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    Literatura Portuguesa III

    Florianpolis - 2013

    Susan Aparecida de OliveiraIzabel Cristina da Rosa Gomes dos Santos

    9Perodo

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    Governo FederalPresidncia da Repblica

    Ministrio de Educao

    Secretaria de Ensino a Distncia

    Coordenao Nacional da Universidade Aberta do Brasil

    Universidade Federal de Santa CatarinaReitora: Roselane Neckel

    Vice-reitora: Lcia Helena Martins Pacheco

    Secretrio de Educao a Distncia: Ccero Barbosa

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    Pr-reitora de Ps-Graduao: Joana Maria Pedro

    Pr-reitor de Pesquisa: Jamil Assreuy

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    Diretor do Centro de Comunicao e Expresso: Felcio Wessling Margotti

    Diretor do Centro de Cincias da Educao: Wilson Schmidt

    Curso de Licenciatura Letras-Portugus na Modalidade a DistnciaDiretor da Unidade de Ensino: Felcio Wessling Margutti

    Chefe do Departamento: Rosana Cssia Kamita

    Coordenadora de Curso: Sandra Quarezemin

    Coordenador de Tutoria: Josias Hack

    Coordenao Pedaggica: Cristiane Lazzarotto Volco

    Comisso EditorialTnia Regina Oliveira Ramos

    Silvia Ins Coneglian Carrilho de Vasconcelos

    Cristiane Lazzarotto Volco

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    Equipe de Desenvolvimento de Materiais

    Coordenao: Ane Girondi

    Design Instrucional:Daiana Acordi

    Diagramao: Tamira Silva SpanholCapa: Tamira Silva Spanhol

    Tratamento de Imagem: Tamira Silva Spanhol

    Copyright , Universidade Federal de Santa Catarina/LLV/CCE/UFSC

    Nenhuma parte deste material poder ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer

    meio eletrnico, por fotocpia e outros, sem a prvia autorizao, por escrito, da Coordena-

    o Acadmica do Curso de Licenciatura em Letras-Portugus na Modalidade a Distncia.

    Catalogao na fonte elaborada na DECTI da Biblioteca Universitria da

    Universidade Federal de Santa Catarina.

    Ficha Catalogrfica

    O48l Oliveira, Susan Aparecida de Literatura portuguesa III : 9 perodo / Susan Aparecida de Oli

    veira, Izabel Cristina da Rosa Gomes dos Santos. - Florianpolis :UFSC/CCE/LLV, 2013.

    184 p. : il., gras, tabs.

    Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-61482-63-3

    1. Literatura portuguesa. I. Santos, Izabel Cristina da Rosa Gomes dos.II. Ttulo.

    CDU: 869.0

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    Sumrio

    Unidade A ..........................................................................................13

    1 A modernidade portuguesa.....................................................................15

    1.1 Introduo ...........................................................................................................15

    1.2 Contexto histrico de Portugal: O colonialismo e o imperialismo ...... 17

    Referncias da Unidade A................................................................................ 28

    Unidade B ...........................................................................................29

    2 Influncias do Modernismo......................................................................31

    2.1 Introduo ...........................................................................................................31

    3 As revistas portuguesas .............................................................................35

    3.1 ARevistaOrpheu ............................................................................................. 35

    3.2 A Revista Portugal Futurista ......................................................................... 36

    4 O ultimatumna gerao de Orpheu .....................................................39

    5 O fim da gerao de Orpheu....................................................................41

    Referncias da Unidade B................................................................................ 41

    Unidade C ...........................................................................................43

    6 O Contexto Histrico da 2 fase do Modernismo Portugus .......45

    6.1 Introduo ...........................................................................................................45

    6.2 A Propaganda e a imagem ............................................................................46

    7 A gerao de presena ...............................................................................49

    8 O fim da gerao da presena .................................................................53

    9 A gerao de presena e Fernando Pessoa ........................................55

    Referncias da Unidade C............................................................................... 57

    Unidade D ..........................................................................................59

    10 Fernando Pessoa: um poeta singular e plural .................................61

    10.1 Fernando Pessoa, ele mesmo (1888-1935) ...........................................61

    10.2 As obras assinadas por Fernando Pessoa ..............................................61

    11 As teorias poticas de Fernando Pessoa ...........................................65

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    11.1 O Paulismo ........................................................................................................65

    11.2 O Interseccionismo ........................................................................................66

    11.3 O Sensacionismo ............................................................................................68

    12 Os Heternimos de Fernando Pessoa ................................................69

    12.1 Alberto Caeiro (1889 - 1915) ......................................................................69

    12.2 Ricardo Reis (1887 - 1935?) .........................................................................71

    12.3 lvaro de Campos (1890 - 1935?) .............................................................73

    12.4 Bernardo Soares ..............................................................................................75

    Referncias da Unidade D................................................................................ 78

    Unidade E ...........................................................................................8113 Florbela Espanca: a potica de uma aprendizagem .....................83

    13.1 Trocando Olhares com Florbela ................................................................87

    13.2 Um livro s de mgoas .................................................................................93

    13.3 Sror Saudade, a personagem intertextual ..........................................95

    13.4 O campo rido volta a florir: tempo de Charneca em Flor ........... 97

    Referncias da Unidade E...............................................................................100

    Unidade F ........................................................................................ 101

    14 O neorrealismo e a literatura como denncia social .................103

    15 Influncias das artes plsticas no Neorrealismo..........................107

    15.1 A arte visual e a potica nas obras neorrealistas ..............................109

    16 O Programa para uma Literatura Neorrealista .............................111

    16.1 Gaibuse as questes de contedo e forma .....................................111

    Referncias da Unidade F........................................................................116

    Unidade G ....................................................................................... 119

    17 A Literatura Portuguesa Contempornea......................................121

    17.1 Introduo ......................................................................................................121

    18 Literatura Portuguesa pr-74 .............................................................125

    18.1 O existencialismo e as rupturas ........................ ........................ ...............125

    18.2 As mulheres tomam posio na literatura ..........................................127

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    19 Literatura portuguesa ps-74 ............................................................129

    19.1 O ps-colonialismo na literatura de lngua portuguesa ................129

    19.2 A identidade portuguesa sob os riscos da memria da Guerra de

    Independncia Colonial ......................................................................................13019.3 Ps-modernismo na literatura portuguesa contempornea .......132

    19.4 Jos Saramago .............................................................................................133

    Referncias da Unidade G..............................................................................136

    Unidade H ....................................................................................... 137

    20 Guerra de Independncia Colonial ..................................................139

    20.1 Guerra de Independncia Colonial ........................................................139

    20.2 A emergncia das literaturas africanas de lngua portuguesa apsa Guerra de Independncia Colonial ..............................................................141

    20.3 As literaturas africanas de lngua portuguesa e os pressupostos dasua produo literria independente. ........................ ........................ ............144

    20.4 Oralidade e griots: guardies da memria..........................................150

    20.5 Oralidade e suas implicaes pedaggicas ........... ........................ ....154

    20.6 Paisagens Geobiogrficas das Literaturas Africanas de LnguaPortuguesa ...............................................................................................................156

    Para finalizar... ..........................................................................................................174

    Referncias da Unidade H..............................................................................175

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    Apresentao

    Caro(a) aluno(a),

    Estamos iniciando a disciplina de Literatura Portuguesa III e espera-

    mos que voc se sinta motivado(a) a ler, refletir e discutir os vrios

    pontos que compem essa disciplina. A nossa ementa extensa e

    complexa: significa abordarmos a literatura do sculo XX inteiro e todas as

    questes que definem a modernidade, o modernismo e o ps-modernismo em

    Portugal. necessrio ter como pressuposto que modernidade e o modernis-

    mo so conceitos dierentes, mas interdependentes e que esto articulados aos

    vrios aspectos de uma sociedade, no somente ao literrio. Para isso, contex-tualizaremos historicamente as principais expresses literrias e refletiremos

    sobre questes histricas e estticas que se entrelaam para tecer a moder-

    nidade e criar a partir dela a identidade portuguesa. Veremos que a criao

    dessa identidade moderna e o questionamento dela so chaves mestras para o

    entendimento do modernismo e do ps-modernismo.

    A literatura portuguesa dialoga proundamente com sua histria, isso quer

    dizer que sem a compreenso dos contextos histricos no conseguimos

    alcanar o entendimento das principais maniestaes literrias portugue-sas. O sculo XX repleto de atos marcantes do ponto de vista social e de

    inquietaes que atingem indivduos e comunidades, as quais a literatura

    expressa e d vazo esttica para os significados subjetivos, ideolgicos e

    polticos de tais inquietaes.

    Trata-se, nessa disciplina, da literatura de um pas que, embora tenha sido

    nossa metrpole colonial, est na perieria do capitalismo europeu, ou seja,

    no uma grande economia capitalista moderna, porque durante o sculo

    XIX, quando as naes europeias se industrializavam, Portugal mantinha-sepredominantemente agrrio e dependente da economia colonial aricana ba-

    seada no trabalho compulsrio. No sculo XX, Portugal investiu suas oras

    econmicas e polticas para manter um regime nacional ascista combinado

    a uma poltica colonial na rica, alm de enrentar uma guerra que durou

    13 anos (de 1961 a 1974) contra os pases aricanos colonizados que lutavam

    para se libertar do jugo portugus.

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    No dia 25 de abril de 1974, ocorreu a Revoluo dos Cravos em Portugal e,

    com ela, terminou o perodo ascista e tambm a Guerra de Independncia

    Colonial, com a independncia dos pases aricanos colonizados por Portugal

    (Angola, Moambique, Guin-Bissau, Cabo-Verde e So Tom e Prncipe). Aautonomia poltica desses pases significa que cada um deles passa a ter tam-

    bm uma literatura autnoma, uma literatura nacional e no mais colonial.

    Assim, para a Literatura Portuguesa III cabe a tarea de introduzir alguns as-

    pectos da histria da autonomia dessas literaturas e apresentar a voc os prin-

    cipais autores que compem esse cenrio multiacetado da literatura de lngua

    oficial portuguesa no sculo XX. Desse modo, voc precisar agregar aos seus

    estudos mais um novo conceito: ps-colonialismo.

    Um dos principais objetivos dessa disciplina , portanto, oportunizar a voco contato com as principais questes estticas e histricas que compem o

    debate sobre a modernidade, o modernismo e o ps-modernismo portugus,

    bem como introduzir as reflexes sobre o colonialismo e o ps-colonialismo,

    que so a base para o entendimento das literaturas aricanas de lngua portu-

    guesa que surgem no sculo XX.

    Na Unidade A, veremos a questo da modernidade portuguesa, seus princi-

    pais eventos histricos e conceitos que refletem as preocupaes das naes

    modernas europeias, e como Portugal se coloca nesse cenrio, destacando-se aquesto colonial do Brasil e da rica que servem de apoio criao da identi-

    dade imperial de Portugal. No entanto, essa identidade como Imprio revela-

    -se rgil e a monarquia que a sustenta acaba sucumbindo aos reclames sociais

    pelo republicanismo. A ideia de modernismo se dierencia em parte do pro-

    blema da modernidade como estrutura poltica e social, pois o modernismo

    diz respeito mais a problemas elaborados do ponto de vista cultural, esttico e

    subjetivo sobre as condies em que se apresenta a modernidade.

    Na Unidade B, veremos que, no incio da primeira Repblica em Portugal,surge a vanguarda modernista de Orpheue, para ela, a modernidade, que o

    oco da discusso para a sociedade portuguesa do incio do sculo XX, surge

    como uma grande interrogao. A gerao de Orpheu, da qual o principal ex-

    poente Fernando Pessoa, interroga a modernidade, a histria e a identidade

    portuguesa de orma criativa, inovadora e irreverente.

    Na Unidade C, teremos como objetivo entender as aspiraes da segunda ge-

    rao modernista, a gerao de Presena, que no tem a impulsividade e a cria-

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    Procuramos nesse livro apresentar os aspectos undamentais que vo orien-

    tar a compreenso da literatura portuguesa e das literaturas aricanas de ln-

    gua portuguesa nos sculos XX e XXI, entendemos que se az necessrio, a

    partir dessa orientao, que sejam buscados mais textos e mais recursos que

    venham a complementar o nosso plano de curso. Para isso, disponibilizare-

    mos tambm no ambiente virtual textos e materiais audiovisuais que possam

    servir de apoio nesse percurso pela literatura portuguesa e literaturas arica-

    nas de lngua portuguesa. Bons estudos!

    Um abrao!

    Susan de Oliveira e Bel Gomes

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    Unidade AA Modernidade e oModernismo Portugus

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    1 A modernidade portuguesa

    Conhecer o contexto histrico e identificar as condies em que as carac-

    tersticas da modernidade em Portugal surgiram e como estas se tornaram,para a vanguarda do modernismo, a base do questionamento da identidade

    portuguesa.

    1.1 Introduo

    Modernidade e modernismo so dois conceitos interdependentes,

    mas no idnticos, inclusive temporalmente. Isso quer dizer que, en- quan-to pode ser possvel alar de modernismo destacando as caractersticas es-

    tticas de uma determinada poca ou de algumas geraes, para alar de

    modernidade preciso ir mais atrs histria e observar que a ideia e o

    projeto de modernidade esto relacionados a processos longos e proundas

    transormaes. A modernidade leva tempo para ser gestada, pois se trata

    de gerar tanto aquelas alteraes visveis no modo e no ritmo de vida da

    sociedade quanto a conscincia do seu significado. A maioria das naes

    europeias levou, pelo menos, dois sculos para se considerar moderna.

    Assim como ocorreu em toda a Europa, o incio do sculo XX marca

    o incio do modernismo em Portugal trazendo inovaes estticas incenti-

    vadas por uma conscincia de que a modernidade portuguesa como trans-

    ormao social, poltica e econmica no havia, no entanto, ocorrido no

    mesmo compasso em que acontecera no restante do continente europeu,

    onde ora guiada pela Revoluo Industrial. A modernidade portuguesa,

    acanhada, pouco industrializada e dependente do colonialismo, denotava

    a alta de um projeto de desenvolvimento nacional que osse a porta deentrada de Portugal na modernidade europeia que seguia a pleno vapor.

    Portanto, Portugal conheceria, no incio do sculo XX, a esttica

    das vanguardas modernistas sem que a sua sociedade vivesse o senti-

    do pleno da modernidade, com suas indstrias, urbanizao, vitrines,

    tri- lhos, trens, automveis, velocidade, luzes e produo em massa.

    Por outro lado, Portugal tambm no havia amadurecido um projeto

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    de nao. A alta dele influenciaria a primeira gerao portuguesa mo-

    dernista do sculo XX: a gerao de Orpheu.

    A ideia de nao, alm de ser ruto de um longo processo histrico,corresponde ao conceito central da modernidade. Por isso, segundo o fi-

    lsoo e ensasta portugus Eduardo Loureno, o modernismo em Portu-

    gal surgiu interrogando a alta desse projeto de nao e com uma espcie

    de saudade dos tempos das grandes navegaes e descobertas, quando

    Portugal tinha uma autoimagem superlativa de si mesmo. Mas, a moder-

    nidade exps muitas altas e trouxe outros tempos, em que Portugal ti-

    nha que se habituar a se enxergar menor. De outro modo, diramos que

    o modernismo portugus - como conscincia dessa modernidade cheiade conflitos entre perdas e ganhos - nasceu reclamando um projeto de

    uturo e, por isso, tinha a conotao de um acerto de contas com o que oi

    eito no passado. No entanto, o mesmo Eduardo Loureno enatiza que o

    prprio modernismo que vamos estudar tem, precisamente, suas origens

    nas geraes de escritores que se sucederam durante o sculo XIX e que

    aziam a mesma interrogao (LOURENO, 1982, p. 85-94).

    Ento, de certo modo, o modernismo portugus do sculo XX atu-

    alizou uma pergunta crucial que j vinha sendo eita desde o sculo XIX:

    quem Portugal?. Mas, atualizar a pergunta dierente de ter a resposta

    e, sem responder a essa pergunta, sem obter xito na busca de sua iden-

    tidade como nao, Portugal no poderia azer-se presente no moderno

    contexto das naes europeias. Essa necessidade de auto-conhecimento do

    ser portugus j era tema recorrente na sociedade portuguesa no sculo

    XIX e, naquele contexto, agitou os intensos debates polticos entre liberais,

    monarquistas e republicanos em torno do projeto portugus de nao.

    Um golpe particularmente importante na identidade portuguesa

    ocorreu com a uga da amlia real portuguesa para o Brasil, em 1807, por

    ocasio das invases de Napoleo Bonaparte na pennsula ibrica. O auge

    dessa crise de identidade, no entanto, ocorreu a partir do episdio do ul-

    timatumda Inglaterra, em 1890. Inclusive, como veremos na Unidade B,

    o ultimatumser um tema candente para a vanguarda modernista, para

    a gerao de Orpheu, que utilizar esse ato poltico, e para a questo da

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    identidade portuguesa, de que ele se torna pea chave como uma das suas

    matrias literrias. Por isso, para compreender o modernismo portugus

    importante que voc conhea alguns atos histricos e os seus desdobra-

    mentos polticos, pois eles expressam caractersticas da modernidade e daidentidade portuguesa a que o modernismo direta e indiretamente ar

    reerncia. Agora que vimos as linhas gerais e alguns pontos de destaque

    sobre a questo do modernismo e da modernidade em Portugal podere-

    mos detalhar um pouco mais essa histria. Vamos l?

    1.2 Contexto histrico de Portugal: O

    colonialismo e o imperialismo

    1.2.1 A invaso napolenica e o problema portugus

    Em primeiro lugar, trata-se de ter como oco a ideia de nao sobre a

    qual se assentam as caractersticas locais da modernidade. Segundo Eric

    Hobsbawn, a caracterstica bsica da nao moderna e de tudo o que a

    ela est ligado sua modernidade (HOBSBAWM, 1990, p. 27). Ou seja,

    definir a modernidade de uma nao significa, precisamente, entender o

    que essa nao. Dessa definio entende-se que a nao moderna con-

    tgua ao Estado (ou seja, a sociedade se expressa no governo) e que ambos

    tm, portanto, uma unidade interna undada pela lngua alada e uma

    estrutura territorial delimitada por suas ronteiras geopolticas externas.

    No perodo das Guerras Napolenicas(1799-1815), em que ocorreu

    a invaso de vrios pases da Europa pelas tropas rancesas de Napoleo

    Bonaparte, houve um episdio particularmente grave e consequncias

    definitivas para a geopoltica moderna de Portugal: Portugal oi invadi-do por Napoleo, a amlia real e a capital do Imprio se transeriram

    para o Brasil e este se tornou independente de Portugal que, portanto,

    ficaria sem a sua principal colnia. Ficar sem a colnia brasileira abalou

    proundamente a identidade de Portugal, que se reconhecia diante de

    outros povos europeus como centro de um imprio colonial e, quando

    esse imprio comeou a ruir, essa identidade imperial deixou de azer

    sentido. Mas, vamos ver como aconteceram todos esses atos.

    A nao moderna aque o historiador serefere seria o Estado--nao surgido dobinmio territrio-ln-gua e cuja definiodata de 1884.

    Voc poder pesquisarum pouco mais sobre

    as guer- ras napoleni-cas e a fuga da famliareal portuguesa quevamos abordar aqui.

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    1.2.2 Rivalidades na Europa

    Napoleo Bonaparte, Imperador da Frana aps o enraquecimento da

    Revoluo Francesatornou-se uma figura importante no contexto europeuentre 1804 e 1816 por causa dos seus anseios de ser Imperador da Europa.

    A Espanha, em 1799 (ano em que Napoleo assume o poder), era

    aliada da Frana contra os interesses mercantis ingleses na Europa e tam-

    bm avorvel ao plano de Napoleo Bonaparte de tornar-se o Imperador

    da Europa por meio da conquista de outros povos e territrios europeus.

    Portugal, que, por sua vez, mantinha tambm aliana com a Espanha,recebera um mandato da Frana para se juntar ao bloqueio continental

    contra a Inglaterra, o que significava: echar os seus portos navegao

    britnica; declarar guerra Inglaterra e sequestrar os bens dos ingleses

    residentes em Portugal. Se Portugal assim fizesse, Napoleo prometia ga-

    rantias de permanncia no trono a D. Joo VI, o rei portugus.

    No entanto, em 1807, Napoleo az secretamente um acordo com

    a Espanha, para dividirem o territrio de Portugal entre si, assim que

    D. Joo VI assinasse o acordo do bloqueio Inglaterra. O caso que

    havia um importante contrato comercial entre a Inglaterra e Portugal

    que impedia D. Joo VI de echar os portos ao comrcio britnico.

    O contrato comercial previa a troca de vinhos portugueses por teci-

    dos ingleses. Assim, na prtica, Inglaterra e Portugal garantiam mtua

    exclusividade do comrcio para seus principais produtos, o que era

    altamente compensador para ambos. O detalhe que esse comrcio

    mostrava que Portugal no havia criado disposio para azer a sua

    prpria revoluo industrial, pois os tecidos ingleses j eram produtosindustrializados, enquanto os vinhos portugueses eram produtos arte-

    sanais, sem investimentos industriais.

    Assim, os laos entre Portugal e Inglaterra no seriam rompidos

    acilmente e, por outro lado, Napoleo mentia, pois no pretendia,

    de ato, dividir o territrio portugus com a Espanha. Ento, nesse

    mesmo ano de 1807, Napoleo atacou a pennsula ibrica invadindo

    A Revoluo Francesa,ocorrida entre 1789

    e 1799, reuniu v-rios acontecimentos

    de ordem poltica,econmica e social.

    Teve muitos avanos,mas experimentou

    um grave retrocessoquando, aps abolir amonarquia, Napoleo

    tomou o poder comum golpe de Estado etornou-se Imperador

    da Frana.

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    o territrio portugus e nomeando seu irmo, Jos Bonaparte, rei da

    Espanha. Depois desse eito, o exrcito rancs partiu rumo a Portugal

    para, tambm l, tentar destituir o rei, D. Joo VI.

    Portugal, descobrindo a inteno de Napoleo, reage contra a

    Frana sob a liderana da Inglaterra e, s pressas, a amlia real portu-

    guesa oge para o Brasil sob a proteo de esquadras

    inglesas. Conta-se que as tropas napolenicas ainda

    puderam ver as esquadras no mar, mas sem nada

    poder azer. Em 1808, ao aportar no Brasil, o prnci-

    pe regente D. Joo VI assinou o Decreto de Abertura

    dos Portos s Naes Amigas, ampliando o comr-cio com a Europa e, especialmente, com a Inglaterra.

    Em 1810, D. Joo VI viria a assinar novos acordos

    comerciais com os ingleses que, por sua vez, ajuda-

    ram a expulsar o exrcito rancs, retomando Lisboa

    aos portugueses e, em solo russo, seriam tambm

    os ingleses que derrotariam definitivamente o exrcito de Napoleo,

    pondo fim s Guerras Napolenicas.

    1.2.3 A Independncia do Brasil, os ingleses e o destino de

    Portugal

    A derrota da Frana de Napoleo ortaleceu a hegemonia in-

    glesa em toda a Europa e consolidou as bases da independncia

    econmica e poltica das colnias latinoamericanas, pois a partir

    da abertura comercial e poltica dos portos, tanto na Amrica his-

    pnica como no Brasil, houve motivao para os movimentos inde-

    pendentistas por aqui. De ato, no Brasil a transerncia da capitaldo Imprio para o Rio de Janeiro trouxe mudanas polticas, eco-

    nmicas e culturais deinitivas que tornaram irreversvel o cami-

    nho para a Independncia que oi proclamada pelo ilho de D. Joo

    VI, o Prncipe Regente D. Pedro I, que aqui icou depois do retorno

    do pai ao comando de Portugal em Lisboa.

    A chegada da famlia real em 1808, no Rio de Janeiro.

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    A Inglaterra se interessava pela independncia das colnias por-

    tuguesas, pois, com isso, poderia azer crescer os mercados consumi-

    dores para os seus produtos, e oi com essa inteno que exigia, a par-

    tir de 1822, cada vez com mais determinao, que Portugal pusessefim ao comrcio escravista da rica.

    Enquanto D. Joo VI ainda no retornara a Portugal, l o poder

    ficara vago e a sociedade portuguesa comeava a se ressentir da alta

    prolongada do monarca no comando. Os monarquistas liberais, que

    eram partidrios de D. Joo VI e de D. Pedro I, comearam a sorer

    presses dos monarquistas absolutistas que eram contra a Indepen-

    dncia do Brasil e queriam que o rei voltasse a seu posto mantendoa qualquer custo a colnia. Aps D. Joo VI retornar a Portugal em

    1821, deu-se no ano seguinte, em 7 de setembro de 1822, a Indepen-

    dncia do Brasil, e com ela a perda da principal colnia portuguesa

    que, at ento, havia assegurado a posio de Portugal como detentora

    de um grande imprio colonial. O perodo de mais de uma dcada

    sem um rei a sustentar o comando em Lisboa, a independncia do

    Brasil proclamada e a presso pelo fim do comrcio de escravos, gera-

    ram a primeira grande crise da monarquia portuguesa e deram origem

    aos debates e conflitos civis em torno da ideia de nao, do tipo de mo-

    narquia (se absolutista ou monarquista) e dos rumos da modernidade

    em Portugal, tudo com grandes implicaes no s no governo mas,

    tambm, claro, no sentimento de identidade.

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    1.2.4 Naes e nacionalidades

    Como vimos, no final do sculo XIX, o princpio de nacionalidade

    de um povo estava definido por sua identificao a um territrio e a uma

    lngua comum, bem como a um sentimento de pertencimento que daria

    ao povo sua caracterstica de unidade sem levar em conta as dierenas.

    O sentimento de pertencimento ao territrio e lngua, por sua vez, de-

    veria ser capaz de estabelecer-se tambm como um vnculo intemporal,

    ou seja, precisaria corresponder a uma evoluo histrica comum. Tal

    sentimento e sentido de continuidade histrica teriam como princpios

    a ideia de um passado compartilhado - entendido como uma tradio

    - e, tambm, a ideia de um uturo ou destino comum. Passado e uturo,

    ou seja, a tradio e a misso histrica uniriam o povo numa mesmaunidade, em detrimento das dierenas culturais e sociais existentes.

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    Em toda a Europa, durante o sculo XIX, houve mudanas em

    escala progressiva: o princpio de nacionalidade e o ortalecimento

    das ronteiras por causa das guerras napolenicas mudaram a poltica

    interna e o modo de vida da sociedade dentro de cada pas. O Estado--nao como base dos governos modernos constituiu-se territorial-

    mente e mudou no apenas o mapa poltico da Europa, mas de todo o

    mundo. No final do sculo XIX, tornou-se meta das naes modernas

    recolonizar a rica, pois acirrou-se a corrida imperialista por novos

    mercados, significando a revitalizao do colonialismo especialmente

    voltado para o continente aricano, uma vez que a Amrica Latina j

    se adiantara na sua independncia colonial.

    A conquista de terras e povos para azer crescer economicamente as

    naes europeias deu origem expanso colonial do final do sculo XIX,

    tendo a Inglaterra como centro irradiador do imperialismo europeu:

    O que temos um quadro lentamente construdo em que a Inglaterra

    mapeada e diferenciada social, poltica e moralmente nos mais nfimos

    detalhes ocupa o centro, tendo na periferia uma srie de territrios

    ultramarinos ligados a ela. (SAID, 1995, p. 113).

    Essa definio do crtico literrio Edward Said sobre a In-

    glaterra oitocentista vale tambm para outros pases da Euro-

    pa, como Frana e Portugal, duas naes que se serviram bem

    dessa perieria colonial ultramarina atravs da recolonizao

    da rica, no final do sculo XIX.

    A revoluo industrial

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    No entanto, como veremos, a condio da Inglaterra como centro

    irradiador do imperialismo estendeu-se e oi mantida sobre o restante

    da Europa e, nesse caso, especialmente sobre Portugal, que dela depen-

    dia. Portugal, no final do sculo XIX, seguia ocupando a problemticaposio de perieria numa Europa que se industrializava agressiva e ra-

    pidamente sob o comando da Inglaterra.

    A industrializao da cada nao signiicava sua modernizao,

    o que se tornava visvel atravs do crescimento das inraestruturas

    econmicas e sociais, da expanso urbana e dos mercados consumi-

    dores. Isso tudo dependia de investimentos em mquinas e matrias-

    -primas, dependia, portanto, tambm do ajuste do colonialismo pra-ticado na rica a essas novas demandas, pois era nesses territrios

    coloniais que estava a possibilidade de acumulao das riquezas de

    que a Europa se serviria para continuar a investir na sua moderni-

    zao. Essa uno de alimentar o desenvolvimento europeu j havia

    sido desempenhada antes pela Amrica Latina e tambm pela ri-

    ca na primeira era colonial do sculo XVI. Mas, naquela poca, era

    principalmente sobre o comrcio de escravos que se assentavam os

    interesses europeus na rica. O interesse do colonialismo europeu

    do sculo XIX na rica tornou-se ainda maior, mas agora com oco

    especial nas riquezas do seu territrio.

    Comrcio de escravos

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    1.2.5 A crise portuguesa diante do ultimatume a implanta-

    o da 1 Repblica

    Desde que oi iniciada a conquista da rica pelos europeus, nosculo XVI, os principais atos histricos em territrio aricano esto

    ligados a esse empreendimento e, principalmente, s disputas econ-

    micas e polticas dele decorrentes. At

    o sculo XIX, a presena europeia era

    limitada em certas propores e mto-

    dos de explorao para o mer cado co-

    lonial de escravos realizado entre ri-

    ca, Amrica e Europa.

    Ns vimos que um dos atos mais

    importantes ocorridos no sculo XIX

    oi o acordo que se deu em 1810, entre

    Portugal e Inglaterra, quando estes pu-

    seram fim ao comrcio de escravos que

    era a principal atividade comercial dos

    portos brasileiros recm abertos aos ingleses. Mesmo assim, aps a

    negociao inicial, e contra a determinao dos ingleses, o trfico ne-

    greiro transatlntico era mantido clandestinamente por Portugal atra-

    vs de Luanda, Guin-Bissau e Cabo-Verde, e continuaram chegando

    escravos em quantidades cada vez maiores no Brasil.

    Somente em 1840 cessou o trfico de escravos atravs de Luanda,

    atual capital de Angola. No Brasil, cessaria o trfico aps 1850.

    O fim do trfico de escravos deu lugar a outra orma de explora-o europeia, destacando-se nesse contexto que a explorao portu-

    guesa oi intensificada nas plantaes extensivas (plantations) e a na

    explorao de diamantes, notadamente em regies como a Lunda, no

    interior de Angola. Para esse fim, trabalhadores escravos eram compe-

    lidos para o trabalho orado pelos portugueses nasplantationsde So

    Tom e Prncipe aps 1850.

    Entre 1841 e 1845 en-traram ilegalmente no

    Brasil 97.742 negrosescravos e, de 1845

    a 1851, esse nmerochegaria a 243.496.

    Mapa da rota do comrcio de escravos entre Europa, Amrica e frica.

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    s margens do Rio Kuanza, que nasce na regio de Bi,

    atravessa o territrio de Angola, chega capital Luanda e de-

    sgua no Atlntico, organizavam-se os tradicionais sobados,

    que se tornaram dependentes dos esquemas coloniais detrfico de escravos e matrias-primas. Em troca da obedin-

    cia dos sobas - chees dos sobados - que acilitavam o acesso

    s regies, os mercadores se beneficiavam e garantiam a se-

    gurana dos povoados contra as ameaas de invases e sa-

    ques. Kabuko Kambilo, um dos maiores sobados da regio

    de Angola, por exemplo, aliou-se aos portugueses em 1875 e

    adotou uma poltica de agresso aos seus vizinhos.

    O ato colonial que mudaria a corrida imperialis-

    ta na rica no sculo XIX oi a Conerncia de Berlim

    (1884-1885). Proposta por Otto Von Bismar- ck, primeiro-

    -ministro da Alemanha, a Conerncia tinha o objetivo de

    recolonizar a rica, adequando as suas ronteiras s necessidades da mo-

    dernidade e interesses do imperialismo europeu. As novas linhas divi-

    srias oram ratificadas por 13 pases da Europa, mais Estados Unidos e

    Turquia. Dentro dessas novas ronteiras oram reunidas dierentes etnias

    aricanas em um mesmo espao nacional, o que viria a ser mais um moti-

    vo de rivalidades entre tribos nativas e lutas ratricidas, as quais permane-

    ceram at o final do sculo XX, mesmo aps a descolonizao da rica,

    como veremos em nossa ltima Unidade.

    A Inglaterra e a Frana, em virtude do acordo de Berlim, obtive-

    ram mais territrios, segui- dos de Portugal, Blgica e Espanha. Terri-

    trios menores oram ocupados pela Alemanha e Itlia, sendo que a

    Alemanha e Itlia perderam seus territrios coloniais logo aps a 1 e a2 Guerras Mundiais, respectivamente.

    Na ocasio da Conerncia de Berlim, Portugal apresentou,

    atravs do Mapa Rosa, o projeto de unio territorial entre duas de

    suas colnias, Angola e Moambique, incorporando a aixa central

    entre elas. Essa aixa corresponde regio da Bacia do Congo (regio

    onde esto o Zimbbue, a Zmbia e Malawi), o que aumentaria a sua

    influncia territorial.

    Mapa atual de Angola (2004)com suas regies internas, que so as

    mesmas da poca

    Mapa Rosa, que incorporariaa Bacia do Congo (regio central)

    entre Angola e Moambique aoprojeto colonial portugus. Motivo do

    Ultimatum.

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    1.2.6 O Mapa Rosa

    O Mapa Rosa contm a proposta de Portugal que originou a discor-

    dncia da Inglaterra, a qual dominava a parte sul da rica, apresentan- do,ento, a Portugal o ultimatumde 1890, para que as oras militares portu-

    guesas ossem retiradas daquela aixa territorial. A argumentao da Ingla-

    terra tinha como onte a ideia de ocupao eetiva, o que significava que a

    ocupao colonial deveria ser eita mediante implantao de tecnologias e

    capacidade de investimentos. Isso deixava Portugal em desvantagem diante

    dos propsitos ingleses. Ora, a Inglaterra tinha as condies tecnolgicas e

    de investimentos para a ocupao eetiva e apresentava um projeto ambi-

    cioso de implantar nessa regio reclamada por Portugal uma estrada de er-ro que ligaria o Cairo ao Cabo, ou seja, atravessaria a rica de Norte a Sul.

    As negociaes tumultuadas entre Inglaterra e Portugal duraram des-

    de a Conerncia de Berlim, entre 1875 e 1890, data do ultimatumingls

    para que os portugueses sassem do territrio do Congo. Esse tenso conflito

    diplomtico e militar que culminou com o ultimatume a

    consequente sada do exrcito portugus da Bacia do Con-

    go levou Portugal outra grave crise poltica.

    Portugal retirou-se da rica, depois da intimida-

    o sorida, deixando o orgulho nacional erido. Diante

    disso, as presses populares e do Partido Republicano

    Portugus contra a monarquia aumentaram e, por isso,

    os monarquistas no poder decidiram proibir maniesta-

    es pblicas, gerando a represso do governo portugus

    sobre as maniestaes da sociedade. Na verdade, o epi-

    sdio do ultimatum daria ao Partido Republicano a suabase ideolgica de enrentamento contra a monarquia,

    notadamente pela orma como os monarquistas cederam

    s condies impostas pela Inglaterra. O orgulho nacio-

    nal ficara abalado diante dessa espcie de capitulao

    rente ao que era considerada a misso histrica e o des-

    tino de Portugal, ou seja, a expanso e manuteno do seu imprio ultra-

    mar. Como resultado da Conerncia de Berlim, Portugal no conseguiu

    Para ver o mapa com-pleto desse ambiciosoprojeto visite o site da

    Biblioteca Nacionalde Portugal, em

    Mapa do Atlas Vidal de La Blache, com odetalhe da Bacia do Congo no projeto ferrovi-rio da Inglaterra. As vias frreas esto represen-tadas nas linhas pontilhadas mais largas.

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    manter seus domnios, mas, entretanto, junto com Inglaterra e Frana, oi

    um dos pases que mais se beneficiou da nova diviso da rica.

    Pela diviso acordada por 13 pases europeus, mais os Estados Uni-dos e a Turquia, as vrias etnias presentes em toda a rica oram reunidas

    em dierentes territrios nacionais submetidos aos governos coloniais.

    Os eeitos dessa unio orada entre os povos aricanos oram neastos,

    pois isso aumentou as rivalidades internas entre

    as etnias e omentou guerras ratricidas que se

    mantiveram, inclusive, aps as lutas de indepen-

    dncia colonial ocorridas entre 1962 e 1974.

    Concluindo: Vamos rever a questo colonial

    aricana no final dos nossos estudos. Por ora,

    importante concentrarmos no contexto polti-

    co portugus, resultante das disputas geopolti-

    cas e coloniais e que se tornaram decisivas para

    o entendimento das condies da modernidade

    portuguesa, tambm chamada de modernidade

    semiperirica pelo socilogo portugus Boaven-

    tura de Sousa Santos. A modernidade peririca define um Portugal que en-

    trou na modernidade do sculo XX numa situao de dependncia poltica

    e econmica em relao Europa e tambm em relao sua principal co-

    lnia, o Brasil. A sociedade portuguesa, durante o scu- lo XIX, vivenciaria

    a sua realidade de dependncia colonial, pois, sem suas colnias, como Por-

    tugal manteria a imagem imperial? No incio do sculo XX, como decor-

    rncia do desgosto do ultimatumde 1890 e de um descontentamento social

    generalizado com a monarquia, houve a revolta republicana em Portugal.

    A primeira Repblica Portuguesa ora implantada em 1910. Havia,

    por parte dos republicanos, um projeto de resgate do orgulho nacional,

    mas no havia coextensivamente um projeto slido de modernidade da

    nao. Com isso, as insatisaes populares, bem como as demandas so-

    ciais e econmicas, cresceriam ace a um governo republicano inefi- ciente

    e que continuava a no assumir um papel na vitrine da Europa moderna.

    O modernismo portugus surge, nesse contexto republicano, questionan-

    do tudo o que oi e no oi eito at ento.

    Mapa da frica contempornea.

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    Referncias da Unidade A

    HOBSBAWN, Eric. Naes e Nacionalismo desde 1780. Rio de Janeiro:

    Paz e Terra, 1990.

    LOURENO, Eduardo. O labirinto da Saudade. 2 edio. Lisboa: D.

    Quixote, 1982.

    SAID, Edward. Cultura e Imperialismo. So Paulo: Companhia das Le-

    tras, 1995.

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    Unidade BO Modernismo e a Vanguarda:a Gerao de Orpheu

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    2 Influncias do Modernismo

    Identificar as principais expresses estticas da Gerao de Orpheu e as

    suas influncias.

    2.1 Introduo

    No contexto da transio da monarquia para a 1 Repblica, em

    Portugal, comeam a surgir os primeiros movimentos dos modernis-

    tas, ou seja, daqueles que comporiam a chamada Gerao de Orpheu. A

    Gerao de Orpheu oi assim chamada por ter sua produo potica ecrtica vinculada quele que oi o seu principal veculo de divulgao: a

    Revista Orpheu.

    A gerao de Orpheuoi a vanguarda do modernismo portugus e

    teve influncia das teses uturistas do italiano Filippo Tommaso Mari-

    netti (1876-1944). A esttica uturista chega a Lisboa atravs

    de dois representantes da Gerao de Orpheu: o poeta Mrio

    de S-Carneiro (1890-1916) e o artista plstico Guilherme de

    Santa-Rita, conhecido como Santa-Rita Pintor (1889-1918).

    Ambos travaram contato com o Maniesto Futurista de Ma-

    rinetti em Paris, onde viviam. O maniesto ora publicado

    em 20 de evereiro de 1909 no jornal rancs Le Figaroe oi

    traduzido ao portugus pelo poeta Luis Francisco Bicudo,

    tambm em 1909, aparecendo publicado no jornal Diario

    dos Aoresjuntamente com uma entrevista de Marinetti.

    Entretanto, o uturismo, embora decisivo para o mo-dernismo portugus, ficaria restrito aos eventos emeros

    de sua vanguarda, a Gerao de Orpheu, que produziu as

    Revistas Orpheu(1915, dois nmeros) e Portugal Futurista

    (1917, nico nmero). Publicao do Manifesto Futurista no Jornal Le Figaro, 1909.

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    Depois do impacto inicial do Maniesto Futurista, a sua influncia

    sobre a Gerao de Orpheuoi minimizada, abrindo espao para a cria-

    tividade caracterstica do grupo que, em linhas gerais, estabeleceu:

    a experimentao esttica com inovao e ousadia; o tempo

    das criaes estticas de Fernando Pessoa (o sensacionismo, in-

    terseccionismo e o paulismo) e tambm dos seus heternimos;

    o uturismo maniestado na recusa do passado (mesmo em di-

    logo com este), mas sem lig-lo abertamente ao ascismo e

    guerra imperialista como ez Marinetti na Itlia. Os poetas de

    Orpheu, quando citam a guerra, o azem mais como provocao

    classe poltica portuguesa e ao conormismo da burguesia;

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    a exaltao ao maquinismo, presente tanto no contedo como

    na orma. A orma potica imita a produo industrial eita em

    srie e com movimentos repetidos, assim vemos maquinismo

    na seriao, na repetio e na multiplicao tanto na linguagemcomo no tipo de versificao de muitos poemas dos modernis-

    tas de Orpheu.

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    3 As revistas portuguesas

    Conhecer os principais veculos de formao e difuso da vanguarda

    modernista portuguesa.

    3.1 ARevistaOrpheu

    Foi nas pginas da Revista Orpheu, lanada em maro de 1915, com

    apenas dois nmeros, que se uniram os principais autores da vanguarda

    modernista portuguesa.

    Os escritores Fernando Pessoa, Mario de S-Carneiro, Almada Ne-

    greiro, Lus de Montalvor, entre outros, criaram a revista Orpheu, que

    causou muita polmica, por apresentar uma concepo de arte inovado-

    ra, principalmente para o ambiente conservador de Portugal.

    A proposta dos criadores era de que a revista Orpheuosse publi-

    cada trimestralmente. Entretanto, s oram publicados dois nmeros,

    tendo em vista que o pblico leitor era pequeno e o custeio era eito pe-

    los prprios autores. Os diretores da 1 edio oram Luis de Montalvor

    (Portugal) e Ronald Carvalho (Brasil).

    A primeira edio de Orpheuapresenta os principais autores da ge-

    rao e tambm as suas tendncias estticas. Mrio de S-Carneiro abria

    a Revista com o seu conjunto de poemas Indcios de Oiro. Fernando

    Pessoa apresentava o seu O Marinheiro, drama esttico em um quadro,

    com o orte carter da esttica que viria a ser designada por ele como

    paulismo. Tambm representavam atributos do paulismo os poemas de

    Armando Cortes-Rodrigues e Alredo Guisado. Apresentava- se, tam-

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    bm, nesse primeiro nmero de Orpheu, o heternimo de Fernando

    Pessoa (lvaro de Campos), com dois poemas que expunham duas ca-

    ractersticas estticas: Ode Triunfal (cuja caracterstica o uturismo)

    e Opirio (com ortes influncias do simbolismo e decadentismo). Lestava tambm a se apresentar Almada Negreiros, com poemas um tan-

    to tmidos, com nases simbolistas e sentimentais, cujo ttulo geral era

    Frizos do Desenhador, mas esse poeta ainda haveria de se revelar numa

    escrita mais rebelde no uturo prximo.

    No segundo nmero de Orpheu, as influncias simbolistas j ha-

    viam se dispersado um pouco mais. A direo desta publicao ficaria

    a cargo de Fernando Pessoa e de Mrio de S-Carneiro. Entre os cola-boradores estavam os poetas ngelo de Lima, com poemas ragmen-

    trios ao modo interseccionista, e Raul Leal, com contedo ertico

    e mstico. Tambm estava o poeta brasileiro Eduardo Guimaraens, e

    Violante de Cysneiros, o heternimo eminino de Cortes-Rodrigues.

    A segunda publicao de Orpheu especialmente importante para

    Mrio de S-Carneiro, que apresentava o seu poemaManucure, mais

    ligado ao uturismo e ao sensacionismo. Tambm nesse nmero de

    Orpheu, Fernando Pessoa, assinando como lvaro de Campos, apre-

    sentaria um poema sensacionista, o Ode Martima, e um poema inter-

    seccionista, Chuva Oblqua, assinado por Pessoa ortnimo.

    Graficamente, o nmero dois de Orpheuestava enriquecido pela cola-

    borao uturista-cubista de Santa-Rita Pintor, sinalizando a influncia re-

    cproca entre a literatura e as artes plsticas que seria a marca dessa gerao.

    3.2 A Revista Portugal Futurista

    A Revista Portugal Futurista teve uma nica edio, lanada em

    Lisboa em 1917, num evento no Teatro Repblica preparado por Al-

    mada Negreiros e Santa-Rita Pintor. O evento, segunda grande data do

    modernismo portugus (SEABRA, 1988, p. 194), no obteve repercus-

    so junto ao pblico e a revista oi apreendida pela polcia. Segundo Jos

    Augusto Seabra,

    Os termos sensacionis-mo, interseccionismo e

    paulismo, que voc estvendo aqui, so dados

    s teorias estticasde Fernando Pessoa

    - aplicadas pelos seusheternimos - , as quais

    voc conhecer emdetalhes na Unidade D.

    Revista Orpheu

    Cabea (1910). leo

    sobre tela de Santa Rita-Pintor.

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    Enquanto Fernando Pessoa continua a multiplicar-se em heternimos,

    disseminando aqui e alm os seus textos e prosseguindo, por outras

    vias, as suas experincias esotricas, a iniciativa da agitao de vanguar-

    da face qual tinha alis tomado, desde 1915, uma certa distncia passa para outras mos. agora a hora futurista que soa: Almada Negrei-

    ros e Santa-Rita Pintor apressam-se em montar um grande espetculo,

    que se esgotaria numa nica sesso e num nico nmero da revista

    (SEABRA, 1988, p. 193).

    Principais textos da Revista Orpheu:

    Fernando Pessoa: O marinheiro(1913)Chuva Obliqua(1914)

    Almada Negreiros: A cena do dio(1915)

    Manifesto anti-Dantas (1916)

    Ultimatum futurista s geraes portuguesasdosculo XX(1917)

    Mrio de S-Carneiro: Manucure(1915)

    Apoteose(1915)

    lvaro de Campos: Ode triunfal(1914)

    Ultimatum (1917)

    Ode Martima (1915)

    Revista Portugal Futurista.

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    4 O ultimatumna gerao deOrpheu

    Entender as bases do questionamento dos modernistas de Orpheu

    nao portuguesa a partir de um dos fatos por eles tornado emblemtico: o

    ultimatum.

    O tema do ultimatum que estudamos na Unidade A oi um dos

    temas de destaque da produo potica da Gerao de Orpheu. O Ul-

    timatum de lvaro de Campo e o Ultimatum s geraes portuguesas

    do sculo XXde Almada Negreiros oram os textos representativos dareflexo desse tema pelos modernistas. Os dois textos poticos oram

    publicados na Revista Portugal Futuristaem dezembro de 1917.

    Como vimos na Unidade A, o caso do ultimatumeriu o orgulho

    nacional por questionar a competncia colonial de Portugal e o seu pro-

    jeto histrico na rica, alm de rejeitar as suas intenes expansionis-

    tas. No entanto, o ultimatumdiscutido pelos dois poetas inclui abordar

    tambm o que estava acontecendo naquele contexto em que escreviam,

    ou seja, era o momento da Primeira Repblica em Portugal e tambm

    da Primeira Guerra Mundial. Os dois poetas fizeram reerncia guerra,

    como voc poder constatar, mas interessante notar que o Ultimatum

    de lvaro de Campos critica as naes europeias em guerra, colocando

    essa experincia como inerior. Diz Campos:

    Agora a guerra, jogo do empurra do lado de c e jogo de porta do

    lado de l!

    Sufoco de ter s isto minha volta! (CAMPOS, 1917, p. 2, grifos nossos).

    O Ultimatumde Almada Negreiros, ao contrrio de Campos e se-

    melhana do Maniesto de Marinetti, adota simpatias pela guerra e uma

    atitude elogiosa ao domnio dos mais ortes, o que significa uma or-

    ma de adeso ideologia ascista, junto com a rejeio democracia,

    igualdade e ao socialismo como enatizara Negreiros em todo o poema.

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    Veja o seguinte trecho de Negreiros para comparar com o de Campos:

    Ide buscar na guerra da Europa toda a fora da nossa nova ptria. No

    front est concentrada toda a Europa, portanto a Civilizao actual.

    A guerra serve para mostrar os fortes mas salva os fracos.

    A guerra no apenas a data histrica de uma nacionalidade; a guerra

    resolve plenamente toda a expresso da vida. A guerra a grande expe-

    rincia. (NEGREIROS, 1917, p. 3)

    O Ultimatumde Campos procura dar uma resposta a toda as im-posies vindas de ora de Portugal, seja no campo ideolgico, literrio,

    filosfico, econmico ou poltico. Campos d o seu ultimatuma tudo o

    que signifique uma imposio externa sobre Portugal. O ora de Cam-

    pos seria uma resposta ao ora recebido por Portugal das naes euro-

    peias e especialmente da Inglaterra.

    O Ultimatumde Almada Negreiros, pelo contrrio, tem como alvo

    a prpria nao portuguesa que, por estar sob o comando de um pen-

    samento saudosista e conservador, acabaria sempre sendo ineriorizada

    (como ocorreu, emblematicamente, no episdio do ultimatumde 1890)

    e no poderia ser tratada de outra orma pelas naes europeias se no

    se modificasse internamente. Almada Negreiros pretende dar um ul-

    timatum s geraes portuguesas do uturo para que construam uma

    nova nao.

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    5 O fim da gerao de Orpheu

    Identificar a ltima fase da gerao de Orpheu.

    Em 1915, a Revista Orpheuinicia sua publicao, mas por alta de con-

    dies financeiras no consegue ir alm do segundo nmero. Em 1916, um

    grave acontecimento abala os companheiros de Orpheu. O poeta Mrio de

    S-Carneiro, o melhor amigo de Fernando Pessoa, suicida- se e deixa uma

    lacuna irreparvel para o grupo modernista. Em 1917, a Revista Portugal

    Futuristachega ao pblico com um nico nmero apreendido pela polcia e

    no consegue retomar suas atividades. Dois dos artistas plsticos da gerao

    de Orpheuque haviam trabalhado ativamente para a edio nica de Por-tugal Futurista, Santa Rita-Pintor e Amadeu de Sousa Cardoso, morrem no

    ano de 1918. Com tais perdas agregadas aos demais problemas, a gerao

    de Orpheu, vanguarda do modernismo portugus, enrenta o seu fim. Mas,

    para os que ficaram, aquele seria apenas um comeo...

    Referncias da Unidade B

    CAMPOS, lvaro. Ultimatum [1917]. Disponvel em: . Acesso em: 18 jan. 2010.

    CASTRO, E. M. de Melo.As vanguardas na poesia portuguesa do sculo XX.

    Lisboa: Ministrio da Educao/ Instituto de Lngua Portuguesa, 1987.

    DALGE, Carlos. A experincia futurista da gerao de Orpheu. Lisboa:

    Ministrio da Educao/ Instituto de Lngua Portuguesa, 1989.

    LIND, Georg Rudol. Teoria Potica de Fernando Pessoa. Porto: Editorial

    Inova, s/d.

    MARINETTI, Filippo T. Manifesto Futurista. [1909]. Disponvel em:

    . Acesso em: 18 jan. 2010.

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    NEGREIROS, Almada.Ultimatum uturista s geraes portuguesas do

    sculo XX [1917]. Disponvel em: . Acesso em: 18 jan. 2010.

    SEABRA, Jos Augusto. O heterotexto pessoano. So Paulo: Perspectiva,

    1988.

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    Unidade CO Modernismo Portugusda Gerao de Presena

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    6 O Contexto Histrico da2 fase do Modernismo

    PortugusConhecer o contexto histrico de surgimento da Gerao de Presena.

    6.1 Introduo

    Como j vimos na Unidade A, a Primeira Repblica Portuguesa

    entrou em vigor em 1910 e coincidiu com o surgimento da Revista Or-pheuem 1915. Todos os integrantes da Gerao de Orpheuviveram o

    incio daquele perodo da 1 Repblica, que terminaria em 1926. No

    entanto, somente Fernando Pessoa e Almada Negreiros, alm de outros

    colaboradores de Orpheu, puderam ver a transormao poltica e social

    ocorrida nesse perodo (especialmente aps 1926), que ficaria conheci-

    do como Estado Novo ou salazarismo.

    A crise republicana tornou-se incontornvel em 1926, quando um

    golpe de Estado liderado pelo General Gomes da Costa derrubou o go-

    verno liberal, suspendeu a constituio provisria de 1911 e instaurou

    uma ditadura militar. O proessor universitrio especialista em finanas,

    Antnio de Oliveira Salazar, ocupou o cargo de ministro das Finanas

    por um curto perodo, saindo logo em seguida. Retornou ao governo

    em 1928 e aplicou um rgido controle sobre as finanas do governo por-

    tugus, incluindo a poltica de preos tabelados e o aumento dos im-

    postos, medidas que garantiram um saldo positivo nas contas pblicas.

    No posto de Ministro da Fazenda, Salazar rapidamente controlou a

    economia de Portugal e viria a controlar todo o Estado portugus. Para

    isso, em 1930, Salazar comeara as negociaes com o partido catlico,

    cujo apoio o levaria ao mais alto posto, o de Chee do Estado portugus.

    Apoiado em uma intensa propaganda pessoal, criou a Unio Nacional,

    que pretendia ser uma espcie de partido nico e, de ato, mesmo sem

    uma proibio ormal dos partidos, a censura progressiva em relao

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    aos discursos de oposio ao governo era muito grande, chegando rapi-

    damente a estgios de intensa represso. Qualquer critica era rotulada

    como antinacionalista e deveria ser reprimida.

    Assim, muitos partidos e agremiaes passaram a atuar na clandes-

    tinidade aps 1933.

    Contudo, ainda em 1932, oi publicado o projeto de uma nova

    constituio a constituio do Estado Novo que criaria o modelo

    de governo que ficou conhecido como salazarismo, pois tal constituio

    ora idealizada por Salazar. Em 1933, a constituio do Estado Novo

    oi votada e aprovada num plebiscito popular, garantindo a Salazar ocomando do Estado Portugus.

    O Estado Novo, que durou de 1933 a 1974, oi um regime de governo

    de tipo ascista por ter sido: centralizado na figura de Salazar e, portan-

    to, autoritrio e antidemocrtico, alm de antiparlamentarista, repressor,

    conservador, nacionalista, corporativista, tradicionalista e colonialista.

    6.2 A Propaganda e a imagem

    Salazar queria o apoio de todos indistintamente, desde as massas tra-

    balhadoras at as elites, ossem mulheres, homens, idosos e jovens, e at as

    crianas no escapavam da propaganda de Salazar. Alis, a educao era

    seu ponto orte. Desde cedo, as crianas eram educadas dentro das con-

    cepes ascistas. No entanto, embora quisesse o apoio geral, Salazar tinha

    interesses bem ocados. Por isso, seu governo baseava-se em organizaes

    corporativas de trabalhadores, organizao das mes, dos jovens e assimpor diante, evitando a diversificao de discursos ideolgicos como o era

    os dos partidos. Assim, permitiam-se reivindicaes de setores, mas nun-

    ca oposio ao governo. Na verdade, Salazar queria, aos poucos, eliminar

    qualquer oposio ideolgica a ele e por isso intensificaria a propaganda

    pessoal como grande chee, lder e pai da nao portuguesa. A propagan-

    da do salazarismo era vista em retratos, painis, exposies e cartilhas

    escolares durante os 41 anos de vigncia do ascismo em Portugal.

    Plebiscito uma con-sulta ao povo feita an-

    tes de ser instauradauma nova lei. O povo

    vota diretamente sea aprova ou no. No

    ple- biscito e na cons-tituio portuguesa, o

    voto das mulheres foragarantido.

    Cartaz feito por Almada Negreirosconclamando o povo a votar na Constitui-o do Estado Novo.

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    7 A gerao de presena

    Identificar as principais caractersticas estticas da Gerao de Presena e

    as suas influncias.

    A Gerao de Presena surgiu em pleno regime ascista e, como a de

    Orpheu, tambm deve seu nome a uma revista, trata-se da Revista Presen-

    a, que oi o principal veculo de expresso das ideias de muitos intelectu-

    ais portugueses entre 1927 e 1940, tendo dela sido publicados 54 nmeros.

    Os undadores da Revista Presena oram Branquinho da Fonseca,

    Joo Gaspar Simes e Jos Rgio, mas houve inmeros outros colabora-dores que passaram pela Revista durante os seus treze anos de existncia.

    As caractersticas estticas deendidas pela Revista Presenaeram o

    individualismo, a introspeco, o subjetivismo, a exaltao da autono-

    mia do ideal esttico (arte pela arte), a negao dos valores polticos

    e ideolgicos. Os propsitos da Revista Presenaeram, basicamente, os

    que Jos Rgio havia apresentado num texto chamado Literatura Viva,

    no nmero 1 da Revista Presena.

    Nesse texto, Rgio afirmava que a literatura viva expressa o homem

    (autor) por inteiro, em sua originalidade e sinceridade, ou seja, o autor

    deve viver o que expressa em sua arte. As suas atitudes sociais, ticas e

    polticas se refletem na arte quando esta sincera e, portanto, a arte no

    deveria ser usada propositalmente para refleti-las ou coloc-las a servi-

    o de algo que osse considerado socialmente til.

    Diz Rgio no Maniesto Literatura Viva:

    Eis como tudo se reduz a pouco: Literatura Viva aquela em que o ar-

    tista insuflou a sua prpria vida, e que por isso mesmo passa a viver de

    vida prpria. Sendo esse artista um homem superior pela sensibilidade,

    pela inteligncia e pela imaginao, a Literatura Vivaque ele produza

    ser superior; inacessvel, portanto, s condies do tempo e do espao.

    (RGIO, 1927, p. 1).

    Revista Presena com o ManifestoLiteratura Vivade Jos Rgio

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    Como vimos no ragmento anterior, a ideia de Literatura Viva

    era responsvel por estabelecer uma conduta individual do artista

    baseada em preceitos como: originalidade, intimidade, proundida-

    de, verdade. Mas tal conduta no deveria ser posta a servio da po-ltica ou do que pudesse servir sociedade. Para Jos Rgio, a arte

    deve servir somente arte e, desse modo, j cumpre a sua uno. A

    individualidade do artista, contudo, o colocaria acima dos grupos e

    partidos e daria a ele (artista) uma superioridade diante dos demais

    indivduos e da sociedade em geral, tornando a arte inacessvel e

    impermevel aos processos histricos e sociais.

    Falando contra a utilidade da arte e contra a sua irredutibilidade aotempo e espao, estava Jos Rgio entrando em polmica contra aqueles

    intelectuais que queriam azer da arte um instrumento de denncia do

    governo ascista vivido naquele contexto em Portugal.

    Antes mesmo da publicao do Maniesto Literatura Vivaem 1927, a

    liberdade de expresso e a averso aos grupos e partidos ficaram registra-

    das no poema Cntico Negro, de Jos Rgio, que o poeta escreveu em 1925:

    Cntico Negro (1925)

    Vem por aqui dizem-me alguns com os olhos doces

    Estendendo-me os braos, e seguros

    De que seria bom que eu os ouvisse

    Quando me dizem: vem por aqui!

    Eu olho-os com olhos lassos,

    (H, nos olhos meus, ironias e cansaos)

    E cruzo os braos,

    E nunca vou por ali...

    A minha glria esta:

    Criar desumanidades!

    No acompanhar ningum.

    Que eu vivo com o mesmo sem-vontade

    Com que rasguei o ventre minha me

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    No, no vou por a! S vou por onde

    Me levam meus prprios passos...

    Se ao que busco saber nenhum de vs respondePor que me repetis: vem por aqui!?

    Prefiro escorregar nos becos lamacentos,

    Redemoinhar aos ventos,

    Como farrapos, arrastar os ps sangrentos,

    A ir por a...

    Se vim ao mundo, foi

    S para desflorar florestas virgens,E desenhar meus prprios ps na areia inexplorada!

    O mais que fao no vale nada.

    Como, pois, sereis vs

    Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem

    Para eu derrubar os meus obstculos?...

    Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avs,

    E vs amais o que fcil!

    Eu amo o Longe e a Miragem,

    Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

    Ide! Tendes estradas,

    Tendes jardins, tendes canteiros,

    Tendes ptria, tendes tetos,

    E tendes regras, e tratados, e filsofos, e sbios...

    Eu tenho a minha Loucura!

    Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,

    E sinto espuma, e sangue, e cnticos nos lbios...

    Deus e o Diabo que guiam, mais ningum!

    Todos tiveram pai, todos tiveram me;

    Mas eu, que nunca principio nem acabo,

    Nasci do amor que h entre Deus e o Diabo.

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    Ah, que ningum me d piedosas intenes,

    Ningum me pea definies!

    Ningum me diga: vem por aqui!

    A minha vida um vendaval que se soltou,

    uma onda que se alevantou,

    um tomo a mais que se animou...

    No sei por onde vou,

    No sei para onde vou

    Sei que no vou por a!

    (RGIO, 1925-1926, p. 1-2)

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    8 O fim da gerao da presena

    Identificar a ltima fase da Gerao de Presena.

    O movimento de Presenapropunha valores artsticos que se re-

    velaram estticos por no poderem absorver nenhuma mudana so-

    cial ou individual que houvesse sua volta. Essas perspectivas doutri-

    nrias levaram os representantes da gerao de Presena a enrentar

    problemas entre si. Alguns dos colaboradores de Presenaocuparam

    cargos de direo na Revista, outros saram diretamente de Orpheu

    para as pginas de Presena, outros, ainda, saram de Presena por

    no se identificarem mais com ela. Em 1930, Branquinho da Fonseca,que at ento era o diretor da Revista, abandona o cargo por entender

    que o programa da Revista deendido por Jos Rgio era limitador

    da liberdade criativa. Assume a direo Adolo Casais Monteiro. Do

    mesmo modo que Fonseca, tambm abandonaram a Revista o poeta

    Edmundo de Bettencourt e Miguel Torga.

    Alm dos problemas internos que a Revista enrentava, havia os rivaistericos de Jos Rgio, principalmente Jos Rodrigues Miguis, que per-

    tencia ao grupo da Revista Seara Nova, undada em 1921, que propunha

    para a arte o oposto da Revista Presena, ou seja, propunha uma crtica

    militante atravs de expresses estticas comprometidas com as mudanas

    sociais e que combatessem ideologicamente o salazarismo. Esse debate en-

    tre os grupos de Presenae SearaNovaoi muito importante para o ama-

    durecimento da intelectualidade e da cultura portuguesa em geral.

    Capa da Revista Seara Nova.

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    9 A gerao de presena eFernando Pessoa

    Entender a importncia da relao entre os autores de

    Presena e Fernando Pessoa.

    Alm de ormular seus interesses estticos especficos, os ideali-

    zadores da Revista Presena pretendiam que ela osse uma espcie de

    continuadora do modernismo de Orpheu. notvel, especialmente, a

    influncia de Fernando Pessoa sobre o grupo presencista, pois do esor-

    o de alguns de seus representantes publicou-se a primeira biografia e aprimeira antologia potica pessoana.

    Joo Gaspar Simes oi o primeiro bigrao de Fernando Pessoa e

    manteve correspondncia com ele entre 1929 e 1934, alm de publicar es-

    tudos dedicados a ele, como Temas(1929) e vrios artigos na Revista Pre-

    sena. A esperada biografia de Fernando Pessoa s veio a pblico em 1950,

    intitulada Vida e Obra de Fernando Pessoa. Histria de uma Gerao.

    Quando Adolo Casais Monteiro assume a Revista Presenaem 1930,

    dedica a Fernando Pessoa expressivas pginas da sua crtica liter- ria,

    mantendo, inclusive, uma importante correspondncia com ele. Em 1942,

    Monteiro organizou uma antologia potica de Fernando Pessoa. No final

    da dcada de 50, Casais Monteiro publica, ento, Estudos so bre a poesia de

    Fernando Pessoae organiza a primeira antologia potica de Fernando Pes-

    soa, alm de comear a organizar a publicao de suas obras completas.

    Nas dcadas de 20 e 30, como veremos na prxima Unidade, Fer-nando Pessoa tinha projetos pessoais, mas continuava a colaborar em

    revistas, entre elas a Revista Presena, na qual publicou em 1927 o poe-

    maMarinhae um texto em prosa chamadoAmbiente, assinados por ele

    e subscritos como lvaro de Campos com uma rase: Fingir conhe-

    cer-se, alm de outros poemas assinados por ele mesmo como Autop-

    sicografia(1932), O ltimo sortilgio(1930), Isto(1933), Eros e Psiqu

    (1934). Publicou como lvaro de Campos, na Revista Presena, os poe-

    A primeira biografia de FernandoPessoa, de autoria de Joo Gaspar Simes

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    masAniversrio(1930) e Tabacaria(1933), e tambm as Odes de Ricar-

    do Reis(1927). Fernando pessoa publicou em 1928, ainda em Presena,

    a sua Tbua Bibliogrfica de Fernando Pessoa, a qual, em 1936, um ano

    aps sua morte, seria republicada em homenagem pstuma na RevistaPresenanmero 48, apresentada por Jos Rgio.

    O poema Eros e Psiqu, apresentado a seguir, oi publicado na Re-

    vista Presenade 1934. Nesse belo poema, Fernando Pessoa narra o mito

    clssico de Eros e Psiqu, revisitado pelos contos de adas. O poema

    uma narrativa em terceira pessoa relatando um sonho no qual a procura

    de Eros por Psiqu significa a busca do autoconhecimento. O encontro

    entre eles significa o encontro consigo mesmo resgatado da dicotomiaentre pensar e sentir, entre masculino e eminino, entre corpo e alma.

    Eros e Psiqu (1934)

    Conta a lenda que dormia

    Uma Princesa encantada

    A quem s despertaria

    Um Infante, que viria

    De alm do muro da estrada.

    Ele tinha que, tentado,

    Vencer o mal e o bem,

    Antes que, j libertado,

    Deixasse o caminho errado

    Por o que Princesa vem.

    A Princesa Adormecida,

    Se espera, dormindo espera,

    Sonha em morte a sua vida,

    E orna-lhe a fronte esquecida,

    Verde, uma grinalda de hera.

    Longe o Infante, esforado,

    Sem saber que intuito tem,

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    Rompe o caminho fadado,

    Ele dela ignorado,

    Ela para ele ningum.

    Mas cada um cumpre o Destino

    Ela dormindo encantada,

    Ele buscando-a sem tino

    Pelo processo divino

    Que faz existir a estrada.

    E, se bem que seja obscuro

    Tudo pela estrada fora,E falso, ele vem seguro,

    E vencendo estrada e muro,

    Chega onde em sono ela mora,

    E, inda tonto do que houvera,

    cabea, em maresia,

    Ergue a mo, e encontra hera,

    E v que ele mesmo era

    A Princesa que dormia.

    (PESSOA, 2008, p. 157-158)

    Referncias da Unidade C

    LIND, Georg Rudol. Teoria Potica de Fernando Pessoa. Porto: Editorial

    Inova, s/d.

    LISBOA, Eugnio.Jos Rgio Uma literatura viva. Lisboa: Ministrio

    da Educao/ Instituto de Lngua Portuguesa, 1989.

    _____. Poesia Portuguesa: do Orpheu ao neo-realismo. Lisboa: Minist-

    rio da Educao/ Instituto de Lngua Portuguesa, 1986.

    PESSOA, Fernando. Cancioneiro. Porto Alegre: L&PM, 2008.

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    Unidade DFernando Pessoa

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    10 Fernando Pessoa: um poetasingular e plural

    Identificar a obra ortnima de Fernando Pessoa.

    10.1 Fernando Pessoa, ele mesmo (1888-1935)

    Fernando Pessoa, ele mesmo ou ortnimo, assim chamado para

    dierenciarmos o poeta quando ele escreve em seu nome, pois muitos de

    seus escritos so assinados pelos vrios heternimos que constituem a suacaracterstica mais marcante e inconundvel. Fernando Pessoa escreveu

    sua obra potica atravs de dezenas de heternimos, sendo os principais

    Alberto Caeiro, Ricardo Reis, lvaro de Campos e Bernardo Soares. Aqui

    importa-nos destacar queFernando Pessoaescreve em seu prprio nome

    e tambm em nome de outros poetas, os heternimos, criados por ele.

    De certo modo, poderamos dizer que na dispersa e fragmentria tra-

    ma textual de que se entretece a obra de Pessoa se repercutem todos

    os movimentos contraditrios que foram percorrendo o terreno hoje

    fraturado da teoria da literatura, abrindo falhas ou interstcios por onde

    da velha potica emergiram novas poticas possveis, num horizonte

    raiado de modernidade. (SEABRA, 1988, p.16).

    10.2 As obras assinadas por Fernando Pessoa

    O livro Mensagem, assinado por Fernando Pessoa, oi escrito em1934. Com Mensagem, Pessoa concorrera a um prmio da Secretaria

    de Propaganda Nacional, patrocinado pelo governo de Antnio Salazar,

    cujo tema era o nacionalismo.

    Os poemas do livroMensagemesto organizados de orma a compor

    uma epopeia da nao portuguesa, em que o conjunto dos textos lricos

    acaba ormando uma mitologia histrica de Portugal. O livro Mensagem

    est dividido em trs partes: Braso, Mar portugus e O Encoberto.

    Fernando Pessoa assi-

    nou com seu prprionome: 35 sonetos (emingls), Mensagem (emportugus) e Cancio-neiro (pstuma, tam-bm em portugus).

    Braso de Portugal

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    A primeira parte deMensagem (Braso)se estrutura como o braso

    portugus, que ormado por um poema que apresenta os sete castelos ao

    redor do Braso, representando as personagens da realeza que undaram

    Portugal (Dom Henrique, Dona Tareja, Dom Aonso Henriques, O Inan-te Dom Henrique - que undou a Escola de Sagres, e Dom Aonso de Al-

    buquerque) e, tambm, o heri Ulisses, que undou a cidade de Lisboa (na

    antiguidade, chamada de Ulissepona); o outro poema da primeira parte

    apresenta as cinco quinas que esto em orma de cruz dentro do braso.

    Na segunda parte,Mar Portugus, so apresentadas as navegaes

    e conquistas martimas de Portugal, o motivo do espao destacado que

    Portugal tinha no mundo durante at os sculos XVI e XVII:

    E ao imenso e possvel oceano

    Ensinam estas Quinas, que aqui vs,

    Que o mar com fim ser grego ou romano:

    O mar sem fim portugus.

    (PESSOA, 1934, p. 9)

    Na terceira e ltima parte, O Encoberto, apresentado o mito se-

    bastianista que significa o retorno de Portugal s pocas de glria diante

    do mundo. Nesse conjunto de poemas, Pessoa apresenta o mito do Rei

    portugus Dom Sebastio, desaparecido em 1578 no combate contra os

    mouros em Alccer-Quibir e cuja rota ora dizimada. O mito do retor-

    no de Dom Sebastio, O Encoberto, j ora anunciado proeticamente

    pelo sapateiro trovador Bandarra e pelo Padre Antnio Vieira. A volta

    de Dom Sebastio daria origem ao Quinto Imprio, como orma de re-

    cuperar a ase de conquistas territoriais de Portugal. Nessa ltima partedeMensagem, Fernando Pessoa autoproclama-se o terceiro proeta do

    sebastianismo, unindo seu nome aos de Bandarra e Padre Vieira.

    Mesmo anunciando o Quinto Imprio, Pessoa encerraMensagem

    de orma enigmtica, apontando mais incertezas do que utopias:

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    Ningum sabe que coisa quer.

    Ningum conhece que alma tem,

    Nem o que mal nem o que bem.

    (Que nsia distante perto chora?)Tudo incerto e derradeiro.

    Tudo disperso, nada inteiro.

    Portugal, hoje s nevoeiro...

    a Hora!

    (PESSOA, 1934, p.18)

    O Cancioneiro, obra publicada postumamente, uma coletneacomposta por poemas lricos, rimados e metrificados, entre os quais se

    encontra o clebre poemaAutopsicografia, publicado em 1932, na Revista

    Presena, no qual Fernando Pessoa reflete sobre a dor da existncia, sobre

    si mesmo e seu ocio potico. O poeta deve fingir uma dor que realmente

    sente para poder escrev-la. Pode-se dizer que todos os poemas do Can-

    cioneirorefletem sobre a existncia e a linguagem potica.

    Autopsicografia

    O poeta um fingidor.

    Finge to completamente

    Que finge que dor

    A dor que deveras sente.

    E os que lem o que escreve,

    Na dor lida sentem bem,

    No as duas que ele teve,

    Mas s a que eles no tm.

    E assim nas calhas da roda

    Gira, a entreter a razo,

    Esse comboio de corda

    Que se chama corao.

    (PESSOA, 2008, p. 131)

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    11 As teorias poticas deFernando Pessoa

    Conhecer as principais caractersticas das teorias poticas de Fernando

    Pessoa a fim de compreender e analisar expresses de sua obra.

    Depois de Orpheu, Fernando Pessoa dirigiu outra revista na qual pde

    dar vazo sua experimentao potica e, inclusive, apresentar seus textos

    programticos de teoria potica. Trata-se da RevistaAthena, publicada em

    1924-1925. Nessa revista, Fernando Pessoa exporia as teorias poticas que

    se encontravam na base de sua produo (ortnima e heternima) desde apoca de Orpheu. Tambm oi nas pginas deAthenaque os heternimos

    iriam abertamente conviver e discutir entre si. As teorias poticas de Fer-

    nando Pessoa podem ser resumidas nos subcaptulos a seguir.

    11.1 O Paulismo

    O estilo pulico se az presente na potica constituda pela ma-

    nipulao sinttica, por rases exclamativas e pelo uso de maisculas

    que imprimem uma existncia espiritual a certas palavras, aproxi-

    mando-se do simbolismo.

    O poema que d nome e substncia a essa esttica pessoana Im-

    presses do Crepsculo, publicado no nico nmero da revistaA Renas-

    cena, em 1914. O termopauis, com que Pessoa abre o poema, significa

    pntano e h em todo ele a caracterstica esttica marcante do paulismo:

    o elogio ao que esttico, ao silncio, ao inalcanvel e ao tdio.

    Georg Lind chama ateno para o ato de que no centro do po-

    ema que concretiza a concepo de Pessoa da arte de sonho esttica

    aparece o meio-verso: To sempre a mesma, a Hora!, meio-verso este

    que caracteriza o tema: o tdio de viver. (LIND, [s/d], p. 41).

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    Impresses do Crepsculo (1914)

    Pauis de roarem nsias pela minhalma em ouro...

    Dobre longnquo de Outros Sinos...Empalidece o louroTrigo na cinza do poente... Corre um frio carnal por minhalma...

    To sempre a mesma, a Hora!...Balouar de cimos de palma!

    Silncio que as folhas fitam em ns... Outono delgado

    Oh que mudo grito de nsia pe garras na Hora!

    Que pasmo de mim anseia por outra coisa que o que chora!

    Estendo as mos para alm, mas ao estend-las j vejo

    Que no aquilo que quero aquilo que desejo...

    Cimbalos de Imperfeio... to antiguidadeA Hora expulsa de si- Tempo! Onda de recuo que invade

    O meu abandonar-se a mim prprio at desfalecer,

    E recordar tanto o Eu presente que me sinto esquecer!...

    Fluido de aurola, transparente de Foi, oco de ter-se.

    O Mistrio sabe-me a eu ser outro... Luar sobre o no conter-se...

    A sentinela a lana que finca no cho

    mais alta do que ela... Para que tudo isto... Dia cho... Trepadeiras

    de despropsitos lambendo de Hora os Alns... Horizontes

    fechando os olhos ao espao em que so elos de erro... Fanfarras de

    pios de silncios futuros... Longes trens...

    Portes vistos longe... atravs de rvores...to de ferro!

    (PESSOA, 2008, p. 41-42)

    11.2 O Interseccionismo

    O interseccionismo uma teoria potica com caractersticas mo-

    dernistas, de inspirao cubista e se aproxima da expanso uturista. O

    enquadramento geomtrico atravs da repetio, seriao e sobreposi-

    o de planos e de signos tanto lembra um quadro cubista como lem-

    bra o movimento das mquinas. O principal texto potico do intersec-

    cionismo Chuva Obliqua, datado de 1914, e aparece em Orpheuem

    1915. Conorme Georg Lind, Se chamamos a este poema paradigma

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    da corrente interseccionista porque a sua estrutura segue com uma

    nitidez geomtrica uma nica directriz undamental: a interseco de

    duas supercies, ou sejam, uma paisagem vivida e um porto imagina-

    do. Desta interseco resulta uma sequncia de grande nitidez plsti-ca. [...] O poema muito mais, de princpio a fim, uma montagem em

    dois planos e os eeitos de contraste so produzidos pela sobreposio

    de dois todos, o sonhado e o vivido (LIND, [s/d], p. 60).

    Chuva Obliqua (1914)

    Atravessa esta paisagem o meu sonho dum porto infinito

    E a cor das flores transparente de as velas de grandes naviosQue largam do cais arrastando nas guas por sombra

    Os vultos ao sol daquelas rvores antigas...

    O porto que sonho sombrio e plido

    E esta paisagem cheia de sol deste lado...

    Mas no meu esprito o sol deste dia porto sombrio

    E os navios que saem do porto so estas rvores ao sol...

    Liberto em duplo, abandonei-me da paisagem abaixo...

    O vulto do cais a estrada ntida e calma

    Que se levanta e se ergue como um muro,

    E os navios passam por dentro dos troncos das rvores

    Com uma horizontalidade vertical,

    E deixam cair amarras na gua pelas folhas uma a uma dentro...

    No sei quem me sonho...

    Sbito toda a gua do mar do porto transparente

    E vejo no fundo, como uma estampa enorme que l estivesse

    desdobrada,

    Esta paisagem toda, renque de rvore, estrada a arder em aquele porto,

    E a sombra duma nau mais antiga que o porto que passa

    Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem

    E chega ao p de mim, e entra por mim dentro,

    E passa para o outro lado da minha alma...

    [...]

    (PESSOA, 1915b, p. 48-49)

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    11.3 O Sensacionismo

    O sensacionismo caracteriza a undamentao terica mais duradoura

    e influente da potica de Fernando Pessoa e de seus heternimos. Na poti-ca sensacionista, os versos livres expressam a capacidade do ser humano em

    captar a realidade atravs das sensaes mltiplas. As sensaes seriam como

    uma corrente eltrica ligando as sensaes entre si e elas com o mundo. Uma

    sensao deve evocar outras em movimento sinestsico. A principal expres-

    so do sensacionismo est em lvaro de Campos e no seu poema Ode Triun-

    fal, de 1914 e publicado em Orpheuno ano de 1915. Para Georg Lind,

    No nos possvel averiguar em que altura, exactamente Fernando Pes-soa comeara a reunir as reflexes tericas sobre a poesia de lvaro de

    Campos sob a denominao de escola sensacionista. A hiptese mais

    plausvel a de que isso tenha sucedido s depois de escrita a Ode

    Triunfal, depois, portanto, de junho de 1914 (LIND, [s/d], p. 159).

    Ode Triunfal (1914)

    dolorosa luz das grandes lmpadas elctricas da fbrica

    Tenho febre e escrevo.

    Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,

    Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos

    rodas, engrenagem, r-r-r-r-r-r eterno!

    Forte espasmo retido dos maquinismos em fria!

    Em fria fora e dentro de mim,

    Por todos os meus nervos dissecados fora,

    Por tdas as papilas fora de tudo com que eu sinto!

    Tenho os lbios secos, grandes rudos modernos,

    De vos ouvir demasiadamente de perto,

    E arde-me a cabea de vos querer cantar com um excesso

    De expresso de tdas as minhas sensaes,

    Com um excesso contemporneo de vs, mquinas!

    [...]

    (CAMPOS, 1915a, p. 46)

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    12 Os Heternimos de FernandoPessoa

    Identificar e conhecer as principais caractersticas da

    heteronmia pessoana.

    Vimos que a obra potica de Fernando Pessoa ragmentria,

    transtextual, ligando a poesia produzida em nome do prprio Pessoa a

    dos seus muitos heternimos. Heternimo uma palavra grega que sig-

    nifica outros nomes. A heteronmia na produo potica portuguesa

    surge com a gerao de 1870, quando Ea de Queirs, Antero de Quen-tal e Jaime Batalha Reis (o grupo do Cenculo) criaram o heternimo

    coletivo Fradique Mendes. No entanto, com Fernando Pessoa que a

    heteronmia alcana notoriedade como filosofia esttica.

    Os heternimos de Pessoa, como veremos em seguida, no so apenas

    nomes, eles tm biografia prpria, personalidade prpria, tm data de nas-

    cimento e at mapa astral eitos pelo prprio Fernando Pessoa. Todos tm

    profisso, hbitos, costumes, modos de vida, gostos, afinidades filosficas e

    posies polticas. Fernando Pessoa, ele mesmo e seus heternimos or-

    mam uma trama transtextual, pela qual a diversidade potica se espelha nos

    dilogos que travam entre si, influenciando-se e lendo-se uns aos outros.

    Voc j leu, at aqui, vrias poesias assinadas pelos