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FUNDO GARANTIDOR DAS PPPs Na esteira da reengenharia das funções estatais, bem como do novo delineamento das relações jurídicas travadas entre o Poder Público e o setor privado, e em consonância com os vetares de atuação da Administração Pública propostos pela Reforma Administrativa, tem-se a incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro de nova filosofia de colaboração do setor privado para com a Administração Pública, a qual se consubstanciou no instituto da Parceria PúblicoPrivada.Na esteira da reengenharia das funções estatais, bem como do novo delineamento das relações jurídicas travadas entre o Poder Público e o setor privado, e em consonância com os vetares de atuação da Administração Pública propostos pela Reforma Administrativa, tem-se a incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro de nova filosofia de colaboração do setor privado para com a Administração Pública, a qual se consubstanciou no instituto da Parceria PúblicoPrivada... FUNDO GARANTIDOR DAS PARCERlAS PÚBLICO-PRIVADAS E AS NOVAS DIRETRIZES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Luciano Ramos(*) 1 - INTRODUÇÃO: REDIMENSIONAMENTO DAS RELAÇÕES JURÍDICAS TRAVADAS PELO PODER PÚBLICO Na esteira da reengenharia das funções estatais, bem como do novo delineamento das relações jurídicas travadas entre o Poder Público e o setor privado, e em consonância com os vetares de atuação da Administração Pública propostos pela Reforma Administrativa, tem-se a incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro de nova filosofia de colaboração do setor privado para com a Administração Pública, a qual se consubstanciou no instituto da Parceria PúblicoPrivada. De fato, impelido pela ausência de recursos estatais e a decorrente necessidade de atração da iniciativa privada, o Estado brasileiro passou a repensar os termos das relações travadas com os particulares, enquanto partícipes de contratos administrativos, de forma a que fossem incrementadas novas garantias ao contratado, muitas vezes à custa de prerrogativas de Poder Público, sendo a cabal demonstração deste fato a recente publicação da Lei n° 11.079, de 30 de dezembro de 2004 (Lei de Parcerias Publico-Privadas), precedida que foi de profunda mistificação quanto a vir esta a solver as crescentes necessidades públicas, diante do fato de que estariam submetidas a modelos mais consentâneos de gestão, haja vista que adstritas a mecanismos mais flexíveis para a satisfação do interesse público e, como tais, devidamente aptos a atrair a iniciativa privada. À evidência, depois de anos de relação jurídica entre Poder Público e entes privados em bases deletérias, sendo a Administração Pública péssima pagadora, conjugado com a premente necessidade de captação de recursos privados para fazer frente às crescentes e dispendiosas demandas por infra-estrutura, haveria a Administração de repensar as bases nas quais se pauta a prestação de bens e serviços pelos entes privados ao setor público. /portal/CyrodosAnjos - Biblioteca Cyro dos Anjos Powered by Mambo Generated: 19 January, 2010, 11:54

Luciano Ramos -Fundo Garantidor Das PPP

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  • FUNDO GARANTIDOR DAS PPPs

    Na esteira da reengenharia das funes estatais, bem como do novodelineamento das relaes jurdicas travadas entre o Poder Pblico e osetor privado, e em consonncia com os vetares de atuao daAdministrao Pblica propostos pela Reforma Administrativa, tem-se aincorporao ao ordenamento jurdico brasileiro de nova filosofia decolaborao do setor privado para com a Administrao Pblica, a qualse consubstanciou no instituto da Parceria PblicoPrivada.Naesteira da reengenharia das funes estatais, bem como do novodelineamento das relaes jurdicas travadas entre o Poder Pblico e osetor privado, e em consonncia com os vetares de atuao daAdministrao Pblica propostos pela Reforma Administrativa, tem-se aincorporao ao ordenamento jurdico brasileiro de nova filosofia decolaborao do setor privado para com a Administrao Pblica, a qualse consubstanciou no instituto da Parceria PblicoPrivada...FUNDO GARANTIDOR DAS PARCERlAS PBLICO-PRIVADAS E AS NOVAS DIRETRIZES DA ADMINISTRAOPBLICA

    Luciano Ramos(*)

    1 - INTRODUO: REDIMENSIONAMENTO DAS RELAES JURDICAS TRAVADAS PELO PODER PBLICO

    Na esteira da reengenharia das funes estatais, bem como do novodelineamento das relaes jurdicas travadas entre o Poder Pblico e osetor privado, e em consonncia com os vetares de atuao daAdministrao Pblica propostos pela Reforma Administrativa, tem-se aincorporao ao ordenamento jurdico brasileiro de nova filosofia decolaborao do setor privado para com a Administrao Pblica, a qualse consubstanciou no instituto da Parceria PblicoPrivada.

    De fato, impelido pela ausncia de recursos estatais e a decorrentenecessidade de atrao da iniciativa privada, o Estado brasileiropassou a repensar os termos das relaes travadas com os particulares,enquanto partcipes de contratos administrativos, de forma a que fossemincrementadas novas garantias ao contratado, muitas vezes custa deprerrogativas de Poder Pblico, sendo a cabal demonstrao deste fato arecente publicao da Lei n 11.079, de 30 de dezembro de 2004 (Lei deParcerias Publico-Privadas), precedida que foi de profunda mistificaoquanto a vir esta a solver as crescentes necessidades pblicas, diantedo fato de que estariam submetidas a modelos mais consentneos degesto, haja vista que adstritas a mecanismos mais flexveis para asatisfao do interesse pblico e, como tais, devidamente aptos aatrair a iniciativa privada.

    evidncia, depois de anos de relao jurdica entre Poder Pblico eentes privados em bases deletrias, sendo a Administrao Pblicapssima pagadora, conjugado com a premente necessidade de captao derecursos privados para fazer frente s crescentes e dispendiosasdemandas por infra-estrutura, haveria a Administrao de repensar asbases nas quais se pauta a prestao de bens e servios pelos entesprivados ao setor pblico.

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  • Diante destes fatos inexorveis, e com a perspectiva de melhoratendimento ao interesse pblico, a relao jurdica com o setorprivado passa a ter um vetor diferenciado para que esta se realizeplenamente, conjugando lgica da autoridade nsita concepotradicional do contrato administrativo, com todas as clusulasexorbitantes e derrogatrias do direito privado, a lgica do consenso,ensejando a concretizao de concepes como Administrao consensual,Administrao concertada, inclusive com a perspectiva de urnaAdministrao Pblica paritria.

    No entanto, conquanto seja clara esta mudana na correlao de forasentre os atores de um contrato administrativo - ensejando at mesmo areleitura da supremacia do interesse pblico como determinante de umaprevalncia abstrata e quase que absoluta -, ainda que esta diretriz semostre clara com o novel instituto da parceria pblico-privada, faz-senecessrio ter precisamente arraigado que a PPP no se consubstancia emcontrato de direito privado, como tal ainda que se busque mitigar averticalizao inerente ao contrato administrativo clssico, sendo esteum meio para atingir a finalidade de interesse pblico, ainda assim arelao travada entre eles jamais poder se pautar pela horizontalidade.

    Vale dizer, ainda que se tenha a perspectiva da possibilidade deconcesses recprocas em prol do interesse pblico, na esteira daAdministrao Pblica Paritria conceituada por Sabino Cassese1 , aindaassim haver sempre um ncleo duro inerente satisfao do interessepblico que impede que parceiro pblico e parceiro privado estejam nomesmo plano, ainda que a verticalidade entre eles j no mais seja toacentuada.

    Neste ponto salutar observar que, nada obstante a Lei 11.079/04 tenhamitigado a posio de supremacia da Administrao Pblica em relao aocontratado, apesar disso, conceituou a parceria pblico-privada comoespcie de concesso, contrato tpico de direito administrativo, o qualpoder evoluir para adequar as clusulas exorbitantes nova realidadeda dicotomia pblico e privado, mas que no poder deixar de ter aAdministrao Pblica nesta qualidade (no como parte de um ajusteprivado), sob pena de o contrato administrativo deixar de ser uminstituto autnomo do direito, alm de a Administrao perder oprincipal mecanismo de consecuo do interesse pblico, que ficariatotalmente a reboque do interesse privado.

    Portanto, para que haja urna anlise da extenso e da validade dosdispositivos carreados com o regime jurdico diferenciado no qual seconsubstanciou a PPP, importante ter bem vincadas duas premissas,quais sejam, o grau de verticalidade da relao entre o Poder Pblico eo setor privado no um instituto definido metajuridicamente, tendo osseus contornos definidos pelo direito positivo, podendo as clusulasexorbitantes serem em prol da eficincia e efetividade no atendimentodo interesse pblico; no entanto, esta diminuio da posio deautoridade no pode significar confuso entre pblico e privado, naesteira do fenmeno definido pela autora portuguesa Maria JooEstorninho2 como "fuga para o direito privado", to-somente paracontornar o controle mais rgido inerente ao regimejurdico-administrativo.

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  • Estabelecidas estas premissas iniciais, de um lado havendo otemperamento do vetor autoridade com a lgica do consenso; de outro, odelineamento categrico da Parceria Pblico-Privada como contratoadministrativo, estas serviro de norteadoras da anlise dosdispositivos da Lei 11.079/04, notadamente o Fundo Garantidor dasParcerias Pblico-Privadas, haja vista que este significou oreconhecimento do Poder Pblico de que o manejo indevido dasprerrogativas a ele inerentes, muitas vezes exercidas em detrimento dosdireitos dos contratados, redunda em ofensa ao interesse pblico.

    2 - FUNDO GARANTIDOR DAS PPPS E REGIME DE PRECATRIO

    Delineada a ratio legis das normas dispostas na Lei 11.079/04, tem-seno Fundo Garantidor de Parcerias Pblico-Privadas aspecto nodal dareestruturao da relao entre o setor pblico e o privado, sendo estaa principal garantia introduzida neste regime jurdico quanto aocumprimento da contraprestao pecuniria a cargo do parceiro pblico,dentro da diretriz de harmonizao entre o interesse pblico e ointeresse do concessionrio (parceiro privado)3 .

    Destarte, com o fito de potencializar a atrao de recursos privados,procedeu a Lei n 11.079/04 autorizao de destaque de parcela dopatrimnio da Unio, constituindo assim um fundo especial, de naturezaprivada, cuja funo ser responder pelas obrigaes pecunirias noadimplidas pelo parceiro pblico, tomando estes crditos contra aFazenda Pblica especiais, haja vista que no estariam sujeitos aoregime de precatrios.

    Nestes termos, desponta a discusso quanto adequao deste regimediferenciado em cotejo com o regime de execuo contra a FazendaPblica constitucionalmente estabelecido (Constituio Federal, art.100), alm de haver discusso quanto prpria possibilidade de leiordinria criar fundo especial, em face do quanto disposto no art. 165, 9, inciso II, da Constituio Federal.

    Ab initio, destaque-se a possibilidade de estabelecimento do fundo porlei ordinria, haja vista que a reserva constitucional de leicomplementar diz respeito s condies para instituio e funcionamentode fundos, o que estaria suprido pelo quanto disposto na Lei n4.320/64 (arts. 71 a 74).

    Vale dizer, o dispositivo constitucional giza a inexorabilidade denorma geral de direito financeiro que delineia as condies para quepossam ser institudos fundos especiais, no sendo requerida leicomplementar especfica para a criao de cada fundo individualizado4 .

    Problema mais complexo diz respeito constitucionalidade deste regimediferenciado de execuo, em detrimento do regime geral de precatrios.

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  • Para solucionar esta suposta contraposio, faz-se necessrio perquiriras razes do estabelecimento do regime de precatrio, o qual foiestabelecido para conjugar de um lado um mnimo de segurana derecebimento para o credor sem com isto afetar o planejamento e aexecuo das polticas pblicas, tendo em vista que ao Estado caberiaprogramar o seu desembolso em consonncia com os princpiosoramentrios, alm das garantias de impenhorabilidade dos benspblicos, na esteira do princpio da continuidade do servio pblico, oque pressupe a existncia dos meios aptos sua consecuo.

    Neste primeiro ponto, o estabelecimento do Fundo Garantidor de PPPs nose contrape ratio legis dos precatrios, igualmente atendendo aorequisito de programao oramentria. E assim o porque os crditos aserem honrados pelo Fundo limitam-se s contraprestaes pecuniriasque no foram adimplidas pelo parceiro pblico, as quais, peloprincpio de responsabilidade fiscal, alm de norma expressa da Lei4.320/64, deveriam estar devidamente acobertadas por empenho previo(art. 60).

    De fato a espcie de dbitos a serem honrados por este mecanismodifere, no que tange ao elemento previsibilidade e em conseqnciaplanejamento, daqueles provenientes de Responsabilidade Cvil do Estado,por exemplo, o que, sob a ptica estritamente oramentria, permite aoPoder Pblico levar a cabo mecanismos outros de programao, cujoescopo em tudo se aproxima deste abarcado pelo regime de precatrio.

    Vale dizer, consubstancia-se o Fundo Garantidor das ParceriasPblico-Privadas na cabal afirmao do Poder Pblico de que ir honrardvidas por ele mesmo j reconhecidas. Portanto, resta contraditrioconsiderar que a Administrao Pblica pode adimplir espontaneamentecom os seus encargos pecunirios, o que de resto deveria ser a regra -haja vista que os foram contratados e supostamente planejados -, masque o Estado no reservar valores para que estes pagamentos fossemassegurados, inclusive, com este proceder, reduzindo o custo das suasobrigaes pecunirias. Neste diapaso, traz-se colao a pertinente,como si haveria de ser, doutrina do Professor Mrcio Cammarosano5 ,verbum ad verbum:

    "Reparaes dessa natureza devem ocorrer, quando bem caracterizada aviolao de direitos dos contratados, j em sede administrativa. A estepasso cumpre anotar que laboram em equvoco os que por vezes sustentamque no faz sentido a Administrao penalizar-se a si mesma ou criardisposies que no sejam em seu proveito. Os que assim se manifestamou decidem em rigor esto a olvidar que os contratados socolaboradores, parceiros do Poder Pblico em empreendimentos voltadosao interesse pblico. Os contratados no podem ser vistos, emprincpio, como adversrios, assim como os recursos governamentais nopodem ser vistos como propriedade pura e simples do Governo, mas simcomo instrumento para a consecuo das suas finalidades, para o estritocumprimento das obrigaes assumidas e reparao de quem de direito,por seus comportamentos afetados" (grifos nossos).

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  • Outrossim, registre-se que a Lei 11.079/04 apenas autoriza ao parceiroprivado acionar a garantia consubstanciada pelo referido Fundo nashipteses em que: haja "crdito lquido e certo, constante de ttuloexigvel aceito e no pago pelo parceiro pblico", j tendo decorrido45 (quarenta e cinco) dias do seu vencimento6 ; ou em que tenham sidoemitidas faturas e a elas no tenha havido contraposio motivada doPoder Pblico no prazo de 90 (noventa) dias7 .

    Portanto, este mecanismo est atrelado ao agir da AdministraoPblica, o que acarreta plena possibilidade de efetivo planejamentopelo ente pblico, sendo entrave to-somente assaz comumpredisposio de no adimplir com os dbitos contrados, os quaispassam a ter prazo certo para serem honrados.

    evidncia, a institucionalizao do calote, tal qual atualmenterealizado pela Administrao Pblica, vai de encontro ao interessepblico, sendo prtica em tudo ilegtima, tal qual salientado peloProfessor Juarez Freitas8 , com a sua peculiar argucia:

    "Esses ilustrativos desdobramentos do princpio servem para realar queo sistema jamais se coaduna com domnio desptico sobre a vontadeparticular, muito menos com o formalismo weberiano, eis que exige oprimado (no a 'supremacia' autoritria e imotivada nem legitimidade doracionalismo instrumental) da vontade geral legtima. Desse modo, noconsulta o interesse pblico, por exemplo, que persista o modelo inquode descumprimento das obrigaes pela Administrao Pblica, porsupostas razes subalternas de Estado, que no podem servir de biomboou argumento para o desacato ou descumprimento das obrigaes, prticaainda mais condenvel quando se oferecem garantias qualificadas noscontratos de PPPs. Portanto, as contraprestaes do parceiro pblicodevem ser rigorosamente respeitadas, sob pena de improbidadeadministrativa, por ofensa tambem ao princpio do interesse pblico. Arigor, dele decorre o dever de pleno respeito a direitos fundamentaisdos destinatrios dos servios e, simultaneamente, a direitos dosparceiros privados incumnbidos da execuo (art. 4, II)" (grifosnossos).

    Analisando sob outro ngulo, poderia ser aventado que o regime deprecatrio vincularia a Administrao, a fim de que o tratamento doscredores fosse procedido de forma impessoal e isonmica,consubstanciando um dos principais objetivos do art. 100 daConstituio Federal, que o de estabelecer a igualdade entre credoresdo Estado9 .

    Ocorre que a prpria Constituio, ao estabelecer que entes componentesda Administrao Publica estariam submetidos a regime de direitoprivado, por reconhecer que em determ.madas hipteses este omecanismo adequado e necessrio para a realizao do interesse pblico,traou a diretriz de que determinadas relaes jurdicas estabelecidaspelo Poder Pblico no estariam sujeitas ao regime de precatrio, desdeque assumissem a natureza de direito privado, como o caso do Fundo/portal/CyrodosAnjos - Biblioteca Cyro dos Anjos Powered by Mambo Generated: 19 January, 2010, 11:54

  • Garantidor das PPPs.

    Vale dizer, situaes h em que o ordenamento jurdico, inclusive enotadamente a Carta Magna, reconhece no regime de direito pblico - emsua plenitude, visto que ele nunca pode ser afastado todo - bice realizao do interesse pblico em hipteses especficas, remetendo,nestes casos, a Administrao Pblica ao regime de direito privado.

    Assim, no haveria vedao constitucional para que a Lei retirassedeterminados bens pblicos da restrio ordinria de impenhorabilidade,uma vez que em hipteses especificas este ser o mecanismo apto arealizar o interesse pblico10 .

    A esta constatao de que parcela do patrimnio pblico no estsujeita ao regime de precatrio, excepcionada que foi pela prpriaConstituio Federal (art. 173, 10, II), poder ser objetado o fato de que este dispositivo noinstituiu crditos privilegiados contra o Poder Pblico, mas, sim,estabeleceu a forma de atuao do Estado no domnio econmico sem quehouvesse ofensa ao princpio constitucional da livre concorrncia (art.170, IV).

    No entanto, esta circunstncia, em vez de infirmar a argumentaoesquadrinhada supra, antes a refora, tendo em vista que a proteo dalivre concorrncia tambm se configura em atendimento do interessepblico, vale dizer, a Carta Poltica traou nitidamente a diretriz deque o Estado dever adequar a sua forma de atuao realidade dasrelaes jurdicas por ele travadas, inclusive com a possibilidade deflexibilizao de meios, de forma a que haja a efetiva realizao dointeresse pblico.

    Igualmente, poder-se-ia argumentar que a Constituio no excluiu doregime de precatrios at mesmo os crditos alimentcios - apesar desubmet-Ios a uma ordem prpria -, os quais requereriam maior proteodo Estado; portanto, seria inconstitucional, diante do juzo de valorintrnseco a este dispositivo, o estabelecimento de privilgio paracredores detentores de vultosos capitais, tal qual sero os aptos acontratar parcerias pblico-privadas11 .

    Todavia, com a devida vnia, ao ser procedida a leitura do art. 100 daConstituio Federal como imposio de igualdade absoluta entre todosos credores do Estado (excetuados os decorrentes de crditosalimentcios), independentemente da posio por estes assumida em faceda Administrao Pblica e da consecuo de interesse pblico, tem-secomo conseqncia um agravamento absolutamente evitvel do nusnecessrio para a satisfao das necessidades pblicas prementes, o quevir em detrimento de todos os credores e, mormente, do interesse detoda a coletividade12 .

    Portanto, ao ser mudado o foco da instituio da garantiaconsubstanciada no Fundo Especial, no mais centrado exclusivamente naqualidade do credor a quem tocar esta forma diferenciada de satisfao/portal/CyrodosAnjos - Biblioteca Cyro dos Anjos Powered by Mambo Generated: 19 January, 2010, 11:54

  • dos seus crditos, passando este a recair nas conseqncias para ointeresse pblico, acaso no sejam reforados os esteios dedeterminadas relaes jurdicas travadas pelo Poder Pblico,verifica-se haver razo jurdica para o descrimine veiculado pela Lei11.079/04, estando esta em consonncia com o atendimento da finalidadepblica.

    Neste diapaso, traz-se a lume as lies de Carlos Ari Sundfeld13 , in verbis:

    "Trata-se de fim perfeitamente lcito, de inegvel interesse pblico.As garantias para os parceiros privados nessas concesses justificam-seplenamente pelo fato de estes adiantarem vultosos investimentos para acriao de infra-estrutura pblica - contraindo, para tanto, obrigaesfinanceiras com terceiros, que devem ser honradas -, confiando noadequado cumprimento da contrapartida da Administrao Pblica. No setrata, portanto, de qualquer privilgio sem causa, mas de mecanismonormal a esse tipo de contrato, que no seria vivel sem ele" (grifosnossos).

    De tal sorte esta imbricao que Luiz Alberto Blanchet14 , ao proceder interpretao da previso de garantias para os contratos de parceriapblico-privadas, descartou a possibilidade de discricionariedade, emdeterminados casos concretos, quanto fixao destas, em face dos seusefeitos potencializadores para o atendimento do interesse pblico, nosseguintes termos:

    "Pode suceder, por exemplo, que, em determinado empreendimento objetode parceria pblico-privada, sejam envolvidos compromissos por parte doparceiro privado de amplitude e custo tais que, se no for prestadanenhuma garantia pelo Poder Pblico, a nica soluo para osparticulares participantes da licitao seria a incluso de sobrepreoem suas propostas a fim de evitar provveis perdas futuras caso aAdministrao venha a no honrar seus compromissos (...) J no caso deno-previso de garantia, o sobrepreo pesar sobre o oramento daparceria em qualquer hiptese independentemente de inadimplemento porparte da Administrao. No nos parece haver discricionariedade para oAgente da Administrao em tais casos, nos quais recursos pblicosestaro sendo simplesmente jogados fora, pois o sobrepreo representaruma cauo prvia prestada pelo Estado que, funestamente para interessepblico, jamais ser restituda."

    Ademais, a percepo que determinados crditos ho de ser tratados deforma diferenciada, no em virtude da qualidade dos credores, mas simda correlao entre a relao jurdica especfica e a consecuo eficazdo interesse pblico, no se configura em inovao introduzida pela Leide Parcerias Pblico-Privadas, sendo esta diretriz igualmente traadapela Lei de Responsabilidade Fiscal, ao excluir o pagamento do servioda dvida da limitao de empenho gizada no art. 9, 2, da LeiComplementar n 101/00, cujo escopo foi precisamente no agravar asituao de endividamento do ente, condio de interesse pblicojustificadora do tratamento diferenciado entre credores./portal/CyrodosAnjos - Biblioteca Cyro dos Anjos Powered by Mambo Generated: 19 January, 2010, 11:54

  • De resto, aos contratados em geral pelo Estado devero ter maiorsegurana jurdica quanto efetivao dos seus creditos, sejam elesparceiros privados ou no, sendo absolutamente razovel que asgarantias sejam proporcionais aos riscos e investimentos de cadaespcie contratual, haja vista no haver recursos para que todosestejam igualmente garantidos.

    Delineando os traos diferenciadores dos contratos de ParceriasPblico-Privadas, destaca-se a lio de Gustavo Binenbojm15 , in verbis:

    "Uma das caractersticas peculiares dos contratos de PPP o reforodas suas garantias em relao generalidade dos contratos celebradospela Administrao Pblica. A razo de ser de tal caracterstica defcil compreenso: ao contrrio dos demais contratos administrativos,as PPPs I) exigem investimentos iniciais vultusos dos particulares, II)no caso das concesses patrocinadas e administrativas de serviospblicos, no oferecem um objeto suficientemente atrativo parajustificar per se os riscos assumidos pelos investidores privados.

    A lgica econmica das garantias especiais das PPPs a deproporcionar, aos parceiros privados, a possibilidade de obteno definanciamentos no mercado em condies mais favorveis, por conta dareduo de riscos que elas oferecem. A garantia reforada acontrapartida das maiores exigncias feitas ao parceiro privado, emcontrato de PPP" (grifos nossos).

    Ademais, vale ressaltar que a efetivao do Fundo Garantidor, nosmoldes postos, no significar ausncia de recursos destinados aosdemais precatrios, no havendo mudana substancial em relao aoquadro atual, uma vez que o comprometimento pecunirio com esta espciecontratual encontra-se limitado a 1 % da Receita Corrente Lquida,sendo gastos em boa parte includos nas despesas correntes do Estado,permanecendo o problema do inadimplemento de precatrios nsito crnica deficincia do planejamento oramentrio.

    Por fim, saliente-se que a fixao desta garantia diferenciada,consubstanciada no Fundo Garantidor das Parcerias Pblico-Privada -contratos caracterizados, sobretudo, pela necessidade pblica prementede realizao de infra-estrutura -, vai ao encontro do princpio dacontinuidade do servio pblico, haja vista que o atraso superior a 90(noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administrao, nas suascontrataes em geral, causa de resciso do contrato (Lei 8.666/93,art. 78, XV), cuja conseqncia em tudo mais danosa para o interesseda coletividade; alm de estar em absoluta consonncia com o princpioda moralidade administrativa, haja vista funcionar como entrave para aprtica abusiva da Administrao Pblica de ser inadimplente contumaz.

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  • 3 - CONCLUSO

    O delineamento do Fundo Garantidor das Parcerias Pblico-Privadas pelaLei 11.079/04 encontra-se em consonncia com a nova diretriz em que selastreiam as relaes jurdicas travadas pelo Poder Pblico, onde asprerrogativas da Administrao Pblica nos contratos administrativosho de ser ajustadas a uma melhor forma de consecuo do interessepblico, remanescendo a "lgica da autoridade" - o Estado permanecenesta qualidade -, mas temperada pela "lgica do consenso", conforme aqual h de ser mitiga a verticalidade dos contratos de forma asalvaguardar os interesses do contratado que estejam em consonncia como interesse pblico.

    Assim, dar uma garantia para uma espcie de contrato diferenciado -cuja implicao para o interesse publico demonstrado peloreconhecimento do Estado da carncia de infra-estrutura e de recursospblicos para suprir este dficit, alm da constatao de que de outraforma a finalidade pblica no poderia ser atingida - no se configuraem ofensa ao regime geral de precatrios, o qual poder ser conjugadocom a necessidade de adoo de mecanismos diversos, a fim de que sejaviabilizada a persecuo do interesse pblico.

    Outrossim, o Fundo Garantidor volta-se para dvidas que deveriam tersido espontaneamente honradas pelo Poder Pblico, em face do fato deserem crditos expressamente reconhecidos ou sem qualquer impugnaopela Administrao Publica e que deveriam estar acobertadas por empenhoprvio.

    ___________________________

    (*)Procurador do Ministrio Pblico junto ao Tribunal de Contas do RioGrande do Norte; Mestrando em Direito Administrativo pela pontifciaUniversidade Catlica - SP.

    1 CASSESE, Sabino. "La arena pblica: nuevos paradigmas para elEstado". La crisis del Estado. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2003.

    2 ESTORNINHO, Maria Joo. A Fuga para o Direito Privado. Coimbra: Almedina, 1996.

    3 Lei 11.079/04, art. 16: "Ficam a Unio, suas autarquias efundaes pblicas autorizadas a participar, no limite global de R$6.000.000.000,00 (seis bilhes de reais), em Fundo Garantidor deParcerias Pblico-Privadas - FGP, que ter por finalidade prestargarantia de pagamento de obrigaes pecunirias assumidas pelosparceiros pblicos federais em virtude das parcerias de que trata estalei. 1. O FGP ter natureza privada e patrimnio prprio separado dopatrimnio dos cotistas, e ser sujeito a direitos e obrigaesprprios" (grifos nossos).

    4 "A mera referncia a fundo fiducirio na lei no inconstitucional. A exigncia constitucional de lei complememar estrelacionada ao estabelecimento de 'condies para instituio efuncionamento de fundos', as quais j existem e esto previstas nosarts. 71 a 74 da Lei 4.320/64, recepcionada pela Constituio de 1998como tal. Ali esto as regras para institto e funcionamento defundos especiais, entre as quais est a necessidade de lei (ordinria)para determinar a vinculao de receitas especificadas realizao dedeterminados objetivos ou servios". MONTEIRO, Vera. Parcerias/portal/CyrodosAnjos - Biblioteca Cyro dos Anjos Powered by Mambo Generated: 19 January, 2010, 11:54

  • Pblico-Privadas. Coordenao de Carlos Ari Sundfeld. So Paulo:Malheiros, 2005, p. 100.

    5 CAMMAROSANO, Mrcio. Contratos Administrativos: atrasos depagamentos e direitos dos contratados. In: Direito Pblico - Estudos emhomenagem ao Professor Adilson Abreu Dallari. Coordenao de LuizGuilherme da Costa Wagner Junior. Belo Horizonte: DeI Rey, 2004, p. 546.

    6 Lei 11.079/04, art. 18, 4: "No caso de crdito lquido ecerto, constante de ttulo exigvel aceito e no pago pelo parceiropblico, a garantia poder ser acionada pelo parceiro privado a partirdo 45 (quadragsimo quinto) dia do seu vencimento" (grifos nossos).

    7 Lei 11.079/04, art. 18, 5: "O parceiro privado poderacionar a garantia relativa a dbitos constantes de faturas emitidas eainda no aceitas pelo parceiro pblico, desde que, transcorridos maisde 90 (noventa) dias de seu vencimento, no tenba havido sua rejeioexpressa por ato motivado" (grifos nossos).

    8 FREITAS, Juarez. Parcerias Pblico-Privadas (PPPs):Caractersticas, Regulao e Princpios. Revista Interesse Pblico,n.29, p.41.

    9 De fato, csta a leitura procedida pelo Supremo TribunalFederal: "A norma consubstanciada no art. 100 da Carta Poltica traduzum dos mais expressivos postulados realizadores do princpio daigualdade, pois busca conferir, na concreo do seu alcance,efetividade exigncia constitucional de tratamento isonmico doscredores do Estado. A vinculao exclusiva das importncias federaisrecebidas pelo Estado-Membro, para o efeito especfico na regranormativa questionada, parece acarretar o descumprimento do quantodispe o art. 100 da Constituio Federal, pois, independentemcnte daordem de precedncia cronolgica de apresentao dos precatrios,institui, com aparente desprezo ao princpio da igualdade, umapreferncia absoluta em favor do pagamento de 'determinadas'condenaes judiciais" (ADI 584-MC, ReI. Min. Celso de Mello, DJ22.05.92).

    10 Registre-se a posio adotada pela Professora Maria SyiviaZanella Di Pietro que, conquanto se contraponha ao modus faciendi doFundo Garantidor e da sua instituio, considera constitucional aadoo de mecanismo que garanta o adimplemento dos crditos, nosseguintes termos: "Se os bens da Unio, autarquias e fundaes pblicasso pblicos e, portanto, impenhorveis, por fora do artigo 100 daConstituio, no perdem essa natureza pelo fato de ficarem vinculadosa um Fundo. Se isso fosse possvel, estar-se-ia, pela via indireta,alcanando objetivo que o constituinte quis coibir com a regra doreferido dispositivo constitucional. (...) Muito mais adequada asoluo adotada pela Lei paulista (n 11.688, de 19.05.2004) que, nocaptulo IV, trata da Companhia Paulista de Parcerias (CPP). (...) Osbens transferidos para a CPP passaro a integrar o seu patrimnio,podendo, sem qualquer ofensa Constituio, ser oferecido em garantiade compromissos vinculados a parcerias pblico-privadas, na forma doartigo 15". DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na AdministraoPblica. 5.ed. So Paulo: Atlas, 2005, p.178-179.

    11 Posio firmada pelo Procurador Fbio Romero Arago Cordeiro,Membro do Ministrio Pblico junto ao Tribunal de Contas do Rio Grandedo Norte, quando da realizao do II Frum Nacional de Procuradores doMinistrio Pblico de Contas, realizado na cidade de Curitiba/PR, de 24a 26 de agosto de 2005.

    12 H de ser destacado, entre outros, o posicionamento contrriodo eminente Prof. Celso Antnio Bandeira de Mello, in verbis: "De todasorte, se o despautrio suposto na Lei 11.079/04 fosse possvel, ali/portal/CyrodosAnjos - Biblioteca Cyro dos Anjos Powered by Mambo Generated: 19 January, 2010, 11:54

  • estaria consagrada uma escandalosa e inconstitucional ofensa aoprincpio da igualdade. que todos os demais credores - inclusive osque se encontram na interminvel fila de aguardo dos pagamentos deprecatrios atrasados - seriam preteridos em favor de megaempresrios,os superprotegidos 'parceiros' e seus financiadores" (____. Curso deDireito Administrativo. 19.ed. So Paulo: Malheiros, 2005, p. 730).

    13 SUNDFELD, Carlos Ari (coord.).Parcerias Pblico-Privadas. So Paulo: Malheiros, 2005, p.43.

    14 BLANCHET, Luiz Alberto. Parcerias Pblico-Privada. So Paulo: Malheiros, 2005, p.50.

    15 BlNENBOJM, Gustavo. As Parcerias Pblico-Privadas (PPPs) e aConstituio. Revista Eletrnica de Direito Administrativo Economica,n. 2, maio/jun./jul. 2005. Disponvel em:.

    Fonte: Revista Interesse Pblico, n 36.

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