Livro - Políticas, Planejamento e Gestão Participativa em Saúde (VERSÃO FINAL)

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Polticas, Planejamento e Gesto Participativa em SadeHelena Shimizu, Mrcio Florentino Pereira & Antnio Jos Costa Cardoso (Organizadores)

Sumrio

Apresentao 1. Polticas Pblicas de Sade no Brasil: Breve Histrico Helena Shimizu & Edsaura Maria Pereira 2. Democracia Participativa e Controle Social: A Experincia dos Conselhos de Sade no Brasil Mrcio Florentino Pereira, Srgio Schierholt, Antonio Jos Costa Cardoso, Helena Shimizu & Luciana Mello de Moura 3. Planejamento Participativo em Sade: Teoria & Prtica Antnio Jos Costa Cardoso, Mrcio Florentino Pereira & Helena Shimizu

4. Avaliabilidade de Polticas de Sade: Estudo de CasoAndr Vincius Pires Guerrero, Vitor Laerte Pinto Jnior, Antonio Jos Costa Cardoso e Jos Antonio Iturri Atividades Didticas Propostas

Apresentao

O livro didtico intitulado Polticas, Planejamento e Gesto Participativa em Sade, destinado aos alunos dos cursos de graduao em sade, especialmente aos dos cursos de Gesto em Sade e Gesto em Sade Coletiva, visa introduzir elementos para subsidiar a reflexo acerca dos desafios que envolvem a implementao da gesto participativa. Gesto em Sade e Gesto em Sade Coletiva designam no apenas dois novos cursos: o contexto de implantao dos primeiros cursos de graduao em Sade Coletiva em todo o pas. Alm de operarem com princpios norteadores e objetivos convergentes, definiram perfis de egressos equivalentes para atuao no mesmo campo da Sade Coletiva. O nmero de estudantes de graduao assistidos e beneficiados pela publicao do livro em tela na Faculdade da Ceilndia (FCE) e na Faculdade de Cincias da Sade (FS) pode ser estimado como o total de ingressos nesses dois cursos multiplicado pelo tempo necessrio para integralizao dos mesmos (oito a doze meses). O livro-texto ser bastante til s disciplinas de Polticas Pblicas de Sade, Planejamento e Programao em Sade, Gesto Participativa em Sade e Monitoramento e Avaliao de Polticas Pblicas de Sade. Observe-se que os professores responsveis por essas disciplinas nos dois cursos so tambm os organizadores e co-autores do livro. O captulo 1 trata do histrico das Polticas Pblicas de Sade no Brasil. Visa demonstrar como ocorre a participao do Estado em diferentes momentos. Enfatiza o processo de luta do povo brasileiro para garantir a sade como um direito, que culminou na formulao do Sistema nico de Sade.1

O Captulo 2 discute os modelos de democracia, bem como os processos histricos de construo da democracia na Amrica Latina e no Brasil, que contriburam para o alargamento da participao social. Apresenta os conselhos de sade como importante espao de participao social institucionalizada que requer aprimoramento. O Captulo 3 apresenta o histrico do planejamento participativo em sade no Brasil. Aborda o referencial terico metodolgico do planejamento participativo. Demonstra a aplicao da metodologia em trs casos: Programa de Sade Mental e Vigilncia em Sade da Secretaria de Sade do Distrito Federal e Conselho Regional de Sade do Parano. O Captulo 4 aborda a avaliabilidade das polticas de sade, enfatiza a elaborao de modelos lgicos como componente fundamental para o planejamento e avaliao de polticas, programas e servios. demonstrada a aplicao da metodologia em um caso: Programa de Reduo da Mortalidade Infantil no Nordeste e Amaznia Legal. O ltimo captulo apresenta um conjunto de atividades didticas (em geral, exerccios) propostos pelos respectivos autores dos quatro captulos. Para sermos coerentes com o contedo trabalhado neste livro, prope-se que as referidas atividades possam ser realizadas da forma mais coletiva possvel, em sala de aula ou no perodo entre aulas. Por fim, quanto ao impacto da proposta na soluo dos problemas de evaso e reteno j identificados nas primeiras coortes dos dois cursos, espera-se que a produo de material didtico especfico, pelos prprios docentes que ministram as referidas disciplinas, aumente a adequao dos contedos e atividades didticas s necessidades dos cursos.

Os Organizadores

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Captulo 13

Polticas Pblicas de Sade no Brasil: Breve HistricoHelena Shimizu & Edsaura Maria Pereira

INTRODUO Entende-se como poltica de sade a resposta social (ao ou omisso) de uma organizao (como o Estado) diante das condies de sade dos indivduos e das populaes e seus determinantes, bem como em relao produo, distribuio, gesto e regulao de bens e servios que afetam a sade humana e o ambiente (FLEURY; OUVERNEY, 2008; PAIM, 2009). A Poltica de sade abrange questes relativas ao poder em sade (Politics), bem como as que se referem ao estabelecimento de diretrizes, planos e programas de sade (Policy) (SOUZA, 2007; VIANA; BAPTISTA, 2008). Desta feita, inclui tanto as dimenses do poder quanto as diretrizes. Logo, a anlise das polticas de sade compreende as relaes de poder na conformao da agenda, na formulao, na conduo, na implementao e na avaliao de polticas (VIANA; BAPTISTA, 2008, FLEURY; OUVERNEY, 2008). E os estudos sobre a poltica de sade envolvem o papel do Estado, a relao Estadosociedade, as reaes s condies de sade da populao e aos seus determinantes, por meio de propostas e prioridades para a ao pblica. Inclui ainda estudo de sua relao com polticas econmicas e sociais, controle social, economia da sade e financiamento (SOUZA, 2007; VIANA; BAPTISTA, 2008). Nessa perspectiva, a Poltica de sade deve ser compreendida como uma poltica social, que est sujeita a diversidade de determinantes, polticos, econmicos e sociais.4

AS POLTICAS SOCIAIS A expresso Poltica Social se refere garantia das condies gerais que visam impedir a marginalizao social, em qualquer circunstncia e, em termos convencionais, circunscrevem-se s necessidades e ao direito sade, educao, ao trabalho, entre outros (FLEURY; OUVERNEY, 2008; PAIM, 2009). O marco da estruturao das Polticas Sociais foi o final da II Guerra Mundial, quando principalmente na Europa, desenvolveu-se o conceito de bem-estar coletivo, e o surgimento do Estado benfeitor ou Estado protetor, denominado Estado de Bem-Estar Social, ou Welfare State (FLEURY; OUVERNEY, 2008; PAIM, 2009). As bases fundamentais para a estruturao do moderno Estado de Bem-Estar Social esto fundadas no Estado Social de Direito, que surgiu em oposio viso liberal do antigo Estado de Direito (FLEURY; OUVERNEY, 2008; PAIM, 2009). O surgimento do Estado Social de Direito teve como pressuposto um acordo entre posies socialistas e liberais resultando em uma conformao de cunho mais moderado e reformista, no sentido de adaptar o Estado tradicional (Estado Liberal Burgus) para as novas condies existentes no perodo industrial e ps-industrial. Assim, o Estado Social buscou abordar, alm dos aspectos de bem-estar assegurados pelo Estado, problemas gerais do sistema estatal daquela poca, que exigiam um processo de estruturao da sociedade pelo Estado, assim como, a estruturao do Estado pela sociedade (FLEURY; OUVERNEY, 2008; PAIM, 2009). Os aspectos assegurados na poca, pelo Estado democrtico liberal eram a liberdade, a igualdade, a propriedade individual, os direitos jurdicos, e a participao eleitoral. Dessa forma, o Estado social e democrtico reafirma estes, enquanto direitos formais, que no exigem custo para sua implantao e propem a conformao dos direitos materiais, que demandam, por outro lado, investimentos econmicos e a redefinio dos

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gastos pblicos, destinados aos gastos sociais (FLEURY; OUVERNEY, 2008; PAIM, 2009). Estes sistemas de proteo social surgem tambm pressionados pelo fortalecimento da revoluo socialista na Unio Sovitica e pelo crescimento e organizao da classe operria e da esquerda. O modelo desenvolvido na Europa parte da reformulao do conceito de seguro social, alicerado na contribuio dos trabalhadores, para o conceito de seguridade social, onde o Estado assume o compromisso de prover os cidados de um nvel mnimo de bem-estar. Partindo de um princpio de justia, os sistemas de proteo social se constituem pelas polticas pblicas de natureza social, onde, suas principais funes so a de promover proteo para toda a populao, realizar polticas redistributivas e satisfazer as necessidades econmicas e no econmicas da nao. Segundo Fiori (1997), o Estado de Bem Estar Social no deve se ater somente aos campos do direito e das garantias, precisa considerar tambm de que forma as atividades estatais se articulam com os papis do mercado e da famlia, no que se refere proviso social. O mesmo autor advoga que o Estado de Bem Estar Social existiu de fato, aps 1950, quando os interesses de universalizao dos servios sociais, se juntaram ao objetivo do pleno emprego que norteou as polticas econmicas nacionais at a dcada de 80. importante assinalar que uma complexa rede de determinaes econmicas, ideolgicas e polticas definiu e diferenciou o Estado de Bem-Estar Social, dito contemporneo, dos sistemas anteriores de organizao das polticas sociais governamentais; assim como, explicitou as diferenas que separam as vrias experincias nacionais de welfare state (FIORI, 1997). No sentido de estruturar esta diversidade, alguns autores construram tipologias, para aglutinar as diversas experincias, em padres bsicos, caracterizados principalmente pela forma de financiamento, pela natureza dos servios oferecidos, pela importncia6

dada ao setor pblico, pelo modelo de organizao institucional, pela percepo e relao com os sistemas polticos etc. (FIORI, 1997). Destaca-se entre estas tipologias a tradicional classificao, que prope trs modelos de poltica social para os pases capitalistas: 1. O padro ou modelo residual, onde a poltica social s intervm de forma temporria, deixando para a famlia e para o mercado as principais solues das demandas pela sobrevivncia, ilustrado principalmente pelos Estados Unidos; 2. O padro ou modelo meritocrtico- particularista, onde neste caso o sistema de welfare intervm somente para corrigir as aes do mercado. Neste modelo, as polticas sociais se subordinam a racionalidade econmica e o Estado s atuaria em grupos populacionais carentes, como pobres e velhos; 3. E o padro ou modelo institucional redistributivo, voltado para o Estado garantidor da produo e distribuio de bens e servios sociais, oferecidos a todos os cidados, universalmente. Este modelo de proteo social o que mais aproxima a idia de direito social ao conceito de cidadania, definido por Estado de Bem Estar Social (FLEURY; OUVERNEY, 2008; PAIM, 2009). Segundo os modelos apresentados anteriormente, as polticas sociais brasileiras at o final da dcada de 80, poderiam ser classificadas como residuais e meritocrticocorporativas (PAIM, 2009), no havendo nenhuma correspondncia ao Estado de Bem Estar Social. Esta classificao se justifica pelo carter no universalista das Polticas Sociais brasileiras desta poca, onde os sujeitos da proteo social eram atrelados ao sistema previdencirio e o exerccio de cidadania era determinado pela participao em categorias com contribuio previdenciria, no se configurando uma cidadania plena, para toda a comunidade nacional. Por outro lado, os sistemas de proteo social brasileiros, incluindo o sistema nacional de sade foram estruturados por demandas geradas pelo processo de industrializao que aqui se formava, numa realidade de escassez oramentria e limitaes polticas.7

Portanto, as polcias sociais no Brasil, assim como as polticas de sade, tiveram sua estruturao ancorada em um conceito de cidadania regulada. Busca-se apresentar, a seguir, um breve histrico das polticas de sade no Brasil com a finalidade demonstrar os iderios ou matrizes do pensamento em sade, como objeto de disputa social nos diversos momentos. PRIMEIRA REFORMA SANITRIA BRASILEIRA Um forte movimento sanitarista marcou o incio do sculo XX no Brasil. Nesse contexto, vrias doenas endmicas e epidmicas como a varola, a malria, a peste e a febre amarela, assolavam o Pas. O Brasil era caracterizado, nesse perodo, como um vasto hospital (SANTOS, 1985). Essa realidade ameaava os interesses comerciais agroexportadores do pas e incidia diretamente sobre a vida da populao, alm de comprometer as relaes comerciais do Brasil com outros pases. Essa situao resultou nas aes de saneamento dirigidas aos portos, que eram os espaos de circulao de mercadorias e de chegada dos imigrantes, mo de obra decisiva para a cultura cafeeira, na poca. No plano poltico, se desenvolvia um Estado capitalista, fortemente assentado no domnio oligrquico, como desgnios da Repblica que se afirmava. Com essa organizao, dois atores polticos emergiam no cenrio poltico: os coronis e os bacharis, numa relao em que os primeiros definiam as polticas, e os segundos as sustentavam como defensores que eram desta elite que se formava. As polticas de sade nesse contexto visavam erradicar ou controlar as doenas que poderiam prejudicar o modelo agroexportador do Brasil, e os interesses particulares das elites (MENDES, 1999). Segundo Hochaman (1993), para outros a forma como eram enfrentados os problemas de sade, vinculava-se a um novo projeto oligrquico de sociedade, mais amplo e complexo, caracterizado por distinguir, de um lado o Estado e as elites estatais (que sustentavam este projeto) e de outro, as elites societais.

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Ademais, os movimentos por sade, durante a Repblica Oligrquica representavam a expresso dos projetos nacionalistas, integrados modernidade proveniente da Europa e dos Estados Unidos, intensificados aps a Primeira Guerra Mundial. Para essa corrente de pensamento, um Brasil moderno era um Brasil europeizado, no qual as conquistas civilizatrias estariam associadas ao progresso das cidades. Na academia e nas instituies de pesquisa, formavam-se profissionais, principalmente mdicos, orientados pelo paradigma da bacteriologia, praticados na Frana e na Alemanha. Dessa concepo centrada no combate s epidemias das cidades, surgem duas grandes instituies de pesquisa de sade no Brasil: o Instituto Soroterpico Federal, atual fundao Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, e o Instituto Butant, em So Paulo. Surgem assim, os higienistas sanitaristas, que exercem forte influncia na produo de conhecimentos, centrados nas concepes sobre as doenas transmissveis e na constituio de um setor pblico de sade que tinha como meta estratgica a proposta de aes coletivas de sade, focadas, principalmente, no saneamento (MEHRY, 1992). As polticas propostas por esses profissionais, liderados na poca (1904) pelo sanitarista Oswaldo Cruz, reforavam o fortalecimento da autoridade estatal e do papel do governo federal. A grande cruzada contra as doenas no Rio de Janeiro, que inclua a vacinao obrigatria, aliada s aes das autoridades na poca, em prol da urbanizao da cidade, com a abertura de largas avenidas, demolio de casas ditas insalubres e a expulso de seus moradores, fez surgir uma das revoltas populares mais importantes no Brasil, a Revolta da Vacina. Esse movimento, composto, principalmente pela populao pobre, alm de combater a vacinao compulsria e a reforma urbana, denunciava as precrias condies de vida da populao (CHIOZZINI, 2005). Em meio a esse contexto, duas correntes de pensamento nacionalista se configuravam: uma voltada para o crescimento e o progresso das cidades, e outra que buscava a integrao do interior do Pas, ao projeto de construo nacional. Essa ltima corrente teve forte influncia no posicionamento dos sanitaristas da poca que, sensibilizados9

pelas condies de sade da populao, principalmente a rural, passaram a pensar o Pas e seus problemas, considerando o descaso do poder pblico como um entrave aos avanos civilizatrios. Assim, o movimento sanitrio da Primeira Repblica, conhecida como a Era do Saneamento, propiciou uma grande contribuio construo do projeto ideolgico de nacionalidade (SANTOS, 1985). Estava claro para esses profissionais de sade que o atraso do Brasil se devia s doenas e no ao determinismo biolgico. Esse pensamento impactou sobremaneira, na percepo do Estado nacional como responsvel pelas polticas de sade. Destaca-se como conquistas nesse perodo, a criao do Departamento Nacional de Sade Pblica (LIMA; FONSECA; HOCHMAN, 2005) como base para a estruturao da burocracia na sade, configurando um sistema, ainda incipiente, marcado pela concentrao e verticalizao do governo federal. A CIDADANIA REGULADA: A PREVIDNCIA SOCIAL NO BRASIL Aps 1930, outro projeto poltico estruturado no pas. O governo Vargas marcou, sobremaneira, a configurao das polticas sociais no Brasil com a estruturao do arcabouo jurdico e administrativo do sistema de proteo social diretamente vinculado ao projeto poltico de industrializao e modernizao do Pas. Com o fim das oligarquias, uma ampla reforma administrativa e poltica ocorreu no Pas por meio da nova Constituio de 1934 e da ditadura de Vargas, imposta pelo Estado Novo. Inicia-se um perodo de grande centralizao e maior participao estatal nas polticas pblicas, que se caracterizam por feies, eminentemente populistas, capitaneadas por aes que visavam, antes de tudo, cooptar os trabalhadores que avanavam na sua organizao, em detrimento das polticas que respondessem aos problemas estruturais da vida daquela populao (LIMA, 2006; OLIVEIRA; SOUZA, 1997).

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Nessa poca, aconteceu a transio da poltica social compensatria, iniciada em 1923, por meio da Lei Eloy Chaves que criou as caixas de aposentadorias e penses como medidas remediais, compensando, minimamente, a m distribuio de benefcios regulada pelo mercado e por processos acumulativos, dos quais o Estado era cofinanciador da previdncia, juntamente com os empregados e empregadores. Essa nova estruturao do padro estatal culminou com a criao dos Institutos de Aposentadorias e Penses, que se caracterizavam por uma forte estrutura administrativa. Para Santos (1998), essas instncias foram o germe da burocracia estatal no setor pblico, sobre o que, no campo da sade Mendes (1999, p. 21), destaca:Neste perodo instala-se na Previdncia Social, um seleto grupo de tecnocratas, os denominados cardeais do IAP, portadores de uma teoria do seguro social e que viriam a dar os rumos do projeto de sade hegemnico at o incio dos anos 1980.

Para esses tecnocratas, a cidadania s era conferida aos trabalhadores que ocupavam um lugar no processo produtivo, por meio de uma profisso reconhecida por lei e que contribua com a previdncia (SANTOS, 1998). Retoma-se, aqui, o conceito de cidadania regulada para melhor elucidar a poltica econmica social ps 1930. Para Santos (1998), por cidadania regulada entende-se o conceito de cidadania, cujas razes encontram-se no em um cdigo de valores polticos, mas em um sistema de estratificao ocupacional, e que, ademais, tal sistema de estratificao ocupacional definido por normas legais (1998, p.103). Todos os cidados, cuja ocupao a lei desconhece, so pr-cidados, como por exemplo, os trabalhadores rurais e os urbanos que no tinham ocupaes reconhecidas por lei. Dessa forma, a cidadania regulada, a partir da dcada de 1930 era a definidora do sistema de controle sindical e de distribuio dos benefcios previdencirios e de assistncia mdica, de carter compensatrio (SANTOS, 1998). Sempre que os conflitos colocassem em risco a segurana das elites, o Estado intervinha e regulava. Essa11

realidade era, tambm, vivenciada nas lutas por sade, cujo carter corporativo se subordinavam lgica da burocracia estatal e da burocracia sindical. A DEMOCRACIA NA SADE: INCIO DAS MUDANAS A partir de 1945, com o fim do governo Vargas, o Pas experimenta dezenove anos de democracia com a restaurao dos poderes republicanos, disputas poltico-partidrias e eleies livres. O campo da sade, nas dcadas de 1940 e 1950 se beneficiou desse ambiente democrtico, e alguns avanos foram conquistados, principalmente na sade pblica. Destacam-se os debates em torno da aproximao da sade com o tema do desenvolvimento econmico e social e o aumento da presso, por expanso, dos benefcios previdencirios, ocasionados pelo crescimento da massa de trabalhadores urbanos e da sua fora poltica organizada. Marco importante desse perodo foi a criao do Ministrio da Sade, em 1953, que influenciou na reorganizao do Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERU), em 1956, e a realizao de campanhas de combate hansenase e outras endemias. No entanto, prevalecia na poca, a lgica restrita da produo capitalista em que na relao sade-desenvolvimento, a primeira era condio para a segunda. Alm disso, no aspecto estrutural, permanecia a separao entre sade pblica ligada ao Ministrio da Sade, voltada s aes verticalizadas e centralizadas no combate s doenas especficas, e assistncia mdica, realizada pelo sistema previdencirio de cunho corporativo, orientado para o atendimento individual (LIMA, 2006). Em que pese s posies, oficias sustentarem uma abordagem limitada na associao da sade e desenvolvimento, em que no discurso hegemnico prevalecia a concepo campanhista, dirigida verticalmente e imposta de fora; o movimento sanitarista aprofundava os debates sobre as relaes causais e as estratgias institucionais e polticas para o enfrentamento dos problemas de sade e do subdesenvolvimento do pas (LIMA; FONSECA; HOCHMAN, 2005).12

Crescia a opinio de que as campanhas vinculadas promoo de condies bsicas de infraestrutura sanitria deveriam se estruturar de forma horizontal e direcionadas ao conjunto das doenas. Assim, novas propostas de mudanas foram introduzidas no debate nacional sobre sade, pelos sanitaristas desenvolvimentistas, que propugnavam que, ao contrrio do discurso oficial da poca, o desenvolvimento econmico-social levaria melhoria das condies de sade e de vida da populao. Marco desse debate foi a III Conferncia Nacional de Sade, realizada em 1963, que se caracterizou pela disputa de distintos projetos polticos sanitrios acirrada, no final do perodo democrtico, com a radicalizao das lutas por reformas sociais (LIMA; FONSECA; HOCHMAN, 2005). Nesse evento, questes como as responsabilidades dos entes federados, a situao da realidade sanitria brasileira e a necessidade da municipalizao das aes foram debatidas (LABRA, 2005), numa perspectiva de articulao com as reformas sociais de base. Resultou desse movimento a configurao de dois campos ideolgicos distintos na sade pblica: um de carter conservador-modernizador, que defendia a manuteno de privilgios, e outro transformador, que lutava pela ampliao dos direitos sociais, dentre eles, a sade. No entanto, esse movimento de cunho transformador foi interrompido pelo golpe militar de 1964, prevalecendo uma poltica de sade que manteve a separao institucional entre assistncia mdica previdenciria e sade publica, com a ntida priorizao de investimentos e gastos em prol da medicina previdenciria. A DERROTA DA PROPOSTA TRANSFORMADORA Com o Golpe militar de 1964, as condies polticas para a hegemonizao do projeto privatizante e medicalizante ganharam fora. A poltica adotada pelos governos militares, que durou at a metade da dcada de 1970, consistia no favorecimento do

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setor privado, realizado por meio de compras de servios mdicos, de subsdios e apoio aos investimentos no setor (PAIM, 2005). Explicita-se nesse perodo, a consolidao de um bloco dirigente orgnico na sade, de orientao capitalista (MERHY, 1997), configurando-se em uma nova ordenao entre o Estado capitalista e o conjunto das classes sociais. O padro de estruturao do setor de sade pautava-se nas polticas econmicas orientadas pela coalizo internacional que associava o capital monopolista internacional ao grande capital nacional e estatal, ampliando o papel regulador do Estado. A estratgia dominante, de 1960 a 1970, foi a de expanso dos servios mdicos hospitalares, a contratao de produtores de servios mdico-hospitalares privados, visando, assim, o sucateamento dos servios hospitalares prprios, prevalecendo os interesses capitalistas do setor. No aspecto da assistncia, ocorreu a expanso de unidades hospitalares e de leitos com finalidade lucrativa, geralmente com financiamento pblico. A esses hospitais, cabiam os procedimentos mais simples, rpidos, baratos e mais lucrativos; aos pblicos restavam os atendimentos mais complexos e mais onerosos (PAIM, 2005). Essa poltica gerou, tambm, a concentrao da assistncia hospitalar em grandes centros, com notria desigualdade na distribuio de servios e leitos, ocasionando os vazios assistenciais, realidade essa observada at os dias atuais (MENDES, 1999). No aspecto poltico e administrativo, e como consequncia da represso e da desmobilizao das organizaes civis, o governo militar criou a tecno-burocracia estatal como um suporte constitudo pela sociedade civil, tutelado pelo Estado e orientado para a elaborao de novos paradigmas sociais para o regime que se afirmava. Paralelo a isso, a centralizao da previdncia social, com o fim dos IAP e a estruturao do Instituto Nacional de Previdncia Social, INPS, em 1966, teve como objetivo aumentar do poder regulatrio do Estado sobre os cidados e reforar medidas no sentido de excluir a classe trabalhadora, organizada como fora poltica (LIMA,14

2006), antes permitida na vigncia das CAPS e IAP (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1985, MENDES, 1993). Com essa nova orientao poltica, configurada em uma situao de estabilidade autoritria no Pas, cria-se e consolida-se o complexo previdencirio mdicoindustrial moldando a poltica de sade aos interesses empresariais e da tecnoburocracia, alijando de vez os trabalhadores do processo decisrio. Na dcada de 1970, outra medida tomada no sentido de fortalecer a concepo estatista-privatista: a criao do Sistema Nacional de Previdncia e Assistncia Social, SINPAS, do qual fazia parte o Instituto Nacional de Assistncia Mdica da Previdncia Social, INAMPS, e que manteve no setor da sade, a estratgia de compra de servios do setor privado (CARVALHO; GOULART, 1998). O resultado desse modelo excludente foi a capitalizao crescente do setor privado, ancorada em fatores ideolgicos como o biologismo, que preconizava a predominncia biolgica das doenas; o individualismo, que considerava o indivduo, como o objeto da prtica da sade em detrimento dos aspectos sociais; e o especialismo, que aprofundava o conhecimento especfico em prejuzo ao conhecimento da totalidade do sujeito (MENDES, 1999) No entanto, a precariedade do sistema de sade e de toda a rea social do Pas dava sinais de esgotamento, no final da dcada de 1970, comprometendo a legitimidade do sistema. Os indicadores de sade pioravam significativamente, aliado insuficincia e ineficcia dos servios de sade em busca de solucionar os problemas de sade coletiva, como as endemias e as epidemias (RONCALLI, 2003; LIMA, 2006). Assim, como consequncia dessa grave situao, os movimentos sociais intensificaram, e cresceram as presses para a mudana do padro discriminatrio das polticas sociais no Brasil. Surgem reaes por parte do governo no sentido de minimizar os efeitos da poltica excludente, at ento praticada. No governo Geisel, entre 1974 e 1979, ocorre

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uma expanso na cobertura dos servios previdencirios e de sade (LUZ, 1991; MENDES, 1993). Ampliam-se igualmente, o movimento dos profissionais de sade, de intelectuais da sade coletiva, da populao e de parlamentares na luta por mudanas no modelo da sade. Surgem assim, no bojo dessa intensa luta poltica, correntes de pensamento que defendiam projetos distintos. Merhy (1997) identifica trs correntes crticas que disputavam modelos e propostas tecnolgicas e assistenciais diversificadas. O primeiro projeto ou frente, de cunho conservador defendia a privatizao total da assistncia mdica e responsabilizava o Estado pelas aes de sade pblica. Nesse projeto, a organizao dos servios era realizada pela lgica do mercado, tendo como eixo tecnolgico, a assistncia mdica. O segundo projeto, classificado por Merhy (1997) como reformador, formulava que o sistema de sade era irracional em termos de gastos e benefcios e defendia um conjunto de reformas no sentido de torn-lo mais adequado s necessidades da populao. Pautava-se em conceitos de planejamento de sade, com propostas descentralizantes, buscando uma viso sistmica do modelo, e considerava a necessidade da organizao dos servios de forma unificada, independente da sua natureza jurdica (publica ou privada). A terceira frente, destacada por Merhy (1997), propunha uma perspectiva transformadora, tendo como premissas, a democratizao do poder poltico e a socializao dos benefcios. Este movimento ganhou fora no final dos anos de 1970 e apontava necessidade de mudanas estruturais na relao Estado-sociedade, tendo como centro, a efetivao do controle da sociedade sobre as aes do Estado. Esse movimento estruturou as bases para o movimento da reforma sanitria brasileira, cujo marco se deu em 1979, durante o Simpsio Nacional de Poltica de Sade,16

coordenado pela comisso de sade da Cmara dos Deputados. Nesse evento, foi apresentado pelo Centro de Estudos Brasileiros em Sade (CEBES), um documento intitulado A Questo Democrtica na rea da Sade, tido como norteador dos movimentos pela sade durante os anos de 1970 e 1980. Esse documento caracteriza as polticas de sade vigentes como poltica que substitui a voz da populao pela sabedoria dos tecnocratas e pelas presses dos diversos setores empresariais; poltica de sade que acompanha em seu traado as linhas gerais do posicionamento socioeconmico do governo-privatizante, empresarial e concentradora de renda, marginalizando cerca de 70% da populao dos benefcios materiais e culturais, do crescimento econmico [...]. Poltica de sade, enfim, que esquece as necessidades reais da populao e se norteia exclusivamente pelos interesses da minoria constituda e confirmada pelos donos das empresas mdicas e gestores da indstria da sade em geral (CEBES, 1997, p.47). Assim, a Reforma Sanitria provm dessa rdua luta em defesa da democracia, dos direitos sociais e de um novo sistema de sade para o Brasil. Sua consolidao se deu na VIII Conferncia Nacional de Sade, realizada em 1986, e sua institucionalizao em 1988, quando as propostas de organizao de Sistema nico de Sade (SUS) foram acolhidas pelos deputados constituintes e inseridas na Constituio Federal. Vinte e dois anos depois da implementao do SUS, vale retomar alguns pontos sobre o direito sade no relatrio final da VIII Conferncia, haja vista a atualidade das suas proposies: A sade , antes de tudo, o resultado das formas de organizao social da produo, as quais podem gerar grandes desigualdades nos nveis de vida. A sade define-se no contexto histrico de determinada sociedade e num dado momento do seu desenvolvimento, devendo ser conquistada pela populao em suas lutas cotidianas. O Estado deve assumir explicitamente uma poltica de sade consequente e integrada s demais polticas sociais e econmicas, assegurando os meios que17

permitam efetiv-las. Entre outras condies, isso ser garantido mediante o controle do processo de formulao, gesto e avaliao das polticas sociais e econmicas pela populao. Desse conceito amplo de sade e desta noo de direito como conquista social emerge a ideia de que o pleno exerccio do direito sade implica garantir participao da populao na organizao, gesto e controle dos servios e aes de sade; direito liberdade, livre organizao e expresso; acesso universal e igualitrio aos servios setoriais em todos os nveis.

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Captulo 221

Democracia Participativa e Controle Social: A Experincia dos Conselhos de Sade no BrasilMrcio Florentino, Srgio Schierholt, Helena Shimizu, Antonio Jos Costa Cardoso & Luciana Mello de Moura

INTRODUO A proposta deste captulo apresentar um Marco Terico de referncia e realizar discusso acerca da Democracia Participativa e do Controle Social no mbito da Sade no Brasil. Durante vinte e um anos de construo (1990-2011), o Sistema nico de Sade (SUS) esteve, desde o incio, alicerado em trs pontos: a universalizao da assistncia, o controle social e a normatizao tcnica das alocaes financeiras. Desses, apenas os dois primeiros pontos podem ser considerados como avanos percebidos com maior consistncia. A universalizao da assistncia perceptvel por meio do acesso de clientelas cada vez maiores da populao aos servios de sade, da ampliao das redes de sade, implantao de Unidades de Sade da Famlia etc. A questo do controle social no mbito do SUS, comumente referida formao e atuao dos Conselhos e Conferncias de Sade, tem se mostrado, por outro lado, a principal inovao poltica do Sistema, na perspectiva da pactuao poltica entre grupos de interesses. preciso sublinhar que disposies do Ministrio da Sade (MS) e do Conselho Nacional de Sade (CNS) impulsionaram a criao de tais instncias, na medida em que condicionaram a transferncia de recursos financeiros a estados e municpios existncia de Conselho de Sade no ente correspondente. Tais incentivos normativos, junto com a politizao da questo sade mediante a realizao peridica de conferncias de sade em todo o pas, tm permitido colocar a22

implementao do SUS em permanente questionamento e sob vigilncia, formando-se uma massa crtica de apoio que tem assegurado, em boa parte, o aperfeioamento do sistema e a crescente participao cidad, assentando as bases, embora ainda muito frgeis, para o almejado controle social dos usurios sobre as decises e os atos das autoridades setoriais. Como resultado concreto, atualmente h no pas milhares de pessoas de muitos segmentos sociais envolvidas nos Conselhos de Sade. O porte de cada Conselho varia segundo o tamanho da populao local, mas a regulamentao prev, para todos eles, a mesma composio paritria: metade dos assentos corresponde a representantes da autoridade setorial, dos profissionais, dos prestadores pblicos e privados e dos trabalhadores da sade; a outra metade deve compreender representantes dos usurios dos servios do SUS (BRASIL, 1990). Quanto seqncia do texto, apresentaremos, primeiro, um Marco Terico de referncia para essa anlise do Controle Social no Brasil. Ancoraremos nossa anlise na Filosofia da Libertao proposta por Dussel (2007) e nas teses desenvolvidas por Boaventura Santos (2008) sobre a Reinveno da Emancipao Social. Tambm so apresentados alguns apontamentos de Pateman na sua obra Participao e Teoria Democrtica (1992), na qual a autora busca o lugar da participao na democracia moderna. Alm disso, foram construdas algumas atividades de ensino-aprendizagem, todas relacionadas no captulo final desse livro. MARCO TERICO Embora no haja a pretenso de fazer aqui uma reviso terica do conceito de Democracia no mbito da Cincia Poltica, faz-se necessria uma apresentao dos modelos de democracia, visto que esta definio tem conseqncias sobre o funcionamento dos rgos de controle social no mbito do Sistema nico de Sade (SUS). Para tanto, utiliza-se a linha de anlise desenvolvida por Boaventura Santos

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(2005; 2006), que traz baila a centralidade da relao entre Estado e sociedade civil para a constituio de algumas teorias da emancipao. Os Modelos de democracia Durante muito tempo triunfou uma concepo de democracia restritiva participao popular, de baixa intensidade, cujo fio condutor correspondia maximizao da contradio entre mobilizao e institucionalizao, valorizao positiva da apatia poltica (o cidado comum no teria capacidade ou interesse exceto para escolher os lideres que tomam a deciso), pluralismo como forma de disputa partidria entre elites e apenas alguma soluo para resolver o problema da participao (SANTOS; AVRITZER, 2005). Pode-se dizer que o limite expanso global dessa democracia de baixa intensidade coincidiu com graves crises democrticas nos Pases Centrais, vitimados por uma dupla patologia: no mbito da participao, por um aumento considervel do abstencionismo nos processos eleitorais; e no mbito da representao, com cidados se sentindo cada vez menos representados pelos eleitos (SANTOS; AVRITZER, 2005). Dessa maneira, o sculo XX ficou caracterizado por dois debates centrais no tocante democracia, esta, em ltima instncia, considerada como forma mediadora entre Estado e sociedade. Por um lado, temos um pensamento que traduz a soluo europia: o abandono do papel da mobilizao social e da ao coletiva na construo democrtica; e em uma segunda forma, uma valorizao do papel dos mecanismos de representao, mas sem a necessidade de combinar mecanismos societrios de participao. Em ambos os casos, surge o que conhecido como forma hegemnica de democracia: representativa elitista, tal qual se props ao resto do mundo, totalmente desvinculada de outras experincias que ocorreram em sistemas polticos no-alinhados (SANTOS;AVRITZER, 2005; PATEMAN, 1992). Apesar da consolidao de um certo elitismo democrtico a partir da metade do sculo XX, um novo movimento surge para questionar o formalismo com que a democracia era24

apresentada at ento para a sociedade, reconhecendo na pluralidade humana uma nova proposta de ao democrtica (SANTOS, 2005). Essa nova institucionalidade democrtica articulada no interstcio da criao de uma nova gramtica social e cultural e o entendimento da necessidade de uma inovao social. A democracia sob esse novo prisma implicaria rupturas com tradies estabelecidas e a tentativa de instituio de novas determinaes, novas normas e novas leis. Essa a indeterminao produzida pela nova gramtica democrtica, to bem trabalhada por Santos (2005). Para ser plural, a democracia tem que contar com o consentimento de todos esses novos atores. Muitas vozes pautaram nova demanda pela ampliao do espao poltico, por meio da transformao das prticas dominantes, da cidadania e da re-significo das prticas democrticas (CANTOR, 2005). Na Amrica Latina, tambm, os movimentos sociais fizeram ouvir suas vozes na cano da redemocratizao. Cantavam denunciando relaes de gnero, de raa, de etnia e o privatismo na apropriao dos recursos pblicos, colocando na ordem do dia o problema da necessidade de uma nova relao entre Estado e sociedade. Boaventura afirma que esse desejo implicou a introduo do experimentalismo na prpria esfera do Estado, transformando o Estado em novssimo movimento social (Santos, 2005). Autores mais pessimistas, como Briceo-Leon, negam essa transformao do Estado no continente e apontam que, dependendo do contexto social, poltico e econmico, a apropriao da participao para legitimao do Estado continua prtica comum (BRICEO-LEON, 1998). Outro ponto da concepo formal de democracia contestado na Amrica Latina foi a necessidade de uma racionalidade tcnico-burocrtica para dar conta da complexa estrutura do estado e sua formao histrica. Uma nova relao entre Estado e sociedade, com aumento da participao social, tambm levou a uma redefinio sobre a adequao da soluo no participativa e burocrtica a nvel local, recolocando a escala do interior do debate democrtico (SANTOS, 2006). A maior parte das25

experincias participativas nos pases recm-democratizados do Sul tem o seu xito relacionado capacidade dos atores sociais de transferirem prticas e informaes do nvel social para o nvel administrativo. O desmoronamento final do trip da tradio hegemnica d-se em torno da questo da representatividade e da diversidade cultural e social. Os grupos mais vulnerveis socialmente, os setores sociais menos favorecidos e as etnias minoritrias no conseguem que os seus interesses sejam representados no sistema poltico com a mesma facilidade dos setores majoritrios ou economicamente mais prsperos. Novas formas de representao foram propostas, ento, na Amrica Latina: novas formas de articulao entre Estado e sociedade civil, entre democracia representativa e participativa. Podemos resumir que nas sociedades capitalistas, sobretudo nos pases centrais, consolidou-se uma concepo hegemnica de relao entre Estado e sociedade, a concepo de democracia liberal com a qual procuravam estabilizar a tenso controlada entre democracia e capitalismo. Essa estabilizao ocorreu por duas vias: pela prioridade conferida acumulao de capital em relao redistribuio social e pela limitao da participao cidad, tanto individual, quanto coletiva, com o objetivo de no sobrecarregar demais o regime democrtico com demandas sociais que pudessem colocar em perigo a prioridade da acumulao sobre a redistribuio. Essa concepo de sobrecarga de demandas histricas de grupos excludos de participao foi posta prova e fracassou no s no Brasil, como em boa parte da Amrica Latina (SANTOS, 2005). Democracia e Sade no Brasil: pensando o (antes) impensvel. Nos ltimos trinta anos, a participao da sociedade tem sido preconizada como condio para o desenvolvimento e a consolidao dos sistemas de sade. Os cuidados primrios em sade foram considerados como a grande estratgia para a transformao de um modelo de ateno centrado na concepo biomdica: onerosa e ineficiente ao Estado e ineficaz para a populao.

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A Conferncia de Alma-Ata, grande impulsora para a reviso dos sistemas de sade no mundo, dizia que: os cuidados primrios em sade requerem e promovem a mxima autoconfiana e participao comunitria e individual no planejamento, organizao, operao e controle dos cuidados primrios de sade, fazendo o mais pleno uso possvel de recursos disponveis, locais, nacionais e outros, e, para esse fim desenvolvem, atravs da educao apropriada, a capacidade de participao das comunidades (ALMA-ATA, 1978). A noo de participao, tal como fora inicialmente concebida pelos defensores dos cuidados primrios em sade, era muita vaga, e seu significado variava conforme as peculiaridades da organizao social e poltica de cada pas, ou do posicionamento poltico-ideolgico do ator poltico que abraava a idia (CORTES, 2002). Um dos maiores desafios para a efetivao dessa participao seria a fraqueza ou a ausncia de uma sociedade civil organizada capaz de contrabalanar o poder poltico das elites econmicas em aliana com a burocracia. Em pases perifricos, como no caso do Brasil, os interesses no dominantes, tais como sindicatos, trabalhadores rurais, moradores urbanos pobres, seriam sistematicamente excludos dos canais decisrios. Suas demandas seriam filtradas por relaes estabelecidas por funcionrios pblicos com lderes obsequiosos e clientes individuais. Contrariando essa anlise, o cenrio da dcada de 1980 no Brasil foi marcado pela efervescncia dos movimentos sociais, caracterizado pela luta de vrios setores organizados da sociedade. O movimento sindical demandava ativamente aumentos salariais e liberdade de organizao. Pela primeira vez, desde o comeo dos anos sessenta, sindicatos de trabalhadores rurais e um movimento dos sem-terras, ainda embrionrio, exigiam reforma agrria e a extenso de benefcios previdencirios a trabalhadores rurais. Nas reas urbanas, associaes de moradores promoviam campanhas demandando melhores servios ou mesmo, por vezes, ocupando conjuntos residenciais vazios e prdios pblicos. Novas organizaes sociais eram criadas, tais como associaes ecolgicas e grupos feministas. Esses movimentos e organizaes tinham como bandeira a luta por uma sociedade democrtica.27

Como visto no captulo anterior, o pice legal e institucional dessa liberalizao poltica se deu com a promulgao da Constituio de 1988, que criou mecanismos de envolvimento da sociedade civil na administrao pblica, como o referendum, o plebiscito e a iniciativa popular, e estabeleceu espaos institucionais para a participao, marcadamente no setor sade. A Carta de 1988 abriu perspectivas para apoiar aes no domnio social ou aes na esfera pblica que possam remeter questo social, tanto por dar tratamento privilegiado aos direitos sociais que ela inscreve, quanto por oferecer instrumentos que possibilitam ao cidado concretizar as exigncias de um Estado de Justia Social, fundado na dignidade da pessoa humana, mediante um estado democrtico (DALLARI et al, 1996). O avano no processo de construo do SUS em muito se deve a essa participao da comunidade. A materializao desse fenmeno se deu a partir da promulgao da Lei 8.142 (BRASIL, 1990), que institucionalizou o Controle Social, por meio da criao dos Conselhos e Conferncias de Sade nos trs nveis de governo (federal, estadual e municipal), compostos por representantes do governo, prestadores de servios, profissionais de sade e usurios. No caso dos Conselhos de Sade, sua atribuio legal a de atuar e deliberar na formulao de estratgias e no controle da execuo da poltica de sade, inclusive nos aspectos logsticos, econmicos e financeiros. A partir de comeos dos anos 1990, e com maior vigor na segunda metade da dcada, consolidaram-se em todas as unidades da Federao: Conselho Nacional de Sade, Conselhos Estaduais de Sade em cada um dos 27 estados e Conselhos Municipais de Sade em praticamente todos os 5.565 municpios do pas, alm de Conselhos regionais, distritais e locais. O que entendemos por Controle Social A noo de controle social controversa, com uso heterogneo no pensamento social, com opes tericas e metodolgicas de distintos significados. No mbito da sociologia, a expresso controle social tradicionalmente caracterizada como voltada para o estudo28

do conjunto dos recursos materiais e simblicos de que uma sociedade dispe para assegurar a conformidade do comportamento de seus membros a um conjunto de regras e princpios prescritos e sancionados (ALVAREZ, 2004). So concepes com razes nas formulaes clssicas sobre o problema da ordem e da integrao social de mile Durkheim. So dimenses que buscam as noes de poder e de autoridade ligadas manuteno da ordem social, em estabelecer um grau necessrio de organizao e regulao da sociedade de acordo com determinados princpios morais, mas sem o emprego excessivo de coero (COHEN; SCULL, 1985). O poder como forma de dominao est presente nos estudos de Max Weber, com foco na obedincia de ordens e normas nos diversos grupos. Nesta perspectiva, o poder e a dominao estariam numa relao de complementaridade, perpassando as relaes humanas em geral e no se limitando esfera poltica. Weber procurava esclarecer os motivos pelos quais os indivduos obedecem, j que toda relao de dominao se legitima na anuncia do grupo. Procurava compreender como a dominao se justifica e como se sustenta externamente. Ainda, segundo Weber, h trs tipos puros de dominao legtima, ou seja, justificvel: tradicional, que est baseada na devoo aos hbitos costumeiros, em que se segue tradio; carismtica, em que se segue o lder carismaticamente qualificado como tal e a racional/legal, onde a crena est na validade dos estatutos (ANDRADE, 2009). Para Weber o exemplo mais autntico de dominao legal o exercido pelo quadro burocrtico administrativo. o exerccio do poder no interior das organizaes formais, onde os indivduos se sujeitam ordem objetiva e impessoal, legalmente constituda pela legalidade formal de suas disposies e na vigncia destas. Assim, a burocracia ganha o estatuto de forma de dominao moderna e racionalizada, exercida no quadro administrativo e tida como elo entre dominadores e dominados. Neste sentido qualquer forma associativa assume um carter de dominao em virtude de um quadro administrativo presente e da forma como exercem o poder.

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Para Cohen (1989), a idia de controle social como dominao acabou por incuti-lo como uma fora nefasta, organizada pelo Estado e voltada para manuteno da ordem social na modernidade. Michel Foucault foi o autor que aprofundou de forma mais complexa (e menos funcionalista e instrumentalista) a noo de poder como prtica de dominao. Foucault abriu espao para interpretaes multidimensionais acerca das transformaes da punio na sociedade moderna (ALVAREZ, 2004). Segundo Santos (2002: 246): Os notveis mritos da anlise foucaultiana do poder apresenta duas vertentes, onde em primeiro lugar o autor desloca o poder do seu nicho liberal: o Estado. O que Foucault designa como poder disciplinar da cincia moderna, distinguindo-se do poder jurdico do Estado moderno. Em segundo lugar, o poder disciplinar de Foucault no um poder de soma zero, no e exercido do topo para a base nem do centro para a periferia, no baseia na negao, proibio ou na coero. uma forma de poder sem centro, exercida horizontalmente atravs dos seus prprios sujeitos ( a comear pelo prprio corpo). Esta ter sido uma viso que realmente exerceu forte influncia no pensamento social contemporneo desde os anos sessenta do sculo passado e que vai culminar num conjunto de estudos e pesquisas sobre as prticas e instituies sociais que, sob a modernidade, configuraram espaos de excluso e normalizao da vida social, de comportamentos e de subjetividades. O poder disciplinar ser um poder voltado para o adestramento dos indivduos: E, para isso, esse poder utilizar alguns mecanismos simples: o olhar hierrquico, a sano normalizadora e o exame... O individuo adestrado deve se sentir permanentemente vigiado (ALVAREZ, 2004:4). So formas de controle social da modernidade que Foucault chama de Tecnologias do Poder e que se aplicam desde instituies especializadas como penitencirias, escolas, hospitais at instituies de socializao como a famlia. A ampliao das noes e dimenses de poder disciplinar fora do Estado, no pensamento de Foucault, importante, mas, uma questo no debate sobre a transformao social persiste com a disperso e o acentrismo do poder, que esta viso pode conter. Se o poder est em todo lado, no est em lugar nenhum. Se no houver um princpio de estruturao e hierarquizao, no h um enquadramento estratgico30

para a emancipao (SANTOS, 2002:246). Tendo como referncia esta posio no debate sobre as formas de produo do poder, Boaventura de Sousa Santos prope uma topografia alargada da estrutura-ao do poder nas sociedades capitalistas. Sugere uma pluralidade dos modos de produo do poder, do direito e do senso comum, em uma pluralidade de formas de direito, poder e conhecimentos. Esta pluralidade vista de forma relacional (dialogada, hermenutica) e estruturada, onde a centralidade do direito estatal, do poder estatal e do conhecimento cientfico se articulam em novas e vastas constelaes de ordens jurdicas, poderes e conhecimentos. Segundo Santos (2002:247): ... longe de colidir com a idia da centralidade do direito estatal, do poder estatal e do conhecimento cientfico nas sociedades contemporneas, confirma-a e, ao mesmo tempo, relativiza-a, ao integrar essas formas hegemnicas em novas e mais vastas constelaes de ordens jurdicas, de poderes e de conhecimentos. Segundo Dussel (1995:18), devemos comear a criar uma nova teoria, uma interpretao do poder coerente com a profunda transformao que nossos povos esto vivendo: Porque a experincia inicial da Filosofia da Libertao consiste em descobrir o fato opressivo da dominao, em que sujeitos se constituem senhores de outros sujeitos, no plano mundial /.../ Centro-Periferia; no plano nacional (elites-massas, burguesia nacional classe operria e povo); no plano ertico (homem-mulher); no plano pedaggico (cultura imperial, elitista, versus cultura perifrica, popular etc.). Tendo como referncia as idias desenvolvidas por Santos (2002) e Dussel (2005, 2007), propomos avanar na discusso do controle social como uma dimenso estratgica de poder que tem como base o pensamento de libertao contra as formas de dominao. Um conceito de controle social que no destitui ou domina os sujeitos e sua vontade de viver, mas a transforma em um poder, uma prxis (conhecimento e ao), para criticar e superar as limitaes que lhes so impostas seja do mundo fsico, seja da sociedade em que se vive: A vontade de viver a essncia positiva, o contedo como fora, como potncia que pode mover e arrastar, impulsionar. Em seu fundamento a31

vontade nos empurra a evitar a morte, a permanecer na vida humana (DUSSEL, 2007: 26). Libertao como um processo onde a poltica e o poder so definidos positivamente, como potentia, uma dimenso central da vontade de viver, que conforma os seres humanos em suas diversas maneiras de construir, produzir e reproduzir a vida material, social e cultural. A potncia das vontades est na unio de foras e de objetivos comuns presentes na comunidade poltica, uma vontade de viver comum. Como uma corporalidade vivente, sugerido por DUSSEL (2007:25), que no enfrentamento de seus limites e vulnerabilidades, portanto na sua negatividade, nas suas necessidades, vai agregando e forjando instrumentos, conhecimentos, servios, instituies, sistemas que possam ampliar a prpria vida e a vontade de viver. Segundo Arendt (2007: 186), a vontade uma faculdade humana que se insere na dicotomia entre o desejo e a razo ou entre as paixes e a razo. Diz a autora: A vontade o rbitro entre a razo e o desejo e, como tal, s a vontade livre. Alm disso, enquanto a razo revela o que comum a todos os homens, e o desejo, o que comum a todos os organismos vivos, s vontade me inteiramente prpria. Nesta perspectiva, a noo de controle social se amplia como um campo poltico (BOURDIEU, 1989), atravessado por foras, por sujeitos singulares com vontade e certo poder, um espao onde operam diversos nveis de aes e instituies polticas, nas quais o sujeito participa como ator em funes e onde se encontram diversos sistemas e subsistemas estruturados, com determinaes polticas, simblicas, cientficas e que se constitui numa relao de produo de novas formas de poder, saber e direitos. O controle social, como um campo poltico cidado, pode ser ampliado pela participao democrtica de alta intensidade, critica e transformadora. No h campos nem sistemas sem sujeitos (DUSSEL, 2007). O campo longe de ser uma estrutura passiva se constitui em espao poltico de: trocas, cooperaes, conflitos e de interaes complexas, dinmicas, bifurcadas e muitas vezes contraditrias entre os diversos grupos32

de interesse, de hierarquizao e de manobras em que os sujeitos expressam suas relaes de poder estruturadas em consensos, alianas ou inimizades. O controle social numa concepo positiva do poder (assumido como um desafio terico crtico), tomando como referncia o pensamento de liberdade, como uma dimenso central da vida e da humanidade, pode, quem sabe, nos auxiliar a compreender os projetos polticos em curso no hemisfrio Sul, de reconstruo democrtica do Estado com participao social e poltica des povos tradicionalmente dominados e excludos do poder. A Participao Democrtica nos Conselhos de Sade No Brasil, esses espaos institucionalizados de participao social no SUS constituemse em importantes canais para fomentar a efetiva participao da sociedade civil na construo de formas inovadoras de gesto pblica, incorporando foras vivas de uma comunidade gesto de seus problemas e suas necessidades (GERSHMAN, 2004; GOHN, 2004). Reitera-se que o controle social pela populao fundamental para a reorientao do modelo de ateno com enfoque nas necessidades de sade das pessoas. Portanto, importante compreender e analisar o espao do controle social, ainda que institucionalizado, como espao poltico que pe em cena interesses, imaginrios, representaes e prticas. uma situao de partida para a participao cidad e o controle pblico e no de chegada. o exerccio de criao de uma nova cultura poltica de representao democrtica e de governana (gesto e planejamento) sobre as coisas do Estado (polticas pblicas). Os Conselhos de Sade foram constitudos para formular, fiscalizar e deliberar sobre as polticas de sade (BRASIL,2006a). Dessa forma, so considerados espaos deliberativos integrantes da estrutura poltico-institucional do Sistema nico de Sade do Brasil (LABRA, 2005).

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A competncia dos conselhos foi detalhada e ampliada por resolues do Conselho Nacional de Sade (Resolues n. 33, de 1992, e n. 333, 2003), que procuram principalmente estimular o efetivo funcionamento dos conselhos e garantir a representao dos usurios (BRASIL, 1992, BRASIL, 2006b). A resoluo n. 33 recomenda que o presidente do conselho seja eleito pelos conselheiros e que os usurios sejam indicados por suas prprias entidades. Sugere ainda reunies com a periodicidade de pelo menos uma vez por ms e a homologao das decises pelo chefe do Poder Executivo loca (BRASIL, 1992) A resoluo n. 333 procura fortalecer a representatividade dos conselhos, apresentando uma lista mais ampla de entidades que podero representar usurios. Determina que os governos devero garantir a autonomia dos conselhos, inclusive de dotao oramentria prpria, e recomenda a articulao com outras entidades, tais como o Ministrio Pblico e outros conselhos gestores de polticas pblicas (BRASIL, 2006). As atribuies legais e polticas pelos Conselhos de Sade vm sendo legitimadas nas reunies dos Conselhos de Sade, nos encontros e plenrias regionais, estaduais e nacionais de conselhos e conselheiros. Passa tambm por permanentes negociaes entre os interesses especficos de cada segmento representado no Conselho de Sade e por maior clareza nas relaes entre o controle social e o gestor do Sistema nico de Sade (SUS), em cada esfera de atuao municipal, estadual e nacional e outras instncias da poltica de sade. O Conselho Nacional de Secretrios Estaduais de Sade (CONASS) e o Conselho Nacional de Secretrios Municipais de Sade (CONASEMS) tm representao no Conselho Nacional de Sade (CNS), e a representao dos usurios nos conselhos paritria em relao ao conjunto dos demais segmentos. O nmero de conselheiros indicado pelos Plenrios dos Conselhos de Sade e das Conferncias de Sade, devendo ser definido em Lei. As vagas so distribudas da seguinte forma: 50% de entidades de usurios; 25% de entidades dos trabalhadores de sade; 25% de representao de governo, de prestadores de servios privados conveniados, ou sem fins lucrativos.34

Os representantes no Conselho de Sade so indicados, por escrito, pelos seus respectivos segmentos entidades, de acordo com a sua organizao ou de seus fruns prprios independentes. O mandato dos conselheiros ser definido no Regimento Interno do Conselho, no devendo coincidir com o mandato do Governo Estadual, Municipal, do Distrito Federal ou do Governo Federal, sugerindo-se a durao de dois anos, podendo os conselheiros serem reconduzidos, a critrio das respectivas representaes. As entidades representadas nos Conselho de Sades so de natureza diversa, destacando-se as associaes de portadores de patologias e deficincias e as associaes de moradores de bairros e de favelas. Em muitos Conselhos de Sade se fazem representar os sindicatos de trabalhadores urbanos ou rurais, agregaes, como as das mulheres, e os "clubes de servio", como o Rotary Clube. Por outro lado, apesar de sua importncia central, a medicina empresarial privada, da qual o SUS compra servios, tem discreta presena nos Conselhos de Sade (CONASS, 2003). O tema da representao nos conselhos de sade ainda gera muitas controvrsias e a busca por mecanismos que permitam alcanar uma paridade igualitria entre os segmentos, bem como garantir a idoneidade dos representantes. Como a denominao "usurio" vaga, as no raras "falsificaes" na representao tm efeitos negativos, tanto em termos da democracia interna quanto em relao legitimidade do Conselho de Sade. A literatura consultada sobre os Conselhos de Sade (LABRA; FIGUEIREDO, 2002) apontou que existem muitos problemas de funcionamento, atribudos, em boa medida, falta de tradio de participao e de cultura cvica no pas. Dificuldades derivam tambm de questes regulamentares que afetam o resultado das resolues adotadas. Por exemplo, de acordo com as normas constitucionais, cabe ao Secretrio de Sade, como representante setorial do Poder Executivo nos estados e municpios, a iniciativa de formular e decidir em seu campo de ao. Assim mesmo, de acordo com a prtica vigente, tambm coube a essa autoridade presidir o Conselho de Sade.35

Tem sido difcil, portanto, evitar que esse gestor imponha suas propostas, manipule as reunies ou desacate as decises deliberadas no colegiado dos Conselhos (RIBEIRO, 1997). A isso se soma a complexidade dos assuntos discutidos, em particular os financeiros, sobre os quais as pessoas leigas no tm conhecimento, o que tem justificado diversas iniciativas de capacitao de conselheiros: uma espcie de "profissionalizao" dos representantes dos usurios, possibilitada, ademais, pela sucessiva eleio ou indicao dos mesmos indivduos, o que tem permitido que adquiram alguma familiaridade com as matrias relativas a polticas, programas, aes e servios de sade. Em relao Resoluo n. 333 de 4 de Novembro de 2003, compete aos conselhos de sade (BRASIL, 2006 b): Implementar a mobilizao e articulao contnua da sociedade, na defesa dos princpios constitucionais que fundamentam o SUS, para o controle social; Discutir, elaborar e aprovar proposta de operacionalizao das diretrizes aprovadas pelas Conferncias de Sade; Atuar na formulao e no controle da execuo da poltica de sade, incluindo seus aspectos econmicos e financeiros e propor estratgias para a sua aplicao aos setores pblico e privado; Definir diretrizes para elaborao dos planos de sade e sobre eles deliberar, conforme as diversas situaes epidemiolgicas e a capacidade organizacional dos servios; Estabelecer estratgias e procedimentos de acompanhamento da gesto dos SUS, articulando-se com os demais colegiados como os de seguridade, meio ambiente, justia, educao, trabalho, agricultura, idosos, criana e adolescente e outros; Proceder reviso peridica dos planos de sade; Deliberar sobre os programas de sade e aprovar projetos a serem encaminhados ao Poder Legislativo, propor a adoo de critrios definidores de qualidade e resolutividade, atualizando-os em face do processo de incorporao dos avanos cientficos e tecnolgicos, na rea de sade;

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Estabelecer diretrizes e critrios operacionais relativos localizao e ao tipo de unidades prestadoras de servios de sade pblicos e privados, no mbito do SUS, tendo em vista o direito ao acesso universal s aes de promoo, proteo e recuperao da sade em todos os nveis de complexidade dos servios, sob a diretriz da hierarquizao/ regionalizao da oferta e demanda de servios, conforme o princpio da eqidade;

Avaliar, explicitando os critrios utilizados, a organizao e o funcionamento do Sistema nico de Sade do SUS; Avaliar e deliberar sobre contratos e convnios, conforme as diretrizes dos Planos de Sade Nacional, Estaduais, do Distrito Federal e Municipais; Aprovar a proposta oramentria anual da sade, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na Lei de Diretrizes Oramentrias (art. 195, 2 da Constituio Federal), observado o princpio do processo de planejamento e oramentao ascendentes (art. 36 da Lei n 8.080/90);

Propor critrios para programao e execuo financeira e oramentria dos Fundos de Sade e acompanhar a movimentao e destinao dos recursos; Fiscalizar e controlar gastos e deliberar sobre critrios de movimentao de recursos da Sade, incluindo o Fundo de Sade e os transferidos e prprios do Municpio, Estado, Distrito Federal e da Unio;

Analisar, discutir e aprovar o relatrio de gesto, com a prestao de contas e informaes financeiras, repassadas em tempo hbil aos conselheiros, acompanhado do devido assessoramento;

Fiscalizar e acompanhar o desenvolvimento das aes e dos servios de sade e encaminhar os indcios de denncias aos respectivos rgos, conforme legislao vigente;

Examinar propostas e denncias de indcios de irregularidades, responder no seu mbito a consultas sobre assuntos pertinentes s aes e aos servios de sade, bem como apreciar recursos a respeito de deliberaes do Conselho, nas suas respectivas instncias;

Estabelecer critrios para a determinao de periodicidade das Conferncias de Sade, propor sua convocao, estruturar a comisso organizadora, submeter o respectivo regimento e programa ao Pleno do Conselho de Sade correspondente,37

explicitando deveres e papis dos conselheiros nas pr-conferncias e conferncias de sade; Estimular articulao e intercmbio entre os Conselhos de Sade e entidades governamentais e privadas, visando promoo da Sade; Estimular, apoiar e promover estudos e pesquisas sobre assuntos e temas na rea de sade pertinente ao desenvolvimento do Sistema nico de Sade SUS; Estabelecer aes de informao, educao e comunicao em sade e divulgar as funes e competncias do Conselho de Sade, seus trabalhos e decises por todos os meios de comunicao, incluindo informaes sobre as agendas, datas e local das reunies; Apoiar e promover a educao para o controle social. Constaro do contedo programtico os fundamentos tericos da sade, a situao epidemiolgica, a organizao do SUS, a situao real de funcionamento dos servios do SUS, as atividades e competncias do Conselho de Sade, bem como a Legislao do SUS, suas polticas de sade, oramento e financiamento; Aprovar, encaminhar e avaliar a poltica para os Recursos Humanos do SUS; Acompanhar a implementao das deliberaes constantes do relatrio das plenrias dos conselhos de sade. atribuio legal dos conselhos e conselheiros a elaborao e deliberao sobre os planos de sade, constituindo, portanto, o planejamento como estratgia fundamental de participao no controle social cidado. Portanto, cabe ao conselho, o acompanhamento do planejamento e a gesto em sade, que so vistos, tradicionalmente, como tarefas dos tcnicos ou dos profissionais que detm o conhecimento cientfico. Este argumento muitas vezes utilizado para definir as prioridades em sade no municpio sem a participao dos principais interessados, que so os cidados e usurios do sistema e dos servios. Temos a uma forma de planejar que no fortalece a participao e o controle social da sade, como previsto nas leis que regulamentam o SUS (Leis Orgnicas 8.080 e 8.142 de 1990). No SUS o planejamento previsto ascendente, desde o nvel local at o federal, com participao dos rgos deliberativos, compatibilizando as necessidades dos cidados38

com os recursos previstos nos planos de sade dos Municpios, Estados, Distrito Federal e Unio. O repasse de recursos do Fundo Nacional adota como critrios a necessidade de Planos de Sade e Relatrios de Gesto definidos em cada esfera de governo. Define ainda, como necessrio a cada trs meses, que o gestor dever apresentar e divulgar relatrio detalhado, aprovado nos conselhos de sade, contendo entre outras coisas o montante e as fontes de recursos aplicados, auditorias e a oferta e a produo de servios na rede instalada prpria, contratada e conveniada. O planejamento para ser ascendente e participativo, deve ser vivo e dinmico, articulado aos problemas de sade das pessoas e da comunidade que vive num determinado local, que so cotidianos e variados nas suas origens e conseqncias. No pode, nem deve ser apenas um documento que aparea em momentos de aprovao e depois desaparea sem nenhuma avaliao ou apenas uma avaliao formal. A definio dos problemas de sade deve ser constante e participativa, considerando que cada realidade local pode apresentar problemas distintos uns dos outros. Neste sentido o Planejamento deveria comear em cada territrio ou regio de sade para assegurar uma viso mais integral das necessidades da comunidade. A definio das prioridades e dos recursos deve respeitar o princpio da equidade, privilegiando as pessoas e os grupos mais vulnerveis em relao aos problemas identificados e os recursos disponveis. O exerccio do controle social sobre a gesto do sistema de sade foi o objetivo primordial que se teve em mente ao idealizar os Conselhos de Sade. Porm, essa meta a mais difcil de alcanar porque implica profundas mudanas na cultura poltica e cvica do pas. De fato, apesar da plena vigncia das instituies democrticas, ainda apresentam forte clientelismo poltico expressando na concesso de benefcios de direito como se fossem favores pessoais, criando-se relaes de dependncia pessoal assimtricas (FIGUEIREDO, 2001). Esses comportamentos esto enraizados na populao, em especial na massa pobre, que acata com resignao seu destino. Por isso39

mesmo, os Conselhos de Sade, assim como outros colegiados que vm proliferando nas mais diversas reas do governo, adquirem importncia crucial, j que constituem um espao nico para o desenvolvimento de atitudes comprometidas com os direitos de cidadania e com o interesse geral. Ademais, segundo Oliveira (2004), pode-se entender hoje tambm os conselhos de sade no contexto do accountability. Que pode ser explicado como parte constitutiva do espao poltico onde um ou vrios atores sociais podem cobrar publicamente de outros, comportamentos geradores de transparncia e de adequao de seus atos s expectativas de interesse individual, pblico e/ou coletivo. No Brasil ainda uma novidade este princpio poltico/administrativo e as condies desfavorveis em funo ainda do alto nvel de centralizao das polticas, o que dificulta uma relao mais transparente entre o governo, as instituies, o estado e a sociedade. A idia de accountability social est diretamente relacionada de controle entre as instituies administrativas, ampliada pela sociedade civil, que vai alm do eleitorado, no objetivo de regular determinado comportamento do governo. O Accountability corresponde capacidade do estado de preencher a lacuna entre suas aes e as expectativas de eficincia por parte dos cidados que demandam essa responsabilidade dos agentes e organizaes no governamentais. uma ao que deve ser vista no apenas na esfera da cobrana individual, em um jogo de perguntas e respostas nas relaes cotidianas e sim como um processo, em particular no caso do SUS, em que o cidado, ou suas organizaes possam efetivamente conhecer e cobrar as responsabilidades das esferas pblicas (OLIVEIRA, 2004:4). De acordo com Romzeck & Dubnick (1987), o accountability na administrao pblica envolve os meios pelos quais as agncias pblicas e seus servidores atendem s diversas expectativas geradas dentro e fora da organizao. Para Hallyday (1994), o comportamento dos servidores pblicos conseqncia das atitudes das prprias40

clientelas, portanto o accountability est em relao com a organizao e participao cidad consciente dos seus direitos. A proposta do accountability social no se configura como uma sano administrativa. Sua principal forma de exerccio se d por meio dos mecanismos de sano simblica. Ou seja, os atores da sociedade civil articulam se e por meio da opinio pblica se tornam capazes de simbolicamente, sancionar administrativamente o governo (SANTOS, 2010). Assim podemos entender a expresso accountability como um processo que invoca responsabilidades objetivas e subjetivas das instituies e dos responsveis pelo seu funcionamento, atravs da organizao da sociedade e da constituio de espaos pblicos democrticos. Os conselhos de sade estariam altura, em funo do seu papel, de induzir responsabilidades governamentais, aproximando as decises pbicas s expectativas dos cidados (OLIVEIRA, 2004). Ressalte-se que, em 2003, foi criado no Ministrio da Sade a Secretaria de Gesto Participativa (SGP) com o objetivo de estimular e apoiar os conselhos de sade; fortalecer o controle social mediante as Conferncias Nacionais de Sade, da Rede Nacional de Conselhos de Sade e da capacitao de conselheiros; promover a articulao entre nveis de gesto do SUS e a sociedade; coordenar a Ouvidoria Geral do SUS; realizar fruns de usurios do SUS; e cooperar com entidades de defesa de direitos do cidado. REFERNCIAS ALVAREZ, M. C. Controle social: notas em torno de uma noo polmica. So Paulo perspect, So Paulo, v. 18, n. 1, p. 168-176, jan./mar. 2004. ANDRADE, R. F. Relaes de poder na Poltica Nacional de Sade Bucal. Goinia : Ed. UFG, 2009. ARENDT, H. Entre o passado e o futuro. So Paulo : Perspectiva, 2005. BOURDIEU, P. L. Lontologie politique de Martin Heidegger. Paris : Minuit, 1989.41

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Captulo 345

Planejamento Participativo em Sade: Teoria & PrticaAntnio Jos Costa Cardoso, Mrcio Florentino Pereira & Helena Shimizu 1 INTRODUO A demanda dos organizadores deste livro por um texto didtico que possa ser til aos estudantes de graduao dos Curso de Gesto em Sade, diurno, e Gesto em Sade Coletiva, noturno, ofertados pela Faculdade da Ceilndia e Faculdade de Cincias da Sade, respectivamente. Em nossa experincia, podemos dizer que nada mais didtico do que discutir experincias concretas luz de alguma teoria, ou o seu contrrio. Da a proposta de, neste captulo, realizarmos a discusso de trs processos de planejamento participativo realizados pelas reas de Sade Mental e Vigilncia em Sade da Secretaria de Sade do Distrito Federal e pelo Conselho Regional de Sade do Parano, todos referentes mesma realidade sanitria e desenvolvidos no mesmo ano de 2009, luz de uma Teoria que vimos trabalhando ao longo dos ltimos vinte anos. Como se ver adiante, no operamos a partir de uma metodologia, mas com um certo Mtodo, que auxiliar e no o centro do processo do planejamento. O centro do processo de planejamento uma necessidade social, em geral organizacional, a partir da qual se constri uma lgica, uma metodolgica, visando a elaborao e implementao de um Plano de Ao em uma dada realidade problemtica. Sendo este um texto com finalidades didticas, faremos um esforo de explicitao de sua base conceitual, bem como dos fundamentos de algumas das tcnicas utilizadas e que podem, com adaptaes, ser aplicadas em outros contextos scio-organizacionais. Em muitas situaes, os leitores sero convidados a acreditar no relato, supostamente fidedigno, destes planejadores, tambm pensadores e professores.

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A Teoria que tem nos orientado em nossas experincias concretas de planejamento , em grande medida, inspirada nos ensinamentos de Carlos Matus, mas seria incorreto creditar-lhe todos os conceitos que utilizamos. Muitos outros autores contriburam para a construo desse Marco Terico (Mtodo) de referncia, com destaque para Mrio Testa, Luis Carlos Oliveira Ceclio e Francisco Javier Uribe Rivera. Pode-se dizer que, afora alguns princpios definidores daquilo que estaremos denominando de Planejamento Participativo em Sade, tudo o mais subordina-se aos objetivos e contexto de realizao dos planos em questo. Como se poder analisar, as tcnicas que se adquam ao perfil dos atores participantes, ao tempo disponvel para o trabalho e ao conhecimento prvio dos atores sobre a problemtica. O Marco Terico de referncia ser reconstrudo, e apresentado, valendo para o conjunto das experincias relatadas. As Experincias relatadas correspondem construo do Plano Diretor de Vigilncia em Sade do Distrito Federal 2010-14, do Plano Diretor de Sade Mental do Distrito Federal 2010-14 e do Plano de Desenvolvimento Institucional do Conselho Regional de Sade do Parano 2010-11. Embora no se pretenda apresentar uma receita de bolo, mas, ao contrrio, demonstrar a complexidade constitutiva de nosso objeto de trabalho e estudo, o esforo didtico obrigou a uma certa organizao textual que vem reforar uma certa ordem lgica e uma certa seqncia de passos que, compreendida acriticamente, poderia sugerir uma certa metodologia de planejamento participativo aplicvel a qualquer contexto. Quanto seqncia do texto, apresentaremos, primeiro, um breve histrico do Planejamento em Sade no Brasil e na Amrica Latina, depois os conceitos subjacentes Teoria e, por ltimo, o Mtodo de Planejamento propriamente dito exemplificado em sua aplicao: herdeiro do Planejamento Estratgico Situacional (PES) de Matus, mas, igualmente, das crticas que lhe foram feitas por Testa, Ceclio e Rivera. Alm disso, foram construdas, como proposta, algumas atividades de ensinoaprendizagem, todas devidamente relacionadas no captulo final desse livro.47

2 BREVE HISTRICO DO PLANEJAMENTO Ianni (1976 apud PAIM, 2002:27-38) aponta as origens da ideologia e da prtica do planejamento no Brasil entre 1930 e 1945 (Estado Novo), quando se desenvolvia uma poltica econmica nacionalista, embora de forma desigual e fragmentria, segundo as possibilidades apresentadas pelo sistema poltico-administrativo e os interesses predominantes do setor privado da economia. Segundo Paim (2002:29), entretanto, somente no governo Kubitscheck (1956-1960) que, atravs do Programa de Metas, se realiza uma poltica econmica relativamente planificada. Quanto aos setores sociais, s apareceram no mbito do planejamento federal aps 1964, no regime autoritrio que passou a dirigir o Estado brasileiro, em parte, como resposta s preocupaes polticas dos governantes norte-americanos e latinoamericanos, em face da revoluo socialista em Cuba (IANNI, 1976 apud PAIM, 2002:27-38). Portanto, conclui Paim (2002:30), o planejamento social autoritrio que se instala no pas fruto desse regime e desse Estado. No poderia ser diferente. O seu carter autoritrio ou democrtico no parece depender de nenhuma fatalidade histrica nem de uma perverso da ideologia tecnocrtica (PAIM, 2002:36). Segundo Paim (2002:31): Esse estilo de planejamento que vai caracterizar os planos da ditadura. (...) Somente com o esgotamento do milagre e com a crise de legitimidade evidenciada pela derrota do governo nas eleies de 1974 que teve um carter plebiscitrio , foi proposto o II PND [Plano Nacional de Desenvolvimento] acenando para polticas redistributivas. Na medida em que o autoritarismo se debilitava, a questo social voltava tona (PAIM, 2002:33). Tambm no mbito da sade pblica brasileira, ainda que possam ser identificadas iniciativas pioneiras antes de 1974, foi tardia a instituio de polticas planificadas. O carter essencial assumido pelas necessidades de sade, de um lado, e, de outro lado, a acentuada desigualdade na distribuio social de sua satisfao, especialmente nos pases do terceiro mundo, explicam, sinteticamente, a transcendncia desse debate. A assimetria produo-consumo dos bens de sade, que em outro setor qualquer da48

vida social poderia passar por fenmeno de menor relevncia, uma anomia localizada, assume aqui carter dramtico. Devido importncia nuclear dessas prticas de sade na constituio material e simblica das sociedades capitalistas, problemas nesta esfera sempre extrapolam os setores mais imediatamente envolvidos, interessando ao conjunto das foras sociais (AYRES, 2002:25). Mesmo no ps-74, estas polticas pblicas de sade abstraam-se das condies para sua implementao, caracterizando-se pelo seu carter autoritrio e nitidamente vertical, realizando-se atravs de campanhas sanitrias e programas especiais do Ministrio da Sade (MS) e, mais, portarias e ordens de servio do Ministrio da Assistncia e Previdncia Social (PAIM, 2002:408). Registre-se, aqui, o insucesso dessas iniciativas, com destaque para a imploso do PREV-SADE (Programa Nacional de Servios Bsicos de Sade), esta que se constituiu na mais exuberante das iniciativas malogradas de planejamento autoritrio de sade no Brasil (PAIM, 2002:34). Com o advento da democracia, imaginavam-se superadas as dificuldades identificadas no processo de planificao, muitas vezes atribudas a uma suposta crise do planejamento autoritrio. De fato, no contexto histrico da redemocratizao que surgem momentos de produo terico-metodolgica no campo disciplinar da planificao em sade e aparecem oportunidades para sua utilizao. Todavia, passados mais de vinte anos da promulgao da Constituio Federal de 1988, pode-se dizer que a institucionalizao do planejamento nas organizaes de sade permanece como um desafio teoria da planificao e gesto dos sistemas e servios de sade no Brasil (PAIM, 2002). Segundo Teixeira (2003), o Planejamento em sade tem sido objeto de vrios estudos e pesquisas realizadas no mbito da Sade Coletiva no Brasil, podendo-se identificar diversas abordagens a este tema, cada uma das quais enfatiza determinados aspectos do planejamento. A primeira perspectiva constituda exatamente pelo conjunto de estudos que resgatam o desenvolvimento histrico do Planejamento em sade na Amrica Latina e lanam um olhar crtico sobre sua teoria e metodologia, notadamente49

a obra de Mario Testa e Carlos Matus. Esta perspectiva Teixeira (2003) classifica como um esforo de desenvolvimento de uma Epistemologia do planejamento. Representante desta linha inaugurada nos anos 80, no mbito acadmico, Paim (2002:411) refere-se a sete momentos do movimento ideolgico pelo planejamento em sade na Amrica Latina (AL): 1) 1960-1965: correspondeu ao surgimento do movimento ideolgico da planificao na AL e elaborao da tcnica CENDES-OPS, que imaginava o planejamento nacional como um somatrio dos planejamentos locais por reas programticas (com enfoque normativo, a partir da micro-economia); 2) 1966-1970: foi o momento da difuso e autocrtica, quando foram realizados cursos e publicados diversos documentos sobre o tema, mas tambm formuladas as primeiras autocrticas sobre os limites do planejamento; 3) 1971-1974: representou um momento de reviso dos enfoques, conceitos e metodologias, realizada pelos prprios tcnicos da OPS, quando se aprofundaram as crticas, diante dos fracassos identificados nos pases da AL. Props-se, ento, a agilizao do sistema de informaes e a modernizao das estruturas administrativas das instituies (PAIM, 2002:32) ; 4) 1975-1980: momento de reatualizao, marcado que foi pela publicao do documento Formulacin de las polticas de salud pelo CPPS/OPS, que desloca o planejamento da micro-economia para a macro-poltica, permitindo, assim, tematizar o poder e suas configuraes no setor sade; 5) Primeira metade da dcada de 1980: foi o momento da produo terica, atravs da crtica ao planejamento normativo (Matus, C. Poltica y Plan. IVEPLAN 2 Edicion. Caracas, 1982, 186 p.) e da emergncia do planejamento estratgico em sade (Testa, M. Planificacin estratgica em el sector salud. CENDES/UCV, 1981, 48 p