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Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto
Líquidos Iónicos como Novos Solventes
Projeto FEUP 2015/2016 – Mestrado Integrado em Engenharia Química
Equipa 5.1:
Supervisor: M. Eugénia Macedo Monitor: Margarita de Brito
Estudantes & Autores
Eliana Teresa Coelho Loureiro
Miguel Soares Parece
João Pereira dos Santos
Ruben Dias de Carvalho Freire Monteiro
Maria Inês Sousa Andrade Gama
Sofia Ribeiro de Sousa
Mariana Rosas da Costa
Resumo
Este trabalho centra-se na temática dos líquidos iónicos que foram introduzidos
na indústria como solventes “verdes” devido a um conjunto de caraterísticas que fazem
deles uma classe de solventes com potencial para ser explorado.
Num tempo anterior à descoberta dos líquidos iónicos, que remonta ao século
XIX, recorria-se a solventes orgânicos que contribuíam para a poluição atmosférica e
ameaçavam a saúde humana. Face a este problema, todos os esforços foram
direcionados para a descoberta de uma alternativa para estes poluentes. Surgiram, assim,
os líquidos iónicos como uma solução alternativa ao uso dos solventes orgânicos.
Os Líquidos Iónicos são sais formados por catiões orgânicos volumosos e aniões
de diferentes tamanhos, que são líquidos à temperatura ambiente, e que representam
uma nova classe de solventes. As principais caraterísticas destes compostos são os
seguintes: ponto de fusão, densidade, viscosidade, solvatação, solubilidade e a acidez e
basicidade, dependendo dos catiões e aniões presentes estas caraterísticas são diferentes.
A principal metodologia para obtenção dos líquidos iónicos mantêm-se praticamente
inalterada desde a preparação do primeiro líquido iónico à temperatura ambiente, em
1914. Ela consiste praticamente em dois passos onde o primeiro é a formação do catião
e o segundo, se necessário, a troca do anião. As aplicações primeiramente desenvolvidas
com líquidos iónicos foram eletrólitos de baterias. Atualmente estes possuem várias
aplicações e apresentam propriedades interessantes como solventes e/ou catalisadores;
substituindo os solventes orgânicos convencionais e tornando os processos mais
“verdes”. Alguns exemplos onde os líquidos iónicos são atualmente aplicação são
sínteses orgânicas, reações de biocatálise e separação de soluções aquosas bifásicas.
Inicialmente, neste relatório, estão evidenciados os conceitos primários dos
líquidos iónicos como a sua definição, as suas características e propriedades. Esclarece-
se e justifica-se a razão pela qual estes líquidos iónicos são um substituto ecológico dos
solventes orgânicos voláteis tradicionais.
Posteriormente, encontram-se especificadas as aplicações e a implementação
industrial deste novo solvente.
Por último, pretende-se focar as ideias principais bem como os conceitos.
I
Palavras-chave
Líquidos iónicos;
Solventes orgânicos tradicionais;
Volatilidade;
Aplicações;
Implementação Industrial.
II
Agradecimentos
Gostaríamos de agradecer à professora M. Eugénia Macedo, que na qualidade de
professora supervisora desta unidade curricular, através da sua dedicação, nos prestou
total auxílio na realização deste projeto. De seguida agradecemos a total disponibilidade
que a nossa monitora, Margarita de Brito, demonstrou, quer para esclarecimento de
dúvidas, quer para deixar sugestões, devidamente aproveitadas, que contribuíram para a
realização de um melhor trabalho.
Por fim queremos demonstrar todo o nosso apreço a todos os professores
palestrantes durante toda a semana “FEUP Orienta-te!”. Palestras essas que nos
ajudaram bastante na redação deste relatório e futura apresentação oral.
III
Índice
Lista de figuras…………………………………………………………………… 1
Lista de esquemas…………………………………………………………………... 1
Lista de Tabelas ……………………………………………………………………. 1
Lista de acrónimos …………………………………………………………………. 2
Glossário……………………………………………………………………………. 3
1. Introdução ……………………………………………………………………….. 4
2. Líquidos Iónicos……………………………………..………………………….
2.1. Breve História……………………………………………………………….. 6
2.2. O que são?........................................................................................................ 7
2.3. Propriedades………………………...………………………………………. 8
2.4. Estrutura …………………………………………………………………….. 9
2.5. Catiões e aniões mais usados……………………………………………….. 10
2.6 Imidazólio como catião frequente em líquidos iónicos……………………… 11
3. Implementação Industrial………………………………………………………... 12
4. Aplicação dos líquidos iónicos como Solventes………………………………….
4.1. Utilização dos Ils em sínteses orgânicas……………………………………. 13
4.1.1.Reações de hidrogenação……………………………………………… 13
4.1.2.Reaçõesde Diels-Alder………………………………………………... 14
4.1.3.Reações de Friedel-Crafts…………………………………………….. 15
4.1.4.Biocatálse em líquidos iónicos………………………………………… 15
4.2 Utilização dos ILs em sistemas aquosos bifásicos (SAB)…………………... 16
4.3. Purificação de Biogás usando líquidos iónicos……………………………... 17
5. Outras aplicações……………………………........................................................
5.1. Aplicações na Saúde……………………………............................................ 18
5.2. Aplicações eletrónicas……………………………......................................... 18
5.3. Aplicação como filtros industriais……………………………...…………… 18
5.4. Aplicação na extração de iões metálicos……………………………............. 18
6. Líquidos iónicos como impulsionadores de investigações………………………
6.1.Indústria cosmética……………………………...…………………………… 19
6.2. Gelatina Iónica……………………………...……………………………...... 19
6.3. Tratamento Cutâneo……………………………...………………………….. 20
7. Conclusão……………………………...…………………………….................... 21
8. Referências Bibliográficas……………………………...………………………... 22
Listas de figuras
Figura 1: Infograma representativo das principais aplicações dos líquidos iónicos e
respetivos exemplos.
Figura 2: Número de artigos científicos publicados sobre Líquidos Iónicos entre 1986-
2006.
Figura 3: Representação esquemática das estruturas de alguns catiões utilizados na
síntese de líquidos iónicos.
Figura 4: Fórmulas de estrutura de catiões e aniões utilizados nos solventes iónicos.
Figura 5: Campos de aplicação de líquidos iónicos.
Figura 6: Representação esquemática do SAB que serviu de exemplo anteriormente.
Lista de esquemas
Esquema 1: Mistura de cloreto de butilpiridínio e tricloreto de alumínio (67 mol% em
Alumínio), com p.f. = - 40°C.
Esquema 2: Mistura de cloreto de 1-etil-3-metilimidazólio e cloreto de alumínio (67
mol % em alumínio), com p.f.=-80°C.
Esquema 3: Síntese por catálise enzimática de precursor do aspartame em líquido
iónico.
Listas de Tabelas
Tabela 1 Exemplos de reações de hidrogenação com catalisadores de metais de
transição em líquidos iónicos.
Tabela 2: Reação do acrilato de etila com pentadieno em diferentes solventes.
Tabela 3 : Acilação Friedel-Crafts de compostos aromáticos.
1
Lista de acrónimos
FEUP – Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto;
ILs – Líquidos Iónicos;
VOCs – Compostos Orgânicos Voláteis;
RTILs - Líquidos iónicos à temperatura ambiente (Room Temperature Ionic Liquids);
p.f. – Ponto de fusão;
BMIM – 1-butil-3-metilimidazólio
EMIM – 1-etil-3-metilimidazólio
SAB – Sistemas aquosos bifásicos;
2
Glossário
Solvatação: mecanismo de dissolução em que catiões e aniões ficam envoltos em
moléculas de solvente.
Solubilidade: quantidade máxima de uma substância que se pode dissolver num líquido.
Reações de alquilação: reação orgânica de substituição em que um ou mais átomos de
hidrogénio ligados ao anel benzénico são substituídos por um grupo alquila.
Reações de acilação: denominadas reações de Friedels-Crafts, reações orgânicas de
substituição de um hidrogénio do benzeno por um grupo acila.
Pressão de Vapor: é a pressão de um vapor em equilíbrio termodinâmico com a sua fase
condensada num recipiente fechado.
Seletividade: escolha criteriosa e fundamentada.
Clatratos: "misturas", onde uma molécula pequena ou átomo grande, ficam presos em
cavidades de cristais quando a solução é resfriada e um dos componentes se cristaliza.
3
1. Introdução
O uso em grande escala de solventes orgânicos voláteis – VOCs (do inglês,
Volatile Organic Compounds) manifestou ser um dos maiores problemas da indústria
química. Tardiamente, verificou-se que estes solventes são uma ameaça para a
segurança e saúde humana e ainda para o meio ambiente devido à sua volatilidade e
elevada inflamabilidade. O aumento assertivo da poluição ambiental conduziu a maiores
restrições ao nível das políticas governamentais sobre a emissão de substâncias para o ar
atmosférico. Esta intensificação do rigor das regras ambientais restringiu a prossecução
do uso de solventes com um impacto negativo.
Para contornar a questão da poluição ambiental, os pesquisadores têm se
dedicado á pesquisa de solventes alternativos para substituir os convencionais. Os novos
meios reacionais desenvolvidos recentemente incluem o uso de água, fluidos
supercríticos (água e CO2), hidrocarbonetos perfluorados e líquidos iónicos à
temperatura ambiente, e até mesmo, a ausência de qualquer solvente .[1] e [2]
Mudar o solvente tradicional por um solvente verde não significa somente tornar
o processo verde; pode acarretar também mudanças na reação, afetando por exemplo o
rendimento, e em muitos casos é possível manipular o sistema, direcionando assim a
reação para obtenção de apenas um entre os possíveis produtos, aumentano a pureza,
tornando o processo economicamente viável e reduzindo a quantidade de resíduos.
Os líquidos iónicos - ILs destacaram-se como solventes alternativos devido às
suas características únicas: são líquidos à temperatura ambiente, apresentam baixa
pressão de vapor e elevada estabilidade térmica, características que oferecem grande
facilidade de contenção, recuperação do produto e capacidade de reciclagem. Realça-se,
a sua elevada condutividade iónica e o facto de não serem inflamáveis nem voláteis o
que impossibilita a emissão de solventes orgânicos voláteis para a atmosfera e contribui
para a separação dos componentes (gasosos e líquidos voláteis) do solvente; e também a
possibilidade de ser criado/modelado para desempenhar o papel desejado no processo
Os ILs foram inseridos como sistemas solventes em reações químicas,
separações, extrações, eletrólitos, entre outras.
4
Todas estas propriedades permitem que os líquidos iónicos sejam uma
alternativa “verde” aos solventes orgânicos voláteis nos mais variados processos
químicos.
Outro fator que demonstra a importância dos líquidos iónicos nos últimos anos é
o crescente número de publicações
Figura 1: Infograma representativo das principais aplicações dos líquidos iónicos e
respetivos exemplos.
Figura 2: Número de artigos científicos publicados sobre Líquidos Iónicos entre 1986-
2006 [3]
5
2. Líquidos Iónicos
2.1. Breve História
O primeiro líquido iónico à temperatura ambiente conhecido foi descrito em
1914 por Walden, que sintetizou o nitrado de etilamónio, com ponto de fusão de 12°C.
Em 1951 foi publicado por Hurley e Wier a preparação do primeiro líquido iónico
contendo iões cloroaluminatos para fins eletroquímicos, através da mistura de cloreto de
alquilpirídinio e tricloreto de alumínio.
Esquema 1: Mistura de cloreto de butilpiridínio e tricloreto de alumínio (67 mol% em
Alumínio), com p.f. = - 40°C.
No final da década de 70, os grupos de Osteryoung e Wikes retomaram o estudo
sobre esses líquidos iónicos passaram a ser utilizados como catalisadores em reações
orgânicas, como alquilação e acilação de olefinas. Ainda nesta década foram estudados
os sais de tetraalquilamónio, utilizados em eletroquímica e em catálise bifásica. No
entanto, por possuírem alto ponto de fusão o seu uso ficou limitado.
Como o catião alquilpiridínio – base dos primeiros líquidos iónicos – é
facilmente reduzido, no início da década de 80 o grupo de Wilkes, à procura de um
catião com um potencial de redução menor que o alumínio (III) empregou o 1,3-
dialquilpimidazólio para ser utilizado como eletrólito de baterias. Os sais deste catião
apresentam temperaturas de fusão abaixo daquelas dos sais de alquilpirínio (esquema #).
Além de serem usados como eletrólitos, passaram também a ser usados como solvente e
catalisadores ácidos em reações orgânicas, como Friedel–Crafts.
Esquema 2: Mistura de cloreto de 1-etil-3-metilimidazólio e cloreto de alúminio (67
mol % em alumínio), com p.f. =-80°C
6
2.2. O que são?
Os líquidos iónicos são eletrólitos que em fase líquida são compostos apenas por
iões, têm aspeto semelhante a uma simples solução iónica, mas são completamente
diferentes do ponto de vista estrutural, pois não contém moléculas de solvente.
Os líquidos iónicos à temperatura ambiente – RTILs são constituídos por
catiões orgânicos assimétricos relativamente grandes e aniões orgânicos ou inorgânicos
relativamente pequenos, sendo líquidos na temperatura ambiente devido ao fato da sua
entalpia de fusão ser relativamente baixa e da sua entropia de fusão ser elevada. Isto
resulta numa baixa temperatura de fusão.
As perspetivas do uso dos líquidos iónicos na Engenharia Química têm como
objetivo principal utilizar esses compostos como substitutos dos solventes
convencionais, como já havia sido dito anteriormente.
De acordo com alguns autores, estima-se a possibilidade de um trilião de
combinações entre catiões e aniões. Porém, os líquidos iónicos de dialquilimidazólio
são de longe os mais estudados.
7
2.3 Propriedades
Os líquidos iónicos como solventes orgânicos têm propriedades que diferem dos
solventes normalmente utilizados.
A temperatura de fusão é inferior a 100°C enquanto que nos solventes orgânicos
tradicionais esta ronda os 800ºC, sendo esta caraterística uma das principais diferenças.
Isto é observável na estrutura dos compostos iónicos. Os líquidos iónicos obtêm uma
combinação entre iões e moléculas neutras, o que confere uma estrutura algo
desordenada. Contrariamente aos sais ditos “normais”, como o NaCl, que optam por
uma estrutura organizada do tipo cristalina cúbica, explicando assim o elevado ponto de
fusão nos compostos vulgares.
Os líquidos iónicos, uma vez que mantêm a sua estrutura e estabilidade, poderão
ser uma alternativa que oferece mais segurança e eficiência quando comparados com os
solventes orgânicos tradicionais, a nível de Implementação Industrial. Igualmente, em
relação à pressão, os mesmos beneficiam de uma pressão de vapor quase nula.
Alguns solventes orgânicos são facilmente inflamáveis, tais como a cetona, o
etanol ou mesmo o hexano, o que pode comprometer as normas de segurança
estabelecidas. Antagonicamente, os solventes iónicos não são inflamáveis à exceção dos
aniões ácido nítrico ou pícrico.
As propriedades variam dependendo do catião ou anião, deste modo podemos obter um
solvente com as propriedades que desejamos.
8
2.4. Estrutura
A grande diferença entre os RTILs e os sais fundidos de elevada temperatura de
fusão recai na assimetria molecular que normalmente é associada ao catião.
Uma grande parte dos RTILs que estão disponíveis para ser comercializados
deriva do catião imidazólio, piridínio, pirrolídínio, amónio, sulfónio ou fosfónio.
1 – alquil – 3 – metilimidazólio
[CnMIM]+
1 – alquil – 3 - metilpirrolídínio
[CnPyr]+
1 – alquil – 3 – metilpiridínio [CnPir]+
Figura 3: Representação esquemática das estruturas de alguns catiões utilizados na
síntese de líquidos iónicos.
9
2.5 Catiões e aniões mais comuns
Catiões:
Aniões:
f) [PF6
-]
g) [BF3-]
h) [CH3CO2-]
i) [N(SO2CF3)2-] j) [CF3SO2
-] k) [CH3SO2
-]
l) [BR4-]
m) [NO3-], [Cl-]
a) N-alquil-piridínio
b) 1,3-dialquil-imidazólio
c) N, N-dialquil-pirrolidínio
d) Tetraalquil-amomonium
e) Tetraalquil-fosfónio
f) Hexafluorofosfato
g) Trifluoreto de boro
h) Acetato
i) N-fenil (Trifluorometanossulfonimida)
j) Trifluorometilsulfonil
k) Cloreto de Metanossulfonilo
l) Tetrafluoroborato
m) Nitrato, cloro
Figura 4: Fórmulas de estrutura de catiões e aniões utilizados nos solventes iónicos.
10
a) b) c) d) e)
2.6 Imidazólio como catião frequente em líquidos iónicos
O estudo dos líquidos iónicos e a sua síntese baseiam-se em compostos
assimétricos de catiões N, N-dialquilimidazólio associados a diversos aniões.
O catião N-dialquilimidazólio é constituído por um anel aromático e por dois
substituintes com cadeia hidrocarbonada apolar
Os líquidos iónicos derivados do catião imidazólio (1 – etil – 3 – metilimidazólio
[C2MIM]+ e o 1 – butil – 3 – metilimidazólio [C4MIM]+ são os mais explorados em
eletroquímica. Assim como os ILs compostos pelo anião [Tf2N]- são aqueles que mais
têm suscitado maior interesse em termos de modelação molecular e investigação.
A estrutura molecular dos ILs resulta do equilíbrio entre as forças de curto
alcance (van der Waals, dipolo-dipolo, ligações de hidrogénio) e as forças de longo
alcance (Coulombicas).
11
3. Implementação Industrial
A implementação dos líquidos iónicos a nível industrial está se a tornar mais
acentuada com o desenvolvimento associado á indústria. Esta implementação cada vez
mais acentuada verifica-se na medida em que os ILs apresentam vantagens que se
mostram ser muito promissoras como por exemplo o facto dos ILs serem
personalizáveis, na medida em que a junção de um determinado catião e anião pode
apresentar as caraterísticas ideias para o decorrer de um processo específico; apresentam
elevada velocidade reacional; a seletividade e rendimento e também o facto destes
serem recicláveis a fim de poderem ser novamente utilizados.
Contudo, ainda apresentam algumas desvantagens como por exemplo o facto do
custo de produção nem sempre ser o mais baixo e alguns apresentarem elevada
toxicidade.
Dados fornecidos pela empresa Scionix informam-nos que se pretendermos
comprar entre 1Kg a 50 Kg de um determinado líquido iónico o preço pode variar entre
160€ a 300€.
Figura 5: Campos de aplicação de líquidos iónicos.
12
4. Aplicações dos líquidos iónicos como Solventes
4.1.Utilização dos Ils em sínteses orgânicas
Inicialmente, a utilização em síntese estava confinada ao uso dos líquidos
iónicos cloroaluminatos utilizados em reações de catálise, as quais passaram a ser
denominadas de “green calatisys” ou catálise verde, pela possibilidade dos líquidos
iónicos substituírem não apenas VOCs, mas também os líquidos ácidos utilizados. Com
a descoberta dos líquidos iónicos neutros, o número de reações em que estes poderiam
ser aplicados cresceu significativamente. A aplicação dos líquidos iónicos em síntese
orgânica pode ser dividida em duas categorias, tendo em conta a natureza do líquido
iónico, em concreto da natureza do anião:
i) Uso de Ils haloaluminatos que reagem com um ácido de Lewis com a vantagem que
essa acidez pode ser controlada pela quantidade de haleto de alumínio adicionada.
Também possui a vantagem de ser um excelente solvente,
ii) Uso dos ILS neutros principalmente como solvente, também facilitando os processos
de extração.
4.1.1.Reações de hidrogenação
Os líquidos iónicos neutros têm sido amplamente empregados como solvente nas
reações de hidrogenação. A vantagem desse sistema é, provavelmente, o facto de poder
ser utilizado em catálise homogénea com metais de transição. O produto pode ser
facilmente separado do catalisador e do solvente final da reação. Dois dos estudos
destas reações descrevem a hidrogenação bifásica do ciclohexano usando complexos de
ródio como catalisadores e [BMIM]BF4 e [BMIM]BF6 como solvente e a hidrogenação
bifásica do 1-penteno também utilizando com complexos de ródio [BMIM]BF4 e
[BMIM]BF6 como solvente.
É de notar, que a atividade catalítica e seletividade das reações utilizando
líquidos iónicos é claramente superior áquelas dos solventes normalmente utilizados
(por exemplo: água e cetona) com a possibilidade de dissolver maiores concentrações de
hidrogénio, o que aumenta a taxa de hidrogenação. Os líquidos iónicos mais utilizados
nestas reações são baseados no catião 1,3-dialquilimidazólio.
13
anbd = norbonadieno;b cod=cicloocta-1-5-dieno;c NBR= Borracha acrilonitrila-butadieno; d
HNBR= Borracha acrilonitrila-butadieno hidrogenada e diop0(4R,5R)-Trans-4,5-
bis[(difenilfosfino)metil]-2,2-dimel-1,3-dihexano
Tabela 1 Exemplos de reações de hidrogenação com catalisadores de metais de
transição em líquidos iónicos.
A alta seletividade acorre devido á possibilidade de extrair os produtos finais
durante a reação, com base nas diferentes miscibilidades dos produtos formados. O
produto formado primeiro (monohidrogenado) pode ser removido antes de ocorrer a
segunda hidrogenação.
4.1.2.Reações de Diels-Alder
É uma das reações mais utilizadas, tanto em síntese orgânica como em processos
industriais, o rendimento e seletividade da mesma, são determinados pelo tipo de
solvente utilizado. As condições ideias para esta reação envolvem o uso de uma mistura
de perclorato de lítio e dietil éter. A possibilidade se substituir o atual solvente por
líquidos iónicos traz várias vantagens, como a diminuição dos resíduos, a eliminação
dos perigos e a possibilidade de se trabalhar a uma extensa faixa de temperatura; além
disso o solvente pode ser reciclado, caracterizando este processo com um “processo
verde”. A Tabela # apresetanta uma comparação da seletividade para a reação entre o
acrilato de etila e o ciclopentadieno, utilizando solventes variados.
14
Tabela 2: Reação do acrilato de etila com pentadieno em diferentes solventes.
4.1.3.Reações de Friedel-Crafts
A reação de Friedel-Crafts, provavelmente uma das mais importantes a nível
industrial, é promovida por um ácido de Lewis. As reações de acilação e alquilação em
líquidos iónicos fazem parte do grupo das primeiras estudadas utilizando líquidos
iónicos. Em 1986 estas reações foram estudadas em substratos aromáticos, utilizando
misturas de [EMIM]Cl com AlCl3 . A substituição do catalisador sólido (AlCl3) por
líquido iónicos cloroaluminatos proporciona inúmeras vantagens, nomeadamente
diminuição do consumo e dos resíduos de AlCl3 sólido, elimina problemas relacionados
com a corrosão, o produto final é facilmente separado para além de que existem um
aumento na taxa de seletividade e conversão.
Tabela 3 : Acilação Friedel-Crafts de compostos aromáticos.
4.1.4.Biocatálse em líquidos iónicos
15
O primeiro exemplo de síntese enzimática em líquidos iónicos foi a obtenção do
Z-aspartame – percursor do edulcorante aspartame – pela reação entre carbobenzonil-L-
aspartato e o éster metílico de L-fenilalanina, atalisada por termolisina, uma enzima
proteolítica. A reação ocorreu na presença de [BMIM]PF6 e 5% de água, com um
rendimento de 95%. Este rendimento foi semelhante quando se utilizou acetato de etila
como solventes; entretanto não foi necessária a imobilização da enzima, a qual
apresentou excelente estabilidade em líquido iónico.
Esquema 3: Síntese por catálise enzimática d precursos do aspartame em líquido iónico.
4.2 Utilização dos ILs em sistemas aquosos bifásicos (SAB)
Nos processos de separação os ILs desempenham o papel de suporte das
membranas que separem biomoléculas de soluções aquosas com solventes orgânicos,
“mobile phase additives”. Neste mesmo âmbito a seletividade dual destes solventes que
permite remover tantos compostos polares e apolares torna-os adequados como meio
para separações cromatográficas.
Em sistemas de duas fases, os ILs revelam-se eficazes na purificação de
moléculas orgânicas. A técnica de separação de moléculas orgânicas por sistemas
aquosos bifásicos é uma das aplicações mais notáveis dos líquidos iónicos. A sua fácil
manipulação possibilita o desenvolvimento de um determinado líquido iónico cujas
características sejam de maior afinidade ao composto orgânico específico que se
pretende recuperar na extração líquido-líquido.
Os SABs são compostos por duas fases aquosas imiscíveis que coexistem em
equilíbrio promovidas pela adição de compostos solúveis em água. Cada fase do sistema
torna-se enriquecida com um dos compostos, originando duas fases aquosas de natureza
química e física diferentes, conduzindo a migração das biomoléculas para uma das fases
por afinidade. Uma das principais características do sistema é o elevado conteúdo de
16
água nas fases permitindo a separação de biomoléculas de diversas origens em
condições não-desnaturantes.
É possível verificar no exemplo a extração da enzima peroxidase de raiz forte
utilizando um líquido iónico em sistema de cloreto de 1-butil-3-metilimidazólio +
K2HPO4 com uma eficácia de 80%.
Figura 6: Representação esquemática do SAB que serviu de exemplo anteriormente.
4.3. Purificação de Biogás usando líquidos iónicos
O biogás é composto essencialmente por metano, mais de 85%, saturado em
água e com pequenas quantidades de outros gases como dióxido de carbono,
hidrogénio, azoto, oxigénio, entre outros. A água presente no biogás pode levar à
formação de clatratos que podem bloquear tubagens, permutadores de calor, válvulas ou
expansores. O biogás apresenta assim impurezas que necessitam ser removidas.
Contudo, além do aspeto negativo associado aos clatratos, estes apresentam também
uma elevada capacidade de armazenamento para o CO2 e têm-se apresentado como uma
alternativa interessante para a remoção e retenção deste gás. A absorção continua a ser o
método mais utilizado para a purificação do biogás. Contudo este processo apresenta
um custo elevado e uma difícil regeneração dos solventes orgânicos usados, bem como
a perda destes para a corrente de gás.
Recentemente os Ils têm recebido grande ênfase como potenciais solventes para
a separação de gases e captura de dióxido de carbono. Desta forma o IL dicianamida de
1-butil-3-metilimidazólio com um grau de pureza de 98% é usado na absorção de CO2
pois as suas propriedades são favoráveis para a extração deste gás.
17
5. Outras aplicações
5.1. Aplicações na Saúde
Uma série de líquidos iónicos tem sido recentemente aplicada como novo tipo de
solventes para uma maior eficácia nas técnicas de separação de diferentes isótopos
medicinais no Oak Ridge National Laboratorium. Em muitos dos sistemas de geradores
de isótopos medicinais, os processos de produção servem se de uma resina orgânica de
trocas. Degradação radiolítica destes geradores condiciona o seu tamanho a poucos
milicuries e o seu tempo de vida útil a alguns dias.
5.2. Aplicações eletrónicas
A baixa volatilidade destes líquidos, conjugada com a elevada estabilidade
eletroquímica e térmica, bem como a sua inerente condutividade iónica, são
propriedades que colocam os líquidos iónicos e tecnologias relacionadas numa posição
de vanguarda na inovação em áreas como a transferência e armazenamento de energia
mais eficiente.
5.3. Aplicação como filtros industriais
Duas características destes líquidos também os tornam ótimos absorventes do
CO2 emitido após combustões: a sua baixa pressão de vapor, e a sua capacidade de
oferecer funcionalidade sintonizável.
5.4. Aplicação na extração de iões metálicos
Líquidos iónicos que possuem um catião imidazólio [Im]+ conjugado com o
anião [PF6]- são utilizados para remover o cádmio e o mercúrio presentes na água.
18
6. Líquidos iónicos como impulsionadores de investigações
Durante a última década, os líquidos iónicos têm sido os grandes
impulsionadores de novas investigações e descobertas, permitindo o progresso na área
das ciências e no meio industrial. Exemplos disso, são as diversas notícias que dão a
conhecer novas formas de aplicação e utilização deste solvente revolucionário.
6.1.Indústria cosmética
Estudos recentes efetuados por investigadores ingleses do laboratório de
Líquidos Iónicos da Universidade de Queen, localizada em Belfast, introduziram uma
nova fragrância capaz de libertar aroma de forma gradual.
Esta descoberta consiste na mistura de uma fragrância pura com um líquido
iónico inodoro. Este último é o principal responsável pelo seu lado inovador, devido à
sua capacidade de identificar e eliminar as moléculas responsáveis pelo mau odor, como
o caso do suor, e em simultâneo, libertar um agradável aroma em função da quantidade
de água proveniente da transpiração. Outro aspeto bastante positivo é o facto de os
investigadores terem conseguido neutralizar e evitar a mistura suor - perfume. Desta
forma, quanto mais se transpirar, mais agradável será o cheiro.
O processo de comercialização e posterior venda do produto está atualmente a
ser explorado e, segundo comunicado pelo responsável da investigação Nimal
Gunaratne, “Este é um avanço surpreendente que usa sistemas de líquidos iónicos recem
desenvolvidos para libertar materiais de uma forma controlada. Não só tem um grande
potencial comercial, podendo ser usado em perfumes e cosmética, como também poderá
ser usado em outras áreas da ciência, com a libertação lenta de substância de interesse”.
[4]
6.2. Gelatina Iónica
Em 2008, um trabalho realizado por cientistas portugueses em parceria com a
Universidade Nova de Lisboa e com o Instituto Superior Técnico (IST), descobriram,
sem intenção, a partir de uma investigação com diferentes objetivos, um novo material
denominado gelatina iónica.
Este produto, já patenteado, permite desenvolver materiais eletrónicos, como por
exemplo baterias e células de combustível, com grande impacto positivo no meio
19
económico - ambiental, pois quando comparado a outros condutores, constatou-se que
era mais leve, mais fácil de trabalhar, economicamente mais acessível e mais ecológico
por ser biodegradável.
O material com aspeto transparente e maleável (desde um bloco compacto a uma
fibra) foi obtido tendo por base a dissolução de gelatina num líquido iónico. Concluiu-
se que era condutor de iões e eletrões e que ao dissolver-se gelatina, esta solidificava
mantendo-se estável, mesmo quando submetida a altas temperaturas. Era possível
utilizar-se em pilhas ou em células fotovoltaicas mais recentes devido à sua
característica de incorporar substâncias solúveis e insolúveis em água. "Nas pilhas, por
exemplo, a gelatina iónica pode funcionar como electrólito e como eléctrodo e, dadas a
sua versatilidade, permite construir uma pilha em qualquer superfície, até numa folha de
papel, por exemplo, bastando para isso imprimir o electrólito e os dois eléctrodos". [5]
6.3. Tratamento Cutâneo
Estudo recente do ano de 2004, veio dar a conhecer um novo método de combate
às infeções cutâneas. O líquido iónico ao ser administrado através da pele desencadeia
uma reação e as colónias de bactérias são cercadas e posteriormente destruídas. Este
comportamento aliado ao efeito do antibiótico reduz a sobrevivência da bactéria para
99,9% pois a eficácia do medicamento nestes casos em concreto, também sofre um
aumento. Contudo, ainda não é possível estender esta aplicação à medicina pois os
resultados obtidos não são suficientemente satisfatórios, visto que as bactérias utilizadas
durante todo o processo provêm de colónias de cultura in vitro. E para tal, a equipa de
investigadores de Samir Mitragotri da Universidade de Califórnia, necessita
experimentar em organismos vivos complexos, como o ser humano, para que os
resultados obtidos sejam fiáveis o mais complexos possível.
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7. Conclusão
Os líquidos iónicos são utilizados a uma escala industrial com as mais diversas
aplicações, surgindo associados a tecnologias “limpas”. Todas as propriedades
enunciadas permitem que os líquidos iónicos sejam uma alternativa “verde” aos VOCs
nos mais variados processos químicos.
O interesse dos líquidos iónicos assenta sobretudo na possibilidade de os usar
em síntese orgânica, as quais podem atuar tanto como solvente, como catalisador ou
desempenhando ambas as funções, possibilitando processos mais rápidos e simples,
com ganhos de rendimento e/ou seletividade.
A grande vantagem dos líquidos iónicos quando comparados com os solventes
orgânicos tradicionais é a possibilidade de ser modulado, sendo por essa razão,
designados de “designer solvents”, assim pela primeira vez é possível alterar
propriedades químicas e físicas de um solvente, de modo a torna-lo ideal para uma
determinada aplicação.
O facto de não possuírem pressão de vapor, ou seja não são voláteis, de poderem
ser reciclados são alguns dos aspetos que os tornam solventes alternativos, tornando os
processos melhores para a Natureza.
Por fim, conclui-se que toda a temática de líquidos iónicos como novos
solventes demonstra enormes potencialidades ainda por explorar.
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8. Referências Bibliográficas
[1] – Lenardão, E. J.; Freitag, R. A.; Dabdoub, M. J.; Batista; A. C. F.; Silveira, C. C.
Química Nova 2003.
[2] – Rayner, C.; Clarke; D. “Greener Chemistry: Alternative solvent systems for the
future, A comparative study funded by the Green Chemistry Research Network.”
[3] – Ionic Liquids in Synthesis - Peter Wasserscheid, Thomas Welton.
[4] Os resultados da investigação foram publicados na revista científica
Chemical Communications - Abril 2015.
[5] Publicação da revista científica britânica "Chemical Communications" e apresentada
em Texas, Estados Unidos, em representação da COTEC Portugal, no concurso “Idea to
Poduct”.
Blog da Fei. Disponível em: http://www.blogdafei.com.br/?tag=liquidos-ionicos.
Acedido a 22 de Outubro de 2015
BASF. Disponível em: www2.basf.us/corporate051004_ionic.html. Acedido a 22 de
Outubro de 2015
Organic Chemistry Portal. Disponível em: http://www.organic-
chemistry.org/topics/ionic-liquids.shtm. Acedido a 15 de Outubro de 2015
Publishing. Disponível em:
http://pubs.rsc.org/en/content/articlelanding/2014/ee/c3ee42099j#!divAbstract. Acedido
a 22 de Outubro de 2015
file://192.168.50.233/redirection/up201508107/Desktop/Renata_Barros_da_Costa_Influ
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nterfaces_Eletr_1.pdf, acedido a 22 de Outubro de 2015
Universidade de Aveiro. Disponível em:
http://path.web.ua.pt/file/VaniaMartins_Thesis.pdf. Acedido a 3 de Novembro de 2015
http://wp.ufpel.edu.br/wwverde/files/2014/12/L%C3%ADquidos-I%C3%B4nicos.pdf
. Acedido a 4 de Novembro de 2015