  os  diferentes  ritmos  e  estilos  de 

aprendizagem, a heterogeneidade de conhecimentos trazidos pelos alunos e seus valores no contexto cultural, 

pessoal  e  profissional  em  que  se  inserem.  São  requisitos  a  serem  considerados  na  avaliação  da  educação 

virtual.  

A  avaliação  de  atividades  colaborativas  nesse  sistema  parece  estar  mais  relacionada  à 

implementação dos meios com fins educacionais, do que com as características desse meio. É sempre muito 

fértil rastrear um grande volume de dados e estar atento para detectar possíveis problema. 

Consulte  as  no  processo  de  aprendizagem.  Ressalta‐se  que  diante  de  suas  características  e 

intencionalidades, parece ser adequado estimular o aluno a fazer suas reflexões sobre o próprio aprendizado, 

o que pode traduzir a auto‐avaliação como princípio da avaliação formativa.  

 

Objetos de Avaliação na Educação On-line

Existem  vários  aspectos  a  serem  tomados  como  objetos  de  avaliação  na  educação  on‐line. 

Poderíamos  citar,  a  título  de  ilustração,  os  conteúdos,  as  estratégias,  os  recursos  utilizados,  os  atores  do 

processo, a mídia, a infra‐estrutura tecnológica e as redes de comunicação.  

LETRAS LIBRAS |  285 

 

Destacamos entre os mencionados objetos, o diálogo ou  a  comunicação dialogada. É um  assunto 

recorrente na literatura em virtude de sua importância em ambientes interativos.  

O  termo diálogo a que nos  referimos é aqui expresso para descrever uma  interação ou  séries de 

interações que possuem qualidades positivas, no  sentido  apresentado por Moore  (1993). Para o  autor, ele 

precisa ser intencional, construtivo e valorizado pelas partes que o estabelecem. Sua natureza e extensão são 

orientadas pela filosofia educacional do curso, pela personalidade de professores e alunos, pelo tema do curso 

e por fatores ambientais, entre eles o meio de comunicação adotado. 

 

 

 

Um  enfoque  em  favor  da  participação  ativa  dos  alunos  nos  ambientes  virtuais  é  defendido  por 

estudiosos da temática, a exemplo de Gonçalves (2004) para quem, na educação on‐line, o participante precisa 

estar  integrado,  dinâmico  e  compromissado.  Os  silenciosos,  aqueles  que  não  se manifestam,  quebram  a 

interação  e  a  dinâmica  do  grupo.  Assim,  a  passividade  dos  participantes merece  reflexão  por  parte  dos 

educadores  e  avaliadores  para  que,  entendendo  suas  razões,  possam  conduzir  o  trabalho  educativo  na 

perspectiva da colaboração e do incentivo a posturas questionadoras diante da realidade. 

É  importante observar o que  está predominando pelo  lado dos  aprendizes:  silêncio,  respostas ou 

iniciativas? O silêncio precisa ser considerado: é momento de reflexão? É sinal de desinteresse ou apatia?  

As  causas  do  silêncio  virtual  precisam  ser  investigadas  pela  avaliação,  pois  em  ambientes 

colaborativos  virtuais,  a  participação  é  imprescindível.  O  silêncio  virtual  não  necessariamente  impede  a 

aprendizagem, mas  barra  a  colaboração  que  potencialmente  leva  à  troca  de  conhecimentos. Diante  desse 

pensar, as razões para o silencio virtual preocupam a avaliação.  

 

 

 

Recursos e Ferramentas da Avaliação em Educação On-line

 

LETRAS LIBRAS| 286 

 

Palloff & Pratt (2004) apresentam alguns critérios fundamentais de avaliação dos alunos on‐line, na 

perspectiva de que a mesma não seja tomada como uma tarefa isolada e incômoda, mas que esteja de acordo 

com o curso como um todo, inserida em seu contexto.  

Propõem que se observem: diretrizes, objetivos, valores, metas e padrões claros; tarefas autênticas e 

holísticas, que sejam relevantes para a matéria estudada e para a vida dos alunos; uma estrutura facilitadora; 

acompanhamento formativo suficiente e adequado e a clareza do contexto de aprendizagem de modo que os 

alunos estejam conscientes do que deles se espera.   

As  reflexões  sobre  avaliação  geralmente  se  fazem  em  torno  dos  processos  de  interação  e 

interatividade,  focados na  freqüência de participação nos  fóruns, nas  listas de discussão, nos  chats, mural, 

glossário coletivo, mas também, devem ser consideradas as atividades individualizadas  como perfil de aluno, 

diário de bordo, blog e e‐portfólio.  

 

 

 

Rubrics

A  idéia de  rubric  ainda pouco difundida  entre nós,  teve origem nos  Estados Unidos nos  anos 70, 

segundo  Lüdke  (2003),  quando  estudiosos  da  temática  preocupados  com  a  exclusividade  de  instrumentos 

avaliativos muito centrados na comparação com a norma, propuseram novos  instrumentos voltados para o 

estabelecimento de critérios (criteria referenced measurements) de avaliação da educação em rede.  

O  uso  de  critérios  na  forma  de  rubric  na  avaliação  da  educação  on‐line  conforme  defendido  por 

Palloff & Pratt (2004), tem o mérito de conscientizar os alunos sobre o que deles se espera, e ajuda a alinhar 

os objetivos de aprendizagem e de avaliação. 

 

 

LETRAS LIBRAS |  287 

 

 

Instrumentos e Procedimentos de Avaliação dos Alunos e da Disciplina 

O desenvolvimento da  tecnologia  trouxe soluções para os problemas da distância  física ao  romper 

barreiras  temporais  e  espaciais,  apontando  para  consolidação  de  um  novo  paradigma  educacional.  São 

perceptíveis as mudanças nas formas de comunicação humana (síncrona e assíncrona) e a facilidade de acesso 

a  dados  e  informações  trazidas  pelas  tecnologias  da  comunicação.  Em  que  consiste  esse  paradigma 

educacional?  O que é paradigma?  

 

Nesse  paradigma  a  educação  se  faz  através  da  comunicação  interativa  dialogada,  focada 

especialmente no diálogo textual e na  interação. Esse paradigma diferencia‐se da modalidade tradicional de 

educação por  se  realizar através dos meios  informáticos e estar marcado por novas  relações entre alunos‐

professores, aluno‐aluno, aluno‐material instrucional. Diferencia‐se ainda pela forma colaborativa de construir 

conhecimentos, nos quais as questões relativas a tempo, espaço e hierarquia sofreram profundas alterações, 

produzindo interações de igual para igual entre professor e aluno e o desenvolvimento de um ágil processo de 

comunicação e intercâmbio entre os sujeitos.  

Evidentemente  esse paradigma obriga‐nos  a  repensar novas  estruturas  e metodologias no  design 

instrucional, novas estratégias de ensino, novas dinâmicas de grupo e evidentemente, novas formas de avaliar 

a construção do conhecimento. Nessa perspectiva, geralmente os alunos participam da própria avaliação ao 

realizarem a auto‐avaliação, da avaliação dos pares. 

 

 

 

LETRAS LIBRAS| 288 

 

Como  indicado  no  programa  do  curso  em  “Critérios  de  Avaliação”,  a  avaliação  dos  alunos  será 

contínua e formativa e estará voltada para o acompanhamento da construção do conhecimento dos alunos, ao 

longo do curso, através da monitoração das atividades virtuais, com base nos relatórios emitidos pelo Moodle 

(atividades no fórum, chat, glossário, wikis, resumos, tarefas, apresentações virtuais, portfólio, etc e de uma 

avaliação presencial. 

Os procedimentos de avaliação dos alunos consistem em analisar: 

A participação nos fóruns de discussão, com observação no foco das discussões e na capacidade de

envolvimento e colaboração (tarefa assíncrona);

A participação nos chats observando o envolvimento e a interação social (tarefa síncrona, em tempo

real);

A capacidade de articulação (na forma textual) do instrumental teórico, objeto de discussão da

disciplina, em conformidade com a bibliografia básica adotada. Trabalhos escritos na forma de relatório,

síntese, resenha, e tarefas on line e off line a serem enviados através do Moodle;

A participação na Sala de aula virtual Moodle, com monitoramento da participação (acesso aos

materiais de estudo) através dos relatórios detalhados emitidos pelo Moodle;

Uma Prova Presencial de Disciplina (presencial). E um Exame Final

 

Avaliando o que foi construído

A  literatura  sobre  avaliação  nos  traz  reflexões  sobre  os  desafios  colocados  pelo  uso  das  TIC’s  na 

transformação do paradigma de avaliação tradicional. As novas propostas de  investigação  levam em conta o 

ambiente em que as ocorrências se manifestam e a multiplicidade de interpretações dos fenômenos a serem 

avaliados nos seus respectivos contextos. 

Essas  tecnologias  possibilitam  liberar  a  inteligência  humana  das  tarefas  rotineiras  permitindo  aos 

indivíduos concentrarem‐se no essencial de  sua  tarefa. Desse modo,  resta aos estudantes mais  tempo para 

reflexão,  criação,  inovação,  colaboração  e  aprendizagem  autônoma.  Nesse  sentido,  percebemos  que  a 

avaliação da  construção de  conhecimentos mediada por  recursos da  Internet, encontra maior  identificação 

com  a  proposta  sócio‐construtivista  interacionista,  ao  reclamar  dos  aprendizes  habilidades  de  dominar  as 

estratégias de acesso, capacidade de assimilação, seleção e análise de dados e  informações e sua conversão 

em conhecimentos, num processo contínuo de interação humana e cooperação.  

Nesse cenário, a avaliação precisa estar atenta a essa nova modalidade de ensino‐aprendizagem e 

buscar  estratégias  adequadas.  Nela,  a  construção  do  conhecimento  desloca‐se  da  unidade  de  análise  do 

indivíduo para a relação do indivíduo com o ambiente e a interação com os demais membros, e o aluno porta‐

se como agente ativo na estrutura de tomada de decisões sobre o que estudar e como estudar, de acordo com 

seu estilo de aprendizagem.  

LETRAS LIBRAS |  289 

 

Diante  desse  quadro  é  relevante  avaliar  as  dimensões  cognitivas  e  sociais  da  aprendizagem, 

perspectiva na qual a avaliação acaba por conferir coerência entre as percepções dos alunos e os objetivos da 

proposta educacional sensível ao contexto específico. Faz‐se necessário por em prática a avaliação continuada 

como subsídio ao aperfeiçoamento da proposta pedagógica. Nesse sentido, cabe ao professor e sua equipe 

interpretar os dados, decifrando‐os na perspectiva da avaliação como prática permanente de investigação, em 

coerência com os fundamentos da aprendizagem colaborativa, sem se deixar envolver pelas crenças e valores 

tradicionais arraigados na  cultura de avaliação,  carregados pela  lógica da  competitividade e da eficiência e 

refletidos nos processos de punir ou premiar. 

 

LETRAS LIBRAS| 290 

 

 

UNIDADE VI

HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

 

Situando a Temática

Nesta unidade traçaremos um panorama do surgimento e evolução da EAD. Trataremos também da 

conseqüente regulamentação dessa modalidade de ensino no Brasil. Na tentativa de facilitar a compreensão, 

apresentaremos o tema de estudo em dois momentos: no primeiro, discutiremos as origens históricas da EAD, 

apresentando suas gerações com destaque para a evolução recente da EAD nas instituições de ensino superior 

brasileiras. Num  segundo momento,  trataremos  da  regulamentação  e  autorização  da  EAD  através  de  Leis, 

Decretos e Portarias do Ministério da Educação.  

Problematizando a Temática

Segundo Oreste Preti (1996) a Educação a Distância “não é algo totalmente novo em nosso país, pois 

vivenciamos experiências em EAD desde a década de 1960. Lembra do Projeto Minerva, do Logos I e Logos II e, 

recentemente,  Telecurso  2000,  Salto  para  o  Futuro,  TV  Escola  e  ProFormação?  Algumas  foram  avaliadas 

positivamente, outras criticadas; umas desenvolvidas em  todo  território nacional, enquanto umas poucas só 

regionalmente. ” 

Destacada  na  mídia  como  uma  novidade  e  explorada  pelos  ideólogos  como  uma  modalidade 

moderna e eficiente de ensino‐aprendizagem, as questões que envolvem o ensinar e o aprender a distância 

tem causado ao mesmo tempo perplexidade e desconfiança. Às vezes nos perguntam: Será que funciona?  Já 

existiu ou foi testado em outros países? Como são as aulas? E as avaliações? Será que as pessoas são capazes 

de aprender  sem a presença  física do professor? Frequentemente a  falta de  informações  sobre a história e 

evolução  da  EAD  no  mundo  tem  levado  as  pessoas  a  esses  questionamentos  e  a  estigmatizar  a  EAD, 

associando‐a  a  experiências  de  pouco  êxito  e muito  isolamento. Nesta  unidade  buscaremos  discutir  essas 

questões com base em dados e informações. 

Veremos que as  suas origens  são mais antigas do que nós pensamos e que  sua história  tem  sido 

marcada por forte intervenção humana, ancorada, é claro, nos avanços tecnológicos de cada período histórico. 

LETRAS LIBRAS |  291 

 

Veremos que as tecnologias desempenham uma função  importante em EAD, mas que é a ação humana que 

conduz seu movimento.  

Desde o seu surgimento, as diferentes tecnologias incorporadas ao ensino contribuíram para definir 

os suportes fundamentais das propostas educativas. A importância da tecnologia tem sido tão destacada, que 

algumas vezes questiona‐se o papel do professor. Será que ele vai ser substituído pelas mídias eletrônicas? 

Qual a sua nova função nesse contexto? Será que ele será capaz de portar‐se autonomamente? Como as novas 

tecnologias podem viabilizar uma educação focada no aluno, em que ele e não o professor seja o “centro das 

atenções”? Essas são questões recorrentes que merecem nossa atenção e que serão objeto de discussão nessa 

unidade. 

Conhecendo a Temática

Atualmente os  sistemas de educação a distância  constituem  cada vez mais uma possibilidade  real 

para  quem,  por  diferentes  razões,  deseja  concluir  ou  continuar  um  processo  de  formação  educacional  ou 

profissional. Dentre as possibilidades existentes, e como parte da educação aberta e a distância, a educação 

virtual ou on‐line (modalidade educativa realizada via Internet, especificamente pela Web) tem demonstrado 

ser  uma  alternativa  para  elevar  os  níveis  de  formação,  capacitação  e  atualização,  ao  incorporar  diversas 

estratégias pedagógicas orientadas por processos de aprendizagem autodirigida. 

Apreende‐se, a partir da literatura sobre educação mediada pela tecnologia, que educar a distância é 

um  processo  bastante  complexo.  Sua  implementação  exige  a  escolha  cuidadosa  dos meios  tecnológicos,  a 

observância  do  acesso  dos  aprendizes  às  tecnologias  escolhidas,  a  definição  de métodos  pedagógicos  que 

viabilizem  a  interação  e  a  interatividade  necessárias  ao  processo  de  ensino‐aprendizagem  considerando  a 

autonomia  do  aprendiz  e,  sobretudo,  a  escolha  de  conteúdos  que  permitam  problematizar  o  saber, 

contextualizando  conhecimentos,  de  modo  que  possam  ser  apropriados  pelos  aprendizes  e  que  tenham 

funções informativas e formativas para o trabalho e para a vida.  

Conhecer a história da EAD e o atual contexto de seu desenvolvimento constitui passo fundamental 

para participar ativa e criticamente do sistema, seja como aluno ou docente.  

 

Contexto Histórico

Somente em 1994,  com a expansão da  Internet nas  Instituições de Ensino  Superior  (IES) e  com  a 

publicação  da  Lei  de  Diretrizes  e  Bases  da  Educação  (LDB)‐Lei  9.394/96  de  dezembro  de  1996,  a  EAD  foi 

oficializada. No entanto, o Brasil tem história na EAD. O país presenciou o surgimento de cursos à distância no 

início  do  século  20  (a  primeira  instância  foi  documentada  exatamente  há  100  anos,  em  1904).  O  rádio 

educativo surgiu em 1923 e nas Décadas de 1960 e 1970, surgem experiências com a televisão educativa (TVE) 

 

LETRAS LIBRAS| 292 

 

com  cursos  supletivos  e  formação.  Entre  meados  dos  anos  80'  e  meados  de  90'  tem  início  o  uso  de 

ferramentas  de  aprendizagem  on  line  e  surgem  os  primeiros  cursos  apoiados  pela  Internet  e  por 

videoconferência. 

Em 1997 começam a ser produzidos pelas universidades brasileiras os primeiros Ambientes Virtuais 

de Aprendizagem. O Brasil não perdeu tempo nesta área e já em 1995 e 1996 produzia soluções próprias com 

os  sistemas  da  Universidade  Anhembi  Morumbi  em  São  Paulo,  Universidade  Federal  de  Pernambuco, 

Universidade Federal de Santa Catarina, Faculdade Carioca no Rio de  Janeiro e Universidade Federal de São 

Paulo  (Escola  Paulista  de Medicina).  Estas  universidades,  além  da  UnB  e  da  PUC,  são  responsáveis  pela 

chegada e implantação no Brasil dos recursos da 3ª Geração de Educação a Distância. 

É nesse contexto, que a modalidade a distância começa a ganhar importância. Se antes era associada 

a cursos de baixa qualidade, uma educação marginalizada e sem reconhecimento como modalidade educativa 

com características próprias, agora se apresenta como possibilidade concreta de viabilizar o acesso a educação 

de qualidade, com interação humana e interatividade e sem limitação de tempo e de espaço físico. 

Pensar  nos  desafios  que  a  educação  virtual  enfrenta  nesse  novo  contexto  é  o  propósito  dessa 

unidade de estudo. 

 

Surgimento e Evolução da EAD

O  final  do  século  XIX marcou  o  surgimento  da  EAD, mesmo  que  de  forma  embrionária,  quando 

instituições particulares nos Estados Unidos e na Europa ofereciam cursos por correspondência destinados ao 

ensino de  temas vinculados a ofícios, com pequeno valor acadêmico. Provavelmente, segundo Litwin  (2001), 

essa origem tenha fixado uma apreciação negativa de muitas de suas propostas. Somente nas últimas décadas 

a EAD assumiu um status que a coloca no centro das atenções pedagógicas de um número cada vez maior de 

países. Vejamos algumas universidades que inovaram ao implantar essa modalidade de educação ainda quando 

se achava duvidoso o seu potencial educativo:  

 

A Universidade de Wisconsin, criada exclusivamente para essa modalidade de ensino, marca um

ponto importante no desenvolvimento de EAD na educação norte-americana. Em 1981, a administração da

universidade aceita proposta de seus professores para organizar cursos por correspondência nos serviços de

extensão universitária. Para conhecer sua atual estrutura visite http://www.wisc.edu/

A Universidade Aberta no Reino Unido, mais conhecida como Open University, mostrou ao mundo

uma proposta com um desenho complexo, o qual conseguiu, utilizando meios impressos, televisão e cursos

intensivos em períodos de recessos de cursos presenciais em outras universidades convencionais, produzir

cursos acadêmicos de qualidade. Esta universidade transformou-se em modelo de ensino a distância e os

LETRAS LIBRAS |  293 

 

egressos dessa modalidade competiam pelos postos de trabalho com os graduados de universidades

presenciais. Visite http://www3.open.ac.uk

A FernUniversität, criada na Alemanha em 1974 com o objetivo principal de aliviar a pressão da

demanda por vagas nas tradicionais universidades presenciais alemãs. Na FernUniversität o ensino é

articulado sobretudo na forma de cursos a distância, de baixa estruturação, elaborados com ampla

liberdade pelos professores dos cursos, sob a forma de textos didáticos, glossários, questões para auto-teste

e trabalho autônomo (Peters,2001). Peters foi o fundador e primeiro reitor da FernUniversität .Visite

http://www.fernuni-hagen.de/

Universidade Nacional de Educação a Distância (UNED) na Espanha, estruturada nos anos 70,

utilizava materiais impressos entregues via correios como meio principal. No final do século XX migrou para

integração com a Internet. Estas propostas atraíram um grande número de estudantes em todo mundo, tanto

de carreiras de graduação como de pós-graduação. Visite http://www.uned.es/portal/

No  século XIX e até o primeiro  terço do  século XX, a principal  solução para a educação a distância 

estava ancorada na produção de materiais  impressos com distribuição via Correios, que era conhecida como 

“ensino por correspondência”. 

No segundo terço do século XX, as  instituições passam a utilizar os recursos do rádio e da televisão 

para  a  difusão  de  programas  educacionais,  agregando  como  suporte  e  apoio  os  materiais  impressos 

encaminhados via Correios. O rádio alcançou muito sucesso em experiências nacionais e internacionais, tendo 

sido bastante explorado na América Latina nos programas de educação a distância do Brasil, Colômbia, México, 

Venezuela, entre outros. 

Nas décadas de 60 e 70, a educação a distância, embora mantendo os materiais escritos como base, 

passa a incorporar articulada e integradamente o áudio, o videocassete, as transmissões de rádio e televisão, e 

o videotexto. Mais recentemente foi incorporada a tecnologia de multimeios que combina texto, som, imagem, 

assim como mecanismos de geração de caminhos alternativos de aprendizagem   e  instrumentos para fixação 

de aprendizagem com feedback imediato (programas tutoriais informatizados). 

Ao  final  do  século  XX,  surgiram  as  transmissões  de  televisão  por  satélite  propiciando  alcance 

continental a programas educacionais, cursos distribuídos por meio de fitas de áudio e de vídeo, programas de 

aprendizagem assistida por computador, os CD‐ROMs, as redes de informação para troca de dados. No último 

terço do século surgiram no ensino superior instituições dedicadas exclusivamente à educação a distância com 

perfis próprios em metodologia e uso de tecnologias. 

Se  você  ficou  curioso em descobrir  como  funciona  a EAD nas  grandes universidades mundiais  leia 

“Modelos de Ensino  e Aprendizagem de  Instituições Específicas”  (Peters, 2001,  capitulo 7). Nesse  capítulo o 

autor apresenta uma descrição e os modelos didáticos das seguintes  Instituições: University of South Africa; 

Open University  inglesa; FernUniversität alemã; University of China; University of  the Air do  Japão; o Empire 

State College americano; a National University Teleconference Network americana; e o projeto Contact North 

do Canadá. 

 

LETRAS LIBRAS| 294 

 

 

Gerações de EAD

Atualmente,  a  Educação  a  Distância  pode  escolher  dentre  uma  vasta  gama  de  tecnologias. 

Basicamente, o desenvolvimento tecnológico da educação passou por quatro fases. Apresentaremos o quadro 

abaixo, identificando cada fase ou geração com o período e com as tecnologias adotadas: 

 

 

Em  adição  às  quatro  gerações  anteriormente  descritas  Aretio  (2001)  apresenta  uma  5ª Geração, 

essencialmente derivada da 4ª geração.  

A 5ª geração diferentemente das gerações anteriores, especialmente da 1ª e da 2ª em que os custos 

variáveis apresentam crescimento proporcional ao número de alunos matriculados, traz consigo o potencial de 

diminuição  significativa  dos  custos  relacionados  à  economia  de  escala  e  custos  de  efetividade,  quando 

comparados aos da EAD tradicional ou ao sistema convencional de educação face a face. 

GERAÇÃO PERÍODO CARACTERÍSTICAS

1840 -

1950

Cursos por correspondência Os instrutores passaram a produzir textos, guias de estudo com tarefas e exercícios e outros materiais impressos que eram enviados pelo correio aos estudantes. A comunicação se fazia através da interação entre o estudante e a instituição e os alunos podiam estudar em casa.

1950 -

1960

Universidades Abertas Surgem as primeiras Universidades Abertas com novos veículos de disseminação de conteúdos como o rádio, televisão, fax, com interação por telefone, além do material impresso. Leituras ao vivo em sala de aula eram capturadas e transmitidas a outros grupos de alunos, que poderiam seguir a lição de uma sala de aula distante por meio da televisão ou do rádio. A interação continuava apenas entre o estudante e a instituição.

1960 –

1995

Multimídia Nesta geração temos os recursos da primeira e da segunda fases juntos, em uma abordagem multimídia, com base em textos, áudio e televisão. Mas estes meios eram suplementares ao material impresso. A computação como meio de acessar bancos de dados foi sendo incorporada aos processos de ensino à medida que se desenvolvia.

A partir

de 1995

Múltiplas Tecnologias Múltiplas tecnologias incluindo os computadores e as redes de comunicação. Houve a integração das telecomunicações com outros meios educativos, mediante a informática (correio eletrônico, CDs, Internet, audioconferência, videoconferência, redes de computadores, telefone, fax, papel impresso etc). As redes de comunicação além de prover o acesso a uma gama de informações nunca antes existente possibilitaram a comunicação interativa em dois sentidos, síncrona e assíncrona, entre a instituição e os estudantes, entre os estudantes e os professores ou tutores e entre os próprios estudantes, provocando mudanças consideráveis nos processos educacionais. Também destacamos nesta fase a idéia de ensino virtual.

LETRAS LIBRAS |  295 

 

Do  ponto  de  vista  pedagógico,  a  5ª  geração  de  EAD  possibilita  experiências  personalizadas  com 

efetivos  serviços pedagógicos e administrativos de apoio ao estudante e uma melhor qualidade da  tutoria, 

com custos per‐capita significativamente menores.  

 

      

 

 

 

A Inserção da EAD no Brasil

Vejamos alguns períodos importantes da inserção da EAD no Brasil: 

 

No fim da década de 30 e na década de 40, algumas instituições como o Instituto Universal Brasileiro

e o Instituto Monitor ofereciam cursos por correspondência. Em seguida surgiu a Universidade do Ar, que

funcionava pelo rádio, promovida pelo SENAC. Visite o site atual do Instituto Monitor

http://www.institutomonitor.com.br/ . Observe sua proposta de trabalho e os meios utilizados atualmente.

Nas décadas de 50 e 60, houve a explosão de cursos por correspondência visando a alfabetização de

adultos, com a participação da Igreja Católica.

Nas décadas de 70 e 80, foram oferecidos vários cursos na TV Globo e pela Universidade de Brasília

utilizando metodologia educacional que integra conteúdos do ensino fundamental e do ensino médio com

uso de multimeios. A iniciativa oferece uma nova oportunidade de concluir os estudos básicos.

Em 1995 foi criado pela Fundação Roberto Marinho e pela Fiesp, o aperfeiçoamento de dois cursos

anteriores: o Telecurso 1º Grau e o 2º Grau. Nesses cursos, o material didático é composto de livros e

vídeos e permite que se faça o curso em casa assistindo às aulas através das emissoras de TV que

transmitem o Telecurso ou em uma das várias telessalas existentes no Brasil. Nestas, os alunos têm à

 

LETRAS LIBRAS| 296 

 

disposição um aparelho de vídeo e um orientador além de material didático de apoio. Visite

http://www.frm.org.br/

Em 1995 houve a disseminação da Internet nas Instituições de Ensino Superior, via Rede Nacional de

Pesquisa - RNP.

Em 1999-2002 foi feito o credenciamento oficial de Instituições Universitárias para atuar em EAD.

Em 2000 foi criada a Universidade Virtual Pública do Brasil, UniRede consórcio de 70 instituições

públicas de ensino superior que tem por objetivo democratizar o acesso à educação de qualidade por meio

da oferta de cursos a distância. Visite http://www.unirede.br

Em 2006 aconteceu o lançamento da Universidade Aberta do Brasil Visite www.uab.capes.gov.br

 

É possível identificar uma profusão de projetos de EAD baseados em tecnologias da Internet que têm 

marcado o cenário da educação brasileira desde os anos 90. As iniciativas têm surgido como resposta imediata 

à necessidade de treinamento empresarial e‐learning e no mundo acadêmico principalmente nas  instituições 

públicas brasileiras, em projetos de formação de professores no atendimento aos determinantes do art. 80 da 

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que trata da inserção da EAD no sistema educacional.  

 

 

Legislação Específica

Do ponto de vista legal, a EAD foi oficialmente reconhecida como modalidade no Brasil em 1996, na 

consolidação da última reforma educacional brasileira, instaurada pela Lei de nº 9.394/96. Com a promulgação 

desta Lei, que fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a EAD passou a ser uma alternativa regular e, 

regulamentada,  deixou  de  pertencer  ao  elenco  de  projetos  sempre  designados  como  “experimentais”. 

Conjuntamente  a  essa  Lei,  existem  Decretos  e  Portarias  com  instruções  acerca  da  aplicação  da  Lei, 

recomendações de caráter geral, norma de execução e outras determinações.  

Em 08 de junho de 2006, através do Decreto nº 5.800 foi instituído o Sistema Universidade Aberta do 

Brasil  ‐ UAB,  voltado para o desenvolvimento da modalidade de  educação  a distância,  com  a  finalidade de 

expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior no País. 

LETRAS LIBRAS |  297 

 

Regulamentação da EAD no Brasil

 

 

Educação a Distância é institucionalizada através do Decreto 5.622 que regulamenta o art. 80 da Lei 

nº  9.394,  caracterizando‐a  como  modalidade  educacional  na  qual  a  mediação  didático–pedagógica  nos 

processos  de  ensino  e  aprendizagem  ocorre  com  a  utilização  de  meios  e  tecnologias  de  informação  e 

comunicação,  com  estudantes  e  professores  desenvolvendo  atividades  educativas  em  lugares  ou  tempos 

diversos.  

Os Cursos oferecidos pela UFPB VIRTUAL são autorizados pelo MEC pela Portaria nº 873 de 7 de abril 

de 2006,  com base no Art. 1o. da  Lei n. 9.394, que autoriza a oferta de  cursos  superiores a distância nas 

Instituições  Federais de Ensino  Superior, no âmbito dos programas de  indução da oferta pública de  cursos 

superiores  a  distância  fomentados  pelo  MEC.    Para  maiores  informações  sobre  o  credenciamento  de 

instituições e  a  autorização de  cursos,  visite  a página da UAB: http://www.uab.capes.gov.br/   e  veja o  link 

Credenciamento de IES. 

Com esta Lei a EAD ganha, de forma explícita e inquestionável, o status de modalidade plenamente 

integrada ao sistema de ensino. É um processo que ainda não foi completado, mas os dispositivos já emanados 

oferecem os rumos legais para as instituições que querem atuar em EAD. 

 

 

 

 

 

 

 

LETRAS LIBRAS| 298 

 

A Concepção Legal da Educação a Distância no Brasil  

“Educação a Distância (EAD) é a modalidade educacional na qual a mediação didático‐pedagógica nos 

processos  de  ensino  e  aprendizagem  ocorre  com  a  utilização  de  meios  e  tecnologias  de  informação  e 

comunicação, envolvendo estudantes e professores no desenvolvimento de atividades educativas em  lugares 

ou  tempos  diversos.  Essa  definição  está  presente  no Decreto  5.622,  de  19.12.2005  (que  revoga  o Decreto 

2.494/98), que regulamenta o Art. 80 da Lei 9394/96 (LDB)” . Site da UAB ( 2008) 

 

Avaliação do Aluno na EAD: Determinações Legais  

A  dimensão  pedagógica  da  avaliação  determinada  pela  Lei  9.394/96‐LDB  tem  por  princípio  uma 

avaliação  processual,  contínua,  onde  os  resultados  devem  ser  cumulativos  ao  longo  do  período  e  com 

prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos. 

Esses princípios aplicam‐se à Educação a Distância que na sua dimensão  legal exige a  realização de 

exames ou provas presenciais, no processo ou finais, em caráter obrigatório. Para atender a esse dispositivo a 

mesma Lei, em seu Artigo 47, determina que as Instituições de Ensino Superior informem aos interessados os 

critérios de avaliação a serem adotados, antes de cada período letivo. 

“Os cursos a distância oferecidos pelo programa UAB conferem diplomas e certificados, da mesma 

forma que acontece em cursos presenciais e possuem a mesma validade acadêmica e profissional.” Site da UAB 

(2008) 

 

Números recentes da EAD no Brasil

Em 2006, o Brasil  teve 2,279 milhões de alunos a distância matriculados em vários  tipos de cursos 

credenciados,  fazendo  educação  corporativa  e  em  outros  projetos  educacionais,  nacionais  e  regionais  de 

acordo com o Anuário Brasileiro Estatístico de Educação Aberta e a Distância (Abraead/2007), publicação da 

LETRAS LIBRAS |  299 

 

Associação Brasileira de Educação a Distância – ABED e do  Instituto Monitor, com o apoio da Secretaria de 

Educação a Distância do MEC (Seed/MEC).  

Isso  significa que um em  cada oitenta brasileiros estudou por EAD no ano de 2006. O número de 

alunos no  ensino  credenciado  a distância  cresceu  54%  em  2006,  e  já  chegou  a  778 mil pessoas.  Se  forem 

contados apenas os alunos de graduação e pós‐graduação, o aumento foi de 91% em 2006. 

 

A  Região  Sudeste  deixou  de  ser  a  região  com  maior  número  de  alunos  a  distância  no  Brasil. 

Atualmente, ela tem 31% do total. A região Sul do país é agora a que tem maior número de alunos (33%). As 

regiões Sul e Centro‐Oeste são as que mais crescem em número de alunos de EAD. Há em todo o Brasil 889 

cursos  a  distância  (credenciados  pelo  Sistema  de  Ensino  – MEC  e  conselhos  estaduais  de  educação),  sem 

contar os livres. 

O maior grupo  isolado é o de pós‐graduação  lato‐sensu  (246  cursos); os de graduação  são 205. A 

mídia mais utilizada em cursos a distância no país é o material  impresso  (86% das  instituições a utilizam). A 

segunda mídia mais utilizada é o e‐learning (56%) Os dados indicam que os paradigmas presenciais resistem na 

EAD, de modo que a maioria das instituições ainda utiliza o professor presencial (72%) e a reunião presencial 

(58%). Fonte: ABED  www.abed.org.br 

Em 2004 havia 166 instituições autorizadas a ministrar cursos de EAD ou com cursos credenciados no 

Brasil. Em 2006, este número chegou a 225, com crescimento de 36%. O número de alunos, que em 2004 era 

de 309.957 passou para 778.458, um crescimento de 150%.  

 

Avaliando o que foi construído

Esperamos  que  esta  unidade  tenha  possibilitado  reflexões  sobre  a  história  da  EAD  e  sobre  sua 

configuração  como  uma  modalidade  de  educação  em  contínuo  desenvolvimento.  Neste  contexto  somos 

levados  a  refletir  principalmente  sobre  que  tipo  de  desafios  a  EAD  no  Brasil  necessita  superar:  desafios 

tecnológicos, infra‐estrutura básica ou professores e alunos dispostos a enfrentar a mudança de paradigma?  

Em nível mundial o panorama observado desde o ano de 1995 se revela bastante promissor e o Brasil 

não  ficou  excluído,  embora  ainda  esteja  distante  historicamente  de  países  da  Europa  como  a  Espanha, 

Alemanha e Inglaterra e da América do Norte como os Estados Unidos e Canadá que têm uma  longa tradição 

em EAD. 

Hoje no Brasil, a EAD situa‐se como uma modalidade de ensino que, nas suas bases  legais, volta‐se 

preferencialmente para uma parcela da população que por  inúmeros motivos não  tem acesso ao ambiente 

escolar tradicional. Representa a possibilidade de democratizar o acesso à educação pública e gratuita. 

Como você avalia essa possibilidade? Como percebe a posição do Brasil nesse cenário? Acompanhar e 

capitalizar  a  tendência mundial  da  educação  virtual  é  um  grande  desafio,  especialmente  para  aqueles  que 

 

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enfrentam  problemas  de  atraso  econômico  tecnológico,  que  paradoxalmente,  são  os  que  de  fato  mais 

precisam desenvolver essa modalidade de educação. 

 

Referências

Bibliografia Básica

 

LITWIN, Edith.(org.) Educação a Distância: temas para o debate de uma nova agenda educativa. Porto Alegre: Artmed. 

2001.110 p. 

PALLOFF, R; & PRATT, K. O Aluno Virtual: um guia para trabalhar com estudantes on‐line. Tradução: Vinícius Figueira. 

Porto Alegre: Artmed, 2004, 216 p.  

PALLOFF, R & PRATT, K. Construindo Comunidades de Aprendizagem no Ciberespaço: estratégias eficientes para a sala 

de aula on‐line. Tradução: Vinícius Figueira. Porto Alegre: Artmed, 2002, 247p.  

PETERS, Otto. Didática do Ensino a Distância: experiência e estágio da discussão numa visão internacional. Tradução: 

Ilson Kayser. S.Leopoldo: Editora UNISINOS. 2001. 401 p. 

PETERS, Otto. Educação a Distância em Transição. Tradução: Leila Ferreira de Souza Martins. S.Leopoldo: Editora 

UNISINOS. 2004. 400 p. 

PRETI, Oreste(Org.) Educação a Distância: construindo significados. Brasília: Ed.Plano. 2000. 268 p. 

 

 

Outras Referências utilizadas na Elaboração deste Capítulo

 

ARETIO, L. Garcia. La Educación a Distancia: de la teoria a la prática. Barcelona: 2001, 328 p. 

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, 165 p. 

HARASIM,  Linda M. & WALLS,  Jan. The Global Authoring Network.  In: Global Networks:  computers and  International 

communication. Edited   by HARASIM, Linda M.   MIT Press. Cambridge, Massachusetts, London, England: 1993 p. 343 a 

355. 

HARASIM, Linda M. et al. Learning Networks: a  feild guide  to  teaching and  learning online. Third printing. MIT Press. 

Cambridge, Massachusetts, London, England: 1997. 

HOFFMANN, Jussara. Avaliar para Promover: as setas do caminho. Porto Alegre: 2ª. Ed. Mediação, 2002, 217 p. 

LETRAS LIBRAS |  301 

 

LÉVY. P. O Que é Virtual ?  34ª Ed. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Editora 34, 2001. 

LÜDKE. Menga. O Trabalho com Projetos e a Avaliação na Educação Básica. In: ESTEBAN, M. Tereza; SILVA, J. Felipe; 

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Traduzido por Wilson Azevedo com autorização do autor. London: Routledge, 1993, p.22‐38  

MORALES, Pedro. Avaliação Escolar: o que é, como se faz. São Paulo: Edições Loyola, 1998. 

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VAN DER LINDEN, Marta Maria Gomes. Diálogo didático mediado on‐line: subsídios para sua avaliação em situações 

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VAN DER LINDEN, Marta M. G; ANDRE. Cláudio F; PICONEZ, Stela C. B. Avaliação do Processo Comunicacional Interativo 

na Aprendizagem Apoiada por Recursos da Internet. XI Congresso Internacional da ABED, Salvador: 2004 

VIGOTSKY, L.S. A Formação Social da Mente: desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 6ª. Ed. São Paulo: 

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