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Lukács, György - Para uma Ontologia do Ser Social Vol. II (Boitempo).pdf

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  • Sobre Para uma ontologia do ser social IIRicardo Antunes

    Com a publicao deste segundo volume de Para uma ontologiado ser social, conclui-se oexcepcional empreendimento intelectual de maturidade de Gyrgy Lukcs. Depois de elaborar, no

    primeiro volume, a sua crtica lgico-ontolgica ao neopositivismo, ao existencialismo e a

    Hartmann e Hegel, alm de apresentar sua autntica (re)descoberta da ontologia materialista de

    Marx, Lukcs realizou uma decisiva inverso no processo de conhecimento, cuja regncia deve ser

    encontrada na lgica fundante do objeto. Neste volume, a crtica ontolgica se debrua para

    desvendar os complexos categoriais decisivos do ser social: o trabalho, a reproduo, o momento

    ideal (e a ideologia) e o estranhamento. Sendo impossvel desenhar aqui a riqueza e a

    complexidade desse movimento verdadeiro marco na losoa marxista do sculo XX , basta

    indicar que Lukcs foi o primeiro a recuperar a profunda dialtica presente no trabalho humano,

    contra unilateralizaes, dualismos e simplicaes que banalizaram a temtica por um longo

    perodo.

    Pelo papel central na gnese do ser social, no seu ir-sendo e no vir-a-ser, Lukcs pode, na

    primorosa linhagem aberta por Marx, mostrar que o trabalho, mesmo quando se conforma como

    um trabalho estranhado, no elimina definitivamente sua dimenso de atividade vital. Em termosmarxianos, o trabalho abstrato subordina o trabalho concreto ao mesmo tempo que o preserva.Assim, Lukcs supera no s toda uma escola desconstrutora do trabalho conhecida pelas teses

    do m do trabalho como tambm aqueles que, ao recusarem justamente as vrias modalidades

    de alienao e estranhamento, fazem-no atravs do desencanto do trabalho, do advento do reino

    das melancolias e, last but not least, do sepultamento das potencialidades emancipadoras das forassociais do trabalho.

    Em sua Ontologia, Lukcs foi, preciso enfatizar, excepcionalmente nico em seu laborintelectual. Em um patamar muito superior ao j belssimo Histria e conscincia de classe, o queparecia uno se torna mltiplo; o que se apresentava como esttico se converte em movimento; o que

    carregava ainda alguma herana ideal tpica passa a ser contraditrio e dialtico. Mas, como no

    h trabalho sem reproduo da vida social, o passo seguinte dos complexos sociais do ser foi

    desvendar o tema da reproduo societal, sem o qual a socialidade humana estaria obstada. A

    diviso social, a educao, a fala, a alimentao, a sexualidade e o direito, dentre tantos outros

    elementos vitais para a efetividade do ser social, so tratados aqui a partir de uma ontologia

    singularmente social e humana. Trabalho e reproduo tornam-se intrinsecamente inter-

    relacionais, recusando-se qualquer dualismo.

    Indicadas essas duas categorias sociais determinantes do ser, Lukcs oferece a efetiva

    compreenso da ontologia do momento ideal e, dentro desta, do problema crucial da ideologia.

    Aqui, bastaria dizer que, contraditando a quase totalidade do marxismo que reduziu o problema

    da ideologia a sinnimo de falsa conscincia (concebida equivocamente, de modo

    hiperdimensionado e isolado), Lukcs recuperou o autntico sentido humano positivo dado pelo

    momento ideal, que no apenas desempenha como responsvel por atitudes, aes e mudanas

    humanas decisivas, das quais as revolues so exemplares. Para Lukcs, a falsa conscincia ,

  • portanto, um momento do complexo ideal e da ideologia, e no sinnimo desta.

    Assim, o quarto complexo categorial volta-se para compreender o intrincado fenmeno social

    do estranhamento que desefetiva o ser social. Com a vigncia do mundo da mercadoria em sua

    espectral objetividade, o estranhamento, que nada tem de natural, torna-se um fenmeno social

    decisivo para a modernidade e sua superao. Aqui, as indicaes so to seminais que bastaria

    lembrar que devemos ao lsofo hngaro, esse verdadeiro Galileu do sculo XX, as renadas

    diferenciaes entre as coisicaes inocentes e as coisicaes estranhadas: as primeiras emergemantes da vigncia dominante da forma-mercadoria, ao passo que as segundas so tpicas da fase de

    predominncia do fetichismo da mercadoria. Trata-se, portanto, de uma pista excepcional para

    avanarmos na compreenso dos estranhamentos e das alienaes que povoam a socialidade

    contempornea.

  • Sobre Para uma ontologia do ser social II

    A contribuio de Lukcs com Para uma ontologia do ser social no foi ainda sucientementeanalisada. Certamente que ela no passa sem problemas, nem , tambm certamente, a soluo

    para um renascimento do marxismo. Mas em relao a esta obra se pode armar, com inteirasegurana, que abre um novo horizonte terico-losco para o desenvolvimento do marxismo e

    que no haver nenhum renascimento do marxismo se ela for ignorada. Jos Paulo Netto

    A Ontologia tem como objetivo elaborar uma teoria da completa emancipao humana, dasuperao da mera singularidade particular (o individualismo burgus) em direo quilo que,

    para o homem, a sua essncia, o realmente humano. Guido Oldrini

    A Ontologia de Lukcs a mais ambiciosa e a mais importante reconstruo losca dopensamento de Marx que foi possvel registrar nos ltimos decnios. Nicolas Tertulian

    Ningum pode contestar o fato de que a Ontologia representa uma virada no marxismo. Frank Benseler

  • Sumrio

    Nota da editora

    Em busca das razes da ontologia (marxista) de Lukcs - Guido Oldrini

    Segunda Parte: Os complexos de problemas mais importantes

    I. O trabalho1. O trabalho como pr teleolgico2. O trabalho como modelo da prxis social3. A relao sujeito-objeto no trabalho e suas consequncias

    II. A reproduo1. Problemas gerais da reproduo2. Complexo de complexos3. Problemas da prioridade ontolgica4. A reproduo do homem na sociedade5. A reproduo da sociedade enquanto totalidade

    III. O ideal e a ideologia1. O ideal na economia2. Sobre a ontologia do momento ideal3. O problema da ideologia

    IV. O estranhamentoI. Os traos ontolgicos gerais do estranhamento2. Os aspectos ideolgicos do estranhamento3. A base objetiva do estranhamento e da sua superao

    ndice onomstico

    Referncias bibliogrficas

  • Sobre o autor

    E-books da Boitempo Editorial

  • Nota da editora

    Em 2010, a Boitempo lanou-se a uma empreitada editorial de flego: a traduo e publicaodas obras do filsofo hngaro Gyrgy Lukcs. Nesse ano, lanou Prolegmenos para umaontologia do ser social, em 2011 deu continuidade ao trabalho com O romance histrico e em2012 editou mais duas obras: Lenin: um estudo sobre a unidade de seu pensamento e oprimeiro volume de Para uma ontologia do ser social , cujo segundo tomo o leitor tem agora emmos. O trabalho editorial deste volume volta a contar com a dedicao de dois profissionaiscompetentes: o tradutor Nlio Schneider e o revisor tcnico Ronaldo Vielmi Fortes. Nessasfunes, eles foram responsveis pelos captulos II, III e IV, traduzidos diretamente da edioalem (Zur Ontologie des gesellschaftlichen Seins, segunda parte, Die wichtigstenProblemkomplexe, Darmstadt, Luchterhand, 1986, Werke, v. 14). O captulo I tem por baseuma traduo j existente e bastante conhecida, feita por Ivo Tonet, da edio italiana ( Perlontologia dellessere sociale, segunda parte, Roma, Riuniti, 1981), com reviso de PabloPolese. Para esta edio, ele teve uma reviso da traduo de Nlio Schneider e foiparcialmente retraduzido por Ronaldo Vielmi Fortes, com base na edio alem.

    Da mesma forma que nas publicaes alem e italiana, a edio brasileira de Para umaontologia do ser social conhecida tambm como Grande ontologia foi editada em mais deum volume, seguindo a ordem das partes em que se divide o livro original. Por isso, toda vezque Lukcs mencionar a primeira parte do livro, o leitor deve entender que se trata, aqui, doprimeiro volume. Para fins de registro: os Prolegmenos para uma ontologia do ser social conhecidos, por sua vez, como Pequena ontologia , que acompanham a primeira parte daGrande ontologia em alemo, foram em portugus publicados em volume autnomo, como emitaliano.

    Por se tratar da edio de um manuscrito, as notas de rodap foram mantidas, com poucasalteraes, da mesma forma que no original alemo, motivo pelo qual muitas vezes asreferncias bibliogrficas encontram-se resumidas. Entre as poucas alteraes feitas, destaca-sea incluso, entre colchetes, do nome do autor e do ttulo do livro, quando no havia, para evitardvidas e a fim de que as referncias completas possam ser buscadas na bibliografia localizadaao final do livro, elaborada aps cuidadosa pesquisa por tratar-se de obras s vezes muitoantigas, contudo, algumas vezes foi invivel indicar seus dados completos. Sempre que possvelforam mencionadas edies brasileiras: inclusive, no caso de citaes, suas pginascorrespondentes tambm foram indicadas. Indicaes de obras com data de publicaoposterior morte de Lukcs foram includas pelo editor alemo, a fim de indicar refernciasmais atuais ao leitor da poca.

    Eventuais interferncias da equipe tcnica ou da editora no texto de Lukcs foramsinalizadas pelo uso de colchetes. Inseres do prprio Lukcs em citaes de outros autorestambm vm entre colchetes, mas acompanhadas da sigla G. L.. As notas de traduo (N.T.), de reviso tcnica (N. R. T.), da edio brasileira (N. E.) e da edio alem (N. E.A.) vm sempre precedidas de asteriscos; as notas do autor seguem a numerao da ediooriginal alem.

  • Por fim, um esclarecimento de natureza conceitual: os tradutores mantiveram a opo detraduzir, neste segundo volume, os termos alemes Entfremdung, entfremden etc. porestranhamento, estranhar etc., reservando os termos alienao, alienar etc. paraEntusserung, entussern etc.

    Mais uma vez, a Boitempo expressa seu reconhecimento aos profissionais diretamenteenvolvidos, sem os quais no teria sido possvel concluir este trabalho, e aos acadmicoslukacsianos Ricardo Antunes, autor do texto de capa, e Guido Oldrini, autor da Apresentao.A editora agradece tambm aos presidentes das fundaes Maurcio Grabois e Perseu Abramo,respectivamente Adalberto Monteiro e Marcio Pochmann, cujo apoio foi indispensvel paratornar pblica esta obra que, segundo o filsofo romeno Nicolas Tertulian, a mais ambiciosareconstruo filosfica do pensamento marxiano registrada na segunda metade do sculo XX.

  • Em busca das razes da ontologia (marxista) de Lukcs[a]Guido Oldrini

    Quem pretende estudar as grandes obras finais de Lukcs depara, antes de tudo, com umaarraigada (e, sob certos aspectos, relativamente justificada) desconfiana dos estudiosos paracom aquele que seu eixo central: o conceito de ontologia. Digo relativamente justificadaporque a ontologia, como parte da velha metafsica, carrega consigo uma desqualificao quepesa sobre ela h pelo menos dois sculos, aps a condenao inapelvel de Kant. Somentecom o seu renascimento no sculo XIX, ao longo da linha que vai de Husserl at Hartmann,passando pelo primeiro Heidegger, que ela toma um novo caminho, abandonando qualquerpretenso de deduzir a priori as categorias do real, referindo-se criticamente, desse modo, aoseu prprio passado (ontologia crtica versus ontologia dogmtica). Lukcs parte da, mas vaialm: no s critica a ontologia crtica de tipo hartmanniano (sem falar de Husserl eHeidegger), como tambm desloca o centro gravitacional para aquele plano que ele definecomo ontologia do ser social.

    Surge, desse modo, uma ontologia crtica marxista, acolhida de imediato com a suspeita e adesconfiana de que falei por representantes de todas as orientaes da literatura crtica,filsofos analticos, neopositivistas, fenomenlogos, leigos como Jrgen Habermas,espiritualistas como Ernst Jos, mas tambm, na primeira linha, por marxistas ortodoxos(desde o velho W. R. Bayer, que j em 1969, antes mesmo que fosse publicada, sedesembaraava dela sem muitos incmodos, como de uma criao idealista em voga, at osmuitos ataques dos expoentes da ortodoxia burocrtica da Repblica Democrtica Alem,como Ruben e Warnke, Kiel, Rauh, La Wrona etc., que se estenderam at os anos 1980). AOntologia, apesar dos chamamentos e comentrios dos intrpretes mais atentos (pensoespecialmente nos trabalhos de Nicolas Tertulian), teve bastante dificuldade para se impor esomente h pouco tempo comeou a obter o lugar que lhe devido, alm de seu justoreconhecimento historiogrfico. Hoje vale tranquilamente o que afirmou seu editor, FrankBenseler, no volume publicado em 1995 na Alemanha, na ocasio de seu prprio aniversrio de65 anos, com o ttulo de Objektive Mglichkeit [Possibilidade objetiva]: Ningum podecontestar o fato de que ela representa uma virada no marxismo[1]. As acolhidas negativas e asreservas antes apontadas so uma prova a contrario.

    A Ontologia constitui uma virada para o prprio Lukcs, quando confrontada com suasposies marxistas juvenis, como as que podemos encontrar em Histria e conscincia declasse; no entanto, no no sentido de que seria fruto de uma brusca e inesperada inverso derota, de uma reviravolta que se teria verificado de improviso, sem preparo, na ltima dcada davida do filsofo. Pelo contrrio, por trs dela h uma longa histria, que merece ateno, e cujaspremissas pretendo rastrear com grande cautela, j que, at agora, a crtica praticamente notratou desse assunto[2]. Com efeito, os intrpretes se concentraram muito mais sobre o antes eo depois da virada ontolgica de Lukcs. Os que estudaram as fases intermedirias dedesenvolvimento, por exemplo os escritos berlinenses ou moscovitas, ou aqueles da volta Hungria no ps-guerra, fizeram-no, no mais das vezes, isolando-os do seu contexto mais amplo,

  • analisando-os como blocos autossuficientes. So particularmente significativos, nesse sentido,os trabalhos muito teis de Werner Mittenzwei e de seus alunos (Gudrun Katt, Alfred Klein)na Alemanha Democrtica[3] juntamente com aqueles de Lszl Sziklai[4] para areconstruo da atividade de Lukcs em Berlim e Moscou, mas que excluem expressamente desuas intenes todo confronto com as novas dimenses da obra do Lukcs maduro[5].

    1. Vejamos, antes de tudo, algumas datas, a partir das notcias fornecidas por Benseler,Tertulian e Mezei, para orientar-nos e mover-nos com facilidade na selva dos fatos. Lukcs spensa numa Ontologia muito tarde, como introduo ao projeto de uma tica marxista, para oqual ele j vinha recolhendo grande quantidade de materiais preliminares pelo menos desde ofim dos anos 1940[6], e que se torna mais forte (mas tambm posto temporariamente entreparnteses) com o incio do trabalho na grande Esttica, em 1955, que prosseguiu at l960.

    Imediatamente depois, sem interrupes como nos informam duas de suas cartas daqueleano, uma, de 10 de maio, a Ernst Fischer, e a outra, de 27 de dezembro, sua irm Maria(Mici) , comea o trabalho na tica. Testemunhos de que ele logo sentiu a necessidadeimprescindvel de um captulo introdutrio e de carter ontolgico so as conversas com osalunos e, mais ainda, o que diz a Werner Hoffmann numa carta de 21 de maio de 1962: serianecessrio avanar ainda na direo de uma concreta ontologia do ser social[7]. Contudo, nacorrespondncia com Benseler, seu editor, no se refere a isso apertis verbis at 19 desetembro de 1964, quando a projetada introduo vai se transformando em um livro autnomo,de dimenses cada vez maiores. Acrescento aqui uma lembrana pessoal: durante uma visitaque fiz a ele com minha mulher, em Budapeste, no vero daquele ano, Lukcs me falou daesperana de terminar o trabalho dentro de poucos meses. Ora, se nos lembrarmos de que, defato, a concluso do manuscrito no se dar antes do outono de 1968 (sem incluir todos osretoques e ajustamentos ulteriores, que se arrastaram at a sua morte), percebemosimediatamente a vastido e a complexidade do empreendimento: um longo perodo detrabalho, muito intenso e cansativo, que avana lentamente, em meio a dvidas, reformulaese tambm discusses e polmicas com seus alunos mais prximos, os integrantes da chamadaEscola de Budapeste.

    Creio que hoje estamos suficientemente documentados acerca da Ontologia como obraautnoma. S que essa documentao est voltada para a frente e no para trs; registra apresena e os sentidos de um conceito j bem consolidado de ontologia, sem perguntar peloseu vir-a-ser, pela sua gnese. Para descobrir quando de fato comea esse processo precisorealizar uma investigao rebours, voltando no tempo pelo menos trinta anos, at a crise que omarxismo de Lukcs sofreu aps sua estadia em Moscou (1930-1931). O crtico soviticoMichail Lifschitz, seu amigo e colaborador no instituto Marx-Engels de Moscou, e os hngarosIstvn Hermann, que tinha sido um de seus primeiros alunos, e Lszl Sziklai, diretor doArquivo Lukcs de Budapeste, tm insistido com nfase particular na importncia histricada virada dos anos 1930, no fato de que, sem nenhuma sombra de dvida, exatamente ali,em Moscou, que se forma o Lukcs maduro[8]. A leitura que l realizou dos escritos marxianosde juventude e dos Cadernos filosficos de Lenin, ento recentemente publicados, o trabalhono instituto e a colaborao com Lifschitz marcaram Lukcs to profundamente que acabaram

  • por alterar de maneira radical sua relao com o marxismo, transformando sua perspectivafilosfica (em relao quela que estava presente em Histria e conscincia de classe); maistarde, no prefcio de 1967 da reedio desta ltima obra, ele relembrar a atmosfera deentusiasmo e de maturao dos anos da virada, vivenciada como um novo comeo: e comum impulso to apaixonado, com uma convico to sincera, que teria fixado por escrito,tambm para o pblico (num texto que provavelmente se perdeu), a sua nova posio[9].

    Se no se compreendem bem os princpios conceituais que fundamentam a virada,incorre-se facilmente em equvocos, como de fato aconteceu com a maior parte da literaturacrtica (incluindo at mesmo Klein): uma literatura sempre pronta apenas para apontar o menorindcio da submisso de Lukcs ao stalinismo. Para ns significativo, acima de tudo, o fato dea virada a que nos referimos ter, em ltima instncia, um carter ontolgico. Ela se fundanaquelas geniais crticas de Marx (e Lenin) a Hegel, por meio das quais, pela primeira vez,Lukcs v claramente as consequncias que derivam dos contorcionismos idealistas hegelianos.Polemizando com Hegel e colocando-o em p nas pegadas de Feuerbach , no sentidomaterialista, Marx recupera ontologicamente (como conceito de ente objetivo) aquilo queHegel havia dissolvido. Ao mesmo tempo, contudo, vai alm de Feuerbach, uma vez quesublinha com clareza que a humanidade do homem tem o seu verdadeiro ato de nascimento nahistria; que o homem, como ente que desde o comeo reage sua realidade primeira,ineliminavelmente objetiva, um ente objetivo ativo, produtor de objetivaes, um ente quetrabalha; que, em suma, a objetividade forma a propriedade originria no somente de todos osseres e de suas relaes, mas tambm do resultado do seu trabalho, dos seus atos deobjetivao.

    Existe, aqui, o suficiente para que a perspectiva filosfica de Lukcs sofra umatransformao. Esse contragolpe tem como efeito, repito, uma reviravolta profunda na suarelao anterior com o marxismo. Baseado na teoria marxiano-leniniana, agora firmementedominada, ele pode fazer uma impostao inteiramente nova, dialtico-materialista (j sem osresduos hegelianos de Histria e conscincia de classe), daquela questo da totalidade, arespeito da qual Ernst Bloch como se evidencia em sua correspondncia com Kracauer[10] otinha questionado em Viena j no inverno de 1929, e pode comear aquele projeto deconstruo sistemtica do edifcio filosfico do marxismo, no qual trabalhar ininterruptamentee com extraordinrio afinco at o fim da vida. Assim, o empenho construtivo passa a ocupar olugar do utopismo messinico e da agitao partidria. Pelo menos nesse sentido se podeafirmar, sem temor de ser desmentido, que toda a investigao de Lukcs posterior virada dosanos 1930 includas as implicaes no campo esttico est marcada pela repercusso tericadecisiva que ela lhe imprime.

    A totalidade no novo sentido (ontolgico) marxista tem um papel fundamental nessainvestigao. Ela constitui o eixo para a correta compreenso das leis do desenvolvimentoobjetivo do real, assim como a dialtica o eixo dos nexos entre seus momentos.Filosoficamente, so Marx e Lenin que lhe mostram o caminho para satisfazer dentro doslimites da nossa capacidade de conhecimento essa pretenso de totalidade. Escreve Lukcs:

    Marx fala muitas vezes do momento predominante (von dem bergreifenden Moment), que est objetivamente presente

  • em um nexo dialtico e que tarefa do conhecimento e da prxis tornar explcito; Lenin usa muitas vezes a bela imagemdo elo da cadeia, que deve ser agarrado para segurar firmemente toda a cadeia e preparar a passagem para o eloseguinte.[11]

    E todos conhecem os repetidos elogios de Lenin, nos Cadernos filosficos, genialidade do

    princpio de fundo que a lgica de Hegel, apesar de seu idealismo, faz valer a respeito daconexo necessria e objetiva de todos os lados, foras, tendncias etc. de dado campo defenmenos. Melhor ainda:

    da universal, omnilateral e viva conexo de tudo com tudo e do reflexo dessa conexo materialistisch auf den Kopfgestellter Hegel nos conceitos elaborados pelo homem, que devem ser certamente afinados, elaborados, flexveis,mveis, relativos, reciprocamente relacionados, ser um nas oposies, para poder abraar o mundo.[12]

    O quanto os pressupostos e as linhas diretrizes da investigao de Lukcs devem teoria

    marxiana materialista da objetividade, da totalidade objetiva, pode ser visto examinando o seutrabalho em Moscou e em Berlim, marcado por um retorno muito forte do interesse pelaesttica e pela teoria crtica da literatura. caracterstico do seu modo de trabalhar nessa faseque ele se aproxime devagar e cautelosamente das questes de fundo da esttica de suasbases fundamentais, de seu suporte ontolgico , seguindo pelo caminho que leva, pode-sedizer, da periferia ao centro, isto , da crtica superficial teoria. Se apenas pouco antes, numalonga srie de artigos para a Linkskurve, de 1930, Karl August Wittfogel se referiraabertamente a Zur Frage einer marxistischen sthetik, Lukcs (que, salvo engano, nuncamenciona Wittfogel, apesar de ambos cultivarem os mesmos interesses tericos) prefere ocaminho oposto, por meio de ensaios singulares, de contedo definido; exercita-se mais nacrtica do que nas discusses acerca de teoria ou esttica, e ataca tambm, sem dvida,questes relevantes de esttica (polmicas com a literatura proletria, crtica da teoria literriade Lassalle e Mehring, liquidao do marxismo da II Internacional), referindo-se sempre,porm, a casos concretos, partindo de um autor ou de um livro. Os ensaios tericos saparecero mais tarde.

    No entanto, Lukcs no compreende de modo nenhum teoria e crtica isoladamente. Porsua prpria natureza, a crtica parte necessariamente dos fragmentos, mas nunca de formaapartada ou independente da teoria, que, ao contrrio, constitui a sua estrutura de fundo.Explica Lukcs a Anna Seghers, numa das cartas que trocam em 1939 (e que deve ser lida comseu grande ensaio daquele mesmo ano, O escritor e o crtico)[13]:

    porque a crtica , exatamente, uma parte da cincia. Vale dizer: nenhum trabalho crtico pode ser completo e fechado emsi. Somente seria completo relativamente completo um sistema completo da teoria e da arte que contivesse, aomesmo tempo, uma histria completa da evoluo da arte.

    Exatamente por isso o crtico no deve se fechar na especializao unilateral. Em cadadiscusso singular, preciso que ele faa aluso ao menos ao quadro geral, ao desenvolvimento

  • sistemtico e histrico e, alm disso (e assim retornamos ao princpio fundante datotalidade), que deixe sempre claro ter conhecimento da conexo universal de todos osproblemas entre si.

    2. No preciso muito esforo para entender o que est por trs dessa contnua, obsessivapreocupao do Lukcs moscovita com a teoria. Um completo sistema da teoria nada mais do que uma esttica. Com efeito, em Moscou, no trabalho com Lifschitz, seu problema tericocentral o da esttica do marxismo ou melhor, se possvel uma esttica marxista autnomae unitria. A resposta ao problema at ento muito pouco aceita mesmo entre os marxistas recebe dele (e de Lifschitz) um decisivo sim, desde que sejam eliminadas previamente asaporias e as inconsequncias da vulgata marxista, desde as tradies social-democratas russas(Plekhanov) at o positivismo e o sociologismo da II Internacional (includas as heranassoviticas). Para Lukcs, Mehring, Plekhanov e os pseudomarxistas em geral da II Internacionalcaem num ecletismo incoerente; cticos quanto capacidade do marxismo de resolverinternamente os problemas da imanncia esttica da obra de arte, pretendem complet-lo, naesttica, do lado de fora, com Kant (como em Mehring) ou ento com o positivismo. Lukcsrejeita por completo essa pretenso ecltica. Um estudo srio realizado nos primeiros anos dadcada de 1930 a respeito da posio dos clssicos do marxismo em relao esttica permite-lhe enxergar um caminho entre as falsas polarizaes e os dualismos no resolvidos dos tericosmarxistas pr-leninianos. Antes de tudo, ele chama a ateno para o fato de que Marx e Engels,com base no que tinha sido estabelecido em A ideologia alem[b], defendiam que, em ltimainstncia, no existe outra cincia a no ser a cincia da histria, so levados a tratar sempre aliteratura no interior de um grande quadro unitrio histrico-sistemtico. Comoconsequncia, e baseado na citada virada ocorrida nos anos 1930 em sua concepo pessoal domarxismo, ele aborda a questo da autonomia da esttica segundo o princpio de que ela nopode ser resolvida cedendo aos pressupostos da esttica idealista (autonomia idealisticamenteinflada da arte e da literatura) ou aos do sociologismo (identificao vulgar e mecnica deliteratura e propaganda poltica)[14]; ao contrrio, ela apenas poderia ser resolvida graas aotertium datur da soluo dialtico-materialista.

    aqui que se encontra tambm a raiz da teoria lukacsiana do realismo, em geral to malcompreendida at mesmo pela literatura crtica dos marxistas[15]. Entre o realismo comomtodo de criao artstica e a teoria materialista marxiana da objetividade no deformadapelas vulgarizaes, h muito mais do que uma simples correspondncia; antes, uma deriva daoutra, ou, ao menos, ligam-se de modo muito estreito. O realismo, com todos os seus anexos econexes (herana cultural, teoria dos gneros etc.), impe-se muito mais a Lukcs comouma necessidade interna da nova teoria que est sendo construda exatamente pelo fato deque, melhor do que qualquer outra tendncia artstica, ele traz em si a conscincia dialtica datotalidade. Se a representao realista vale mais do que a crnica e a reportagem, se onarrar vale mais do que o descrever, porque quem narra e representa penetra maisprofundamente e com meios artsticos nas leis dialticas objetivas da estrutura do real. Oescritor atinge um grau tanto maior de realismo quanto mais consegue trazer luz, para almdos fenmenos de superfcie, as verdadeiras foras motrizes do desenvolvimento social, isto , a

  • essncia artisticamente configurada de um determinado momento, situao ou conexohistrico-social relevante para a humanidade. Motivao do agir humano, formao e fixaodos tipos e representao do destino dos indivduos adquirem fora e alimento doreconhecimento de seu pertencimento totalidade, de sua reconduo ao quadro unitrio darealidade em movimento.

    Portanto, para a esttica, a partir dos anos 1930, passa a ser decisivo que a nova teoriafornea os princpios que regero a construo de uma esttica marxista de carter objetivista.Na esteira de Marx e Lenin, Lukcs toma como ponto de partida tanto o objetivismo no sentidopor eles definido (isto , o princpio segundo o qual as categorias do pensamento nada mais sodo que expresso das leis do mundo objetivo) como tambm, correlativamente, o carter deunitariedade do prprio mundo, apontando a criao artstica a essncia e o valor esttico dasobras de arte como uma parte daquele processo social geral e organicamente articulado nocurso do qual o homem torna seu o mundo por meio da prpria conscincia e acrescentando eexaltando no grande artista, e tambm no grande crtico (no assim chamado crtico-filsofo),o fundamento universalista e a apaixonada aspirao objetividade[16]. Simultaneamente,isso evidencia o lado complementar da teoria: o papel mediador, determinante, que adesempenha a dialtica. Se, de fato, a objetividade do realismo qual aspiram o crtico e oescritor (o artista em geral) quer, por princpio, distinguir-se do naturalismo descritivo, daagitao ou ento, no lado ideologicamente oposto (mas esteticamente convergente), do falsoobjetivismo da literatura burguesa decadente, preciso que, superando toda a imediatez tantono sujeito quanto no objeto, todo o pensamento puramente voluntarista e todo o registromeramente passivo ou fenomnico dos eventos, ela se apresente como resultado da complexadialtica objetiva de essncia e fenmeno, na qual tem destaque decisivo a inter-relao queinvariavelmente une o escritor realidade refletida, sua relao de influncia recproca com aconcepo de mundo e o estilo artstico.

    No de surpreender a importncia que Lukcs atribui ao problema. Seus grandes ensaioscrtico-tericos da primeira metade dos anos 1930 (o ensaio sobre Goethe e a dialtica, aquelesobre Mehring, especialmente o de 1935 sobre o problema da forma artstica objetiva,publicado originalmente na revista moscovita Literaturnyi Kritik e vinte anos mais tardetraduzido do russo para o alemo com o ttulo de Arte e verdade objetiva [17], nos quais, note-se, so expressamente utilizadas as anotaes de Lenin lgica de Hegel) nos atingem comparticular insistncia, sublinhando que o problema terico central da literatura e da filosofiaalem do perodo clssico, de Lessing at Goethe, exatamente a luta pelo desenvolvimentoda dialtica: claro que uma dialtica idealista, que o marxismo sem renegar de modo algumsua contribuio deve tornar materialistamente verdadeira. Tambm no de surpreenderque a tnica recaia com tanta fora sobre a figura de Goethe, sobre o qual ele seguetrabalhando sem interrupo at durante os anos mais duros do stalinismo, paralelamente, nopor acaso, a seu inovador estudo a respeito de Hegel[18]. Uma vez que, nesse momento, Lukcsbusca uma alternativa terica para seu marxismo hegelianizado anterior, apontando para umaassimilao do materialismo que no chega a significar uma renncia dialtica, Goethe lheoferece, em muitos sentidos, o apoio que est procurando. Os esforos de Goethe em elaborar

  • uma cincia da evoluo da natureza e estabelecer uma estreita ligao entre filosofia danatureza e esttica, sua inclinao instintiva, espontnea, para o materialismo, que se comportatambm de forma espontaneamente dialtica (embora permanea sempre muito aqum dadialtica de Hegel no terreno social), sua fecunda relao de continuidade, mas tambm desuperao nos confrontos com o iluminismo, sua valorizao contra Schiller do simblicocontra o alegrico, ou seja, da categoria da particularidade na arte, e outros traoscaractersticos de sua teoria e seu trabalho artstico, enfim, so todos elementos queinfluenciaro profundamente a esttica de Lukcs.

    Aps a virada, Goethe passa a ocupar uma posio singular, privilegiada,extraordinariamente iluminadora para Lukcs. Ele entende a superioridade goethiana, porexemplo perante suas fontes iluministas, exatamente porque, como pensador, no menos doque como artista, como grande realista, Goethe pode movimentar-se [...] de formainteiramente livre na matria, refletir o movimento, o automovimento da matria,essencialmente e ao mesmo tempo de modo sensvel, como automovimento. Desse modo,Lukcs encontra, em certo sentido, o modelo que o salva das garras idealistas de Hegel,reconectando-o, por meio de problemas concretos, objetividade, ao estudo da manifestaoimanente da dialtica no real; de modo correlato, v como as geniais intuies dialticas deHegel servem para influenciar, corrigir e integrar em muitos pontos a tendncia apenasespontnea de Goethe em direo dialtica. De todo modo, comum a ambos essa ideiafundamental de partir do trabalho humano como processo de autoproduo do homem.

    Para Lukcs, a concretizao terica do problema da dialtica, a descoberta e a clarificaodo nexo dialtico entre essncia e fenmeno (elevado pelo marxismo at a concretizao docontedo social, do significado de classe de essncia e fenmeno[19], e que em Hegelobviamente inexistem) passam por aqui. Tambm no se pode ignorar o princpio datotalidade, sem o qual a teoria literria e a prpria arte deixam de existir. Que Goethe eHegel estejam de modo to decisivo e prolongado no centro dos interesses do Lukcs posterior virada apenas mais um indicativo de sua peculiar originalidade de marxista e pense e digao que quiser grande parte da literatura crtica outra prova irrefutvel da distncia quilomtricaque o separa, j nos anos 1930, dos slogans oficiais do stalinismo.

    3. At mesmo no quadro da problemtica constelao que examinamos, parece-nos j ficarclaro como no so nem poucos nem irrelevantes os passos que Lukcs, sem abandonar ocampo da esttica, d no sentido de um programa de tratamento universalista do marxismo, desua fundamentao e construo como teoria filosfica unitria ou seja, aquela que, em suabiografia pstuma, ele chamar, referindo-se exatamente convivncia moscovita comLifschitz, de sua tendncia a uma ontologia geral [...] como a real base filosfica domarxismo[20]. Quando se rastreia (como est sendo feito aqui) o emergir progressivo dessatendncia, procurando reconstruir seu lento mas irresistvel processo de desenvolvimento, doistraos merecem, de modo particular, alguma reflexo. Antes de tudo, como vistoanteriormente, o objetivismo de princpio, isto , a reconduo da esttica quela base real, quepor sua vez tambm o ponto de partida da cincia. Teoria cientfica e teoria esttica tm omesmo referencial objetivo, refletem a mesma realidade, de tal modo que na doutrina

  • lukacsiana do reflexo pde ser vista precisamente por parte de Agnes Heller, quando aindaera sua fiel discpula a expresso de um fato ontolgico: do fato que, sendo a realidade una econtnua, as mesmas categorias fundamentais devem necessariamente comparecer em todas asesferas da realidade o que no exclui a existncia de categorias especficas para cadaesfera[21]. No se deve esquecer, para o caso, a advertncia do captulo introdutrio da grandeEsttica, no qual se l:

    O materialismo dialtico considera [...] a unidade material do mundo como um fato incontestvel. Todo reflexo , pois,reflexo desta realidade nica e unitria. Mas somente para o materialismo mecanicista que toda imagem dessa realidadedeve ser uma simples cpia fotogrfica.[22]

    Trata-se do mesmo e preciso conceito que j fundamenta o ensaio moscovita sobre arte everdade objetiva, citado anteriormente:

    A base de qualquer conhecimento correto da realidade, independentemente de se tratar da natureza ou da sociedade, oreconhecimento da objetividade do mundo exterior, isto , da sua existncia independente da conscincia humana.Qualquer interpretao do mundo exterior nada mais do que um reflexo, por parte da conscincia humana, do mundoque existe independentemente da conscincia. Esse fato bsico da relao entre conscincia e ser tambm vale,obviamente, para o reflexo artstico da realidade.

    E ainda:

    O reflexo artstico da realidade encontra seu ponto de partida nas mesmas contradies da onde parte qualquer outroreflexo da realidade. Sua especificidade consiste em que, para resolv-las, busca um caminho diferente daquele do reflexocientfico; [...].[23]

    Isto , o reflexo artstico est voltado para a criao de uma imagem da realidade capaz deresolver em si o contraste entre essncia e fenmeno, entre lei (universal) e caso (singular),despertando assim, no receptor, a impresso de uma unidade espontnea, imediata,inquebrvel: de uma nova realidade a obra de arte entendida como contedo fechado,acabado em si mesmo. Ora, se j aqui Lukcs antecipa tantos e to significativos temas dagrande Esttica, a unidade/distino entre reflexo artstico e cientfico, o predomnio nofotogrfico mas dialtico da poro da realidade refletida, a questo da objetividade da formae a da partidariedade da objetividade (no sentido leniniano) que cada reflexo esttico do realnecessariamente exprime, o carter de imanncia, compacticidade e imediata conclusividadeda obra de arte, e assim por diante: se possvel encontrar a tantas antecipaes, exatamenteporque j aqui Lukcs entende claramente que a especificidade do esttico adquire significadosomente em relao prpria diferenciao e separao de sua base ontolgica, que, em ltimainstncia, comum a toda prxis. Isto , somente na medida em que se faa do esttico semprejudicar sua autonomia um momento da complexa imbricao da estrutura geral do real.Pense-se em sua teoria do romance como epopeia burguesa, fixada nos escritos moscovitas dobinio 1934-1935, ou na teoria do trgico (cujo prprio fundamento, segundo Lukcs, est nascontradies do ltimo substrato da prpria realidade), elaborada por ele no perodo entre oensaio sobre o polmico debate de Marx e Engels com Lassalle a respeito do Franz von

  • Sickingen (1931-1933), as pginas sobre Hebbel da Skizze einer Geschichte der neuerendeutschen Literatur (1944-1945) e a introduo de 1952 Esttica de Cernysevskij.

    Em segundo lugar, percebemos que emergem aqui, delineando-se embora ainda apenascomo pano de fundo , complexos problemticos destinados a ter grande relevncia nopensamento do Lukcs maduro. A exigncia da construo de uma esttica marxista comodisciplina autnoma pe implicitamente, de um lado, o problema que depois ser central naEsttica e na Ontologia das objetivaes de grau superior e, de outro, o da relao dasobjetivaes singulares tanto entre elas como com a unidade do complexo, concebida de talmodo que cada componente dele, autnomo em sua esfera, se mantenha numa ininterruptatroca dialtica com as outras. A esttica trata exatamente de uma dessas formas de objetivao,do momento do ser (social) que diz respeito produo das obras de arte as quais, por suavez, tambm gozam de uma objetividade, ainda que sui generis, diferente da natural.Novamente, as leituras moscovitas de Lukcs o levam ao caminho do esclarecimento desse nconceitual. caracterstico que uma das primeiras utilizaes que ele faz dos Cadernosfilosficos de Lenin, no ensaio sobre Feuerbach e a literatura alem, de 1932-1933 (publicadoquatro anos mais tarde), tenha relao com o comentrio leniniano ao destaque dado porFeuerbach ao carter irreal das obras de arte, que soa deste modo: A arte no exige que assuas obras sejam reconhecidas como realidade[24]. Ou como Lukcs deixa ainda mais claroquando discute a teoria esttica de Schiller:

    consequncia necessria da irreal realidade da arte que aquela forma fenomnica da vida, compreendida e elaboradapela arte, cuja aparncia constitui o elemento formal da construo de qualquer arte, deve possuir uma espcie peculiar deobjetividade.[25]

    Isso porque ela exatamente o resultado daquele trabalho, daquele processo criativorealizado pelo homem como ente objetivo ativo, de acordo com a j citada frmula de Marx,por meio da qual a objetividade primria, natural, elevada a um novo patamar, objetivaode carter social.

    Sem poder explorar, nesse momento, de modo detalhado e aprofundado, realo apenascomo, a partir dos anos 1930, no interior desse complexo vo aflorando, aos poucos, uma aps aoutra, categorias que fazem parte do sistema lukacsiano da maturidade. A literatura crtica maissagaz, que s vezes se refere a problemas singulares, tambm assinalou, de algum modo, talaparecimento. Dnes Zoltai, amigo e colaborador de Lukcs de longa data, chama a atenopara as categorias de homogeneidade e particularidade, presentes, em germe, nos escritosmoscovitas. Citando um manuscrito fragmentrio e indito, de 1939-1940, no qual Lukcs falada particularidade como daquela zona intermediria (Zwischenreich) que se torna meioespecfico da arte somente na medida em que a arte procura impelir (durchzudrngen) aimediatez do mundo fenomnico para dentro da legalidade de suas determinaes essenciaisconcretas, ele comenta (sem a mnima dvida acerca do sentido dessa formulao): Temosaqui o conceito fundamental da mais tardia propedutica esttica, do particular, em formagerminal e, ainda mais, com um forte tom ontolgico[26].

    De modo anlogo expressou-se Tertulian a respeito de O jovem Hegel, o mais importante

  • dos trabalhos de Lukcs publicados em Moscou, destacando a fundamental continuidadeentre as pginas dedicadas, naquela obra, ao clebre processo da exteriorizao do sujeito e dareassuno dessa sua exteriorizao (Entusserung und Rckname) e as correlativas anlisesda Ontologia que fundamentam uma (marxista) fenomenologia da subjetividade[27]: embora e isto agregado e precisado, para no perder de vista nem sequer as discrepncias em Ojovem Hegel Lukcs ainda no distinguisse bem, linguisticamente como, ao contrrio, far porocasio da Ontologia , os termos alemes Entusserung e Entfremdung, e, com Hegel, seservisse muito mais do primeiro termo do que do segundo. Desse modo, O jovem Hegel mostraseu avano na compreenso dos problemas filosficos do marxismo de um ponto de vistaontolgico. Todo um novo horizonte comea a se abrir, ampliando-se ontologicamente paratemas que s mais tarde tero um tratamento adequado por exemplo, no caso da interaoconcreta entre mundo natural e mundo social, da socialidade e historicidade da natureza, datroca orgnica com a natureza por meio do trabalho, das repercusses do trabalho sobre osujeito ativo etc., especialmente (sem falar do resto, pela importncia) do nexo dialtico, notrabalho, entre teleologia e causalidade, isto , da valorizao da categoria do fim como umacategoria da prxis, da atividade humana[28]. Comenta Lukcs, com base em sua plataformamarxista:

    A anlise concreta da dialtica do trabalho humano supera em Hegel a antinomia de causalidade e teleologia, apontando olugar concreto que a finalidade humana consciente ocupa no interior do contexto causal global, sem quebrar esse contexto[...]. Assim, a concreta anlise hegeliana do processo de trabalho humano demonstra que a antinomia entre causalidade eteleologia , na realidade, uma contradio dialtica na qual a legalidade de uma relao real da prpria realidade objetivaaparece em seu movimento, em sua contnua reproduo.[29]

    Neste ponto, evidente j estarmos em pleno centro de uma problemtica ontolgica.Estreitamente ligado a essa problemtica, outro filo de pesquisa aparece, paralelamente ao

    esttico e ao histrico-filosfico, atraindo o interesse de Lukcs a partir dos ltimos anos dadcada de 1940: o projeto de uma tica marxista. Seu regresso ptria, ao fim da guerra, se dsob a bandeira da luta por uma democracia de novo tipo, fundada numa poltica de plano.Ora, nenhum plano econmico-poltico possvel afirma Lukcs na conferncia de 1947, Astarefas da filosofia marxista na nova democracia[30] sem encontrar preliminarmente umadeterminao dialtica da totalidade. Com efeito, trata-se, com a totalidade, como j sabemos(para alm do condenvel abuso do termo na sociologia pr-fascista e fascista, como emOthmar Spann[31], e da marca nefasta que da deriva), de uma categoria central para a dialticamarxista. Lukcs no s no renuncia a ela como, antes, serve-se dela para ilustrar melhor, e demodo materialista, o nexo entre causalidade e teleologia no complexo global do trabalho. Dizele:

    isto pressupe, de um lado, o reconhecimento do trabalho, de todos os aspectos objetivos independentes da conscinciado homem (as qualidades da matria, as propriedades dos instrumentos etc.) e, de outro, a prpria determinao do fim um produto da situao social objetiva, do desenvolvimento das foras produtivas etc.

    Essa dialtica lhe parece to indispensvel para uma poltica clara do plano quanto o , em

  • relao ao problema do mtodo, sua fundamentao materialista (isto , ontolgica). Por issoacrescenta:

    No entanto, no podemos atingir a plena compreenso do trabalho que deve ser realizado nesse campo sem o examefilosfico de toda a metodologia do plano. Essa metodologia fundamenta-se, em primeiro lugar, na tomada de conscinciada predominncia das foras produtivas principais apoiadas no sentido democrtico do povo trabalhador e, em segundo,no exame das leis do conjunto da economia em seu movimento concreto [...]. Do ponto de vista metodolgico, nenhumplano pode existir sem uma teleologia precisa. Contudo, uma verdadeira teleologia igualmente no pode existir sem as leisobjetivas e concretas da economia, sem que a base e a orientao sejam abstradas das condies e possibilidades polticasreais das classes e de seus desenvolvimentos previsveis.

    Plano significa programa, e todo programa implica uma escolha; os homens socontinuamente chamados em especial aqueles de uma poca revolucionria, que estolutando por uma nova democracia a tomar decises repletas de consequncias para o seudestino. Compreende-se, ento, por que amadurece correlativamente em Lukcs o interessepelo tratamento dos problemas de tica aos quais dedicada a parte IV da Conferncia de1947. Do mesmo modo como, em Moscou, tinha se interrogado sobre a existncia de umaesttica marxista autnoma, tambm agora ele se pergunta se existiria uma tica marxista,quer dizer, uma tica particular no interior do marxismo. A resposta, tambm nesse caso, imediatamente positiva:

    Acreditamos que preciso responder a uma tal questo do ponto de vista do mtodo marxista, dizendo que uma parte,uma fase do conjunto da prxis humana. Aqui, assim como na tica, trata-se de romper com a pretendida autonomia,sustentada pela filosofia burguesa, das diversas posies que o homem toma com relao realidade em seus diversosdomnios.

    Se a filosofia burguesa, mesmo a progressista, isola a tica do resto da prxis humana,caindo no irracionalismo e no niilismo (tica existencialista), o marxismo procura e encontrana grande tradio da prxis humana [...] uma herana inexaurvel para a tica marxista(teoria da herana cultural na tica). Os autores de A sagrada famlia, fundadores domarxismo, tinham apontado o critrio tico ltimo como a coincidncia do bem moral e dointeresse da humanidade[32]; Lukcs, sem cit-los, tambm fala de um despertar daconscincia do gnero humano no indivduo (outro tema recorrente na grande Esttica e naOntologia):

    A autoconstruo do homem tomou novas cores, isto , estabeleceu-se, seguindo o fluxo geral, um lao entre aautoedificao de si e da humanidade. No conjunto desse processo, a tica um fator de ligao muito importante. E issoporque ela, precisamente, renuncia a qualquer autonomia; porque ela se considera conscientemente um momento daprxis humana geral, que a tica pode se tornar um momento desse enorme processo de transformao, dessa realhumanizao da humanidade.

    Como se v, a todos esses interesses e indicativos (no sem relevncia pr-ontolgica) seacrescentar, logo a seguir, na sequncia da crtica ao niilismo formulada na conferncia de1947, a primeira tomada de posio explcita contra o mito existencialista do nada comocategoria ontolgica provida de realidade[33].

  • 4. Obviamente, no se pode esperar que, no terreno da ontologia, tudo fique esclarecido edecidido desde o incio. Pelo contrrio, encontramo-nos, aqui, diante de um lento e complicadoprocesso de maturao, no qual os problemas, os conceitos, os nexos categoriais etc. aparecemem contnuo movimento, mudando gradualmente de significado, e tambm at a prpriaterminologia que pretende exprimi-los mvel e mutvel. O andamento da anlise, portanto,mostra, na medida em que vai se desenvolvendo, sinais visveis de transformao interna. preciso destacar em retrospecto, como se fez anteriormente, o quanto os pressupostos e aslinhas diretrizes da investigao lukacsiana aps os anos 1930 devem imediatamente teoriamaterialista marxiana da objetividade, o quanto essa investigao, embora fragmentria, seja,em cada ponto, guiada, substancialmente, por ela, no significa que se devam deixar de lado osinconvenientes e os limites que derivam da ausncia, como fundamento, de um explcitoprojeto ontolgico. Nesse momento, em Lukcs, esse projeto est completamente ausente. Onovo conceito de totalidade, elaborado por ele, e a dialtica objetiva ligada a isso no sosuficientes para criar a estrutura bsica de uma ontologia sistemtica. No so suficientesporque se Lukcs, referindo-se esttica, fala repetidamente da necessidade de umacompreenso e de uma reproduo objetiva da realidade como processo total (Gestaltung desGesamtprozesses, Totalittsbewusstsein etc.), enquadrando assim, analogamente, ocomportamento tico no processo global do trabalho, ainda no tem esclarecidos os critriosque permitam a transio assegurando tambm fundamento para a construo do edifcioda ontologia.

    Poderamos dizer que mesmo onde a coisa, o nexo conceitual, j existe em germe, falta apalavra para exprimi-lo. At para com a prpria palavra ontologia Lukcs nutre, desde muito,desconfianas e suspeitas. Para ele, tomando a conotao que lhe foi conferida por Heidegger, apalavra s tem um valor negativo; significa, no melhor dos casos, pura antropologia, sociologiamitologizada ontologicamente, pseudo-objetividade (como no ensaio sobre Heideggerredivivus), isto , elevao realidade daquelas que so apenas formas gerais do pensamento(como em Existentialismus oder Marxismus?); de modo que, quando relembra a definio queMarx d s categorias como Daseinformen, Existenzbestimmungen, de imediato tem o cuidadode especificar que os termos Dasein e Existenz no devem de forma alguma ser entendidos nosentido do existencialismo[34]. Considera ainda, em seu conhecido ensaio sobre o realismocrtico, de dez anos depois (1957), a locuo essncia ontolgica nada mais que um termoda moda, no podendo ser usado e ter significado a no ser em relao com a eterna euniversal condition humaine utilizada pela arte de vanguarda, isto , por aquelas correntesdecadentes da cultura moderna que incluem ou promovem exatamente a degradaoontolgica da realidade objetiva[35]. O problema de uma concepo dialtica do ser apenasaparece (e por ele discutido) quando referido esfera da gnosiologia.

    Da a pouco, no entanto, verifica-se uma clara mudana, provavelmente instigada por ErnestBloch e Nicolai Hartmann: a leitura do primeiro volume da obra Philosophische Grundfragen,de Bloch, Zur Ontologie des Noch-Nicht-Seins, concluda no inverno de 1961 (quando Lukcsj estava trabalhando na tica), e o contato inicial com as grandes obras ontolgicas deHartmann, para as quais chama a sua ateno seu amigo berlinense Wolfgang Harich,

  • correspondente e colaborador. Nesse momento, Hartmann que exerce uma influnciadecisiva, claramente revelada pela Ontologia. certo que, j em relao Esttica, Lukcsdemonstra conhecer o pensamento de Hartmann, ao qual no apenas se refere como utiliza ediscute muitas vezes, tanto a propsito da reflexo sobre determinadas artes (arquitetura,msica) quanto em relao a certas questes tericas de princpio (teleologia do pensamentocotidiano, meio homogneo) ele chega inclusive a fazer uma incidental aluso aotratamento objetivamente desantropomorfizante da natureza ontolgica do espao e dotempo, como se encontra na filosofia da natureza de N. Hartmann[36]. Mas, ao que parece,Lukcs no havia dado muita importncia ao complexo sistemtico da ontologia hartmannianaantes das sugestes de Harich.

    Comenta Tertulian:

    impressionante constatar que o prprio projeto de situar explicitamente a ontologia na base da reflexo filosfica jamaisaparece como tal nos escritos que precedem a Ontologia do ser social. Pode-se dizer, portanto, que os escritos ontolgicosde N. Hartmann tiveram o papel de catalisador na reflexo de Lukcs; eles lhe inculcaram, com certeza, a ideia de buscarna ontologia e em suas categorias as bases de seu pensamento.

    Com efeito, essa orientao ter, daqui em diante, um sentido tipicamente ontolgico-fundante. Com Hartmann, a intentio recta prevalece sobre a intentio obliqua, a respeito do visgnosiolgico da pesquisa filosfica; Lukcs tambm decide utilizar, pela primeira vez emsentido positivo, a bela palavra ontologia. Mais ainda: partindo da teoria marxiana daobjetividade, ele forja, organiza e faz funcionar um instrumento conceitual que lhe permiteelaborar algo anlogo ao que sugerido pela ontologia de Hartmann. Em sua prpria ontologiaencontram-se elementos hartmannianos. Um tema em especial e mais ainda porque elemesmo no parece disposto a admiti-lo se lhe impe como resolutivo: o da hierarquia dosestratos de ser do real, no interior de cujo complexo fundamentalmente unitrio seremonta, por meio de uma srie de mediaes (nas quais a economia assume a funoprimria), dos estratos ontologicamente menos elevados at as objetivaes humanassuperiores, at a ontologia do ser social.

    5. Creio que do conjunto dessas consideraes fica suficientemente claro que, quando j namaturidade, Lukcs, deixando para trs suas grandes obras de crtica filosfica desde O jovemHegel, passando por Existencialismo ou marxismo?, at A destruio da razo , volta a seconcentrar intensamente nos problemas da arte com a grande Esttica, para em seguida passaraos problemas da prxis humana em geral com a Ontologia, a diretriz ao longo da qual ele semovimenta permanece coerentemente a mesma do passado. H um fio condutor preciso queliga todos esses trabalhos entre si e tambm com sua origem em comum na virada dos anos1930: os princpios, ento descobertos em Marx, do fundamento de um sistema marxistafundado numa concepo do marxismo como ontologia histrico-materialista. Se desde j, pormeio da problemtica da zona intermediria (Zwischenreich: prefigurao da categoria doparticular), fazia-se valer, para a arte, o princpio de sua ineliminvel relao de dependnciacom a totalidade da vida, a instaurao da grande Esttica supe, de forma muito mais direta edecidida como j procurei mostrar mais detalhadamente em outra oportunidade um preciso

  • fundamento ontolgico[37]. O prprio Lukcs, a posteriori, mostra ter conscincia disso, poisem sua autobiografia publicada postumamente ele aponta a Esttica, sem meias palavras, comoa verdadeira e prpria preparao para a Ontologia (eigentlich die Vorbereitung zurOntologie)[38]. Fundamental e clarssimo especialmente no que concerne ao que ele escreve noprefcio de 1969 ao conjunto hngaro de escritos Utam Marxhoz [Meu caminho paraMarx][39], que cito aqui segundo a traduo francesa de Claude Prvost:

    Se, para a esttica, o ponto de partida filosfico consiste no fato de que a obra de arte est a, que ela existe, a naturezasocial e histrica dessa existncia faz com que toda a problemtica se desloque para uma ontologia social. por isso que aanlise da vida cotidiana deve desempenhar, por sua prpria natureza e por seu reflexo ideolgico, um papel decisivo naelaborao de uma esttica nova.

    A tese de que a obra de arte est l, de que ela existe como ser real anteriormente anlise de suas condies de possibilidade, certamente no representa uma novidade do ltimoLukcs, remontando aos anos de seu pensamento de juventude pr-marxista. Mas somentedepois que a virada dos anos 1930 o convence da necessidade de uma fundamentaoontolgica do marxismo que ele pode tirar todas as consequncias dessa reviravolta daperspectiva transcendental na esttica. Desse modo, a grande Esttica se torna a primeira desuas obras na qual baseando-se no que se l poucas linhas aps o trecho autobiogrfico citadodo prefcio anteriormente referido a ambio tornada consciente [...] de conferir umasoluo ontolgica sistemtica do marxismo aparece com toda sua clareza e d ao problemaontolgico um lugar central na metodologia, de modo que, conclui ele, segundo minhaconcepo, a esttica faz parte integrante da ontologia do ser social[40].

    Basta uma rpida olhada na obra para encontrar essa interdependncia. Em primeiro lugar,todos os seus grandes temas e todas as suas teses de fundo, da teoria da arte comoautoconscincia da humanidade at o esclarecimento do reflexo esttico a partir da dialticaimanente da prpria vida (dialtica entre essncia e fenmeno, superao da imediatezmeramente perceptiva, ulterior potenciao do processo de reproduo mimtico-dialticomediante a prxis do trabalho etc.), referem-se sempre s leis objetivas vigentes no interior docontexto geral ontologicamente fundado daquele determinado estrato de ser que osengloba e os justifica; fora dele, permanecem completamente incompreensveis.

    Em segundo lugar, o aparato categorial com o qual Lukcs descreve a gnese da atitudeesttica e suas manifestaes concretas tambm tem relao direta com a experincia da vidacotidiana, a comear por aquelas que so, na vida, as formas mais gerais e abstratas domecanismo cognitivo, os elementos estruturais elementarssimos de qualquer imagem domundo. Categorias como substancialidade e inerncia, acaso e necessidade, a complicadadialtica que surge do encontro entre causalidade e teleologia, o nexo gnero-espcie, a funoda srie lgica em-si/para-ns/para-si no processo de reflexo e apropriao do real, alm detantos outros complexos conceituais do mesmo tipo, pertencem, mais do que esttica, aoterreno da experincia e da prxis humana, relao que, conscientemente ou no, o homeminstaura em cada um de seus atos com o mundo externo; a respeito do complexo categorial deuniversalidade, particularidade e individualidade, to recorrente e to relevante, constitutivo, do

  • seu ponto de vista terico. Na Esttica, Lukcs ainda mais claro, escrevendo a WernerHofmann[41] que as categorias tratadas ali so categorias ontolgicas, que aparecem emqualquer forma de ser.

    Dentro desse quadro, a categoria do trabalho tem um papel de destaque. Central edecisiva para a ontologia, em que tematizada expressamente como modelo de toda prxissocial, de toda conduta social ativa, ela j atravessa a grande Esttica do comeo ao fim. Ocarter genuinamente ontolgico da esttica lukacsiana, que a diferencia tanto de qualqueroutra forma de idealismo como de qualquer esttica marxista pr-leniniana (Mehring,Plekhanov), revela-se exatamente no fato de que est a evidenciada a funo de objetivaoprimria, mediadora entre ser e conscincia, exercida pelo ato teleolgico do trabalho, por meiodo qual tambm somente encontram salvaguarda a prioridade ontolgica do ser e a autonomiadas esferas espirituais superiores (includa a esttica). J no prefcio, adverte Lukcs:

    Para o materialismo, a prioridade do ser , antes de tudo, a constatao de um fato: pode haver um ser sem conscincia,mas no h conscincia sem ser. Disto, porm, no se segue uma subordinao hierrquica da conscincia ao ser. Aocontrrio, somente essa prioridade e seu reconhecimento concreto, terico e prtico por parte da conscincia criam apossibilidade de dominar realmente o ser com a conscincia. O simples fato do trabalho ilustra essa situao commeridiana evidncia.[42]

    E mais adiante, referindo-se correta afirmao de Ernst Fischer, de acordo com o qual averdadeira relao sujeito-objeto somente surge mediante o trabalho, refora:

    Somente no trabalho e por meio dele aquilo que era a princpio apenas percebido se torna conhecido, na medida em quesuas propriedades veladas e que no esto operando imediatamente (o nexo interno de sua cooperao, que constitui aprpria objetividade concreta de tal objeto, que d a base objetiva para seu conceito) se manifestam e so elevadas conscincia [...]. Por isso, o trabalho a base da relao sujeito-objeto no sentido filosfico concretamentedesenvolvido.[43]

    O prprio esttico s aparece como resultado desse percurso de desenvolvimento. Com aunidade daquilo que Lukcs chama de ato esttico originrio tm origem, certamente, umaintensificao e uma elevao de grau do processo de trabalho da vida cotidiana; mais ainda,uma mudana qualitativa no sentido da conformidade com o homem (antropomorfismoevocativo do esttico), sem que por isso seja atingida e muito menos suprimida a relaocom a substncia objetiva da realidade:

    A unidade desse ato constitui precisamente um nvel superior, mais espiritual e consciente do prprio trabalho, no qual ateleologia que transforma o objeto do trabalho est inseparavelmente unida auscultao dos segredos da matria emfoco. No entanto, enquanto no trabalho h apenas uma relao puramente prtica do sujeito com a realidade objetiva [...],na arte essa unidade recebe, ao contrrio, uma objetivao prpria; tanto o ato em si mesmo quanto a exigncia social quelhe d origem tendem a fixar, a eternizar essa relao do homem com a realidade, criando uma objetividade objetivada naqual essa unidade dever encarnar-se de modo sensvel, exatamente para evocar essa impresso.[44]

    Como se v, com isso retomada e posta como fundamento do esttico exatamente aquelateoria materialista marxiana da objetividade, que, mais tarde, a Ontologia ir desenvolver como

  • sistema. No deixemo-nos enganar pelas datas de publicao das duas obras, que, de resto, soconfirmadas justamente pela cronologia dos fatos. Cronologicamente, h uma precisa ordem desucesso entre Esttica e Ontologia: a segunda s tem incio aps a concluso da primeira. Noentanto, reexaminando a Esttica luz dos resultados obtidos pela Ontologia, percebemos queessa ordem invertida. A ordem cronolgica da elaborao das duas obras contradiz a ordemlgica de seus nexos internos. Uma concepo da arte como a que Lukcs elabora na Estticapressupe a existncia ainda que apenas latente, no plenamente esclarecida de umaontologia social que a sustente e a justifique. No apenas nas pginas em que aparecem, emprimeiro plano, categorias claramente ontolgicas, mas j em sua visualizao, em suaconcepo geral, em sua estrutura, a Esttica se apoia sobre um entrelaamento de conceitos dematriz fundamentalmente ontolgica, suporte esse que, hoje, no pode mais ser ignorado, julgoeu, nem mesmo por aqueles que olham com suspeita ou at rejeitam a limine a ideia daconstruo de uma ontologia social em chave marxista.

    Trata-se, inteiramente, de outra questo, estranha presente investigao, a de saber ecompreender o que a ontologia agrega de especfico. No creio que haja dvidas acerca daefetiva existncia de novidades especficas. No que tange ao esclarecimento da dialtica entreos estratos do ser, a Ontologia traz todo um aparato e um instrumental conceituais adequados,que antes inexistiam por completo e eram at impensveis. Atente-se que mudam no apenasos princpios que sustentam a impostao, mas tambm a elaborao e a organizaosistemtica do complexo de conceitos que deles derivam. Poderamos nos exprimir melhordizendo que ocorre aqui, em toda a carreira precedente de Lukcs, uma unidade decontinuidade e descontinuidade de desenvolvimento. A unidade est no fato de que, Esttica eOntologia continuando, mas tambm desenvolvendo a batalha terica iniciada com a viradados anos 1930 tm ambas como objetivo a elaborao de uma teoria da completaemancipao humana, da superao da mera singularidade particular (o individualismoburgus) em direo quilo que, para o homem, a sua essncia, o realmente humano. Talvezdescontnua, em relao ao passado, parea a forma como essa superao acontece. Se antesisso aparecia sob a forma de luta de classes, com contraposies rigidamente classistas(objetividade como partidariedade no sentido leniniano), a orientao das ltimas obrasaponta muito mais e de modo insistente para a teoria da espcie, do gnero humano. Masser que isso cria como equivocadamente se pensa fraturas, ou contradies, ouincompatibilidades entre as duas fases? De modo nenhum. Deve-se lembrar, no entanto, queuma teoria do gnero, inevitavelmente presente no marxismo, tambm est semprepresente, a seu modo, em Lukcs e acompanha pari passu os desenvolvimentos, desdeHistria e conscincia de classe at obras como A destruio da razo, nas quais com base naafirmao juvenil de Marx e Engels (A ideologia alem) da unitariedade da cincia da histria se martela continuamente sobre aquilo que a Lukcs parece ser um dos mais importantesresultados da cincia moderna: a ideia de uma evoluo dos homens unitria e regida por leis,de uma histria universal unitria da humanidade[45]. S que, embora o fundamentopermanea sempre imutvel, nas obras maduras essa ideia plasmada e modelada de formamuito mais articulada, j sem o sectarismo messinico de Histria e conscincia de classe e sem

  • a rigidez determinista que, s vezes, ainda aparece em A destruio da razo, exemplificadapelo j citado conceito de uma legalidade imanente histria conceito esse que a Ontologiarejeita liminarmente como equivocado e insustentvel, como resduo de hegelianismo ou dequalquer forma de filosofia da histria a ele semelhante.

    No h, pois, de modo nenhum, soluo de continuidade entre as duas fases. Nem mesmoaqui Lukcs abandona o critrio marxiano e leniniano da individuao das reais foras motrizesque agem no processo histrico objetivo de desenvolvimento da humanidade, da forma comoele se realiza graas ao conflito das classes; ao contrrio, isso representa a conditio sine qua nonpara a elevao essncia, teoria do gnero. No entanto, nas obras da maturidade, que sefundamentam conscientemente no princpio ontolgico da historicidade do ser social, essadireo de desenvolvimento ampliada, a fim de mostrar como, por intermdio da luta declasses, trata-se do prprio gnero: sem a partidariedade (objetividade comopartidariedade) no pode ocorrer a descoberta da direo do desenvolvimento; todavia, estaltima, ao mesmo tempo, investe e ilumina, para alm das classes em conflito, a humanidadecomo gnero.

    Ora, precisamente esse segundo aspecto que a Esttica e a Ontologia, de acordo com asua impostao sistemtica, sublinham com mais fora e realam insistentemente, sem por issonegar ou contradizer o outro aspecto, que constitui a condio para a transio ao gnero, onico a torn-lo possvel, uma vez que a crena na possibilidade do surgimento de umageneridade humana abstratamente universalista, no dialtica, no mediada pelas lutas sociaisconcretas, pertence bagagem das mistificaes ideolgicas tpicas da metafsica burguesa.

    Uma mistificao, creio eu, tambm constituda pelo slogan historiogrfico acerca dapresumida existncia de um contraste entre as duas fases do Lukcs maduro. Os textosdesmentem isso categoricamente. De fato, como fundamento da doutrina marxista de Lukcspermanece at os ltimos trabalhos, includas a Esttica e a Ontologia[46], o pressuposto irrenuncivel para o marxismo de que a configurao da conformidade com a espcie determinada em cada caso pelas circunstncias histrico-sociais; que a conscincia de que oindivduo pertence espcie humana no suprime as relaes sociais com a classe; que aespcie, o gnero, , por sua natureza ontolgica, um resultado de foras em luta recprocapostas em movimento socialmente: um processo de lutas de classe na histria do ser social; e,por outro lado, reciprocamente, esse processo somente ganha significado luz da teoria de seudesenvolvimento em direo ao gnero.

    Ao contrrio explicam com grande clareza os Prolegmenos para uma ontologia do sersocial, uma vez mais em remisso a Marx e a Lenin , a aquisio imediata de maior eficcia domtodo marxiano (a da luta de classes como fora motriz decisiva da histria do gnero humanoenquanto fator operante ontologicamente) no pode ser apreendida plenamente sem oentendimento de que todas as decises das quais surge a individualidade humana como tal,como superao da mera singularidade, so momentos reais validados e que validam o processoglobal.

  • [a] Artigo originalmente publicado no livro Lukcs e a atualidade do marxismo, organizado por Maria Orlanda Pinassi eSrgio Lessa (So Paulo, Boitempo, 2002). Traduzido do original italiano por Ivo Tonet. (N. E.)[1] Frank Benseler, Der spte Lukcs und die subjektive Wende im Marxismus, em Rdiger Dannemann e Werner Jung(orgs.), Objektive Mglichkeit. Beitrge zu Georg Lukcs Zur Ontologie des gesellschaftlichen Seins (Opladen,Westdeutscher, 1995), p. 143.[2] Informaes cronolgicas teis podem ser encontradas sobretudo em Frank Benseler, Nachwort, em G. Lukcs, ZurOntologie des gesellschaftlichen Seins (Darmstadt/Neuwied, Luchterhand, 1986), v. 2, p. 731-53 (Werke, v. 13-4); duascontribuies de Gyrgy Ivn Mezei, a nota Zum Spatwerke von Georg Lukcs, Doxa: Philosophical Studies, Budapeste,Institute of Philosophy, Hungarian Academy of Sciences, n. 4, 1985, p. 31-41, e a Einleitung edio de Lukcs, Versuchezu einer Ethik (Budapeste, Akadmiai Kiad, 1994), p. 7-34; e muitos dos trabalhos de Nicolas Tertulian, em especial Lukcs:la rinascita dellontologia (Roma, Editori Riuniti, 1986) e La pense du dernier Lukcs, Critique, n. 517-8, 1990, p. 594-616. No obstante o seu ttulo, o ensaio de Mikls Almsi, Die Geburt des ontologischen Gedankens, escrito em 1985como comunicao aos encontros celebrativos de Budapeste e Hamburgo e depois includo nas respectivas Atas, no dizquase nada da gnese da Ontologia, que ainda, como frequente, critica de um ponto de vista habermasiano. Ver Az lLukcs (ed. Laszlo Sziklai, Budapeste, Kossuth Knyvk, 1986), p. 106-14; ed. alem: Lukcs-aktuell (Budapeste, AkadmiaiKiad, 1989), p. 157-72; Gnter Trautmann e Udo Bermbach (orgs.), Georg Lukcs: Kultur-Politik-Ontologie (Opladen,Westdeutscher, 1987), p. 222-32.[3] Cf. os dois ensaios do organizador, em Werner Mittenzwei (org.), Dialog und Kontroverse mit Georg Lukcs. DieMethodenstreit deutscher sozialistischer Scriftsteller (Leipzig, Philipp Reclam, 1975), p. 9-104 e 153-203; Werner Mittenzwei,Lukcs sthetik der revolutionren Demokratie, em G. Lukcs, Kunst und objektive Wahrheit: Essay zur Literaturtheorieund -geschichte (Leipzig, Philipp Reclam, 1977), p. 5-17; Manfred Nssig, Das Ringen um proletarisch revolutionre Kunstkonzeptionen (1929-1933), em Manfred Nssig, Johanna Rosenberg e Brbel Schrader, Literaturdebatten in der WeimarerRepublik: zur Entwicklung des marxistischen literaturtheoretischen Denkens 1918-1933 (Berlim/Weimar, Aufbau, 1980), p.467-709; Gudrun Klatt, Vom Umgang mit der Moderne: sthetische Konzepte der dreissiger Jahre (Berlim, Akademie, 1984),p. 43-94; Zwischen Dekadenz und Sieg der Realismus: Georg Lukcs literaturpolitischem Konzept zwischen 1933-1934und 1938, em Manfred Buhr e Jzsef Lukcs, Geschichtlichkeit und Aktualitt: Beitrge zum Werk und Wirken von GeorgLukcs (Berlim, Akademie, 1987), p. 233-43; Alfred Klein, Georg Lukcs in Berlin. Literturtheorie und Literaturpolitik derJahre 1930-2 (Berlim/Weimar, Aufbau, 1990) (com reedio em apndice dos escritos lukacsianos do trinio 1930-1932,atualmente um material propagandstico difcil de reaparecer).[4] Cf. Lszl Sziklai, Die Moskauer Schriften von Georg Lukcs, em Zur Geschichte des Marxismus und der Kunst(Budapeste, Akadmiai Kiad, 1978), p. 127-37; Lukcs Gyrgy kommunista eszttikja, em Lukcs, Eszttikai rsok,1930-1945 (Budapeste, Kossuth, 1982), p. 5-23; Georg Lukcs, Kritiker der faschistischen Philosophie und Kultur, emJzsef Lukcs e Ferenc Tkei (orgs.), Philosophy and Culture: studies from Hungary published on the occasion of the 17thWorld Congress of Philosophy (Budapeste, Akadmiai Kiad, 1983), p. 311-34; Georg Lukcs und seine Zeit, 1930-1945(Budapeste, Corvina, 1986), no qual podem ser tambm encontrados os dois ensaios precedentes, p. 7-32 e 169-204, osegundo dos quais um pouco retrabalhado e ampliado para o Nachwort a G. Lukcs, Zur Kritik der faschistischen Ideologie(Berlim/Weimar, Aufbau, 1989), p. 395-453; Proletrforradalom utn. Lukcs Gyrgy marxista fejldse. 1930-1945(Budapeste, Kossuth Knyvkiad, 1986), ed. ing.: After the Proletarian Revolution: Georg Lukcs Marxist Development, 1930(Budapeste, Akadmiai Kiad, 1992); Georg Lukcs in the Soviet Union: Contradiction and Progress, Dialectics andHumanism, v. 14, abr. 1987, p. 29-50.[5] Tambm Alfred Klein, Georg Lukcs in Berlin, cit., p. 9.[6] Cf. Kroly Urbn, The Lukcs Debate: Further Contributions to an Understanding of the Background to the 1949-1950Debate, em Lszl Ills et al. (orgs.), Hungarian Studies on Gyrgy Lukcs (Budapeste, Akadmiai Kiad, 1993), v. 2, p.443.[7] Cito, aqui e a seguir, Gyrgy Ivn Mezei (org.), Ist der Sozialismus zu retten?: Briefwechsel zwischen Georg Lukcs undWerner Hofmann (Budapeste, Georg-Lukcs-Archiv, 1991), p. 21; ed. it.: G. Lukcs e Werner Hofmann, Lettere sullostalinismo (ed. A. Scarponi, Gaeta, Bibliotheca, 1993), p. 23. [H vrias edies desse texto no Brasil, entre elas Carta sobreo estalinismo, Temas de Cincias Humanas, So Paulo, Grijalbo, n. 1, 1977. N. E.][8] Cf. I.stvn Hermann, Die Gedankenwelt von Georg Lukcs (Budapeste, Akadmiai Kiad, 1978), p. 176s; MichailLifschitz, Die dreiiger Jahre. Ausgewhlte Schriften (Dresden, Verlag der Kunst, 1988), p. 10s; Dialoghi moscoviti conLukcs (ed. G. Mastroianni, Belfagor, 1990), v. 45, p. 549-50; Lszl Sziklai, Georg Lukcs und seine Zeit, cit., p. 41s; MichailLifschitz e Lszl Sziklai, Moszkvai vek Lukcs Gyrggyel: beszlgetsek, emlkezsek (Budapeste, Gondolat, 1989), p. 57s.Este um ponto com o qual eu mesmo j me entretive algumas vezes, a comear pelo ensaio Le basi teoretiche del Lukcs

  • della maturit, em Il marxismo della maturit di Lukcs (Npoles, Prismi, 1983), p. 67s, do qual retomo algumas dasconsideraes que se seguem.[9] G. Lukcs, Vorwort (1967), em Geschichte und Klassenbewusstsein (Neuwied/Berlim, Luchterhand, 1968), Werke, v.2, p. 39.[10] Ernst Bloch, Briefe 1903-1975 (org. Karola Bloch et al., Frankfurt, Suhrkamp, 1985), v. 1, p. 323. Bloch retorna emseguida a essa questo no curso do debate sobre o expressionismo propiciado pela revista Das Wort. A rplica de Lukcs estem Es geht um den Realismus (1938), hoje encontrado em seus Essays ber Realismus (Neuwied/Berlim, Luchterhand,1971), Werke, v. 4, p. 315s, no qual mencionada, entre outras, a tese marxiana acerca da totalidade da economia, DieProduktionsverhltnisse jeder Gesellschaft bilden ein Ganzes. Ver ainda Lszl Sziklai, After the Proletarian Revolution, cit.,p. 234-6.[11] G. Lukcs, Reportage oder Gestaltung? (1932), em Essays ber Realismus, cit., p. 66 (pode ser encontrado tambmem apndice em Alfred Klein, Georg Lukcs in Berlin, cit., p. 394).[12] Vladimir I. Lenin, Opere complete (Roma, Editori Riuniti, 1954-1970), v. 38, p. 97, 137.[13] Ambos os textos podem ser encontrados em G. Lukcs, Essays ber Realismus, cit., p. 345-412, do qual citamos aseguir as p. 370-1; G. Lukcs, Il marxismo e la critica letteraria (trad. Cesare Cases, Turim, Einaudi, 1953), p. 419-20.[b] So Paulo, Boitempo, 2007. (N. E.)[14] Cf. especialmente seu ensaio de 1935 sobre Friedrich Engels, G. Lukcs, Karl Marx und Friedrich Engels alsLiteraturhistoriker (Berlim, Aufbau, 1952), p. 44, encontrado tambm em Probleme der sthetik (Neuwied/Berlim,Luchterhand, 1969), Werke, v. 10, p. 505. [Publicado no Brasil na coletnea organizada por Carlos Nelson Coutinho, GeorgLukcs, marxismo e teoria da literatura, Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1968; mas merecem ser verificados tambmmuitos dos ensaios reunidos na primeira parte de G. Lukcs, Eszttikai rsok, cit., p. 27s, e em apndice em Alfred Klein,Georg Lukcs in Berlin, cit., p. 280s. N. E.][15] absolutamente mentirosa a tese segundo a qual Lukcs nada mais fez do que repetir e elevar a dogma o rgido cnonedo realismo vigente sob a ortodoxia sovitica. Essa tese aparece no apenas na propaganda reacionria, mas tambm emestudiosos cuidadosos, como Lee Congdon, Exil and Social Thought: Hungarian Intellectuals in Germany and Austria, 1919-1933 (Princeton, Princeton University Press, 1991), p. 88-9; Arpad Kadarkay, Georg Lukcs: Life, Thought and Politics(Cambridge-MA, B. Blackwell, 1991), p. 342s; e o prprio Alfred Klein, Georg Lukcs in Berlin, cit., p. 171-2.[16] G. Lukcs, Essays ber Realismus, cit., p. 393; Probleme der sthetik, cit., p. 207.[17] G. Lukcs, Kunst und objektive Wahrheit, Deutsche Zeitschrift fr Philosophie, Berlim, Deutscher Verlag derWissenschaften, v. 2, fev. 1954, p. 113-48; reimpresso em Essays ber Realismus, cit., p. 607-50; ed. it.: Arte e societ: Scrittiscelti di estetica (Roma, Editori Riuniti, 1972), p. 143-86.[18] Devem ser recordados os escritos de 1932, Der faschisierte Goethe, Goethe und die Dialektik, Was ist uns heuteGoethe?, Goethes Weltanschauung e Goethe und der Gegenwart, reunidos em G. Lukcs, Eszttikai rsok, cit., p. 256-77 e reimpressos em Alfred Klein, Georg Lukcs in Berlin, cit., p. 398-444. Ver ainda todos aqueles dos anos imediatamenteposteriores, at 1940, reunidos em Goethe und seine Zeit (Berlim, Aufbau, 1953). Para a relao entre Goethe e Hegel, relevante tambm o ensaio Lo scrittore e il critico, em G. Lukcs, Essays ber Realismus, cit., p. 403s; o captulo 2, DerHumanismus der deutschen Klassik, do pstumo (mas que remonta a 1941-1942) Wie ist Deutschland zum Zentrum derReaktionren Ideologie Geworden? (org. Lszl Sziklai, Budapeste, Akadmiai Kiad, 1982), p. 73-95; reimpresso em G.Lukcs, Zur Kritik der faschistischen Ideologie, cit., p. 267-84. Ver ainda a seo conclusiva de Der junge Hegel und dieProbleme der kapitalistischen Gesellschaft (Berlim, Aufbau, 1954), p. 645-6; Lszl Sziklai, Georg Lukcs und seine Zeit, cit.,p. 91 s; Lszl Sziklai, After the Proletarian Revolution, cit., p. 237-8.[19] G. Lukcs, Zur Frage der Satire (1932), em Essays ber Realismus, cit., p. 89; reimpresso como apndice em AlfredKlein, Georg Lukcs in Berlin, cit., p. 305.[20] G. Lukcs, Gelebtes Denken: eine Autobiographie im Dialog (org. Istvn Ersi, Frankfurt, Suhrkamp, 1981), p. 269; ed.it.: Pensiero vissuto (org. Istvn Ersi, ed. A. Scarponi, Roma, Editori Riuniti, 1983), p. 219 [ed. bras.: Pensamento vivido,So Paulo, Ad Hominem, 1999].[21] Agnes Heller, Lukcs Aesthetics, The New Hungarian Quarterly, Budapeste, Lapkiad, v. 24, 1966, p. 90; ed. it.:Lukcs (ed. Guido Oldrini, Milo, Mondadori, 1979), p. 245.[22] G. Lukcs, sthetik I: Die Eigenart des sthetischen (Neuwied/Berlim, Luchterhand, 1963), Werke, v. 11-2, p. 35; ed.it.: Estetica (trad. Marietti Solmi e Fausto Codino, Turim, Einaudi, 1970), v. 1, p. 5.[23] G. Lukcs, Kunst und objektive Wahrheit , cit., p. 113 e 120; reimpresso em Essays ber Realismus, cit., p. 607 e 616;

  • ed. it.: Arte e societ: scritti scelti di estetica, cit., p. 143 e 155.[24] Vladimir I. Lenin, Opere complete, cit., v. 38, p. 69, citado por G. Lukcs, Feuerbach e la letteratura tedesca (1937),em Intellettuali e irrazionalismo (ed. Vittoria Franco, Pisa, ETS, 1984), p. 143.[25] G. Lukcs, Zur sthetik Schillers (1935), em Beitrge zur Geschichte der sthetik (Berlim, Aufbau, 1954), p. 74;reimpresso em Probleme der sthetik, cit., p. 82; ed. it.: Contributi alla storia dellestetica (trad. Emilio Picco, Milo,Feltrinelli, 1957), p. 86.[26] Dnes Zoltai, Das homogene Medium in der Kunst, em Gnter Trautmann e Udo Bermbach (orgs.), Georg Lukcs:Kultur-Politik-Ontologie, cit., p. 225. A comunicao Zwischenreich reaparece tambm em Lo scrittore e il critico, cit., p.406.[27] Nicolas Tertulian, Gedanken zur Ontologie des gesellschaftlichen Seins, angefangen bei den Prolegomena, emObjektive Mglichkeit, cit., p. 160-1.[28] G. Lukcs, Der junge Hegel..., cit., p. 379s.[29] Ibidem, p. 397-8; ed. italiana: Il giovane Hegel e i problemi della societ capitalistica (trad. Renato Solmi, Turim,Einaudi, 1960), p. 481-3. A importncia do papel do trabalho para a concepo lgico-filosfica do marxismo posteriormente reforada por Lukcs na resenha de 1946 obra de Bla Fogarasi, Marxismus s logika, e editada como umapndice a Bla Fogarasi, Parallele und Divergenz: ausgewhlte Schriften (ed. Eva Kardi, Budapeste, MTA Filozfiai Intzet,1988), p. 251.[30] Conferncia ocorrida na Casa da Cultura de Milo em 20 de dezembro de 1947, publicada mais tarde em Studifilosofici, 1948-1951, p. 3-33, na qual se encontram todas as citaes a seguir. Cf. tambm Dnes Zoltai, Von Genf bisWroclaw, em Jzsef Lukcs, Geschichtlichkeit und Aktualitt: Beitrge zum Werk und Wirken von Georg Lukcs (org.Manfred Buhr, Berlim, Akademie-Verlag, 1987), p. 204-5. No mesmo ano, tratando da questo esttica, h Freie odergelenkte Kunst? (reunido com outros ensaios em Irodalom s demokrcia, Budapeste, 1947) e que eu cito de Lukcs,Marxismus und Stalinismus: Politische Aufstze Ausgewhlte Schriften IV (Hamburgo, Rowohlt, 1970), p. 110-34, em que oautor interpe significativamente um esboo histrico do conceito de liberdade at o capitalismo, inclusive (p. 111-6).[31] Cf. G. Lukcs, Wie ist die faschistische Philosophie in Deutschland entstanden? (1933) (org. Lszl Sziklai, Budapeste,Akademiai Kiado, 1982), p. 215-7; reimpresso em Zur Kritik der faschistischen Ideologie, cit., p. 169-71; Existentialismusoder Marxismus? (Berlim, Aufbau, 1951), p. 150-1 [ed. bras.: Existencialismo ou marxismo?, 2. ed., So Paulo, Senzala,1969]; Die Zerstrung der Vernunft (Berlim, Aufbau, 1954), p. 507-8.[32] Karl Marx e Friedrich Engels, Die heilige Familie oder Kritik der kritischen Kritik (Berlim, 1958-1974), Werke, v. 2, p.138.[33] Cf. G. Lukcs, Existentialismus oder Marxismus?, cit., p. 45, e tambm o ensaio de 1948, Heidegger redivivus, p. 161-83; Wozu braucht die Bourgeoisie die Verzweiflung? (1948), Sinn und Form (1951-1954), p. 68-9; reimpresso em G.Lukcs, Schicksalswende: Beitrge zu einer neuen deutschen Ideologie (Berlim, Aufbau, 1956), p. 153-4.[34] Cf. G. Lukcs, Existentialismus oder Marxismus?, cit., p. 133-4, assim como o citado apndice, p. 166s.[35] G. Lukcs, Die Gegenwartsbedeutung des kritischen Realismus (1957), em Essays ber Realismus, cit., p. 470s; ed. it.:Il significato attuale del realismo critico (trad. Renato Solmi (Turim, Einaudi, 1957), p. 20s.[36] G. Lukcs, Die Eigenart des sthetischen, cit., v. 2, p. 351.[37] Ver comunicao sobre o encontro de Bremen, Il supporto ontologico dellEstetica di Lukcs, Rivista di Storia dellaFilosofia (Milo, Franco Angeli, 1987), v. 42, p. 709-19; Gerhard Pasternack (org.), Zur spten sthetik von Georg Lukcs(Frankfurt, Vervuert, 1990), p. 55-65, do qual resgato algumas das consideraes que se seguem.[38] G. Lukcs, Gelebtes Denken, cit., p. 224. A mesma passagem mencionada por Karin Brenner, Theorie derLiteraturgeschichte und sthetik bei Georg Lukcs (Frankfurt/Berna/ Nova York, P. Lang, 1990), p. 252.[39] G. Lukcs, Utam Marxhoz: vlogatott filozfiai tanulmnyok... (Budapeste, Magveto knyvkiad, 1971), p. 9-31;reimpresso em Curriculum Vit (Budapeste, Magvet, 1982), p. 355-73; ed. fr.: Mon chemin vers Marx, em Nouvellestudes hongroises, Budapeste, Corvina, v. 8, 1973, p. 77-92, do qual se apropria Claude Prvost para sua edio de G. Lukcs,Textes (Paris, Messidor, 1985), p. 16s.[40] Ibidem, p. 63.[41] Carta de 6 de janeiro de 1968, em Ist der Sozialismus zu retten?, cit., p. 66; ed. it.: G. Lukcs e Werner Hofmann, Letteresullo stalinismo, cit., p. 76.[42] G. Lukcs, Die Eigenart des sthetischen, cit., v. 1, p. 21.

  • [43] Ibidem, v. 2, p. 22; ed. it.: v. 2, p. 85.[44] Ibidem, v. 1, p. 554-5; ed. it.: v. 1, p. 513-4.[45] G. Lukcs, Die Zerstrung der Vernunft, cit., p. 536 e 544.[46] Como comprovao, cito aqui passagens retiradas tanto da Esttica (G. Lukcs, Die Eigenart des sthetischen, cit., v. 1,p. 525-6, e v. 2, p. 572; ed. it.: v. 1, p. 584, e v. 2, p. 1.535) como dos Prolegmenos para uma ontologia do ser social (ed. it.:Prolegomi allontologia dellessere sociale: questioni di principio di unontologia oggi divenuta possibile, trad. Alberto Scarponi,Milo, Guerini e Associati, 1990, p. 60-1 [ed. bras.: Prolegmenos para uma ontologia do ser social: questes de princpios parauma ontologia hoje tornada possvel, So Paulo, Boitempo, 2010].

  • Visto de entrada na Hungria sovitica, datado de 28 de agosto de 1945.

  • SEGUNDA PARTE

    Os complexos de problemas maisimportantes

  • I. O trabalho[a]

    Para expor em termos ontolgicos as categorias especficas do ser social, seu desenvolvimento apartir das formas de ser precedentes, sua articulao com estas, sua fundamentao nelas, suadistino em relao a elas, preciso comear essa tentativa com a anlise do trabalho. claroque jamais se deve esquecer que qualquer estgio do ser, no seu conjunto e nos seus detalhes,tem carter de complexo, isto , que as suas categorias, at mesmo as mais centrais edeterminantes, s podem ser compreendidas adequadamente no interior e a partir daconstituio global do nvel de ser de que se trata. E mesmo um olhar muito superficial ao sersocial mostra a inextricvel imbricao em que se encontram suas categorias decisivas, como otrabalho, a linguagem, a cooperao e a diviso do trabalho, e mostra que a surgem novasrelaes da conscincia com a realidade e, por isso, consigo mesma etc. Nenhuma dessascategorias pode ser adequadamente compreendida se for considerada isoladamente; pense-se,por exemplo, na fetichizao da tcnica que, depois de ter sido descoberta pelo positivismo ede ter influenciado profundamente alguns marxistas (Bukharin), tem ainda hoje um papel nodesprezvel, no apenas entre os cegos exaltadores da universalidade da manipulao, toapreciada nos tempos atuais, mas tambm entre aqueles que a combatem partindo dos dogmasde uma tica abstrata.

    Por essa razo, para desemaranhar a questo, devemos recorrer ao mtodo marxiano dasduas vias, j por ns analisado: primeiro decompor, pela via analtico-abstrativa, o novocomplexo do ser, para poder, ento, a partir desse fundamento, retornar (ou avanar rumo) aocomplexo do ser social, no somente enquanto dado e, portanto, simplesmente representado,mas agora tambm compreendido na sua totalidade real. Nesse sentido, as tendnciasevolutivas das diversas espcies do ser, tambm por ns j pesquisadas, podem trazer umacontribuio metodolgica bem determinada. A cincia atual j comea a identificarconcretamente os vestgios da gnese do orgnico a partir do inorgnico e nos diz que, emdeterminadas circunstncias (ar, presso atmosfrica etc.), podem nascer complexosextremamente primitivos, nos quais j esto contidas em germe as caractersticas fundamentaisdo organismo. Esses complexos, na verdade, no tm como subsistir nas atuais condiesconcretas, s podendo ser demonstrados em sua fabricao experimental. Alm do mais, ateoria do desenvolvimento dos organismos nos mostra como gradualmente, de modo bastantecontraditrio, com muitos becos sem sada, as categorias especficas da reproduo orgnica

  • alcanam a supremacia nos organismos. caracterstico, por exemplo, das plantas que toda asua reproduo de modo geral, as excees no so relevantes aqui se realize na base dometabolismo com a natureza inorgnica. s no reino animal que esse metabolismo passa arealizar-se unicamente, ou ao menos principalmente, na esfera do orgnico e, sempre de modogeral, o prprio material inorgnico que intervm somente elaborado passando por essaesfera. Desse modo, o caminho da evoluo maximiza o domnio das categorias especficas daesfera da vida sobre aquelas que baseiam a sua existncia e eficcia na esfera inferior do ser.

    No que se refere ao ser social, esse papel assumido pela vida orgnica (e por seuintermdio, naturalmente, o mundo inorgnico). Em outros contextos, j expusemos essadireo de desenvolvimento do social, daquilo que Marx chamou de afastamento da barreiranatural. Entretanto, nesse ponto est excludo de antemo o recurso experimental spassagens da vida predominantemente orgnica socialidade. exatamente a penetranteirreversibilidade do carter histrico do ser social que nos impede de reconstruir, por meio deexperincias, o hic et nunc [agora ou nunca] social desse estgio de transio. Portanto, notemos como obter um conhecimento direto e preciso dessa transformao do ser orgnico emser social. O mximo que se pode alcanar um conhecimento post festum, aplicando omtodo marxiano, segundo o qual a anatomia do homem fornece a chave para a anatomia domacaco e para o qual um estgio mais primitivo pode ser reconstrudo intelectualmente apartir do estgio superior, de sua direo de desenvolvimento, das tendncias de seudesenvolvimento. A maior aproximao possvel nos trazida, por exemplo, pelas escavaes,que lanam luz sobre vrias etapas intermedirias do ponto de vista anatmico-fisiolgico esocial (ferramentas etc.). O salto, no entanto, permanece sendo um salto e, em ltima anlise,s pode ser esclarecido conceitualmente atravs do experimento ideal a que nos referimos.

    preciso, pois, ter sempre presente que se trata de uma transio maneira de um salto ontologicamente necessrio de um nvel de ser a outro, qualitativamente diferente. Aesperana da primeira gerao de darwinistas de encontrar o missing link [elo perdido] entreo macaco e o homem tinha de ser v porque as caractersticas biolgicas podem iluminarsomente os estgios de transio, jamais o salto em si mesmo. Mas tambm indicamos que adescrio das diferenas psicofsicas entre o homem e o animal, por mais precisa que seja,passar longe do fato ontolgico do salto (e do processo real no qual este se realiza) enquantono puder explicar a gnese dessas propriedades do homem a partir do seu ser social. Asexperincias psicolgicas com animais muito desenvolvidos, especialmente com macacos,tampouco so capazes de esclarecer a essncia dessas novas conexes. Facilmente se esqueceque, nessas experincias, os animais so postos em condies de vida artificiais. Em primeirolugar, fica eliminada a natural insegurana da sua vida (a busca do alimento, o estado de perigo);em segundo lugar, eles trabalham com ferramentas etc. no feitas por eles, mas fabricadas eagrupadas por quem realiza a experincia. Porm, a essncia do trabalho humano consiste nofato de que, em primeiro lugar, ele nasce em meio luta pela existncia e, em segundo lugar,todos os seus estgios so produto de sua autoatividade. Por isso, certas semelhanas, muitosupervalorizadas, devem ser vistas com olhar extremamente crtico. O nico momentorealmente instrutivo a grande elasticidade que encontramos no comportamento dos animais

  • superiores; todavia, a espcie que logrou dar o salto para o