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3é> LW® O 1-1-1949 Ano IX Diretor e redator: MUCIO LEÃO. Gerente: LEONARDO MARQUES. Secretário: SÉRGIO R. VELLOZO. PREÇO Cr$ 2,00 PADRE ANTÔNIO VIEIRA NASCIMENTO E FAMÍLIA Antônio Vieira nasceu em Lisboa, na rua dos Cônegos, perto da Sé, em 6 de Fevereiro de 1608. Era filho de Cristóvão Vieira Ravasco e D Maria de Azevedo. Durante muito tempo foi assunto de discussão o sa- ber-se se êle havia realmente nascido em Portugal, se no Bra- sil. Em sessão de 13 de Outubro de 1854, Joaquim Norberto apresentou ao Instituto Histó- rico e Geográfico Brasileiro um programa de trabalho que con- sistia na elucidação dos seguin- tes pontos: l.°> em que do- cumentos se basearam os bió- grafo» de Vieira para lhe da- rem por pátria, a cidade de Lisboa? 2.°) Depreender-se-á da lei- tura de suas obras ser êle filho do Brasil? .3.°) Em conclusão, a ser pos- sivel, a apresentação da cópia autêntica do seu batismo, que fixe a sua naturalidade. D. Pedro II distribuiu esse programa ao Arcebispo da Baia, D. Romualdo de Selxas. E às conclusões desse estudioso (pu- blicadas na Rectíta Trtmensal. t. XIX) é que nfio pode haver dúvida acerca da naturalidade do grande pregador. Bastará, entretanto, uma consulta ao to- mo VIII dos Sermões de Vieira, impresso em Lisboa em 1694 (três anos antes do seu faleci- mento) para desvanecer qual- quer dúvida. Vemos ali que êle nasceu na capital portuguesa, foi batisado aos 15 de fevereiro de 1808 na «a mesma cl- dade, sendo cura dela o Padre Jorge Perdlgfio. Teve como pa- drinho o Conde de Unhão, D. Fernando Teles de Meneses. Quanto a seus pais, parecem ter sidoíde condição diferente. Cristóvão Vieira Ravasco, na- tural e morador na Vila de Moura. Sua mãe, D. Maria de Azevedo, era natural de Lis- boa, filha de Braz Fernandes de Azevedo. Vieira declarou nas respostas ao Santo Ofício (20 de Outubro de 1663) que nada sabia acerca da familia de sua avó paterna. O sigilo por êle guardado com referên- cia a esse ramo de sua família, levou os Juizes do solerte Tri- bunal do Santo Oficio a du- vidar de que o sangue que lhe corria nas velas fosse inteira- mente limpo.Interrogaram vi- rias pessoas, e pelos depoimen- tos de algumas delas chegaram à conclusão de que Baltazar Vieira Ravasco, antigo criado da Casa de ünhfio, tivera con- veraaçio com uma mulata, da qual nascera Cristóvão Vieira, pai do padre. A vista de tais depoimentos, a Mesa da In- quisição de Coimbra, em 4 de Junho de 1667, proferiu a sua sentença que consistia em que contra o padre Vieira se devia proceder como contra pessoa de cujo sangue nada constava de certo... Contudo, uma informação parece ter fi- cado assentada dessas investi- gaçfies Inqulsltorials: a saber, que Vieira era mulato. E' esse o dado que achamos estabele- cldo como coisa deliniliva na » HtoUrrla da Literatura Porta- _ntwa,'-de Forjai Sampaio. Hou- ve também a suspeita de que êle tiveue sangue hebraico, o que nunca se apurou. VINDA PARA O BRASIL Criada a Relação do Brasil, foi Cristóvão Ravasco despa- chado escrivão dos Agravos de- Ia. El» 1614, o pequeno Antô- nio e tua mãe foram trazidos para o Brasil. Durante a au- sência de seu pai (que se pru- longara desde 1612, ano em que viera para o Brasil) viveu so- zinho com sua mãe, na fre- guesla dos Mártires, numa semi-reclusão em que apenas os distraiam os estudos que a criança ia fazendo. Na Bahia prosseguiu êle com os pais os seus estudos. E logo que lhe foi possível, passou a cursar o Colégio dos Jesuítas. Revelava o desejo de abraçar a vida religiosa, mas não encon- trava boa vontade por parte de seu pai, para a realização desse plano. Conta-se que com 15 anos Iu- giu da rasa paterna para ir matricular-se no Colégio e fa- zer-se padre. AU foi recebido com carinho pelo reitor, que era o Padre Fernáo Cardim. E' a esse tempo do seu noviciado que se prende a história do famoso estalo ocorrido em sua cabeça. Diz-se que era êle de empe» rado entendimento. Tendo ro- gado um milagre à Virgem das Maravilhas, de quem era devo- to, teve um estalo nos miolos, e o seu entendimento se abriu a tudo. Essa história do estalo era referida pelo próprio Vieira, e foi conservada pela seu primei- ro biografo, André de Barros. Contudo, segundo depoimentos desse mesmo André de Barros, «Inda na tenra puerícia o tra- vesso Antônio revelava espiri- tualidade, malicla e graça. Con- ta o primeiro biógrafo do Padre que certo dia o menino se achava no adro da antiga de Lisboa, quando se aproxi- mou o conego e lhe pergimlou: ²De quem sois, meu menino? Tornou-lhe a criança, com uma sutileza que Ji fazia adivi- nhar o casuísta futuro: ²Sou de vossa mercê, pois me chama seu. Em outra história, também narrada por André de Barros, vemos curioso diálogo Ateuém dirige-se à criança, perguntan- do-lhe de onde era. Responde esta: ²Vossa mercê não me co- nhece..? ²Eu conheço a metade do mundo reflexiona a outra E o menino, maldosamente: ²Pois eu, meu senhor, sou da outra metade. Pouco depois, ao chegar à Bahia, tem outra resposta que lembra a primeira acima cita- da, a do diálogo com o conego. E' apresentado ao prefeito das classes, e devem conversar acerca dos inícios de estudo de Gramática, a que se vai dedi- car o aluno. Pergunta-lhe o mestre: ²De quem sois. meu menino? Retruca o estudante: ²Vossa Paternidade diz que sou seu, e pergunta-me de quem sou! Como se vê, sâo traços que demonstram na criança extra- ordinária vivacidade. E parece que se, em sua adolescência, por milagre da Virgem das Ma- ravilhas, sofreu o famoeo es-- talo, do qual teve consciência, em tempos mais afastados da infância, devia ter sofrido ou- tros estalos, dos quais não se apercebeu... OS HOLANDESES NA BAHIA Tinha 16 anos quando ocor- reu na Bahia o desembarque dos holandeses, às ordens do almirante Jarcb Willekens. Os jesuítas, como os demais habi- tantes da cidade, refugiaram- se onde puderam: foram para uma aldeia de índios. Vieira narrou as peripécias dessa fuga em páginas impressionantes. FASES DE ESTUDOS A esse tempo tinha gran- des conhecimentos de grama- tica, retórica e literatura. tinha a seu cargo a responsa- bilidade da redação das cartas anuais e foi em uma delas (na de 1626) que fêz a narração dramática da população da Ca- pitai da Bahia, diante das tro- pas de Jacob Willekens. Es- tuda, também, com amor, co- mo alguém que nesse estudo se mune de uma arma de com- bate, a lingua tupl-guarani. Para evitar as influências da família, que se opõe i sua vo- caçfio religiosa, mandam-no os superiores a principio para a aldeia do Espírito Santo, a sete %, léguas da cidade. Tinham ali um povoado de Indígenas aos quais doutrinavam. Vieira es- teve algum tempo ali, nesse po- voado, que se erguia à margem do rio Joanes, a uma légua do mar, e que mais tarde se trans- formou na Vila de Abrantes, Logo, porém, se abrandaram as resistências de sua família. Vol- tou, então, Antônio i Bahia, e prosseguiu em seus estudos. Em 1626 ou 1627, foi man- dado para o Colégio Olinda, indo reger a cadeira de Reto- rica. Findo o seu prazo, foi mandado de regresso & Bahia, e prosseguiu nos estudos de filosofia. Nessa metafísica me- dieval, os alunos eram exerci- tados para prodígios de sutile- za. Alguns dos assuntos que o estudante Vieira teria a deba- ter: ²A Mãe de Cristo, suposta a inferioridade feminil, foi real- mente mulher ou varão? ²As almas das plantas e dos brutos são dlvisíveis? Estudavam-se assuntos ultra- transcendentes, como seja a quantidade de Matéria, e nela (.Continua na página seguinte) NOSSO SISTEMA DE DATA Com o seu número de hoje, AUTORES E LIVROS inaugura novo sistema de data. Passará a datar os seus fascículos dos dias 1 e 15 de cada mês, como é de hábito entre as publica- ções quinzenais. Daremos, as- sim, vinte e quatro números por ano, dois em cada mês. As as- sinaturas passam, portanto, a um tipo único sessenta cru- zeiros por ano, o que eqüivale a dizer por volume, incluindo- se nessa importância a despesa do registro no Correio. Os IA- teresses dos assinantes ficam resguardados, cabendo à nos-' sa gerência entender-se com cada um deles acerca do as- sunto. PADRE ANTÔNIO VIEIRA "Verdadeiro retrato do muito célebre P. Antônio Vieira, da Companhia de Jesus, Pregador dos Reis de Portugal e Príncipe dos Pregadores, que Portugal deu ao mundo, e Lis- bòa a Portugal e o Brasil à Companhia". (apuei Serafim Leite, História da Companhia dc Jesus, vol. IV, pág. 1! SUMARIO PÁGINAS 1. 2 E 3: Padre Antônio Vieira. PAGINA 4: Exortação aos Peixes, do" Padre Vieira. ²Carta ao Duque de Castanheira, do Padre Vieira. ²Ladrões, do Padre Vieira. ²Onde cahi o diabo, do Padre Vieira. PAGINA 5: Gomo me tornei tradu'" tor de Heredia, de Seve- rino Montenegro. ,,«< PÁGINAS 6 E 7: ²A vida dos F «ras. PÁGINA 8: ²Durval «Ie Morais, Pequenas Notas. PÁGINA 9: Cartas de Joaiiuuüra Na- buco a Graça Aranha. PÁGINA 10: ²O Corvo, fle Edga: Foe VIII Tradução de Emílio de Menezes. PÁGINA 12: ²O Riozinho, de Mu- do Leão. ALGUNS MORTOS DE 1948 O registro fúnebre de 1948 foi impressionantemente farto. O ano era bissexto, e conflr- mou-se. a tradição melancólica e azarada que arrastam consigo os anos bissextos... Sem o propósito de um regis- tro rigoroso, recordaremos aqui alguns dos ilustres vultos bra- slleiros que o ano de 1848 levou para aquele unãiscouvered country para cujos mistérios se volviam inquietos os olhos la- crimosos do poeta... - O primeiro desses vultos foi Monteiro Lobato. Era, sem con- testação o mais poderoso pro- sador brasileiro, um legjUmo continr.ador de Rui Barbosa e de Coelho Neto. Ao estrear-se. quase que por acaso, vinha imbuído de Camilo e de Fialho, e era escritor perfeito. Seu primeiro livro Os Vrupês mereceu a consagração pública, pela voz de Rui Barbosa. Des- de então Monteiro Lobato se constituiu um centro de arden- tes entusiasmos. Ora na litera- tura para gente grande, com os seus esplêndios contos, com aquela deliciosa série de cartas que constitui A Barca de Gley- re; ora na literatura infantil, para cujo tesouro) forneceu êle dezenas de livros sua obra multiplicou-se incessantemente. E que nova, que graciosa, que pitoresca e íneEperada e viva é a sua frase sempre! Outro brilhante prosador que perdemos em 1948 foi Benja- min Lima. Esc*revia para tea- tro, e suas peças A Revolta do Ídolo, O -homem que mar- cha, etc., mostram-nos o quan- to era êle preocupado com os grandes problemas da alma hu- mana, o quanto essa espécie de Benutefn brasileiro se com- prazia no estudo dos ardentes conflitos morais e Intelectuais. Ainda outro prosador emi- nente que 1948 nes levou: n Padre Leonel Franca. Este err, uma organização cie sábio e de filósofo. Ninguém amou com mais amor do que éle o qus fosse cultura. Passou a vida, de acordo com o preceito"pre- cioso in angelo ciim libelo Sua obra, em que destacc aquela informadissima Historia da Filosofia, está saindo cn uma série de volume*;. Outros prosadores no mesm? caso dos que acabamos de ei- tar: Sud Menucci, jornalista e educador paulista: Adriano Jor- ge, que foi presidente da Aca- demia Amazonense ds Letras; Horácio Cartier, redator lulgi- díssimo do O Gloio; Leonardo Mota, o desvelado mvestigadòr do folclore cearense; José Vlei- ra. o romancista de Estilo tãc puro. de tão'"penetrantes estu- (Continua na 1S.R página ) UMA COLEÇÃO DE AUTORES E LIVROS De acordo com o que ha- v te mos prometido desde o núamm do 8." volume. pu«l<il^em sorteio, com r. Loteria Federal que correi; a 29 de dezembro, (a últi- in?. extração do ano), uma coleção dos 8 volumes de AUTORES E LIVROS (de aso«to de 1941 a março dc 1945), o número do grands prêmio ião correspondeu a nenhum dos nossos assinan- tes, motivo- ptírque a refe- rida cole«*> nio foi a ne- nh«m deles adjudicada. Assim sendo, será nova- mente posta em sorteio nr. última «tração da Loteria nn corrente ano, como ume nova esperança aos nonos assinanta atuais; e luturos.

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3é>LW® O1-1-1949

Ano IX

Diretor e redator: MUCIO LEÃO.Gerente: LEONARDO MARQUES.

Secretário: SÉRGIO R. VELLOZO.PREÇO — Cr$ 2,00

PADRE ANTÔNIO VIEIRANASCIMENTO E FAMÍLIAAntônio Vieira nasceu em

Lisboa, na rua dos Cônegos,perto da Sé, em 6 de Fevereirode 1608. Era filho de CristóvãoVieira Ravasco e D Maria deAzevedo. Durante muito tempofoi assunto de discussão o sa-ber-se se êle havia realmentenascido em Portugal, se no Bra-sil. Em sessão de 13 de Outubrode 1854, Joaquim Norbertoapresentou ao Instituto Histó-rico e Geográfico Brasileiro umprograma de trabalho que con-sistia na elucidação dos seguin-tes pontos: l.°> em que do-cumentos se basearam os bió-grafo» de Vieira para lhe da-rem por pátria, a cidade deLisboa?

2.°) Depreender-se-á da lei-tura de suas obras ser êle filhodo Brasil?

.3.°) Em conclusão, a ser pos-sivel, a apresentação da cópiaautêntica do seu batismo, quefixe a sua naturalidade.

D. Pedro II distribuiu esseprograma ao Arcebispo da Baia,D. Romualdo de Selxas. E àsconclusões desse estudioso (pu-blicadas na Rectíta Trtmensal.

t. XIX) é que nfio pode haverdúvida acerca da naturalidadedo grande pregador. Bastará,entretanto, uma consulta ao to-mo VIII dos Sermões de Vieira,impresso em Lisboa em 1694(três anos antes do seu faleci-mento) para desvanecer qual-quer dúvida. Vemos ali que êlenasceu na capital portuguesa,foi batisado aos 15 de fevereirode 1808 na Sé «a mesma cl-dade, sendo cura dela o PadreJorge Perdlgfio. Teve como pa-drinho o Conde de Unhão, D.Fernando Teles de Meneses.Quanto a seus pais, parecemter sidoíde condição diferente.Cristóvão Vieira Ravasco, na-tural e morador na Vila deMoura. Sua mãe, D. Maria deAzevedo, era natural de Lis-boa, filha de Braz Fernandesde Azevedo. Vieira declarounas respostas ao Santo Ofício(20 de Outubro de 1663) quenada sabia acerca da familiade sua avó paterna. O sigilopor êle guardado com referên-cia a esse ramo de sua família,levou os Juizes do solerte Tri-bunal do Santo Oficio a du-vidar de que o sangue que lhecorria nas velas fosse inteira-mente limpo.Interrogaram vi-rias pessoas, e pelos depoimen-tos de algumas delas chegaramà conclusão de que BaltazarVieira Ravasco, antigo criadoda Casa de ünhfio, tivera con-veraaçio com uma mulata, daqual nascera Cristóvão Vieira,pai do padre. A vista de taisdepoimentos, a Mesa da In-quisição de Coimbra, em 4 deJunho de 1667, proferiu a suasentença — que consistia emque contra o padre Vieira sedevia proceder como contrapessoa de cujo sangue nadaconstava de certo... Contudo,uma informação parece ter fi-cado assentada dessas investi-gaçfies Inqulsltorials: a saber,que Vieira era mulato. E' esseo dado que achamos estabele-cldo como coisa deliniliva na

» HtoUrrla da Literatura Porta-_ntwa,'-de Forjai Sampaio. Hou-ve também a suspeita de queêle tiveue sangue hebraico, oque nunca se apurou.

VINDA PARA O BRASILCriada a Relação do Brasil,

foi Cristóvão Ravasco despa-chado escrivão dos Agravos de-Ia. El» 1614, o pequeno Antô-nio e tua mãe foram trazidospara o Brasil. Durante a au-sência de seu pai (que se pru-longara desde 1612, ano em queviera para o Brasil) viveu so-zinho com sua mãe, na fre-guesla dos Mártires, numasemi-reclusão em que apenas osdistraiam os estudos que acriança ia fazendo.

Na Bahia prosseguiu êle comos pais os seus estudos. E logoque lhe foi possível, passou acursar o Colégio dos Jesuítas.Revelava o desejo de abraçar avida religiosa, mas não encon-trava boa vontade por parte deseu pai, para a realização desseplano.

Conta-se que com 15 anos Iu-giu da rasa paterna para irmatricular-se no Colégio e fa-zer-se padre. AU foi recebidocom carinho pelo reitor, que erao Padre Fernáo Cardim. E' aesse tempo do seu noviciado quese prende a história do famosoestalo ocorrido em sua cabeça.Diz-se que era êle de empe»rado entendimento. Tendo ro-gado um milagre à Virgem dasMaravilhas, de quem era devo-to, teve um estalo nos miolos,e o seu entendimento se abriua tudo.

Essa história do estalo erareferida pelo próprio Vieira, efoi conservada pela seu primei-ro biografo, André de Barros.Contudo, segundo depoimentosdesse mesmo André de Barros,«Inda na tenra puerícia o tra-vesso Antônio revelava espiri-tualidade, malicla e graça. Con-ta o primeiro biógrafo do Padreque certo dia o menino seachava no adro da antiga Séde Lisboa, quando se aproxi-mou o conego e lhe pergimlou:

De quem sois, meu menino?Tornou-lhe a criança, com

uma sutileza que Ji fazia adivi-nhar o casuísta futuro:

Sou de vossa mercê, poisme chama seu.

Em outra história, tambémnarrada por André de Barros,vemos curioso diálogo Ateuémdirige-se à criança, perguntan-do-lhe de onde era. Respondeesta:

Vossa mercê não me co-nhece..?

Eu conheço a metade domundo — reflexiona a outra

E o menino, maldosamente:Pois eu, meu senhor, sou

da outra metade.Pouco depois, ao chegar à

Bahia, tem outra resposta quelembra a primeira acima cita-da, a do diálogo com o conego.E' apresentado ao prefeito dasclasses, e devem conversaracerca dos inícios de estudo deGramática, a que se vai dedi-car o aluno. Pergunta-lhe omestre:

De quem sois. meu menino?Retruca o estudante:

Vossa Paternidade diz quesou seu, e pergunta-me dequem sou!

Como se vê, sâo traços quedemonstram na criança extra-ordinária vivacidade. E pareceque se, em sua adolescência,por milagre da Virgem das Ma-ravilhas, sofreu o famoeo es--

talo, do qual teve consciência,em tempos mais afastados dainfância, devia ter sofrido ou-tros estalos, dos quais não seapercebeu...

OS HOLANDESES NABAHIA

Tinha 16 anos quando ocor-reu na Bahia o desembarquedos holandeses, às ordens doalmirante Jarcb Willekens. Osjesuítas, como os demais habi-tantes da cidade, refugiaram-se onde puderam: foram parauma aldeia de índios. Vieiranarrou as peripécias dessa fugaem páginas impressionantes.

FASES DE ESTUDOSA esse tempo já tinha gran-

des conhecimentos de grama-tica, retórica e literatura. Játinha a seu cargo a responsa-bilidade da redação das cartasanuais e foi em uma delas (nade 1626) que fêz a narraçãodramática da população da Ca-pitai da Bahia, diante das tro-pas de Jacob Willekens. Es-tuda, também, com amor, co-mo alguém que nesse estudo semune de uma arma de com-bate, a lingua tupl-guarani.Para evitar as influências dafamília, que se opõe i sua vo-caçfio religiosa, mandam-no ossuperiores a principio para aaldeia do Espírito Santo, a sete %,léguas da cidade. Tinham alium povoado de Indígenas aosquais doutrinavam. Vieira es-teve algum tempo ali, nesse po-voado, que se erguia à margemdo rio Joanes, a uma légua domar, e que mais tarde se trans-formou na Vila de Abrantes,Logo, porém, se abrandaram asresistências de sua família. Vol-tou, então, Antônio i Bahia,e prosseguiu em seus estudos.

Em 1626 ou 1627, foi man-dado para o Colégio dé Olinda,indo reger a cadeira de Reto-rica. Findo o seu prazo, foimandado de regresso & Bahia,e prosseguiu nos estudos defilosofia. Nessa metafísica me-dieval, os alunos eram exerci-tados para prodígios de sutile-za. Alguns dos assuntos que oestudante Vieira teria a deba-ter:

A Mãe de Cristo, supostaa inferioridade feminil, foi real-mente mulher ou varão?

As almas das plantas edos brutos são dlvisíveis?

Estudavam-se assuntos ultra-transcendentes, como seja aquantidade de Matéria, e nela(.Continua na página seguinte)

NOSSO SISTEMADE DATA

Com o seu número de hoje,AUTORES E LIVROS inauguranovo sistema de data. Passaráa datar os seus fascículos dosdias 1 e 15 de cada mês, comoé de hábito entre as publica-ções quinzenais. Daremos, as-sim, vinte e quatro números porano, dois em cada mês. As as-sinaturas passam, portanto, aum tipo único — sessenta cru-zeiros por ano, o que eqüivalea dizer por volume, incluindo-se nessa importância a despesado registro no Correio. Os IA-teresses dos assinantes ficamresguardados, cabendo à nos-'sa gerência entender-se comcada um deles acerca do as-sunto.

PADRE ANTÔNIO VIEIRA"Verdadeiro retrato do muito célebre P. Antônio Vieira,da Companhia de Jesus, Pregador dos Reis de Portugal ePríncipe dos Pregadores, que Portugal deu ao mundo, e Lis-bòa a Portugal e o Brasil à Companhia". (apuei SerafimLeite, História da Companhia dc Jesus, vol. IV, pág. 1!

SUMARIOPÁGINAS 1. 2 E 3:

Padre Antônio Vieira.PAGINA 4:

Exortação aos Peixes,do" Padre Vieira.

Carta ao Duque deCastanheira, do PadreVieira.

Ladrões, do PadreVieira.

Onde cahi o diabo,do Padre Vieira.

PAGINA 5:Gomo me tornei tradu'"tor de Heredia, de Seve-rino Montenegro.

,,«<PÁGINAS 6 E 7:

A vida dos F «ras.PÁGINA 8:

Durval «Ie Morais,Pequenas Notas.

PÁGINA 9:Cartas de Joaiiuuüra Na-buco a Graça Aranha.

PÁGINA 10:O Corvo, fle Edga:

Foe — VIII — Traduçãode Emílio de Menezes.

PÁGINA 12:O Riozinho, de Mu-

do Leão.

ALGUNS MORTOS DE 1948O registro fúnebre de 1948

foi impressionantemente farto.O ano era bissexto, e conflr-mou-se. a tradição melancólicae azarada que arrastam consigoos anos bissextos...

Sem o propósito de um regis-tro rigoroso, recordaremos aquialguns dos ilustres vultos bra-slleiros que o ano de 1848 levoupara aquele unãiscouveredcountry para cujos mistérios sevolviam inquietos os olhos la-crimosos do poeta...- O primeiro desses vultos foiMonteiro Lobato. Era, sem con-testação o mais poderoso pro-sador brasileiro, um legjUmocontinr.ador de Rui Barbosa ede Coelho Neto. Ao estrear-se.quase que por acaso, já vinhaimbuído de Camilo e de Fialho,e era já escritor perfeito. Seuprimeiro livro — Os Vrupês —mereceu a consagração pública,pela voz de Rui Barbosa. Des-de então Monteiro Lobato seconstituiu um centro de arden-tes entusiasmos. Ora na litera-tura para gente grande, comos seus esplêndios contos, comaquela deliciosa série de cartasque constitui A Barca de Gley-re; ora na literatura infantil,para cujo tesouro) forneceu êledezenas de livros — sua obramultiplicou-se incessantemente.E que nova, que graciosa, quepitoresca e íneEperada e vivaé a sua frase sempre!

Outro brilhante prosador queperdemos em 1948 foi Benja-min Lima. Esc*revia para tea-tro, e suas peças — A Revoltado Ídolo, O -homem que mar-cha, etc., mostram-nos o quan-to era êle preocupado com osgrandes problemas da alma hu-mana, o quanto essa espéciede Benutefn brasileiro se com-prazia no estudo dos ardentesconflitos morais e Intelectuais.

Ainda outro prosador emi-

nente que 1948 nes levou: nPadre Leonel Franca. Este err,uma organização cie sábio e

de filósofo. Ninguém amou commais amor do que éle o qusfosse cultura. Passou a vida,de acordo com o preceito"pre-cioso — in angelo ciim libeloSua obra, em que eé destaccaquela informadissima Historiada Filosofia, está saindo cnuma série de volume*;.

Outros prosadores no mesm?caso dos que acabamos de ei-tar: Sud Menucci, jornalista eeducador paulista: Adriano Jor-ge, que foi presidente da Aca-demia Amazonense ds Letras;Horácio Cartier, redator lulgi-díssimo do O Gloio; LeonardoMota, o desvelado mvestigadòrdo folclore cearense; José Vlei-ra. o romancista de Estilo tãcpuro. de tão'"penetrantes estu-

(Continua na 1S.R página )

UMA COLEÇÃO DEAUTORES E LIVROS

De acordo com o que ha-v te mos prometido desde onúamm do 8." volume.pu«l<il^em sorteio, com r.Loteria Federal que correi;a 29 de dezembro, (a últi-in?. extração do ano), umacoleção dos 8 volumes deAUTORES E LIVROS (deaso«to de 1941 a março dc1945), o número do grandsprêmio ião correspondeu anenhum dos nossos assinan-tes, motivo- ptírque a refe-rida cole«*> nio foi a ne-nh«m deles adjudicada.

Assim sendo, será nova-mente posta em sorteio nr.última «tração da Loteriann corrente ano, como umenova esperança aos nonosassinanta atuais; e luturos.

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Página 2 AUTORES E LIVROS Sábado, l-ti.1949¦'-*¦ Vol. X, n? 1

inüfv mmmw vieirametiam-se perguntas disseteor:

—Qual era a estatura daVirgem?

E podiam-se encontrar con-clusoes lógicas, trechos de fér-reos silogismos, que diziam coi-sas como esta:

— A virgem Maria foi con-cebida sem pecado; logo, oPontífice é imperador de todaa Terra...

PRIMEIROS SERMÕESEm 19 de Dezembro de 1634

loi ordenado presbítero. Ignora-se a data exata em que come-cou a pregar, mas tudo indicaque já o fazia quando estu-dante. Conhece-se um seu ser-mão de 1633. Em 1636 ou pourco depois, era nomeado profes-sor de teologia. Provavelmentejá seria nessa ocasião conside-rado o maior orador sacro doBrasil, pois dois anos depois foiescolhido para pregar na sole-nidade em celebração da vitó-ria das armas portuguesas sô-bre as armas de Holanda. Foiainda a ele que, em 1641, quan-do o almirante Lichthardt, de-pois de devastar o Recôncavo,ameaçava a cidade da Bahia,coube de novo dizer a palavrade protesto, a palavra de defe-sa, e alguma vez também a pa-lavra de renúncia, do Brasil.

Os sermões do padre, nessahora, refletem a inquietação eo pavor diante das repetidas in-cursões do holandês.

VIEIRA E O BRASILJá com efeito, existem nu-

merosas opiniões de derrotis-tas, afirmando que Pernambucoestá perdido. Jã existem váriasopiniões assegurando que a me-lhor solução para a luta dc-sigual será entregar de vez Per-nambuco à Holanda. Vieira re-flete tais pontos de vista. Eem seu espiruo tem a primeiragestação aquele singularíssimopensamento, por êle formuladoem ítrttt nu aucumeiua <íue íi-cou para a história com o no-me de Papel Forte.

Mas Vieira, em cujo espiritopredominavam sempre os sen-timentos da verdade e da jus-tiça, podia desde logo perceberque as incursões holandesas noBrasil corriam em grande par-te por conta do descaso dePortugal. Português de. nasci-mento, èle se'identificara coma pátçja .nova,,,e, acusado deser.. njLvlaior»flPTr.muitos reinóisorgulhosos, sofreria as humi-lhações que deviam caber a to-dos os filhos do Brasil. No ser-mão da visitação de Nossa Se-nhora, pregado no Hospital daMisericórdia da Bahia no diaem que àquela cidade chegou o

. novo vica-rei do Brasil, Mar-quez üe ivíi-iiitaivaü, pi:.s éie oferro em braza nos males comque Portugal casugava sua uo-lónia. Examinava em suas pa-lavras de fogo as condições daguerra do Brasil, e assim sepronunciava:"Perde-se o Brasil, senhor(digamo-lo em uma palavra)poi^üK alguns miniiCi/os fie tuamagestade não vêm cá buscarnosso bem, vêm cá buscar nos-.sos bens." E adiante: "... po-demos dizer que se perde tam-bém o Brasil, porque alguns dosseus ministros não fazem maisdo que metade do que El Reilhes manda. El Rei manda-ostomar Pernambuco, e eles secontentam com o tomar." Econtinuando nessa ordem deconsiderações, diz palavras queparecem de algum jornalista daoposição dos nossos dias: "To-ma nesta Terra o Ministro daJustiça Sim, toma. Toma oMinistro da Fazenda? Sim, to-ma. Toma o Ministro da Re-pública? Sim, toma. Toma oMinistro de Estado? Sim, to-ma."

Mostra Vieira, porém, que osmales do Brasil não estão ape-nas nos ministros. Estão noscapitães, que trazem seus sol-dados nío nos lugares da luta— porém nas algibeiras; estãonos mantimentos, que atingema preços que ninguém alcança;estão em todos e em tudo.

IDA A PORTUGALEra essa a situação privile-

giada de que Ji gozava Vieira,quando se deu a restauraçãode Portugal. *0 Vlce-Rei doBrasil, aqui posto por Castela— o Marquês de Montalvão —não tardou a aderir a esse mo-vimento de independência na-cional. Deliberou então manuara Lisboa seu filho, D. Pernan-do de Mascarenhas, para ex-pressar ao novo rei seus senti-mentos. A embaixada se com-Puó com u. ruinuuü e inaisdois vultos eminentes da Co-lônia — o Padre Simão de Vas-concelos, que havia de ser ocronista da Ordem, e o PadreAntônio Vieira. A embaixadadeixou a Bahia a 27 de Peve-reiro de 1641, e, depqis de ar-rostar fragorosas tempestades,chegou a Portugal a 28 deAbril. Aconteceu que parte dafamília do Marquês de Mon-talvão havia ficado fiel a Cas-teia, e 'pwiu ia partira depoisda Independência de Portugal.Irritados com esse procedimen-to, os lusitanos, informados deque chegava a Portugal um fi-lho do Marquês, resolveramlançar-se contra êle e seu sé-quito. Salvou-os de um imere-cido castigo o Conde de Atou-gula.

Chegando a Lisboa, a 30 deAbril, Vieira pode avistar-secom o rei D. João IV, que lhedeu sua confiança e amizade.Pregou em Lisboa pela primei-ra vez no Ano Bom de 1642.Fê-lo na Capela Real. Não tar-dou a se tornar, em Lisboa, oÍdolo da corte e dos ouvintes.Toda Lisboa corria a ouvi-loquando êle falava. Os temploseram pequenos para acolher amuiuu«u que desejava':oüvMo.

Vieira tem a esse tempo umprestígio indisputado; é admí-rado pelo rei, venerado por D.Teodósio, herdeiro da coroa,como o maior dos seus mestres.A rainha ouve, nele, a voz dosoráculos.

O FÍSICO DE VIEIRACerto desse prestígio, Vieira

tira de seu gênio oratório osefeitos que pode. Foi provável-mente um grande ator, além deser o artista que conhecemos.João Lúcio Azevedo conseguiurestabelecer o- seu retrato físico.Era ait-u e ütí'püi'i.e íua&estoso.Tinha tez morena, traindo ttsgotas que em seu sangue cor-riam de sangue africano. Õscabelos, crespos e sempre emút^ai-nuo, tttiiu riD uriu.iiii.es enegros. Usava bigode >? talvez jáusasse barba, uma barba quelhe seguia o contorno das fa-ces, deixando-lhe entretanto orosto limpo. Sorria facilmente,A voz, rica de todas as in-flcxões, era feita para a per-suasão. para a paixão, para oprotesto. Observa o seu maisminucioso biógrafo, que êle de-veria ter também uma pontado sotaque que já nesse tempoadoçaria o falar do Brasil.LUTAS COM A INQUISIÇÃO

Uma situação assim privile-giada havia de despertar emtorno invejas e ódios. Em 26de Maio de 1644 pronunciouVieira os seus últimos votos.E pode-se dizer que começamdesde esse tempo as suas lutascom os Senhores da Inquisi-ção, lutas ora surdas e ora cia-ras, que iriam ter tanta con-seqüência em sua vida.

Tomando partido pela Or-dem contra os excessos do San-to Oficio, êle procura restrin-gir a órbita de ação do famosotribunal, excluindo de sua ai-cada os hebreus foragidos. Em-bora fosse deputado do SantoOfício, Sebastião César de Me-neses desposa essas idéias. Epara submeté-lâ» ao rei, pediua Vieira as pusesse por escrito.Foi assim que Vieira redigiuidatado de 3 de Julho de 1644)o trabalho que teve o titulo deProposta feita a El-RH D. JoãoIV, em que se lhe apresentavao miserável estado do Reiao ea necessidade que tinha de ad-mitir os judeus mercadores queandavam por diversas partes •**<

Europa. Esse papel era um gol-pe que se destinava a ferir opoderoso tribunal no coração.E nào podia ter Vieira dúvidasde que os seus habilíssimos ini-migos revidariam no momentooportuno.

FAVORES DO REISe, porém, Vieira criava já

por um lado inimigos no tri-bunal, por outro lado via au-mentar seu prestigio diante dorei. Novos favores de grandesignificação lhe fazia o monar-ca. Em 1644 Vieira era no-meado pregador régio. EmAbril desse ano, Cristóvão Viei-ra Ravasco, seu pai, recebia oalvará da promessa do hábitode Cristo e tença de 40 milréis. Dizia um invejoso: "Suamajestade cuida que êle é oprimeiro homem do mundo..."

EMBAIXADA EM PARISNão tardou Vieira em ser

despachado para Paris comoembaixador do seu rei (1 deFevereiro de 1646). Parece ter

nao somente Pernambuco, mastambém Angola... Esta últimaexigência tinha partidários en-tre os portugueses. Vieira náoestava longe dc aceitá-la, életambém, pois bem compreen-dia o ponto de vista em quese colocavam os adversários:•Sem negros náo ha Pernam-buco, e sem Angola não há ne-gros..."

Mais tarde, deíendeu-se, noque se refere a essa embaixada,dizendo que a idéia da cessãodo território de Pernambuconão fora sua. Tinha sido ad-mitida no conselho de Estadoe aprovada por D. João IV.A êle, por ordem do rei, cou-bera apenas a tarefa de redigiruni escrito em defesa do pro-jeto. E' o seu famoso PapelForte, que seria impresso no3.° tomo das Obras Inéditas, em1857.

A ORIGEM DO "PAPELFORTE''

Diz João Lúcio de Azevedoque a idéia da entrega de Per-

.J "Wt.Úyií. V Ml* ift'Át) ff>r-Jnf fi'eiC ,-^%-itJir- ,_VM.„*,S-Í w/jinr^ /_

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AUTÓGRAFO DO P. AXTONIO VIEI1ÍA(última página da caria do Maranhão, de 11 de fevereirode 1660). Trata do bom governo dos índios e das graças,que pede a Roma, para as Cristandacles do Maranhão e

Na íntegra em Novas Cartas Jesuiticas. (apud Se-Pará.rafiin Leite, História da Companhia de Jesus. vol. V, pg. 22)sido êle quem pós na cabeça deD. Joáo IV um plano singular:o de se entregar o territórioportuguês a um príncipe fran-cés, passando a corte portu-guesa para o Brasil. Par-sc-iaisso em troca do casamento dopríncipe Teodósio com a Gran-de Mademoiselle, e da eventualproteção da França a Portugal,no caso em que este de novoestivesse em luta com Castela...

Mazarino e Ana da Áustria,o primeiro ministro e a Re-gente da França, não parecemter dado inteiro apoio a talplano.

A ENTREGA DEPERNAMBUCO

De Paris passou Vieira à Ho-landa. Ia ali negociar a paz,mediante a entrega aos holan-deses do território de Pernam-buco. Esse capeioso plano ar-rastou-se em várias fases. Pri-meiro pensou-se em ceder Per-nambuco mediante uma gordaindenização da Holanda. De-pois, aceitou-se a idéia de en-tregar a província ocupada semcompensação nenhuma. Porfim, os holandeses, desconten-tes de tudo, pareceram exigir

nambuco aos holandeses per-»tencia ao infante D. Duarte, cqual do seu cárcere de Milãotivera meio de se comuriiôftrcom o rei de Portugal.

Vieira, entretanto, desposouesse plano com entusiasmo. Nacarta ao Conde de Ericeira, emque se defende, em que explicaa origem daquele documento aque o próprio D. João IV deuo título de Papel Forte, diz ojesuíta em certo trecho: "Man-dou sua magestade que fizesseeu um papel, o qual fiz, redu-zindei ambas as proposições deei rei a três razões muito bre-ves, que foram ^..i;.- i-iinicíva:Se Castela e Portugal juntosnão puderam prevalecer con-tra a Holanda, como poderáPortugal só prevalecer contraHolanda e Xjasiela? yegiuuiaOs holandeses hoje têm onzemil navios de gávea e duzen-tos e cinqüenta mil homensmarinheiros: contemos os nos-sos mannneiroH t utrjssosna-vios, e vejamos se podemos re-sistir aos holandeses, que emtodos os mares das quatro par-tes do mundo nos fazem e farãoa guerra. Os conselheiros deEstado de Castela aconselham

ao seu rei que com todo o cm-penho implda a paz de Holan-da com Portugal, e assim o fa-zem seus embaixadores comgrandes somas de dinheiro:será logo bem que os conselhei-ros portugueses aconselhem ael-re4 de Portugal, para se con-servar o que os ministros deCastela aconselham para o des-trair? Ninguém houve, então,nem até hoje, que respondessea essas três proposísóes".

Autor ou não do plano, Viei-ra ficou por êle responsável.A opinião pública náo o per-doou e marcou-o com o fer-rete deste cruel apelido — oJudas do Brasil.

IDÉIAS DE VIEIRADatam desça época ov. de ¦

pouco antes, certas campanhasem que cie se empenhou, -? quelhe revelam o estranho sentidode progresso, o agudo instintodivinatório das conquistas prá-ticas do futuro, Em cartas, emopúsculos, prova éle a necessi-dade de imediata aprovaçãodos seus planos. Pleiteia,' porexemplo, um novo sistema tis-cal. Pleiteia a criação de umbanco como o ue mifiteruatnPleiteia a promulgação de umalei pela qual de uma determi-nfida região para o Sul so pos-sam navegar navios de deter-minada tonelagem. Pleiteia afranquia do comércio aos -fran-ceses, suecos, dinamarqueses,venezianos, genoveses, tie. Piei-tela a nobilitação da profissãodo comércio. Pleiteia a «Imlt-ção da distinção entre cristãosnovos e cristãos velhos, Hei-teia a moderação dos proses-sos da Inquisição em Portugal...

AS CARAVELASParece, contudo, que as duas

Idéias que mais despertam oseu entusiasmo são a questãodas* caravelas e a questão, dascompanhias de comércio.

Quanto ãs caravelas, parecia-lhe o que era lógico, que de-viam ser tiradas com toda aurgência, das longas navegaçõesda Índia, da Angola e do Bra-sil. Não perdia ocasião demos-crar uo *tj u> coti-sviitenviu defazê-las substituir por naviospoderosos. Certa véspera deS. João tseria provavelmenteem 1647) estava com o rei emAlcântara, e disse a S.M. sercapaz dé 6ugèrir-lh£ uma festacom que magnificamente co-memorasse o seu patrono. Per*guntóu-lhe o rei; — Conto sé-ria essa festa?

Vieira retrucou que seriaacendendo trinta e nove fo-gueiras, que tantas eram ascaravelas que tinha contadodesde que embarcou no cais daPedra até chegar a Alcântara.E concluiu:

— As caravelas, Senhor, sãoescolas de fugir, dc fazer co-bardes os homens domar, e deentregar aos inimigos ao pri-meiro tiro a substância do Bra-sil, cujos moradores lá se cha-mam os lavradores da Holanda.Proíba Vossa Magestade as ca-ravelas e mande que em seulugar naveguem os portuguesesen» navios grandes e bem arti-lhàdos, os quais pelo contrário51-...., 1.S Cr-Gli., r,.lr .,,,« HSArmadas cie Vossa Majestadeterão tão valorosos soldados noar como na terra.

Teve a alegria de ver o seuponto de vista prevalecer, o jáem 1682 trinta naus mercantescortavam o Atlântico, aptas ase defender e a defender oBrasil.

AS COMPANHIAS DECOMÉRCIO

Quunto às companhias de co-mercio, eram outra grandekitíia sua. Qual o segredo dopcdtr e da opulêucia ue üwan-da? meditava êle. E respondia;o seu comércio. Logo, Portugaldeveria ssguir o mesmo carni-nho. Assim desejava èle levan-tar em Lisboa uma ou maiscompanhias mercantis edmb asde Amsteidão. Deveriam is e rcompostas de mercadores dastrês coroas de França, Portugale Suécia, pcfses entre 05 quais

Page 3: LW® 3é> O - memoria.bn.brmemoria.bn.br/pdf/066559/per066559_1949_00001.pdf · nada sabia acerca da familia de sua avó paterna. O sigilo por êle guardado com referên- ... ²Vossa

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mmm ahtomio viiiradeveria ser concentrada a liga.As mercadorias que chegassemá Europa seriam distribuídaspelos portos das três potências.Essa concurrencia, por motivosque êle aloniadamente de-monstrava, iria resultar no en-fraquecimento da Holanda.

Em 1649 teve a alegria de vertambem este seu plano vitorio-so. E' de 10 de março daqueleano o alvará que aprova a fun-dação de uma companhia queia meter no mar trinta e seisgaleões armados para a guar-da das embarcações de carrel-ra no Brasil. Tinha a compa-nhia o privilégio de certos ge-neros e o direito de negociarem todo o Estado do Brasil,desde o Rio Grande do Norteaté São Vicente. Para a orga-nização da Companhia con-

. graçaram-se várias famíliasportuguesas: a casa dos Carvu-lhos deu 60 mil cruzados; a dosBotelhos, a dos Serrões. 40 milcada uma; Francisco Dias deLeão, deu 16 mil: GregorioMendes da Silva. 15 mil.

TRABALHOS DEDIPLOMATA

Enquanto sustentava essascampanhas, prosseguia Vieiraem seus trabalhas rie diplom?.-ta. Em 1650 vai a Roma, afimde negociar o casamento de D.Teodosio com a infanta, que aesse tempo. era a ünica herdei-ra de Filipe IV, Mas. enquan-to procurava realizar esse en-lace, que faria de novo a uniãoda coroa portuguesa e da corOacastelhana, procura tambémfomentar unia revolta em Nã-poles. Descoberto esse manejopelo embaixador tíe Castela, te-ve o jesuíta sob ameaça demorte, de deixar Roma preci-pitadamente. Voltou, então, aLisboa. Em 1652. pensou-senele para ir como auciliar doembaixador, Conde de Pena-guião,, para a Inglaterra. Mnsnão aceitou o alvitre, preferin-do regressar ao Brasil, comomissionário.

UMA MITRAK' a esse tempo que seus

adversários arranjam uma for-ma prudente e amável de afãs-tá-lo da companhia de Jesus:oferecem-lhe uma mitra. Pru-dente, Vieira recusa. a honra,dizendo que S. M, não tinhatantas mitras em toda a suamonarquia, pelas quais éle hou-vesse de trocar a roupeta daCompanhia de Jesus.

NO MARANHÃOKm 22 de novembro de 1652

parte para o Maranhão, e alise mostra extremoso defensordos Índios. João Francisco Lis-bôa, contudo, mostra que, eomoadvogado dos selvagens, êlecondescendeu em parte com ossenhores e com os opressores,admitindo para os pobres indiosuma escravidão de cinco anos.

LUTAS EM PORTUGALRegressando a Lisboa em

1661, ali encontrou êle a lutaacesa entre o Partido de D.Afonso VI, ainda em tutela, eo da rainha D. Luiza. Abraçoueste último, e consta que é desua autoria uma exortação en-tão lida ao jovem príncipe pa-ra que mudasse de costumes,Assumindo o príncipe o govêr-no, foi Vieira desterrado parao P4rto e depois para Coimbra.SUPERSTIÇÕES DE VIEIRA

A esse tempo achava-se o je-suita possuído das mais estra-nhas crendices (crendices que,aüás, em esboço, sempre tive-ra). Em criança, aluno do cole-gio dos jesuítas, fora salvo, nu-ma noite escurissima, pelo seuanjo da guarda. Aparecera-lhe.em meio das trevas, ummeni-no envolto em luz que o gui-ava...

São vocação para o prodígio-so, para uma nova fôrma deSebastianísmo, tinha agora umalvo: o da ressurreição do reiD. João IV, ressurrreicão quese ha v l a de dar no ano de1W... 'Para adquirir .essa pie-

na certeza. Ia Vieira às profe-cias de Bandarra.

Esse Bandarra — GonçaloAnes Bandarra — era um sa-patelro que existira no séculode quinhentos e que, num livrochamado Trovas, anunciara osfuturos destinos de Portugal.Fera preso pelo Santo Oficio e,por motivo de sua reputação deprofeta, saíra no auto públicode fé, celebrado em Lisboa em23 de outro de 1541. Suas obrastinham sido postas pela Inqul-sição no catalogo das proibidas.

Com o volver dos tempos, po-rém, sua situação tinha muda-do. No século XVII davam-lhecrédito ignorantes e sábios; e,como o Padre Vieira, tambémD. João IV nele cria piedosa-mente. Ao lado das imagensdos santos, na Sé de Lisboa, fò-ra certo dia colocaua :*. estãruado profeta — tanta era a cren-ça que nele tinha o povo!

Vieira era um campo esplên-dido para a proliferação dassuperstições dessa ordem. Es-perando o ano de 1666, pôs-seéle a colecionar assombros...Suas crenças são muitas e devárias ordens. E' certo, porém,que o fenômeno que mais o pre-ocupou foi o dos cometas. Cer-to dia lhe vem alguém dizerque aparecera, na Alemanha,um cometa com duas meiasluas no meio, Èle pega a pena,sem demora, e escreve a D. Ro-dirgo áe Menezeses pedindo-lheque se informe do fato e lhemande, com urgência, dizer seaquilo è verdade. Outra vez,um conego de Coimbra lhe con-ta coisa mais pasmosa: vira,com os seus olhos, um cometade enorme extensão que voltaraa cauda do Ocidente para oOriente, e, no momento em quemudara de rumo, metera acauda por dentro da lua! Tam-bém o seu amigo Sanfins —um médico de Coimbra, com oqual gostava muito de praticarsobre assuntos de astros e ou-trás superstições — falava-lheacerca de certo cometa porten-toso, que prendia agora a aten-ção de todos os filhos do reinoportuguês, cometa esse que nãoera inferior ao de 1618, o qualtinha trezentas e oitenta milléguas de comprido. O que ain-da mais pasmava, fazendo es-perar horríveis coisas, é que fis-se novo astro saíra no mesmodia em que havia saído, em1577, o cometa a que se atri-buia a morte de D. Sebastião.

Seus amigos sabiam, de sobe-jo, desse seu pavor aos astrosmalignos, e não cessavam delhe mandar informações de no-vos prodígios. Chegava-lhe, umdia, a notícia de um cometadisturbloso que viera trazendouma incrível tempestade de ne-ve e chuvas, arrancando maisde duzentos pinheiros e dando màs costas com um navio, no Pa- ffrá. De outro cometa lhe en-viava informes do Brasil o Pa-dre Estancel — informes tãoobscuros, tão cheios de metáfo-ras e enigmas gregos, que tal-vez nem mesmo o gênio agudis-simo de Vieira tenha logradodecifrá-los. A todoá asses prócii-gios, porem, ultrapassava emseu entender o que ocorria emRoma. Ali, um cometa surgiraarrastando uma cauda maiordo que a de outro qualquer. _Eas trevas que trouxera eram tãoespessas que se tornavam pai-páveis, como as do Egito. ARainha Cristina, da Suécia, en-tão residindo em Roma, nãoperdia de vista, juntamentecom os ferandes matemáticosque trazia em seu serviço, o es-pantoso acontecimento.

Mas não eram apenas os as-tros que enchiam de medita-ções e pavores a alma do Pa-dre Vieira. Mil outras crenças,igualmente ingênuas, o perse-guiam. Assombrava-o certo do-ente de Guimarães, que haviavomitado um dragão vermelhoescuro, de quase um covado decomprido e com duas asas! Odoutor Sanfins chegara a veresse monstro pintado, autentl-

cado por uma certidão juradade médico.

Que seria tudo isso-senão no-vos anúncios do que iria acon-tecer em 1666, ano apocalipti-co? E a que conduziria tudo, se-não à profecia das profecias —a da ressurreição de D. João IV?

O QUINTO IMPÉRIOE' cheio dessas misteriosas

convicções que éle remete deCametá, no Pará, ao Padre An-dré Fernandes, Bispo do Japão,os originais do seu livro singu-larissimo: — Esperança de Por-tugal. Quinto Império do Mun-do. Primeira e segunda vidadei rei D. João IV, escritas porGonçalo Anfs Bandarra, comum largo comento, remetido aobispo do Japão, o p, André Fer-nandes, 29 de abril de 1859. Ora,no seu Quinto Império Vieiraprocurava provar que o sapa-teiro Bandarra era de fato umprofeta; e que assim era licitoesperar" a ressurreição de D.João IV.

VIEIRA E A INQUISIÇÃONão se sabe como, o Quinto

Império foi parar ao tribunalInquisição. E este, que tinhavelhas contas a ajustar com ojesuíta, não perdeu a oportuni-dade. A 21 de junho de 1660,embora enfraquecido po; pro-longada moléstia, compareceuVieira ao antigo Colégio dasArtes, onde funcionava a In-quisição. Ali foi recebido peloconego Dr. Alexandre da SU-va, e por êle interrogado. Du-rante quatro anos vai-se pro-,longar o seu martírio: éle teráque ser interrogado, admoesta-do, humilhado, por juizes inep-tos, e cujo galardão supremo éo de poderem oprimir com asua imensa ignorância um dosluzeiros desse século. Para fazera sua defesa, nomeia-lhe o tri-bunal um advogado, que sabe-mos se chamava Antônio DiasCabrera, embora Vieira lhe nãoguardasse o obscuro nome. Aesse advogado ensinava o reucomo devia fazer as petições emseu processo...

Os dias se arrastaram, moro-sos, cheios de sacrifícios e deenfermidades, para o sexagená-rio. Emfim, em 18 de outubrode 1687, o longo processo tevesua decisão: Vieira ficou priva-do de pregar, náo temporária-mente mas para sempre; eobrigado a residir em uma casada Ordem. A 12 de junho doano seguinte, porém, foi-lhe de-ferido um requerimento, peloqual poderia pregar, com aobrigação apenas de não tratarde proposições suspeitas. A 6de janeiro de 1689 sobe cie dnnovo ao púlpito da Capela Real,para pronunciar o Te Deum deregosijo pelo nascimento daprincesa D. Isabel. Pregoutambém várias vezes na Qua-resma desse mesmo ano.A CLAVIS PROPHETARUM EO CONSELHEIRO SECRETO

E' no decorrer desse processoqüe Vieira dá a conhecer aotribunal da Inquisição outroslivros que tem em mente, tãomisteriosos e tão importantesquanto o Quinto Império; a suaClavis Phophetarum, no qualprovava, com a leitura das Es-crituras e a dos Santos Padres,que todas as nações da terra sehaviam de converter á fé cato-lica, constituindo isso o estadofinal da Igreja; o ConselheiroSecreto, livro em que refutavaMoisés e que ia servir de des-engano para os judeus. Estesdois livros estavam em plano,em sua mente, e para eles tinhatomado numerosas notas, quese achavam no Maranhão. Eanunciava mais duas obras: AHistória do Futuro, que vinhacompondo desde 1649; e uma -resposta aos contraditores doQuinto Império, na qual ficariafeita a defesa cabal do Ban-darra...

VIAGEM A ROMAMas a atmosfera em Portugal

lhe era sempre hostil, e por és-se motivo deliberou êle ausen-tar-se da pátria. Em agosto de

1669 acha-se em Roma, onde éacolhido pelos jesuítas comoum trtunfador. Recebem-nocom admiração e carinho o Pa-pa, os príncipes estrangeirosresidentes em Roma, a rainhaCristina, da Suécia, que ali seencontra com a sua corte desábios. Vieira estuda o italianoe não tarda a pregar na linguadesse pais. O êxito que obtémé sem precedentes. As multi-does aglomeram-se- as portasdos templos, anciosas de poderouvi-lo. E' preciso pôr solda-dos às portas, para impedirque o público se aposse dos lu-gares reservados ás autoridadeseclesiásticas e às pessoas de re-presentação.

No Sermão do Carnaval de1673, na Igreja de S. LourençoDamaso, estão presentes paraouvi-lo desenove cardiais. Des-lumbrada pelo seu gênio, a Ra-inha Cristina convida-o paraseu pregador oficial e para seuconfessor. O jesuíta recusaambos os convites. De sua pre-gação em italiano lhe fica po-rém uma obra — As cinco pe-dras da funda de David — co-leção de cinco sermões.

Por breve de 17 de abril de1675 ficou êle isento para sem-pre da jurisdição dos Inquisi-dores de Portugal e seus repre-sentantes, sujeito unicamente àCongregação do Santo Ofíciode Roma, e conjuntamente ab-solvído de qualquer censura, in-terdito ou pena eclesiástica, emque até aquela data se achasseincurso.

VOLTA AO BRASILDeixa Roma em 22 de maio,

permanece algum tempo emPortugal, onde torna a fazernovos sermões. E em 27 de ja-neiro de 1681 parte de novopara o Brasil. Vai para a Ba-hia, e se recolhe à quinta doTanque, onde pretende passaros últimos anos de sua vidapreparando a edição definitivade suas obras. Em Portugal seusinimigos continuam encarniça-dos e o queimam em estátuaem Coimbra. Governava a Ba-hia a esse tempo um homem decaráter violento, Antônio deSouza de Meneses, o braça deprata (alcunha que lhe vinhade um braço desse metal quepossuia). Não tardou o Braçode Prata a entrar em conflitocom Bernardo Vieira Ravasco,irmão do Padre Vieira. Secre-tário de Estado, Bernardo Ra-vasco governava-se, em seu ofí-cio, por um regimento próprio,expedido pelo regente. Revo-gou-oonovo governador. Insur-glu-se Bernardo contra o ato eas coisas chegaram a tal extre-midade que o governador sus-pendeu Bernardo do cargo,mandando prender um seu fi-lho e um seu sobrinho, os quaisentretanto conseguiram fugir àprisão.

Pouco antes do governo deAntônio de Souza rompera naBahia feroz hostilidade entreAntônio de Brito Castro, irmSodo provedor da alfândega eFrancisco Teles de Meneses, so-brinho do alcaide-mor. A gentede Antônio de Brito, tendo esteà frente, matou a tiros e faca-das, já no tempo do Braço dePrata, Francisco Teles de Me-neses. O governador, irado,mandou prender Bernardo Ra-vasco, como cúmplice, e metê-loincomunicável na enxovia. OPadre Vieira procurou o gover-nador, para interferir pelo ir-mão. Foi, porém, mal recebido,por várias formas injuriado,chamado de judeu, expulso dapresença do governador. Esteainda se adiantou em prevenira corte de Lisboa contra o Pa-dre e o irmão. De sorte Quequando Gonçalo Ravasco che-gou para tratar do caso a pre-sença de El-Rei, dele ouviu es-tas palavras:

— Estou muito mal com seutio por haver descomposto omeu governador.

A esse tempo achava-se Vi-elra em estado dè grande fra-queza física.-

BECREPITUDESua decrepitude é grande,

agravada de achaques e dásconseqüências de várias quedas.Contudo, ainda lhe vêm novascontrariedades. O novo geralda ordem lhe manda, em 1688,patente de visitador da provin-cia do Brasil, tarefa a que êlenão tem meios de fugir. Estácom 80 anos, mas tem a en-frentar um trabalho áspero eincessante. Entre os seus atosdesse período, cabe registrar arestituição às missões do Ma-ranhão de mais de vinte padresda Companhia, que tinham si-do expulsos por ocasião da re-volta de Beckman (1684). Re-gistre-se também que no mo-mento em que essa revoltarompeu, Vieira só tivera pala-vras de reprovação e de aspe-reza para os amotinados. Que-ria para eles o castigo maisexemplar. E Lisboa registra afrase dele, dita com uma com-placência que pouco tinha decristã: "Mas se faltou o üh ter-ra (castigo) não tem faltado odo céu, porque todos os. moto-res daqueles sacrilégios morre-ram desastradamente, e semsacramentos".

O GOVERNO PROVINCIALSeu trienio dê visitador finàa

em 1692. Dois anos depois ce-brava-se na Bahia um congres-so provincial, para o fim de ele-ger-se um representante quefosse a Roma como procurador.Os estatutos da Or£-,m prei-biam qualquer cabala, e nissoeram severos. Ora, a Vieira eralicito apontar alguém que lheparecia o candidato mais indi-cado para o posto. Deu-lhe oseu voto e obeteve-lhe outrosvotos. Veio daí a acusação decabala contra êle, e èle e o Pa-dre Inácio Faya foram declara-dos réus, e assim, por sentença,privados da voz ativa e passl-va. Vieira apelou para o Geralda Ordem em Roma. Este de-cidiu favoravelmente ao famosoorador. A decisão demorou equando chegou à Bahia Já êleestava morto.

A VOZ DE DEUSEm outubro de 1695 apareceu

nos céus da Bahia um cometa.Vieira, que sempre vivera sob afascinação silenciosa ou decla-rada de tais astros, sente vol-tarem suas antigas supersti-ções. Toma então da pena eescreve outro misterioso traba-lho, digno de emparelhar-secom a Clavis Prophetarum ecom o Quinto Império, E' ago-ra A voz de Deus ao mundo,a Portugal e & Bahia. E em talescrito Vieira mostrava a coin-cidêncla dos cometas com ascalamidades públicas. Oraanunciavam fomes, como os de538, 945 e 1347; ora inundações,como o de 400 antes de Cristo,983 e 1530 da era atual; oratempestades, como os de 1254 e'1268; ora terremotos, como osde 64 e 1298; ora pestes, comoos de 603, 626 e 1347, sendoque esta última calamidade du-rou um trienio e matou a terçaparte do gênero humano...

Em 1696 deixou èle o seu re-tiro do Tanque e se fixou naBahia. Não ia -buscar saúdenem vida, dizia então, ia bus-car um gênero de morte maissocegado e quieto. Com efeito,achava-se muito e muito velho,e cada vez mais enfraquecido.Nos últimos tempos, já náo po-dia mais ajoelhar-se, ou sequerficar sentado na capela, pois atodo momento precisava aten-der às necessidades do organis-mo que parecia, estar a se desa-gregar. Multiplicavam-se emseu corpo as impigens, que co-cavam como um castigo. Tinhaultimamente que viver num re-gime de sangrias, que era umnovo martirio. E ainda sobre-vinham contrariedades maio-res; tinha perdido a vista quasicompletamente, ia perdendo oouvido. Nessa quadra de imen-sa miséria física, tinha apenasuma consolação: a companhiafiel do amigo Padre José.Soa-

res, aquele que o seguia desde

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Página 4 AUTORES E LIVROS Sábado, 1.1-1949 — Vol. X, n.» 1

PADRE ANTÔNIO VIEIRA Exortarão aos peixestantos anóa, e que fora paraHe um secretário atento e ca-. inhoso.

MORTE DE VIEIRATantos martírios só iriam *en-

¦¦entrar fim no momento paraHe abençoado da morte. Te-e-a, essa morte bendita, no

:iia 18 de julho de 1697, aos no-enta anos de idade. Em sua\onra foram feitas na Bahia

em Lisboa soleníssimas exe-luias, sendo as primeiras presi-tidas pelo governador D. Joãolencastre, e as últimas ceie-iradas às expensas do Conde de2riceira, filho do autor de Por-iigal Restaurado, aquele fa-noso D. Luiz de Meneses, quemereceu o apelido de Colbert3ortugues.

Um ano e dez meses depois;e falecer Vieira, ocorreu o fa-.ecimènto do padre José Soares.Diz-se que, quinze dias antesle sua morte, esse padre, es-ando alta noite acordado, viu-urgir Vieira, que se aproximou,;òs uma das mãos no seu om-oro, e lhe mostrou o céu, como,2 desejasse chamá-lo para ce-

. uir também para lá...VIEIRA, ESCRITOR

Puramente como escritor, pa-.ece que apenas El-rei Camões.em merecido, tanto, quantoVieira, o sufrágio unânime, a.mânime admiração dos leito-:es e dos críticos, Dizia o Bis-_.io de Viseu que se se perder

uso da língua portuguesa e.ora êle se acabarem todos os.-scritos portugueses, que não¦ejam Os Lusíadas e as obras<e Vieira, a língua que fala-nos, quer no estilo da poesia-,uer no da prosa, ainda vivera,rin sua riquíssima louçania.?rancisco José Freire observa;ue Vieira é, no sentir cios dou-os, o clássico mais autorizado.

3 estabelece, como um salutarprograma literário, este precei-o: Seguir sempre em tudo e)or tudo o falar de Vieira. DeAntônio Feliciano de Castilho?onhece-se aquela curiosa pá-ana em que é traçado o para-.elo de Vieira com o seu êmulo:te sabeaona e classicismo — oladre Bernardes: Vieira, aindafalando do céu tinha nos olhosos ouvintes; Bernardes, aindaíalando das criaturas estavaabsorto no Criador.., A Ber-nardes ama-se; a Vieira ad-mira-se...

Para se compreender perfel-namente a alma atormentada eprodigiosa de Vieira, cumpreacompanha-lo no desenvolvi-mento de sua obra espantosa..Vos seus Sermões, em que. àsvezes encontramos uma singu-'.ar transigência com a sutilezae os artifícios tão comuns na-quela época: nas cartas, gé-nero de que êle ficou sendo in-confundível modelo em letrasluso-brasileiras; nos livros deuutro gênero. Com referênciaaos Sermões, dos quais a cole-cão é formada de 15 volumes,neles encontramos tudo: aqui:emos o pensamento religioso emístico, o louvor das grandesações, a meditação das obrasvirtuosas, a caridade, a flama.Temos também o acicate can-dente da ironia, e temos, nãoraro, as páginas de mais fui--:urante sarcasmo ainda escri-:as em nossa língua, como, porexemplo, aquele fulminante tre-cho acerca da mentira e doMaranhão. Ao lado dos Ser-nões, entretanto, é necessário:olocar esses quatro volumes dacorrespondência, nos quais pu-demos achar, muito menos tea-:ralidade, muito menos preo-cupação com o efeito das gale-rias, e muito mais o espírito eo coração desse homem, esseextraordinário coração, esse ex-:raordinârio espírito.

Se queremos bem julgar aação de Vieira, a sua ação noterreno do pensamento, da vidapública, da orientação geral davida, temos que procurar en-tender a sua época. Esforcsmn-aos, por assim dizer, por vivercomo êle. Certo, no evolver de.-uas idéias e de suas atitudeshá lances que nos repugna ex-plicar. A idéia da entrega de

' Pernambuco à Holanda é um

deles; a entrega do territórioportuguês à França é outro; atransigência com a escravidãodos indios é um terceiro. Maso próprio Padre dava as suasrazões para defender tais pon-tos de vista. E para bem acei-tarmos essas razões, ou paiaconvenientemente as repelir-mos, precisamos de sentir asreações pessoais de Vieira.Precisamos de entrar naqueleBrasil imenso, imensamentedespovoado, ameaçado semprepela poderosa Holanda, tendosempre que ser defendido porsi mesmo, pois o fragílimo Por-tugal dos melados do século deseíscentos mal podia consigomesmo, quanto mais com assuas colônias da América, daÁfrica e da Ásia... Precisa-mos, para entender a sua idéiado abandono das terras por-tuguesas à França, estar numPortugal que acabava de sairdo jugo de Castela, e que seachava sempre sob nova ameaçade Castela... E para que pos-samos compreender a sua tran-sígência com a escravidão decinco anos para os índios, pre-cisamos volver em imaginaçãoàs idéias daquele tempo, em sueos pobres indígenas, menos quecoisas, estavam colocados abaixodos animais...

E quem sabe, quem pode di-zer, naquela alma sutilíssima.quais eram as idéias sinceras,e até onde iriam elas? E' bemlícito imaginar que quando oPadre Vieira levantava uma riosuas idéias sesquipedaes queficaram famosas — a do aban-dono de Pernambuco, por exem-pio — estivesse cheio de medi-tações casuística.'-, de reservasmentais, as quais entrariam emação na hora oportuna,

Êle era bastante sutil paraisso. E o fato de ter pregadoem meiados do século XVII asidéias mais adiantadas, que so-mente dois séculos depois co-meçaram a ser tornar realidade

a da liberdade dos nossosportos, a da liberdade do co-mercio, e da criação de ban-cos, a da extinção dos precon-eeitos anti-judaicos, etc, só isto,dissemos, bastará para nos mos-trar ter sido o Padre Vieira umdos homens que mais traba-lharam, em todas as épocas,pelo progresso mental do nossopaís.

. A OBRA DE VIEIRAOrador insuperável, escritor

que serve de modelo aos mes-tres mais ilustres, a obra deVieira avulta excepcionalmenteno mundo da cultura luso-bra-sileira. Inocêncio e seus conti-nuadores Brito Aranha e Mar-tinho da Fonseca ergueram de-Ia (Dicionário, vois. 1, 8, 22e 23) uma relação que, aindaincompleta, vai a perto de 140números.

Acrescentaremos mais os se-guintes:

Carta do Padre AntônioVieira, datada da Bahia a 15 ãe.Julho ãe 1690. — E' um auto-grafo pertencente à coleção daBiblioteca Nacional. Não trazo nome da pessoa a quem édestinada. Figura no Catálogodos Cimelios, pág. 531,

Lágrimas ãe Heráelito de-tendidas. Filosofo que Horasiempre los sucesos dei mundo.Por el M.R. Padre AntônioVieira de Ia Compania de Je-sus. Dedicalas Don Ignacio Pa-ravezino Al Illustre Senor DonGaspar Mercader, y de Cerbel-lon, Conde de Cerbellon, y deBunol — Reimpressa em 1920

Revista de Lingua Portu-guesa, n. 7 (Setembro de 1820).

Lagrimas de Heráelito de-fendidas pela Padre Vieira —Trad. do Espanhol do PadreCirilo Chaves — Revista daAcademia Piauiense de Letras,ano IX, n.° 10.

Trânsito entre as formi-gos — Biblioteca Infantil daEditora Anchieta Ltda. — Rio.1941.

Clavis Prophetarum. Estaobra continua a ser o maiormistério bibliográfico do gran-de escritor, Ao dar a estampao 1.° tomo dos seus Sermões,J4 Vieira anunciava uma larga

Descendo ao particular, direiagora, peixes, o que tenho con-tra alguns de vós. E começan-do aqui pela nossa costa, ncmesmo dia em que cheguei aella, ouvindo os roncadores evendo o seu tamanho, tanto me

• moveram o risco como a ira.E' possivel que sendo vós unspeixinhos tão pequenos, haveisde ser as roncas dp mar? Secom uma linha de cozer e umalfinete torcido, vos pôde pes-car um aleijado, porque haye'isde roncar tanto? Mas por issomesmo roncaes.

Dizci-me: o espadarte porquenão ronca?' Porque, ordinária-mente, quem tem muita espada,tem pouca lingua. Isto não éregra geral; mas é regra geralque Deus não quer roncadorese que tem particular cuidado deabater e humilnar aos que mui-to roncam. S. Pedro, a quen\muito bem conheceram vossosantepassados, tinha tão boa es-pada, quo elle só avançou con-tra um exercito inteiro de sol-dados romanos; e Se Christolh'a não mandara metter nabainha, eu vos prometto quehavia de cortar de mais orelhasque a de Malco. Comtudo, quelhe suecedeu naquella mesmanoite? Tinha roncado e barba-içado Pedro, que se tocws tra-ciacassem, só elle havia de sercenstante até morrer, se fossenecessário: e foi tanto pelocontrario, que íü elle fraqueoumais que iodos, e bastou a vozde urna r.mlheizinha para o ía-

,—__pobra em latim, acévea da in-teligêucia rios profetas: Deregno Christi in terris consum-inato ou Clavis Proplietantm.

Seria em 4 livros, e a ela ha-via êle dado os seus mais pro-fícuos e mais fecundos estudos.Pensou nela a metade de suavida. Começou-a nas selvasamazônicas, continuou-a emRoma e em Lisboa. A ClavisProphetarum destinava-se a sero coroamento de sua glória, omonumeBto mais alto de seusaber e de sua arte.

Entretanto estava esta obraprima destinada a ficar no es-quecimento! Parece que, logodepois de morto Vieira, houvequem tentasse roubar os origi-nais da Clavis Prophetarum.Houve intervenção da justiça, ecQ.m i$so logrourQ Padre Bal-tazar Duarte, procurador deVieira é da Ordem, rehaver ospreciosos originais. Acredita-se, contudo, que o que se co-nhece hoje como a Clavis Pro-phetarum está cheio de altera-ções. Na Biblioteca de Belém,Pará, havia um exemplar, emcópia manuscrita, da obra. Có-pia de quem? J. Lúcio de Aze-vedo acredita que seria do pu-nho do Padre Bonucci, auxiliarde Vieira. Essa cópia foi rou-bada há mais de 50 anos. Porquem? One se encontra hoje?Nada se pode saber. Há sôbrea Clavis Prophetarum uma pe-quena bibliografia, da qualenumeraremos os seguintes nú-meros;

J. Lúcio de Azevedo —História de Antônio Vieira, pá-ginas 282-4;

J. Lúcio de Azevedo —Carta a Afranio Peixoto — InRevista da Academia B. de Le-trás, n.° 129, pás. 122.

J. Lúcio de Azevedo —Notícia bibliográfica sôbre aClavis Prophetarum do PadreAntônio Vieira — Academia dasCiências de Lisboa — Separariado Boletim da 2.a Classe —Coimbra — Imprensa da Uni-versidade — 1920 — Opúsculode 24 pãgs.

Vilhena de Morais (E.) —Clavis Prophetarum — Rio.

Afranio Peixoto — Os Me-lhores Sermões de Vieira —Editora Americana, Rio, 1931,277 págs

Por Brasil e Portugal —(Sermões comentados por Pe-dro Calmon> Brasiliana.

Sermões Patrióticos. Ano-tados por Pedro Calmon (doInstituto Histórico Brasileiro,Edinces Biblos — Rio 1933, 232

Pe. ANTÔNIO VIEIRA

zer tremer e negar. Antes dis-so, tinha já fraqueado na mes-mà hora em que prometteutanto de si. Disse-lhe Christono Horto, que o vigiasse, e vin-do d'ahi a pouco a vêr sa o fa-zla, achou-o dormindo com taldescuido, que não só o accor-dou do somno, senão tambémdo que tinha blazonado: Sienon potuisti una hora vigilarcmecum? Vós, Pedro, sois o va-lente que havieis de morrer pormim, e não podestes uma horavigiar commigo? Pouco ha, tan-to roncar, e agora tanto dor-mii? Mas assim suecedeu. Omuito roncar antes da oceasião,é signal de dormir nella. Poisque vos parece, irmãos ronca-dores? Se isto suecedeu aomaior pesec-dor, que pôde acon-tecer ao menor peixe? Medi-vos, e logo vereis quão poucofundamento tendes de blazonar,nem roncar.

Se as baleias roncaram, tinhamais desculpa a sua arrogânciana sua grandeza. Mas aindanas mesmas baleias não seriaessa arrogância segura. O queó a baleia entre os peixes, erao gigante Gclias entre oshomens. Se o rio Jordão, e omar de Tiberiades têm commit-nicaqão com o Oceano, comodevem ter, pcis delle manamtodos; bem deveis de saber, queeste gigante ei'a a ronca dosPhilisteus. Quarenta dias con-tinuos esteve iv.-mado no eam-po. desafiando a Iodos os ar-raiaes de Israel, sem havei'quem se lhe atrevesse: e no ca-bo que fim teve toda aquellaarrogância? Bastou um pastor-zinho com um cajado o umaíunda, para dar com elle emterra. Os arrogantes e sober-bos tomam-ss com Deus; equem se toma com Deus. sem-pre fica debaixo. Assim que,amigos roncadores, o vevdadci-ro conselho é calar, e imitar aSanto Antônio. Duas cousas hanos homens, que os costumamfazer roncadores, porque ambasincham: o saber, e o poder,Caiphaz roncava de saber: Vosnescitis quidquani. Piiatos ren-cava de poder: Nescis quia po-testatem habeo? E ambos con-tra Christo. Mas o fiel servo deChristo, Antônio, tendo tantosaber, como já vos disse, e tah-to podert como vós mesmos ex-perimentastes, ninguém houvejamais que o ouvisse fallar emsaber, ou poder, quanto maisblazonar disso. E porque tantocalou, por isso deu tamanhobrado.

Nesta viagem, de que fizmenção, e em todas as que pas-sei a Linha equinoccial, vi de-baixo delia o que muitas vezestinha visto e notado nos ho-mens, e me admirou que sehouvesse estendido esta ronha,e pegado também aos peixes.Pegadores se chamam estes de

que agora fallo, e com grandepropriedade, porque sendo pe-quenos não só se chegam a ou-tios maiores; mas de tal sortese lhes pegam aos costados,, quejamais os desaferram. De ai-gung animaes de menos força eindustria se conta, que vão se-guindo de longe aos leões nacaça, para se sustentarem doque a elles sobeja. O mesmofazem estes pegadores, tão se-gures ao perto, como aquellesao longe: porque o peixe gran-de não pôde dobrar a cabeça,nem voltar a bocea sobre os quetraz ás costas, e assim lhes sus-tenta o peso, e mais a fome.Este modo de vida, mais astutoque generoso, se acaso se pas-sou, e pegou de um elemento aoutro, sem duvida, que o npren-deram os peixes do alto depoisque os nossos portuguezes o na-vegaram; porque não parte Vi-ce-Rei ou Governador para asConquistas, que não vá rodea-do de pegadores, os quaes searrimam a elles, para que cálhes matem a fome, de que lánão tinham remédio. Os menosignorantes, desenganados da

'

e x p e riencia, despegam-se, ebuscam a vida por outra via;mas os que se deixam estar pe-gados á mercê e fortuna dosmaiores, vêm-lhes a suecederno fim o que aos pegadores domar.

Rodéa a náu o tubarão nascalmarias da Linha cem us seuspegadores ás cestas, lão cirzi-dos com a psllc. que mais pa-recém remendos, ou manchasnaturaes, q u o hospedes, oucompanheiros. Lançam-lhe umanzol de cadèa com a ração dequatro Soldados, arvemeça-sefuiiosamsnlc á preza, engoletudo de um bocado, e lica pre-í,o. Corre meia cenipanha aalal-o acima, bate fortemente oconves com os últimos arran-cos; em fim. murro o tubarão,e morrem com elle os pegado-res. Parece-me que estou ou-vindo a S. Mathcus, som serApóstolo pescador, descrevendoisto mesmo na terra. MortoHchodes, diz o Evangelista, ap-pareceu o Anjo a José no Egyp-to, e disse-lhe, que já se podiatornar para a pátria, porqueeram mortos todos aquelles quequeriam tirar a vida ao Meni-no: Deí une ti sunt enira quiquaerebant animam PucrL Osque queriam tirar a vida aChristo Menino, eram Herodes,e todos os seus, toda a sua fa-milia, todos os seus adherentes,todos os que seguiam, e pen-diam da sua fortuna. Pois épossivel, que todos estes mor-ressem .juntamente com Heio-des? Sim: porque em morren-do o tubarão, morrem tambémcom elle os pegadores: Defiuic-to Herade, defuneti sunt quiquacrebant animam Pueri. Eisaqui, peixinhos ignorantes, emiseráveis, quüb errado e en-ganoso é este modo de vida queescolhestes. Tomae exemplo nos

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QUINTA DO TANQUEConhecida também com o nome de "Quinta dos Padres" e"Casa de S. Cristóvão", em honra do P. Cristóvão de Gou-veia, Visitador do Brasil, no Século XVI (Tomo I, 95).Nesta famosa Quinta e Casa de Campo dos Estudantes daBahia, viveu o P. Antônio Vieira cerca de 17 anos e nelaredigiu parte dos Sermões c muitas das suas Cartas. Vè-seem frente da escada central, a do tempo do P. Vieira, o ar-tístico chafariz c os arcos a que se alude p. 162. (Hoje,

Hospício dos Lázaros).

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SAbado, 1.1-1949 — Vol. X, n.° 1 AUTORES E LIVROS Página 5

CARTA AO CONDE DE CASTANHEIRA ONDE CAIU O DIABOVIEIRA VIEIRA

E' coisa tão natural oresponder, que até os pe-nhascos duros respondeme para as vozes tèm ecos.Pelo contrário é tão grandeviolência o não responder,que aos que nasceram mu-dos, fez a natureza tambémsurdos, porque se ouvisseme não pudessem responder,rebentariam de dor. Esta éa obrigação e a pena emque a carta que recebi nes-

,ta frota de Vossa excelên-cia me tem posto, devendoeu só esperar reciproca-mente que a resposta domeu silêncio fosse tão mu-da como êle: mas quis abmignídade de Vossa ex-celôncla que neste excessode favor se verificasse opensamento dos que dizem,que para se conhecerem osamigos, haviam os homens

de morrer primeiro, e dala algum tempo (sem ser ne-cessário muito) resussitar.E porque eu em não escre-ver fui mudo; como morto,agora com o espaço de umano e meio, é fôrça que falecomo resuscitado. .0 que sòposso dizer a Vossa exce-lencia é que ainda vivo.crendo, com fé muito fir-me, não será desagradávela Vosa excelência esta cer-tidão. Não posso contudocalar que no mesmo dia deseis de fevereiro em quoentrei nos oitenta e seteanos, foi tão crítico para aminha pouca saúde este se-tono, que apenas por mãoalheia me permite ditar es-tas regras, as quais só mui-tiplicadas em cópias, sendoas mesmas, podem satisfa-zer a' tantas obrigações.

quantas devo à pátria nasua mais ilustre nobreza.Sendo, porém, tão singulare não usada esta indulgên-cia, ainda reconheço pormaior a que de novo peçoa todos, e é que a pena denâo responder às cartas seme comute na graça de asnão receber daqui por dian-te, assim como é graça epiedade da natureza nãoouvir quem não pôde falar.13 para que o despacho des-te forçíido memorial nãopareça gênero de ingrati-dão da minha parte, senãocontrato útil de ambas,_ emuito digno de aceitação,sirva-se Vossa excelênciade considerar, que se meíalta uma mão para escre-ver, me ficam duas maia

(Continua na IO.1 página)

homens, pois elles o não tomamem vós, nem seguem, como de-veram, o de Santo Antônio.

Considerae, pegadores vivos,como morreram os outros quese pecaram aquelle peixe gran-de, e porquê. G tubarão mor-reu porque comeu, e «lies mor-reraro pelo que não comeram.Pôde haver maior ignorância,que morrer pela feme e boceaalheia? Que mona o tubarãoporque cemau, matou-o a suagula; mas que morra o pega-dor pelo que não comeu, é amaior desgraça que se pôdeimaginar! Nâo cuidei que tam-bern nos peixes havia peccadooriginal! Nós os homens, tomostão desgraçados, que outremcomeit e nós o pagamos. Todaa nossa morte tevg principio nagulodtee de Adão e Eva; e quehajamos de morrer pelo que ou-trem comeu, grande desgraça!Mas nós lavamo-nos desta des-«graça com uma pouca de água,e vós não podeis lavar da vos-sa ignorância com quanta águatem o mar.

Com-os voadores tenho tam-bem uma palavra, e não é pe-queim a queixa. Dizei-me, voa-dores, não vos fez Deus parapeixes; pois, porque vos met-teis a ser aves? O mar £el-oDeus paro vós, e o ar para ei-Ias. Gontentae-vos com o mare eom-nadar, e não queiraesvoar, pois sois peixes. Se acasovos não conheceis, olhae paraas vossas espinhas e para asvossas escamas, e conhecereisque nfto sois ave, senão peixe,e -ainda- entre os peixes não dosmelhores. Dir-me-heis, voador,que vos deu Deus maiores bar-baUnas que aos outros de vos-so tamanho. Pois porque tives-tes maiores barbatanas, por is-so haveis de fazer das barba-tanas azas? Mas ainda mal por-que tantas vezes vos desenganao-vosso castigo. Quizestcs sermelhor que os outros peixes, epor isso sois mais mofino quetodos. Aos outros peixes do ai-to, inata-os o anzol ou a fisga.a v«ás sem fisga nem anzol, ma-ta-vos a vossa piesumpção e ovosso capricho. Vae o navionav-egando e o marinheiro dor-mineto, e o voador toca na velaou na corda, e cao palpitando.Aos outros peixes mata-os afome e engana-os a Isca, aovoadm mata-o a vaidade*voar, e a sua isca é o vento.Quanto- melhor lhe fôra mergu-lhar por baixo da quilha e vi-ver, ime voar por cima das an-tenas e cahir morto. Grandeambição é, que sendo o mar tSoimmenso, lhe não basta a umpeixe tâo pequeno todo o mar,e qu-eira outro elemento maislargo. Mas vede. peixes, o cas-tigo da ambição. O voador fel-oDeus peixe, e elle quiz ser ave.e permitte o mesmo Deus, quetenha os perigos de ave e maisos dc peixe. Tcdas as vellaspara elle são redes, como peixe,e todas as cordas, laços comoave. Vè, voador, como correupela posta o teu castigo. Pou-co ha nadavas vivo no marcom as barbatanas, e agora ja-

Todas as terras, assimcomo têm particulares es-trelas, que naturalmentepredominam sobre elas, as-sim padecem também di£e-rentes vícios a que geral-mente são sujeitas. Fingi-ram a este propósito os alé-maes uma gaiante fábula.Dizem que quando o diabocaiu do céu, que no ar sefez em pedaços, e que estespedaços se espalharam emdiversas províncias da Eu-ropa, onde ficaram os vi-cios que nelas reinam. Di-zem que a cabeça do diabocaiu em Espanha e que porisso somos fumosos, altivos,e com arrogância gravesDizem que o peito caiu emItália, e que daqui lhes veioserem fabricadores de má-

zes em um convés amortalhadonas azas. Não contente comser peixe, quizeste ser ave, ejá não és ave nem peixe; nemvoar poderás já, nem nadar. Anatureza deu-te a água, tu nâoquizeste senão o ar, e eu já tevejo posto ao fogo. Peixes, con-tente-se cada um com o seuelemento. Se o voador não qui-zera passar do segundo ao ter-ceiro, não viera a parar noquarto. Bem seguro estava elledo fogo, quando nadava naágua, mas porque quiz ser bor-boleta das ondas, vieram-lhe aqueimar as azas.

A' vista deste exemplo, pel-xes, tomae todos na memóriaesta sentença: Quem quer maisdo que lhe convém, perde o quequer, e o que tem. Quem pôdenadar, e quer voar, tempo viráem que não voe, nem nade.Ouvi o caso de um voador daterra. Simáo Mago, a quem aarte mágica, na qual era famo-sissimo, deu o sobrenome, fin-gindo-se que elle era o verda-deiro filho de Deus, signalou odia em que nos olho3 de todaRoma havia de subir ao ceu, ecom effeito começou a voar muialto; porém a oração de S. Pe-dro, que se achava presente,voou mais depressa que elle, ecahindo lá de cima o Mago, nãoquiz Deus que morresse logosenão que nos olhos também detodos quebrasse, como quebrouos pés. Não quero que reparelsno castigo, senão no gênero dei-le. Que cala Simão, está mui-to bem cahido: que morra.também estaria muito bemmorto, que o seu atrevimento ea sua arte diabólica o mere-cia. Mas que de uma queda «oalta não rebente, nem quebre a

cabeça ou os braços, senão ospés? Sim, diz S. Máximo, por-que quem tem pés para andar,e quer azas para voar, justo é,que perca as azas e mais ospés. Elegantemente o SantoPadre: Ut qui paulo ante volaretentaverat, súbito ambulare nonposset: et qui pennas assump-serat, plantas amitteret. E si-mão tem pés e quer azas, podeandar e quer voar; pois que-brem-se-lhe as azas. para quenão vôe, e também os pés paraque não ande. Eis aqui,dores do mar, o que suecede aosda terra, para que cada um secontente com o seu elemento.Se o mar tomara exemplo nosrios, depois que o ícaro se afo-gou no Danúbio, náo haveriatantos ícaros no Oceano.

Voadores do mar (não fallocom os da terra. Imitae o vos-so Santo Pregador. Se vos pa-rece que as vossas barbatanasvos podem servir de azas, nãoas estendaes para subir, poiqirevos não sueceda encontrar comalguma vela ou algum costado:encolhei-as para descer, ide-vosmetter no fundo em alguma co-va: e se ahi estiverdes mais es-condidos, estareis mais seguros.

(Do Sermão de Santo Anto-nio pregado na cidade de SaoLuis do Maranhão no ano de1634).

LADRÕESVIEIRA

Os ladrões, de que falo.não são aqueles miseráveis,a quem a pobreza, a vilezade sua fortuna condenou aeste gênero de vida; por-que a mesma sua misériaou escusa ou alivia o seupecado.

Os ladrões, que mais pró-pria e dignamente merecemeste titulo, são aqueles, aquem os Reis encomendamos exércitos e legiões, ou ogoverno das províncias, oua administração das cida-des, os quais já com ma-nha, já com fôrça roubame despojam os povos.

Os outros ladrões rou-bam um homem, estes rou-bam cidades e reinos: osoutros, se furtam, são en-forcados, e estes furtam eenforcam. Diogenes, quetudo via com mais agudavista, que os outros homens,viu que uma grande tropade varas e ministros dejustiça levavam a enforcaruns ladrões e começou abradar: Lá vão os ladrões

grandes a enforcar os pe-quenos. Ditosa Grécia, quetinha tal Pregador! E maisditosas as outras nações, senelas não padecera a justi-ça as mesmas afrontas!Quntas vezes se viu em Ro-ma ir a enforcar um ladrãopor ter furtado um' carnai-ro, e no mesmo dia ser le-vadó em triunfo um Cônsul,ou um Ditador por ter rou-bado uma província? Equantos ladrões teriam en-forcado estes mesmos la-drões triunfantes? De umchamado Seronato dissecom discreta contraposiçãoSidonio Apolinário: Noncessat simul furta vel pu-nire vel facere.

"Seronato está sempreocupado em duas coisas: emcastigar furtos, e em os fa-zer". Isto não era zelo dejustiça, senão inveja. Que-ria tirar os ladrões domundo para roubar êle só.

(Apud João Ribeiro —"Seleta Clássica").

quinas, não se darem a en-tender e trazerem o coraçãosempre coberto. Dizem queo ventre caiu em Alemanha,e que esta é a causa de se-rem inclinados à gula, egastarem mais que os ou*tros com a mesa e com ataça. Dizem que os pés cai-ram em França, e quedaqui nasce serem poucosossegados, apressados noandar, e amigos de bailes.Dizem que os braços com asmãos e unhas crescidas, umcaiu em Holanda, outro emArgel e que daí lhes veiu(ou nos veiu) o serem cor-sários .Esta é a substânciado apólogo, nem mal for-mado, nem mal repartido;porque ainda que a apli-cação dos vícios totalmentenão seja verdadeira, temcontudo a similhança deverdade, que basta para darsal à sátira. E suposto quea Espanha lhe coube a ca-beca, cuido eu que apartedela que nos toca ao nossoPortugal é a língua: ao me-nos assim o entendem asnações estrangeiras, que demais perto nos tratam. Osvícios da língua são tantos,que fez Drexelio um abe-cedário inteiro, e muitocopioso deles. E se as letrasdeste abecedário se repartissem pelos estados de Por-tugal, que letra tocaria aonosso Maranhão? Não" hádúvida, que o M. M Mara-nhão, M murmurar, M mo-tejar, M maldizer, M mal-sinar, M mexericar, e, so-bretudo, M mentir: mentilcom as palavras, mentir comas obras, mentir com ospensamentos, que de todospor todos os modos aqui semente.

Só creio no Paraíso,

De que o Profeta falou,

Porque a flor do teu so

Para mim desabrochou...

DURVAL DE MORAIS

. i

A 4 de dezembro último,faleceu nesta cidade, noHospital da Ordem do Car-mo, o poeta Durval Borgesde Morais. Era um espíritoelevado, imbuído de religio-sidade, sincera e profunda,e que mereceu dos leitorese dos críticos o epiteto en-cantador de poeta de NossaSenhora.

Nasceu em Maragogipe,Bahia, a 20 de novembrode 1882 e se formou emFarmácia pela Faculdadede Medicina da Bahia. Per-tenceu desde quando estu-dante ao movimento sim-bolista da Bahia, tendo to-mado parte nâs atividadesda Nova Cruzada e de OsAnais. Seu nome figura nes-sa fase das letras baianas,ao lado dos nomes de Pe-thion de Villar, CarlosChiacchio, Artur de Sales,Gaidino de Castro, Domin-gos de Almeida, Melo Lerte, Álvaro Reis, Pedro KU-kerry, Francisco Mangabei-ra. José Maria Leoni, Eu-riclcs de Matos, Asterio deCampos, tantos outros.Desde essa época, em queêle já se impõe como umpoeta de temas e medita-«ções religiosas, seu nomeirradiou pelo Brasil todo.

Diplomado, Durval deMorais fixou-se em MonteAzul, Estado de S. Paulo.Transferiu-se depois para oRio d eJaneiro, e aqui se fezpreparador d e Química

Inorgânica da Escola Poli-técnica. Era católico ardo-roso. Além das colabora-ções dadas às duas revistasreferidas, acima, colaboroumais nos'seguintes lugares:Jornal dc Notícias, A Ba-hia, Diário da Bahia, Jor-nal da Manhã, Gazeta doPovo (todos da Bahia): OGuttenberg, de Alagoas,Diário de Santo»; Kenas-cença, Revista de Cultura,Verbum (do Rio de Janei-ro); etc.

Pertenceu à AcademiaBaiana de Letras, da qualera delegado junto à Fe-deração das Academias deLetras.

Escreveu:Sombra fecunda —

Pio, 1913.Lira Franclscana.

Rio, 1921.Cheia de Graça. Rio

1924.Rosas do Silêncio. Ed.

do Centro D. Vital. Rio,¦926.

O Poema de Anchieta,1929.

Ficretti, de_ S. Fran-cisco de Assis (tradução).Livraria Católica. Rio, 1932.

Conquistadores do In-finito. 1941.

Solidão sonora, 1943.O Cântico espiritual,

de S. João da Cruz. Ver-tido do texto crítico espa-nhol adotado por Dom Che-valier, monge de Solesmes.Hevista de Cultura, volXXI.

Além de vários opúsculospuolicados, deixou os se-guintes livros in-éditos:

"Em Peregrinação"1900);"Blocos", sonetos (1903 a1905);

"Poemctos e Odes" (1905a 1906);

"A Grande Pátria", dra-ma em versos em 4 atos(1906);"Telühas", drama emversos (1907);"A Pedra", drama emversos em 4 atos (1910);

"Palmas I" (1902-1922):"No Extremo Promoto-

rio" (1920);"Vinha Florente";"Plasmas II"."Ouro de Folhas Mortas".

ALGUMAS FONTESAnais (Os) — da Ba-

hia. 1913. Em vários lu-gares.Chiacchio, Carlos —Revista das Academias deLetras, n. 47, pág. 37.

Diniz, Almaquio —Esboço analítico da Litera-tura na Bahia atual. Re-vista Americana, Ano 2,n. 4.

Gomes, Perilo —Lira Franciscana. In CriticaDoutrinária.

Lima, Alceu Amo-roso — Discurso pronun-ciado no túmulo de Durva!de Morais.

Linhares, Mario. Dis-curso. Revisto das Acade-mias de Letras, n. 47, pãg.100.

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gjgiaa S AUTORES E LIVEOS ^ábédo, 1-1-1949 — Vol. X, n« 1

A VIDA DOS LIVROSMAFII, MÂFFIO — Cícero e o seu drama político.

Instituto Progresso Editorial (IPÊ)RIMAS DE JOSE' ALBANO — Ed. Pongetti

lilaffii, Máífto — Cícero, e oseu drami iiolitlco. Tradução deMaria Jará de Carvalho. IPÊInstituto Progresso EditorialS.A.—SS> Pado. 1948. ColeçãoPanteon Ur.iversal N.° 2. 423págs.

Cicera é v.:n assunto sempreatual. Reiirjsentou, em umgrande momento histórico, oamor à liberdade do homem,lutou pur ela, expoz-se por ela.morreu, pot ela. Desde sempre,por esse motivo, tem merecidode toda* aa ^rações provas deApreço, te.'ití:r.unhos de amor ede gratidão.-

Maffio Maffii, como Boissier.ornou Cícero o centro de um

acurado e lor.so estudo. Bois-sier pracLfcou. ver Cicero em seumeio, entre os seus amigos, ir-raciancto amplas e fecundas in-fluencia^ espirituais. Maffio¦alafíU procura abranger umquadro mais vasto e ao mesmocerapo mais miúdo: o da poü-i:ic= gera'; âe Roma na épocade Cicero, com as suas questi-unculas partidárias, a orienta-ção dos poluicos. o papel e oação de cada personagem, mes-mo 05 fíecüuaírios. e até muitaver, os íni-igr.Lf.cantes.

A verdad.3 é que parece tersido ainda o velho Plutarcoquem dií'.!*e a última palavraacerca cia orador latino. Plu-:arco tem sobre os outros vá-fias vantagens: estava, em pri-meiro lugar, mais próximo deCicero do- que qualquer outrodoa biógíaÊrjí que têm tratadodo grande romano. Em segun-do lugar, possuía, com o conhe*cimento das almas humanas,aquele fecundo sentimento depossia que Canto aparenta as5uas Vidiís com certos drama.sôhakespereanos. A preexcelen-cia de Plutarco no assunto Ci-ceio está plenamente reconhe-cida e proclamada por Maffii.Cjuaido, a.o findar a sua obra.desejando narrar a morte doorador profuso das persegui-ções de An.Can.io. recorre ao his-: criador greso, limitando-se atranscrever a sua narrativa, quenesse passo é verdadeiramentemaravilhosa.

A existência de Cicero tem.ecortes de heroísmo e de bra-vuia, posto uem sempre fossesssa — a da coragem pessoal —a impressão que dele tinham oscontemporâneos, aimpressão que dele tiveramos historiadores de outras;?:cas. Sua oçSo no Se-nado contra Catilina é m«i des-ses episódios. Ficou ressòantepara o resto dos séculos aque-Ia íração em que êle denunciou¦?. conspiração de Catilina, agin-do nas sombras noturnas —mas que não arriscou o oradorcom essa denuncia diante da-queles violentes e daqueles am-Mciosos, que fie uma non paraci outra poderiam estar donosdo supremo poder na cidade!Vemos agora, eui Maffio Maffiicue as i£ifo?mações minuciosasqus transparecem da denunciade Cicero contra Catilina ti-

nham plena veracidade: contao biógrafo que existia uma cer-ta Pulvia, amiga de um dosconjurados, Curlão, a qual, pordinheiro ou por amor à Repú-blica, tinha denunciado a cons-piração a Cicero. Não era so-mente Pulvia a única dama ro-mana que conspirava com Cati-lina: também Sempronia, mu-lher de Décimo Bruto, perten-cia ao movimento. Explica Sa-lustio que essa Sempronia erauma dama formosissima, amigado luxo e do requinte, que viviauma vida mais de cortezã auede matrona. Arruinara-se, eagora esperava que a revoluçãotriunfante lhe refizesse as fi-nanças desfeitas...

O fim de Cicero é realmenteum dos mais melancólicos unsde vida que podemos imaginar.Supersticioso como todos os ro-manos, êle vira em sonhos Ju-piter que lhe indicava o jovemOtaviano, sobrinho neto de Ce-sar, como o futuro salvador deRoma. Quando mais tarde Ota-viano se apresentou disputan-do o Poder a Antonio, Cicero.que por outro lado tinha velhose graves, ressentimentos contraesse amigo de César, desposoucom ardor a causa do jovempríncipe. Foi um dos princi-pais elementos de sua vitória.E quando naturalmente espera-va poder viver em paz, nova-mente considerado um salvadorda Pátria, eis que o matreiro eambicioso jovem o entrega aAntonio! Cicero foge. E é en-tão que — pela traição de umoutro protegido seu, um libertochamado Filologo ou Fllogono— é encontrado pelos esbirrosde Antonio perto da estrada deTusculo. Pressentindo que ti-nha sido descoberto, êle pôs acabeça para fora de sua liteirae serenamente encarou seus ai-gozes. Um deles, Herenio, cum-prindo as ordens de. Antonio,arrancou a cabeça e as mãosdo orador — a cabeça que ti-nha pensado, a mio que haviaescrito as Filipicas. E levou ossangrentos despojes para Ro-ma. Ao vê-las Antonio excla-ffiou:

— Acabaram-se as proscrl-Ções !

Assim findou Cicero, e pode-mos dizer que assim acabaramas últimas liberdades em Ro-ma. Porque o que vem depoisdele é a violência, o arbítrio, oabsoluto poder concedido aopríncipe: vêm os Césares.

Cidadão de todas as demo-cracias, o velho Cicero parece-nos ainda hoje viver e atuar.Ele está. em todos os coraçõesque n&o aceitam a opressão oua violência, em todos os quedefendem os conceitos e osideais de liberdade.

E o seu nome simbólico queainda hoje podemos contraporcomo um resumo de ideais, atodos os doutrinadores das mis-ticas políticas que se baseiamna violência ou na tirania, se-Jam eles da direita, sejam daesquerda.

A MESA DAACADEMIA

Ka quinta-feira, 30 de De-membro findo, realizou a Aca-cernia Brasileira de Letras asua última reunião de 1948.

Foi então empossada a mesaçue em 194* vai dirigir os des-tinos da instituição. Picou as-sim composta essa nova mesa:

Presidente, Miguel Osório deAlmeida; Secretário Geral.Gustavo Barroso; Primeiro Se-creíário, Peregrino Júnior (re-eleito); S e s u n d o Secretário,iuiz Edmundo (reeleito); Te-sDureiro, Afonso Pena Júnior.

Foram linda eleitos: Rodol-fo Garcia para.diretor da Bi-blioteca; Viriato Correia, paraíiretor da Revista; Múcio Leão.para diretor do Arquivo; Ataul-

NOTA A ESTE NUME-RO DE "AUTORES E

LIVROS"i

Com este número, iniciamos onõsso"volume X.*Com Antonio"Vieira, iniciamos hoje a sériedos autores brasileiros do sé-culo XVII, aos quais será de-dicado todo o presente volume.

A seguir a Vieira, virão Gre-gorio de Matos, Eusebio de Ma-tos, Botelho de Oliveira, Manu-ei de Morais, Antonio de Sá,etc, etc.

fo de Paiva, Antônio Austre-gésilo e Pedro Calmon. para aComissão de Contas.

Rimas de tom) Albano. Edi-Ção organisada, revista e prefa-ciada por Manuel Bandeira.Pongetti. 1948. 261 págs.

Para a organisac&o destaobra, Manuel Bandeira teve emmãos todos os livros que JoséAlbano publicou e os que sai-ram depois de sua morte — asRedondilha», a Alegoria, a Can-ção a Camões e a Ode à Lín-gua Portuguesa, os Sonnets aComedia Angélica, a Antologia.Teve mais em mãos a obra iné-dita do poeta que a familia Al-bano lhe entregou para estudoe seleção de novas poesias. Comtudo isso formou este volume,de ora por diante precioso, nãoobstante os tristes erros de re-visão que o afeiam. ManuelBandeira, cujos escrúpulos decrítico todos nós conhecemos,não quis incluir na obra toda aprodução de José Albano: ado-tou um critério antes antoló-gico, e ali deixou apenas o quelhe pareceu mais perfeito, maisdigno da grande memória dopoeta. Esse alvitre foi-lhe acon-selhado pela circunstancia de seencontrar José Albano há mui-to esquecido e de se destinar aedição atual quasi que apenasa lhe reavivar a memória. Maistarde, recolocado o poeta na bri-lhante posição que de fato lhecabe na literatura brasileira,será possivei publicar todo JoséAlbano.

Cremos que foi um acertadomodo de proceder, e ao menosManuel Bandeira evitou comessa sua reserva certas críticasineptas.

Tivemos ocasião de ver, ulti-mamente, a propósito da ediçãodas Poesias Completas de Rai-mundo Correia, que demos pelaEditora Nacional, algumas des-sas criticas, modelarmenteineptas. Uma delas frisava jus-tamente a conveniência de se-rem deixadas de lado as obrasmenores de Raimundo Correia,a conveniência de só se editaraquilo que o próprio poetahavia selecionado.

. Isso é uma alegação inteira-mente frivola, achamos nós.Que Raimundo Correia, artistaexigente e severo que era, fizes-se uma rigorosa seleção em seusversos, era uma coisa justa ecompreensível, e tanto o eraque o organisador das PoesiasCompletas, respeitou a seleçãopor êle feita. Mas, se isso pcor-ria por um lado, por outro ladoera preciso dar, em uma ediçãocritica, tudo o mais que pudes-se servir como documentaçãoacerca da biografia espiritualdo poeta. E foi o que se fez nosegundo volume das PoesiasCompletas, no qual ficou reco-lhido tudo aquilo que Raimun-do Correia pós de lado em suaobra, acrescentado agora dostrabalhos de circunstancia, porêle produzidos através de suavida. Poder-se-á Imaginar pia-no que mais justamente conci-liasse os interesses da arte deum poeta com as exigências dosestudos de seus leitores?

Talvez uma distribuição dematéria feita num plano seme-lhante pudesse ter servido aManuel Bandeira no caso deJosé Albano: dois volumes (ou.se não desse para tanto, duaspartes de um mesmo volume)No primeiro volume (ou na pri-meira parte) bacluir-se-iamtodos os bons trabalhos do poe-ta; no segundo, todos os seustrabalhos secundários, que sedestinassem a servir apenas aoestudo dos críticos.

José de Abreu Albano temsido estudado por vários criti-cos e biógrafos, como João Ri-beiro, Tristão da Cunha,Studart, Mario de Alencar, An-tonio Sales, Graça Aranha,Agripino Grieco, Américo Facó,Luiz Aníbal Falcio, ManuelBandeira. Era um homemextravagante e singular, comovemos no testemunho dos seuscontemporâneos, e notadamsn-te em João Ribeiro, que reco-

lheu várias anedotas pitorescase graciosas do poeta. ManuelBandeira conta que, sendo alu-no de Joto Ribeiro e granderespeitador desse mestre, o viucerta vez na porta da Garnierconversando com Albano; e estedizia ao seu interlocutor, paraescândalo e assombro do meni-no que o ouvia:

— Nfto diga asneira, João Ri-beiro, Não diga asneiras!

Vivendo dentro de sonhos,como viveu, Albano teve o seusonho supremo dentro do ter-reno da poesia: e esse sonhoconsistiu gm ser um poeta doséculo de quinhentos, um con-temporâneo de Camões. Fiel aesse sonho, tudo o que êle es-creveu se prende, de uma for-ma ou de outra, ao grandegenio dos Lusíadas: seus maisbelos sonetos são de puro moi*de camoneano, sua Ode à Lín-gua Portuguesa também o éDestes seus sentimentos destasua inspiração camoneana, to-dos os trabalhos que dele setornaram conhecidos dão elo-quente testemunho. Poderia-mos citar para exemplo aquelaCantiga que abre a presente co-letánea:

Nestes sombrios recantos,Nestes saudosos retiros,Deslísa um rio de prantos,E corre um ar de suspiros.

Volta

Tenho na alma dois moinhos,Um é de água, outro é de vento;Ambos juntos e visinhos,Estão sempre em movimento.E giros tantos e tantosE tantos e tantos girosDão ao primeiro os meus prantosE ao segundo os meus suspiros.

À coleção das obras publica-das por Albano ou por pessoasde sua família, Manuel Bandei-ra acrescentou, nestas Rimas,quinze sonetos que até agoratinham ficado Inéditos. Eis osoneto n.° XI dessa nova série:

Se ponho os tristes olhos no[passado

E no futuro emprego o meu[sentido.

Lamento o longo tempo mal[vivido

E o breve esforço mal recom-[pensado.

E não levanto queixas contra[o fado.

Mas, entre mil suspiros, um[gemido

De brando coraçlo arrepen-[dido,

De brando coraçio desenganado.

Já reconheço agora o vio[desejo:

O que procuro mais. menos[alcanço;

O que mais imagino, menos[vejo.

E quero emfim subir em voo[manso,

Para deixar o mundo mafasejoE lá no Céu achar o meu des-

[canso.

Creio que este, bem como osdemais sonetos da série, confir-mam as impressões que guar-dava no espirito os admirado-res de José Albano. Confirmamque êle foi, realmente, um poe-ta inspirado e melancólico cujocoração era uma doce e infinl-ta música.

Figueiredo Filho,, J. —Meu mundo é .útrut tat-macia — Memórias deum farmacêutico — Ins-tituto Progresso Editorial

(IPÊ)Figueiredo Filho, J. —¦ Non

mundo é unu farmácia. Menu-rias de um farmacêutico IPÊ.Instituto Progresso Editorial.São Paulo, 1848, 168 págs.

O Sr. J. Figueiredo Filho écearense, estabelecido no co-márcio do Crato. Filho de far-macéutico, farmacêutico életambém desde a mocidade, re-solveu agora publicar estas suasmemórias. São pitorescas, e de-vem ter despertado muito in-teresse entre os leitores da re-gião. Para nós, tratando de ummeio tão distante, relatandoepisódios a que estamos tãoalheios, o seu interesse diminuisensivelmente.

Contudo, naquilo que se alas-ta das coisas propriamente Ij-cais, no prende a atenção. En-contramos no livro, por «xem-pio, um certo Dr. Manuel Mon-teiro, bacharel e farmacêutico,que conhecera em tempos Josédo Patrocinio Filho, e relatouao autor de Meu mundo é umafarmácia um interessante epi-sódio daquele talentoso, futeen-tissimo cronista. Contou o Dr.Manuel Monteiro que o Zecacerta vez, na Bahia, metera-tenuma grande farra, que termi-nara em grossa pancadaria. Foiparar na polícia, com os com-panheiros. Interrogado pelo dc-legado deu o seu nome:

André Darrien, français de IaMartinique.

Ficou assim identificado nosarquivos da policia de Salva-dor — mas foi dormir noxadrez.

Um encanto dos volumes dememórias encontra-se na facilidade com que se move o escri-tor para relatar episódios mui-ta vez insignificantes,, que so-mente em um livro de tal gene-ro poderiam entrar. O que umromancista não contaria numromance; nem um contista numconto, por ser demasiado leveou frivolo; um memorialista po-de relatar com graça e encantoem uma de suas páginas.- Ain-da uma vez poderíamos- verJfi-cé-lo neste livro, acompanhadopor exemplo os relatos'que oautorr*faz da vida de seu ami-go Teofilo Artur de SiqueiraCavalcanti, farmacêutico ehomem engracadfssimo. Essefarmacêutico inventou curiosoremédio — Água Bananos* n.* 3— que sempre lhe dava' exce-lente resultado quando *>éaen-te se lhe apresentava exeessi-vãmente cacete. Consistia talremédio em fazer encher deágua distilada uma gamtfada,na direção da qual, quando iasendo colocada a água, o far-macéutico fazia três vezes umcerto gesto malicioso e irreve-rente, muito do gosto dos estu-dantes e, agora vemos, tambémdos farmacêuticos. Essa Agu-»Bananosa n.* 3 deveria ter di-fusão maior, e não somente noCeará, mas no Brasil todo, nomundo todo.

O autor destas memórias nosdiz que não tem nenhuma pre-tensão a ser homem de letras.No entanto seu livro, muitosimples que é como exposição ecomo narrativa, revela certocuidado com o aspecto,própria-mente literário.

"8AO PAULO"COMPANHIA NACIONALDE SEGUROS DE VIDASucursal no Rio de Janeiro — AV. RIO BRANCO, 113. UV

Dr. Joaé Maria WhttakerDr. Eram* Teixeira deDr. J- C. de

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&tt»do, 1.1.1049 — Vci. X, ¦>.<¦ 1 WTOREg t XIVH06 12*É2L

A VIDA DOS LIVROSLIZARAZO, J. A.

Ctaorio — "LA ISLÃ ILU-MINADA" — Editorial ElDiário — Santiago — Re-pública Dominicana, 265páss.

A Ilha Iluminada é aRepública Dominicana. Oautor deste livro faz umaexposição cultural e histó-rico de seu pais, mostran-do as condições de vida ede prosperidade daquelailha antilhana. O livro di-vide-se em dez capítulos —O conceito de Democracia,A Geografia, a História, AsFinanças, a Fronteira, A Or-ganização Política, a Edu-cação, a Saúde, e a JustiçaSocial, a Economia e a Po-lítica Exterior. A tese deLizarazo não podia ser se-não a que, em tais'circuns-tâncias, é: a demonstraçãode que a República Domi-nicana nada num mar derosas, a de que toda a feli-cidade da ilha está realiza-da pelo governo do Presi-dente Trujillo.

— Universidade de San-to Domingo, Faculdade deFilosofia, Secion de Lin-guistica y Folclore —"CLASSIFICACION DELFOLKLORE" — CiudadTrujillo, 1944, 15 págs.

E' a classificação de fole-lore estabelecida para o fi-chário e arquivo da Seçãode Lingüística e Folcloreda Universidade de São Do-mingos, de acordo com asnormas traçadas pelo prof.RS. Boggs no curso dadoem 1944, na Universidadedaquela República.

Isto foi há quatro anos.Serio de grande interessesabermos hoje, depois de

OS CLÁSSICOS JACKSONA editora W. M. Jackson Inc. presta agora novo e relevan-

tissimo serviço ao Brasil: empreende a monumental edição da-queles que chamou Clássicos Jackson.

Oa Clássicos Jackson constituem uma galeria de 20 volumes,abrangendo autores que valem como uma verdadeira e feliz síntesedo poder de criação espiritual dos homens, desde o alvorecer dacivilização ocidental até aos nossos dias.

A serie dos Clássicos Jackson é a seguinte:

volvidos tantos dias, quaisos frutos que têm obtido ospesquisadores, mediante aexecução do programa tãoamplo e tão sugestivo, en-tão traçado.

- REYES, Heitor Perez— "AIRE DE SOLEDAD".Ediciones de "La PoesiaSorprendida " . Coleccton"El Desvelado Solitário" —Ciudad Trujillo. RepúblicaDominicana — Antilhas —Magoes — 1948.

Hector Peres Reyes é con-siderado um dos valoresmais expressivos da moder-na poesia antilhana. Nas-ceu em Ciudad Trujillo em1927 e é estudante de Di-reito em sua terra natal.Residiu muitos anos na ei-dade de Bani e ali foi cola-borador de jornais locaiscomo "Ecos dei Valle". Pu-blicou depois as "Cancionesdp uni Nocturno Qualquie-ra" (edição de 10 volumes).Agora edita este — "Aire deSoledad" —, que fica fa-zendo parte da Coleção "ElDesvelado Solitário".

Mi, poema es un arbol se-[diento....

Explica o poeta. E acres-centa:

Iin arbol que es de carne y[ansiedade

Como Ia vida.

E é essa a sinfonia deabertura desse seu novo ca-demo de poesia, o qual in-felizmente é formado deapenas três poemas.

FONTES, IVAN — Imagens e EmoçõesEditora Minerva

Rio, 1947, 109 págs.Ivan Fontes é sergipano, nas-

cido em Aracaju em 1920, eacreditamos que pertence àmesma familia que deu ao Bra-sil da primeira metade desteséculo dois dos seus poetas maisrepresentativos — Hermes Fon-tes e Martins Fontes. Iniciandosua carreira politica em Araca-jú, logo a interrompeu para virfixar-se no Rio de Janeiro.Aqui exerce, hoje, a sua ativi-dade preferida, que é a de ad-vogado. São esses os dados re-lativos à biografia do poeta, osdados que encontramos no pre-fácio escrito por Asterio deCampos para estas Imagens eEmoções. No mesmo prefácio,Asterio de Campos declara en-contrar na estesla dos versos deIvan Fontes a mesma estesia deHermes Fontes .Até ai não ire-mos nós. Hermes Fontes carac-terizou-se, em poesia, ao quenos parece, pela abundância doseu estro, abundância que mui-ta vez o levava a excessos demau gosto, a extravagâncias, aparoxlsmos. Não é isso o queencontramos em Ivan Fontes,poeta que, pelo menos nestesversos de estrela, nos parecemedido, correto, disciplinado àsnormas essenciais da poética,da arte, da Inspiração.

Êle não deseja, pornenhuma eloqüência, nenhumagrandiloqüência em sua poesia;

Eu quero que meu verso seja[pluma

Eu quero que meu verso seja[gase...

Assim nos diz ao abrir a suacoletânea. E' verdade que esseprograma nem sempre é cum-prido, e que aqui e ali êle as-sume notas de alta ressonância,e mesmo grandiloqüência. Veja-se, por exemplo, o'soneto inti-tulado Fechando o Álbum, como qual encerrou o seu livro.Dirigindo-se aos seus colegas daFaculdade de Direito — van-guardeiros do Ideal, romeirosdo Direito — o poeta nos falaaqui como um autêntico pro-longamento daquela correntedos poetas sociais, que na épo-ca da propaganda da Aboliçãoe da República, tão longamen-te proliterou em nosso pais.

Com referência â. técnica dapoesia de Ivan Fontes haveriatalvez anotações a fazer, e es-tas seriam acaso interessantes:certo gosto que êle revela pelosneologismos, como nesta frase:A hora crespuscular, o Ideal' seastralizou; seu amor à músicaonomatopaica das ressonâncias.

como neste verso: "Ao claroclamor constante da cascata":seu gosto pelas Imagens fausto-sas, como no soneto "A umpoeta":

As estrelas que estão na altura.[olhando a vida,

São pétalas de luz da noite[merencórla.

Para darmos ao leitor umaidéia exata da poesia de IvanFontes aqui transcrevemos umdos trabalhos mala expressivosdo livro — A Cançfto da Chuva:Chuva monótona, profundorequiém dos tristes passionais,daqueles que andam pelo mundoouvindo sempre "nunca mais"...

Como é pungente a ãria da[chuva

tamborilando nos vitraislO coração, tristonho, enviuvanesses desterros hibernals,

O frio e a chuva são o arcano,Doce harmonia dos casais,falam de algum carinho hu-

[mano,recordações sentimentais...A tarantela doloridados pingos d*agua, gotas de ais.é o cantochão de vossa vida— ventura e enlevo dos demais.Mulher desejo, ânsia, mira-

gem.'(Contínua _w pág. 11)

10.»11."12."13.»14.»15.°M.°17."18."19.»20."

Vol, — Xenofante ...... CIROPEDIA.» _ Cícero ....... ORAÇÕES." — Virgílio GEÔRGIAS — A ENEIDA." — Horácio SÁTIRAS;

Ovidio ;. . OS PASTOS." —DaUté .'¦ . ..... DIVINA COMÉDIA.". —Dante . . . DIVINA COMÉDIA." —Camões ....... OS LUSÍADAS." — Cervantes . D. QÜIXOTE.". — Cervantes D. QUIXOTE." — Shakespeare .... MACBETH — REI LEAR.".— Diversos MORALISTAS ESPANHÓIS." —Diversos PENSADDORES FRANCESES.'.'¦ — Milton PARAÍSO PERDIDO." — Vieira CARTAS." — Goethe FAUSTO." — Chateaubrland O GÊNIO DO CRISTIANISMO." — Chateaubrland ... O GÊNIO DO CRISTIANISMO." — Alex. Hevculano . . LENDAS E NARRATIVAS." — J. F. Lisboa . . . VIDA DO Pe. ANTÔNIO VIEIRA" — Joaquim Nabuco . . MINHA FORMAÇÃO.

--2_E__n_l Ré^I ü E^

fSgPF

Um novo ano de atividades paraa Cooperativa dos Usineiros de

PernambucoTende, a 2 de Dezembro pró-

ximo passado, sido procedidas,em Assembléia Geral Ordinária,as elciojtes da nova diretoria daCooperativa dos Usineiros dePernambuco, ficou ela assimconstituída:

Conselho de Administração —José Pessoa de Queiroz, Pre-sidente; Armando de QueirozMonteiro, Secretário; Luis Iná-cio Pessoa de Melo, Tesoureiro;Manuel Caetano de Brito, Di-retor; Manuel Maroja, Diretor.

Conselho Fiscal — Membroseletivos: Júlio Queiroz, LeftncioAraújo e Romero Cabral daCosta; Suplentes: José Lopesde Siqueira Santos, AfonsoFreire e Enock Maranhão.

Com» se vê, foi novamenteescolhido para o posto de pre-sidente da Cooperativa dosUsineis** de Pernambuco o Sr.José Pessoa de Queiroz.

Paia Secretario daquela ins-

tituicão foi eleito um outrogrande representante da indús-tria do açúcar no Brasil: o Sr.Armando Monteiro, que, pelasua inteligência, pela sua capa-cidade de trabalho, e pela fi-mira do seu espírito, tanto temhonrado o glorioso Estado nor-destino.

Entre outros membros da di-retorla da Cooperativa dos Usi-neiros de Pernambuco, conta-setambém a figura ilustre do Sr.Manuel de Brito, homem deraro espirito de luta e de tra-balho construtivo, que tem de-dicado t«da a sua vida e todoo seu esforço ao levantamentoda indústria pernambucana.

Espera-se, portanto, com anova diretoria, que a Coopera-Ova dos Usineiros de Remam-buco terá um novo ano demuito trabalho e de grandesrealizações.

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Página 8 AUTORES E MVRQS Sábado, 1-1-1949 — Vol. X, n." 1

Como me tornei tradutor de Heredia

)

K.i vários meses atrás publicou Mucio Leãc.im interessante artigo sobre as minhas traduções:.!e Heredi;? . Quando tive o prazer de lhe enviaralguns d-í^ses sonetos, por intermédio de um ami-go comuT., estava bem longe de supor que haviamcie merecer rio eminente homem de letras patríciouma censHeração especial.

As,5ÍEH -1 que mo vi, s cbem quo por sua cxclu-íiiva generosidade, golpeantemente jogado ao re-moinho das lides literárias, figurando aos olhos dcleitor Lcví.ulgente como u-rra revelação expontâneacie poets eve há de conheci', um dia, "uma glórianobre e depreendida, am^cta de certo por poucos,mas, cio ';'-?! de contas, uma glóri invejável". Odestino Um, «sem dúvida, os mais variados capri-chos.

Etn seu estudo, o ilustre Acadêmico poe ha-bilmenis sm relevo o seu temperamento de escri-lor apreciado, tecendo toda uma trama de expreb-üões cativantes, procurando vêr, na minha apagadaatividade, um verdadeiro romance, ó bem verdadefóra do piano sentimental, porém preso aos sonhose devaneios caros do prazer do espírito.

Jaraais procurei desfazer essas impressões, talo saboi:- do comentário elegante, claro e preciso.e nem e?.esmo influiu para isso a vontade de res-pender s certo crítico menos avisado, que meacuso;: d-r* haver cometido uma traição para com aarte suprema de Heredia.

Quando fe? o seu trabalho, o sr. Mucio Leãonão me conhecia pessoalmente. Julgou talvez.dando y!y à íantasia, fosse eu um temperamen-to ardente a apaixonado, capaz de me afeiçoar dcmaneira exclusiva, total, patética em suma.

. D;- bom grado aceitaria este conceito, porqueaiada no mundo me parece melhor do que prezaia irrealidade, inventar coisas que não sentimosrealmente e- assim viver, numa espécie de ilusãoconciente, que sempre nos ensine a verdadeira me-clidà d;?3 motivos da exitsència.

A ríGética de Heredia, tanto como a minliiSprópria — ou a de qualquer outro, muito poucoaté ho]-* na minha vida, apesar do imens odese;os elos que me atassem ao carro dos grandes poe-tas, de molde a reivídicar para o meu espírito umfarrapo, por pequeno que seja, de sua importància ou prestígio.

Na minha adolescência, o conhecimento deHeredia — não foi além rte poucos sonetos, quecom verdadeira satisfação pude lêr em seletasfrancesas.

J;"a então dedicava-me exclusivamente ao cultodas matemáticas, reconhecendo no estudo dessadisciplina uma sincera e bem fortaecida voca-São,

Alimentava a veleidade de ser um magnoconhecedor do assunto, e. naqueles dias de Juven-tude. quanta vez sopesei envaidecido uma barrade gis, sem atentar que a sua alvura imaculada eraa fôrma material de contraste com a minha malnascida presunção e vaidade.

Fora magitações semelhantes, de algum modo.'!is cheias dos grandes rios. Tudo se me afiguravaQue, baixando as águas, com o retorno ao leito, osolo

'estaria mais propicio à fecundação. Mas, embreve, compreendi que o terreno era árido emdemasia?, e. não ajudava o rejuvenescimento. E ai-guns di-3?bcres, felizmente, libertaram-me muidepressa deste ciclo pernicioso em que, vãmente.se debatiam a minha vontade e a deficiência dosmeus recursos. 4 Éífi0

Entrei muito cedo para a vida prática e dafamília. E. afora vôos rasteiros e pouco frequen-tes nr, campo da poesia, só tornei às minhas vistaspara esta 10 anos mais tarde, quando no apíce damocidade. eom 30 anos completos, procurei culti-var aljo a aue voluntariamente havia desprezado

Datam daí os meus primeiros e verdadeiroscontactos com o imortal poeta de "Os Troféus".

Há momentos na atividade do homem, me-nos afeito ao sonho ou à fantasia, em que a rea-lidade coma mnão satisfaz. A vida, no seu as-pecto vuígsr e prático, fine numa desolada mono-tonia.

Procuramos então alguma coisa que desço-nhecemos, numa aspiração que trás às vezes, emsua simnioiiade. a ffams cia uma valiosa e inex-cedível cruzada. Será o caso de exeamar :i ma-neira do grande Anatole France: "qui voulezvous?" 32 responderemos a nós mesmos: "Je veuxautre efrose''.

As minhas traduções de Heredia como ou-tros tràblhos que tenho produzido e mantido Lié-ditos, talvez para o meu próprio bem, nasceram,casualmente, dessa horas de tédio a que me refiro,em que nos debatemos, irresistivelmente, de juan-do em vez, tentando acançar algo que nos escapa,mas sem dispor de forças e recursos bastantespara suprir os nosos mais ardentes desejos.

A matemática, aparentemente fria. trouxe,sem duvidai, para minha formação, certas pref.;-rêncías especiais.

Sentia, à ou trance, a inclinação para a fôrmaclássica cia; pensamento, — a ordem, a clareza, adistinção cãa linguagem, a elegância, o bom gostaiem siitnH. Todos os critério sestéticos dominan-tes e que se resumem, em última análise, naquelesentida df> harmonia. .:le equilíbrio e de propor-ção, o sentido geométrico por excelência, preso ásfôrmas e encantos das estrofes coloridas o perfei-tas, das rimas vibrantes e sonoras.

SEVERINO MONTENECRO

Essas tendências naturais, tão em desacordocoiti ai mentalidade da época, lavaram-me sem dú-vida ii leitura daqueles poetas e escritores quefundaram sua elaboração artística, à maneira doestilo clássico da litreatura helena.

Seguindo ã risca esses ditames, que a mimmenino me impuz por conveniência própria, pro-curei encontrar alguma compensação no passadoremoto ou pouco afastado, numa evocação à graçae à beleza do espírito antigo, esses monumento?harmoniosos da creaçâo clásrica.

Julgava certamente que estes eram os vfn-culos que me prendiam por temperamento e edu-cação. Já ó? há muito oas "acordes fundamentaisdessa harmonia das esferas, sonhada por Pitágo-ras e Kepler", não feriam agraSavelmente os meusouvidos?

Hoje compreendo que estava completamenteenganado. Aquela espécie de idiosincrasia lite-rári? para as coisas modrenas, que parecia con-riemuwne irremediavelmente no passado, não eraabsolutamente um mal sem erra, Para tal basta-riam as minhas próprias concepções de liberda-de, o desapego total às idéias tradicionais ou con-servadoras. o meu duplo sentido de mutabilidadee evolução e que tantas v*zes tem me levado a in-coerências manifestas e agradáveis. E se aindahoje é com prazer que me deixo fascinar pelafôrma tradicional do verso clássico, mantenho.todavia, a convicção de que as escolas nada va-lem no aspecto formal. O que interessa ú "pres-crutar a beleza e ver brilhar o clarão inexcedivelda alma humana".

Lucien Areat. traçando magníficos perfis depoetas franceses, encontra cm Heredia um com-posto de cristianismo heróico e devoção cavalhei-resca. Em Leconte dc Lisle uma espécie de pa-ganismo requintado, todo feito de mitologia e me-tafísica. Estes dois poetas, acentua, surgem nomesmo movimeno, que, no curso do século deze-nove, têm íntimas ligações com a resurreição dasidades antigas. Foram, neste particular, pela pró-pria natureza, origem e impressões, os mais ilus-tres expoentes da poesia francesa.

Leconte foi o mestre, Heredia o discípulo.Suas obras se a\*isinham e se tocam. A impressãogeneralizada é de que ambos buscavam refúgiocontra os desgostos da vida presente, na miragemdns eras passadas ou no esplendor dos céus im-penetráveis e estranhos.

Desdenharam os acentos pessoais, a sensibl-lidade exagerada, ai* mesmo a flama íntima dequo eram possuidos. Aparentemente nada maisguardaram que a preocupação da fôrma.

Max Henriquez Urena referindo-se a Here-dia, na sua valiosa tradução de os "Troféus" parao castelhano, afirma que, ao contrário do seu ho-mônimo de Cuba, êle foi tão so um espectador in-teligente que amou antes de tudo o sossego. Le-Vado para uma vida contemplativa, afeiçoado aoestudo de história, revivendo o passado, ondebuscou, com perseverança e afinco, o desenvolvi-mento de suas faculdades, enamorado da perfei-ção. foi um cinzelador paciente que aspirou apre-sentar a sua poesia como obra impessoal, fóra desua própria individualidade, livre, por consequên-cia, dc qualquer alusão à sua vida interior, a tudeque lhe parecesse demasiado contingente ou par-ticular.

Mucio Leão, no trabalho a que aludi, expressatambém, com muita propriedade, um conceito sig-nificativo que resume todo o verdadeiro sentidoda poesia herediana. Os sonetos imortais de He-redia constituem, na verdade, "uma síntese per-feita de sabedoria histórica e científica e oncer-ram com essa síntese um piaifundo sentimento deverdadeira poesia".

Realmente, tomemos aaa acaso, entre suasobras primas. "Aprés Cannes' e "La Trebia", ins-tantâneos históricos da época do império romano.

Notam-se, evidentemente, o sentido claro e,objetivo do quadro, a reminiseência do fato hiato-ricamente comprovado. A realidade ressalta, quasea nu. tal a forca de expressão e a multiplicidadedas palavras romanas cientificamente exatas. Ecomo aí se 'revela, o artista puro e exímio, queestá inteiramente seguro da atividade que desen-volve. E "Depois do Canes", éle nos que rpintaiuma Roma apavorada por uma obsessão:- o pensa-mento de Anibal Como chegamos a sentir estemesmo temor, mesclando a nossa ansiedade comaauela dos romanos que, a cada momento, espe-ravam ver o general Cartaginês, montado em seuelefante, descendo as encostas dos montes Sabi-nos, sob a luz sangrenta do sol?

Em "La Trebia", o mesmo motivo histórico.a mesma precisão cie palavras sabiamente esco-lhidas. Como nos apercebemos, depois da chuvainclemente, o transbordar do rio, o cônsul Sem-pronio, altivo na sua glória nova, fazendo ergueros estandartes para a marcha dos leitores.

E o tom de força do último verso do soneto.'que ecoa como um longo gemido de órgão"."Le pietissement sourd-des légions e nmarche".

A obra de Heredia, apesar de pequena, é tãoconcentrad ae variada nos seus múltiplos aspec-tos, que será impossível destacar, num artigo, to-

dos os pontos que interessam a um verdadeiroestudo. Não è esse, todavia, o meu escopo, nempretendo abordar uma farofa de tal magnitude,pois tenho coneiência exata de que me falta fo-le£o para discorrer nesse sentido. O meu obje-tivo é muito mais modesto, o colima, unicamente,estabelecer uma medida justa» entre o que foi ditoe a realidade, som, entretanto, apresentar negati-vas importunas,

Há na obra dc Heredia um soneto belíssimoque marca toda a força, de sua inspiração poética.Trata-se de uma síntese psicológica de inexedívelalcance, a penetração histórica dos aventureirosque, como um bando dc yerifaltos, longe de pousonatal, lançaram-se a conquista de novas terras.Estréias novas dão uma nítida visão dos mundosa descobrir, enquanto as fosforecênoias dos marestropicais encantavam o sono dos capitães commiragens de ouro. Como o amor dc força e deluz está amplamente caracterizada pela existên-cia de palavras vibrantes o violentas e rimas so-noras, de vocábulos ricos de substância e fulgor.

Foram "Os Conquistadores" que me induzi-ram a verter para o português os sonetos de He-redia. Nessa época não havia de minha parte amenor preocupação ou plano preconcebido.

Conhecia eu a tradução de Raimundo Cor-reia, e bem me lembro de como o nosso grandepoeta uão conseguiu penetrar-se do simbolismodelicado, que revela o fecho desse admirável poe-ma. Assim é que tentei traduzi-lo, por simplesdiletantismo, sem alimentar nenhuma pretensãoliterária.

Uma coisa puxa outra, um soneto arrasta osdemais. Quando remeti ao sr. Mucio Leão 10produções, que mo pareciam melhor trabalhadas,já me havia "aventurado amplamente neste terre-no difícil e complexo de verdadeiras elocubraçõespoéticas. No comentário que fez acerca dos meusriespretenciosos trabalhos, o sr. Mucio Leão es-colheu, dentre eles, para apresentar ao público, atradução do "Velho Ourives". Fez isso natural-mente, porque conhecia perfeitamente a bela téc-nica de ourivessaria com que foi composta estapeça de fino labor literário. A arte sutil e capri-chada que presidiu a realização de "Le Vieil Or-fevre" permitiu a Jules Lemaitre fazer algumasobservações que o sr. Mucio Leão achou de bomalvítre recordar.

Aquele dizia: "Acreditais que seja possívelsubstituir, sem prejudicar o soneto, as rimas quenele foram usadas? Notai, em primeiro lugar, quediversas palavras, que forneceram as suas rimas,são palavras essenciais do vocabulário do ouri-ves e do armeiro. Além disso, sente-se muito bemque uma rima aberta, em ére ou em ale, porexemplo, não teria cabimento aqui, e percebemosque o i, vogai aguda como a espada, fina e deli-cada como as jóias, é que devia dominar no fimdos versos. Sem dúvida a rima em rie (pierrerie,fleurie, orfévrerie) não teria sido mal escolhida;mas quem nâo sente que a sibilante adoçada, quese ajunta à vogai afiada (frise, irise) nos leva a"imaginação à arte de cinzelar, de fazer um esti-lete aguçado ferir um metal""Severino Montenegro", afirmava MucioLeão, não pode ter, em sua tradução, essas pr^o-cupações estéticas e técnicas — preocupações depoética e de ourivesaria, como as teve Heredia.Parece-me, entretanto, que a sua tradução do di-ficílimo soneto é digna de louvores".

Na verdade não as tive, nem poderia pensarem telas, naquela ocasião em que iniciara a rea-lização de uma tarefa sem base sufciiente parame aperceber claramente do que estava produ-zindo.

Essa circunstância levou um crítico de Cam-pos do Jordão a escrever ao ilustre homem de le-trás. protestando contra os louvores que me foramcreditados, pela sua admirada pena.

Grande período já decorreu daquele tempoa esta parte, para que me seja licito comentar asobservações do ardoroso polemista. Agora, cabe-me, somente, dizer que muita coisa do que disse-ra estava certo, com exceção de que eu pudessealimentar maiores pretensfies quanto ao meu tra-balho e o soneto que apresentou, em substituição,obedecendo nos rigores da técnica herediana, masuma peca de indiscutível mau gosto.

Por opturno, devo reprodulir aqui o sonetoem causa: a tradução antiga e uma nova, vestidaagora de novas roupagen sqe proporcionam se-melhanen mais justa com o original. Assim o lei-tor poderá apreciá-las, comparando as duas tra-rincões:

O VELHO OURIVES

Melhor que outros, pesar do renome e grandeza,.Timenez, Becerril, Ruiz ou Arfeu ousado,Berilos c rubis e ânforas hei lavrado,E ü'a asa ?oi torcer com perícia e levesa.

Em prata e sobre o iriado esmalte que a embeleza,Esculpida deixei, — a alma tendo arriscado. —Não o Cristo na cruz ou o santo supliciadoMas — vergonha — o ébrio Baco ou Danaê

[surpresa,O» cabos embuti de punhais e de espadas,E, para orgulho vão da sobras condenadas,

'Continua na página. 12)

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Sábado, 1-1-1949 — Vol. X, n.° 1 AUTORES E LIVROS Págfrn 9

Cartas de Joaquim Nabuco a Graça AranhaHotel de l'Esterel —

Cannes.Maio, 3, 1903.Meu caro Dr. Graça.Faça-me o favor de ler e

mandar essa carta a Mme.Ferreira. Mando-lh'a pari,ver minhas intenções a res-peito dela e dos trabalhos.

E' preciso que lhe man-dem de Paris os documen-tos impressos da SegundaMemória para organizarmosa exibição das provas certi-ficadas e originais paraqualquer exigência.

Aí vai a carta do Fialho.Estamos todos reunidos

desde ontem, e todos chega-rnm bons.

Muitas saudades aos seusDo seu dedicado

J. N.

Cannes, Maio, 6.Meu caro Dr. Graça.À vista do telegrama do

Kio Branco peço-lhe o fa-vor de passar este telegra-ma em vez do outro.

No caso de telegramasdesses mande-me pelo te-légrafo, somente a suma,remetendo a cópia pelo cor-reio ao nosso apêndice eramdesnecessárias c sobrecnr-regaram muito o preço.

Sei que tudo o que o sr.íaz é bem feito, e nunca lheacho falta, esíou-lhe so-mente dando maior liberda-de econômica.

Do seu Mto. af.iJoaquim Nabuco

Hotel dc 1'Esterel —Cannes.

Maio, 6.Meu caro Dr. Graça.Só lenho tempo para lhe

enviar o cheque para os te-legramas. Peço-lhe fazê-lolançar em minha conta ofi-ciai, porque tenho outra.

Muito sinto a epidemia,mas conto que terá intei-ramente passado a esta horae que Heloísa fará exce-ção.

Mando-lhe essa carta doTobias em que há uma re-ferência ao sr.

Pelo que vejo o Impera-dor eclipsou aí o nosso Rei.Êle é ura homem de ima-ginação e pintor histórico.O assunto é porém sempreo mesmo.

Do teu Mt.° dedicadoJ. N.

Hotel dc 1'Esterel —Cannes.

12 dc Maio.Meu caro Amigo,Estamos aqui tão bem,

.sozinhos no hotel, que sónão fecha por nossa causa,em um parque, numa cida-de toda de jardins, que con-aidero uma fortuna poder-mos ficar mais uns dez diaa.Neles adeantarei muito aminha Memória e só merestará depois de maio umascem páginas que dividireipelos meses que ainda te-iiho, folha a folha, de 8,mesmo de 16 páginas, Wa-ílutores e impressores mepodem facilmente acompa-nhar. Estou, porém, quaseprecisando já dos meus cai-:iões deixados ai para o Ve-loso m6os trazer mais tarde.e seria mesmo muito melhorae os tivesse comigo. Nãopreciso dele por enquanto,nem do Raul, mas precisa-rei do primeiro logo que te-nha acabado esta minhaprimeira tarefa, e do segun-do talvez ao mesmo tem^po, porque êle (Raul) éque vai ser o portador dooriginal e o Impressor-Mór.ou Superintendente das im-pressões da segunda Memó-ia. Do Veloso preciso quan-to a esta para a fixação dooriginal, que precisa de ircom diversos trechos copia-dos.

Como fazer, porém, parater aqui sem demora osmeus caixões não vindo ne-nhum deles? Cannes é umParaíso, mas está tudo ago-ra solitário, parecendo en-cantado, e exceto pela vizi-nliança de Monte Cario eunão quisera condenar ne-nhum deles a este desterro,além de que neste momentotudo me interrompe, estouem condições ideais, de ab-soluta liberdade, para otrabalho, e por isso tenhocaminhado tanto que mesinto desoprlmido. Um por-tador inteligente, que viés-se como um fuzil, (arma-do de um salvo-condutopara a alfândega), com bi-lhete de ida e volta de 2*.seria talvez o melhor. Ouassim: tomar uma passagemde 3." sem portador, fa-zer com esse bilhete despa-chA a bagagem para Geno-va, remeter o bilhete pelocorreio ao Martins... Não,há muito perigo em tudoisto, tratando-se da causapública. O melhor é o por-tador seguro, o Barros Mo-reira que tem o gênio deum Whiteley, arranjará logoosso artigo. Ainda não seisuns intenções nem as dele,e isro em parte faz que eunão saiba as minhas.

A esta hora Dona Yayá¦deve estar livre da vacinaromana. Muitas saudadesnossa?. Os meninos tambémestâo nnciosos.

Do seu Ml, dedicadoJ. N.

P. S. — Não faça ne-nhuma injustiça ao Cardo-so. Êle mesmo é uma Ir-mã de Caridade. Se/receioufoi mais pelos outros, e porsupor que a nossa amiga es-tava pei*dida e não podiaser útil sem matar-se maisdepressa no meio de estra-nhos.

Não houve egoismo naprecaução, mas interessepelos filhos que não conhe-rem o perigo e extremososnào tomariam a menor cau-tela. como, mesmo em fa-mília, se deve tomar. Nãoquero sombra na sua efei-ção por êle, ainda menoslançada, involuntariamentepor mim.

J. N.

Vão esses bonbons para oRaul. Os meus Jornais doComercio de 12 a 15 deabril não me foram reme-tidos dai. Senti tanto maisquanto perco assim os trêsprimeiros artigos do Tobiassobre a Chanaan Paranaen-se. Veja se os acham. Esseserviço não me parece feitocom a severidade do impla- ¦cável Waghorn, o trinca-secretário d e SouthwellGardens. E Temistocles? EHeloísa? Estou sempre aestimular os meus com osprogressos deles aí eniRoma pelo que me disse.

Hotel de 1'Esterel —Cannes.

Maio, 18-1903.Meu caro Dr. Graça.Estive trabalhando muito ati-

vãmente na Réplica e parei.Foram uns vinte e tantos diasde muito resultado, tenho, po-rém. medo de jaire sauter Iamachine. Pm- isso descançoesta semana, o que quer dizerque tenho tempo para pensarnos amigos dai... que me es-queceram. Até sábado devemosestar em Gênova. A Itália de-cididamente me conquistou esinto falta dela. Cannes é umparaíso, mas artificial todo êle,isto é, os jardins e as palmei-ras. Parece só ter plantas dc-corativas e flores condenadasà perfumaria. Uma destllaçãodubln em plena Bagdad, é parafazer detestar a vista das ro-sas! Ruskin nâo se daria bementre estes jardins e parques,nem o meu velho Tautphoeus,

que detestava o convencional is-mo, sobretudo na natureza. Acultura das flores, a Industria,e o "milhão", tiram em grandeparte a frescura deste cenário,exceto, esses preconceitos, admi-rável. O mar mata o lago, epor isso aqui nào se compreen-de o prazer de voltar à Suis-sa. O hotel está somente aber-to por nossa causa, não tem

outros hóspedes, estamos por-tanto em uma grande vila, ser-vidos por autômatos que nãonos dão nenhum incômodo. Emtais condições trabalhei a va-ler, mas, como lhe disse, can-sei. E' uma grande empresaem que me meti. Sinto a ne-cessidade de muito isolamentopara o trabalho, de muitosamigos para a distração, deuma biblioteca para as con-sultas, de tradutores, copistase auxiliares perto, dos livros,que tenho em Londres e dosque tenho em Roma, do Tro-pé e do Hulllard, de um bomclima de verão e outro de ou-tono, de ir a Roma, de tratar-me dos ouvidos, de vir àságuas, de contentar a todosque me ajudam, etc, etc. (nãofalando de não ine arruinarcom as viagens), e não seicomo conciliar tudo isso,

Aqui está o que tenho feito:Escrevi bôa vontade da Memó-ria! Deixo o resto para junho.Preciso agora dos meus caixões;não tenho necessidade indeeli-nável do Veloso, mas é bomque êle venha, preciso, porém,muito do Raul, a quem vou en-carregar um trabalho de mui-ta atenção, cuidado e traba-lho. Peço-lhes que até segun-da feira próxima estejam emGênova. Seguramente o Ve-loso com os caixões deve estarlá na segunda de manhã. Senão faz-me perder um dia! En-quanto não passar o prazo dos40 dias, tenho que estar à es-pera dos documentos, se vêm ouse não vêm, e chegados, ounão, terei que ir a Roma. Que-ro ver se em Gênova adeantobastante o meu trabalho. Es-tou muito contente com a ré-plica, mas estou com grandespretensões e o prazo é curto, ese não tiver um intervalo dedescanço chego ao fim sem apresença precisa para as últi-mas demonstrações. Estou, po-rém, por ora, muito satisfeito,dei CQm verdadeiros veios naminha mineração subterrânea.Se não vencermos estou con-vencido qtie nâo terá sido peladefesa que fiz.

Dê-nos notícias suas, de Do-na Yayá e dos meninos. Ain-da a julgamos marcada pelaerupção romana. Precisamosnovo boletim.

Muitas lembranças afetuosas #-a todos da Via delle Muratte |e do Corso e do Vaticano.

Do seu Mt° sinceramenteJoaquim Nabuco

Diga tudo isso ao Barros Mo-reira. Vejo com imenso prazerque o Rio franco se vai esque-

" cendo dele. Não me parece na-tural passando este ano quemande outro colher o que êleestá fazehdo. A propósito quediz o Cora? O Matias de Carva-lho talvez possu também dizeralguma coisa. A esta hora ai-guém já deve estar estudandoa questão. Quem será? Quemé? Não tenho tido nenhuma re-portagem a esse respeito. Hátanto segredo assim em Roma?Por ora infelizmente só meposso ocupar das Memórias querestam, não tenho um minutoa perder e não posso estar aí.Mas o Encarregado de Nego-cios deve estar vigilante e in-formar-se. Diga-lhe isso.

J. N.Cannes, 19 de maio de 1903,Meu caro Dr. Graça.Deixei de trabalhar há três

dias e agora preciso de recebero que ai ficou. IU a trazer doiscaixões n." 2 e n.° 5, um paço-te de livros, t os Atlas ingle-ses, tanto o apresentado agora,como o apresentado na questãode Venezuela. Este creio queeu náo separei para me sertrazido, mas est* no Caixão dos

Atlas. Espero ter tudo isso.com ou sem Veloso, na próxi-ma segunda-feira em Gênova.Apesar de ter feito muito, oque me resta a fazer é tantoque não posso perder um dia.

Estes dias de descanço quetomei têm sido de liquidaçãode atrazados de correspondén-cia, etc.

Nada sei de ninguém, nessa,imensa treva vejo apenas oCosta sobre as ondas lutandocontra a corrente!

Realmente tem sido um Jo-guete dos Ministros! No fundoeu creio que êle gosta dessaagitação. Agita-se pelo menostanto que não deve ser-lhemuito sensível se o agitam.

Do seu Mt.° Af.° e dedicadoJoaquim Nabuco

Cannes, 20 de maio de 1903.Amanhã partimos para Geno-

va por San Remo, parando aium dia. Sábado já me pode te-legrafar, etc. para o Éden Ho-tel ou para o Consulado. Pre-cisamos agora ver onde nospoderemos encontrar, isto é, osnossos. Depois a distância podetornar-se maior — ou menor.

Devolva-me a carta do Ma-chado. E' somente para lhestransmitir o conforto que mecausa a atitude sempre igualdo chefe. Lembra-se que eupedira uma benção do peitopara os seus cardeaes de Ro-ma. Ele nos manda a benção,porém, como cura de aldeia!Que somos nós senão isso? En-vergonho-me de ter tido a idéiados cardeaes. CAliás a jovemfigura dos dois outros faz pen-sar em cardeaes da Renascen-ça). Nós não temos a línguaCatólica. Mesmo no seio da

•nossa pequena igreja local osportugueses, que também for-mam aldeia, nos consideramcismáticos. Até breve, Do seude Coração.

J. N.

Hotel de 1'Esterel —Cannes.

21 de maio 1903.Meu caro Amigo,Como Mme. Ferreira é sua

própria epiderme, e não queropor isso desgostá-la, nem deci-dlr nada a respeito dela semseu conhecimento, peço-lhe queleia^e encaminhe essa corres-pondência, fazendo o possivelpara ela não se querer substi-tulr ao Ruffier, matando-se edeixando-me no meio do cami-nho, como com a PrimeiraMemória. O sr. compreendebem a minha posição. Mas nãolhe posso falar como amigo.Ela sente sempre o chefe. Mo-va-a portanto direito daí, to-

mando conhecimento da situa-ção.

Do teu mt.° af.°Joaquim Nabuco

Hotel de 1'Esterel —Cannes.

23 de maio 1903.Meu cara Dr. Graça.Ontem escrevi-lhe um tanto

cançado, portanto nervoso, sô-bre Madame Ferreira. Nãoquero, porém, que ela se torneo centro dos trabalhos da 2.ke 3.a Memória, e se a residên-sia dela, em vez de um localneutro, fosse escolhido parasede, isso importaria em umaeleição. A eleger alguém eu de-cididamente elegia o Ruffier.Voila tout! O Zaguary escre-veu-me, pedindo que a licençafosse com ordenado... paracantar! Respondi-lhe que nãoera certo tomar a cigarra quan-

:o viesse o inverno. Não meservi dessa imagem.

Hoje partimos de Cannes.Domingo estaremos em Gênova.

Sua carta me abala muito.Com os seus amigos que sãomuitos e influentes e dedicadostalvez possa crear uma posiçãobôa e independente no Brasil.A do Pires Brandão vale decerto a de Ministro do Exte-rior. Conto com o Rodrigues,Tobias, Pedro, muitos outrospara o ajudarem. Se o Domi-cio e o Veríssimo o chamam, éque vêm isso. Também o RioBranco pode querê-lo. Quemsabe? Nâo sei que destinos lhepodem estar reservando lá.Quanto aos desejos da famíliae da sra. sua mãe é precisotratá-los carinhosamente, po-rém, como chefe de família,que tem a responsabilidade domonus, do ofício, sagrado, edeve dirigir e não ser dirigido,E' preciso em tudo pesar opresentimento, a advinhação,de Dona Yayá, mais do que oresto. E seu sogro, o que diz?

Não lhe posso dar nenhumconselho senão talvez o de nãodeixar o seu lugar sem certezade compensação imediata. Oclima de que está gosando temque ser levado em conta noseu ativo atual, e o descanço.Um e outro significam saúde,vida, anos vencidos no cresci-mento e educação dos seus fi-lhos, e significam, creação,glória, que aproveitaria deles,e sio de fato uma expectativade pensão ou beneficência na-cional certa. Só deveria tro-car esses títulos atuais porvantagens grandes, indiscutí-veis, de acumulação segurapara os seus. E' este o meu

(Continua na pág. 12)

V/ \m lifluA/ s.

UNIVERSALREtOSOS E CRONOMETBOS PE PBECIS-«fo

A VENDA NAS BOAS CASAS

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';ltft - JEMYWPS ttJb.»HÍ>-^M^«1»l"o mm0" pi emaí foiDesta amarga existência em certo, amargo dia,K hora da meia noite, augurei e profana,SEu, de velha doutrina, as páginas reliaCurvo ao peso do sono e da fadiga insana

Mal do meu pensamento a direção seguiaCor essa hora de horror em que da treva emanaToda em funda hediondez, desoladora e friaOa atra recordação, a atra saudade humana.

1 *c*-Foi assim que senti, do meu triste aposento,Como um leve sussurro a passar, lento e lento,E uma leve pancada a bater nos humbrats,

Oisse comigo: é alguém que pela noite fora,Vem, retarda visita, e retarda-se agora...A bater mansamente à porta, nada mais!...

nO se o recordo, e bem! numa hinvernia brava,O ríspido e glacial Dezembro decorriaE, da lareira ao chão. cada braza lançavaO supremo fulgor. da sua lenta agonia.

E eu a esperar, em vão, a aurora que tardavaQueria, em vão, achar nessa velha teoria »Contida no volume antigo que estudava,CJm consolo sequer à dor que me pungia,

Em vão! consolo, em vão! à minha dor profundaEm vão! repouso, em vão! à alma que se me tcumdaDesta imortal saudade aos prantos imortais.

Porque jamais se esquece, alma consoladoraComo essa que nos céus é chamada Eleonora,Nome que nunca mais ouvirei, nunca mais!

inAnte o vago oscilar, indefinido e brandoDas cortinas que o vento, ao leve, sacudia,Ia-me o coração sinistramente entrandoO sombrio terror da noite erma e sombria.

Um tétrico pavor que então desconheciaE que me estrangulava o peito miserando,A alma, sem compaixão, de dúvidas me enchiaE pouco a pouco foi meu ser avassalando.

Enfim, para volver á ambicionada calmaE a coragem, de novo, amparar-se-me d'alma,Repetia a mim mesmo estas palavras tais:"Nada mais é talvez, que retarda visitaQue vem da noite em fora e entrada solicita!E' visita que vem, por certo, nada mais!"

IVA calma que até aí do peito, me fugiaVoltou de novo ao peito e, à coragem primeira,Nio mais vacilações. nio mais mente erradia!Ao estranho rumor falo desta maneira:

'Como nesta ocasião o sono me prendiaE a pancada foi tal, tâo leve e tão ligeira,Que presto não corri; perdoai-me esta ousadiaDama ou senhor que estais da minha porta à hombrsira'7'fio receiosamente e vagarosamenteEatestes, que nâo fui receber-vos contente,Como hóspede que sois e à minha porta estais.

E assim falando e olhando, escancarei a porta,Mas só encontrei naquela hora adiantada e morta,Treva! Treva somente! A treva e nada mais!

Cravo os olhos na treva e longamente a escuto,E a treva é muda e é muda a própria ventania,E longo tempo assim com o prdprio medo luto,De «dúvida e terror povoando a fantasia.

Sonhos que outro mortal, como eu nunca ousariaSonhar, me vêm num bando esmagador e bruto,Profunda calma aquieta a quieta calmariaImóvel é o silêncio e só o silêncio escuto!...

A única voz humana, o único som ouvido,E' este nome, em surdina e, a medo, proferido;E* este nome que encerra os meus mortos ideais.

Sou eu quem o profere, eu que o trago na mente.E um éco a repercutir, repete-o vagamente:• - "Eleonora! Eleonora!" E' isto e nada mais!

VIEntrei de novo em ânsia e ardendo a estranho £o?o,Senti que dentro em mim, todo o meu ser ardia.Ouvi distintamente outra pancada e, logo,De outra pancada o som mais claro percutia.

A essa nova impressão, volto-me e monólogo:Talvez cousa qualquer me bata à gelosia.Certamente que sim, pois que ludibrio e jogoDo pavor de mim mesmo, eu, certo, não seria!

Fujamos, pois, do medo, ao tenebroso império!Ânimo, coração! sondemos o mistério,Se bem que a noite esteja uivando aos venda vais.

E continuando fui: Nada maia foi que o vento,Nfto foi.mais que o feroz, nfto foi mais que o violento

•73p.ro do furacão! Foi isso e nada mais!...

VMTradução de EMIUO DE MENEZES

viiÍSín..a Janel\e "«* entrar, ruidosamente,Amptos azas batendo e ares de fidalguia,üm magestoso corvo altivo e irreverenteComo arauto feral da noite erma e bravia.Sem fazer o menor sinal de corteziace„mnU27?eS -° Sequer

P> hesitação prudente,Enta,, ?? \T

nobre' alta dama «"raria.nntrou e se alojou despreocupadamente.

Vagaroso e solene, ar indolente e fartoExatamente sobre a entrada de meu quartoSeguro abrigo achou acima dos portaisEsta recordação até agora me enerva-Sobre um pálido busto antigo de MinervaRigido e senhorial, postou-se e nada mais!

VIIIA este pássaro audaz, de ébano a côr das penisGrave na compostura e na fisionomiaoÜp ^°„Cel'e,bro

me dava ldéias "«"s serenasQue me acalmava o peito, e a sorrir me induzia.Voltando-me disse eu: "Tu que te não encenasDe altas cristas ou poupa à nesra frontaítaVelho corvo teral que te mostras apenasCerto, nao es o vil núncio da covardia.

'

Corvo! antigo viajor que das regiões da noitePartiste a procurar um teto que te açoitettze-me tu quais são teus titules reais!Qual a pátria ante a qual teu orgulho se ufanaiQuais as tuas regiões na noite plutonlana?E o corvo senhorial respondeu: "Nunca maio "9

IXAo perceber assim que a ave me compreendiaQuleu enV/SP0^a

eSta Pe,|Sunta *S3SSenti de nrmPa"'? e med0> a mcd0 "* ">zia.Senti, de pasmo, nalma um peso de montanha.

Si"8 quem tenha "««a intuição tamanhaCapaz de perceber o que outrem mal veriaCerto, nâo achara neste dédalo um guiaPara o tirar do caos em que a alma «emaranha!Ninguém verá como eu, a ave negra num busto

Dizer-me simplesmente a frase: "Nunca mais!..."

Como se essa palavra o sentido mate justoTive*e e contivesse a suprema harmonia:Ws* do pensamento um invólucro augustoCheio de precisão e cheio de energia,Sm," £!. pronunciou, nem ao menos, a custoOrna pluma moveu da plumagem maciaEu que continha mal toda a minha saudadeTive. partiram; certo, assim também te vais!Assim também te Irás, mal rompa em luz a aum™ pEsperanças que tive assim féstes embora'E o corvo repetiu a frase: "Nunca mais'' ••

XITodo o assombro em meu ser por tremor se anunoi»?í. £1a.ave arral sem ° «¦» S££ cla'Tal resposta me dar, com tanta analogiaQue inda agora, a lembrá-la, eco por eco a sorvo.Certo a frase aprendeu na triste companhiaDe algum mestre infeliz cujo destino torroDa dor o escravizou & fera tirania,E a sabe assim de cor. o foragido corvo!Tantas vezes a ouviu. Tâo repetidamente

Que hoje a profere a rir, como a profere em ais!De profundU! cruel de uma morta esperança,Tão trlstonhas canções deixaram na lembrançaDo corvo este estribllho, este só: "Nunca mais! ..",

XIIComo apesar de tudo a calma conseguiaFazer-me d'alma vir, do lábio, um riso, á tona,Chegando-me ao portal, do corvo hospedaria,Sentei-me e recostel-me a uma antiga poltrona.

Frente i frente do corvo, a alma já me sorriaE toda entregue a mim, como quem se abandona,Busco ansioso indagar que novas me trariaO fúnebre viajor que inda hoje me emociona!

Procuro compreender qual o escondido gozoDesse vil e sinistro arauto tenebrosoQue em dois termos resume os seus vis cabedais.

Que os seus vis cabedais de ciência e de linguagemResume ao exlbir-me a tétrica plumagemCrocitando e grasnando a frase: "Nunca mais!..."

XIIIDeixo-me após ficar como quem se extasia '¦•;.Entre aluclnação e funda conjectura,Ante a luz da razão e a névoa da utopia.Sem nada a me apoiar a mente mal segura.

Nada mais pronunciei, nem um som se me ouviaE como a um ferro em braza, a uma horrível>tortura,Da ave ao olhar hostil e à pérfida ironiaN'alma entrou-me o terror que as almas transfigura.

Mas a um torpor de quem vagamente resona,Recosto-me ao espaldar dessa velha poltronaQue eu para ali trouxera em ânsias infernais,

E* vejo a luz brilhar sobre o roxo veludoEm que por tanta vez d'Ela o semblante mudeBrilhou, mas nunca mais brilhará! Nunca mais!

XIVSinto assim a envolver-me uma nuvem de incenso,Solta de um incensório oculto que pendiaDas invisíveis mãos de anjos que em coro extenso,Revoavam roçagando a amph tapeçaria.

Haurindo o ar aromado e, de bálsamo, denso,De mim para mim mesmo exclamo em gritaria;Infeliz! infeliz! Um Deus piedoso e imenso,Pelos anjos te manda o repouso c a alegria!

Do nepentes é o sumo! Ei-lo, bebe-o! Ei-lo, esquece!Èle é a seara do bem, do esquecimento a messeíNele ouvirás a voz dos gozos celestiais!

E' o nepentes ideal que Deus te manda agora!Bebe-o! Bebe-o olvidando a tua morta Eleonora!E o corvo crocitou de novo: — "Nunca mais!..."

XVPássaro ou Satanàz, ave de profecia, ,Sejas ave ou Satan, sempre hás de ser profeta!Venhas do teu inferno ou da brava hinverniaQue náufrago te fêz, acalma esta alma inquieta.

Já que a noite exigiu, no vôo que te guia,Que caísses aqui, onde a angústia secreta,Onde o secreto horror tem teto ou moradia,Do pouco que disseste o sentido completa!

Dize-me, por quem és, sc neste mundo triste,Existe algum repouso, algum consolo existePara estes meus cruéis, sofrimentos mortais!

Existe esse mendaz bálsamo da JudéiaQue, da saudade, a dor nos arranca da idéia?E o corvo, inda outra vez, repetiu: "Nunca mais!"

XVIProfeta ou Satanaz, negro ser da desgraça!Profeta sempre atroz de negra profecia,Pelo azul deste céu que sobre nós se espaça,Pelo Deus, todo luz, que em ambos nós radia,

Dize a esta alma sem luz e de dúvidas baça,Baça de incertldâo e de melancolia.Ser-lhe-á dado abraçar o anjo que entre anjos passa,E de cujo esplendor hoje o céu se atavia?

Ser-lhe-á dado abraçar a virgem pura e santa,Virgem casta e piedosa e que os anjos encantoCom seus gestos de encanto e encantos virginais?

Ser-lhe-á «dado abraçar, oh! díze-o sem demora.A rútila, radlosa, a radiante Eleonora?E o corvo rouquejou, roufenho: "Nunca mais!"

XVII"Que esta palavra, enfim! de negra profeciaDo teu regresso o inicio ambicionado seja!Regressa ao reino teu, à noite que te envia,A noite plutoneana, essa que em ti negreja!

Volve! Cala essa voz que me fere e angústia!Reentra no temporal, volve à tua pelejaDe lá fora e não fique uma só pluma esguiaNeste chão, de tua vil plumagem malfazeja!

Não quero que de ti uma reminiscênciaFique nesta de dor, sagrada residência,Sobre a qual distendeste as azas funerais!

Vai-te! Deixa da deusa a face casta e branca!Arranca-me do seio as garras vis, arranca!"E o corvo crocitou de novo: "Nunca mais!"

XVIIIE o corvo permanece em perpétua estadia,Sinistro a repousar, do mármore, à brancura.Quem o contempla assim pela verdade juraQue algum sonho feroz seu aspecto anuncia.

E* um demônio a sonhar sonhos que o inferno criaE que lhe enrijam mais a rijp. catadura,Tal o fulgor do olhar que os olhos lhe alumlaE com que a própria sombra êle sondar procura.

Essa sombra que a luz da lâmpada suspensaFaz refletir no chão, qual atra nuvem densa,No mesmo chão negreja em linhas sepulcrais:

E desse âmbito negro, esse âmbito de sombra,Minha alma que da dor da saudade se assombra,Nunca mais sairá! Nunca mais! Nunca mais!

(Veja "Autores e Livros", vol 9.°, págs. 23, St,51, 00, IU, 147).

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Sábado, U1.1949 — Vol. X, n.» 1 AUTORES E LIVROS Página 11

A VI0A DOS LIV¥0Si (Contlmtaçáo ia pág. 7)

fria, Incólume passais...ô' coração, revolta imagemde um mar quebrando contra

to cais! :

Chuva monótona, profundorequiém dos tristes, passionais,daqueles que andam pelo mundoouvindo sempre "nunca mais"...

LIMA, PEREIRA — Mundo FuturoDepois te vi no cinema:

Na época da propaganda daAbolição e da República, raulti-plicou-se no Brasil o grupo dospoetas políticos. A enfermidadefoi grave, e atingiu até aos poe-tas mais líricos, os que pare-ciam mais distantes de talameaça, Olavo Bilac, por exem-pio, foi vitima dela, e escreveuuma íraquissima saudação ao15 • de novembro, Mais graveainda foi o ataque de que so-freu Raimundo Correia, poetatodo arte, todo pensamento esensibilidade, que entretantoincluiu nas Sinfonias uma sé-rie de poesias políticas ou so-ciais, que ficou sendo a partemais frágil de toda a sua obra.

Gomo nos anos de 1880, temosagora uma tal ou qual flores-cencia de poesia politica e so-ciai. Este livro do Sr. PereiraLima pertence a tal correntedesde o titulo que ostenta.Mundo Futuro — que mundoserá esse? Sert o mundo, hojemisterioso e sò um sonho revê-lado a certos venturosos — omundo a que os homens vfto serrealmente iguais eváo ser igual-mente felizes, o mundo enfim,em que o homem nio seja maiso lobo do homem, porém o ir-mio>do homem.

Nlo queremos examinar maisdetidamente certos poemas denatureza social do livro; limi-tar_nos-emos a transcrever, co-mo- amostra da poesia do Sr.Pereira Lima, o seu poema de-dieado a Boosevelt:

Hoje morreu BooseveltDeixando a humanidade estre-

Lmecida.Morto antes do fim... Como

[MoisésAntes de chegar i terra pro-

[metida.

Tu falando... tua imagem[viva...

O teu lar... a Casa Branca...a tua vida retrospectiva...

O teu enterro... no silencia[triste...

E do cortejo ao fúnebre passarMilhões, milhões de anônimos

[chorando...Era alma de teu povo, eras tu

[mesmoParecendo a ti mesmo te chorar!

Lutaste pela Faz! tua bondadeAinda guiara a espécie humana!Mas se morreste, meu sublime

(tirmío,Terás a paz que desejaste em

[vidaLá noutra Casa Branca, a do

[nirvana!

As covas tenebrosas ,Que s6 tém cinza vft?

Perfuma-me de nardo enquan-tto-vivo,

Coroa-me de rosasE chama a corteza!

Antes que, em baixo, ó Eras,Com os mortos vá dansar,Quero os cuidados ferosDa vida, afugentar!...

O AMOR EM CADEIAS

As Musas tomaram SrosE o deram, preso em guirlandas,para a Beleza o guardar.E Venus trouxe os presentesPara o remir e comprar.Ê Venus trouxe os presentesPara o remir e comprar.Êle, entanto, redimido,Sua mãe pode chamar:Gostou tanto das cadelas,Que não quer se libertar!

LIROS E ROSAS

Oh! não me fujas, bela moça,Porque esta branco o meu ca-

[beloG a tua cor é semelhanteA flor ho seu viçar mais belo!...Oh! Não desprezes meus deli-

[rios,E lá no monte imenso que teu[povo B

Esculpiu para Washington ef & W* tens cores mimas^[Lincoln Vê

E esculpirá também a ti,

Quando aqueles que vivem já[repousem —

Serás liçfio à geração futura:Voarás como os condores que

[ai pousem!ReVesterás ao pó — nessa es-

[cultura!

E, 6 Águia do gênio americano!ô grande ditador da liberdade!Tu regeras a orquestra do por-

[virNa sinfonia milenar dos ecos.

A tua estatua esculpirá a His-[teria

E ó teu cadáverDesafiará os cadáveres dos sé-

[culos!

Odes de Anacreonte e suas traduçSes, por AlmeidaCousin — Irmãos Pongetti

O Sr. Almeida Cousin dá-nos,com este livro, úma contribui-''çao preciosa: a tradução dasOdes de Anacrenote, acompa-nnada do original grego.

Anacreonte, ao que parece élioje apenas um símbolo. ComoHomero representa apenas onome dos numerosos rapsodosque na Infância da Grécia cria-iam o milagre daquelas lendas,

ãiuculas, daquelas infinitas poe-sias, que mais tarde foram co-dificadas com o nome de Ilíadae com o nome de Odiseia — as-sim tamber Anacreonte não éhoje senão o símbolo de nume-icsos poetas que escreveramOdes ao geito do velho poeta,táo amoroso do amor, do dese-jo e do vinho.

JTdltadas em 1654 por HenriEstienns as Odes de Anacreontetiveram facilmente a conquis-ta do mundo, e vieram encon-trar éco em nossa língua. Exis-tem delas cm Portugal três edi-ções: a de Francisco ManoelGomes da Silveira Maiaião(1804); a dc A. T.M. (Anto-nio Teixeira de Magalhães)(1819); a de Antônio Felicianode Castilho (1866). Da primei-ra — a de Malhão — dava-noshá alguns anos uma editorapaulista uma reprodução.

Essas são as traduções portu-guesas. No Brasil, é sabido queHouve unia tradução das Odesda Anacreonte: a de Silva Al-varenga. Passa por ter sido aúltima obra do nosso poeta;morreu éle, porém, sem a tereditado, deixando-a pronta pa-ra o prelo. Extraviou-se o ma-nuscrito, no dia do enterro doautor. Existirá ainda em algu-ma parte?

Pragmentariamente possuímosoutras traduções db poeta gre-go- uma de Machado de Assis,

uma de Pires de Almeida, umade Jorge Jobim, uma de Bal-muftdd: Correia; uma de Belísa-rio de Souza (que, cremos, nun-éa chegou a ser publicada, poiso autor a considerava modesta-mente, como um simples exer-eleio colegial dos seus trechosde estudo grego); uma inter-pretaçfio de José Bonifácio, emuitas outras que naturalmen-te nos escapam. Em um doscapítulos do Fabordão, João Ri-beiro traça um curioso paraleloda inspiração de Anacreontecom a de Gonzaga, mostrandoromo várias das liras dò poetainconfidente são simples atíap-tações de textos anacreontinos.

Parece, portanto, que é a pri-meira vez que de forma seguidae completa teremos Anacreontetransportado para o Brasil.

Do cuidado e do amor comque o Sr. Almeida Cousin feza sua tradução dão testemunhoas-\páginas que seguem, nasqitáis encontramos cinco odesde Anacreonte, já anteriormeii-te traduzidas por outros poetasde nossa língua:

VIDA VOLUTUOSA

Deitado molemente junto aoLmirto,

Sobre o loto virente,Quero me embriagar!

Que Eros, prendendo o manto[aos ombros claros,

. Venha serenamente,A taça me ofertar!

Como o rodar de um carro, a,) [vida passa

E, em breve, cinza e ossos,Haveremos de jazer...

Porque lançarmos sôbre a terra[aos mortos,

Já miseAs destloçosVinho bom de beber?

Porque andaremos perfumando[as lápides

— nos diademas em que[há lirios,

Que bem resplendem Junto às[rosas! a

iiimmv!b ¦O AMOR. E A ABELHA

Eros, no meio das rosas,Uma abelha, ali escondida,Náo viu. Dela foi picadoSeu dedtaho. As mãos mimosasSacode, desesperado,A gritar: Eu perco a vida!Desse drama corre paraA bela mie Citerêa:— "Eu morro, minha mftel —

[declara —Eu morro! Expiro, alma déa!Picou-me a serpentesinhaAlada, que abelha chamamAqueles homens da terra!"E ela disse: — "A agulhailnhaDe uma abelha te doi tanto...Julga, ó Eros, os que feresComo Hão de sofrer e quanto!"

A CIGARRA

Feliz, cigarra, sempre sejas!De árvores altas, no alto galho.Bebendo só gotas de orvalho,Qual rei,, cantando, te espane-"..,,,,,.» .,-„ _¦;.,....[nejas... -Pois tudo é teu (que Importa

[os donos?)-Quanto tu vês no campo em

[festas,Quanto carregam as florestas.Cigarra amiga dos colonos!...Já lhes causaste algum pre-

[juizo!Nunca! Aos mortais és preciosa.Profetizando o ainda indecisoVir da estação quente, ditosa.Amam-te as Musas nesse en-

[canto,E ama-te Febo, ó sonhadora,Poiste ensinou táo doce canto!...Tens atributos de imortal:Sem te -acabar velhice langue,Sábia, terrígena cantora,Serena, sem carne, sém sangue,—Tu és aos deuses quase igual!

"LUZES DA ALVORADA"Rio de Janeiro, 1948,

83 págs.LANTEUIL, Henri de

"O FRANCÍS DO EXA-ME DE LICENÇA" (CUR-SO DE MADUREZA) — Li-vraria. Francisco Alves, Rio,1949, 111 págs.

CORRÊA, S. J. Fran-cisco de Aquino — "FLO-RILEGIUM ASCETICUMPRO EPISCOPIS A FRAN.CISCO DE AQUINO COR-REIA, S. S., ARCHIEPIS-COPO CUIABENSI INBRASÍLIA CONCINNA-TUR" — Imprensa Nacio-nal. Rio de Janeiro, 1948,266 Dágs.

6"CRONOS" — Re-vista Bi-Mestral de Cultural

Ano 1, n. 1 — Novem-bro-Dezembro dè 1948. Re-dação e Administração: RuaIbituruna, 43-45, Rio de Ja-neiro.

TRUJILLO, MariaMartinezide — "MEDITA-CIONES MORALES. CONUN PRÓLOGO DEL. SE-SOR LICENCIADO JOSÉ'VASCONCELOS" — Mexi-co. D. F. — 1948, 136 pgs.

E' um livro de reflexõesmoraes, destinado à infân-cia e à adolescência., D.Maria Trujillo se baseia emlições de Seneca e Cicero,de Eça de Queiroz, Ricar-do Leon, Zola, Franciscode Castro, Constando C.Vivil, Casimiro de Abreu,etc.

Seus temas são constru-tivos e excelentes. Não hámal em que as' belas pala-vras que diz esta mestra se-vera sejam incessentemen-te repetidas. Talvez um diaa humanidade constata emouvi-la, melhorando umpouco...

— MANUEL, hladeleineSophie Augustine — "LES

ATALA E RENE'Patrocinada pelo Instituto

Nacional do Livro, anuncia-separa breve uma edição fac-similar de Atola e Reni, comprefácio de Alceu AmorosoLima. ,.....[ ..

Esta edição, que será dada.em ,comemoração do centena-rio da falecimento de Chateau-briand, representa mais um es-forço do Sr. Augusto Meyer,ilustre diretor daquela institui-ção,

"em prol da cultura bia-

sileira.Esse esforço constante, já

tanta vea evidenciado, constitui,nos dias que hoje correm, degrande indiferença pelos em-preendimentos culturais, umraro exemplo de carinho e deamor pelos assuntos de culturano Brasil,

FORCES DU LANGAGE.THÈSE PBESENTHE AU,CONGQURS DEiA CHAI- rRE DE LANGAGE ET LIT-TERATURE FRANÇAISEDE LA FACULTE NATIO-NALE DE PHILCSOPHIEDE UUNIVERSITÉ DUBR&SIL" — Rio de Janei-ro, 1948, 190 págs.

SILVA, Vicente Fer-reira da — "ENSAIOS FI-LOSÓFICOS". InstitutoProgresso Editorial. S. Pau-lo. 1948, 133 págs.

LACERDA, Carlos —"O BRASIL E O MUNDOÁRABE", Rio,. 1948, 235págs. ' .

"JOAQUIM', n. 21— Curitiba, Dezembro tíe1948.

BUENO, Maria Tere-.za Galvão — "TRÍPTICO.POESIA. POETRY. POE-SIE". F-. Brigriet e Cia.Rio, 1948, 196 págs.

NOTA: Só daremos notrcia nesta.secção dos livrosque nos chegarem às mãos

NOVO LIVRO,DEMORA VIA

A Editora IPÉ, . de .SãoPaulo, que acaba.de dar "DsIndiferentes", de AlbertoMoravia, anuncia para, ja-neiro próximo, eu-tro ro-mance de grande êxito dojá. famoso autor italiano —"A ROMANA".

DICIONÁRIO BIO-BIBLIOGRÁFICO

BRASILEÍRGIniciaremos, em- um dos prâ-

ximos números a publicação dcDícionãrio BI o - Bre.io"rAIlcBrasileiro, organizado por MúcicLeão. Tratando-se de uma obrade amplitude vastíssima, nãofoi sem grande relutância quetomamos a deliberação :dei,to-clui-la nas páginas de AUTO-RES E LIVROS. Mesmo resu-mindo-a, -, mesmo¦; conseguindoem cada um dos nossos íascí-culos reservar-lhe cm media;quatro paginas — só ao cabede muitos anos, a teríamos da-do por inteiro ao leitor.

p Dicionário Bio-BivUw^fiea,Brasileiro abrange notícias bio-bibliográficas ,acê_rcc...d9s autor*res nacionaisí mortes oii vivos),acerca dos autores estrangeiro-:que trataram do BrEsiJ, dos au-tores estrangeiros que estãctraduzidos para a nossa língua¦ os mais eminentes, é claro).os pseudônimos literários, os.'.jornais, os grandes iatos lite-rários. Com a inclusão do DI-cionario em nossas páginas, es-peramos aumentar ¦ no espírixdo leitor o interesse que acasc;já lhe tenha merecido AUTO-RES E LIVROS.

LIVROS RECEBIDOSÍIORAVIA, Alberto —

"OS INDIFERENTES" —Coleção Oceano, v. 19 —Instituto Progresso Edito-rtal. São Paulo, 1948, 271UágS a

"BOLETIM DO MI-NISTÉRIO DO TRABA-

LHO, INDÚSTRIA E CO-MERCIO" — n. 161. Ja-neiro de 1948, Ano XIII,24G págs.

FONTES, Ivan —"IMAGENS E EMOÇÕES"

Editora Minerva Ltda.Rio de Janeiro, 1947, 109págs.

COSMO, Vina — "IN-

QUIETAÇAO" — PoemasIrmãos Pongetti — Edi-

tores — Rio de Janeiro,1948, 77 págs.

SANTOS, Vitto —

AUTORES E LIVROSPropriedade de Mucio Carneiro Leão

ASSINATURASAssinatura anual com registro ""S &.,£'_)

Endereço:Rua Fernando Mendes, 7-12.° and. — 37-9527

RIO DE JANEIRO, BRASILDistribuidor para todo o Brasil: Leònidas Lacerda — Praça

Marechal Florianq, 55 — 2.» andar. Fone: 42-5825.

Impresso nas oficinas da Editora Mory Lica.

Assinaturas e números' atrazadosAs assinaturas podem ser tomadas nos seguintes pomtos (além

da redação):Avenida Almirante Barroso n.° 72, 13.» andür — Fone:

22-8981, ramal 20. Tratar com o Sr. JoSo Pinheiro Neto.Av. Rio Branco, 4-18.° andar — Fone: 23-3SS1. Tratar

com Eurico Cardoso.Faculdade Nacional de Filosofia — 4." andar. Tratar cora

Artur Farias.NÜMEROS ATRASADOS: — Volume IX em diasite — nràs

dois últimos pontos acima c na redação. Volumes anteriores (pn-meira fase) — somente na redação.

^ '.„_—-- ~~

Page 12: LW® 3é> O - memoria.bn.brmemoria.bn.br/pdf/066559/per066559_1949_00001.pdf · nada sabia acerca da familia de sua avó paterna. O sigilo por êle guardado com referên- ... ²Vossa

Página 12 AUTORES E LIVROS

ALGUNS MORTOSDE 1948

(Continuarão da 1.* página)dos de almas, o analista mi-nucioso do Espeliio de Casa-dos; Roberto Simonsen, o autorjá agora clássico da HistóriaEconômica do Brasil; FernandoNery, o grande estudioso davida e da obra de Rui Barbosa,o erudito editor dos ApólogosDMogais, de D. Francisco Ma-nuel de Melo...

Esses, entre tantos outros, osprosadores.

O que dizer então dos poetas?Foram vários .os poetas bra-

sileiros que o ano de 1948 ar-rebateu para as eternas ale-luias...

E em primeiro lugar lembra-remos a figura daquele suavís-simo Júlio Salusse, o autor dosCisnes.

A vida — manso lago azul.. [algumas

vezes, algumas vezes mar[fremente...

cantou éle, na sua mocidade.—E o soneto amoroso em queassim falava ficou eterno...Nilo Bruzzi — que foi o maisconstante dos amigos de JúlioSalusse — revelou, num esplên-dido artigo do Jornal do Co-mercio, o segredo da paixão dopoeta: esse segredo chama-seLaura de Nova Friburgo. E foipara ela, para essa Laura quelhe inspirara tão puro e tãoalto amor, que êle escreveuaqueles deliciosos quatorze ver-sos dos Cisnes, como escreveutantos outros.

Depois de Júlio Salusse, Ha-rold Daltro (que aliás faleceuantes do autor dos Cisnes).Harold Daltro era um poetamais moderno, e cultivava ou-tros modelos, menos românti-cos, mais cotidianos. Morreuda maneira mais dramática.Em um dia de Carnaval foiatropelado por um automóvelem uma praça pública. Levadopara o hospital, faleceu. Seucorpo foi conduzido para o ne-crotério, em cuja mesa de már-more se achava deposto, parair ser conduzido para a valacomum, sem identificação...Não fosse a piedade insistentede um amigo, que, dando porfalta dele, se dispôs a pro-curá-lo por toda a parte, teriao seu corpo desaparecido na-quele recanto mais triste docemitério, onde vão dormir osúltimos abandonados da fortu-na...

Depois foi Júlia Cortines,essa doce velhinha, que na mo-cidade fora figura de real pres-tígio em nossas letras femini-nas. Estava de há muito emu-decida a sua meiga voz, redu-zída agora a compor ligeiras eraras melodias, que Júlia Cor-tines escondia ciumentamente...

E foi afinal Leal de Sousa.Esse era um poeta ardente, ca-valheiresco, inflamado, comoum legitimo gaúcho. Nasceranos p a g o s^ do Sul, e ao se fa-zer conhecido no Rio estavasempre o seu nome irmanadocom o de Aníbal Teófilo; como de Gregório Fonseca, com ode Alcides Maya. Seu estiloera inflamado, e êle escreviaversos veementes, do sabor dês-tes:Minhas avós foram formosasE meus avós foram heróis...

Martins Fontes, que tanto etão desveladamente o amou, viu

0 RIOSINHOMVCIO LEÃO

No fundo mais profundo da minha saudade doridaFlue a corrente suave de um rio tranqüilo e obscuro.Rio que foi um dos meus primeiros companheirosE que brincou comigo no tempo da meninice.

Pela manhã, as àeuas acordavam brancas e transpa-[rentes,

Tão transparentes e tão brancasQue os meninos mergulhavam,Para ir apanhar um alfinete,Que se jogasse lá no fundo.

Podiam-se ver as piabas, que nadavam buscandot alimento.

Podiam-se ver os camarões e os pitús,Que saiam das locas, debaixo das pedras.

.Tico só ia tomar banho pela madrugada, ainda meio[escurinho.

E a cada mergulho que dava, gritava, entusiasmado:— Ai, que maná! Ai que delicia!)

Mas depois as águas iam escurecendo...Vinham as lavadeiras,E lavavam a roupa suja na água limpa do rio.Vinham os donos dos cavalos,E lavavam os animais cansados na água fresca do no.Vinho toda a gente .E despejava as coisas ignóbeis da povoação na água

[virgem e cheirosa do rio.

E o rio ficava imundo das imundícies que os homens[lhe davam,

E que éle ia carregando, alegre, para o mar tão longe...

Havia lugares em que o lio era melhor, o banho mais[delicioso.

O Passarinho,A Caixa dágua, onde um dia morreu um homem,O sitio de seu Morais, onde um dia eu beijei Rosa.

E o rio fazia milagres também, quando era preciso:Não era de lá que Bento Milagroso tirava a água para

[as suas garrafinhas,A água que ia curando todos os doentes?

Quando o trem dos romeiros chegava,O páteo da estação se enchia de infelizes.Eram ceguinhos e paraliticos,Aleijados exibindo chagas que lembravam flores,Como as dos mendigos de Antonio Nobre,Tísicos que se arrastavam cuspindo os pulmões,E cancerosos e morféticos, cheirando de longe.

Mas um dia a policia proibiu o trabalho do cuiandeiro,E a água bôa do rio' deixou de fazer milagres.A perna de Pedro Coto, que Jà estava acendo, vol

Rio humilde e suave, rio límpido ejmundo^iojno-

Mo TatsTlorido das minhas recordações...

Sábado, 1-1-1949— Vo'. X, n.° 1

BARBOSA LIMA SOBRINHOViajando pelo Constella-

tion", chegou ao Rio de Ja-neiro, no dia 26, o sr. Bar-bosa Lima Sobrinho, go-vernador de Pernambuco.O ilustre acadêmico veio àcapital da República a con-vite erpresso do InstitutoHistórico e Geográfico Bra-ãilciro. afim de fazer umaconferência acerca da Revo*lucão Praieira.

Essa conferência realizou-,<p na tarde da última terça-feira (28 de Dezembro fin-da). Barbosa Lima Sobri-nho estudou, om sua confe-rência, aquele memorávelmomento da vida e da almade Pernambuco, pondo emdestaque certos aspectos quenele até hoje têm ficado na

nele um Mahatma, um Profe-ia um Eternlzador. Nos últi-mos anos, Leal de Sousa tinhase transformado no mais vi-brtinte propagandista das ver-dades do Espiritismo. Está, a

estas horas, verificando se asadivinhações que fazia enquan-to estava na terra, tinhamrealmente razão de ser...

Eis ai algumas das figurasilustres da vida brasileira queo ano de 1948 nos arrebatou.A essa galeria podemos acres-centar mais alguns nomes Igual-mente expressivos: o de D. Ma-

ria Augusta Hui Barbosa, o de

D. EvelinaNabuco.ode Eugênia

Álvaro Moreyra, o de Leal Cos-ta, o de Olinto Magalhães...

Ainda acham pouco?...

AS COMEMORAÇÕESA RUI E A NABUCO

Em Abril próximo, iniciará aAcademia Brasileira de Letrasas sessões comemorativas dcJoaquim Nabuco e de Rui Bar-bosa. Os meses de Maio, Ju-nho, Julho e Agosto, serão (Ie-dicados ao primeiro; os deAgosto, Setembro, Outubro cNovembro, ao segundo.

Em Agosto, realizará a Aca-demia uma sesão solene, de-dicada a Nabuco; em Novem-bro, uma outra, dedicada a Rui.

Também em 1949 — em ho-menagem a Rui — realizará aAcademia um Congresso de Es-critores Luso-Brasileiros.

edições deDezembro

Para as festas de 25 deDezembro e iim do ano, oiPÊ de S. Paulo anuncia opróximo lançamento dumdos mais curiosos livros in-tantis até hoje publicadosno Brasil: "As Caçadas deTio Vicente", de autoria deMário Donato Com profu-sa coleção de desenhos apro-priados, trata-se da histó-ria aventureira drs viagensdc Tio Vicente através doscinco continentes.

O IPÊ promete ademaisa esperado lançamento de"Toda a Poesia de Guiliier-me de Almeida", já nosprelos de suas oficinas grá-ficas, e que deverá enfeixarmim só volume de 700 pá-ginas, a "opera omnia" atéhoje composta pelo conhe-cido cultor das modernasletras pátrias.

A "Historia da RevoluçãoSoviética", de Chamberlain,será igualmente lançadanos primeiros dias de de-zembro, seguida por "Orga-nização Social dos Tupi-nambás", de Florestan Fer-nandes, da cátedra de Etno-grafia da Faculdade de Fi-losofia, Ciências e Letrasda Universidade de SãoPaulo.

CARTA ao conde...«Continuação da 5.* página)livres para as levantar aocéu, e encomendar a Deusos mesmos a quem não es-crevo, com muito maiorcorrespondência do meuagradecimento, porque umacarta em cada frota, é memória de uma vez cadaano; e as da orarão de tôdas as horas, são lembran-ças de muitas vezes cadadia. Estas ofereço a VossaExcelência sem nome dedespedida, e posto que emcarta circular e comum,nem por iso esquecido dasobrigações tão particularesque a Vossa excelênciadevo, e me ficam impressasno coração, Deus guarde aVossa excelência muitosanos, como desejo, com tô-das as facilidades destavida, e muito mais da quenâo tem fim. Bahia, dia deSanto Inácio, 31 de julhode 1694,

sombra, esquecidos por cro-nistas e historiadores. Umdesses aspectos, por exem-pio, é a grande, a fecundacontribuição que para o mo-vimento da Praia deram osgrandes proprietários dePernambuco, os senhores deengenho.

A conferência dc BaroosaLima Sobrinho encerrou-secom um formoso hino ci-viço aos rútilos heróis daRevolução de 1848, e emprimeiro lusar a Pe^L-o Ivoe a Nunes Machado.

Estudo sólido, severo, srú-dito e penetrante, fica essaconferência na bibliografiahistórica de Barbosa LimaSobrinho como um dos nú-meros mais importantesSerá de ora por diante o"pendant" daquela outramemorável conferência emoue. também oo InstitutoHistórico, o velho BarbosaLima — tio do atual gover-nndor de Pernamburo, que.como êle, ocupou com rarobrilho também o Paláciodas Princesas — evocou hátrinta anos a propósito deoutro centenário, outra me-morável revolução pemam-bucona — a de 1917.

Cartas de Joaquim. . .(Cont. da página 9)

conselho único, fciu preíeriavê-lo em uma Legaçáo a vê-logrande advogado, por causa dasua saúde e da sua obra. Quan-to a mim, nao se preocupe, Sea sua sorte lor melhor, maisfeliz, mais contente, a mutila-ção cicatrizará com o tempo, enao me restará senão a satis-íação de o ter salvado, e sal-vauo o seu nome aintta entôodesconnecido, do destino trai-çoeiro qus o ameaçou um mo-mento. sempre seu

Muito dedicado e ji saudosoAmigo

Joaquim NabucoO João Rioeiro, entre nós

dois, ou três, escreveu-me pe-dindo para sustentar com oKio Branco a preienção dele aum Consulado. Desejo ler o queêle esta dizendo no "Correioda Manha". De Gênova es-crevi ao Rio Branco uma cartamostianuo «.supunna enuao oDr. Olinto condenado? a laltade politica, do ponto de vistanacional, em se estar acusandoo governo passado de ter ahan-donado a integridade do Bra-sil no Acre. E' uma discussãoodiosa, quase perversa, e cujasretaliações reciprocas reverte-riam contra nós em caso dtarbitragem. Vejo peio discursodo banquete ao Pinhetro Ma-

¦ chado que o corifeu dessa poli-tica é o Ruy. Parece-me mui- ...to errada e sentirei que o RioBranco se identifique com ela.O lato e que o Acra é um...creação e conquista dos Acrea-nos que êie teve a haoilidade,uma vez íeíta, de chamar anossa mas que nao estava ain-da madura para a mesma ati-tucts do governo, nas adminis-trações anteriores. E a estreladele não é um argumento con-tra os outros! Isto muito paranós. Não me quero proiaun-ciar nessa questão que quasedesconheço. Precisamos ver-nose conversar. Estornos em crise.

,!. V.

Como me tornei tradutor de Heredia{Continuação da página 8)

De minha vida eterna empenhei o tesouro.

E agora que a inclinar para o ocaso me vejo,De Frei João de Segóvia igual sorte desejo,Morrer a cinzenar uma custódia em ouro.

A agora a nova:

Mais que os mestres áo gloria, apsear da grandeso,Quer seja Rniz, Arfeu, Jirnenez, Becerril,Berilos e rubis cravei cm jóias mil,Oe nm vaso a alça torci com perícia e levesa.

Em prata e sobre o iriado esmalte que a embeleza

Pintei, com o risco d'alma, J esculpi a buril.Não Cristo na cruz ou Santos na grelha hostil,Mas, vergonha. — o ébrio Baco ou Danaé

[surpresa.

Os cabos embuti de espnilas e punhaisE, para orgulho vão das coisas infernais,De .nir.ha vida eterna empenhei o tesouro.

E vendo para o ocaso a idade me inclinar,A Frei João de Segóvia eu quisera imitar,Cinzelando ao morrer uma custódia em ouro.

No nova tradução procurei, tant oquanto pos-sivel. seguir as razoes que presidiram a elabora-

cão oo soneto original. Desprezei somente o usoda rima em isa, cofrespor.dtme ao ise francês,porque jamais aceitaria traduzir Danaé sorpresaper Danaé indecisa, o que me induziu a conservaro som homófono esa. E anual não quis tambémusar o infinitivo para remate do último verso,pois que esta transposição correspondia a um ver-dadeiro aleiiâo estético de que não se deu cantao desavisado crítico a que me referi.

Ao que parece — c os leitores poderão ven-ficar — não houve vantagem alguma, ao menosquanto K musicalidade dos versos. Se é de sedesdenhar a primeira, a segunda não escaparia amesma sina.

Defeito rio tradutor? Quem «abe!