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Volume 19, Número 4
ISSN 2447-2131 João Pessoa, 2019
Artigo
LÚPUS ERITEMATOSO CUTÂNEO CRÔNICO DISSEMINADO SEM COMPROMETIMENTO
SISTÊMICO: RELATO DE CASO Páginas 257 a 271
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LÚPUS ERITEMATOSO CUTÂNEO CRÔNICO DISSEMINADO SEM
COMPROMETIMENTO SISTÊMICO: RELATO DE CASO
DISSEMINATED CHRONIC CUTANEOUS LUPUS ERYTHEMATOSUS
WITHOUT SYSTEMIC INVOLVEMENT: CASE REPORT
George Lucas Amaro Monteiro1
Lívio e Vasconcelos do Egypto2
RESUMO - Lúpus eritematoso é considerado uma doença autoimune complexa que pode
acometer múltiplos órgãos e sistemas, sendo a pele um dos acometidos de forma mais
variável. As manifestações cutâneas clássicas do lúpus eritematoso são classificadas em
lúpus eritematoso cutâneo agudo, lúpus eritematoso cutâneo subagudo, lúpus eritematoso
cutâneo crônico. O lúpus eritematoso cutâneo crônico é uma doença inflamatória da pele
que acomete principalmente adultos, atingindo preferencialmente as áreas de maior
exposição à luz solar, sendo a lesão clínica cutânea mais comum a placa discoide. O
diagnóstico é clinico e confirmado pelo exame histopatológico. O presente estudo
objetivou relatar a evolução e demonstrar melhoras clínicas e benefícios do tratamento
do Lúpus Eritematoso Cutâneo Crônico em um paciente da cidade de Patos, Paraíba.
Trata-se de um relato de caso, um estudo observacional, com caráter descritivo e
abordagem qualitativa. Foi realizado na Policlínica ClinFIP no município de Patos,
Paraíba. O instrumento utilizado no estudo foi um Prontuário para acompanhamento do
caso de Lúpus Eritematoso Cutâneo Crônico, criado pela Coordenação de Vigilância
Epidemiológica – Núcleo de Dermatologia Sanitária do estado da Paraíba. Observou-se
que a reativação assintomática e a eclosão de novas lesões cutâneas sem progressão
sistêmica ocorreu durante o seguimento de 12 meses. Com isso, é visto que o maior
impacto do lúpus eritematoso cutâneo crônico pode não estar na atividade da patologia
em si, mas sim, na qualidade de vida e bem-estar do paciente.
1 Acadêmico de Medicina das Faculdades Integradas de Patos (FIP), Patos, Paraíba, Brasil –
[email protected]; 2 Médico Dermatologista e Professor das Faculdades Integradas de Patos (FIP), Patos, Paraíba,
Brasil –[email protected].
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Palavras-Chave: Diagnóstico; Lúpus eritematoso; Lúpus eritematoso cutâneo crônico;
Tratamento.
ABSTRACT - Lupus erythematosus is considered a complex autoimmune disease that
can affect multiple organs and systems, and the skin is one of the most widely affected.
The classic cutaneous manifestations of lupus erythematosus are classified into acute
cutaneous lupus erythematosus, subacute cutaneous lupus erythematosus, chronic
cutaneous lupus erythematosus. Chronic cutaneous lupus erythematosus is an
inflammatory skin disease that affects mainly adults, preferentially affecting the areas
with the greatest exposure to sunlight. The most common clinical cutaneous lesion is the
discoid plaque. The diagnosis is clinical and confirmed by histopathological examination.
This study aimed to report the evolution and demonstrate clinical improvements and
benefits of the treatment of chronic cutaneous lupus erythematosus in a patient from
Patos, Paraíba. This is a case report, an observational study, descriptive and qualitative
approach. It was held at the ClinFIP Polyclinic in the municipality of Patos, Paraíba. The
instrument used in the study was a medical record for monitoring the case of chronic
cutaneous lupus erythematosus, created by the Coordination of Epidemiological
Surveillance - Center for Sanitary Dermatology of the state of Paraíba. Asymptomatic
reactivation and outbreak of new skin lesions without systemic progression were
observed during the 12-month follow-up. Thus, it is seen that the major impact of chronic
cutaneous lupus erythematosus may not be on the pathology activity itself, but on the
patient's quality of life and well-being.
Keywords: Diagnosis; Lupus erythematosus; Chronic cutaneous lupus erythematosus;
Treatment.
INTRODUÇÃO
Lúpus eritematoso (LE) é considerado uma doença autoimune complexa,
caracterizada pela produção de autoanticorpos dirigidos contra proteínas do próprio
organismo, podendo acometer múltiplos órgãos e sistemas. Este, possui uma patogênese
desconhecida e multifatorial, apontada para a combinação de fatores hormonais,
ambientais e genéticos, podendo ser influenciada, também, por alterações nos hábitos de
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vida e pela industrialização. Assim, a combinação desses fatores em indivíduos
geneticamente predispostos pode gerar uma desarmonia no sistema imunológico,
contribuindo para o surgimento do lúpus (FILOTICO; MASTRANDREA, 2018).
Dentre os diversos órgãos afetados pelo lúpus eritematoso sistêmico (LES), a pele
é um dos acometidos de forma mais variável, estabelecendo, assim, às lesões cutâneas em
3 dos 11 critérios determinados pela American College of Rheumatology (ACA) para o
diagnóstico de lúpus eritematoso sistêmico: fotossensibilidade, erupção malar e lesões
discóides (BERBERT; MANTESE, 2005).
As manifestações cutâneas clássicas do LE são classificadas em lúpus eritematoso
cutâneo agudo (LECA), caracterizada por lesões edematosa e eritematosas em áreas
fotoexpostas; lúpus eritematoso cutâneo subagudo (LECSA), com sua fotossensibilidade
típica, associada à lesões anulares e psoriasiformes; e lúpus eritematoso cutâneo crônico
(LECC), caracterizado por lesão discoide específica, todas essas lesões com aspectos
histológico de LE (KUHN; LANDMANN; BONSMANN, 2016).
O LECC, também chamado de lúpus eritematoso discoide (LED), é uma doença
inflamatória da pele que acomete mais adultos e afeta áreas com maior exposição à luz
solar. É caracterizada por áreas de vários tamanhos, bem definidas, eritematosas,
descamativas, que tendem a progredir deixando cicatriz atrófica e alterações pigmentares.
A idade de instalação LECC varia, com maior frequência, entre 20 e 40 anos, sendo raro
na infância ou em indivíduos acima de 70 anos. Manifesta-se em qualquer raça e possui
uma prevalência de acometimento no sexo feminino, em proporção ao redor de 2:1
(KONO et al., 2013).
A lesão clínica cutânea mais comum do LECC é a placa discóide, descrita como
mácula ou placa eritematosa, com bordas bem definidas e superfície com descamação
lamelar aderente, mostrando em seu reverso espículas queratósicas correspondentes à
hiperqueratose folicular, chamadas de tachas de tapeceiro. Essas lesões progridem
centrifugamente, assumindo aspecto de disco, muitas vezes com alterações discrômicas e
presença de telangiectasias, deixando cicatriz atrófica central e alopecia cicatricial no
couro cabeludo (SALAH, 2018).
O diagnóstico do LECC é confirmado pelo exame histopatológico, que é
característico. Podendo ser encontrado, frequentemente, imunoglobulinas na pele e,
menos comumente, alterações sorológicas evidenciando autoanticorpos que sugerem
etiologia autoimune. Os exames sorológicos, como a investigação de autoanticorpos
circulantes, que são essenciais no diagnóstico do LES, não são importantes para o
diagnóstico do LECC, sendo mais solicitados para o diagnóstico diferencial com as
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formas sistêmicas e para investigar possíveis evoluções de LECC para LES (KUHN;
LANDMANN; BONSMANN, 2016)
O acometimento sistêmico em pacientes com LECC é incomum, porém há relatos
de paciente com queixa de artralgias ou fenômeno de Raynaud. Diante disso, o LECC
possui um bom prognóstico na maioria dos casos, entretanto a demora do início do
tratamento pode acarretar cicatrizes desfigurantes, influenciando a integridade social do
paciente (BERBERT; MANTESE, 2005).
Nesse contexto, o conhecimento da evolução clínica após diagnóstico e tratamento
de paciente com Lúpus Eritematoso Cutâneo Crônico Disseminado se faz importante para
os médicos e acadêmicos de medicina, por abordar uma patologia incomum na prática
clínica, no intuito da prevenção do diagnostico errôneo e do tratamento inadequado e
tardio de algumas variantes dessa patologia.
METODOLOGIA
A investigação foi conduzida por meio de um relato de caso, um estudo
observacional, com caráter descritivo e abordagem qualitativa. O relato de caso tem como
maior objetivo aprofundar a descrição de determinada realidade talvez por tal
particularidade. Como caráter descritivo, este estudo tem como finalidade retratar a
realidade, sendo de fundamental importância quando se sabe pouco ou nada sobre
determinado assunto, bem como fornece dados demográficos importantes a profissionais
de saúde e gestores (ARAGÃO; 2011).
Retratam o detalhamento descritivo de casos clínicos, contento atributos
relevantes sobre os sinais, sintomas e outras peculiaridades do paciente, relatando as
condutas terapêuticas utilizadas, bem como a evolução do caso. Possuem indicativo claro
em circunstâncias e doenças raras, para as quais tanto o diagnóstico como a terapêutica
não estão nitidamente convencionados na literatura cientifica (OLIVEIRA et al., 2016).
O estudo foi realizado na policlínica de especialidade CLINFIP, Patos-PB, no
período de agosto a novembro de 2018. Sendo o sujeito abordado, caracterizado como
sendo do sexo masculino, 62 anos, vendedor ambulante e portador de Lúpus Eritematoso
Cutâneo Crônico Disseminado. Este após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa
(CEP) das Faculdades Integradas de Patos – FIP, número do parecer 3.071.008 e número
da CAEE 03074818.8.0000.5181, o paciente foi convocado e esclarecido sobre a pesquisa
e o objetivo da mesma. Após isso, foi assinado o Termo de Consentimento Livre e
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Esclarecido (TCLE) e o termo de assentimento. Dessa forma, a coleta de dados e a
execução do protocolo ocorrerão conforme as normas da resolução 510/16 do Conselho
Nacional de Saúde - Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais.
O prontuário criado pela Coordenação de Vigilância Epidemiológica do Estado –
Núcleo de Dermatologia foi utilizado para acompanhamento e extração de dados do caso
de Lúpus Eritematoso Cutâneo. Nele, constam dados sobre anamnese (nome, sexo, data
de nascimento, idade, nome da mãe, endereço, número de telefone e data de diagnóstico),
tratamento realizado (data de início, data de término, esquema terapêutico utilizado, grau
de incapacidade, dentre outros), investigação clínica, localização das lesões e suas
descrições, classificação operacional e forma clínica; exame físico e exames
complementares (laboratoriais e de imagem) e evolução clínica. Estes dados foram
analisados de forma qualitativa, digitalizados e compilados no software Microsoft Word
2010®.
RELATO DE CASO
Paciente J.N.N.S., sexo masculino, 62 anos, aposentado, realizou procura de
ambulatório especializado em dermatologia pela queixa de manchas em várias regiões do
corpo há aproximadamente 15 anos. Na história da doença atual e exame físico
direcionado, foi identificado lesões difusas do tipo manchas acrômicas de caráter atrófico
localizadas no dorso, na região cervical posterior, masseteriana, carotideana, supra-
hióidea, auricular, membro superior esquerdo e parietal. Associado ao quadro, apresenta
placas eritematosas no dorso e em regiões de exposição solar.
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Figura 01. (fonte: autoria própria) Figura 02. (fonte: autoria própria)
Figura 03. (fonte: autoria própria)
A hipótese diagnóstica foi Lúpus Eritematoso Cutâneo Crônico. Porém, para
melhor investigação e confirmação da patologia, a conduta consistiu na solicitação de
exames laboratoriais, como: hemograma, fator anti-nulcear (FAN), proteína C reativa
(PCR), velocidade de hemossedimentação (VHS), Anti-DNA nativo (anti-dsDNA), Anti-
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SM, Anti-Ro, Anti-La, anticorpo antifosfolipídeo, fator reumatoide (FR), alanina
aminotransferase (ALT), aspartato aminotransferase (AST), gama glutamil
transpeptidase (GGT), ureia e creatinina. Nessa primeira consulta, embora o paciente
tenha negado qualquer patologia crônica, foi observado um aumento da pressão arterial
tanto sistólica quanto diastólica (170X120 mmHg).
Em retorno a consulta clínica no mês seguinte, paciente não referiu qualquer
sintoma envolvendo as lesões relatadas e trouxe os exames laboratoriais solicitados:
hemácias normocíticas e normocrômicas sem alterações quantitativas; leucopenia sem
desvio a esquerda; trombocitopenia; PCR, VHS, FR, células LE, AST, ALT, GGT, ureia,
creatinina, anticorpo antifosfolipídeo, Anti-Ro, Anti-La, anti-dsDNA, Anti-SM dentro
dos limites superiores da normalidade; o FAN mostrou padrão citoplasmático fibrilar
filamentar com titulação 1:160. Os exames aumentaram a suspeita clínica de LECC,
sendo solicitado estudo anatomopatológico da lesão para confirmação do diagnóstico.
Com isso, foi prescrito tratamento empírico com Reuquinol ® 400mg, 01 comprido ao
dia.
Após sete meses da solicitação da biópsia, paciente retorna ao ambulatório para
avaliação clínica sem queixas. Trouxe resultado anatomopatológico, evidenciando
fragmento de pele com hiperceratose, acantose leve e degeneração hidrópica basal; e
derme com moderado infiltrado inflamatório mononuclear perivascular e perifolicular,
além de depósitos de mucina. Esses achados histológicos foram compatíveis com a
suspeita clínica de LECC, confirmando assim, a hipótese diagnóstica. Ao exame clínico,
foi constatado novos sítios de lesão na região dorsal, caracterizados por placas de halo
eritematoso com centro hipocrômico e, ainda, reativação das lesões antigas.
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Figura 04: Exame histopatológico (fonte: autoria própria)
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Figura 05. (fonte: autoria própria) Figura 06. (fonte: autoria própria)
Na ocasião, o paciente referiu não ter iniciado o uso da medicação prescrita por
motivo do não fornecimento pelo órgão público responsável. Diante do exposto, a
conduta foi o encaminhamento para o tratamento em Unidade Básica de Saúde (UBS)
com a manutenção do Reuquinol ® 400mg, 01 comprimido ao dia e orientações gerais
sobre fotoexposição e proteção solar.
DISCUSSÃO
O LE é caracterizado como uma doença autoimune e multifatorial, podendo ser
dividida em sua forma cutânea, o LEC, caracterizada pelo não desenvolvimento de
sintomas sistêmicos significativos do LE. Assim, devido aos sintomas sistêmicos
implicarem em maior morbidade ao paciente, além de modificar o prognóstico e o
tratamento, se faz importante a exclusão do diagnóstico do LES através da avaliação dos
autoanticorpos FAN, anti-dsDNA, anti-Sm, anti-Ro e anti-La. Além disso, a presença de
lesões cutâneas inespecíficas podem contribuir para a suspeita diagnóstica do LES, como:
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livedo reticular, urticária vasculite, telangiectasia periungueal, eritema multiforme e
úlceras em mucosas (FILOTICO; MASTRANDREA, 2018).
Pelos critérios diagnósticos do SLICC, não foi constado o acometimento sistêmico
no paciente do relato apresentado, já que o mesmo não atingiu o mínimo de 4 critérios
exigidos. É importante destacar que a presença de leucopenia e plaquetopenia foram leves
com valores 4.900/mm3 e 117.000, respectivamente, não sendo suficientes para o
preenchimento dos critérios diagnóticos (MOCARZEL et al., 2015).
Em relação ao FAN, este foi positivado em titulações (1:160), sendo considerado
uma titulação baixa, comparada a unanicidade relatada por um estudo transversal
elaborado por Oh et al. (2018) com titulações de 1:1280. Este identificou ainda, a baixa
frequência de positividade dos anticorpos Anti-Ro e Anti-SM no LECC comparado aos
outros subtipos.
Ao longo do período de acompanhamento clínico, não foi observado evolução
para o quadro sistêmico que, unindo a informação colhida pelo relato do paciente e o seu
tempo de seguimento, resulta numa duração da história natural da doença de
aproximadamente 16 anos. Isso implica que houve manutenção crônica do estado cutâneo
do Lúpus eritematoso, mesmo sem o tratamento adequado.
A etiologia do LECC possui característica multifatorial, destacando-se a interação
entre fatores ambientais e genéticos. Esses, interagindo entre si, podem promover o início
e a manutenção de uma cascata inflamatória envolvendo quimiocinas, citocinas e células
inflamatórias diversas. No que se refere aos fatores ambientais contribuintes, destacam-
se a radiação ultravioleta (UV), medicamentos, tabagismo e, possivelmente, alguns tipos
de vírus. Nesse ponto, é crucial a identificação de um notável fator de risco presente
diariamente na vida do paciente relatado: a frequência elevada de exposição a radiação
UV devido a sua profissão como ambulante em município com altos índices UV durante
a maior parte do dia. Já em relação aos genes previamente associados ao LES, podem ser
relavantes o IRF5, TYK2 e CTLA4 que, também, acarretam num risco aumentado para o
desenvolvimento de Lupus Eritematoso Discóide (MCDANIEL, 2018).
Embora o LECC ocorra em proporção maior no sexo feminino, pode também
afetar homens de meia-idade, como no caso do paciente em questão. Nesse contexto, uma
análise asiática apontou o início da doença mais tardiamente para o LECC comparado ao
LES. Este tipo de LE, se apresenta como áreas de hiperceratose que são frequentemente
encontradas na região anterior ao tórax, superfície extensora dos membros superiores,
mãos e face. Embora a caracterização dessa patologia imponha a exclusão de outras
enfermidades que fazem diagnóstico diferencial, entre outros, o líquen plano, o
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ceratoacantoma e o carcinoma de células escamosas. A primeira hipótese diagnóstica,
dada a vasta experiência profissional do dermatologista, foi o LECC (OH et al., 2018).
Apesar da hipótese diagnóstico de LECC ser elucidada apenas com base nas
características clínicas, a histologia pode ser necessária para confirmar o diagnóstico. Isso
ocorre devido os achados do exame histopatológico no LEC variarem com base no
subtipo, podendo a sobreposição desses, ser vista nos achados histológicos entre os vários
fenótipos clínicos, como em lesões de LECA, LECS e LECC. Nas lesões lúpicas
discóides, pode haver dermatite interface, porém é mais provável a presença de
inflamação perianexial, tamponamento folicular e cicatrizes. (MCDANIEL, 2018).
Nesse contexto, Oh et al. (2018) encontraram uma prevalência decrescente de
características histológicas, como: infiltração perivascular, discromia, hiperqueratose,
fibrose dérmica, infiltração perifolicular e atrofia epidérmica. Comparando-se esses
dados com os de outros subtipos do LEC, foi observado relevante fibrose dérmica e maior
proeminência de células inflamatórias infiltradas no entorno das estruturas écrinas. Essa
observação pode ser reiterada pela presença predominante de células T CD4 e CD8 nas
camadas mais profundas do tecido epitelial evidenciado por (YAMAMOTO; HIRAIWA,
2014).
Nessa mesma investigação, ainda foi relatada a presença órgão-específica
prolongada de células T supressivas que possuem função fundamental no processo de
imunoativação e imunotolerância que possivelmente estão associados ao processo
fibrótico. Além disso, em exame utilizando a técnica de imunifluorescência direta foi
demonstrado depósitos linerares de imunoglobulinas M, G e complemento C3. Dessa
forma, esses dados apontam que LECC sem acometimento sistêmico possui maior
tendência a fibrose e inflamação que podem culminar em maior número de cicatrizes,
comprometendo, assim, a qualidade de vida dos pacientes afetados (YAMAMOTO;
HIRAIWA, 2014).
O tratamento do LECC possui como objetivo reduzir o desenvolvimento de
cicatrizes e impedir a eclosão de novas injúrias epidérmicas. Assim, a terapia básica é a
fotoproteção química com fator de proteção solar mínimo 50 e de proteção ampla para
radiação UV tipo A e B. Além disso, o uso de vestimenta adequada durante a exposição
solar pode minimizar o dano actínico através da fotoproteção física (EASTHAM;
VLEUGELS, 2014).
Em relação ao tratamento medicamentoso, não existe droga específica para o
tratamento do LECC. No entanto, inibidores da calcineurina, corticoesteróides tópicos e
hidroxicloroquina tem sido utilizados como primeira linha, sendo reservados o
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metotrexato, azatioprina, dapsona, ciclofosfamida e imunobiológicos para os casos
refratários. Com isso, foi prescrito hidrocloroquina como agente de primeira linha para o
paciente relatado (TENTI et al., 2018).
Nesse interim, foi apontado em revisão sistemática, a equivalência terapêutica da
acitretina 50mg na resolução completa da lesão cutânea, embora o eritema tenha sido
melhor resolvido com o uso da hidroxicloroquina 400mg. Já em relação a medicação
tópica foi apontada a superior eficácia terapêutica da fluocinonida 0,05% comparado a
hidrocortisona 1% (JESSOP et al., 2017).
Em relação ao tratamento tópico, Milam, Ramachandran e Franks (2015)
apontaram uma loção tópica a base de tracolimus 0,3% com base alcoólica como
alternativa terapêutica possível para a alopecia cicatricial devida ao LED. Os resultados
mostraram convalescência na atividade da doença com a redução do prurido, eritema e
área epitelial atingida. Além disso, houve o benefício do crescimento piloso terminal na
região periférica e central das lesões. Por conseguinte, o uso dessa loção tópica poderia
ser uma alternativa terapêutica para o paciente relatado, tendo em vista, a alopecia
evidenciada.
CONCLUSÃO
Sendo o LECC uma patologia órgão-específica na grande maioria dos casos, não
foi evidenciada progressão sistêmica durante os doze meses de seguimento no paciente
relatado, mesmo sem o uso do tratamento prescrito. Embora tenha ocorrido a reativação
das lesões e a eclosão em novos sítios, o paciente se manteve assintomático durante todo
o tempo.
A presença do processo fibrótico cicatricial no LECC pode ser um fator depressor
da qualidade de vida e bem-estar do paciente bem mais impactante que a atividade do
LED em si. Assim, o diagnóstico e tratamento precoce dessa doença pode prevenir o
surgimento de lesões cicatriciais e reduzir os danos físicos e psicológicos por elas
causados.
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Volume 19, Número 4
ISSN 2447-2131 João Pessoa, 2019
Artigo
LÚPUS ERITEMATOSO CUTÂNEO CRÔNICO DISSEMINADO SEM COMPROMETIMENTO
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