Lowy Sobre o Messianismo Moderno

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    WebMosaica REVISTADOINSTITUTOCULTURALJUDAICOMARCCHAGALL v.3 n.2 (jul-dez) 2011

    Messianismo, utopia e socialismo moderno

    MICHAELLWYGraduado em Cincias Sociais pela Universidade de So Paulo, Mestre e Doutor em Sociologia

    (Frana). Pesquisador do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) em Paris, Frana.

    RESUMOO artigo aborda as contribuies de trs intelectuais

    (pensadores) judeus que participaram da cultura utpico-

    messinica da Europa Central, no incio do sculo XX: Gustav

    Landauer, Ernst Bloch e Walter Benjamin. Apesar das

    diferenas entre eles, todos encontram nas tradies

    messinicas judaicas uma das principais fontes de sua viso

    utpica de um futuro socialista.

    PALAVRAS-CHAVEMessianismo; Utopia; socialismo moderno;

    pensamento judaico; Gustav Landauer; Ernst Bloch; Walter

    Benjamin

    ABSTRACTThe article covers the contributions of three

    intellectuals (thinkers) Jews who participated in the

    utopian messianic culture of Central Europe, in the early

    20th century: Gustav Landauer, Ernst Bloch and Walter

    Benjamin. Despite the differences between them, all

    found on the Jewish messianic traditions one of the

    main sources of their utopian vision of a socialist future.

    KEYWORDSMessianism; Utopia; Modern Socialism;

    Jewish Thought; Gustav Landauer; Ernst Bloch; Walter

    Benjamin

    No judasmo da Europa CENtral h uma EspCiE dE CorrENtE

    messinico-romntica de tendncia socialista1, na qual se podem distinguir dois po-

    los. O primeiro formado pelos judeus religiosos com sensibilidade utpica: Franz

    Rosenzweig, Rudolf Kayser, Martin Buber, Gershom Scholem, Hans Kohn, o jovemLeo Lwenthal. A recusa assimilao e a afirmao da identidade judaica, nacio-

    nal/cultural e religiosa, o aspecto dominante de seu pensamento. Sua aspirao a

    uma renovao nacional e religiosa judaica, no entanto, no os leva ao nacionalis-

    mo poltico, ao mesmo tempo em que sua concepo de judasmo permanece mar-

    cada pela cultura alem. Todos manifestam em graus distintos uma viso utpi-

    ca universal do tipo socialista libertria, que eles articulam de modo explcito ou

    implcito com sua f religiosa messinica.

    O outro polo formado pelos judeus assimilados, ateu-religiosos, libertrios:

    Gustav Landauer, Ernst Bloch, Erich Fromm, o jovem Gyrgy Lukacs, Mans Sper-

    ber. De modo distinto dos que formam o polo anterior, eles se distanciam em

    graus diversos do judasmo, no entanto, sem romper todos os laos com ele. A

    expresso atesmo religioso proposta por Lukaks a respeito de Dostoievski per -

    mite aproximar esta figura paradoxal do esprito que parece procurar, com a energia

    do desespero, o ponto de convergncia messinica entre o sagrado e o profano.

    Alguns dentre eles receberam em sua juventude uma educao judaica religiosa

    como Fromm e Sperber , mas a maioria descobriu o judasmo apenas tardiamen-

    te. Independentemente dessa trajetria individual, eles tm em comum uma postu-

    ra estranha e contraditria, que associa a rejeio s crenas religiosas propriamen-

    te ditas a um interesse apaixonado pelas correntes msticas e milenaristas judias ecrists. Trata-se de uma espiritualidade messinica revolucionria que tece, entrelaa,

    entrecruza de modo inextricvel o fio da tradio religiosa com o da utopia social.

    Traduzido do francs por Anita Brumer

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    Prximos ao ideal libertrio dos anos 1914-1923,

    a maioria aproximou-se progressivamente do mar-

    xismo nos anos seguintes.

    Neste artigo, considero trs pensadores judeus

    que representam variantes dessa cultura utpico-

    -messinica da Europa Central: Gustav Landauer,

    Ernst Bloch e Walter Benjamin. Apesar das dife-

    renas entre eles, todos encontram nas tradies

    messinicas judaicas uma das principais fontes desua viso utpica de um futuro socialista.

    Gustav Landauer (1870-1919)

    Amigo prximo de Martin Buber, Gustav Landauer

    distingue-se dele tanto por seu engajamento pol-

    tico militante (libertrio) como por seu distancia-

    mento do sionismo e da religio. Nascido em 1870

    numa famlia judia do sul da Alemanha, era escri-tor, filsofo, crtico literrio e redator da revista

    anarquista Der Sozialiste (1909-1915) e tornou-se,

    em abril de 1919, Comissrio do Povo para a Cul-

    tura na efmera Repblica dos Conselhos da Ba-

    viera. Com o fracasso da revoluo em Munique,

    ele foi feito prisioneiro e assassinado pelos milita-

    res em maio de 1919.

    Lendo-se os comentrios de alguns contempo-

    rneos sobre Landauer, possvel perceber a aura

    religiosa do personagem. Martin Buber (1919, p.

    290-291) refere-se a ele como um herdeiro dos pro-

    fetas e mrtires judeus do passado e Hans Kohn

    exalta-o como um visionrio messinico na tradi-

    o dos profetas (KOHN, 1928, p. 965). Mesmo

    o ctico Karl Mannheim era fascinado por Lan-

    dauer e via nele o representante mais tpico do

    anarquismo radical como forma moderna dochi-

    liasm2, uma postura espiritual de uma profundi-

    dade demonaca (MANNHEIM, 1969, p. 196, 210).Contra a filosofia evolucionista do progresso,

    comum aos liberais e aos social-democratas, Lan-

    dauer esboa uma concepo de histria inspirada

    tanto pelo romantismo alemo como pelo messia-

    nismo judaico. Analisando os escritos de Landauer

    como figura tpica do Milenarismo chiliasm

    o termo que ele utiliza libertrio, Karl Mannheim

    mostra que esta forma de pensar recusa todo con-

    ceito de evoluo, toda representao de progresso:

    no quadro de uma diferenciao qualitativa do

    tempo, a revoluo percebida como uma irrup-o (Durchbruch), um instante abrupto (abrupten

    Augenblick), um vivido do agora (Jetzt-Erleben)

    (MANNHEIM, 1969, p.196). Esta anlise to im-

    pressionante que ela se aplica no apenas a Lan-

    dauer, mas tambm, com aproximadamente as mes-

    mas nuances, a Walter Benjamin e a muitos outros

    pensadores judeus alemes.

    Na concepo messinica da histria de Lan-

    dauer os judeus ocupam um lugar particular: suamisso (Amt), sua vocao (Beruf) ou tarefa (Dienst)

    de ajudar na transformao da sociedade e na

    gestao de uma humanidade nova. Por que o ju-

    deu? Landauer responde num texto que gerou mui-

    tos debates nos meios judaicos da Europa Central

    por sua legitimao da dispora: Uma opinio

    irrefutvel, como um grito selvagem que ressoa em

    todo o mundo e como um suspiro em nosso foro

    interior, nos diz que a redeno do judeu s pode

    ocorrer se for concomitante com a redeno da hu-

    manidade; e que os dois so uma s e a mesma coi-

    sa: esperar o Messias no exlio e na disperso e ser

    o Messias dos povos (LANDAUER, 1921, p. 195).

    Evidentemente, trata-se de uma forma clssica

    do messianismo pria, que reverte, no campo es-

    piritual, o privilgio negativo (Max Weber) do

    povo pria. Mas para Landauer esta vocao judai-

    ca ainda anterior dispora: ela remonta s fon-

    tes bblicas. Num comentrio sobre Strindberg pu-blicado em 1917, ele afirma a existncia de dois

    grandes profetas na histria: Roma, a dominao

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    do mundo, Israel, a redeno do mundo. Na tra-

    dio judaica que nunca esquece a promessa de

    Deus a Abro a redeno do povo judeu com a

    redeno de todas as naes , ele v a manifesta-

    o de uma concepo, de uma f e de uma von-

    tade messinicas (LANDAUER, 1917, p. 284).

    Enquanto a espiritualidade de Buber resgata a

    f religiosa no senso estrito, a do filsofo anarquis-

    ta judeu-alemo pertence antes ao domnio amb-guo do atesmo religioso. Landauer recusa-se a acre-

    ditar em um deus alm da terra, alm do mundo

    (beriridischen und berweltlichen Gott); em con-

    tinuao a Feuerbach e Marx, ele afirma que foi o

    homem que criou Deus e no o contrrio (LAN-

    DAUER, 1911, p. 30-35). Poder-se-ia, ento, asso-

    ci-lo ao atesmo. Mas isso no o impede de defi-

    nir o socialismo como uma religio: O socialismo

    a tentativa de conduzir a vida comum dos ho-mens em direo da associao livre num esprito

    comum, quer dizer em direo religio... (LAN-

    DAUER, 1907; 1924, p. 30). Trata-se, na verdade,

    do sentido etimolgico da palavra: re-ligar, conec-

    tar por um vnculo.

    Os temas profticos, msticos ou messinicos

    judaicos so, ao menos em certa medida, seculariza-

    dosem sua utopia socialista. Mas no se trata de

    uma secularizao no senso habitual do termo: a di-

    menso religiosa continua presente no prprio cen-

    tro de seu imaginrio poltico. Ela no mais aboli-

    da, mas conservada ou suprimida no sentido

    dialtico deAufhebung em sua profecia utpica

    e revolucionria. Nesta secularizao mstica al-

    guns autores falam do atesmo mstico de Lan-

    dauer (HEYDORN, 1968, p. 15) , o universo sim-

    blico religioso inscreve-se explicitamente no dis-

    curso revolucionrio e carrega-o com uma espiri-

    tualidade milenarista, que parece escapar s distin-es habituais entre o sagrado e o profano, o trans-

    cendente e o imanente, a religio e o sculo. O termo

    provisrio atesmo religioso apenas substitui, de

    modo inadequado, um conceito que ainda no

    existe para referir-se a este tipo de esprito do qual

    Landauer, Ernst Bloch e Walter Benjamin so os

    eminentes representantes na cultura judaica alem.

    Walter Benjamin (1892-1940)3

    Walter Benjamin um pensador singular, impos-svel de se classificar, cujo pensamento, no cruza-

    mento do romantismo alemo, do messianismo

    judaico e do socialismo moderno, um dos mais

    originais na teoria crtica do sculo XX. Um de

    seus primeiros textos importantes a conferncia

    A vida dos estudantes (LANDAUER, 1915), um

    documento capital, que parece reunir num nico

    feixe de luz todas as ideias que o vo assombrar

    no decorrer de sua vida. Para Benjamin, as verda-deiras questes que se colocam para a sociedade

    no so os problemas tcnicos limitados de car-

    ter cientfico, mas as questes metafsicas de Plato

    e de Spinoza, dos romnticos e de Nietzsche. En-

    tre essas questes metafsicas, a da temporalida-

    de histrica essencial. As notas que introduzem

    o ensaio contm um indcio de sua filosofia mes-

    sinica da histria:

    Confiante no infinito do tempo, certa concepo

    da histria discerne apenas o ritmo mais ou me-

    nos rpido pelo qual os homens e as pocas avan-

    am pelo caminho do progresso. Da o carter

    incoerente, impreciso, sem rigor, da exigncia

    voltada ao presente. Aqui, ao contrrio, como sem-

    pre fizeram os pensadores ao apresentar imagens

    utpicas, vamos considerar a histria luz de

    uma situao determinada que a resume em um

    ponto focal. Os elementos da situao final no

    se apresentam como uma tendncia progressis-

    ta informe, mas, como criaes e ideias em gran-

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    de perigo, altamente depreciadas e ridicularizadas,

    incorporam-se de modo profundo em todo o pre-

    sente. (...) Essa situao (...) no perceptvel

    seno em sua estrutura metafsica, como o reino

    messinico ou como a ideia revolucionria no sen-

    tido de 1889 (BENJAMIN, 1971, p. 37).

    As imagens utpicas messinicas e revolucion-

    rias contra a informe tendncia progressista: es-to aqui colocados, em resumo, os termos do deba-

    te que Benjamin vai desenvolver em toda sua obra.

    De acordo com Benjamin, o messianismoest

    no centro da concepo romntica do tempo e da

    histria. Na introduo de sua tese de doutorado

    sobreLe concept de critique dart dans le romantis-

    me allemand(1919), ele insiste na ideia de que a

    essncia histrica do romantismo deve ser busca-

    da no messianismo romntico. Ele descobre estadimenso principalmente nos escritos de Schlegel

    e Novalis e cita, dentre outros, o trecho surpreen-

    dente do jovem Friedrich Schlegel: o desejo revo-

    lucionrio de realizar o Reino de Deus (...) o in-

    cio da histria moderna. Encontra-se aqui a ques-

    to metafsica da temporalidade histrica: Ben-

    jamin ope a concepo qualitativa do tempo infi-

    nito (qualitative zeitliche Unendlichkeit) que pro-

    vm do messianismo romntico e pelo qual a

    vida da humanidade um processo de realizao

    e no simplesmente de tornar-se ao tempo infini-

    tamente vazio(leeren Unendlichkeit der Zeit), ca-

    racterstico da ideologia moderna do progresso.

    Pode-se constatar o surpreendente parentesco entre

    essa passagem (que parece ter escapado ateno

    dos comentadores) e as teses de 1949 Sobre o concei-

    to de histria (BENJAMIN, 1919, p. 66-67, 70, 72).

    Qual a relao entre as duas imagens utpi-

    cas, o reino messinico e a revoluo? Sem res-ponder diretamente a essa questo, Benjamin abor-

    da-a num texto que permaneceu indito durante

    sua vida , que data provavelmente dos anos 1921-

    1922: o Fragment thologico-politique. Num pri-

    meiro momento, ele parece distinguir radicalmen-

    te a esfera do fazer-se histrico daquela do Messias:

    nenhuma realidade histrica pode, em si mesma,

    referir-se ao messianismo. Mas logo depois ele

    constri sobre este abismo aparentemente intrans-

    ponvel um ponto dialtico, uma passarela frgil

    que parece ter sido diretamente inspirada por cer-tos pargrafos de Ltoile de La Rdemption(1921),

    de Franz Rosenzweig, um livro pelo qual Benjamin

    manifestava a mais viva admirao. A dinmica

    do profano, que ele definiu como a busca da feli-

    cidade da humanidade livre para comparar com

    as grandes obras de liberao de Rosenzweig ,

    pode favorecer a chegada do Reino messinico.

    A formulao de Benjamin menos explcita que

    a de Rosenzweig, pela qual os atos emancipatriosso a condio necessria para o surgimento do

    Reino de Deus, mas se trata da mesma tentativa

    visando a estabelecer uma mediaoentre as lutas

    liberadoras, histricas, profanas dos homens e a

    realizao da promessa messinica (BENJAMIN,

    1971, p. 150 apudROSENZWEIG, 1982, p. 339).

    Como essa fermentao messinica, utpica e ro-

    mntica vai articular-se com o socialismo marxista?

    a partir de 1924, quando ele l Histoire et Cons-

    cience de Classede Lukacs e descobre o comunis-

    mo atravs dos olhos de Asja Lacis , que o marxis-

    mo vai gradualmente tornar-se um elemento chefe

    de sua concepo da histria. Benjamin refere-se

    ainda ao ensaio de Lukacs como um dos raros li-

    vros que permanecem vivos e atuais: A mais aca-

    bada das obras da literatura marxista. Sua singula-

    ridade fundamenta-se na segurana com a qual ele

    apreendeu, por um lado, a situao crtica da luta

    de classes na situao crtica da filosofia, e por ou-tro, a revoluo, a partir de agora concretamente

    madura, como a precondio absoluta, ou at mes-

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    mo a realizao e a concluso do conhecimento

    terico (BENJAMIN, 1980, III, p. 171).

    Mas o materialismo histrico no vai substituir

    suas intuies antiprogressistas, de inspirao ro-

    mntica e messinica: ele vai articular-secom elas,

    ganhando, assim, uma qualidade crticaque o dis-

    tingue radicalmente do marxismo oficial domi-

    nante na poca.

    Como se sabe, nas Thses Sur le concept dhis-toire(1940) redigidas pouco antes de seu trgico

    suicdio na fronteira dos Pireneus , que Benjamin

    vai, uma ltima vez, reunir a aprofundar, numa

    forma alegrica infinitamente densa e rica, os prin-

    cipais temas de sua filosofia social e de sua utopia

    revolucionria.

    No centro de sua viso da histria, encontra-se

    o conceito de catstrofe. Em uma das notas prepa-

    ratrias das Teses de 1940, ele observa: A catstro-fe o progresso, o progresso a catstrofe. A cats-

    trofe o continuum da histria (BENJAMIN,

    1980, I, 3, p. 1244). A assimilao entre progresso

    e catstrofe antes de tudo uma significao his-

    trica: o passado no , do ponto de vista dos opri-

    midos, mais do que uma srie interminvel de der-

    rotas catastrficas. A revolta dos escravos, a guerra

    dos camponeses, junho de 1848, a Comuna de Pa-

    ris so exemplos que aparecem com frequncia nos

    escritos de Benjamin, para quem esse inimigo no

    parou de vencer (Tese VI). Mas essa equao tem

    tambm um significado eminentemente atual, por-

    que, na hora atual, o inimigo ainda no cessou

    de triunfar (Tese VI): a derrota da Espanha repu-

    blicana, o Pacto Molotov-Ribbentrop, a invaso

    nazista vitoriosa na Europa.

    O fascismo ocupa, evidentemente, um lugar

    central na reflexo histrica de Benjamin nas teses.

    Para ele, no um acidente da histria, um esta-do de exceo, qualquer coisa impossvel no s-

    culo XX, um absurdo do ponto de vista do pro-

    gresso: rejeitando esse tipo de iluso, Benjamin

    clama por uma teoria da histria a partir da qual

    o fascismo possa ser percebido (BENJAMIN, 1980,

    I, 3, p. 1244), isto , uma teoria que compreenda

    que as irracionalidades do fascismo so apenas o

    inverso da racionalidade instrumental moderna.

    O fascismo leva s ltimas consequncias a com-

    binao tipicamente moderna entre progresso tc-

    nico e regresso social.Enquanto Marx e Engels tiveram, de acordo

    com Benjamin, a intuio fulgurante da barb-

    rie que viria ocorrer, em seu prognstico sobre a

    evoluo do capitalismo (BENJAMIN, 1980, II, 2,

    p. 488), seus epgonos do sculo XX foram incapa-

    zes de compreender e, como resultado, de resistir-

    -lhe eficazmente uma barbrie moderna, indus-

    trial, dinmica, instalada no corao mesmo do

    progresso tcnico e cientfico.Procurando as razes, os fundamentos metodo-

    lgicos dessa incompreenso catastrfica que con-

    tribuiu para a derrota do movimento operrio ale-

    mo em 1933, Benjamin se contrape ideologia

    do progresso em todos os seus componentes: o

    evolucionismo darwinista, o determinismo de tipo

    cientfico-natural, o otimismo cego dogma da

    vitria inevitvel do partido , a convico de

    nadar no sentido da corrente (o desenvolvimen-

    to tcnico); em uma palavra, a crena confortvel

    em um progresso automtico, contnuo, infinito,

    fundado na acumulao quantitativa, o voo das

    foras produtivas e o crescimento da dominao

    sobre a natureza. Ele acredita descobrir atrs dessas

    manifestaes mltiplas um fio condutor que ele

    submete a uma crtica radical: a concepo homo-

    gnea, vazia e mecnica (como um movimento de

    relgio) do tempo histrico.

    Contra essa viso linear e quantitativa, Benja-min ope uma percepo qualitativa da tempora-

    lidade, fundada, por um lado, sobre a rememora-

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    o, e de outro, na ruptura messinica e revolucio-

    nria da continuidade. A revoluo o equivalen-

    te profano da interrupo messinica da histria,

    da parada messinica do devir (Tese XVII): as clas-

    ses revolucionrias, ele escreve na Tese XV, esto

    conscientes, no momento de sua ao, de romper

    o continuum da histria4.

    A utopia, em Benjamin, inseparvel de certa

    concepo qualitativa/messinica do tempo, emoposio frontal e distinta ao evolucionismo do

    que ele chama de marxismo vulgar da social-de-

    mocracia, com seu culto do desenvolvimento tc-

    nico, da indstria e do domnio/industrializao

    da natureza. A seus olhos, essa ideologia que no

    seno a forma secularizada da velha tica protes-

    tante do trabalho prefigura a tecnocracia moder-

    na e rompe de maneira sinistra com aquela dos

    socialistas utpicos de antes de 1848. Reencon-tramos aqui Fourier, do qual as imaginaes fan-

    tsticas revelam, comparadas a essa ideologia posi-

    tivista da explorao da natureza, um bom senso

    surpreendente. Sensvel poesia e ao encantamen-

    to dos sonhos de Fourier, Benjamin interpreta-os

    como intuio utpica de outra relao, no-des-

    trutiva e no-mortal, com o meio ambiente natu-

    ral: Para ele, o efeito do trabalho social bem or -

    denado deveria ser que quatro Luas clareiem a noi-

    te da terra, que o gelo retire-se dos polos, que a

    gua do mar deixe se ser salgada e que as feras co-

    loquem-se a servio do homem. Tudo isso ilustra

    um trabalho que, longe de explorar a natureza, tem

    condies de fazer nascer as criaes virtuais que

    dormem em seu seio (BENJAMIN, 1971, p. 283).

    A nostalgia romntica de uma harmonia origin-

    ria inspira a clebre tese IX, que resume, como uma

    lareira acesa, o conjunto do documento. preciso

    ler este texto enigmtico e fascinante como umaalegoriana qual cada imagem sagrada tem um cor-

    respondente no sentido baudeleriano profano:

    tempestade malfica que nos distancia do paraso

    e que acumula no curso da histria runa sobre ru-

    na corresponde a noo deprogresso. difcil evi-

    tar a concluso de que esse paraso perdido destru-

    do pela catstrofe do progresso no outra coisa,

    em linguagem profana, que a sociedade pr-hist-

    rica igualitria, a comunidade primitiva li vre de

    toda forma de dominao sobre a qual sonhavam

    tanto o historiador do matriarcado (Bachofen), opoeta maldito (Baudelaire) e os pais do socialismo

    (Marx e Engels) (BENJAMIN, 1971, p. 281-282).

    Se o comunismo primitivo corresponde ao para-

    so perdido, a utopia da sociedade sem classes corres-

    ponde ao reino messinico da histria.5No se tra-

    ta de voltar ao passado. A nostalgia do mundo co-

    munitrio desaparecido e a melancolia diante das

    destruies trazidas pela modernidade tornam-se,

    para Benjamin, uma energia crtica e subversiva,investida na esperana utpica e messinica e no

    combate revolucionrio para o futuro emancipado.

    Ernst Bloch (1885-1977)6

    Eu tive a oportunidade de conhecer Ernst Bloch

    pessoalmente. Nosso encontro ocorreu em 1974,

    em seu apartamento em Tbingen, situado no

    muito longe da escola (o Stift) onde como ele

    gostava de evocar, em seus escritos , em 1789, os

    jovens Hegel, Schelling e Hlderlin plantaram uma

    rvore para comemorar a Revoluo francesa. Ele

    j estava com 89 anos, era praticamente cego, mas

    apresentava uma lucidez impressionante.

    Entre suas observaes, por ocasio desse en-

    contro, ele fez uma que me impressionou muito e

    que revela a fidelidade obstinada de toda uma vida

    ideia da utopia: O mundo tal como ele existe

    no verdadeiro. H um segundo conceito de ver-dade, que no positivista, que no fundado so-

    bre uma constatao de fatualidade (...); mas que

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    antes de tudo carregado de valor (Wertgelanden),

    como, por exemplo, no conceito de um amigo

    verdadeiro, ou na expresso de Juvenal Tempestas

    potica7; quer dizer, uma tempestade tal qual ela

    se encontra no livro, uma tempestade potica, co-

    mo a realidade nunca conheceu, uma tempestade

    levada at o fim, uma tempestade radical. Ento,

    uma verdadeiratempestade, nesse caso em relao

    esttica, poesia; na expresso um verdadeiroamigo, em relao esfera moral. E se isso no

    corresponde aos fatos e para ns marxistas, os

    fatos no so seno momentos reificados de um

    processo, e nada mais , nesse caso, tanto pior pa-

    ra os fatos (um so schlimmer fr die Tatsachen),

    como dizia o velho Hegel.8

    As referncias aqui so latinas e germnicas,

    mas no se pode impedir de pensar, lendo suas pa-

    lavras, numa velha qualidade judaica, perfeitamen-te descrita pelo termo hebraico e diche bem co-

    nhecido: a chutzpa, quer dizer, o desembarao, a

    insolncia, o desafio.

    Judeu alemo, no crente melhor, ateu con-

    victo , Ernst Bloch foi aluno de Simmel e de Max

    Weber: ele at mesmo participou durante alguns

    anos (1912-1914) do Crculo Max Weber de Hei-

    delberg, do grupo de amigos, colegas e estudantes

    entre os quais Georg Simmel, Ferdinand Tnnies,

    Ernst Troeltsch, Georg Lukacs , que se reuniam

    todos os domingos na casa do socilogo. A esposa

    de Weber descreve-o como um jovem filsofo mergu-

    lhado em altas especulaes apocalpticas (WE-

    BER, 1926, p. 476), enquanto Paul Honigsheim

    (que na poca era estudante de Weber) refere-se

    sua ideologia como uma combinao de elemen-

    tos catlicos, agnsticos, apocalpticos e econmi-

    cos coletivistas (HONIGSHEIM, 1968, p. 28).

    Se as sociedades modernas se caracterizam, deacordo com Max Weber, pelo desencantamento do

    mundo, a obra de Bloch uma tentativa, tipica-

    mente romntico-revolucionria, de re-encantamen-

    to do mundo, graas a duas vias complementares

    e convergentes: a utopia e a religio. Seu primeiro

    livro, Esprit de lutopie (1918), demonstra essa du-

    pla tentativa; apresentando-se como um seguidor

    de Marx, Bloch denuncia o atesmo vulgar e indi-

    gente da burguesia e homenageia certas tradies

    religiosas que lhe parecem necessitar serem salvas

    com urgncia: a ideia de humanidade do cristia-nismo medieval e, sobretudo, os velhos sonhos

    herticos de uma vida melhor. O ltimo captulo

    do livro, denominado Karl Marx, a morte e o

    apocalipse, tenta sem realmente conseguir asso-

    ciar a proposta poltica marxista com a herana

    crist, unidos na vontade de chegar ao Reino

    (BLOCH, [1923] 1977, p. 283, 294, 334).

    O sonho acordado da utopia est no centro da

    reflexo de Bloch aps seus primeiros escritos,Lesprit de lutopie, de 1918, e Thomas Mnzer,

    thologien de la rvolution, de 1921. Uma dimen-

    so romntica est muito presente em suas obras,

    s vezes pela crtica radical e impiedosa civiliza-

    o industrial-burguesa e pela referncia s tradi-

    es do passado, notadamente religiosas. Sua refle-

    xo bebe de muitas fontes espirituais, entre as quais

    o messianismo judaico ocupa um lugar escolhido.

    Num captulo intitulado Os judeus como smbo-

    lo, do Esprit de lutopie, ele festeja a religio ju-

    daica como aquela que tem a virtude essencial de

    ser construda com base no Messias, com base no

    apelo ao Messias. essa crena que faz a conti-

    nuidade histrica do povo dos Salmos e dos pro-

    fetas e que inspira, no incio do sculo XX, o

    despertar do orgulho de ser judeu. De acordo com

    Bloch, Jesus era um verdadeiro profeta judeu, mas

    ele no era o verdadeiro Messias: o Messias dis-

    tante, o Salvador, o ltimo Cristo, ainda desco-nhecido, ainda no veio (BLOCH, 1918, p. 323,

    331-332).9

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    A utopia revolucionria em Bloch como em

    Walter Benjamin inseparvel de uma concep -

    o messinico-milenarista da temporalidade, opos-

    ta a todo gradualismo do progresso: escrevendo

    sobre Thomas Mnzer e a guerra dos camponeses

    do XVI sculo, ele observa: no era para os tem-

    pos melhores que se combatia, mas sim pelo fim

    de todos os tempos (...) o surgimento do Reino.

    Seu procedimento curiosamente sincrtico, aomesmo tempo judeu e cristo como, por exem -

    plo, nesta outra passagem do livro de Mnzer, que

    compara o Terceiro Evangelho de Joachim de Flo-

    re, o milenarismo dos camponeses anabatistas e o

    messianismo dos kabalistas de Safed (Tsfat), que

    esperam, ao norte do lago Tiberades o vingador

    messinico, o destruidor deste Imprio e deste Papa-

    do (...) o restaurador do Olam-ha-Tikkun, verda-

    deiro reino de Deus (...). No se trata apenas dehistria: Bloch acredita, em 1921, na iminncia,

    na Europa, de uma mudana revolucionria, que

    ele descreve numa linguagem judaico-messinica

    como a Princesa Sabbat que aparece, ainda escondi-

    da atrs de uma fina muralha rachada, enquanto que

    levantado sobre as runas de uma civilizao arrui-

    nada... eleva-se o esprito da utopia que no pode

    ser arrancada (BLOCH, 1975, p. 84, 91).10

    Le Principe Esprance(O Princpio Esperana)

    o livro mais importante de Ernst Bloch e sem

    dvida uma das principais obras do pensamento

    emancipatrio do sculo XX. Monumental (mais

    de 1.600 pginas), ela ocupou o autor durante uma

    boa parte de sua vida: escrita durante seu exlio

    nos Estados Unidos, de 1938 a 1947, ela foi revista

    uma primeira vez em 1953 e uma segunda em 1959.

    Aps sua condenao como revisionista pelas

    autoridades da Repblica Democrtica Alem, seu

    autor deixou a Alemanha Oriental por ocasio daconstruo do muro de Berlin, em 1961.

    Entre todas as formas da conscincia antecipa-

    tria, a religio ocupa, no Le Principe Esprance,

    um lugar privilegiado, porque ela representa, para

    seu autor, a utopia por excelncia. preciso dizer

    que a religio considerada por Bloch para retomar

    um de seus paradoxos preferidos uma religio

    atesta. Trata-se de um Reinado de Deus sem Deus,

    que reverte o Senhor do Mundo instalado em seu

    trono celeste e o substitui por uma democracia

    mstica: O atesmo to pouco o inimigo da uto-pia religiosa, que ele a prpria pressuposio: sem

    atesmo o messianismo no existe (BLOCH, 1979,

    III, p. 1408, 1412-1413, 1524).11

    Entretanto, Bloch distingue de modo bastante

    ntido seu atesmo religioso de todo materialismo

    vulgar, do mau desencantamento veiculado pela

    verso mais simples das Luzes o que ele chama

    deAufklrichtem distino aAufklrung e pe-

    las doutrinas burguesas da secularizao. No setrata de opor crena as banalidades do livre pen-

    samento, mas de salvar, transportando-os em dire-

    o imanncia, os tesouros da esperana e os

    contedos de desejo da religio, tesouros nos quais

    se encontra, sob as mais diferentes formas, a ideia

    do comunismo: do comunismo primitivo da B-

    blia ao comunismo monstico de Joachim de Flo-

    re e at ao comunismo chilistico das heresias mi-

    lenaristas (albigenses, hussitas, taboritas, anabatis-

    tas) (BLOCH, 1979, II, p. 66-67, 82-86; BLOCH,

    1979, III, p. 1454, 1519-1526, 1613).

    As curiosidades religiosas de Bloch so mlti-

    plas e ecumnicas, mas o profetismo e o messia-

    nismo judaico ocupam um lugar de escolha em

    seu argumento: como ele escreve na seo intitula-

    da Moiss ou a conscincia da utopia na religio,

    o messianismo o elemento utpico na religio,

    aquele que a torna incompatvel com a teocracia

    e a sacralizao do poder. Para melhor ressaltar aespecificidade do judasmo, ele vai referir-se a Max

    Weber , alis, a nica citao do socilogo nas

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    1.628 pginas do Principe Esprance: Max Weber

    oferece um julgamento que ultrapassa sua prpria

    neutralidade, e percebe corretamente o messianis-

    mo como inseparvel de Moiss e dos profetas:

    Aquilo que prprio das expectativas dos israeli-

    tas a intensidade crescente com a qual, seja o pa-

    raso, seja o Salvador (...) foram projetados no fu-

    turo. Isso no ocorreu apenas em Israel; mas com

    uma tal paixo (...) essa expectativa no esteve nocentro da religiosidade. A antiga Berith(Aliana)

    de Jahwe com Israel, sua promessa ligada a uma

    crtica do miservel estado de coisas presente pos-

    sibilitava isso; mas somente a paixo (Wucht) da

    profecia que a fez de Israel, numa medida nica

    em seu gnero, um povo de esperana e de espe-

    ra. menos o socilogo que se coloca aqui como

    um testemunho objetivo por no ser nem ju-

    deu nem utopista do fervor messinico do povohebreu (BLOCH, 1979, III, p. 1463).12

    O que parece novo e importante no messianis-

    mo e no profetismo, para Bloch, em contraste com

    outras religies contemporneas, a ideia que o

    destino pode ser modificado. Enquanto a Moira

    dos gregos ou o mito astral do Egito pressupem

    um destino irrevogvel levando, assim, ao siln-

    cio e impotncia , o profetismo judeu concebe

    o destino como uma balana, na qual o peso de-

    cisivo est no prprio ser humano. Isaias ensina

    que o destino no categrico, mas hipottico,

    porque ele depende da moral e da livre deciso dos

    humanos (BLOCH, 1979, III, p. 1514).

    Muito diferentes em sua inspirao e empreen-

    dimento, esses pensadores judeus partilham de uma

    sensibilidade messinico-utpica que representa

    uma contribuio distinta ao socialismo moderno,

    uma contribuio dissidente e hertica em relao

    s correntes dominantes da esquerda do sculo XX.

    NOTAS

    1 Num artigo publicado anteriormente nesta revista, abordei

    alguns aspectos da obra de dois pensadores judeus da

    Europa Central de cultura alem, Martin Buber e Erich

    Fromm (LWY, 2009). Junto com os trs pensadores

    considerados agora, resgato a importncia do papel

    desempenhado pelos intelectuais judeus na reflexo e na

    ao de aspirao utpica socialista ao longo dos sculos

    XIX e XX, mas de um modo particularmente intenso na

    Europa entre as duas guerras, j desenvolvido no meu livro

    de 1988 (LWY, 1988). No artigo de 2009, procurei explicar

    a participao dos judeus na teoria e na prtica utpico-

    social na Europa, que pode ser considerada

    desproporcional em relao sua participao numrica

    na populao, por um lado, pela situao de excluso e

    discriminao que vivenciavam sobretudo antes de 1918,

    que favoreceu um ponto de vista crtico sobre a ordem

    social e a pesquisa de uma alternativa radical; e, por outro

    lado, pelo papel da tradio proftica ou messinica

    judaica como fonte de aspirao utpica.

    2 Crena de que Jesus estabelecer um reinado de 1.000

    anos na terra (Milnio) antes do ltimo julgamento, expresso

    no livroApocalipse(Revelao), de Joo, o ltimo livro do

    Novo Testamento. Numa definio mais ampla, um

    conceito cultural baseado na expectativa de um tempo de

    paz e abundncia na terra. (LANDES, Richard.

    Millennialism. Encyclopaedia Britnica[http://www.

    britannica.com/EBchecked/topic/382720/millennialism].

    Consulta em 30/12/2011). Nota da tradutora (NT).

    3 Algumas das ideias de Walter Benjamin desenvolvidas

    neste artigo foram apresentadas numa palestra que fiz na

    Universidade de So Paulo, em janeiro de 2002, a qual foi

    publicada na revistaEstudos Avanados(LWY, 2002).

    4 De acordo com Habermas, existe uma contradio entre

    a filosofia da histria de Benjamin e o materialismo histrico.

    O erro de Benjamin foi, segundo ele, ter querido impor

    como um capuz de monge sobre a cabea ao

    materialismo histrico de Marx, que leva em conta

    progressos no apenas no campo das foras produtivas,

    mas tambm no da dominao, uma concepo histrica

    antievolucionista (HABERMAS, 1981, p. 121). O que

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    Habermas pensa ser um erro precisamente a fonte do

    valor singular da filosofia benjaminiana da histria, e de sua

    capacidade de compreender um sculo caracterizado por

    uma imbricao estreita da modernidade e da barbrie.

    5 Como destaca Benjamin, em uma das notas preparatrias

    para as Thses, deve-se restituir ao conceito de sociedade

    sem classes sua verdadeira aparncia messinica (echtes

    messianisches Gesicht), no interesse mesmo da poltica

    revolucionria do proletariado (BENJAMIN, Gesammelle

    Schriften, I, 3, p. 1232).

    6 A parte do artigo referente a Ernst Bloch foi extrada de

    meu texto Utopie et romantisme rvolutionnaire chez Ernst

    Bloch in De(s)gnrations utopie insurgeante, Revue

    esthtique, potique, philosophique et politique, mai 2010,

    p. 81-88. Disponvel em http://www.editionhuguet.com/

    livres/desgeneration/des11-lowy.pdf.

    7 Trata-se do livro Satires de Juvnal et de Perse, traduit au

    franais par M. Jules Lacroix. Paris : Librairie de Firmin

    Didot Frres, 1846. Disponvel em : http://remacle.org/

    bloodwolf/satire/juvenal/satire12b.htm. Consulta em

    04jan2012. (NT)

    8 Eu publiquei esta entrevista num anexo de meu livro Pour

    une sociologie des intellectuels rvolutionnaires. Lvolution

    politique de Lukacs 1909-1929, Paris, Presses

    Universitaires de France, 1976, p. 294.

    9 Ver, sobre este tema, o belo livro de Arno Mnster,

    Figures de lutopie chez Ernst Bloch, Paris, Aubier, 1985.

    10 Hans Jonas critica o marxismo em geral e Bloch em

    particular por seu messianismo, sua escatologia

    secularizada, seu milenarismo (Chiliasmus) e sua

    aspirao desmesurada de uma metamorfose do ser

    humano acompanhada da recusa de uma simples

    melhora fundamentada num programa de reformas

    razovel e eficaz (JONAS, 1979, p. 313-315, 386).

    11 Este um tema amplamente desenvolvido no livro

    Lathisme dans Le christianisme, Paris, Gallimard, 1981.

    12 A citao de Weber foi extrada de Gesammelte Aufstz

    zur Religionssoziologie III, 1923, p. 249 isto , do livro

    sobre o judasmo antigo.

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    Aceito em 16/01/2012