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Cidadania ambiental: novos direitos no Brasil

LIVRO - Cidadania Ambiental - Novos Direitos No Brasil - Solange Silva Snchez

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ÇFFLCH/USP

USP – UNIVERSIDADE DE SÃO PAULOReitor: Prof. Dr. Jacques MarcovitchVice-Reitor: Prof. Dr. Adolpho José Melfi

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Humanitas janeiro/2000 FFLCH

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ÇFFLCH/USP

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO • FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

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Copyright 2000 da Humanitas FFLCH/USP

É proibida a reprodução parcial ou integral,sem autorização prévia dos detentores do copyright

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S583 Silva-Sánchez, Solange S.

Cidadania ambiental: novos direitos no Brasil / Solange S. Silva-Sánchez.- São Paulo : Humanitas / FFLCH / USP, 2000.

203 p.

Originalmente apresentado como dissertação (mestrado) –Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – Universidadede São Paulo.

ISBN 85-86087-77-7

1.Meio ambiente 2. Cidadania 3. Política ambiental4. Movimentos Sociais I. Título

CDD 363.7574.5 333.7

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Para Luis Enriquee Júlia

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Prefácio _____________________________________________ 9

Agradecimentos ______________________________________ 11

Introdução __________________________________________ 13

Capítulo 1. Novos sujeitos de direitoA natureza e as gerações futuras como sujeitos de direito ____ 25

Capítulo 2. Ambientalismo: a virtualidade do novoAmbientalismo e movimentos sociais ___________________ 47

Capítulo 3. Política ambiental no Brasil: da origem à consolidação A construção da cidadania ambiental ___________________ 65

Capítulo 4. Política ambiental no Brasil: avanços e retrocessosDa construção do discurso à crise ______________________ 99

Capítulo 5. Política ambiental no Brasil: a preparação daConferência do Rio

A esfera pública de negociações ______________________ 137

Capítulo 6. Os arcaísmos da política ambiental no Brasil NovoA farsa do governo Collor ___________________________ 157

Conclusão _________________________________________ 183

Bibliografia ________________________________________ 195

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Friedrich Engels empreendeu em Dialética da Natureza a ten-tativa filosoficamente ousada de incorporar o meio ambiente – nãoera esse o termo dado à questão – ao movimento da história humana.Tal intento somente mereceu críticas e cerrada rejeição, mesmo nocampo do marxismo. É certo que os termos formulados por Engelspadeciam de mecanicismo, buscando transformar em oposições decontrários o evolucionismo darwinista. O darwinismo elaborou umaverdadeira semântica do pensamento científico no século XIX, que,em grande medida, segue vigente. Ressalte-se, portanto, em favor deEngels, que um texto canônico sofre, desfavoravelmente, interpreta-ções que são descontextualizadas de seu sentido semântico à épocade sua formulação; isto é verdade, também, em regra, no que se refe-re ao chamado “materialismo” da dupla fundadora do marxismo. Maispróximo de nós, nos anos 70, o relatório do Clube de Roma trouxe àtona, outra vez, as relações entre a sociedade e a natureza, mas deuma perspectiva nitidamente malthusiana: seria o não controlado cres-cimento da população mundial, o responsável direto pelo esgota-mento dos recursos naturais não-renováveis, do que derivou a novafebre controlacionista à escala mundial; mas a crítica permaneciasuperficial e calava-se praticamente em torno das relações entre aforma capitalista de crescimento e a depredação do meio ambiente.Mais: a crítica conservadora naturalizava o crescimento populacio-nal, operando teórica e praticamente como um racismo.

Solange S. Silva-Sánchez nos apresenta neste livro, que seoriginou de sua dissertação de mestrado no Departamento de Socio-logia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Uni-

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versidade de São Paulo, a trajetória e as questões propostas pelomovimento ambientalista moderno – particularizando o caso brasi-leiro –, que tem a mesma ambição engelsiana de reintegrar a nature-za no movimento da história, ao invés de tratá-la como simples resí-duo passivo num caso, ou noutro como “força da natureza” no capí-tulo das grandes catástrofes. Essa é a perspectiva crítica do ambien-talismo contemporâneo: não se trata, apenas, do mau uso da nature-za, mas de algo intrínseco ao modo capitalista de produção – tam-bém copiado pelas desastradas experiências do que foi um dia o “so-cialismo real” –, cujo fundamento é a propriedade privada. Assim, aconcepção de uma natureza fora da história não se refere, propria-mente, à natureza, mas aos não-detentores da propriedade privada.O ambientalismo moderno e uma nova inspiração no campo do di-reito propõem em seu lugar os “direitos difusos”, em que o sujeitodo direito é a própria cidadania, projetando, pois, tanto os direitos dopresente, quanto os direitos do futuro – das gerações futuras – e osdireitos do passado, vale dizer, o patrimônio universal. Marx e Engels– voilá – já haviam indicado a possibilidade dessa reintegração tantoem O Trabalho Alienado quanto em A Ideologia Alemã, ao estuda-rem a disjunção operada pelo trabalho alienado entre o “ser genéri-co” do homem, que inclui sua natureza, e o homem alienado. Nessaperspectiva, o socialismo será a re-criação do “ser genérico” na his-tória e não um imaginário bom selvagem. Convido os leitores a essaleitura, com a radicalidade do novo entroncado na grande tradição.

São Paulo, verão de 2000.

Francisco de Oliveira

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Originalmente apresentado como dissertação de Mestrado aoDepartamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciên-cias Humanas da Universidade de São Paulo, este livro somente foipossível porque contou com a contribuição de muitas pessoas. Devoum agradecimento especial a minha orientadora Profa. Dra. MariaCélia Paoli, que me acompanhou com entusiasmo durante todo oprocesso de elaboração da pesquisa, estabelecendo um diálogo cons-tante e amigo. Agradeço ao Prof. Dr. Francisco de Oliveira, cujascríticas e sugestões foram fundamentais e muito me auxiliaram areflexão e análise teórica. À Profa. Dra. Arlete Moysés Rodriguesagradeço a leitura detalhada deste trabalho e os comentários estimu-lantes. Agradeço ao Prof. Dr. Laymert Garcia dos Santos a contri-buição valiosa ainda no momento do exame de qualificação.

Rubens Born, Carlos Aveline, Heitor Queiroz de Medeiros eJoão Paulo Capobianco, todos protagonistas do processo que tenteiestudar, colaboraram fornecendo informações essenciais. RubensBorn, além de sua entrevista, possibilitou o acesso ao acervo da orga-nização não governamental Vitae Civilis. Ali consultei documentosimportantes elaborados pelo Fórum das Organizações Não Gover-namentais Brasileiras durante o período que antecedeu a Conferênciado Rio e o Fórum Global. Carlos Aveline enviou-me de São Leopoldo,Rio Grande do Sul, os boletins produzidos pela União Protetora doAmbiente Natural-UPAN, material valioso e de consulta obrigató-ria. João Paulo Capobianco, ademais de sua entrevista, também for-neceu-me documentos importantes.

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Agradeço também a Mônica S. Botelho Padilha, amiga de lon-go tempo. Sua contribuição logo no início da pesquisa foi funda-mental para que eu constituísse um acervo significativo de materialjornalístico relativo ao período estudado. Já ao final do trabalho, sualeitura crítica e comentários instigantes foram-me muito importan-tes. A todos os amigos que participaram de alguma forma do percur-so que resultou neste livro, ainda que não citados nominalmente,expresso um agradecimento especial. Aos meus pais, que me forma-ram para a vida, agradeço tudo.

Luis Enrique Sánchez foi o companheiro de todas as horas,principal incentivador desta empreitada. Sua presença constante ecarinhosa, a leitura crítica que fez das inúmeras versões do texto,além das sugestões sempre importantes, foram-me fundamentais aolongo de toda esta trajetória.

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As últimas décadas registraram mudanças significativas na so-ciedade brasileira. O processo de democratizacão e o que vem sendoapontado como uma reconstrução da sociedade civil fundaram umanova sociabilidade democrática e coletiva inédita na experiência his-tórica do país. Os sujeitos sociais que ocuparam a cena política nes-se período, notadamente os novos movimentos sociais, provocaramuma revitalização da noção de direitos e cidadania. Esse processomais amplo de construção democrática e da cidadania, da emergên-cia de novos direitos, possibilitou a construção do que chamamosaqui de “cidadania ambiental”: uma cidadania referida a direitos co-letivos, fundamentada em valores maximalistas e globalizantes, quetraz, em última instância, a virtualidade do novo.

O estudo da formação e consolidação de uma política ambien-tal no Brasil não pode desconsiderar esse processo. Parece impossí-vel debruçar-se sobre o tema das conquistas na área ambiental ape-nas do ponto de vista do Estado, sem considerar o papel da sociedadecivil. Qualquer tentativa nesse sentido não daria conta da complexi-dade do tema, já que a problemática ambiental envolve um vastocampo de conflitos, mobilizando diferentes sujeitos sociais em espa-ços sociais também diferenciados. A primeira geração de políticasambientais foi elaborada e implementada por iniciativa e vontade doEstado, sem que houvesse uma base social demandatária explícita.Ao longo dos anos 70 e 80, verificamos a emergência de um novointerlocutor – o movimento ambientalista – que passou a explicitarde forma cada vez mais abrangente os conflitos ambientais na arenapolítica, formulando reivindicações e colocando em discussão a ques-

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tão de uma “cidadania ambiental”. É importante salientar que nãofoi nosso objetivo realizar uma análise sociológica do movimentoambientalista brasileiro, entendido em sentido amplo, incluindo asorganizações não governamentais de caráter ambientalista. Tão so-mente procuramos, ao longo deste estudo, compreender como a atua-ção de certos sujeitos sociais organizados, notadamente os ambien-talistas, possibilitou a formulação de uma cidadania ambiental e comoestes sujeitos foram capazes de garantir seus direitos e conquistasdiante de um novo governo que, em última instância, representavaum retrocesso nesse campo. Neste sentido, o refencial teórico acercados movimentos sociais foi imprescíndivel.

O campo de conflitos relativo à problemática ambiental, querse refira à apropriação dos recursos naturais quer se refira à perspec-tiva da qualidade de vida, envolve uma diversidade de agentes (entreos quais os setores governamentais responsáveis pela elaboração eimplementação das políticas, o movimento ambientalista, outrosmovimentos sociais que em certos momentos adquirem uma pers-pectiva ambientalista), e, enquanto prática democrática, permanececom uma temporalidade aberta, ampliando permanentemente a no-ção do direito a um meio ambiente saudável.

Ademais, a reivindicação dos direitos ambientais tem uma sig-nificação que ultrapassa seu caráter imediato, pois testemunha umanova sensibilidade social que remete ao direito a uma melhor quali-dade de vida, garantida também às futuras gerações. As questõessuscitadas por uma “cidadania ambiental” têm um potencial de trans-formação da sociedade, dos processos de socialização culturais epolíticos e do modelo de desenvolvimento hegemônico.

Neste estudo examinamos a fase posterior à formulação daConstituição de 1988 até as vésperas da Conferência das NaçõesUnidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento-CNUMAD, quandoentão já podemos falar da emergência de direitos relacionados aomeio ambiente ou da construção de uma “cidadania ambiental”. Este

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é também o momento em que a sociedade brasileira parece coroar atransição democrática com a primeira eleição presidencial direta de-pois de mais de duas décadas de regime autoritário. Assim, foi fun-damental reconstruir historicamente a gênese da política ambientalbrasileira, localizada nos anos 30, o processo de reestruturação queesta política sofreu nas décadas seguintes até sua consolidação pelaConstituição de 1988.

O período que se iniciava posteriormente à promulgação daConstituição, a partir da eleição do novo Presidente da República,foi prontamente batizado de Brasil Novo. Não demorou, contudo, arevelar seus traços mais arcaicos, notadamente na tentativa de enfra-quecer ou mesmo neutralizar os sujeitos e forças sociais organiza-das, visando eliminar as arenas públicas de negociação. Na verdade,a própria chegada do novo Presidente ao poder deu-se sem uma basede sustentação junto a setores organizados da sociedade. FernandoCollor de Mello, que se apresentava como paladino da modernidadeque se queria para o Brasil Novo, chegou à Presidência da Repúblicacom um discurso voltado para o “povo”, os “descamisados”, passan-do ao largo daqueles setores modernos da sociedade brasileira. Collorchegou ao poder pela contra-mão da história que os novos sujeitossociais haviam começado a construir; uma história fundada em umanova sociabilidade democrática e coletiva. Neste sentido, a moder-nidade que Fernando Collor de Mello afirmava representar revelou-se um simulacro.

De outra parte, o Brasil seria palco de um dos mais importan-tes encontros internacionais já realizados no mundo: a Conferênciadas Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento-CNUMAD, ou Conferência do Rio. Um evento dessa magnitude –não apenas o evento em si, senão todo processo de preparação enegociação que o precedeu – atraiu os olhares da comunidade inter-nacional para o Brasil e, particularmente, para o novo governo deFernando Collor de Mello. A Conferência do Rio viria reunir repre-sentantes de mais de cento e oitenta países, sendo mais de cem che-

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fes de Estado, cifras já então inéditas. Paralelalmente, foi realizada aConferência da Sociedade Civil sobre Meio Ambiente e Desenvol-vimento ou Fórum Global, reunindo quase sete mil organizações nãogovernamentais – ONG’s de todo o mundo, com cerca de vinte milparticipantes. Com efeito, a participação da sociedade civil nesseprocesso foi extremamente significativa.

Temos, portanto, dois fatos muito relevantes, com importan-tes repercussões tanto no plano nacional como internacional, queredobram o interesse em estudar particularizadamente a políticaambiental brasileira nos anos iniciais da década de 90.

A questão ambiental foi incorporada como um dos pontos cen-trais do programa de governo. Collor construiu um discurso marca-damente ambientalista e apresentava-se como um governante preo-cupado com os problemas ambientais do país. A apropriação do temameio ambiente pelo discurso oficial tornou-se uma das medidas pro-jetadas para manter a popularidade de Collor. De outra parte, a preo-cupação com os problemas ambientais possibilitava a construção deuma imagem positiva no cenário internacional: temas como preser-vação da Amazônia e defesa dos povos Yanomami sempre atraírama atenção de outros países. Collor tinha consciência desse fato e pre-tendia tirar o máximo proveito da posição privilegiada do país, en-quanto possuidor de importantes recursos naturais.

Contudo, a apropriação do tema meio ambiente pelo discursooficial e sua incorporação na estratégia política de Collor apenasdissimularam o fato de que a verdadeira política do governo voltadaao meio ambiente foi uma não-política. A atuação de Collor na áreaambiental pretendeu, a maior parte do tempo, apenas gerar impac-tos. Muito dessa “política de impactos” representou um risco poten-cial de retrocesso em relação aos direitos já garantidos. No entanto,ainda que Collor portasse um “projeto destruidor” das forças organi-zadas da sociedade, os ambientalistas conseguiram garantir aquelasconquistas e manter a participação em importantes espaços de deci-são. Em última instância, isto revela o fortalecimento e a maturidade

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de certos setores modernos da sociedade brasileira, como o movi-mento ambientalista. É esta a hipótese fundamental deste trabalho,ou seja, a construção de uma cidadania ambiental somente foi possí-vel pela ação de agentes sociais organizados e foram esses mesmosagentes que impediram um retrocesso da política ambiental, preser-vando os direitos e garantias já conquistados. Na ausência dessesagentes as conquistas estariam fortemente ameaçadas.

Embora este estudo considere a política ambiental desde os anos30, é particularmente o início da década de 90 que nos interessa, desde aeleição de Collor até as vésperas da Conferência do Rio. Em outrostermos, estamos considerando o momento posterior à promulgação daConstituição de 1988, notadamente um período de afirmação democrá-tica, que para a área ambiental surgia como uma promessa de consolida-ção da “cidadania ambiental” conquistada nos anos anteriores, até o pe-ríodo preparatório da Conferência, quando o debate em torno do temameio ambiente e desenvolvimento foi bastante intenso, proporcionandoum momento extremamente rico, que explicitou ainda mais a dimensãodo conflito social que permeia a problemática ambiental. Com efeito, aaproximação da Conferência do Rio, além de intensificar o debate am-biental, exigiu que os ambientalistas se organizassem através de umaestrutura até então inédita no país – o Fórum de Organizações Não Go-vernamentais Brasileiras. O Fórum, de caráter pluralista e congregandoentidades de defesa dos direitos indígenas, grupos feministas, movimentospopulares, entidades sindicais, estaria voltado para a organização da Con-ferência da Sociedade Civil, mas teve uma participação efetiva no pro-cesso de discussão da política ambiental brasileira, tornando-se um dosprincipais interlocutores do governo. A realização da Conferência doRio marca o apogeu de um processo de intensa participação e negocia-ção públicas, delimitando, portanto, o período aqui examinado.

Não se trata, contudo, de investigar a posição do Brasil naConferência, sua atuação durante o processo de negociação interna-cional preparatório ao evento ou, ainda, o conteúdo do que foi deci-dido e depois transformado em convenções e documentos oficiais.

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Nem tampouco as discussões paralelas do Fórum Global ou seustratados e alianças, nem mesmo sua influência na Conferência ofici-al. Interessa-nos mais o diálogo, se assim podemos dizer, estabeleci-do entre o governo Collor e os ambientalistas, enquanto uma dasforças organizadas e modernas da sociedade brasileira. É certo que épreciso considerar o contexto internacional – até porque em muitoscasos ele é determinante – mas desde logo convém sublinhar queforam as relações políticas estabelecidas no plano nacional que con-duziram nossa pesquisa.

É também importante deixar claro que, embora o processo de“impeachment” do Presidente da República tenha coroado o apren-dizado político da sociedade brasileira – ainda não concluído – mos-trando que a construção de uma esfera pública no Brasil é possível everdadeira, tampouco foi esse o objeto de nossa pesquisa. Não cabeno espaço deste estudo analisar detidamente toda o conjunto de acon-tecimentos políticos que levaram à destituição do Presidente, nemtampouco os fatos que se seguiram ao “impeachment”. Também nãoé nosso objeto de estudo o período pós-Conferência e o que algunsanalistas têm chamado de um certo refluxo do movimento ambienta-lista como de resto de todas as questões ligadas ao tema meio am-biente. Parece-nos que essa assertiva é um tanto apressada, necessi-tando de uma melhor investigação. Parece certo, todavia, que esta-mos assistindo a uma fase de consolidação de algumas estruturas,que passa não só pela sua institucionalização, mas principalmentepela organização profissional de alguns grupos ambientalistas, nãotodos, porque a demanda ambientalista espontânea também é funda-mental para a consolidação de uma cidadania que se quer ambiental.

Não obstante o papel fundamental desempenhado pelo movi-mento ambientalista brasileiro na construção e conquista dos direi-tos ditos ambientais, não se pode desconsiderar o contexto externo,ou seja, a pressão da comunidade internacional, dos organismosfinanciadores, como o Banco Mundial, de alguns governos mais pre-ocupados com a questão ambiental e a atuação decisiva das organi-

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zações não governamentais de caráter ambientalista dos países de-senvolvidos. Com efeito, o Brasil tem ocupado um lugar destacadono contexto intenacional, quase sempre devido a causas nada lison-jeiras, basta lembrarmos o assassinato de Chico Mendes e as altastaxas de desmatamento verificadas na Amazônia, motivo de grandepreocupação internacional. Mas para além dessas peocupações es-pecíficas com a defesa do meio ambiente no Brasil – que sempreirão repercutir internamente no país – assistimos hoje à emergênciade uma preocupação mais generalizada, ou globalizada se quiser-mos, que diz respeito não a este ou aquele país, mas ao sistema-mundo. A problemática ambiental global está a colocar novas ques-tões e novos desafios para a sociedade contemporânea; a novidademais surpreendente, porém, é que essa problemática parece enunciara emergência de dois novos sujeitos de direito: as gerações futuras ea própria natureza.

Aceitando que este seja um problema fundamental de nosso tem-po, consideramos importante iniciar nosso estudo discutindo teorica-mente essas questões. Assim, o primeiro capítulo – Novos sujeitos dedireito – pretende lançar à discussão a possibilidade de ser instituído umestatuto de sujeito de direito às gerações futuras e à natureza. A criseambiental contemporânea coloca em risco a totalidade do mundo e, por-tanto, tem as características de um tema universal e global à semelhançados direitos humanos. Daí uma possível aproximação entre as deman-das ambientalistas e aquelas de defesa dos direitos humanos.

O estatuto de sujeito de direito que se quer para as geraçõesfuturas e para a natureza é parte de um projeto que aponta para onovo, para o contra-hegemônico. Nesse sentido, os novos movimen-tos sociais têm um papel privilegiado, pois são portadores de umprojeto emancipatório e de transformação social. O movimento am-bientalista, em particular, propõe um novo projeto de civilização,que garanta de fato uma participação democrática da sociedade noaproveitamento e manejo dos recursos naturais, assim como no pro-cesso de tomada de decisão para a escolha de novos estilos de vida e

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construção de futuros possíveis. O capítulo 2 – Ambientalismo:a virtualidade do novo – situa o tema dos novos movimentos sociaisem um contexto teórico-metodológico, discute as categorias analíti-cas que organizam a compreensão da ação coletiva, destacando omovimento ambientalista brasileiro, sua formação e transformaçãoe seus efeitos sociais tanto no plano da cultura como no da política.

A prática dos novos movimentos sociais possibilitou a redes-coberta da noção de direitos e da própria noção de cidadania, quepara a sociedade brasileira tem um significado muito importante. Apartir daí é possível compreender como as lutas e reivindicaçõesambientalistas foram fundamentais na construção e consolidação deuma cidadania ambiental, ampliando os direitos a um meio ambientesaudável. A conquista desses direitos de modo algum encerra o cam-po de conflitos que se estabelece em torno do tema meio ambiente;ao contrário, este campo permanece aberto, num processo contínuode formulação de novos direitos. Assim, a política ambiental brasi-leira, que nasce a partir do Estado, na década de 30, se transforma ese consolida a partir da própria sociedade: a Lei da Política Nacionalde Meio Ambiente, trazendo instrumentos legais importantes comoa avaliação de impacto ambiental e a audiência pública, a Lei dosInteresses Difusos e, finalmente, a Constituição de 1988... É desselongo processo de formação de uma cidadania ambiental, cujo pro-tagonista foi o movimento ambientalista, que trata o capítulo 3 –Política ambiental no Brasil: da origem à consolidação.

Finalmente os três últimos capítulos – Política ambiental noBrasil: avanços e retrocessos, Política ambiental no Brasil: a pre-paração da Conferência do Rio e Os arcaísmos da política ambientalno Brasil Novo – dão conta da especificidade do governo Collor,suas principais ações na área ambiental, a arena de negociações pos-sível naquele momento e a atuação do Fórum de Organizações nãoGovernamentais durante esse período.

A coleta de dados, que a princípio seria apenas documental,revelou-se bastante complexa, já que os acontecimentos relativos à

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política ambiental do governo Collor ocorriam simultaneamente àpesquisa. A pesquisa empírica envolveu uma ampla análise de mate-rial jornalístico da época. Envolveu, ainda, a leitura e análise de do-cumentos oficiais, da legislação ambiental pertinente, dos projetos eprogramas elaborados pelo governo, além dos documentos, moções,textos de divulgação, jornais e boletins produzidos pelas organiza-ções não governamentais reunidas no Fórum de ONG’s. Convémsublinhar que a produção desse material pelas ONG’s foi bastanteintensa no período estudado. Ademais, foram realizadas entrevistascom algumas das principais lideranças ambientalistas do país, compresença marcante no debate político pré-Conferência do Rio. Estasentrevistas foram formuladas com o objetivo de complementar eaprofundar o material documental recolhido ao longo da pesquisa.No entanto, as entrevistas não foram transcritas; algumas referên-cias e citações encontram-se, em geral, nas notas de rodapé ou inse-ridas no próprio texto. Utilizamos a técnica da entrevista livre, guia-da, evidentemente, por um roteiro preestabelecido, pois entendemosque essa técnica amplia o campo do discurso, para além dos merosfatos e opiniões. O critério de escolha das entrevistas baseou-se narepresentatividade e participação desses sujeitos no cenário políticobrasileiro e no debate ambiental durante o período estudado.

A seqüência e o desenvolvimento dos capítulos buscaram daruma forma orgânica ao texto, articulando a discussão teórica com aapresentação dos resultados da pesquisa empírica, de modo a mos-trar que é através da reivindicação e realização de novos direitos,através do processo de construção de uma nova cidadania, que sepode forjar uma nova sociabilidade ou, ainda, uma sociedade sus-tentável.

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A problemática ambiental está no centro das preocupações dasociedade contemporânea. A complexidade que os problemas ambien-tais assumiram em nosso tempo e suas implicações em todas as di-mensões do cotidiano fazem que seus contornos e limites escapem aobjetivações mais apressadas. De qualquer modo, a crise ambientalque vivemos hoje decorre do esgotamento do modelo de desenvol-vimento adotado pela sociedade, baseado em um alto dinamismo eco-nômico, acompanhado de uma elevada desigualdade social. As mu-danças climáticas, a destruição da camada de ozônio, a perda da biodi-versidade, a poluição dos mares, estão no centro do debate ambientalmundial. É verdade que, de uma forma ou de outra, todas as dimen-sões da vida guardam vínculos com a problemática ambiental, desde aesfera da produção, da política, da economia até a esfera doméstica.Por outro lado, as questões ambientais têm um caráter globalizante emaximalista: são próprias de um mundo em largo processo de globali-zação e interdependência. A degradação do meio ambiente atinge atotalidade do mundo, ainda que de forma desigual – os problemasenfrentados pelos países desenvolvidos não são os mesmos, evidente-mente, que aqueles verificados nos países pobres; o mesmo se passaem escala local. O traço mais surpreendente dessa problemática, toda-via, é que ela enunciou a emergência de novos sujeitos de direito1 , atéentão desprovidos de um estatuto de direitos.

1 A noção de sujeito de direito tem sido amplamente trabalhada por José Geraldo de SousaJúnior (a partir do trabalho pioneiro de Roberto Lyra Filho), ligado ao programa O direito

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Quando a degradação do meio ambiente coloca em risco atotalidade do mundo, a própria natureza fica ameaçada. De outraparte, nossas gerações descendentes, aquelas que ainda estão por vire, por isso, não podem decidir ou intervir no presente, também ficamameaçadas. Ainda que necessária, a simples constatação dessa ameaçanão modifica o rumo dos acontecimentos; a ameaça deve ser elimi-nada. Nesse sentido, o reconhecimento e legitimação de um novoestatuto de direito, que considere as gerações futuras e a própria na-tureza como sujeitos de direito, é decisivo em nosso tempo. O pro-blema está a desafiar a imaginação política. Esse estatuto de direitopoderá definir novas regras de reciprocidade, de responsabilidade,enfim uma nova sociabilidade mais responsável em relação à so-ciedade-mundo.

O estatuto de sujeito de direito que se pretende para as gera-ções futuras e para a própria natureza implica, pois, a construção deuma cidadania de tipo novo. O conteúdo dessa cidadania será defini-do pela luta política e prática concreta; uma disputa histórica, quepressupõe a politização da relação sociedade-natureza. Apenas umapolitização desse tipo pode garantir tal projeto, cujo objetivo funda-mental é a extensão do conceito de cidadania para as futuras gera-ções e para a natureza. Mas como é possível atribuir direitos à natu-

achado na rua e à revista Direito e avesso. Este autor tem investigado e refletido sobre aatuação jurídica dos novos sujeitos coletivos de direito, o espaço político no qual sedesenvolvem as práticas sociais que enunciam direitos novos e a própria natureza jurídicado sujeito coletivo. A afirmação teórica do sujeito coletivo de direito, na perspectiva desseautor, diz respeito aos novos movimentos sociais, enquanto uma coletividade que elaborauma identidade e um projeto coletivos de transformação social e cuja prática os colocacomo sujeitos sem que teorias formuladas a priori os houvessem constituído ou designado.A prática destes novos sujeitos sociais coletivos estabelece novas configurações jurídicas,que questionam o monopólio estatal da produção do direito, valorizando o pluralismojurídico. Cf., entre outros, José Geraldo de Sousa Júnior (1991) – Movimentos sociais –emergência de novos sujeitos: o sujeito coletivo de direito. In: E. L. de Arruda Jr. (org.)Lições de direito alternativo. São Paulo, Editora Acadêmica, p. 131-145. A noção de novossujeitos de direito que estamos aqui utilizando parte desses pressupostos teóricos, maspretende ir além, já que estamos tratando de novos sujeitos de direito que não podem decidirou intervir no presente ou antes, são sujeitos de direito dos quais não se pode exigir deveres;o que há de novo nesta abordagem é a temporalidade da formulação desses novos direitos,ou seja, é a perspectiva do tempo futuro.

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reza se dela não exigimos deveres? Como atribuir direitos a sujeitosque ainda estão por vir, não fazem parte, concretamente, do mundoem que vivemos? Esta noção de um novo estatuto de sujeito de direi-tos subverte a noção tradicional de cidadania. Num movimento si-multâneo, testemunhamos amplas e complexas transformações detoda ordem e vimos emergir, em contrapartida, novos desafios e ne-cessidades que estão a exigir respostas, quase sempre transbordantesdos limites do pensamento e da ação tradicionais.

A noção de direito está intrinsecamente vinculada à noção deum sujeito de direito, noção que tem se ampliado progressivamente.A declaração dos direitos do homem e do cidadão possibilitou a todohomem, em geral, ter acesso ao estatuto de sujeito de direito. A cons-ciência dos direitos é, de fato, melhor partilhada pelo conjunto dasociedade quando estes direitos são declarados, garantidos e visíveispelas leis, ainda que não reduzidos à objetivação jurídica (Lefort,1987). Ainda que a noção de sujeito de direito venha sendo amplia-da, os paradigmas hegemônicos não podem atribuir esse status sejaà natureza seja às futuras gerações. A problemática ambiental colo-ca, pois, novas questões para a sociedade contemporânea. Abre umcampo para a construção de uma cidadania coletiva: um novo exer-cício de cidadania, que vai além das limitações da cidadaniaconstruída no marco liberal.

O interesse de uma declaração de direitos ambientais, que in-clua o direito das futuras gerações e da natureza, situa-se no campodos valores, de uma nova ética, mas principalmente no campo deuma sociedade radicalmente democrática. À semelhança dos direi-tos humanos, os direitos ambientais têm as características de um temauniversal e global. Assim, o direito a um meio ambiente seguro esaudável poderá vir a ser reconhecido como um direito universal,dado que há uma dimensão ambiental em várias questões relaciona-das aos direitos humanos. Isto porque a defesa do meio ambiente edos direitos humanos funda-se, igualmente, em valores maximalistase globalizantes, donde a possibilidade de uma aproximação desses

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temas. Alguns documentos já reconhecem esta relação. Veja-se, porexemplo, a Declaração dos Direitos das Pessoas Pertencentes a Mi-norias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Lingüísticas, adotada pelaONU, em dezembro de 19922 . A própria declaração dos direitos dohomem – Declaração dos Direitos Humanos de 1948 e outros docu-mentos posteriores – guarda muitas conexões com o ambientalismo.

Ademais, as conexões entre os direitos humanos e ambientaiscriam a possibilidade de uma aproximação mais efetiva entre o mo-vimento de defesa dos direitos humanos e o movimento ambientalis-ta. Existe um potencial de colaboração entre esses sujeitos, capaz deconduzir a humanidade a novas relações societais. Esse potencial decooperação é mais forte em relação à proposição de um meio am-biente seguro e saudável, à concepção de que a humanidade é parteintrínseca da natureza, à defesa dos direitos de expressão e participa-ção política, à vigência do poder da lei, à defesa dos povos indígenase, finalmente, em relação à defesa do direito à educação, nutrição ejustiça social (Viola e Nickel, 1994).

É sabido que a constituição dos direitos humanos passou porum longo processo evolutivo, resultando em pelo menos três gera-ções de direitos (Lafer, 1988). Os assim chamados direitos de pri-meira geração são aqueles inerentes aos indivíduos, são considera-dos direitos naturais que precedem o contrato social. Os direitos deprimeira geração fazem uma clara distinção entre Estado e não-Es-tado; são individuais quanto ao modo de exercício, por exemplo odireito à liberdade de opinião, e quanto ao sujeito de direito, já queos direitos do indivíduo têm como limite o reconhecimento do di-reito do outro. Os direitos de segunda geração buscam assegurar ascondições para o pleno exercício dos direitos de primeira geração;

2 Em 1977, foi realizada na ONU, a primeira conferência sobre a discriminação das populaçõesautóctones das Américas, quando foi lançada a idéia de uma declaração dos direitos dospovos autóctones do mundo ocidental. Em 1987, a ONU fez o primeiro projeto para essadeclaração e, em dezembro de 1992, adotou a declaração em favor das minorias, cf. Rouland,N. – Le développement devrait-il tuer la culture? Le Monde Diplomatique, junho de 1993,p. 16-17.

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trata-se dos direitos econômico-sociais e culturais. São direitos queainda têm como titular o indivíduo, mas têm como sujeito passivo oEstado, pois é a coletividade que assume a responsabildade de res-ponder por esses direitos. No processo de evolução dos direitos hu-manos, fala-se, mais contemporaneamente, dos direitos de terceiraou mesmo quarta geração. Aqui o titular dos direitos já não é mais oindivíduo na sua singularidade. Trata-se agora das coletividades: anação, o povo, os grupos étnicos ou regionais, em última instância, aprópria humanidade. São, portanto, direitos de titularidade coletiva.Entre os direitos de terceira geração destaca-se o direito à autodeter-minação dos povos, consagrado no Pacto Internacional sobre Direi-tos Econômicos, Sociais e Culturais, e, ainda, o direito à paz, o di-reito ao desenvolvimento, reivindicado pelos países do TerceiroMundo no embate Norte-Sul, o reconhecimento dos fundos oceâni-cos como patrimônio da humanidade e, finalmente, o direito ao meioambiente saudável.

A passagem de uma titularidade individual para uma coletivasuscita alguns dilemas referidos ao relacionamento entre indivíduo ecoletividade, devido, por exemplo, à imprecisão do próprio conceitode coletividade, dada a grande multiplicidade de grupos e a possibi-lidade de uns se sobreporem a outros, e aos direitos e deveres doindivíduo em relação à comunidade, já que deve haver uma certacomplementariedade na dialética indivíduo-coletividade, nem sem-pre facilmente equacionada. Ademais, os direitos coletivos ancoramos interesses difusos, que têm criado uma dificuldade e gerado umacerta crise do direito tradicional, fundamentado na ideologia liberale, portanto, centrado no indivíduo. Em outros termos, a racionalida-de liberal-burguesa é restrita demais para os direitos coletivos e am-pla demais para os direitos individuais.

Alguns países já dispõem de leis ambientais que têm sido apli-cadas na defesa dos chamados interesses difusos. Quando do grandeacidente ocorrido com o petroleiro Exxon Valdez, no Alasca, a legis-lação americana permitiu aos tribunais que estabelecessem, além da

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reparação do dano causado, uma vultosa indenização3. Os pescado-res da região, cujos recursos foram diretamente atingidos, formamclaramente uma coletividade afetada de modo negativo. Porém, osdanos às aves, cujas imagens foram veiculadas de maneira dramáti-ca pela mídia de todo o mundo, e demais espécies da fauna da re-gião, e de resto ao ecossistema como um todo, podem ser considera-dos danos à sociedade atual, à própria natureza e às gerações futuras,posto que a regeneração do ecossistema será de longo prazo e o de-senvolvimento de qualquer espécie de vida na área estará compro-metido por várias décadas.

No Brasil, uma ação civil pública movida pelo Ministério Pú-blico do Estado de São Paulo, com base na Lei de Interesses Difusos4,contra a empresa multinacional Rhodia, resultou na condenação destaà obrigação de recuperar diversas áreas contaminadas por resíduostóxicos, ali depositados por vários anos, clandestinamente. Neste caso,os moradores das áreas estavam expostos a riscos à saúde, causadospor esses resíduos cancerígenos; contudo, a obrigação de recuperaras áreas contaminadas beneficiará um número indeterminado de pes-soas, ou seja, todas aquelas que vierem futuramente a viver, ocuparou transitar nessas áreas. Também o caso já clássico da “passarinhadado Embu” merece ser citado. Aqui o prefeito dessa cidade foi conde-nado, através de uma ação civil pública, por ter abatido ilegalmente,para posterior consumo, cerca de cinco mil aves. Não há uma pessoaou um grupo social que possa ser identificado a priori como direta-mente afetado pela matança5. A coletividade como um todo ou, maisprovavelmente, a própria fauna são os titulares da ação (Milaré,1990a).

3 The Economist, 3 de março de 1990, “Spill profit”.4 Lei no. 7.347, de 24 de julho de 1985, cf. capítulo 3.5 A ação civil pública assim se refere ao dano: “O dano cuja reparação se almeja com a

presente ação é, a rigor, inestimável. A perda não foi apenas das cinco mil aves abatidas:elas deixaram de procriar, houve sem dúvida a perda de inúmeras ninhadas; acresce quealgumas espécies de rolinhas e sabiás se encontram já em extinção no Brasil”. Em outrapassagem a ação civil esclarece que “O interesse na preservação do ambiente, objeto do

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Isto mostra que o próprio direito constituído tem admitido aampliação do direito ambiental; não sem dificuldades, como se sabe.Os direitos ambientais, que têm necessariamente esse caráter coleti-vo e transcendem a singularidade do indivíduo, dizem respeito à noçãode res communes omnium, e por isso têm traços fortemente demo-cráticos. Os direitos humanos ditos de terceira geração apontam,portanto, para a formulação dos direitos ambientais, que consideremas gerações futuras e a própria natureza como sujeitos de direitos.Ainda que aqueles direitos estejam expressos em termos de sujeitosconcretos, a possibilidade de garantir direitos de caráter coletivo járepresenta uma abertura para a elaboração de um novo estatuto desujeitos de direitos.

A partir do exposto e fazendo uma breve referência a Marshall(1967), poderíamos nos perguntar: seria o século XXI aquele desti-nado à formação e consolidação dos direitos ambientais? Segundo oclássico estudo de Marshall, a conquista dos direitos civis, políticose sociais está associada a momentos diferentes da história; assim, aformação dos direitos civis está associada ao século XVIII, os direi-tos políticos, ao XIX e os direitos sociais ao século XX. Desse modo,o desenvolvimento da instituição cidadania coincide com o própriodesenvolvimento do capitalismo. Marshall faz notar a capacidade dacidadania, enquanto medida efetiva da igualdade, de crescer e flo-rescer ao lado do desenvolvimento do capitalismo, que é o sistema,par excellence, da desigualdade.

A problemática ambiental contemporânea revelou novos traçosda desigualdade do sistema capitalista. Ao converter a natureza em con-dição de produção, promovendo a exploração dos recursos naturais demodo sem precedentes na história, o capitalismo ampliou as possibili-dades e as formas de promover desigualdade. O empreendimento capi-talista instaurou o processo de desenvolvimento do industrialismo, que,

direito deduzido nesta demanda, inclui-se na categoria dos chamados interesses difusos ousupra-individuais: titular desse interesse não é uma só pessoa, ou um grupo restrito depessoas, mas toda a coletividade” (grifos do autor). Cf. Milaré, 1990a.

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associado à técnica e à ciência, transformou o mundo da natureza em um“ambiente criado” – ou, ainda, em uma “natureza socializada”. Do “meioambiente criado” derivam sérios riscos ecológicos, marcadamenteglobalizados, desde a poluição dos mares, o efeito estufa, até a destrui-ção de grandes áreas de floresta tropical – são as conseqüências da mo-dernidade (Giddens, 1991). É interessante a observação de Giddens, se-gundo a qual tanto Marx como Durkheim e Weber viram as conseqüên-cias degradantes do trabalho industrial moderno; todavia, não chegarama prever o potencial destrutivo que o desenvolvimento das forças produ-tivas poderia ter em relação ao meio ambiente. Nesse sentido, Giddensressalta que as “preocupações ecológicas nunca tiveram muito espaçonas tradições de pensamento incorporadas na sociologia, e não é surpre-endente que os sociólogos hoje encontrem dificuldade em desenvolveruma avaliação sistemática delas”.

A degradação ambiental, nas condições atuais da moderni-dade, tornou-se um “problema fundamental” como escreve Santos(1995a). As grandes turbulências, os equilíbrios instáveis e regulaçõesprecárias que marcam a modernidade, uma época em que as formasde regulação social são cada vez mais questionáveis e as formas deemancipação que lhes correspondem estão fragilizadas e desacredi-tadas, compõem uma situação complexa e desafiadora, ponto de par-tida para pensarmos as questões colocadas pela própria moderni-dade e seus “problemas fundamentais”. Por estas razões, Santos su-gere que estamos entrando num período de “transição paradigmática”,seja no plano espistemológico (da ciência moderna para uma ciênciapós-moderna), seja no plano societal (da sociedade capitalista paraum outro tipo de forma societal).

Entre os problemas fundamentais da modernidade, a degrada-ção ambiental, juntamente com a explosão demográfica e a globali-zação da economia, refere-se diretamente ao que Santos nomeia deespaço-tempo mundial. Santos distingue seis espaços-tempo estru-turais, ou “constelações de relações sociais”: espaço-tempo domés-tico, espaços-tempo da produção, do mercado, da comunidade, da

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cidadania e espaço-tempo mundial (Santos, 1995b). Cada um delestem seus problemas fundamentais próprios; contudo, a problemati-cidade presente se dá pela conjunção entre eles e não por suas impli-cações em separado. Poderíamos acrescentar que a degradação am-biental, ainda que mais referida ao espaço-tempo mundial, perpassatodos os demais espaços-tempo, seja na forma da ausência do direitoa um meio ambiente saudável, portanto referida ao espaço-tempo dacidadania, seja na forma de um ambiente de trabalho contaminado,neste caso referindo-se ao espaço-tempo da produção.

O espaço-tempo mundial, tal como Santos o define, é o “espa-ço-tempo das relações sociais entre sociedades territoriais, nomea-damente entre Estado-Nação no interior do sistema mundial e daeconomia-mundo” (Santos, 1995a). A globalização da economia edas interações transnacionais tem conferido uma importância cres-cente a este espaço-tempo, cujo problema fundamental “é a crescen-te e presumivelmente irreversível polarização entre o Norte e o Sul,entre países centrais e periféricos do sistema mundial”. Nesta polari-zação, a degradação ambiental é uma das questões centrais, de cará-ter transnacional e, por isso, ressalta Santos, o seu enfrentamentotanto pode converter-se num problema global como ser a “platafor-ma para um exercício de solidariedade transnacional e intergeracio-nal” entre o Norte e o Sul.

O espaço-tempo mundial enfrenta uma situação dilemática emvários níveis: os benefícios gerados pelo modelo de desenvolvimentocapitalista hegemônico se restrigem a uma pequena minoria da po-pulação mundial, mas os seus custos são compartilhados por umamaioria crescente; os principais problemas do sistema mundial sãode caráter global e, portanto, exigem soluções globais, o que deveenvolver uma solidariedade entre ricos e pobres e entre as geraçõespresentes para com as gerações futuras; ademais, a lógica dos pro-cessos políticos do sistema mundial é sempre de curto prazo e, sen-do assim, não podem dar conta dos objetivos intergeracionais ou delongo prazo; por fim, ainda que os países centrais e as instituições

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internacionais exijam dos países periféricos a adoção de regimesdemocráticos e de defesa dos direitos humanos, as relações que esta-belecem com os países do Sul são cada vez menos democráticas,comprometendo, por vezes, a própria autonomia interna desses paí-ses.

Ainda que nos interessem mais diretamente as relações esta-belecidas no âmbito do espaço-tempo mundial, convém fazer umareferência ao espaço-tempo da produção. Segundo Santos, é aquique se estabelecem as relações sociais básicas que “geram, legiti-mam e tornam inevitável a degradação do meio ambiente”, pois oespaço-tempo da produção caracteriza-se por uma dupla desigualda-de de poder, “entre capitalistas e trabalhadores, por um lado, e entreambos e a natureza, por outro”. O modelo de desenvolvimento capi-talista converteu a força de trabalho em fator de produção e, ao mes-mo tempo, converteu a natureza em condição da produção, intensifi-cando ao máximo a exploração tanto da energia humana como dosrecursos naturais.

Como romper com essa situação dilemática? No entender deSantos, os movimentos sociais têm a possibilidade de se constituí-rem na “negação dialética” dessa situação. De fato, os movimentossociais – o movimento ambientalista, o movimento feminista, movi-mento de direitos humanos, o movimento dos povos indígenas –emergem com um projeto emancipatório e de transformação social;algumas lutas conseguem dar uma dimensão transnacional a proble-mas também transnacionais – neste aspecto, o movimento ambienta-lista tem um papel central.

Neste sentido, os movimentos sociais se inscrevem como su-jeitos privilegiados no projeto utópico anunciado por Santos; umprojeto que deve ter como objetivo “reiventar o futuro, abrir um novohorizonte de possibilidades, cartografado por alternativas radicais àsque deixaram de o ser”. Eis, pois, a referida transição paradigmática:o paradigma dominante, a modernidade, está em crise e se coloca ànossa frente uma transição para novos paradigmas epistemológicos,

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sociais, políticos e culturais. Trata-se de um projeto utópico conce-bido como “a exploração de novas possibilidades e vontades huma-nas, por via da oposição da imaginação à necessidade do que existe,só porque existe, em nome de algo radicalmente melhor que a huma-nidade tem direito de desejar e por que merece a pena lutar”.

Para Santos, os movimentos sociais denunciam, com umaradicalidade sem precedentes, os excessos de regulação da moderni-dade; seu impacto reside especificamente na “tentativa de inverter otrânsito da modernidade para a regulação e para o excesso deregulação” e na “tentativa de procurar um novo equilíbrio entre sub-jetividade e cidadania”. Com efeito, os movimentos sociais cons-tituem uma forma radical de crítica à regulação social do capitalis-mo; são movimentos emancipatórios que apontam para um campode inovações e transformações sociais. A energia emancipatória dosmovimentos sociais promove um alargamento do campo do políticoque ultrapassa o marco liberal da distinção entre Estado e sociedadecivil. A politização do social, do cultural tem a virtualidade de abrirum largo campo para novos exercícios de cidadania.

Nesta perspectiva, a utopia e os novos paradigmas emergen-tes a ela associados subvertem as combinações hegemônicas, deslo-cam a visão do centro para a margem, numa “arqueologia virtual”orientada “para o silêncio e os silenciamentos, para as tradições su-primidas, para as experiências subalternas, para a perspectiva dasvítimas, para os oprimidos, para as margens, para a periferia, para asfronteiras, para o Sul do Norte, para a fome da fartura, para a misériada opulência, para a tradição do que não foi deixado existir, para oscomeços antes de serem fins, para a inteligibilidade que nunca foicompreendida, para as línguas e estilos de vida proibidos, para o lixointratável do bem-estar mercantil, para o suor inscrito no pronto-a-vestir lavado, para a natureza das toneladas de CO

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mente leves no nossos ombros”. É neste sentido que Santos afirmasomente ser possível pensar para além da modernidade a partir delamesma, ou seja, a própria modernidade fornece elementos para a

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construção do novo paradigma, ainda que seja a partir daquilo que está àmargem.

No campo do conhecimento, o novo paradigma pretende seconstituir em uma alternativa à ciência moderna mecanicista, instru-mental e utilitarista, que acabou por promover um “epistemicídio”ao não reconhecer e legitimar os conhecimentos e as práticas sociaisnão hegemônicos – as práticas de vida e conhecimento das minoriasreligiosas, sexuais, étnicas. O novo conhecimento é argumentativo edeve estar associado à construção de uma nova subjetividade que sereconheça nele e que seja marcadamente multidimensional.

Ainda como outro paradigma emergente, Santos indica o pa-radigma eco-socialista. Em conflito aberto com o paradigma domi-nante designado capital-expansionista, o paradigma eco-socialistatem as seguintes características: “o desenvolvimento social afere-sepelo modo como são satisfeitas as necessidades humanas fundamen-tais e é tanto maior, a nível global, quanto mais diverso e menosdesigual; a natureza é a segunda natureza da sociedade e, como tal,sem se confundir com ela, tão-pouco lhe é descontínua; deve haverum estrito equilíbrio entre três formas de propriedade: a individual,a comunitária, e a estatal; cada uma delas deve operar de modo aatingir os seus objetivos com o mínimo de controle do trabalho deoutrem”. Novamente são os movimentos sociais os sujeitos privile-giados capazes de ativar este novo paradigma.

No campo das relações de poder e da política, o paradigma emer-gente é o da democracia eco-socialista. Este paradigma emergente pres-supõe uma tripla expansão da democracia: em primeiro lugar, no planoestrutural, ou seja, o novo paradigma apresenta-se como uma alternativaao paradigma dominante da modernidade que privilegiou apenas a demo-cracia representativa, tendo como matriz o Estado liberal que, ademais,pretende ter o monopólio do poder político, através da “obrigação verti-cal” entre Estado e cidadão; em segundo lugar, no plano escalar, isto é, oparadigma eco-socialista pretende instaurar a democracia nos vários espa-ços-tempo estruturais da sociedade, destruindo as múltiplas formas de

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autoritarismo e transformando as relações de poder em “relações de parti-lha de autoridade”; finalmente, o novo paradigma expande a democraciapara uma direção intergeracional, ou seja, o futuro deve ser pensado nopresente e, nesse sentido, “as gerações futuras votam com igual peso queas gerações presentes”. Trata-se, portanto, de uma radicalização democrá-tica em todas as esferas das relações societais, que pressupõe um enormeinvestimento em inovações institucionais e será tanto mais possível namedida em que as diferentes dimensões da subjetividade dos indivíduos egrupos sociais aderirem ao novo paradigma.

Este novo tipo de democracia, pelo projeto utópico que represen-ta, pressupõe, ainda, uma politização de todas as esferas da sociedade,inclusive a politização da relação natureza-sociedade. Aqui a conflitua-lidade entre o paradigma dominante e o paradigma da democracia eco-socialista se explicita fortemente: a politização da relação natureza-so-ciedade envolve a extensão do conceito de cidadania para a própria na-tureza. A extensão da cidadania à natureza, segundo Santos, significa“uma transformação radical da ética política da responsabilidade liberal,assente na reciprocidade entre direitos e deveres”. Isto vale igualmentequando consideramos as futuras gerações.

Aqui podemos encontrar a chave para responder as nossasperguntas – como atribuir direitos à natureza e às gerações futuras sedelas não exigimos deveres? Apenas com uma nova ética política,traçada para além do marco liberal, e com a politização da relaçãonatureza-sociedade. O ambientalismo tem um papel fundamentalnesse processo de politização: quando, através de suas lutas e de-mandas, o movimento ambientalista reivindica o estatuto de sujeitode direito para a natureza e as gerações futuras, está propondo onovo, o contra-hegemônico. Está apontando para uma nova relaçãosocietal, ainda que esteja nos marcos das relações sociais presentes.O ambientalismo representa, pois, uma nova utopia.

A partir desse ponto de vista, um “contrato natural”, como oproposto por Serres (1991), também não se inscreveria nesse projetoutópico? Vejamos.

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Para chegar a elaborar a proposta de um contrato natural, Ser-res parte da descrição de um quadro do famoso pintor espanhol Goya:“Dois inimigos brandindo bastões lutam, em areias movediças. Atentoàs táticas do outro, cada um responde golpe a golpe e dá a sua réplicaà esquiva (...) A cada movimento, um buraco viscoso os engole demodo que eles se enterrem juntos, aos poucos. Em que ritmo? De-pende de sua agressividade: quanto mais quente a luta, mais vivos esecos os movimentos que aceleram o enterramento gradual. Os beli-gerantes não adivinham o abismo em que se precipitam: ao contrá-rio, de fora, nós o enxergamos muito bem (...) Quem vai morrer nosperguntamos? Quem vai ganhar, pensam eles e nos perguntamos maisainda? Apostemos (...) Mas, numa terceira posição, exterior à con-tenda, percebemos um terceiro lugar, o pântano, onde a luta se en-cerra (...) Aqui, na mesma dúvida acerca dos duelistas, os apostadoresarriscam perder juntos, como os lutadores, já que é mais provávelque a terra absorva os últimos antes que eles próprios e os jogadorestenham liquidado sua conta”.

Aqui, o mundo ainda aparece como ameaçador, podendo fa-cilmente triunfar sobre os duelistas. “Sempre nos interessamos sópelo sangue derramado”, continua Serres, nunca se consideram osdanos infligidos ao próprio mundo; entretanto, “as águas e o clima, omundo silencioso, as coisas tácitas colocadas outrora como cenárioem torno das representações comuns, tudo isso que jamais interes-sou a alguém, brutalmente, sem aviso, de agora em diante estorva asnossas tramóias”. A natureza reaparece em nossa cultura.

As mudanças globais que hoje assistimos, observa Serres,transformam o vigor do mundo em precariedade e fragilidade, colo-cando-o na posição de vítima; o que se constata é que a totalidade daTerra está em risco: as mudanças climáticas, os problemas decorren-tes da industrialização, da pobreza, das aglomerações urbanas levamà destruição do mundo e à extinção automática. As mudanças glo-bais e os desequilíbrios do planeta apontam para riscos e perigos deuma escala de grandeza e complexidade que ainda não conhecemos.

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E Serres levanta a questão: “(...) a partir de que limiar e de que dataou limite temporal aparece um risco maior? Na ignorância temporá-ria de respostas para estas perguntas, a prudência – e os políticos –perguntam o que fazer? Quando fazer? Como e o que decidir?”.

Então, sob a ameaça de uma “morte coletiva”, Serres anunciaa necessidade de um novo pacto; “um novo acordo prévio, que deve-mos fazer com o inimigo do mundo humano: o mundo tal como está.Guerra de todos contra tudo”.

Neste ponto, os dois autores concordam acerca da avaliaçãoda problemática ambiental de nossos dias: seja a partir da degrada-ção ambiental como um “problema fundamental” da modernidade,seja como uma situação de risco imposta à “totalidade da Terra”, oque se discute é a necessidade de uma nova relação que imprima elegitime direitos até então não declarados.

Se para Santos o que se impõe é a necessidade de um projetoutópico, capaz de “reinventar o futuro”, para Serres trata-se de revero primitivo contrato social, que ignora e silencia sobre o mundo, eassinar um novo pacto: um contrato natural. Um contrato desse tiponos levaria a considerar o ponto de vista do mundo em sua totali-dade. Eis a natureza como sujeito de direito. Com efeito, um contra-to natural, ou antes uma nova forma de relacionamento com o mun-do, também é parte de um projeto utópico.

Serres afirma que a declaração dos direitos do homem, pro-nunciada em nome da natureza humana, assim como o contrato social,silencia a respeito do mundo: o mundo é deixado de fora, “enormecoleção de coisas reduzidas ao estatuto de objetos passíveis de apro-priação”, sem acesso a qualquer “dignidade jurídica”. Assim, ao con-trato exclusivamente social deve-se juntar um contrato natural, fun-dado em uma relação de simbiose e reciprocidade, pois “o simbiotaadmite o direito do hospedeiro, enquanto o parasita – no estatutoatual – condena à morte aquele que pilha e que habita, sem tomarconsciência de que no final condena-se a desaparecer”.

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O empreendimento proposto, cuja meta é o planeta Terra, é es-sencialmente de longo prazo. Ocorre que as respostas e soluções pro-postas em nosso tempo são sempre de curto prazo. Cientistas, admi-nistradores e profissionais da mídia – os três poderes contemporâ-neos, segundo Serres – são todos homens das especializações e inabi-litados para encontrar soluções razoáveis, “porque imersos no tempobreve de nossos poderes...”. Trata-se da situação dilemática analisadapor Santos, ou seja, os principais problemas do sistema mundial sãode caráter global e exigem soluções também globais e de longo prazo,mas a lógica dos processos políticos é sempre de curto prazo.

Convém sublinhar que ao propor uma nova forma de relação como mundo, Serres propõe que se esqueça a palavra meio ambiente, pois,do seu ponto de vista, ela supõe que os seres humanos estão instaladosno centro do sistema, como “umbigos do universo, senhores possuido-res da natureza”. É imperativo que se produza uma mudança de perspec-tiva, “é preciso colocar as coisas no centro e nós na periferia”.

É verdade que o lugar do homem na natureza e seu relaciona-mento com o mundo natural, desde há muito faz parte do dilemahumano. Em certa medida, o antropocentrismo sofreu abalos ao lon-go dos tempos. O predomínio do homem sobre o mundo da naturezadeixou de ser uma meta incontestável do esforço humano; as formascomo o homem racionalizou e questionou esse predomínio, a aceita-ção ou não do direito de explorar outras espécies animais ou mesmovegetais, por exemplo, foram sendo redefinidas ao longo dos tempos(Thomas, 1989). Todavia, o dilema ainda permanece e há muito aser mudado.

Em última instância, contrato social e contrato natural são umamesma lei, ambas se confundem com a Justiça, natural e humana.Ambas têm entre si “a mesma solidariedade daquela que liga os ho-mens ao mundo e o mundo aos homens” (Serres, 1991)

Trata-se, portanto, de construir uma nova relação societal, fun-dada em um tipo novo de cidadania, para além do marco liberal,estendendo o estatuto de sujeito de direito para a própria natureza e

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para as gerações futuras. No entanto, como afirma Sachs (1993), “asolidariedade para com as gerações futuras só faz sentido como umcomplemento à solidariedade para com aquelas que hoje são margi-nalizadas: o Contrato Natural entre os Povos e a Terra é apenas umcomplemento ao Contrato Social entre os Povos”. Nesse sentido, aconstrução de uma nova cidadania depende da consciência do queocorre hoje, do enfrentamento dos “problemas fundamentais” colo-cados pela modernidade. A ação que se quer emancipatória situa-seem um campo bastante concreto de problemas e conflitos.

São os riscos e perigos do mundo moderno que fazem emergira luta ambientalista e a reivindicação de novos direitos, que, em últi-ma instância, apontam para a construção de uma cidadania ambien-tal. Surge, portanto, uma nova agenda social e política, que passa aocupar um lugar central e privilegiado neste final de século. A pro-blemática ambiental enunciou a emergência de novos sujeitos de di-reito, representando, portanto, um alargamento do campo da cidada-nia. Essa cidadania de tipo novo requer uma nova proposta de socia-bilidade, que transcende a relação entre o Estado e o indivíduo, in-cluindo de modo privilegiado a própria sociedade civil. Daí a impor-tância e necessidade da constituição de sujeitos sociais ativos.

Um momento fundamental do debate dessa nova agenda foi aConferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvol-vimento-CNUMAD e o encontro paralelo, denominado Conferênciada Sociedade Civil sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento ouFórum Global, realizados no Rio de Janeiro, em 1992. A Confe-rência do Rio e o Fórum Global reuniram representantes de cerca decento e oitenta países, incluindo cerca de cento e cinco chefes deEstado, além de quase sete mil organizações não governamentais –ONGs de todo o mundo, com cerca de vinte mil participantes. Aparticipação da sociedade civil nesse processo foi, portanto, extre-mamente significativa. Para além dos resultados práticos da Confe-rência, apenas a mobilização mundial em torno do evento já revelasua importância e magnitude.

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A Conferência do Rio possibilitou a emergência de um espa-ço público de dimensão mundial, cujo principal ator, a “sociedadecivil global”, começa a se mobilizar no sentido de buscar uma parti-cipação ativa nas decisões que interfiram na vida do planeta e, emúltima instância, de conquistar algo que já pode ser denominado uma“cidadania planetária” (Muçouçah, 1992).

A Declaração do Rio, um dos principais documentos assina-dos durante a Conferência6 , definiu vinte e sete princípios, incorpo-rando de forma simultânea os direitos ao desenvolvimento e a ummeio ambiente saudável. O grande objetivo da Declaração do Rio é“estabelecer uma nova e eqüitativa parceria global, mediante a cria-ção de novos níveis de cooperação entre Estados, setores sociais es-tratégicos e populações, visando acordos internacionais que respei-tem os interesses de todos e protejam a integridade do sistema am-biental e o desenvolvimento global, reconhecendo a natureza integrale interdependente da Terra, nosso lar (...)”.

O Fórum Global elaborou a Carta da Terra, definindo um con-junto de princípios para a proteção, restauração e manejo dos ecos-sistemas e para a promoção do desenvolvimento equitativo dos po-vos, além de um plano de ação, através do qual as organizações nãogovernamentais se propõem a criar uma rede internacional de infor-mações entre os signatários da Carta da Terra com o objetivo dedivulgá-la. A Carta da Terra reconhece que “nós somos a Terra, ospovos, as plantas e animais, gotas e oceanos, a respiração da florestae o fluxo do mar. Nós honramos a Terra, como lar de todos os seresviventes. Nós estimamos a Terra, pela sua beleza e diversidade devida. Nós louvamos a terra, pela sua capacidade de regeneração, sendo

6 Os outros documentos assinados durante a CNUMAD foram: Agenda 21, um programa deação para o desenvolvimento sustentável, que inclui, entre outros temas, a questão da po-breza, habitação, saúde, transferência de tecnologias, desmatamentos, desertificação, mu-danças climáticas, modelos de consumo; Convenção sobre Alterações Climáticas, com oobjetivo de proteger a atmosfera e controlar a emissão de gases; Convenção sobre Biodi-versidade, com o objetivo de promover a preservação e conservação da biodiversidade doplaneta; Declaração sobre Florestas, com o objetivo de contribuir para a conservação e odesenvolvimento sustentável das florestas.

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a base de toda a vida. Nós reconhecemos a especial posição dos po-vos indígenas da Terra, seus territórios e seus costumes, e sua singu-lar afinidade com a terra. Nós reconhecemos que o sofrimento hu-mano, pobreza e degradação da terra são causados pela desigualdadedo poder. Nós aderimos a uma responsabilidade compartilhada deproteger e restaurar a Terra para permitir o uso sábio e equitativo dosrecursos naturais, assim como realizar o equilíbrio ecológico e no-vos valores sociais, econômicos e espirituais. Em nossa inteira di-versidade somos unidade. Nosso lar comum está crescentementeameaçado”.

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Desde logo é importante registrar as diferentes classificações uti-lizadas para designar os movimentos sociais que emergem da problemá-tica ambiental; alguns autores adotam o termo movimento ecológico ouecologismo, outros preferem movimento ambientalista ou ambientalis-mo. De um modo geral, movimento ecológico está mais associado auma visão conservacionista, embora isto não seja regra; já o ambienta-lismo pretende incorporar um conjunto de condições sociais que per-meiam a problemática ambiental. No Brasil, os próprios militantes des-tes movimentos se autodefinem, predominantemente, como ambienta-listas; também o Fórum de ONG’s e Movimentos Sociais para o MeioAmbiente e Desenvolvimento acolheu este termo. Neste estudo adota-remos, portanto, o termo movimento ambientalista.

São poucos os estudos sobre o movimento ambientalista noBrasil. Certamente as contribuições mais significativas foram dadaspor Viola (1987), que faz uma abordagem do movimento ambienta-lista em âmbito nacional, e por Antuniassi et al. (1989), enfatizandoo Estado de São Paulo, durante a década de oitenta. As análises des-ses autores partem por caminhos diferentes; a própria noção e a com-preensão do movimento ambientalista são diferenciadas.

Para Antuniassi et al., o movimento ambientalista é antes detudo um movimento de classes médias urbanas, entendidas comoagentes que se diferenciam a partir das novas formas de relaçõessociais de produção, constituindo os “intelectuais da organização”.Os autores fazem, a priori, uma distinção entre o movimento am-

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bientalista rural e aquele cujas ações se desenvolvem no meio urba-no; a partir dessa distinção, elegem o movimento ambientalista ur-bano como o único capaz de desenvolver “uma ação política tendoem vista uma transformação social a partir de uma revolução cultu-ral”. As entidades e militantes voltados à questão ambiental são clas-sificados como “ambientalistas” e “conservacionistas”, tendo em vistaas visões de mundo e posturas políticas diferenciadas. Assim, “a ca-racterística básica da visão e práxis ambientalista é o fato de subor-dinar sua ação à consideração e respeito a uma ética (uma moral quetem por base uma concepção cosmológica específica)”. A ação detendência ambientalista visa promover uma “conscientização ecoló-gica” a partir de causas e valores mais gerais como a “defesa de ummeio ambiente sadio e equilibrado, de mudanças dos valores éticosda sociedade em relação à natureza, do ecologismo-pacifismo, dapreservação da vida e do patrimônio natural e cultural da Humanida-de”. Já os conservacionistas têm uma visão referida a um plano his-tórico-cultural, a questão central é “reformular as práticas de usofrutodos bens naturais, através da utilização dos conhecimentos técnico-científicos disponíveis, o que deverá garantir uma sobrevivência ade-quada do homem no planeta”. Os conservacionistas têm uma preo-cupação em criar uma infra-estrutura que permita desenvolver estu-dos e projetos sistematizados; consideram a possibilidade de contarcom financiamentos do Estado e iniciativa privada para realização edivulgação de pesquisas, pareceres técnicos especializados, ativida-des de educação ambiental. Por outro lado, a corrente ambientalistaestá voltada a um “ativismo direto”, que garante o caráter autônomode sua contestatação e a “autenticidade” de seus princípios. Nãoobstante as discordâncias, advertem os autores, “os ecologistas sãozelosos na preservação da identidade do movimento que é dada porum conjunto de valores, por uma ideologia e práxis em que umanova visão da relação ‘homem x natureza’ tem um papel central”.Ambos têm uma visão holística do mundo, que se contrapõe a umavisão segmentada e antropocêntrica.

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Esta distinção proposta para o movimento ambientalista é bas-tante tênue e parece pouco esclarecedora. Os autores consideram que“a análise do discurso e atuação política mostra que o reformismo éum elemento preponderante da ideologia dos militantes do movi-mento ecológico. O discurso é francamente anti-capitalista (...) en-tretanto, nesse discurso não está presente a luta de classes”; conside-ram, ainda, que as “camadas médias” formam a “base social” domovimento, de modo que é preciso “apreender quais as condiçõesque tem o movimento de exercer uma direção efetiva e legitimada aonível da classe social que hoje constituiu a sua base, e potencialidadede vir a exercer uma direção efetiva e legitimada em relação à massade trabalhadores”. Segundo os autores, é preciso “entender a capaci-dade do movimento de colocar os seus intelectuais como intelectuaisorgânicos dos grupos subalternos e em que momentos históricos istoserá possível”. Uma das conclusões desse estudo afirma que o movi-mento ambientalista conseguiu ser um dos espaços possíveis de opo-sição ao regime autoritário, reunindo, por conseguinte, vários seto-res das classes médias e sensibilizando a opinião pública em geral.

Lemkow e Buttel (1983), estudando o movimento ambientalis-ta nos Estados Unidos, concordam que sua composição social é domi-nada basicamente por segmentos das classes média e alta. A posiçãosocial de seus membros, afirmam os autores, é substancialmente maiselevada que a do cidadão comum; são indivíduos com educação supe-rior, que ocupam cargos no mundo profissional e técnico, definindoum certo caráter elitista do movimento. Na perspectiva desses autores,a degradação do meio ambiente, enquanto tema inicial do movimento,afetava principalmente a classe trabalhadora (contaminação dos lo-cais de trabalho). No entanto, o fenômeno da degradação ambientalsofreu mudanças qualitativas nas últimas décadas, isto é, surgiram novasformas de contaminação e degradação (agrotóxicos, efeito estufa,metais pesados, contaminação dos mananciais, etc.), ameaçando seto-res cada vez mais amplos da sociedade. As classes média e alta semobilizaram de modo notável em torno dessas questões.

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Estas análises deixam escapar a dimensão do conflito socialque permeia a problemática ambiental. O estudo de Antuniassi et al.,em particular, não suscita uma questão elementar que está referidaaos efeitos e alcance político desses sujeitos sociais. Ora, os movi-mentos sociais em geral e o movimento ambientalista em particularcolocam em questão o tipo de unidade que caracteriza estes sujeitose as formas assumidas pelo conflito entre eles. Trata-se de estabele-cer um novo estatuto do sujeito social, o que já não pode ser feitocom os paradigmas sociológicos clássicos. As categorias sociológi-cas como classe trabalhadora, classe média, o próprio conceito deluta de classes e, neste caso, de intelectual orgânico, tornam-se insu-ficientes para entender a identidade global dos agentes sociais. Laclau(1986) observa que com os novos movimentos sociais tornou-se cadavez mais impossível identificar a área de emergência de qualquerconflito com a “unidade empírico-refencial do grupo”, ou seja, comum sistema ordenado e coerente de posições de sujeitos definido apriori. Assim, a posição do sujeito nas relações de produção e suaposição como consumidor, participante de um sistema político oumesmo como morador de uma certa região não podem ser dadasaprioristicamente, antes constituem o “resultado de construções po-líticas complexas, baseadas na totalidade das relações sociais, e quenão podem decorrer unilateralmente das relações de produção”. Nestesentido, não é possível lidar com o sujeito social como uma entidadeunificada e homogênea, mas como uma pluralidade resultante dasvárias “formações discursivas”. Esta noção, conclui Laclau, requero reconhecimento do sujeito como agente “descentralizado” e “des-totalizado”. O sujeito social deve ser pensado enquanto uma plurali-dade de posições, cujas conexões não são necessárias ou prévias,mas variáveis e “historicamente contigentes”.

Já na análise de Viola (1987), o movimento ambientalista émarcado pelo seu caráter transclassista. O fenômeno do “ecologismo”é resultado da emergência de vários atores sociais com uma visão demundo ambientalista; tal fenômeno é bastante complexo, conside-

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rando que “há sinais de intercomunicação/aproximação entre indiví-duos e grupos situados em distintos setores sócio-culturais”. Nessesentido, Viola não considera o movimento ambientalista um movi-mento social stricto sensu, mas um movimento histórico justamentepor ser multisetorial1.

O movimento ambientalista, na concepção do autor, agregaquatro correntes de pensamento: os ecologistas realistas, os funda-mentalistas, os ecocapitalistas e os ecosocialistas. Os ecologistas rea-listas preocupam-se com a formulação de um programa econômicocapaz de ecologizar paulatinamente a sociedade, um programa rígi-do nos princípios, mas flexível na interação com a sociedade. Defen-dem um sistema sócio-econômico baseado na pequena propriedadeou cooperativa, na autogestão do sistema produtivo e no Estado denível local. Esta corrente seria herdeira do socialismo utópico, dosocialismo democrático, do liberalismo e Gandhismo. Com uma vi-são mais pessimista, o ecologismo fundamentalista está mais preo-cupado com a pureza do movimento, acredita na construção de umasociedade alternativa, desconsiderando as possibilidades de umatransformação global. Os fundamentalistas são herdeiros do pensa-mento anarquista-niilista. A posição ecosocialista considera inviá-vel uma ecologização do capitalismo e do socialismo real, pregandouma ruptura segundo um referencial normativo de estatização dosistema produtivo e do planejamento centralizado. Esta corrente ali-

1 Segundo Viola e Leis (1991), o ambientalismo complexo-multisetorial é formado pelosseguintes atores: “(1) associações autodenominadas ambientalistas e o movimento ecológicostricto sensu; (2) setores ecologistas da comunidade científica presentes hoje nasuniversidades e institutos de pesquisa; (3) indivíduos coletivos formadores de opinião, quetêm uma orientação ecologizante; (4) partidos verdes; (5) pequenos e médios empresáriosque incorporam a dimensão ecológica na sua racionalidade microeconômica; (6) grupos eredes orientados para o desenvolvimento do potencial humano; (7) a comunidade dos técnicosdas agências estatais voltadas para a defesa do meio ambiente; (8) movimentos sociais quetêm orientações valorativas e práticas ecologizantes; (9) setores minoritários ecologizadosde macroestruturas: agências estatais, corporações multinacionais, partidos políticos,associações profissionais (sindicatos e outros), associações empresariais e organizaçõesreligiosas; (10) camponeses cujo modo de produção leva em conta a dimensão ecológica,seja por uma lógica histórico-tradicional, seja por um processo de aprendizado recente”.

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menta-se do socialismo revolucionário-democrático. Finalmente, aposição ecocapitalista defende o mercado como alocador de recur-sos, disciplinado por um Estado “guardião ecológico” da sociedade;o Estado do Bem-Estar Social seria transformado no Estado do Bem-Estar Sócio-Ecológico. O ecocapitalismo é herdeiro da social-de-mocracia, do liberalismo e do conservacionismo social. Esta tipifi-cação proposta por Viola, ainda que facilite a compreensão do pontode vista analítico, limita a compreensão da variedade de combina-ções heterodoxas resultantes do fenômeno do ambientalismo e docampo de conflitos subjacente.

Para Viola e Leis (1991), o movimento ambientalista, enquantomovimento histórico, tem um potencial de “transformação civiliza-tória”, pois está baseado em um sistema de valores pós-materialista,sustentado no “equilíbrio ecológico, na justiça social, na não-violên-cia ativa e na solidariedade com as gerações futuras”. Assim, à dife-rença de outros movimentos sociais, o “ecologismo” volta-se paravalores universais, que ultrapassam as fronteiras de classe, raça, ida-de e sexo: “outros movimentos sociais (movimento operário, cam-ponês) têm sua dinâmica de ação coletiva vinculada fundamental-mente a uma posição específica na estrutura produtiva da sociedade,ou no local de moradia (associações de moradores), ou em outrascaracterísticas marcantes, desde o ponto de vista cultural e biológico(feminismo, estudantil, minorias étnicas). Qualquer deles tem umabase social real e potencial de desenvolvimento que é sociologica-mente delimitada, segundo uma situação específica na estrutura social.Apesar do caráter universalizante que, em muitas situações histó-ricas adquire seu discurso, trata-se de movimentos com limites defi-nidos quanto a potencial de incorporação, ainda que estes limitespossam ser muito amplos em alguns casos (o movimento operáriona fase de industrialização extensiva, o feminismo hoje, a metade dahumanidade)” (Viola, 1987). Nesse sentido, o autor conclui que omovimento ambientalista constitui um novo paradigma, devido aoseu caráter reestruturador cultural e político. Os “movimentos eco-

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lógicos” teriam sido os primeiros a incorporar a questão ambientalno seu trabalho; o movimento mais amplo em torno do ambientalis-mo, que permite considerá-lo como movimento histórico, ocorre coma emergência dos valores pós-materialistas e a percepção dos riscosambientais globais durante a década de oitenta.

Na mesma perspectiva, Leff (1988), em um estudo sobre omovimento ambientalista na América Latina, ressalta que o ambien-talismo se inscreve em um processo de “resignificação” do mundoatual e, nesse sentido, propõe um novo projeto de civilização queimplica a construção de uma nova racionalidade produtiva e umanova cultura. As demandas ambientais colocam a questão da partici-pação democrática da sociedade no aproveitamento e manejo dosrecursos naturais, assim como no processo de tomada de decisãopara a escolha de novos estilos de vida e construção de futuros pos-síveis sob os princípios da “independência política, eqüidade social,diversidade étnica, sustentabilidade ecológica, equilíbrio regional eautonomia cultural”. O autor observa que o movimento ambientalis-ta coloca novos problemas metodológicos para a investigação socio-lógica, que deve transcender a uma classificação formal segundo asorigens de classe, pois trata-se de um movimento “multidimensional”,com uma composição “pluriclassista”. Estes movimentos vão se con-figurando e adquirindo sua identidade através de práticas concretasde ação; muitas vezes, seus propósitos e reivindicações convergem ese somam a muitas causas de outros movimentos sociais. Segundo oautor, os atos e efeitos da mobilização e organização social podemser considerados “ambientais”, quando internalizam um certo “para-digma ambiental”; sem esta perspectiva metodológica corre-se o ris-co de reduzir o campo de visibilidade do ambientalismo a apenasaqueles grupos que assim se autodenominam, perdendo-se de vista ocaráter ambiental de outros grupos ou movimentos sociais.

Sader (1992) também assinala que a temática ambiental temvárias formas de conexão com os problemas sociais, econômicos eculturais e, por isso, o movimento ambientalista sente-se “tentado” a

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definir-se como movimento histórico, isto é, “como um novo pontode partida, congruente com as condições históricas enfrentadas pelacivilização no fim do século e do milênio”. O autor entende que omovimento ambientalista não tem um sujeito histórico ou social pre-ciso, sendo isto uma vantagem, “um sinal de sua posição privilegia-da de novo patamar”, a partir do qual é possível “repensar a trajetó-ria da civilização”. Entretanto, Sader adverte que a existência de “su-jeitos tão genéricos que se independentizem das relações de classe,das relações nacionais ou de hemisférios” (relações Norte e Sul),pode diluir o verdadeiro cenário político das lutas ambientais.

É preciso considerar que na perspectiva do movimento históricoo conflito social não está nitidamente delineado na estrutura social, ouseja, o conflito atravessa os diversos setores da sociedade. Na verdade, aquestão ambiental, pelos problemas que encerra, consegue circular e terressonância entre os diferentes grupos sociais, promovendo uma espé-cie de “consenso”, quanto à urgência de medidas que visem a preserva-ção do meio ambiente, revelando uma certa transversalidade da questãoambiental. Ademais, a questão ambiental está diretamente referida àvalorização da qualidade de vida, que incorpora as dimensões estética,espiritual e material. Daí a dificuldade de restringir a preocupação como meio ambiente a um único agente social; os próprios movimentossociais por moradia, saúde, os sindicatos quando tratam da questão dascondições de trabalho, abordam essa problemática em vários momen-tos. A grande visibilidade do assunto contribui para que novos interlo-cutores participem do debate e, assim, interfiram na definição social dedegradação e preservação ambiental. Com efeito, o que Viola denomina“ecologismo” refere-se a um campo muito vasto e complexo, desde acomunidade de técnicos das agências estatais até os partidos verdes.Este tipo de abordagem não permite isolar uma classe específica do fe-nômeno coletivo, já que a própria presença do conflito está diluída naestrutura social (Melucci, 1990).

No entanto, é preciso remeter a questão a uma historicidademais definida. Em vários momentos foi possível uma aproximação

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de grupos situados em distintos setores sócio-culturais em torno daquestão ambiental. Algumas lutas do movimento ambientalista, quan-do expressas na cena política, imediatamente atraem outros agentessociais. Foi assim quando das lutas contra o desmatamento na Ama-zônia, contra a inundação das Sete Quedas, contra a instalação deusinas nucleares em Angra dos Reis. O movimento ambientalistaconta com o apoio de grande parte da opinião pública e pode serbeneficiado por esta reserva de apoio para levar adiante suas inicia-tivas, mas, desde logo, não tem o caráter de movimento de massas.

Durante a década de oitenta, um número significativo de or-ganizações ambientalistas adquiriu um perfil profissional, trabalhandocom um corpo técnico e administrativo, procurando captar recursosfinanceiros, e definindo mais precisamente a área de atuação. Naverdade, essa é uma tendência mais ampla, verificada também emoutros países. A possibilidade de se referir a essas organizações como“movimento” é dada pelo interesse comum que une os seus mem-bros, pelas ações traçadas para coordenar suas atividades e, princi-palmente, pelo fato de essas organizações se verem como parte domovimento ambientalista (Eyerman e Jamisom, 1989).

Outra questão a ser considerada refere-se à formação de umpartido verde oriundo do movimento ambientalista2. A proposta deum partido verde criou uma forte divisão no interior do movimento:parte considerável dos ambientalistas era contrária a sua criação, aindaque a idéia fosse criar um “partido-movimento”, combativo e semorganização rígida (Pádua, 1991). A idéia de um partido de “tiponovo” constituído a partir dos movimentos sociais, entre eles o mo-

2 A proposta surgiu em 1985, quando do processo Constituinte, e foi sustentada por umgrupo minoritário do movimento. Inicialmente, o Partido Verde teve sua existência limitadaao Rio de Janeiro, adquirindo uma certa expressão nacional nas eleições municipais de1988. Em 1990, o PV não conseguiu obter seu registro definitivo na Justiça Eleitoral, e nãoparticipou das eleições. Em março de 1992, o PV obteve esse registro, participando daseleições municipais e elegendo, apenas no Estado de São Paulo, três prefeitos e vinte e oitovereadores. Já nas eleições de 1994, foram eleitos pelo partido quatro deputados estaduaise um deputado federal. Atualmente, o PV está organizado em todos os estados (MarcoAntônio Mroz, Secretário Estadual do PV em São Paulo, comunicação pessoal, 1996).

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vimento ambientalista, é amplamente elaborada por Offe (1984). Naperspectiva desse autor, a forma política do partido competitivo,voltado para a conquista do poder governamental, perdeu o compo-nente “movimento social”, dificultando a constituição de uma iden-tidade coletiva. Assim, as ações coletivas não representáveis pelaesfera política instituída originaram os movimentos sociais. Estesnovos atores políticos caracterizam-se pela coincidência entre asmanifestações políticas da vontade e horizontes da experiência vivi-da; todavia, sua ação estratégica é movida por recursos políticos re-crutados em um campo delimitado por critérios particularistas. Parao autor, apenas a estrutura partidária é capaz de articular os movi-mentos sociais, preservando as especificidades, mas apresentandoaos próprios atores um denominador comum. Os movimentos so-ciais vitalizariam o partido, sem negar a necessidade das formas ins-titucionais de unificação de conflitos.

Tal abordagem não acolhe o social como espaço privilegiado,ou antes, como a própria instância da política, mas considera, naverdade, que a ação social apenas se efetiva na esfera do Estado. Éinteressante a advertência de Durham (1984), no sentido de se evitara noção de movimentos sociais como formas inferiores de mobiliza-ção, que devem evoluir para formas mais plenas e satisfatórias. Comefeito, os movimentos sociais são formas específicas de mobiliza-ção, com espaço próprio, diverso do espaço ocupado por partidos esindicatos. Desde logo é preciso compreender que os movimentossociais estabelecem uma nova relação com o político, ou seja, a po-lítica faz parte da sociabilidade e transcende a instituição do Estado;deixa de ser “feita” para ser “vivida” (Evers, 1983). O Estado deixade ser o pressuposto da política. O registro efetivamente políticodesses sujeitos sociais localiza-se na própria reivindicação de direi-tos.

Uma discussão necessária refere-se ao modo como as lutascoletivas por direitos se expressam no campo jurídico. Sobre estaquestão, Santos (1990) assinala que a sociedade moderna tende a

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privilegiar a negociação. As formas e meios de negociação ocorremno campo político, que não se reduz ao campo do Estado, mas édefinido por configurações de poderes criadas e recriadas nas rela-ções sociais. O direito oficial negocia com os direitos emergentesdas relações sociais, ainda que seja uma negociação autoritária por-que feita a partir de um centro de poder hegemônico. Santos pensa atransformação social como um produto dessa negociação. A práticasocial é entendida como uma configuração de direitos, que operamem diferentes comunidades jurídicas, o que traduz uma pluralidadede ordens jurídicas que colocam em questão o monopólio estatal dodireito. Esta concepção alarga o campo do jurídico, questiona, demodo decisivo, a conversão do direito e da legalidade estatais noúnico mecanismo de transformação social. Ao questionar o mono-pólio estatal da produção do direito, o direito revela-se comocontextual, no sentido de que diferentes contextos sociais produzemdireitos. Santos ressalta que na sociedade moderna, o contexto dacidadania é dominante, pois tem a prerrogativa de interferir nos de-mais contextos. Mas se os sujeitos de direitos vivem em diferentescomunidades jurídicas, organizadas em redes de legalidade às vezesparalelas, às vezes sobrepostas ou complementares e mesmo antagô-nicas, isto significa que os direitos não são sincrônicos, de modo queas configurações de sentidos jurídicos em ação nos diferentes con-textos da prática social revelam uma “porosidade” das redes dejuridicidade, que apontam para constantes “transições e transgres-sões”. Assim, Santos considera que a prática dos sujeitos coletivos éradical porque tem lugar nas diferentes configurações da legalidade;sua radicalidade se deve também ao fato de ser uma prática que nãotem fim, ou seja, cada luta concreta é concebida como um fim em simesmo. Ademais, ao privilegiarem a negociação em detrimento daruptura, esses sujeitos coletivos constroem uma prática “pós-revolu-cionária”.

A noção de direitos é fundamentada em uma ordem simbóli-ca, que se coloca como uma via importante para a decodificação do

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que vem a ser o novo espaço da política. Segundo Lefort (1987), “osdireitos não se dissociam da consciência dos direitos” e esta cons-ciência escapa a toda objetivação jurídica, à medida que novas exi-gências coletivas inserem novos direitos. A própria noção de demo-cracia tem por referência a consciência de direitos; democracia en-tendida como espaço de conflitos, cuja resolução implica a criaçãode novos conflitos. Os direitos são postos como referência última, oque significa que a sua formulação contém a exigência de sua refor-mulação ou, nas palavras de Lefort, “os direitos adquiridos sãonecesariamente chamados a sustentar direitos novos”. Assim, os agen-tes sociais portadores de novas reivindicações definem novos direi-tos ao questionarem os direitos estabelecidos. Lefort ainda ressalta:“ora, ali onde o direito está em questão, a sociedade, entenda-se aordem estabelecida, está em questão”.

Quando desenvolve a noção de democracia por referência àconsciência dos direitos, Lefort sugere que a democracia é infindável,porque o conflito também o é. A democracia é concebida, assim,como “re-invenção contínua da política”. Desde a legitimação dasreivindicações à conquista dos direitos e a sua permanente reformu-lação, o que sobressai é a construção de uma história que continuaaberta. Os conflitos, que constituem a especificidade das sociedadesdemocráticas modernas, e as exigências coletivas de novos direitostestemunham a pluralidade, a fragmentação, a heterogeneidade dosprocessos de socialização.

Chauí (1986), estabelecendo um diálogo com Lefort, assinalaque as reivindicações democráticas elaboradas no campo do direitoampliam a questão da cidadania, fazendo-a passar de um plano polí-tico institucional ao da sociedade como um todo. Isto é particular-mente importante em uma sociedade autoritária como a brasileira,estruturada de modo fortemente hierárquico, na qual o “Estado apa-rece como fundador do social” e as relações sociais se efetuam sob aforma de “tutela, favor e dependência”. Para Chauí, a sociedade bra-sileira conserva a cidadania como privilégio de classe; as leis não

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definem direitos e deveres, mas antes são instrumentos de repressãoe opressão, que visam garantir privilégios. Em uma sociedade assimconstituída, não existem nem a idéia nem a prática da representaçãopolítica e, conseqüentemente, a esfera pública nunca chega a consti-tuir-se como pública. Ademais, as diferenças assimétricas são trans-formadas em desigualdades e estas em relações de mando e obediên-cia. As lutas pela conquista da cidadania ocorrem em três níveis si-multâneos e diferentes: ao nível do direito de representação política,dos direitos e liberdades civis e como questão de justiça social eeconômica. O sentido de tais reivindicações é a inserção de novosdireitos, os quais encerram uma dimensão simbólica constitutiva daprópria sociedade.

Em outros termos, a noção de direito “funda o imaginário po-lítico”, dando forma às práticas que contestam e inovam o poder einduzindo ao debate e à ação coletiva (Paoli, 1993). A prática dosnovos movimentos sociais possibilitou a redescoberta da noção dedireitos e da própria noção de cidadania. Paoli assinala que “emer-gindo de pontos diferenciados do espaço social, elaborando identi-dades e práticas culturais próprias, politizando radicalmente subjeti-vidades coletivas, construindo formas pouco ortodoxas de orga-nização, redefinindo hierarquias tradicionais e modificando a facelocal de cada espaço onde atuam”, estes novos sujeitos sociais fize-ram emergir uma outra “encenação de sua dinâmica política”, pos-sível apenas pela “inesperada revitalização da noção de direitos, co-letivamente enunciados, em cada movimento social, como interpre-tação simbólica fundante de sua noção de poder”.

A redescoberta da noção de direitos tem um significado histó-rico fundamental na sociedade brasileira. Segundo Paoli, a matriz dacidadania popular no Brasil se fez através da imposição da dimensãopública e de uma democracia social por um poder centralizado, queao incorporar as reivindicações emergentes na forma de “direitostutelados”, eliminou um espaço público em formação, nascido daprópria sociedade. Assim, as leis trabalhistas, que surgem a partir

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dos anos trinta, aparecem como “outorga do Estado” e é por esta viaque os trabalhadores se tornam cidadãos. A cidadania tutelada tiroudos trabalhadores sua condição de atores coletivos, impediu o exer-cício coletivo de suas faculdades políticas e das iniciativas de parti-cipação e proposição de leis democráticas. Para Paoli, “a retomadadestas faculdades políticas e destas iniciativas parecem ser o signifi-cado primordial dos atuais movimentos sociais”. Neste sentido, in-teressa menos a “contabilidade de seus ganhos e perdas” e a “críticade suas utopias”, mas a possibilidade de construção de uma sociabi-lidade política transformada em relação aos padrões do passado, quepela primeira vez “ousa pensar e reconhecer uma dinâmica políticanão do Estado, mas da própria sociedade”.

Trata-se, portanto, do “surgimento” da sociedade civil no Bra-sil, como defende Avritzer (1994). O autor associa o surgimento dasociedade civil brasileira a três fenômenos principais: o surgimentode atores modernos e democráticos; a recuperação da idéia de livreassociação na relação Estado-sociedade; a constituição de estruturaslegais e políticas, capazes de levar à institucionalização democráticados interesses da sociedade civil. O surgimento desses novos atoresfaz parte de um longo processo ainda em curso. É interessante aassociação que Avritzer faz entre o surgimento da sociedade civilbrasileira e a “formação de uma esfera societária capaz de adquiririnstitucionalidade própria e no interior da qual as ações do Estado edos atores econômicos vão ser julgadas de acordo com a compre-ensão que os atores sociais e políticos irão ter dos seus próprios inte-resses, assim como do interesse da sociedade como um todo”. Essainstitucionalização das formas democráticas de ação guarda um po-tencial que pode ser utilizado em um permanente processo de “fisca-lização” das práticas e do processo político em uma sociedade de-mocrática.

Um problema que ainda permanece, segundo o autor, diz res-peito à possibilidade de consolidar uma esfera pluralista de generali-zação de interesses, no interior de uma sociedade ainda marcada pelo

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particularismo das relações entre Estado e sociedade. Avritzer res-ponde a esse problema ressaltando a necessidade de se constituirestruturas específicas, capazes de interferir nas formas de funciona-mento das instituições estatais e, no seu interior, generalizar os inte-resses da sociedade. Seria uma forma de controle do Estado por par-te da sociedade civil, através de um mecanismo que o autor chamade “implementação complexa”, ou seja: “uma forma de inovaçãoinstitucional pela qual a efetividade do direito no Brasil passasse acontar com mecanismos próprios que levassem em conta o fato deque um conjunto de instituições existentes no país não apenas prati-cam atos contrários à legalidade vigente, como tem o conjunto desuas ações estruturadas em bases alternativas ao estado de direito”.A partir da inovação das formas de organização institucional, a so-ciedade civil brasileira pode ser capaz de enfrentar o problema dainefetividade do direito no Brasil e, ao mesmo tempo, capaz de lidarcom o problema de sua permanência enquanto esfera responsávelpor renovar os potenciais do pluralismo e da cultura política demo-crática.

A emergência da sociedade civil significa a emergência deespaços públicos democráticos, nos quais os conflitos sociais ga-nham visibilidade, as diferenças se expressam e as negociações sãopossíveis. A sociedade civil emergente, usando as palavras de Telles(1995), é “... uma sociedade na qual as relações sociais são mediadaspelo reconhecimento dos direitos e representação de interesses, detal forma que se torne factível a construção de espaços públicos queconfiram legitimidade aos conflitos e nos quais a medida de eqüida-de e a regra de justiça venham a ser alvo do debate e de uma perma-nente negociação”.

O surgimento do movimento ambientalista brasileiro faz parte,evidentemente, desse processo mais amplo de democratizacão e cons-tituição de uma sociedade civil no Brasil. Suas lutas e práticas políti-cas integram um campo de reivindicações formuladas em termos dedireitos coletivos, para além da defesa apenas dos direitos individuais.

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A construção do que estamos chamando aqui de cidadania ambiental,refere-se, portanto, à construção de uma cidadania de caráter coletivo,fundada que está em uma luta marcada por valores maximalistas eglobalizantes, que possibilita um novo exercício de cidadania, que vaialém das limitações da cidadania construída no marco liberal.

Ao considerar o campo de lutas e conflitos do movimento am-bientalista, percebemos que a tônica de suas reivindicações tem sido odireito a um “meio ambiente ecologicamente equilibrado”. A reivin-dicação desse direito tem uma significação que ultrapassa seu caráterimediato, pois testemunha uma nova sensibilidade social que remeteao direito a uma melhor qualidade de vida, garantida também às futu-ras gerações. O sentido de tais reivindicações e a conquista de umacidadania ambiental, de modo algum encerra o campo de conflitosque se estabelece em torno do tema meio ambiente. Ao contrário, estecampo permanece com uma temporalidade aberta, pois enquanto práticademocrática permanece desestabilizando e transformando os poderesinstituídos, num processo contínuo de formulação de novos direitos.As questões colocadas pelo movimento ambientalista guardam, emúltima instância, um potencial de transformação da sociedade, dos pro-cessos de socialização culturais e políticos, da própria ordem estabele-cida e do modelo de desenvolvimento hegemônico, pois propõemmudanças-chave na estrutura de produção e consumo. Com efeito, oambientalismo se inscreve em um processo de “resignificação” domundo atual, propõe uma nova ética de comportamento humano euma recuperação dos interesses coletivos, revelando seu potencial trans-formador e seu caráter essencialmente democrático.

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As sucessivas etapas da política ambiental brasileira vêm con-solidando, ao menos formalmente, o direito a um meio ambientesaudável e ecologicamente equilibrado, como expresso na Consti-tuição Federal de 1988. Ao se sucederem, contudo, essas etapas nãose substituem umas às outras, mas se sobrepõm, originando uma teiade leis e instituições que muitas vezes se contrapõem e se contradi-zem. Este capítulo pretende mostrar como, apesar das contradiçõesdo que se pode chamar “política ambiental brasileira” – e o fato demuitas leis estabelecedoras dessa política terem surgido durante re-gimes autoritários é apenas uma das contradições – a ampliação dosdireitos a um meio ambiente saudável é característica marcante des-sa política. Partindo de uma noção de meio ambiente essencialmentecaracterizado como um provedor de recursos, chegou-se a um di-reito à qualidade do meio ambiente como o meio onde vivem não sóos brasileiros de hoje, mas como meio de vida e fonte de recursosdas gerações futuras.

A gênese da política ambiental brasileira, entendida como aque-la preocupada, explicitamente com a proteção, conservação e usodos recursos ambientais, pode ser datada do primeiro governo deVargas. A partir deste momento, a política ambiental sofreu altera-ções significativas, culminando com a promulgação da Constituiçãode 1988. Monosowski (1989) propõe uma categorização da políticaambiental brasileira que compreende quatro abordagens estratégicas

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básicas: a administração dos recursos naturais; o controle da polui-ção industrial; o planejamento territorial e a gestão integrada de re-cursos naturais. A periodização proposta por essa autora, assim comoas linhas básicas de cada política, serão aqui adotadas.

O início das ações governamentais no campo das políticas demeio ambiente corresponde à adoção, em 1934, do Código das Águas,do Código de Minas (que teve sua denominação alterada para Códi-go de Mineração em 1967) e do Código Florestal, além da criação,em 1937, do Parque Nacional de Itatiaia e da legislação de proteçãoao patrimônio histórico e artístico nacional. O Código das Águasdefiniu o direito de propriedade e os usos dos recursos hídricos paraabastecimento, irrigação, uso industrial, navegação e produção deenergia; definiu, ainda, as normas de proteção da quantidade e quali-dade das águas territoriais. O Código Florestal estabeleceu critériospara a delimitação de áreas de preservação permanente, para a ex-ploração de florestas e para supressão de vegetação. As florestas evegetação foram classificadas como bens de interesse comum, sub-metidas a limitações quanto ao direito de propriedade; o Código Flo-restal também instituiu um conjunto de sanções penais. O Código deMineração definiu critérios para a prospecção e exploração de jazi-das e dissociou o direito de propriedade do solo do direito de explo-ração do subsolo. Em 1938, foi instituído o Código de Pesca, quedeclarou a fauna e flora das águas territoriais brasileiras pertencen-tes ao domínio público e fixou princípios e modalidades para a pes-ca1 . Atendendo ao segundo eixo dessa política ambiental – defini-ção de áreas de preservação permanente – foram criados vários par-ques e reservas florestais, entre os quais os parques nacionais do

1 Para o Código das Águas ver Decreto no. 24.643, de 10/07/34; Lei no. 4.904, de 17/12/65e Decreto no. 58.076, de 24/03/66. A versão original do Código Florestal (Decreto no.23.793, de 23/01/34) foi alterada pela Lei no. 4.771, de 15/09/65. O Código de Minas,intituído pelo Decreto no. 24.642, de 10/07/34 foi alterado pelo Decreto no. 1.985, de 29/01/40, também substituído pelo Decreto-lei no. 227 de 28/02/67. Finalmente, o Código dePesca teve sua versão original (Decreto no. 794, de 19/10/38) substituída pelo Decreto-leino. 221, de 28/02/67.

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Iguaçu e da Serra dos Órgãos, em 1939, e a Floresta Nacional deAraripe-Apodi, em 19462.

De um modo geral, o primeiro momento da política ambientalbrasileira foi marcado por duas preocupações básicas: a racionaliza-ção do uso e exploração dos recursos naturais e a definição de áreasde preservação permanente, estabelecendo, assim, alguns limites àpropriedade privada. O principal objetivo dessa política foi regula-mentar a apropriação dos recursos naturais em âmbito nacional. Apolítica ambiental brasileira nasce de forma tímida, sob o regime deVargas, marcada por características bastante peculiares: o Estado “ad-ministra” os recursos naturais, de modo a atender a indústria nascen-te; o Executivo concentra os instrumentos de controle e gestão derecursos; a sociedade está ausente no momento de elaboração daspolíticas ambientais.

Uma política desse tipo apenas foi possível a partir dos anos30, quando, de fato, o Estado assume um caráter articulador e regu-lador, que garante a efetivação de políticas de corte nacional. Naverdade, é durante os anos 30 que se constrói um arcabouço institu-cional básico do Estado brasileiro: forma-se uma burocracia capazde centralizar e administrar as principais variáveis macroeconômicas,como câmbio, juros e salários; são formulados os primeiros planospara uma industrialização pesada, já com preocupações relativas àinfra-estrutura energética e de transportes e são criadas as primeirasinstâncias político-administrativas responsáveis pelas ações de co-ordenação e planejamento setorial. A formação desse arcabouço ins-titucional permitiu ao Estado dar os primeiros passos na direção deum projeto de industrialização nacional, impulsionado sobretudo a

2 Nos anos subseqüentes, vários outros parques e reservas florestais foram criados dandocontinuidade à política de criação de unidades de conservação. Em 1959, foram criados oParque Nacional de Aparados de Serra e o Parque Nacional do Araguaia; em 1961, osparques nacionais das Emas, Tocantins, Xingu, Caparaó, Sete Quedas e São Joaquim, alémdas reservas florestais de Jaru, Pedras Negras, Gurupi, Juruema, Rio Negro, Gorotire,Mundurucaia, Parimã e Tumucumaque. Diversas outras unidades de conservação foramcriadas posteriormente.

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partir dos anos 50. A industrialização brasileira foi resultado de umprojeto desenvolvimentista, cuja estratégia envolvia a presença ati-va do Estado como planejador, produtor de insumos e fornecedor deinfra-estrutura básica, em síntese, uma ação intervencionista no campoeconômico, quase sempre marcada por característas centralizadoras,conservadoras e autoritárias (Fiori,1995).

Assim, durante o governo Vargas, e mesmo nos governos ime-diatamente subseqüentes, a formulação de uma política ambientalocorreu mais como resultado das ações de um Estado centralizado,autoritário e desenvolvimentista, do que como resultado de pressõesde forças sociais organizadas. Será esta a tônica da política ambien-tal brasileira até a década de 60. O governo Vargas eliminou a possi-bilidade de participação e a efetiva discussão sobre os direitos; eli-minou, portanto, o espaço público, democrático. Os direitos e o ci-dadão foram tutelados pelo Estado; à consciência de cidadaniasoprepunha-se a “estadania”: o imaginário social fundava-se no Es-tado (Carvalho, 1990).

Uma política ambiental frouxa no que se refere ao controle dapoluição, sobretudo da poluição industrial, interessa diretamente aoregime autoritário de 64; a política desenvolvimentista, dava “boasvindas” às indústrias poluidoras, como forma de atrair grandes in-vestimentos do capital internacional. A busca de uma legitimidadedo regime, deslocada do plano político para o plano econômico, feznascer uma política baseada nos chamados “projetos-impacto”. Comefeito, o regime se apóia em uma ideologia de Estado do “Brasil-potência”, que no plano simbólico permite guardar uma ilusão deconsenso, ou seja, possibilita que as metas traçadas pelo regime se-jam entendidas como “interesses gerais” da nação (Cardoso, 1975).Já no plano econômico a ideologia de um país-potência tem comopressuposto o desenvolvimento a qualquer custo, o que leva o go-verno federal a implantar grandes projetos hidrelétricos, incentivarprojetos agropecuários, de exploração de recursos minerais sem con-siderar os impactos ambientais deles decorrentes. O Segundo Plano

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Nacional de Desenvolvimento-PND expressa claramente a idéia depoluição como sinônimo de progresso, ressaltando a não validade de“qualquer colocação que limite o acesso dos países subdesenvolvi-dos ao estágio de sociedade industrializada, sob o pretexto de contero avanço da poluição mundialmente”; no mesmo sentido, o planoadverte que “é necessário reconhecer que a poluição da pobreza – ouseja, a carência de requisitos básicos de saneamento e controle bio-lógico, indispensáveis à saúde das populações de baixa renda – ain-da constitui prioridade imperiosa”3. Finalmente, o plano ressalta queo Brasil “dispõe de maior flexibilidade, quanto à política de equilí-brio ecológico, do que a generalidade dos países desenvolvidos, porainda dispor de amplas áreas não poluidas”4.

De fato, o Estado burocrático-autoritário, como o instalado noBrasil com o golpe de 64, coloca como problema fundamental parasua sobrevivência e vitalidade, conseguir maiores fluxos de capitalinternacional (O’Donnel, 1987). O Estado se abre para esse capitalde forma irrestrita, ao mesmo tempo em que demonstra umestranhamento frente ao conjunto da sociedade civil; há uma nega-ção explícita do Estado enquanto lugar de representação e presençapública da sociedade civil. Os grandes projetos para o desenvol-vimento do país são formulados e implementados como decisõesprivativas de uma tecnocracia que começa a se fortalecer dentro daestrutura autoritária do poder. Os planos e programas definidos porgrupos restritos de técnicos e políticos, justificam-se quase sempreem nome daqueles que não estão participando do crescimento eco-nômico, mas dele podem vir a beneficiar-se e, ainda, em nome deum suposto crescimento e fortalecimento nacional.

A tese do crescimento a qualquer custo e de que a proteção domeio ambiente seria mais um obstáculo para os países em desenvol-vimento foi defendida pelo governo brasileiro na Conferência das

3 É interessante notar que o discurso da esquerda, ainda que fundado em outros pressupostos,também sustentava a idéia da “poluição da pobreza”.

4 Lei no. 6.151, de 04 de dezembro de 1974.

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Nações Unidas sobre Meio Ambiente, realizada em 1972, em Esto-colmo. O discurso do governo brasileiro pautava-se sobre umapretensa “soberania nacional”, defendendo o crescimento econômicocomo única forma de alcançar um nível mínimo satisfatório paraatender às necessidades sociais do país. Tal retórica foi duramentecriticada por alguns setores de oposição ao regime autoritário.

Por outro lado, Guimarães (1991), examinando as posições de-fendidas pelo governo brasileiro na Conferência de Estocolmo, afirmaque o Brasil acabou por assumir uma posição de liderança em relaçãoaos países do terceiro mundo. Ao defender que o desenvolvimentonão deveria ser sacrificado em nome de um “meio ambiente limpo” edefendendo posições controversas a respeito de questões relacionadasao controle populacional, à exaustão dos recursos naturais e ao contro-le da poluição, o Brasil teria sido o legítimo portador dos interesses doterceiro mundo. O próprio Secretário Geral da Conferência reconhe-ceu o papel central do Brasil nas negociações entre os países partici-pantes. Todavia, Guimarães observa que a posição defendida pelo Brasilna Conferência, baseada na conexão entre desenvolvimento e meioambiente, não se realizava internamente no país.

A Conferência de Estocolmo deu maior visibilidade ao tema“meio ambiente”. A partir da Conferência as questões ambientaiscomeçaram a ser veiculadas mais intensamente nos meios de comu-nicação de massa; o número de denúncias de degradação e destrui-ção dos recursos naturais no país aumentou de modo significativo.Com efeito, os primeiros anos da década de setenta marcam o iníciodo debate ambiental e sua inserção na arena política: o “meio am-biente” torna-se notícia; começam a surgir alguns grupos e associa-ções voltados à problemática ambiental, como a Associação Gaúchade Proteção ao Ambiente Natural-AGAPAN e o “Movimento Arte ePensamento Ecológico”, em São Paulo.

Podemos situar o surgimento do movimento ambientalista bra-sileiro no início da década de 70. Viola (1987) distingue três perío-dos da história do movimento ambientalista no Brasil. Uma primeira

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fase, chamada pelo autor de “ambientalista conservacionista”, de 1974a 1981, é constituída por dois movimentos paralelos e autodefinidoscomo “apolíticos”: os movimentos de denúncia de degradação am-biental nas cidades e as comunidades alternativas rurais. Nesta fase,o movimento adquire identidade ao mesmo tempo em que se proces-sa a conscientização de segmentos qualitativamente importantes dasociedade. Uma segunda fase, denominada por Viola de transição,vai de 1982 a 1985 e é marcada pela expansão quantitativa e qualita-tiva do movimento; ocorre uma mudança do padrão de atuação domovimento ambientalista, que passa a influenciar os processosdecisórios relativos às políticas públicas. Finalmente, uma terceirafase, denominada “opção ecopolítica”, inicia-se em 1986, quando omovimento se auto-identifica como político e participa efetivamentedo processo Constituinte.

Desde logo, é preciso considerar que esta periodização, aindaque facilite a análise, não expressa a totalidade da prática do movi-mento ambientalista, menos ainda revela o seu verdadeiro significa-do. Se a prática do movimento pode ser diferenciada ao longo dosanos, o traço comum que a unifica é a busca do direito a um meioambiente saudável. Entendemos que o movimento ambientalista,enquanto agente portador de novas reivindicações, esteve empenha-do na construção de uma cidadania ambiental; seu potencial se ins-creve na renovação de padrões sócio-culturais do cotidiano, no alar-gamento da esfera do político, na ampliação, enfim, da questão dacidadania. Isto perpassa todos os momentos da existência do movi-mento ambientalista.

O ponto marcante do surgimento do movimento ambientalistabrasileiro foi a criação, em 1971, da Associação Gaúcha de Proteçãodo Ambiente Natural-AGAPAN, fundada por José Lutzenberger, quelançaria, em 1980, o Manifesto Ecológico Brasileiro, uma das pri-meiras reflexões sistemáticas produzidas pelo movimento ambien-talista. A AGAPAN foi a primeira associação desse tipo no país; atéentão existia apenas a Fundação Brasileira para a Conservação da

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Natureza, fundada em 1958, no Rio de Janeiro, de caráter nitida-mente conservacionista. A partir de 1974, com o início do processode abertura do regime autoritário, novos grupos surgiram no país,desde aqueles voltados à luta contra a degradação ambiental em sen-tido estrito até aqueles que defendiam uma mudança nos valoresculturais e nos comportamentos sociais. Em São Paulo, destaca-se oMovimento Arte e Pensamento Ecológico, que teve grande impor-tância para a formação do movimento ambientalista nesse Estado.Ainda no âmbito de São Paulo, é importante destacar a luta do movi-mento ambientalista contra a construção do aeroporto metropolitanoem Caucaia do Alto, município de Cotia, nos anos de 1977/78. Foicriada, então, a Comissão de Defesa do Patrimônio da Comunidade-CDPC. Nessa época, são registrados vários protestos contra a insta-lação da usina nuclear de Angra dos Reis, inclusive com a participa-ção da Igreja Católica, representada por Dom Paulo Evaristo Arns,que passou a apoiar explicitamente a CDPC (Antuniassi et al., 1989).

Em escala nacional, são registradas em 1979, várias manifes-tações em defesa da Amazônia, culminando com o Congresso Na-cional em Defesa da Amazônia, realizado nesse mesmo ano nas de-pendências do Congresso Nacional. Tais manifestações criticavamos planos e programas de exploração da região, apresentados pelogoverno militar, como os chamados “contratos de risco” para a ex-ploração de madeira. Essas mobilizações tiveram um caráter ocasio-nal, já que os vários comitês criados na época, dissolveram-se com orecuo do governo. Todavia, foi despertada uma preocupação maisvoltada à defesa do meio ambiente principalmente nas agências es-tatais voltadas a essa questão, que então já haviam sido criadas coma finalidade explícita de zelar pela qualidade ambiental e não maisadministrar o acesso aos recursos naturais, que era a principal fun-ção das instituições criadas pelo governo Vargas. De um modo geral,a principal estratégia do movimento ambientalista na década de 70,pautou-se na realização de seminários, conferências, buscando o apoiode cientistas, políticos e intelectuais. A troca de idéias entre os mili-

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tantes e outros agentes sociais exerceu influência siginificativa nosrumos do movimento nessa década.

No ano seguinte à Conferência de Estocolmo, havia sido criada aSecretaria Especial de Meio Ambiente-SEMA5,vinculada ao Ministé-rio do Interior, marcando uma nova fase da política ambiental brasileira,mais voltada ao controle da poluição industrial. Uma secretaria dessetipo atenderia, inclusive, uma “necessidade diplomática”, já que a posi-ção do governo na Conferência de Estocolmo teria sido negativa para aimagem internacional do país (Monosowski, 1989). De um lado, a SEMAatenderia as exigências de alguns organismos internacionais para a apro-vação de empréstimos destinados a grandes obras públicas, de outro,seria uma resposta às críticas de alguns setores preocupados com a pro-teção do meio ambiente no país.

Além disso, a criação de um órgão com as características daSEMA estava em sintonia com a estratégia autoritário-tecnocráticade modernização do Estado, pautada em uma suposta eficiência téc-nica. Segundo Cardoso (1979), o regime burocrático-militar sofreuum processo de penetração, na cúpula governamental, da influênciade um setor de técnicos e intelectuais: o “impulso de um pensamentoracionalizador” contaminou a cúpula do Estado, promovendo uma“inovação interna” a partir do próprio governo. A então chamada“burocracia modernizante” passou a responder por um sistema bra-sileiro de planejamento, o que possibilitou a organização de umaestrutura voltada, entre outras atividades, ao gerenciamento dos re-cursos naturais, no plano nacional. Uma política pautada no planeja-mento se diferencia das ações voltadas apenas para uma administra-ção dos recursos naturais como ocorria nos governos anteriores.

Várias agências setoriais importantes haviam sido criadas desdeo governo Vargas, passando a atuar, ainda que de forma indireta, nagestão dos recursos naturais. Para gerenciar a aplicação do Códigodas Águas e o programa de produção de energia elétrica foi criado o

5 Decreto no. 73.030, de 30 de outubro de 1973.

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Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE). Paraadministrar a aplicação do Código Florestal foi criado o InstitutoBrasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), vinculado ao Mi-nistério da Agricultura; o IBDF ainda seria responsável pela coorde-nação do uso racional e da proteção e conservação dos recursos na-turais renováveis, incluindo a fauna terrestre. A Superintêndencia deDesenvolvimento da Pesca (SUDEPE), criada em 1962, integradaao Ministério da Agricultura, deveria responder pela formulação eexecução do Plano Nacional de Desenvolvimento da Pesca e pelafiscalização dessas atividades no mar territorial brasileiro, para oque contava com o apoio do Ministério da Marinha e da Aeronáuti-ca. Convém mencionar, ainda, a criação do Instituto do PatrimônioHistórico e Artístico Nacional (atual Instituto Brasileiro do PatrimônioCultural-IBPC), responsável pela transmissão e conservação de benstombados, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária-INCRA e as diversas superintendências de desenvolvimento regio-nais, entre as quais a Superintendência de Desenvolvimento da Ama-zônia-SUDAM. Precedia a SUDAM, a Superintendência do Planode Valorização da Amazônia-SPVEA, que tinha como funções bási-cas a elaboração qüinqüenal do Plano de Valorização Econômica daAmazônia – previsto como política de desenvolvimento para a re-gião já na Constituição de 1946 – e o controle de sua execução (amesma lei que criou a SUDAM, extinguiu a SPVEA6).

Evidentemente, apenas o mecanismo de inovação interna nãofoi suficiente para gerar um “processo de planejamento”, ou seja,uma transferência de metas e de meios teoricamente selecionadospara políticas efetivas, constantes e persistentes; contudo, Cardosoressalta a enorme importância estratégica da formação de algunsnúcleos sociais aglutinados em torno de valores como o reconheci-mento da necessidade de planejar, formando “círculos de interessa-dos” no planejamento, “que penetram amiúde, pelo mesmo processo

6 Lei no. 5.173, de 27 de outubro de 1966.

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de cooptação e contaminação da cúpula administrativa, nos órgãosestaduais, regionais e nacionais de decisão econômica, de ação eco-nômica direta e de administração, formando (...) ‘ilhas de racionali-dade’”. É nesse contexto que podemos entender, a criação da SEMAe, posteriormente, de outras agências ambientais nas esferas esta-dual e municipal, possibilitando a emergência de um “ambientalis-mo de Estado”, fenômeno bastante significativo no Brasil. No en-tanto, a SEMA nasceu com pouca força e marginalizada no interiordo aparelho estatal, situação semelhante à do setor responsável pe-los Parques Nacionais do IBDF; essa marginalização política criouuma situação ambígua, de tal modo que “técnicos dessas entidadescomeçaram a se aproximar da sociedade civil e a desenvolveremuma identidade ideológica ecologista, como forma de justificar a suaexistência ‘ex parti populi’, já que não podiam fazê-lo ‘ex parti prin-ces’” (Pádua, 1991). Em alguns estados onde o movimento ambien-talista era pouco desenvolvido, os órgãos de meio ambiente chega-ram a ocupar o espaço da “crítica ecológica”. Convém registrar queuma parte significativa de técnicos e dirigentes das agências de meioambiente é ou foi ativista do movimento ambientalista (Viola, 1987).

É certo que o ambientalismo de Estado foi importante para a for-mulação de políticas ambientais; contudo, a relação entre as agênciasambientais estatais e as entidades ambientalistas não se deu sem confli-tos. Em alguns casos até assumiu um caráter de cooperação, pois “acriação das agências significou um estímulo para a formação e desen-volvimento das associações; uma parte significativa dos técnicos e al-guns dirigentes das agências são também ativistas nas entidades; asmobilizações e lutas das associações implicam um reforço da posiçãodas agências na estrutura estatal (embora mantenham sempre seu cará-ter periférico), a atuação das entidades influencia de modo indireto aformulação e implementação da política ambiental; as agências e asso-ciações constituem minorias dentro da sociedade e do Estado, cujo sis-tema de valores é em grande medida oposto” (Viola e Leis, 1991). Poroutro lado, os técnicos ligados às agências estatais de meio ambiente

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não podem adotar uma posição muito radical a favor dos grupos ambi-entalistas, é preciso levar em conta as limitações dadas pela própria es-trutura estatal. Esses técnicos atuam freqüentemente como intermedia-dores entre o movimento ambientalista e seus opositores.

No entanto, até o início dos anos 80, o posicionamento domovimento ambientalista foi de confronto aberto com o Estado, in-clusive com o que se denominou “ambientalismo de Estado”. A atua-ção da SEMA certamente contribuiu para esse posicionamento: aspolíticas ambientais implementadas foram bastante limitadas, visa-ram sobretudo reduzir as degradações ambientais que comprometes-sem as atividades produtivas. A SEMA esteve inicialmente subordi-nada ao Ministério do Interior, principal agente responsável pelaimplantação do modelo desenvolvimentista e dos grandes projetosde exploração dos recursos naturais, de modo que a atuação da Se-cretaria foi definida como prioridade secundária. O quadro técnico eo orçamento eram insuficientes, o que levou a uma defasagem entreas tarefas atribuídas à SEMA e os meios para realizá-las. Em suma,a SEMA nunca exerceu qualquer influência na formulação de políti-cas de planejamento, embora tenha representado uma “inovação tec-nológica”, no que diz respeito à burocracia federal (Guimarães, 1991).É importante lembrar que as decisões relacionadas à política am-biental que de algum modo afetassem as atividades industriais debase, consideradas de “interesse e segurança nacional”, eram centra-lizadas na Presidência da República, retirando qualquer possibili-dade de controle ambiental dos órgãos setoriais como a SEMA.

Um exemplo ilustrativo é o caso de uma indústria localizadano município de Contagem, em Minas Gerais, que persistia no lan-çamento de poluentes sobre a cidade, obrigando o poder públicomunicipal a ajuizar uma ação para fechá-la. Antes que isso ocorres-se, foi editado um decreto-lei7, conferindo ao Executivo Federal ex-clusividade de fechamento de indústrias consideradas de segurança

7 Trata-se do Decreto-lei no. 1.413, de 14 de março de 1975.

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nacional; as indústrias instaladas em Cubatão, também se enquadra-vam nessa categoria (Feldmann, 1986). Do mesmo modo, vários pro-blemas denunciados pelo movimento ambientalista não foram con-siderados pelo órgão como, por exemplo, a degradação do solo poragrotóxicos e fertilizantes químicos denunciada por José Lutzenber-ger.

À política de controle da poluição industrial segue-se o tercei-ro momento da política ambiental brasileira, marcado por uma preo-cupação mais voltada ao planejamento territorial. A ordenação am-biental do território adquire uma importância crescente frente ao pro-cesso de urbanização intensiva e ao crescimento acentuado das re-giões metropolitanas. Assim, um novo conjunto de instrumentos deproteção ambiental começa a ser formulado8: leis metropolitanas dezoneamento industrial e de proteção de mananciais; planos de zone-amento de uso e ocupação do solo; planos de zoneamento para baci-as hidrográficas. Como na fase anterior, as ações de controle estãovoltadas para o setor privado; os projetos governamentais apenassão objeto de controle no caso de pressões externas exercidas poragências de financiamento internacional.

As limitações da política ambiental formulada e implementa-da até esse momento estão relacionadas, em grande parte, às suascaracterísticas e princípios fundamentais: o meio ambiente é consi-derado um recurso para o desenvolvimento; as estratégias adotadasatacam certos efeitos do modelo de desenvolvimento sem, contudo,questioná-lo; o espaço de intervenção é sempre fragmentado edescontínuo; as ações são imediatistas; os efeitos de longo prazo sãorelegados a segundo plano e a responsabilidade do controle é centra-lizada pelo Estado (Monosowski, 1989).

8 Um marco importante dessa fase foi a promulgação da Lei no. 6.766, de 19/12/79, quedefiniu as diretrizes de parcelamento do solo urbano e a Lei no. 6.803, de 02/07/80, queestabeleceu as diretrizes de zoneamento industrial e adotou o conceito da área crítica depoluição, introduzindo uma nova diferenciação espacial na legislação ambiental. Até então,o essencial da política ambiental se fazia através de uma partilha territorial que diferenciavaas unidades de conservação do restante do território nacional.

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O movimento ambientalista passa a participar, nesse momento,ainda que indiretamente, do processo político, indicando e apoiandocandidatos nas eleições, comprometidos com a causa ambiental. Em1982, foram eleitos três candidatos: Caio Lustosa, dirigente daAGAPAN, foi eleito vereador por Porto Alegre, Walter Lazzarini,deputado estadual por São Paulo, ambos do PMDB; Liszt Vieira foieleito deputado estadual pelo PT do Rio de Janeiro. Em 1984, omovimento participa da campanha pelas eleições diretas para presi-dente. A partir desse envolvimento na campanha, o movimento am-bientalista passa a organizar encontros regionais, que constituem umespaço de debates para a definição das prioridades de lutas nos âm-bitos estaduais, as formas de relacionamento com as agências esta-tais e outros movimentos sociais e as formas de participação na ela-boração da Constituição. É uma fase na qual o movimento passa avincular a questão ambiental aos problemas políticos mais gerais eao modelo de desenvolvimento adotado pela sociedade brasileira(Viola, 1987).

O início desse processo de transição do movimento ambienta-lista coincide com a formulação da Política Nacional de Meio Am-biente, regulamentada em 1983. Fábio Feldmann, naquela época pre-sidente da entidade ambientalista Oikos e candidato apoiado pelomovimento ambientalista de São Paulo à Assembléia Nacional Cons-tituinte, já afirmava que a Lei da Política Nacional de Meio Ambien-te significava “uma verdadeira revolução legislativa na área ambien-tal”.

Na verdade, a promulgação da Lei da Política Nacional deMeio Ambiente9, marca uma nova fase da política ambiental brasi-leira, que se propõe realizar uma gestão integrada dos recursos natu-rais. Essa lei constitui uma primeira tentativa de sistematização damatéria ambiental no quadro jurídico-institucional. Segundo Machado

9 Lei no. 6.938, de 31 de agosto de 1981, regulamentada pelo Decreto no. 88.351/83.Alterações posteriores foram efetuadas pela Lei no. 7.084, de 18 de julho de 1989 e pelaLei no. 8.808, de 12 de abril de 1990.

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(1991), a Lei da Política Nacional de Meio Ambiente é a primeira adefinir legalmente o conceito de meio ambiente: “um conjunto decondições, leis, influências e interações de ordem física, química ebiológica, que permite, abriga e rege a vida de todas as formas”,sendo considerado um “patrimônio público a ser necessariamenteassegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo”. O principalobjetivo dessa política é a “preservação, melhoria e recuperação daqualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no país, con-dições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da se-gurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana”. A leicontempla instrumentos e estratégias para a implementação da polí-tica nacional de meio ambiente, destacando-se o estabelecimento depadrões de qualidade ambiental, o Cadastro Técnico Federal de Ati-vidades e Instrumentos de Defesa Ambiental, o zoneamento ambien-tal, a avaliação de impactos ambientais, a pesquisa e a difusão detecnologias voltadas para a melhoria da qualidade ambiental e aspenalidades disciplinares ou compensatórias ao não cumprimentodas medidas necessárias à preservação ou correção da degradaçãoambiental. Uma das estratégias mais importantes adotadas pela lei éa responsabilização do Estado em relação as suas próprias ações, ouseja, tanto as atividades privadas como as públicas devem ser desen-volvidas em conformidade com a lei ambiental; isto representou umavanço importante em relação às políticas anteriores.

Vale traçar algumas considerações acerca da avaliação de im-pacto ambiental, um dos mais importantes instrumentos adotadospela Lei da Política Nacional de Meio Ambiente. A primeira avalia-ção de impacto ambiental realizada no Brasil data de 1972, quandodo financiamento, pelo Banco Mundial, da barragem de Sobradinho.Vários projetos dependentes de financiamentos externos foram ob-jeto de avaliação de impacto ambiental nos primeiros anos da déca-da de oitenta, por exigência dos próprios organismos internacionaisde financiamento. De um modo geral, as conclusões desses estudosnão conseguiram prever satisfatoriamente os impactos e também não

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foram considerados no processo decisório de implantação dos proje-tos. O regulamento pioneiro para o uso da avaliação de impactoambiental no Brasil foi estabelecido em 1977, em âmbito estadual: oEstado do Rio de Janeiro autorizou a Comissão Estadual de ControleAmbiental a requerer, quando julgasse necessário, o Relatório deImpacto no Meio Ambiente-RIMA (Moreira, 1989). Em Minas Ge-rais, a partir de 1980, ficou facultado ao poder público exigir o rela-tório de impacto ambiental como requisito para o licenciamento deprojetos10. Em âmbito federal, é importante citar que a lei de zonea-mento industrial11 já previa “a realização de estudos especiais de al-ternativas e de avaliações de impacto para a implantação de zonas deuso estritamente industrial que se destinem à localização de pólospetroquímicos, cloroquímicos, carboquímicos, bem como às insta-lações nucleares e outras definidas em lei”.

Através da Lei da Política Nacional de Meio Ambiente, foramcriados o Conselho Nacional de Meio Ambiente-CONAMA e o Sis-tema Nacional de Meio Ambiente-SISNAMA, constituído pelos ór-gãos e entidades responsáveis pela proteção e gestão da qualidadeambiental nas esferas federal, estadual e municipal e de órgãos daadministração federal, cujas atividades estejam relacionadas à pro-blemática ambiental. O SISNAMA tem como instância superior oCONAMA, órgão consultivo e deliberativo, vinculado à Presidênciada República e responsável pela formulação das políticas ambien-tais. O CONAMA representa uma nova instância de decisões, sendointegrado, então, por cinqüenta e quatro membros, entre represen-tantes do governo e da sociedade, ou seja, a participação pública nasdecisões é contemplada, ainda que de forma limitada. O CONAMAestá encarregado de “assessorar, estudar e propor ao Conselho deGoverno diretrizes de políticas governamentais para o meio ambien-te e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência,

10 No Rio de Janeiro, trata-se do Decreto-lei no. 1.637, de 21 de dezembro de 1977; em MinasGerais, a Lei no. 7.772, de 08 de setembro de 1980.

11 Lei no. 6.803, de 02 de julho de 1980.

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sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologi-camente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida”12. É im-portante registrar que nesse momento são criados vários conselhosna esfera estadual, como o Conselho Estadual de Meio Ambiente-CONSEMA, em São Paulo, e a Comissão de Política Ambiental deMinas Gerais-COPAM. De algum modo, essas instâncias criaramum espaço para a participação pública no processo de discussão etomada de decisões relativas à política ambiental. A criação doCONAMA e os instrumentos de gestão ambiental marcam o caráterinovador da Lei da Política Nacional de Meio Ambiente, que podeser considerada um ponto paradigmático na legislação ambientalbrasileira.

Outros dois instrumentos legais foram criados nesse período:a Resolução CONAMA no. 001, de janeiro de 1986 e a Lei no. 7.347,de 24 de julho de 1985. Esta última criou a ação civil pública deresponsabilidade por prejuízos causados ao meio ambiente, ao con-sumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, turístico epaisagístico; legitimou, ainda, a proposição de ações em defesa doschamados interesses difusos, ou seja, a categoria de interesses perti-nentes a toda a sociedade ou parte significativa dela. A ResoluçãoCONAMA 001/8613 estabeleceu as diretrizes básicas para a elabora-

12 A Lei no. 8.028/90 deu nova redação ao artigo 6o. da Lei no. 6.938/81, substituindo oConselho Superior do Meio Ambiente, pela expressão Conselho de Governo. Convémesclarecer que a Lei no. 7.804/89 já havia alterado a redação da artigo 6o., item I da Lei6.938/81, instituindo o Conselho Superior como Órgão Superior do Sistema Nacional deMeio Ambiente-SISNAMA, “com a função de assistir o Presidente da República naformulação de diretrizes governamentais para o meio ambiente e os recursos ambientais”.Originalmente, o artigo 6o., item I, da Lei 6.938/81 apresentava a seguinte redação: “ÓrgãoSuperior: o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA – com a função de assistiro Presidente da República na formulação de diretrizes da Política Nacional de MeioAmbiente”. Portanto, com a alteração da redação o CONAMA deixou de ser o ÓrgãoSuperior do SISNAMA para ser o Órgão Consultivo e Deliberativo.

13 Importa destacar alguns pontos da Resolução 001/86 do CONAMA: (a) o procedimento deavaliação de impactos ambientais envolve a preparação de dois relatórios: o Estudo deImpacto Ambiental-EIA e o Relatório de Impacto Ambiental-RIMA, que deve sintetizar asconclusões do EIA e ser redigido em linguagem acessível ao público; (b) o estudo deve serfeito por equipe multidisciplinar independente do proponente do projeto; (c) os custos dosestudos correm por conta do proponente; (d) pode ser promovida audiência pública; (e) o

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ção dos estudos de impacto ambiental, representando um avançoimportante na legislação ambiental brasileira. Essa Resolução prevêa possibilidade de realização de audiências públicas para a discussãode projetos com potencial de degradação ambiental.

A lei da ação civil pública colocou uma grande dificuldade aodireito tradicional, fundamentado na ideologia liberal e, portanto,centrado no indivíduo. Ao discutir o significado dos interesses difusosno contexto do direito ambiental, Antunes (1992) ressalta a caracte-rística democrática dessa categoria de interesses e acrescenta que osaspectos políticos envolvidos na tutela dos bens jurídicos abrangi-dos pelos interesses difusos significam “uma mudança de rumo nadoutrina tradicional e burguesa que, seguidamente, busca caracteri-zar o direito como um conhecimento meramente técnico”. Fuks (1992)assinala que o surgimento desse sujeito social não-determinado criacondições para a emergência de novas formas de sociabilidade, oque significa “que o status quo liberal, centrado no indivíduo e nomercado, torna-se vulnerável, cedendo espaço aos ideais origináriosda convivência republicana, de acordo com os quais a atividade po-lítica, entendida como empenho coletivo de realização de interessespúblicos, constitui o eixo de estruturação da vida social”.

Na opinião de alguns juristas, a ação civil pública representou umavanço dos mais importantes ocorridos nos últimos anos para a defesado meio ambiente, uma “extraordinária transformação” no plano dalegitimação das associações que defendem o meio ambiente (Freitas eFreitas, 1991). A Lei da Política Nacional de Meio Ambiente já havia

estudo deve contemplar todas as alternativas tecnológicas e locacionais do empreendimento,inclusive a alternativa de não se executar o projeto; (f) o estudo deve definir a área deinfluência direta ou indireta do projeto, considerando, no mínimo, a bacia hidrográfica naqual se localiza; (g) deve ser elaborado um diagnóstico ambiental da área de influência doprojeto, contemplando a descrição e análise dos recursos ambientais e suas interações, demodo a caracterizar a situação da área antes da implantação do empreendimento; (h) osimpactos ambientais devem ser identificados e avaliados de maneira sistemática tanto paraa fase de implantação quanto para a operação; (i) o estudo deve considerar a distribuiçãodos ônus e benefícios sociais do projeto; (j) deve levar em conta os planos e programasgovernamentais existentes ou propostos na área de influência e sua compatibilidade; (l)devem ser propostas medidas mitigadoras para os impactos negativos; (m) deve ser elaboradoum plano de monitoramento dos impactos.

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concedido legitimação ao Ministério Público para propor ação de res-ponsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente;contudo, essa lei de 1981 não legitimou as associações como autoras daação civil. A nova lei definiu dois requisitos: que a associação estejaconstituída há pelo menos um ano, nos termos da lei civil, e que tenhaentre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, aoconsumidor, ao patrimônio artístico, estético, histórico e paisagístico.Entretanto, não é estritamente necessário que conste do estatuto da enti-dade as suas finalidades tal como expresso na lei; Machado (1987) es-clarece que “importa, sobretudo, que a associação defenda valores nosquais se incluam aqueles mencionados na lei. Por exemplo: se disser oestatuto que uma associação de moradores de quarteirão ou do bairrovisa defender a qualidade da vida dos habitantes, aí está inserida a noçãode meio ambiente. Da mesma forma, se uma associação contiver em seuato constitutivo como finalidade de valorizar a cultura regional, é de serlegitimada para defender o patrimônio histórico e paisagístico”. Ade-mais, na ação civil pública não há adiantamento de custas, emolumen-tos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, o que possibilita àassociação prosseguir com a ação ainda que não disponha de fundospara custeá-la. É importante salientar que não se trata aqui de ressarcir asvítimas pessoais de uma agressão ambiental, mas de tentar recomporbens e interesses de caráter público, supra-individual; são direitos, bense interesses que dizem respeito a uma pluralidade de pessoas, à coletivi-dade.

O Ministério Público do Estado de São Paulo foi o primeiro aorganizar uma estrutura adequada para tratar de questões ambientais:em todas as comarcas foram criadas Curadorias de Proteção ao MeioAmbiente, articuladas pela Coordenadoria das Curadorias de MeioAmbiente. Assim, desde 1985, passou a existir a figura do Curador deMeio Ambiente nas cidades de maior porte do Estado de São Paulo. Até1990, o Ministério Público de São Paulo registrava trezentas e cinqüentaações civis públicas propostas, das quais cerca de vinte já estavam comjulgamento definitivo e algumas com execução concluída. Cerca de

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setencentos e noventa processos investigatórios estavam em andamen-to, entre inquéritos civis e peças informativas (Milaré, 1990b). Até osprimeiros meses de 1992, apenas o Ministério Público de São Paulohavia iniciado cerca de 96,5% das ações civis públicas; este número émuito siginificativo e levanta algumas questões importantes acerca daprópria concepção de interesses difusos e, sobretudo, acerca do uso daação civil pública pela sociedade.

Fuks (s/d), analisando o uso da ação civil pública no Estadodo Rio de Janeiro, apresenta dados semelhantes. Assim como ocorreno Estado de São Paulo, é o Ministério Público o principal agentedas ações de proteção ambiental no Rio de Janeiro: das cento e umaações movidas desde 1985, o Ministério Público é autor de oitenta equatro delas; somadas as ações movidas pelas agências governamen-tais e pelo poder executivo, a ação direta do Estado corresponde anoventa por cento dessas ações judiciais.

Diante desse quadro, Fuks reconhece uma certa passividadeda sociedade civil em relação à proteção judicial do meio ambiente,já que sua ação se restringe ao encaminhamento de denúncias e ou-tros procedimentos secundários, o que, na sua opinião, é um “papelmenor”. Ao fim, é o Ministério Público que decide sobre a proce-dência das denúncias e sobre o ritmo dos processos.

Segundo o autor, a emergência dos interesses difusos “corres-ponde à tentativa de dar visibilidade e legitimidade jurídica a umsujeito coletivo ‘invisível’, pois os sujeitos desses interesses são sem-pre virtuais – um espaço vazio a ser ocupado por qualquer membroda sociedade”. Mas, afinal, quem são os atores e de que forma par-ticipam das ações de proteção ao meio ambiente? A partir dos dadosrevelados pela pesquisa, Fuks conclui que “o discurso que supõe sera própria coletividade, enquanto portadora do ‘interesse público pri-mário’, o sujeito interessado na proteção do meio ambiente torna-sevulnerável quando confrontado com a observação empírica”, ou seja,a prática do uso dos chamados interesses difusos “tem um carátermais restrito do que sua concepção teórica”. Fuks aponta três princi-

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pais aspectos relacionados a essa questão: uma ausência de mobili-zação da sociedade civil pela defesa judicial dos interesses difusos;quando há mobilização, ela é mais significativa nos setores de maiorpoder aquisitivo; finalmente, os interesses relacionados à proteçãoambiental nem sempre têm caráter universal, já que freqüentementeestão “mesclados” com interesses de grupos específicos. Algumashipóteses são levantadas para tentar explicar esta situação: pode ha-ver um desconhecimento por parte da sociedade sobre seus própriosinteresses e direitos; o caráter difuso desses interesses pode gerarobstáculos ao uso da ação civil; o caráter “latente” dos conflitosambientais pode não adquirir um perfil de conflito jurídico; ou ain-da, um determinado grupo social apenas age em favor de um “bempúblico” quando a ação resulta em benefícios restritos ao própriogrupo.

Haveria, portanto, uma defasagem entre o campo da doutrinajurídica e o contexto em que se faz uso dos instrumentos jurídicos,de tal modo que “a vocação ‘universal’ dos ‘interesses difusos’ nãose realiza na prática judicial”. Fuks considera que esta situação podeser explicada pela desigualdade e carência de recursos organizacio-nais da sociedade brasileira e pelo fato de que o meio ambiente aindanão é um valor compartilhado de forma “difusa” pelo conjunto dasociedade.

De qualquer modo, a ação civil pública ainda é um instrumen-to novo no campo legal brasileiro e, nesse contexto, não deixa de serimportante a iniciativa do Ministério Público na proposição das ações.O alargamento do campo de ação de um Ministério Público indepen-dente certamente é um caminho importante para promover umenforcement dos direitos ambientais e também sociais, o que nãosubstitui, todavia, a necessidade de incrementar a participação dasociedade civil. É preciso considerar ainda que o acesso à justiça, deum modo geral, permanece limitado pelos custos e morosidade dosistema; ademais, o sistema judiciário brasileiro tem um caráter elitistae obsoleto (Fernandes, 1994).

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A ação civil pública é resultado de um longo processo deredemocratização do país. Apesar dos problemas envolvidos no usodesse instrumento legal, é inegável que a ação civil pública acaboupor reforçar a noção de res communes omnium dos bens ambientais,que prevalece, inclusive, sobre a sua conotação de res publica. Daí oforte traço democrático da lei e a valorização da participação po-pular na gestão de problemas que poderiam ser considerados apenascomo competência do Estado.

Já a Resolução CONAMA 001/86, que estabeleceu as diretrizesbásicas para a elaboração dos estudos de impacto ambiental, reafirmouo direito do cidadão receber informações acerca de projetos que possamcomprometer a qualidade ambiental. Ao prever a realização de audiên-cias públicas, este dispositivo legal garantiu a participação da sociedadenas discussões de projetos com potencial de degradação ambiental. Pos-teriormente, a Resolução CONAMA 00914, de 03 dezembro de 1987,disciplinou essa matéria, prevendo a obrigatoriedade da realização deaudiências públicas quando requeridas por entidade civil, pelo Ministé-rio Público ou cinqüenta ou mais cidadãos. A audiência pública consti-tui um espaço de negociação social no processo de tomada de decisão,possibilitando uma “gestão democrática do meio ambiente” (Sánchez,1993). O autor destaca quatro papéis complementares da avaliação deimpacto ambiental: instrumento de ajuda à decisão; instrumento de con-cepção de projetos e planejamento, ou seja, a avaliação de impactosdeve incitar os proponentes a conceber projetos ambientalmente menosagressivos e não apenas julgar se os impactos são aceitáveis ou não;instrumento de negociação social, fornecendo a base informacional danegociação e as condições para que esta ocorra; e instrumento de gestãoambiental.

Outra questão a ser considerada é que a avaliação de impactoambiental, além de incorporar aspectos técnico-científicos, envolve

14 Embora essa Resolução tenha sido aprovada em 1987, apenas em julho de 1990 foi publicadano Diário Oficial. O longo tempo de espera para a publicação certamente não foi gratuito,dado o caráter democrático da proposta.

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circunstâncias políticas: a vertente técnico-científica está expressanos estudos de impacto ambiental através de metodologias empre-gadas, das técnicas, pesquisas e dados vinculados à identificação,previsão e avaliação de impactos nas diferentes fases do projeto, edo estudo de alternativas; a vertente político-institucional refere-seaos procedimentos administrativos e ao amparo legal e burocráticoque regulam os estudos de impacto ambiental (Moreira, 1989). Tam-bém este instrumento legal causa um certa perplexidade ao direitoliberal tradicional: enquanto o positivismo jurídico busca a certeza ea regularidade, a avaliação de impacto ambiental leva em considera-ção a diversidade de circunstâncias e aspectos particulares e concre-tos, que não podem ser conhecidos antecipadamente; as questõesambientais, e a própria avaliação de impacto ambiental, não podemser reduzidos à instrumentalidade do direito tradicional.

A consolidação dos avanços da política ambiental ocorre coma promulgação da Constituição de 1988, que vai situar o direito aomeio ambiente no mesmo nível dos direitos e garantias fundamen-tais, ao estabelecer que “todos têm o direito ao meio ambiente ecolo-gicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial àsadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletivi-dade o dever de defendê-lo para as presentes e futuras gerações”.

No processo de discussão e elaboração da Constituição, omovimento ambientalista, enquanto um novo sujeito social, foi efe-tivamente portador de novas reivindicações e, nesse sentido, definiunovos direitos, ampliando a questão da cidadania: o direito ao meioambiente ecologicamente equilibrado representa, evidentemente, aluta por uma melhor qualidade de vida.

A participação do movimento ambientalista no processo Cons-titutinte inicia-se já a partir de 1984. No ano seguinte, os ambien-talistas criam, no Rio de Janeiro, a Coordenadoria Interestadual Eco-logista para a Constituinte-CIEC, com representantes do Rio Grandedo Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e MinasGerais. A proposta era “ecologizar a Constituinte”. Ainda em maio

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de 1986, foi realizado o I Encontro Nacional de Entidades Ambi-entalistas Autonômas, em Belo Horizonte, também para discutirpropostas para a Constituinte; nesse encontro além dos estados dosul e sudeste, participaram, pela primeira vez, as associações donorte, nordeste e centro-oeste. Também foram organizadas “listasverdes” com indicação de candidatos de diversos partidos políticosligados ao movimento ambientalista ou simpatizantes com a ques-tão ambiental. As propostas elaboradas pelo movimento durante odebate Constituinte foram bastante amplas, abrangendo desde a edu-cação ambiental generalizada até a determinação da função ecoló-gica da propriedade. Tais propostas coincidiram, em grande parte,com reivindicações de diversos segmentos sociais organizados dasociedade. Com efeito, durante toda a década de oitenta, o movi-mento ambientalista estabeleceu um diálogo com muitas associa-ções de moradores, com o sindicalismo operário, com o estudantadouniversitário, movimento dos sem-terra, dos atingidos por grandesbarragens, de modo que a opinião pública sofreu uma mudançaqualitativa, passando a considerar o movimento com maior serie-dade (Viola, 1987). Por outro lado, é importante considerar que aprópria problemática sócio-ambiental brasileira aproxima as pro-postas desses diferentes grupos sociais a tal ponto que não é possí-vel restringir a luta e as conquistas na área ambiental apenas aomovimento ambientalista: a atuação do ambientalismo de Estado,a apropriação da temática por entidades sociais de um modo gerale mesmo as mobilizações ocasionais foram fundamentais em todoo processo. Minc (1987) elencou algumas dessas propostas, trans-critas a seguir de modo resumido:

– o desenvolvimento econômico deve atender à expectativade justiça social e de preservação do equilíbrio ecológico, ou seja,do ecodesenvolvimento;

– a Constituição, em matéria ambiental, deve corresponder aoerguimento de uma paliçada defensiva dos indivíduos e associaçõesperante o poder econômico e o poder de Estado;

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– a Constituição deve explicitar: (a) o direito de todo cidadãogozar de um ambiente sadio e equilibrado, desfrutando de qualidadede vida; ao cidadão deve ser assegurada a tutela sobre seu patrimônioambiental; (b) a concessão de recursos, créditos e incentivos deveser condicionada aos estudos prévios de impactos sócio-ambientais;(c) a preservação e manejo de recursos ambientais deve ter utilidadepública e interesse social;

– as políticas nacionais de pesquisa científica e tecnológicadevem estar dirigidas à produção de tecnologias ecologicamente se-guras;

– descentralização do controle e gestão ambiental; a Uniãoedita as normas gerais, mas os estados devem ter a competência deadequar essas normas às potencialidades regionais e os municípiosdevem ter poder de prévia análise de eventuais impactos no solo, noar e nas águas;

– que seja prevista na Constituição a forma plebiscitária deconsulta para os grandes projetos ou programas que atinjam signifi-cativamente a qualidade de vida das populações regionais;

– que seja assegurada às entidades de defesa do meio ambien-te não governamentais, a paridade em todos os órgãos colegiadosambientais oficiais em relação aos representantes do Estado;

– definição precisa para os delitos ecológicos;

– obrigatoriedade de informação regular à população de todasas repercussões ambientais e das penalidades impostas aos agressores;

– estabelecimento de limites ao direito de propriedade, res-tringindo seu uso às normas e condições estabelecidas para a garan-tia do patrimônio ambiental da sociedade;

– reorganização do sistema nacional de contabilidade de formaa que sejam computados os custos ambientais inerentes às grandesobras e projetos;

– estabelecimento de taxas para o uso do meio ambiente, des-tinadas ao fundo de depreciação.

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A Constituição brasileira atendeu, por um lado, várias dessasreivindicações e, por outro, consolidou os princípios já adotados pelaLei da Política Nacional de Meio Ambiente; também incorporounovas estratégias como a caracterização da floresta Amazônica comopatrimônio nacional. De um modo geral, a Constituição guarda umcaráter conservacionista, mantendo um diacronismo em relação àspolíticas de desenvolvimento e as políticas ambientais. Por outrolado, a problemática ambiental aparece implicitamente em capítulosque tratam do uso de recursos naturais (solo, energia, mineração,programa nuclear, propriedade fundiária). Ademais, a proteção am-biental foi incluída como critério para a definição social da proprie-dade e, por conseguinte, para a desapropriação. A questão da propri-edade privada também foi colocada em pauta quando se considerouo meio ambiente como “patrimônio público”, um bem que pertencea todos. Até então, os bens naturais eram considerados bens da União,o que não garantia sua proteção, pois ou acabavam sendo privatizados,ou transformados de modo inadequado pelo próprio Estado. Assim,ao mesmo tempo que a Constituição consagra o direito à proprieda-de, impõe restrições, no sentido de uma crescente “desprivatização”da propriedade. A Constituição ainda estabeleceu a competênciaconcorrente entre União, Estado e municípios para legislar sobre omeio ambiente, e a competência comum para executar a legislação.Outro aspecto inovador a ser considerado é que a Constituição, aoimpor ao poder público e à coletividade de um modo geral o deverde defender o meio ambiente, fragmentou, em certo sentido, o mo-nopólio do Estado, ou seja, o dever do Estado no que se refere àproteção do meio ambiente está distribuído no texto constitucional.Por fim, a nova Lei colocou entre as finalidades da ação popular adefesa do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural e atri-buiu ao Ministério Público a função de promover a proteção do meioambiente através do inquérito civil e da ação civil pública.

A formulação de leis constitucionais mais preocupadas com adefesa do meio ambiente, prevendo inclusive a participação da so-

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ciedade civil no processo de tomada de decisão, parece ser uma ten-dência mundial, observada também em países em desenvolvimento.Merece destaque, neste particular, a Constituição da Colômbia, pro-mulgada em 1991. A Constituição colombiana é bastante avançada noque se refere ao reconhecimento dos direitos e garantias dos povosindígenas e populações negras e também em relação aos usos dos re-cursos naturais do país. Dois princípios gerais sobressaem nesse textoconstitucional: o reconhecimento da nação colombiana como uma so-ciedade cultural e etnicamente diversa e o reconhecimento do territó-rio nacional como um país de muitas regiões. Além do ordenamentodo território indígena, a Constituição reconheceu o direito de proprie-dade coletiva das comunidades negras e a capacidade desses grupospara intervir, de forma ativa, nas decisões sobre manejo e aproveita-mento dos recursos naturais de seus territórios (Sánchez et al.,1993).

Outro momento muito significativo do movimento ambienta-lista brasileiro refere-se à mobilização contra a pavimentação da ro-dovia BR-364 no Acre, em 1987, liderada por Chico Mendes. Já em1985-86, estabeleceu-se uma aliança entre organizações ambienta-listas norte-americanas e populações locais: estavam envolvidos naluta o Conselho Nacional dos Seringueiros, organizações indígenasda área de influência do projeto, o Instituto de Estudos Amazônicos,a Associação Brasileira de Antropologia, o Environmental DefenseFund e o National Wildlife Federation. As pressões exercidas pelasorganizações não governamentais, sobretudo aquelas internacionais,sobre o Banco Mundial resultaram na suspensão dos financiamentosdestinados ao projeto e no início de um complexo processo de nego-ciação, envolvendo o movimento ambientalista, técnicos do Bird e ogoverno brasileiro15.

Na segunda metade da década de 80, o número de gruposambientalistas aumentou: de quatrocentos em 1985, para cerca de

15 Durante o governo Collor o projeto de pavimentação e prolongamento dessa rodovia voltoua ocupar espaço nos meios de comunicação, através de declarações do Secretário interinode meio ambiente, José Goldemberg.

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setecentos em 1989. Um número significativo de novas organiza-ções surgiu com um perfil profissional: corpo técnico e administrati-vo, captação de recursos financeiros, definição precisa de área deatuação. Exemplos desse tipo são a Fundação S.O.S. Mata Atlânti-ca, Fundação Biodiversitas, Funatura (Viola, 1992a).

Em outubro de 1988, o governo federal criou o programa “Nos-sa Natureza”16 com o objetivo de reformular a legislação ambiental eapresentar uma série de diretrizes para a proteção do meio ambiente– principalmente para a região amazônica. Apenas em abril do anoseguinte, o programa foi apresentado oficialmente, com a assinaturade vários decretos e divulgação de projetos de lei. O programa “Nos-sa Natureza” previa a regulamentação de algumas atividades, entreas quais a exploração e comercialização de madeira, o garimpo, ouso de agrotóxicos. Entre as medidas anunciadas, as mais significa-tivas foram a suspensão dos incentivos fiscais e créditos oficiais paraprojetos de desenvolvimento e a criação do Conselho Superior deMeio Ambiente, que mereceu críticas do movimento ambientalista,pois não previa a participação da sociedade civil, além de se sobre-por ao CONAMA. Vale notar que a elaboração do programa “NossaNatureza” não contou com a participação dos ambientalistas; antesfoi coordenada pelos militares. Na verdade, o programa pretendeuapenas ser uma resposta rápida às críticas que o governo vinha so-frendo da comunidade internacional, sobretudo em relação ao des-matamento na Amazônia; a posição de alguns países chegou, inclu-sive, a comprometer a liberação de empréstimos para o Brasil.

No início de 1989, foi criado o Instituto Brasileiro do MeioAmbiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA17, que fun-diu em sua estrutura a SEMA, IBDF, SUDEPE e SUDHEVEA, or-ganismos com atribuições, finalidades e culturas organizacionais di-ferentes. O IBAMA foi criado com o objetivo de coordenar, no pla-

16 O programa “Nossa Natureza” foi criado pelo Decreto no. 96.944, de 12 de outubro de 1988.17 O IBAMA foi criado pela Lei no. 7.735, de 22 de fevereiro de 1989.

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no federal, a política nacional de meio ambiente, aplicar a legislaçãoem vigor e atuar, em caráter supletivo, nos estados onde os órgãosambientais não estivessem cumprindo suas funções. O IBAMA tam-bém tem a função de atuar como secretaria executiva do CONAMA.

Nessa mesma época, havia sido formado um grupo de tra-balho sob responsabilidade da SEMA, com o objetivo de desenvol-ver um mecanismo financeiro de apoio à institucionalização de ór-gãos e políticas ambientais no país. Com a extinção daquela secreta-ria, a coordenação do grupo foi transferida para o IBAMA. No anoseguinte, o governo brasileiro assinou um acordo de empréstimo como Banco Mundial para a implementação do Programa Nacional deMeio Ambiente-PNMA. O orçamento do PNMA foi aprovado emjaneiro de 1990, entretanto, a falta de consolidação da estrutura doIBAMA, então recém criado, e o não atendimento das metas previs-tas devido à indisponibilidade de dotações orçamentárias, impediu asolicitação de recursos, atrasando todo o cronograma de implanta-ção do PNMA. O acordo de empréstimo somente foi consideradoem vigor pelo Banco Mundial a partir de dezembro daquele ano18.Inicialmente, o PNMA estava programado para ter duração de trêsanos, com possibilidade de prorrogação, ficando sua execução a car-go do IBAMA. Posteriormente, o cronograma financeiro foi altera-do e o prazo de implementação do PNMA foi estendido. O PNMAassentava-se sobre três eixos básicos: o desenvolvimento institucio-nal, prevendo o fortalecimento do IBAMA e dos órgãos ambientaisintegrantes do SISNAMA; a melhoria e preservação das unidades deconservação já existentes e a criação de novas unidades representati-vas dos principais ecossistemas do país; o gerenciamento e fiscaliza-ção de ecossistemas ameaçados como o Pantanal, Mata Atlântica eZona Costeira (World Bank, 1990).

18 O empréstimo envolvia US$ 117 milhões do Banco Mundial, US$ 16,3 milhões da Alemanhae US$ 33 milhões do governo brasileiro a título de contrapartida.

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Ainda em 1989, foi criado o Fundo Nacional do Meio Am-biente-FNMA19, um dos componentes do programa “Nossa Nature-za”. O FNMA tem como objetivo desenvolver projetos que visem aouso sustentável dos recursos naturais, de modo a garantir a melhoriaou recuperação da qualidade de vida no país. Nesse sentido, o FNMAestá voltado, prioritariamente, para as unidades de conservação; pes-quisa e desenvolvimento tecnológico; educação ambiental; manejoflorestal; desenvolvimento institucional e controle ambiental. Inici-almente, não foi prevista a participação da sociedade civil no geren-ciamento do Fundo; o movimento ambientalista exerceu forte pres-são junto aos órgãos do governo federal e, em setembro de 1989, foiassinado um decreto20 que garantiu a representação de entidadesambientalistas no Comitê Deliberativo do Fundo. Os recursos quecompõem o FNMA são provenientes de doações de pessoas físicasou jurídicas nacionais ou internacionais, além de acordos bilaterais.

A década de oitenta encerra-se, assim, com importantes con-quistas no campo ambiental. Na interpretação de Wandesforde-Smithe Moreira (1985), o processo de discussão e implementação efetivade uma política ambiental foi menos resultado de pressões popularesdo que uma estratégia burocrática de certos setores do governo, nosentido de sistematizar uma série de normas, estratégias e instru-mentos relacionados à matéria ambiental e, ainda, dar uma respostaàs agências de financiamento e outros organismos internacionais.No mesmo sentido, Monosowski (1989) afirma que a constituição eevolução da política ambiental correspondem às “diferentes concep-ções de meio ambiente e seu papel em relação às estratégias de de-senvolvimento econômico adotadas pelo Estado”. Essas proposições

19 O Fundo Nacional do Meio Ambiente-FNMA foi criado pela Lei no. 7.797, de 10 de julhode 1989, regulamentado pelo Decreto no. 98.161, de 21 de setembro de 1989 e,posteriormente, pelo Decreto no. 99.249, de 11 de maio de 1990.

20 Decreto regulamentador no. 98.161, de 21 de setembro de 1989. Este decreto estabeleceuque o Conselho Deliberativo do Fundo seria composto por cinco representantes de Secretariade Planejamento e Coordenação-Seplan, cinco representantes do IBAMA e trêsrepresentantes de entidades ambientalistas.

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guardam, evidentemente, a sua validade; contudo, não podemosdesconsiderar o importante papel desempenhado pelo movimentoambientalista ao longo do processo de elaboração e implementaçãoda fase mais recente da política ambiental, sobretudo no momentode elaboração da Constituição Federal, construindo o que se poderiachamar de uma cidadania ambiental ou o direito ao meio ambienteecologicamente equilibrado.

Na verdade, a construção de uma cidadania ambiental faz par-te de um processo mais amplo de reconstrução da sociedade civilbrasileira, a partir da emergência de setores organizados, capazes deintervir e participar dos rumos e processos de decisão política. Umasociedade que começa a ser capaz de reivindicar seus direitos e exi-gir que sejam cumpridos, inclusive no campo ambiental. As deman-das ambientalistas, em particular, inseriram no debate político a ques-tão da participação democrática da sociedade no processo de deci-são acerca da apropriação dos recursos naturais e da formulação depolíticas que garantam a qualidade de vida. A entrada do movimentoambientalista na cena política brasileira, que se iniciou, principal-mente, a partir da Conferência de Estocolmo, teve sempre por refe-rência a inserção de novos direitos.

Nesse sentido, a política ambiental brasileira, que nasceu nosanos 30 e consolidou-se a partir dos anos 60, sofreu uma profundareestruturação ao longo da década de 8021. Se, inicialmente, essa po-lítica foi implantada mais como resultado das ações de um Estadoautoritário e centralizador e, depois, foi subordinada aos imperati-vos da política econômica e da tecnocracia estatal, a sua consolida-ção foi resultado da pressão direta de forças sociais organizadas. Adécada de 80 colocou em pauta a questão da democratização, sendoum momento de intensa mobilização dos chamados novos movimen-

21 Desde então, a política ambiental brasileira não sofreu alterações significativas; cabe destacar,no entanto, a promulgação da chamada lei de crimes ambientais, Lei n. 9.605 de 12 defevereiro de 1998, que também gerou um importante debate público.

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tos sociais; ao final da década, a promulgação da Constituição garantiuuma série de novos direitos, situando o direito ao meio ambiente nomesmo nível dos direitos e garantias fundamentais.

A nova sociabilidade construída ao longo dos anos setenta eoitenta, a partir da presença de novos e importantes sujeitos na cenapolítica brasileira, tornou possível uma participação efetiva da so-ciedade civil organizada na esfera pública de negociações, inclusiveno campo das políticas ambientais. Nesse sentido, os primeiros anosda década de noventa, período denominado “Brasil Novo”, são ex-tremamente significativos e reveladores. A aproximação da Confe-rência das Nações Unidas para Meio Ambiente e Desenvolvimento-CNUMAD, que o Brasil viria sediar em 1992, estimulou ainda maiso debate e as negociações políticas acerca das questões ambientais,sobretudo com a participação do Fórum das Organizações Não Go-vernamentais Brasileiras Preparatório para a Conferência da So-ciedade Civil sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criado emjunho de 1990. Será este o tema do próximo capítulo. Contudo, éimportante registrar desde já, que a realização da Conferência doRio e do Fórum Global de ONG’s representou um momento únicode encontro de governantes e ambientalistas de todo mundo; ummomento que, de alguma forma, sinalizava para um projeto utópicode construção de uma nova sociedade. Ou, como disse um importan-te ambientalista brasileiro, poucos meses antes da Conferência doRio22, surgiu “um movimento mundial de cidadãos (...) A humanida-de está entrando em assembléia geral. Vai ser uma assembléia linda– e longa”.

22 Por Carlos Aveline, presidente da União Protetora do Ambiente Natural-UPAN; extraídodo boletim informativo da UPAN, março de 1992.

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A política ambiental implementada durante o governo Collor– março de 1990 a outubro de 1992 – ficou marcada por suas ambi-güidades e assentada sobre contradições. O novo governo foi insta-lado em um ano de inflexão da problemática ambiental no Brasil, emfunção do processo de preparação da Conferência das Nações Uni-das sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento-CNUMAD, ou Con-ferência do Rio, realizada em junho de 1992, no Rio de Janeiro. Ainfluência desse processo, cujo princípio fundamental foi a neces-sidade de pensar as relações entre desenvolvimento econômico epreservação do meio ambiente, foi marcante no discurso do Estadobrasileiro.

A discussão ambiental foi incorporada pelo novo governo apartir de uma perspectiva neoliberal1; serviu como um dos pilares naconstrução de um discurso com forte apelo à questão da moderni-dade, que Collor afirmava representar. Ademais, o tema meio am-biente serviu muito bem à estratégia de abertura econômica do paísao mercado externo, tanto para a busca de novos investimentos pri-

1 Em linhas gerais, o ideário neoliberal funda-se no pressuposto do Estado mínimo, privilegiaa iniciativa privada, a livre concorrência e as leis do mercado; mercantiliza as relaçõessociais. Em suma, reduz o social ao econômico. O ideário neoliberal ganha contornosdiferenciados de acordo com os diversos contextos sócio-políticos. Assim, nos paísesdesenvolvidos, o neoliberalismo ganhou força enquanto reação à política do Estado doBem-Estar Social, responsabilizada, em grande parte, pelo déficit fiscal daqueles países. János países em desenvolvimento, cujas políticas sociais não foram capazes de garantir umdesenvolvimento econômico e social mínimo, o neoliberalismo está atrelado à políticaformulada pelos organimos financeiros internacionais, que têm exigido destes países, alémda abertura de sua economia, a redução do tamanho do Estado.

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vados, quanto para a obtenção de financiamentos ditos ambientais.O governo procurou, em um primeiro momento, tranqüilizar os paí-ses da Europa e os Estados Unidos acerca dos problemas de degra-dação ambiental no país, notadamente os desmatamentos na Ama-zônia; nomeou um ambientalista reconhecido internacionalmente paraintegrar a equipe de governo; agilizou a política de demarcação deterras indígenas e reforçou o poder de fiscalização de órgãos como oIBAMA. Apesar destas iniciativas, várias ações do governo na áreaambiental representaram um risco potencial de retrocesso em rela-ção aos direitos já garantidos. No entanto, a comunidade ambienta-lista conseguiu garantir aquelas conquistas e manter a participaçãoem importantes espaços de decisão.

A realização da Conferência do Rio e, principalmente, o fatode que o país seria o anfitrião do evento, foram decisivos para aconstrução do discurso e da imagem de um governo preocupado coma preservação do meio ambiente. Na verdade, a decisão de sediar aConferência do Rio fora tomada ainda no governo anterior, tornan-do-se, portanto, uma herança e um desafio para o novo governo;algo que não poderia ser desconsiderado, mas antes, tomado comouma prioridade, em razão da qual toda uma estratégia deveria serelaborada. Por outro lado, não se limitou apenas a este fato a preocu-pação com a questão ambiental que o novo governo procurou de-monstrar.

Ainda durante o período eleitoral, os ambientalistas enviarampara todos os candidatos à Presidência da República, um documentoconhecido como “Plataforma ambiental mínima para os presiden-ciáveis”2. Tal documento foi resultado de um esforço dos ambienta-listas, no sentido de levantar questões ligadas à problemática am-biental, consideradas fundamentais, e reunir opiniões, pareceres epropostas não apenas das entidades ambientalistas, mas também de

2 Fundação S.O.S. Mata Atlântica (ed.) (1989). Plataforma ambiental mínima para ospresidenciáveis. São Paulo, 25p.

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cientistas, especialistas e técnicos da área ambiental, inclusive espe-cialistas de agências governamentais, que poderiam, de alguma forma,contribuir para o debate. A Comissão de Meio Ambiente e Defesado Consumidor da Câmara dos Deputados e a Fundação S.O.S MataAtlântica coordenaram os trabalhos. Segundo os ambientalistas, ospresidenciáveis não estavam tratando a questão ambiental com a se-riedade necessária; os programas de governo demonstravam falta deconhecimento do assunto e uma falta de compreensão da articulaçãoentre “a degradação ambiental e o modelo econômico predatório emexecução no Brasil”. Durante os meses de setembro e outubro de1989, foram realizados vários encontros regionais – que reuniramcerca de quinhentos representantes de entidades ambientalistas detodo o país – e uma reunião em Brasília, com o objetivo de concluiro documento. Ao final desse processo de intensa discussão, foramrelacionadas cento e trinta e três medidas, que os ambientalistas con-sideravam necessárias para reverter o quadro de degradação ambientaldo país. Destas, treze foram selecionadas e reunidas, então, em umaplataforma mínima, elaborada em forma de questionário (os candi-datos deveriam responder sim ou não às questões propostas). Tam-bém foi elaborada uma estratégia de divulgação do documento nosprincipais meios de comunicação.

O documento foi encaminhado aos presidenciáveis, juntamentecom uma carta que solicitava uma resposta quanto à concordânciaou não da implantação das medidas já nos primeiros dias de gover-no. As treze medidas propostas, que deveriam ser aplicadas imedia-tamente, eram as seguintes: “criar o Ministério do Meio Ambiente;sustar o pagamento do serviço da dívida externa brasileira, investin-do os recursos correspondentes na recuperação do ambiente degra-dado e na assistência às populações afetadas; ampliar a cooperação eratificar os acordos e tratados internacionais de proteção ao meioambiente vigentes; cancelar o acordo nuclear Brasil-Alemanha;desativar o projeto Aramar; promover a revisão do Programa Nu-clear Brasileiro, colocando-o sob controle civil e sujeitando-o à apro-

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vação do Congresso Nacional, após amplo debate com a populaçãobrasileira; declarar moratória a novos empreendimentos na Amazô-nia até que esteja concluído e aprovado pelo Congresso Nacional, ozoneamento ecológico e econômico da região; promover a revisãoda matriz energética brasileira, com a reavaliação do programa 2010;implantar amplo programa de conservação do solo e controle dadesertificação; assegurar a demarcação das terras indígenas e a reti-rada de garimpeiros e demais invasores; ampliar os programas deciências e tecnologias para pesquisa básica dos ecossistemas brasi-leiros, bem como os estudos de tecnologias adequadas ao desenvol-vimento ecologicamente sustentado do país; destinar recursos ne-cessários à ampliação dos programas de controle e prevenção depoluição, prioritariamente nas regiões metropolitanas; destinar re-cursos para a implantação definitiva do Sistema Nacional de Par-ques e outras unidades de conservação”3.

Nem todos os candidatos responderam aos ambientalistas4. Dequalquer modo, as respostas foram divulgadas pela grande impren-sa. Collor foi um dos que respondeu, quase sempre concordandocom os ambientalistas. Das treze reivindicações apresentadas, Collorrespondeu não à criação do Ministério do Meio Ambiente e à pro-posta de sustar o pagamento da dívida externa; absteve-se em rela-ção ao cancelamento do acordo nuclear Brasil-Alemanha, àdesativação do projeto Aramar e à declaração imediata de moratóriaa novos empreendimentos na Amazônia. Em carta encaminhada àsentidades ambientalistas, chegou a dizer que pretendia ouvir a so-

3 Além da carta ao candidato e do questionário com as treze reivindicações, a “Plataformaambiental mínima para os presidenciáveis” apresentava capítulos específicos sobreprioridades institucionais, consolidação da legislação ambiental, prevenção e controle dapoluição, proteção dos recursos naturais, proteção dos grandes ecossistemas, políticasintegradas de governo, política indigenista, relações internacionais e informação eparticipação dos cidadãos.

4 De acordo com um boletim especial da S.O.S. Mata Atlântica, responderam ao questionárioos candidatos Fernando Gabeira, Fernando Collor de Mello, Luis Inácio Lula da Silva eMário Covas. As assessorias de Ulysses Guimarães e Brizola alegaram falta de tempo doscandidatos; Paulo Maluf não concordou com a forma das respostas (“sim”, “não” ou“abstenção”). Outros candidatos não se manifestaram.

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ciedade civil e prometeu “recollorir de verde o que foi feito cinzapelo capitalismo selvagem...”.

Assim, os ambientalistas já se apresentavam como interlo-cutores importantes antes mesmo que o processo eleitoral estivesseterminado, dando provas de sua maturidade e capacidade de articu-lação política, características que seriam marcantes durante todo operíodo que haveria de vir.

Um dos principais interlocutores do governo foi o Fórum dasOrganizações Não Governamentais Brasileiras Preparatório para aConferência da Sociedade Civil sobre Meio Ambiente e Desenvol-vimento, criado em junho de 1990. Desde o início, o Fórum manteveum caráter pluralista, congregando entidades de defesa dos direitosindígenas, grupos feministas, movimentos populares, entidades sin-dicais: “o Fórum não é exclusivamente ambientalista. Para a supera-ção dos problemas ambientais é necessária a articulação de todos ossetores que buscam os mesmos objetivos. Sendo assim, o Fórum éaberto à participação de todas as ONG’s e entidades da sociedadecivil que tenham uma prática voltada à recuperação, proteção emelhoria do meio ambiente e da qualidade de vida e que sejam reco-nhecidamente independentes em relação ao modelo de desenvol-vimento atual e sejam aprovadas pelo Fórum”5. O Fórum manteve-se para além da realização da Conferência do Rio, tornando-se umnovo sujeito político coletivo, fundamental no processo de discus-são da política ambiental brasileira6.

Ao assumir a presidência, Collor realizou uma reformulaçãoda estrutura institucional do governo, extinguindo vários ministériose agências estatais e criando uma nova estrutura ministerial, além desecretarias governamentais7, entre as quais a Secretaria de Meio

5 Documento final do III Encontro Nacional, Brasília, outubro de 1990.6 A partir de 1992, o Fórum passou a denominar-se Fórum Brasileiro de ONG’s e Movimentos

Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento7 Lei no. 8.028, de 12 de abril de 1990; dispõe sobre a organização da Presidência da República

e dos Ministérios e Decreto no. 99.244, de 10 de maio de 1990; dispõe sobre a reorganizaçãoe o funcionamento dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios.

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Ambiente da Presidência da República-Semam/PR. O cenário foiestrategicamente montado: desde a criação de uma estrutura institu-cional, até a escolha dos nomes que iriam responder pela políticaambiental. A reforma implementada, ao reduzir o número de minis-térios, pretendeu criar uma estrutura mais compacta; todavia, aca-bou por centralizar, na figura do presidente, uma série de decisõesimportantes. Assim, à Presidência da República estavam diretamen-te vinculadas, entre outras, a Secretaria da Administração Federal,dos Assuntos Estratégicos, da Ciência e Tecnologia, além da própriaSecretaria de Meio Ambiente, todas definidas como órgãos de assis-tência direta e imediata ao Presidente da República8.

A estrutura básica da Semam/PR era constituída pelo Con-selho Nacional de Meio Ambiente, pelo Departamento de Planeja-mento e Coordenação da Política Ambiental, Departamento Téc-nico-Científico e de Cooperação, Comitê do Fundo Nacional doMeio Ambiente. Entre as atribuições e competências da Semam/PR destacavam-se: planejar, coordenar, supervisionar e controlaras atividades relativas à Política Nacional do Meio Ambiente; pro-por ao Conselho Nacional de Meio Ambiente o estabelecimento denormas e padrões gerais relativos à preservação e conservação domeio ambiente; gerir a aplicação do Fundo Nacional do Meio Am-biente e promover a educação ambiental e a formação da cons-ciência coletiva de conservação e de valorização da natureza, comvistas à melhoria da qualidade de vida. O Instituto Brasileiro doMeio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA es-tava vinculado à Semam/PR.

8 Entre os diversos órgãos e entidades ligados à Presidência da República, destacamos:Secretaria da Administração Federal, Secretaria de Assuntos Estratégicos, Estado Maiordas Forças Armadas, Consultoria Geral da República, Secretarias da Cultura, da Ciência eTecnologia, do Desenvolvimento Regional, dos Desportos, do Meio Ambiente, ComissãoNacional de Energia Nuclear, Conselho Nacional de Desenvolvimento, Superintendênciado Desenvolvimento do Nordeste-SUDENE, Superintendência do Desenvolvimento daAmazônia-SUDAM, Superintendência da Zona Franca de Manaus-SUFRAMA, InstitutoBrasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA, além de váriosfundos especiais entre os quais o Fundo Nacional de Meio Ambiente.

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Para ocupar a Secretaria de Meio Ambiente da Presidência daRepública-Semam/PR, foi escolhido o ambientalista José Lutzen-berger. Um dos fundadores da Associação Gaúcha de Proteção aoAmbiente Natural-AGAPAN, uma das primeiras associações ambi-entalistas a surgir no Brasil, Lutzenberger lançou em 1980, o Mani-festo Ecológico Brasileiro. A escolha de um ambientalista históricofoi estratégica: agradou, a um só tempo, setores do ambientalismonacional e internacional e as agências de financiamentos e investi-mentos na área de meio ambiente. Alguém como ele credenciariadefinitivamente o país a sediar a Conferência das Nações Unidassobre Meio Ambiente e Desenvolvimento-CNUMAD.

As organizações não governamentais internacionais recebe-ram com surpresa a indicação e imediatamente manifestaram apoioao novo Secretário. Uma importante ONG americana convocou acomunidade ambientalista internacional a expressar, vigorosa e ra-pidamente, apoio a Lutzenberger, embora reconhecendo que sua no-meação decorresse, em parte, de uma estratégia do novo Presidentepara melhorar a imagem do país. Os ambientalistas reconheciam queo novo Secretário iria enfrentar grupos e interesses muito poderosose, caso não contasse com o apoio do Presidente, demitindo-se empoucos meses, deveria, igualmente, ter o apoio da comunidade am-bientalista9.

Se, por um lado, havia a disposição de integrar à equipe degoverno um ambientalista histórico, por outro, a estrutura institucio-nal foi montada de modo a concentrar na Secretaria de AssuntosEstratégicos-SAE o verdadeiro poder de decisão em termos de polí-tica ambiental. Com efeito, a SAE, juntamente com o Itamaraty, re-presentou o país durante as reuniões preparatórias da Conferênciado Rio, muitas vezes defendendo posições abertamente contráriasàquelas defendidas pelo Secretário Nacional de Meio Ambiente. Foinecessário apenas um breve período frente à Semam para que Lut-

9 Rich, B. e Schwartzman, S. (1990). Support Jose Lutzenberger as Secretary of Environmentin Brazil. The Ecologist, 20 (3): 119.

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zenberger manifestasse as divergências e contradições em relaçãoaos setores mais conservadores do governo.

A mesma lei que reformulou a estrutura institucional gover-namental também criou o Conselho de Governo, com a função deassessorar o Presidente da República na formulação da política na-cional e nas diretrizes para o meio ambiente. Na verdade, o Conse-lho de Governo apenas substituiu o Conselho Superior de MeioAmbiente, criado no final do governo Sarney com o programa “Nos-sa Natureza”10. Na prática, este Conselho, e agora o Conselho deGoverno, que não contava com representantes da sociedade civil,colocava-se acima do CONAMA, órgão de caráter democrático. Opapel do Conselho de Governo e o conseqüente enfraquecimento doCONAMA estiveram na pauta de discussões e reivindicações dosambientalistas durante todo o governo Collor.

No plano plurianual do governo Collor11, a reformulação daestrutura institucional, que definiu o Conselho de Governo comoórgão superior do Sistema Nacional de Meio Ambiente-SISNAMAe criou a Secretaria de Meio Ambiente, foi apresentada como umademonstração da preocupação com a política ambiental, considera-da pelo plano como prioridade do governo. Além disso, o plano ori-entava todos os órgãos da administração pública federal a “incorpo-rar a preocupação ecológica ao planejamento e à ação, definindoprioridades, diretrizes e metas ambientais em suas respectivas áreas”.De acordo com o plano plurianual, a preservação ambiental seria o“resultado do esforço conjunto das forças produtivas e das organiza-ções científicas, políticas e culturais”, nesse sentido, o governo de-veria promover “a integração das ações federais com as das áreasestadual e municipal, bem como com instituições não governamen-tais, reconhecendo o legítimo papel de fiscalização de entidades e

10 Cf. nota 12 do capítulo 3.11 Lei no. 8.173, de 30 de janeiro de 1991, que dispõe sobre o Plano Plurianual para o qüinqüênio

1991/1995 e dá outras providências. Publicada no Diário Oficial da União em 31 de janeirode 1991.

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grupos ambientalistas organizados”. A política ambiental brasileira,ainda segundo o plano, deve “contemplar uma transformação cultu-ral ampla, para que a Sociedade incorpore a nova visão de cresci-mento condicionada pela preservação do meio ambiente”. Os objeti-vos e as diretrizes definidos no plano plurianual para a política demeio ambiente não apenas foram desconsiderados, como estiveramem permanente contradição com as ações efetivas do governo Co-llor nessa área, como veremos adiante.

O projeto que talvez tenha consumido mais esforços do go-verno foi o Plano para Preservação das Florestas Brasileiras. A pro-posta para a elaboração de um plano desse tipo surgiu em um encon-tro do grupo dos sete países mais industrializados, G-7, realizado em1990, em Houston, nos Estados Unidos. Naquela ocasião o G-7 ela-borou uma declaração sobre meio ambiente e solicitou ao Brasil aapresentação de um plano de proteção ambiental. A necessidade definanciar e desenvolver projetos visando o meio ambiente global jávinha se colocando na pauta de discussões do G-7 há algum tempo12.Na verdade, os crescentes problemas relacionados com as mudançasclimáticas (efeito estufa), colocaram as florestas brasileiras, particu-larmente a floresta amazônica, no centro das preocupações interna-cionais, o que explica a proposta do G-7 ao Brasil.

Assim, em dezembro de 1990, o governo brasileiro apresenta-va uma primeira versão do plano13, elaborado por uma comissãointerministerial, composta por representantes da Semam/PR, IBAMA,Ministérios da Economia, Relações Exteriores e Infra-Estrutura, Se-cretarias de Desenvolvimento Regional, Ciência e Tecnologia e As-suntos Estratégicos, em conjunto com o Banco Mundial e uma co-missão da Comunidade Européia. Em abril do ano seguinte, estavapronto o Programa Piloto para a Conservação das Florestas Tropi-cais do Brasil, apresentado ao G-7 em julho de 1991, em Londres. O

12 The first green summit. The Economist, July 15 1989, 11-12 p.13 Gazeta Mercantil, 07 de dezembro de 1990, “Brasil apresenta ao Bird plano de preservação

da floresta Amazônica”.

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Programa Piloto, voltado mais especificamente para a Amazônia,definia quatro prioridades: melhoria da capacidade das instituiçõesambientais do governo; projetos de conservação de florestas, par-ques nacionais e demarcação de terras indígenas; fortalecimento dapesquisa científica do Instituto de Pesquisa da Amazônia-INPA e doMuseu Goeldi, no Estado do Pará; apoio a projetos comunitáriospara a proteção das florestas. O programa foi considerado inovador,pois deveria incentivar a participação da sociedade, através das or-ganizações não governamentais (World Bank, 1991). Ainda que aproposta tenha sido uma iniciativa do próprio G-7, houve resistênciade alguns países em conceder os recursos, pois viam com certa apreen-são a tarefa colocada ao Brasil de administrar um projeto de grandesdimensões; existia, ainda, a preocupação com a burocracia brasileirae a falta de agilidade do governo.

Por outro lado, o governo praticamente excluiu a participaçãodo movimento ambientalista do gerenciamento dos recursos, o quegerou críticas e até a contestação da legitimidade do Programa Pilo-to14. Os setores ambientalistas manifestaram-se imediatamente, ale-gando que o plano fora concebido sem uma consulta a representan-tes da sociedade civil, especialmente o movimento ambientalista,além de conter propostas que não garantiam a preservação ambien-tal na região amazônica. Uma entidade ambientalista do Pará – So-ciedade de Preservação aos Recursos Naturais e Culturais da Ama-zônia-Sopren – chegou a enviar carta ao presidente Collor, afirman-do que o Programa Piloto constituía uma “ameaça de internacionali-zação da Amazônia em troca da dívida externa brasileira” e, ainda,uma tentativa de “vender a Amazônia para as superpotências”15.

As duas únicas reuniões realizadas entre governo e ONG’sforam convocadas de forma desorganizada e sem critérios claros, o

14 Fagá, F. S. Projeto enviado ao G-7 fortalece e amplia programas comunitários. GazetaMercantil, 11 de julho de 1991, p. 15.

15 O Liberal, 21 de março de 1991, “Sopren manda telex para Presidente”; “Programa ecológicodo governo ameaça a Amazônia, diz Vianna”.

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que resultou em uma participação inexpressiva de cerca de doze en-tidades16. As críticas referiam-se, ademais, à provável incapacidadeoperacional de um órgão como o IBAMA para gerenciar uma verbaestimada em US$ 1,5 bilhão. As ONG’s internacionais manifesta-ram apoio aos ambientalistas brasileiros; várias entidades ligadas àquestão indígena fizeram críticas ao governo, chegando a divulgaruma “Declaração Indígena contra o Plano-Piloto”, assinada por di-versos grupos17. A pressão dos ambientalistas brasileiros e das ONG’sinternacionais fez com que as negociações com o Banco Mundialchegassem a ser suspensas diante das resistências do governo brasi-leiro em aceitar a participação das ONG’s18. Assim, a versão do Pro-grama apresentada em Londres, em julho de 1991, foi recusada pe-los organismos internacionais. Apenas em dezembro, cinco mesesmais tarde, parte dos recursos previstos foi liberada, de modo aviabilizar uma fase preliminar do projeto. A liberação dos recursosfoi considerada uma vitória no meio governamental brasileiro; umverdadeiro “endosso que o Grupo dos Sete países mais ricos fez dapolítica do presidente Collor”19.

Para a fase preliminar do Programa Piloto, prevista para terduração de três anos, o G-7 liberou recursos no valor de US$ 250milhões (o programa todo deveria envolver US$ 1,5 bilhão); o fi-nanciamento apresentava condições bastante satisfatórias de paga-mento, juros de 4,5% ao ano, prazo de vinte anos para o pagamento,com carência de cinco anos. A Alemanha foi o principal agentefinanciador. Os repasses seriam efetuados de três formas: (a) doa-ções compondo um fundo central20 (Rain Forest Trust Fund), criado

16 Capobianco, J. P. O Programa Piloto para a conservação da Amazônia. Gazeta Mercantil,16 de julho de 1991.

17 Dantas, F. Entidades ambientalistas dizem que plano foi feito sem participação da sociedade.Gazeta Mercantil, 02 de julho de 1991.

18 O Estado de São Paulo, 09 de maio de 1992, “Suspensas as negociações com o BIRDsobre a Amazônia”, p.13.

19 Souza, C. US$ 33 milhões para as florestas. Gazeta Mercantil, 10 de dezembro de 1991, p. 17.20 As contribuições da CEE, Alemanha e Inglaterra totalizavam recursos de US$ 37,5 milhões

até dezembro de 1991. A partir de 1992 e 1993, Japão, Países Baixos, Itália, Canadá e EUA

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oficialmente pelo Banco Mundial em março de 1992; (b) alocaçãode recursos de doações, co-financiamento bilateral e cooperação téc-nica através de mecanismos bilaterais já operados pelo Brasil comos países participantes do programa; (c) contrapartida brasileira dedez por cento do total alocado pelos países participantes.

Oficialmente, o Programa Piloto para Conservação das Flo-restas Tropicais do Brasil foi criado por decreto presidencial, emjunho de 199221 . O mesmo decreto criou uma comissão de coorde-nação do programa, formada por representantes do governo e porduas entidades não governamentais, além de representantes da so-ciedade civil, escolhidos pelas próprias entidades, com mandato detrês anos; criou, ainda, secretarias técnicas, responsáveis pela imple-mentação de cada projeto do programa, que também contavam comrepresentantes de ONG’s. Essa coordenação tinha a atribuição deaprovar os projetos em conformidade com as concepções básicas doprograma definidas em reunião realizada em Genebra, em 1991.Constavam do Programa Piloto três subprogramas ditos estruturais eum subprograma chamado demonstrativo. O primeiro subprogramaestrutural estava voltado aos recursos naturais, envolvendo cinco pro-jetos específicos (zoneamento ecológico-econômico, monitoramen-to e vigilância, fiscalização e controle, fortalecimento institucionalde agências estaduais de meio ambiente e educação ambiental); osegundo subprograma estrutural destinava-se às unidades de conser-vação e manejo dos recursos naturais, envolvendo outros cinco pro-jetos (implantação e operação de parques e reservas, florestas nacio-nais e reservas extrativistas, reservas indígenas, manejo de recursosnaturais e reabilitação de áreas degradadas); finalmente, o terceirosubprograma estrutural referia-se à ciência e tecnologia e compreen-dia os projetos de pesquisa sobre desenvolvimento sustentável e cria-ção de centros de excelência. O subprograma demonstrativo preten-

elevaram o valor do Fundo para US$ 58,1 milhões e, em fevereiro de 1994, o valor total dosrecursos do programa chegava a US$ 311,1 milhões.

21 Decreto no. 563, publicado no Diário Oficial da União em 08 de junho de 1992.

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dia contemplar a participação da sociedade civil (comunidades lo-cais, seringueiros, ONG’s, comunidades indígenas, entre outros)22.

Os programas e projetos ambientais brasileiros passaram acontar também com financiamentos do Global EnvironmentalFacility-GEF (Fundo para o Meio Ambiente Mundial). O GEF, cria-do em novembro de 1990, recebe contribuições de vários países paraprojetos específicos, voltados ao problema do aquecimento global, àdestruição da camada de ozônio, à proteção da biodiversidade e águasinternacionais. A gestão dos recursos do GEF é de responsabilidadedo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento-PNUD,Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente-PNUMA eBanco Mundial. No início o Brasil participava do GEF com três pro-jetos: investimentos na área de biodiversidade, com objetivo de apoiaro Programa Nacional de Meio Ambiente-PNMA acerca do fortaleci-mento do sistema de unidades de conservação23; assistência técnicapara um projeto de conservação e desenvolvimento sustentável naAmazônia e uma pesquisa para utilização de gás de biomassa, am-bos coordenados pelo PNUD.

O movimento ambientalista sempre manifestou sua descon-fiança em relação à gestão dos recursos financeiros internacionaispelo governo brasileiro. Diante do anúncio de doação de recursospor parte do governo alemão (cerca de US$ 150 milhões), a reaçãodos ambientalistas foi imediata: entregaram uma carta, assinada pormais de trinta entidades, diretamente ao chanceler da Alemanha,Helmut Kohl, durante sua visita à Amazônia24. Nesta carta, os am-bientalistas afirmavam que não havia qualquer processo formal de

22 Dentro do subprograma demonstrativo foram criados o Grupo de Trabalho Amazônico-GTA e a Comissão da Mata Atlântica-CMA, formados por representantes de organizaçõesnão governamentais.

23 Com a criação do Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, em 1994, essesrecursos deveriam ser aplicados na elaboração do Programa Nacional de Conservação eUtilização Sustentável da Diversidade Biológica-PROBIO, diminuindo a ênfase nos projetosde proteção das unidades de conservação.

24 O Estado de São Paulo, 26 de outubro de 1991, “Ambientalistas vão a Kohl levardocumento”; p 9. Jornal Zero Hora, 27 de outubro de 1991, “Ambientalistas querem

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consulta às ONG’s brasileiras sobre o destino dos recursos, em suaspalavras: “nada nos assegura que a Amazônia e a Mata Atlânticaserão, efetivamente, beneficiadas com os recursos colocados à dis-posição do governo brasileiro”. Os ambientalistas justificavam suaspreocupações alegando que o Fundo Nacional de Meio Ambientetivera seus recursos reduzidos; que as unidades de conservação e asreservas extrativistas não recebiam apoio nem a devida regulariza-ção fundiária; que as comunidades indígenas viviam uma situaçãocrítica, desassistidas pelo poder público; que havia corrupção e des-vio de recursos públicos em todos os níveis do governo e, finalmen-te, que o Programa Nacional de Meio Ambiente, financiado peloBanco Mundial, não estava sendo bem gerenciado, levando o país apagar juros sobre os recursos liberados e não utilizados.

Diante de tais preocupações, de uma política ambiental nãodemocrática e insatisfatoriamente administrada, os ambientalistas pro-punham, na carta, que o governo alemão repassasse diretamente àsorganizações não governamentais os recursos destinados ao Brasil,através de um Fundo Social Verde, que seria então criado e gerenciadopela sociedade civil, “capacitado a fazer chegar ao conjunto da so-ciedade os benefícios inerentes a projetos que tragam, efetivamente,o qualificativo de sustentáveis, do ponto de vista social e ambien-tal”.

No que se refere à legislação ambiental, o governo Collor ten-tou criar um fato de grande impacto às vésperas da Conferência doRio, apresentando um anteprojeto de consolidação das leis ambien-tais brasileiras. Elaborado pela Semam e publicado no Diário Oficialda União em fevereiro de 1992, o anteprojeto recebeu duras críticasda sociedade civil e conseguiu o repúdio do próprio Secretário deMeio Ambiente, José Lutzenberger. Ainda que se tratasse de um pro-jeto de consolidação e, portanto, com função apenas de reunir leis

administrar recursos alemães”. Folha de São Paulo, 28 de outubro de 1991, “Ecologistasquerem repasse direto de verbas”, p 1-8.

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esparsas em um único diploma legal, o texto proposto incorporouresoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente-CONAMA,regras previstas apenas em portarias expedidas por órgãos do poderexecutivo, além de introduzir algumas inovações como o seguroambiental obrigatório, o que levou alguns juristas a afirmarem quese tratava de um verdadeiro Código de Meio Ambiente. A justifica-tiva governamental para a proposição do projeto era a dificuldadeque uma legislação ambiental esparsa representava para os cidadãos.O governo havia dado o prazo de um mês para o encaminhamento depropostas que poderiam compor o texto final a ser enviado por Collorao Congresso Nacional em regime de urgência.

Algumas semanas após a publicação do anteprojeto no DiárioOficial, foi realizada em São Paulo uma audiência pública, promovi-da pela Coordenadoria das Curadorias de Meio Ambiente do Misté-rio Público do Estado de São Paulo. Vários problemas foram, então,levantados: o Ministério Público, que nos últimos anos desempe-nhara um papel relevante nas disputas ambientais, havia recebidouma única referência entre os quatrocentos e sete artigos do antepro-jeto; por outro lado, o IBAMA havia sido citado em mais de cemartigos, recebendo inúmeras incumbências que desconsideravam oprincípio constitucional de que todos os níveis de governo são res-ponsáveis pela tutela do meio ambiente. Ademais, o anteprojeto vio-lava inúmeros artigos da Constituição Federal25; centralizava pode-res no âmbito do governo federal e implicava uma ampla revogaçãoda legislação existente, ameaçando várias conquistas e avanços naárea ambiental. A audiência pública resultou em uma moção de re-púdio ao anteprojeto, encaminhada à Semam, que definia como ina-ceitável a proposta de lei não apenas pelo prazo exígüo para a apre-sentação de críticas e sugestões, mas também porque o país ficaria“inteiramente desamparado”, já que seriam revogados inúmeros de-

25 Ao fazer uma intervenção durante a audiência pública, Helita Barreira Custódio observouque o anteprojeto violava os seguintes artigos da Constituição Federal: art. 18, art. 23, art.24, art. 174, art. 215, art. 216, art. 225.

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cretos e leis editados nas três últimas décadas. A moção exigia quefossem incorporados à nova lei os principais avanços da Conferênciado Rio e que fosse formada uma comissão nacional para reelaboraçãodo anteprojeto26. Vários parlamentares e entidades ambientalistasassinaram a moção de repúdio; foram apresentadas mais de mil emen-das ao anteprojeto, envolvendo temas polêmicos e exigindo a pror-rogação do prazo para a participação da sociedade nas discussões.Em abril de 1992, quase dois meses depois da publicação em DiárioOficial, o governo desistiu de enviar o anteprojeto ao Congresso,sob o argumento de que já não havia tempo suficiente para concluiros trabalhos27. No lugar da nova lei, o governo resolveu publicaruma coletânea de toda a legislação ambiental brasileira.

A política indigenista foi um dos pontos centrais na estratégiade “marketing ecológico” do governo Collor. Inicialmente, as açõesgovernamentais foram marcadas por um continuísmo em relação aosgovernos anteriores. Apenas a partir do segundo ano começou a seresboçada uma política voltada para essa área. Algumas ações livra-ram o governo da inércia inicial, como a nova sistemática para de-marcação das terras indígenas, adotada a partir de fevereiro de 1991,a nomeação de um sertanista para a presidência da FUNAI e a de-marcação do território Yanomami. Este último ponto praticamentepolarizou o debate durante os primeiros dois anos de governo: de umlado, os grupos e associações brasileiras e internacionais de apoioaos índios, de outro, os militares, que viam na questão indígena umpretexto para que grupos com vínculos internacionais tivessem for-ça para impor ao Estado brasileiro uma soberania restrita.

As primeiras ações do governo tentaram criar a impressão deque estava sendo estabelecido um fluxo efetivo de regularização dasterras indígenas. Em julho de 1990, foi criado um grupo de trabalhointerministerial com atribuição de estudar e propor medidas que ga-

26 Marques, R. Repúdio à proposta de Lei Ambiental. Jornal da Tarde, 12 de março de 1992.27 Pires, E. Adiado projeto de lei ambiental. O Estado de São Paulo, 15 de abril de 1992, p.12.

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rantissem a “preservação e defesa dos direitos e interesses das popu-lações indígenas em todos os seus aspectos”28. Várias organizaçõesnão governamentais com notável atuação na luta pelos direitos indí-genas contestaram as conclusões do relatório final elaborado poraquele grupo de trabalho29. As principais críticas referiam-se à formarestrita e sumária de convocação e participação da sociedade civilnas discussões e à proposta da nova sistemática de demarcação dasáreas indígenas, que previa um momento, durante a tramitação doprocesso, para a manifestação de interesses contrários à demarca-ção. Essa nova sistemática administrativa de identificação e demar-cação de terras foi instituída em fevereiro do ano seguinte, em con-junto com a assinatura de cinco decretos que transferiram as princi-pais atribuições da FUNAI para diversos ministérios e secretarias dogoverno. A FUNAI ficou limitada a instituir, analisar e emitir pare-cer técnico conclusivo sobre os processos de demarcação, cabendoao Ministro da Justiça a decisão política de emitir uma portaria, demodo a reconhecer os limites da área indígena para posterior demar-cação física. Até então, a demarcação das terras indígenas era defini-da nas órbitas dos órgãos de segurança militar, resultando, em quasetodos os casos, na redução das áreas. A nova sistemática previu aanuência dos povos indígenas sobre os limites propostos, mas man-teve a possibilidade de manifestação dos interesses contrários. Ade-mais, o novo modelo concentrou poderes excessivos nas mãos doMinistro da Justiça, restando à FUNAI apenas o estudo dos aspectosjurídicos e fundiários sem qualquer poder de decisão.

Por outro lado, o número de áreas indígenas demarcadas foibastante significativo em comparação aos governos anteriores. Entre

28 Decreto n. 99.405, de julho de 1990.29 A nota contestando o relatório do grupo de trabalho interministerial, divulgada em novembro

de 1990, foi assinada por dez organizações não-governamentais: União das NaçõesIndígenas-UNI, Centro Ecumênico de Documentação e Informação-CEDI, Centro deTrabalho Indigenista-CTI, Núcleo de Direitos Indígenas-NDI, Comissão Pró-Índio de SãoPaulo-CPI-SP, Centro Mari de Educação Indígena-USP, Projeto Kaiowá/Ñandeva-PKN,Comissão pela Criação do Parque Yanomami-CCPY, Instituto de Antropologia e MeioAmbiente-IAMÁ e Fundação Mata Virgem.

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1987 e 1990, foram demarcadas apenas oito áreas indígenas, locali-zadas fora da faixa de fronteira, sendo a maioria de pequena exten-são territorial. Tais demarcações foram resultado da pressão dos pró-prios índios, de organizações de apoio e dos bancos multilaterais,que financiavam projetos como o Polonoroeste e o Projeto GrandeCarajás. Esses números, pouco expressivos, devem-se, em grandeparte, à interferência direta do Conselho de Segurança Nacional, apartir de 1987, no processo de decisão política de demarcação, numatentativa de isolar os grupos de pressão. No mesmo período foramhomologadas30 cinqüenta e oito áreas, das quais trinta e três foramresultado da fragmentação do território Yanomami e das terras dospovos do alto rio Negro; daquele total, trinta e cinco foram homolo-gadas com base em processos de demarcação iniciados no governoSarney (Villas Boas, 1991). Durante o governo Collor, foramdemarcadas cinqüenta e duas áreas; cento e dezoito foram homolo-gadas, das quais seis tiveram como base processos de delimitaçãoiniciados nesse mesmo governo31. Entre essas áreas está incluído oterritório Yanomami, com mais de nove milhões de hectares.

Evidentemente, apenas os dados quantitativos não podem fun-damentar uma avaliação e análise da política indigenista implemen-tada nesse período, mas revelam um certo empenho do governo emagilizar o processo de tomada de decisão em relação às áreas indíge-

30 O processo de reconhecimento oficial das terras indígenas envolve várias fases: identificação,delimitação, homologação e regularização. Depois de identificadas, as áreas são delimitadas,ou seja, são reconhecidas como de ocupação dos índios, através de decreto presidencial ouportaria interministerial. Um decreto presidencial homologa a demarcação física das áreas,realizada pela FUNAI. Finalmente, são consideradas regularizadas as áreas que já tenhamtido sua demarcação homologada e estejam registradas no Cartório de Registro de Imóveisda Comarca e no Serviço de Patrimônio da União, cf. CEDI, 1991.

31 As cinqüenta e duas áreas delimitadas totalizam 15.977.700 hectares; as áreas homologadascorrespondem a 26.405.700 hectares. As áreas delimitadas, demarcadas e homologadascom processos iniciados no governo Collor correspondem a 9.816.563 hectares. Os dadosparciais referentes ao governo Itamar Franco estão distantes de atingir esses números: atéfevereiro de 1994, haviam sido delimitadas trinta e quatro áreas e homologadas dezesseis,7.241.711 hectares e 5.411.760 hectares, respectivamente. Estas informações foramfornecidas pelo banco de dados do Centro de Documentação e Informação-CEDI, emfevereiro de 1994.

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nas, inclusive áreas bastante polêmicas, como o território Yanomami.Neste caso particular, Collor revogou um decreto assinado no gover-no anterior, que havia subdividido o território Yanomami em dezenoveáreas descontínuas, entrecortadas por “florestas nacionais”, uma fi-gura jurídica que permite a exploração dos recursos naturais. Na épo-ca, a decisão de criar “ilhas” Yanomami, gerou protestos por partede grupos brasileiros e internacionais ligados à questão indígena. Osantropólogos alertavam que essa decisão colocaria em risco a sobre-vivência daqueles povos, já que as áreas descontínuas não poderiamassegurar o funcionamento do seu sistema produtivo, baseado nacaça-coleta e agricultura itinerante. A redução de 30% do territóriotornaria a densidade demográfica das “ilhas” quatro vezes mais ele-vada que a densidade média da totalidade do território tradicionalYanomami.

A decisão do governo federal de fragmentar aquela área indí-gena agradou sobretudo aos militares, que viam o território Yanomamicomo um enclave por demais perigoso em se tratando de uma áreade fronteira. Segundo o ponto de vista militar, as organizações nãogovernamentais brasileiras e internacionais ligadas à questão indí-gena estariam trabalhando para a internacionalização da Amazônia.Por tudo isso, a decisão de revogar o decreto que homologou asdezenove “ilhas” Yanomami causou furor entre os militares e umasurpresa agradável entre os indigenistas. Do mesmo modo, a nome-ação de um sertanista para a presidência da FUNAI, Sidney Possuelo,não foi bem recebida pelos setores militares mais radicais do Exérci-to. Desde o final dos anos oitenta, a FUNAI vinha confirmando suavinculação aos desígnos do Conselho de Segurança Nacional; as pres-sões sobre o órgão foram responsáveis pela passagem de quatro pre-sidentes em um curto espaço de tempo. Ainda no início do governoCollor, eram os militares que comandavam a FUNAI. A nomeaçãode um sertanista em julho de 1991, agradou indigenistas, antropólo-gos e demais aliados da causa indígena no país e no exterior. A posi-ção pró-índio, associada à propaganda positiva veiculada internaci-

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onalmente, indicava que a gestão de Sidney Possuelo terminariaimediatamemte após a Conferência do Rio. Sua nomeação teria omesmo objetivo que a escolha de José Lutzenberger: construir umaimagem satisfatória do Brasil diante da sociedade internacional, in-clusive para garantir recursos futuros que supostamente seriam in-vestidos na área ambiental.

As pressões dos setores militares conseguiram adiar por váriosmeses a promulgação do decreto que homologaria a nova demarcaçãodo território Yanomami. Além dos militares, governadores da região,setores madeireiros, da mineração e garimpo exerciam pressão contra ademarcação. Os militares apresentaram, inclusive, uma proposta de cria-ção de uma “zona de segurança”, com setenta quilômetros de extensão,entre a área Yanomami e a Venezuela. Essa área, sob controle militar,significaria uma redução de cerca de dois milhões de hectares do territó-rio indígena.

Apenas em novembro de 1991, foi assinada a portaria reco-nhecendo a demarcação das áreas Yanomami; apesar da oposiçãodos setores militares, o discurso oficial insistia em um “sólido con-senso no âmbito do poder Executivo”, fundamentando a decisão to-mada. Transformada em grande evento, a demarcação teve uma sig-nificativa repercussão internacional, atingindo os objetivos do go-verno e servindo muito bem ao discurso ambientalista sustentadopor Collor, durante a Conferência do Rio.

Por outro lado, a política de demarcação de terras indígenas este-ve praticamente desvinculada de uma política indigenista mais ampla econsistente. Os grupos de apoio aos povos indígenas denunciavam, àsvésperas da Conferência, a total paralisia da FUNAI e o colapso dasrotinas assistencialistas de responsabilidade de vários ministérios e se-cretarias: além da insuficiência de recursos, havia uma total falta de en-trosamento entre a FUNAI e esses órgãos. O governo não criou umainfra-estrutura permanente, inclusive na área sanitária, nem destinou umaverba especificada no orçamento da União para a implantação efetiva deuma política voltada à questão indígena.

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Ao mesmo tempo em que há um registro de avanços importantesno campo das demarcações das áreas indígenas, o governo retoma asdiscussões do projeto de prolongamento da rodovia BR-364 até o ocea-no Pacífico, atravessando o Peru. A BR-364, ligando Cuiabá – PortoVelho – Rio Branco, foi a primeira grande rodovia pavimentada daAmazônia, sendo um dos pontos centrais do programa de desenvol-vimento regional brasileiro, implementado pelo regime militar. A cons-trução da rodovia Cuiabá – Porto Velho foi iniciada durante o governode Juscelino Kubitschek (1956-60), mas já havia sido prevista nos anosquarenta. Os impactos sócio-ambientais gerados pela rodovia foram muitosignificativos, notadamente a interferência com os povos indígenas. Ofinanciamento do Banco Mundial havia sido duramente criticado porLutzenberger32 e, juntamente com um projeto hidroelétrico na Índia eum projeto de colonização na Indonésia, representou a base para a críti-ca ambientalista às políticas do Banco Mundial, o que acabou resultan-do, mais tarde, em mudanças nas políticas e procedimentos do Banco. Arodovia cortou inúmeras áreas, incentivando invasões e facilitando ainstalação de madeireiras, garimpos e atividades agropecuárias. Tais in-vasões acentuaram os conflitos entre índios e grandes grupos econômi-cos e mesmo entre índios e colonos desfavorecidos. O projeto da rodo-via não considerou medidas ambientais de garantia às terras e à própriasobrevivência dos índios, às reservas florestais e ao extrativismo ama-zônico (Leonel, 1992). O prolongamento da rodovia BR-364 poderiaagravar ainda mais essa situação, o que causou uma reação contráriaimediata do movimento ambientalista33.

Ainda no plano interno, o governo Collor restabeleceu a políticade incentivos fiscais para a Amazônia – suspensos desde 1989, com o

32 Lutzenberger, J. (1985). The World Bank’s Polonoroeste Project – a social and environmentalcatastrophe. The Ecologist, 15 (1/2): 69-72.

33 Mais tarde, José Goldemberg, ocupando interinamente a Secretaria de Meio Ambiente emsubstituição a José Lutzenberger, declarava-se favorável ao prolongamento da BR-364 emnome do desenvolvimento da região. Cf. entrevista ao Jornal do Brasil, em 13 de abril de1992, Caderno Ecologia, p. 3. É bastante interessante e oportuno citar o comentário de L.E. Sánchez às declarações de Goldemberg, publicado no mesmo jornal alguns dias depois.Segundo Sánchez, ao afirmar ser favorável ao prolongamento da BR-364, o Secretário

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programa “Nossa Natureza” – assumindo uma posição abertamente con-trária àquela defendida pelo movimento ambientalista. Assim, a partirdo exercício financeiro de 1991, as pessoas jurídicas poderiam optarpela aplicação de parcelas do Imposto sobre a Renda devido, no Fundode Investimentos da Amazônia-FINAM e, ainda, no Fundo de Investi-mentos do Nordeste-FINOR e no Fundo de Recuperação Econômica doEspírito Santo34. A nova legislação atribuiu competência aos conselhosdeliberativos das superintendências de desenvolvimento regional paraaprovar os projetos “merecedores das aplicações de recursos”, desdeque estivessem de acordo com os planos regionais de desenvolvimento.

Ora, sabe-se que a política de incentivos fiscais implementadadurante o regime militar foi responsável, em grande parte, por sériosdanos ao meio ambiente, pelo aumento dos conflitos fundiários epor colocar em risco a sobrevivência de vários povos indígenas. Ianni(1986) já ressaltara que a política governamental de incentivos fis-cais para a Amazônia modificou profundamente a estrutura econô-mica da região. O autor aponta resumidamente as mudanças maisnotáveis produzidas pela implementação dos incentivos fiscais e pelaspolíticas de desenvolvimento associadas: “Em primeiro lugar, dina-mizaram-se e diversificaram-se as atividades produtivas. Em segundolugar, desenvolveu-se bastante o sistema creditício, público e priva-do. Em terceiro, dinamizou-se e ampliou-se a administração públicafederal na região. Em quarto, desenvolveu-se e agravou-se a lutapela terra, luta essa que envolve, entre outros elementos: o poderpúblico (federal, estadual, territorial e municipal); grandes e médiasempresas agropecuárias e de mineração; posseiros, ou antigos siti-

Goldemberg estaria exprimindo “posturas apriorísticas”, desconsiderando o dispositivoconstitucional, como de resto toda a legislação federal, que determina a elaboração de estudoprévio de impacto ambiental para a instalação de obra com potencial de degradaçãoambiental. Em última instância, a declaração do Secretário poderia levar a sociedade apensar que o referido estudo não teria outro objetivo que o de justificar uma decisão játomada, compromentendo a credibilidade desse importante instrumento da política ambientalbrasileira. Cf. Jornal do Brasil, 20 de abril de 1992, caderno Ecologia, p. 2.

34 Os incentivos fiscais foram restabelecidos pela Lei no. 8.167, de 16 de janeiro de 1991,regulamentada pelo Decreto no. 101, de 17 de abril de 1991.

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antes e grupos indígenas. Em quinto, recolocou-se a secular proble-mática indígena, seja quanto à defesa da sua cultura e terra, seja noque se refere à proletarização da sua mão-de-obra. Em sexto, cria-ram-se núcleos coloniais, com a finalidade de constituir reservas demão-de-obra para empreendimentos públicos e privados. Em sétimolugar, reformulou-se amplamente a significação geopolítica da re-gião amazônica, tanto no que diz respeito aos problemas da ‘defesanacional’, como no que se refere aos problemas da ‘segurança inter-na’”. Já Almeida (1989), citando um estudo realizado pelo IPEA em1985, revela que dos 674 projetos aprovados pela Superintendênciade Desenvolvimento da Amazônia-SUDAM até setembro de 1985,concentrados basicamente em Mato Grosso e Pará, 53 foram cance-lados, 527 encontravam-se em fase de implantação e apenas 94 esta-vam implantados; destes, apenas uma pequena parcela estava emfuncionamento. As razões que explicariam tal situação seriam o des-respeito às recomendações técnicas e as práticas de desmatamento,levando à degradação dos solos, além da má utilização dos recursospúblicos. Esse quadro dá a dimensão das implicações resultantes doprocesso que se operou na Amazônia e que, agora, poderia tomarnovo impulso com o restabelecimento da política de incentivos fis-cais.

Mahar (1989) acrescenta, ainda, que a maioria dos projetosaprovados pela SUDAM referia-se à pecuária, que se tornou umadas principais causas de desmatamento, notadamente no sul do Paráe norte do Mato Grosso. Esses projetos absorveram cerca de 44%dos fundos de crédito; apesar do grande subsídio concedido, apenas92 projetos conseguiram certificado de conclusão fornecido pelaSUDAM. Em seu estudo, Mahar conclui que a disponibilidade desubsídios facilitou a aquisição e desmatamento de grandes exten-sões de terra na Amazônia, particularmente durante a última metadedos anos setenta e deformou ainda mais a distribuição de riqueza naregião, pois o título de propriedade da terra era considerado pré-requisito para a obtenção de créditos, o que reduziu as chances dos

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sem-terra obterem os títulos de propriedade. Entre as suas recomen-dações para uma política adequada para a Amazônia está incluída aeliminação dos incentivos fiscais, sobretudo para projetos pecuários;todavia, Mahar já apontara as dificuldades que envolveriam uma açãodesse tipo num futuro próximo, devido aos interesses regionais emesmo locais que consideram os incentivos uma importante fontede investimento de capital na região.

Nesse sentido, a volta dos incentivos fiscais foi consideradaum retrocesso em termos de política ambiental; tanto que em junhodo mesmo ano, pressionado pelo movimento ambientalista, Collorassinou um decreto35 revendo a concessão de incentivos frente àsquestões ambientais e estabelecendo novas condições operacionaisdos fundos de investimentos. A nova regra vetou os incentivos paraaqueles empreendimentos que envolvessem desmatamento de áreasde floresta primária e destruição de ecossistemas primários e estabe-leceu que os projetos incentivados seriam orientados pelo Zonea-mento Ecológico-Econômico36, devendo respeitar os dispositivos depreservação ambiental e considerar a existência ou não de conflitossociais. É interessante notar que houve uma certa tendência à des-centralização, já que vários órgãos do governo deveriam ser ouvidospreviamente: a Secretaria de Assuntos Estratégicos, a Secretaria deMeio Ambiente, IBAMA, INCRA e FUNAI. Por fim, e mais signifi-cativo, os empreendimentos ficaram sujeitos à suspensão de seu fun-cionamento e cancelamento dos recursos financeiros corresponden-tes em casos de “comprovada transgressão da legislação de proteçãoambiental em vigor”. Para tanto, foi atribuída aos órgãos ambientaisdos estados e, em caráter supletivo, ao IBAMA a responsabilidadede realizar vistorias técnicas periódicas para avaliação dos impactosambientais dos empreendimentos incentivados.

35 Decreto no. 153, de 25 de junho de 1991.36 O Zoneamento Ecológico-Econômico foi iniciado durante o governo Collor; todavia, ainda

não foi concluído.

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É interessante sublinhar que a mais importante agência de fi-nanciamento de projetos do governo, o Banco de DesenvolvimentoEconômico e Social-BNDES, já estava impedida de financiar proje-tos que não estivessem de acordo com a legislação ambiental, desdea Lei da Política Nacional de Meio Ambiente37. Na verdade, o BNDESjá havia introduzido a variável ambiental no processo de avaliação eseleção de projetos há algum tempo (Fonseca, 1993). Em 1976, essaagência já mantinha um convênio com a Secretaria Especial de MeioAmbiente-SEMA, vinculando os financiamentos à proposição dediretrizes de controle ambiental por parte das empresas beneficia-das. Em 1986, o BNDES criou um programa específico para o meioambiente e, posteriormente, criou o Departamento de Meio Ambiente-DEMAM, ligado ao Gabinete da Presidência, com o objetivo deaprofundar a adoção da avaliação de impacto ambiental dos projetosde desenvolvimento. Em seu Plano Estratégico 1991-1994, o BNDESestabeleceu como linhas de ação, um Programa de Conservação doMeio Ambiente, destinado a projetos de empresas voltados à preser-vação e conservação ambiental, além de um programa específicopara tratamento de resíduos sólidos urbanos. O Plano previa, ainda,a análise e acompanhamento de projetos financiados, exigindo ocumprimento da legislação ambiental e realizando uma classifica-ção em categorias diferenciadas de acordo com a natureza e magni-tude dos impactos ambientais gerados. É interessante notar que entreos itens financiáveis pelo BNDES estão a própria elaboração do Es-tudo de Impacto Ambiental-EIA e seu respectivo Relatório de Im-pacto Ambiental-RIMA, a análise de riscos e auditorias ambientais.Segundo o próprio BNDES, entre 1986 e abril de 1994, os desem-bolsos de financiamentos para a área ambiental somaram US$ 1 bi-lhão, sendo que US$ 878 milhões foram feitos a partir de 199038.

37 Lei no. 6.938, de 31/08/81 e Decreto no. 99.274, de 06/07/90, que condicionam o apoio econcessão de créditos de instituições financeiras oficiais ao cumprimento da legislaçãoambiental.

38 Gazeta Mercantil, 06 de junho de 1994, “US$ 1 bilhão em projetos de preservação”, p.1,encarte sobre meio ambiente.

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De um modo geral, a política traçada para a Amazônia geroudiversas polêmicas e conflitos no interior do governo, envolvendo opróprio Secretario Nacional do Meio Ambiente, José Lutzenberger.Na verdade, desde que assumiu a Secretaria de Meio Ambiente daPresidência da República, Lutzenberger ficou praticamente isoladodentro do governo; não obstante esse isolamento, exerceu uma pres-são pessoal sobre Collor em relação a vários assuntos polêmicos,como no caso da demarcação da área indígena Yanomami, o que lhevaleu sérios atritos com os setores militares. Para esses setores, oSecretário Nacional do Meio Ambiente representava um agente doimperialismo, favorável à internacionalização da Amazônia, uma vezque se posicionava contrário a projetos como o Calha Norte, ao pro-longamento da BR-364, além de defender enfaticamente a neces-sidade de uma política efetiva para a demarcação das terras indíge-nas. Na perspectiva dos militares, aos quais se associaram governa-dores e políticos amazônicos, a posição do Secretário seria aberta-mente contrária ao desenvolvimento da região. Em setembro de 1991,o chefe do Estado Maior do Comando Militar da Amazônia tornoupúblico o embate travado com os setores ambientalistas representa-dos no governo39. Lutzenberger foi convocado para depor na Comis-são Parlamentar de Inquérito-CPI sobre a internacionalização daAmazônia40, ao mesmo tempo em que parlamentares tentavam des-qualificar seu discurso (Coutinho, 1992). Mais tarde, o deputado fe-deral Fábio Feldmann afirmaria que essa CPI serviu apenas para le-gitimar as teses geopolíticas da Escola Superior de Guerra-ESG, re-presentando interesses políticos e econômicos dos setores mais con-servadores da sociedade brasileira41.

39 O Estado de São Paulo, 05 de setembro de 1991, “Militares reagem irritados a críticas deLutzenberger”.

40 O Estado de São Paulo, 06 de setembro de 1991, “Governo desiste de ter embaixador naEco-92”.

41 Feldmann, F.; Freitas, L. e Angerami, T., A CPI do ridículo. Folha de São Paulo, 10 dedezembro de 1991, p.3.

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A declaração definitiva sobre a posição dos militares partiudo ex-ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, ao chamarLutzenberger de “internacionalista apátrida”42, manifestando “o mes-mo ódio que sentia pelo líder comunista Luís Carlos Prestes”43. Odebate, nesse momento, concentrou-se sobre um novo mito, cons-truído a partir de pressupostos formulados no passado, mas incorpo-rando novas temáticas, ou por outra, nos novos tempos, tratou-se de“ecologizar” a ameaça imperialista, patrocinada, agora, pelo movi-mento ambientalista, com Lutzenberger à frente. Criou-se, portanto,o “mito da internacionalização da Amazônia”.

Os militares entraram no debate ambiental com um discurso in-teiramente apoiado em ideais nacionalistas. A intervenção militar naAmazônia nunca foi descartada; a pressão de alguns setores ambienta-listas no sentido de fixar limites à soberania nacional, visando a prote-ção dos povos indígenas e a preservação dos ecossistemas locais, ape-nas reforçou tal intenção. Além disso, a uma soberania dita restrita vie-ram associar-se alguns “sinais” do interesse estrangeiro na Amazônia:pedidos reiterados dos Estados Unidos para que suas Forças Armadasparticipassem de exercícios na região e a crescente participação dessastropas no combate ao narcotráfico na fronteira com a Colômbia. Nodiscurso militar, a Amazônia surge como um possível cenário de guerra.Em um documento intitulado “Estrutura do Poder Nacional para o Ano2001”, a Escola Superior de Guerra-ESG alertava sobre uma “perma-nente tentativa externa de internacionalizar partes da Amazônia a come-çar pelos enclaves indígenas, utilizados pelas ONG’s como pontas delança nas questões da Amazônia...”. O comandante militar da Amazô-nia à época, general Antenor de Santa Cruz Abreu, fez uma interessantedeclaração aos parlamentares das comissões de defesa nacional da Câ-mara e do Senado, afirmando que o Exército iria transformar a Amazô-

42 Folha de São Paulo, 12 de outubro de 1991, “Lutzenberger é ‘internacionalista e apátrida’,declara Leônidas”, p. 1-9.

43 O Estado de São Paulo, 11 de outubro de 1991, “Leônidas declara seu ódio a Lutzen-berger”.

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nia “num novo Vietnã”, caso houvesse alguma iniciativa concreta deinternacionalizar a região44.

A retórica nacionalista conseguiu aglutinar, a um só tempo,militares, empresários, fazendeiros e parte do próprio movimentoambientalista; a possibilidade de uma ingerência externa levou al-guns políticos a afirmarem que o meio ambiente havia se transfor-mado em uma “questão de segurança nacional” e os empresários adeclararem que a proteção ambiental deveria “conciliar-se com asimposições da soberania nacional”. O expoente desse movimentonacionalista era, sem dúvida, o governador do Amazonas, GilbertoMestrinho, que às vésperas da Conferência do Rio relançou o apeloa “Amazônia é nossa”, encontrando imediatamente apoio de milita-res e políticos da região45. De outra parte, Lutzenberger afirmavaque os “demagogos da internacionalização da Amazônia”, estes sim,estariam “a serviço do neocolonialismo”, ao defenderem “mais de-senvolvimento sem definir exatamente este termo”; insistia, ainda,na necessidade de uma visão holística para compreender os proble-mas da região46.

Entre os ambientalistas, as denúncias de que a Amazônia jáestaria “internacionalizada” apareciam ao lado de críticas aos paísesindustrializados que viam a região apenas como um “santuário debichos e árvores”47. Durante o VI Encontro Nacional do Fórum deONG’s, realizado em setembro de 1991, os ambientalistas critica-ram as posições dos militares e dos políticos nacionalistas, atravésde uma nota pública intitulada Pela Defesa Democrática da Amazô-

44 Carta Política. Elementos para decisão política e econômica. Instituto de Pesquisa Social-IPS, no. 22, 1991.

45 Godin, A. e Ribeiro, E. Nacionalismo ganha força na Amazônia, Folha de São Paulo, 23de setembro de 1991.

46 Lutzenberger, J. Internacionalizar a Amazônia? Gazeta Mercantil, 09 de novembro de 1991.47 Declaração de um dos coordenadores da Coordenação das Organizações Indígenas da

Amazônia-Coiab, Manuel Moura Fairm. A Sociedade de Preservação dos Recursos Naturaisda Amazônia manifestava posição semelhante; seu presidente chegou a afirmar que aproposta que o governo brasileiro defenderia na Conferência do Rio poderia criar “condiçõespara a internacionalização”. Cf. Godin, A. e Ribeiro, E. Nacionalismo ganha força naAmazônia, Folha de São Paulo, 23 de setembro de 1991.

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nia48. Com este documento, os ambientalistas pretendiam “erguer onível dos argumentos, evitar críticas superficiais e examinar clara-mente os fatos” acerca da polêmica da internacionalização da Ama-zônia. Ressaltavam que “o processo de entrega da Amazônia brasi-leira foi decisivamente impulsionado durante o regime militar” e quepesavam sobre os ambientalistas “acusações sem fundamentos”. Porfim, o documento apontava para a “necessidade de democratizaçãoda Amazônia a todos os níveis: econômico, político, social e cultu-ral”.

No entanto, a perspectiva da ampliar a participação das ForçasArmadas na Amazônia, como forma de garantir a “segurança nacional”,não encontrou eco suficiente junto ao governo. O governo retirou, inclu-sive, o status do projeto Calha Norte, que passou a ser considerado comofator de segurança fronteiriça e não mais como projeto de ocupação daregião, deixando de ser o ponto central da política para a Amazônia,como o fora no governo Sarney. O governo pretendia criar uma novaimagem da política traçada para a Amazônia a tal ponto que Collor che-gou a fazer um lançamento simbólico de duas pás de cal no local desti-nado à realização de testes nucleares na serra do Cachimbo, em setem-bro de 1990. Com um gesto eloqüente como esse, Collor pretendeu de-monstrar sua preocupação com a política nuclear brasileira e também oesforço do governo no sentido de desmilitarizar a região.

Por outro lado, o debate entre os nacionalistas desenvolvimen-tistas e os preservacionistas estava gerando uma falta de unidade nodiscurso que o governo apresentaria na Conferência do Rio. Assim,os representantes do governo responsáveis pela preparação da Con-ferência, passaram a fazer contatos mais freqüentes e sistemáticossobretudo com os governadores dos estados da Amazônia, a fim dedefinir uma posição menos polêmica no interior do governo.

48 Fórum de ONG’s Brasileiras Preparatório para a Conferência da Sociedade Civil sobreMeio Ambiente e Desenvolvimento. Nota pública pela defesa democrática da Amazônia.São Paulo, 29 de setembro de 1991. Veja ainda Fagá, F. S. Fórum de ambientalistas lançacampanha em defesa da Amazônia. Gazeta Mercantil, 1o. de outubro de 1991.

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As divergências entre o Secretário de Meio Ambiente e ossetores mais conservadores do governo foram intensificadas à medi-da que se aproximava a Conferência do Rio. Durante o encontrointernacional da quarta sessão do Comitê Preparatório da Conferência(Prepcom), Lutzenberger fez denúncias contra o IBAMA, órgão su-bordinado a sua pasta. Dizendo-se impotente para controlar a cor-rupção naquele órgão, Lutzenberger acusou o IBAMA de ser uma“sucursal das madeireiras”49. As acusações contra o IBAMA gera-ram um desentendimento entre o Secretário e o presidente do órgão,Eduardo Martins; houve, inclusive, uma movimentação dos funcio-nários no sentido de processar Lutzenberger por suas declarações50.A própria Câmara dos Deputados exigiu explicações do Secretário51.No mesmo sentido, Lutzenberger declarou temer que o dinheiro en-viado ao Brasil para projetos de preservação ambiental “acabassenas mãos da corrupção”52, o que acentuou ainda mais seu isolamentono governo, criando expectativas em torno da sua saída53. A demis-são partiu do próprio presidente Collor, sob o argumento de que eranecessário assegurar “um só pensamento e ação na área da proteçãoao ambiente”54. José Goldemberg, então Ministro da Educação, as-sumiu interinamente a Semam, até a realização da Conferência.

O novo Secretário foi apresentado como profissional da área e“ecologista histórico”; para a maioria do movimento ambientalista,entretanto, Goldemberg não passava de um defensor da energia nu-

49 Leite, M. IBAMA é acusado de servir a madeireiras. Folha de São Paulo, 18 de março de1992, p. 3-1.

50 Nogueira, R. e Krieger, G. Collor impõe trégua entre Secretário e IBAMA. Folha de SãoPaulo, 20 de março de 1992, p.3-3.

51 Folha de São Paulo, 21 de março de 1992, “Câmara convoca Lutzenberger a explicaracusações contra IBAMA”.

52 Leite, M. Lutzenberger teme corrupção “verde”. Folha de São Paulo, 13 de março de 1992,p. 3-1.

53 Nogueira, R. Isolado, Lutzenberger deve se demitir. Folha de São Paulo, 19 de março de1992, p. 3-1.

54 Folha de São Paulo, 22 de março de 1992, “Lutzenberger é demitido a dois meses da Eco-92”, p. 3-1.

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clear55. Durante o regime militar, José Goldemberg, em conjunto comoutros físicos nucleares, defendeu a expansão do programa nuclearbrasileiro. Para o renomado cientista, a questão nuclear era parte dalógica modernizadora; inclusive, Goldemberg era contrário à assina-tura, pelo Brasil, do Tratado de Não Proliferação de Armas Atômi-cas. Ainda que existissem divergências em relação à implementaçãode programas, seu discurso desenvolvimentista ajustava-se ao mitodo Brasil-potência e aos princípios de segurança e soberania nacio-nal, sustentados pelo regime (Teixeira, 1988).

Agora, assumindo a Semam às vésperas do Conferência doRio, o discurso desenvolvimentista de Goldemberg, apenas aparen-temente renovado, estaria mais afinado com o discurso “moderni-zante” de Collor. A direção do IBAMA foi entregue a Maria TerezaPádua, na época presidente da organização não governamental Fu-natura, considerada conservadora por parte do movimento ambien-talista56. Assim, tentou-se manter a imagem de uma equipe compe-tente, moderada e reconhecida no exterior. No mesmo sentido, Gol-demberg traria à política ambiental uma aura de cientificidade, vistoque se tratava de um pesquisador renomado; incrementaria a propo-sição de uma política fundada na modernidade, em oposição a seuantecessor, que, segundo seus críticos, pregava uma visão românticada natureza, colocando-se contrário ao progresso e ao desenvol-vimento. A mudança de secretário conseguiu tranqüilizar os setoresdo ambientalismo internacional e agradar aos setores mais conser-vadores da política nacional. Ao assumir a Semam, Goldemberg pro-curou abrir um diálogo com os grupos ambientalistas, ressaltando,todavia, que as decisões acerca da política ambiental estavam restri-tas ao âmbito governamental57. Goldemberg chegou a chocar a co-

55 Nogueira, R. e Quaglio, S. Moderados assumem área ambiental. Folha de São Paulo, 23 demarço de 1992, p. 3-1.

56 Maria Tereza Pádua era muito próxima a Goldemberg, com quem já havia trabalhado quandoeste presidiu a Companhia Energética de São Paulo-CESP, durante o governo Montoro(1983-1986).

57 Doré, A. Goldemberg reabre diálogo com grupos ambientalistas. Gazeta Mercantil, 16 deabril de 1992 e Stezel, R. Governo brasileiro sai em busca de dinheiro para realização doFórum Global. Gazeta Mercantil, 24 de abril de 1992.

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munidade científica, reunida no Fórum de Ciência e Cultura, reali-zado às vésperas da Conferência do Rio, ao afirmar ser inteiramentefavorável ao direito de patentes sobre técnicas e produtos que resul-tem da exploração da biodiversidade, posição defendida pelos EUAe Japão58. Sua posição desagradou, inclusive, à diplomacia brasilei-ra59.

É possível afirmar que Lutzenberger tenha exercido mais opapel de embaixador da questão ambiental; o fato de ter alguma difi-culdade para articular apoio dentro do governo, levou vários repre-sentantes do movimento ambientalista a considerar que se tratava da“pessoa certa no lugar errado”. Apesar do conhecimento e da expe-riência em relação à questão ambiental, sua gestão à frente da Semamnão foi bem sucedida: as taxas de desmatamento na Amazônia volta-ram a aumentar durante o ano de 1991, superando a área registradano ano anterior; Lutzenberger não conseguiu aprovar a lei deagrotóxicos, tema central das lutas travadas desde o início de suamilitância, quando, como agrônomo, criticara o modelo agrícola ado-tado no Rio Grande do Sul, onde as monoculturas extensivas degra-davam o solo, poluiam os mananciais pela utilização de agrotóxicose eram responsáveis pelo agravamento da problemática social nocampo. Nos anos 80, Lutzenberger havia se empenhado muito pelaaprovação de uma lei que disciplinasse o uso de agrotóxicos naqueleEstado.

A demissão preocupou e surpreendeu algumas organizaçõesambientalistas internacionais, levando-as a divulgarem uma nota deapoio ao ex-Secretário, ressaltando a “perda de um notável ecologis-ta, cujo trabalho proeminente mudando atitudes em relação ao meioambiente e desenvolvimento é internacionalmente reconhecido”60.

58 Folha de São Paulo, 02 de junho de 1992, “Goldemberg apóia EUA e critica tratado depreservação das espécies”, p. 1-9.

59 França, M. S. J. Discurso de Goldemberg desagrada diplomatas. O Estado de São Paulo, 3de junho de 1992, p. 4.

60 Folha de São Paulo, 27 de março de 1992, “ONG’s se solidarizam com Lutzenberger”,p. 1-7.

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Suas declarações acerca da suposta corrupção que envolveria os re-cursos dos países ricos e agências financiadoras, alocados para pro-jetos ambientais, também tiveram grande repercussão internacional,sendo lembradas, inclusive, por ambientalistas que criticavam oschamados “fundos verdes”. De acordo com essa crítica, os fundosdestinados a projetos ambientais estariam sendo definidos de modopouco democrático e ainda estariam vinculados aos interesses e im-posições dos países financiadores61.

A indicação de Lutzenberger para a Semam havia contado como apoio dos ambientalistas; todavia, já no início do governo Collor,alguns setores do movimento entendiam que essa escolha tinha oclaro objetivo de servir à construção de uma imagem satisfatória dogoverno brasileiro no cenário internacional62. Mas, para além da cons-trução dessa imagem, a nomeação de José Lutzenberger significouum reconhecimento de fato do movimento ambientalista brasileiro,ainda que ele não tenha sido o interlocutor que o movimento espera-va.

Com efeito, já nos primeiros três meses de governo, cerca devinte importantes entidades ambientalistas entregaram ao presidenteCollor um documento protestando contra o comportamento do entãoSecretário, que não possibilitava o diálogo, voltando-se apenas aos“estrangeiros e entidades do norte do país, esquecendo-se das nacio-nais”63.

61 Tickell, O. and Hildyard, N. (1992). Green dollars, green menace. The Ecologist, 22 (3):82-83.

62 Vários editorais de jornais e boletins do movimento ambientalista trataram dessa questão,referindo-se a José Lutzenberger como o “abre-te sésamo” do governo junto às fontes definanciamento internacionais (editorial do jornal Folha Ambiental, Grupo Ambientalistada Bahia-GAMBÁ, março/abril de 1990), ou “garoto propaganda verde do governo” (JornalPorantim, Conselho Indigenista Missionário-CIMI, maio de 1990), ou, ainda, ressaltandoo uso do prestígio de Lutzenberger para “aplacar as iras internacionais” (editorial do jornalViva Alternativa, junho/julho de 1990, Brasília-DF).

63 O Estado de São Paulo, 05 de junho de 1990. “Collor recebe críticas no dia do meioambiente”, p. 13; Jornal Novo Hamburgo (São Leopoldo-RS), 06 de junho de 1990.“Ambientalistas criticam Lutzenberger”, contracapa.

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Por ocasião da demissão de Lutzenberger, um dos coordena-dores do Fórum de ONG’s, também representante do Brasil no Inter-national Facilitating Committee, comitê de ONG’s responsável pelaorganização da Conferência da Sociedade Civil, afirmou que sua saídatornaria mais clara a relação entre as ONG’s brasileiras e o governo,pois muito freqüentemente Lutzenberger falava por si mesmo e nãorepresentava a posição oficial do governo brasileiro, confundindoseus interlocutores64.

Por outro lado, Lutzenberger, ainda na posição de Secretáriode governo, foi bastante ousado ao declarar, durante a quarta sessãodo Prepcom, em Nova Iorque, que o IBAMA seria um órgão corrup-to, uma “sucursal das madeireiras”. Lutzenberger fez esta declara-ção em um dos mais importantes centros decisórios da Conferênciado Rio, na presença de representantes de vários países e da imprensainternacional. Com uma atitude dessas, Lutzenberger acabou por re-presentar o próprio anti-governo. Estava, portanto, muito longe deexercer a tarefa que lhe fora confiada pelo presidente Collor.

De qualquer modo, a demissão de Lutzenberger tornou explí-cita a real correlação de forças na área ambiental do governo e opeso considerável dado aos setores militares e à própria Secretariade Assuntos Estratégicos-SAE. O movimento ambientalista, atravésdo Fórum de ONG’s, reunido em abril, por ocasião de seu IV Encon-tro Nacional, ainda sob o impacto dos acontecimentos recentes en-volvendo Lutzenberger, denunciou aquela situação, exingindo o afas-tamento da SAE e dos setores militares, como forma de “desmilitari-zar” a política ambiental nacional65. No documento então aprovado,o Fórum destacava o fato de a SAE ter assumido, já em março de1990, a Secretaria Executiva do Conselho de Governo, com um im-portante papel na definição da política ambiental brasileira, destaca-

64 Earth Summit Times, 23 de março de 1992. “Lutzenberger’s last word”, cf. entrevista feitacom Rubens Born, um dos coordenadores do Fórum Brasileiro de ONG’s.

65 Quando da aprovação desse documento, o Fórum reunia 595 ONG’s.

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va, ainda, que o programa nuclear estava sendo implementado pordiferentes setores das Forças Armadas, sob coordenação também daSAE; tudo isso ao lado de um grave processo de sucateamento dosórgãos federais de meio ambiente, praticamente imobilizados pelafalta de recursos. O documento terminava afirmando que “é precisodesmilitarizar a política ambiental de nosso país, e submetê-la aocontrole e à participação da ampla sociedade civil brasileira, onde oFórum de ONG’s está inserido”. A participação pública e o debatedemocrático eram reivindicações permanentes dos ambientalistas.

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A preparação da participação do Brasil na Conferência dasNações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento ficou acargo da CIMA-Comissão Interministerial de Meio Ambiente, cria-da em abril de 19901, pelo presidente Collor. A CIMA foi presididapelo então Ministro das Relações Exteriores, Francisco Rezek. Alémdessa comissão, o governo criou um Grupo de Trabalho Nacional-GTN, presidido pelo Secretário da Administração, Carlos Garcia,encarregado de organizar toda a logística do evento.

O encontro paralelo à conferência oficial – Conferência daSociedade Civil Global sobre Meio Ambiente e Desenvolvimentoou Fórum Global Rio’92 – promovido por entidades da sociedadecivil nacional e internacional, foi coordenado pelo Fórum de ONG’sBrasileiras (hoje Fórum Brasileiro de ONG’s e Movimentos Sociaispara o Meio Ambiente e Desenvolvimento), criado em junho de 1990,e pelo International Facilitating Committee-IFC.

O Fórum de ONG’s montou uma complexa estrutura organi-zacional, composta por uma Assembléia Geral, uma CoordenaçãoNacional, uma Secretaria Executiva e vários grupos de trabalho.

A Assembléia Geral do Fórum, instância máxima de decisão,era composta por todas as organizações participantes e reunia-seperiodicamente durante os encontros nacionais para deliberar sobreas grandes linhas e formas de atuação do Fórum. A Coordenação

1 A Comissão Interministerial para a Preparação da Conferência das Nações Unidas sobreMeio Ambiente e Desenvolvimento – CIMA foi criada pelo Decreto no. 99.221, de 26/04/90.

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Nacional, composta por entidades eleitas pela Assembléia Geral2,deveria encaminhar e coordenar as ações do Fórum, representando-o perante outras institutições e articulando a viabilização, inclusivefinanceira, dos eventos simultâneos à Conferência do Rio. A Secre-taria Executiva, formada por organizações integrantes da Coordena-ção Nacional, foi criada para encaminhar as questões administrati-vas, financeiras e operacionais. Finalmente, os grupos de trabalhoeram constituídos por ONG’s do Fórum e, quando necessário, porprofissionais contratados como consultores. Esses grupos de trabalhoeram responsáveis pela reflexão e discussão de temas que iriam inte-grar o relatório nacional alternativo da sociedade civil. O Fórum ain-da abriu dois escritórios, no Rio de Janeiro e em São Paulo, comfunções específicas como estabelecer contatos com outros segmen-tos da sociedade (movimento sindical, organizações internacionais,cientistas, etc.), divulgação dos eventos paralelos e produção de bo-letins informativos.

O I Encontro Nacional, que aprovou a criação do Fórum, ocor-reu em junho de 1990, e contou com a participação de trinta e noveentidades. O Encontro seguinte, realizado no final de julho do mes-mo ano, em Nova Friburgo, Rio de Janeiro, já contava com a partici-pação de sessenta e cinco entidades. Naquela ocasião foram indica-dos os representantes do Fórum junto ao International Facilitating

2 A Coordenação Nacional, eleita no IV Encontro, com mandato até julho de 1992, foiconstituída por vinte e seis entidades: Centro Ecumênico de Documentação e Informação-CEDI; Fundação S.O.S Mata Atlântica; Comissão Regional dos Atingidos por Barragens-Crab; Comitê Internacional – 500 Anos de Resistência; Federação das Associações deMoradores do Estado do Rio de Janeiro-Famerj; Instituto Brasileiro de Análises Sociais eEconômicas-Ibase; União Protetora do Ambiente Natural-Upan; Federação de Órgãos paraAssistência Social e Educacional-Fase; Conselho Nacional de Seringueiros-CNS; SecretariaExecutiva das Entidades Ambientalistas do Nordeste-Sean; Fórum do Centro-Oeste;Assembléia Permanente de Entidades de Defesa do Meio Ambiente-Apedema/SP; Fórumde ONG’s Catarinense; Fórum Mineiro para a Conferência de 92; Instituto de Pesquisa dasCulturas Negras-IPCN; União da Juventude Socialista-UJS; Fundação Rio Parnaíba-Furpa;Fórum Permanente de Debates da Amazônia; Central Única dos Trabalhadores-CUT;Assessoria e Serviços a Projetos de Agricultura Alternativa; Fórum Estadual de ONG’s daBahia-Fórum BA; Instituto de Estudos da Religião-ISER; Centro de Assessoria e Apoioaos Trabalhadores-Caatinga; Fórum Rio; Movimento de Mulheres. Integravam a SecretariaExecutiva: S.O.S Mata Atlântica; Ibase; Fase; CUT; Upan; Fórum da Bahia; CEDI.

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Committee-IFC. O III Encontro Nacional foi realizado em Brasíla,em outubro de 1990, com a presença de cento e sessenta entidades;nessa ocasião foi aprovada a ampliação da Coordenação Nacional,que deixou de ter um caráter provisório. O IV e o V Encontros Na-cionais foram realizados em abril e junho de 1991, nas cidades deSão Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente. O Fórum já contava,então, com a participação de cerca de trezentas entidades. Em se-tembro do mesmo ano, ocorreu, em São Paulo, o VI Encontro Na-cional; neste momento, o número de entidades inscritas no Fórumchegava a novecentas e setenta. No VII Encontro, realizado em de-zembro, na cidade de Recife, o principal tema de discussão foi aversão inicial do relatório nacional da sociedade civil, que estavasendo elaborado. Essa versão foi levada a uma Conferência de ONG’s,realizada em Paris, ainda em dezembro daquele ano, que tratou dedefinir as estratégias da sociedade civil para a Conferência do Rio.Finalmente, o VIII Encontro Nacional do Fórum de ONG’s, último aser realizado antes da Conferência, ocorreu em Belo Horizonte, emabril de 1992, quando foi apresentada a versão final do “relatórioparalelo”3.

A experiência adquirida ao longo de todo o processo de pre-paração da Conferência da Sociedade Civil, sobretudo a aproxima-ção com outros movimentos sociais, foi fundamental para o movi-mento ambientalista. Na verdade, esta era uma preocupação antiga

3 Pouco tempo depois da Conferência do Rio, mais de cento e cinqüenta ONG’s, reunidas noIX Encontro Nacional, votaram pela continuidade do Fórum, que passou a ser denominadoFórum Brasileiro de ONG’s e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desen-volvimento. O Fórum teve sua estrutura reduzida e a Coordenação Nacional, substituídapor um Comitê Facilitador, composto por sete entidades. Após a Conferência do Rio, seguiu-se um período de desmobilização do Fórum, devido a vários fatores, como a falta de recursos,de apoio político de ONG’s de grande porte e mesmo de um objetivo mais definido, comoo fora a preparação da Conferência e do Fórum Global. Foram realizados outros doisencontros nacionais, em 1993 e 1994, e o Fórum voltou a ter uma Coordenação Nacional,além de uma Secretaria Executiva, sediada em Brasília, junto ao Instituto SociedadePopulação e Natureza-ISPN. Apesar dessa desmobilização, o Fórum manteve um espaçode interlocução com o governo federal e, sobretudo, com organizações internacionais. Maisrecentemente, o Fórum vem realizando um esforço para recuperar a mobilização que marcouos primeiros anos de sua criação (Kátia Drager Maia, representante da Secretaria Executivado Fórum, comunicação pessoal, 1996).

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de alguns setores do movimento ambientalista, que consideravam oisolamento em relação a outros movimentos sociais um risco, po-dendo levar a um distanciamento da realidade do país4. Até então, osambientalistas tinham como instância máxima do movimento o En-contro Nacional de Entidades Ambientalistas Autonômas-ENEA, cujaprimeira reunião havia sido realizada em 1986, durante o processoConstituinte.

A Organização das Nações Unidas, de sua parte, criou o Co-mitê Preparatório, conhecido como Prepcom, aberto aos países-mem-bros, com participação de organizações não governamentais. OPrepcom realizou quatro reuniões: em Nairóbi, em agosto de 1990;Genebra, em março e agosto de 1991 e Nova Iorque, em março de1992. Embora as ONG’s brasileiras participassem das reuniões doPrepcom, não conseguiram ter representantes na comissão brasileiraresponsável por definir a posição do país na Conferência do Rio,comissão essa formada principalmente por diplomatas do Itamaratye funcionários da SAE. Desse modo, as ONG’s não participavamdas reuniões internas da comissão, nem de reuniões bilaterais, emque países discutiam assuntos importantes, muitas vezes definindoposições que posteriormente seriam apresentadas nas reuniões doplenário do Prepcom. Em geral, os outros países, sobretudo os de-senvolvidos, tinham representantes da sociedade civil nas suas co-missões governamentais; assim, as ONG’s brasileiras acabavam,muitas vezes, dependendo de informações das ONG’s de outros paí-ses até mesmo para conhecer a posição de seu próprio governo. Estadependência, além de prejudicar o trabalho dos brasileiros e de difi-cultar a tomada de decisões, contribuia para reforçar um tipo novode colonialismo, agora da parte das ONG’s do Norte em relação àsdo Sul. O risco que esse novo colonialismo representava para a cons-

4 Esta questão foi levantada por um importante ambientalista, ao comentar o Encontro dosPovos Indígenas no Xingú, realizado em Altamira-PA, em 1989. Cf. Capobianco, J. P.(1989). O movimento ecológico e o exercício da cidadania. Revista São Paulo em perspec-tiva, 3(4):13-17.

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trução de alianças entre ONG’s dos países ricos e pobres foi sempreuma preocupação dos ambientalistas brasileiros5.

As reuniões e negociações estabelecidas ao longo de todo oprocesso do Prepcom ficaram basicamente sob coordenação do Ita-maraty e da SAE; a Semam manteve-se em uma posição enfraqueci-da, com pouco poder de decisão. No entanto, o Itamaraty assumiuuma posição conservadora e, em várias situações, tratou a questãoambiental como um problema de segurança nacional. No processode preparação da Conferência, durante as reuniões do Prepcom, oBrasil não conseguiu se definir como uma liderança dos países emdesenvolvimento.

Quanto à CIMA, suas principais atribuições referiam-se à ela-boração de um relatório que refletisse as experiências e perspectivassobre meio ambiente e desenvolvimento no país. As ONG’s brasi-leiras reivindicaram a participação nos trabalhos do governo, quesomente foi aprovada em janeiro de 1991: o Fórum deveria escolheruma única entidade para representá-lo, a qual, no entanto, não teriadireito a voto6. Em julho do mesmo ano, foi divulgado um relatóriopreliminar intitulado Subsídios técnicos para a elaboração do rela-tório nacional do Brasil para a CNUMAD, contando com a partici-pação de mais de setenta consultores com reconhecida atuação naárea ambiental. A nota introdutória ao relatório preliminar ressalta-va que a sua divulgação e análise pela sociedade civil, marcava oinício de uma nova etapa no processo de preparação da Conferênciado Rio: “trata-se, portanto, de um exercício de amplitude sem prece-dentes, de profunda reflexão nacional sobre a evolução do tratamen-to do tema meio ambiente e desenvolvimento nos últimos vinte anos.O texto que, nesse momento, se coloca como base inicial dessa re-flexão nacional, de maneira alguma condiciona a versão final do

5 Cf. Born, R. H. (1992). New alliances and the UNCED process: a Brazilian point of view.In: Concordare, The International Environmental Negotiation Network, n.1, p.1-2.

6 Gazeta Mercantil, 09 de janeiro de 1991. “Aprovada a participação das ONG’s em 92";p.23.

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documento a ser encaminhada ao Comitê Preparatório da Conferênciaem agosto de 1991”.

O Fórum de ONG’s reivindicou a publicação do relatório noDiário Oficial da União e a incorporação das contribuições da so-ciedade civil, retiradas de uma audiência pública que deveria ser re-alizada7. A Coordenação Nacional do Fórum criticou a versão preli-minar, alegando falta de compromisso e de soluções adequadas aoquadro social e ambiental do país8. O Fórum criticou, sobretudo, oconceito de desenvolvimento sustentável adotado e o pouco tempodeixado para o debate público; contudo, reconheceu a validade dodocumento como uma contribuição inicial à discussão: “o relatóriotem, portanto, grande valor como elemento de discussão da nossarealidade, especialmente quando comparado a outros documentos(...) Ele é importante não só pelo que ele fala, mas também pelo quecala”9. A divulgação do relatório foi, de fato, uma conquista do mo-vimento ambientalista, que mais uma vez tornou público o debate eampliou a possibilidade de participação democrática de setores dasociedade civil.

Por outro lado, a audiência pública promovida pelo governopara debater o relatório não teve qualquer caráter democrático. Rea-lizada na primeira semana de agosto de 1991, a audiência foi trans-mitida pela Embratel para várias cidades do país; as críticas e suges-tões seriam enviadas a Brasília por telex. Esta forma de realizar aaudiência pública foi duramente criticada; em São Paulo, por exem-plo, ambientalistas e membros do governo estadual ligados às agên-cias ambientais, inclusive o próprio Secretário de Meio Ambiente,Alaor Caffé, protestaram ao final da transmissão, colocando uma

7 Scharf, R. Ambientalistas querem ter poder de pressão na Conferência de 92. GazetaMercantil, 09 de abril de 1991, p. 23.

8 Valla, M. A. Entidades fazem críticas à versão do relatório. Gazeta Mercantil, 05 de dezembrode 1991, p. 17.

9 Aveline, C. C. (1991). Um comentário sobre o relatório nacional do Brasil à UNCED-92;versão preliminar. Produzido para a Coordenação Nacional do Fórum de ONG’s – 92, 17p.(mimeo).

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mordaça, de modo a representar a impossibilidade de uma participa-ção efetiva no processo de discussão.

A versão final do relatório da CIMA, intitulada O desafio dodesenvolvimento sustentável (Brasil, 1991), foi divulgada em setem-bro de 1991. Centrando-se, basicamente, no contraste entre a situa-ção dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, o relatório des-loca, a princípio, o eixo da discussão para a responsabilidade daque-les países: “embora tanto o governo quanto a sociedade reconheçama existência de sérios problemas ambientais, existe consenso de quesão os países industrializados os principais responsáveis pela gravi-dade dos problemas em escala mundial. É, pois, natural supor que omundo desenvolvido promova e financie a despoluição do planeta”.O relatório ressalta, ainda, que “a constatação de que tanto os paísesdo Norte como os do Sul sofrem os impactos da crise ambiental nãoimplica a existência de responsabilidades comuns a respeito das pos-síveis alternativas de solução. A maioria dos problemas considera-dos globais, tais como a chuva ácida, o ‘efeito estufa’ ou a destrui-ção da camada de ozônio, são da responsabilidade quase exclusivados países desenvolvidos. Além de sofrerem os efeitos negativosdesses problemas, sem usufruir do benefício do desenvolvimento,os países do Sul são convocados a compartilhar tanto a responsabili-dade quanto o custo das medidas para a atenuação da crise”. Nocontexto interno, o relatório reconhece que os problemas ambientaisno Brasil traduzem “iniqüidades de caráter social e político (...), assimcomo decorrem de distorções estruturais da economia”. Contudo,segundo o texto oficial, o Brasil estaria iniciando “um processo demudança para um novo padrão de desenvolvimento, depositandogrande confiança no avanço científico e tecnológico, que, incorpora-do ao processo produtivo, traz grandes vantagens para o meio am-biente”. Por outro lado, o relatório conclui que para os países emdesenvolvimento, “é sombria a perspectiva colocada pelo cenário desistemas tecnológicos inacessíveis”, o que evidencia a necessidadede um “esforço concentrado para o desenvolvimento de tecnologias

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avançadas e não agressivas ao meio ambiente e de compromissosinternacionais no sentido de facilitar o acesso a tecnologias desen-volvidas nos países industrializados”.

Subjacente a essa tese, o relatório tentou garantir uma boaposição do país, em função do seu estoque de recursos naturais: opatrimônio natural brasileiro foi tomado como uma nova moeda parafuturas negociações que envolvessem financiamentos externos.Assim, os créditos em termos de recursos naturais estariam contra-postos aos débitos sociais, justificando investimentos destinados àinfra-estrutura básica e preservação ambiental no país.

Não obstante as críticas e tentativas de interferência na elabora-ção do documento oficial que seria apresentado na Conferência do Rio,o Fórum de ONG’s decidiu elaborar o seu próprio relatório que expres-saria, então, o olhar do movimento ambientalista sobre a temática daConferência. O “documento paralelo” guarda um tom bastante crítico,além de explicitar o papel dos movimentos sociais nos novos projetospropostos como alternativa ao atual modelo de desenvolvimento. Asdiretrizes gerais do documento foram sendo estabelecidas ao longo dosvários encontros organizados pelo Fórum. Vários grupos de trabalhoforam criados, voltados a temas gerais e específicos. Já em dezembro de1991, durante o VII Encontro Nacional, realizado em Recife, foi apre-sentada uma versão preliminar do relatório; a versão final foi divulgadaem abril de 1992, no VIII Encontro Nacional, em Belo Horizonte. Todaa produção foi submetida ao debate coletivo, de modo que um númerosignificativo de entidades participou, direta ou indiretamente, da elabo-ração do texto. A “construção” do relatório foi, portanto, essencialmentedemocrática. Nos termos do próprio relatório: “nada mais rico que umprocesso de preparação de um relatório que consiga envolver duas outrês centenas de entidades, como foi o caso. (...) Pela primeira vez, umconjunto de entidades brasileiras, tão diferenciadas em seus propósitos ena sua composição, se uniu em torno de um projeto comum. Suas conclu-sões não poderão, portanto, ser ignoradas” (Fórum de ONG’s Brasi-leiras, 1992).

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Ao decidir pela elaboração do relatório, o Fórum definiu pre-viamente qual deveria ser o seu perfil político. Assim, o texto deve-ria privilegiar a análise e o estudo das causas de degradação ambien-tal, apresentando os vínculos com um certo modelo de desenvol-vimento; sem ser apenas técnico, o relatório deveria apontar solu-ções sócio-ambientais, considerando a profunda conexão entre osproblemas sociais e ambientais. Em linhas gerais, o relatório apóia-se menos em um diagnóstico, do que em uma crítica ao atual modelode desenvolvimento. Já na apresentação, o Fórum questiona o con-ceito de desenvolvimento sustentável tal como proposto no docu-mento Nosso Futuro Comum, publicado pela Comissão das NaçõesUnidas sobre Meio Ambiente (WCDE, 1987). Segundo o Fórum,aquele documento “aposta no mesmo modelo de desenvolvimentoque está na raiz dos problemas sociais e ambientais que constata.Alinhado à concepção liberal de um mundo organizado com basenas relações de ajuda e cooperação, exclui de sua análise os meca-nismos de dominação que produzem as disparidades constatadas”.A partir dessas considerações o Fórum entende que “o marco dife-rencial de um modelo alternativo é aquele que atenda de fato às ne-cessidades da sociedade civil democrática, garantindo uma ordemsocial justa, o respeito à vida e o reconhecimento dos direitos so-ciais. Só com esses parâmetros é possível lutar por novos estilos devida, pela reorientação dos atuais níveis de consumo e produção emtermos globais, sem reeditar as mesmas bases que sustentam o atualmodelo de sujeição e exploração das forças humanas e naturais”.

Nesse sentido, o Fórum afirma que é a “sustentabilidade demo-crática” que se coloca como parâmetro para um projeto de sociedade, oque significa relativizar o campo da economia, sempre privilegiado nadefinição de sustentabilidade: “os custos não devem ser consideradosapenas em moeda, dentro da lógica da acumulação, mas avaliados doponto de vista daquilo que se está disposto a pagar, em termos de mu-dança dos padrões de consumo e redistribuição de oportunidades paraviabilizar uma sociedade mais equânime e menos predatória”.

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Diferentemente do documento oficial, o relatório do Fórumvai além da constatação das causas da crise sócio-ambiental do paíse faz uma série de propostas, entre as quais a redefinição do papel doBrasil no contexto internacional; a realização de uma auditoria sobrea origem da dívida externa; a implantação de um novo padrão ener-gético, com a descentralização da produção, democratização do con-sumo e uso de fontes alternativas; reforma agrária; redefinição domodelo industrial, incentivando a indústria de bens de consumo po-pular; reforma urbana assentada na função social da propriedade, nodireito à cidadania e gestão democrática da cidade; democratizaçãodos meios de comunicação; demarcação das terras indígenas; com-bate ao racismo. Por fim, o relatório conclui que a viabilidade dessenovo modelo de desenvolvimento – ainda que possa parecer utópi-co, mas considerando que “a utopia é elemento fundamental, capazde remeter o pensamento e a ação para além do paradigma econô-mico-materialista” – pressupõe a construção de uma nova ética, com-partilhada pelos indivíduos, grupos sociais, nações e governos e fun-dada em uma série de princípios como a totalidade homem-natureza,os valores universais que priorizam a solidariedade global e os inte-resses da espécie humana a longo prazo.

Também o sindicalismo passou, gradativamente, a participardo debate ambiental. A atuação de Chico Mendes, e dos seringueirosde um modo geral, é um dos marcos mais importantes na luta sindi-cal com uma perspectiva ambiental. Em um primeiro momento, asdiscussões do sindicalismo estiveram relacionadas ao próprio am-biente de trabalho, sobretudo nos setores altamente poluidores comoo siderúrgico e o petroquímico. Em seguida, as preocupações extra-polaram o espaço da fábrica. Já em 1988, trabalhadores de uma in-dústria petroquímica, localizada na Grande São Paulo, criaram umasubcomissão de meio ambiente junto à Comissão Interna para Pre-venção de Acidentes-CIPA. Os trabalhadores passaram a discutirquestões ligadas à contaminação por substâncias tóxicas dentro efora da fábrica, forçando a revisão de algumas operações e instala-

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ções. Alguns meses depois, a própria empresa criou um setor de meioambiente. No mesmo sentido o sindicato dos químicos da região doABC paulista, passou a acompanhar, a partir de 1989, o problema deum rio da região contaminado por mercúrio. Em Tocantins, quatrosindicatos de trabalhadores rurais se associaram para desenvolverum programa de educação ambiental, através de debates sobre a pre-servação e recomposição da mata; além disso, esses sindicatos pas-saram a beneficiar e comercializar produtos da floresta em conjuntocom órgãos de pesquisa10.

Em agosto de 1990, a Central Única dos Trabalhadores-CUTcriou a Comissão Nacional de Meio Ambiente-CNMA, subordinadaà Secretaria de Políticas Sociais. Tal comissão passou a realizar de-bates internos, elaborou uma série de textos de interesse dos traba-lhadores sobre meio ambiente e saúde, riscos nos locais de trabalho,desenvolvimento econômico e meio ambiente, entre outros. Alémdisso, essa comissão organizou dois seminários sobre sindicalismo,desenvolvimento e meio ambiente. Desse trabalho resultou o docu-mento Sindicalismo e meio ambiente, apresentado no 4o. CongressoNacional-Concut, realizado em setembro de 1991. O 4o. Concut es-tabeleceu uma série de recomendações em torno da questão meioambiente e desenvolvimento: fomentar a criação de comissões detrabalho sobre meio ambiente nos sindicatos, criar comissões de meioambiente em todas as CUT’s estaduais, atuar em conjunto com osmovimentos sociais no sentido de elaborar propostas visando garan-tir uma melhor qualidade de vida para o conjunto dos trabalhadores.A CUT passou a publicar a revista Sindicalismo e meio ambiente,tratando de temas como lixo nuclear, legislação ambiental, condi-ções ambientais nos locais de trabalho. No primeiro número dessarevista, a CUT reconhecia que “os sindicalistas cutistas devem terclaro que incorporar a questão do meio ambiente em suas lutas não

10 Nazário, M. L. Meio ambiente entra na pauta de reivindicações dos trabalhadores urbanose rurais. Jornal do Brasil, 09 de setembro de 1991, Suplemento Ecologia.

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significa apenas assumir um debate a mais, mas sim defender for-mas concretas de reconhecer e reivindicar qualidade de vida. E, des-sa forma, definir o modelo de desenvolvimento que a classe traba-lhadora quer para si”.

A Força Sindical realizou em outubro do mesmo ano, a Con-ferência Eco-Sindical, visando a participação na Conferência do Rio.A CUT, entretanto, teve uma participação mais atuante, passando aintegrar o Fórum de ONG’s, a partir de seu V Encontro Nacional e,posteriormente, assumindo a Secretaria Executiva do Fórum.

Em um documento intitulado Eco 92: de que lado ficará omovimento sindical?, produzido pela Comissão Nacional de MeioAmbiente-CNMA da CUT, são discutidas três alternativas de posi-cionamento para o movimento sindical diante da realização da Con-ferência do Rio: a primeira seria simplesmente ignorar o evento “sobo argumento de que os assuntos a serem tratados na Conferência nãolhe dizem respeito”. Assumindo tal postura, adverte o documento,“o movimento sindical estará deixando nas mãos dos governos esetores empresariais a decisão sobre o alcance das alterações a se-rem introduzidas no atual modelo de desenvolvimento”. A segundaalternativa seria intervir no debate “mantendo-se dentro dos limitesdos interesses corporativos dos trabalhadores...”. Nesse caso, basta-ria apresentar reivindicações relativas ao ambiente de trabalho, aosalário e emprego, atitude mais freqüente entre os sindicalistas dospaíses desenvolvidos e que não chega “a romper com os valores fun-damentais que sustentam o modelo de desenvolvimento vigente”, aocontrário, prioriza as reivindicações imediatas. Essa postura tem co-locado, muitas vezes, o sindicalismo em confronto com o movimen-to ambientalista. A terceira posição possível ao movimento sindicalseria a de “crítica radical ao atual modelo de desenvolvimento, exi-gindo a sua completa transformação no sentido proposto pelas ONG’sque não desvinculam as questões ambientais das questões sociais”.Tal postura implica, necessariamente, “transcender os interesses cor-porativos dos trabalhadores, negando na prática a sua mera condição

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de instrumentos do processo produtivo e levando-os a assumir o ca-ráter de cidadãos e seres planetários”. O documento conclui afir-mando que ao assumir a terceira posição o movimento sindical esta-ria credenciado a desenvolver o “papel de vanguarda social” no pro-cesso de transformação do atual modelo de desenvolvimento11.

Nesse momento, também o empresariado passou a integrar o de-bate ambiental. Em janeiro de 1991, alguns setores começaram a se ar-ticular no sentido de preparar sua participação na Conferência do Rio,criando um grupo de trabalho e organizando inúmeros seminários e con-ferências12. Além disso, o empresariado brasileiro passou a integrar oConselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável-Cedes(Business Council for Sustainable Development-BCSD), entidade for-mada por empresários de destaque de vários países. O setor empresarial,formulou um discurso bastante particular acerca da questão ambiental,apropriando-se rapidamente do conceito de desenvolvimento sustentá-vel. O próprio representante do Cedes no Brasil, o empresário MárcioFortes, chegou a declarar que o desenvolvimento sustentável represen-tava uma nova ordem econômica, um caminho para a compatibilizaçãoentre crescimento econômico e proteção ambiental, cuja base seria o“mercado livre”13. De um ponto de vista empresarial, portanto, o desen-volvimento sustentável seria uma forma de “gerar a máxima receita deum dado estoque de ativos sem esgotar a base de capital”14. Tambémnesse momento, foi realizada a II Conferência Internacional da Indústriasobre Controle do Meio Ambiente-WICEM. Organizada pela Câmara

11 Comissão Nacional de Meio Ambiente da Central Única dos Trabalhadores-CUT (s/d).Eco 92: de que lado ficará o movimento sindical. Mimeo.

12 A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo-FIESP organizou, em janeiro de 1991,o seminário “Meio ambiente: o empresário e o Nosso Futuro Comum”; cf. Scharf, R.Empresários se organizam para a Conferência da ONU. Gazeta Mercantil, 30 de janeiro de1991, p.12.

13 Belchior, F. Empresários sugerem mudanças no modelo econômico latino-americano. GazetaMercantil, 18 de julho de 1991, p.17. Os empresários latino-americanos membros do Cedeselaboraram o Guia para o desenvolvimento sustentável nos países em desenvolvimento:uma visão empresarial.

14 Camargo, T. Defesa do ambiente é um bom negócio. Gazeta Mercantil, 07 de março de1991, p. 21.

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Internacional de Comércio em cooperação com o Programa de MeioAmbiente das Nações Unidas. O II WICEM reuniu em Roterdã, mais desetecentos e cinqüenta executivos dos setores privado e governamental,além de algumas ONG’s. Nos documentos finais do encontro, o desen-volvimento sustentável é tratado como um “objetivo internacional es-sencial”, que exige “crescimento econômico real” como forma de “darrespostas aos problemas ambientais, reduzindo a pobreza e o cresci-mento populacional”. Nessa perspectiva, o livre comércio é “condiçãocrucial” para o desenvolvimento sustentável: o “crescimento econômicono mundo desenvolvido depende em larga medida da ampliação do acessoao mercado dos países industriais”15.

A ampliação do debate e a incorporação da perspectiva ambientalno discurso e na prática destes sujeitos sociais revelam o fortalecimentoe maturidade de certos setores modernos da sociedade brasileira e, so-bretudo, revelam a capacidade de suas representações institucionais parareivindicar o direito de participação na esfera pública de negociaçõesem torno da problemática ambiental. Apesar das tentativas do governoCollor de desconsiderar estes setores, e até mesmo enfraquecer as forçassociais organizadas, em momentos decisivos da discussão dos rumos dapolítica ambiental brasileira, os ambientalistas garantiram um espaço departicipação e intervenção nessa esfera; garantiram, assim, a continuida-de do processo de construção de uma cidadania ambiental e de umahistória que permanece com uma temporalidade aberta, num processocontínuo de formulação de novos direitos.

15 Gazeta Mercantil, 15 de abril de 1991, “Íntegra das resoluções do encontro de Roterdã”, p. 19.

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O período correspondente ao governo Collor foi extremamen-te rico para o debate ambiental, menos pelas ações implementadasdo que pela possibilidade de explicitar na arena política a complexi-dade do conflito social que permeia a problemática ambiental. Ade-mais, a atuação do Estado, como um dos agentes envolvidos nessedebate, revelou aspectos importantes do projeto político que se pre-tendia para o país. Às vésperas da realização da Conferência dasNações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento-CNUMAD,Collor tratou de incorporar a questão ambiental como um dos pontoscentrais de seu programa de governo, construindo um discurso mar-cadamente ambientalista. Contudo, a apropriação do tema meio am-biente pelo discurso oficial e sua incorporação à estratégia políticaapenas dissimularam o fato de que a verdadeira política do governovoltada ao meio ambiente foi não ter uma política.

Com efeito, o modo como Collor tratou a questão ambiental,como de resto todas as demais, revela o quanto agiu no sentido denegar a política. As ações do governo na área ambiental sempre fo-ram tratadas a partir de uma publicidade exagerada, de um planejado“marketing verde”. Por outro lado, as contradições e ambigüidadesque marcaram todo o período merecem uma análise mais cuidadosae não permitem conclusões apressadas. De qualquer forma, a“teatralização” que Collor fez do político e do social, transforman-do, por vezes, o Estado em um “Estado-espetáculo”, foi a forma maisextrema de negação da política e do debate político (Ribeiro, 1994).

A posição do governo Collor diante das questões ambientaisse diferenciou muito daquela de governos anteriores. Viola (1992b)

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chega a destacar uma certa “sensibilidade ambiental” do governoCollor, ao analisar os impactos do ambientalismo na política mun-dial. Viola propõe uma classificação baseada em duas linhas declivagem na dinâmica política internacional. A primeira seria repre-sentada pelas forças nacionalistas, com interesses voltados para oEstado-Nação, e pelas forças globalistas, com orientação localizadana escala mundial. A segunda linha de clivagem coloca em oposiçãoas forças que assumem a proteção ao meio ambiente como uma di-mensão fundamental, os chamados ambientalistas, com as forças in-diferentes ou contrárias a essa questão, ou seja, os não ambientalis-tas. A partir da combinação entre essas duas linhas, Viola diferenciaquatro grandes forças atuantes no sistema mundial: nacionalistas,globalistas, ambientalistas-nacionalistas e ambientalistas-globalistas.Os setores nacionalistas têm uma orientação fortemente protecionis-ta, defendem forças armadas poderosas e reforçam o poder do Es-tado-Nação, entidade superior da ordem internacional. Já osglobalistas defendem economias abertas ao mercado mundial e pri-vilegiam o papel das organizações internacionais como a ONU. Osambientalistas-nacionalistas defendem a idéia de desenvolvimentosustentável apenas em escala nacional, enquanto que os ambientalis-tas-globalistas preconizam uma reforma profunda na ordem interna-cional, como forma de viabilizar a proteção ambiental nos espaçosnacionais. São favoráveis à transferência de novas tecnologias porparte dos países ricos e ao estabelecimento de uma autoridade supra-nacional para lidar com questões ambientais globais. Evidentemen-te, existem variantes diferenciadas em cada setor, com posições he-terogêneas, que vão desde liberais até radicais.

No caso brasileiro, haveria, segundo o autor, uma “retóricaambientalista-globalista combinada com uma estrutura estatal em quepredominam o nacionalismo (declinante) e o globalismo (ascenden-te)”. Teria ocorrido uma mudança no governo brasileiro do “nacio-nalismo de Sarney ao globalismo com sensibilidade ambiental deCollor”. O que explica essa alteração? Como foi, efetivamente, as-

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sumida a questão ambiental no governo Collor? Qual “discurso am-biental” foi utilizado?

É evidente que houve mudanças significativas de postura dogoverno brasileiro face às questões ambientais pelo menos desde ofim do governo Sarney, como se verifica no Programa “Nossa Na-tureza”. Além disso, Collor assumiu o governo num momento decrescimento de uma “segunda onda ambientalista” mundial. A pri-meira havia ocorrido no final dos anos 60 e tivera um caráter mar-cadamente instituinte, tendo levado à criação de leis como o NationalEnvironment Policy Act dos Estados Unidos (1969), instituiçõesnacionais como a Environmental Protection Agency-EPA ameri-cana (1970) e instituições internacionais como o Programa dasNações Unidas para o Meio Ambiente-PNUMA (1972), criado porocasião da Conferência de Estocolmo. No final dos anos 80, apósum período de relativo refluxo, a maré ambientalista tornou a su-bir, agora em um mundo muito mais globalizado, com problemasde destruição da camada de ozônio, aquecimento global e perda dabiodiversidade.

Na construção de um “discurso ambientalista”, Collor fez umaapropriação do conceito de desenvolvimento sustentável. Apropria-do, reapropriado, mitificado e mistificado, tal conceito tornou-se res-posta, no discurso oficial, às demandas sociais relacionadas à pro-blemática ambiental, sempre servindo como argumento em favor docrescimento econômico em detrimento da preservação ambiental. Oconceito de desenvolvimento sustentável tratou de imprimir a ima-gem de um notável e estranho consenso, que, na verdade, não existiadentro do governo, em termos de política ambiental. Esse conceitoacabou por assumir sentidos variados, segundo a retórica dos dife-rentes sujeitos sociais: ora desenvolvimento sustentável significavauma proteção ao “verde” sem compromisso com a problemáticasocial, ora tratava-se de um desenvolvimento que poderia garantir a“sustentabilidade das taxas de lucro”. Ou, ainda, o termo poderiaservir apenas como introdução aos documentos oficiais, visando a

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obtenção de empréstimos e financiamentos de agências internacio-nais. Na abertura da Conferência do Rio, Collor chegou a dizer, emreferência ao desenvolvimento sustentável, que o Brasil seria umexemplo: “...tem muito desenvolvimento a conquistar e muita natu-reza a conservar”1. É certo que a noção de desenvolvimento susten-tável tal como foi apropriada pelo dircurso oficial estava longe deser aquela defendida pelos ambientalistas.

O conceito de desenvolvimento sustentável foi introduzido nodebate político a partir da divulgação do Relatório Nosso Futuro Co-mum ou Relatório Brundtland, como ficou conhecido. Esse relatóriofoi resultado dos trabalhos desenvolvidos pela Comissão das Na-ções Unidas sobre Meio Ambiente, criada em 1983, e presidida pelaPrimeira Ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland. O RelatórioBrundtland tem como pressuposto a possibilidade de conciliação entrecrescimento econômico e preservação do meio ambiente, através dodesenvolvimento sustentável, definido como aquele que “atende àsnecessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gera-ções futuras também atenderem as suas”. Trata-se de um “processode mudança, no qual a exploração dos recursos, a orientação dosinvestimentos, os rumos do desenvolvimento tecnológico e a mu-dança institucional estão de acordo com as necessidades atuais e fu-turas”. Em última instância, o desenvolvimento sustentável, é “umacorreção, uma retomada do crescimento, alterando a qualidade dodesenvolvimento”. A via para alcançar o desenvolvimento sustentá-vel seria um sistema econômico mundial de “cooperação integrada”,onde as multinacionais “têm importante papel a desempenhar”(WCED, 1987).

As análises e propostas do Relatório Brundtland expressamuma confiança exacerbada no avanço tecnológico, além de conside-rar a pobreza como causa primordial da degradação ambiental. Al-

1 Discurso de Fernando Collor na abertura da Conferência do Rio. O Estado de São Paulo, 4de junho de 1992, p.6.

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guns críticos avaliam que o relatório aproxima-se da posição neo-clássica da economia, ao depositar nas forças de mercado, ainda quede forma não explícita, as soluções para os problemas ambientais. Aconcepção subjacente ao conceito de desenvolvimento sustentável,tal como expresso no Relatório Brundtland, seria a do ecocapitalis-mo: “um conjunto de mecanismos de ajustamento que resgata a fun-cionalidade da sociedade capitalista, ora naturalizada como paradig-ma da sociedade moderna (...) um conjunto de medidas, em prol docapitalismo verde” (Herculano, 1992). Em uma crítica mais abran-gente e muito bem fundamentada, Sachs (1988), um dos principaisteóricos do ecodesenvolvimento, afirma que o relatório é “desprovi-do de memória, passa rapidamente sobre a história desses últimosquinze anos (...) A Comissão quis passar em revista um número ex-cessivamente grande de problemas (...) o que conduziu (...) a repetirgeneralidades bem conhecidas e a manter-se à superfície das coisas.Por outro lado, nenhum esforço sistemático foi feito para apresentare avaliar as experiências de um outro desenvolvimento socialmenteútil, ecologicamente prudente e economicamente viável que surgecá e lá nos interstícios dos sistemas sócio-políticos globalmente de-dicados ao crescimento selvagem e ao lucro econômico a curto pra-zo. Isto teria permitido introduzir a problemática do papel e dos li-mites do desenvolvimento local (...) do papel dos atores sociais emais particularmente dos movimentos ecológicos. A ausência de umaanálise aprofundada desses movimentos aparece como uma enormelacuna do relatório”. Embora longa a citação é importante.

Para tentar compreender o discurso ambientalista produzidopor Collor e a atuação de seu governo em relação à política ambien-tal, é preciso recuperar o contexto no qual se deu a chegada deFernando Collor de Mello ao poder, para o que a análise de Oliveira(1992a) é fundamental. A vitória de Collor nas eleições de 1989 foiresultado de um momento muito particular do cenário político brasi-leiro. Os três últimos anos do governo militar, cujo presidente eraJoão Figueiredo, já anunciavam um “interregno de vacilações e du-

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biedades”, produzindo uma crise de credibilidade do Estado, das ins-tituições políticas e dos próprios políticos, além de uma grave crisede acumulação e da capacidade do Estado proporcionar previsibili-dade à economia, papel que o Estado brasileiro sempre desempe-nhou. O regime democrático instaurado com a Nova República teriaa responsabilidade de resolver a crise econômica herdada dos gover-nos militares; ao fracassar nessa tarefa, a Nova República reforçou odescrédito da política. Nesse sentido, o novo regime deslocou o eixoda crise econômica para uma crise geral do Estado, das instituições edo próprio governo, num movimento de “politização da economia”.

Oliveira salienta que apesar da proximidade das primeiras elei-ções diretas depois do regime militar, a configuração da crise nãopossibilitava a emergência de candidaturas que se apoiassem em tor-no da agregação de interesses, mas antes preparava o caminho parauma campanha e um candidato “messiânicos”. Com efeito, Oliveiraafirma que Collor foi representativo de um messianismo político ur-bano, diferenciado de uma personalidade populista, posto que nãointerpelava a radicalidade das massas e não tinha um forte apelo declasse, ainda que genérico (ademais, o populismo já havia sofridouma grande derrota com o golpe de 64). Tratava-se, de fato, de um“messias”, com todas as características desse tipo de personalidade:“a personalidade messiânica cria fanáticos e não organiza, e emborasua durabilidade na política seja diversa, historicamente falando, elaé, mais costumeiramente, episódica e frágil, deixando poucos traçosposteriores”. Inteiramente diversa, portanto, do líder carismático deMax Weber. Tratava-se, pois, de um “herói-salvador” (Velho, 1990).

O discurso de Collor incidiu sobre os pontos centrais da crisebrasileira: o sistema político partidário, a corrupção, os problemassociais, entendidos como decorrentes da ineficácia do Estado e nãocomo produto da desigualdade da distribuição de renda. Como bemobserva Oliveira, Collor “mobilizou toda a frustração, todo o res-sentimento, todas as carências, no ponto do ‘olho de furacão’ da cri-se” (grifos do autor). Além disso, Collor procurou afastar-se e dis-

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tinguir-se dos políticos e das próprias organizações empresariais,“criando em torno dele e sobre ele, a aura de um isolado cavaleiroandante, contra tudo e contra todos”. Sua candidatura não se susten-tava sobre qualquer setor organizado ou específico da sociedade, seudiscurso era voltado para o “povo”, os “descamisados”; os própriossetores representativos do grande capital não confiavam inteiramen-te em Collor, ante a sua qualidade de “messias”. Assim, Collor che-gou ao poder sem uma base de sustentação dos setores organizadosda sociedade; estava realmente isolado no centro do governo. Emuma passagem síntese, Oliveira assim se refere à instalação do go-verno Collor: “deu-se a emergência do tempo messiânico (um tem-po que) opõe-se a qualquer outra temporalidade, de forma radical.Ele é, de uma só vez, promessa infinita e indefinida; um raio quepode abater-se de repente, sem aviso, apocalipticamente; sempreanunciado, não tem data nem minuto marcados. E sua chegada é o‘dies irae’ da vingança, que é também o dia da justiça”.

O conjunto de forças políticas que elegeu Fernando Collor deMello era bastante diversificado: de um lado, as parcelas mais pobres dapopulação – os “descamisados” – que representaram o maior número devotos; de outro lado, algumas frações das classes médias, preocupadascom a possibilidade de sua proletarização; complementou, ainda, o con-junto, o grande bloco formado pelas burguesias, que não chegavam aconstituir uma unidade e nem confiavam inteiramente em Collor. Agrande burguesia associou-se a Collor apenas no segundo turno da cam-panha eleitoral; foi uma associação estratégica, tendo em vista que ocandidato oponente, Luiz Ignácio Lula da Silva, era o representante daesquerda e dos setores organizados e modernos da sociedade brasileira.A falta de unidade dessas forças políticas – como “um espelho partido”e depois rejuntado no momento da vitória eleitoral – e, principalmente,a ausência de uma base de sustentação dos setores organizados da so-ciedade representavam um problema de governabilidade para Collor,desde dificuldades para montar um plano de governo até para indicarministros (Oliveira, 1990).

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Instituído o novo governo, toda a orientação política foi mar-cadamente privatizante, no exato sentido de uma privatização dopúblico sem a correspondente publicização do privado. Oliveira(1992a) argumenta que essa orientação esteve presente em todas asáreas de atuação governamental, notadamente nas táticas e estraté-gias de política econômica do Plano Collor, que previa a transferên-cia para o setor privado de todo patrimônio público representadopelas estatais. Não se tratava simplesmente de uma política de priva-tização, mas de utilização de recursos públicos para constituir umnovo bloco de capitais privados. Oliveira ainda destaca o mesmosentido privatizante na área da cultura, com uma “rendição incondi-cional à ‘indústria cultural’’’, baseada no completo desmonte de inú-meras instituições estatais, além do fim dos subsídios para o setor.

Essa orientação privatizante também se deu num outro senti-do, apontado por Chauí2 já nos primeiros meses do novo governo: aindiferenciação entre o público e o privado. Assim, o Plano Collorteria sido “a mais violenta incursão na vida privada dos cidadãos,esfacelou-lhes o cotidiano e apagou as fronteiras entre o Estado e asociedade civil (...) A indistinção entre o público e o privado signifi-ca a destruição da esfera democrática dos sentidos dos direitos civis,sociais e políticos, das garantias da cidadania sob o vendaval dosinteresses presidenciais”.

Em outro momento, Chauí (1992) acrescenta: “... o desliza-mento contínuo do privado para o público e do público para o priva-do é constitutivo da política despótica e da impossibilidade de traçarfronteiras entre a esfera ética das virtudes e a esfera política dos va-lores cívicos”. A política despótica dispensa instituições mediadorasdas relações políticas. Ocorre uma personalização do poder e o cor-po político transforma-se em “corpo místico-político” do governante.Assim, “a política se privatiza: a vida privada do governante ocupatoda a cena pública e, como o antigo imperador romano, seus gostos

2 Chauí, M. Arcaísmos do Brasil Novo. Folha de São Paulo, 29 de maio de 1990, p. 1-3.

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e preferências à mesa, na cama, na praça desportiva, em sua bibliote-ca, com seus animais de estimação e sua família são cotidianamenteexibidos para o julgamento fascinado dos cidadãos”.

A construção do espaço público exige, portanto, que se desfa-ça a corporificação do poder político e que se rompa com a identifi-cação que a sociedade estabelece com o governante. Através da cria-ção de instituições políticas mediadoras, rompe-se com o “imaginá-rio messiânico da salvação e o imaginário feudal da proteção”. Masao neoliberalismo interessa a perda das fronteiras entre o público e oprivado, mais do que isso: interessa a passagem do espaço público àcondição de marketing e a passagem do espaço privado à cena polí-tica.

Ainda numa outra perspectiva, Ribeiro (1994) destaca que, ao“teatralizar a política” ou ao tratar a “política como espetáculo”, re-duzindo os cidadãos a meros espectadores, o governante nega seucompromisso com o bem comum, com a res publica, esquece, ade-mais, o público pelo publicitário, podendo se apropriar da coisa pú-blica para fins privados. Tal como se passou com Collor.

A estratégia de Collor visava acabar, ou no mínimo enfraque-cer, as formas e forças sociais organizadas da sociedade e as arenasemergentes de negociação. As tentativas nesse sentido foram maisnotáveis em relação aos trabalhadores e ao novo sindicalismo, repre-sentado pela CUT. De fato, as iniciativas de Collor (as medidas con-tra o funcionalismo público, a tentativa de revisão da legislação tra-balhista, a proposta de privatização da Previdência Social), a parcom sua política recessiva, colocaram as centrais sindicais na defen-siva.

A estratégia de eliminar os setores organizados da sociedade detodo e qualquer processo de negociação também é ressaltada porSchneider (1992), ao analisar o programa de privatização do governo.Segundo esse autor, ainda que Collor tivesse popularizado uma visãonegativa do Estado, através de um discurso anti-Estado, tornando, assim,

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o liberalismo “mais aceitável”, o programa de privatização não fez partede uma estratégia política que visasse garantir o apoio do Congresso ede possíveis grupos sociais pró-privatização. Collor e sua equipe doBNDES, cuja experiência e conhecimento acumulados durante a déca-da de oitenta em matéria de privatização fizeram com que se tornasse oexecutor do programa, tentaram isolar e despolitizar as ações nesse campo.É certo que o programa de privatização procurou se conformar à opiniãode setores da elite, que, além de manter um certo consenso a favor daprivatização, priorizavam alguns setores que deveriam passar à iniciati-va privada (setores do aço, comércio internacional, informática). É sin-tomático que nas primeiras semanas de governo, Collor tenha extingui-do a Siderbrás (holding estatal do aço), a Portobrás (holding ligada àadministração de portos) e a Interbrás (comércio internacional). Schneiderobserva, todavia, que se o programa de privatização se moldou à opiniãodas elites foi menos para incorporar sua participação no processo, doque para evitar um possível confronto. Ademais, Collor centralizou asdecisões e passou a legislar através de decretos, excluindo a participaçãodo Congresso e a possibilidade de negociações. Assim, vários aspectosdo programa de privatização tentaram impedir a participação, o con-fronto e a política de um modo geral; Collor dispensou a participaçãodireta, alienou o Congresso e os setores organizados, demonstrando umaverdadeira “aversão tecnocrática ou neoliberal à política de negocia-ção”. Em suma, a privatização foi tomada como “reforma técnica”,mantida à margem da política.

Na mesma perspectiva, Oliveira (1992a) avalia que o progra-ma “messiânico” de Collor entrou em choque com uma sociabilida-de construída ao longo dos anos setenta e oitenta a partir da presençade novos e importantes sujeitos na cena política (a nova classe ope-rária e o novo sindicalismo; a própria classe média); a destruiçãodessa sociabilidade exigiu a eliminação de um campo de negociaçãoocupado por sujeitos representativos de diversos grupos da sociedadeorganizada. As próprias características do Plano Collor de estabili-zação econômica eram marcadamente “totalitárias”, na medida em

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que “atropelaram” as instituições da vida política e civil, negandoqualquer forma de representação e mediação da sociedade. O planonão reconheceu a diversidade de posições das “alteridades sociais epolíticas” e a sua capacidade de negociar, ceder, até mesmo impor,em alguns casos, mas sobretudo participar de um debate em umaarena democrática. Ao negar a capacidade e o poder de representati-vidade de sujeitos sociais e políticos na sociedade, a “modernidade”apregoada por Collor foi, utilizando novamente as palavras de Oli-veira, na “contramão das virtualidades postas pela própria comple-xidade do capitalismo contemporâneo no Brasil...”.

O programa econômico do governo Collor, fundado na lógicaneoliberal e privatizante, envolvia, entre um sem número de medi-das, a abertura comercial, a liberalização de preços, a livre negocia-ção salarial, priorizando o mercado como orientação e caminho parauma integração econômica internacional. Imediatamente após a pos-se do novo governo, o plano, então implementado, produziu um ra-dical aperto monetário com redução da liquidez, através do seqües-tro e congelamento dos ativos financeiros. Ao lado de um programade privatizações das empresas estatais, com a instituição dos certifi-cados de privatização – que, em última instância, deixou aos bancoso controle do processo de privatização – buscou-se a total aberturaao capital estrangeiro. A par dessas medidas foi iniciada uma refor-ma administrativa com o objetivo de demitir uma parcela significati-va do funcionalismo público.

É interessante lembrar que no período imediatamente poste-rior à eleição, o programa econômico de Collor ainda estava por serdecifrado e causava grande expectativa diante da profunda crise queo país atravessava; mas Collor se apresentava como detentor de to-das as soluções para essa crise ou, ainda, como um “boxeador confi-ante entrando no ringue...” (Goldenstein, 1990).

Em sua análise, Oliveira (1992a) examina a inconsistência doplano econômico de Collor a partir de dois aspectos principais. Oprimeiro refere-se à contradição entre a sua “temporalidade messiâ-

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nica” e a “temporalidade societal”: aquela requer um sucesso ime-diato, esta tem ritmos diferenciados e, portanto, longos, traduzindoos interesses dos vários grupos que compõem a sociedade. A contra-dição se expressa na medida em que as ações econômicas“messiânicas” não podem reestruturar relações societais, cuja tem-poralidade é de longo prazo. A única temporalidade que pode sermortalmente atingida e reprimida pela intervenção messiânica é a dosalário; a temporalidade do capital é de longo prazo, cumulativa,enquanto a temporalidade dos assalariados é mais imediata (emboraa temporalidade do regime de assalariamento também seja longa). Osegundo aspecto refere-se à inadequação entre as condições concre-tas da economia brasileira e a base teórico-metodológica do plano,originariamente neoclássica e monetarista. A teoria monetária nãoreconhece a qualidade diversa dos portadores de valores, fetichizaao máximo a moeda; assim, a teoria do plano choca-se com as desi-gualdades da sociedade brasileira, que faz “uns sujeitos e outros ob-jetos da política econômica”. Nesse sentido, a adoção do modeloneoclássico e monetarista é, segundo Oliveira, intrinsecamente au-toritária e socialmente perversa.

Ainda em relação ao plano econômico, Fiori (1993) distinguedois momentos político-econômicos diferenciados, embora manten-do a mesma concepção estratégica. O primeiro momento o autordenomina “jacobino” e se estende de março de 1990 a abril de 1991,quando a economia foi conduzida pela ministra Zélia Cardoso deMello. Essa fase é marcada pelas medidas de impacto e pelas freqüen-tes alterações das regras econômicas conduzidas por uma equipe de“technopols” voluntaristas e autonomizados em relação aos demaissetores da sociedade. O segundo momento, denominado “girondino”,vai de abril de 1991 a setembro de 1992, sob o comando do ministroMarcílio Marques Moreira, contrário às medidas heterodoxas da pri-meira fase e favorável à renegociação da dívida externa. Em ambosos casos a política econômica fracassou e o país enfrentou a maisséria recessão econômica desde os anos 30, com queda do PIB e das

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taxas de investimento, aumento da dívida pública, perdas reais dosalário, aumento da taxa de desemprego e da concentração de renda.Do mesmo modo, o corte dos gastos públicos agravou as condiçõesdos serviços públicos básicos, notadamente os serviços sociais. Apolítica econômica do governo também causou impactos ambien-tais, com o aumento das culturas de exportação na região dos cerra-dos, a redução do preço da borracha nacional3, comprometendo asreservas extrativistas da Amazônia, os baixos investimentos em ser-viços de água e esgoto; a política recessiva contribuiu de modo sig-nificativo para o aumento dos níveis de degradação ambiental(Acselrad, 1992).

As características gerais do governo Collor, traçadas nas aná-lises precedentes, tiveram reflexos, evidentemente, na condução desua política ambiental. Apesar de todo “discurso ambientalista”, apolítica do governo voltada a essa área foi não ter uma política. Asações nesse campo pretenderam, a maior parte do tempo, apenasgerar impactos4. Ora, uma “política de impactos”, como já observouOliveira, tem fôlego curto e não pode se converter em uma políticade governo propriamente dita. O que de fato importava a Collor eragarantir uma posição satisfatória até a realização da Conferência doRio, mesmo que isso implicasse a eliminação de uma possível arenade negociações com os setores organizados da sociedade. Entretan-to, a constituição e consolidação de um Fórum Nacional de ONG’s eo papel que este desempenhou revelam o fortalecimento e maturida-de de certos setores modernos da sociedade brasileira e, sobretudo,revelam a capacidade de suas representações institucionais para rei-vindicar o direito de participação na esfera pública de negociações.

O próprio CONAMA, apesar de ter sofrido um esvaziamentoe enfraquecimento político desde o primeiro ano do governo, foi um

3 A queda no preço da borracha praticamente inviabilizou a atividade extrativa na floresta,levando o Conselho Nacional dos Seringueiros-CNS a afirmar que as experiênciaspromissoras de manejo sustentável da floresta estavam seriamente ameaçadas.

4 Quando era conhecido como o “caçador de marajás” de Alagoas, Collor já se destacava porsuas medidas de impacto e pouca consistência jurídica.

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espaço de intenso debate e negociação política. Com a criação doConselho de Governo, órgão hierarquicamente superior ao CONAMAe que não previa a participação de representantes da sociedade civil,importantes decisões acerca da política ambiental ficaram centrali-zadas na Secretaria de Assuntos Estratégicos-SAE, que funcionavacomo secretaria executiva daquele Conselho. Ademais, os represen-tantes governamentais no CONAMA eram sistematicamente substi-tuídos, o que comprometia a continuidade dos trabalhos e debates,além de dificultar o andamento das negociações entre ambientalistase governo. A rotatividade dos representantes do governo tambémfez com que os ambientalistas se tornassem a memória do CONAMA.

Os ambientalistas, por outro lado, procuraram prestigiar oCONAMA. Na eleição para escolha de seus representantes, realiza-da entre janeiro e fevereiro de 1992, houve uma grande adesão: emalgumas regiões, o número de entidades que votaram superou o nú-mero daquelas que estavam cadastradas no CONAMA e, portanto,aptas a votar. Na região Norte, por exemplo, votaram sessenta e duasentidades ambientalistas, enquanto que o número de entidades aptasa votar era de treze5 . Vale dizer que a representação dos ambientalis-tas no CONAMA é regionalizada e decidida por eleição direta. OPresidente da República, por sua vez, pode fazer três indicações,prerrogativa que Collor transferiu a Lutzenberger que acabou porindicar outros três representantes do setor ambientalista.

O fato é que Collor incorporou a questão ambiental na estraté-gia política global de seu governo como uma das medidas projetadaspara manter sua popularidade. A apropriação do tema meio ambien-te pelo discurso oficial e sua incorporação na estratégia política deCollor podem, em alguma medida, revelar aspectos de seu projetopolítico e o apoio de que necessitava para implementá-lo. Por outrolado, a preocupação com os problemas ambientais possibilitava a

5 Estes dados, apresentados em dossiê organizado pelo IBAMA, constam do boletiminformativo da União Protetora do Ambiente Natural-UPAN, de março de 1992.

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construção de uma imagem positiva no cenário externo. Os temassócio-ambientais foram escolhidos em função da atração que exer-ciam no contexto internacional: povos Yanomami, preservação daAmazônia, etc. A orientação explícita de sua política externa era ade se identificar com os países industrializados, desvinculando-se daposição de país de Terceiro Mundo. Nesse sentido, tanto José Lut-zenberger como José Goldemberg acabaram por avalizar o governo,independente até de suas realizações efetivas. Ocorre que entre aimagem externa e as realizações internas há que se registrar umagrande distância. O governo não priorizou as iniciativas e demandasda comunidade ambientalista nacional; a questão ambiental não foiassimilada como parte da questão do desenvolvimento e da proble-mática social; os órgãos ambientais, como o IBAMA, permanece-ram com uma ação tradicional em termos de fiscalização, notada-mente das práticas de desmatamento e conservação; nenhuma polí-tica verdadeiramente inovadora foi desencadeada.

O crescente debate acerca dos problemas ambientais globais co-locou o Brasil no centro das preocupações internacionais; Collor tinhaconsciência desse fato e pretendia tirar o máximo proveito da posiçãoprivilegiada do país, enquanto possuidor de importantes recursos natu-rais. Vários autores têm considerado essa questão. Em artigo que des-creve a participação do Brasil na negociação do capítulo financeiro daAgenda 216, Ricúpero (1993), então embaixador em Washington, subli-nha que “dentre as mudanças recentes no panorama internacional umadas poucas que trabalha em nosso favor é a súbita emergência de umtema como o ambiental onde o Brasil, ao lado de sérias vulnerabilidades(a repercussão do desmatamento da Amazônia), dispõe de cartas preci-osas como o fato de deter o maior patrimônio de biodiversidade, de sero dono da maior floresta tropical existente”.

6 A Agenda 21, um dos principais documentos assinados durante a Conferência do Rio,constitui um programa de ação para o desenvolvimento sustentável, que inclui, entre outrostemas, a questão da pobreza, habitação, saúde, transferência de tecnologias, desmatamentos,desertificação, mudanças climáticas, modelos de consumo.

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A mesma análise é compartilhada por outro embaixador emuma obra em que vários autores são chamados a discutir o futuro doBrasil na última década deste século. Aqui o embaixador MarcílioMarques Moreira – que mais tarde seria o ministro da Economia deCollor – observa que o Brasil deveria dar uma resposta adequada àsmudanças em curso mundialmente, como forma de garantir uma in-serção soberana e moderna no novo cenário mundial (Moreira, 1992).Nesse sentido, o Brasil teria que “vencer muitos constrangimentosinternos” e “tirar partido de seus patrimônios inexplorados”. Está-sefazendo referência, evidentemente, ao patrimônio ecológico. Moreiradestaca a posição estratégica desse patrimônio, num momento emque as vantagens comparativas em termos de abundância de maté-ria-prima e mão-de-obra barata são subtraídas pelo avanço tecnoló-gico; assim, “urge preservá-lo, para poder desenvolvê-lo e urge de-senvolvê-lo, para poder preservá-lo. É patrimônio cujas cotas estãoem ascensão – e são cobiçadas! – na bolsa mundial de valores”.

Em outro artigo desse mesmo livro Chipman (1992), do Insti-tuto Internacional de Estudos Estratégicos de Londres, lembra quejá no final dos anos oitenta, o desmatamento na Amazônia interferiunas políticas de empréstimo da Comunidade Econômica Européia,do Banco Mundial e mesmo de instituições privadas, levando o pre-sidente Sarney a criticar o que chamou de “imperialismo verde”.Esse mesmo autor afirma que a política internacional para os paíseslatino-americanos deverá desenvolver-se e implementar-se em tor-no dos temas dívida externa, drogas e meio ambiente: o fim da guer-ra fria e, portanto, a transformação do cenário político internacionalalterou, em grande medida, a importância geopolítica dos países la-tino-americanos, estabelecendo uma “nova agenda”, cujos itens pas-sam pela questão da consolidação da democracia, pela chamada guerradas drogas e, ainda, pela questão da preservação do meio ambiente.Em se tratando da questão ambiental, o Brasil terá sua política inter-na observada “muito de perto” pelos Estados Unidos e outros paísesindustrializados, pelo modo como as decisões internas possam afe-

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tar a percepção desses países acerca de possíveis danos ao meioambiente global. Chipman ainda sublinha que “para esses países so-bre os quais os EUA vão concentrar sua atenção devido aos itens daassim chamada ‘nova agenda’, será cada vez mais necessário desen-volver políticas sustentáveis internamente que previnam políticasamericanas potencialmente indesejáveis, acomodando, ao mesmotempo, os interesses americanos convenientes”. Assim, “também oBrasil poderá ver-se na situação de desenvolver uma política naAmazônia que vá ao encontro de um interesse generalizado pela pro-teção ao meio ambiente, mas que ao mesmo tempo seja conduzidaem harmonia com as necessidades e perspectivas brasileiras”. Res-ponder a esse item da “nova agenda” significa, em certo sentido,criar condições para integrar-se a uma ordem internacional em evo-lução.

Santos (1994), ao comentar esta mesma obra, destaca que aquestão da floresta Amazônica, apesar da grande interferência quepoderá exercer nas relações internacionais do Brasil nos anos 90, épraticamente inexistente nos debates nacionais; os cientistas e polí-ticos brasileiros parecem ignorar a importância do problema ambien-tal. Santos ressalta que sobretudo a biodiversidade da Amazônia tor-nou-se um “trunfo” importante, abrindo um novo espaço para o paísnas relações internacionais; contudo, adverte que a crise ambiental eo desenvolvimento da biotecnologia colocam o país em uma “encru-zilhada”: a biodiversidade amazônica poderá ser tanto uma oportu-nidade como um problema. Durante a década de oitenta, a questãoda biodiversidade esteve vinculada ao desmatamento, particularmentena Amazônia; com o desenvolvimento da biotecnologia, tornou-sepossível transformar a biodiversidade em matéria-prima, ou seja, osvalores ambientais tornaram-se valores econômicos em potencial,de modo que as florestas tropicais, e a Amazônia em particular, des-pertaram o interesse das grandes corporações transnacionais. Colo-ca-se, nesse momento, o problema das patentes e da propriedadeindustrial. Os países desenvolvidos sustentam que a biodiversidade

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é um “patrimônio global” e, portanto, o acesso aos recursos genéti-cos deve ser livre.

É preciso não esquecer que foi o próprio Collor que enviou aoCongresso Nacional, imediatamente após o encerramento da Confe-rência do Rio, o projeto de lei de propriedade industrial e de patentes– Lei das Patentes. Esse projeto atendia aos interesses dos EUA econtrariava todos os esforços realizados pelos diplomatas do Itama-raty, durante as negociações da Convenção de Biodiversidade. Nasreuniões preparatórias à Conferência do Rio, o Brasil defendeu anecessidade de um acesso regulamentado por acordo, respeitado odireito soberano do Estado detentor dos recursos genéticos; em ou-tros termos, o acesso aos recursos da biodiversidade deveria ter comocontrapartida a transferência de novas tecnologias, em especial a bio-tecnologia. Foram estes os aspectos contemplados pela Convençãode Biodiversidade assinada durante a Conferência do Rio. Resta lem-brar que, naquele momento, os Estados Unidos não aderiram à Con-venção, pois entenderam que a questão da propriedade industrial éinegociável.

Nesse sentido, a problemática da biodiversidade e, particular-mente, a complexa questão da Amazônia são temas prioritários naagenda política nacional. Ademais, a questão da Amazônia pode serreveladora de uma profunda crise do Estado brasileiro (Oliveira,1994). A estratégia do regime militar traçada para a Amazônia,traduzida no princípio de “integrar para não entregar” e ancorada naconvergência da geopolítica com a doutrina de segurança nacional,resultou em situações de significativa degradação ambiental e extre-ma exploração humana na região. Esse processo, que Oliveira defi-ne como “intervenção-reconquista” da Amazônia, é marcado por umaimensa desproporcionalidade de forças: de um lado, todo o conjuntode atores locais; de outro, atores representantes do grande capitalestatal, multinacional e nacional. Aqueles ainda presos à prática daacumulação primitiva; estes, à lógica do lucro e da mercadoria, de-correndo daí um radical conflito entre “diferentes temporalidades e

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concepções axiológicas”, cuja conseqüência é a destruição das tem-poralidades locais, o que siginifica degradação ambiental e genocídio,e mesmo epistemicídio (Santos, 1995a). Essa incapacidade, histó-rica e profundamente enraizada, do Estado brasileiro em tratar de-mocraticamente as diferenças culturais presentes em seu território,coloca em questão o próprio conceito e a prática do Estado-Nação.

O processo de “intervenção-reconquista” da Amazônia seriadesvelador de uma crise do Estado brasileiro, porque, para além doregime militar, permanece a forma autoritária de intervenção naAmazônia – agora potencialmente mais dramática, em razão da ques-tão da biodiversidade e do que ela pode representar para o Brasil nasua inserção no cenário político contemporâneo. Permanece uma certarationale, como escreve Oliveira, que não é apenas formal, mas de-rivada da violência das próprias relações sociais, cujas formas deapropriação dos recursos têm, na maior parte das vezes, um caráterde ilegalidade, de apropriação livre, sem o estatuto de mercadoria(evasão fiscal, todas as formas de contrabando, tráfico de drogas).Em uma palavra, a crise do Estado brasileiro decorre de sua incapa-cidade regulatória e a questão da Amazônia seria emblemática disso.No caso da Amazônia, conforme afirma Oliveira, “...o monopóliolegal da violência transformou-se no acobertamento de todas as vio-lências privadas...” e a questão que decorre daí é se o Estado brasi-leiro quer e dispõe dos meios para controlar toda situação de explo-ração humana e de degradação do meio ambiente da região e se querrenunciar à exploração das riquezas da Amazônia, o que não pareceplausível para o autor. O assassinato de Chico Mendes se inscrevenesse contexto da violência privada exercida na região Amazônica.Nesse caso o Estado continua praticamente ausente.

Não obstante os esforços do governo Collor para usufruir daposição de destaque que o país ocupava no cenário internacional, emrazão da riqueza de seus recursos naturais e da preocupação empreservá-los, notadamente a Amazônia, os investimentos e financia-mentos obtidos para implementação de projetos ambientais não lo-

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graram sucesso. A instabilidade institucional dos órgãos responsá-veis pela formulação e implementação das políticas ambientais foimarcante durante o governo Collor e prosseguiu após sua saída: ape-nas no período de 1990/1994, o IBAMA passou por nada menos quenove presidentes (apenas durante o governo Collor foram seis presi-dentes); a estrutura da Secretaria de Meio Ambiente da Presidênciada República foi extinta em outubro de 1992, dando lugar ao Minis-tério do Meio Ambiente, que, por sua vez, foi substituído pelo Mi-nistério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal (a Secretaria, de-pois Ministério, teve seis titulares desde 1992)7.

Segundo Ros Filho (1994), essa instabilidade, associada à baixacapacidade dos órgãos ambientais na execução de projetos técnicos,tem comprometido enormemente a capacidade de implementaçãodos financiamentos e investimentos destinados à área ambiental noBrasil. Analisando os principais projetos e programas de financia-mento do setor de meio ambiente, Ros Filho destaca o problema dodesperdício de recursos e a incapacidade governamental de planejare aplicar empréstimos de fontes externas. Assim, o Progama Nacio-nal de Meio Ambiente-PNMA, por exemplo, que recebe recursos doBanco Mundial, havia gasto somente 9,4% de seus recursos até julhode 1993; os juros referentes à taxa de compromisso (juros pagos pelanão utilização de recursos contratados), chegavam a US$ 800 mil nofinal de 1993. Além disso, as distorções na prática de correção dasdotações orçamentárias acabaram por deteriorar os valores reais, pre-vistos no orçamento, em relação à moeda externa. O autor lembraque a Constituição estabelece que o Orçamento da União é unificadoe deve prever todas as receitas e fontes de ingresso de recursos dogoverno federal, as despesas e fontes de financiamento; os recursosexternos são convertidos em moeda nacional, com base em uma es-timativa do valor médio do dólar norte-americano, valor que é man-

7 As trocas de nomes continuaram nos governos subseqüentes e até dentro de um mesmoperíodo governamental. Atualmente, denomina-se Ministério do Meio Ambiente.

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tido durante todo o exercício fiscal. Assim, os US$ 55,7 milhõesdestinados ao PNMA, em janeiro de 1992, quando convertidos àtaxa de câmbio média de dezembro do mesmo ano, representavamUS$ 11,6 milhões, apenas 20,6% do valor previsto inicialmente. Emrelação ao Fundo Nacional de Meio Ambiente-FNMA, Ros Filhoapresenta os seguintes dados: em 1990, foram aprovados dezesseteprojetos; contudo, devido ao atraso na liberação dos recursos, ape-nas onze foram implementados; no ano seguinte, foram aprovadosoitenta projetos e sessenta e quatro executados; do orçamento doFNMA previsto para 1993, apenas 62% dos recursos foram utiliza-dos8.

No caso do Programa Piloto para Conservação das FlorestasTropicais, inteiramente elaborado durante o governo Collor, os da-dos não são diferentes: no final do segundo ano do programa, osprojetos selecionados não haviam iniciado sua execução e nem sidocontratados com o Banco Mundial. Em meados de 1994, não haviasido realizado qualquer desembolso de recursos do Programa Piloto:dos doze projetos previstos, três estavam em fase de negociação, umestava sendo avaliado, quatro estavam em fase de elaboração e osdemais, em estágio de concepção básica. Por outro lado, o governobrasileiro já registrava uma despesa de um milhão de dólares na pre-paração de projetos; recursos de contrapartida estavam sendo libera-dos antecipadamente e algumas atividades preliminares, incluindomissões do Banco Mundial ao Brasil, já haviam consumido US$ 1,2milhão do próprio programa. Os mesmos resultados foram apresen-tados em julho de 1994, no Instituto de Estudos Avançados da Uni-versidade de São Paulo, por aquele que foi o principal coordenadordas negociações de financiamento ambiental do governo, SérgioAmaral, que ainda atribuiu parte das responsabilidades ao próprio

8 Em 1990, os recursos totalizaram US$ 1.481.891,00, dos quais 70% foram repassados paraórgãos federais, 24% para órgãos estaduais e 5% para ONG’s; em 1991, os recursos chegarama US$ 2.847.789,89, sendo 33% destinados a ONG’s e 67% a órgãos federais e estaduais(Ros Filho, 1994).

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Banco Mundial pelas constantes mudanças de orientação, interfe-rência no planejamento e execução dos projetos e, ainda, uma certadificuldade do Banco em desenvolver pequenos projetos com parti-cipação da sociedade, como no caso do Programa Piloto9.

Mas não foi apenas a implementação dos financiamentos einvestimentos externos destinados à área ambiental que não se reali-zou satisfatoriamente. No plano dos recursos internos, ou seja, doorçamento do próprio governo, os problemas de implementação tam-bém foram notáveis. Um estudo realizado pela organização não go-vernamental Instituto de Estudos Sócio-Econômicos-INESC, sobreo orçamento público federal, procurou demonstrar que em algumasáreas, entre as quais a de meio ambiente, o governo não gastou nemo que foi autorizado em Lei Orçamentária, ou seja, não houve umcompromisso efetivo com a implementação de certas políticas pú-blicas (Junqueira, 1995). Assim, em relação ao meio ambiente, oestudo demonstra que o ano de 1991, particularmente, apresentouum baixo percentual de realização da despesa aprovada no Orça-mento. O estudo ainda acrescenta que, à exceção daquele ano, ospercentuais de realização das despesas nos outros períodos estuda-dos foram mais significativos10. No grupo de políticas de meio am-biente foram selecionados três suprogramas para um estudo maisdetalhado: “proteção à fauna e à flora”; “controle da poluição”, e“levantamento do meio ambiente”.

9 Nessa ocasião, Sérgio Amaral apresentou dados relativos ao GEF e ao PNMA. Quanto aoGEF, foram apresentados sete projetos em 1993, sem que os recursos tivessem sido liberados(US$ 30 milhões aprovados em 1991). No caso do PNMA, apenas US$ 20,5 milhões de umtotal de US$ 117 milhões, prometidos pelo Banco Mundial, haviam sido liberados. Osrecursos que deveriam entrar no país através da conversão da dívida externa não foramviabilizados, o Brasil demorou a realizar as operações e os títulos da dívida sofreram umavalorização no mercado. Por fim, grande parte dos empréstimos concedidos ao país não seconcretizou porque o Tesouro não autorizou as contrapartidas do governo brasileiro. Cf.Fagá, F. S. Projetos ambientais sofrem ameaça pela demora na negociação de crédito. GazetaMercantil, 14 de julho de 1994.

10 O estudo do INESC considerou os exercícios fiscais de 1989, primeiro ano após apromulgação da Constituição Federal; 1991, primeiro ano do governo Collor e 1993, primeiroano do governo Itamar Franco.

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Em relação ao suprograma “proteção à fauna e à flora”, o percen-tual de realização de despesas foi muito baixo, em torno de 35%, sobre-tudo se comparado aos outros anos estudados – 100% em 1989 e 72%em 1993. Do mesmo modo, o percentual de execução do subprograma“controle da poluição” foi muito baixo em 1991, 37%, enquanto que em1989 e 1993, os percentuais foram de 100% e 60%, respectivamente.Ainda em relação a este subprograma, o estudo verificou uma tendênciaà diminuição dos recursos entre os anos de 1989 e 1991, seguida de umaestabilização entre 1991 e 1993. Finalmente em relação ao subprograma“levantamento do meio ambiente”, verificou-se que os percentuais derealização da despesa orçamentária foram reduzidos principalmente em1991 e 1993, 55% e 45%, respectivamente; apenas em 1989 esse per-centual foi mais elevado, ficando em torno de 98% (o zoneamento eco-lógico-econômico integra este subprograma). O conteúdo dos trêssubprogramas estudados variou a cada ano; todavia, as atividades deCoordenação e Manutenção do Sistema Nacional do Meio Ambiente eo Monitoramento Ambiental da Amazônia, ambas integrantes dosubprograma “levantamento do meio ambiente”, mantiveram-se duran-te todo o período.

É possível que o ano fiscal de 1992, não contemplado peloestudo, guarde algumas diferenças em relação ao ano anterior, emconseqüência da realização da Conferência do Rio. Entretanto, osdados referentes a 1991 são suficientes para demonstrar o fraco em-penho do governo Collor em aplicar corretamente os recursos pre-vistos no Orçamento da União. Além disso, os dados revelam umanotável descontinuidade dos percentuais de execução orçamentárianos diferentes governos considerados. Vale lembrar que o Orçamen-to aprovado pelo Congresso fixa e autoriza os limites possíveis paraos gastos do governo, que, por sua vez, não é obrigado a gastar até olimite fixado. Ocorre que esta forma de administrar o Orçamento daUnião possibilita a manipulação das estimativas referentes à despe-sa e receita, de modo que várias ações previstas no Orçamento nemchegam a ser concretizadas.

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A análise desses dados permite afirmar que, de um lado, nãohá um compromisso efetivo com a implementação de certas políti-cas públicas, o que ocorre também na área ambiental, quando apenasa apresentação de números e cifras vultosas, por parte do governo,não garante sua aplicação e efetividade. Por outro lado, há uma inca-pacidade governamental para planejar e aplicar os recursos proveni-entes de fontes externas, ou antes, existe uma baixa capacidade deexecução de projetos técnicos por parte dos órgãos governamentais,inclusive na área ambiental. Isto associa-se à fragmentação político-institucional e à dispersão da responsabilidade e competência pelogerenciamento da política ambiental, evidenciando uma verdadeiradisputa intragovernamental nessa e em outras áreas da política pú-blica.

No caso particular da política ambiental, a Semam, que entreas suas atribuições deveria planejar, coordenar, supervisionar e con-trolar as atividades relativas à Política Nacional do Meio Ambiente,propor normas e padrões gerais relativos à preservação e conserva-ção do meio ambiente, e, ainda, gerir a aplicação do Fundo Nacionaldo Meio Ambiente, esteve enfraquecida durante todo o período Collor,sem qualquer poder de influência sobre outros órgãos, cujas políti-cas e projetos representassem algum impacto sobre o meio ambien-te; a Semam limitou-se, portanto, a ações de fiscalização de certasatividades poluidoras e de práticas de desmatamento na Amazônia.Projetos importantes como o zoneamento ecológico-econômico, odiagnóstico ambiental da Amazônia Legal e a política nuclear esta-vam fora do alcance da Semam; estes últimos, em particular, ficaramsob responsabilidade da SAE. Fazia parte, ainda, do programa detrabalho da SAE o Sistema de Proteção da Amazônia11, que deveriaassegurar: a proteção do meio ambiente e das comunidades indíge-nas, sobretudo na faixa de fronteira norte, a preservação dos recur-sos minerais, a coibição do narcotráfico, a proteção à navegação aé-

11 O programa de trabalho da SAE, no qual se inclui o Sistema de Proteção da Amazônia,consta no Orçamento da União de 1992, Lei no. 8.409, de 28 de fevereiro de 1992.

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rea; valendo-se, para isso, das informações básicas que seriam gera-das pelo Sistema de Vigilância da Amazônia. O mesmo se passoucom outras políticas, como as ações de recuperação de áreas degra-dadas, atribuição da Secretaria de Desenvolvimento Regional, ouainda a política de saneamento básico, competência do Ministério deAção Social. Ora, uma estrutura marcada pela fragmentação e inde-pendência das ações governamentais, por vezes até contraditórias,pela disputa de competências, se não promove, ao menos facilita, aomissão do governo em relação à implementação de uma políticaambiental efetiva e consistente.

É evidente que os problemas aqui apontados não são caracte-rísticos apenas do governo Collor; todavia, não houve tentativas efe-tivas no sentido de enfrentá-los ou minimizá-los, ao contrário, a orien-tação e estratégias políticas adotadas, quase sempre potencializaramesses problemas – isto é particularmente notável no processo de des-monte e sucateamento do setor público, resultado da chamada refor-ma administrativa e institucional, quando inúmeras agências públi-cas de certa importância foram reduzidas ou mesmo eliminadas. Dequalquer modo, são problemas de caráter estrutural, que não se limi-tam a este ou aquele governo, antes, decorrem da própria crise doEstado e da falência do setor público; uma crise que acabou por erodira capacidade gestora do Estado brasileiro.

Com efeito, a profunda crise que atravessa o Estado no Brasil,cujos sintomas já se manifestavam na década de setenta e se agrava-ram no anos oitenta, levou a uma desaceleração do crescimento e auma recessão sem precedentes, que acabou por atrofiar “os mecanis-mos estatais de decisão e sustenção de políticas de longo prazo”,além de desencadear uma crise de “ingovernabilidade acompanhadade inevitável desarticulação administrativa do Estado” (Fiori, 1995)(grifos do autor). Fiori aponta estes traços da crise e inscreve suaorigem no próprio esgotamento do modelo desenvolvimentista queo Estado brasileiro sustentou por mais de três décadas. De acordocom Fiori, este modelo esteve assentado sobre uma política de inter-

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vencionismo econômico e uma regulação social baseada em umagestão centralista e conservadora dos conflitos políticos. O Estadodesenvolvimentista teve um papel decisivo no crescimento econô-mico nos anos trinta, e alcançou seu pleno sucesso a partir dos anoscinqüenta, com a política de industrialização acelerada. Nos anos deregime militar, o projeto desenvolvimentista nacional chegou a suapotência máxima, apoiado na ideologia da segurança nacional.

A trajetória desenvolvimentista foi marcada pela constante situa-ção de arrocho salarial, crescimento exponencial da desigualdade social,impotência fiscal e financeira do Estado, expansão continuada da infla-ção e instabilidade institucional, tornando permanente a inconstância dapolítica macroeconômica. Mas Fiori adverte que o Estado conseguiucontornar as contradições do modelo desenvolvimentista pela possibili-dade de crescimento econômico continuado e pelo exercício autoritáriodo poder durante vários anos. Por outro lado, a prolongada crise dosanos oitenta, levou o esgotamento do projeto desenvolvimentista brasi-leiro ao seu limite; nesse sentido, o endividamento externo e interno doEstado, o descontrole das finanças públicas, resultado de um processode estatização da dívida e dos prejuízos e da privatização dos lucros,revelam a própria falência do poder público.

É oportuno mencionar que o Estado no Brasil sempre forne-ceu uma certa previsibilidade à economia, desempenhando o papelde agente financiador e articulador do processo de acumulação decapital. A crise solapou essa capacidade do Estado, interrompendo acontinuidade do processo.

O período mais agudo do colapso do modelo desenvolvimen-tista brasileiro é também o momento mais intenso de democratiza-ção do país; é o momento de consolidação de importantes conquis-tas no campo dos direitos sociais e também ambientais. É exatamen-te durante a década de oitenta, que a política de meio ambiente seconsolida, primeiro com a Lei da Política Nacional de Meio Am-biente de 1981 e, depois, com a Constituição de 1988. É o momento,enfim, da conquista de uma cidadania ambiental.

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Nesse sentido, os primeiros anos da década de noventa sãofundamentais para a efetiva implementação da legislação e da polí-tica ambiental brasileiras. Os direitos foram garantidos nas leis e naprópria Constituição, mas o que parece certo é que essa legislação émuito mais avançada do que a própria capacidade do Estado paraimplementá-la. Ora, se há uma crise que torna o Estado impotente eincapaz de gerir políticas públicas de longo prazo, isto ainda é maisdramático quando se toma a questão ambiental em particular: a con-quista de uma cidadania ambiental, fundada em direitos extrema-mente avançados, marca de modo emblemático a incapacidade doEstado em implementar suas políticas. A política ambiental, por suaprópria natureza, é necessariamente de longo prazo, o que explicitaainda mais a dificuldade do Estado nessa área.

Fernando Collor de Mello era um representante legítimo des-se Estado falido. A própria crise do Estado brasileiro engendrou ascondições sociais, políticas e econômicas necessárias para a chega-da de Collor ao poder, ou por outra, o novo presidente, enquanto umoutsider das alianças políticas tradicionais ou ainda um antiesta-blishment, nos termos de Oliveira, foi um importante indicativo docaráter da crise política e econômica do Estado, do esgotamento deum ciclo da história brasileira e de um certo padrão de crescimentocapitalista. Daí a impotância de situar o “fenômeno Collor” na pers-pectiva da crise do Estado brasileiro.

Ainda que Collor não tenha iniciado sua campanha à Presi-dência da República com uma plataforma neoliberal – o discursomessiânico inicial insistia na crise do Estado, na sua incapacidade eineficácia – foi por esta via que tratou de governar o país. A estraté-gia de Collor, fundada na lógica neoliberal e privatizante, marcadapelos traços de seu messianismo político, era implantar um projetode Estado mínimo, na verdade, uma confusão entre o que seria umareforma estatal e a mera redução e sucateamento do setor público.Collor reduziu o social ao econômico; buscou a abertura indiscrimi-nada da economia para o capital estrangeiro; tentou implementar uma

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política de privatização das empresas estatais, como forma de resol-ver o déficit público; e, finalmente, tentou eliminar as arenas de ne-gociação emergentes na sociedade brasileira. A via neoliberal poderesultar em uma destruição caótica do Estado, que não aponta para asuperação da crise. Ao contrário, a busca de soluções passa por umEstado forte e nacional, o que não significa um Estado centralista eautoritário. A reorganização econômica e administrativa é importan-te, mas é ainda mais fundamental a participação democrática da so-ciedade civil em uma permanente arena pública de negociações.

Não obstante o “projeto destruidor” de Collor, foram os seto-res organizados da sociedade civil que demonstraram capacidade parapromover uma profunda transformação no cenário político brasilei-ro, uma completa inversão de rota, sem precedentes na história polí-tica do país. A nova sociabilidade construída ao longo das últimasdécadas, a partir de novos sujeitos sociais – os novos movimentossociais, o novo sindicalismo, a classe trabalhadora, a classe média –tornou mais complexa a relação entre Estado e sociedade, construiuuma esfera pública democrática e, sobretudo, deu maior visibilidadeàs fronteiras entre a esfera privada e a coisa pública, e a uma noçãoplural de bem público. Donde o inevitável apelo a formas mais de-mocráticas, responsáveis, transparentes e éticas de condução da po-lítica. Os novos sujeitos sociais formaram uma esfera societária ca-paz de adquirir institucionalidade própria, que pode julgar as açõesdo Estado, de acordo com a compreensão que os atores sociais epolíticos têm dos seus próprios interesses e dos interesses da so-ciedade como um todo. Do mesmo modo que esses sujeitos foramcapazes de reivindicar e fazer valer seus direitos, num processo con-tínuo de construção de um novo país, também foram capazes de exi-gir um novo padrão ético para a política brasileira. Nesse contexto, oimpeachment de Collor foi antes de tudo uma exigência cidadã.

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Ao longo deste estudo procuramos demonstrar como o temameio ambiente ganhou centralidade no debate público contemporâ-neo, revelando um campo de conflitos amplo e complexo, que temmobilizado diferentes sujeitos sociais em espaços sociais tambémdiferenciados. Podemos mesmo afirmar que o conflito que permeiaa questão ambiental é multifacetado, ainda não de todo conhecido e,principalmente, não aponta para um futuro determinado a priori. Estaconflituosidade está presente em todas as dimensões da vida social ese define como um problema teórico, político e histórico que nãopode ser compreendido através de uma teoria unitária ou pré-defini-da; trata-se, com efeito, de um conflito em permanente elaboração,com conseqüências e possibilidades indefinidas. Este campo de con-flitos se mantém aberto, não tem uma temporalidade definida, so-bretudo porque aponta para novos direitos, que estão em permanen-te reformulação. Daí porque essas peculiaridades conferem ao con-flito que se forma em torno da questão ambiental uma vitalidadeúnica. O que sobressai, em última instância, é a construção de umahistória que continua aberta e sujeita a indeterminações.

Os espaços sociais nos quais se dá o conflito em torno do temameio ambiente são permanentemente ocupados por novos atores. Noentanto, tem sido o movimento ambientalista – entendido em senti-do amplo, o que inclui as organizações não governamentais de cará-ter ambientalista – o portador de novos direitos. A atuação dessessujeitos foi fundamental para a construção de uma política ambientalbrasileira. O impacto na cultura e na agenda política do país trans-cende a própria trajetória desses sujeitos. Assim, não se trata de

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contabilizar os ganhos e perdas, fracassos ou sucessos, desse proces-so; até uma certa descontinuidade de ação desses sujeitos pode sermais aparente do que real, já que sua prática aponta para transforma-ções no contexto político, social e cultural, fixando seus objetivos ereivindicações de modo permanente na agenda política contemporânea.

Ao tratar da política de meio ambiente no Brasil, sua formula-ção e consolidação, foi preciso conhecer o campo de conflitos entãoinstaurado, os atores que passaram a ocupar a arena de negociaçõese a emergência de novos direitos. Qualquer tentativa de realizar umatipologia social desse conflito e dos atores nele envolvidos não dariaconta de sua complexidade. Isto é ainda mais significativo quandotomamos o início da década de noventa, durante o governo Collor.Ali o conflito em torno do tema meio ambiente revelou-se complexoe extremamente vigoroso. As contradições e ambigüidades que mar-caram as ações do governo nessa área, a participação dos mais dife-rentes sujeitos na arena pública de debates, a intensa atuação dossetores ambientalistas, não apenas no plano do discurso, mas sobre-tudo da ação, formando uma complexa rede de comunicação entre asvárias entidades ambientalistas e entre estas e outros movimentossociais, todo esse conjunto de acontecimentos marcou de modo sig-nificativo o campo de conflitos que aqui procuramos compreender.

De um modo geral, as perspectivas de abordagem do temameio ambiente têm mudado muito ao longo dos últimos anos, desdea Conferência de Estocolmo, em 1972, até a Conferência do Rio, em1992, cujo princípio fundamental foi a necessidade de se pensar asrelações entre desenvolvimento econômico e preservação do meioambiente. De qualquer maneira, a problemática ambiental trouxe umconjunto de novas questões, que estão a desafiar nossa imaginaçãopolítica. O fio condutor desse debate, contudo, parece ser a ampliçãodo direito a um meio ambiente saudável. O reconhecimento de umdireito desse tipo pressupõe a noção de uma cidadania coletiva, for-mulada para além do marco liberal.

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A problemática ambiental fez surgir uma nova agenda sociale política, que passou a ocupar um lugar privilegiado neste final deséculo. O traço mais surpreendente dessa problemática, todavia, éque ela enunciou a emergência de novos sujeitos de direito, até entãodesprovidos de um estatuto de direitos. O reconhecimento elegitimação desse novo estatuto, que considere as gerações futuras ea própria natureza como sujeitos de direito, parece ser decisivo emnosso tempo. Todavia, são sujeitos que não podem decidir ou inter-vir no presente, ou antes, são sujeitos de direito dos quais não sepode exigir deveres. Isto tem gerado uma dificuldade para o direitotradicional, fundamentado na ideologia liberal e, portanto, centradono indivíduo. Por outro lado, os direitos relacionados ao meio am-biente têm as características de um tema universal e global, fundam-se em valores maximalistas e globalizantes e, assim, caminham nosentido de adquirirem um status de direito universal, à semelhançados direitos humanos.

O novo estatuto de direito que se pretende representa um alar-gamento do campo da cidadania; requer uma nova proposta de so-ciabilidade, que transcende a relação entre o Estado e o indivíduo,incluindo de modo privilegiado a própria sociedade civil. Nessa pers-pectiva, os movimentos sociais se inscrevem como sujeitos funda-mentais do processo, pois constituem uma forma radical de crítica àregulação social do capitalismo; são movimentos emancipatórios queapontam para um campo de inovações e transformações sociais.

O movimento ambientalista, em particular, através de suas lutase reivindicações, tem colocado a questão da participação democráti-ca da sociedade no aproveitamento e manejo dos recursos naturais,assim como no processo de tomada de decisão para a escolha denovos estilos de vida e construção de futuros possíveis, sob os prin-cípios da sustentabilidade ecológica, eqüidade social, diversidadeétnica, autonomia política e cultural. Em vários momentos as práti-cas de ação do movimento ambientalista, seus propósitos e reivindi-cações, convergem para causas de outros movimentos sociais.

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Podemos situar o nascimento do movimento ambientalistabrasileiro no início dos anos 70, como parte do processo mais amplode democratizacão e constituição de uma sociedade civil no Brasil.A emergência de novos sujeitos sociais modernos e democráticos –os novos movimentos sociais, o novo sindicalismo, a classe traba-lhadora, a própria classe média – possibilitou a construção de umanova sociabilidade, tornando mais complexa a relação entre Estadoe sociedade, proporcionando uma maior visibilidade às fronteirasentre a esfera privada e a coisa pública. Entendemos, concordandocom vários autores com os quais dialogamos ao longo deste estudo,que o registro efetivamente político dos movimentos sociais locali-za-se na própria reivindicação de direitos, o que permitiu que essessujeitos estabelecessem uma nova relação com o político: a políticapassa a fazer parte da própria sociabilidade e, nesse sentido, trans-cende a instituição do Estado, que deixa de ser o pressuposto dapolítica. Em última instância, a prática dos chamados novos movi-mentos sociais possibilitou a redescoberta da noção de direitos e daprópria noção de cidadania – o que tem um significado históricofundamental para sociedade brasileira.

Ao considerar o campo de lutas e conflitos do movimento am-bientalista, percebemos que a tônica de suas reivindicações tem sidoo direito a um “meio ambiente ecologicamente equilibrado”. A rei-vindicação desse direito tem uma significação que ultrapassa seucaráter imediato, pois testemunha uma nova sensibilidade social queremete ao direito a uma melhor qualidade de vida, garantida tambémàs futuras gerações.

Durante os primeiros anos da década de 90, período central denossa pesquisa, a atuação desses sujeitos impediu um retrocesso dapolítica ambiental brasileira, preservando os direitos e garantias con-quistados notadamente ao logo da década de 80. Com efeito, a con-solidação de uma política de meio ambiente no Brasil está vinculadaàs lutas e práticas políticas do movimento ambientalista, cujas rei-vindicações integram um campo de direitos formulados em termos

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de direitos coletivos, possibilitando a emergência do que denomina-mos aqui cidadania ambiental.

Vimos que a política ambiental brasileira começou a ser for-mulada durante os anos 30, mais como resultado das ações de umEstado autoritário e centralizador para, em seguida, subordinar-seaos imperativos da política econômica desenvolvimentista e datecnocracia estatal do regime militar. A sua consolidação, entretan-to, foi resultado da pressão de forças sociais organizadas. A deman-da e as reivindicações ambientalistas, que então se formavam, possi-bilitaram a formulação da Lei da Política Nacional de Meio Am-biente, trazendo instrumentos legais importantes e inovadores comoa avaliação de impacto ambiental e a audiência pública, além da cria-ção da Lei dos Interesses Difusos, um instrumento legal extrema-mente moderno e democrático. A década de 80 colocou em pauta aquestão da democratização, sendo um momento de intensa mobili-zação dos chamados novos movimentos sociais; ao final da década,a promulgação da Constituição garantiu uma série de novos direitos,situando o direito ao meio ambiente no mesmo nível dos direitos egarantias fundamentais.

A década de 90 enunciou-se como uma grande promessa deconsolidação democrática. Pela primeira vez depois de mais de duasdécadas de regime autoritário chega ao poder um presidente demo-craticamente eleito. Mais do que isto, chega ao poder um presidenteque acreditava representar a própria modernidade, com a qual muda-ria o perfil do país. No entanto, as ambigüidades e contradições quecaracterizariam todo o governo Collor tornaram este período bastan-te particular na história recente do país. Um político com traços mar-cadamente messiânicos, obstinado no ideal de governar sozinho, apos-tando na fragmentação dos setores organizados da sociedade: estestraços caracterizaram o personalismo de Fernando Collor de Mello eseu propósito de manter-se marginal em relação às forças organiza-das da sociedade civil e mesmo ao sistema partidário. O caráterambigüo e contraditório do governo já se expressava no descompas-

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so entre a proposta de implantação de uma política neoliberal, fun-dada na “regulação” das leis exclusivas do mercado, e o personalismopolítico do Presidente da República, que concentrava em suas mãoso poder de decisão, numa espécie de autocracia presidencial, reve-lando o lado arcaico do “Brasil Novo”.

Na área da política ambiental não foi diferente. Também estaárea foi marcada por ambigüidades e contradições. A análise desseperíodo e das iniciativas do governo em relação à política de meioambiente revelou um risco potencial de retrocesso em relação aosdireitos anteriormente conquistados. Ademais, a política de impac-tos, ou “espasmódica”, que marcou as ações na área ambiental du-rante esse período, revelou-se uma não-política. Em certo sentidopodemos falar de um desgoverno na área da política de meio am-biente. As propostas e projetos que, de alguma forma, representas-sem riscos a conquistas anteriores ou retrocessos significativos eramrapidamente confrontados e acabavam por não se sustentar. Os am-bientalistas fizeram valer seus interesses e reivindicações menos poruma abertura democrática por parte do governo ou, ainda, por umademocratização do diálogo, mas principalmente porque souberamocupar o espaço deixado vago pelo governo na área da política am-biental.

De outra parte, os ambientalistas brasileiros passaram por umaprendizado social sem precedentes, quando da preparação da Con-ferência do Rio e do Fórum Global, aproximando-se de outros movi-mentos populares, incorporando, assim, a dimensão social em suaslutas e projetos. Além de intensificar o debate sobre meio ambiente edesenvolvimento, todo o período preparatório da Conferência exi-giu que os ambientalistas se organizassem por meio de uma estru-tura até então inédita no país – o Fórum de Organizações Não Go-vernamentais Brasileiras. Desde o início, o Fórum manteve um cará-ter pluralista, reunindo entidades de defesa dos direitos indígenas,grupos feministas, movimentos populares, entidades sindicais, tor-nando-se um novo sujeito político coletivo, fundamental no proces-

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so de discussão da política ambiental brasileira, notadamente duran-te o governo Collor. Esses setores mostraram ter capacidade e matu-ridade para permanecer no debate político nacional e internacional,enfrentando problemáticas cada vez mais complexas. Constituíram-se em sujeitos sociais em condições de assumir um papel destacadonesse debate e também no processo decisório, pois já mostraram quenão são atores apenas no plano do discurso, senão também das práti-cas concretas de ação.

O processo de aprendizado social e maturidade política entãoadquirida, permitiu que durante o governo Collor, diante da possibi-lidade de um verdadeiro retrocesso da política ambiental brasileira,os ambientalistas, como de resto todos os setores sociais organiza-dos em torno do Fórum de Organizações Não Governamentais, sefirmassem como sujeitos fundamentais na esfera pública de negoci-ação e decisão. Parafraseando uma importante liderança ambienta-lista nacional, podemos afirmar que os ambientalistas fizeram “coi-sas” nunca antes feitas. De fato, houve uma participação bastanteefetiva: os ambientalistas estiveram presentes nos debates mais po-lêmicos, souberam articular apoios de outros grupos da sociedadecivil, conseguiram um espaço significativo na mídia nacional e mes-mo internacional. Enfim, foram notadamente hábeis para manter otema meio ambiente em grande evidência na arena política, preser-vando direitos e espaços de participação e decisão.

Ao mesmo tempo em que negava a esfera pública de debates enegociações e a participação democrática dos setores organizadosda sociedade civil, Collor evitava o confronto aberto nas questõesambientais, numa tentativa de manter uma imagem satisfatória nocenário internacional. A preocupação em manter a imagem de go-vernante zeloso com a proteção do meio ambiente e estadista comsensibilidade para a questão ambiental, definiu a própria pauta dostemas prioritários do governo, escolhidos sempre em função da atra-ção que exerciam no contexto internacional (povos Yanomami, pre-servação da Amazônia). Também a nomeação de um ambientalista

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histórico para ocupar a Secretaria de Meio Ambiente-Semam cum-priu, em parte, esse objetivo. É certo que a escolha de Lutzenbergersignificou um reconhecimento do movimento ambientalista, mas oque parecia ser uma oportunidade para ampliar sua participação einterferência nas decisões governamentais, acabou por ser um obstá-culo a mais. Em várias ocasiões, Lutzenberger falava por si mesmo,deixando de representar a opinião da maioria dos ambientalistas e,nesse sentido, não foi o interlocutor que o movimento e as ONG’sambientalistas esperavam. Na verdade, é possível afirmar que o fatode Collor ter convidado um ambientalista histórico para ocupar aSemam, possibilitou ao governo neutralizar, pelo menos em um pri-meiro momento, algumas formas de pressão e reivindicações, atémesmo em decorrência da perplexidade e expectiva que se forma-ram em torno dessa nomeação.

O governo Collor não inovou, propriamente, nada. Nada deefetivamente novo ocorreu, nem mesmo um avanço na forma e efi-cácia de implementação dos princípios traçados pela Lei da PolíticaNacional de Meio Ambiente de 1981. Os dados relativos aos progra-mas ditos ambientais demonstraram o fraco empenho do governoem aplicar corretamente os recursos previstos no Orçamento da União.Além disso, a estrutura institucional fragmentada e a falta de unida-de das ações governamentais comprometeram seriamente a imple-mentação de uma política ambiental efetiva e consistente. Mas, comovimos, é preciso situar o governo Collor na perspectiva da crise doEstado brasileiro, que acabou por erodir a capacidade estatal de re-gular as políticas públicas, inclusive a política ambiental. Esta crise,que acreditamos ter sua origem no próprio esgotamento do modelodesenvolvimentista sustentado por várias décadas, tornou o Estadoincapaz e impotente para gerir políticas de longo prazo, característi-ca intrínseca da política ambiental. Em uma palavra, analisando todoo processo de formação e consolidação da política ambiental brasi-leira, verificamos que essa política é muito mais avançada do que aprópria capacidade do Estado para implementá-la.

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Embora estes problemas tenham um caráter estrutural, forampotencializados durante o governo Collor e, somados à estratégianeoliberal e às tentativas de eliminar as arenas emergentes de parti-cipação, representaram uma ameaça aos direitos e garantias já con-quistados no campo ambiental, ao que certos setores organizados dasociedade civil, notadamente os ambientalistas, responderam comuma atuação firme, impedindo retrocessos e garantindo a continui-dade do processo de consolidação de uma cidadania ambiental. Umacidadania de tipo novo, que requer uma nova proposta de sociabili-dade e pressupõe a politização da relação sociedade-natureza. Ape-nas assim será possível estender o conceito de cidadania para as ge-rações futuras e para a própria natureza, definindo um novo estatutode sujeitos de direito. A temporalidade da formulação desses novosdireitos é inteiramente diversa, diz respeito à perspectiva do tempofuturo e inscreve-se como parte de um projeto verdadeiramente utó-pico.

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Divulgação Humanitas Livraria – FFLCH/USP

Foto da capa Luis Enrique Sánchez

Mancha 10,5 x 19 cm

Formato 14 x 21 cm

Tipologia Times New Roman 11 e Souvenir Lt BT 18

Papel miolo: off-set 75 g/m2

capa: cartão branco 180 g/m2

Impressão da capa Quadricromia

Impressão e acabamento Anna Blume Editora Comunicação Ltda.

Número de páginas 204

Tiragem 1000 exemplares

Ficha técnica