Livro Tratado Da Terra Do Brasil

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SENADO FEDERAL......................

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Tratado da Terra do BrasilPedro de Magalhes Gandavo

Edies do Senado FederalVolume 100

Kunambeba Segundo a Cosmograa Universal de Thevet

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Tratado da terra do Brasil * Histria da Provncia Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil

Mesa DiretoraBinio 2007/2008

Senador Garibaldi Alves Presidente Senador Tio Viana 1 Vice-Presidente Senador Efraim Morais 1 Secretrio Senador Csar Borges 3 Secretrio Senador Alvaro Dias 2 Vice-Presidente Senador Gerson Camata 2 Secretrio Senador Magno Malta 4 Secretrio

Suplentes de Secretrio Senador Papalo Paes Senador Joo Vicente Claudino Senador Antnio Carlos Valadares Senador Flexa Ribeiro

Conselho EditorialSenador Jos Sarney Presidente Conselheiros Carlos Henrique Cardim Carlyle Coutinho Madruga Joaquim Campelo Marques Vice-Presidente

Raimundo Pontes Cunha Neto

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Edies do Senado Federal Vol.100

Tratado da terra do Brasil Histria da Provncia Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil*

Pero de Magalhes Gandavo

Braslia 2008

EDIES DO SENADO FEDERAL Vol. 100 O Conselho Editorial do Senado Federal, criado pela Mesa Diretora em 31 de janeiro de 1997, buscar editar, sempre, obras de valor histrico e cultural e de importncia relevante para a compreenso da histria poltica, econmica e social do Brasil e reflexo sobre os destinos do pas.

Projeto grfico: Achilles Milan Neto Senado Federal, 2008 Congresso Nacional Praa dos Trs Poderes s/n CEP 70165-900 DF [email protected] Http://www.senado.gov.br/web/conselho/conselho.htm Todos os direitos reservados

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Gandavo, Pero de Magalhes. Tratado da Terra do Brasil : histria da provncia Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil / Pero de Magalhes Gandavo. -- Braslia : Senado Federal, Conselho Editorial, 2008. 158 p. -- (Edies do Senado Federal ; v. 100) 1. Brasil, histria, Perodo Colonial (1500-1822). 2. Brasil, descrio, Perodo Colonial (1500-1822). 3. Usos e costumes, Brasil, Perodo Colonial (1500-1822). 4. Capitanias hereditrias (1534-1762). I. Ttulo. II. Srie. CDD 918.1

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SumrioAdvertncia Afrnio Peixoto pg. 13 Nota Bibliogrfica Rodolfo Garcia pg. 15 Introduo Capistrano de Abreu pg. 19TRATADO DA TERRA DO BRASIL DEDICATRIA

pg. 27PRLOGO AO LEITOR

pg. 29 pg. 31

DECLARAO DA COSTA CAPTULO PRIMEIRO

Da Capitania de Tamarac pg. 33CAPTULO SEGUNDO

Da Capitania de Pernambuco pg. 35CAPTULO TERCEIRO

Da Capitania da Bahia de Todos os Santos pg. 37CAPTULO QUARTO

Da Capitania dos Ilhus pg. 39

CAPTULO QUINTO

Duma nao de gentio que se acha nesta capitania pg. 41CAPTULO SEXTO

Da Capitania de Porto Seguro pg. 43CAPTULO STIMO

Da Capitania do Esprito Santo pg. 45CAPTULO OITAVO

Da Capitania do Rio de Janeiro pg. 47CAPTULO NONO

Da Capitania de So Vicente pg. 49TRATADO SEGUNDO

Das cousas que so gerais por toda costa do BrasilCAPTULO PRIMEIRO

Das fazendas da terra pg. 53CAPTULO SEGUNDO

Dos costumes da Terra pg. 55CAPTULO TERCEIRO

Das qualidades da terra pg. 57CAPTULO QUARTO

Dos mantimentos da terra pg. 59

CAPTULO QUINTO

Da caa da terra pg. 61CAPTULO SEXTO

Das frutas da terra pg. 63CAPTULO STIMO

Da condio e costumes dos ndios da terra pg. 65CAPTULO OITAVO

Dos bichos da terra pg. 71CAPTULO NONO

Da terra que certos tomens da Capitania de Porto Seguro foram descobrir, e do que acharam nela pg. 75HISTRIA DA PROVNCIA SANTA CRUZ

Aprovao pg. 81 Ao muito Ilustre Senhor Dom Lionis Pereira sobre o livro que lhe oferece Pero de Magalhes pg. 82 Soneto do mesmo autor ao Senhor Dom Lionis, acerca da vitria que houve contra el-Rei do Achem e Malaca pg. 87 Ao muito Ilustre Senhor Dom Lionis Pereira pg. 88 Prlogo ao leitor pg. 89

CAPTULO I

De como se descobriu esta provncia, e a razo por que se deve chamar Santa Cruz e no Brasil pg. 91CAPTULO II

Em que se descreve o stio e qualidades desta provncia pg. 95CAPTULO III

Das capitanias e povoaes de portugueses que h nesta provncia pg. 99CAPTULO IV

Da governana que os moradores destas capitanias tm nestas partes e a maneira de como se ho em seu modo de viver pg. 105CAPTULO V

Das plantas, mantimentos e frutas que h nesta provncia pg. 107CAPTULO VI

Dos animais e bichos venenosos que h nesta provncia pg. 113CAPTULO VII

Das aves que h nesta provncia pg. 121CAPTULO VIII

De alguns peixes notveis, baleias e mbar que h nestas partes pg. 125CAPTULO IX

Do monstro marinho que se matou na Capitania de So Vicente, ano 1564 pg. 129

CAPTULO X

Do gentio que h nesta provncia, da condio e costumes dele, e de como se governam na paz pg. 133CAPTULO XI

Das guerras que tm uns com outros e a maneira com que se ho nelas pg. 139CAPTULO XII

Da morte que do aos cativos e crueldade que usam com eles pg. 145CAPTULO XIII

Do fruto que fazem nestas partes os padres da Companhia com sua doutrina pg. 151CAPTULO XIV

Das grandes riquezas que se esperam da terra do serto pg. 153

ADVERTNCIA PERO DE MAGALHES GANDAVO, o amigo de Cames, que lhe reconheceu claro estilo, engenho curioso, e a quem o Brasil devia um Tratado e uma Histria, esta publicada em 1576, aquele s em 1826, ambos ainda raros consulta ou aquisio dos inexpertos, tem agora reunidos, pela primeira vez, num tomo, as suas obras. Do Tratado obtivemos cpia autntica do manuscrito original, que se acha na Biblioteca do Porto, graas obsequiosidade do ilustre historiador portugus Sr. Joo Lcio dAzevedo; da Histria conferimos os textos publicados pelo Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro e pela Academia das Cincias de Lisboa, ambos de 1858, com a primeira publicao que a nossa Biblioteca Nacional possui, na coleo Barbosa Machado: este erudito servio de colao do competente Sr. Dr. Rodolfo Garcia, a quem tambm pertence a Nota bibliogrfica. O eminente historiador patrcio Sr. Dr. Capistrano de Abreu, que tanto se interessa por nossas publicaes, concorre com um douto artigo, que serve de Introduo e no dos menores mritos desta edio. A.P.

Nota. J adiantada a composio do texto deste livro fomos informados pelo erudito senhor Dr. Joaquim de Carvalho, da Universidade de Coimbra, sobre a existncia na Biblioteca do Escurial de um manuscrito da Histria, ora em estudo pelo ilustre americanista senhor Robert Ricard, do Instituto Franco-Espanhol de Madri, o qual a respeito teve a gentileza de nos fornecer a seguinte nota: Le ms. de lEscorial a te signal pour la premire fois, ma connaissance, par D. Augusto Llacayo y Santa Maria dans ss Antiguos manuscritos de Historia, Ciencia y Arte militar, medicina y literrios existentes en la Biblioteca del Monasterio de San Lorenzo del Escorial (Sevilla, 1878), p. 158. Ce manuscrit, actuellement cote IV-b-28, compte 81 folios, de petit format, numerots au crayon. Au dbut, 3 folios blancs; la fin, 9 folios blancs. Lcriture paraite de la fin du XVI Sicle. Quelques enliminures, Au v du f 12 et au R du f 13 on trouve une carte du Brsil. Cette carte porte pour titre : Descrio da provncia Santa Cruz, a que vulgarmente chamam Brasil. Au v du f 53 on trouve une enluminure reprsentant le monstro marinho que se matou na capitania de So Vicente no ano de 61. A cet sujet, Pauteur dit la fin du ch. VIII, fs. 52 v - 53 R: O retrato deste monstro o que adiante no fim do presente captulo se mostra nem mais nem menos tirado pelo natural. Louvrage compte en tout 13 chapitres. Le titre (F 5 R) est l suivant: Histria da provncia Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil: feita por Pero de Magalhes de Gandavo, dirigida ao muito Ilustre senhor Dom Lionis Pereira. Fs. 6 v et 7 R, Epistola ao senhor Dom Lionis. Fs. 7 v - 9 R, Prlogo ao leitor. En outre, on lit Fs. 1 R - 3 v: Ao muito Ilustre senhor Dom Lionis Pereira sobre o livro que lhe oferece Pero de Magalhes. Tercetos de Lus de Cames. et F 4 R: Soneto do mesmo autor ao senhor Dom Lionis, acerca da vitria que houve contra el-Rei do Achm e Malaca.

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Nota BibliogrficaRodolfo Garcia

D

OS ESCRITOS DE GANDAVO, o Tratado da Terra do

Brasil precedeu Histria da Provncia Santa Cruz, embora esta tivesse as primcias da publicidade. A Histria saiu impressa em Lisboa logo depois de escrita; seu ttulo completo assim se inscreve: Histria da provncia Santa Cruz / a que vulgarmente chamamos Brasil feita por Pero de / Magalhes de Gandavo, dirigida ao muito Ils senhor Li / onis Pra governador que foi de Malaca e das mais partes / do Sul da ndia (Escudo de armas dos Pereiras). In-fine: Impressa em Lisboa, na oficina de Antnio Gonsaluez Ano de 1576. In-4, de 48 fls. Numeradas no verso, com duas estampas intercaladas no texto. O Tratado devia ter sido redigido em 1570, ou antes, porque uma nota marginal que se l na cpia existente na Biblioteca Pblica Municipal do Porto aumenta de 23 para 60, em 1587, os engenhos de acar da capitania de Pernambuco. Entretanto, s foi impresso em 1826, na Coleo de Notcias para a Histria e Geografia das Naes Ultramarinas, que vivem nos Domnios

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Pero de Magalhes Gandavo

Portugueses, ou lhes so vizinhos: publicada pela Academia Real das Cincias de Lisboa, tomo IV, num. IV. A Histria foi concomitantemente reeditada em 1858, na Revista do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, tomo 21, e na Coleo de Opsculos Reimpressos Relativos Histria das Navegaes, Viagens e Conquistas dos Portugueses pela Academia Real das Cincias de Lisboa, tomo I, nmero III. Todavia, muito antes do Brasil e de Portugal, j Ternaux-Campans havia feito conhecer, traduzindo-a para francs e incluindo-a na coleo intitulada Voyages, relatives et memoires originaux pour servir lHistoire de la decouverte de Amrique, tome II, Paris, 1837. Para a reimpresso da Revista do Instituto Histrico serviu o texto da primeira edio pelo rarssimo exemplar que se conserva na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Coleo Barbosa Machado; reputa-se mais fiel do que a outra. Quaisquer dessas publicaes, tanto da Histria, como do Tratado, constituem presentemente raridades bibliogrficas quase inacessveis aos estudiosos, de modo que reunir em um s volume os dois escritos, dos primeiros que trataram do Brasil, se nos afigura timo servio que se lhe presta. Para o Tratado, foi aqui utilizado o manuscrito da Biblioteca do Porto, obtido por cpia autntica. Do confronto desse manuscrito com o impresso das Notcias Ultramarinas, em mais de um passo um corrigiu enganos, ou supriu lacunas do outro, como se fez observar nos lugares prprios. Quanto a modificaes que apresenta esta reimpresso, limitam-se to-somente relativa uniformidade de grafia dos vocbulos e substituio de abreviaturas pelas palavras ou slabas completas.

Tratado da Terra do Brasil Histria da Provncia Santa Cruz

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Com relao Histria, serviram as publicaes do Instituto Histrico e da Academia das Cincias, confrontados com a edio de 1576. As alteraes nela introduzidas visam especialmente melhor distribuio dos pargrafos e tambm uniformizao ortogrfica. A feio antiga das palavras , quanto possvel, respeitada tanto no primeiro como no segundo dos escritos de Gandavo.

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IntroduoCapistrano de Abreu

dia de flamengos, como seu nome indica: Gandavo corresponde a Gantois, morador ou filho de Gand. Residiu algum tempo no Brasil. Foi insigne humanista e excelente latino, de cuja lngua abriu escola pblica entre Douro e Minho, onde foi casado, assegura Barbosa Machado. E se acrescentarmos que Lus de Cames o teve por amigo, teremos esgotado a sua breve biografia. No Reino continuou a lembrar-se da colnia, escrevendo um Tratado da Terra do Brasil, no qual se contm informao das cousas que h nestas partes, e uma Histria da Provncia S. Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil. Esta, impressa em 1576, foi traduzida a francs pelo benemrito Ternaux-Campans, em 1837, reimpressa duas vezes h quase cinqenta anos, avulsa em Lisboa, e na Revista do Instituto Histrico. O Tratado s apareceu em 1826 no quarto volume da Coleo de notcias para a Histria e Geografia nas naes ultramarinas que vivem nos domnios portugueses ou lhe so vizinhas, publicada pela Academia Real das Cincias de Lisboa: nunca mais se reeditou.

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ERO DE MAGALHES GANDAVO, natural de Braga, descen-

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Pero de Magalhes Gandavo

O Tratado foi escrito em primeiro lugar, antes de 1573, pois no se refere diviso do Brasil em dois governos, de que j fala na Histria. Assim, sua entrada em nossa terra deve ter coincidido com o governo de Mem de S (1558-1572). Em que ponto residiu, nem dizem claramente seus livros, nem consta de documento extrnseco. Atendendo s minuciosidades da descrio da Bahia e dos Ilhus, pode-se afirmar seu conhecimento direto das duas capitanias: possvel mesmo que estivesse em S. Vicente, de cujas barras d idia to precisa, e em outras capitanias intermdias. Em Pernambuco, certamente, no pisou. Conquanto chame Histria ao trabalho publicado em vida, o nome assenta-lhe mal. Diz rapidamente o descobrimento da Terra, d o nome dos primeiros donatrios ou dos donatrios vivos, fala em Tom se Sousa a propsito da fundao da cidade do Salvador, de Ferno de S a propsito da guerra do Esprito Santo em que morreu, de Mem de S, quando conquistou o Rio, no podia dizer menos. As primeiras exploraes da costa, as feitorias, sede do primitivo escambo, a tomada de posse s polegadas do territrio concedido s lguas, na expresso frisante de Rocha Pita, deixaram-no frio. A sua histria antes natural que civil; o mesmo se pode afirmar do Tratado. Explica-se isto pela insignificncia do que era ento o Brasil, como pelo fim visado pelo autor. Mais de uma vez repete que seu projeto se reduz a mostrar as riquezas da terra, os recursos naturais e sociais nela existentes, para excitar as pessoas pobres a virem povola; seus livros so uma propaganda de imigrao. Na Histria d uma descrio geral do pas, e depois em ambos os livros percorre as povoaes litorneas: conquanto ligeiras, as notcias em geral so excelentes, e revelam instinto geogrfico. Nomeia as rvores, destacando as frutas; enumera os peixes mais dignos de nota; trata de diversos animais, salientando as caas; en-

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carece as belezas do cu, as excelncias do clima, as minas que ho de vir luz, o mbar que o mar vomita; no esquece os ndios, a cujo respeito d mais de uma informao de grande valor. Sua inspirao principalmente utilitria, mas a cada instante o autor se distrai e mostra as faces de seu esprito: um esprito indagador, curioso, convicto de que sob a aparncia das cousas se escondem mistrios, uma vez indicando-os apenas, outras vezes revelando-os. Diz das bananas: estas pequenas tm dentro em si uma cousa estranha, a qual que quando as cortam pelo meio com uma faca ou por qualquer parte que seja, acha-se nelas um sinal maneira de crucifixo, e assim totalmente o parecem. Diz da sensitiva: esta planta deve ter alguma virtude muito grande a ns encoberta, cujo efeito no ser pela ventura de menos admirao, porque sabemos de todas as ervas que Deus criou ter cada uma particular virtude com que fizessem diversas operaes naquelas cousas para cuja utilidade foram criadas; quanto mais esta que a natureza nisto tanto quis assinalar, dando-lhe um to estranho ser e diferente de todas as outras cousas. Do descobrimento do Brasil diz: o que no parece carecer de mistrio, porque assim como nestes reinos de Portugal trazem a cruz no peito por insgnia da ordem e cavalaria de Cristo, assim prouve a ele que essa terra se descobrisse a tempo que o tal nome (de Santa Cruz) lhe pudesse ser dado neste santo dia (3 de maio), pois havia de ser possuda de portugueses e ficar por herana de patrimnio ao mestre da mesma ordem de Cristo. Outras vezes Gandavo encontra e vai logo expondo a explicao do fato. Diz do pau-brasil: o qual pau se mostra claro ser produzido da quentura do sol, e criado com a influncia de seus raios, por que se no acha seno debaixo da zona trrida, e assim quanto mais

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perto est da zona equinocial, tanto mais fino e de melhor tinta. E esta a sua causa porque no o h na Capitania de So Vicente nem da para o sul. Diz da capivara: as quais, como corram pouco por causa de terem os ps compridos e as mos curtas, proveu a natureza de maneira que pudessem conservar a vida debaixo da mesma gua, aonde logo se lanam de mergulho, tanto que vm gente ou qualquer outra cousa que se temam. Assim constitudo, Gandavo no podia deixar de ser convicto teologista. Dois exemplos o provaro. Depois de combater os que consideravam o mbar, quer como secreo, quer como excreo da baleia, porque se assim fosse haveria sempre mbar onde repuxasse o mamfero colossal, e tal no sucede, acrescenta: Finalmente, que como Deus tenha de muito longe esta terra dedicada cristandade, e o interesse seja o que mais leva os homens traz se que outra nem uma cousa que haja na vida, parece manifesto querer entret-los na terra com esta riqueza do mar, at chegarem a descobrir aquelas grandes minas que a terra promete, para que assim desta maneira tragam ainda toda aquela cega e brbara gente, que habita nestas partes ao lume e conhecimento de nossa f catlica, que ser descobrir-lhe outras minas maiores no cu, e qual Nosso Senhor permita que assim seja para glria sua e salvao de tantas almas. Finalmente, falando dos ndios diz: e assim como so muitos, permitiu Deus que fossem contrrios uns dos outros, e que houvesse entre eles grandes dios e discrdias, porque se assim no fosse, os portugueses no poderiam viver na terra, nem seria possvel conquistar tamanho poder de gente. Sua profisso de f resume Gandavo a propsito de um monstro marinho encontrado em So Vicente, de que apresenta o

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retrato: Tudo se pode crer, por difcil que parea, porque os segredos da natureza no foram revelados a todos ao homem para que com razo possa negar e ter por impossvel s cousas que no viu; nem de que nunca teve notcia. Este homem teolgico amante do mistrio no ainda todo o Gandavo: h nele um bom observador das cousas sociais e quem estiver a par dos estudos feitos sobre as primitivas fases econmicas, a economia caseira de Buecher, o meneio singular de Sembart, em uma palavra, a economia natural, encontrar elementos muito indistintivos. Uma importante contribuio encontramos para a psicologia do povo brasileiro. Os primeiros viajantes que viram nossas plagas ficaram enlevados de suas belezas: se houver paraso na Terra, no deve ficar longe, afirmou Vespcio. Tal sentimento no podia aninhar os primeiros habitantes, no meio de todas as provaes e contrariedades em que se agitavam. Como se deu a conciliao entre o homem e a terra, e se transformou em entusiasmo? Quem primeiro se sentiu bem no novo meio? Responde Gandavo no seu Tratado: Este vento da terra muito perigoso e doentio; e se acerta de permanecer alguns dias, morre muita gente assim portugueses como ndios da terra, mas quer Nosso Senhor que acontea isto poucas vezes; e tirado este mal, esta terra muito salutfera e de bons ares, onde as pessoas se acham bem dispostas e vivem muitos anos, principalmente os velhos tm melhor disposio e parece que tornam a renovar, e por isso alguns se no querem tornar s suas ptrias, temendo que nelas se oferea a morte mais cedo. Assim os temores da velhice precederam os ardores da mocidade.

TRATADO DA TERRA DO BRASIL

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Tratado da Terra do Brasil, no qual se contm a informao das cousas que h nestas partes, feito por Pero de Magalhes

Cardeal, Infante de Portugal. Posto que os dias passados apresentei outro sumrio da terra do Brasil a el-Rei nosso Senhor, foi por cumprir primeiro com esta obrigao de vassalo que todos devemos a nosso rei: e por esta razo me pareceu cousa muito necessria (muito Alto e Serenssimo Senhor) oferecer tambm este a V. A. a quem se devam referir os louvores e acrescentamento das terras que nestes reinos florescem: pois sempre desejou tanto aument-las, e conservar seus sditos e vassalos em perptua paz. Como eu isto entenda, e conhea quo aceitos so os bons servios a V. A. que ao reino se fazem imaginei comigo que podia trazer destas partes com que desse testemunho de minha pura teno: e achei que no se podia de um fraco homem esperar maior servio (ainda que tal no parea) que lanar mo desta informao da terra do Brasil (cousa que at agora no empreendeu pessoa alguma) para que nestes reinos se divulgue sua fertilidade e provoque as muitas pessoas pobres que se vo viver a esta

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O MUITO ALTO e Serenssimo Prncipe dom Henrique,

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Pero de Magalhes Gandavo

provncia, que nisso consiste a felicidade e aumento dela. E por que V. A. sabe quanto servio de Deus e de del-Rei nosso senhor seja esta denunciao, determinei coligi-la com deliberao de a oferecer a V. A. a quem humildemente peo me receba, e com tamanha merc ficarei satisfeito rogando a nosso Senhor lhe d prsperos e largussimos anos de vida, e deixe permanecer seu real estado em perptua felicidade. Amm.PERO DE MAGALHES HUMILDE VASSALO DE S. A.

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Prlogo ao leitor

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INHA teno no foi outra neste sumrio (discreto e

curioso leitor) seno denunciar em breves palavras a fertilidade e abundncia da terra do Brasil, para que esta fama venha notcia de muitas pessoas que nestes reinos vivem com pobreza, e no duvidem escolh-la para seu remdio por pobres e desamparados que sejam. E assim cada vez se vai fazendo mais prspera, e depois que as terras viosas se forem povoando (que agora esto desertas por falta de gente) ho de se fazer nelas grossas fazendas como j so feitas nas que possuem os moradores da terra, e tambm se espera desta provncia que por muito tempo floresa tanto na riqueza como as Antilhas de Castela por que certo ser em si a terra muito rica e haver nela muitos metais, os quais at agora se no descobrem ou por no haver gente na terra para cometer esta empresa, ou tambm por negligncia dos moradores que se no querem dispor a esse trabalho: qual seja a causa por que o deixam de fazer no sei. Mas permitir nosso Senhor que ainda em nossos dias se descubram nela grandes tesouros, assim para servio a aumento de S. A., como pelo proveito de seus vassalos que o desejam servir.

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Declarao da costa

de norte e sul. Da primeira povoao at derradeira h trezentas e cinqenta lguas. So oito capitanias, todas tm portos muito seguros onde podem entrar quaisquer naus por grandes que sejam. No h pela terra dentro povoaes de portugueses por causa dos ndios que no no consentem, e tambm pelo socorro e tratos do reino lhes necessrio estarem junto ao mar por terem comunicao de mercadorias. E por este respeito vivem todos junto da costa.

E

STA costa do Brasil est pera a parte do Ocidente, corre-se

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Captulo primeiroDA CApitAniA DE tAMARAC

que se chama tamarac pegada com a terra firme; tem trs lguas de comprido e duas de largura. tem trinta e cinco lguas de terra pela costa pelo o norte. de dona Jernima Dalbuquerque,1 mulher que foi de pero Lopes de Sousa, na qual tem posto capito de sua mo. H nela um engenho de acar e agora se faz dois novamente e muito pau do Brasil e algodo. pode ter at cem vizinhos. H nesta capitania muitas e boas terras para se povoarem e fazerem nelas fazendas.

A

povoAo da primeira capitania, e mais antiga est numa ilha

1

D. Jernima de Albuquerque de Sousa, filha de pedro Lopes de Sousa e D. isabel de Gamboa, foi casada com D. Antnio de Lima.

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Captulo segundoDA CApitAniA DE pERnAMBUCo

est cinco lguas de tamarac, pelo o sul em altura de oito graus, da qual capito e governador Duarte Coelho Dalbuquerque. tem duas povoaes, a principal se chama olinda, a outra Guarau,3 que est quatro lguas pela terra dentro. Haver nesta capitania mil vizinhos. tem vinte e trs engenhos de acar posto que destes trs ou quatro no so ainda acabados. Alguns moem com bois, a estes chamam trapiches, fazem menos acar que os outros: mas a maior parte dos engenhos do Brasil moem com gua. Cada engenho destes um por outro, faz trs mil4 arrobas cada ano, nesta capitania se fazem mais acares que nas outras, por que houve ano que passaram de cinqenta mil arrobas, ainda que o rendimento deles no certo, so segundo as novidades e os tempos que se oferecem. Esta se acha uma das ricas terras do Brasil, tem muitos escravos ndios que a principal fazenda da terra. Daqui os levam e compram para todas as outras capitanias, por que h nesta muitos, e mais baratos que em toda a costa:CApitAniA DE pERnAMBUCo2 2 3 4 nota marginal do ms. Da Biblioteca pblica Municipal do porto: nova Lusitnia a chamam muitos. ibidem: Agora so 60 ano de 1587. ibidem: Agora quatro mil que so todos os anos que se cobram 240 arrobas.

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pero de Magalhes Gandavo

h muito pau do Brasil e algodo de que enriquecem os moradores desta capitania. o porto onde os navios entram5 est uma lgua da povoao olinda; servem-se pela praia e tambm por um rio pequeno que vai dar junto da mesma povoao. A esta capitania vo cada ano mais navios do reino que a nenhuma das outras. H nela um mosteiro de padres da Companhia de Jesus.RIOS

H dous rios caudais at a Bahia de todos os Santos; um se chama So Francisco, est em dez graus e meio, o qual entra no mar com tanta fria que vinte lguas pelo mesmo mar correm suas guas. outro rio est em onze graus e dois teros que se chama o rio Real, tambm muito grande e correm suas guas pelo mar.

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ibidem: A este porto se entra por um canal to estreito que apenas cada uma no por ele, e se no entra com muito tento d em pedra viva e perde-se, o que acontece muitas vezes aos experimentados e por isso se chama pernambuco, que quer dizer mar fundo.

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Captulo terceiroDA CApitAniA DA BAHiA DE toDoS oS SAntoS

CApitAniA da Bahia de todos os Santos est a cem lguas de pernambuco em altura de treze graus. terra del-Rei nosso Senhor, onde residem os governadores e bispo e ouvidor-geral de toda a costa. Esta a terra mais povoada de portugueses que h no Brasil. tem trs povoaes, a principal a Cidade de Salvador. A outra se chama vila velha que est junto da barra. Esta povoao foi a primeira que houve nesta capitania: depois tom de Sousa, sendo governador, edificou esta Cidade de Salvador mais adiante meia lgua ao longo da Bahia por ser lugar mais conveniente e proveitoso para os moradores da terra. Quatro lguas pela terra dentro est outra que se chama paripe. pode haver nesta capitania mil e cem vizinhos. tem dezoito engenhos, alguns se fazem novamente. tambm se tira deles, muito acar, ainda que os moradores se lanam mais ao algodo que a canas-de-acar por que se d melhor na terra. Dentro da cidade est um mosteiro de padres da Companhia de Jesus, na qual tm colgio onde ensinam latim e casos de conscincia. Afora este h cinco igrejas pela terra dentro entre os ndios forros, onde residem alguns padres para fazerem cristos e casarem os mesmos ndios por no estarem amancebados. Esta capitania tem uma baa muito grande e formosa, h trs lguas de largura, e navega-se quinze por ela dentro, tem muitas ilhas de

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pero de Magalhes Gandavo

terras muito viosas que do infinito algodo; divide-se em muitas partes esta baa: e tem muitos braos e enseadas dentro. os moradores da terra todos se servem por ela com barcos pelas suas fazendas.RIOS

Doze lguas desta Bahia de todos os Santos est um rio que se chama tinhar, onde se recolhem muitas embarcaes que passam pera as outras capitanias. trs lguas por ele dentro est um engenho de um Bastio de ponte, junto do qual esto muitas terras perdidas por falta de moradores, das quais se conseguiria muito proveito se as povoassem. Mais avante, seis lguas est um rio que se chama Camamu em treze graus e meio6 no qual podem entrar quaisquer naus seguramente quatro, cinco lguas por ele dentro. Ao longo deste rio h terras muito viosas e muitas guas para se poder fazer engenhos de acar, as quais tambm se perdem por no haver gente que as v povoar. tm dentro algumas ilhas de terras mui grossas e acomodadas para se fazerem nelas muita fazenda. nesse mesmo rio h muito peixe em extremo, e junto dele muita infinita caa de porcos e veados. Aqui se pode fazer uma povoao, onde os homens vivam muito abastados e faam muitas fazendas. H outro que se chama o rio das Contas, est em quatorze graus e meio, mas no to grande, ainda que tambm entram nele algumas embarcaes. Em todos estes rios h muita abundncia de peixes e de caa.

6

treze graus e dois teros no impresso das Notcias para a Histria e Geografia das Naes Ultramarinas, tomo iv, n iv.

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Captulo quartoDA CApitAniA DoS iLHUS

CApitAniA dos ilhus est a trinta lguas da Bahia de todos os Santos em quatorze graus e dous teros; de Francisco Giraldes, na qual tem posto capito de sua mo. pode haver nela duzentos vizinhos. tem um rio onde os navios entram, o qual est junto da povoao, divide-se em muitas partes pela terra dentro, servem-se os moradores por ele pera suas fazendas em almadias. H nesta capitania oito engenhos de acar. Dentro da povoao est um mosteiro de padres da Companhia de Jesus que agora se faz novamente. Sete lguas da mesma povoao pela terra dentro est uma lagoa doce que tem trs lguas de comprido e trs de largo e tem dez, quinze braas de fundo e da pera cima. Sai dela um rio pequeno pelo qual vo l ter barcos. tem esta lagoa um local neste rio, to estreito,7 que apenas cabe um barco por ele, e depois que anda dentro quase no sabe determinar por onde entrou. tem tanta abundncia dgua que podem andar nela quaisquer naus, por grandes que sejam, vela; e assim quando venta muito, alevantam-se ali ondas to furiosas como se fosse no meio do mar com tormenta. tem muita infinidade de peixes grandes e pequenos. Criam-se 7 Entre as palavras Tem e estreito, h uma lacuna no ms. da Biblioteca do porto, que preenchemos com o impresso das notcias Ultramarinas.

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nela muitos peixes-bois, os quais tm o focinho como o de boi e dois cotos com que nadam maneira de braos; no tm nenhuma escama nem outra feio de peixe seno o rabo. Matam-nos com arpes, so to gordos e tamanhos que alguns pesam trinta, quarenta arrobas. um peixe muito saboroso e totalmente parece carne e assim tem o gosto dela; assado parece lombo de porco ou de veado, coze-se com couves, e guisa-se como carne, nem pessoa alguma o come que o tenha por peixe, salvo se o conhecer primeiro. As fmeas tm duas mamas pelas quais mamam os filhos, criam-se com leite (cousa que se no acha noutro peixe algum): tambm h destes em algumas baas e rios desta costa e posto que se criem no mar costumam beber gua doce, por isso acodem muitos a esta lagoa ou a parte onde algum ribeiro se meta no mar. tambm h muitos tubares nesta lagoa, e lagartos e muitas cobras. E acham-se nela outros monstros marinhos de diversas maneiras. H muitas terras e mui viosas ao redor dela, e muita caa; e neste rio que sai da lagoa muita fertilidade de peixe. Finalmente que uma das abastadas terras de mantimentos que h no Brasil esta Capitania dos ilhus.

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Captulo quintoDUMA nAo DE GEntio QUE SE ACHA nEStA CApitAniA

ELAS terras desta capitania at junto do Esprito Santo, se acha uma certa nao de gentio que veio do serto h cinco ou seis anos, e dizem que outros ndios contrrios destes, vieram sobre eles a suas terras, e os destruiram todos e os que fugiram so estes que andam pela costa. Chamam-se aimors, a lngua deles diferente dos outros ndios, ningum os entende, so eles to altos e to largos de corpo que quase parecem gigantes; so mui alvos, no tm parecer dos outros ndios na terra nem tm casas nem povoaes onde morem, vivem entre os matos como brutos animais; so mui forosos em extremo, trazem uns arcos mui compridos e grossos conforme a suas foras e as frechas da mesma maneira. Estes ndios tm feito muito dano aos moradores depois que vieram a esta costa e mortos alguns portugueses e escravos, porque so inimigos de toda gente. no pelejam em campo nem tm nimo para isso, pem-se entre o mato junto de algum caminho e tanto que passa algum atiram-lhe ao corao ou a parte onde o matem e no despendem frecha que no na empreguem. Finalmente, que no tm rosto direito a ningum, seno a traio fazem a sua. As mulheres trazem uns paus tostados com que pelejam. Estes ndios no vivem seno pela frecha, seu mantimento caa, bichos e carne humana, fazem fogo debaixo do cho por no serem sentidos nem saberem onde andam. Muitas terras viosas esto perdidas junto desta capitania, as quais no so possudas

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dos portugueses por causa destes ndios. no se pode achar remdio para os destrurem porque no tm morada certa, nem saem nunca dentre o mato: e assim quando cuidamos que vo fugindo ante quem os persegue, ento ficam atrs escondidos e atiram aos que passam descuidados. Desta maneira matam alguma gente. todos quantos ndios h no Brasil so seus inimigos e temem-nos muito, porque h gente atraioada. E assim onde os h nenhum morador vai a sua fazenda por terra que no leve quinze vinte escravos consigo de arcos e flechas. Estes aimors so mui feroz e cruis, no se pode com palavras encarecer a dureza desta gente. no andam todos juntos, derramam-se por muitas partes, e quando se querem ajuntar assobiam como pssaros ou como bugios, de maneira que uns aos outros se entendem e se conhecem. tambm os portugueses matam alguns deles, e tm muitos destrudos, principalmente nesta Capitania dos ilhus, e guardam-se muito deles, porque j sabem suas manhas e conhecem mui bem sua malcia.

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Captulo sextoDA CApitAniA DE poRto SEGURo

CApitAniA de porto Seguro est trinta lguas dos ilhus em dezasseis graus e meio. do Duque dAveiro, na qual tem posto capito de sua mo. tem trs povoaes, a principal porto Seguro, que est junto do porto onde os navios entram. outra est da uma lgua que se chama Santo Amaro; outra Santa Cruz, que est da quatro lguas pera o norte. pode haver nesta capitania duzentos e vinte vizinhos. tem cinco engenhos de acar. H nela um mosteiro de padres da Companhia de Jesus. tambm chegam a esta capitania os aimors e fazem nela dano aos moradores como nos ilhus. terra mui abastada de caa, e de peixes que matam no rio que est junto da povoao.

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Captulo stimoDA CApitAniA Do ESpRito SAnto

do Esprito Santo est cinqenta lguas de porto Seguro em vinte graus, da qual Capito e governador vasco Fernandes Coutinho. tem um engenho somente, tira-se dele o melhor acar que h em todo o Brasil. pode ter at cento e oitenta vizinhos. H dentro da povoao um mosteiro de padres da Companhia de Jesus. tem um rio mui grande onde os navios entram, no qual se acham mais peixes-bois que noutro nenhum rio desta costa. no mar junto desta Capitania matam grande cpia de peixes grandes e de toda maneira, e tambm no mesmo rio h muita abundncia deles. nesta capitania h muitas terras e mui largas onde moradores vivem mui abastados assim de mantimentos da terra, como de fazendas. E quando se tomou a fortaleza do Rio de Janeiro desta mesma Capitania do Esprito Santo sustentaram toda a gente e proveram sempre de mantimentos necessrios enquanto estiveram na terra os que defendiam.CApitAniA RIOS

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Avante desta capitania em altura de vinte e um graus est o frio de paraba, este mui grande e formoso e tem infinito peixe. Junto do Cabo Frio em altura de vinte e dois graus est a Baa formosa, na qual se

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pode fazer uma capitania de muitos vizinhos, onde tambm se perdem muitas terras por falta de gente. outros muitos rios h nestas partes que deixo de escrever por serem pequenos e no se fazer tanto caso deles, nem minha tenso foi outra seno tratar destes mais notveis, onde se podem fazer algumas povoaes e conseguir proveito das terras viosas que por esta costa esto desertas.

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Captulo oitavoDA CApitAniA Do Rio DE JAnEiRo

do Rio de Janeiro, Cidade de So Sebastio, est sessenta lguas do Esprito Santo em vinte e trs graus e um tero, terra del-Rei nosso Senhor. pode ter pouco mais ou menos cento e quarenta vizinhos, agora se comea de povoar novamente. Esta a mais frtil e viosa terra que h no Brasil. tem terras mui singulares e muitas guas para engenhos de acar. H nela muito infinito pau do Brasil, de que os moradores da terra fazem muito proveito. Esta capitania tem um rio mui largo e formoso; divide-se dentro em muitas partes, e quantas terras esto ao longo dele se podem aproveitar, assim pera roas de mantimentos como pera canas-de-acar e algodes, porque so mui viosas e melhores de quantas h por toda esta costa. H nesta cidade um mosteiro de padres da Companhia de Jesus, os quais tambm aumentaram muito esta terra e desejam muito v-la povoada de muitos moradores, porque so como digo as terras desta capitania mui largas, e sabem quo proveitosas so para toda gente pobre que as for possuir. E por tempo ho de se fazer nelas grandes fazendas: e os que l forem viver com esta esperana no se acharo enganados.CApitAniA

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Captulo nonoDA CApitAniA DE So viCEntE

de So vicente est sessenta lguas do Rio de Janeiro em vinte e quatro graus, de pero Lopes de Sousa, na qual tem posto capito de sua mo: esta e o Rio de Janeiro so as mais frias terras que h no Brasil, gia nelas em tempo de inverno quase como neste Reino. nesta capitania se deu j trigo, mas no no querem semear por haver na terra outros mantimentos de menos custo. tem trs povoaes, e uma fortaleza que est numa ilha junto da terra firme quatro lguas para o norte que se chama Britioga; daqui defendem esta capitania dos ndios, e franceses com artilharia que h na mesma fortaleza. A principal povoao se chama Santos, onde est um mosteiro de padres da Companhia de Jesus. A outra mais avante ao longo do rio uma lgua So vicente; tambm h nela outro mosteiro de padres da Companhia. pela terra dentro dez lguas edificaro os mesmos padres uma povoao entre os ndios que se chama o Campo, na qual vivem muitos moradores, a maior parte deles so mamelucos filhos de portugueses e de ndias da terra. Aqui e nas mais capitanias tm feito estes padres da Companhia grande fruto e fazem com que a terra v em muito crescimento, trabalham por fazer cristos a muitos ndios e metem muitas pazes entre os homens; tambm fazem restituir as liberdades de muitos ndios que alCApitAniA

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guns moradores da terra tm mal resgatados: assim que sempre acodem aos que se desviam do servio de Deus e de S.A. Haver nesta capitania quinhentos vizinhos, tem quatro engenhos de acar e muitas terras viosas de que os moradores tiram muitos mantimentos e fazenda e vivem todos mui abastados. Esta a ltima capitania que h nestas partes do Brasil...

TRATADO SEGUNDODAS COUSAS QUE SO GERAIS POR TODA COSTA DO BRASIL

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Captulo primeiroDAS FAZENDAS DA TERRA

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S mORADORES desta costa do Brasil todos tm terras de sesmarias

dadas e repartidas pelos Capites da terra, e a primeira cousa que pretendem alcanar, so escravos para lhes fazerem e granjearem suas roas e fazendas, porque sem eles no se podem sustentar na terra: e uma das cousas por que o Brasil no floresce muito mais, pelos escravos que se alevantaram e fugiram para suas terras e fogem cada dia: e se estes ndios no foram to fugitivos e mudveis, no tivera comparao a riqueza do Brasil. As fazendas donde se consegue mais proveito so acares, algodes e pau do Brasil, com isto fazem pagamentos aos mercadores que deste Reino lhes levam fazenda porque o dinheiro pouco na terra, e assim vendem e trocam uma mercadoria por outra em seu justo preo. Quantos moradores h na terra tm roas de mantimentos e vendem muitas farinhas de pau uns aos outros, de que tambm tiram muito proveito. O mais gado que h nesta costa so bois e vacas, deste h muita abundncia em todas as capitanias, porque so as ervas muitas, e sempre a terra est coberta de verdura, ainda que em Porto Seguro no se querem dar nenhumas vacas seno o primeiro ano, no qual engordam tanto que do muito vio dizem que morrem todas. Cabras e ovelhas h muito poucas at agora, comeam de multiplicar novamente; as cabras se do melhor que as ovelhas e parem dous, trs filhos de

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cada vez. Fazem os moradores da terra muito por esta criao.8 Tambm h guas e cavalos, mas ainda so caros por no haver muitos na terra, levamnos de Cabo Verde pera l e do-se muito bem na terra. Acha-se tambm por esta costa muito mbar que o mar de si lana fora as mais das vezes quando faz tormenta e so guas vivas, ento h muitas pessoas que mandam seus escravos pela praia busc-la nos lugares onde costuma sair mais vezes, e muitas vezes acontece enriquecerem alguns assim do que acham seus escravos como do que resgatam aos ndios forros. Segundo a dita e ventura de cada um. Os panos que nesta terra se fazem so de algodo, todo o mais vai deste Reino. E assim h tambm muitos escravos de Guin: estes so mais seguros que os ndios da terra porque nunca fogem nem tm pera onde. H tambm muita criao de porcos e muitas galinhas, adens e patos da terra. Estas so as fazendas que possuem os moradores do Brasil.

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No impresso das Notcias Ultramarinas vem: Tambm os moradores da terra tiram muito por esta criao.

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Captulo segundoDOS COSTUmES DA TERRA

S PESSOAS que no Brasil querem viver, tanto que se fazem moradores da terra, por pobres que sejam, se cada um alcanar dous pares ou meia dzia de escravos (que pode um por outro custar pouco mais ou menos at dez cruzados) logo tem remdio para sua sustentao; porque uns lhe pescam e caam, outros lhe fazem mantimentos e fazenda e assim pouco a pouco enriquecem os homens e vivem honradamente na terra com mais descanso que neste Reino, porque os mesmos escravos ndios da terra buscam de comer pera si e pera os senhores, e desta maneira no fazem os homens despesa com seus escravos em mantimentos nem com suas pessoas. A maior parte das camas do Brasil so redes, as quais armam numa casa com duas cordas e lanam-se nelas a dormir. Este costume tomaram os ndios da terra.9 Os moradores destas capitanias tratam-se muito bem e so mais largos que a gente deste Reino, assim no comer como no vestir de suas pessoas, e folgam de ajudar uns aos outros com seus escravos e favorecem muito os pobres que comeam a viver na terra. Isto se costuma nestas partes: e fazem outras muitas obras por onde todos tm remdio de vida e nenhum pobre anda pelas portas a pedir como neste Reino.

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...dos ndios da terra no impresso das Notcias Ultramarinas.

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Captulo terceiroDAS QUALIDADES DA TERRA

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NESTAS partes do Brasil seis meses de vero e seis de inver-

no: os de vero so de setembro at fevereiro, os de inverno de maro at agosto. Assim que quando nesta provncia do Brasil inverno c nestes Reinos vero, e os dias quase sempre so tamanhos como as noites, uma hora somente crescem e minguam. Cursam sempre ventos gerais, no inverno seis meses sul e sueste, no vero nordeste. Sempre correm as guas com o vento por costa, e por isso se no pode navegar de umas capitanias pera outras se no esperarem por mones para irem com as guas e com o vento, porque cursam como digo seis meses duma parte e seis doutra, e portanto so muitas vezes as viagens vagarosas, e quando vo contra tempo as embarcaes correm muito risco, arribam as mais das vezes ao porto donde saram. mete-se no meio e na fora deste vero, oito dias ante os Santos, uma tormenta de vento sul que dura uma semana, este mui certo e geral, nunca se acha que naqueles dias faltasse. muitas embarcaes esperam por este vento e fazem com ele suas viagens. Esta terra sempre quente quase tanto no inverno como no vero. A virao do vento geral entra ao meio-dia pouco mais ou menos, to fresco este vento e to frio que no se sente mais calma, e ficam recreados os corpos das pessoas.

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Dura este vento do mar at de madrugada, torna dali a calmar outra vez por causa dos vapores da terra que o apagam e quando amanhece est o cu todo coberto de nuvens e as mais das manhs chove nestas partes e a terra fica toda coberta de nvoa, porque tem muitos arvoredos e chama a si todos estes humores. E tanto que este geral acalma comea a ventar da terra um vento brando que nela se gera, at que o Sol com sua quentura o torna apagar e alimpa tudo outra vez e faz ficar o dia claro e sereno, entra logo o vento do mar acostumado. Este vento da terra mui perigoso e doentio; e se acerta de permanecer alguns dias, morre muita gente assim portugueses como ndios da terra; mas quer Nosso Senhor que acontea isto poucas vezes; e tirado este mal, esta terra mui salutfera e de bons ares, onde as pessoas se acham bem dispostas e vivem muitos anos, principalmente os velhos tm melhor disposio e parecem que tornam a renovar, e por isso alguns se no querem tornar s suas ptrias, temendo que nelas se lhes oferea a morte mais cedo. Os ares de pela manh so mui frescos e sadios; muitas pessoas se costumam alevantar cedo por que se aproveitem deles enquanto tm esta virtude. A terra em si lassa e desleixada; acham-se nela os homens algum tanto fracos e minguados das foras que possuem c neste Reino por respeito da quentura e dos mantimentos que nela usam, isto , enquanto as pessoas so novas na terra, mas depois que por tempo se acostumam ficam to rijos e bem dispostos como se aquela terra fora sua mesma ptria. manda-se dar nesta terra aos enfermos carne de porco, pera qualquer doena proveitosa, e no faz mal a nenhuma pessoa; o peixe tambm tem a mesma qualidade e pe muita sustncia aos doentes. Esta terra mui frtil e viosa, toda coberta de altssimos e frondosos arvoredos, permanece sempre a verdura nela inverno e vero; isto causa chover-lhe muitas vezes e no haver frio que ofenda ao que produz a terra. H por baixo destes arvoredos grande mato e mui basto e de tal maneira est escuro e cerrado em partes que nunca participa o cho da quentura nem da claridade do sol, e assim est sempre mido e minando gua de si. As guas que na terra se bebem so mui sadias e saborosas, por muita que se beba no prejudica a sade da pessoa, a mais dela se torna logo a suar e fica o corpo desalivado e so. Finalmente que esta terra to deleitosa e temperada que nunca nela se sente frio nem quentura sobeja.

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Captulo quartoDOS mANTImENTOS DA TERRA

timento algum deste Reino, o que l se come em lugar de po farinha de pau: esta se faz da raiz duma planta que se chama mandioca, a qual como inhame. E tanto que se tira de baixo da terra, est curtindo-se em gua trs, quatro dias, e depois de curtida pisam-na ou relam-na muito bem e espremem-na daquele sumo de tal maneira que fique bem escorrida, porque aquela gua que sai dela to peonhenta, que qualquer pessoa ou animal que a beber logo naquele instante morre: assim que depois de a terem deste modo curada, pem um alguidar grande sobre o fogo e como se aquenta, botam aquela mandioca nele e por espao de meia hora est naquela quentura cozendo-se, dali a tiram, e fica temperada pera se comer. H todavia farinha de duas maneiras: uma se chama de guerra, e outra fresca, a de guerra muito seca, fazem-na desta maneira para durar muito e no se danar; a fresca mais branda e tem mais sustncia; finalmente que no to spera como a outra, mas no dura mais que dois, trs dias; como passa daqui logo se dana. Desta mesma mandioca fazem outra maneira de mantimentos, que se chamam beijus, so mui alvos e mais grossos que obrias, destes usam muito os moradores da terra porque so mais saborosos e de melhor digesto que a farinha. Outra raiz h duma planta que se chama aipim, da qual fazem uns bolos que parecem po fresco deste Reino

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ESTAS partes do Brasil no semeiam trigo nem se d outro man-

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e tambm se come assada como batata, de toda maneira se acha nela muito gosto. Tambm h na terra muito milho-zaburro, este se d em todas as capitanias, e faz um po muito alvo. H nesta terra muita cpia de leite de vacas, muito arroz, fava, feijes, muitos inhames e batatas, e outros legumes que fartam muito a terra.10 H muita abundncia de marisco e de peixe por toda esta costa; com estes mantimentos se sustentam os moradores do Brasil sem fazerem gastos nem diminurem nada em suas fazendas.

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No impresso das Notcias Ultramarinas faltam as palavras desde po muito alvo, exclusive, at batatas, inclusive.

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Captulo quintoDA CAA DA TERRA

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cousas que sustenta e abasta muito 11 os moradores desta terra do Brasil, a muita caa que h nestes matos de muitos gneros e de diversas maneiras, a qual os mesmos ndios da terra matam assim com frechas como por indstria de seus laos e fojos, onde costumam tomar a maior parte dela. H muitos veados e muita soma de porcos-monteses de muitas castas. Uns pequenos h na terra que tm as cerdas mui grossas, speras e crespas; estes tm o umbigo nas costas, matam-se muitos deles, e doutros grandes que no so desta qualidade. H muitas antas que quase so tamanhas como vacas e pastam ervas como outro gado qualquer; sua carne tem o sabor como da vaca: a pele deste animal muito grossa e rgida. H tambm coelhos, mas tm as orelhas doutra maneira mais pequenas e redondas. H outros animais maiores que lebres que se chamam pacas, tambm tm carne muito saborosa. Uns bichos h nesta terra que tambm se comem e se tm pela melhor caa que h no mato. Chamam-lhes tatus, so tamanhos como coelhos e tm um casco maneira da lagosta como de cgado, mas repartido em muitas juntas como lminas; parecem totalmente um cavalo armado, tm um rabo domA DAS 11 Sustenta muito, e abasta nas Notcias Ultramarinas.

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mesmo casco comprido, o focinho como de leito, e no botam mais fora do casco que a cabea, tm as pernas baixas e criam-se em covas, a carne deles tem o sabor quase como de galinha. Esta caa muito estimada na terra. H tambm muitas galinhas de mato que os ndios matam com frechas, e outras muitas aves mui gordas e saborosas melhores que perdizes. Desta e de outra muita caa h no Brasil muita abundncia.

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Captulo sextoDAS FRUTAS DA TERRA

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se d nesta terra do Brasil muito saborosa, e mais prezada de quantas h. Cria-se uma planta humilde junto do cho, a qual tem umas pencas como cardo, a fruta dela nasce como alcachofras e parecem naturalmente pinhas, e so do mesmo tamanho, chamam-lhes ananases, e depois de maduros tm um cheiro muito excelente, colhem-nos como so de vez, e com uma faca tiram-lhes aquela casca grossa e fazem-nos em talhadas e desta maneira se comem, excedem no gosto a quantas frutas h neste reino e fazem todos tanto por esta fruta, que mandam plantar roas dela, como de cardais: a este nosso reino trazem muitos destes ananases em conserva. Outra fruta se cria numas rvores grandes, estas se no plantam, nascem pelo mato muitas; esta fruta depois de madura muito amarela: so como pros repinaldos compridos, chamam-lhes cajus, tm muito sumo, e cria-se na ponta desta fruta de fora um caroo como castanha, e nasce diante da mesma fruta, o qual tem a casca mais amargosa que fel, e se tocarem com ela nos beios dura muito aquele amargor e faz empolar toda a boca; pelo contrrio este caroo assado, muito mais gostoso que amndoa; so de sua natureza muito quentes em extremo. H na terra tantos destes caroos que os medem aos alqueires. Tambm h uma fruta que lhe chamam bananas, e pela lngua dos ndios pacovas: h na terra muita abundncia delas: perecem-se na feio com pepinos, nascem numas rvores muito tenras e no so muito altas, nem tm ramos seno folhas muito compridas e largas. Estas bananas criam-se em cachos, algum se acha que tem de cento e cinqenta para cima, e muitas vezes to grandemA FRUTA

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o peso delas que faz quebrar a rvore pelo meio; como so de vez colhem estes cachos, e depois de colhidos amadurecem, e tanto que estas rvores do uma fruta, logo as cortam porque no frutificam mais que a primeira vez, e tornam a rebentar pelos ps outras novas. Esta uma fruta muito saborosa e das boas que h na terra, tem uma pele como de figo, a qual lhes lanam fora quando as querem comer e se come muitas delas fazem dano sade e causam febre a quem se desmanda nelas. E assadas maduras so muito sadias e mandam-se dar aos enfermos. Com esta fruta se mantm a maior parte dos escravos desta terra, porque assadas verdes passam por mantimento, e quase tm sustncia de po. H duas qualidades desta fruta, umas so pequenas como figos berjaotes, as outras so maiores e mais compridas. Estas pequenas tm dentro em si uma cousa estranha, a qual que quando as cortam pelo meio com uma faca ou por qualquer parte que seja acha-se nelas um sinal maneira de crucifixo, e assim totalmente o parecem. Tambm h uma fruta que se chama bracases,12 so como nsperas posto que comam muita no fazem mal sade. H muita pimenta da terra, come-se verde, queima muito em grande maneira. Outras muitas frutas h pelo mato dentro de diversas qualidades, e so tantas que se j acharam pela terra dentro algumas pessoas e sustentaram-se com elas muitos dias sem outro mantimento algum. Estas que aqui escrevo so as que os portugueses tm entre si em mais estima e as melhores da terra. Algumas frutas deste reino se do nestas partes, scilicet, muitos meles, pepinos e figos de muitas castas, roms, muitas parreiras que do uvas duas, trs vezes no ano, e tanto que umas se acabam, comeam logo outras novamente. E desta maneira nunca est o Brasil sem frutas. De limes e laranjas h muita infinidade; do-se muito na terra estas rvores de espinho e multiplicam mais que as outras.

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Fracases, nas Notcias Ultramarinas, por araases, como chamavam aos frutos do araazeiro (Psidium, varspec). Ao fruto chamam araases, que so da feio das nsperas, mas alguns muito maiores. Gabriel Soares de Sousa Tratado Descritivo do Brasil em 1587 (Rio de Janeiro, 1851), p. 187.

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Captulo stimoDA CONDIO E COSTUmES DOS NDIOS DA TERRA

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pode numerar nem compreender a multido de brbaro gentio que semeou a natureza por toda esta terra do Brasil; porque ningum pode pelo serto dentro caminhar seguro, nem passar por terra onde no acha povoaes de ndios armados contra todas as naes humanas, e assim como so muitos permitiu Deus que fossem contrrios uns dos outros, e que houvesse entre eles grandes dios e discrdias, porque se assim no fosse os portugueses no poderiam viver na terra nem seria possvel conquistar tamanho poder de gente. Havia muitos destes ndios pela costa junto das capitanias, tudo enfim estava cheio deles quando comearam os portugueses a povoar a terra; mas porque os mesmos ndios se alevantaram contra eles e faziam-lhes muitas traies, os governadores e capites da terra destruram-nos pouco a pouco e mataram muitos deles, outros fugiram pera o serto, e assim ficou a costa despovoada de gentio ao longo das capitanias. Junto delas ficaram alguns ndios destes nas aldeias que so de paz, e amigos dos portugueses. A lngua deste gentio toda pela costa , uma: carece de trs letras scilicet, no se acha nela F, nem L, nem R, cousa digna de espanto, porque assim no tm F, nem Lei, nem Rei; e desta maneira vivem sem Justia e desordenadamente.O SE

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Estes ndios andam nus sem cobertura alguma, assim machos como fmeas, no cobrem parte nenhuma de seu corpo, e trazem descoberto quanto a natureza lhes deu. Vivem todos em aldeias, pode haver em cada uma sete, oito casas, as quais so compridas feitas maneira de cordoarias; e cada uma delas est cheia de gente duma parte e doutra, e cada um por si tem sua estncia e sua rede armada em que dorme, e assim esto todos juntos uns dos outros por ordem, e pelo meio da casa fica um caminho aberto para se servirem. No h como digo entre eles nenhum Rei, nem Justia, somente em cada aldeia tem um principal que como capito, ao qual obedecem por vontade e no por fora; morrendo este principal fica seu filho no mesmo lugar; no serve doutra cousa se no de ir com eles guerra, e conselh-los como se ho de haver na peleja, mas no castiga seus erros nem manda sobre eles cousa alguma contra sua vontade. Este principal tem trs, quatro mulheres, a primeira tem em mais conta, e faz dela mais caso que das outras. Isto tem por estado e por honra. No adoram cousa alguma nem tm para si que h na outra vida glria para os bons, e pena para os maus, tudo cuidam que se acaba nesta e que as almas fenecem com os corpos, e assim vivem bestialmente sem ter conta, nem peso, nem medida. Estes ndios so mui belicosos e tm sempre grandes guerras uns contra os outros; nunca se acha neles paz nem possvel haver entre eles amizade; porque umas naes pelejam contra outras e matam-se muitos deles, e assim vai crescendo o dio cada vez mais e ficam imigos verdadeiros perpetuamente. As armas com que pelejam so arcos e frechas; a cousa que apontarem no na erram, so mui certos com esta arma e mui temidos na guerra, andam sempre nela exercitados. E so mui inclinados a pelejar, e mui valentes e esforados contra seus adversrios, e assim parece cousa estranha ver dous, trs mil homens nus duma parte e doutra com grandes assobios e grita frechando uns aos outros; e enquanto dura esta peleja nunca esto com os corpos quedos meneando-se duma parte pera outra com muita ligeireza pera que no possam apontar nem fazer tiro em pessoa certa; algumas velhas costumam apanhar-lhes as frechas pelo cho e servi-los enquanto pelejam. Gente esta mui atrevida e que teme muito pouco a morte, e quando vo guerra sempre lhes parece que tm certa a vitria e que nenhum de sua companhia h de

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morrer. E quando partem dizem, vamos matar: sem mais consideraes, e no cuidam que tambm podem ser vencidos. No do vida a nenhum cativo, todos matam e comem, enfim que suas guerras so mui perigosas, e devem-se ter em muita conta porque uma das cousas que desbaratou muitos portugueses foi a pouca estima em que tinham a guerra dos ndios, e o pouco caso que faziam deles, e assim morreram muitos miseravelmente por no se aperceberem como convinha; destes houve muitas mortes desastradas: e isto acontece cada passo nestas partes. Quando estes ndios tomam alguns contrrios, se logo com aquele mpeto os no matam, levam-nos vivos para suas aldeias (ou sejam portugueses ou quaisquer outros ndios seus imigos), e tanto que chegam a suas casas lanam uma corda mui grossa ao pescoo do cativo para que no possa fugir, e armam-lhe uma rede em que durma e do-lhe uma ndia moa, a mais formosa e honrada que h na aldeia, pera que durma com ele, e tambm tenha cuidado de o guardar, e no vai pera parte que no no acompanhe. Esta ndia tem cargo de lhe dar muito bem de comer e beber; e depois de o terem desta maneira cinco ou seis meses ou o tempo que querem, determinam de o matar; e fazem grandes cerimnias e festas aqueles dias, e aparelham muitos vinhos para se embebedarem, e fazem-nos da raiz duma erva que se chama aipim, a qual fervem primeiro e depois de cozida mastigam-na umas moas virgens, e espremem-na nuns potes grandes, e dali a trs ou quatro dias o bebem. E o dia que ho de matar este cativo, pela manh se alguma ribeira est junto da aldeia levam-no a banhar nela com grandes cantares e folias, e tanto que chegam com ele aldeia, atamno pela cinta com quatro cordas cada uma pera sua parte e trs, quatro ndios pegados e cada ponta destas e assim o levam ao meio dum terreiro, e tiram tanto por estas cordas que no se possa bolir por uma parte nem por outra, as mos lhe deixam soltas porque folgam de o ver defender com elas. Aquele que o h de matar empena-se primeiro com penas de papagaio de muitas cores por todo o corpo: h de ser este matador o mais valente da terra, e mais honrado. Traz na mo uma espada dum pau muito duro e pesado com que costumam de matar, e chega-se ao padecente dizendo-lhe muitas cousas e ameaando-lhe sua gerao que o mesmo h de fazer a seus parentes; e depois de o ter afrontado com muitas palavras injuriosas d-lhe uma grande pancada na cabea, e logo da primeira o mata e lhe fazem pedaos. Est uma ndia velha com um cabao na mo, e assim como ele cai

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acode muito depressa com ele a meter-lho na cabea para tomar os miolos e o sangue: tudo enfim cozem e assam, e no fica dele cousa que no comam. Isto mais por vingana e por dio que por se fartarem. Depois que comem a carne destes contrrios ficam nos dios confirmados, e sentem muito esta injria, e por isso andam sempre a vingarem-se uns contra os outros. E se a moa que dormia com o cativo fica prenhe, aquela criana que pare depois de criada, matam-na e comem-na13 e dizem que aquela menina ou menino era seu contrrio verdadeiro, e por isso estimam muito comer-lhe a carne e vingar-se dele. E porque a me sabe o fim que ho de dar a esta criana, muitas vezes quando se sente prenhe mata-a dentro da barriga e faz com que morra.14 E acontece algumas vezes afeioar-se tanto a este cativo e toma-lhe tanto amor que foge com ele pera sua terra pera o livrar da morte. E assim alguns portugueses h que desta maneira escaparam e esto hoje em dia vivos; e muitos ndios que do mesmo modo se salvaram, ainda que so alguns to brutos que no querem fugir depois de os terem presos; porque houve algum que estava j no terreno atado para padecer e davam-lhe a vida e no quis seno que o matassem, dizendo que seus parentes o no teriam por valente, e que todos correriam com ele; e daqui vem no estimarem a morte; e quando chega aquela hora no na terem em conta nem mostrarem nenhuma tristeza naquele passo. Finalmente que so estes ndios muito desumanos e cruis, no se movem a nenhuma piedade: vivem como brutos animais sem ordem nem concerto de homens, so muito desonestos e dados sensualidade e entregam-se aos vcios como se neles no houvera razo de humanos, ainda que, todavia sempre tm resguardo os machos e as fmeas em seu ajuntamento, e mostram ter nisto alguma vergonha. Todos comem carne humana e tm-na pela melhor iguaria de quantas pode haver: no de seus amigos com quem ele tem paz se no dos contrrios. Tm esta qualidade estes ndios que de qualquer cousa que comam por pequena que seja ho de convidar com ela quantos estiverem presentes, s esta proximidade se acha entre eles. Comem de quantos bichos se criam na terra, outro nenhum enjeitam por peonhento que seja, somente aranha.13 14 ... e cozem-na nas Notcias Ultramarinas. ... mova Ibidem.

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Tm estes ndios machos por costume arrancar toda a barba e no consentem nenhum cabelo em parte alguma de seu corpo, salvo na cabea, ainda que arredor dela por baixo tudo arrancam. As fmeas presamse muito de seus cabelos e trazem-nos muito compridos e penteados e as mais delas enastrados. Os machos costumam trazer o beio furado e uma pedra no buraco metida por galantaria; outros h que trazem o rosto todo cheio de buracos e assim parecem muito feios e disformes: isto lhes fazem quando so meninos. Tambm alguns ndios andam pintados por todo o corpo, pelo qual fazem uns riscos escritos na carne: isto no traz seno quem tem feito alguma valentia. E assim tambm machos como fmeas costumam tingir-se como sumo duma fruta que se chama jenipapo, que verde quando se pisa e depois que pe no corpo e se enxuga fica muito negro e por muito que se lave no se tira seno aos nove dias: isto tudo fazem por galantaria. Estas ndias guardam castidade a seus maridos e so muito suas amigas, porque tambm eles sofrem mal adultrios; casam os mais deles com suas sobrinhas, filhas de seus irmos ou irms, estas so suas mulheres verdadeiras, e no lhas podem negar seus pais. Algumas ndias se acham nestas partes que juram e prometem castidade, e assim no casam nem conhecem homem algum de nenhuma qualidade, nem no consentiro ainda que por isso as matem. Estas deixam todo o exerccio de mulheres e imitam os homens e seguem seus ofcios como se no fossem mulheres, e cortam seus cabelos da mesma maneira que os machos trazem, e vo guerra com seu arco e frechas e caa: enfim que andam sempre na companhia dos homens, e cada uma tem mulher que a serve e que lhe faz de comer como se fossem casados. Estes ndios vivem mui descansados, no tm cuidado de cousa alguma seno de comer e beber e matar gente; e por isso so muito gordos em extremo; e assim tambm com qualquer desgosto emagrecem muito; e como se agastam de qualquer cousa comem terra e desta maneira morrem muitos deles bestialmente. Todos seguem muito o conselho das velhas, tudo o que elas lhes dizem fazem e tm-no por muito certo: daqui vem muitos moradores no comprarem nenhumas por lhes no fazerem fugir seus escravos. Quando estas ndias parem a primeira cousa que fazem depois do parto levam-se todas num ribeiro e ficam to bem dispostas como

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se no pariram; em lugar delas se deitam seus maridos nas redes, e assim os visitam e curam como se eles fossem os paridos. Quando algum destes ndios morre costumam enterr-lo numa cova assentado sobre os ps, com sua rede s costas em que ele dormia, e logo pelos primeiros dias pem-lhe de comer em cima da cova. Outras muitas bestialidades usam estes ndios que aqui no escrevo, porque minha teno foi no ser comprido, e passar por tudo isso com brevidade.DOS RESGATES

Estes ndios no possuem nenhuma fazenda, nem procuram adquiri-la como os outros homens, somente cobiam muito algumas cousas que so deste Reino scilicet, camisas, pelotes, ferramentas e outras cousas que eles tm em muita estima e desejam muito alcanar dos portugueses. A troco disto se vendiam uns aos outros, e os portugueses resgatavam muitos deles e salteavam quantos queriam sem ningum lhes ir mo, mas j agora no h isto na terra nem resgates como soa, porque depois que os padres da Companhia vieram a estas partes proveram neste negcio e vedaram muitos saltos que faziam os portugueses por esta costa, os quais encarregavam muito suas conscincias com cativarem muitos ndios contra direito e moverem-lhes guerras injustas. E por isso ordenaram os padres e fizeram com os capites da terra que no houvesse mais resgates nem consentissem que fosse nenhum portugus e suas aldeias sem licena do mesmo capito. E quantos escravos agora vm novamente do serto ou das outras capitanias todos levam primeiro Alfndega e ali os examinam e lhes fazem perguntas quem os vendeu, ou como foram resgatados, porque ningum os pode vender seno seus pais ou aqueles que em justa guerra os cativam, e os que acham mal adquiridos pem-nos em sua liberdade, e desta maneira quantos ndios se compram so bem resgatados, e os moradores da terra no deixam por isso de ir muito avante com suas fazendas.

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Captulo oitavoDOS BICHOS DA TERRA

O mE pareceu cousa fora de propsito tratar tambm neste Sumrio de alguns bichos que nestas partes se criam, pois tudo h nesta mesma terra, dado que daqui se no compreenda mais que a diferena e a variedade das criaturas que h dumas terras para outras. H nestas partes muitos bichos ferozes e peonhentos, principalmente cobras de muitas castas e de nomes diversos. Umas h to grandes e to disformes que engolem um veado todo inteiro, e afirmam que tem esta cobra tal qualidade que depois de o ter comido arrebenta pela barriga e apodrece com a cabea e a ponta do rabo ss; e tanto que desta maneira fica torna pouco a pouco a criar carne nova at que se cobre outra vez da mesma carne to perfeitamente como a de antes: isto viram e experimentaram muitos ndios e moradores da terra, a estas chamam pela lngua dos ndios jiboiou. Outras h muito maiores e peonhentas, de outra casta diferente, so to grandes em tanto extremo que apenas dezesseis ndios podiam levar uma que mataram junto da costa entre os portugueses; a esta cobra chamam surucucu. Outra gerao h delas que lhe chamam boiteninga, tem na ponta do rabo uma cousa que soa propriamente como cascavel, e por onde esta cobra vai sempre anda rugindo, uma das feras bichas que h na terra. Outras h na terra que lhe chamam hebijaras, tm duas bocas uma na cabea outra no

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rabo, mordem com ambas: esta cobra branca e muito curta, o mais do tempo est debaixo da terra, peonhentssima sobre todas; quem desta for mordido no ter vida muitas horas, e assim qualquer destas outras que mordem alguma pessoa o mais que dura so vinte e quatro horas. H outra qualidade delas que no tm dentes nem mordem. Estas no so peonhentas nem tampouco muito grandes, chamam-lhes japaranas. Tambm afirmam alguns homens que viram serpentes nesta terra com asas muito grandes e espantosas, mas acham-se raramente. H muitos lagartos e grandes pelos rios dgua doce e pelos matos, cujos testculos cheiram melhor que almiscre. E a qualquer roupa que o chegam fica o cheiro pegado por muitos dias. Os bichos mais ferozes e mais danosos que h na terra so tigres, e estes animais so deles tamanhos como bezerros, vo-se aos currais do gado dos moradores e matam muito dele e so to ferozes e forosos que uma mo que lanam a uma vitela ou novilho lhe fazem botar os miolos fora e levam-no arrasto pera o mato. Tambm pela terra dentro matam e comem alguns ndios quando se acham famintos. Sobem pelas rvores como gatos, e dali espreitam a caa que por baixo passa e remetem de salto a ela, e desta maneira no lhes escapa nada: alguns destes animais matam em fojos os moradores da terra. Toda esta terra do Brasil coberta de formigas pequenas e grandes, estas fazem algum dano s parreiras dos moradores, e s laranjeiras que tm nos quintais; e se no foram estas formigas houvera porventura muitas vinhas no Brasil ainda que l so pouco necessrias porque deste Reino vai tanto vinho que sempre a terra dele est provida. Tambm h muita infinidade de mosquitos, principalmente ao longo de algum rio entre umas rvores que se chamam mangues, no pode nenhuma pessoa esper-los; e pelo mato quando no h virao so muito sobejos e perseguem muito a gente. Tambm h uma gerao de ratos que trazem os filhinhos pendurados na barriga, e ali se criam e andam assim pegados at serem grandes. Bugios h muito e de muitas castas, como j se sabe. Tanto que as fmeas parem pegam-se os filhos nas suas costas e sempre andam cavalgados nas mais at serem bem criados. E posto que as persigam e as matem no se querem desapegar delas. H tambm muitos lobos-mari-

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nhos e porcos-marinhos que se criam no mar e na terra. Outros muitos bichos h nestas partes pela terra dentro que ser impossvel poderem se conhecer nem escrever tanta multido, porque assim como a terra grandssima, assim so muitas as qualidades e feies das criaturas que Deus nela criou.

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Captulo nonoDA TERRA QUE CERTOS HOmENS DA CAPITANIA DE PORTO SEGURO FORAm A DESCOBRIR, E DO QUE ACHARAm NELA

que minha teno no era tratar neste Sumrio seno das cousas que so gerais por toda a costa do Brasil, de que os moradores da terra participam, pareceu-me tambm necessrio e conveniente aos louvores da terra denunciar neste captulo a riqueza dos metais que afirmam haver por ela dentro, provado tudo isto com pessoas que o acharam, viram, e experimentaram: e a maneira como se descobriu foi esta que se segue. A esta Capitania de Porto Seguro chegaram certos ndios do serto a dar novas dumas pedras verdes que havia numa serra muitas lguas pela terra dentro, e traziam algumas delas por amostra, as quais eram esmeraldas, mas no de muito preo. E os mesmos ndios diziam que daquelas havia muitas, e que esta serra era muito formosa e resplandecente. Tanto que os moradores desta capitania disto foram certificados, fizeram-se prestes cinqenta ou sessenta portugueses com alguns ndios da terra e partiram pelo serto dentro com determinao de chegar a esta serra onde estas pedras estavam. Ia por capito desta gente um martim Carvalho, que agora morador da Bahia de Todos os Santos; entraram pela terra algumas duzentas e vinte lguas, onde as mais das serras que acharam e viram eram de muito fino cristal e toda a terra em si muito fragosa, e outras muitas serras de uma terra azulada, nas quais afirmaramOSTO

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haver muito ouro, porque indo eles por15 entre duas serras, desta maneira foram dar num ribeiro que pelo p duma delas descia, no qual acharam entre a areia uns gros midos amarelos, os quais alguns homens apalparam com os dentes e acharam-nos brandos, mas no se desfaziam. Finalmente que todos assentaram ser aquilo ouro nem podia ser outro metal, pois o mesmo ouro desta maneira nasce nas partes onde o h. Apanharam destes gros entre a areia do ribeiro quantidade dum punhado, os quais acharam muito pesados, que tambm era prova de ser ouro: disto no fizeram mais16 experincia por ser aquilo no deserto e haver muitos dias que padeciam grande fome nem comiam outra cousa seno semente de ervas,17 e alguma cobra que matavam: passaram adiante determinando a vinda tornar por ali apercebidos de mantimentos para buscarem a serra mais devagar, donde aquele ouro descia ao ribeiro. Acharam pelos matos muita canafstula, e por este caminho acharam outros muitos metais que no conheceram, nem podiam esperar pelas guerras dos ndios que se alevantaram contra eles. Alguns ndios lhes deram notcia segundo a meno que faziam que podiam estar cem lguas da serra das pedras verdes que iam buscar, e que no havia muito dali ao Peru, finalmente que com os amigos que recreciam18 e pela gente que adoecia tornaram-se outra vez em almadias por um rio que se chama Cricar, onde se perdeu numa cachoeira a canoa em que vinham os gros de ouro que traziam pera mostra. Nesta viagem gastaram oito meses, e assim desbaratados chegaram a esta Capitania de Porto Seguro. Os que deste perigo escaparam afirmaram haver naquelas partes muito ouro, segundo as mostras e os sinais que acharam. E se l tornar gente apercebida como convm, com toda a proviso necessria, e levarem pessoas que disto conheam, dizem que se descobriro nesta terra grandes minas.

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Nas Notcias Ultramarinas falta a expresso indo eles por substituda por uma reticncia. O ms. da Bibl. do Porto supre a lacuna. 16 Nas Notcias Ultramarinas falta o advrbio mais. 17 ... somente ervas nas Notcias Ultramarinas. 18 ... receavam nas Notcias Ultramarinas.

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Quisera escrever mais miudamente das particularidades desta provncia do Brasil, mas por que satisfizesse a todos com brevidade guardei-me de ser comprido; posto que os louvores da terra pedissem outro livro mais copioso e de maior volume, onde se compreendessem por extenso as excelncias e diversidades das cousas que h nela para remdio e proveito dos homens que l forem viver. E porque a felicidade e aumento desta provncia consiste em ser povoada de muita gente, no havia de haver pessoa pobre nestes reinos que no fosse viver a estas partes com favor de S. A. onde os homens vivem todos abastados, e fora das necessidades que c padecem. E desta maneira permitir Deus que floresa tanto a terra desta nova Lusitnia, que com ela se aumente muito a Coroa destes reinos, e seja dos outros invejada para que no desejemos terras estranhas; prometendo esta nossa tanta riqueza e prosperidade aos que a forem buscar para seu remdio.

HISTRIADA

PROVNCIA SANTA CRUZ

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Aprovao

L

presente obra de Pero de magalhes, por mandado dos Senhores do Conselho geral da Inquisio, e no tem cousa que seja contra nossa Santa F catlica, nem os bons costumes, antes muitas, muito para ler, hoje dez de novembro de 1575. Francisco de Gouveia. Vista a informao, pode-se imprimir, e torne o prprio com um dos impressos a esta mesa: e este despacho se imprimir no princpio do Livro com a dita informao. Em vora a dez de novembro. manuel Antunes, Secretrio do Conselho Geral do Santo Ofcio da Inquisio o fez de 1575 anos. Lio Anriques. manuel dos Coadros.IA

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AO mUITO ILUSTRE SENHOR DOm LIONIS PEREIRA SOBRE O LIVRO QUE LHE OFERECE PERO DE mAGALHES

TERCETOS DE LUS DE CAmES Depois que magalhes teve tecida A breve histria sua que ilustrasse A Terra Santa Cruz pouco sabida; Imaginando a quem a dedicasse, ou com cujo favor defenderia Seu livro, de algum zoilo que ladrasse, Tendo nisto ocupada a fantasia, Lhe sobreveio um sono repousado, Antes que o Sol abrisse claro dia, Em sonhos lhe aparece todo armado marte, brandindo a lana furiosa, Com que fez quem o viu todo enfiado, Dizendo em voz pesada e temerosa: No justo que a outra se oferea Nenhuma obra que possa ser famosa, Se no a quem por armas resplandea Na mundo todo com tal nome e fama, Que louvor imortal sempre merea, Isto assim dito, Apolo que da flama1 Celeste guia os carros, da outra parte Se lhe apresenta, e por seu nome a chama, Dizendo: magalhes, posto que marte Com seu terror tespante, todavia1 Disse assim: quando Apolo, que da flama... (Obras completas de Lus de Cames, Tomo III, Elegia IV edio de J. V. Barreto Feio e J. G. monteiro) Nota da edio de Lisboa de 1858.

Tratado da Terra do Brasil Histria da Provncia Santa Cruz Comigo deves s aconselhar-te Um baro sapiente, em quem Talia Por seus tesouros, e eu minha cincia, Defender tuas abras poderia. justo que a escritura na prudncia Ache sua defesa; porque a dureza Das armas, contrria da eloqncia. Assim disse: e tocando com destreza A ctara dourada comeou De mitigar de marte a fortaleza: mas mercrio, que sempre costumou A despartir porfias duvidosas, Com o caduceu na mo que sempre usou, Determina compor as perigosas Opinies dos deuses inimigos, Com razes boas, justas e amorosas, E disse, nem sabemos dos antigos Heris, e dos modernos que provaram De Belona os gravssimos perigos, Que tambm muitas vezes ajudaram As armas eloqncia; porque as musas mil capites na guerra acompanharam. Nunca Alexandre ou Csar, nas confusas Guerras deixaram o estudo num breve espao. Nem armas das cincias so escusas4. Numa mo livros, noutra ferro e ao: 5 A uma rege e ensina e outra fere mais com o saber se vence que com o brao.

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2 3 4 5

Comigo deves s de aconselhar-te Ibidem. Guerras o estudo deixam grande espao. Ibidem. Que as armas jamais dele so escusas. Ibidem. Aquele rege e ensina; este, outra fere. Ibidem.

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Pero de magalhes Gandavo Pois, logo baro grande se requere, Que com teus dons Apolo ilustre seja, E de ti marte palma e glria espere. Este vos darei, eu em que se veja,6 Saber e esforo no sereno peito, Que Dom Lionis que faz ao mundo inveja.7 Deste as irms em vendo o bom sujeito, Todas nove nos braos a tomaram, Criando-a com seu leite no seu leito. As artes e cincia lhe ensinaram,8 Inclinaes divinas lhe influram As virtudes morais que o logo ornaram.9 Daqui os exerccios o seguiram,10 Das armas no Oriente, onde primeiro, Um soldado gentil os instituram. Ali tais provas fez de Cavaleiro, Que de Cristo magnnimo e seguro, Assim mesmo venceu por derradeiro.11 Depois j Capito forte e maduro Governando toda urea Quersoneso, Lhe defendeu com o brao o dbil muro. Porque vindo a cerc-la todo o peso Do poder dos Achns, que se sustenta Do sangue alheio, em fria todo aceso.12 Este s que a ti marte representa O castigou de sorte, que o vencido13

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Este vos darei eu, em quem se veja. Ibidem Que um Leonis que faz ao anncio inveja. Ibidem. As artes e as cincias lhe ensinaram. Ibidem. s virtudes morais, que logo o ornaram. Ibidem. De aqui nos exerccios o seguiram. Ibidem. A si mesmo venceu por derradeiro. Ibidem. De alheio sangue, em fria todo aceso. Ibidem. O castigou de sorte, que vencido. Ibidem.

Tratado da Terra do Brasil Histria da Provncia Santa Cruz De ter quem fique vivo se contenta. Pois tanto que o gr Reino defendido14 Deixou: Segunda vez com maior glria Para o ir governar foi elegido. mas no perdendo ainda da memria Os amigos o seu governo brando Os amigos o dano da vitria. Uns com amor intrnseco esperando Esto por ele, e os outros congelados O vo com temor frio receando.15 Pois vede se sero desbaratados16 De todo por seu brao, se tornasse17 E dos mares da ndia degradados18. Porque justo que nunca lhe negasse O conselho do Olimpo alto e subido Favor e ajuda com que pelejasse Pois aqui certo est bem dirigido,19 De magalhes o livro, este s deve20 De ser de vs deuses escolhidos.21 Isto mercrio disse: e logo em breve22 Se conformaram nisto, Apolo e marte,23 E voou juntamente o sono leve. Acorda magalhes, e j se parte A vos oferecer Senhor famoso2414 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 E logo que este Reino defendido. Ibidem. O esto com frio medo receado. Ibidem. Vede, pois se debelados. Ibidem. Por seu claro valor, se ta tornasse. Ibidem. E dos ndicos mares degradados. Ibidem. Aqui s pode ser bem dirigido. Ibidem. De magalhes o estudo: este s deve. Ibidem. Ser de vs, claros deuses, escolhido. Ibidem. Assim mercrio disse: e em termo breve. Ibidem. Conformados se vem Apollo e marte. Ibidem. A oferecer-vos, Senhor claro e famoso. Ibidem.

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Pero de magalhes Gandavo Tudo o que nele ps, cincia e arte. Tem claro estilo, engenho curioso Para poder ele vs sem recebido, Com mo benigna de nimo amoroso. Porque s de no ser favorecido25 Um claro esprito, fica baixo e escuro26 E seja ele convosco defendido27 Como o foi ele malaca o fraco muro.28

Confrontamos estas cpia com a elegia que vem nas obras completas de Cames em trs edies diversas, a do senhor Barreto Feio e J. G. monteiro, Hamburgo, 1834, a de Simo Tacea Ferreira, ano de 1783, e a recente publicada em Lisboa em 1852. Escritrio da Biblioteca Portuguesa; e notamos aqui as principais variantes. (Nota da edio de Lisboa, de 1858).

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Pois se s de mo ser favorecido. Ibidem. Um alto esprito fica baixo e escuro. Ibidem. Este seja convosco defendido. Ibidem. Como o foi de malaca o dbil muro. Ibidem.

Tratado da Terra do Brasil Histria da Provncia Santa Cruz SONETO DO mESmO AUTOR AO SENHOR DOm LIONIS, ACERCA DA VITRIA QUE HOUVE CONTRA EL-REI DO ACHm E mALACA

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Vs Ninfas da Ganglica espessura, Cantai suavemente em voz sonora Um grande Capito, que a roxa Aurora Dos filhos defendeu da noite escura, Ajuntou-se a caterva negra e dura, Que na urea Quersoneso afouta mora, Para lanar do caro ninho fora Aqueles que mais podem que a ventura; mas um forte Leo com pouca gente, A multido to fera como nscia, Destruindo castiga, e torna fraca. Pois Ninfas cantai, que claramente mais de que Lenidas fez em Grcia O nobre Lionis fez em malaca.

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AO mUITO ILUSTRE SENHOR DOm LIONIS PEREIRA EPSTOLA DE PERO DE mAGALHES Neste pequeno servio, muito ilustre senhor, que ofereo a V. m. das primcias de meu fraco entendimento poder alguma maneira conhecer os desejos que tenho de pagar com minha responsabilidade alguma parte do muito que se deve a nclita fama do vosso herico nome. E isto assim pelo merecimento do nobilssimo sangue e clara prognie e donde traz sua origem, como pelos trofus das grandes vitrias e casos bem afortunados que lhe ho sucedido nessas partes do Oriente em que Deus o quis favorecer com to larga mo, que no cuido ser toda minha vida bastante para satisfazer menor parte dos seus louvores. E como todas estas razes me ponham em tanta obrigao, e eu entenda que outra nenhuma cousa deve ser mais aceita a pessoas de altos nimos que lio das escrituras, por meios se alcanam os segredos de todas as cincias, e os homens vm a ilustrar seus nomes, e perpetu-los na terra com fama imortal, determinei escolher a V. m. entre os mais Senhores da terra, e dedicar-lhe esta breve histria. A qual eu espero que folgue de ver com ateno, e receber-me benignamente debaixo do seu amparo: assim por ser cousa nova, e eu a escrever como testemunha de vista: como por saber quo particular afeio V. m. tem s cousas do engenho, e que por esta causa lhe no ser menos aceito o exerccio das escrituras que o das armas. Por onde com muita razo favorecido desta confiana possa seguramente sair luz com esta pequena empresa, e divulgada pela Terra sem nenhum receio, tendo por defensor dela a V. m. Cuja muito ilustre pessoa Nosso Senhor guarde e acrescente sua vida e estado por longos e felizes anos.

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Prlogo ao leitor

ria, e sair com ela luz, foi por no haver at agora pessoa que a empreendesse, havendo j setenta e tantos anos que esta provncia descoberta. A qual histria creio que mais esteve sepultada em tanto silncio, pelo pouco caso que os portugueses fizeram sempre da mesma provncia, que por faltarem na terra pessoas de engenho, e curiosas que por melhor estilo, e mais copiosamente que eu a escrevessem. Porm j que os estrangeiros a tm noutra estima, e sabem suas particularidades melhor e mais de raiz que ns (aos quais lanaram j os portugueses fora dela fora darmas por muitas vezes) parece cousa docente e necessria terem tambm os nossos naturais a mesma notcia, especialmente pera que todos aqueles que nestes Reinos vivem em pobreza no duvidem escolh-la para seu amparo: porque a mesma terra tal, e to favorvel aos que a vo buscar, que a todos agasalha e convida com remdio por pobres e desamparados que sejam. E tambm h nela cousas dignas de grande admirao e to notveis que parecera descuido e pouca curiosidade nossa, no fazer meno delas em algum discurso, e d-las em perptua memria, como costumavam os antigos: aos quais no escapava cousa alguma que por extenso no reduzissem a histria, e fizessem meno em suas escrituras de cousas menores que estas, as quais hoje em dia vivem entre ns como sabemos, e vivero eternamente. E se os antigos portugueses, e ainda os modernos no foram to pouco afeioados escritura como so; no se perdero tantas antiguidades entre ns, de que agora carecemos nem

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CAUSA principal que me obrigou a lanar mo da presente hist-

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houvera to profundo esquecimento de muitas cousas, em cujo estudo tm muitos homens doutos cansado, e revolvido grande cpia de livros sem as poderem descobrir nem recuperar da maneira que passaram. Daqui vinha aos gregos e romanos haver todas as outras naes brbaras, e na verdade com razo lhes podiam dar este nome, pois eram to pouco solcitos, e cobiosos de honra que por sua mesma culpa deixavam de morrer aquelas cousas que lhes podiam dar nome, e faz-los imortais. Como pois a escritura seja vida da memria, e a memria uma semelhana da imortalidade a que todos devemos aspirar, pela parte que dela nos cabe, quis movido destas razes, fazer esta breve histria, para cujo ornamento no busquei eptetos esquisitos, nem outra formosura de vocbulos de que os eloqentes oradores costumam usar para com artifcio de palavras engrandecerem suas obras. Somente procurei escrever esta na verdade por um estilo fcil, e cho, como meu fraco engenho me ajudou, desejoso de agradar a todos os que dela quiseram ter notcia. Pelo que devo ser desculpado das faltas que aqui me podem notar: digo dos discretos, que com seu zelo o costumam fazer que dos idiotas e mal dizentes bem sei que no hei de escapar, pois est certo no perdoarem a ningum.

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Captulo IDE COmO SE DESCOBRIU ESTA PROVNCIA, E A RAZO POR QUE SE DEVE CHAmAR SANTA CRUZ E NO BRASIL

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EINANDO aquele muito Catlico e Serenssimo Prncipe el-Rei Dom manuel, fez-se uma frota para a ndia, de que ia por capito-mor Pedro lvares Cabral, que foi a segunda navegao que fizeram os portugueses para aquelas partes do Oriente. A qual partiu da Cidade de Lisboa a 9 de maro, ao ano de 1500. E sendo j entre as ilhas do Cabo Verde, as quais iam demandar para fazer ali aguada, deu-lhes um temporal, que foi causa delas no poderem tomar, e desse apartarem alguns navios da companhia. E depois de haver bonana junta outra vez a frota, empregaram-se ao mar, assim por fugirem das calmarias de Guin que lhes podiam estorvar sua viagem, como por lhes ficar largo poderem dobrar o cabo de Boa Esperana. E havendo j um ms que iam naquela volta navegando com vento prspero, foram dar na cost