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9 788580 190557 > ISBN978-85-801 9-055-7

Livro-O Futuro Da Cidade FlorianOpolis-Editora-Unisul

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  • 9 788580 190557 >

    ISBN 978-85-8019-055-7

  • ~ 2 0 1 3 ~

  • Fernanda Menezes Slvio Hickel do Prado Fbio Lcio Zampieri Gabriela Morais Pereira Marcos Sard Vieira [organizador] Vanessa Goulart Dorneles Vera Helena Moro Bins Ely Andria Saugo Almir Francisco Reis Bernardo Seleme de Menezes Bahia Eduardo Jorge Felix Castells Luciano Santana Portella

    ~ 2 0 1 3 ~

  • F99 O futuro da cidade : Florianpolis / Marcos Sard Vieira (organizador). - Palhoa : Ed. Unisul, 2013. 172 p. : il. color. ; 21 cm

    Inclui bibliografias. ISBN 978-85-8019-055-7

    1. Planejamento urbano Florianpolis (SC). I. Vieira, Marcos Sard, 1972-.

    CDD (21. ed.) 711.4098164

    Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Universitria da Unisul

    Sebastio Salsio HerdtReitor

    Mauri Luiz HeerdtVice-Reitor e Pr-Reitor de Ensino, Pesquisa e de Ex tenso

    Mirian Maria de MedeirosSecretria-Geral da Reitoria

    Willian MximoChefe de Gabinete

    Valter Alves Schmitz NetoPr-Reitor de Operaes e Servios Acadmicos

    Luciano Rodrigues MarcelinoPr-Reitor de Desenvolvimento Institucional

    Heitor Wensing JniorDiretor do Campus Universitrio de Tubaro

    Hrcules Nunes de ArajoDiretor do Campus Universitrio da Grande Florianpolis

    Fabiano CerettaDiretor do Campus Universitrio UnisulVirtual

    Ildo Silva da SilvaAssessor de Promoo e Inteligncia Competitiva

    Lester Marcantonio CamargoAssessor Jurdico

    Laudelino J. SardDiretor

    Alessandra TurnesAssistente Administrativa e Financeira

    Vivian Mara Silva GarciaAssistente Editorial

    Robson Galvani MedeirosAssistente de Marketing

    Officio (officio.com.br)Editorao

    Amline MussiReviso

    Gabriel PortelaFoto da capa

  • Para as futuras geraes

    O G R A N D E D E S A F I O urbanstico do sculo XXI tornar as cidades apropriadas convivncia social, com mobilidade, valorizao da cultura e respeito ao meio natural. Pensar a Florianpolis das prximas dcadas, com sua geografia excepcional delimi-tada por montanhas, mangues, encostas e reas de preservao ladeadas pelo mar, exige um srio comprometimento de toda a sociedade.

    Nesse sentido, extremamente oportuna a abordagem traada por arquitetos e urbanistas na obra O Futuro da Cidade: Florianpolis. Os captulos refletem o olhar consciente dos profissionais em defesa de uma cidade de alma pblica, que promo-va a integrao social e as relaes de vizinhana, que invista em transporte pblico de qualidade com incremento das ciclovias e do modal martimo, com acessibili-dade pensada e planejada para todos. Em outro momento, os autores defendem a valorizao das reas centrais e histricas da cidade como seu corao pulsante, traduzido por uma vida cultural intensa, em detrimento do esvaziamento de hoje, onde prospera a especulao comercial. A Centralidade outra premissa importan-te levantada pelos profissionais. Prtica comum nas melhores cidades do mundo, integra espaos pblicos e comrcio, servios e moradias, de forma a favorecer o convvio e evitar longos deslocamentos da populao. As ocupaes em conjuntos habitacionais populares seguiriam a mesma lgica: deveriam oferecer s comuni-dades espaos de vivncia e integrao social.

    Os elementos simblicos da cidade merecem a indispensvel ateno dos arquite-tos, a exemplo da Ponte Herclio Luz, em funo de sua extraordinria beleza. Como

  • primeira grande ligao entre a Ilha e o Continente, a ponte, revitalizada, teria con-dies de proporcionar espaos de lazer para a populao. Mangue, praias e lagoas tambm so apontados como ambientes exuberantes que exigem polticas claras em defesa do que pblico e intocvel.

    Abrangente, esta obra permeada por estatsticas, informaes atuais e ampla bi-bliografia, servir, com certeza, como subsdio e fonte de consulta para universitrios, profissionais, entidades de classe e aos cidados comprometidos com um novo urba-nismo. Especialmente neste momento, em que se vive a elaborao do novo Plano Di-retor Participativo da cidade de Florianpolis, a publicao contribui definitivamente para o debate da cidade que buscamos para ns e para as futuras geraes.

    Dalmo Vieira

    Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano de Florianpolis

  • Cooperao mtua

    O P A P E L D A U N I V E R S I D A D E no se limita a formar cidados e profissionais. O com-promisso com a qualidade de vida da cidade onde se insere tambm faz parte do seu desafio permanente, motivo pela qual a Editora da Unisul tomou a iniciativa de reunir 10 arquitetos para apresentar sugestes ao desenvolvimento de Florianpolis.

    As anlises dos profissionais e professores de arquitetura indicam uma variao de problemas ao longo do processo de crescimento da cidade nos ltimos 40 anos, como a descaracterizao histrica e o esvaziamento cultural, principalmente na regio cen-tral da Ilha. Contudo, Florianpolis uma cidade que ainda rene um grande potencial para reduzir os impactos do desenvolvimento urbano.

    Florianpolis, que se destaca no ranking do IDH no Brasil e na composio singular do mar, mangue, rios, lagoas, montanhas e patrimnios histricos, como as fortalezas, pode ser considerada a cidade que possui uma base inigualvel para ser a primeira do pas em qualidade de vida. Para isso, como sugerem os arquitetos, so imprescindveis medidas voltadas para salvaguardar a sua riqueza natural, o seu legado histrico e a profuso cultural sedimentada desde os nativos carijs, passando pelos navegadores europeus, at os imigrantes dos sculos XVIII e XIX.

    A vida moderna, que tambm faz parte do cenrio de Florianpolis, no pode fugir a um passado de encantamento, em que a msica e a poesia expressam a beleza mpar da cidade. Logo, necessrio que Florianpolis d ao seu crescimento o sabor da sua cultura e da sua natureza, de forma a permitir que a harmonia seja a energia do seu ambiente repleto de magia.

  • A Unisul, ao produzir esta obra, deseja que gestores, lideranas, professores, enfim, que seus cidados reflitam sobre a importncia de se olhar a cidade sob as diferentes ticas e, sobretudo, contribuir para o seu crescimento sustentvel. Esta a cooperao mtua que a Unisul prope e tem como objetivo unir os catarinenses em torno de propostas que preservem e enriqueam sua bela capital.

    Professor Sebastio Salsio HerdtReitor da Unisul

  • Apresentao

    F L O R I A N P O L I S apresenta um ambiente natural privilegiado de praias, dunas, restingas e costes, mas ainda tem muito para avanar na sua ambincia urbana. Enaltecida com atributos relativos de boa qualidade de vida, a cidade permanece sem parmetros para a configurao adequada do espao pblico, do sistema virio, das reas de convivncia e das edificaes, que fazem parte do cotidiano da populao.

    A cidade se expande alm dos limites adequados para as reas construdas, p-blicas e privadas, na Ilha e no Continente, tendo espaos coletivos abandonados e in-seguros, enquanto outros cenrios destacam-se como pontos tursticos reconhecidos internacionalmente e, ao mesmo tempo, segregados dos moradores do municpio.

    Pouco investimento aplicado no espao coletivo, nos sistemas virios de desloca-mento, na construo de uma cidade sustentvel e no rigor dos detalhes construtivos em equipamentos e mobilirios urbanos, acarretando o somatrio de deficincias ur-bansticas e arquitetnicas em diferentes escalas, na constituio de uma cidade com limites insulares.

    Faltam discusses sobre os planos futuros a partir da situao atual. Qual o contin-gente de moradias necessrio para garantir qualidade habitacional populao de baixa renda? Como atender a proporo adequada de infraestrutura urbana e trans-porte? O que necessrio melhorar nas reas pblicas para garantir seguridade e in-cluso social? De que maneira a forma da cidade restringe o movimento e os edifcios influenciam na vida das pessoas? E por que as reas centrais e a paisagem histrica so importantes para a identidade local?

    Este livro levanta algumas destas problemticas e prope solues em diferentes reas de domnio da arquitetura e do urbanismo: mobilidade e centralidade urbanas,

  • parques e valor paisagstico, reas livres pblicas e acessibilidade, moradia e dinmi-cas do espao pblico, apresentando diretrizes entre o que podemos esperar de me-lhor para o futuro da cidade.

    Os captulos aqui publicados representam a viso de arquitet@s e urbanistas com olhares incomuns sobre esta cidade, que tanto admiram e aprenderam a respeitar. Suas experincias e vivncias florianopolitanas resultam neste Livro, que pretende refletir, questionar e colaborar com os encaminhamentos do espao urbano em Florianpolis.

  • Florianpolis/SC

    Populao (2010) 421.240

    rea da Unidade Territorial (Km) 452,00

    Densidade Demogrfica (hab/Km) 627,240

    Comprimento da Ilha (Km) 54,00

    Largura da Ilha (Km) 18,00Fonte: IBGE consultado em Setembro de 2012.

  • Introduo 15

    Mobilidade Urbana em Florianpolis Fernanda Menezes e Slvio Hickel do Prado

    Apresentam os desafios da mobilidade nas zonas urbanas de Florianpolis e municpios vizinhos, sugerindo sistemas multimodais que reduzam o uso do automvel e o espao dos sistemas virios e possibilitando uma cidade mais sustentvel no futuro.

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    Desenho Urbano e Movimento Fbio Lcio Zampieri

    Demonstra como a forma da cidade e as decises de grupos sociais, na escala local e global, transformam os espaos pblicos e interferem na apropriao e no deslocamento espacial das pessoas, com anlise feita atravs da sintaxe espacial.

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    O Sentido de Habitar Gabriela Morais Pereira

    Reflete sobre a insero da habitao na cidade, da moradia na imagem social e do abrigo para atender as necessidades e anseios dos moradores de Florianpolis, assim como, o estado de permanncia e apropriao local.

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    Em Busca do Espao Livre e Transitrio Marcos Sard Vieira

    Trata da importncia das reas livres pblicas para a configurao urbana de uma cidade mais receptiva e solidria, apresentando sugestes de espaos cobertos e transitrios em reas coletivas sujeitas segregao e controle.

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    Acessibilidade Espacial em Espaos Abertos Vanessa Goulart Dorneles e Vera Helena Moro Bins Ely

    Revelam a maneira como a acessibilidade dos espaos abertos contribui para o livre acesso de todas as pessoas, demonstrando que o espao pblico de Florianpolis tem muito para avanar na reduo de barreiras fsicas e na criao de espaos de lazer inclusivos.

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    Sumrio

  • Arquitetura que Toma Lugares, Muda Paisagens e Atua no Cotidiano das Pessoas Andria Saugo

    Mostra que as mudanas pontuais na paisagem, atravs da construo e alteraes arquitetnicas, afetam as pessoas que transitam e vivem no entorno destas edificaes, revelando fatores de comunicao e interao visual que influenciam no contexto social da cidade.

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    Urbanidade Insular: Espao Pblico em Ncleos Urbanos Tursticos Almir Francisco Reis

    Exibe uma anlise dos espaos pblicos de trs ncleos urbanos costeiros: Barra da Lagoa, Canasvieiras e Praia Brava, que apresentam diferentes processos de crescimento e atributos de urbanidade.

    129

    Decadncia e Vitalidade na rea Central Bernardo Seleme de Menezes Bahia e Eduardo Jorge Felix Castells

    Discutem os aspectos de degradao e decadncia do centro urbano de Florianpolis, apresentando sugestes que colaboram para a sua revitalizao e estabelecendo novas relaes contemporneas neste contexto de centralidade.

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    Uma Ponte Novamente Conectada Luciano Santana Portella

    Destaca o abandono da Cabeceira Insular da Ponte Herclio Luz apesar do valor paisagstico, histrico e social desta rea, que apresenta grande potencial para a integrao de atividades sociais e culturais, de acordo com a proposta que conecta Florianpolis com o mundo.

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    Autores 171

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    Florianpolis Ilha de Santa Catarina

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    Introduo

    S I T U A D A E N T R E as latitudes 2722 e 2750, Florianpolis localiza-se em uma ilha continental de ampla beleza natural, com 54 quilmetros de comprimento mximo e rea aproximada de 452 km.

    O incio da ocupao da Ilha de Santa Catarina deveu-se a sua importncia geogrfica no Brasil Meridional. Suas baas, formadas entre a Ilha e o Continente, constituem anco-radouros adequados para a navegao de pequeno e mdio porte. Por este aspecto nada ocasional, o porto, que era localizado na poro continental, exerceu a maior influncia para definir a centralidade urbana na cidade. Atravs da fundao das freguesias pelos colonizadores aorianos, entre os sculos XVII e XIX, a localizao estratgica do ncleo original da cidade permitiu a integrao, terrestre e martima, entre a rea central (insu-lar e continental) e entre os diferentes pontos ocupados na Ilha.

    Florianpolis sempre esteve sujeita ao dinamismo urbano que a modificou cons-tantemente. No final do sculo XIX e incio do sculo XX, os principais aspectos con-siderados para o planejamento da cidade estavam voltados para o saneamento e a higienizao do centro da cidade, com intervenes governamentais direcionadas na eliminao de focos de doenas e de comportamentos considerados inadequados para a rea central e as reas livres pblicas. Na prvia valorizao da rea central, entre as intenes rudimentares de segregao social, estava tentativa de afastar, progres-sivamente, a populao menos favorecida do centro urbano, justificada por questes polticas, sociais e sanitrias do planejamento.

    A partir da dcada de 1970, Florianpolis teve maior acelerao em seu crescimento, o que condicionou a estrutura urbana que temos hoje. A construo de sucessivos ater-ros, a ampliao do sistema virio para dar vazo ao aumento da frota de automveis, a

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    implantao de duas novas pontes, ligando Ilha e Continente, e a desativao do porto, foram alguns dos fatores que contriburam para o distanciamento das atividades marti-mas e para a transformao da paisagem urbana. Com isso, a cidade estendeu suas liga-es continentais e seu plano urbano fundiu-se com os municpios vizinhos So Jos, Palhoa e Biguau , criando a conurbao de, aproximadamente, um milho de habitantes, que caracteriza a grande malha urbana desta mdia cidade catarinense.

    Entre as obras pblicas pontuais, que procuram reverter os problemas do trnsi-to, e as reformas paisagsticas nas reas de maior diversidade comercial, a principal transformao urbana em Florianpolis ainda acontece devido ao intenso crescimento da populao residente. De um lado, o mercado da construo civil estimulado pela demanda habitacional e, do outro, a falta de financiamento pblico e recursos tcnicos para acompanhar o ritmo de crescimento e tornar possvel a ampliao da infraestru-tura urbana.

    Diante destas potencialidades ambientais e deficincias urbanas que a cidade apresenta na atualidade, que futuro podemos esperar para Florianpolis?

    Este questionamento deu incio ao debate sobre os principais temas apontados pelos autores nos captulos deste livro. Diante da preocupao com o crescimento de-sordenado, a reduo do espao pblico e a descaracterizao do patrimnio cultural e arquitetnico em Florianpolis, surge esta proposta de publicao, com apoio da Editora Unisul.

    Em um contexto de aes urbanas dominadas pela especulao imobiliria e pe-las foras polticas, que flexibilizam propostas de lei e de planejamento urbano para favorecer interesses particulares, o discurso de arquitet@s e urbanistas torna-se fun-damental para retomarmos a compreenso da dimenso fsica do ambiente urbano durante as aes pblicas que promovem o futuro da cidade. Portanto, com destaque para o olhar tcnico sobre a cidade, este livro surge da colaborao especfica e acad-mica deste perfil profissional, que o principal articulador na elaborao e construo do ambiente urbano onde vive mais de 80% da populao brasileira.

    Os textos aqui reunidos procuram desenvolver abordagens que ofeream algum esclarecimento sobre os principais problemas que condicionam a qualidade de vida da populao, de acordo com os vcios de ocupao da cidade, principalmente, nos aspec-tos de infraestrutura urbana e espaos de domnio pblico. Os captulos correspondem

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    a nove olhares sobre temas que se vinculam na complexa tarefa de compreender a estrutura urbana de Florianpolis.

    O primeiro captulo, dos autores Fernanda Menezes e Slvio Hickel do Prado, apresenta o desafio da mobilidade nas zonas urbanas de Florianpolis e seus munic-pios vizinhos, sugerindo sistemas multimodais que permitam a reduo do sistema virio e do automvel para possibilitar uma cidade mais sustentvel no futuro.

    No captulo seguinte, Fbio Lcio Zampieri demonstra como a forma urbana da Capital Catarinense e as decises de grupos sociais, na escala local e global, transfor-mam os espaos pblicos e interferem na apropriao e no deslocamento espacial das pessoas, com anlise obtida atravs da sintaxe espacial.

    Tratando sobre o espao urbano da habitao, Gabriela Morais Pereira faz uma reflexo sobre a insero da habitao na cidade, da moradia na imagem social e do abrigo para atender as necessidades e anseios dos moradores de Florianpolis, assim como, o estado de permanncia e apropriao local.

    No debate sobre o espao pblico, eu [Marcos Sard Vieira] apresento o captulo tratando da importncia das reas livres pblicas para a configurao urbana de uma cidade mais receptiva e solidria, sugerindo espaos cobertos e transitrios em reas de uso coletivo, normalmente, sujeitas a segregao e controle.

    O captulo das autoras Vanessa Goulart Dorneles e Vera Helena Moro Bins Ely revela a maneira como a acessibilidade dos espaos abertos contribui para o livre aces-so de todas as pessoas, demonstrando que o espao pblico de Florianpolis tem muito para avanar na reduo de barreiras fsicas e na criao de espaos de lazer inclusivos.

    Andria Saugo, por sua vez, mostra que as mudanas pontuais na paisagem, atravs da construo e alteraes arquitetnicas, afetam as pessoas que transitam e vivem no entorno destas edificaes, revelando fatores de comunicao e interao visual que influenciam no contexto social da cidade.

    Almir Francisco Reis exibe uma anlise dos espaos pblicos de trs ncleos ur-banos costeiros na Ilha, localizados na Barra da Lagoa, em Canasvieiras e na Praia Bra-va, que apresentam diferentes processos de crescimento e atributos de urbanidade, relacionando resultados e perodos distintos de ocupao sobre a cidade.

    Observando a rea central de Florianpolis, os autores Bernardo Seleme de Me-nezes Bahia e Eduardo Jorge Felix Castells discutem os aspectos de degradao

    I N T R O D U O

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    e decadncia do centro urbano, apresentando sugestes que colaboram para a sua revitalizao e estabelecendo novas relaes contemporneas neste contexto de cen-tralidade.

    No captulo de fechamento, Luciano Santana Portella destaca o abandono da Cabeceira Insular da Ponte Herclio Luz apesar do valor paisagstico, histrico e social desta rea, que apresenta grande potencial para a integrao de atividades sociais e culturais, de acordo com a proposta, apresentada pelo autor, que conecta Florianpolis com o mundo.

    Em sua unidade de contedo, o objetivo desta publicao ampliar a compreenso sobre a dimenso espacial de Florianpolis em diferentes escalas de percepo, desde a malha urbana, que atravessa a topografia acidentada da Ilha, at o mobilirio urba-no, que acrescenta detalhes ao cotidiano da cidade.

    Entre tantos mistrios envolvendo possveis realidades, esperamos estimular a reflexo consciente a partir das boas referncias aqui apresentadas. E que as futuras mudanas a partir disso colaborem para tornar Florianpolis um verdadeiro exemplo de cidade com boa qualidade de vida.

    Marcos Sard Vieira

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    Mobilidade Urbana em Florianpolis

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    A R E G I O D A G R A N D E Florianpolis, do mesmo modo que os demais mu-nicpios de Santa Catarina, tem sofrido um incremento populacional vertigi-noso nas ltimas dcadas. Entretanto, por falta de viso de planejamento de longo prazo, as cidades se desenvolvem e crescem desordenada e caoticamente, gerando um enorme emaranhado urbano. Tal fato pode ser observado na conurbao que envolve Florianpolis, So Jos, Palhoa e Biguau. preciso entender as relaes que o sistema de mobilidade urbana mantm com a cida-de e os outros sistemas que a compem, para se perceber a importncia do pla-nejamento urbano e da arquitetura em suas diferentes escalas, local e regional. Neste mesmo sentido, foi realizada uma breve leitura do sistema existente na cidade de Florianpolis, com a identificao de alguns pontos cruciais, de modo a assegurar um desenvolvimento mais eficiente tambm no mbito da susten-tabilidade urbana, e, sempre, sob a tica de solues integradas aos municpios limtrofes que compem a regio.

    ContextualizaoO Brasil passou, em 60 anos, de um pas rural para urbano. Segundo dados do

    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica, em 1940 apenas 31,3% de sua popu-lao viviam em centros urbanos. Em 2000, passou para 81,2%. E, pelo censo de 2010, atinge 84,35%. A populao urbana do Estado de Santa Catarina, conforme censo de 2010 acompanha o ndice nacional, e a de Florianpolis superior em cerca de dez pontos percentuais.

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    O crescimento acelerado da populao urbana brasileira, associado expanso ra-refeita e de baixa densidade do subrbio das cidades, popularizao do automvel e ao predomnio do transporte individual sobre o coletivo, tem-se mostrado um modelo gerador de grande conflito nos aspectos relacionados mobilidade.

    O Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001) constitui um divisor de guas para o desen-volvimento das polticas relacionadas ao planejamento urbano. Objetivando nortear as polticas pblicas e regulamentar prtica dos planos diretores, o Estatuto trouxe tona o termo mobilidade urbana. Em 13 de abril de 2012, a Lei n12.587/12 (Poltica Nacional de Mobilidade Urbana) representa um avano importante, por definir que cidades acima de 20 mil habitantes devam elaborar Planos de Mobilidade Urbana, anteriomente previstos para um contingente populacional maior, constituindo uma excelente oportunidade de os municpios brasileiros se anteciparem aos problemas gerados pela ausncia de planejamento.

    O Ministrio das Cidades, atravs da Secretaria de Transporte e Mobilidade, prope um novo paradigma para a mobilidade urbana, integrando instrumentos de gesto, princpios de sustentabilidade e de incluso. entendida como

    um tributo associado s pessoas e bens; correspondendo s diferentes respostas dadas por indivduos e agentes econmicos s suas necessidades de deslocamento, consideradas as dimenses do espao urbano e da complexidade das atividades nele desenvolvidas. (BRASIL, 2004).

    Ou seja, a Mobilidade Urbana est associada pessoa e sua capacidade de se deslocar no espao.

    As polticas pblicas podem interferir na mobilidade urbana, de forma positiva ou negativa. Carvalho (2009) observa que, no Brasil, h uma poltica industrial com forte incentivo venda de veculos, quando, na realidade, deveria haver polticas pblicas no sentido de mitigar o problema do congestionamento nos grandes centros. O acrs-cimo do nmero de automveis impe dificuldades sustentabilidade urbana. Para que este processo seja revertido, preciso qualificar o transporte pblico de modo que seja desestimulado o uso do transporte individual.

    Florianpolis, capital do Estado de Santa Catarina e ncleo da Regio Metropo-litana da Grande Florianpolis, apresenta, em sua poro continental, uma rea ur-

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    bana contnua e conurbada com os municpios de So Jos, Palhoa e Biguau. Este aglomerado constitui parte significativa dos problemas relacionados mobilidade urbana da cidade de Florianpolis, agravados pelo estrangulamento da ligao com sua parte insular.

    Os problemas de mobilidade urbana de Florianpolis, em conjunto com os demais municpios da regio onde est inserida, so semelhantes aos que se repetem h muito tempo em outras cidades brasileiras: excesso de veculos nas ruas, transpor-te coletivo deficitrio e precrio, execuo lenta de obras de infraestrutura e falta de aes conjuntas entre os diversos municpios integrantes das regies metropolitanas. Esta situao tem-se agravado, pois a ausncia de planejamento urbano somada s polticas perversas do Governo Federal, de estmulo indstria automobilstica atra-vs da retirada de impostos e facilitao do crdito, induz a compra de automveis, incentivando o transporte individual em detrimento do transporte pblico de massas. Estas aes esto na contramo da histria. Caso no haja investimentos significativos no transporte coletivo, a mobilidade ficar cada vez mais comprometida e o cenrio urbano ser, cada vez mais, a imagem do congestionamento.

    Para uma poltica de Mobilidade Urbana eficiente, preciso olhar, compreender e pensar a dinmica da cidade sob o ponto de vista das pessoas, das suas necessidades de deslocamento para atingir os destinos desejados, garantindo a liberdade de ir e vir com diversas possibilidades de movimento e acesso irrestrito ao espao pblico. Evidentemente, para que este conjunto de medidas seja eficiente, necessrio que se construa uma nova conscincia nas cidades, que deve ser obtida a partir de aes de planejamento de curto, mdio e longo prazo.

    Breve Histrico do Sistema de Transportes em FlorianpolisSegundo Veiga (2010), nos sculos XVIII e XIX, os meios de transporte terrestre

    mais usuais em Nossa Senhora do Desterro (atualmente Florianpolis) eram as mon-tarias, as charretes puxadas por cavalos e os carros de bois. Mas a forma mais comum de superar as distncias num territrio insular era por via martima, lacustre e fluvial.

    Nas primeiras dcadas do sculo XIX, a circulao pela orla martima era rotineira. A Ilha de Santa Catarina e as pequenas ilhas que a circundam, eram frequentadas por pescadores e marinheiros, como tambm, por colonos que iam e vinham com suas

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    mercadorias produzidas nas freguesias, vendendo-as no Distrito Sede (rea central), com exposio na praia, em frente ao Mercado Pblico ou levando-as a outras co-munidades litorneas.

    Comunidades de regies afastadas ainda recordam a dificuldade das estradas e a importncia do uso do barco, a principal opo de transporte at os anos de 1940.

    Mesmo com a inaugurao da Ponte Herclio Luz em 1926, e devido a falta de ro-dovias e a precariedade das existentes, bem como o elevado preo dos automveis, o principal meio de transporte at o final da dcada de 1940 entre os municpios e entre as comunidades da ilha era o martimo. Este modal trazia os usurios ao centro da cidade, junto orla prxima da Praa XV, do antigo Miramar, da Casa da Alfndega e do Mercado Pblico. At 1880, o transporte martimo era realizado com barcos a vela; depois, j em 1896, com barcos movidos a vapor, e, finalmente, chatas e lanchas que, em alguns pontos, faziam a conexo com o transporte terrestre.

    Entre 1880 at 1934, surgiram os bondes puxados a burro, combatidos pelos servi-os de carruagens, cabriols e tlburis que, at ento, dominavam os transportes ter-restres na ilha. Inicialmente atendiam o centro da cidade utilizando ruas paralelas ao mar, tais como a Francisco Tolentino, Conselheiro Mafra, Almirante Lamego, Bocaiva e Frei Caneca. Em outro sentido, utilizavam as ruas Visconde de Ouro Preto, Herclio luz, Mauro Ramos, Anita Garibaldi, a Avenida Trompowsky, entre outras, tendo como ponto inicial a Praa Fernando Machado no Centro da cidade, e ponto final no antigo Abrigo de Menores na Agronmica.

    No final das primeiras dcadas de 1900, entre 1900 e 1930, os irmos Corsini cria-ram a primeira linha Estreito-Florianpolis para o transporte coletivo, com um carro de seis rodas. Em 1944, a regio do Estreito (no Continente) foi incorporada a Florianpo-lis, tendo pertencido, at ento, ao municpio de So Jos. J, nos anos 60, havia linhas de nibus do Estreito, Barreiros e de Coqueiros em direo Ilha.

    Samos de 1900, quando Florianpolis possua aproximadamente 30.000 habitan-tes e as comunidades localizadas no interior da ilha viviam praticamente isoladas, para a Florianpolis de 2010 com cerca de 400.000 habitantes. Em 110 anos, a populao da Capital Catarinense aumentou um pouco mais de 13 vezes, e os problemas de trans-porte e mobilidade numa progresso muito maior, o que pode ser observado pelo alto ndice de veculos existentes.

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    Segundo os dados do censo do IBGE de 2010, Florianpolis possua 404.224 habi-tantes, So Jos, 203.384 habitantes, Palhoa, 122.471 habitantes e Bigua, 57.134, totalizando 787.213 habitantes apenas entre estes municpios. Se levarmos em consi-derao toda a regio Metropolitana da Grande Florianpolis, teremos, aproximada-mente, um milho de habitantes demandando por transporte.

    Segundo a estatstica do DETRAN/SC, para o ano de 2011, existiam em Florianpo-lis 280.140 veculos, em So Jos, 118.390, em Palhoa, 71.458 e em Bigua, 30.745 automveis. Dividindo a populao dos municpios pelo nmero de automveis, che-gamos a um coeficiente de 1,57 habitante por veculo, ou seja, estamos vivendo na era do transporte individual.

    No ano de 2000, segundo estatsticas do DETER, Departamento de Transporte e Terminais de Santa Catarina, a frota de nibus transportava no sistema insular e no sistema interurbano dos municpios da regio aproximadamente 180 mil passageiros por dia. Hoje, em virtude da sonegao e da total ausncia de controle do Estado, a informao extraoficial dos prprios empresrios indica um volume de aproximada-mente 130 mil passageiros por dia, representando aproximadamente 4 milhes de passageiros por ms e 48 milhes de passageiros por ano, respectivamente.

    Em um contexto onde passamos de 666.693 habitantes no ano de 2000 para 787.213 em 2010, com um incremento de 120.520 habitantes apenas nos maiores municpios (Florianpolis, Palhoa, So Jos e Bigua), fica evidente o descompasso entre o n-mero de passageiros transportados pelo sistema no ano de 2000 e a atualidade.

    Como reflexo da situao atual, existe hoje um trfego de aproximadamente 180 mil veculos nas duas pontes, 90 mil em cada sentido, que formam um imenso con-gestionamento durante as horas de pico e, atualmente, em horrios em que isto no acontecia. Seguindo esta tendncia atual, em 2020 teramos, aproximadamente, 300 mil veculos ao dia, quase o dobro dos 180 mil de hoje.

    Dos tempos dos barcos a vela e a vapor, das chatas e lanchas, das carruagens, carros de praa, cavalos, lombo de burros, bondes tracionados por burros, nibus e autom-veis de aluguel e particulares, aos dias de hoje, com a predominncia do automvel, observamos que os problemas urbanos em Florianpolis com o transporte e a locomo-o multiplicaram-se em progresso geomtrica. A variedade dos tipos de transporte reduziu ao longo dos tempos junto ao crescimento desordenado. Estes problemas li-

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    gados aos meios de locomoo acontecem, em grande parte, devido falta de viso e planejamento sobre as previses futuras da cidade.

    Com referncia a este modelo, baseado no transporte individual, no h cidade que consiga resolver os problemas de mobilidade e, cada vez mais, a populao estar perdendo reas livres em favor do sistema virio, estacionamentos e espaos afins. Es-taremos caminhando para o intrigante destino de algumas cidades norte-americanas, como So Francisco, no Estado da Califrnia, onde, segundo pesquisadores aproxima-damente 50% da sua rea est sendo utilizado pelo sistema rodovirio, entre pistas, autopistas e estacionamentos.

    O cenrio em que o transporte individual se sobrepe ao espao coletivo no meio urbano acarreta dificuldades em relao mobilidade, impactando de forma negativa e gerando efeitos colaterais. Conforme observa Vargas (2008):

    Embora em passado no muito distante, a velocidade imprimida pelos avanos na tecnologia dos transportes tivesse acenado para a diminuio das distncias-tempo, (de cerca de 15 km/hora das carruagens movidas a cavalos e a vapor para 100km/hora do trem a vapor, por volta de 1830), atualmente estamos retornando no tempo, quando nibus e automveis capazes de superar estas marcas, assumem velocidades semelhantes s das carruagens. (VARGAS, 2008, p. 8).

    Planejamento, Mobilidade e Sustentabilidade

    A relao entre planejamento, mobilidade e sustentabilidade surge nas ligaes entre a sociedade, o meio ambiente e o ambiente construdo definindo a cidade. Nos dias de hoje, para que possamos contribuir para o desenvolvimento qualitativo e contnuo da vida, esses temas tm de ser pensados e estudados conjuntamente.

    A continuidade histrica das cidades sempre esteve, de alguma maneira, atrelada a reorganizaes e expanses, construes e demolies provindas da prpria natureza intrnseca do ser humano e de sua forma de se relacionar. Portanto, o crescimento urbano e populacional est diretamente ligado a este processo de desenvolvimento das cidades e do relacionamento humano.

    O modo de vida contemporneo onde as relaes sociais so passivas s impo-sies de um modelo hegemnico e, com freqncia, subordinadas a ele sociocultu-ralmente faz com que o homem, por vezes, negue sua posio na sociedade, num

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    passado ou no futuro, ou se esquea dela. As prprias relaes entre os homens sofrem modificaes, e os saberes acumulados tendem a se tornarem rarefeitos e substitudos.

    Com isso, surgem situaes de crescimento desordenado, desigualdade sociocultu-ral, acentuando a m utilizao dos recursos disponveis (naturais, ou no), por exem-plo, que fazem com que a cidade perca cada vez mais em autossuficincia, aparecendo consequncias relacionadas diretamente qualidade de vida da sociedade violncia urbana, depredao do meio ambiente e recursos naturais, segregao social e urba-na, ausncia de infraestrutura urbana completa. E, assim, a cidade vai perdendo sua identidade; e o homem, seu territrio.

    Toda essa relao entre cidade, planejamento e sociedade se reflete na aplicao, gesto e manuteno dos sistemas de infraestrutura urbana que a compem, entre eles o sistema de transporte, que um dos principais configuradores e organizadores do territrio.

    Zmitrowicz e Angelis Neto (1997) conceitua a infraestrutura urbana como um sis-tema tcnico de equipamentos e servios necessrios ao desenvolvimento das funes urbanas, podendo estas funes serem vistas sob os aspectos social, econmico e ins-titucional. (ZMITROWICZ; ANGELIS NETO, 1997, p. 2), dividindo-a em vrios subsis-temas, entre eles o sistema virio, que composto por diferentes redes de circulao para receber veculos, bicicletas, pedestres, entre os principais.

    Segundo Mascar (1987, p. 41), de todos os sistemas de infraestrutura urbana, o virio o mais delicado, merecendo estudo cuidadoso, pelos seguintes motivos:

    1. o mais caro do conjunto de sistemas urbanos, abrangendo mais de 50% do custo total da infraestrutura de urbanizao;

    2. Ocupa uma parcela importante do solo urbano de 20 a 25%;3. Uma vez implantando, apresenta dificuldade para aumentar sua capacidade;4. E o subsistema que est mais vinculado aos usurios (os outros sistemas con-

    duzem fluidos, enquanto este conduz pessoas);

    Sendo protagonista da configurao e organizao espacial, o sistema virio, quan-do bem concebido:

    Gera riquezas, uma vez que, ao constituir parte de um sistema, produz mais va-lia territorial;

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    Melhora o sistema produtivo da regio, assegurando custos competitivos e de-crescentes no perodo de mdio e longo prazos;

    Assegura uma nivelao da qualidade urbana, respeitando sua heterogeneida-de e evitando desequilbrios sociais e econmicos;

    Permite controle positivo do desenvolvimento urbano.

    Para tal, devem ser adotadas certas posturas e praticados alguns hbitos de con-duta e gesto urbana, como por exemplo:

    Limitando o acesso e uso do automvel e promovendo a circulao de pedestres, ciclistas e transporte pblico de qualidade;

    Adotando polticas adequadas de ordenamento do territrio e da rede de trans-portes em escala regional;

    Gerindo com eficcia redes de circulao e meios de tranporte;

    Desenvolvendo estruturas de apoio e acessibilidade viria;

    Estabelecendo estratgias de informao e sensibilizao;

    Introduzindo tecnologias limpas no sistema pblico;

    Planejando estrategicamente o transporte e levando em conta a ocupao do solo;

    Promovendo maior diversidade de usos do solo, de maneira a diminuir a neces-sidade de transporte para longas distncias.

    Sobre a diversidade de usos, Rogers e Gumuchdjian (2005) advoga que, ao rejeitar o modelo de desenvolvimento monofuncional e a predominncia do automvel, a propo-sio de ncleos compactos e de uso misto reduzem as necessidades de deslocamento e criam bairros sustentveis e cheios de vitalidade. Ressalta que o modelo urbano onde se divide a cidade em zonas por funes especficas, com escritrios centrais, shopping centers e reas de lazer fora da cidade, bairros distantes e vias expressas, j fracassado nos pases desenvolvidos, ainda perseguido pelos pases em desenvolvimento.

    O Ministrio das Cidades (BRASIL, 2005) defende que a mobilidade urbana a in-terao dos fluxos de deslocamentos de pessoas e bens no espao urbano, consideran-do tanto os fluxos motorizados quanto os no motorizados. Vargas (2008) corrobora, acrescentando que:

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    mobilidade urbana definida como a capacidade de deslocamento de pessoas e bens no espao urbano para a realizao de suas atividades cotidianas (trabalho, abastecimento, educao, sade, cultura, recreao e lazer), num tempo considera-do ideal, de modo confortvel e seguro. (VARGAS, 2008, p. 8).

    O conceito de mobilidade urbana integra o transporte a diversos aspectos da cida-de, como uso do solo, equilbrio ambiental e sade pblica. Como atributo do meio urbano podemos considerar que:

    A mobilidade urbana deve ser vista como condio essencial para acessar toda a ci-dade, para usufruir suas funes urbanas e gozar dos direitos sociais positivados (por exemplo: educao, sade, trabalho, lazer, moradia) pela utilizao da infraestrutura e modalidades de transporte disponveis ao conjunto da populao. (OLIVEIRA JU-NIOR, 2011, p. 66).

    Segundo a Poltica Nacional de Mobilidade Urbana Sustentvel Princpios e Di-retrizes, do Ministrio das Cidades, o conceito de mobilidade, que vem sendo cons-trudo nas ltimas dcadas, encontra substncia na articulao e unio de polticas de transporte, circulao e acessibilidade com a poltica de desenvolvimento urbano. (BRASIL, 2004 p. 3). Este documento destaca, ainda, que a mobilidade sustentvel deve promover o deslocamento de pessoas, e no o de veculos, de modo que priorize, no espao e na gesto da circulao, o transporte coletivo, principalmente queles que se utilizam de fontes de energia renovveis, os meios no motorizados e, sobretudo, os pedestres, com nfase naqueles com restrio de mobilidade, garantindo-lhes se-gurana, conforto e continuidade.

    O transporte atravs de veculos , hoje, o maior responsvel pela emisso de gs carbnico na atmosfera, constituindo um grande desafio para as cidades que buscam a sustentabilidade urbana. Influenciados pelos padres das cidade norte--americanas, as cidades de pases emergentes tm seus deslocamentos baseados no uso ostensivo de veculos privados. Neste contexto, a resoluo dos desloca-mentos internos do espao urbano, mais do que uma questo meramente tcnica e econmica, um fator determinante da qualidade de vida das pessoas nas cidades. Qualificar e difundir os diversos modais para transporte a chave para uma reduo rpida nos nveis de dixido de carbono na atmosfera dos centros urbanos. O au-tomvel consome e danifica o espao pblico destinado ao homem. O carro ocupa

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    os espaos nos quais as pessoas poderiam reunir-se. Parques, caladas, tudo passa a ser destinado para os automveis. Como afirma Gehl e Gemzoe (2002, p. 14), na cidade invadida

    O trfego de veculos e os estacionamentos usurpam gradualmente espao nas ruas e praas... O resultado disso, em todas as cidades, que s o trfego de pedestres mais essencial desenvolve-se entre carros estacionados e em movimento, sobrando muito pouco para outras atividades. (GEHL; GEMZOE, 2002, p. 14).

    Neste mesmo sentido, Jacobs (2000), j nos anos de 1960, levantou que, entre os problemas do planejamento voltado para ocarro, estava a degradao das cidades em funo do uso excessivo do automvel, tornando-as menos inclusivas, poludas e sem espaos pblicos propcios para uma vida em comunidade.

    Na cidade de Florianpolis, isto pode ser observado com muita clareza. Como acon-tece no Parque Metropolitano Francisco Dias Velho que hoje se constitui em espa-os residuais do sistema virio, apresentando suas reas ocupadas no somente pelo Terminal de Integrao do Centro como tambm por reas de estacionamento para nibus e automveis. Outra rea de lazer invadida pelos estacionamentos de uso coti-diano so os belvederes localizados ao longo da Avenida Beira-Mar Norte. Some-se a estas, as grandes reas ocupadas por estacionamentos nos acessos s praias invandin-do, inclusive, a faixa de areia.

    Conforme BRASIL (2012), o Sistema Nacional de Mobilidade Urbana o conjunto organizado e coordenado dos modos de transporte, de servios e de infraestruturas, o qual garante os deslocamentos de pessoas e cargas no territrio do Municpio.

    Neste contexto, a intermodalidade um conceito de oferta de transporte que in-corpora diferentes modos e operadores de transporte ferrovirio, hidrovirio, rodo-virio, trilho ligeiro, biciletas, etc. atravs de uma viso global dos diferentes tipos de transporte que se torna possvel a criao e o desenvolvimento de redes que permi-tem assegurar a mobilidade e distribuio equilibrada do trfego, promovendo uma utilizao sustentvel dos recursos dispostos. O transporte intermodal e sustentvel deve utilizar os meios de transporte que satisfaam as necessidade do presente sem prejuzo das geraes futuras.

    O usurio possui papel central na intermodalidade, em detrimento do que dado hoje em dia ao automvel, principalmente. Num sistema intermodal, o passageiro

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    no necessita ter conhecimento detalhado da oferta nem do tarifrio praticado por cada operador, exigindo-se, apenas, que tenha uma informao geral sobre a rede de transporte em servio e das regras de utilizao. A aplicao de um tarifrio e de um zoneamento comuns a vrios modos de transporte permite aos passageiros fazerem melhor uso do servio, em termos de frequncia, tempo de viagem e conforto.

    O predomnio de um nico modal, como se observa em Florianpolis, restringe o acesso cidade. O planejamento da mobilidade urbana deve priorizar os diversos modais inclusive o martimo de transporte coletivo, os no motorizados e, prin-cipalmente, o pedestre, possibilitando a incluso social e a racionalizao dos inves-timentos pblicos, alm de contribuir significativamente para a reduo dos conges-tionamentos. Neste contexto, Barzack (2009) ressalta que de suma importncia a integrao entre os diversos modais e a acessibilidade ao espao pblico.

    A partir de Xavier (2006), temos os seguintes desafios e diretrizes da poltica de mobilidade urbana: reorientar o planejamento urbano; moderar a circulao dos ve-culos motorizados individuais; conferir relevncia ao deslocamento de pedestres; pro-porcionar mobilidade s pessoas com deficincia; inserir o transporte por bicicleta na rede de transportes; priorizar o transporte coletivo integrado e multimodal; baratear as tarifas de transporte; adequar as redes de transporte e reestruturar a gesto local; elaborar planos diretores de mobilidade urbana; desenvolver novas fontes energti-cas; e ampliar as possibilidades de financiamento.

    Um desafio adicional para a Grande Florianpolis , como observa Vargas (2008), aquele gerado pelo carater turstico da regio:

    [...] uma situao catica e complexa, agravada pelo fato de que grandes cidades, alm dos seus fluxos cotidianos, apresentam um fluxo adicional constante, prove-niente da sua condio de cidade de turismo de negcios, cultura e lazer. Cidades cuja intensidade de eventos acrescenta um fluxo extra que, embora de carter no cotidiano, interfere na mobilidade do nosso dia-a-dia. E a (i)mobilidade urbana, em contrapartida, pode, a mdio prazo, interferir negativamente na manuteno desta condio de cidade de negcios e eventos e tambm na sua prpria condio urba-nstica. (VARGAS, 2008, p. 11).

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    Sobre a Mobilidade Urbana na Regio da Grande FlorianpolisCom o intuito de equacionar as questes relativas falta de mobilidade urbana na

    Regio da Grande Florianpolis, aes de curto, mdio e longo prazos necessitam ser implementadas com o intuito de que se obtenha uma cidade inclusiva, com mltiplas opes de deslocamentos e com espaos de uso pblico que, efetivamente, sejam re-pletos de vitalidade. Estas aes, como bem apresenta Vargas (2008), podem ser de cunho tecnolgico, de gesto e de comportamento.

    Num primeiro momento, preciso compreender a rede urbana formada pelas ci-dades que compem esta regio, uma vez que as solues no podem ser tomadas isoladamente, pois a regio conurbada constitui-se como se fosse uma s cidade.

    Neste contexto, algumas possibilidades so levantadas, relacionadas ao planeja-mento integrado da regio conurbada, atravs de um plano diretor que contemple aes conjuntas entre os diversos municpios. Entre as variadas aes, este planeja-mento contempla aquelas relacionadas expanso e gesto urbana e mobilidade urbana:

    1. Nas aes relacionadas ao planejamento urbano e plano diretor, incorporar:

    Estudos e aes que resgatem o uso misto, compacto e denso do espao urbano, com o intuito de oportunizar pequenos trajetos entre as funes de moradia, trabalho e lazer, evitando deslocamentos desnecessrios.

    Anlise das relaes entre o uso e a ocupao do solo. Estudos acerca da quantidade e custo de estacionamentos nas reas centrais, para desistimular o uso do transporte individual.

    Estudos relacionados vocao turstica da regio e estrutura necessria para a sua perfeita integrao com o cotidiano das cidades.

    2. Nas aes relacionadas mobilidade urbana, garantir:

    Implantao de um sistema de transporte coletivo de massas multimodal efi-ciente e de alta qualidade, garantindo a integrao entre os diversos modais e tambm opes de forma de deslocamento aos usurios. Entre os diversos mo-dais, considerar o transporte martimo, o transporte atravs de veculos leves sobre trilhos, e o funicular, entre outros.

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    Compreenso das caractersticas fsicas e geogrficas da regio na concepo do sistema de transportes, com vistas a priorizar e viabilizar o transporte limpo (a p e bicicleta).

    Integrao do sistema de transporte coletivo de massas com reas de estaciona-mento estratgico para veculos e locais para guardar e aluguar bicicletas.

    Controle da localizao das reas geradoras de fluxos. Existncia de vias e demais espaos que possibilitem a convivncia e segurana para o ciclista, com reas para aluguel ou guarda de bicicletas.

    Coneco s diversas opes de deslocamento com nfase e prioridade ao pedestre e ciclista, oportunizando ruas e espaos pblicos de qualidade e com alta permea-bilidade para os mesmos, com o intuito de estimular o transporte no motorizado.

    Compreenso do cotidiano das cidades, bem como do incremento de fluxo de pessoas e suas necessidades de deslocamento, em funo da vocao turstica da regio.

    3. Nas aes relacionadas ao desenho urbano, propor intervenes fsicas que qualifi-quem os espaos urbanos para os pedestres, tais como: a diminuio da largura das vias, o aumento das reas destinadas s caladas, o cuidado nas reas de travessia, caracterizando-as como prioritrias e o incentivo de atividades no trreo das edifica-es, com o intuito de obteno de espaos pblicos adequados convivncia social.

    4. Realizar campanhas educativas e conscientizadoras de que o transporte coletivo deve ter prioridade sobre o transporte individual, estimulando que trajetos curtos no sejam percorridos por veculos motorizados.

    ConclusoAo se tratar de mobilidade urbana, preciso levar em considerao o papel de-

    masiadamente preponderante que o sistema virio tem tido como configurador dos espaos na cidade. De uma maneira geral, preciso uma nova leitura das reas urba-nizadas, de modo a entend-las regionalmente sem submet-las a linhas imaginrias dos limites municipais. Neste contexto, foram elencados alguns pontos a serem con-siderados ao se tratar da mobilidade urbana na Regio da Grande Florianpolis, para que a vida cotidiana dos cidados no seja invadida pelo automvel.

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    Desenho Urbano e Movimento

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    T O D O S N S I D E N T I F I C A M O S , visualmente, a dificuldade de deslocamento por Florianpolis. O problema aumenta na poca de veraneio e quando existe um evento que atrai um nmero maior de pessoas. Por mais que se culpe o modelo de mobilidade baseado numa dependncia exclusiva dos veculos automotores, principalmente os automveis, eles so apenas parte do problema. O modo como a cidade foi pensada reflete um desenho urbano segregado e profundo. Inclusi-ve, pode-se afirmar que o mais profundo do pas, como uma polinucleao de centros urbanos de bairros que preconizam sua interdependncia. Neste captulo, o arquiteto e urbanista Fbio Lcio Zampieri mostra que a morfologia urbana de Florianpolis, ou seja, a forma da cidade, um dos grandes responsveis pela pr-pria restrio de movimento que presenciamos diariamente nas ruas.

    O Movimento e a Teoria: uma introduo de conceitosNo incio de minhas aulas com a disciplina Projeto Urbano, gosto de inserir uma

    pergunta para meus estudantes que extra dos conceitos iniciais do livro Social Logic of the Space, de Bill Hillier e Julienne Hanson (1984), que a seguinte: O Desenho Urbano importa?

    Por mais sugestivo e abrangente que parea este questionamento, prefiro que se encaminhe a discusso deste tema logo no incio das atividades. E vou alm, infor-mando que os seres humanos criam produtos para atender suas necessidades, sejam elas fsicas, estticas, intelectuais, culturais, entre tantas outras, e que se confundem entre diferentes graus de importncia.

    Por mais simples que seja um objeto, por exemplo, como uma xcara, sua concepo surge para suprir as necessidades especficas de seus usurios e para desempenhar sua

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    funo da melhor forma possvel. Assim, o desenho dessa xcara deve permitir seu correto funcionamento, em armazenar produtos para o consumo imediato, preferencialmente produtos no estado lquido. Desta forma, se a xcara cumprir seu papel, ela ir permitir que seres humanos consigam beber apropriadamente seu contedo, desempenhando bem sua funo. Hipotetizando que apenas a Parte Funcional da xcara fosse levada em considerao para a constituio do objeto, no haveria modelos com estilos diferen-tes, ou melhor dizendo, o desenho no seria avaliado na escolha do produto, e qualquer recipiente que guardasse lquidos poderia ser utilizado para cumprir adequadamente este mesmo papel, sem destaque especfico para a xcara. Considerando que no ape-nas a Parte Funcional que define o desenho do objeto, podemos considerar que a Parte Formal do projeto dos produtos tambm importa. frequente nos pegarmos avaliando mais de um produto semelhante e, ainda mais surpreendente, definirmos a escolha en-tre um deles. Assim, o produto precisa atender nossas aspiraes estticas e, ao mesmo tempo, desempenhar bem a funo para a qual foi construdo. Precisamos gostar do que usamos para conseguirmos nos apropriar efetivamente do produto. Mas isso nem sempre visto de maneira consciente e, por este motivo, a esttica frequentemente secundria na escolha do objeto quando o design avaliado de forma em si. E, para o projetista, achar um ajuste adequado entre funcionalidade e forma traz possveis diferenas no de-sempenho dos produtos que usamos diariamente.

    Com este raciocnio, pretendo demonstrar que o desenho dos produtos tem relao direta com o modo como nos apropriamos deles. E, em minha opinio, um dos objetos mais complexos para atender as necessidades humanas a cidade. Representando sua forma, o desenho urbano tambm est sujeito s mesmas ideias presentes na concepo de qualquer outro artefato humano. Questes de funcionalidade do espao, que deve ser adequado s necessidades dos cidados, so to importantes quanto as questes est-ticas vinculadas apropriao do espao pelas pessoas. Em suma, procuro ensinar que o Desenho tem importncia e deve ser relevado na concepo das cidades.

    Se uma rua contorna o permetro externo da quadra, fornecendo acesso a todos os lotes nela inseridos, este elemento (a rua) cumpre bem sua funo. Entretanto, se, ao fazer isso, a rua apresentar um desenho que se adque s necessidades humanas, fornecendo um campo ideal para o deslocamento e a sociabilizao da comunidade que a usufrui, ela certamente cumprir melhor seu papel. Bom exemplo disso so os

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    trabalhos na rea da psicologia ambiental (GOLLEDGE, 1995), sugerindo que peque-nas modificaes no desenho podem resultar em grandes mudanas na apropriao desses espaos pelas pessoas. S que o grande problema do planejamento atual entender como os seres humanos utilizam efetivamente a cidade, para tomar aes que sirvam de guia para a sua construo, de uma maneira sustentvel e organizada.

    Ante sua complexidade, a cidade tradicional no resultado de um projeto unitrio (RIGATTI, 1997), sendo um produto de responsabilidade de vrios desenhistas. Cada indivduo opera no sentido de construir a melhor cidade possvel, que sirva as suas ne-cessidades, criando-se grupos. Deste modo, a cidade o resultado das interaes entre as foras dos grupos sociais e, por isso, resulta na constante criao e transformao dos espaos pblicos. (LEFEBVRE, 1999). Essas modificaes podem ocorrer em diversos nveis ou escalas de deciso. Como forma de simplificao, podemos pensar em dois nveis bens distintos: por um lado, o prprio morador do lote que construir sua calada da forma que considerar melhor, sem pensar que sua deciso poder causar impacto no movimento de sua vizinhana; do mesmo modo, temos um empresrio que, ao cons-truir um centro comercial, est pensando apenas em seus interesses particulares, nor-malmente, sem imaginar que tal deciso ir alterar toda a dinmica do movimento da rea no entorno do objeto implantado e, dependendo do tamanho do empreendimen-to, acarreta efeitos sobre a cidade como um todo. Com isso, percebemos que mesmo as decises locais ocasionam interferncias sobre toda a cidade.

    Alm destas decises particulares, existem as decises tomadas pelo poder pbli-co. Esta esfera de decises ocorre com a inteno de pensar integralmente a cidade e gerar benefcios populao. O grande problema que, mesmo partindo da escolha dos representantes para tomar decises em prol dos interesses sociais, o poder pblico acaba representando apenas uma parcela da populao.

    A maior parte da sociedade, excluda deste processo, ainda poder sobrepujar a inter-ferncia dos grupos dominantes, mas s se estiver organizada e fizer o poder pblico ceder s suas presses. Do mesmo modo, quando a populao reivindica melhores condies para ruas e avenidas, para ciclovias mais eficientes ou para o transporte pblico acessvel, est agindo de forma local. Ao contrrio disso, quando os grupos locais, apesar da pou-ca representatividade, conseguem se unir para pressionar o poder pblico a agir em prol de suas necessidades e interesses coletivos, est atuando no nvel global. Esses conceitos

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    podem parecer complicados, mas, embora existam diferenas entre os nveis de atuao, ambas as escalas de deciso (local e global) interferem no desenvolvimento e na constru-o da cidade. Desta maneira, atuaes pontuais, como a escolha de um lugar para a insta-lao de um empreendimento, ter forte influncia nas escolhas de localizao dos outros empreendimentos quando distribudos pela cidade. Estas escolhas, quando somadas, do as caractersticas especficas das reas da cidade e alteram o fluxo de pessoas, mudando a dinmica da construo do espao urbano a partir de escolhas pr-definidas.

    As descries e exemplos mostrados so grandes simplificaes da realidade, identificando cenrios possveis entre grupos sociais e o poder pblico. Mas as abs-traes nos ajudam a demonstrar como as decises referentes construo do espao resultam de mltiplos arranjos concebveis entre diferentes foras responsveis pela gerao das cidades atuais e suas complexidades.

    Trata-se de abstrair os fenmenos urbanos para nos ajudar a representar elementos e ca-ractersticas que melhorem o entendimento da realidade. Isso necessrio pelo carter mul-tidimensional das variveis que compem o ambiente urbano. So tantas as variveis agindo ao mesmo tempo, que seramos incapazes de compreender toda a abrangncia das relaes de uma s vez. Para facilitar esta compreenso irei mostrar no prximo captulo como a for-ma das cidades interfere nos deslocamentos das pessoas atravs da Sintaxe Espacial.

    Morfologia Urbana e Articulaes

    O principal interesse da morfologia urbana, enquanto rea de estudos do desenho ur-bano, estudar como a forma da cidade interfere na apropriao dos espaos pelas pessoas. Em 1976, Hillier e outros pesquisadores publicaram o primeiro artigo sobre um novo campo dentro destes estudos morfolgicos. (HILLIER et al., 1976). A grande questo era que, at ento, estes estudos ficavam restritos a uma anlise mais qualitativa. Com o progresso das pesquisas no campo da sintaxe espacial, pde-se analisar quantitativamente os espaos e as relaes matemticas existentes entre eles, obtendo resultados mais condizentes com a realidade fsica, uma vez que a sintaxe trabalha com a abstrao dos espaos pblicos a partir de linhas axiais, que so linhas retas traadas sobre a representao espacial.

    As pesquisas que trabalham com a abstrao utilizam esta forma de anlise para simplificar uma realidade que extremamente complexa. No caso da forma da cidade, a simplificao das ruas em linhas denota a importncia considerada da hierarquia,

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    relevando onde ficam as zonas mais integradas, o que define as reas centrais da ci-dade ou dos bairros. Em consequncia, por esta anlise identificamos as reas mais segregadas, aquelas que esto mais distantes do centro da cidade ou bairro e as rotas mais provveis para a ligao entre elas. E por que estas variveis so importantes?

    As variveis produzidas com o mapa axial oferecem informaes configuracionais de todo o sistema urbano e de como suas partes interagem. Ele decompe as variveis configuracionais encontradas como camadas, e, em cada uma delas, pode-se avaliar as caractersticas presentes no espao atravs de propriedades especficas.

    Neste captulo sero utilizadas trs dessas medidas, ajudando a compreender como a forma da cidade pode ter impacto na maneira como nos apropriamos dela. Estas variveis so: Integrao global (Rn): o grau de acessibilidade que uma dada via (linha) tem com relao a cada uma das outras vias existentes na rea de estudo (cidade, assentamento, bairro, entre outros); Integrao local (R4): identifica a relao de acessibilidade em um conjunto de linhas, considerando uma limitao de profundidade em um raio de abran-gncia topolgico especfico, nesse caso o raio 4; e a Profundidade (PROF): que identifica a profundidade das linhas com relao mais integrada do sistema. (ZAMPIERI, 2012).

    Outra forma de avaliar a morfologia do espao a anlise angular, considerada por alguns pesquisadores como uma forma simplificada de capturar o conceito da navegao humana por espaos urbanos. (DALTON, 2001; HILLIER; IIDA, 2005; TURNER, 2000, 2001). A anlise angular uma ferramenta que permite ponderar as linhas axiais quanto deflexo de cada rota. Esse processo segmenta as linhas axiais nos seus cruzamentos, para permitir que sejam atribudos pesos, dependendo do ngulo em que os segmentos estejam conec-tados. Quando dois segmentos tm um ngulo de 180 entre si, ou seja, quando as linhas so retas, o programa atribui peso zero, pois no existe mudana de direo angular. No entanto, quando duas linhas so perpendiculares, formando 90, o programa adiciona um peso para a mudana de direo, indicando um valor para esse desvio. As mudanas de direo sempre so computadas com um peso, e o mapa axial decomposto recompensar a maior sequncia de linhas retas, agora decompostas em segmentos.

    As medidas angulares so obtidas pelo processamento do mapa segmentado, fei-to a partir do mapa axial (TURNER, 2004), decomposto e processado para se avaliarem medidas que levam em considerao o ngulo existente das rotas possveis entre todos os segmentos do sistema. Utilizou-se esse processamento para se obter a varivel de

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    Choice (CHOICE). A traduo do termo Choice foi trabalhada por Figueiredo (2005, p. 6) como Escolha e Escolha Rpida. No entanto, para este captulo, optou-se por manter a palavra no idioma original e no perder o significado na traduo. Segundo Ugalde et al. (2012), o Choice computa o nmero de vezes que um segmento est presente como caminho mais curto para todos os outros no sistema, de modo que as linhas com maior Choice fornecem a rota mais utilizada, geometricamente curta e com menos deflexo de todo o sistema. O Choice considerado aqui foi ponderado pelo nmero de linhas totais do sistema, para permitir a comparao e modelagem de sistemas diferentes em conjunto.

    O Estudo Morfolgico da CidadeA cidade de Florianpolis apresenta uma malha extremamente segregada, com

    vrios ncleos de centralidade, que propagam a integrao apenas para as ligaes mais prximas, criando um anel que integra o centro histrico com o Bairro Trindade, onde se localiza a Universidade Federal de Santa Catarina. A falta de maior nmero de ligaes entre ilha e continente e a topografia da cidade, somando-se com uma urbanizao rarefeita, cria um sistema extremamente profundo e com poucas possibi-lidades de transformao, principalmente devido a estas limitaes fsicas.

    Os parmetros de ocupao e de expanso da cidade promovem a ocorrncia de vazios urbanos considerveis, formando barreiras ou simplesmente segregando o conjunto de linhas do ncleo integrador, o que originou uma estrutura urbana poli-nucleada. O centro histrico da cidade fica no interior deste ncleo integrador, ou seja, formando 20% das linhas com maiores valores de integrao.

    Tabela 1 - Valores mnimos e mximos das variveis sintticas da cidade e da rea de estudos em Florianpolis/SC

    VARIVEIS AXIAIS E ANGULARESCIDADE RN R4 PROF CHOICE

    MNIMOS 0,0645 0,3519 0 0MXIMOS 0,2521 3,9014 151 6709,121

    O que podemos explicar a partir da varivel de integrao global (Rn) so algumas carac-tersticas prprias de Florianpolis, como o centro histrico ainda definido morfologicamen-te como centro da cidade e apresentando os maiores valores da cidade, maiores que 0,24 (ver Tabela 1 e Figura 1a). A centralidade foi expandida acompanhando a Avenida Beira-Mar

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    em ambos os lados, para as reas circundantes. Fica evidente que o carter de centro se ex-pandiu para a parte sul devido abertura do tnel. E, hoje, j sentimos as modificaes na apropriao do uso do solo e de seus valores resultantes. Do outro lado do centro, a Avenida Beira-Mar Norte mantm a importncia e a sua ligao com o bairro Trindade. Esses valores globais da integrao mostram que a cidade ainda est delimitada na pennsula, mas se expande para o interior da ilha pelas vias de acesso rpido (Figura 1d). Tal desempenho da malha urbana acaba por propiciar a locao de grandes atratores nas novas centralidades, como o caso do Shopping Center, localizado no bairro Santa Mnica, que est em uma regio estratgica do ponto de vista da ampliao do centro morfolgico consolidado.

    Este estudo morfolgico possibilita encontrarmos os centros de bairros. Nos casos de cidades menos profundas, diferente de Florianpolis, o raio topolgico local (quantidade de passos necessrios para se percorrerem as linhas) costuma ser definido em trs. No caso de Florianpolis, devido as suas grandes dimenses, este raio teve de ser ampliado para quatro, na medida em que os ncleos de vizinhana comeavam a ficar mais carac-terizados. A integrao local (R4) da rea a varivel de integrao mais representativa, com valores intermedirios aos valores do sistema (Tabela 1 e Figura 1b). Pode-se inferir que isso se deve segregao urbana e ao fato de esses ncleos apresentarem boa inde-pendncia do conjunto da cidade, funcionando bem quando isolados entre si por vazios considerveis, constitudos por morros, lagoas e outros acidentes geogrficos.

    Nesse caso, podemos considerar que as variveis globais no explicam as locais, onde os sistemas de diferentes escalas no se sobrepem, apenas constituindo n-cleos isolados em si mesmos. Deve-se ressaltar o papel da anelaridade em torno do centro histrico com o objetivo de ressaltar a fora simblica e funcional do ncleo original da cidade e a sua importncia, exercendo uma forte relao cultural no mbi-to municipal. Do mesmo modo, a Rn tambm no representativa no sistema como um todo, sendo apenas das partes mais integradas. comum sistemas fragmentados e profundos concentrarem a integrao em uma de suas partes, principalmente se, aliada fragmentao, houver uma diferena significativa na geometria das malhas.

    O sistema urbano de Florianpolis apresenta a maior profundidade mdia do pas, com 55,37 (MEDEIROS, 2006) e com a linha mais segregada distante por 151 passos topolgicos da mais integrada (Tabela 1 e Figura 1c). E isto caracteriza um sistema grande, difuso, fragmentado e profundo.

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    Segundo Medeiros (2006, p. 359), Florianpolis um caso parte entre as cidades brasileiras, j que sua malha a mais segregada e profunda do pas, criando a necessi-dade de ncleos de dinmica local onde o morador possa executar as vrias atividades do dia a dia sem a necessidade de se deslocar ao centro da cidade. Por outro lado, Flo-rianpolis a capital do estado de Santa Catarina e serve como apoio aos habitantes de vrias cidades do estado. Deste modo, a rea de estudos est vinculada dinmica local, tanto do morador da rea que faz apenas um deslocamento para suas ativida-des, como tambm para o visitante que precisa utilizar a infraestrutura da capital.

    Como as pessoas se locomovem de forma a manter certa economia de movimento, elas preferem utilizar ngulos mais retos quanto maior for sua velocidade. Esse conceito fica explcito ao se avaliar o movimento dos veculos automotores: quando est muito rpido, no existe a possibilidade de fazer uma curva com ngulo muito fechado.

    Ainda que a rea central seja a mais integrada, por fazer parte do ncleo de inte-grao, ela no se apresenta como rota para atingir as outras partes da cidade. As rotas criadas pelo Choice circundam o centro da cidade, mostrando poucas alternativas. Por outro lado, esta situao permite ao centro histrico fcil acesso s outras partes da ci-dade, impedindo uma segregao que poderia ser criada pelo movimento de passagem.

    Ao se avaliar a medida angular de Choice de Florianpolis, percebe-se que o grande caminho de ligao ocorre apenas pela Avenida Beira-Mar Norte e continua at as praias do norte da Ilha. Em direo ao sul, a medida angular de Choice fica restrita rea do aeroporto e no se desenvolve em anel, como seria esperado, indicando uma falta de acessos mais r-pidos e indicativos para os usurios em deslocamento. O prprio mapa angular (Figura 1-d) mostra que as rotas de acesso mais fcil, ligando o sistema, no apresentam alternativas. A marcao axial das pontes que ligam a Ilha ao Continente comprovam essa hiptese.

    Em todos os mapas apresentados na Figura 1, pode-se notar que o Continente segue a mesma lgica destinada ao resto da cidade, caracterizando um ncleo de vizinhana cortado por uma grande rota de acesso. As rotas de acesso fcil criam condies para a locao de grandes empreendimentos, que necessitam de mais fluxo de passagem para viabilizar seu funcionamento. Entretanto, tais empreendimentos geram quadras de maiores dimenses na malha urbana, sem muitas possibilidades de ligaes da cidade com outras reas de convivncia, restringindo o movimento de pedestres.

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    Figura 1 - Mapas axiais de integrao global (a), integrao local (b), profundidade (c) e da medida angular de Choice (d) de Florianpolis-SC.

    (a)

    10000m

    0,2521

    0,0645

    INTEGRAOGLOBAL - RN

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    (b)

    10000m

    3,9014

    0,3519

    INTEGRAO LOCAL R4

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    (a)

    10000m

    0

    151

    PROFUNDIDADE

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    (b)

    10000m

    0,2521

    0,0645

    INTEGRAOGLOBAL - RN

    Fonte: Medeiros, 2006.

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    Previso de MovimentoEm minha pesquisa de doutorado, intitulada O Fenmeno Social do Movimento de

    Pedestres em Centros Urbanos (ZAMPIERI, 2012), descobri que uma grande questo a ser explicada na Capital Catarinense era: como os modelos conseguiram explicar o mo-vimento de Florianpolis pelas variveis morfolgicas utilizadas. O questionamento pertinente, porque a cidade apresenta extremos de profundidade para um sistema com poucas linhas axiais e uma vasta extenso geogrfica. No entanto, a varivel de inte-grao local , de certo modo, a mais representativa, enquanto a varivel de integrao global indica uma pequena participao no fluxo de pedestres. Com isso, a integrao local parece ser um forte ponderador para o movimento local de pedestres.

    Na anlise do movimento de pedestres em Florianpolis (ZAMPIERI, 2012), a rea de estudo de referncia concentrou-se no centro da cidade e selecionou um trecho com 52 caladas, circundando 19 quarteires (Figura 2). O local limitado pelas ruas Durval Melquiades de Souza, Pres. Nereu Ramos, Mal. Guilherme Arajo Figueiredo e Emir Rosa.

    Figura 2 - rea de interveno sobre a cidade de Florianpolis-SC

    Fonte: Zampieri, 2012.

    Essa rea de extrema importncia para a estrutura global da cidade e est in-serida em seu ncleo central. No passado, ligava o centro regio das chcaras, onde

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    atualmente situam-se os prdios residenciais da Avenida Beira-Mar Norte e Bocaiva, importantes vias de circulao da cidade. Prxima do centro histrico, sua localizao privilegiada, pois, alm de estar imersa nas atividades centrais da cidade, mantm--se junto ao centro comercial-administrativo.

    Em Florianpolis, os modelos de simulao de pedestres mostraram uma correla-o de, aproximadamente, 90% de quadrado de coeficiente de correlao, o que um valor alto1 de correspondncia entre a prpria morfologia e movimento de pessoas. No entanto, quando analisamos a composio e participao das variveis envolvidas no-tamos que a ocupao das caladas composta por diferentes tipos de fluxo, explican-do as dinmicas singulares que fazem parte do fluxo de pedestres. As evidncias em-pricas levantadas sugerem que, na rea de estudos, existem dois tipos de movimento de pedestres que ocorrem ao mesmo tempo. Por um lado, temos o movimento dos visitantes que utilizam a rea para o trabalho ou passeio; de outro, temos o fluxo ex-tremamente local da vizinhana, dos prprios moradores, apropriando-se do espao.

    Este fato revela uma cidade que, embora tenha pretenses de metrpole e seja a Capi-tal do Estado, conta com caractersticas de cidade pequena, apresentando fortes relaes de vizinhana local a estruturar o espao para este fim, ou seja, os moradores utilizam a rua para seu lazer. Estes dois movimentos de fluxo ocorrem simultaneamente e so im-portantes para criar vnculos sociais entre os diversos grupos espaciais. Esta dinmica tal-vez seja resultado da reproduo social dos diversos centros de bairros vistos na Figura 1b, onde cada grupo identifica-se espacialmente, com o seu centro social e de lazer, contudo dispondo das reas dos outros grupos locais, sem restries. Na atualidade, manter essa duplicidade de dinmica talvez seja o maior desafio para o planejamento da cidade.

    Qual o Futuro da Cidade?Quando se est no centro morfolgico da cidade, tende-se a precisar de menos

    movimento para atingir as diversas partes do sistema urbano. Esse tipo de lugar conhecido por reunir aquelas atividades importantes para o funcionamento estrutural da cidade, de maneira geral. Para avaliar este tipo de padro, a sintaxe espacial faz a anlise matemtica da integrao global, que uma anlise entre cada espao urbano

    1 O quadrado do coeficiente de correlao indica o quanto as variveis de entrada, como por exemplo, as medidas morfolgicas, explicam a varivel de sada, no caso, o movimento de pedestres.

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    (simplificado em linhas axiais). O conceito de integrao est vinculado noo de quo profunda uma linha se apresenta em relao s demais, em passos topolgicos. Segundo Hillier e Hanson (1984), este tipo de relao de profundidade carrega a noo de assimetria do espao. Ou seja, um espao s ser mais profundo ou raso se o seu sistema possuir espaos intermdios entre a origem e o destino. Hillier et al. (1988) ainda encontraram em suas pesquisas a existncia de uma associao emprica entre os espaos mais profundos do sistema (maior segregao) e a dificuldade de apropria-o das pessoas, principalmente pelo visitante, que caracteriza a maioria das pessoas circulando pelos espaos pblicos, principalmente em cidades tursticas. Deste modo, quanto mais raso seria um espao, mais facilidade teria o visitante para se locomover.

    As variveis morfolgicas indicam as potencialidades e restries impelidas pela malha urbana. Assim, o movimento que ir ocorrer em qualquer parte da malha apon-ta para uma necessidade especfica dos grupos de pessoas. Porm, mais do que isso, preconiza um status que fora definido na construo social do espao pblico. Quando a sociedade cria os assentamentos, de certo modo condiciona a ocupao dos lotes, ordenando os espaos e determinando as formas de alcan-los devido s prprias restries produzidas na construo do espao urbano. As condies oferecidas pela malha podem no ser utilizadas pela sociedade. Donne (1990) afirma que, quando as cidades romanas foram ocupadas por povos rabes, a rea do mercado que, antes era to cheia de vida e movimento de pessoas, no apresentava a copresena de outrora, pois o foco da vida social passou a ser o interior das residncias e a mesquita.

    Neste caso, se a cidade tradicional produzida sem um projeto unitrio e apre-senta relaes mais claras entre profundidade e centralidade dos espaos urbanos, a navegao nestes locais depende mais das relaes hierrquicas entre os prprios espaos. Deste modo, a disposio dos atratores promovida pelas vantagens locacio-nais do lote, rua e bairro. O que est visivelmente presente na cidade.

    As recomendaes que podem ser feitas a partir da morfologia analisada em Flo-rianpolis consistem em um grande investimento em acessibilidade, desenvolvendo rotas que permitam o acesso a diversas partes da cidade e articulando os centros de bairro. Deste modo, sero mantidas as caractersticas sociais presentes na malha urba-na da Ilha, to importantes para a apropriao das pessoas, e que, do mesmo modo, promoveriam a ligao entre as diversas partes do sistema.

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    Quando se avalia que poucas vias so responsveis pelas rotas entre os lados Norte e Sul da Ilha, percebe-se a fragilidade do sistema virio frente aos riscos de um colapso em situaes emergenciais, como o caso de reas com potencial de isolamento de-vido a enchentes. Trata-se de um problema recorrente e que gira em torno da falta de infraestrutura e planejamento urbano. Acredito que este tema apenas tomar as de-vidas propores frente s necessidades geradas em situaes de calamidade pblica ou outro evento significativo. Espero que as novas decises geradas pelas necessidades ajudem a ampliar as possibilidades de integrao espacial, para a composio defini-tiva do futuro de Florianpolis.

    REFERNCIAS

    DALTON, Nick Shepp. Fractional configurational analysis and a solution to the Manhattan problem: Georgia Institute of Technology. Atlanta, EUA: 3rd International Symposium on Space Syntax, 2001.

    DONNE, Marcella Delle. Teorias sobre a cidade. Lisboa: Edies 70, 1990.

    FIGUEIREDO, L. Mindwalk: a java based sofware for spatial analisys. Recife: Unpublis paper, 2005.

    GOLLEDGE, Reginald G. Path selection and route preference in human navigation: a progress report. Working Paper, University of California Transportation Center, ustria, n. 277, p. 21-23, set.1995.

    HILLIER, Bill; HANSON, Juliene. The social logic of space. Cambridge: University Press, 1984.

    HILLIER, Bill; IIDA, Shinichi. Network effects and psychological effects: a theory of movement Holanda: 5th International Symposium on Space Syntax, , 2005.

    HILLIER, Bill et al. Space syntax: environment and Planning B. Planning and Design, v. 3, n. 2, p. 147-185, 1976.

    HILLIER, Bill; STONOR, Tim; MAJOR, Mark David; SPENDE, Natasa.From research to design: re--engineering the space of Trafalgar Square: Space Syntax Laboratory 1998.

    LEFEBVRE, Henri. A revoluo urbana. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 1999.

    MEDEIROS, Valrio Augusto Soares de. URBIS BRASILIAE ou sobre cidades do BRASIL: inserindo assentamentos urbanos do pas em investigaes configuracionais comparativas. Braslia, DF: Univer-sidade de Braslia, 2006.

    RIGATTI, Dcio. Do espao projetado ao espao vivido:modelos de morfologia urbana no conjunto Rubem Berta. 1997. 340f. Tese (Doutorado)-Faculdade de Arquitetura e Urbanismo USP, So Paulo, 1997.

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    TURNER, Alasdair. Angular analysis: a method for the quantification of space. London: Working Paper, 2000.

    TURNER, Alasdair. Angular Analysis: Georgia Institute of Technology. Atlanta, EUA: 3rd International Symposium on Space Syntax, 2001.

    TURNER, Alasdair. Depthmap 4 - A Researchers Handbook. London: Bartlett School of Graduate Studies, UCL, 2004. Disponvel em: . Acesso em: 10 mar. 2013.

    UGALDE, Cludio et al. Evaluating the spatial distribution of middle and large scale movement Routes in the metropolitan region of Porto Alegre- Brazil. Santiago, Chile: VIII International Space Syntax Symposium, 2012.

    ZAMPIERI, Fbio Lcio Lopes. O fenmeno social do movimento de pedestres em centro urba-nos. 2012. 270. F. Tese (Doutorado)-Faculdade de Arquitetura da UFRGS, Porto Alegre, 2012.

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    O Sentido de Habitar

    G A B R I E L A M O R A I S P E R E I R A

    A P R O D U O D A M O R A D I A no Brasil, em especial em Santa Catarina, toma propores totalmente singulares, trazendo no s um incremento para a construo civil e aumento no nmero de empregos mas tambm facilidade de acesso casa prpria, o que representa uma melhora significativa na qualida-de de vida das famlias, tornando os seus integrantes cidados para melhores cidades. Mas ser que as pessoas esto vivendo melhor em suas novas casas? O apartamento, que lhes pertencer aps 30 anos de financiamento, trouxe maior conforto e facilitou o acesso aos servios e comodidades de viver em Florianpo-lis? O cotidiano domstico das famlias est facilitado por espaos adequados ao modo de vida delas? Habitar Florianpolis realmente ter um dos melhores ndices de qualidade de vida do pas? Ao longo deste captulo, Gabriela Morais Pereira apresenta algumas reflexes a partir destes questionamentos.

    Introduo

    O significado cultural do acesso casa prpria, para famlias com menor renda, teve sua origem ainda no perodo Getulista (1930-1945) e representa a ascenso da famlia a condies melhores de vida para no mais pagar aluguel e como resultado de esforo contnuo deste trabalhador. Desde os Planos Higienistas que tratavam os cortios como elementos a serem extintos por sua condio insalubre e de organizao social indesejada, passando pela Fundao da Casa Popular, BNH (Banco Nacional da Habitao) e uma srie infindvel de planos governamentais sem continuidade, a ha-

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    bitao vista ora como produto, ora como mercadoria de troca de votos ou estratgia assistencialista. E Florianpolis no ficou fora desse panorama.

    A cidade passou por transformaes no seu territrio, resultantes destas aes, evi-denciando, por exemplo, a periferizao de grandes conjuntos habitacionais trazendo impacto infraestrutura urbana e relativizando a ocupao de reas de risco e reas de proteo ambiental como o Morro da Cruz.

    Datados a partir da metade da dcada de 1960, os primeiros conjuntos habitacio-nais de Florianpolis replicavam os projetos nacionais de ocupao de grandes glebas na periferia da cidade. Eram formados por pequenas unidades unifamiliares isoladas no lote, formatando ocupaes sem coeso social, insero urbana e ficando a cargo da populao resolver diversos problemas relacionados ao acesso aos servios urbanos como educao e at mesmo emprego, sem qualquer espao pblico de qualidade que pudesse atender s atividades de lazer, e criando vazios que mais tarde seriam objeto de especulao imobiliria para ganhos de alguns com a necessidade de expanso da infraestrutura urbana para atender a muitos.

    Com o tempo essas ocupaes foram avanando sobre a parte continental, onde as terras ainda eram baratas, e, hoje, observamos o aglomerado urbano da regio Metro-politana da Capital Catarinense e os impactos na Cidade Sede.

    Outra forma de atuao na rea habitacional em Florianpolis aquela moti-vada por remoo da populao de reas irregulares, longe de ter como objetivo a qualificao destas reas, mas visando a ampliao da rede viria, privilegiando interesses particulares, como foi o caso do Conjunto Habitacional Chico Mendes, Abrao e Vila Cachoeira.

    O entendimento a respeito dos atuais planos, programas e polticas habitacionais diz respeito s famlias atendidas? sociedade em geral? Aos agentes promotores e financiadores envolvidos? A todos? A nenhum? So questionamentos que devem fazer parte das discusses a respeito de como a moradia est sendo produzida e o reflexo desta produo para toda a sociedade, a partir das cidades resultantes.

    A qualidade destas relaes percebida j desde a adequada distncia entre aquele que demanda (o morador) e aquele que oferece (a cidade). Espaos urbanos cada vez mais caticos, resumidos em quadros alarmantes de violncia, degradao dos espaos pblicos, congestionamentos e tantos outros problemas, podem ser iden-

  • O S E N T I D O D E H A B I TA R | G A B R I E L A M O R A I S P E R E I R A

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    tificados atravs da qualidade (ou no) dos es