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Tiago: Retratos da Natureza Humana Milton L. Torres Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia RETRATOS DA NATUREZA HUMANA TIAGO

Livro Tiago de Milton L. Torres-libre

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  • Tiago: Retratos da Natureza Humana

    Milton L. Torres

    Seminrio Adventista

    Latino-Americano de Teologia

    RETRATOS DA NATUREZA HUMANA

    TIAGO

  • Tiago: Retratos da Natureza Humana

    Copyright Milton L. TorresProjeto Grfico e Arte da Capa: Patrick Ferreira

    Fotografia (capa): George Bosela (SXC)Reviso de Texto: Elias Brasil de Souza

    Diagramao: Alexandre FanelliFicha Catalogrfica: Cristina Alexandra de Godoy

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    ndices para catlogo sistemtico:

    T6365t Torres, Milton L.

    Tiago: retratos da natureza humana / MiltonL. Torres. Cachoeira: CEPLIB, 2008.

    234 p.

    bibliografiaISBN 978-85-88818-02-6

    1. Tiago Bblia. 2. Epistolografia.3. Epstolas universais Tiago.

    4. Novo Testamento - Tiago. I. Ttulo. II.CEPLIB.

    CDD227.91

    1. Tiago - Bblia.2. Epistolografia.3. Epstolas universais Tiago4. Novo Testamento Tiago

  • Tiago: Retratos da Natureza Humana

    A maior necessidade do mundo a dehomens que se no comprem nem sevendam; homens que no ntimo da almasejam verdadeiros e honestos; homens queno temam chamar o pecado pelo seunome exato; homens cuja conscincia sejato fiel ao dever como a bssola o aoplo; homens que permaneam firmespelo que reto, ainda que caiam os cus.

    Ellen White

  • Tiago: Retratos da Natureza Humana

    Agradecimentos

    Administrao das Faculdades Adventistas da Bahia e doSeminrio Adventista Latino-Americano de Teologia por me terdisponibilizado tempo para escrever este livro.

    Dedicatria

    Para Mnica, Meire, Slvio e Sandra.

  • Tiago: Retratos da Natureza Humana

    Apresentao 9

    Captulo 1 13

    O homem de duas caras (1:3-8)

    Captulo 2 21

    O homem bem-aventurado (1:9-18)

    Captulo 3 31

    O homem que se olha no espelho (1:19-27)

    Captulo 4 37

    O homem com o anel de ouro no dedo (2:1-13)

    Captulo 5 49

    O homem insensato (2:14-26)

    Captulo 6 55

    O homem perfeito (3:1-12)

    Captulo 7 67

    O homem sbio e entendido (3:13-18)

    Captulo 8 75

    O homem infiel (4:1-10)

    Captulo 9 85

    O homem que sabe o bem que deve fazer e no o faz (4:11-17)

    ndice

  • Tiago: Retratos da Natureza Humana

    Captulo 10 91

    O homem opressor (5:1-6)

    Captulo 11 97

    O homem perseverante (5:7-12)

    Captulo 12 103

    O homem de f (5:13-20)

    Eplogo 109

    Referncias 111

  • Tiago: Retratos da Natureza Humana

    Apresentao

    Meu interesse por Tiago foi despertado quando ensinei, pelaprimeira vez, a disciplina de Epstolas Universais para os alunosdo oitavo perodo do curso de teologia do Seminrio Adventista,em Cachoeira, na Bahia, em 2006. Eu j havia tido certa experinciacom as epstolas paulinas, tendo ensinado classes voltadas paraessa extraordinria parte do Novo Testamento em pelo menostrs ocasies anteriores. Tambm j havia lidado extensivamentecom as epstolas pastorais, que foram o principal foco de meusestudos para a obteno do grau de mestre em Letras Clssicaspela Universidade do Texas, agora publicados sob forma de livro.Confesso, porm, que nada disso me preparou para Tiago. Aoestudar detalhadamente essa epstola, descobri um grego deexcelente qualidade, uma linguagem figurada que satisfaz aos maisrigorosos critrios da boa literatura, uma intensa preocupaosocial, uma paixo pelas descries psicolgicas dos personagensque nos apresenta sempre de forma inesperada e com grandeateno aos detalhes e, finalmente, um desejo insopitvel depenetrar at o mais recndito limite da verdade sobre ns sereshumanos. O curso que ministrava deveria ter versado sobre todasas epstolas universais, detivemo-nos, contudo, em Tiago e noavanamos alm das fronteiras que ele nos imps.

    No sei lhes dizer de onde, seno da inspirao, Tiago tiroutodas as palavras maravilhosamente penetrantes que nos apresentaem sua epstola. No lhes posso dizer se ele, a exemplo de outrosescritores bblicos, usou um amanuense a quem ditava seuspensamentos ou se dissertou livremente, deixando que seusecretrio burilasse e melhorasse as sentenas que agora parecem

  • Tiago: Retratos da Natureza Humana

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    to perfeitas. No lhes posso, tampouco, garantir que uma pessoato simples, como sabemos ter sido o irmo de Jesus (que acreditoter sido o Tiago que escreveu a carta), pudesse ter escrito umaobra to elegante e sofisticada. O que lhes posso afirmar simplesmente que Tiago nos apresenta uma mensagem que seconstitui uma prola invejvel, cuja vitalidade no diminuiu, emnada, nesses dois mil e tantos anos, uma prova inequvoca de quequem se aventura nos tesouros bblicos encontra jias invulgares.

    No possvel explorar todas as dimenses da epstola deTiago em um livro de estatura to modesta quanto este. O queprocuro, aqui, no penetrar at as profundezas da teologia deTiago, mas simplesmente expor como sua paixo pelos homens epelas almas informa seus escritos de modo a faz-los essenciaispara uma interpretao da vida em nossa poca ou em qualqueroutra. Para isso, no me foi necessrio consultar diversoscomentrios bblicos. Simplesmente procurei observar como adescrio que Tiago faz dos perfis humanos nos esclarece acercados problemas enfrentados pela comunidade da f, no incio dahistria crist, quanto aos relacionamentos pessoais e sociais nelaexistentes. Usei os comentrios de Champlin e Vouga parafamiliarizar-me com as discusses comumente empreendidas emrelao epstola, a fim de no repetir, desnecessariamente, materialque de fcil acesso nas diversas fontes. Prescindi do Dicionrioteolgico, de Kittel, e do tratado sobre sinnimos do NovoTestamento, de Trench, porque, embora renomadas, exaustivas eminuciosas, essas obras subscrevem a teorias lingsticas queconsidero obsoletas e pouco teis para a contextualizao damensagem crist. Acho que a principal contribuio deste livro justamente uma abordagem ao texto de Tiago sem os vcios lingsticos,teolgicos e culturais epitomizados pelas obras de Kittel e Trench.

    Como afirmei acima, Tiago retrata, com vivacidade, oshomens que introduz ao longo de sua narrativa, se que possoclassificar de narrativa a admirvel exposio que esse autor ali

  • Tiago: Retratos da Natureza Humana

    faz. Os estudiosos da Antigidade nos dizem que o que Tiagoescreveu no foi bem uma carta, mas uma diatribe sapiencial, isto, um sermo para ser lido em voz alta nas igrejas a fim deadmoestar os ouvintes a um estilo de vida piedoso. A diatribe pareceter sido inventada por certo Bio, tornando-se bastante popularentre os filsofos cnicos e esticos, principalmente Luciano, Epitetoe Sneca. Horcio, o poeta da corte do imperador Otvio Augusto,as chamava de sermes. Dentre os cristos, o que mais utilizoua diatribe foi Tertuliano. Talvez o termo diatribe tenha sido escolhidopara descrever o tipo de sermo usado por esses sbios antigosporque o verbo grego diatribo significa passar o tempo ouesfregar, dando a entender que o momento da diatribe umtempo dedicado a passar as coisas a limpo, isto , a hora de dizersinceramente aos ouvintes onde residem suas dificuldades a fim depropor-lhes que emendem seus caminhos. O que percebi ao lerTiago como este era lido na Antigidade, assim, em voz alta, diantede cerca de cinqenta seminaristas atentos, durante um semestreinteiro, foi que os personagens constantemente introduzidos porele ganham vida e comeam a conversar conosco e a nos levar adecises que afetam nosso modo de ser e ver as coisas. Afinal decontas, como afirma Rick Warren, s descobrimos o nosso papelna vida pelo relacionamento com os outros.

    Ao me referir ao modo como Tiago apresenta seu catlogode homens, no estou falando de um vale de ossos secos comoaquele descrito por Ezequiel (37:1-14) e que sabemos se tornouum vale cheio de homens poderosos, tendo se apegando a tendo,e osso a osso. Estou falando que Tiago apresenta-nos homensvivos, mas ele faz o processo inverso daquele usado por Ezequiel.Por um instante, retira deles a pele, os plos e os revestimentosexternos, expondo-lhes os sentimentos mais ntimos, ospensamentos, as vozes e a alma. Enquanto faz essa espcie deautpsia, Tiago mostra-nos quem realmente somos e o quepode ser feito para que sejamos melhores homens e mulheres.

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    Contribuiu muito para que eu tomasse a deciso de escreversobre Tiago o fato de ter dirigido uma semana de orao noAcampamento Adventista de Guarapari, em janeiro de 2007, eter tido uma tima recepo por parte daqueles que gentilmentefreqentaram as reunies e me deram suas opinies acerca dossermes pregados. Desfrutamos, juntos, de momentos espirituaisdos quais nunca me esquecerei. Apresentei-lhes, com muita paixo,os perfis humanos traados por Tiago. S no pude atender aoprotesto de meus filhos quando deixei de falar sobre o homemvelho, segundo eles, o nico perfil sobre o qual eu falaria comconhecimento de causa.

    Pr. Milton L. TorresCachoeira, 8 de junho de 2007.

  • O Homem de Duas Caras (1:3-8)

    Captulo 1

    O homem de duas caras (1:3-8)

    Tiago alterna, ao apresentar seus interessantes epungentes personagens, entre homens dinmicos e espirituaisque nos servem de modelo, e homens fracos, vacilantes,pusilnimes, cujo exemplo devemos evitar. Eu j tinha vistoum outro escritor moralista do primeiro sculo proceder demodo muito semelhante. Plutarco, um sacerdote pago domundo greco-romano, escreveu uma srie de biografias depersonalidades histricas intitulada Vidas paralelas. Nessasbiografias, alterna entre personagens gregos e romanos, bonse maus. No se pode dizer que Tiago apresente personagenshistricos. Talvez ele esteja descrevendo as pessoas queconheceu em algumas das igrejas s quais escreve, mas maisprovvel que esteja falando abstratamente dos vcios e virtudesque o homem de sua poca desenvolveu.

    De qualquer forma, Tiago apresenta-nos, primeiramente,o homem de duas caras (1:8), alcunha que, por curiosidade, omesmo ttulo de um tratado escrito pelo filsofo judeo-helnico Filo. Esse homem, chamado em grego de anerdpsychos, descrito nas vrias verses da Bblia comohomem vacilante, homem dbio, homem de nimo dobre,homem de esprito duplo, etc. estranho que Tiago use, emgrego, a palavra varo (aner) em vez do termo homem(anthropos), mais comum (nos escritos gregos daAntigidade) para representar a pessoa humana, sem nfase

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  • Tiago: Retratos Da Natureza Humana

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    no gnero. No devemos, porm, pensar que, ao tratar seuspersonagens como vares, Tiago esteja limitando suamensagem s pessoas do sexo masculino. Ele pode estarsimplesmente seguindo a tradio da Septuaginta, uma dasprimeiras tradues das Escrituras Hebraicas para o grego (maisantiga, inclusive, que o texto massortico que serve de basepara as tradues modernas do Antigo Testamento). Eu prefiro,no entanto, pensar que Tiago estava simplesmente tentandoevitar a repetio da palavra homem (anthropos) que ele acabade usar no verso anterior. Sou da opinio de que Tiago era muitopreocupado com o estilo literrio de sua carta e tentava evitartudo o que pudesse diminuir seu valor artstico. Isso pode soarestranho, agora, mas pretendo mostrar que, longe de tentarapresentar apressadamente a sua mensagem, como parecem terfeito Mateus e Marcos, Tiago parece ter investido considerveltempo tentando obter a melhor combinao de palavras. O motivode fazer isso talvez seja o fato de que escrevesse s igrejas daDispora (1:1), provavelmente para cristos convertidos dojudasmo que falavam grego e viviam entre os gregos, conformesugerido por Jo 7:35.

    A figura do homem de duas caras domina a primeiraparte do captulo 1 de Tiago (1:1-8) e seus defeitos causam certaapreenso quanto temtica da carta, no fosse pelo fato de Tiagocontrabalanar-lhe a presena com a descrio de um outropersonagem a quem poderamos chamar de homem bem-aventurado, que s vai ser introduzido, de fato, mais tarde (1:12),mas cujo vulto j aparece delineado desde o comeo da epstola.

    Mesmo antes de apresentar o homem de duas caras, Tiagoexterna sua preocupao com a questo das provaesenfrentadas diariamente pelos cristos. Ele se dirige aos irmosda igreja, exortando-os a que enfrentem as dificuldades comserenidade (1:2). Algumas pessoas tm visto isso como indciosde que Tiago escrevia durante um perodo de intensas

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    perseguies promovidas pelos romanos. Por tudo o que eu lina epstola eu tenho dificuldade de limitar a declarao deTiago s perseguies externas. Para mim, o que incomodavaTiago era a passividade diante das foras do mal. O apstoloestava conclamando as igrejas crists a resistirem incursodo mal em seu meio. Ele percebia como muitos cristosencontravam-se divididos por causa de conflitos relativos aohomem interior e certa indiferena da igreja, que geravaincompreenses e maus sentimentos. Sua esperana que osmembros utilizem essas dificuldades como meio de sefortalecerem, tornando-se perseverantes (1:3). Alm disso, overso 3 qualifica as provaes (peirasmois) mencionadas em1:2, chamando-as de prova (dokmion), uma palavrapraticamente ilegvel nos mais antigos manuscritos, mas quese referia ao ato de aquilatar moedas para atribuir-lhe valor. Aconjuntura do julgamento do carter , portanto, maiscompatvel com o teor da passagem do que a suposio de queTiago fale de perseguies religiosas.

    Imagino que Tiago tenha escrito sua epstola entre 45 e48 A.D., o que coloca seu texto fora da poca das principaisperseguies romanas. verdade que alguns estudiososatribuem sua epstola a um perodo ligeiramente posterior. Noentanto, a carta no me parece responder a alguns comentriosque Paulo fez (como, por exemplo, em Rm 4:3, 9 e 22; Gl3:6) sobre os mesmos temas tratados por Tiago (2:24) e, porisso, sugiro que a epstola deve ter sido o elementodesencadeador do dilogo entre os dois apstolos e no ocomponente culminativo desse colquio. Se Tiago fala deperseguies, deve estar se referindo s perseguiesrealizadas pelos judeus aos primeiros cristos. Da minha parte,estou convencido de que, mesmo existindo essa possibilidade,as perseguies no so o piv das exortaes de Tiago perseverana diante das dificuldades.

  • Tiago: Retratos Da Natureza Humana

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    O verso 2 , sem dvida alguma, importante para a redaoda epstola, uma vez que Tiago se d ao trabalho de esculpi-lo soba forma de aliterao, ou seja, o pi grego (equivalente a nossaletra p) aparece repetido seqencialmente no verso. Os escritoresantigos geralmente faziam isso quando queriam chamar a atenopara uma determinada passagem. Essa minha leitura das provaesmencionadas por Tiago (1:2), que atribuo s prprias vicissitudesda experincia crist e da vida em comunidade, se deve ao fato deo apstolo lig-las ao amadurecimento dos membros (1:4). Tiagoapresenta seu ideal para com a igreja, usando uma figura delinguagem conhecida por anticlmax. Ele primeiro exige o queconsidera mais difcil, mas depois atenua sua declarao comexigncias menores. Assim, seguindo a ordem do texto grego,ele pede perfeio em primeiro lugar, depois maturidade, masse contenta, finalmente, com a ausncia de falhas excessivas (1:4).Tanto a palavra perfeitos (tleioi) quanto o termomaduros (holkleroi) eram usados pelos primeiros cristosem referncia ao processo de desenvolvimento na vida crist.Obviamente, o converso se tornava primeiramente maduro(holkleroi) e, depois, perfeito (tleios). Essa fala grfica queenfatiza o estado do homem interior no parece encaixar-se emum contexto em que as pessoas estivessem morrendo ou sendotorturadas por amor ao evangelho. Tiago tem diante de si igrejassemelhantes s nossas atualmente. Ele quer despertar o senso deresponsabilidade crist e, por isso, encoraja a preocupao como que vai no corao do homem. Isso faz sua mensagemadmiravelmente pertinente para os nossos dias.

    O anticlmax de Tiago enfatiza que a perfeio, aos olhosde Deus, no um conceito absoluto. Isso vai ser confirmado medida que avanamos na anlise de outros perfis traadospelo apstolo. Por enquanto, devemos prestar ateno no fatode que a perfeio exigida inicialmente, mas a nfase da frasereside na recomendao final do verso 4: uma vida com menos

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    erros, menos injustias, menos vaidade, menos orgulho, menostodas essas coisas que afetam diretamente o nosso progressoespiritual. H uma diferena abissal entre ser perfeito (tleios)e no ter falta daquilo que essencial (1:4). Que a perfeio uma questo de escala fica claro na famosa declarao deMarco Aurlio, o imperador romano que se dedicava ao estudoda filosofia. Em sua obra Meditaes, o imperador diz que ohomem bom fede a bode. Segundo ele, a bondade do corao indisfarvel. Entretanto, para ele, o homem perfeito exalaum odor que no pode ser sempre classificado como agradvel.Falando agora de um ponto de vista cristo, o mundo imperfeito e nem sempre nossas aes justas so assimpercebidas pelos nossos semelhantes. E, pior que isso, muitasvezes as pessoas que tm razo em no consider-las justas,pois nossa perspectiva sucumbe ao vis que nosso coraoimprime ao nosso senso comum. O que estou tentando afirmar que, do ponto de vista de Tiago, a perfeio, na terra, jamaisser uma questo de grau absoluto. O cristo no deveria,portanto, esmorecer diante de suas tentativas frustradas deatingir a perfeio, mas animar-se porque, apesar disso, estcada vez mais semelhante ao Salvador.

    justamente no contexto da exortao para que o cristono tenha falta daquilo que lhe essencial que Tiago apresentaquatro grandes razes por que a orao deve ser uma constanteem nossa vida (1:5). Segundo Tiago, devemos orar, em primeirolugar, porque Deus d. O fato de o Criador se dispor a concederdons aos homens j motivo suficiente para mov-los a pedir.Em segundo lugar, Deus d liberalmente. No somente Deusconcede ddivas aos homens, mas Ele faz isso de modogeneroso. Em terceiro lugar, Deus d liberalmente a todos.Uma das maiores preocupaes de Tiago, ao escrever suaepstola, mostrar que Deus no tem favoritos. Deus no um Jac que reserva seus presentes mais preciosos a Jos e

  • Tiago: Retratos Da Natureza Humana

    Benjamim. Deus tem o mesmo prazer em conceder uma graa aseu servo mais fiel quanto ao homem mais rebelde que possa existirsobre a face da terra. Finalmente, Deus d liberalmente a todos eno censura. Quo constrangedor quando fazemos um pedidoe somos censurados pelo que pedimos! Deus no faz isso. A Elepodemos pedir o que quisermos. Ele ainda nos ouve quandopedimos pela cura de um cncer, pela compra de um automvel,pelo gol que quero marcar no jogo de domingo, pelo beijo damoa que despertou sentimentos especiais em meu corao, pelocabelo que precisa estar apresentvel para a entrevista domestrado... Deus no nos censura por causa daquilo que pedimos.Ele nos ouve e sua misericrdia o move a responder no de acordocom nosso mrito, mas em funo de nossa necessidade.

    Segundo Marcos de Benedicto, a tradio crist nos informaque Tiago considerava a orao to importante para a vida cristque seus joelhos eram calejados como os de um camelo. Noentanto, o apstolo fala a igrejas que precisam orar mais. Falta-lhes sabedoria (1:4) e falta-lhes f (1:6). a que entra em cena ohomem de duas caras. Este carter desprezvel introduzido porTiago um homem destitudo de f a quem o apstolo comparacom as instveis ondas do mar (1:6). A descrio do texto grego bastante clara: primeiro nasce a dvida, ento ela nos agita e,finalmente, nos desencaminha. Tiago troca, assim, o anticlmax pelagradao de clmax. Literalmente, o homem de duas caras acabanadando em dvidas. Destarte, o apstolo apresenta o oceanocalmo onde surge hipntica comoo elica que, primeiramente,agita e, depois, arrasta. No nascem assim as grandes tempestades?Do mesmo modo, preparamo-nos para o desastre quandoalimentamos pensamentos indecisos que acabam fazendocom que o convvio na igreja se torne aparentemente intil,o que finalmente nos afasta de Deus. O homem de duas carasno chamado assim simplesmente porque falso e hipcrita,mas porque fica olhando para dois lados ao mesmo tempo,

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    como a antiga divindade romana conhecida como Jano(de onde temos o nome janeiro), retratada como um ser deduas caras que no consegue parar de olhar para o passado e ofuturo simultaneamente.

    A advertncia de Tiago de que um homem de duascaras no pode receber ddivas de Deus (1:7). Isso se d noporque Deus no lhe queira conceder bnos, mas porque talhomem no se encontra apto a receb-las. Seu problema queele se tornou demasiadamente inconstante. Vive em doismundos e tem duas palavras (1 Tm 3:8). Quantas pessoas, naigreja, no trabalho, na escola, na vida, se comportamexatamente assim? Tornaram-se to inconstantes que exibemsenso de humor pela manh, irritao ao meio dia e afetao noite. No admira que no percebam as bnos em sua vida.Esto ocupadas demais, mudando, variando, confundindo,simulando... Para Ellen White (Carta 13, 1893), ter nimo dobre(ou duas caras) deplorar, com os lbios, a obra de Satans,mas, ao mesmo tempo, cumprir todas as suas intenes.

    A mesma palavra grega (akatstatos) traduzida, em 1:8,por inconstante usada por Hipcrates, o mais famoso dosmdicos da Antigidade, em relao febre intermitente quevai e vem. Dessa maneira, esse homem inconstante e de duascaras parece tomado de uma enfermidade mortal que faz comque ele duvide mesmo dos elementos bsicos da f, cedendo aseus prprios desejos de projeo e outros impulsos comuns nossa era de consumismo fcil e exacerbado. A tragdiareligiosa de nossos dias que, conforme afirma Frderic Lenoir,no estamos mais sendo instados a renunciar s nossasconvices, mas s nossas certezas. No prximo captulovamos ver em que, precisamente, consistia a principalinconstncia do homem de duas caras e como o homem bem-aventurado revela o valor de uma f que no se deixa afetarpela temperatura do clima ou pelos percalos do quotidiano.

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  • Tiago: Retratos Da Natureza Humana

    O homem inconstante acaba arrastado pelas tempestades queocorrrem no mar da vida. Precisamos, contudo, lembrar-nos deque Cristo tem o poder de acalmar o mar e fazer cessar atempestade (Mt 8:24 em diante e Lc 8:23 em diante).

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  • O Homem Bem-Aventurado (1:9-18)

    Captulo 2

    O homem bem-aventurado (1:9-18)

    A segunda parte do captulo 1 de Tiago (1:9-18) comeacom uma aparente digresso do apstolo em relao aocomportamento de ricos e pobres diante da possibilidade deconvivncia mtua (1:9-11). Isso parece representar umaguinada no assunto das provaes crists e da inconstncia dohomem de duas caras diante das vicissitudes. Parece, mas no. Como veremos a seguir, o assunto da convivncia de pobrese ricos, dentro e fora da igreja, assume um carter vital dentroda epstola e se relaciona diretamente s dificuldades para umavida crist madura e inconstncia dos que se preocupam maiscom a aparncia do que com o homem interior.

    Tiago elabora essa aparente divagao sob o formato deparadoxo. Isto , ele apresenta uma verdade com feies deinverdade. O apstolo convida o pobre a ostentar suaimportncia (1:9), enquanto, ao mesmo tempo, exorta o rico agabar-se de sua insignificncia (1:10). A interpretao maiscomum para esse apariscente contra-senso a de que Tiago serefira, ironicamente, ao momento escatolgico em que justose injustos sero julgados. Dentro dessa concepo, mesmodifcil que o rico se salve (Mt 19:24). Esse fino, mas crueldeboche faria sentido em um Tiago mais preocupado emdenunciar as injustias sociais do que mostrar ao homem ocaminho da luz e do convvio amoroso na comunidadeeclesistica. Colocaria, portanto, o veredito de culpado sobrequem quer que tivesse uma alta posio.

  • Tiago: Retratos Da Natureza Humana

    Por isso, prefiro imaginar que Tiago no tivesse intenoescatolgica, mas simplesmente pretendesse fazer umaexortao solidariedade e compostura. A vanglria do pobreem sua elevada dignidade e a vanglria do rico em suainsignificncia (1:9-10) significam, para Tiago, que o pobredeve manter sempre em mente que mais do que um indigente(pois vem da estirpe do Rei do Universo) e que o rico develembrar-se constantemente que deve tudo o que tem ao Rei doUniverso. Sua inteno no , portanto, escatolgica e irnica,mas parentica e exortatria.

    Nesse contexto, existe um claro incentivo solida-riedade. Nenhum , de fato, mais do que o outro e devem,portanto, tratar-se com respeito mtuo. Para deixar isso claro,Tiago confronta, pela primeira vez, um problema contra o qualh de falar diversas e repetidas vezes ao longo de sua diatribe:a preocupao exagerada com a aparncia fsica e a ostentao.O rico deve gloriar-se no fato de que um homem comum,que vai passar como a flor da erva (1:10). Ao mencionarque o sol sai e seca a erva, fazendo com que sua flor murche(1:11), o apstolo trabalha o texto de Is 40:6-8. Como Isaas,Tiago enfatiza o rebaixamento do ser humano no final de suavida. No entanto, diferentemente de Isaas, Tiago deixa claroque est se referindo ao homem rico. Alm disso, Tiagoadiciona o detalhe da bela aparncia. O rico acaba por perdersua aparncia imponente.

    O tema da erva que se seca ao sol nos remete, ainda, parbola do semeador em Marcos. Uma comparao entre otexto de Marcos (especialmente Mr 4:6) e Tg1:10-11 nos mostraque o assunto mantm ntimas ligaes com a questo dasprovaes conforme estas so tratadas nos versculos anteriores(1:2-3). So as dificuldades da vida que fazem com queesmoreamos e nos desviemos da f, tornando-nosinconstantes, pessoas de duas caras, mais preocupadas com a

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  • O Homem Bem-Aventurado (1:9-18)

    aparncia fsica dos outros do que com a salvao de sua alma.Como se v, tudo o que foi discutido por Tiago, at aqui, podeser atado em um s bloco de prementes constataes.

    O sol seca a flor da erva (1:10-11) e as provaes davida minam a experincia crist (Mr 4:6), a no ser queenfrentadas com a atitude de quem sabe que algum bem sempreadvm de nossos tropeos (Tg 1:2-4). Um detalhe interessante deTg1:11 que a palavra grega (poria) geralmente traduzida comocaminhos e relacionada ao termo portugus emprio significamais do que vias de transporte ou deslocamento. Ela tambm podesignificar negcios ou mesmo viagens de negcios (como aforma verbal equivalente em 4:13). Assim, quando Tiago afirmaque murchar tambm o rico em seus caminhos (1:11), esttambm fazendo uma importante advertncia aos executivos e aosnegociantes de nossa poca: o rico se consome em seus negcios.Para que tanto esforo para acumular riquezas quando no aspoderemos levar conosco ao nosso destino final (Mt 16:26)? Issome faz lembrar da advertncia do filsofo romano Lucrcio, quasecontemporneo de Tiago: miserveis mentes humanas, coraes cegos (pectora caeca)! em que escuridade de vida,em que perigos passais vosso curto tempo de existncia!

    Chega de falar do homem de duas caras. preciso, agora,introduzir o personagem central da segunda parte do captulo 1de Tiago: o homem bem-aventurado (makrios aner),mencionado em 1:12. Ao introduzi-lo, Tiago apresenta-o comoum homem que suportou a provao e pode, agora, receber acoroa da vida. De fato, a referncia a receber a coroa comoresultado de suportar as paixes tirada diretamente de Zc6:14 na Septuaginta (que difere consideravelmente, nesseverso, do texto massortico). No entanto, ali no se especificaque tal homem seja bem-aventurado. Estabelece-se, contudo,em Tiago, um ntido contraste entre o homem bem-aventuradoe o homem de duas caras, incapaz de vencer as provaes da vida

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  • Tiago: Retratos Da Natureza Humana

    crist e, portanto, destinado a ter uma existncia passageira, levianae sem recompensas. Nesse ponto devo admitir que o Ap 2:10associa a coroa da vida vitria sobre as perseguies e astribulaes decorrentes do encarceramento. No entanto, o apstoloPaulo fala da coroa no contexto da vitria do cristo sobre astentaes e as vicissitudes da vida (Fl 4:1). Assim, na pior dashipteses, continuamos na dvida sobre o real contexto do captulo1 de Tiago: perseguies ou tentaes?

    Felizmente, os versos seguintes (1:13-15) nos ajudam aresolver esse impasse. O verso 13 levanta a questo da origemdas tentaes. Ora, se esse no fosse o contexto do captulo,seria muito estranho que Tiago introduzisse o homem bem-aventurado e passasse, logo em seguida, a discorrer sobre umtema aparentemente desconexo. Para mim fica, pois, evidenteque as provaes s quais se refere no so as perseguies,mas os conflitos interiores que dividem a lealdade humana,fazendo-nos hesitar diante das circunstncias da vida.Conforme afirma Rick Warren, pensamos que a tentao estao nosso redor, mas Deus diz que ela comea dentro de ns.Alm disso, a maneira como reagimos s tentaes que separaa humanidade em dois grupos: o dos homens inconstantes (deduas caras) e o dos homens bem-aventurados e fiis.

    Quais so, porm, as tentaes enfrentadas e vencidaspelo homem bem-aventurado? Eu diria que so as mesmastentaes que fazem o homem vacilante sucumbir. So assedues do mundo, apresentadas por Satans, de maneirahbil, a fim de nos arrastar ao erro e nos desviar de Deus. Masde onde viriam, originalmente, essas tentaes? Tiago enfatizaque no podemos atribuir as nossas fraquezas vontade deDeus. Segundo ele, ningum, ao ser tentado, diga: sou tentadopor Deus (1:13a). A razo para isso bvia: Deus no tentadonem pode tentar (1:13b). Tiago compreende muito bem anatureza humana. Ele sabe que geralmente atribumos aos

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  • O Homem Bem-Aventurado (1:9-18)

    outros o motivo de nossos fracassos. A epstola, conformemencionei antes, um exemplo de literatura sapiencial, escritosque procuram prover os princpios de um viver circunspeto editoso. Isso a coloca no mesmo nvel de outros escritos bblicoscomo Provrbios, Eclesiastes e J. Tiago aprecia tanto aliteratura sapiencial que faz uso de vrias citaes oriundas delivros sapienciais no includos no cnon judaico, como ocaso do livro do Eclesistico. De fato, o verso 13 uma citaoquase que literal de Eclesistico 15:12. A declarao de que oser humano coloca a culpa em Deus por suas prprias fraquezase tendncias pecaminosas tambm um eco de Pr 19:3, queafirma que a tolice humana faz com que o homem peque, mas,em vez de reconhecer isso, ele se ira contra Deus.

    A antiga cultura judaica sempre esteve em dvida sobre afonte real da tentao. Os judeus tendiam a considerar que, seDeus permitia que fossem tentados, ento haveria de ser algumgrau de responsabilidade atribudo a Deus. Outros colocavam todaa culpa do pecado na pessoa de Satans, a fonte exclusiva e quaseirresistvel de tentao. Uma situao que ilustra bem essadivergncia o episdio em que Davi faz o censo de Israel. 2 Sm24:1 diz claramente que Deus incitou Davi a realizar a contagemdos homens de Israel e Jud. Por outro lado, 1 Cr 21:1 declaraque foi Satans que o incitou a numerar a Israel. Como dar soluoa esse impasse? Segundo um comunicado particular de Elias Brasilde Souza, 2 Sm 24 e 1 Cr 21 no so necessariamentecontraditrios: Samuel apresenta o tema do ponto de vista domonergismo divino, isto , h uma s causa primria para tudo.Crnicas, por outro lado, considera as causas secundrias. Segundoele, h, ainda, outras tenses entre os dois relatos que podem serharmonizadas, conforme sugerido por Gleason Archer. Aperspectiva de Tiago difere tanto do ponto de vista de 2 Sm 24quanto do de 1 Cr 21, uma vez que as necessidades de seusouvintes tambm divergem.

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  • Tiago: Retratos Da Natureza Humana

    Segundo Tiago, cada um tentado por sua prpriaconcupiscncia (1:14). Seguindo a tradio daspersonificaes greco-romanas, como aquelas apresentadaspor Cebes, suposto discpulo de Scrates e autor de umdilogo helenista intitulado Tbula, Tiago apresenta aconcupiscncia como uma figura feminina. As expressesgregas que ocorrem no verso 14 pertencem ao contexto dascortess de Atenas, de quem se pode dizer que atraam eseduziam os clientes. Os verbos atrair (exelko) e seduzir(deleazo) revelam a natureza prostituda da Concupiscncia(epithymia), que atrai e seduz um cliente, ficando grvida dele.Essa gravidez produz-lhe uma filha chamada Pecado(hamartia), palavra feminina em grego. Finalmente, Pecadod luz a um filho chamado Morte (thnatos), palavramasculina em grego. Como Morte do sexo masculino, nogera mais nada, estril, assinala o fim da procriao iniciadacom um ato de prostituio.

    A seqncia concupiscncia-pecado-morte inverte a vontadeoriginal de Deus, que criara Eva, permitindo que o homem a chamassede Vida (zoe), em Gn 3:20. O plano expresso de Deus era que aexistncia do homem seguisse a srie vida-obedincia-felicidade, maso prprio homem inverteu, portanto, essa seqncia paraconcupiscncia-pecado-morte. O que Tiago nos diz que devemosparar de procurar atenuantes para nossas fraquezas de carter. No pela vontade de Deus e nem pelas sugestes de Satans que cedemosaos nossos impulsos carnais. Ns o fazemos movidos por nossaprpria concupiscncia, nossa prpria vontade de pecar. Tudoenvolve a cumplicidade humana. A concupiscncia pode ser umaprostituta que nos assedia, mas para que ela d luz o pecado, necessrio que ns mesmos a fecundemos. A metfora do sexocom uma prostituta adequada porque, a no ser em casos deestupro, a relao sexual implica em cumplicidade e participaode duas pessoas em mtuo consentimento.

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    Uma vez fecundada pela semente de nossa prpria vontade,a concupiscncia gera o pecado que, por sua vez, gera a morte.Aqui, o texto grego revela uma diferena na descrio das duasfases do processo. Tiago usa a palavra dar luz (tikto) emrelao ao conbio que ocorre entre o homem e sua prpriaconcupiscncia, mas ao descrever a relao entre o pecado e amorte, o apstolo usa um termo veterinrio: o pecado acaba porparir (apokyo) a morte. Talvez sua inteno, ao usar uma palavrato forte, seja revelar a natureza perversa dessa relao que produza destruio do homem.

    difcil afirmar, com certeza, quem age como parceiroda concupiscncia na gerao do pecado. Acho mais provvelque Tiago esteja dizendo que ns mesmos somos os culpadosde nossos deslizes. Talvez, entretanto, ele esteja afirmando queso as provaes que coabitam com a concupiscncia a fim degerar o pecado. De qualquer forma, podemos estar seguros deque o homem bem-aventurado no participa desse tipo deligao ilcita. Bem-aventurado o homem que resiste sinvestidas da concupiscncia quando abordado por um rostojovem, sorridente e belo. Nesse caso, necessria forasuperanglica para permanecer fiel vontade de Deus. Masessa fora existe e est to disponvel hoje quanto esteve nodia quando Jos fugiu, deixando a prpria tnica nas mos damulher de Potifar.

    Tiago encerra a segunda parte do captulo 2 com outraaparente divagao, ao estabelecer o contraste entre o Deusonipotente e os deuses pagos (2:16-18). O verso 16estabelece que, agora, Tiago pretende discorrer sobre umassunto teolgico. Ao dizer no vos enganeis (2:16), oapstolo adverte seus ouvintes que almeja tratar de questesdoutrinrias, como se percebe pelo uso de expresso semelhanteem 5:19. O verbo enganar-se (plana) parece ter sidoescolhido a dedo, pois faz referncia a dois aspectos

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  • Tiago: Retratos Da Natureza Humana

    importantes. o mesmo verbo de 5:19, quando Tiago tratadaqueles que se desviam da verdade e o verbo comumenteusado pelos gregos para descrever a rbita dos planetas nocu. A palavra planeta , inclusive, derivada desse mesmoverbo. O apstolo estabelece, assim, desde o comeo, queseu assunto se vincula, agora, a duas dimenses: pretende falarteologicamente e pretende falar acerca dos astros e seu supostoefeito sobre os homens. No entanto, quero deixar claro que overbo comum o bastante para aparecer sem essa conotaoestrita em 1 Co 6:9; 15:33 e Gl 6:7.

    Percebe-se o contexto astronmico da percope (1:16-18)de vrias formas, alm do uso do verbo planao (enganar-se,desviar-se, fazer uma trajetria, errar). Toda boa ddiva vem doalto (lugar onde os corpos celestes descrevem sua trajetria). Todaboa ddiva concedida pelo Pai das Luzes, o Senhor dos astros,que lhes controla o comportamento e a prpria existncia, e emquem no h mudana nem sombra de variao. Esse versculo(1:17) de difcil traduo por, pelo menos, trs motivos. Emprimeiro lugar, a temtica astronmica no de compreensosimples. Em segundo lugar, os manuscritos mais antigos trazemtoda sorte de variantes textuais em relao a essa passagem.Em terceiro lugar, o versculo inicia com um hexmetro, umalinha potica prpria da epopia.

    O hexmetro foi imortalizado por grandes tradies picas,como a Ilada e a Odissia (de Homero), a Eneida (de Virglio)e o A natureza das coisas (de Lucrcio). O hexmetro umalinha potica com seis ps, como so conhecidos seuscomponentes, cada um deles contendo uma slaba longa e duasslabas breves (uma outra slaba longa podendo substituir asduas slabas breves). Confesso que no consigo resistir aoimpulso de mostrar o hexmetro de Tiago, mesmo sabendoque isso talvez interesse a poucos:

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  • O Homem Bem-Aventurado (1:9-18)

    pasa do|s1s aga|the kai | pan do|rema te|leion 1 2 3 4 5 6toda boa ddiva e todo dom perfeito

    Na representao acima, os espaos representam aseparao natural dos vocbulos na sentena, enquanto asbarras verticais separam os ps e as barras horizontais indicamas slabas longas (as slabas breves obviamente no necessitamconter nenhum sinal que as indique). impressionante queTiago use essa que considerada a rainha das formas poticasgregas da Antigidade. Mais impressionante ainda queningum tenha conseguido localizar a obra da qual o apstolopossa ter tirado a citao potica. Isso tem levado muitos acrer que o prprio apstolo (ou um de seus colaboradores)deva ter composto o verso potico. A possibilidade de queTiago tenha usado uma linha potica sem o saber remotssima.A alternncia regular de slabas longas e breves era comumapenas na poesia, no existindo na prosa. Seria a mesma coisaque esperar que uma frase formada por seis palavrasproparoxtonas, em portugus, fosse o resultado do acaso eno da inteno do escritor (especialmente quando se sabe queseu criador queria que a frase fosse lida em voz alta). Almdisso, Tiago usa outro hexmetro em 4:5. Quais as chances deisso acontecer fortuitamente?

    Muitos tradutores, de fato, no perceberam o contextoastronmico da passagem e, por isso, se limitaram a indicar adimenso mais bvia da referncia. No entanto, eu proporiaque uma traduo mais precisa do versculo 17 seria a seguinte:toda boa ddiva e todo dom perfeito l do alto, descendo doPai dos astros, em quem no h mudana de rbita ou eclipse.

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  • Tiago: Retratos Da Natureza Humana

    A introduo do assunto da astronomia no uma digressocomo muitos pensam. A inteno de Tiago neutralizar a influnciados astros, horscopos e supersties, mostrando que o homembem-aventurado senhor de seu prprio destino. Os pagospodem confiar em horscopos e augrios, observando atentamenteos cus na expectativa de alguma orientao para suas vidasdestitudas de significado. O cristo, porm, sabe que todas asddivas vm de Deus. Os astros sofrem eclipse e mudanas derbita que a astronomia dos gregos e romanos no podia explicar,mas Deus sempre o mesmo, disposto a nos ajudar nos momentosde dificuldade. Os astros no controlam nossa vida, ns mesmosdecidimos como reagir diante das tentaes. Auxiliados pelo poderdivino, podemos ser vencedores, bem-aventurados, pois Deus mais estvel e confivel que os planetas e o universo que criou.

    O apstolo encerra seu discurso sobre o homem bem-aventurado enfatizando, em 1:18, que a vontade de Deus deveprevalecer na vida do cristo. Segundo ele, foi a vontade deDeus que nos gerou pela palavra da verdade para que sejamossuas primcias. O verbo gerar (apokyeo), nesse versculo,soa como aquele empregado por Tiago em referncia geraoda morte pelo pecado, mas tem uma linhagem superior, uma vezque no usado geralmente em relao aos animais. O tom daexpresso nos faz pensar na regenerao ou segundo nascimento. isto que significa ser primcia de Deus: nascer de novo paracumprir sua vontade na carne e no esprito. Essa fala nos projetaagora para o prximo assunto tratado pelo apstolo. Tiagodiscorrer sobre o homem que se olha no espelho. essecontemplar-se no espelho das Escrituras que possibilita que sejamosas primcias desejadas por Deus.

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  • O Homem Que se Olha No Espelho (1:19-27)

    Captulo 3

    O homem que se olha no espelho (1:19-27)

    A terceira parte do captulo 1 (19-27) de Tiago comeacom o apstolo conclamando a ateno dos irmos das igrejass quais ele escreve. interessante que, na epstola, essainvocao no tem como objetivo chamar os irmos ateno,mas simplesmente informar-lhes que o apstolo est mudandode assunto. Como acontece nas diatribes moralizantes dosfilsofos pagos, Tiago gosta de utilizar verbos no imperativo,especialmente na segunda pessoa do plural e na terceira pessoado singular. A segunda pessoa do plural permite que o apstoloentre em dilogo direto com seus ouvintes. Por isso, ele iniciaessa seo com a forma verbal sabei (1:19). A essa altura dadiatribe, ainda no incio, suas injunes so suaves, preferindopalavras neutras, que no causem nenhum mal-estar nosouvintes. Depois, suas invectivas vo se tornando cada vezmais diretas e contundentes, exigindo uma mudana imediatade atitude. Por enquanto, o apstolo usa, com mais freqncia,a terceira pessoa do singular do imperativo, o que lhe permitehipotetizar um agente ao qual repreende gentilmente ou exortade forma afetuosa. Assim, consegue conquistar a simpatia deseus ouvintes, evitando ofend-los mesmo nos assuntos demenor importncia.

    O mesmo verso 19 faz meno de um personagemhipottico atravs da terceira pessoa do singular do imperativo.Assim, o apstolo diz: todo homem seja rpido para ouvir,

  • Tiago: Retratos Da Natureza Humana

    tardio para falar e tardio para se irar. Algumas versesmodernas traduzem a primeira referncia como todo homemseja pronto, mas a prpria comparao com o adjetivo lentousado duas vezes logo a seguir, deixa claro que estamostratando tambm de uma dimenso temporal e no apenas deum estado de alerta e disposio. No entanto, no fala Tiago dedois homens: o homem rpido (anthropos tachys) e ohomem lento (anthropos bradys). O apstolo diz que essehomem deve ser ambas as coisas: rpido e lento. Ele deve serrpido para ouvir, mas lento para falar e irar-se.

    O tema do calar-se para ouvir bastante comum naliteratura sapiencial, como se percebe em Pr 17:28 e em vriasoutras ocorrncias no mesmo livro. A ira, por outro lado, assunto favorito dos filsofos moralizantes do paganismo; eno apenas dos filsofos, mas da literatura greco-romana demodo geral. Filodemos e Sneca escreveram ambos tratadosintitulados A ira (De ira) e a palavra ira (menis) o foco daIlada desde os primeiros versos. Esse homem rpido paraouvir e lento para falar/irar-se tem conscincia de que a irahumana, ainda que justificvel, no comove a justia de Deus(1:20). a conscincia desse fato que o leva a despojar-se daira (orge, no caso de Tg 1:19-20) e de toda maldade.

    O verbo empregado em 1:20 para o ato de despojar-seda maldade o mesmo geralmente empregado em relao aoato de tirar a roupa. Aquilo do qual se despoja o homem rpidopara ouvir e lento para falar/irar-se no , contudo, um tipocomum de roupa. A palavra grega aqui empregada (rhyparia) o mesmo termo utilizado quanto roupa do homem pobrede Tg 2:2 e as vestes imundas do sacerdote Josu, em Zc 3:3-4.Em dois sentidos, portanto, a questo da justificao insere-sena discusso. Em primeiro lugar, a ira humana nunca produzirjustia divina (Tg1:20) e, em segundo lugar, despir-se da maldadeequivale a obter essa justia (1:20). Como se percebe, a

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  • O Homem Que se Olha No Espelho (1:19-27)

    justificao no procede do interior do homem, mas um atoexterno de Deus sobre o interior do homem. A Palavra de Deuslhe implantada, tornando-se poderosa para salvar a alma(1:21). O papel do homem ser rpido para ouvir (isto ,obedecer) e lento para falar/irar-se (isto , tentar obter ajustificao por seus prprios esforos). Talvez soe estranhoouvir Tiago tratar da questo da justificao sob umaperspectiva visivelmente paulina. Em minha opinio, a posturade Tiago, em sua epstola, s assume contornos legalistas sefizermos muito esforo para no ouvir o que o apstolorealmente fala. Parece-me que essa foi a falha de Lutero, queo levou a referir-se a Tiago como a epstola de palha.

    Agora que compreendemos que o homem rpido paraouvir e lento para falar/irar-se o homem justificado pelaconscincia de que sua aprovao inteiramente dependentede sua mansa aceitao da palavra implantada (emphytoslogos), podemos passar, ento, dimenso prtica dajustificao. Como possvel ao homem rpido para ouvir e lentopara falar/irar-se (anthropos tachys/bradys) praticar osensinamentos que recebe? Para isso, necessrio que ele se torneum homem que se olha (aner katanooun), de formaadequada, no espelho (1:23).

    Devo frisar que o olhar-se no espelho deve acontecer deforma adequada, pois Tiago afirma que algum podesimplesmente contemplar-se no espelho e partir sem percebera real condio de sua fisionomia (1:24). Os tempos gregosempregados pelo apstolo, nesse verso, so bastante enfticos.Ele usa inicialmente o que pode, provavelmente, ser umainstncia do assim-chamado aoristo gnmico. Essa formaverbal geralmente empregada nos provrbios oriundos dasabedoria popular, o que se encaixa bem na natureza sapiencialda epstola. O aoristo gnmico introduz uma sentenaconsiderada como tendo validade universal. Assim, quem se

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  • Tiago: Retratos Da Natureza Humana

    olha no espelho pode no ver o que este realmente revela. Depoisde se contemplar, a pessoa se vai. Esta ltima forma verbal seencontra no perfeito do indicativo que denota uma ao que permanente em seus resultados. Ou seja, esse homem se olhano espelho, parte e no volta mais. Como ele se esquece doque viu e no retorna para lembrar-se, acaba vivendo uma vidadeslembrada de sua natureza carnal e, por isso, adota umaatitude de indiferena quanto s coisas espirituais. Esse suafisionomia natural (1:23), ou o rosto de seu nascimento(prsopos tes genseos) como diz a frase grega.

    No necessrio, contudo, que seja essa a nossaexperincia. Tiago afirma que h uma alternativa para o homemque se olha no espelho. Podemos contempl-lo a fim de queconheamos nossa situao e a corrijamos. Segundo ele,aquele que atenta bem para a lei perfeita, a da liberdade, enela persevera, no sendo ouvinte esquecido, mas executor daobra, este ser bem-aventurado no que realizar (1:25). O queTiago parece propor que todos os homens se olham,eventualmente, no espelho. No entanto, o homem vacilanteparte esquecido de suas responsabilidades, enquanto que ohomem bem-aventurado se torna praticante da Palavra. Ohomem que se olha no espelho sofre, portanto, de uma espciede efeito Orlof agudo. O que ele ser amanh dependeinteiramente de sua atitude hoje. A expresso atenta bem uma boa traduo para o grego (parakypsas), um aoristo doparticpio que sugere que o homem se debrua sobre a leiperfeita (nomos tleios), estudando-a minuciosamente.

    Depois de dividir aqueles que se contemplam no espelhoem duas categorias, Tiago introduz o conceito de religio(threskia), uma palavra rara na Bblia. Alis, os versculos26 e 27 so inesperados por trs razes. Em primeiro lugar, comoacabei de dizer, o uso do conceito de religio surpreende porqueo cristianismo e as religies da poca, como o gnosticismo e o

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  • O Homem Que se Olha No Espelho (1:19-27)

    mitrasmo, por exemplo, preferiam identificar-se como filosofias eno como religies. Em segundo lugar, Tiago liga a religio pura eimaculada (threskia kathar kai amantos) ao controle da lngua(1:26), prtica da caridade para com as vivas e os rfos (1:27a)e ao guardar-se incontaminado das influncias mundanas (1:27b).Essas trs dimenses sero tratadas detalhadamente ao longo dacarta, mas surpreende-nos, um pouco, que sejam introduzidas semcerta propedutica. Isto , Tiago no nos prepara formalmentepara a abordagem desses assuntos. Finalmente, o apstolo usa arara expresso no refreando a lngua (me chalinagogonglossan) que s encontrada, fora do Novo Testamento, empassagens que comentam seu uso por Plato no dilogo Leis.

    O fato de Tiago usar o vocbulo religio (threskia) trsvezes seguidas no final do captulo 1 no significa que esse sejaseu nico modo de compreender o cristianismo. H evidnciasuficiente no resto da epstola para supormos que ele tambm tinhainteresse em apresent-lo como uma filosofia de vida. justamentepor essa razo que esses trs importantes elementos (controle dalngua, caridade e pureza) so introduzidos nesse ponto da diatribe.O primeiro e o ltimo eram lugares-comuns da filosofia moralizantedo perodo helenista, enquanto o cuidado das vivas e rfos eraum elemento prtico resultante da prpria realidade social em quesurgiu e se desenvolveu o movimento cristo. Alm disso, o fatode Tiago empregar o termo platnico (chalinagogon) surpreende-nos, a no ser que, propositalmente, queira enquadrar seu discursono contexto de uma discusso filosfica.

    O tema da prtica religiosa merece destaque desde oversculo 25, quando Tiago afirma que o homem que secontempla no espelho da lei perfeita (nomos tleios) precisa setornar executor da obra (poietes rgou). A relao entrereligio e obras expressa de forma admirvel por Ellen White,que afirma: a religio no consiste de obras, mas a religio obra;ela no fica dormente (Carta 7, 1883). A expresso executor

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  • Tiago: Retratos Da Natureza Humana

    (poietes), em grego, se relaciona palavra poeta, usada emreferncia criao intelectual (especialmente na atividade literria).O uso dessa palavra tambm evoca um contexto filosfico. Defato, era comum, entre os gregos e os romanos, que os filsofosescrevessem sua obra em verso para facilitar a memorizao dosimportantes preceitos que ensinavam. Por outro lado, a filosofiagreco-romana tinha um lado essencialmente utilitrio e o apstolotampouco menospreza a dimenso prtica. Sua escolha daexpresso visitar (episkptomai) mostra isso. desse verboque o Novo Testamento tira a palavra bispo (epskopos), quesignifica simplesmente visitador, um dever pastoral que merecea ateno dos ministros do evangelho.

    Deixamos, assim, o homem que se contempla no espelho,entre a possibilidade de se tornar um homem de duas caras ouum homem bem-aventurado. No captulo 2 de Tiago, vamosencontrar um personagem cuja apario vai causar disrupesno ambiente narrativo: o homem com anel de ouro no dedo.Sua presena, nas igrejas de Tiago, h de testar os cristos queali congregam. Como vo se comportar? Como o homem deduas caras, indecisos entre a vida engajada proposta por Tiagoe uma vida de privilgios sociais, mas pouco satisfatria, quelhes oferecida pelo mundo? A alternativa a isso que setornem pessoas espirituais, firmemente comprometidas como domnio prprio (especialmente em relao s palavras), orespeito aos menos privilegiados (sobretudo aos pobres, svivas e aos rfos) e a pureza (particularmente no contextodas relaes sociais desinteressadas e espontneas), as basesda filosofia religiosa de Tiago.

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  • O Homem Com O Anel De Ouro No Dedo (2:1-13)

    Captulo 4

    O homem com o anel de ouro no dedo

    (2:1-13)

    A primeira parte do captulo 2 (1-13) de Tiago substanciauma importante discusso que o apstolo vai sustentar durantea maior parte do restante da epstola. Parece que o assunto dofavoritismo entre os cristos constitui uma prementepreocupao do irmo de Jesus. Sua advertncia clara: meusirmos... no faais acepo de pessoas (2:1). O fato de Tiagoempregar a expresso meus irmos, como mencionei antes,sugere que o apstolo procura engajar seus ouvintes em umoutro assunto. Assim, Tiago abandona a proposta de estabeleceras bases de sua filosofia religiosa para se dedicar, momentneae exclusivamente, ao tema do respeito aos menos privilegiados,que j havia sugerido em duas passagens de seu captulo 1 (9-11 e 27).

    Alguns estudiosos pensam que o termo acepo depessoas ou favoritismo constitui um neologismo empregadopor Tiago e copiado por Paulo ou vice-versa. Com efeito, aexpresso grega prosopolempsia no se encontra em autoresanteriores aos dois. Literalmente, essa palavra compostasignifica recebimento do rosto, sendo explicada como seoriginando, na poca em que as pessoas se prostravam diantedas autoridades, a partir do gesto do prncipe de levantar orosto do visitante em sinal de boa acolhida. Percebe-se essaetimologia, com nitidez, em Gl 2:6, passagem na qual o

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  • Tiago: Retratos da Natureza Humana

    apstolo Paulo declara literalmente: Deus no recebe o rosto dohomem, isto , Deus no depende da aparncia para decidir comoh de tratar o ser humano.

    Tiago logo apresenta a entrada de dois homens nacongregao: um rico e outro pobre (2:2). O apstolo usa apalavra sinagoga (assemblia), o que no deveria nossurpreender. Afinal de contas, nesse perodo inicial docristianismo ainda no existiam edifcios que tivessem ainteno de acomodar os adoradores da nova religio. Oscristos usavam as casas de seus simpatizantes para a realizaode seus cultos religiosos e instruo filosfico-prtica. Nessapoca primitiva, possvel que nem mesmo as sinagogasjudaicas j existissem como edifcios distintamente religiosos.O desenvolvimento da arquitetura tipicamente crist ou judaicapassou por lento processo. Tanto os judeus quanto os cristosutilizavam, principalmente fora da Palestina, edifcios decarter domstico para suas reunies. As sinagogasmencionadas na Bblia diferiam minimamente das casas dosjudeus da dispora. Tratava-se simplesmente de casasarquiteturalmente adaptadas para acomodar os adoradores.

    Os versculos introdutrios do captulo 2 de Tiago tmsido rejeitados por alguns estudiosos como a adio de algumcopista. A seqncia truncada de palavras no caso genitivo, noverso 1, parece incompatvel com o estilo sempre elegante deTiago. Em grego, temos a f de nosso Senhor Jesus Cristo daglria, uma construo bastante incomum, embora a expressoSenhor da glria ocorra, tambm, em 1 Co 2:8 (mas numaseqncia muito mais natural). Alm disso, alguns objetamque existissem, a essa altura, pessoas ricas na igreja crist.Pelo menos quanto a essa segunda objeo, acho que o contextodeixa claro que se trata de um visitante.

    O que estaria fazendo um homem rico numa congregaocrist? A descrio de Tiago de novo revela o gnio superior

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  • O Homem Com O Anel De Ouro No Dedo (2:1-13)

    desse escritor atento aos detalhes. O apstolo o identifica comoum homem com anel de ouro no dedo (aner chrysodaktylios),usando veste elegante (estes lampr). O termo lampr tambmsignifica resplandecente; isso sugere que esse homem vestiaroupas finas, capazes de atrair a ateno dos que o observassem.O anel de ouro evidencia que esse personagem tinha certaautoridade e considerveis recursos financeiros. Quem sabefosse o candidato a alguma magistratura na administrao localrecoltando apoio. As cidades gregas de todo o imprio romanorespeitavam as mesmas convenes sociais e a mesmaburocracia das cidades romanas da Itlia. As magistraturasfaziam parte necessria do assim-chamado cursus honorum, ocurrculo profissional da elite greco-romana. Talvez nossovisitante viesse igreja a fim de solicitar apoio para uma eleioiminente. A prpria palavra candidato significa,etimologicamente, algum que usa vestes resplandecentes.Mais provvel, no entanto, que fosse apenas um patronotentando atrair clientes que o ajudassem a aumentar a suaprojeo na sociedade local. As convenes de patronagemeram importantssimas na politicagem das colniasromanas. O homem de prestgio era aquele que tinha maisclientes. Estes integravam um sqito de comensais quevisitavam o patrono todos os dias a fim de saud-lo e receber,dele, algum obsquio. Nosso visitante talvez viesse igrejapropor ligaes dessa natureza, oferecendo aos cristos proteoou favores financeiros.

    O contexto da visita do homem de anel de ouro no dedofaz com que a reao dos membros da congregao seja aindamais reprovvel. No mesmo momento da chegada doendinheirado, entra tambm um indigente na congregao.Trata-se de outro visitante, uma vez que se descreve esse homemcomo um pobre trajando roupa suja (rhypar estes).Essa a mesma roupa usada pelo sacerdote Josu em Zc 3:3-4

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  • Tiago: Retratos da Natureza Humana

    (na Septuaginta), qual j se havia referido Tiago. Em 1:21, oapstolo especifica que despojar-se desse tipo de vestimenta parte dos requisitos para que o homem rpido para ouvir e lentopara falar/irar-se receba a palavra implantada, hbil para salvar-lhe a alma. A troca das roupas imundas de Josu por roupas degala (podere) simboliza a justificao pela f, como pensam algunstelogos. A Septuaginta o texto usado por Tiago em sua diatribee, por isso, a percepo de que h um dilogo entre as duaspassagens inevitvel. Por tudo isso, o mendigo que chega igrejasimultaneamente com o homem de anel de ouro no dedo no deveser, ainda, cristo. Ele no recebeu, at esse momento, as vestesde gala que simbolizam a justia de Cristo.

    Os dois homens entram simultaneamente na congregao,mas todas as atenes se voltam para o homem com anel de ourono dedo e vestes resplandecentes. De acordo com Tg 2:3,oferecem-lhe um lugar de honra, prximo ao pregador (aqui),cabendo ao indigente ficar em p perto da sada (a) ou sentar-se em lugar pouco confortvel (sob o estrado). A atitude paracom o rico obsequiosa, uma vez que usam a expresso porfavor (kalos). Ao pobre andrajoso tratam com desdm. exatamente isso que significa ser homem de duas caras,personagem que deixamos no captulo 1, mas que insiste emreaparecer na narrativa de Tiago. O homem de duas caras recebeo rosto; isto , ele primeiro atenta (epiblepo) para a aparnciae, s depois disso, opta por um curso de ao. Ele vacila, hesitandoat que perceba com quem est lidando. Para alguns, reservatratamento corts e fino, mas, para outros, restringe a ateno.

    A propsito disso, Tg 2:4 recupera a discusso do captulo1, ao dizer: no fazeis acepo entre vs mesmos, e no vostornastes juzes movidos de maus pensamentos? O verbo usado,aqui, para fazer acepo de pessoas (diakrino) omesmo verbo grego usado para vacilar ou duvidar em 1:6.Esse verbo, que tambm significa julgar, de difcil traduo

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    por causa das vrias leituras que possibilita. No fundo, fazeracepo de pessoas significa hesitar quanto ao tratamento a serdado ao semelhante, tornando-nos juzes dos outros. A expressomaus pensamentos (dialogismi poneri) pode significar, aqui,esteretipos. Ou seja, fazer acepo de pessoas rotul-lassem lhes dar a chance de serem o que realmente so.

    Depois de introduzir esses dois personagens no contextoda congregao crist, Tiago retoma a comparao entre pobrese ricos, que iniciara em 1:9-11, quando usara a metfora daflor da erva para denunciar a natureza passageira dos privilgiosdos ricos. A temtica social se afigura como um importanteeixo de discusses no qual o apstolo expressa toda a suaapreenso que a igreja crist no seja significativamente distintados muitos colgios (collegia) existentes no mundo romano.O colgio romano funcionava como um clube social quegarantia um espao para a convivialidade (isto , a realizaode banquetes), para o estabelecimento de nveis de status, pormeio da atribuio de assentos de honra para os membros maissocialmente privilegiados, e para o penhor de um funeral digno.Tiago queria que a igreja crist fosse mais do que um clubesocial; ele queria que ela fosse um espao para a convivnciafraterna e espiritual. Para isso, era necessrio que as diferenassociais fossem minimizadas. Costumamos idealizar a realidadeda comunidade crist primitiva; porm, como vemos, elaenfrentava muitas das dificuldades que ora existem nas atuaiscomunidades crists.

    Ao apresentar, mais uma vez, sua argumentao sobre afutilidade de fazermos distines sociais absolutas, Tiagodeclara que Deus escolheu os pobres para que sejam ricos naf e herdeiros do reino. A misteriosa expresso ricos na f(plousioi en pistei) tem desafiado a imaginao dos intrpretes.Alguns imaginam que os pobres sejam ricos na f porquetm muita f; outros, que so ricos aos olhos de Deus; outros,

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  • Tiago: Retratos da Natureza Humana

    ainda, que recebero as riquezas literais de Deus por ocasio dojuzo; e, finalmente, que j desfrutam, pela f, das riquezas queDeus disponibilizou para a humanidade. Quando Tiago emprega,nessa passagem (2:5), o mesmo verbo prometer (epaggllomai)que j havia usado, em 1:12, em relao ao homem bem-aventurado, o apstolo estabelece uma ligao semntico-discursiva entre os pobres do captulo 2 e o homem bem-aventurado do captulo 1. Isso no nos deveria surpreender; afinalde contas, a tradio oral dos evangelhos j circulava coma declarao de Jesus de que os pobres eram, de fato,bem-aventurados.

    Tiago, ento, repreende os cristos primitivos, membrosda igreja apostlica, por estarem oprimindo os pobres (2:6).Ao dizer vs desonrastes o pobre, Tiago emprega o aoristoconstatativo, um tempo cujo aspecto verbal serve paraapresentar a ao pura e simples, em resumo, ou como umtodo. A idia que a opresso ao pobre parece ter sido mais doque uma situao isolada. Estudos sociolgicos acerca da pocado Novo Testamento tm revelado que muitos judeusconsideravam o judasmo como impeditivo ao progresso socialno mundo greco-romano. Por essa razo, eles abraaram, comentusiasmo, a possibilidade de um novo culto que os libertassede antigas restries etnocntricas. Gostariam de continuar fiisaos antigos princpios e ligados comunidade da f, masapreciavam a perspectiva de progredirem socialmente nadispora, um universo social que exigia contnuasdemonstraes de status. O cristianismo lhes deu essaoportunidade. No entanto, Tiago procura, provavelmente,conter esses excessos, lembrando esses novos cristos de suaresponsabilidade social e propondo-lhes que seu status superiorseja demonstrado no pela ostentao, mas pela beneficncia.

    A abrangncia do problema da opresso do pobre, naigreja apostlica, pode ser percebida pela forma enftica como

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  • O Homem Com O Anel De Ouro No Dedo (2:1-13)

    Paulo denuncia abusos ocorridos durante a celebrao daeucaristia e dos banquetes comunitrios, em 1 Co 11:22. Aironia que, mesmo hoje, como diz Ellen White (Carta 66,1901), os cristos muitas vezes oram para que Deus alimenteos famintos, mas falham em agir como sua mo ajudadorapara aliviar-lhes a fome. Alm disso, outros contextos sociaisfavoreciam a que visitantes, interessados, ou mesmo conversospudessem se aproveitar do ambiente congregacional paraexplorar os menos privilegiados. Isso se dava de pelo menostrs maneiras: por meio da patronagem, do trabalho assalariadoe da escravido. Como vimos anteriormente, as convenesde patronagem exigiam comportamento servil em troca deproteo. Da mesma forma, o contrato de trabalho assalariadoera geralmente realizado com desvantagem para os menosprivilegiados uma vez que o sistema jurdico dos romanos eraacusatorial e no inquisitorial. Isso significa que uma pessoatinha que denunciar outra para que um inqurito fosseformalmente estabelecido para investigar os fatos. No haviainteresse dos governantes em garantir justia nas relaestrabalhistas da poca. Como a obra Leis, escrita por Ccero nosc. I a.C., mostra amplamente, a justia romana determinavaque cada um recebesse o que lhe cabia, mas o pensamentoaristocrtico romano jamais conceberia que o que cabia a umpobre fosse o justo. Finalmente, o pobre cristo era aindaexplorado pela conjuntura da escravido, que persistiu no seioda igreja sem provocar qualquer reao negativa digna de nota(como se percebe pelo tratamento banal que se d a ela naepstola de Paulo a Filemon). As desavenas entre patronos eclientes, as quebras nos contratos de trabalho e os casos deescravos fugitivos ou marronagem, tudo era razo para que aelite romana arrastasse os desprovidos aos tribunais (kriteria).

    Em face disso, Tiago enumera a seus ouvintes asprincipais razes por que no deveriam dar tratamento especial

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  • Tiago: Retratos da Natureza Humana

    aos ricos, em detrimento dos pobres. Segundo ele, os pobres que so os verdadeiros ricos (2:5), no so os opressores doscristos (2:6) e no blasfemam (2:7). O apstolo desafia seusouvintes a praticarem a lei real (nomos basiliks). Nocontexto dos tribunais romanos, a expresso lei real (lexregia) fazia referncia s leis mais antigas do povo romano,pertencentes ao perodo da monarquia, encerrado mais dequinhentos anos antes da epstola de Tiago. Eram as maisrespeitadas das leis, tanto por sua antigidade quanto por suasuposta origem divina. Tiago estabelece um contraste entreessa legislao tradicional e a lei urea das Escrituras (Lv 19:15,18): amars a teu prximo como a ti mesmo (2:8). Algunspensam que Tiago estava sendo irnico, conclamando orespeito a uma lei que no tinha muita validade nascomunidades crists a que escrevia, tal era o estado de penriados pobres dessas congregaes. No entanto, prefiro crer quesua inteno fosse didtica: eles no respeitavam a lei ureacomo deviam, mas Tiago gostaria que o fizessem e, por isso,os insta a essa prtica.

    Uma vez mais Tiago faz minuciosa escolha de palavrasem sua denncia social. No versculo 8, ao dizer se cumprirdesa lei real, o apstolo opta por uma seqncia de palavras quenos remete ao texto de 1:25, no qual enfatizara que o homemque pratica a religio aquele que se debrua sobre a leiperfeita. A expresso lei perfeita, ali, nomos tleios. Em2:8, o apstolo fala: se cumprirdes a lei real (nomon telitebasilikn). Como se percebe, o verbo cumprirdes (telite),em 2:8, um cognato da palavra perfeita (tleion), em 1:25.O uso de ambos as palavras no contexto legal mais do quemera coincidncia. A semelhana fnica e morfolgica dessestermos faz com que as duas passagens se conectem pela forma,som e significado. A preocupao social de Tiago se revelauma vez mais: praticar a religio , acima de tudo, cuidar dos

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  • O Homem Com O Anel De Ouro No Dedo (2:1-13)

    menos favorecidos. O texto de 2:8 traz ainda um admirvel e sutiltrocadilho. A palavra prximo (plesos), usada em 2:8, soade forma muito semelhante palavra rico (plousios), usada em2:5-6. Dada a natureza oral da diatribe, era impossvel que umouvinte familiarizado com a lngua grega no notasse a sutileza doapstolo. Tiago os exorta a amar o prximo (plesos), em vez deamar o rico (plousios), como estavam fazendo. Alm disso, Tiagorepreende os membros, em 2:3, por se dirigirem aos ricos com asobsequiosas palavras por favor (kalos). Agora, em 2:8, oapstolo afirma: se cumprirdes a lei rgia, fazei bem. A expressofazei bem , aqui, kalos poite e, de novo, se percebe umareminiscncia fnica, semntica e morfolgica em relao outrapassagem. Ou seja, Tiago insiste em que os membros agem bem(kalos) quando no se tornam excessivamente atenciosos emrelao aos ricos a ponto de lhes reservarem todas as suas cortesias,ainda que estas se resumam a um simples por favor (kalos).No a ateno aos ricos que incomoda Tiago, mas o contrasteentre esta e a desconsiderao para com os menos favorecidos.

    A essa altura, Tiago est pronto para retomar a discussosobre a acepo de pessoas (prosopolempsia) e a prtica dospreceitos cristos, empregando, em 2:9, a forma verbalequivalente ao termo grego que ele j usara, em 2:1, referindo-se ao favoritismo em benefcio dos ricos. Agora ele diz: se fazeisacepo de pessoas (prosopolempti te ) , cometeispecado, sendo argidos pela como transgressores (2:9). Essadeclarao serve de introduo a um dos axiomas supostamentemais duros falados por Tiago: pois qualquer que guardar toda alei, mas tropear em uma s, torna-se culpvel (nochos) de todas(2:10). Acredito que a reputao de legalista atribuda a Tiago sedeve, em grande parte, incompreenso desta passagem. ,portanto, necessrio que ela seja desmistificada. Isso s possvelcom o uso do bom senso e a comparao com o contexto daprpria epstola de Tiago. Alguns comentaristas mais sbrios j

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    perceberam que tornar-se culpvel de todas [as leis] no significaque um pecado no maior do que outro, afinal de contas o prprioJesus disse a Pilatos que quem o havia entregado a ele tinha maiorpecado do que ele (Jo 19:11). Nem tampouco significa que todopecado merece o mesmo juzo (Rm 2:6). Ora, o bom senso nossugere que matar muito pior do que furtar, embora este atotambm seja um grave pecado. Alm disso, Mt 23:14 mostra Jesusrepreendendo os que devoravam as casas das vivas, ameaando-os com um juzo mais severo do que aquele reservado paraoutros pecados.

    Mais adiante, espero ser capaz de mostrar que Tiago no legalista e que esta passagem (2:10) no significa que umgrau absoluto de perfeio exigido daqueles que se dizemcristos. Por enquanto, quero apenas deixar claros dois pontosa esse respeito. Em primeiro lugar, lembrar que essa sriadeclarao de Tiago foi feita no contexto de uma repreensoveemente indiferena ou desconsiderao em relao aosmais pobres, um tema que era muito significativo para Tiago.Por isso, no de estranhar que o apstolo emprestasse pesoespecial a seu teor. Em segundo lugar, bem de acordo com omodo de proceder de Tiago, ele faz uma declarao mais brandaaps uma asseverao mais dura. Os estudiosos da Antigidadechamam o procedimento de alternar declaraes fortes comafirmaes mais afveis de psicagogia. Segundo eles, apsicagogia era especialmente til na diatribe, embora fossetambm empregada em outros gneros literrios, especialmentena parnese ou exortao. Um exemplo clssico disso ocorrequando o filsofo Lucrcio reconhece, em seu tratado Anatureza das coisas, que sua metodologia era iniciar suasprelees com uma fala cautelosa que ia se tornando cada vezmais severa medida que os discpulos se interessassem peloassunto discutido, a exemplo da atitude do mdico ao adocicara colher para que a criana receba o medicamento impalatvel

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  • O Homem Com O Anel De Ouro No Dedo (2:1-13)

    sem rejeio. Depois de Tiago discutir a importncia da guardada lei da liberdade (nomos eleutherias), com destaqueespecial para os mandamentos da esfera social (no adulterare no matar), apresentados na ordem da Septuaginta, e de frisara necessidade de coerncia entre linguagem e vida crist, em2:11-12, ele volta a enfatizar a expectativa do juzo. No entanto,a expresso que marca o fim dessa seo inclui uma nota deesperana: a misericrdia se jactancia em relao ao juzo,outra forma de dizer que a misericrdia triunfa sobre o juzo.

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  • Tiago: Retratos da Natureza Humana

  • O Homem Insensato (2:14-26)

    Captulo 5

    O homem insensato (2:14-26)

    A segunda metade do captulo 2 de Tiago (2:14-26) aparte mais polmica da epstola, quem sabe seja, inclusive, arazo por que Lutero implicava tanto com a carta. Percebe-se,pela comparao dessa passagem com os escritos paulinos,certa divergncia entre Paulo e Tiago. Isso no implica,contudo, que um dos dois tenha que estar necessariamenteequivocado. A concepo que Tiago tem da f a mesma dojudasmo helenista comum; ou seja, a f no basta para asalvao do cristo. Paulo, por outro lado, tem uma posiomais espiritual. Segundo ele, a f tudo o que o cristo precisapara ser salvo. Essa tenso dinmica entre posiesaparentemente discordantes, mas inteiramente reconciliveis, para mim, uma das caractersticas mais excepcionais daBblia. Aqui, como em outras polmicas que ocorrem nasEscrituras, Paulo e Tiago esto, paradoxalmente, ambos certos.Paulo escreve a destinatrios extremamente legalistas, s voltascom o debate corrente acerca de se os gentios deviam ou noser includos no plano da salvao e, por isso, apresenta umplano inclusivo, flexvel e baseado na f, no nos mritos deum povo abenoado de forma privilegiada. Ou seja, o apstolousa o contedo certo, no tom certo, na hora certa. Tiago, poroutro lado, escreve a judeus parcialmente assimilados pelomundo grego-romano, com uma provvel tendncia devalorizar o estilo de vida secularizado e pouco comprometido

  • Tiago: Retratos da Natureza Humana

    com a proclamao de uma mensagem urgente que pretendiatransformar o mundo radicalmente. Por essa razo, Tiago osconclama a um total compromisso com a verdade que ele lhesanuncia, exigindo deles uma prtica compatvel com o discurso.Ou seja, aqui tambm, o apstolo usa o contedo certo, notom certo, na hora certa. Segundo Ellen White (Mensagensescolhidas, v. 1, p. 25-26), quando um escritor bblico impressionado com um assunto, ele se atm aos pontos que seharmonizam com sua experincia, capacidade de percepo einteresse. Um outro autor se ocupa de aspecto distinto; cadaum, sob a orientao do Esprito Santo apresenta o que mais oimpressionou. Assim, as Escrituras em seu conjunto se prestama satisfazer as necessidades humanas em todas as circunstnciase experincias da vida.

    O cristo moderno pode se beneficiar tanto da perspectivapaulina quanto da viso de Tiago, optando pela assim-chamadaaurea mediocritas, isto , o caminho do meio, valorizando,dessa forma, uma posio equilibrada que enfatiza os requisitosindispensveis tanto da f quanto das obras. Alm disso, adepender do auditrio e de suas necessidades, o pregador podeoptar pelo ponto de vista de Paulo ou, em vez disso, pelo deTiago. No estou, com isso, propondo a relativizao do textobblico. Acredito que uma anlise fenomenolgica da realidadetem condies de revelar que o modo como as coisas aparecem parte do ser das coisas. A mente humana e a razo humanaso constitudas para a verdade, pois possuem uma intuioeidtica intrnseca. Isto , a mente e a razo so equipadaspara distinguir a essncia das coisas de sua aparncia. Almdisso, de modo geral, as coisas no apenas existem; elas tambmmanifestam a si mesmas como elas so. Por isso, somos naturale intelectualmente equipados para a compreenso da mensagemtransmitida pelo texto bblico. Neste caso, o estudo das posiesde Tiago e Paulo nos mostra que ambas so igualmente

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  • O Homem Insensato (2:14-26)

    essenciais para a vida crist equilibrada: no exigir, dos outros,nada alm da f, mas no oferecer, aos outros, nada menos doque as obras que autenticam a f.

    Esta seo abre com aquele que considerado comosendo o verso mais citado de Tiago: meus irmos, que proveitoh se algum disser que tem f, e no tiver obras? Pode essa fsalv-lo? (2:14). O apstolo usa sua costumeira frmula paraindicar que est mudando de assunto (meus irmos) e, ento,faz duas perguntas retricas. Ou seja, Tiago espera que ambasas perguntas sejam respondidas de forma negativa: no se derivaproveito algum da f desvinculada de obras e, alm disso, emsua opinio, esta sozinha no pode salvar o homem.

    Os dois prximos versculos (2:15-16) constituem umaterceira pergunta retrica, da mesma natureza: se o irmo oua irm estiverem nus, e tiverem falta de mantimento cotidiano,e algum de vs lhes disser: Ide em paz; aquentai-vos e fartai-vos, mas no lhes derdes as coisas necessrias para o corpo,que proveito h nisso? A expresso ide em paz (hypgeteen eirenei) equivalente ao termo hebraico shalom. A prticade alguns evanglicos se cumprimentarem com as palavras apaz do Senhor tem fundamento histrico, pois assim sesaudavam os primeiros cristos. Tiago deixa claro que nobasta que o cristo use palavras amorosas no contato comseu semelhante (embora isso seja desejvel), preciso, almdisso, usar de atos amorosos para com o mesmo. Porm,Tiago continua usando linguagem discreta no estilo dapsicagogia da diatribe. Ele no revela que seus ouvintes estocometendo essa falta grave, mas simplesmente levanta ahiptese de que algum esteja. Isso lhe d liberdade paraenunciar enfaticamente: assim tambm a f, se no tiver obras, morta em si mesma (2:17).

    Ainda no modo corriqueiro de expressar da diatribe,Tiago levanta uma segunda suposio: mas dir algum: Tu

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  • Tiago: Retratos da Natureza Humana

    tens f; eu tenho obras. Mostra-me a tua f sem as tuas obras,e eu te mostrarei a minha f pelas minhas obras (2:18). Tiagopostula a existncia de um interlocutor que parece se dirigirno a Tiago, mas a um dos ouvintes que duvide do que oapstolo acaba de ensinar. Tiago to cauteloso em manterseu discurso nos moldes da diatribe que ele nem se colocacomo opositor daqueles que possam discordar dele. Elesimplesmente imagina a possibilidade de que algum possadiscordar da idia talvez corrente entre seus ouvintes de quea f (desvinculada da prtica) era insuficiente para a salvao.Ele no se coloca, a princpio, como opositor dessa idia,mas imagina que algum o possa ser. Um leitor mais atento (emais malicioso) talvez pudesse concluir que Tiago estivesseapenas evitando um confronto direto com Paulo. Contudo,no temos certeza absoluta de que os escritos paulinoschegaram a Tiago antes que este escrevesse sua prpriaepstola. Seja como for, a posio de Tiago absolutamenteirrefutvel: f e obras so dois lados de uma mesma moeda, aalma e o corpo da existncia espiritual.

    A sutileza de Tiago nos faz deparar com uma situaoinusitada: um possvel interlocutor continua argumentandocontra um possvel opositor dos ensinamentos do apstolo:crs tu que Deus um s? Fazes bem! Os demnios tambmo crem, e estremecem (2:19). O interlocutor evoca o shemIsrael, uma das mais antigas declaraes de f do judasmo,registrada em Dt 6:4. Tiago vai to fundo a ponto de asseverarque a mais ortodoxa declarao de f do judasmo intil semum estilo de vida que lhe d validade prtica. Para fazer umacrtica to assombrosa do judasmo, no admira que Tiagonecessite de tanto jeitinho. Aps palavras to duras, Tiago estpronto para revelar o carter desse homem que se ope todesatinadamente a seus ensinamentos. Ele o chama de homeminsensato (anthropos kens). A expresso grega muito mais

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  • O Homem Insensato (2:14-26)

    forte do que nos sugerem as tradues modernas. O apstolochama seu suposto opositor de homem vazio ou homemvo. Trata-se de algum que vazio em seus raciocnios ouna expresso deles, um homem absorvido por seu ftil modode pensar e proceder.

    Para provar seu ponto de vista de que a f sem obras morta (nekr), como diz em 2:17 e 26, ou ociosa (arge),como afirma em 2:20, Tiago lana mo de trs argumentos. Emprimeiro lugar, a f cooperou (synergei) com as obras najustificao de Abrao (2:21-24), quando este se disps aoferecer o filho Isaque em sacrifcio sobre o altar, o que lhe foiimputado como justia. A linguagem contbil do versculo 23,uma citao de Gn 15:6 (que foi repetida em passagens bblicascomo Rm 4:3, 9 e 22; Gl 3:6; e Hb 11:17, e em 1 Macabeus2:52, um apcrifo judaico) significa que a ao obediente deAbrao foi colocada em sua conta (elogisthe autoi). Emsegundo lugar, a f cooperou com as obras na justificao dameretriz Raabe, quando esta hospedou os espias, a mesmapalavra para anjos (aggeloi), e os enviou por um outrocaminho (hetrai hodoi), isto , pela janela, conformesabemos por intermdio de Js 2:15. Finalmente, Tiago explica queo esprito est para o corpo assim como as obras esto para a f.Cadveres no andam por a, da mesma forma, no devemosesperar que a f tenha existncia real e tangvel sem o auxlio dasobras. Por todas as razes, o apstolo conclui que o homem justificado pelas obras, e no somente pela f (2:24), em contrastecom a declarao paulina de Rm 4:9. De acordo com umcomunicado particular de Elias Brasil de Souza, Paulo se refere aAbrao antes da circunciso (Rm 5:10//Gn 15:6). Abrao creu napromessa divina e foi aceito por Deus antes de receber o sinal daAliana. Para Paulo, a justificao equivale justica imputada.Tiago, por outro lado, refere-se a Abrao quando este, emobedincia ordem divina, se disps a sacrificar o nico filho (Gn

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  • Tiago: Retratos da Natureza Humana

    22), algo ocorrido depois da circunciso. Assim, para Tiago, ajustificao equivale combinao de justia imputada e justiacomunicada. Para Tiago, a justificao um conceito mais amploe inclui a resposta do pecador graa divina.

    Certa tenso existe, nessa passagem, em relao aosdestinatrios da repreenso de Tiago. Conforme mencionadoacima, o apstolo imagina um opositor, a quem chama dehomem insensato, e vrias vezes se dirige a ele (2:18, 19, 20 e22). No entanto, ao anunciar sua concluso no verso 24, Tiagousa o verbo no plural (vedes), referindo-se claramente aosmembros da igreja. A partir desse momento na epstola, econforme as exigncias da boa diatribe, Tiago passa a falar comcada vez mais franqueza (parrhesia), pois se espera que,a essa altura, j tenha conquistado a ateno de seus ouvintes.Alis, o texto em questo (2:14-26) contm muitos dos elementosda diatribe greco-romana, que era freqentemente empregada nostribunais de Atenas e Roma: Tiago faz, conforme o costume dosadvogados atenienses, uma crtica s palavras vazias (2:18), destocadas irnicas (2:19), faz um desafio retrico a seu opositor(2:20) e emprega franqueza contundente (parrhesia), ingredienteessencial no fim de uma preleo diatrbica. Alm disso, o apstoloutiliza uma lgica difcil de rebater. Em sua exposio das aesdas testemunhas que invoca (Abrao e Raabe), sempre se refereaos atos praticados primeiro, para somente em segundo plano sereferir f, mostrando, dessa maneira, seu vis de que as obrastm precedncia na justificao. Suas testemunhas so eloqentes.Raabe corporifica trs qualidades que a impediriam de ser bemconsiderada pelos judeus: era mulher, era pag e era prostituta.Ou seja, na opinio de Tiago, qualquer pessoa pode ser justificadapela operao conjunta de f e obras.

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  • O Homem Perfeito (3:1-12)

    Captulo 6

    O homem perfeito (3:1-12)

    A partir do captulo 3 Tiago definitivamente passa afalar aos ouvintes diretamente dirigindo-se a eles na segundapessoa do plural. Aps indicar que pretende mudar de assuntocom sua frmula costumeira (meus irmos em 3:1), oapstolo faz uso de uma srie de verbos no imperativo. Tiagoengaja seus ouvintes em um dilogo bastante direto,entremeando os imperativos de segunda pessoa com refernciasespordicas ao indicativo da primeira pessoa do plural. Dessaforma, ele deixa claro quando se dirige aos ouvintes e quandose inclui entre eles. O efeito provvel dessa estratgia que osouvintes no se sentissem ameaados com um discurso que oscolocasse em plano inferior ao do apstolo. Ou seja, Tiago seapresenta a eles como sendo susceptvel s mesmasdificuldades e equvocos.

    A mentalidade androcntrica de muitos cristosextremamente zelosos, mas carentes de entendimento, faz comque facilmente se lembrem das injunes paulinas, registradasem 1 Ti 2:11-12, que insistem no silncio feminino no ambienteeclesistico. No entanto, poucos se recordam que Tiago fazuma declarao semelhante em relao aos homens: meusirmos, no sejais muitos de vs mestres, sabendo quereceberemos um juzo mais severo (3:1). Tiago exorta oshomens da igreja crist primitiva a que tambm fiquem emsilncio a no ser que tenham algo urgente a dizer. A maioriados exegetas bblicos, at hoje, no se deu ao trabalho de tentar

  • Tiago: Retratos da Natureza Humana

    explicar por que Paulo preferia que as mulheres no falassemno contexto eclesistico. Para eles, parece bvio que, sendomulheres, deveriam ficar mesmo em silncio. A coisa diferente com esta passagem de Tiago. Os estudiosos tm feitoverdadeiro esforo para sugerir explicaes plausveis para ofato de Tiago querer limitar o nmero de homens falando naigreja. Talvez o apstolo quisesse evitar as rivalidades. Talvezele estivesse preocupado com as interrupes litrgicas queprejudicavam o esprito de adorao. possvel at que tivessepreocupaes ticas e procurasse evitar que, com tantas pessoastentando projetar-se acima dos outros, a integridade damensagem fosse prejudicada. Outra sugesto que, porrazes sociais, Tiago preferisse que apenas aqueles maisqualificados exercessem um papel de liderana naproclamao do evangelho.

    A verdade que Tiago procura confrontar seus ouvintesem relao quilo que transparece ser, em sua epstola, ocalcanhar de Aquiles da comunidade crist primitiva: o uso dalngua. Por isso, Tiago nos remete a sua discusso acerca daperfeio crist em 2:10: se algum tropear em alguma lei, setorna culpvel de transgredir todas as leis. Sua ntimacompreenso da natureza humana o leva a declarar, agora, quetodos ns tropeamos em muitas coisas (3:2). Ou seja, comose percebe, Tiago nunca intencionou que o cristo fizesseesforos para ser perfeito em todas as coisas. O apstolo sabeque simplesmente no o podemos evitar: ns tropeamos emmuitas coisas. Como fizera no captulo 1, quando estipulara, aprincpio, uma exigncia de perfeio (1:4), mas depois secontentara com as evidncias de uma vida madura, sem muitoserros (1:4), Tiago deixa claro que compreende que a vida cristenvolve altos e baixos.

    No captulo 3, como em qualquer outra parte de suaepstola, a perfeio requerida por Tiago relativa. Para ele, o

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  • O Homem Perfeito (3:1-12)

    homem perfeito (tleios aner) simplesmente aquele que conseguerefrear a prpria lngua (3:2). irnico que tantos cristos tenhamensinado, ao longo dos anos, que a mulher perfeita aquela quefica em silncio com respeito s questes mais importantes daexperincia crist quando, de fato, o que a Bblia ensina que ohomem perfeito aquele que consegue controlar a lngua,demonstrando-se tambm capaz de controlar o resto do corpo(3:2). Para o lder cristo, essa declarao se reveste de sumaimportncia. Se conseguir controlar a prpria lngua, conseguirrefrear (chalinagogesai) o corpo. Ora, o corpo o corpo deCristo. Isso significa que o lder cristo s ser bem sucedidoem conduzir o corpo de Cristo, a igreja, se puder controlar aprpria lngua. Quantos lderes cristos no se beneficiariamdessa compreenso?

    De novo, a palavra refrear (chalinagogesai), que j haviaaparecido em 1:26, aquela palavra rara usada exclusivamentepor Plato e por aqueles que comentaram, na Antigidade, a obrado filsofo. Isso no nos deveria surpreender, pois Tiago vai fazeragora uma verdadeira incurso s profundidades da literaturagreco-romana para provar seu ponto de vista de que o homemperfeito deve controlar sua lngua. Apoiado em seu conhecimentoda literatura greco-romana, Tiago vai empregar seteimpressionantes metforas para mostrar que a falta de controleem relao s palavras pode causar grandes males. Sua primeirametfora a de um cavalo indomvel que precisa ser subjugadocom a ajuda de bridas ou freios (chalinoi). Essa imagem no original. Pelo contrrio, a metfora recorrente em toda a literaturagrega, a comear pela tragdia Antgone, de Sfocles. O textoseptuagntico de Sl 38:1 apresenta a mesma idia, embora no usea palavra brida. A mensagem de Tiago que algo to pequenocomo um freio, em comparao ao tamanho colossal de um cavalo,pode controlar o animal. Ou seja, Tiago nos adverte que mesmoas coisas pequenas podem controlar as coisas grandes. A lngua

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  • Tiago: Retratos da Natureza Humana

    pode e vai controlar o homem se este no fizer um esforo contnuoe concentrado para evit-lo.

    A metfora seguinte apresenta a lngua como o lemede um grande navio (3:4). Os navios nos tempos do NovoTestamento podiam atingir dimenso surpreendente. Lucasconta-nos que Paulo viajou em um navio com mais de 270pessoas (At 27:37). Os judeus no foram conhecidos, naAntigidade, como construtores de barcos. A histria nossugere que no navegavam, seno como passageiros. Noentanto, tendo se dispersado pelo mundo, provvel quetenham se familiarizado com as embarcaes da poca. Almdisso, a metfora da lngua como leme era bem conhecida.Trata-se de uma imagem to comum, que a encontramos emPlutarco, Aristipo, Filo e Lucrcio. A nfase de Tiago recaisobre a desproporo entre navios to grandes e umpequenino leme. A mensagem se repete: coisas aparentementeinsignificantes podem ter grandes conseqncias na vida docristo. Alm disso, a lngua se gaba (auchi) de grandescoisas (3:5), o que nos faz lembrar que a misericrdia sejactancia do juzo (2:13). Ou seja, do mesmo modo que amisericrdia triunfa sobre o juzo, a lngua pode derrubar omaior dos projetos humanos.

    De uma metfora nutica, mudamos para uma metforaambiental. Tiago compara a lngua a um incndio que devastauma floresta (2:5). O mais correto dizer que, de fato, Tiagocompara a lngua a uma fasca (helkon pyr) de calamitosasconseqncias, pois coloca sua nfase sempre no fato de umacoisa pequena ser responsvel por uma grande conseqncia.A imagem da floresta queimada encontrada em Homero, Filo,Sneca e Digenes de Enoanda. Diferentemente desses autores,no entanto, Tiago prefere falar de um bosque a se referir auma floresta. A palavra por ele empregada (hyle) temprofundas implicaes filosficas, uma vez que, alm de

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  • O Homem Perfeito (3:1-12)

    significar bosque, tambm o termo freqentemente usado porAristteles para fazer referncia matria. No fosse a inclinaode Tiago para as palavras filosficas e para o estudo da literaturagreco-romana, talvez nem fosse necessrio mencionar esse fato,pois a acepo de bosque faz perfeito sentido no contexto