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LÍNGUA PORTUGUESA E LIBRAS TEORIAS E PRÁTICAS 2

Lingua Portuguesa e Libras Teorias e Praticas 2

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Langua Portuguesa e Libras Teorias e Praticas 2

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  • LETRAS LIBRAS | 1

    LNGUA PORTUGUESA E

    LIBRAS TEORIAS E PRTICAS

    2

  • LETRAS LIBRAS| 2

    UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABA

    reitor RMULO SOARES POLARI

    vice-reitora MARIA YARA CAMPOS MATOS

    pr-reitor de graduao VALDIR BARBOSA BEZERRA Coordenador do UFPBVIRTUAL

    LUCDIO DOS ANJOS FORMIGA CABRAL Diretora do CCHLA

    MARIA APARECIDA RAMOS Chefe do Departamento de Letras Clssicas Vernculas

    MNICA NBREGA Diretor da Editora Universitria

    JOS LUIZ DA SILVA

    CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS LIBRAS VIRTUAL coordenadora

    EVANGELINA MARIA BRITO DE FARIA vice-coordenadora

    MARIANNE CARVALHO BEZERRA CAVALCANTE

    L755

    UFPB/BC

    Lngua portuguesa e LIBRAS: teorias e prtica 1 / Evangelina Maria Brito de Faria, Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante, Organizadoras. Joo Pessoa: Editora Universitria da UFPB, 2010.

    195p.: Il. ISBN: 978-85-7745-489-1 1. Lngua portuguesa lingusticas internacional. 2.

    Educao de surdos. 3. LIBRAS. 4. Literatura introduo. 5. Educao a distncia. I. Faria, Evangelina Maria Brito de. II. Cavalcante, Marianne Carvalho Bezerra.

    CDU : 806.9+801

    Os artigos e suas revises so de responsabilidade dos autores.

    Direitos desta edio reservados : EDITORA UNIVERSITRIA/UFPB Caixa Postal 5081 Cidade Universitria Joo Pessoa Paraba Brasil CEP: 58.051 970 - www.editora.ufpb.br Impresso no Brasil Printed in Brazil Foi feito depsito legal

  • LETRAS LIBRAS | 3

    LNGUA PORTUGUESA E

    LIBRAS TEORIAS E PRTICAS

    2

    Evangelina Maria Brito de Faria Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante

    Organizadoras

    Editora da UFPB Joo Pessoa

    2010

  • LETRAS LIBRAS| 4

    Copyright by CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS/LIBRAS VIRTUAL, 2010

    CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS LIBRAS VIRTUAL coordenadora

    EVANGELINA MARIA BRITO DE FARIA vice-coordenadora

    MARIANNE CARVALHO BEZERRA CAVALCANTE

    Capa ABRAO BAHIA LIMA

    Projeto grfico e edio DAVID FERNANDES

  • LETRAS LIBRAS | 5

    APRESENTAO ...................................................................................................................... 7 FONTICA E FONOLOGIA ................................................................................................................ 11 INTRODUO ......................................................................................................................................... 11 FONTICA ................................................................................................................................................ 13 FONOLOGIA ............................................................................................................................................. 20 TEORIAS LITERRIAS ...................................................................................................................... 49 GNERO PICO ...................................................................................................................................... 50 GNERO DRAMTICO ......................................................................................................................... 54 GNERO LRICO ..................................................................................................................................... 58 MISTURA DOS GNEROS ................................................................................................................... 61 FORMA ....................................................................................................................................................... 65 METODOLOGIA DO TRABALHO CIENTFICO ...................................................................... 75 A PRODUO TEXTUAL ..................................................................................................................... 76 O TEXTO CIENTFICO.......................................................................................................................... 79 LEITURA PREPARATRIA PRA ESCRITA DO TEXTO ........................................................... 82 A PESQUISA CIENTFICA ................................................................................................................... 87 PROJETO DE PESQUISA E ARTIGO CIENTFICO ...................................................................... 90 FUNDAMENTOS SCIO-HISTRICOS DA EDUCAO .................................................... 95 AS DIFERENAS PEDAGGICAS E O TRATAMENTO DA DIVERSIDADE ...................... 96 MODELOS PEDAGGICOS E TRATAMENTO DA DIVERSIDADE ....................................... 97 PEDAGOGICAS DISCIPLINARES ..................................................................................................... 98 PEDAGOGICAS CORRETIVAS ........................................................................................................ 101 CULTURA, ESTUDOS CULTURAIS E EDUCAO .................................................................. 103 MECANISMOS DISCIPLINARES E A FORMAO ESCOLAR DO SURDO ..................... 106 A RESISTNCIA DOS SURDOS ...................................................................................................... 109 A LNGUA DE SINAIS E A ESCOLA DE SURDOS ..................................................................... 110 TEORIAS LINGUSTICAS ............................................................................................................... 115 CONCEITOS FUNDAMENTAIS ...................................................................................................... 116 ESTUDOS LINGUSTICOS ................................................................................................................ 120 SUASSURE: PENSAMENTO DICOTMICO ............................................................................... 123 SUASSURE: PRINCPIO DA ARBITRARIEDADE .................................................................... 127 CRCULO LINGUSTICO DE PRAGA ............................................................................................ 135

    SUMRIO

  • LETRAS LIBRAS| 6

    SOCIOLINGUSTICA .......................................................................................................................... 140 ESTUDOS LINGUSTICOS SOBRE O TEXTO ............................................................................ 144 LINGUSTICA FUNCIONALISTA ................................................................................................... 147 LIBRAS I ................................................................................................................................................ 153 O CREBRO E A LNGUA DE SINAIS .......................................................................................... 154 PROCESSOS COGNITIVOS E LINGUSTICOS ........................................................................... 165 TPICOS DE LINGUSTICAS .......................................................................................................... 174

  • LETRAS LIBRAS | 7

    Evangelina Faria e Marianne Cavalcante

    Caro (a) aluno(a)

    Neste segundo semestre do Curso de Letras/LIBRAS Virtual, sero ministradas as disciplinas: Libras

    I, Teorias Lingusticas, Fontica e Fonologia, Teorias Literrias, Fundamentos Scio-Histricos da Educao

    e Metodologia do Trabalho Cientfico.

    Em, Libras I, vocs sero introduzidos propriamente na estrutura da Lngua de sinais. Estudaro a

    relao entre crebro e a lngua de sinais, observando os processos cognitivos e lingusticos implicados na

    construo dessa lngua. Aps essa viso macro, tero oportunidade de apreender como se do os diversos

    nveis fonolgicos, morfolgicos e sintticos na lngua de sinais. De posse dessa base, voc poder avanar

    com eficincia numa compreenso mais profunda da estrutura dessa lngua e penetrar nos textos com

    maior proficincia.

    Em Teorias Lingsticas, aprofundam-se aspectos tericos das correntes formalistas e

    funcionalistas. Sero abordadas questes tericas desta importante cincia que a Lingustica. Importante

    queles que trabalham ou pesquisam sobre as cincias humanas e indispensvel para os que lidam e

    estudam a lngua, seja ela qual for, inclusive a Libras. De acordo com a corrente formalista, voc conhecer

    concepes que implicam o reconhecimento de que a lngua uma estrutura, ou sistema e que papel do

    estudioso da lngua compreender a organizao e o funcionamento dos seus elementos constitutivos. J

    nas correntes funcionalista, ganham relevo as relaes entre a lngua como um todo e as diversas

    modalidades de interao social, destacando a importncia do contexto social na compreenso da natureza

    das lnguas.

    Em Fontica e Fonologia, voc vai penetrar no estudo dos modelos sonoros encontrados na

    linguagem humana, no interessante? Veja que, apesar da imensa diversidade que se verifica na nossa

    fala, todos os falantes de uma lngua percebem que algumas expresses so idnticas e outras so

    diferentes e justamente a fonologia que vai explicar o porqu. Vai perceber tambm como a fonologia da

    LIBRAS possui caractersticas prprias.

    Em Teorias Literrias, voc vai se deliciar com o texto literrio.

    Em Fundamentos Scio-Histricos da Educao, voc encontrar subsdios para entender a ligao

    entre Educao, Histria e Sociologia. Perceber a Educao como um acontecimento histrico

    APRESENTAO

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    intrinsecamente ligado s relaes sociais. A disciplina est tambm organizada em unidades. Na primeira,

    h a discusso sobre o problema dos fundamentos e a origem da sociedade como objeto de estudo. Na

    segunda, ser abordada a Educao enquanto fenmeno social. E, na terceira, a escola ser objeto de

    discusso com os currculos em cena. Em todo o percurso, esto os pressupostos bsicos de sustentao da

    Educao como fundamento para a cidadania.

    Finalmente em Metodologia do Trabalho Cientfico, voc vai dar incio a uma longa caminhada de

    produo de textos necessrios a sua vida acadmica. O contedo encontra-se distribudo em trs

    mdulos. O primeiro explicita o que significa cincia e expe os diferentes mtodos existentes na pesquisa

    cientfica. O segundo aborda diretamente a pesquisa cientfica com detalhamento de suas partes

    constitutivas. O terceiro procura inserir os alunos na vida prtica acadmica de produo dos diversos

    trabalhos cientficos, j com um direcionamento para a construo da Monografia final de curso.

    Esperamos que voc encontre, ao longo deste semestre, oportunidades de enriquecimento de

    prticas e reflexes sobre a lngua, a literatura e a educao. Tal enriquecimento passa pelos caminhos da

    pesquisa indicados neste livro, pelas discusses com os professores no Moodle, pelas trocas com os tutores

    e com os colegas mas, sobretudo, pela articulao de todo esse processo com sua experincia como

    estudante, como profissional e como cidado.

    Queremos concluir lembrando a importncia de aproveitar bem cada momento.

    As coordenadoras

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    FONTICA E FONOLOGIA

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  • LETRAS LIBRAS | 11

    ANA CARLA ESTELLITA VOGELEY1WAGNER TEOBALDO LOPES DE ANDRADE

    2

    A fontica e a fonologia, ento, fazem parte dos estudos lingsticos, cujo objeto de estudo a

    estrutura e o funcionamento das lnguas. Enquanto a sintaxe e a semntica, por exemplo, se ocupam de

    unidades maiores, como a frase e o sentido, a fontica e a fonologia se ocupam de unidades menores os

    sons. A Figura 1 situa esses estudos macro e microlinguisticos de forma mais esquemtica:

    INTRODUO

    A linguagem composta por alguns aspectos gramaticais, como a fontica (estudo da produo e

    percepo dos sons da fala), a fonologia (estudo das unidades mnimas da lngua), a morfologia (estudo da

    composio das palavras), a sintaxe (estudo da frase), a semntica e a pragmtica (estudo do sentido). ,

    portanto, necessria a observao da relao interativa existente entre esses elementos. Na tentativa de

    no se desconsiderar essa relao, esse captulo mantm o foco sobre os nveis fontico e fonolgico.

    Figura 1 A fontica, a fonologia e os estudos lingsticos.

    1 Fonoaudiloga. Doutoranda em Lingustica pela UFPB. Professora Assistente do Departamento de Fonoaudiologia da UFPB. 2 Fonoaudilogo. Doutorando em Lingustica pela UFPB. Professor Assistente do Departamento de Fonoaudiologia da UFPB.

    FONTICA E FONOLOGIA

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    Antes de entrarmos numa discusso mais formal sobre os objetos de estudo da fontica e

    fonologia, vale questionar por que estudar esses aspectos. Existem vrios interesses nessas reas, como o

    ensino de L1 (lngua materna) e de L2 (lngua estrangeira), sobre a aquisio fonolgica, as atividades

    clnicas, como as da Fonoaudiologia (sem esses conhecimentos, as terapias seriam muito demoradas e sem

    grandes resultados), o desenvolvimento da escrita (que tem relao com a fonologia), os conhecimentos

    dialetais, as anlises histricas acerca da mudana sonora, as tecnologias de reconhecimento de fala, como

    as utilizadas em softwares e em tecnologias de telefonia, alm da percia.

    Esclarecidas as aplicabilidades dessas cincias, importante destacar o que cada um delas estuda.

    Embora a fontica e a fonologia estudem os sons da fala, existem algumas diferenas sobre a forma como

    cada uma os observa. A fontica se ocupa das propriedades (fsicas) dos sons da fala, em termos de

    percepo e produo. Assim, observa o plano concreto, fsico e motor da fala. Identifica, descreve e

    classifica os sons articulados. Tem como unidade mnima o [fone].

    A fonologia trata os sons num plano mais abstrato, no nvel da subjacncia (inconscientes,

    mentais), ou seja, a competncia linguistica no uso dos sons. Se ocupa da organizao dos sistemas de sons

    das lnguas atravs da representao e formalizao de modelos/processos sonoros. D conta do

    conhecimento (implcito) que os falantes tm das unidades mnimas sonoras da sua prpria lngua e explica

    o funcionamento dos sistemas de sons das lnguas. Tem como unidade mnima o /fonema/. As diferenas

    entre a fontica e a fonologia esto esquematizadas na Figura 2.

    Figura 2 Diferenas entre a fontica e fonologia.

    Tipicamente, a fontica e a fonologia so entendidas como separadas, como est esquematizado

    na Figura 2. Isso porque seus objetos de estudos so distintos. Por outro lado, so duas reas

    interdependentes, pois no se conseguiria fazer um estudo fonolgico sem uma descrio fontica, nem de

    muito serveria uma descrio fontica, sem fins de anlise fonolgica.

    Lngua Explicativa Valor distintivo FONEMAS Competncia Particular/ especfica

    Fala Descritiva Fisiolgico FONES Performance / desempenho Geral

    Fontica vs. Fonologia

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    1. FONTICA

    Como j foi dito, a fontica se ocupa em descrever os sons da FALA, considerando como esses sons

    so produzidos e percebidos. Assim, a fontica abrange trs domnios:

    Fontica articulatria descreve e classifica os sons da fala a partir de como so produzidos;

    Fontica acstica o estudo das propriedades fsicas dos sons e do percurso que as ondas trilham;

    Fontica auditiva como os sons so captados pelo aparelho auditivo e interpretados pelo crebro humano.

    Esses trs domnios da fontica funcionam concomitantemente, ou seja, ao mesmo tempo em que

    produzimos um som, somos capazes de perceber e interpretar essa informao sonora. Vamos nos deter

    agora s propriedades articulatrias dos sons. Como os sons da fala so produzidos?

    Os sons da fala resultam da ao de determinados rgos sobre a corrente de ar que vem dos

    pulmes. Para produo dos sons, trs condies se fazem necessrias:

    i. A corrente de ar;

    ii. Um obstculo encontrado por essa corrente de ar;

    iii. Uma caixa de ressonncia.

    Essas condies so criadas pelos rgos da fala, que compem o nosso aparelho fonador, como na

    Figura 3.

    Figura 3 O aparelho fonador.

  • LETRAS LIBRAS| 14

    O aparelho fonador constitudo das seguintes partes:

    a) Sistema respiratrio: formado pelos pulmes, brnquios e traquia rgos respiratrios que

    fornecem a corrente de ar, matria prima da fonao;

    b) Sistema fonatrio: composto pela laringe, onde se localizam as cordas vocais, que produzem a

    energia sonora utilizada na fala;

    c) Sistema articulatrio: cavidades localizadas acima da laringe (faringe, boca e fossas nasais),

    que funcionam como caixas de ressonncia, sendo que a cavidade bucal pode variar

    profundamente de forma e de volume, graas aos movimentos dos rgos ativos, sobretudo

    da lngua.

    Mas como funciona esse aparelho fonador? O ar expelido dos pulmes, atravs dos brnquios,

    passa pela traquia e chega laringe, onde, ao atravessar a glote, costuma encontrar o primeiro obstculo

    sua passagem. A glote a abertura entre duas pregas musculares das paredes superiores da laringe,

    conhecidas como cordas ou pregas vocais. O fluxo de ar pode encontr-la fechada ou aberta. Caso as

    pregas vocais estejam fechadas, o ar fora a passagem atravs das cordas vocais retesadas, fazendo-as

    vibrar e produzir o som musical caracterstico das articulaes sonoras. No segundo caso, quando as cordas

    vocais esto relaxadas, o ar escapa sem vibraes larngeas. As articulaes produzidas denominam-se

    surdas. A distino entre sonora e surda pode ser claramente percebida na pronncia de [f] e [v], como em

    faca e vaca.

    Durante a respirao, as pregas vogais ficam abertas. Durante a fonao, que depende da

    expirao, ficam fechadas e, com a fora da passagem do ar com elas fechadas, provoca vibrao e produz

    os sons vozeados ou sonoros, como o [v]. Como mostra a Figura 4:

    Figura 4 Pregas vocais durante a respirao ( esquerda) e durante a fala ( direita).

  • LETRAS LIBRAS | 15

    Essa uma questo crucial, na classificao dos sons - qual o estado da glote? Assim, dizemos que

    os sons sonoros ou vozeados so aqueles produzidos com vibrao de pregas vocais, uma vez que, durante

    a produo de um som vozeado, os msculos da glote se aproximam e, devido passagem de corrente de

    ar e da ao dos msculos, ocorre a vibrao. Enquanto que os sons surdos ou desvozeados so produzidos

    sem vibrao, ou seja, os msculos da glote encontram-se totalmente separados, de maneira que o ar

    passa livremente. Essa diferena apresenta-se entre [v] e [f] (como em vaca e faca), [b] e [p] (como em

    bingo e pingo) e [z] e [s] (como em zelo e selo), por exemplo. As vogais, as lquidas (como [l]) e as nasais

    (como [m]) sempre so vozeadas, porque sempre provocam vibrao de pregas vocais. Desta forma, os

    sons [v], [b] e [z] so sonoros porque so resultado de vibrao de pregas vocais.

    Alm disso, outra distino ocorre entre os sons orais e nasais. Os sons orais, como [a] (como em

    gua) e [b] (como em bola), ocorrem pela sada do fluxo areo pela boca, quando a vula est levantada,

    impedindo a sada do ar pelo nariz (fossas nasais). Enquanto que os sons nasais, como [] (como em ano) e

    [m] (como em mola), so resultados da passagem pelo nariz, quando a vula est abaixada, assim, difere-se

    o [b] (de bola) do [m] (de mola), como na fala de uma pessoa com congesto nasal, como no resfriado.

    Ento, a posio do vu palatino outro critrio de classificao dos sons, j que atravs dele observamos

    a oposio entre um segmento nasal e um segmento oral.

    Para a classificao dos sons em termos de articulao da fala, uma das questes que devemos

    levantar qual o modo de sada do ar? Surge a a primeira distino bsica entre os sons, aquela que diz

    respeito s consoantes e s vogais:

    Consoante movimento de fechar e abrir, com um mximo articulatrio; Vogal movimento de abrir e fechar, com um mnimo articulatrio, sem esforos.

    Com base nisso, depois, a distino se d entre a classe das consoantes. Para facilitar a

    compreenso do assunto, sero apenas destacadas as consoantes do Portugus Brasileiro (PB), em seis

    categorias:

    1. Completa ocluso sons oclusivos que saem como uma exploso, de uma s vez: [p, b] (como

    em pato e bato); [t, d] (como em tia e dia); [k, g] (como em calo e galo).

    2. Com ocluso parcial sons fricativos, emitidos enquanto h ar nos pulmes, como na produo

    de fffffffffffffff. [f, v]; [s,z]; [, ]; [h, ].

    3. Com passagem at pelo nariz: provoca sons nasais ([m, n, ], como em macaco, navio e

    galinha).

    4. Com ocluso evoluindo para soltura do ar: provoca sons africados [,], como o tSia e dZia

    do dialeto carioca.

  • LETRAS LIBRAS| 16

    5. Aps a batida da lngua no palato, como o tepe [] (de barata) e retroflexo [] (de alguns

    dialetos, como do interior de Minas Gerais, porta), que produzido com a lngua enrolando

    para trs.

    6. Com passagem de ar pelas laterais da lngua: [l, , ]

    E quais so os articuladores envolvidos na produo? Ou seja, qual o ponto de articulao? Os

    articuladores ativos e passivos determinam essa classificao. Os articuladores ativos so aqueles que mais

    se movimentam em direo aos rgos estacionrios. Vejamos agora os articuladores que participam da

    produo dos sons, na Figura 5:

    Figura 5 Articuladores ativos e passivos

    Como se observou, o articulador ativo nos sons bilabiais, ou seja, aqueles que so produzidos com

    os dois lbios, o lbio inferior, que se movimenta mais em relao ao lbio superior, como no som [b] de

    bola. Nos sons labiodentais, como [f] de faca, o lbio inferior ativo, pois se movimenta em direo aos

    dentes superiores, que so os articuladores passivos.

    Assim, os sons so classificados quanto ao modo e quanto ao ponto de articulao:

  • LETRAS LIBRAS | 17

    a) Quanto ao modo de articulao:

    Oclusivas p, t, k, b, d, g

    Fricativas f, s, , v, z, , h, ,

    Africadas - ,

    Lquidas , l, , ,, (

    Nasais m, n,

    b) Quanto ao ponto de articulao:

    Bilabiais p, b, m, ,

    Labiodentais f, v

    Alveolares t, d, n, s, z, l, ,&

    Alveolopalatais - ,

    Palatais - ,,,

    Velares k, g, h

    Glotal X

    Para unificar essas possibilidades de produo dos sons, de modo que os sons pudessem ser

    transcritos em qualquer lngua, foi criado o Alfabeto Fontico Internacional (IPA), pela Associao

    internacional de Fontica, em Paris (1886). Esse sistema funciona como uma notao padro para a

    transcrio fontica. Ele permite que qualquer falante conhecedor de seus cdigos ou smbolos consigam

    realizar os sons de qualquer lngua.

    Seguem, na Figura 6, as representaes das consoantes possveis de serem articuladas com o

    aparelho fonador humano, classificados pelo IPA:

    Figura 6 As consoantes no Alfabeto Internacional de Fontica.

    Bilabial Labiodental Dental Alveolar Ps-

    alveolar

    Retoflex

    a

    Palatal Velar Uvular Faringal Glotal

    Plosiva

    Nasal

    Vibrante

    Tepe

    Fricativa

    Frivativa

    Aproximante

    Lateral Aproximante

    Exerccio 1. Marque os segmentos consonantais que tenham a propriedade articulatria listada esquerda (h 3 em cada): a. vozeado b. desvozeado c. nasal l d. oclusivo e. fricativo f. lateral g. bilabial h. alveolar i. velar

  • LETRAS LIBRAS| 18

    As vogais recebem uma classificao diferenciada. Usamos como parmetros articulatrios, a altura

    e a posio horizontal da lngua e o arredondamento dos lbios. A Figura 7 mostra esse movimento da

    lngua, em relao altura:

    Figura 7 Altura das vogais.

    Dessa forma, quanto altura, as vogais podem ser classificadas como altas, mdias e baixas.

    Altas: a lngua atinge maior altura no portugus, temos as vogais [i] e [u]. Mdias: a lngua se mantm nem alta, nem em repouso o que ocorrer nas vogais mdias altas

    [e] e [o] do portugus, como nas palavras mesmo e bolo, e nas vogais mdias baixas [] e [], como nas

    palavras f e n.

    Baixa: a lngua se mantm em posio de repouso no portugus temos a vogal baixa [a], como de baleia.

    Exerccio 2. Classifique os segmentos quanto ao modo, ao ponto de articulao e ao vozeamento: [p] [m] [r] [h] [b] [g] [f] [l] [s] [t]

  • LETRAS LIBRAS | 19

    Quanto ao movimento horizontal, as vogais podem ser classificadas como anterior, posterior e

    central. A vogal [i] a mais anterior, as mdias [e], [] tambm so anteriores, a vogal [u] a mais

    posterior, as mdias [o] e [] tambm so posteriores e a vogal [a] situa-se numa posio central.

    Essa classificao articulatria permite a disposio das vogais em um sistema triangular em cujo

    vrtice mais baixo encontra-se a vogal baixa /a/ e, nos vrtices mais altos, as vogais altas /i/ e /u/, como

    pode ser observado no Quadro 1:

    Quadro 1 Vogais quanto ao ponto de articulao e altura da lngua.

    Quanto ao arredondamento, no portugus, essa caracterstica no distintiva, redundante, pois

    toda vogal posterior arredondada, como as vogais [u], [o] e [], ao contrrio do francs.

    Todas essas informaes quanto s classificaes dos sons sero importantes para a realizao das

    transcries fonticas. Para fazer a transcrio, lanamos mo desses smbolos do IPA. importante que

    voc treine transcrever algumas palavras baseadas na sua produo de fala, prestando bem ateno na

    fisiologia dos sons.

    Tente pronunciar a vogal [y] do francs, falando [i], com boca de [u]. Voc estar conseguindo pronunciar uma vogal anterior arredondada, que no temos na LP (lngua portuguesa).

    Exerccio 3. Tente transcrever foneticamente essas palavras: Amor: _____________ Eltrica: _____________ Parede: ____________ Japo: ______________ Zebra: _____________ Moeda: _____________

  • LETRAS LIBRAS| 20

    2. FONOLOGIA

    A Fonologia (do Grego phonos = voz/som e logos = palavra/estudo) o ramo da Lingstica que se

    ocupa do sistema sonoro de uma lngua. Esta uma rea muito relacionada com a Fontica, mas as duas

    tm focos de estudo diferentes. Isso porque a lngua e a fala no ocorrem separadas, a lngua ao mesmo

    tempo o instrumento e o produto da fala.

    Ento, para descrever a fonologia de uma lngua, preciso considerar o aspecto fontico. Enquanto

    a fontica descreve, a fonologia explica, procura valores distintivos. Enquanto a Fontica estuda a natureza

    fsica da produo e da percepo dos sons da fala (chamados de fones), a Fonologia preocupa-se com a

    maneira como eles se organizam dentro de uma lngua, classificando-os em unidades capazes de distinguir

    significados, chamadas fonemas. Alm disso, a Fonologia estuda outros elementos distintivos da lngua,

    como a estrutura silbica, o acento e a entonao.

    necessrio, tambm, fazer uma distino entre os termos fonmico e fonolgico. O primeiro

    era utilizado nas primeiras investigaes ainda eminentemente estruturalistas. O ltimo utilizado para os

    modelos ps-estruturalistas de anlise do componente fonolgico.

    A fonologia , portanto, a parte da gramtica que estuda os sons que compem a lngua. Tem como

    objeto de estudo o Fonema, que a unidade sonora de uma lngua, isto , a menor unidade de som de uma

    palavra, servindo como elemento distintivo. Veremos, agora, a classificao desses fonemas, no PB.

    Cada lngua dispe de um nmero de unidades fnicas. A funo desses fonemas determinar

    diferena de significado de uma palavra em relao a outra, como nas palavras [kasa], do verbo caar, e

    [kaza], lugar onde se mora. Essa distino foi possvel pelo contraste entre as duas consoantes [s] e [z],

    que, nesse caso, por serem distintivas, podem, com certeza, ser chamadas de fonemas.

    IMPORTANTEFonemas no so letras! fundamental que se diferencie o fonema, uma unidade sonora, de letra, uma representao grfica dos fonemas da fala. Os fonemas no correspondem necessariamente s letras do alfabeto, havendo a possibilidade de um fonema ser representado por mais de uma letra, ou mesmo uma letra representar mais de um fonema. Ex.: cachorro (letras ch = 1 fonema /S/) e txi (letra x = 2 fonemas /ks/).

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    O objetivo da fonologia , portanto, estabelecer os sistemas fonolgicos das lnguas, ou seja, o

    conjunto de elementos abstratos relacionados entre si que o falante usa para discriminar e delimitar as

    unidades significativas de sua lngua. Ento, quais os tipos de fonemas? Quais os sistemas de uma lngua?

    Sistema voclico do portugus

    Pelo aspecto fsico, o som produzido por uma corrente de ar que no encontra obstculos na

    cavidade bucal sua passagem. No aspecto fonolgico, constitui a base da slaba na lngua portuguesa, isto

    , cada vogal corresponde somente a uma slaba. Assim, na palavra cadeira, temos trs slabas (ca-dei-ra),

    porque temos trs vogais ( o i, neste caso, uma semi-vogal ou glide).

    Quanto ao sistema voclico do PB, Cmara Jr. (1970) classifica as vogais da lngua portuguesa

    quanto articulao, em termos de altura da lngua, em vogal baixa (a), vogais mdias de primeiro grau

    (, ), vogais mdias de segundo grau (e, o) e vogais altas (i, u). Essa classificao articulatria permite a

    disposio das vogais em um sistema triangular, como pode ser observado no Quadro 1, visto

    anteriormente, em cujo vrtice mais baixo encontra-se a vogal baixa /a/ e, nos vrtices mais altos, as vogais

    altas /i/ e /u/.

    Alm desse aspecto, leva-se em considerao o movimento da lngua em relao s pores

    anterior e posterior da cavidade bucal. Sendo assim, a vogal mais posterior a /u/, que,

    conseqentemente, a mais arredondada. J a vogal mais anterior e menos arredondada a vogal /i/. A

    vogal /a/ fica em uma posio central, enquanto que as mdias ficam em uma posio intermediria, tanto

    em termos de altura, quanto em relao anterioridade, o que leva a pensar que, por isso, tambm, so

    alvos comuns de processos e regras fonolgicas.

    Essa classificao, que apresenta sete vogais, na lngua portuguesa, ocorre para a posio tnica,

    conforme Cmara Jr. (1970). No contexto de slaba tnica, no portugus brasileiro, pode-se encontrar

    oposies entre os sons voclicos /a/, //, /i/, // e /u/, como nos vocbulos s[a]co, s[e]co, s[]co, s[o]co,

    s[]co, s[u]co.

    Na posio pretnica, ou seja, no contexto que antecede a slaba tnica, o sistema voclico do

    portugus tambm sofre reduo de sete para cinco vogais, havendo, portanto, um processo de neutralizao

    em slabas tonas, entre vogais mdias, conservando-se as de segundo grau, como na Figura 8.

    Figura 8 Quadro de vogais em posio pretnica.

  • LETRAS LIBRAS| 22

    Vale ressaltar, ainda, que as vogais mdias, em posio pretnica, alm de sofrerem reduo por

    neutralizao, sofrem processos de harmonia voclica, nos quais as vogais mdias pretnicas assumem

    traos de segmentos vizinhos, ou seja, assimilam a altura da vogal alta da slaba seguinte, como ocorre em

    pepino > pipinu, coruja > curuja (BISOL, 1981).

    No Brasil, o quadro das pretnicas no fixo quando se trata das vogais mdias, pois, a depender

    da regio geogrfica em que essas vogais vo ser observadas, a neutralizao pode se dar em direo s

    mdias abertas, como acontece na regio Nordeste, por exemplo.

    Em posio de slabas tonas finais, ocorre uma neutralizao entre as mdias e as altas, restando, no

    sistema triangular das vogais do portugus, apenas trs vogais, como em tir[u], tir[i], tir[a], como mostra a Figura 9:

    Figura 9 Quadro de vogais postnicas finais.

    Por neutralizao, ento, um sistema que apresenta sete vogais em posio tnica (a, e, , i, o, ,

    u) se reduz a cinco vogais em posio pretnica (a, e, i, o, u), quatro vogais em posio postnica no final

    (a, e, i, u) e a trs vogais em posio final de palavra (a, i, u).

    Sistema consonantal do portugus

    Pelo aspecto fsico, o som produzido por uma corrente de ar que encontra algum obstculo nessa

    passagem. Fonologicamente falando, as consoantes sempre formam slaba com vogais, sem as vogais, as

    consoantes so simples rudos. Ento, pelo critrio fonolgico, veremos que a consoante no aparece, no

    portugus, como ncleo silbico.

    O quadro de consoantes no portugus do Brasil depende da sua posio na slaba. Em posio

    inicial, existem dezoito consoantes. Em posio intervoclica, ou entre vogais, podemos ter dezenove

    consoantes. Em posio final, ou ps-voclica, o quadro apresenta uma diversidade de opinies. No

    entanto, Cmara Jr. (1970) defende que as consoantes em final de slaba aparecem como uma variante

    posicional, podendo o /L/, por exemplo, em muitas regies, de acordo com os variados registros, pode ser

    emitido como semivogal posterior /w/, fato que no traz oposio significativa em portugus, desfazendo-

    se a homonmia no contexto frasal: mal e mau; vil e viu.

    Essa variao do quadro de consoantes importante para o entendimento de diversos pontos do

    nosso sistema fonolgico.

  • LETRAS LIBRAS | 23

    Semivogal ou Glide

    o som produzido como vogal, pronunciado de maneira menos intensa, no constituindo slaba

    isoladamente, devendo sempre estar acompanhado por uma vogal.

    A fonologia, ento, postula quatro premissas bsicas:

    1) os sons tendem a ser modificados pelo ambiente em que se encontram;

    2) os sistemas sonoros tendem a ser foneticamente simtricos;

    3) os sons tendem a flutuar ou variar;

    4) seqncias caractersticas de sons exercem presso estrutural (ex.: c[o]ruja ~c[u]ruja).

    Como j foi dito, o objeto de estudo da fonologia a organizao mental dos sons da lngua, e no

    da fala, como a fontica. Colocamos aqui a noo de fonema como unidade contrastiva, como em (1):

    (1) zelo / selo

    pato / gato

    Assim, a noo de contraste define unidades categoricamente distintas, com base em

    critrios de forma e significado. Ou seja, se eu mudo determinado som numa palavra e essa palavra

    muda de sentido, isso significa dizer que esse som um fonema, isto , tem valor contrastivo. o

    caso de faca e vaca. Se mudamos o primeiro som para o segundo, h mudana de significado,

    implica oposio, como a seguir:

    [faka] [vaka]

    toda lngua possui um nmero restrito de sons. A funo desses sons fazer diferenciao de significados. Quando um som capaz de fazer distines, podemos cham-lo de fonema e os fonemas se combinam de acordo com regras fonolgicas, que variam em cada lngua.

    concluindo

  • LETRAS LIBRAS| 24

    Essa anlise contrastiva, em termos de oposio, feita atravs de pares mnimos. Isso quer dizer

    que quando duas palavras se diferenciam pela troca de um nico som, e isso gera mudana de significado

    estamos diante do que chamamos de pareamento mnimo.

    Se essa troca de som no acarretar mudanas de significado, estamos diante de um caso de

    variao ou alofonia. Assim, podemos detectar fonemas ou constatar variao, como o caso de [tia] e

    [tia]. Nos dois casos, temos dois sons diferentes e um mesmo significado (a palavra continua significando

    a irm do pai ou da me). Esse um caso de variao.

    Ento, ao serem definidos os fonemas de uma lngua, a partir de uma anlise fonolgica, tambm

    so definidos os alofones dessa lngua. Os fonemas so definidos a partir dos pares mnimos e os alofones

    so determinados a partir da distribuio complementar.

    Alofones so as possveis diferentes realizaes do mesmo fonema, ou seja, as diferentes

    realizacoes fonticas de um mesmo fonema. E como que se sabe que o mesmo fonema? Sempre que

    for possvel, necessrio extrair uma regra que d conta dos vrios contextos. Isso ocorre atravs da

    distribuio complementar ou da variao livre:

    - Distribuio complementar (ou variantes contextuais) os alofones dependem da posio do

    fonema na palavra necessrio determinar uma regra que descreva o contexto de um fone

    ou de outro.

    Ex.: tia tia (depende de contexto interno /i/)

    - Variantes livres variantes dialetais no h qualquer regra que determine o seu uso (o seu

    uso generalizado).

    Ex.: vezgu x vegu

    Para serem extradas as regras fonolgicas, imprescindvel identificar o ambiente ou contexto

    onde a variao sonora ocorre. No caso de tia tia, possvel ser explicada a partir da regra de

    palatalizao de alveolar [t] diante da vogal alta anterior [i], como na Figura 10, a seguir:

    Figura 10 Regra de palatizao das oclusivas alveolares.

  • LETRAS LIBRAS | 25

    Nesse caso, a consoante /t/, [+anterior], est diante de uma vogal [+alta] e, tambm, [+anterior],

    que provoca uma assimilao entre os dois segmentos. No entanto, possvel, embora raro, acontecer esse

    processo quando a consoante /t/ est diante da vogal [u], [+alta] e [+posterior]. Esse caso mais difcil de

    ocorrer, porque um segmento anterior ser assimilado por outro posterior, mas, apesar de raras, podem

    ocorrer, em algumas regies, como as formas em (2):

    (2) oito, doido > [] . []

    Surge, aqui, outro conceito da fonologia que merece ser destacado o de classes naturais. Nesse

    caso, tanto o /t/, como o /d/ constituem uma classe natural, visto que apenas o trao de vozeamento ou

    sonoridade os distingue, sendo ento a matriz fonolgica dos dois segmentos quase idntica, se no fosse o

    trao distintivo de [-vozeado], para o /t/, e [+vozeado] para o /d/.

    De acordo com Hyman (1975), dois segmentos constituem uma classe natural quando sofrem

    regras fonolgicas juntos, como o caso da palatizao apresentado, quando um segmento convertido no

    outro atravs de regra fonolgica e quando funcionam juntos nos ambientes de regras fonolgicas. Isso

    justifica porque um conjunto de restries que operam em um determinado grupo. Por exemplo, se /t/ e

    /d/ sofrem a mesma regra (de palatalizao) juntos, significa que pertencem mesma classe natural.

    Algumas subcategorias, ento, emergem como resultado de vrias suspeitas, inspees e analogias.

    O resultado final um conjunto de restries que operam em um determinado grupo, como ocorre, em

    fonologia, quando os processos aplicam-se a todos os elementos que pertencem a uma mesma classe

    natural. As regras fonolgicas so aplicadas s classes naturais de segmentos, especificadas atravs dos

    traos distintivos. Como exemplo, pode ser citado o fenmeno da palatizao descrito anteriormente, no

    qual os segmentos /t/ e /d/ tornam-se [] e [] antes da vogal alta [i].

    justamente atravs da combinao de cada um desses sons, chamados fonemas, que so criadas

    todas as palavras usadas na nossa lngua. Cada palavra, portanto, formada por um conjunto de vrios

    fonemas. A simples troca de um dos fonemas de uma palavra ir transform-la em outra, de significado

    completamente diferente. Isso ocorre, por exemplo, com as palavras camelo e cabelo. Assim, com poucos

    fonemas, possvel criar milhares de palavras.

    A organizao da cadeia sonora da fala orientada, portanto, por certos princpios, que agrupam

    segmentos consonantais e voclicos em cadeia e determinam a organizao das seqncias sonoras

    possveis de uma determinada lngua. Falantes possuem uma intuio sobre as seqncias sonoras

    permitidas e proibidas em sua lngua. Por exemplo, mesmo sem sabermos o significado da palavra sali,

    sabemos que a cadeia de segmentos possvel, em termos de distribuio e combinao. Dessa forma,

    interpretamos como uma palavra possvel no portugus. Diferente de uma palavra como spali, por

    exemplo.

  • LETRAS LIBRAS| 26

    A fonologia de uma lngua, ento, estabelecida pelas restries combinatrias. Ou seja, cada

    lngua tem sua possibilidade de combinao. Na lngua portuguesa, por exemplo, no possvel a slaba do

    tipo spa. Sabemos isso atravs desses parmetros de combinaes:

    1. Em posio intervoclica (entre vogais) 19 segmentos

    2. Em posio absoluta, incio de slaba no incio da palavra 16 segmentos (, e R, no se aplicam, com exceo de lhama, por exemplo)

    3. Em grupo consonantal, existem tambm restries: fruta, prato, planta, ...

    * C1 plosiva ou fricativa

    * C2 [l] ou [r]

    Existem algumas excees, como em: Vl Vladimir (emprstimos), Tl atlas (derivados do latim),

    Vr vridu (interna palavra possvel livro). 4. Em final de slaba (coda) s quatro possibilidades fonolgicas so possveis. Claro que

    ortograficamente recebem vrias letras, mas fonologicamente so assim representadas:

    /S/ - /paSta/

    /R/- /toRto/

    /L/ - /boLsa/

    /N/- /kaNto/

    Portanto, as lnguas variam quanto aos seus inventrios fonticos e quanto organizao da

    estrutura silbica.

    Quanto s possibilidades de consoantes em final de slaba (posio de coda silbica), existem

    algumas restries segmentais impostas, na lngua portuguesa. Para entendermos melhor essa distribuio

    das consoantes ps-voclicas, necessrio introduzir as noes de neutralizao e de arquifonemas.

    Certos segmentos que apresentam contrastes fonmicos podem apresentar perda de contrastes

    em algum ambiente fonolgico especfico. o caso clssico das vogais mdias em posio pretnica, ou

    seja, na slaba que antecede a slaba tnica. Ento, se em posio tnica, [] e [] so unidades

    contrastivas ou fonemas, como nas palavras f e n, em posio pretnica, perdem contrastes

    implicando uma reduo no sistema de vogais, uma vez que passam a ser permitidas apenas cinco vogais

    /a, i, u, e, o/. Assim, em posio pretnica, h perda de contrastes, como em m[o]rango e m[]rango. Isso

    Imagine que voc sorteou as seguintes

    letras: R, B, A, F, O, L , C, I, D

    Quantas palavras podem ser

  • LETRAS LIBRAS | 27

    quer dizer que no importa se eu diga uma forma ou outra, estarei falando da mesma fruta. Esse fenmeno

    um processo fonolgico chamado de neutralizao.

    De acordo com Battisti e Vieira (2005), a neutralizao ocorre quando h a perda de um trao

    distintivo, reduzindo dois fonemas a uma s unidade sonora. No caso da neutralizao voclica, o trao

    distintivo perdido na posio pretnica. Em outras palavras, no h mais uma diviso entre /e/ e // e

    entre /e/ e //, enquanto duas unidades fonolgicas distintas, visto que, em posio pretnica, no h

    oposies entre esses fonemas.

    Junto noo de neutralizao, est a idia de arquifonema, uma vez que justamente esse

    fonema que permite essa possibilidade de neutralizao. No exemplo acima, as vogais mdias /e/ e /o/

    podem ser consideradas arquifonemas, uma vez que neutralizam duas formas.

    Os arquifonemas do PB, alm das vogais mdias, so justamente aqueles referentes s

    possibilidades de consoantes finais, em termos de fonologia: /S/, /R/, /L/ e /N/. Para demonstrar os

    alofones relacionados ao arquifonema, segue o exemplo em (3):

    3) Arquifonema /R/ - sofre alofonia, manifestando-se, foneticamente, como:

    [] ['gafu], [ba'ata] [h] ['gahfu], ['hatu] [] ['gafu]

    [] ['gafU], [se'veja] [] ['pta], ['pka]

    O mesmo ocorre em relao ao arquifonema /S/ e suas possveis variaes ou alofones, como

    mostra o exemplo em (4):

    (4)

  • LETRAS LIBRAS| 28

    Com relao ao arquifonema /N/, a manifestao fontica mais comum a nasalizao da vogal

    que o antecede, como no caso da palavra canto, que fonologicamente a representamos com o

    arquifonema /kaNto/, mas foneticamente, ocorre a nasalizao da vogal [ktu], embora fosse possvel

    haver uma produo do tipo [ kntu], ou at mesmo [kantu].

    Por isso, Cagliari (2002) destaca que necessrio prestar ateno, ao proceder uma anlise

    fonolgica, para no confundir dados de diferentes sistemas lingsticos. Um mesmo falante no diz coisas

    contraditrias. Porm, se compararmos dois falantes de dialetos diferentes, podemos chegar a regras

    contraditrias, que afirmam e negam uma mesma coisa, ao mesmo tempo. Por outro lado, sempre

    possvel buscar regras mais abrangentes que envolvem vrios dialetos, numa tentativa de caracterizar a

    lngua como um todo. Mas nem sempre isto possvel.

    Atreladas discusso sobre a slaba, no portugus brasileiro, ainda existem os segmentos que nem

    so vogais, nem consoantes, so as glides [w e j], que sempre ocorrem nos ditongos, como em [paj]. Por

    que no so vogais nem consoantes?

    As vogais do PB caracterizam-se, fonologicamente, por ocuparem a posio de ncleo silbico,

    necessariamente. No permitido, na LP, haver uma consoante ocupando o ncleo, como ocorre no ingls,

    como no caso da palavra /botl/ (bottle). S essa restrio de natureza fonolgica j estabelece uma

    diferenciao, em termos de sistema, entre vogais e consoantes.

    Exerccio 4: Transcreva fontica e fonologicamente os dados: (lembre-se que a transcrio fontica ocorre entre colchetes [] e a fonolgica, entre barras //) a. conde [ ] / / b. manto [ ] / / c. tinta [ ] / / d. anjo [ ] / /

    Exerccio 5: Para entender melhor como usamos as glides, transcreva foneticamente as palavras:

    a. seqela b. quadrado c. tranqilo d. quase e. aquarela f. mingua

  • LETRAS LIBRAS | 29

    A LP constitui um sistema de reputa ideal para a aplicao do critrio distribucional, uma vez que

    suas consoantes no exercem funo silbica, pois o ncleo da slaba sempre uma vogal. Isso quer dizer

    que, na lngua portuguesa, o conceito de vogal, fonologicamente, coincide com o de silbico. As glides ou

    semi-vogais no podem ocupar o ncleo da slaba, ento, no podem ser consideradas vogais. Ao mesmo

    tempo, no so consideradas consoantes pelas caractersticas fonticas, em relao produo

    articulatria, visto que a semi-vogal [W] tem pronncia equivalente vogal alta posterior [u] e a semi-vogal

    [j] tem pronncia equivalente vogal alta anterior [i].

    Assim, as glides, presentes nos ditongos, como em [paj] e [paw], so consideradas segmentos no

    consonantais e no-voclicos, pela posio que ocupa na slaba a posio que uma consoante pode

    ocupar (CVC / CVG), como ser descrito a seguir). Dessa forma, esto relacionadas ao estudo da slaba.

    2.1 O estudo da slaba

    Fonlogos mais atuais, apesar de defenderem posies tericas diferenciadas, so unnimes em

    conceder um espao privilegiado para a slaba destacando-a como unidade lingisticamente significante,

    que deve ter o seu lugar na teoria fonolgica.

    Quando se observa o conjunto de palavras das lnguas, possvel perceber que elas seguem

    determinados princpios organizacionais, que no so os mesmos para todas as lnguas, como j foi dito

    anteriormente.

    Tome-se como exemplo a seqncia /s1/, que no portugus no forma slaba, mas que no ingls

    perfeitamente vivel, ex: /sleiv/ - "escravo". De um modo geral, as lnguas so regidas por regras

    fonotticas que permitem ou no determinados arranjos ou seqncias sonoras em uma slaba. Logo,

    compreender as restries que operam em dada lngua, permite compreender a organizao no s da

    slaba, mas tambm das palavras.

    Uma silaba () pode ser representada por dois ramos, como em (5) e (6). O primeiro, chamado

    onset contm at duas consoantes. O segundo, chamado rima, pode ser preenchido por vogais e

    consoantes, cujo nmero e seqncia sero dados por especificidades da prpria lngua.

    (5)

    (6)

  • LETRAS LIBRAS| 30

    A slaba, como mostra a Figura 11, composta por um ncleo, necessariamente, constitudo por

    uma vogal. E pode ser composta por onset ou ataque e pela coda:

    Figura 11 Constituintes silbicos do PB.

    Como descrito anteriormente, os elementos que constituem a slaba variam de lngua para lngua.

    Qualquer teoria fonolgica que adote a slaba como base, deve ser capaz de reconhecer as seqncias de

    consoantes e vogais caractersticas de cada lngua e compar-las, a fim de perceber quais as semelhanas e

    diferenas da estruturas silbicas entre lnguas distintas. Observe as possibilidades de slabas da lngua

    portuguesa (LP) no Quadro 2:

    Quadro 2 Possibilidades de slabas nas lnguas inglesa, espanhola e portuguesa.

    Observa-se, portanto, que existe um princpio que governa a formao da slaba nas lnguas, - o

    princpio de sonoridade das slabas. Podemos usar um esquema proposto por Spencer (1996), chamado de

    "grid de sonoridade", que nos possibilita a visualizao dos segmentos que compem as slabas. Observe o

    princpio em (7). O = obstruinte, L = lquida, V = vogal, N = nasal, G = glide.

  • LETRAS LIBRAS | 31

    (7)

    A constituio das slabas obedece, ento, a uma escala de sonoridade e ao molde silbico de cada

    lngua. As lnguas possuem restries, capazes de selecionar quais os elementos e a seqncia que eles

    podem ocupar numa slaba. Essas limitaes so chamadas de filtros.

    Seguindo os princpios de organizao de uma slaba e o Princpio de Sonoridade, possvel fazer

    silabao das palavras nas lnguas, exatamente como aquele exerccio de separar as slabas que se faz na

    escola. O processo, contudo, no to simples. Observem os exemplos de palavras e suas respectivas

    divises silbicas em (8):

    (8)

    Tijolo ti.jo.lo Porta por.ta Noite noi.te Rubro ru.bro Atlas a.tlas

    Considerando que o estudo da slaba s foi possvel depois de muitas discusses e muitas

    mudanas de perspectiva no estudo da fonologia, a partir das crticas aos modelos que viam os segmentos

    isoladamente e do surgimento das abordagens que consideravam a posio do segmento na slaba, os

    constituintes da slaba, a prosdia, dentre outros aspectos importantes que passaram a ser observados

    com base nos novos modelos.

    Para entender como nossa fonologia se estrutura e funciona, observando essas questes histricas

    e teorias, importante fazermos uma breve retrospectiva desses modelos que acomodam os fatos

    fonticos e os fenmenos fonolgicos.

    2.2 As teorias fonolgicas

    De acordo com Bisol (1981), a tentativa de estabelecer a relao entre os nveis fontico e

    fonolgico, isto , a relao entre a produo fontica e o nvel subjacente ou abstrato da fonologia e com

  • LETRAS LIBRAS| 32

    o objetivo de descrever e analisar como as diversas lnguas do mundo estruturam seus sons, surgiram

    diferentes modelos ou teorias fonolgicas.

    De acordo com Bonilha (2000, p.12), dos fonemas aos traos distintivos, das regras s restries,

    inquestionvel a evoluo que a Fonologia tem apresentado ao longo do tempo. inegvel, portanto, o

    fato de que, ao explicarem o funcionamento da fonologia dos sistemas lingsticos, as teorias fonolgicas

    tm ajudado a elucidar o processo de aquisio fonolgica.

    Veremos agora que os modelos se dividem em dois grandes grupos:

    1. Modelos lineares: que consideram a fala como uma combinao linear de segmentos ou

    conjunto de traos distintivos. Na perspectiva da fonologia linear ou segmental, os fonemas so

    considerados um conjunto de traos no estruturados ou feixe de traos.

    2. Modelos no-lineares assumem que os traos so dispostos hierarquicamente em diferentes

    camadas (tiers). Podem estender-se alm ou aqum de um segmento, ligar-se a mais de uma

    unidade, funcionar isoladamente ou em conjuntos solidrios.

    A Teoria Gerativa Clssica, conhecida como Teoria dos Traos Distintivos, representa o modelo

    linear. Para essa teoria, a representao da seqncia de segmentos que formam uma palavra feita por

    uma seqncia linear de matrizes de traos, sem qualquer hierarquia entre os traos que a constituem.

    Os traos distintivos so considerados propriedades mnimas, de natureza acstica ou articulatria.

    Dessa forma, os segmentos so classificados a partir de uma srie de traos primitivos, geralmente binrios

    - [+presente] ou [-ausente]. Esse sistema de traos serve de entrada para engendrar as regras fonolgicas

    que se aplicam a classes naturais de sons, como mostra a Tabela 1.

    Tabela 1 Distribuio de traos distintivos de alguns segmentos (CHOMSKY; HALLE, 1968).

  • LETRAS LIBRAS | 33

    Para esse modelo, no importa saber quais elementos fazem parte do sistema fonolgico de uma

    lngua, mas, sim, como se gera uma determinada sequncia fnica, como esto organizados os segmentos

    fonolgicos e qual a representao das operaes que subjazem produo de um dado som ou sequncia

    fnica.

    Veja em (9) a representao de [n] atravs do feixe de traos:

    (9)

    As matrizes de traos um dispositivo que facilita as transcries. A matriz fontica agrupa todos

    os traos distintivos existentes, enquanto que a matriz fonolgica agrupa apenas os traos distintivos que

    diferenciam os segmentos. Na representao fontica, todos os traos devem ser especificados para um

    determinado segmento. J na representao fonolgica, omitem-se os traos redundantes, irrelevantes

    para a distino do segmento.

    Assim, temos os traos de classe principal:

    Silbico: segmentos [+silbicos] so aqueles que constituem ncleo silbico, ou seja, no portugus,

    as vogais. Todos os outros segmentos so [silbicos]. Esta caracterstica substitui o trao voclico e

    permite agrupar consoantes e glides em um grupo oposto ao das vogais.

    Consonantal: segmentos [+consonantal] so aqueles com obstruo do trato vocal, como as

    consoantes plosivas, fricativas, africadas, nasais e lquidas. Apenas as vogais e as glides so [-consonantal].

    Soante: vogais, lquidas, glides e nasais so [+soante]. Este trao definido por uma passagem de

    ar relativamente livre atravs da boca ou do nariz. Essa caracterstica permite agrupar juntas vogais,

    lquidas, glides e nasais que sempre compartilham o trao [+vozeado], diferentemente de obstruintes, que

    podem ser [+vozeadas] ou [vozeadas].

    Depois dessa distino bsica entre os segmentos, na matriz, vem os traos de cavidade:

  • LETRAS LIBRAS| 34

    Coronal: sons produzidos com a lmina da lngua levantada em relao posio neutra da

    lngua. Assim, os sons [+coronais] so os dentais, alveolares, palato-alveolares e palatais.

    Anterior: sons produzidos com uma obstruo localizada na frente da regio alveo-palatal da

    boca. Tem o trao [+anterior] os sons labiais, dentais e alveolares, alm das vogais anteriores

    [i], [] e [e].

    Posterior: sons produzidos pela retrao do corpo da lngua da posio neutra. Os sons que

    tem o trao [+posterior] so os velares, glotais e as vogais posteriores [u], [] e [o].

    Alto: sons produzidos pelo levantamento do corpo da lngua acima do nvel ocupado pela

    posio neutra. So [+alto] os sons palatais, palato-alveolares e vogais altas [i] e [u].

    Baixo: sons produzidos pelo abaixamento do corpo da lngua abaixo do nvel ocupado na

    posio neutra. So [+baixo] os segmentos glotais e a vogal baixa [a].

    Arredondado: sons produzidos com o estreitamento do orifcio dos lbios. No portugus, esse

    trao redundante, no sentido de que todas as vogais posteriores so [+arredondada], como

    as vogais [u], [] e [o].

    Alm desses, ainda temos os traos de aberturas secundrias:

    Nasal: so os sons produzidos com abaixamento do vu palatino, permitindo o escape do fluxo

    de ar pelo nariz. So [+nasal] as consoantes nasais, como o [m] e o [n] e as vogais nasais, como

    [], por exemplo.

    Lateral: so os sons produzidos com a elevao da lmina da lngua e o abaixamento do centro

    da lngua, permitindo o escape do ar por um lado ou por ambos os lados. Nos sons no-

    laterais, a passagem do ar no aberta. A consoante [+ lateral] do portugus a [l], e a [-

    lateral] a vibrante [r].

    Por fim temos os traos de modo de articulao e traos da fonte:

    Contnuo: sons contnuos so aqueles cujo estreitamento no ocorre a ponto de bloquear a

    passagem do ar, como as fricativas, diferente dos sons no-contnuos, cuja obstruo total,

    como as consoantes plosivas. Assim, so [+ contnuos]: as vogais, as glides, as lquidas e as

    fricativas.

    Metstase retardada: ocorre nos sons onde a soltura do ar inicialmente bloqueada e depois

    liberada com turbulncia. Esse trao mais usado pra distinguir as plosivas das africadas [t] e

    [tS], como em tia e tSia.

  • LETRAS LIBRAS | 35

    Tenso ATR3

    Com base nesses traos, montamos a matriz de trao de cada segmento e observamos como cada

    som produzido. Alm disso, esse modelo serviu para entendermos os sons como pertencentes a classes

    naturais, que como perceber uma relao de parentesco entre eles. Ou seja, se o som [t] e [d] tem

    matrizes de traos muito semelhantes, como apenas um trao distintivo, podemos dizer que so sons

    homorgnicos, pertencentes mesma classe natural a classe das plosivas coronais. Isso pode ser

    observado a partir das matrizes em (10):

    : antes chamado como tenso ou no tenso, o trao ATR serve para distinguir as

    vogais mdias altas [e] e [o] das mdias baixas [] e []. Assim, so [+ATR] as vogais mdias

    altas [e] e [o] e [-ATR] as vogais mdias baixas [] e [].

    Vozeado ou sonoro: presena vs. ausncia de vibrao de pregas vocais. So [+voz.] os sons

    com vibrao, como o [b] e [v].

    (10)

    Como se observam no exemplo (10), os segmentos [t] e [d] pertencem mesma classe natural,

    porque alm de serem semelhantes e terem apenas um trao distintivo, sofrem os processos fonolgicos

    juntos, como a regra de palatalizao que ocorre antes de [i], como em tSia e dZia, se a regra afeta um dos

    segmentos, deve afetar o outro.

    3 ATR (Advanced Tongue Root) o trao voclico referente ao avano ou recuo da raiz da lngua e que, geralmente, est diretamente relacionado com o levantamento do corpo da lngua, visto que esses movimentos da lngua so concomitantes.

    Exerccio 6: D a matriz de traos que caracteriza os seguintes sons:

    [] [ ] [] []

    Exerccio 7: Elimine o segmento que no pertence classe natural e identifique os traos que caracterizam essa classe: a. f, v, s, d, z b. p, t, k, g, f c z s t d b

  • LETRAS LIBRAS| 36

    Esse modelo trouxe grandes contribuies, pois, a partir do modelo linear, proposto por Chomsky e

    Halle (1968), na obra Sound Pattern of English (SPE), as anlises fonolgicas passaram a utilizar, como

    unidade mnima, os traos distintivos. Assim, passou a ser defendida a idia de que a criana adquire

    oposies e contrastes, e no sons individuais. Todas as crianas, por exemplo, adquirem os contrastes que

    diferenciam as consoantes oclusivas das nasais (papai/mame) antes dos contrastes que diferenciam as

    fricativas e as lquidas.

    As anlises por traos, baseadas no modelo linear, permitiram determinar as vrias etapas do

    processo de aquisio, agrupar os segmentos em classes naturais e verificar que os segmentos que integram

    uma mesma classe apresentam um funcionamento muito semelhante.

    No entanto, com o tempo, parecia no ser suficiente por conta do fato de que as matrizes de traos

    eram incomunicveis entre si. Assim, as matrizes no garantem uma explicao sobre o funcionamento de

    alguns processos fonolgicos. Foram, ento, desenvolvidos os modelos no-lineares, a partir de estudos

    como a Fonologia Mtrica; Fonologia Lexical; Fonologia da Slaba; Fonologia Prosdica e Fonologia Auto-

    segmental, que deu base para a Geometria dos Traos.

    Goldsmith (1976) desenvolveu esse modelo acreditando na existncia de nveis ou camadas, ligados

    atravs de linhas de associao. Nesse modelo, os segmentos so representados de modo multidimensional,

    pela estrutura de rvore e os traos esto dispostos em ns hierarquicamente ordenados, formando camadas

    (tiers) como se mostra na Figura 9:

    A (n de raiz)

    B

    C

    D ( B, C, D, E ns estruturais)

    E

    a b

    c

    d

    e

    f

    g (valores de traos)

    Figura 12 Estrutura do segmento (CLEMENTS; HUME, 1995, p. 249)

  • LETRAS LIBRAS | 37

    Os traos so ligados aos ns de classe por linhas de associao. Alm disso, existe uma relao de

    dependncia entre os traos, isto , o trao do n imediatamente superior domina o n inferior, e a

    mudana no n de classe superior implica mudana no n inferior.

    As premissas bsicas desta teoria so:

    a) A fala produzida usando-se vrios articuladores que funcionam independentemente, por

    estarem em tiers separados.

    b) Regras fonolgicas devem operar uma nica vez, ou seja, somente conjuntos de traos que

    formam constituintes funcionam juntos em regras fonolgicas.

    c) A organizao dos traos universalmente determinada.

    Foi baseada na Teoria dos traos que surgiu outra teoria fonolgica, a Teoria da Fonologia Natural,

    que estuda os processos fonolgicos. Isso porque estudos na fonologia clnica observaram que algumas

    crianas modificavam os sons modificando os traos, substituindo os sons ou omitindo/ apagando.

    Stampe (1973) foi o pioneiro no estudo dos processos fonolgicos. Para ele, o processo fonolgico

    uma operao mental para substituir classes de sons que o individuo no capaz de produzir, por uma

    opo de classe idntica, no entanto, desprovida da propriedade que a torna de difcil realizao. As

    palavras com encontros consonantais, por exemplo, so de maior dificuldade no estgio inicial do

    desenvolvimento da linguagem oral, como na palavra fruta.

    Apesar de a substituio fonolgica ser uma operao mental, ela motivada pelas caractersticas

    fsicas da fala como neurofisiolgicas, morfolgicas, mecnicas, temporais e acsticas.

    Esses processos de simplificao so naturais porque derivam das necessidades e dificuldades de

    articulao e de percepo do ser humano. Alm de naturais, so inatos e universais, pois so limitaes

    com as quais as crianas nascem e vo superando medida em que vo convivendo com a lngua.

    Dentre os processos mais comuns, na aquisio fonolgica normal, podem ser citados os de

    estruturao silbica e os de substituio (HERNANDORENA, 1990; YAVAS; HERNANDORENA; LAMPRECHT,

    1991; LAMPRECHT, 2004).

  • LETRAS LIBRAS| 38

    No nvel segmental, os processos de substituio mais freqentes so:

    Dessonorizao de obstruintes abre []

    Plosivisao Suco []

    Anteriorizao queijo []

    Posteriorizao sapato []

    Semivocalizao de lquidas cenoura []

    Substituio de lquida no-lateral

    por lateral buraco []

    No realizao do segmento em onset simples sabonete []

    Reduo do encontro consonantal blusa []

    Apagamento de slabas tonas bicicleta []

    Apagamento da fricativa final nibus []

    Apagamento de lquida final carne []

    Reduplicao gelia []

    Apagamento de lquida

    intervoclica borboleta []

    Apagamento de lquida inicial roda []

    Mettese verde []

    No realizao da slaba dormindo [)]

    Epntese brabo []

    Exerccio 8: O enunciado O vov comeu churrasco, farofa e salada realizado por uma criana da seguinte maneira: [u bobo komeu kuxaku paropa i talada]; caracterizando um processo fonolgico de: (A) frontalizao de velares; (B) simplificao de lquidas; (C) ensurdecimento; (D) dentalizao; (E) plosivao.

  • LETRAS LIBRAS | 39

    Como j foi dito antes, os modelos tericos da Fonologia podem ser baseados em regras e

    baseados em restries. At agora, falamos sobre os modelos baseados em regras. Existe tambm um

    modelo baseado em restries, que um modelo muito recente. Estamos falando da Teoria da Otimidade

    (OT), proposta por Prince e Smolensky (1993).

    Por ser um modelo muito terico, ser apenas citado, mas no ser aprofundado. O que vale a

    pena ser dito, e que muitos estudos na rea da Fonologia tem adotado esse modelo nas analises.

    Enfim, no campo da Fonologia, muitos tm sido os modelos propostos desde a Fonologia Gerativa

    Clssica, at os dias de hoje, com a Teoria da Otimidade e, embora as teorias visem descrio e anlise

    das lnguas em seu funcionamento real, nas comunidades que as utilizam, os pesquisadores sempre

    questionam sua pertinncia para a explicao de fatos relativos aos domnios da aquisio da linguagem,

    dos desvios lingsticos e da mudana histrica.

    2.3 A Fonologia da Lngua de Sinais

    A lngua de sinais (LS) uma lngua natural, uma forma legtima de expresso e comunicao das

    comunidades surdas (VALIANTE, 2009), com estrutura lingstica complexa, que dispe de todos os nveis

    lingsticos necessrios, como fonologia, morfossintaxe, semntica e pragmtica.

    Neste momento, ser focada apenas a estrutura fonolgica da lngua brasileira de sinais, apesar da

    grande escassez de estudos na rea da LIBRAS sob o ponto de vista fonolgico. Dentre estes estudos, pode-

    se mencionar Quadros e Karnopp (2004), Karnopp (1999; 2008) e Rabelo (2006).

    Segundo Karnopp (1999), os articuladores primrios das lnguas de sinais so as mos, que se

    movimentam no espao em frente ao corpo e articulam sinais em determinadas locaes neste espao. Nas

    lnguas de sinais, um sinal pode ser articulado com uma ou duas mos e tanto com a mo direita quanto

    com a mo esquerda, o que no se configura em uma mudana distintiva. Sinais articulados com uma mo

    so produzidos pela mo dominante (em geral, a direita para destros e a esquerda para canhotos). A

    LIBRAS, assim como as outras lnguas de sinais, basicamente produzida pelas mos, embora movimentos

    do corpo e da face tambm desempenhem funes.

    Para analisar a formao dos sinais, Stokoe (1960) props a decomposio da Lngua Americana de

    Sinais (American Sign Language ASL) em trs aspectos ou parmetros simultneos: o formato (ou

    configurao) de mos, a localizao (ou locao) no espao e a sua movimentao que, analisados

    isoladamente, no carregam qualquer significado. Battison (1978) acrescenta um quarto parmetro: a

    orientao da mo. preciso lembrar que a mudana de apenas um dos parmetros provoca diferena no

    significado do sinal.

  • LETRAS LIBRAS| 40

    Figura 13 Os parmetros fonolgicos da LIBRAS (FERREIRA-BRITO, 1990, p. 23).

    Figura 14 Pares mnimos na LIBRAS (FERREIRA-BRITO, 1990, p. 23).

  • LETRAS LIBRAS | 41

    A configurao das mos se refere ao fato de que para cada sinal feito, uma ou as duas mos

    podem assumir uma forma especfica. Pode ocorrer apenas uma mo configurada, uma mo configurada

    sobre a outra que lhe serve de apoio e a configurao espelhada das duas mos. Pesquisas de Ferreira-Brito

    e Langevin (1995) mostram que a LIBRAS possui 46 configuraes de mo.

    Figura 15 As 46 configuraes de mo da LIBRAS (FERREIRA-BRITO; LANGEVIN, 1995).

  • LETRAS LIBRAS| 42

    A localizao no espao o local onde a mo j configurada posicionada. A mo pode tocar,

    bater ou ser posicionada em um ponto inicial da qual deslizar para outro ponto do corpo. Pode, ainda, ser

    posicionada em um espao neutro frente ou ao lado do corpo, seja na direita, esquerda em cima, no meio

    ou em baixo. Assim, o sinal pode ser localizado na regio superior (cabea ou pescoo), mdia (tronco) ou

    inferior (da cintura ao meio da coxa), onde sero articulados.

    Figura 16 Espao de realizao dos sinais (FERREIRA-BRITO, 1990, p. 3)

    Quadro 3 Pontos de articulao (FERREIRA-BRITO; LANGEVIN, 1995) C cabea T topo da cabea R rosto S parte superior do rosto I parte inferior do rosto p orelha o olhos N nariz B boca d bochechas Q queixo A zona abaixo do queixo

    T tronco P pescoo O ombro B busto E estmago C cintura B braos S brao I antebrao C cotovelo P pulso

    M mo P palma C costas das mos L1 lado do indicador L2 lado do dedo mnimo D dedos Dp ponta dos dedos Dd ns dos dedos (juno dedos-mo) Dj ns dos dedos (primeira junta dos dedos) D1 dedo mnimo D2 anular D3 dedo mdio D4 indicador D5 polegar V interstcio entre os dedos V1 interstcio entre o polegar e o indicador V2 interstcio entre o indicador e o mdio V3 interstcio entre o mdio e o anular V4 interstcio entre o anular e o mnimo

    EN espao neutro

  • LETRAS LIBRAS | 43

    O parmetro de movimento se refere ao movimento especfico que realizado para expressar o

    significado do sinal, podendo ser o bater, o deslizar, o apertar, o girar etc. De acordo com Klima e Bellugi

    (1979 apud FERREIRA-BRITO, 1995), este um parmetro que envolve os movimentos internos da mo, os

    movimentos do pulso, os movimentos direcionais no espao e conjuntos de movimento de um mesmo

    sinal.

    As categorias em que se pode descrever o parmetro movimento na LIBRAS esto dispostas no

    Quadro 2 (FERREIRA-BRITO, 1995).

    Quadro 4 Categorias do parmetro movimento na LIBRAS (FERREIRA-BRITO, 1995)

    Tipo de movimento

    Contorno ou forma geomtrica: retilneo, helicoidal, circular, semi-circular,

    sinuoso, angular, pontual;

    Interao: alternado, de aproximao, de separao, de insero, cruzado;

    Contato: de ligao, de agarrar, de deslizamento, de toque, de esfregar, de

    riscar, de escovar ou de pincelar.

    Torcedura de pulso: rotao, com refreamento;

    Dobramento de pulso: para cima, para baixo;

    Interno das mos: abertura, fechamento, curvamento e dobramento

    (simultneo/gradativo)

    Direcionalidade do

    movimento

    Direcional

    Unidirecional: para cima, para baixo, para esquerda, para

    direita, para dentro, para fora, para o centro, para lateral

    inferior esquerda, para lateral inferior direita, para lateral

    superior esquerda, para lateral superior direita, para um

    ponto referencial especfico

    Bidirecional: para cima e baixo, para esquerda e direita,

    para dentro e fora, para laterais opostas.

    No-direcional

    Frequncia Simples

    Repetido

    J a orientao est relacionada direo da palma da mo durante um sinal: voltada para cima,

    para baixo, para o corpo, para a frente, para a esquerda ou para a direita.

    Esses quatro parmetros so considerados as unidades mnimas das lnguas de sinais e qualquer

    mudana em um deles pode levar a uma modificao do significado do sinal.

  • LETRAS LIBRAS| 44

    Embora a lngua de sinais seja produzida basicamente pelas mos, movimentos do corpo e da face

    tambm desempenham funes. As expresses faciais e corporais so, portanto, consideradas o quinto

    parmetro da fonologia das lnguas de sinais.

    Estas expresses se referem aos movimentos da face, dos olhos, da cabea ou do tronco e esto

    relacionadas s diferenciaes entre itens lexicais e marcaes sintticas, como marcao de sentenas

    interrogativas (como sim-no e interrogativas QU-), oraes relativas, topicalizaes, concordncia e foco

    (QUADROS; KARNOPP, 2004).

    Referncias Bibliogrficas

    BATTISON, R. Lexical borrowing in American Sign Language. Silver Springs: Linstok, 1978. BATTISTI, E.; VIEIRA, M.J.B. O sistema voclico do portugus. In: BISOL, L. (org.), Introduo a estudos de fonologia do portugus brasileiro. Porto Alegra: EDIPUCRS, 2005. BISOL, L. Harmonizao Voclica. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras da UFRJ. Dissertao de mestrado, 1981. CAGLIARI, L.C. Anlise fonolgica: introduo teoria e prtica com especial destaque para o modelo fonmico. Campinas: Mercado de Letras, 2002. CMARA JR, J. M. Estrutura da Lngua Portuguesa. Petrpolis: Vozes, 1970. CHOMSKY, N.; HALLE, M. The sound pattern of english. New York: Harper & Row, 1968. FERREIRA-BRITO, L. O discurso ideolgico das filosofias educacionais para surdos e sua lngua dos sinais. Revista GELES. n. 4, v. 4, p. 22-44, 1990. FERREIRA-BRITO, L. Por uma gramtica de lngua de sinais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995. GOLDSMITH, J. A (ed). Phonological theory: the essential readings. Oxford: Blackwell Publishers, 1999. HYMAN, L. M. Phonology: theory and analysis. New York: Holt, Rinehart & Winston, 1975. KARNOPP, L.B. Aquisio fonolgica na Lngua Brasileira de Sinais: estudo longitudinal de uma criana surda. 1999. 274 f. Tese (Doutorado em Lingstica e Letras) Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1999. KARNOPP, L.B. Sign phonology acquisition in Brazilian Sign Language. In: QUADROS, R.M. (Org.) 9th Theoretical Issues in Sign Language Research TISLR9. Petrpolis: Arara Azul, 2008. p. 209-23. LAMPRECHT, R.R. Aquisio fonolgica do portugus: perfil de desenvolvimento e subsdios de terapia. Porto Alegre: Artmed, 2004. PRINCE, A.; SMOLENSKY, P. Optimality theory: constraint interaction and generative grammar. Report n. RuCCS-TR-2. New Brunswick: Rutgers University Center for Cognitive Science, 1993.

  • LETRAS LIBRAS | 45

    QUADROS, R.M.; KARNOPP, L.B. Lngua de sinais brasileira: estudos lingsticos. Porto Alegre: Artmed, 2004. RABELO, A.S. Libras: aspectos lingsticos e usos na terapia fonoaudiolgica bilnge. Estudos, Goinia, v. 33, n. 5/6, p. 369-84, maio/jun. 2006. STAMPE, D. A dissertation on natural phonology. 1973. Tese de Doutorado em Letras) Chicago University, 1973. STOKOE, W.C. et al. A dictionary of American Sign Language on linguistic principles. Washington: Gallaudet College Press, 1960. VALIANTE, J.B.G. Lngua Brasileira de Sinais: reflexes sobre a sua oficializao como instrumento de incluso dos surdos. 2009. 97 f. Dissertao (Mestrado em Lingstica) Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009. YAVAS, M.; HERNANDORENA, C.L.M.; LAMPRECHT, R.R. Avaliao fonolgica da criana. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1991.

  • LETRAS LIBRAS| 46

  • LETRAS LIBRAS | 47

    TEORIAS LITERRIAS

  • LETRAS LIBRAS| 48

  • LETRAS LIBRAS | 49

    Caro (a) aluno (a),

    A partir de agora, voc vai cursar a disciplina Teorias Literrias. Para compreender o texto literrio,

    consideraremos algumas abordagens tericas. Voc deve ser receptivo teoria. atravs da teoria que o

    homem procura explicar algum fenmeno. Portanto, atravs da teoria da literatura que o homem procura

    explicar os textos literrios. Mas, antes de vermos algumas abordagens tericas que procuram explicar a

    literatura, vamos pensar. Voc sabe dizer o que Literatura?

    Literatura uma palavra de muitos significados. A palavra Literatura pode ser usada para designar

    um conjunto de obras literrias de um pas (ex.: a literatura alem...) ou de uma poca (ex.: na literatura

    modernista, o fluxo da conscincia...), a bibliografia referente a um assunto (aps consultar a literatura que

    versava sobre botnica...).

    Na acepo que nos interessa mais, devemos entender literatura como o resultado do ofcio de

    quem trabalha a palavra de forma artstica. O texto literrio uma manifestao artstica. Essa

    manifestao artstica fruto da inventividade, criatividade, observao, fantasia.

    em decorrncia dessa manifestao artstica, desse conhecimento, que o homem passou a

    teorizar sobre a literatura.

    Desde a antiguidade o homem teoriza sobre o texto literrio. H uma teoria que procura classificar

    os textos literrios em gneros.

    A palavra gnero significa origem, classe, espcie, gerao. As obras Literrias so classificadas em

    gneros, os gneros literrios. Os gneros literrios so trs: gnero pico, gnero dramtico, gnero lrico.

    Cada gnero literrio tem suas caractersticas.

    PESQUISE:Para ampliar seus conhecimentos sobre os

    significados da palavra literatura, consulte AGUIAR E SILVA, Vitor Manuel de. Teoria da Literatura. So

    Paulo: Martins fontes, 1976. Disponvel em: http://www.ufrgs.br/proin/versao_1/aguiar/index.html. Consulte tambm o verbete Literatura em um

    dicionrio e/ou um site de busca/pesquisa.

    TEORIAS LITERRIAS

  • LETRAS LIBRAS| 50

    UNIDADE 1

    GNERO PICO

    O gnero pico tambm chamado de gnero narrativo caracteriza-se por um conjunto de

    categorias. Essas categorias so:

    - O narrador quem conta a histria;

    - Personagens So aqueles

    (Woman Reading 1875 Pierre Auguste Renoir)

    /pessoas que vivenciam a ao;

    - Tempo a durao da histria;

    - Espao o lugar onde os personagens desenvolvem a ao;

    - Enredo o conjunto dos fatos que compem a histria.

    O que diferencia o gnero pico/narrativo dos demais gneros o narrador.

  • LETRAS LIBRAS | 51

    Na pintura v-se uma mulher lendo um livro. O livro apresenta uma histria. Esta histria contada

    por algum. O narrador quem conta uma histria.

    Ateno: O narrador responsvel pelos valores transmitidos ao longo do enredo. Mas, o narrador

    no o escritor. O narrador no pode ser confundido com quem escreve um texto literrio

    Vamos ler um fragmento do conto Cabelos compridos do escritor Monteiro Lobato:

    O conto fala de uma moa. Essa moa se chama Das Dores. Ela a personagem do conto. Quem

    fala sobre Das Dores o narrador. O narrador no participa da histria. Mas, d opinies sobre Das Dores.

    Na teoria Literria classifica-se o narrador que no participa da histria de heterodiegtico.

    Reflita: O narrador diz que Das Dores uma pessoa sem muita inteligncia. Ser que ele precisaria

    citar Schopenhauer para dizer isso? Schopenhauer um filsofo. Voc sabe o que faz um filsofo? Voc

    conhece Schopenhauer?

    Agora vamos ler um fragmento do romance O triste fim de Policarpo Quaresma do escritor Lima

    Barreto:

    - Coitada da Das Dores, to boazinha...

    Das Dores isso, s isso - boazinha. No possui outra qualidade. feia, desengraada, inelegante, magrrima, no tem seios nem cadeiras nem nenhuma rotundidade posterior; pobre de bens e de esprito; filha daquele Joaquim da Venda, ilhu de burrice ebrnea - isto dura como o marfim. Moa que no tem por onde se lhe pegue fica sendo apenas isto - boazinha.

    - Coitada da Das Dores, to boazinha...

    S tem uma coisa a mais que as outras - cabelo. A fita da sua trana toca-lhe a barra da saia. Em compensao, suas idias medem-se por fraes de milmetro, to curtinhas so. Cabelos compridos, idias curtas - j o dizia Schopenhauer.

    Como lhe parecia ilgico com ele mesmo estar ali metido naquele estreito calabouo? Pois ele, o Quaresma plcido, o Quaresma de to profundos pensamentos patriticos, merecia aquele triste fim? (...)

    No estava ali h muitas horas. Fora preso pela manh, logo ao erguer-se da cama; e, pelo clculo aproximado do tempo, pois estava sem relgio e mesmo se o tivesse no poderia consult-lo fraca luz da masmorra, imaginava podiam ser onze horas

  • LETRAS LIBRAS| 52

    O romance tem muitos personagens. O personagem central Policarpo Quaresma. A histria gira

    em torno dele. Ele o protagonista. O narrador fala sobre o protagonista, o que acontece com ele, sobre

    seus pensamentos e etc. O narrador no participa dessa histria. O narrador heterodiegtico.

    Leiamos outro fragmento. Desta vez do romance So Bernardo do escritor Graciliano Ramos.

    O romance So Bernardo fala da vida de Paulo Honrio. Paulo Honrio um personagem. Ele o

    protagonista. Ele quem narra sobre sua vida. Paulo Honrio tambm o narrador. O narrador, que

    Paulo Honrio, participa da histria. Na teoria literria, classifica-se o narrador que participa da histria e

    protagonista de narrador autodiegtico. Se o narrador uma personagem, mas no o protagonista a

    teoria literria o classifica como narrador homodiegtico.

    Resumo da lio:

    O gnero pico tambm chamado de gnero narrativo. O gnero pico caracteriza-se por um conjunto de categorias. A categoria que distingue o gnero pico dos demais gneros a categoria do narrador. O narrador quem conta uma histria. O narrador pode ser classificado como heterodiegtico ou homodiegtico ou autodiegtico.

    Antes de iniciar este livro, imaginei constru-lo pela diviso do trabalho.

    Dirigi-me a alguns amigos, e quase todos consentiram de boa vontade em contribuir para o desenvolvimento das letras nacionais (...)

    Estive uma semana bastante animado, em conferncia com os principais colaboradores, e j via os volumes expostos, um milheiro vendido (...)

    Abandonei a empresa, mas um dia deste (...) iniciei a composio de repente, valendo-me dos meus prprios recursos e sem indagar se isto me traz qualquer vantagem, direta ou indireta (...)

    Aqui sentado mesa da sala de jantar, fumando cachimbo bebendo caf, suspendo s vezes o trabalho moroso, olho a folhagem das laranjeiras que a noite enegrece, digo a mim mesmo que esta pena um objeto pesado. No estou acostumado a pensar.

    Comeo declarando que me chamo Paulo Honrio, peso oitenta e nove quilos e completei cinqenta anos pelo So Pedro. A idade, o peso, as sobrancelhas cerradas e grisalhas, este rosto vermelho e cabeludo tm-me rendido muita considerao. Quando me faltavam estas qualidades, a considerao era menor.

  • LETRAS LIBRAS | 53

    REFLITAVoc j sabe o que o protagonista. O protagonista o personagem principal. Voc tambm j sabe o que o narrador. O narrador quem conta a histria. Agora releia com calma e ateno o fragmento do conto Cabelos Compridos do escritor Monteiro Lobato. Das Dores uma protagonista? Por qu? Das Dores quem narra a histria? Discuta com os seus colegas.

    O Projeto Nupill disponibiliza na internet a ntegra do romance O triste fim de Policarpo Quaresma. Caro aluno surdo e ouvinte, acesse o link a seguir e procure ler esta, que uma obra representativa da literatura brasileira: http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/quaresma.html. H tambm uma adaptao flmica deste romance. Voc pode assisti-lo noyou tube e, assim, complementar o seu entendimento acerca do enredo.

    Agora sua vez

    PESQUISAR:O texto de Lima Barreto aborda um perodo importante da

    histria do Brasil. O romance O triste fim de Policarpo Quaresma uma crtica a esse perodo histrico brasileiro.

    Procure na internet informaes a esse respeito e amplie o seu conhecimento.

  • LETRAS LIBRAS| 54

    UNIDADE 2

    GNERO DRAMTICO

    O gnero dramtico feito para ser representado no teatro. Os personagens agem. Os

    personagens so responsveis pelo desenvolvimento da ao. Por isso, o texto dramtico no precisa de

    um narrador para contar a histria. A base do texto dramtico o dilogo. No texto dramtico os

    personagens dialogam entre si e desenvolvem a ao.

    Vamos ler um trecho da pea O pagador de promessas de Dias Gomes.

    Z

    (Olhando a igreja). essa. S pode ser essa.

    Rosa para tambm, junto dos degraus, cansada, enfastiada e deixando j entrever uma revolta que se avoluma.

    Rosa

    E agora? Est fechada.

    Z

    cedo ainda. Vamos esperar que abra.

    Rosa

    Esperar? Aqui?

    Z

    No tem outro jeito.

  • LETRAS LIBRAS | 55

    Rosa

    (Olha com uma raiva e vai sentar-se num dos degraus. Tira o sapato). Estou com cada bolha dagua no p que d medo.

    Z

    Eu tambm (Num ricto de dor, despe uma das mangas do palet.). Acho que meus ombros esto em carne viva.

    Bem feito. Voc no quis botar almofadinhas, como eu disse.

    Z

    (Convicto) No era direito. Quando eu fiz a promessa. No falei em almofadinhas.

    Rosa

    Ento: se voc no falou, podia ter botado; a santa no ia dizer nada.

    Z

    No era direito. Eu prometi trazer a cruz nas costas, como Jesus. E Jesus no usou almofadinhas.

    Este fragmento que voc acabou de ler um dilogo entre Z-do-Burro e sua esposa, Rosa. Eles

    so personagens. O dilogo entre Z-do-Burro e Rosa no precisa ser apresentado por um narrador. O que

    diferencia o gnero dramtico dos demais gneros a ao associada predominncia quase que absoluta

    de dilogos.

    Outra caracterstica do gnero dramtico o conflito. O conflito a oposio entre foras. Essas

    foras/vontades acreditam na legitimidade de suas aes. O gnero dramtico se desenvolve a partir do

    choque entre duas vontades, gerando o conflito dramtico.

    No caso da pea O Pagador de Promessas, a vontade de Z-do-Burro de cumprir sua promessa. A

    promessa a de colocar uma cruz no altar da igreja de Santa Brbara. A promessa foi feita em um terreiro

    de Candombl. Para o padre da igreja de Santa Brbara, a promessa de Z-do-Burro no legitima porque

    no foi feita de acordo com o ritual catlico. O padre representa o ponto de vista da igreja catlica.

    Percebe-se um conflito: Z-do-Burro quer colocar a cruz dentro da igreja e o padre no quer deixar.

  • LETRAS LIBRAS| 56

    Z

    (Em desespero.) Mas, padre, eu prometi levar a cruz at o altar-mor! Preciso cumprir a minha promessa!

    Padre

    Fizesse-a ento numa igreja. Ou em qualquer parte, menos num antro de feitiaria.

    Z

    Eu j expliquei...

    Padre

    No se pode servir a dois senhores, a Deus e ao Diabo!

    Z

    Padre...

    Padre

    Um ritual pago, que comeou num terreiro de candombl, no pode terminar na nave de uma igreja!

    Z

    Mas, padre, a igreja...

    Padre

    A igreja a casa de Deus. Candombl o culto do Diabo!

    Z

    Padre, eu no andei sessenta lguas para voltar daqui. O senhor no pode impedir a minha entrada. A igreja no sua, de Deus!

    Padre

    Vai desrespeitar a minha autoridade?

    Z

    Padre, entre o senhor e Santa Brbara, eu fico com Santa Brbara.

    Padre

    (Para o Sacristo.) Fecha a porta. Quem quiser assistir missa que entre pela porta da sacristia. L no d para passar essa cruz. (Entra na igreja.)

  • LETRAS LIBRAS | 57

    Resumo da lio:

    O gnero dramtico feito para ser encenado no teatro. O gnero dramtico fundamenta-se na ao direta dos personagens, no precisando de um

    narrador para contar a histria.

    Os dilogos entre os personagens tambm so um fundamento do gnero dramtico. A predominncia quase que absoluta de dilogos um trao distintivo do gnero dramtico em

    relao aos demais gneros.

    Outra caracterstica do gnero dramtico o conflito. Por conflito deve-se entender a oposio entre foras/vontades que acreditam na legitimidade

    de suas aes.

    Muitas obras literrias dos gneros pico e dramtico viraram filme. Pesquise na internet e descubra informaes sobre quais textos literrios foram adaptados para o cinema. Afinal, os filmes que so adaptados podem ajudar o aluno surdo e ouvinte a conhecer um pouco mais uma determinada obra literria.

    Agora com voc

    O Pagador de Promessas foi adaptado para o cinema. O filme recebeu muitos prmios. O prmio mais importante foi a Palma de Ouro,

    entregue no Festival de Cinema de Cannes. A personagem Rosa foi interpretada pela